jornalismo e entretenimento

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GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO: Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento Goiânia 2014

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Trabalho de monografia que discute jornalismo e entretenimento

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Page 1: Jornalismo e entretenimento

GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO

FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:

Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento

Goiânia

2014

Page 2: Jornalismo e entretenimento

ii

GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO

FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:

Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisitado parcial para a obtenção do

título de graduado no curso de Comunicação

Social com Habilitação em Jornalismo da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

(PUC-Goiás)

Orientador (a): Noêmia Félix

Goiânia

2014

Page 3: Jornalismo e entretenimento

iii

GEOVANA GONÇALVES DO NASCIMENTO

FAIT DIVERS, FANTÁSTICO E INTERESSE PÚBLICO:

Uma nova perspectiva das notícias de entretenimento

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisitado parcial para a obtenção do

título de graduado no curso de Comunicação

Social com Habilitação em Jornalismo da

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

(PUC-Goiás)

Aprovado em

___________________________________________________________________________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Noêmia Félix – Pontifícia Universidade Católica de Goiás

___________________________________________________________________________

Ângela Teixeira de Moraes – Pontifícia Universidade Católica de Goiás

___________________________________________________________________________

Rogério Borges – Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Page 4: Jornalismo e entretenimento

iv

Dedico este trabalho à minha colega de graduação Jéssyca Nunes. A ela que fez muito

mais do que apenas existir, deixando seu rastro em nossas vidas como fonte de inspiração

profissional, e a todas as pessoas que por motivos exteriores às vontades próprias não têm ou

não tiveram a oportunidade de graduarem-se.

Page 5: Jornalismo e entretenimento

v

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente aos meus pais pelo apoio incondicional e por terem me

provido de amor, carinho, responsabilidade e de todas as condições necessárias para que eu

fosse capaz de chegar ao fim desta graduação com o objetivo inabalável de contribuir

socialmente para um mundo melhor, por meio desta profissão.

Às minhas irmãs pela compreensão e companheirismo.

Ao meu querido Antonio que, mesmo com a distância, esteve ao meu lado me fazendo

sorrir, quando eu perdia as forças.

A toda minha grande família que soube compreender minhas ausências e me amar

incondicionalmente.

A todos os meus amigos, meus companheiros de vida.

À minha orientadora, Prof.ª Noêmia Félix, pela confiança, ensinamento, paciência e

compreensão com as minhas falhas.

E, finalmente, a Deus, que sempre ilumina meus caminhos.

Page 6: Jornalismo e entretenimento

vi

RESUMO

Palavras-chave: entretenimento; fait divers; fantástico; interesse público; jornalismo popular,

jornais de referência.

Page 7: Jornalismo e entretenimento

vii

ABSTRACT

Keywords: entertainment; fait divers; fantastic; public interest; popular journalism, reference

journalism.

Page 8: Jornalismo e entretenimento

viii

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Categorias do entretenimento................................................................................63

Gráfico 2 – Categorias dos fait divers......................................................................................64

Gráfico 3 – Categorias do fantástico.........................................................................................69

Quadro 1 – Fait divers por causa esperada com uma idosa......................................................65

Quadro 2 – Fait divers por causa esperada com mãe e criança, como capa do caderno.........66

Quadro 3 – Fait divers por causa esperada com criança...........................................................66

Quadro 4 – Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública...........................67

Quadro 5 – Fait divers por causa inesperada ............................................................................67

Quadro 6 – Fait divers por causa inexplicável envolvendo crime misterioso..........................67

Quadro 7 – Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André............68

Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa............68

Quadro 9 – Fait divers de coincidência por antítese ................................................................69

Quadro 10 – Fantástico-estranho..............................................................................................70

Quadro 11 – Fantástico por causalidade imaginária.................................................................71

Quadro 12 – Fantástico cômico................................................................................................71

Quadro 13 – Fantástico bestiário..............................................................................................72

Quadro 14 – Proximidade geográfica como valor-notícia........................................................73

Quadro 15 – Proximidade com a realidade da comunidade abordada......................................74

Quadro 16 – Proximidade geográfica e a narrativa humanizada..............................................74

Quadro 17 – Utilidade como valor-notícia...............................................................................75

Quadro 18 – Nota com a utilidade como valor-notícia.............................................................75

Quadro 19 – Contextualização da notícia para a realidade do leitor.........................................76

Quadro 20 – Contextualização da notícia para esclarecimento do leitor..................................77

Quadro 21 – Contextualização da notícia para alertar o leitor..................................................77

Page 9: Jornalismo e entretenimento

ix

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11

1. A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA ........................................................ 16

1.1. Narrativas do acontecimento: jornalismo e história .................................................. 17

1.2. O acontecimento no jornalismo ................................................................................. 24

1.3. Critérios de seleção de acontecimentos jornalísticos ................................................. 28

1.4. Os valores-notícia do jornalismo popular .................................................................. 31

1.5. O paradigma do interesse público .............................................................................. 36

2. NOVAS TENDÊNCIAS NO JORNALISMO ............................................................................ 40

2.1. O fantástico nos jornais de referência ........................................................................ 42

2.2. Fait divers e sensacionalismo .................................................................................... 45

2.3. Entretenimento x interesse público: o dilema da credibilidade ................................. 49

3. METODOLOGIA ........................................................................................................................ 55

3.1. Objeto empírico: Folha de S. Paulo .......................................................................... 57

3.2. Procedimentos metodológicos ................................................................................... 60

3.2.1. 1ª Etapa: Análise comparativa ............................................................................ 61

3.2.2. 2ª etapa: Análise das categorias de entretenimento, os fait divers e o

fantástico...... ..................................................................................................................... 62

3.2.3. 3ª etapa: análise qualitativa do conteúdo ............................................................ 63

4. RESULTADOS ............................................................................................................................. 64

4.1. Análise comparativa .................................................................................................. 64

4.2. Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico................................ 67

4.3. Análise qualitativa do conteúdo ................................................................................. 76

4.3.1. Proximidade e personalização no entretenimento .............................................. 76

4.3.2. Utilidade no entretenimento ............................................................................... 79

Page 10: Jornalismo e entretenimento

x

4.3.3. Contextualização e fontes no entretenimento ..................................................... 80

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 83

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 86

APÊNDICES EM CD

TABELA 1 – Análise Comparativa (Amostra 1)

TABELA 2 – Análise Comparativa (Amostra 2)

TABELA 3 – Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico

ANEXOS EM CD

Anexo A - Ladrões agridem e arrastam aposentada para roubar carro

Anexo B - SP tem 3 tiroteios em 24 h; mulher morre com bebê no colo

Anexo C - Criança é baleada em desavença no trânsito

Anexo D - Delegado reage a assalto e atira em rapaz

Anexo E - Executivo infarta e morre em assalto

Anexo F - Casal de PMs, filho e outros 2 parentes são mortos em casa

Anexo G - Bando rouba carro e promove arrastão em restaurante

Anexo H - Assaltos em série assustam turistas de Santa Teresa, no Rio

Anexo I - Morre em incêndio idosa que atirou em ladrão no RS

Anexo J - Roda presa

Anexo K - Mesmo cansado e com doença rara, cão-guia não larga casal por nada

Anexo L - Mulher forja sequestro para ocultar traição em SC

Anexo M - ‘Voz do além’ em ônibus surpreende passageiros

Anexo N - Invadores destroem imóveis do Minhca Casa

Anexo O - 'Se eu não for morar, ninguém vai', diz invasora sobre destruição

Anexo P - Incêndio destrói loja em Santo Amaro

Anexo Q - SP testa ônibus que 'fala' e flagra quem invade a faixa

Anexo R - Mais de 1.000 ficam desabrigados após incêndio em favela

Anexo S - PMs presos no Rio irão da cadeia para a rua

Anexo T - Depois de morto, homem tem suas 2 famílias ‘legalizadas’

Anexo U - Em SC, polícia flagra menino de 11 anos dirigindo em rodovia

Page 11: Jornalismo e entretenimento

11

INTRODUÇÃO

O acontecimento é a principal matéria-prima da narrativa jornalística. Entretanto, é a

forma como é selecionado, tratado e veiculado nos meios de comunicação, que revela sua

especificidade nesse campo e o diferencia de outras formas narrativas que também o têm

como objeto. É também por meio desta forma que são definidos os valores que constituem a

atividade jornalística, enquanto produção humana que tem por objetivo fundamental servir de

mediadora entre os poderes públicos e a sociedade civil. Ao jornalismo é atribuído, portanto,

um compromisso promover a cidadania e o conhecimento.

A prática profissional, permeada por regras e valores decorrentes desta percepção

funcional, resume-se na transformação do acontecimento em informação para o público.

Assemelha-se à função da história, narrando o presente que, mais tarde, poderá servir de

documento. Para além desta abordagem aparentemente imutável – que, ao contrário, é

totalmente dinâmica - nota-se que, com a evolução dos meios de comunicação e com o

surgimento das tecnologias, há uma transformação na práxis e, consequentemente, nos

conteúdos informativos, que tem levado as pesquisas em comunicação a questionarem os

objetivos profissionais, a ética, a credibilidade e a preponderância dos interesses

mercadológicos sobre os anteriores.

Novas reflexões se atentam para o estudo dos conteúdos jornalísticos do ponto de vista

desse compromisso com a promoção da cidadania e com a elevação do conhecimento das

pessoas. Neste sentido, novas tendências têm sido observadas, como o uso, cada vez mais

frequente, dos recursos de entretenimento – não necessariamente como formas de levar ao

riso, mas de atrair a atenção – em diversas mídias que antes estavam distantes deste viés. Com

a migração para novos meios de comunicação e o acesso facilitado à informação, os jornais

em suas diversas plataformas estão repensando suas estratégias porque o público vem

mudando sistematicamente desde o surgimento das novas tecnologias de comunicação, que o

fizeram migrar para outras plataformas.

Para não se distanciar dos valores profissionais que prezam pelo interesse público, o

jornalismo tem sido objeto de estudos porque, cada vez mais, tem se aproximado das

vertentes populares que prezam pelo conteúdo atrativo, mas que, em muitos casos, como

acreditam alguns, não induzem à reflexão em prol da cidadania. Neste sentido, as informações

advindas dos jornais refletem novos conceitos de entretenimento, mas também velhos

conceitos emprestados de outras narrativas. O absurdo, o espetacular, o engraçado e o

Page 12: Jornalismo e entretenimento

12

surpreendente vêm cada vez mais ocupando espaço nas mídias impressas tradicionais,

construindo um novo-velho universo narrativo.

