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IRACEMA E ALENCAR, ÍCONES LITERÁRIOS DE FORTALEZA José William Craveiro Torres 1 , Maria Ednilza Oliveira Moreira 2 1 Universidade de Coimbra, CAPES; [email protected] 2 Universidade Federal do Ceará; [email protected] Resumo Fortaleza (Ceará) é um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil, por conta dos seus 34 km de litoral. A sua praia mais conhecida é a de Iracema, que leva o nome da personagem mais famosa de José de Alencar. Pela cidade existem monumentos alusivos à Iracema, bem como muitas outras homenagens ao seu criador. Estando tão ligados à história e à cultura de Fortaleza, seria impossível que o autor e sua personagem não tivessem se tornado tão emblemáticos para a cidade. O presente ensaio tem, portanto, o objetivo de apresentar os esforços realizados pelo Poder Público (executivo e legislativo) e pela Universidade Federal do Ceará para tornar, definitivamente, Iracema e José de Alencar ícones literários de Fortaleza, por meio da valorização da Literatura Brasileira/Cearense e do fomento ao turismo em torno de locais e de monumentos relacionados à personagem e ao escritor.

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José de Alencar; Iracema; Romance; Romantismo; Fortaleza; Ícone Literário; Turismo Cultural; Poder Público; Universidade Federal do Ceará; Monumentos; Estátuas; Programa Iracema; Projetos.

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Page 1: [José William Craveiro Torres e Maria Ednilza Moreira] José de Alencar, Ícones Literários de Fortaleza

IRACEMA E ALENCAR, ÍCONES LITERÁRIOS DE

FORTALEZA

José William Craveiro Torres1, Maria Ednilza Oliveira Moreira2

1Universidade de Coimbra, CAPES; [email protected] Federal do Ceará; [email protected]

Resumo

Fortaleza (Ceará) é um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil, por

conta dos seus 34 km de litoral. A sua praia mais conhecida é a de Iracema, que leva o

nome da personagem mais famosa de José de Alencar. Pela cidade existem monumentos

alusivos à Iracema, bem como muitas outras homenagens ao seu criador. Estando tão

ligados à história e à cultura de Fortaleza, seria impossível que o autor e sua

personagem não tivessem se tornado tão emblemáticos para a cidade. O presente ensaio

tem, portanto, o objetivo de apresentar os esforços realizados pelo Poder Público

(executivo e legislativo) e pela Universidade Federal do Ceará para tornar,

definitivamente, Iracema e José de Alencar ícones literários de Fortaleza, por meio da

valorização da Literatura Brasileira/Cearense e do fomento ao turismo em torno de

locais e de monumentos relacionados à personagem e ao escritor.

Palavras-chave: Iracema; José de Alencar; Fortaleza; Literatura Brasileira;

turismo cultural.

Abstract

Fortaleza (Ceará) is one of the most visited cities in Brazil. Its most famous

beach is “Praia de Iracema” (Iracema Beach): the beach’s name is a tribute to Iracema, a

female character created by José de Alencar. In the city there are statues of Iracema and

many tributes to Alencar. Connected to the history and culture of Fortaleza, the author

and his character are very important to city. This essay aims to present the initiatives of

the Government and the initiatives of the Federal University of Ceará to transform

Iracema and José de Alencar in literary icons of Fortaleza through cultural tourism.

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Keywords: Iracema; José de Alencar; Fortaleza; Brazilian Literature; cultural

tourism.

1. INTRODUÇÃO

Fortaleza, capital do Ceará, é um dos destinos turísticos mais procurados do

Brasil, por conta dos seus 34 km de litoral e de seu sol, que brilha forte praticamente o

ano inteiro. A sua praia mais conhecida é a de Iracema: nela podemos encontrar bares,

restaurantes, barracas com apresentações musicais e com shows de humor, bem como

hotéis de luxo. Exatamente pela sua importância, a Secretaria de Cultura do município

denominou-a “Bem de Relevante Interesse Cultural” e, para fazer jus ao espaço, tem

adotado iniciativas capazes de expandir o turismo cultural na região.

