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Tiragem: 20000 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Interesse Geral Pág: 3 Cores: Cor Área: 24,00 x 30,20 cm² Corte: 1 de 8 ID: 69487429 12-05-2017 | Et Cetera ENTREVISTA JOSÉ MIGUEL JÚDICE "Um advogado é alguém que não deixa cair um cliente" Em entrevista ao Jornal Económico, José Miguel Júdice revela a intenção de se reformar dentro de dois anos, quando chegar aos 70. Numa conversa em que faz um balanço da sua longa carreira como advogado, promete continuar ativo na arbitragem e diz que o país está hoje muito melhor do que há 42 anos, quando começou a advogar. FIUPE ALVES E MARIANA BANDEIRA [email protected]

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Page 1: JOSÉ MIGUEL JÚDICE Um advogado é alguém que não deixa cair … · 2017-05-12 · porate e transacional do que um advogado de tribunal. Comecei a fazer tribunal desde que cheguei

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ENTREVISTA

JOSÉ MIGUEL JÚDICE "Um advogado é alguém que não deixa cair um cliente"

Em entrevista ao Jornal Económico, José Miguel Júdice revela a intenção de se reformar dentro de dois anos, quando chegar aos 70. Numa conversa em que faz um balanço da sua longa carreira como advogado, promete continuar ativo na arbitragem e diz que o país está hoje muito melhor do que há 42 anos, quando começou a advogar.

FIUPE ALVES E MARIANA BANDEIRA [email protected]

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em 68 anos. Está mesmo a pensar reformar-se aos 70? Temos um sistema na PLMJ em que nos po-demos reformar aos

62 e em que temos de nos reformar aos 65. No entanto, os meus sócios, quando tinha 61-62 anos, pediram-me por unanimidade que ficasse até aos 70. Assumi esse compromisso mas, quando fizer 70 anos, terei quase 44 de vida na PLMJ. Que me lembre, nunca um sócio funda-dor de uma sociedade de advogados saiu em es-tado que não fosse, infelizmente, terminal. Acho que é preciso dar esse sinal. Em dezembro de 2019 deixo de ser advogado e passo a ser apenas árbitro. Continuo a trabalhar, mas será um pouco menos, há que dizer a verdade. Des-cansar mais, ter mais tempo para a família. Não quer dizer que, pontualmente, não faça outras coisas a nível profissional, mas não vou advo-gar contra o meu antigo escritório, que ajudei a fundar. Reformar-me como advogado não é reformar-me como árbitro, que fique claro. Vou trabalhar até não haver uma pessoa sensa-ta e amiga a dizer-me "acaba com isso, já está a ser uma vergonha' [risos]. Vou continuar fora do escritório. Não terei nada a ver com PLMJ, a não ser os amigos que aqui estão. E continuarei árbitro. Pode acontecer que venha uma empre-sa pedir-me para ser consultor jurídico estraté-gico, não de advocacia. Pode ser que aceite uma ou duas funções. Sempre achei graça e nunca tive tempo para isso.

Aceitaria ser administrador não--executivo de empresas? Pode ser que aceite ser membro não executivo de boards.

Já recebeu propostas nesse sentido? Não, não estou nesse mercado nem nunca esti-ve. Já fui, pontualmente, mas sempre de clien-tes do escritório, como quando fui presidente do conselho geral da Vodafone. Pode acontecer que ache graça, se ainda me sentir bem daqui a dois anos.

A arbitragem é uma paixão? Gosto muito e é profissionalmente muito inte-ressante. Sobretudo o esforço que ando a fazer há uns anos a nível internacional - sair de um mercado em que sou conhecido. Passo Badajoz e não acredito que haja alguém que saiba quem é o Júdice, a não ser aqueles que se dedicam à arbitragem. É um esforço muito motivador. Acho que ternos a idade da energia que conse-guirmos pôr nos nossos desafios.