Dentre as pesquisas que avaliam estes diferentes estudos do campo jornalístico se

encontram diversas vertentes que podem ser resumidas em duas. Há concepções teóricas que

entendem que a participação pública no jornal, isto é, os valores-notícia que prezam pela

proximidade com o leitor, tornando-o parte da notícia, acabam por esgotar a importância do

acontecimento como parte de um contexto político, econômico e histórico. Neste sentido, esta

concepção avalia que os jornais estão perdendo seu vínculo com o interesse público. Por outro

lado, há outras pesquisas que levam a compreender que a migração dos valores do jornalismo

popular para o jornalismo tradicional como uma forma de descrever o cotidiano das pessoas,

leva o leitor a se reconhecer no jornal e traz a ele a percepção de seu lugar diante de todo o

contexto social e histórico no qual está inserido.

Este trabalho, por sua vez, busca entender a possibilidade de o reconhecimento do

leitor no jornal leva-lo à reflexões políticas, econômicas e sociais. Na bibliografia explorada,

não foram encontradas formas práticas de possibilitar a junção entre o compromisso com o

interesse público dos jornais à aproximação do cotidiano do leitor aos conteúdos dos grandes

jornais. Por isto, esta pesquisa, teve como objeto o jornal Folha de S. Paulo, um dos

impressos de maior circulação do Brasil, de credibilidade e tradicionalismo sedimentados na

opinião pública, tem por objetivo analisar como estas novas tendências têm sido

desenvolvidas pelos grandes jornais nacionais para compreender este fenômeno no jornalismo

na atualidade.

A forma narrativa conhecida como fait divers ou fatos diversos, por seu turno,

integram a exploração desses conteúdos feitos para entreter. Inseridos em diversas

manifestações comunicativas que antecedem, inclusive, como será visto mais adiante, às

narrativas impressas, o fait divers são definidos como o próprio sensacionalismo. A principal

característica deste gênero é a exploração, independentemente de sua sistematização

tipológica, da emoção de quem o consome. Por este motivo, este viés de narração, atualmente

muito explorado pelo jornalismo popular, é questionado por seu imediatismo, por seu

esgotamento em si mesmo e por sua aparente impossibilidade de promover a reflexão, a

contextualização e a análise intelectual.

Dentro desta perspectiva, esta pesquisa analisa também o fantástico como uma das

categorias de entretenimento que se manifestam no jornalismo. As notícias fantásticas são

aquelas que tratam de acontecimentos que, em especial pela forma como são abordadas,

Page 13: Jornalismo e entretenimento

13

remetem a uma explicação insólita para a sua ocorrência. Vinculadas geralmente a uma

linguagem literária, as notícias do fantástico surgem como uma forma de suavizar o noticiário

diário.

Considerando que os fait divers e as notícias do fantástico, bem como outros valores

presentes no jornalismo, fazem parte também em outras manifestações escritas, como na

Literatura e na História, não é possível desvincular seu modus operandi das características

destes outros campos do conhecimento. Sendo assim, no primeiro capítulo deste trabalho é

abordado o jornalismo enquanto construção narrativa e, para efeito de entendimento, buscou-

se estabelecer vínculos entre as outras formas narrativas citadas. Neste sentido, apesar de seu

vínculo embrionário com a Literatura, tendo com ela surgido nos primeiros conteúdos

impressos, o jornalismo trabalha com o mesmo material da História: a realidade e sua

abordagem. A forma como esses dois campos a constroem é que definem sua confiabilidade e

credibilidade, com a diferença de que uma remonta a um passado de maior distância temporal,

enquanto o outro tenta sempre agarrar a realidade do presente, para documenta-la e torna-la

também parte da história.

Cada um desses campos terá pesquisas optando por formas diferentes de produção. Na

história, há correntes de estudiosos que prezam pela descrição do cotidiano das pessoas do

passado, já outras priorizam a contextualização política, econômica e social dos

acontecimentos. Do mesmo modo, no jornalismo haverá profissionais voltados para a reflexão

sobre os fatos, enquanto outros irão se basear na ideia de que o leitor deve se reconhecer no

jornal. Estes, portanto, tenderão aos valores-notícia explorados no jornalismo popular, como o

entretenimento.

Como tratar o acontecimento, matéria-prima para ambas essas manifestações escritas,

é o que irá definir as correntes de estudo. Portanto, a compreensão de como é feito esse

tratamento no jornalismo perpassa o entendimento de como isso ocorre na história, que

trabalha há mais tempo com a percepção dos acontecimentos. No jornalismo, é a vertente de

referência que antagoniza ao popular, no sentido de valorizar os fatos políticos em detrimento

do cotidiano. Por este motivo, levantam-se questionamentos a respeito da flexibilização dos

jornais de referência, com relação aos valores-notícia do jornalismo popular, para se

adaptarem ao avanço das tecnologias de comunicação que lhes tiraram parte de seus leitores e

fizeram com que seus conteúdos tivessem de ser mais atrativos para atrair outros públicos.

Um dos questionamentos é o de que o entretenimento pudesse estar desviando o

tradicional modo de fazer jornalismo de referência, fazendo-o perder seu compromisso

Page 14: Jornalismo e entretenimento

14

editorial com o interesse público. Na busca por perceber e entender este fenômeno, escolheu-

se a Folha de S. Paulo como objeto de análise para alcançar o objetivo principal deste estudo,

que é compreender a maneira como conteúdos específicos de entretenimento, os fait divers e o

fantástico, manifestam-se no jornal sem comprometer o seu compromisso com o interesse

público.

Sendo assim, o estudo se baseou em atender aos seguintes objetivos específicos:

entender os valores-notícias que pautam a atividade do jornal Folha de S. Paulo; avaliar de

que forma o novo contexto jornalístico influenciou no tipo de conteúdo abordado pelo jornal;

identificar matérias sobre fait divers e sobre o fantástico, buscando compreender a construção

das narrativas dessas notícias; e, por fim, avaliar como esta construção narrativa é feita de

modo a preservar os valores-notícia anteriormente estabelecidos pelo jornal.

Para alcançar esses objetivos delineados, foram realizados os seguintes procedimentos

metodológicos de pesquisa: análise comparativa entre o período em que se começou a

observar uma queda no número de exemplares por adulto da população brasileira e o período

atual, por meio da delimitação de duas amostras pela técnica de amostragem de mês

composto, para, assim, quantificar as matérias populares entre as duas amostras e avaliar se

houve aumento, recuo ou manutenção deste perfil de notícias no jornal; análise das categorias

de entretenimento (fait divers e fantástico) para o estudo aprofundado dessa manifestação no

jornal Folha de S. Paulo; e uma análise qualitativa do conteúdo das matérias de

entretenimento, buscando observar características que as vinculem ao interesse público.

Estrutura da pesquisa

No primeiro capítulo deste trabalho, buscou-se compreender de que modo as

narrativas jornalísticas são construídas, bem como relaciona-las a outras formas narrativas que

também têm por objetivo retratar os acontecimentos da realidade. Assim, também foi

discutido o que é acontecimento no jornalismo; como é feita a seleção destes para figurar nos

jornais, perpassando os processos de constituição dos critérios de noticiabilidade; os valores-

notícia do jornalismo popular; e o paradigma do interesse público, para que fosse feito um

mapeamento das funções sociais atribuídas ao campo jornalístico.

No segundo capítulo, partiu-se para o estudo das novas tendências do jornalismo

decorrentes do surgimento dos novos modos de produção e do entendimento de como isso

afeta os valores sedimentados da profissão. Neste ponto, buscou-se entender as categorias

tratadas anteriormente que foram base para a pesquisa deste trabalho: o fantástico e os fait

Page 15: Jornalismo e entretenimento

15

divers e suas respectivas manifestações nos jornais de referência, junto a uma explicação do

porquê de serem vinculados ao sensacionalismo.

Ainda no segundo capítulo foi feita uma discussão a respeito do entretenimento e do

interesse público. É comum que haja uma percepção coletiva de que a finalidade do

jornalismo se resume em informar para que as pessoas possam construir suas próprias

concepções e valores de cidadania. Sendo assim, discutiu-se se é possível conceber que

recursos que exploram apenas as matrizes simbólico-dramáticas do ser humano, como os

conteúdos sensacionalistas ou fait divers, bem como as notícias do fantástico, possam dar base

ao valor informativo de interesse público para conhecimento e reflexão.

Há um entendimento ideológico de que prática profissional jornalística está

compromissada com aquilo que se acredita ser informação para que uma pessoa possa

construir sua própria independência e, em certa medida, com uma função historiográfica de

narrar o que acontece no presente, deixando-o, consequentemente documentado. Esta

pesquisa se desenvolve no ensejo de expandir os conhecimentos acerca desta percepção,

compreendendo que a evolução dos meios de comunicação vem transformando os modos de

produção da atividade e trazendo novas reflexões para o campo, que questionam as

prioridades dessa atividade e seu compromisso com a cidadania.

A questão aqui não é avaliar se isto é certo ou errado, positivo ou negativo, mas sim

perceber como as transformações no campo jornalístico estão modificando a realidade com os

públicos e vice-versa. Sendo assim, o objetivo da pesquisa esteve concentrado em

compreender de que modo os fait divers e o fantástico, que são tipos de notícias de

entretenimento, manifestam-se no jornal de referência Folha de S. Paulo sem comprometer o

compromisso editorial deste com o interesse público.

Page 16: Jornalismo e entretenimento

16

1. A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA

O jornal escolhido como objeto de pesquisa – a Folha de S. Paulo – embora seja um

dos jornais de maior circulação no Brasil, como será abordado adiante, oferece um produto

jornalístico que é resultado de uma discussão que vai além dos compromissos editoriais

assumidos e os valores-notícia habitualmente utilizados por ele. Por isso, a compreensão deste

produto específico e suas relações com o contexto atual remetem a uma gama de teorias que

perpassa questões como: o que pode ser entendido como acontecimento para o jornalismo;

como outras narrativas trabalham o elemento acontecimento e, neste ponto, a discussão passa

pelo campo da história; como são definidos os critérios de escolha dos acontecimentos; o que

é importante para a narrativa jornalística (o cotidiano ou o fato político?) quando se pensa em

função social desta atividade; além das novas tendências e mudanças estruturais pelas quais

vem passando o jornalismo nas últimas décadas, em virtude das novas tecnologias e das

migrações de público para outras plataformas de notícia; e os fait divers e fantástico,

elementos do entretenimento, bem como outros valores do jornalismo popular.

Todas estas questões levantadas serão aprofundadas neste trabalho por meio de teorias

da história, do jornalismo e da sociologia. A questão do acontecimento, por exemplo, é

discutida a partir dos conceitos do vocabulário de Foucault (CASTRO, 2009), da perspectiva

histórica de Veyne (2008) e de uma introdução ao campo jornalístico com Pontes e Silva

(2010), dentre outros. A notícia como narrativa é abordada a partir de Motta (2006). Já a

função social do jornalismo é trazida pela sociologia de Park (1940). Enquanto que os

critérios de noticiabilidade são discutidos, principalmente, a partir de Schudson (2010) e

Traquina (2008). As novas tendências nos jornais são trazidas a partir das perspectivas

proporcionadas pelas pesquisas de Meyer (2007) e Sant’Anna (2008). Por fim, os conceitos

sobre fait divers, fantástico e outros valores-notícia do jornalismo popular são contribuições

das pesquisas de Barthes (2007), Motta (2006) e Amaral (2006), respectivamente, entre

outros.