Uma das iniciativas constitui-se, obviamente, no resgate da história da cidade,

motivo pelo qual foram instalados, recentemente, em um dos espigões da praia,

dezessete totens com trechos da obra Iracema, de José de Alencar, para mostrar aos

turistas e aos próprios fortalezenses como se deu a origem do povo cearense.

Pela cidade existem ainda outros monumentos referentes à Iracema, bem como

muitas outras homenagens a Alencar: teatro, praça, bairro... O presente ensaio tem,

portanto, o objetivo de apresentar os esforços realizados pelo Poder Público (executivo

e legislativo) e pela Universidade Federal do Ceará para tornar, definitivamente,

Iracema e José de Alencar ícones literários de Fortaleza, por meio da valorização da

Literatura Brasileira/Cearense e do fomento ao turismo em torno de locais e de

monumentos relacionados à personagem e ao escritor.

2. José de Alencar: vida e obra

José Martiniano de Alencar, ou simplesmente José de Alencar, nasceu na cidade

de Messejana, hoje bairro de Fortaleza, em 1829, e faleceu no Rio de Janeiro em 1877.

Filho do ex-padre José Martiniano de Alencar, um dos maiores nomes da política liberal

do Brasil Império, mudou-se com a família, ainda criança, para a Corte (Rio de Janeiro),

onde realizou seus estudos primário e secundário. Entre os anos de 1845 e 1850, cursou

Direito: parte em São Paulo, parte em Olinda (Pernambuco). Naquela época, escreveu o

seu primeiro romance, Os Contrabandistas, queimado acidentalmente por um colega de

quarto. Graduado, retornou ao Rio de Janeiro, para advogar, mas foi completamente

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absorvido pela Literatura: atuou como cronista do Correio Mercantil e, depois, como

redator do Diário do Rio de Janeiro. Nesse periódico, sob o pseudônimo de Ig.,

escreveu, em 1856, artigos polêmicos sobre A Confederação dos Tamoios, que lhe

renderam muitos dissabores, ao longo de toda a vida, e pelos quais pagaria muito caro:

ficaram conhecidos, esses artigos, por Cartas sobre a Confederação dos Tamoios.

Ainda em seu espaço de crítico, destaque-se a posição de José de Alencar sobre o

poema de Gonçalves de Magalhães, que então inaugurava a vertente indianista no

Romantismo brasileiro, mas apresentava falhas quanto aos aspectos formais e

conteudísticos.

Pelo Diário do Rio de Janeiro foram publicados os seus primeiros “romancetes”

(ou novelas) em fins da década de 50: Cinco Minutos, em 1856, e A Viuvinha, em 1857.

O Guarani, seu primeiro romance indianista, também saiu por este periódico em 1857.

Naquele primeiro momento, a prosa de José de Alencar foi fortemente marcada pelo

viés historicista. Ainda na segunda metade da década de 50, o autor de Iracema

escreveria para o Teatro: as comédias O Crédito, Demônio Familiar, Verso e Reverso;

os dramas As Asas de um Anjo e Mãe; e o libreto da ópera bufa A Noite de São João.

Tudo foi encenado no Teatro Ginásio Dramático do Rio de Janeiro.

Na primeira metade da década de 60, escreveu: As Minas de Prata, entre 1862 e

1866; Lucíola. Perfil de Mulher, em 1862; Diva. Perfil de Mulher, em 1864; e Iracema.

Lenda do Ceará, em 1865. Na segunda metade, dedicou-se a opúsculos de natureza

política, por ter sido eleito deputado provincial pelo Ceará, após a morte do pai, em

1860, e por ter ocupado a pasta da Justiça no ministério conservador de 1868-1870. São

desta época, portanto: Ao Imperador – Cartas Políticas de Erasmo, Ao Imperador –

Novas Cartas Políticas de Erasmo, 1865; Ao povo – Cartas Políticas de Erasmo, 1866;

O Juízo de Deus. Visão de Jó, 1867; e O Sistema Representativo, 1868.

