jornalismo, publicidade e entretenimento: hibridização de gêneros na era do hiperconsumo

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Artigo apresentado e publicado nos anais do I COMUNICON, evento internacional promovido pela ESPM. Autoria: Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes, Geilson Fernandes de Oliveira, Maria Adriana Nogueira e Ana Karoliny Martins Ernesto.

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  • PPGCOM ESPM ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING SO PAULO 10 E 11 OUTUBRO DE 2011

    Jornalismo, Publicidade e Entretenimento: Hibridizao de Gneros na Era do Hiperconsumo1

    Marclia Luzia Gomes da Costa Mendes2

    Geilson Fernandes de Oliveira3

    Maria Adriana Nogueira4

    Ana Karoliny Martins Ernesto5

    Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

    Resumo O fazer jornalstico na contemporaneidade constitui-se no apenas como um gnero unssono, mas como algo que traz em si vrios fatores, como o caso da hibridizao entre o discurso jornalstico e o publicitrio. Desde a II Guerra Mundial as pginas dos jornais e revistas passaram a ser projetadas principalmente para servir aos anunciantes, tendncia que mais tarde tambm foi verificada na TV. Nesse sentido, objetivamos identificar como ocorre o processo de hibridizao entre jornalismo, publicidade e entretenimento no programa CQC (Custe o que Custar), utilizando como procedimento metodolgico os pressupostos epistemolgicos e tericos da Anlise de Discurso (AD) de orientao francesa. Visualizamos no programa analisado, alm de uma forte hibridizao entre os gneros citados, uma caracterstica vista como tendncia - o fato do apresentador/jornalista ser o personagem protagonista dos produtos que no programa so anunciados.

    Palavras-chave: Hibridizao; Jornalismo; Publicidade; Entretenimento.

    1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicao, Consumo, Entretenimento e Cultura Digital, do 1 Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2011. 2 Doutora em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora do Curso de Comunicao Social e do Programa de Ps Graduao em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. E-mail: [email protected] 3 Discente do Curso de Comunicao Social com habilitao em Jornalismo na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. E-mail: [email protected] 4 Discente do Curso de Comunicao Social com habilitao em Jornalismo na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. E-mail: [email protected] do Programa de Ps Graduao em Estudos da Mdia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

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    Introduo

    Pautado no mais somente por temticas ligadas informao, o jornalismo de nossos

    dias vem passando por profundas transformaes, agregando novas formas de se fazer e de se ver

    a atividade profissional. O que antes era visto como reas de confronto, no caso da publicidade,

    do consumo e do entretenimento, hoje no mais existe, uma vez que estes gneros passaram a

    andar todos juntos. Alguns autores mais apocalpticos afirmam que o jornalismo que vemos hoje

    estaria se curvando ao sistema neoliberalista, flexionando por sua vez seus conceitos, valores,

    padres e posicionamentos. Mas h tambm aqueles que enxergam esse fenmeno por outra

    perspectiva, percebendo o mesmo como algo que foi modificado ao longo da histria e que ainda

    tem um percurso a ser seguido.

    Tais modificaes trouxeram consigo novidades para o fazer jornalstico nas redaes dos

    jornais e na produo diria da notcia, como uma consequncia da lgica do mercado que vem

    provocando uma transformao brusca nos padres ticos, estticos e culturais do universo da

    informao. Para Lipovetsky (2007) e Lipovetsky e Serroy (2011), no atual cenrio miditico, o

    comercial se mescla com o cultural, com a arte e a esttica, e o hiperconsumo6 proporciona

    alteraes significativas nos processos de consumo, j que o objetivo passa a ser a centralidade

    do indivduo.

    A adequao do jornalismo e da imprensa lgica de mercado visivelmente apresentada

    nos veculos de comunicao. Observamos este processo inicialmente nos impressos, e mais

    recentemente nos programas de TV, sejam eles jornalsticos ou no. O Dirio Norte-Americano

    USA Today foi um dos primeiros impressos onde podemos observar essa hibridizao, atravs da

    introduo do hbito de pginas coloridas, os infogrficos, aumento da cobertura de esportes,

    notcias de comportamento e de moda, alm da previso do tempo, objetivando somente uma

    coisa: a agregao de materiais publicitrios queles espaos. Alm disso, na cobertura das 6Lipovetsky (p. 56-57, 2011) usa o termo hiperconsumo para caracterizar uma nova revoluo consumista em que o equipamento concerne essencialmente aos indivduos: o computador pessoal, o telefone mvel, o iPod, o GPS de bolso, os videogames, o smartphone.