Dando início à discussão a partir da perspectiva de função social atribuída ao

jornalismo, os estudos de Park (1940) apontam que a notícia é uma das primeiras e mais

elementares formas de conhecimento. Com esta afirmação, o sociólogo e ex-jornalista dá à

notícia o estatuto de representação de atos comunicativos que vão desde as formas mais

simples – como um aviso de perigo feito por um animal ou de fome feito por um bebê – até ao

comunicado de inquietações ou emoções que unificam um determinado grupo social, uma

Page 17: Jornalismo e entretenimento

17

comunidade, ou uma sociedade. O exemplo do sociólogo pode parecer generalista, mas reflete

aquilo que ele chama de efeito da notícia que, grosso modo, é o estímulo para que os

indivíduos ajam em prol do interesse coletivo para promover mudanças ou manter condições

sociais.

Partindo de tal perspectiva, levanta-se o questionamento sobre quão grande pode ser o

leque de informações que podem ser tomadas como notícia. Respondendo a Park (1940),

Schudson (2010, p.37) traz o seguinte conceito moderno de notícia: um produto oferecido

pelos jornais que pretende representar de forma realista os acontecimentos do mundo. A esta

definição segue que, para se tornar notícia, o acontecimento deve atender a alguns critérios,

que são chamados de valores-notícia. Embora eles tenham alguma unanimidade entre autores

– resumidos por Schudson (2010, p.37) em exatidão, integridade, vivacidade e atualidade –

estes critérios se modificaram ao longo da história do jornalismo, trazendo novas tendências.

As manifestações jornalísticas contemporâneas têm mostrado outras perspectivas para

valorar acontecimentos para que se tornem notícia ou outro produto jornalístico. O

entretenimento, que a princípio pode soar incompatível com o efeito notícia proposto por Park

(1940), é um exemplo que vem sendo adotado. Eis o tema que este trabalho pretende abordar.

Com enfoque na seleção de acontecimentos que determinam a categorização das notícias do

fantástico e dos fait divers, que são formas de entretenimento, esta pesquisa não se propõe

rechaçar ou acatar tal manifestação no jornalismo, mas indagar o motivo da suposta

incompatibilidade, buscar entender o porquê de os jornais estarem se utilizando do

entretenimento para informar e avaliar se esta nova tendência pode ser positiva ou negativa,

considerando as funções sociais do jornalismo, e a partir de quais parâmetros.

1.1. Narrativas do acontecimento: jornalismo e história

Conforme já mencionado a respeito do que se espera do jornalismo no sentido de

manter ou gerar novas condições sociais, o motivo que leva cada acontecimento a ser

selecionado para ser notícia, ou seja, o critério de noticiabilidade ou valor-notícia, reflete-se

diretamente neste efeito. Além dos critérios, a forma como os acontecimentos são abordados

narrativamente também afeta a compreensão do efeito. Assim, em primeiro lugar, faz-se

necessário entender como ocorre a construção da narrativa jornalística.

Com efeito, para que se possa atribuir às produções jornalísticas um caráter narrativo,

é preciso recorrer aos conceitos da narratologia. A narratologia ou teoria da narrativa

Page 18: Jornalismo e entretenimento

18

compreende um campo das ciências humanas dedicado ao “estudo das relações humanas que

produzem sentido através de expressões narrativas, sejam elas factuais (jornalismo, história,

biografias) ou ficcionais (contos, filmes, telenovelas, videoclipes, história em quadrinho)”

(MOTTA, 2007, p.2). Sendo assim, é por meio da narratologia que se analisa de que forma as

narrativas humanas refletem práticas culturais, pois cada uma delas se constrói por meio de

estratégias de discurso que remetem a contextos históricos e políticos específicos.

Segundo Araújo (2011, p. 4), a narratologia esteve, durante muito tempo, associada

somente ao universo da literatura. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, os

estudos de diversos autores revolucionaram o conceito de narrativa, trazendo uma perspectiva

de interdisciplinaridade. A partir desse momento, a concepção de narrativa passou a abranger

outras manifestações da expressão humana. Silva (2007, p. 51) define a narrativa como a

representação linguística de um acontecimento, real ou fictício, que leva a uma transformação

de um estado das coisas. Segundo o autor, a representação sem acontecimento, no entanto,

não constitui narrativa.

Da mesma forma, Motta (2007) compreende os enunciados narrativos como relatos

que exprimem os conhecimentos objetivos e subjetivos do mundo feitos pelos sujeitos sociais.

Segundo o autor, estes sujeitos significam, por meio da expressão linguística dotada de lógica

e ordem cronológica, a realidade daquilo que não podem ver e também do que lhes é tangível,

produzindo sentido. Para o autor, “ao estabelecer sequências de continuidade (ou

descontinuidade), as narrativas integram ações no passado, presente e futuro, dotando-as de

sequenciação” (MOTTA, 2007, p.2). Assim, o relato temporal coloca os estados e as ações

nas perspectivas dos momentos históricos, explicando as mudanças evolutivas.

Sendo assim, a discussão da relação entre história e jornalismo se faz necessária para

os fins desse trabalho. Ambos produzem sentido social para os acontecimentos por meio da

expressão narrativa. Além disso, na história, os diferentes modos de escolha de

acontecimentos de cada corrente historiográfica refletem diversas percepções sociais e isto

pode ajudar a entender como critérios de noticiabilidade que não são habituais, como o

entretenimento, influenciam nos efeitos do jornalismo na sociedade. Portanto, mesmo que

estejam em temporalidade distantes, segundo Motta (2007), a forma como selecionam os

acontecimentos e os descrevem na realidade situam o homem em um contexto, oferecendo a

ele compreensão sobre o mundo e a existência.

Tanto na narrativa histórica, quanto na jornalística, há uma busca pela representação

mais fiel da realidade, é o que Motta (2006) chama de “efeito de real”. Segundo o autor, nas

Page 19: Jornalismo e entretenimento

19

narrativas fáticas (jornalismo e história) há uma intensa aproximação dos fatos com o mundo

físico e com a temporalidade, para garantir a veracidade do relato narrado. Nesta perspectiva,

o conceito de fato também contribui para o efeito. Genro Filho (1987) propõe que os fatos não

existem previamente tais como nos são apresentados, “existe um fluxo objetivo na realidade,

de onde os fatos são recortados e construídos obedecendo a determinações ao mesmo tempo

objetivas e subjetivas” (GENRO FILHO, 1987, p.186). Pelas definições apresentadas por

Schudson (2010), as determinações são objetivas porque o fato pode ser entendido como uma

ocorrência no mundo cuja validade independe dos valores e do julgamento de quem vê; e

subjetivas porque o fato também pode ser compreendido como um aspecto do mundo

validado pela forma como é visto.

Schudson (2010) afirma que após a Primeira Guerra Mundial, a ideia de que o ser

humano constrói a realidade com a qual se relaciona superou, em parte, a crença numa

objetividade absoluta na qual os fatos podem ser totalmente desvinculados de valores.

Segundo o autor, porém, o ideal de objetividade prevaleceu e, assim, foram

institucionalizados normas e procedimentos profissionais para garantir a objetividade dos

recortes dos fatos na realidade. Tais normas se referem aos critérios que determinam o que é

acontecimento para a história e os valores-notícia do jornalismo. Portanto, para Genro Filho

(1987, p.186),

os fatos jornalísticos são um recorte no fluxo contínuo, uma parte que, em

certa medida, é separada arbitrariamente do todo. Nessa medida, é inevitável

que os fatos sejam, em si mesmos, uma escolha. Mas, para evitar o

subjetivismo e o relativismo, é importante agregar que essa escolha está

delimitada pela matéria objetiva, ou seja, por uma substância histórica e

socialmente constituída, independentemente dos enfoques subjetivos e

ideológicos em jogo. A verdade, assim, é um processo de revelação e

constituição dessa substância.

Partindo de uma perspectiva histórica, Veyne (2008) afirma que os fatos que se

diferenciam da regularidade, da uniformidade, são aqueles que serão reconstruídos para o

conhecimento científico e social. É um processo de descrição, que depende não só daquilo

que é importante para a sociedade aos olhos do historiador, mas também da abundância

documental. Conforme explica o historiador, busca-se encontrar coerência em vestígios que se

perderam de um fato, até encontrar sua essência e completude. Trabalho semelhante à

apuração jornalística, já que, nesta atividade o que interfere na transparência entre os fatos e o

texto, é a característica elementar do jornalismo de ser uma narrativa que, “mesmo que narre

Page 20: Jornalismo e entretenimento

20

elementos não ficcionais, organiza os fatos sob o formato de uma história e apresenta traços

que identificam qual tipo de história está contando” (PONTES; SILVA, 2010, p.58-59).

Para Pontes e Silva (2010), o fator temporal diferencia o trabalho dos jornalistas da

atividade dos historiadores, porque a profissionais que trabalham com a informação

jornalística são pautados pelo elemento da atualidade. Ainda que o jornalista tenha que

recontar um acontecimento localizado no passado, o curto prazo que há entre o momento do

fato e de sua transformação em texto, permite o acesso aos elementos que estiveram em

contato com aquela realidade, como testemunhas e personagens. Já os fatos a serem narrados

pelo historiador, encontram-se inacessíveis à experiência, conforme explica Pontes e Silva

(2010, p.56):

Para recontar esse fato, ele precisa prefigura-lo (copiar o acontecimento em

sua dinamicidade), configurá-lo (transformá-lo em uma história a ser

contada), o que resulta numa narrativa refigurada (interpretada no processo

de leitura) de outras narrativas. Ou seja, o historiador também precisa ser

público, ser leitor, para daí reconstruir fatos conforme a configuração por ele

estabelecida. Nisso, o historiador enfrenta desafios similares aos do

jornalista, pois precisa transmitir em palavras fatos que aconteceram e que

precisam ser passados como aconteceram, recorrendo a estatutos da narrativa

para constituir a percepção de seu trabalho.

Conforme anteriormente mencionado, a determinação do campo histórico depende da

percepção social de cada corrente historiográfica. Esta diferença é analisada aqui para servir

de parâmetro para o jornalismo quando são observadas novas tendências na determinação do

que é valor-notícia. No caso deste trabalho, especificamente, para referenciar a ocorrência das

categorias do entretenimento em notícias. Assim, Pontes e Silva (2010, p.43) falam de duas

correntes da historiografia que se opõem: a escola metódica alemã1 e a escola francesa dos

annales2.