Durante muitos anos, o escritório esteve ligado às figuras dos seus fundadores. Acha que a PLMJ está preparada dar o passo em frente? Hoje em dia já não está [dependente dos funda-dores]. Embora seja verdade que - talvez não saiba, porque não falamos muito nisso - eu, até aos finais do séc. XX, fui mais um advogado cor-porate e transacional do que um advogado de tribunal. Comecei a fazer tribunal desde que cheguei ao escritório, nos anos 70, e nessa altu-ra era muito raro as sociedades nossas concor-rentes dedicarem-se a isso. Em 98-99 fizemos uma reestruturação e eu assumi, como estraté-gia, dedicar-me à dispute resolution e pratica-mente deixei de fazer outros trabalhos. Peguei numa equipa muito jovem e fizemos um cresci-mento exponencial da área de dispute resolution, nessa altura centrado sobretudo nos processos

judiciais. De facto, hoje em dia, somos das so-ciedades que mais advogados tem a fazer liti-gãncia judicial em Portugal. Não vou dizer que somos melhores nem piores, porque isso não é bonito e seria chocante falar em causa própria, mas os diretórios internacionais reconhecem a qualidade de PLMJ.

É advogado há 42 anos. Quando se retirar, aos 70, terá sido advogado há 44 anos. Ao longo desse tempo, o que mudou na profissão e na magistratura? Comecei em 1975 como estagiário. Mudaram muitas coisas, umas para o bem e outras para o mal. Começando por aí - sou mais crítico do que outras coisas na vida -, a comunidade jurí-dica deslaçou.

Havia um sentimento de comunidades Lembro-me que havia um grupo enorme e que à sexta-feira íamos almoçar ao Parque Mayer. Juízes, procuradores, advogados... Era frequen-te. Hoje em dia, infelizmente, isso mudou. As profissões separaram-se muito. A Ordem dos Advogados teve muita culpa nisso, quando não continuou o progresso no Congresso da Justi-ça, que lançámos em 2003. Outra das coisas que começou a correr mal foi o sistema ter sido inundado de litigãncia de massa e ter demorado a reagir. Ainda hoje não sabem enfrentar um problema. Os códigos processuais não evoluí-ram em função da alteração da realidade social e económica e até tecnológica. Começam a evo-luir, mas estamos ainda muito atrasados a esse nível. A especialização tem enormes vantagens mas também tem alguns inconvenientes. Um dos problemas que tem a magistratura é con-frontar-se com advogados altamente especiali-zados que não têm tempo, por excesso de traba-lho, de se especializar Conto sempre a história de um processo muito engraçado que tive - que aliás em me correu bem -, que tinha a ver com

66 Hoje em dia, a PLMJ não está, dependente das figuras dos seus fundadores. Temos advogados notabilíssimos de 30 e 40 anos que o mercado ainda não desconta totalmente. É o preço a pagar pela juventude

uma fachada que colapsou na Avenida da Li-berdade e eu era advogado do construtor. O juiz dedicou-se àquilo de tal maneira... e deu uma sentença notável. Era um notabilissimo juiz de Direito da Construção, mas não é possí-vel em Portugal que, sabendo-se isso, as pessoas fossem colocar naquele juiz os processos de Di-reito da Construção. A magistratura tem de re-fletir sobre essa matéria. Os desafios ao Estado de Direito são hoje muito mais graves do que eram. Não fui advogado no tempo da ditadura mas, curiosamente, nessa altura, havia uma re-sistência contra o Estado de Direito que era gravíssima. Hoje em dia, felizmente, são muito menos graves mas há urna tolerancia maior às violações do Estado de Direito. Por isso é que eu critiquei ferozmente aquilo que aconteceu ao Dr. Dias Loureiro, pessoa com quem não te-nho relações pessoais e que considero que é um exemplo negativo. Se o tribunal considera que não descobriu fundamentos, não tem de fazer uma condenação moral jurídica com a qual não se pode defender.