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    notcias mais srias que exigiam uma investigao mais apuradas, observado a substituio

    destas por outras mais ligadas ao entretenimento, dando origem ao que hoje chamado de

    infotenimento (infotainment), neologismo formado na lngua inglesa a partir das caractersticas de

    duas reas consideradas distintas a informao e o entretenimento.

    Nesta perspectiva, analisamos neste estudo como se entrelaam o jornalismo, a

    publicidade e o entretenimento no programa CQC (Custe o Que Custar), exibido s segundas-

    feiras na Rede Bandeirantes de televiso. Utilizamos como recorte emprico os quatro programas

    do ms de junho e o primeiro do ms de julho de 2011, perfazendo um total de cinco edies,

    nmero considerado suficiente para a anlise proposta, que faz uso da Anlise do Discurso (AD)

    de orientao francesa como procedimento metodolgico.

    Jornalismo, Publicidade e Entretenimento: Um processo de Hibridizao

    Considerados gneros distintos, o jornalismo, a publicidade e o entretenimento partilham

    na atualidade de espaos bem prximos, isto quando no so hibridizados formando um outro

    gnero, se que assim podemos considerar. O que era visto com muitas reservas, no caso da

    unio do jornalismo com a publicidade, hoje suscita novas formas de ser ver e fazer um produto

    miditico.

    At no muito tempo atrs, era possvel a visualizao das demarcaes que separavam

    esses trs objetos, cada um trazendo suas caractersticas prprias e tpicas s suas formas e

    contedos. O jornal impresso separava o material publicitrio para as ltimas pginas, ou para

    uma parte extra os classificados. Informaes relacionadas ao entretenimento eram postas em

    cadernos especiais, distintos daqueles que traziam somente notcias que buscavam corresponder

    como as de hoje a temticas ligadas ao interesse pblico. No caso da televiso, a publicidade se

    restringia aos intervalos comerciais, e o entretenimento ficava fora de todo e qualquer contedo

    televisivo que fosse ligado ao jornalismo.

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    Enquanto formas socialmente reconhecidas, os gneros podem classificar um produto

    miditico. Os mesmos tm sua idia inicial ligada a uma questo que pode ser resgatada do

    perodo da Grcia Antiga, a partir da classificao de contedos teatrais em drama e comdia.

    Nos anos de 1980, comeou a ser notado o crescimento acentuado da complexidade do

    campo da comunicao, onde

    [...] a cultura de massas provocou profundas mudanas nas antigas polaridades entre a cultura erudita e a popular, produzindo novas apropriaes e interseces, absorvendo-as para dentro de suas malhas. Em sntese, a comunicao massiva deu incio a um processo que estava destinado a se tornar cada vez mais absorvente: a hibridizao das formas de comunicao e de cultura (SANTAELLA, p. 11, 2005).

    Essas alteraes tomaram impulso com o advento das novas tecnologias, trazendo

    mudanas estruturais na vida cotidiana da populao, que logo passou a conviver em harmonia

    com as novidades trazidas. No meio digital, os mais variados gneros discursivos passaram a

    conviver juntos, e utilizando-se de estratgia similar, a televiso logo comeou tambm a testar

    novos formatos audiovisuais, onde convergiam, jornalismo e entretenimento. Como exemplo,

    podemos citar a insero de matrias sobre culinria e qualidade de vida nos telejornais de grande

    audincia.

    A informao cada vez mais apresentada com caractersticas tpicas de anncios

    comerciais, com recursos cada vez mais explcitos da promoo mercantil. Embora a informao

    esteja construda dentro das tcnicas elementares do jornalismo, as notcias apresentam

    nitidamente uma natureza publicitria, uma vez que so apresentadas cada vez mais com recursos

    que motivam o telespectador ao ato de consumo. O produto noticioso assemelha-se cada vez mais

    a uma mercadoria, e como tal est sujeita s leis do mercado.