No primeiro lustro da década de 70, José de Alencar retomou a ficção. Saíram-

lhe da pena os seguintes romances: O Gaúcho e A Pata da Gazela, em 1870; Sonhos

d’Ouro e Til, em 1872; Alfarrábios (“O Ermitão da Glória” e “O Garatuja”) e A Guerra

dos Mascates, em 1873; Ubirajara, em 1874; Senhora e O Sertanejo, em 1875. Ainda

em 1875, um drama, o derradeiro, intitulado O Jesuíta.

Em 1877, o ilustre autor veio à Europa para se tratar da tuberculose, mas não

obteve êxito: faleceu no mesmo ano, no Rio de Janeiro. Postumamente, vieram a

público o seu romance Encarnação, ainda em 1877, e a sua autobiografia, Como e Por

Que Sou Romancista, em 1893.

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3. Iracema

Iracema, a segunda obra indianista de José de Alencar, publicada em 1865, é

uma história romantizada com fortes traços de realidade – daí ser chamada de “lenda” –

da ocupação portuguesa no Ceará, no início do século XVII. Poderíamos dizer, também,

que é uma obra alegórica, porque representa, a partir de um caso específico, o que

aconteceu, ao longo dos séculos XVI e XVII, por toda a América: o encontro dos

europeus com os nativos, com os indígenas; o processo de ocupação do território para

posterior exploração; a colonização da América por parte do Velho Mundo; e,

principalmente, a formação de um novo povo, formado da mistura entre europeus e

nativos. Talvez por isso, “Iracema”, que, de acordo com o seu autor, significa, em

guarani, “lábios de mel”, seja o anagrama perfeito de “América”.

O livro conta a história de Iracema, índia com a qual o colonizador português

Martim Soares Moreno, que de fato existiu, teria vivido um romance. Desse enlace

amoroso teria nascido Moacir, o primeiro cearense, o fruto do amálgama de duas raças;

em suma, o típico brasileiro ou, já noutra escala, o verdadeiro americano.

O argumento da narrativa, como deixou claro o próprio autor, é histórico: trata-

se da ocupação e da colonização do Ceará pelos portugueses, sob o comando de Martim

Soares Moreno, com o apoio dos índios Potiguara, que habitavam o litoral e que eram

chefiados por Jacaúna e por seu irmão Poti, que realmente existiram. A narrativa faz

alusões, ainda, às lutas que os portugueses e a tribo dos Potiguara travavam contra os

demais povos europeus que ameaçavam a soberania portuguesa sobre o território;

sobretudo contra os franceses, que eram sempre apoiados por tribos indígenas do

interior, como os Tabajara, os Guaraciaba e os Tupinambá. No entanto, prevalece, na

narrativa, o ficcional: o encontro de Iracema e Martim; a fuga de ambos, em direção ao

litoral, retirando-se da tribo de Iracema, formada pelos índios Tabajara; a solidão e a

consequente tristeza da índia, quando Martim dela se afastou para batalhar contra os

“homens brancos”, os Guaraciaba e os Tupinambá, que ameaçavam a soberania

portuguesa pelas terras do litoral fortalezense; o nascimento de Moacir, “filho do

sofrimento”; a morte de Iracema; e a triste despedida de Martim da costa cearense,

levando consigo o seu filho e o fiel cão Japi.

De fato, o que José de Alencar parece ter feito, em Iracema, foi um romance

histórico nos moldes dos de Alexandre Herculano ou dos de Victor Hugo, em que

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locais, personagens e fatos apresentados são reais, mas sem que isso interfira na

liberdade do escritor em (re)criar as personagens de seu livro, geralmente baseadas no

que a tradição oral, ou seja, a lenda – não a História –, diz sobre elas. As localidades

cearenses apresentadas pelo narrador, ao longo de toda a obra, realmente existem: Ipu,

Ibiapaba, Ibiapina, Acaraú, Camucim, Meruoca, Uruburetama, Iguape, Mocoribe,

Batuireté, Quixeramobim, Maranguab, Porangaba, Sapiranga, Aratanha, Guaiúba,

Pacatuba, entre outras.