1 Brito (2003) explica que a corrente historiográfica metódica surgiu na Alemanha no século XIX, com Ranke. A

pretensão dos adeptos era garantir maior cientificidade à história, dando a ela um caráter mais objetivo, para que

fosse um reflexo fiel do passado sem qualquer interpretação filosófica ou objetiva. “O que de fato valia era o

estudo do passado pelo passado, e a curiosidade sobre o que fomos e deixamos de ser representaria o mote de

todo esforço historiográfico” (BRITO, 2003, p. 4). Assim, na prática, isso seria possível se o historiador seguisse

a seguinte “receita” sintetizada pela autora: ao historiador bastaria reconstruir os fatos como eles “realmente se

passaram”, portanto, sem julgamentos; ao historiador caberia uma postura de neutralidade; a história/passado

existiria objetivamente e poderia ser captada através dos documentos; ao historiador caberia reunir o maior

número de documentos, atento à sua autenticidade; os fatos deveriam ser extraídos desses documentos,

organizados e apresentados numa narrativa que respeitasse sua sequência cronológica e; não haveria a menor

necessidade de qualquer reflexão teórica. 2 Ver Burke (1990). Segundo este autor, esta corrente representa um grupo da historiografia francesa associado à

Revista Annales (criada em 1929), cuja produção intelectual no século XX se destacou por inovações trazidas

Page 21: Jornalismo e entretenimento

21

Segundo Pontes e Silva (2010), para os metodistas, o papel central do historiador é

narrar um fato do passado, a partir dos documentos validados disponíveis, sem a interferência

do historiador no arquivo. Ou seja, priorizam-se os acontecimentos ligados a dados de

instituições por se acreditar que as conclusões obtidas nestes documentos oficiais são

verdadeiras e não há necessidade de uma interpretação ou reflexão acerca das estruturas

sociais do evento que está sendo narrado.

Por outro lado, na França, a corrente dos annales destaca a importância do papel que

os estudos sociais tomam para a história. Segundo Pontes e Silva (2010, p.46), é com Fernand

Braudel, na segunda geração da annales, que a temporalidade ganha evidência. Os autores

explicam que Braudel destaca o conceito de longa duração como elemento essencial para se

estudar os eventos do passado. Para os historiadores adeptos desta corrente, é necessário

estabelecer uma relação entre presente e passado, priorizando o estudo do contexto, que é o

meio pelo qual irão entender a mentalidade da época estudada e a estrutura social que

possibilitou o evento. Assim, Pontes e Silva (2010, p.46-47) destacam que, para Braudel,

existem três temporalidades, três domínios em que a história explica a

realidade: uma história quase imóvel que trata a relação do homem com o

seu meio geográfico; uma história lenta, que trata dos ciclos econômicos e

das estruturas sociais; e uma história de acontecimentos, capaz de relatar as

oscilações breves da vida cotidiana e presente. Como unificadora dessas

temporalidades na história e fundadora da evolução dos homens e das coisas,

estaria a longa duração. Essa tendência repercutirá em estudos de forte

cunho estruturalista, preocupados com a serialização temática associada a

variantes quantitativas, de repetição de ações e fenômenos, de

estabelecimento de leis específicas de consonância de um dado momento

histórico ou fato que se repete em condições similares ao longo da história.

Determinar o sentido ou valor de um acontecimento no contexto social em que ocorre

é também uma proposta da narrativa jornalística. Neste caso, há o antagonismo entre: destacar

os elementos sociais que propiciaram a realização do fato ou apenas reconstruí-lo, sem

contextualiza-lo. É um dilema semelhante ao que se interpõe entre a escola metódica alemã e

os estudiosos da escola de annales, no estudo e na construção da história. No jornalismo, por

exemplo, no segmento da imprensa popular, segundo Amaral (2006, p. 9), é predominante “a

para o estudo da história. O objetivo dos historiadores deste grupo consistia em substituir a tradicional narrativa

da história dos acontecimentos por uma história-problema, descrever a história de todas as atividades humanas e

não somente da história política e, assim, tornar a história um campo interdisciplinar. A Revista Annales teve

quatro títulos: Annales d’histoire économique et sociale (1929-39); Annales d’histoire sociale (1939-1942, 45);

Mélanges d’histoire sociale (1942-4); Annales: économies, sociétés, civilisations (1946-).

Page 22: Jornalismo e entretenimento

22

ideia de que a mídia deve ter um uso social e expressar a necessidade dos jornais de

responderem às demandas cotidianas dos cidadãos”.

Apesar da analogia entre história e jornalismo proposta aqui para fins comparativos,

Park (1940) adverte que, embora as notícias possam se tornar documento histórico para o

futuro, notícias não são necessariamente história. O autor propõe este paradigma não porque o

jornalismo não trate de narrar a história do presente, mas porque os eventos que narra ainda

não estão localizados devidamente na sucessão histórica, afirmando que

na verdade, não seria muito errado ao supor que a história é tão grande que

preocupa com as conexões de eventos - a relação entre os incidentes que

precedem e as que se seguem - como é com os próprios eventos. Por outro

lado, um repórter, como distinguido de um historiador, visa simplesmente

registrar cada evento único como ocorre e se preocupa com o passado e o

futuro só na medida em que lançam luz sobre o que é real e presente.

(PARK, 1940, p. 675)

À luz deste entendimento, compreende-se que a história e todos os elementos que a

constituem já demonstraram a importância de transcender o tempo, assim como já é possível

estabelecer lógica e continuidade entre os eventos, porque eles já se desenrolaram e não há

mais possibilidade de especulações sobre o futuro. Por outro lado, o relato jornalístico, ainda

que se baseie em processos semelhantes aos da história na percepção e escolha dos

acontecimentos que devem ser tornados públicos, “observa o mundo desde o atual, ancora seu

relato no presente para relatar o passado e antecipar o futuro” (MOTTA, 2007, p. 9). Ou seja,

para o autor, a narrativa jornalística organiza histórias em um sequência cronológica, mas se

esgota na atualidade.

Consonante a esta perspectiva, Park (1940, p.675) lançou mão do que constituiu o foco

central de sua teoria, isto é, o estudo das notícias desvinculado de uma perspectiva histórica,

mas pensando estas formas comunicativas inseridas em um contexto que permitiria a

construção do conhecimento. Para o sociólogo, na medida em que as notícias chegam aos

poucos à sociedade e vão sendo assimiladas, elas vão dando noção do que está acontecendo.

Em seguida, a reação que as pessoas têm de repetir e discutir sobre o que foi noticiado com

outros possibilita a construção de um consenso público a respeito dos fatos. Esta interação

leva a uma interpretação coletiva dos eventos presentes que influenciam o cotidiano das

pessoas, dando elas conhecimento sobre o que acontece nos âmbitos políticos, econômicos e

sociais.

Page 23: Jornalismo e entretenimento

23

Para Motta (2007, p.2) isto ocorre porque a organização da narrativa midiática não é

arbitrária. Segundo o autor, existem intenções, conscientes ou inconscientes, na produção

jornalística: “quando o narrador configura um discurso3 na sua forma narrativa, ele introduz

necessariamente uma força ilocutiva4 responsável pelos efeitos que vai gerar no seu

destinatário”. Assim, as escolhas feitas para a construção de uma lógica narrativa, como já

havia antecipado Veyne (2008) com relação à narrativa histórica, não são totalmente

aleatórias, mas dependem da subjetividade do historiador ou jornalista, pois cada código e

articulações sintática e semântica irão gerar uma determinada interpretação.

Traquina (2005) revela que a força do jornalismo, portanto, não está somente na

escolha dos fatos que serão noticiáveis, mas também na possibilidade de escolher quais os

elementos linguísticos irão construir a realidade destes fatos para os destinatários da

informação. É o que se entende por organização narrativa. Tal construção revela o papel de

mediador do jornalismo entre leitor (ou destinatário da informação) e realidade, uma vez que

ele os aproxima. É o jornalismo também o responsável por construir o efeito da notícia,

conceito trabalhado por Park (1940) e apresentado no início desta discussão, pois é o

profissional jornalista quem seleciona os acontecimentos que irão para os jornais.

Por se tratar de um conceito também polissêmico, o acontecimento pode ser sinônimo

de fato e se tratar de “algo que ocorre no mundo exterior a nós” (SPONHOLZ, 2009, p.61)

que, ao ser retratado, representa um recorte da realidade. Do ponto de vista da Sociologia,

Durkheim (1972) afirma que o fato é um fenômeno que, de algum modo, é de interesse social.

Ou seja, a sua ocorrência promove regularidade à sociedade ou a desestabiliza. Neste ponto,

requer-se explicação sobre o que faz com que, dentre tantos fatos ou acontecimentos do

mundo, alguns sejam escolhidos para serem retratados nas narrativas jornalísticas, ao passo

que outros não.

3 Para Motta (2006), no contexto de narrativa, o discurso é formado pelo relato representativo e pelas ações e

performances socioculturais por ele representadas. Os discursos podem ser, portanto, narrativos literários,

históricos, jornalísticos, científicos, jurídicos, publicitários e quaisquer outros que estejam inseridos nos jogos de

linguagem.

4 A força ilocutiva ou ilocucionária é trabalhada aqui a partir de Motta (2006). O autor explica que são forças

expressivas que vêm não apenas do significado objetivo das palavras, mas também do que elas significam

quando estão em um ato de fala. Para ele, usar a linguagem, além de colocar palavras e sintaxes em movimento,

também ativa conhecimentos que as palavras evocam para os participantes do ato comunicativo, que não

necessitam estar explícitas.

Page 24: Jornalismo e entretenimento

24

1.2. O acontecimento no jornalismo

Semelhante à perspectiva histórica, o acontecimento jornalístico, entendido como

elemento central da informação, é o fato que irrompe na regularidade da realidade. O viés

comparativo ainda permanece para efeito de facilitar a determinação do acontecimento no

jornalismo, bem como a relação deste com o surgimento de concepções diferentes para os

valores-notícia, porque o acontecimento é um elemento também da narrativa histórica.

Segundo Castro (2009), Foucault distingue dois sentidos para o termo acontecimento: a

novidade ou o que se faz diferente e o acontecimento como prática histórica regular. Ambas

as narrativas se ocupam dos dois sentidos, pela relação que existe entre eles, isto é, um acaba

incorrendo no outro: “as novidades instauram novas formas de regularidade” (CASTRO,

2009).