    De forma geral, podemos considerar as hipteses levantadas por diversos tericos do

    universo da comunicao ao longo do sculo XX que indicam um processo de mutao nos

    paradigmas do jornalismo. Tese desenvolvida por Marcondes Filho (2000) indica que o

    jornalismo atravessa na contemporaneidade o estado de transgenia e de rosificao, tornando-se

    um misto de linguagens, ideologias, estticas, consumo, entretenimento e publicidade. A

    rosificao apontada pelo autor deriva dos pensamento de Kultz (1993) que fez uso do termo para

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    designar as informaes jornalsticas submetidas s lgicas do mercado, da audincia e do lucro.

    Na perspectiva do autor, as notcias passaram a ser produzidas visando agradar a todos, e

    sobretudo ao capital, diluindo-se assim as referncias que sustentam os pilares do jornalismo,

    idealizado nos seus manuais.

    Nas pginas dos jornais impressos, a publicidade tem atuado assiduamente, ocupando

    algumas vezes um espao maior que o dedicado as notcias propriamente ditas. Na perspectiva de

    Marshaall (2003) a publicidade pressiona o jornalismo a operar em sua lgica, submetendo as

    regras e valores do capital, obrigando a relativizar seu compromisso com a verdade e com o

    interesse pblico. Para Marcondes Filho (2000) a notcia transformada em mercadoria com

    todos os seus apelos estticos, emocionais e sensacionais. Em sntese, o jornalismo e a

    publicidade passam a se fundir em um mesmo espao miditico, criando-se um produto hbrido,

    ocorrendo uma metamorfose lingstica.

    O processo de mutao do jornalismo convencional est dentro das mutaes da era da

    modernidade, quando os seus paradigmas comeam a entrar em crise a partir do sculo XX, a

    atividade profissional do jornalista tambm entra em mutao, onde a informao passa a ser um

    espao de transporte para as vrias e subjetivas intenes. Esse padro de jornalismo

    contemporneo, compromissado tambm com o mercado abdica de alguns princpios classicistas,

    passando a reproduzir uma nova hierarquia de valores voltados para os interesses do consumo.

    Baudrillard (1997) denuncia a era da contemporaneidade como uma fase invadida pelo simulacro,

    que rompe os limites da falsificao. Na viso do autor, a humanidade estaria mergulhada em

    uma grande nvoa de imagens.

    Clifford Geertz afirma que na atualidade os gneros sangram e se tingem mutuamente

    (GEERTZ apud PAGANO, 2001), no existindo como antes um gnero unssono. nesta

    perspectiva que pretendemos analisar como ocorre esse tingimento mtuo no programa CQC

    (Custe o Que Custar), para que possamos identificar como se d o sangramento e contgio

    visualizado pelo autor, em nosso caso nos gneros jornalstico, publicitrio e o entretenimento.

    A AD como Procedimento Metodolgico

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    Os discursos miditicos sempre tiveram como forte caracterstica a grande carga de

    mensagens histricas e ideolgicas que trazem. Para compreend-los importante antes de tudo

    conhecer o seu contexto, momento histrico, poltico e social que concomitante a sua

    existncia. Congregando todos esses quesitos, a anlise de discurso ser utilizada aqui como

    suporte terico-metodolgico.

    A AD tem suas razes no campo da lingstica, todavia vem sendo muito utilizada no

    campo da comunicao, tendo um papel relevante nas pesquisas do campo das cincias sociais

    aplicadas que buscam anlises mais concisas, principalmente quando se lida com investigaes

    relacionadas s construes ideolgicas de um determinado texto ou enunciado, alm de questes

    contextuais e at imagticas. Nesse sentido, importante ressaltar a posio dos interlocutores,

    pois a atribuio de sentidos ir depender da posio que cada um ocupa em uma formao

    discursiva. Mas a incorporao deste conceito originrio dos estudos da lingstica no tem se dado sem empecilhos, advindos geralmente da banalizao de seus conceitos.

    Mais do que qualquer outro, a AD um mtodo que serve para refletir e analisar o

    discurso. Confirmando nossa reflexo, Orlandi (2002, p. 45) afirma que a anlise de discurso

    trata a leitura como um processo nos quais gestos de interpretao feito e efeitos de sentido

    produzidos. Ao analisarmos o programa proposto, por exemplo, a leitura do discurso e da

    imagem deve ser feito conjuntamente com um conhecimento prvio, pois muitas vezes estes

    discursos podem apresentar outros que esto implcitos, o que na anlise do discurso

    denominado como interdiscurso.