4. Os esforços do Poder Público para manter viva a memória de Alencar

A primeira grande homenagem a José de Alencar, em Fortaleza, foi feita em 17

de junho de 1910, com a inauguração, no centro da cidade, de um teatro que leva o seu

nome. Isso certamente se deu pelo fato de Alencar ter sido, além de romancista, um

grande dramaturgo; sem dúvida, o maior nome cearense das Letras àquela época. O

Theatro José de Alencar, que é o principal teatro do Ceará, é um equipamento cultural

administrado pelo Governo do Estado. Mais que um simples edifício, trata-se, na

verdade, de um verdadeiro complexo cultural, formado por dois prédios principais – o

primeiro, em estilo neoclássico, com um auditório para 120 pessoas; o segundo, em

estilo art noveau, a sala de espetáculos propriamente dita, com capacidade para 800

pessoas – e pelos jardins de Burle Marx, que abrigam uma área aberta, a Praça “Mestre

Pedro Boca Rica”, o Centro de Artes Cênicas do Ceará “Padaria Espiritual”, a Sala de

Teatro “Nadir Pápi Saboya” e o Teatro “Morro do Ouro”. Podemos encontrar, ainda,

nesse complexo, a Biblioteca Carlos Câmara, a Galeria Ramos Cotôco, quatro salas de

estudo e ensaio, e a Sala de Música “Jacques Klein”. O Theatro José de Alencar abriga,

também, a Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho, o Curso “Princípios Básicos de

Teatro e Circo” e oficinas de cenotécnica, iluminotécnica e figurino.

A segunda homenagem ao ilustre cearense veio da Câmara Municipal de

Fortaleza, que decidiu, dezenove anos após a construção do teatro, nomear a praça que

fica em frente a esse equipamento cultural de “Praça José de Alencar” (antes, “Praça

Marquês do Herval”). Àquela homenagem seguiu-se a construção de um monumento no

centro da praça, em granito branco, com seis metros e meio de altura e quatro de

largura, no qual podemos encontrar uma estátua em bronze do escritor. Ao redor do

monumento, podemos ver, em baixo relevo, cenas dos dois principais romances

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indianistas de José de Alencar: O Guarani e Iracema. A autoria do monumento, que foi

inaugurado em 1º de março de 1929, para comemorar o primeiro centenário de

nascimento do romancista e dramaturgo, é do paulista Humberto Cozzo.

A terceira homenagem a José de Alencar também veio da Câmara Municipal de

Fortaleza, que decidiu, em 1930, após um concurso público, mudar o nome da “Praia do

Peixe” para “Praia de Iracema”, porque teria sido mais ou menos naquela praia em que a

índia teria ido morar com Martim Soares Moreno, ao chegar à costa cearense. O Bairro

no qual se encontra a Praia de Iracema, que leva o mesmo nome da praia, também traz

homenagens a José de Alencar: a maior parte das suas artérias (ruas e avenidas) alude a

tribos indígenas: Tabajara, Cariri, Potiguara etc.

A quarta homenagem foi feita também por meio de Iracema: trata-se da

escultura mais antiga, em Fortaleza, criada em torno da personagem. De autoria do

pernambucano Corbiniano Lins, e inaugurada em 24 de junho de 1965 pelo Presidente

da República Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, a “Estátua de Iracema”,

localizada na enseada do Mucuripe, traz a imagem da índia, em pé, em frente a uma

jangada na qual podemos ver, sentados, Martim, o filho Moacir, dentro de um cesto,

entre as pernas do pai, e o fiel cão deste, Japi, como se estivessem se afastando da costa

cearense: cena que pode ser percebida tanto no início quanto no fim da obra. Esta

estátua foi erigida para homenagear o centenário do livro. Em abril de 2006 foi

recuperada pelo poder público municipal para a comemoração dos 280 anos da cidade

de Fortaleza.

A quinta homenagem a José de Alencar também veio em forma de Iracema: a

estátua “Iracema Guardiã”, do artista plástico cearense Zenon Barreto. Esculpida em

ferro no ano de 1960, ela foi entregue à Prefeitura de Fortaleza cinco anos depois,

justamente no ano do centenário da obra. Deveria ter sido inaugurada exatamente em

1965, mas, não sabemos por qual motivo, somente veio a público em 1996. Esta estátua

fica no aterrinho da Praia de Iracema. Ela retrata a heroína de frente para o mar,

segurando um grande arco, em posição de batalha. Em 2012, a estátua foi restaurada,

depois de ter sido quase destruída por sucessivos atos de vandalismo.