A princípio, o campo histórico só exige uma condição do fato para que este seja de

interesse da história, ele precisa ser verdadeiro (VEYNE, 2008). Esta determinação garante

que a história se distancie da narrativa literária, que trabalha fatos ficcionais. Assim, tanto as

práticas regulares quanto as novidades são de interesse da narrativa histórica. Por outro lado,

na narrativa jornalística, não basta que o acontecimento seja verdadeiro e que disponha de

documentos para a sua verificação, a escolha do acontecimento a se tornar notícia é

determinada por uma série de critérios e valores e sua importância é avaliada conforme aquilo

que a comunidade jornalística define como finalidade da notícia (KOVACH; ROSENSTIEL,

2003). Para os autores, um fato, ainda que previsível, pode ter uma função social, centrada na

política, na economia, na meta principal de contar a verdade de forma que as pessoas

disponham de informação para a sua própria independência. Desta forma,

o acontecimento, como usualmente compreendido no pensamento

jornalístico, estaria fora do texto, ficando, portanto, na relação entre os fatos

e suas consequências diretas sobre a vida em determinada sociedade. O

jornalismo coloca-se como o mediador que possui a tarefa de trazer esse

acontecimento exterior para a interioridade do texto, dando-lhe o destaque

pertinente à importância que esses fatos tomam para o público em geral. O

jornalismo mostra-se como o próprio lugar em que o acontecimento

transforma-se em texto. Um texto que se julga constantemente transparente,

submetido a uma ética que lhe seria inerente. Estão aí a concepção de

verdade e o estabelecimento de uma correspondência entre textos e relatos,

ou seja, uma visão realista. (PONTES; SILVA, 2010, p.52)

Page 25: Jornalismo e entretenimento

25

Transformar um acontecimento em texto jornalístico é entendê-lo como possível de

ser noticiado e essa valoração é feita com base em regras institucionalizadas com relativa

unanimidade dentre as diversas teorias do jornalismo. Em síntese, Alsina (2009) apresenta dez

regras de seleção de notícias: fatos de interesse humano5, nos quais quem recebe a informação

se identifica como personagem; protagonistas de sucesso pessoal, isto é, pessoas

desconhecidas do público protagonizam situações de superação ou sucesso semelhantes a

histórias ficcionais; a novidade; o exercício dos poderes político, econômico, judicial etc.; a

anormalidade6 de condutas sociais; a violência e o sofrimento das pessoas diante desses fatos,

etc.

Na busca proposta neste trabalho por entender como o jornalismo contribui para

manter ou gerar novas condições sociais, esses critérios que se tornaram tendência com a

massificação da mídia, em um primeiro momento, podem remeter a um possível

distanciamento de valores sociais, como a cidadania7, num sentido de promover o seu

exercício. A matriz profissional, entretanto, ainda parece estar centrada no jornalismo com

esta finalidade, como se verá a respeito do interesse público adiante, ainda que, na prática, se

revele mais preocupada com o que é mais atrativo, como se pode notar pela descrição das

regras de seleção de notícias citadas.

Apesar dessas reflexões funcionais sobre o jornalismo, para Alsina (2009), o

paradigma dos acontecimentos jornalísticos ainda é o fato. Porém, com o surgimento da

imprensa de massas e, com isso, a inserção da notícia em uma lógica industrial de produção

em larga escala para atendimento das demandas, segundo Pontes e Silva (2010, p.59), surge

5 Segundo Motta (2006), o termo interesse humano será abordado neste trabalho conforme conceituado por

Motta. Para o autor, as notícias de interesse humanos são aquelas que permitem uma abordagem textual mais

literária, podendo se entregar às metáforas. Trata-se de relatos jornalísticos descritivos sobre temas humanos,

tragédias pessoais ou coletivas, sobre animais e lugares, etc., mas com certa liberdade de linguagem: “a dinâmica

narrativa temporal pode esvaecer os efeitos de real e estruturar-se enquanto enredo” (MOTTA, 2006, p.51).

6 Foucault (2001) faz uma antropologia da origem da conduta anormal e atribui a ela uma origem em três formas

de indivíduo: o monstro, o incorrigível e o masturbador. Para ele, cada período histórico constitui formas de cada

um destes tipos de anormais porque dependem do contexto nos quais surgem. O monstro é o modelo por trás das

pequenas anomalias, desvios e irregularidades dos séculos mais recentes. Em síntese, o monstro é o que combina

o impossível com o proibido, podendo ser aquele que infringe a lei, aquele que infringe a natureza (gêmeos

siameses etc.) ou aquele que desrespeita o pacto social, ou seja, coloca os interesses pessoais acima dos

interesses sociais. O incorrigível surge no contexto familiar, infringindo as regras consideradas normais naquele

ambiente. Da mesma forma, o masturbador é aquele que, em qualquer contexto, ultrapassa o limite do que é

considerado sexualmente normal.

7 Para Rezende Filho (2008), o significado clássico de cidadania sugere participação política, mas o conceito

evoluiu e se relaciona também a uma concepção de direitos e deveres da sociedade para com o cidadão e vice-

versa.

Page 26: Jornalismo e entretenimento

26

uma concepção de que é possível fazer uma cópia do acontecimento para o texto,

demonstrando um abandono, ao menos do ponto de vista do profissional, do potencial

narrativo a partir do acontecimento.

Ainda assim, quase que inconscientemente, os jornalistas continuam a

reproduzir as histórias de fundo simbólico e mítico que permeiam as relações

humanas e estruturam a literatura. O jornalismo informativo ainda privilegia

o desastre, o assassinato, o acidente, os heróis e vilões, as “voltas por cima”,

o honesto que sobe na vida, a mãe desesperada, o romance que acaba em

desgraça, conto de fadas, os fait divers. (BIRD e DARDENNE, 1988, apud

PONTES e SILVA, 2010, p.59)

A partir desses novos valores que priorizam o entretenimento do público, a perspectiva

do que vem a ser a função do jornalismo enquanto uma atividade com obrigação moral e

social mais ampla passa a ser questionada, pois “servir o leitor passa a ser mais do que uma

função social, torna-se uma atividade lucrativa” (AMARAL, 2003, p.1). Neste sentido, Meyer

(2007), tomando como base o contexto norte-americano, explica que durante a maior parte do

século XX, os jornais eram empresas familiares que estabeleciam uma política mais focada

em participação no mercado do que em obtenção de lucro, mas com a transformação destas

empresas em grandes organizações, houve um processo de monopolização. O autor aponta

que desde então a participação no mercado deixou de ser uma preocupação e mesmo que, com

isso, o jornalismo tenha se tornado uma prática voltada ao lucro, ainda há certo senso de

compromisso social.

Estas mudanças nas organizações jornalísticas trazidas com a urbanização e os

avanços tecnológicos fizeram com que o conceito de acontecimento jornalístico abarcasse

outros tipos de fatos (ALSINA, 2009). Segundo o autor, não se perdeu a concepção

antropocêntrica do acontecimento, mas outros personagens passaram a fazer parte da

construção da realidade na notícia. Os personagens anônimos da sociedade passaram a ter

lugar nos acontecimentos descritos pelo jornalismo.

No Brasil, esta tendência pode ser exemplificada com a reforma editorial promovida

no jornal Correio Braziliense8 pelo jornalista Ricardo Noblat, durante sua gestão como diretor

8 “O Correio nasceu junto com Brasília. Na noite da véspera da inauguração da cidade, antes de ir para a missa

em ação de graças pela nova capital, a primeira-dama, Sarah Kubitschek, inaugurou o Correio Braziliense e a

TV Brasília. A primeira edição do Correio Braziliense foi publicada no mesmo dia em que a cidade de Brasília

nasceu, em 21 de abril de 1960. Nesse primeiro número, o jornal saiu com 96 páginas – 16 feitas em Brasília e

80 no Rio de Janeiro. A tiragem foi de 30.000 exemplares. O ex-diretor de redação do Correio, Luiz Adolfo

Pinheiro, observou que a tiragem era impressionante para a época, em texto no caderno especial do Correio

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de redação, entre os anos de 1994 e 2001. Para entender como o jornal chegou ao ponto desta

mudança, em um breve retrospecto histórico, Benevides (2013) afirma que o Correio passou

por fases: a primeira delas, o autor chamou de oficialista. Isto porque desde sua criação em

1960, até meados de 1970, o conteúdo do jornal tratava de promover a importância da nova

localização da capital e do cotidiano da classe média, baseando-se prioritariamente em

declarações e iniciativas das autoridades.

Segundo Benevides (2013), a partir de 1974, com a entrada de um novo editor-chefe,

outras mudanças ocorreram. A cobertura política foi fortalecida, tornando-se mais ágil e

polêmica. Houve ampliação das coberturas, para dar maior amplitude nacional, com teor mais

analítico e interpretativo, além de uma tentativa de se aproximar do leitor. Todas essas

gradativas reformas culminaram na principal delas em 2001, com Ricardo Noblat.

Para Chiarini (2000), o objetivo de Noblat era que o jornal tivesse mais alcance

nacional, mas, ao mesmo tempo, conservasse sua marca local e identificação com Brasília.

Assim, segundo a autora, a seleção de acontecimentos pelo jornal passou a privilegiar a ideia

de surpreender o leitor com mais notícias exclusivas, narrativas criativas e mais espaço para

temas do cotidiano. Outro objetivo, Chiarini (2000) aponta, foi atrair pessoas que não liam

jornais, para formar um novo público. Para corroborar o argumento, ainda que em outro

contexto social, Meyer (2007) destacou que houve um declínio dos leitores de jornal, com o

envelhecimento do público com maior hábito de leitura, que era formado por aqueles nascidos

após a Segunda Guerra Mundial. Assim, os jornais precisaram se reinventar, não só para

manter seus públicos, mas ampliá-los.

É possível perceber que o que é acontecimento no jornalismo é uma definição flexível

que depende do contexto social e dos objetivos de cada jornal. No entanto, de um modo geral,

há um conjunto de normas que orienta a atividade jornalística para a determinação e seleção

dos acontecimentos que irão constar nos jornais. Estas normas, tratadas na teoria e na prática

como critérios de noticiabilidade ou valores-notícia se adaptam às demandas sociais, embora

algumas sejam mais duradouras do que outras. Por esta perspectiva, este trabalho continua a

mapear esses critérios, para entender a recorrência de manifestações de outros valores

observados a partir das mudanças estruturais do jornalismo.

datado de 4 e 5 de outubro de 1992 e dedicado ao fundador do jornal, Assis Chateaubriand” (CHIARINI, 2000,

p.9).

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28

1.3. Critérios de seleção de acontecimentos jornalísticos

É uma inquietação recorrente na literatura jornalística buscar entender o que leva um

acontecimento a ser transformado em notícia, em detrimento de outros tantos no universo da

realidade. Para aprofundar a questão, Silva (2013) parte do entendimento de que o processo

noticioso se constitui de uma cadeia que vai da infinidade de acontecimentos à imagem do

produto jornalístico para o público. Neste processo, a elaboração da noticiabilidade é definida

por um único fator: tornar as informações espalhadas pelo mundo em algo inteligível.

Partindo desse ponto, Silva (2013) avalia que, dentre os inúmeros valores-notícia formulados

pelas diversas teorias e autores, o que torna um acontecimento noticiável é a sua capacidade

de se enquadrar em um maior número de critérios possível.