    Para Orlandi (2002, p. 30) os sentidos no s esto nas palavras, nos textos, mas na

    relao com a exterioridade, nas condies em que eles so produzidos e que no depende

    somente das intenes dos sujeitos.

    A lngua concebida como um produto histrico-social, de carter interativo e dialgico.

    Bakhtin (1995) argumenta que a lngua comporta duas faces sendo determinado tanto pelo fato de

    que procede de algum, como pelo fato de que se dirige a algum. Assim a enunciao consiste

    na interao entre falante e ouvinte. Com isso, ele instaura o conceito de dialogismo combatendo

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    a idia monolgica do estruturalismo proposto por Saussure (2004), lingista suo, que via a

    lngua como algo no articulvel nem com a histria, nem com o sujeito, nem com o social.

    Na AD o sentido construdo pela interveno do processo de produo, que considera

    por sua vez o contexto histrico-social do discurso, onde a formao discursiva tambm o lugar

    da construo de sentidos.

    Sincronia de Dilogos / Identidades Partilhadas

    Com um formato importado da Argentina (onde apresentado com o nome Caiga Quien

    Caiga) e sucesso desde 1995, e no ar no Brasil desde 17 de maro de 2008, o programa CQC

    (Custe o Que Custar), exibido na Rede Bandeirantes de Televiso (Band) todas s segundas-

    feiras a partir da 23h15m.

    O programa que j obteve 7 indicaes ao International Emmy Awards, tem verses na

    Espanha (1996), Itlia (1996), Mxico (1997) e Chile (2002). No Brasil apresentado pelo

    jornalista Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque, mesclando o jornalismo convencional ao

    humor e ao entretenimento. Sendo umas das produes de maior sucesso e audincia do canal

    onde veiculado, o CQC traz pautas similares a do telejornalismo convencional, principalmente

    no que se diz respeito s grandes coberturas, obedecendo aos valores-notcias j bem conhecidos

    pelos profissionais do jornalismo, proposto por Mauro Wolf (2005), abordando questes

    polticas, econmicas e sociais, geralmente por meio de outro tom o sarcasmo, que sempre

    remetido ao entretenimento. A sua esttica e linguagem so semelhantes s do telejornalismo,

    ficando claro o seu diferencial quanto abordagem das matrias, principalmente nas entrevistas,

    onde dado maior destaque a irreverncias e criatividade nos questionamentos, tendo como meta

    colocar contra a parede e deixar constrangidos os entrevistados, com perguntas que no so feitas

    pelos jornalistas tpicos, que geralmente trazem perguntas com respostas previsveis.

    Caracterizado como uma produo que transita entre o jornalismo e o entretenimento, o

    programa analisado traz em seu cenrio uma referncia do telejornalismo uma bancada com

    apresentadores usando terno e gravata, o que em certos momentos d mais seriedade s situaes.

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    Outra meno a este gnero visto na construo da informao nas reportagens, onde so

    colocados em prticas valores concernentes ao profissional jornalista, como a relevncia,

    interesse pblico, pertinncia, factualidade, responsabilidade social (MEDINA, 1982), apego

    liberdade de expresso, etc.

    Possuidor de alguns quadros, notamos no Proteste J a forte presena dos valores

    primeiros do jornalismo, como a busca pela verdade e esperana de que uma denncia feita no

    campo miditico possa trazer mudanas para a situao vista/vivenciada, o que gera grande

    credibilidade, j que agem como ces de guarda do interesse pblico, com relativa independncia

    do campo poltico. O CQC podemos inferir, um programa que ao mesmo tempo em que faz

    jornalismo, entretm seus receptores e vice-versa.

    No que se refere presena do gnero publicitrio ligado a questes relativas ao consumo,

    o programa se apropria de algumas de suas caractersticas para a feitura de seu material

    informativo. A publicidade neste caso se vale da maleabilidade de suas formas, sendo

    apresentada de formas distintas para poder entrar nas formas jornalsticas (FARIAS, 1995).