A sexta homenagem veio de uma sociedade filantrópica: o Rotary Clube de

Fortaleza. O marco rotário traz a personagem Iracema sobre um globo terrestre,

segurando a insígnia da instituição. Denominada de “Índia Iracema”, a estátua, que fica

na Avenida Castelo Branco, é obra do artista plástico cearense Descartes Gadelha. Foi

inaugurada em 2002.

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A sétima homenagem a José de Alencar foi feita pelo Governo do Estado do

Ceará, que, a partir de 2011, nomeou de “Iracema” um dos palácios destinados à

residência do Governo. Antes, porém – para sermos mais exatos, a partir de 15 de

fevereiro de 2005 –, já havia, nas dependências do referido Palácio, uma estátua da

personagem, esculpida em resina acrílica e revestida por 92 mil pedaços de cristal pelo

artista cearense Francisco Zananzanan.

A oitava homenagem a José de Alencar foi feita pela Prefeitura de Fortaleza, em

1º de maio de 2004, na gestão de Juraci Magalhães, para comemorar os 278 anos da

cidade e os 175 anos de nascimento do escritor. Trata-se de uma estátua de Iracema no

centro da Lagoa de Messejana, feita por Alexandre Rodrigues a partir dos traços da

modelo cearense Natália Nara, que possui feições indígenas. A modelo foi escolhida em

meio a 2.760 mulheres que se candidataram a um concurso promovido para esse fim

pelo Sistema Verdes Mares de Comunicação. A estátua “Iracema, musa do Ceará”,

como é chamada, retrata a índia sentada numa pedra, empunhando a lança com uma

mão e banhando-se, por meio de uma cuia, com a outra: seria mais uma das cenas do

romance.

A nona homenagem a José de Alencar veio de uma mobilização popular puxada

por um artista local, João Netto. O comediante conseguiu, junto a seus vizinhos, mudar

de “Alagadiço Novo” para “José de Alencar” o nome do bairro. O projeto foi

apresentado à Câmara Municipal de Fortaleza pela vereadora Fátima Leite e sancionado

em dezembro de 2007. Nesse bairro, que pertencia à antiga cidade de Messejana, fica a

propriedade onde nasceu José de Alencar, administrada, atualmente, pela Universidade

Federal do Ceará – UFC.

Estando de tal forma presente no imaginário do povo cearense, notadamente no

do povo fortalezense, a personagem Iracema foi, em dezembro de 2011, instituída como

“Ícone Cultural do Município”, por força da lei conduzida pelo vereador Guilherme

Sampaio, do Partido dos Trabalhadores – PT. A partir de então, o dia 1º de maio, data

de nascimento de José de Alencar, ficou instituído como o Dia de Iracema. Poderíamos

dizer que esta foi a décima homenagem da cidade ao escritor. O Projeto de Lei do

vereador petista também previa a implantação, num dos espigões da Praia de Iracema,

de dezessete totens contendo todos os capítulos do romance, o que foi feito

recentemente.

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5. As iniciativas da Universidade Federal do Ceará para preservar a memória de Alencar e o seu legado literário

As iniciativas da Universidade Federal do Ceará para manter viva a memória de

José de Alencar não ficam atrás daquelas realizadas pelo Governo do Estado do Ceará e

pela Prefeitura Municipal de Fortaleza; ou seja, pelos poderes públicos estadual e

municipal. Em 1965, no centenário de Iracema, o então magnífico reitor da

universidade, Antônio Martins Filho, adquiriu o terreno que pertenceu à família do

autor, que ficava no bairro do Alagadiço Novo, atual “José de Alencar”, como vimos.