Dentro desta perspectiva, entende-se que o período histórico, demandas sociais,

interesses corporativos e institucionais, anunciantes, dentre outros fatores, são determinantes

na definição dos valores-notícia. Contudo, independentemente disso, a probabilidade de um

acontecimento ser levado ao estatuto de notícia dependerá da sua pontuação máxima de

atendimento aos critérios (GALTUNG & RUGE, 1999 apud SILVA, 2012, p.36). De tal

modo que a questão mais problemática está em entender quais são os critérios social e

institucionalmente mais valorizados.

Isto posto, torna-se importante percorrer um resgate histórico de como as primeiras

manifestações noticiosas selecionavam os acontecimentos que tomavam notoriedade na

sociedade, para se compreender os critérios de noticiabilidade contemporâneos. Assim, é

possível verificar quais são os critérios remanescentes de seleção de notícias, ou seja, aqueles

valores que sempre foram tomados como preponderantes e por que a importância destes

persiste. Além de determinar quais são os novos valores que vêm se tornando tendência na

atividade jornalística.

Traquina (2008) classifica como os primeiros registros informativos, que datam do

século XVII, as chamadas “folhas volantes”. Eram formas primitivas do jornal diário, não

possuíam regularidade de publicação e eram dedicadas a um tema específico. Em geral,

tratavam de avisos de cunho moralista, servindo especialmente a propósitos religiosos.

Entretanto, parte dessas folhas simples de informação retratavam acontecimentos sociais,

cujos tipos eram priorizados: notícias sobre assassinatos, celebridades, milagres, feitiçarias e

as recorrentes guerras. Havia também nessas publicações uma predileção pelos protagonistas

sociais – aqueles que tinham mais destaque na sociedade, como os nobres e outros integrantes

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da elite social –, em detrimento dos acontecimentos de interesse local, relacionados à vida

cotidiana das classes sociais constituídas de indivíduos de menor poder financeiro ou que não

faziam parte da nobreza ou outro grupo de prestígio social. Segundo o autor, estes fatos locais

eram geralmente esquecidos.

Ainda no século XVII, Traquina (2008) aponta que, na Europa, começaram a surgir os

primeiros jornais, com publicações regulares. Nesse período, a atividade jornalística, em

geral, tratava os assuntos como forma de ferramenta política. Os assuntos abordavam

invariavelmente ste tema, priorizando o comentário e a opinião. Este perfil jornalístico

dominado pelo polo político perdura por todo o século XVIII, até o aparecimento da imprensa

chamada penny press nas primeiras décadas do século XIX. Schudson (2010) explica que o

nome desta forma de imprensa se refere à ampliação da circulação e, consequentemente, da

popularidade dos jornais por ela produzidos, uma vez que eles eram vendidos a um penny

(centavo) e não seis, como os jornais mais políticos.

Os jornais da penny press eram chamados penny papers e davam espaço às notícias

locais sobre histórias e fatos surpreendentes que beiravam o sensacionalismo. Segundo

Schudson (2010), o primeiro penny paper foi o New York Sun, que teve sua primeira edição

publicada em 3 de setembro de 1833. A partir daí, a imprensa penny se expandiu para outros

mercados jornalísticos nos EUA e

conseguiu assim redefinir a notícia de maneira a satisfazer os gostos, os

interesses e a capacidade de compreensão das camadas menos instruídas da

sociedade. Até a época da “penny press”, as notícias versavam apenas

assuntos políticos e econômicos, e o respectivo comentário. O discurso

parlamentar, as cotações da Bolsa, o câmbio, os conflitos militares, as

informações comerciais preenchiam o conteúdo da imprensa. O New York

Sun não só dava essas informações de forma acessível, como enchia as suas

páginas com outros assuntos: histórias de crimes, escândalos, tragédias,

notícias que o homem comum achava interessantes ou divertidas

(TRAQUINA, 2008, p. 67).

O surgimento desse tipo de imprensa marca, explica Traquina (2005), a transição do

jornalismo de opinião para o jornalismo de informação. Já na segunda metade do século XX,

os valores que marcaram a seleção de fatos noticiáveis ao longo da evolução das formas de

jornalismo desde as “folhas volantes” e perduraram até o referido século são as “qualidades

duradouras”, cuja importância é verificada pela utilização ainda necessária e recorrente.

É possível perceber neste breve retrospecto que os valores-notícia não sofreram

alterações muito notáveis ao longo de quatro séculos. Tanto que, conforme apresentou

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30

Traquina (2008), o New York Sun, apesar de marcar um modo diferente de produzir notícias,

não deixou de abordar assuntos de política e economia, mas passou a noticia-los de forma

mais acessível e atrativa para as classes sociais com menor hábito de leitura e menor

escolaridade. Esta reflexão é interessante porque este trabalho se propõe a investigar

semelhantes tendências em jornais brasileiros que sempre prezaram pelo noticiário mais

político e pouco popular.

Para Traquina (2005), os valores de seleção de acontecimentos noticiáveis que

remanescem na atividade profissional jornalística até os dias de hoje, encontram-se

sistematizados conforme os autores julgam ser mais coerente, pois não há uma identificação

absoluta e imutável, apenas uma concordância unânime. A regularidade dos valores-notícia ao

longo dos séculos de evolução do jornalismo revela também uma unanimidade frente aos

critérios que tornam um acontecimento relevante para se destacar dentre os demais, uma vez

que as diferenças foram notadas quando relacionadas a características sociais muito

específicas.

Traquina (2008), levando em conta todo o processo noticioso, desde a identificação

dos acontecimentos jornalísticos, passando pela seleção dos acontecimentos que serão

noticiados, até a construção da matéria jornalística, distingue os valores-notícia que são

utilizados no jornalismo moderno em valores de seleção e de construção. Os valores de

seleção estão ainda, segundo o autor, subdivididos em critérios substantivos – relacionados às

características do acontecimento que determinam sua importância enquanto notícia – e em

critérios contextuais – relacionados ao processo de cobertura do acontecimento.

O autor lista os seguintes critérios de seleção substantivos: a morte, a notoriedade, a

proximidade, a relevância, o tempo, a notabilidade, o inesperado, o conflito, a infração e o

escândalo. Do ponto de vista do contexto do fato, Traquina (2008) classifica os seguintes

critérios de seleção: a disponibilidade, o equilíbrio, a visualidade, a concorrência e o dia

noticioso. Quando parte para a classificação dos valores relacionados ao momento de

construção da narrativa noticiosa, o autor lista os seguintes critérios: a simplificação, a

amplificação, a relevância, a personalização (dar caráter mais pessoal), a dramatização e a

consonância.

Para Alsina (2009), quaisquer sejam os critérios de noticiabilidade ou valores-notícia

da atividade jornalística, independentemente da sistematização adotada, existem regras de

seleção de acontecimentos que prevalecem. Estas regras, segundo o autor, institucionalizadas

são, de forma resumida e comentada, apresentadas a seguir:

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1) A referência pessoal, ao privado e ao íntimo: referem-se às chamadas

notícias de interesse humano. 2) Os sintomas do sucesso pessoal, da

consecução do prestígio. 3) A novidade, a “modernidade” dos fenômenos, as

últimas tendências. 4) Os sintomas do exercício do poder e a sua

representação. 5) A distinção entre normalidade e anormalidade, acordo e

discrepância, no tocante à orientação da conduta individual e sua

valorização. 6) A violência, a agressividade e a dor. 7) A consideração das

formas da competência, sob o aspecto de luta, com conotações afetivas de

competência de status e de enfrentamento pessoal. 8) Referência ao aumento

da posse na questão das receitas e bens pessoais e do enriquecimento

individual. 9) As crises e os sintomas dessas crises. 10) A observação do que

é extraordinário, do singular e do exótico. (ALSINA, 2009, p. 154-155)

As regras enumeradas por Alsina (2009) vêm a confirmar a sua própria afirmação de

que “o noticiável nos acontecimentos é tudo aquilo que tem uma valorização socialmente

assumida”. Sob essa perspectiva, é possível que, de alguma forma, as classificações dos

critérios de noticiabilidade reflitam a necessidade de se construir um discurso jornalístico que

assuma um compromisso informativo e reflexivo com a sociedade sobre a qual se fala.

Por este motivo, a revolução proporcionada pela penny press nos EUA, em termos de

circulação de jornais, representa a importância de não se privilegiar a informação apenas aos

setores elitistas, com notícias apenas políticas e econômicas. As classes sociais representadas

por indivíduos de menor escolaridade podem se interessar pela leitura e devem estar incluídas

nos públicos do jornalismo. Sob esta perspectiva que surgiu – e atualmente tem força no

mercado jornalístico brasileiro – a imprensa popular, com valores-notícia específicos para

atrair os leitores para os quais se propõe a escrever.

1.4. Os valores-notícia do jornalismo popular

Como já anteriormente mencionado, o filtro julgador do profissional jornalista para

selecionar os fatos que se tornarão notícias se baseia em determinados critérios que foram

padronizados para toda a atividade e se tornaram conhecidos como valores-notícia. No

entanto, apesar dessa padronização, os valores costumam variar e até se misturar (AMARAL,

2006). Segundo Fernandes (2012), a sistematização dos critérios depende das características

do contexto no qual a instituição jornalística está inserida, da abrangência de circulação do

jornal, da periodicidade e do público ao qual se destina.

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Partindo desta mesma perspectiva, Amaral (2006) segmenta os jornais em dois tipos:

os populares e os de referência. É relevante conceituar a esta altura do que se trata o termo

jornais de referência. Motta (2006, p.99) os define:

Ainda que tenha havido mudanças significativas na apresentação destes

jornais nos últimos anos, eles são visualmente homogêneos e sóbrios,

discretos em sua diagramação e tipografia, carregam na informação em

detrimento das fotos e dos espaços em branco. São todos eles jornais de

referência dominante para outros jornais, para líderes políticos e para

instituições sociais. (...) Estes jornais se propõem a construir e representar a

sociedade civil por meio dessubjetivação dos fatos por mecanismos de

confrontação de pontos de vista, da neutralidade e isenção, da

profissionalização e da autonomização das redações em relação aos

departamentos comerciais.

No Brasil, Motta (2006) destaca como jornais de referência: O Globo, Folha de

S. Paulo, Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, Zero Hora, Estado de Minas e Jornal do

Brasil. Para o autor, a definição dada é importante porque revela a postura como o leitor se

propõe a ler estes jornais. As pessoas confiam no que leem dada a isenção e objetividade que

supostamente estes jornais assumem na forma como selecionam os fatos e como os abordam.

Sob esta perspectiva as estratégias de escolhas são diferentes para os jornais de referência e

para os populares, uma vez que elas partem principalmente do público-alvo ao qual cada tipo

de jornal é direcionado.

Em um sistema de comunicação voltado para valores mercadológicos conforme o da

sociedade capitalista do ocidente, o público que irá ler ou consumir a informação precisa ser

seduzido pelo jornal, para que se interesse por ele. Não somente por este motivo, mas também

porque questões de perfil social, para cada um desses dois segmentos, o ponto de vista das

temáticas abordadas pelos jornais irá considerar o lugar econômico, social e cultural de cada

leitor.