    As relaes comerciais do CQC so explicitadas por meio do apoio a grandes marcas,

    tendo imagens e logomarcas inseridas nas matrias feitas pelos apresentadores e reprteres. Sem

    maiores disfarces, podemos perceber de modo claro quando o programa do dia est redondo

    (fala de um dos apresentadores no incio do programa) referncia direta a uma de suas marcas

    patrocinadoras a cerveja Skol, o que refora a designao de nossa realidade contempornea

    era do consumo, onde as imagens parecem ocupar o lugar do concreto. Atravs delas, os objetos,

    mgicos e atraentes, oferecem-se para serem adquiridos (BACCEGA, p. 2, 2008).

    Outro ponto a ser destacado o fato dos apresentadores/reprteres serem os garotos-

    propagandas de seus anunciantes, muitas vezes simulando uma cobertura jornalstica para afirmar

    a imagem de algumas marcas. Estas relaes de partilha podem gerar confuses nas mentes dos

    receptores, uma vez que no conseguem identificar com clareza o que seria um material

    jornalstico ou um material publicitrio travestido de jornalstico. Mas como no estamos lidando

    com aspectos referentes recepo destes contedos, deixamos essa problemtica para outro

    estudo.

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    Na entrada/sada das matrias que so gravadas na maioria das vezes sem o uso dos offs

    visto o apelo direto aos padres de consumo da sociedade dita ps-industrial, j que antes da

    insero/retirada desses materiais situaes so interpretadas pelos reprteres/apresentadores,

    mostrando os vrios benefcios trazidos pela aquisio do produto anunciado, que sempre

    associado ao bem estar. como se ao adquirir o que est sendo anunciado o sujeito pudesse viver

    situaes semelhantes quelas que so mostradas, como exemplo, ter a companhia de mulheres

    bonitas. Baccega (2008) acredita que o desenraizamento e fluidez vivida nas consideradas

    sociedades liquidas possibilitam a transformao de realidades vistas em objetos de consumo.

    Dessa forma, o fato do jornalista ser aquele que faz a propaganda, d-se pela necessidade

    de no mais vender-se s o produto, mas tambm imagens e modos de ser, atreladas a atitudes e

    padres de comportamentos que possam resultar em benefcios para a vida particular.

    Nessa perspectiva, os muros divisrios entre informao, publicidade e entretenimento j

    no so mais marcados com tanta nitidez.

    Consideraes finais

    Neste estudo, objetivamos analisar o processo de hibridizao dos gneros jornalstico,

    publicitrio e o entretenimento no programa televisivo CQC (Custe o Que Custar) da Rede

    Bandeirantes de Televiso. Ao contrrio de muitas outras pesquisas semelhantes no foi nossa

    inteno verificar o que seria essa produo televiso (se jornalismo ou entretenimento), mas

    visualizar como se d a interseco desses gneros.

    Podendo ser caracterizado como algo pertencente ao infotenimento (do ingls

    infotainment) o CQC no pode ser visto como uma coisa s, j que nele vrios gneros se

    entrecruzam formando um outro novo, que nesse caso fonte de grande audincia e sucesso

    perante seu pblico, chegando a estar junto com o principal telejornal da emissora como os

    programas de maior investimento e geradores de maiores rendas.

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    No que diz respeito hibridizao desses gneros, percebemos que as prticas discursivas

    da mdia so hbridas por natureza, sendo comum essa juno que agora identificamos de modo

    mais ntido.

    Observamos que a publicidade muitas vezes se vale dos formatos ditos jornalsticos para

    conseguir vender seus produtos, mas visto que o jornalismo tambm se vale dos formatos

    publicitrios, por exemplo, quando se quer dar maior destaque a uma informao do que a outra,

    o texto pode se assemelhar facilmente ao publicitrio, bem como quando tm-se uma notcia mais

    leve a ser dada, que ao mesmo tempo que informa pode entreter.

    Sobre essa hibridizao, Santaella (2005, p.7) atesta que convergir no significa

    identificar-se. Significa, isto sim, tomar rumos que, no obstante as diferenas, dirijam-se para a

    ocupao de territrios comuns, nos quais as diferenas se roam sem perder seus contornos

    prprios.

    O CQC, podemos inferir, um material produzido em formato convencional do

    telejornalismo, que objetiva a consolidao de hbitos e comportamentos de consumo, lidando

    diretamente com as emoes de seus receptores, optando tambm pela linguagem humorstica,

    caracterizando-se assim um contedo hbrido.

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