O sítio, adquirido por José Martiniano de Alencar, pai do romancista, em 1825,

abriga uma edificação histórica, uma casa do tempo em que o escritor, ainda menino,

por ali viveu com a família, até os nove anos; ruínas arqueológicas do primeiro engenho

a vapor do Ceará, construído em meados de 1830; a biblioteca “Braga Montenegro”, na

qual podemos encontrar várias obras de José de Alencar; o Museu Artur Ramos; a

pinacoteca Floriano Teixeira, que traz uma exposição permanente de 32 quadros (telas a

óleo e desenhos) do pintor maranhense que lhe dá nome, em torno de personagens

alencarinas (Iracema e Martim, Peri, Lúcia, Aurélia, Arnaldo, Emília etc); a Sala

Iracema, na qual se encontram 33 desenhos feitos a bico de pena e nankim pelo artista

plástico cearense Descartes Gadelha, em torno das principais cenas do romance

indianista em apreço, além de uma tela a óleo em torno do mesmo tema; e a Coleção

Luiza Ramos, em torno das rendas de bilro cearenses. Ao lado do prédio principal há,

ainda, um restaurante – Restaurante Iracema – com comidas típicas, que atende aos

visitantes do equipamento cultural.

A outra iniciativa da Universidade Federal do Ceará veio da Prof.ª Doutora

Maria Ednilza Oliveira Moreira, do Departamento de Letras Vernáculas, que, desde

2011, vem desenvolvendo, por meio da Pró-Reitoria de Extensão, o Programa “Iracema,

o Retrato de Fortaleza”, junto não só à comunidade acadêmica, mas a toda a

comunidade fortalezense.

Partindo do pressuposto de que os equipamentos culturais anteriormente

apresentados, por si só, nada dizem sobre a personagem, sobre o escritor e sobre a

cultura cearense aos cidadãos de Fortaleza e aos turistas que visitam a cidade, a

professora preocupou-se em capacitar, a partir de alunos da universidade, que seriam

agentes formadores, os vários segmentos da sociedade que, direta ou indiretamente,

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lidam com a Literatura Cearense e trabalham com o turismo: professores, artesãos,

taxistas, seguranças patrimoniais, guias de turismo e outros.

O intuito da professora, primeiramente, foi o de suscitar ou o de reforçar, no

povo fortalezense, um imaginário em torno de Iracema, para que esse, naturalmente,

possa ver os monumentos em torno de Alencar e de sua personagem como pontos

obrigatórios de visitação turística; assim, a professora pensou em estratégias de ação, ou

de formação, em todos os níveis e em todas as modalidades de ensino (fundamental,

médio, superior, profissionalizante), de modo a envolver diferentes segmentos da

sociedade, e não apenas as escolas e as universidades. Tais estratégias começariam, em

todos os níveis, por explorar a personagem em apreço a partir de várias percepções (do

romance, das letras das músicas, dos textos jornalísticos, das pinturas, dos desenhos, das

esculturas), para criar ou para reforçar, no povo, um rico imaginário em torno de

Iracema e de sua história. A partir daí, cada um iria, dentro da sua ocupação, da sua

profissão, desenvolver produtos ou serviços com base no que aprenderam: os artesãos,

esculturas, pinturas, bordados; os taxistas, itinerários turísticos; os funcionários da rede

hoteleira, mapas ou folders dando conta das atrações turísticas em torno do autor, da sua

obra, da personagem e da história do Ceará. Exatamente por isso, o Programa engloba,

basicamente, três projetos: o Curso de Leitura “Conhecendo melhor Fortaleza, a Terra

que nos remete à Iracema”, que tem por objetivo levar à comunidade em geral

informações históricas e literárias acerca da cidade, de José de Alencar, de sua obra e da

personagem em questão; a Feira de Artesanato “Um momento com Iracema”, que

procura incentivar os artesãos a produzirem objetos de arte e souvenirs que tematizem

Iracema, com vista à livre comercialização; e “Iracema vai à Rádio”, que tem por intuito

divulgar, por meio da programação da Rádio Universitária e de outros meios, canções e

poemas que fazem alusão à personagem, bem como anúncios publicitários em torno das

atividades que estão, direta ou indiretamente, relacionadas ao Programa.