No caso dos jornais populares, por exemplo, o enfoque primará pelas questões que

afetam a vida das classes que integram seu público-alvo, que vivem com uma renda menor,

têm menor escolaridade, maior dificuldade de integrar o mercado de trabalho e dependem dos

serviços básicos do sistema público. Assim, Amaral (2006) exemplifica que um caso de

engarrafamento será coberto sob a perspectiva do passageiro do ônibus e aumentos de

combustíveis serão noticiados pela possibilidade de aumento das passagens. Por outro lado, a

autora destaca que na imprensa de referência um fato terá maior visibilidade se envolver

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figuras de importância social ou se gerar impactos maiores na sociedade ou ainda se

possibilitar a exclusividade da informação ao veículo que está noticiando.

Para além da questão da abordagem, Amaral (2006) aponta que três valores-notícia

preponderam no jornalismo popular: a proximidade, o entretenimento e a utilidade. A

probabilidade de um fato ser noticiado aumenta se o seu potencial de entreter o público

também for grande, especialmente se tiver apelo emocional ou de humor ou se são utilizados

recursos para se garantir a autenticidade do produto. “Interessam aos leitores das classes C, D

e E temas que digam respeito ao seu cotidiano, especialmente atendimento à saúde, mercado

de trabalho, segurança pública, televisão, futebol e as matérias conhecidas como de interesse

humano, que contam os dramas cotidianos da população” (AMARAL, 2006, p.6).

Quanto à proximidade, pode-se dizer que este critério não é uma novidade do

jornalismo popular. Fernandes (2012) apresenta em uma análise comparativa, que entre 68

diferentes critérios de noticiabilidade sistematizados por autores brasileiros, americanos e

europeus, a proximidade foi unanimemente citada. Para Amaral (2006), a diferença da

utilização desse critério no jornalismo popular está na questão de que ele é prioridade e está

ancorado na percepção de que não só a distância espacial é determinante, mas também com o

efeito promovido na vida da pessoa consumidora da informação. Isto significa que se um fato

impacta a vida ou é passível de ser comentado por alguma pessoa comum9, ele também ganha

maior chance de ser noticiado.

Ao fenômeno de dar caráter pessoal a um evento e dar luz a exigências de um

personagem que seja uma pessoa comum, Amaral (2006) chama de personalização.

Atendendo a este parâmetro, no entanto, a matéria jornalística se torna singular, podendo

fazer a história perder seu lugar em termos de contextualização com uma realidade mais

abrangente. Para a autora, com este processo, o fato social perde seu caráter histórico, porque

se distancia da lógica da qual se originou.

Por outro lado, Genro Filho (1987) afirma que esta tendência em afirmar que não há

possibilidade de contextualização da singularidade da realidade das pessoas comuns e das

pequenas comunidades esbarra na evidência de que o mundo mediado pelo jornalismo existe e

já não pode mais regredir. Isto significa que, embora consciente da efemeridade de um fato

9 Embora não exista diferenciação entre pessoas e cidadãos, os termos “pessoa comum” e “cidadão comum” são

utilizados neste trabalho para efeito de especificação daqueles cidadãos que dependem, exclusivamente, de um

ou mais dos serviços públicos básicos para sobreviverem, como saúde, educação, moradia, segurança, transporte

etc.

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singular, no jornalismo, a representação atende a um processo de significação com base em

duas variáveis: “as relações objetivas do evento e o grau de amplitude e radicalidade do

acontecimento em relação a uma totalidade social considerada; as relações e significações que

são constituídas no ato de sua produção e comunicação” (GENRO FILHO, 1987, p.59). Esta

significação, para o autor, invariavelmente contribuem para que mesmo os fatos singulares

possam ser contextualizados historicamente e ter caráter funcionalista, ou seja, de promover

valores de cidadania.

Corroborando o argumento de Genro Filho (1987), a inscrição do jornalismo na

cotidianidade e na personalização dos fatos sociais pode ser compreendida como uma reflexão

sobre a realidade da qual se trata, considerando que é no cotidiano que o homem mostra os

seus hábitos estabelecidos socialmente e quais são as consequências de suas ações para sua

vida e para a vida alheia. Para Matheus (2011), é no cotidiano que “fazemos história ao agir,

ao sofrer a ação dos outros, ao nos omitir ou simplesmente quando não tomamos

conhecimento de um sem-número de realidades alheias. O processo histórico não poderia se

dar em outro lugar que não no cotidiano”.

Há ainda outro valor-notícia comum no segmento popular de jornalismo que é a

utilidade. A mídia assumiu para o grande público um papel de intermédio entre ele e o Poder

Público como forma de cobrar os direitos mais básicos que são alienados do cidadão.

Portanto, quando uma matéria trata de questões de saúde, educação, segurança ou outros

assuntos de caráter público, haverá maior chance de publicação e repercussão. As pessoas

buscam na mídia um manual de sobrevivência em um mundo no qual muitos de seus direitos

são privados ou até mesmo “referências de como viver à semelhança do mundo dos famosos

ou de acordo com o que os especialistas dizem” (AMARAL, 2006, p.9). Neste sentido, o

caráter de prestador de serviços no jornalismo popular é reforçado, especialmente se o

resultado for imediato e prático.

A relação do público no jornalismo popular é o que determina os valores-notícia

específicos para esta modalidade informativa. Um desses valores – que, inclusive, prepondera

sobre os demais – é o entretenimento. Este critério está diretamente ligado à necessidade do

público em usufruir de forma satisfatória da notícia, e, portanto, à capacidade da peça

informativa de trabalhar elementos sensórios que levem à diversão ou à distração. “Tudo o

que prende e atrai o olhar, seja uma cena escandalosa, ridícula ou insólita, tem potencial para

ser notícia. O conceito de entretenimento está intimamente vinculado ao da sensação e da

emoção” (AMARAL, 2006, p.5).

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Segundo Wolf (2003), existem quatro categorias que caracterizam a capacidade de

entretenimento de uma notícia: pessoas comuns em situações insólitas – ou o inverso: pessoas

públicas surpreendidas com uma situação na vida privada –, inversão de papeis sociais,

interesse humano, feitos excepcionais ou heroicos. Ponte (2005) explica que essas categorias

se organizam em torno do melodrama. Isso ocorre, segundo a autora, porque os contextos

explorados para entreter são representações metafóricas dos conflitos sociais.

Gripsrud (1992, apud PONTE, 2005, p.64) aponta que as histórias que de alguma

forma afetam a vida cotidiana das pessoas por lhes causar sentimentos, medos, ansiedades e

prazeres, remetem a um sistema de sentido simbólico que leva pessoas comuns a uma situação

de protagonismo. Esta apresentação dá ao público uma sensação de pertencimento à realidade,

na qual suas particulares condições sejam de fragilidade, pobreza ou dificuldades físicas, são

superadas. Para Ponte (2005), a pessoa comum apresentada como protagonista para o público

pode ser transformada simbolicamente em herói, vítima ou vilão.

Historicamente, conforme Traquina (2008), é com o surgimento da imprensa penny ou

penny press nos EUA que o entretenimento passa a ser visto como uma das prioridades

informativas nas rotinas produtivas do jornalismo, ainda que sendo mais valorizado no

segmento popular. Contudo, ainda não é um consenso se o entretenimento trata apenas de um

critério de seleção de acontecimentos para tornar a notícia mais atraente ao público ou se se

circunscreve na diversão também pela abordagem e estrutura:

Os jornais não abrigam o entretenimento apenas quando abordam temas do

âmbito da distração ou do divertimento, mas também quando realizam um

jornalismo fragilizado. Ao mesmo tempo em que uma notícia sobre uma

novela ou sobre um programa como o Big Brother poderia abrigar uma série

de informações jornalísticas sobre o funcionamento da televisão no Brasil, a

teledramaturgia ou os hábitos da juventude, uma notícia sobre uma disputa

no Congresso Nacional pode apenas ficar no plano da diversão. (AMARAL,

2008, p.66)

Assim, é possível notar que, para a autora, quando a notícia de entretenimento fica

apenas no plano da diversão, é colocado em discussão seu pressuposto funcional de ampliar o

conhecimento da sociedade. Ou seja, quando as notícias feitas para entreter ficam no nível da

cotidianidade das comunidades, limitadas a tornar públicas histórias inusitadas,

surpreendentes, de dramas pessoais ou absurdos, que rompem com a barreira da regularidade

dos acontecimentos rotineiros das pessoas, sem conexão com o contexto social que as

geraram. Para Amaral (2008), caso as notícias de entretenimento fiquem neste nível, elas

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podem contribuir para a formação de um leitor desinteressado dos temas públicos,

destituindo-o da capacidade de compreender o contexto em que vive.

Por outro lado, se a notícia feita para entreter passa pelo processo de significação

proposto por Genro Filho (1987), talvez o entretenimento possa exercer uma função social na

imprensa popular de manter o interesse público como paradigma do jornalismo. Esta

perspectiva foi antecipada pela penny press, pois, segundo Traquina (2008), esta imprensa

possibilitou nos EUA o surgimento de jornais que tanto abordavam assuntos atraentes ao

público menos letrado, como crimes, escândalos, tragédias e histórias interessantes ou

divertidas; como assuntos de interesse público. Isso permitiu, avaliou Traquina (2008), que as

informações necessárias para a formação de consciência cidadã estivesse mais acessível e

atraente à população.

1.5. O paradigma do interesse público

Para Kovach e Rosenstiel (2003), o jornalismo pode ser definido por esta função que

seus produtos exercem na vida das pessoas, ajudando-as a encontrarem suas comunidades e a

criarem uma linguagem e conhecimentos comuns baseados na realidade. Machado e Moreira

(2005) lembram que há uma relação estreita entre jornalismo e sociedade democrática quando

se entende que esta é formada por cidadãos e que o direito à informação é indissociável do

conceito de cidadania.

Assim, para Bucci (2008), a liberdade de expressão e o direito à informação integram

a base para uma democracia efetiva. O autor explica que a democracia se define pelo poder

que emana da sociedade, ou seja, é por meio dela que os cidadãos escolhem quem serão seus

representantes no poder. A democracia pressupõe que os cidadãos tenham acesso e possam

questionar e discutir os atos do governo e os temas que os influenciam na vida coletiva, além

de ter acesso para fiscalizar o poder que ela mesma delegou a um representante. É por isso

que o autor ressalta ser tão fundamental o livre trânsito de opiniões s informações.