Quando diz que a lei não acompanhou a evolução social refere-se, por exemplo, a questões como o segredo de justiça? Por exemplo. Aliás, aí houve umas mudanças impulsionadas por 2003, no sentido de o segre-do de justiça ser a exceção. Infelizmente, ele é a exceção - mas onde é a regra continua a violar--se. A ideia era que se eu tiver um milhão de pa-péis para guardar ou dez mil é mais fácil guar-dar dez mil. Aparentemente não. Cada vez mais, agora já sem vergonha, as entidades da policia de investigação passam informações como estratégia processual. Há coisas muito boas. A qualidade da advocacia portuguesa ten-de a melhorar, não tenho dúvida nenhuma. A assistência jurídica a pessoas mais desfavoreci-das melhorou muito - justiça mais democráti-ca. Antes dependia da boa vontade e do altruís-mo. A capacidade de formação também com a Internet e o conhecimento de línguas. A quali-dade técnica da magistratura melhorou, mas a experiência nem sempre, porque os juízes cada vez começam mais novos e aprendem a julgar. Antes do 25 de abril aprendiam como procura-dores. O Carlos Lima, um grande bastonário, disse uma vez: "Dediquei a minha vida à advo-cacia e estou muito deprimido porque deixo-a pior do que era quando comecei". Não estou tão pessimista porque acho que as coisas estão a melhorar em muitos aspetos, mas há muito a fazer e a aprender com os países de common law, que funcionam melhor.

Há um tema que tem estado na ordem do dia que é a corrupção. Há quem diga que temos um país mais corrupto do que era antigamente. Acha que é verdade? Comparo com o problema da violência domés-tica. Hoje em dia, basta ler as notícias: há muito mais violência doméstica do que havia há 30 ou 40 anos. Eu penso que não. O problema da vio-lência doméstica é menor, só que as pessoas reagem mais. Há menos toleráncia social. A corrupção é a mesma coisa. Não tenho dúvidas de que na ditadura e no pós-25 de abril havia muita corrupção. Agora está mais visível. Um dos meus lemas sempre foi a luta contra a cor-rupção. Lembro-me de ter colaborado com o coronel Costa Brás, alta autoridade contra a corrupção, em debates e iniciativas nos anos 80. Enquanto bastonário também. A transparência é um fator decisivo. Comparar o Portugal de hoje com aquele em que eu nasci ou estudei... Há muita falta de memória histórica ou de me-

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mória fisica das pessoas que eram vivas nessa altura. Portugal está muitíssimo melhor do que há 40 ou 50 anos, com todos os problemas gra-ves que temos.

A classe política é melhor ou pior? Há de tudo. A classe política vai ter de melhorar e está a melhorar. O que se está a passar em França com o Macron é impressionante, e vai ser uma vassourada brutal na classe política. Isso ainda está por fazer em Portugal, mas vai fazer-se. Estou convencido de que a classe polí-tica, que foi muito boa a seguir ao 25 de abril, porque muita gente se dedicou à política, vai melhorar. Dar menos dinheiro aos partidos e dar melhor ordenado aos políticos.

O que pensa da crise entre partidos do cen-tro-esquerda e centro-direita a que esta-mos a assistir? Apesar de tudo, não é tão grave como noutros países, à exceção da Alemanha. Se olharmos para a maioria dos países, haverá uma crise gra-víssima do sistema partidário que em Portugal não existe tanto.

Acha que a estratégia de António Costa ajudou? Sim, ajudou. A bipolarização é sempre uma boa solução para evitar isso. É evidente que os par-tidos têm de mudar de vida porque eles têm muito pouco a ver com a sociedade. Têm de se adaptar e de arranjar novas formas de o fazer.