Os frutos do Programa “Iracema, o Retrato de Fortaleza” já vêm sendo colhidos:

o patrimônio público em torno de Iracema tem sido mais respeitado pela comunidade; o

trabalho dos guias turísticos em torno dos equipamentos anteriormente assinalados tem

obtido maior aprovação do público; os artesãos passaram a retratar, mais e melhor, em

suas produções, a personagem Iracema; os alunos de todos os níveis, das escolas

públicas e particulares, e também os da universidade, já não são tão indiferentes à

personagem alencarina e ao seu criador como antes; e José de Alencar e Iracema

passaram a ser mais respeitados pelo Poder Público, tanto o estadual quanto o

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municipal. Aliás, nesse sentido, devemos dizer que foi o Programa coordenado pela

Prof.ª Ednilza Moreira o grande responsável pela criação do Dia de Iracema (1º de

maio), em Fortaleza, e do Projeto de Lei do vereador Guilherme Sampaio que deu à

Iracema o título de “Ícone Cultural do Município”.

6. CONCLUSÃO

Ao cabo de tudo o que foi dito, acreditamos que tenha ficado claro para os

leitores deste ensaio o porquê de Iracema e de Alencar terem sido eleitos, desde muito

cedo, ícones literários de Fortaleza: o escritor, sem dúvida nenhuma, pelo fato de ter

sido o primeiro homem da cidade – do estado do Ceará, na verdade – a se projetar

nacionalmente, em se tratando de Literatura; a personagem, por ser, ainda hoje, uma das

mais presentes no imaginário de todo e qualquer brasileiro, quando pensa em

personagens de ficção, e uma das que melhor representa o povo indígena, por

simbolizar, como poucas, a figura do nativo, ou seja, daquele que já vivia por solo

brasileiro aquando da chegada dos portugueses. Tais fatos, portanto, já seriam

suficientes para justificar tantas homenagens feitas pelo poder público estadual e pelo

poder público municipal ao longo de toda a cidade: estátuas, bairros, praça, teatro etc.

Esperamos, ainda – e principalmente –, que este ensaio tenha conseguido

mostrar àqueles que sobre ele se debruçaram a importância da Universidade Federal do

Ceará para o fomento do turismo em torno dos equipamentos culturais que

homenageiam Iracema e Alencar, bem como para a preservação da memória do escritor,

da sua obra e da personagem junto ao povo fortalezense (ou ao povo cearense) e aos

turistas que visitam a cidade, por meio de diversas ações educativas e formativas.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alencar, J. (s.d.). Iracema. Fundação Biblioteca Nacional/Departamento Nacional do Livro. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000014.pdf

Bosi, A. (2006). História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix.Câmara Municipal de Fortaleza (2011). Debate na Câmara destaca Iracema como

patrimônio histórico de Fortaleza. Acesso em 01 dezembro 2014. Disponível em http://wp.cmfor.ce.gov.br/cmfor/debate-na-camara-destaca-iracema-com-o-patrimonio-historico-de-fortaleza/

Diário do Nordeste (2013). Caminhos de Iracema: História e Cultura nas Férias. Acesso em 01 dezembro 2014. Disponível em

Page 11: [José William Craveiro Torres e Maria Ednilza Moreira] José de Alencar, Ícones Literários de Fortaleza

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/suplementos/tur/historia-e-cultura-nas-ferias-1.362476

Governo do Estado do Ceará/Secretaria da Cultura (2013). Theatro José de Alencar. Acesso em 01 dezembro 2014. Disponível em http://www.secult.ce.gov.br/index.php/equipamentos-culturais/theatro-jose-de-alencar

Portal Messejana (s.d.). Fortaleza é assim: Iracema, a virgem dos lábios de mel. Acesso em 01 dezembro 2014. Disponível em http://www.portalmessejana.com.br/noticias.php?exibir=turismo&id_noticia=6144

Universidade Federal do Ceará (s.d.). Casa de José de Alencar. Acesso em 01 dezembro 2014. Disponível em http://www.ufc.br/cultura-e-arte/equipamentos-culturais/2040-casa-de-jose-de-alencar