Como vê a PLMJ daqui a 50 anos? As grandes marcas da advocacia sobreviverão à saída dos seus fundadores. Todas têm ainda fundadores vivos e a trabalhar. Se o Luís Sá-ragga e eu sairmos, seríamos os primeiros. Somos dos mais novos, curiosamente... Não tenho dúvidas de que hoje em dia a PLMJ é uma instituição com uma capacidade de rege-neração impressionante. Não é segredo que em 2007 e 2009 tivemos a saída de dois nota-bilíssimos grupos de advogados, mas têm-se juntado a nós outros tão notáveis como eles e temos podido crescer. Numa floresta, quando se cortam algumas árvores grandes, descobri-mos mais pequenas que são capazes de se tor-nar tão grandes como aquelas. Atualmente, temos advogados notabilíssimos de 30 e 40 anos que o mercado ainda não desconta total-mente. É o preço a pagar pela juventude. Di-ria que quando sair saio completamente tran-quilo. Quando cheguei éramos três advoga-dos e hoje somos mais de 300. A PLMJ existe quase como se eles não existissem. Até por-que disse ao mercado que só faço arbitragem, ninguém me vem pedir um trabalho que não seja para arbitragem. Nos últimos anos, o es-critório continuou a crescer a mais de 10% e este início de ano está a ser notável, apesar de termos uma concorrência cada vez maior e da internacionalização, que leva a que muitos advogados estrangeiros concorram no mer-cado português. Estou muito otimista. Conti-nuamos a crescer e a ser desejados pelas men-tes brilhantes que saem das faculdades. Ainda este ano fizemos mais alguns sócios. Na mi-nha equipa foram promovidos a associados coordenadores dois notáveis advogados. Continuamos a fazer casos grandes, pequenos e médios — o nosso segredo — e, provavelmen-te, seremos o escritório com um rácio de pled-ges para igualdade entre homens e mulheres. A quantidade de advogadas que temos em lu-gares de destaque não é uma aposta politica-mente correta. Costumo dizer que se não sou um mau advogado é devido ao meu lado fe-

minino. Na minha equipa há mais mulheres do que os homens.

O crescimento será com base em talentos das faculdades ou equipas vindas de fora? Há pouco tempo integraram a equipa do Diogo Perestrelo. Tivemos mais. O Bruno Ferreira, o Gonçalo, vários advogados que vieram com as suas equi-pas, pequenas ou grandes. Temos várias formas de captação. Vamos imaginar o Real Madrid. Há os galáticos, que são os que são contratados à concorrência. Depois há os que começam como infantis, como estagiários, e depois há o talento universitário que nós vamos buscar às faculdades. E ainda os estrangeiros. Estamos abertos a todas as nacionalidades.

Admite que o futuro possa passar pela fusão com outro grande escritório? Não é a nossa cultura, não se tem falado e não acredito que seja a opção estratégica dos nossos sócios. Como dizia o Luís Sáragga Leal com graça: 'Vós somos ótimos para namorar e pas-sar fins de semana, mas não queremos casar". Essa pergunta tem de ser feita ao Luís Pais An-tunes. É ele o homem da estratégia, enquanto presidente do conselho de administração.

Como é que vê o atual bastonário? Tenho muita esperança neste bastonário e muito respeito por ele. Está a fazer uma coisa que acho sensata. Está calado e a tentar analisar tudo com atenção para poder agir. Acredito que vai poder fechar um ciclo que foi negativo para a Ordem dos Advogados. Acho que a Or-dem tem de evoluir no sentido anglo-saxónico, ser membro quem quer e ser uma associação não-obrigatória. Ser membro da Ordem é mar-ca da pura lã virgem, um sinal de qualidade. A competência disciplinar tem de evoluir e deixar de ser tão corporativa. É necessário que passP a ter pessoas que não sejam advogados a exercer o poder disciplinar. A formação dos advogados tem de mudar radicalmente, abrir-se às novas formas de advocacia e trazer para dentro do controlo da formação pessoas que não sejam advogados. A Ordem tem de se abrir mais à inevitabilidade da concorrência.

Refere-se aos consultores. Acha que a lei devia mudar? Sou contra isso porque acho que, havendo uma profissão pública, a advocacia é diferente da consultoria e da auditoria. De facto, temos de nos adaptar a uma realidade que está acontecer todos os dias. Em Espanha essa separação não existe, em França ou no Reino Unido também não. Hoje em dia estamos em concorrência com empresas multidisciplinares. Sou favorá-vel a uma especialização profunda da Ordem dos Advogados e que os advogados consigam demonstrar à sociedade que são diferentes. Se não o fizerem não há nenhuma razão para que não o seja. Os bancos de investimento, os audi-tores, os engenheiros, os técnicos oficiais de contas fazem trabalho que era feito pelos advo-gados. Portanto, temos de ter tuna estratégia enquanto profissão para enfrentar esses desa-fios. Sem falsa modéstia, acho que desde de que saí da Ordem esse problema não foi tratado.

A relação da Ordem com os grandes escritórios pode mudar? Não era má. Era de total desinteresse. Os gran-des escritórios também têm alguma responsa-bilidade. Nos países mais desenvolvidos, os grandes escritórios, onde há grandes advoga-

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dos, muitos deles vão servir com honra a Or-dem dos Advogados. Infelizmente, essa ten-dência, que era tradicional em Portuga, está-se a perder. Isso não é culpa só da Ordem. Acredi-to que Guilherme Figueiredo é um homem mais moderno. Defendo que a Ordem deve apostar em ser uma associação privada que ab-dica dos poderes públicos para defender sere-namente a profissão. Há várias formas de exer-cer a profissão. Quando fui bastonário criei três institutos: o dos advogado de empresa, o das sociedades de advogado e o dos de prática indi-vidual. Têm coisas em comum e coisas em se-parado. A Ordem deve ser a grande federadora das formas de exercer a profissão. Estou a dizer isto mas ninguém concorda comigo. Os advo-gados querem que seja uma instituição pública. Gostaria que todos os que fossem dissessem: «eu sou porque gostaria de ser». Se a Ordem quer ser um instituto público não pode restrin-gir o acesso, e fez-se muito e mal para restringir o acesso. Se fosse de adesão livre podia-se ado-tar critérios que poderiam justificar a aposta de-cidida numa profissão liberal. Isto é uma utopia que eu apresento para que se perceba que a Or-dem não pode descaracterizar-se. Se a Ordem for um sindicato deixa de ter poder de prestígio. Os sindicatos defendem interesses categoria-dos. A Ordem defende o Estado de Direito.

Voltando ao seu percurso. No ano passado ainda participou em vários grandes processos. Ainda tenho alguns assuntos de litigância. No ano passado acabei cinco. Correram todos bem, graças a Deus. Talvez a caridade que se deve ter pelos mais velhos tenha ajudado. Fo-ram casos muito interessantes. Um era um conflito entre um grupo hoteleiro que inten-tou uma ação contra outro grupo turístico, pe-dindo um valor que com juros chegava a 70 milhões euros. Depois de anos de luta, chegá-mos ao Supremo Tribunal de Justiça e eles per-deram mais de 97,5% do que era pedido. Foi bom. Tinha do outro lado um dos melhores advogados portugueses. Depois tive outro para um banco contra uma ação intentada por um promotor imobiliário, que era por esse bem um dos maiores processos a nível mundial que estava a acontecer e conseguimos ganhar 100% desse processo. Também tivemos outro muito grande, de uma empresa espanhola de instala-ções industriais contra outro relacionado com outro projeto petroquímico, em que também ganhámos 100%. Outro ainda contra um gran-de arquiteto português com um resort em que ele tinha pedido um valor elevado e perdeu tudo. Há outro assunto, que é o maior grupo de uma indústria agroalimentar mundial, que teve um litígio em private equity e nós fomos advogar e ganhámos em primeira instância. Foram cinco casos. Já restam poucos em as-suntos judiciais.

Não vai sentir falta disso? Não, porque tenho a arbitragem. Este trabalho foi feito com as equipas de litigância judicial. Be-líssimos advogados. Diria que, simbolicamente, 2016 foi o ano em que acabei a parte judicial.

Teve também o caso do BPP. É o único caso que tenho. Não mantive mais nenhum. Ele tinha sido absolvido na primeira instância, fui eu quem fez o julgamento. O re-curso mandou ouvir uma testemunha, que era o engenheiro Jardim Gonçalves, porque enten-deu que seria importante. (...) Nunca deixei cair um cliente. Muita gente me criticou por nunca ter deixado cair o João Rendeiro.

66 Defendo que a Ordem deve apostar em ser uma associação privada que abdica dos poderes públicos para defender serenamente a profissão

É amigo de João Rendeiro? Sou amigo de muito pouca gente no sentido da minha vida pessoal. Tenho uma relação pessoal boa com ele, nunca me fez mal. Cometeu erros e alguns que me criticaram por manter o apoio tiveram problemas mais graves do que o João Rendeiro. Acho que um advogado é alguém que não deixa cair um cliente. Se ele me servia antes de ter problemas eu não o ia deixar cair. Nem todos fazem assim em PortugaL Pagam-se preços, não tenho dúvidas disso, mas acho que há preços que se devem pagar.

Em termos de arbitragem, vai passar o testemunho ao seu colega Pedro Metello de Nápoles [ver foto]. O Pedro foi meu estagiário e começou a traba-lhar comigo em Arbitragem. É o advogado de PLMJ que mais cedo se começou a dedicar à Arbitragem além de mim. Coordenou o Ango-la Desk durante quatro ou cinco anos. É um dos advogados portugueses que melhor conhece Angola e Moçambique. Voltou e instalou-se em 2013, mas só em 2016 é que realmente co-meçou a fazer o phasing out do Angola Desk. Tem uma enorme experiência em Arbitragem, é conhecido internacionalmente, foi secretário executivo da Associação Portuguesa de Arbi-tragem, vai para a direção da associação, está na Comissão de Arbitragem da CCI... Tem um currículo de atividade pro bono e é muito inte-ligente e culto. Pode aguentar a responsabilida-de enorme. Aliás, não tenho dúvidas de que so-mos a melhor equipa de Arbitragem portugue-sa. Repare, quando os meus sócios falaram co-migo a pedir que ficasse até aos 70 anos, disse: "então vou lançar-vos um desafio e vamos fazer uma coisa que não há em Portugal e que o mer-cado ainda não valoriza. Vamos antecipar mais uma vez o mercado". Acho que uma das forças da PLMJ foi sendo, ao longo da vida, antecipar o mercado - agora talvez menos devido à con-corrência, e ainda bem. Fomos a primeira so-ciedade de advogados a ter um fax, a ter um sis-tema centralizado de computadores, a apostar totalmente na especialização... O escritório acha que sou maluco, mas às vezes os malucos têm alguma utilidade e aceitou essa ideia. Em 2013, arranquei com uma equipa só a fazer ar-bitragem. É o único escritório em Portugal em que a equipa de litigância e a equipa de arbitra-gem estão separadas.

A que se deve essa separação? Claro que em todos os escritórios há excelentes advogados que fazem arbitragem, mas não es-tão autonomizados. Diria que há três razões para isso. A primeira é a especialização. Se você só fizer arbitragem e outros colegas fizerem 50% tem num ano a experiência que outro ad-quire em dois. Segundo, a cultura processual arbitrai é completamente diferente da litigân-cia, sobretudo a nível internacional.

A arbitragem passa mais por um processo de conciliação entre as partes? Não, porque é tudo diferente. O formato é todo diferente. Dou-lhe três exemplos: basta haver depoimentos escritos para mudar com-pletamente a forma de preparar as audiências. Há uma cultura em que não se faz uma peça processual sem, nesse parágrafo, colocar a prova em que se fundamenta. Em Portugal ainda há muito a cultura de escrever análises teóricas mas não centradas no facto. É com-pletamente diferente. A interface com um tri-bunal judicial, em que é um juiz só e em regra bastante novo, de três árbitros em regra mais velhos e de culturas jurisdicionais diferentes. É diferente trabalhar em português ou em vá-rias línguas. É uma opção que fizemos clara-mente por essa razão, e estamos contentes. Neste momento somos 17 advogados que só fazemos arbitragem. Diria 90%. Temos es-trangeiros - espanhol, francês, angolano, mo-çambicano, brasileiro e durante algum tempo uma italiana. Trabalhamos em seis linguas. Juntou-se a nós uma jovem estagiária que quer fazer arbitragem que é portuguesa e fala mandarim. Está muito investida nisso. Temos vários doutorados. Tínhamos cinco mas, fe-lizmente ou infelizmente, um deles foi para juiz do Tribunal Constitucional, o Gonçalo Almeida Ribeiro. Incentivei-o muito. Era um grande desafio. Temos pessoas com experiên-cia de base de litigância e outras de mais corpo-rate. É uma realidade diferente. Temos ainda outros advogados que não fazem só arbitra-gem e que estão em Angola, Moçambique, Porto, Faro. Já no sentido de preparação da minha saída, e também porque quero dedicar os últimos dois anos que tenho a ser advoga-do, estou a abandonar todas as funções de ges-tão. Já dei muito pro bono. Saí da Câmara de Comércio em Paris, saí da presidência do Cen-tro de Arbitragem, saí da direção do Clube Es-panhol de Arbitragem... Nos próximos dois anos quero ser advogado como fui quando ti-nha 20 e tal anos. Quero só dedicar os últimos dois anos e meio a uma espécie de canto de cis-ne. Pedi ao meu colega e sócio Pedro Nápoles, que foi meu estagiário há muitos anos e que é um advogado notável e experiente, que acei-tasse ser co-coordenador comigo. Quero ver se em 2018 lhe passo completamente a pasta e para passar a ser um advogado de primeira instância no meu escritório. Quero terminar a minha vida a advogar e sem outras atividades que não sejam advogar. Claro que já faço bas-tantes arbitragens, mas são muito pouco ren-táveis para os escritórios. Não são tão bem pa-gas quanto se pensa, criam conflitos de inte-resse e não põem equipas grandes a trabalhar. Tenho, salvo erro, cinco arbitragens como presidente e quatro como co-árbitro. A maio-ria é internacional. Continuarei a desenvolver essa linha e em 2018 e 2019 vou aceitar mais. Tenho tido muitas impossibilidades de aceitar por conflitos de interesse. O problema não é só aqui. Aindá há um tempo fui convidado para se presidente de uma arbitragem acima de 600 milhões de euros, na área de oi/ & gas,

que não tinha nada a ver com Portugal. Por causa de um sócio meu que se juntou a nós tra-zer como cliente uma das partes, eu já não pude aceitar.

Quando deixar de ser advogado está livre para ser árbitro? Deixo ter de conflitos de interesses e posso aceitar muitos mais assuntos.

Acha que há uma tendência para cada vez mais casos com partes que não são de língua portuguesa? A tendência aumenta por várias razões. So-mos cada vez mais conhecidos. A advocacia portuguesa tem muita qualidade, só que as pessoas não sabiam. Segundo, há advogados que estão a investir no mercado internacio-nal. Quando comecei a opção estratégica de me dedicar à arbitragem, no início do séc. XXI quando ainda era bastonário, a minha ideia era estar tranquilo e continuar no escri-tório até à reforma, mas fazia sobretudo arbi-tragem. Nessa altura, comecei a ir ao estran-geiro e não havia um advogado português a ir aos congressos e eventos.

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Hoje em dia, onde fica a Meca da arbitragem? Paris continua a ser. Londres é muito impor-tante. Tomei a opção estratégica de, na PLMJ, começarmos a nossa atuação sobretudo nos países de língua portuguesa e espanhola, in-cluindo toda a América Latina, Portugal e Es-panha, nos países de língua francesa em África e em França também. São mercados onde as nossas potencialidades são maiores do que na Ásia ou no Médio Oriente.

Tem a ver com a língua ou com a tradição jurídica? Tem a ver com as duas coisas. É um setor me-nos ocupado por advogados de língua inglesa. São países onde não há common law. Saio deste setor mas a aposta da PLMJ é nestes mercados. Não quer di7Pr que não mude, mas para já é isso. Estamos a sentir um crescimento imenso da arbitragem. Para lhe dar uma ideia, penso que em 2016, comparado com 2015, a minha equipa dos 17, crescemos 50%. Nos primeiros quatro meses deste ano, quando comparados com os quatro primeiros meses de 2016, o nos-so crescimento está muito acima de 100%. De-

66 Nos próximos dois anos quero ser advogado como fui quando tinha 20 e tal anos. Quero terminar a minha vida a advogar e sem outras atividades que não sejam advogar

pende muito dos assuntos que estão em curso e não lhe garanto que no final do ano seja assim, mas significa que a nossa aposta parece-me que está ganha. Temos assuntos de arbitragem que vêm dos nossos clientes (corporate), mas cada vez há mais assuntos de arbitragem que vêm ter connosco apesar de não sermos advogados noutras áreas.

Sente que se criou uma marca forte nesta área? Exatamente. É o processo, porque quando eu o lancei o mercado não descontava esse valor, não dizia que era preciso distinção em arbitra-gem. Ainda hoje a maior parte das arbitragens são feitas por advogados que não tem nenhum know-how na área, embora haja cada vez mais advogados a ter experiência.

A mudança na lei ajudou? Ajudou muito. Hoje em dia está na moda. Toda a gente quer fazer arbitragem, o que é também interessante. Agora, a maior parte dos miúdos e miúdas que chegam quer dedicar-se à arbitra-gem. Houve uma altura que era o mercado de capitais, depois a Internet, os direitos imate-

riais... Vai mudando. Acho que o mercado está agora a descontar o valor da especialização e, quando eu me for embora, a partir de 2020, to-dos os escritórios portugueses já estarão a fazer o que eu faço com equipas especializadas. An-dámos um bocadinho mais à frente e isso dá--nos uma pequena vantagem, que os outros vão comer. O que é divertido neste mercado é a competição. Não é só com os portugueses. Es-tamos permanentemente em concorrência com os escritórios estrangeiros, sobretudo para o filet mignon. Nós agora temos duas arbitra-gens muito grandes e numa delas estamos con-tra o número um a nível mundial, a White & Case. Já tivemos do outro lado a Freshfields, o número dois a nível mundial. Demonstra-se que os advogados portugueses conseguem estar ao nível dos de topo de gama em termos inter-nacionais. Claro que eles podem mobilizar uma equipa de 50 e nós uma de 15, mas aguentamos.

É algo que não acontecia há 20 anos? Não existia. Neste momento está a acontecer e tenho a certeza de que a advocacia arbitrai portuguesa vai dar cartas na Europa nos próximos anos. •

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3 ENTREVISTA José Miguel Jüdice: "Um advogado é alguém que não deixa cair um cliente"

Advogado revela a intenção de se reformar dentro de dois anos, quando chegar aos 70 anos. Numa conversa em que faz um balanço da sua longa carreira, promete conti-nuar ativo na arbitragem e diz que o país está hoje muito melhor do que há 42 anos, quando começou a advogar.

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Tiragem: 20000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Interesse Geral

Pág: 1

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José Miguel Júdice anuncia reforma aos 70 anos P3

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Risk & Governance Credibilidade da n1ormação

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Petrolíferas investigadas por falha de combustível no aeroporto • Ultima

ENTREVISTA

"Um advogado é alguém que

não deixa cair o cliente"

Em entrevista ao Jornal Económico, vogado revela a intenção de se reformar dentro de dois anos, quando chegar aos , Mas promete continuar ativo num país

que está hoje multo melhor do que há 42 anos, quando começou a advogar.

• Et Cotara

PAPA FRANCISCO EM PORTUGAL

Os bastidores da visita do peregrino especial

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da visam ás Papa

1C1 O Jornal económico

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SAÚDE

Precários do Estado vão continuar sem ADSE

ENERGIA

Até onde vai descer o preço do petróleo? rQ P26

Governo ocra es quis retirar Panamá da lista negra de offshores Acordo foi assinado com aquele paraíso fiscal em 2010, por um representante do Ministério das Finanças. Exclusão da lista foi travada já em 2014 depois de um parecer negativo da AT. Panamá está no centro das investigações da Operação Marquês e do caso BES . P4

AUTOMÓVEL

Autoeuropa prevê recorde de produção

Com a chegada do novo modelo da Volkswagen às linhas de monta-gem, fábrica de Palmela prevê au-mentar a produção em 20% este ano e duplicá-la em 2018, para um recorde de 230 mil veículos. Pos-tos de trabalho também vão atin-gir um novo máximo histórico: 4.795 trabalhadores. • P18

BANCA

Venda do Banif BI a chineses está em risco Nove meses depois de ter sido acordada a venda do banco de in-vestimento do antigo Banif aos chineses da Bison Capital, opera-ção ainda não tem luz verde do Banco Central Europeu. Oitante já está a receber outras manifesta-ções de interesse, caso o regulador chumbe a proposta. • P21

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