Bucci (2008) aponta que quem é responsável por promover este livre trânsito das

ideias, das informações e das opiniões é a imprensa. Por este motivo, os princípios da

atividade jornalística foram delineados com base no direito à informação, conforme a

Constituição da República Federativa Brasileira prevê nos incisos de seus artigos quinto e 220

que é “direito inalienável dos cidadãos de comunicar-se livremente, estabelecendo vetos

explícitos a qualquer forma de censura” (BUCCI, 2008, p. 102). Para o autor, se os cidadãos

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não puderem acessar as informações sobre seus direitos e sobre a gestão pública, eles não

serão capazes de escolher com a devida clareza seus representantes.

Segundo Cepik (2000), em outros países, os instrumentos legais de garantia do direito

à informação incluem artigos constitucionais, leis ordinárias de diferentes esferas do poder,

decretos do poder executivo e decisões jurisprudenciais. O autor cita que na Índia, em 1982, a

Suprema Corte decidiu que o acesso às informações era essencial aos direitos de livre

expressão. Já a legislação canadense prevê que é garantia legal requisitar acesso a mídias e

documentos públicos do país, com exceção de segredos governamentais que são pouco

definidos. Segundo o autor, em alguns países latinos e do leste europeu, esta solicitação é feita

por meio de um instrumento jurídico aos responsáveis a ceder as informações requisitadas.

Como se pode notar, há uma variabilidade nas normas dos países quanto o acesso à

informação. Contudo, é possível perceber também é quase unânime a concepção da

importância, ao menos nos países ocidentais, da informação para garantia da democracia e da

cidadania. Já que na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos10

existe esta

previsão. Segundo o Artigo 19 desse documento “todo ser humano tem direito à liberdade de

opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de

procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente

de fronteiras”. Nesse sentido, o conceito de interesse público se obriga a aparecer como uma

forma de garantir que o jornalismo execute a tarefa a que se propõe: mediar a informação

entre instituições e público para que o conhecimento chegue aos cidadãos.

Martins Filho (2000) define o interesse público como “a relação entre a sociedade e o

bem comum que ela almeja, através daqueles que, na comunidade, estão investidos de

autoridade”. Entretanto, para entender de forma mais clara o conceito de interesse público, é

preciso recorrer ainda a outro termo: a Comunicação Pública (CP). A CP coloca, segundo

Duarte (2012, p.61),

a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio

da garantia do direito à informação e à expressão, mas também do diálogo,

do respeito a suas características e necessidades, do estímulo à participação

ativa, racional e co-responsável. Portanto, é um bem e um direito de natureza

coletiva, envolvendo tudo o que diga respeito ao aparato estatal, ações

governamentais, partidos políticos, movimentos sociais, empresas públicas, terceiro setor e, até mesmo, em certas circunstâncias, às empresas privadas.

10 Ver em: Declaração Universal dos Direitos Humanos. UNIC / Rio / 005, Agosto 2009. Disponível em:

http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf

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38

A partir deste entendimento trazido por Duarte (2012), infere-se que o conceito de

interesse público deriva da CP. Para o autor, o uso do interesse público no jornalismo está

associado ao esforço de melhorar a vida das pessoas por meio do privilégio de assuntos que

são de interesse coletivo, em detrimento de assuntos que dizem respeito a aspectos privados

ou corporativos. Sob outra perspectiva, Faria (2012) afirma que o conceito de interesse

público carrega uma concepção que não condiz com a realidade. Para o autor, a ideia do

termo não unifica as diversas demandas que existem na competição e apropriação do que é

público, porque neste entendimento, o que é privado também poderia ser legitimamente de

interesse público. Assim, o autor explica que “o interesse público não existe em si, ou por si

mesmo, mas trata-se de um emaranhado de interesses, de confrontos discursivos, ancorados

nos processos sociais em curso” (FARIA, 2012, p.175).

De modo geral, Kovach e Rosenstiel (2003) apontam que as pessoas precisam de

informação devido a uma necessidade humana que as fazem ficar interessadas com o acontece

no restante do país e em todo o mundo. Da mesma forma, elas precisam estar cientes de fatos

desconhecidos que não fazem parte de suas experiências pessoais, porque isto dá segurança

para que possam administrar suas próprias vidas. Esta relação simbólica pode dar pistas de

que por meio destes instintos, independentemente do tipo de interesse em torno da seleção e

construção das informações jornalísticas, a mídia pode transmitir valores sociais de

democracia e cidadania, o que é, em outras palavras, priorizar o interesse público.

Neste caso, para que a imprensa possa resolver a ambivalência das demandas de

interesses, bem como oferecer amplo acesso de informações ao cidadão para promover a

democracia, Faria (2012) coloca que é preciso resolver algumas questões. Dentre elas, o autor

enumera como fundamentais priorizar a transparência em relação aos procedimentos e rotinas

da mídia e a obediência ao princípio do pluralismo. As questões incorrem uma na outra, o que

significa dizer que a seleção de acontecimentos e construção das informações jornalísticas

devem atender a regras que priorizem sempre a pluralidade de vozes, já que, conforme afirma

o autor, “democracia é pluralismo, diversidade, diálogo, admissão de conflitos, respeito aos

dissidentes e à divergências” (FARIA, 2012, p.178).

O cenário jornalístico atual, contudo, aponta que os procedimentos de construção das

informações, ou seja, os valores-notícia, aparentemente, não se restringem às prioridades

colocadas por Faria (2012). Estes valores variam até mesmo para levar à veiculação

conteúdos de entretenimento, que nem sempre atenderão à expectativa da pluralidade de

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vozes ou mesmo de garantir informações com a intenção de promover a democracia. Isto

significa dizer que os produtos jornalísticos e a forma como são feitos também atendem à

demanda do próprio público. Esta concepção é trazida por Vidal (2009) como interesse do

público e remete a um caráter dualístico, conforme descrito por Faria (2012), ao afirmar que a

imprensa produz tanto um bem social, que é a informação; como uma mercadoria, que é a

notícia vendida pelos jornais.

Vidal (2009) enumera como categorias que definem os valores-notícia do interesse do

público, as histórias de pessoas em situações insólitas ou homens públicos na vida privada,

histórias em que há inversão de papeis, histórias de interesse humano e histórias de feitos

excepcionais ou heroicos. Assim, a autora delimita os seguintes valores-notícia: beleza,

curiosidade, dramaticidade, esportes, lazer, notoriedade e polícia. Estes critérios, a partir da

concepção dualística de Faria (2012), agregam valor de venda aos jornais, porque torna as

notícias mais atraentes ao público.

Por outro lado, Vidal (2009) avalia também que as notícias de interesse público vão

considerar como critério principal, se a informação a ser transmitida poderá contribuir para o

desenvolvimento intelectual, moral e físico do cidadão para que ele possa exercer a cidadania.

Neste caso, os critérios delimitados pelo interesse público, segundo a autora, são: ciência e

tecnologia, cultura, economia e trabalho, educação, governo e poder, meio ambiente, saúde,

social e utilidade. Tais critérios favoreceriam, portanto, o caráter da informação como bem

social produzido pela imprensa.

Com base no mercado norte-americano, Meyer (2007) avaliou que, com a perda dos

leitores habituais, com os avanços tecnológicos e a consequente migração do público para as

informações veiculadas nos ambiente digitais, muitos jornais passaram a realizar o que ele

chamou de estratégias de colheita, que é atrair o público a todo custo, independentemente de

seu nível social. Apenas para se manterem no mercado, ainda que por tempo determinado.

Desse modo, muitos jornais vêm se utilizando dos valores-notícia determinados pelo interesse

do público, sem vincula-lo ao interesse público.

É possível ainda, entretanto, que a atividade jornalística não tenha perdido a busca

priorizar o caráter de bem social da informação, se for considerado o modo como a narrativa

constrói a realidade dos acontecimentos. Isto é, conforme citado anteriormente a partir do

proposto por Genro Filho (1987), se há na notícia um processo de contextualização com a

realidade social dos acontecimentos selecionados, bem como um compromisso com a

pluralidade de fontes, segundo propôs Faria (2012), é possível que haja uma reflexão a partir

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dessa notícia resultado da intenção da mídia de priorizar o interesse público. É com base nesta

possibilidade que este trabalho pretende analisar as novas tendências do jornalismo.

2. NOVAS TENDÊNCIAS NO JORNALISMO

Em termos de leitores assiduamente diários, houve uma queda notável na circulação

de jornais de muitos mercados nos últimos tempos. Atribui-se a este fato, as mudanças

estruturais na construção das notícias pelas quais tem passado o jornalismo (SANT’ANNA,

2008). Segundo Meyer (2007), foi a partir do envelhecimento da geração dos chamados baby

boomers, aqueles que nasceram após a Segunda Guerra Mundial, que esta tendência de

declínio passou a ser notada, porque os jovens não leem tanto jornais quanto os mais velhos.

Confirmando tal constatação, Sant’Anna (2008) mostra em sua pesquisa que, no Brasil, o

número de exemplares de jornais por adultos na população brasileira teve uma queda de 29%

entre 2001 e 2005. Por outro lado, o autor avalia que o que houve foi um deslocamento do

tempo dedicado à leitura de jornais e revistas de grande circulação para jornais locais, revistas

especializadas e para a internet.

Meyer (2007) aponta que mesmo que as inovações gráficas e de diagramação

contribuam para melhorar a qualidade do material informativo, a principal resposta dos

jornais à ameaça da tecnologia substituta – a internet – tem sido reduzir custos e aumentar

preços. Contudo, segundo o autor, esta estratégia pode colocar em risco a influência, a

credibilidade do jornal no mercado e a visão de um jornalismo voltado para atender aos

interesses das comunidades. Embora os anunciantes resistam à noção de que uma das funções

das empresas jornalísticas é prestar serviços à sociedade, o autor revela que tem havido uma

tentativa de compatibilizar lucro com interesse público.

A pressão sobre um proprietário de um jornal também vem dos seus principais

leitores, uma vez que a informação pública transmitida por este veículo é básica para a

comunidade em que atua, tanto pelo alcance dos anúncios quanto pela influência social

(MEYER, 2007). Assim, o autor indica que, ao expandir o mercado de influência do seu

negócio para manter a lucratividade, o proprietário da empresa deve ter um olhar cuidadoso

com o perfil dos novos públicos-alvo.

Estes novos alvos de influência dos jornais podem incluir comunidades divergentes

das comunidades para as quais o jornal já está habituado a se direcionar. Dessa forma, os

jornais de grande circulação, ou jornais de referência, passam a adotar novos critérios na

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elaboração de notícias. Com a queda no número de leitores, os comunicadores têm tentado

estratégias para atrair a atenção de outros, uma delas, revela Meyer (2007), é tornar o

conteúdo mais chocante.

No Brasil, Abreu (2003) fala também da exploração do critério de “utilidade social”

nos jornais de referência, desde o período de redemocratização. A autora esclarece que a ideia

de responsabilidade social da mídia sempre existiu, definida como uma noção “que atribuía

aos jornalistas o dever de assumir os efeitos e as consequências de seus aros profissionais

junto ao público – era o princípio anglo-saxão da imputabilidade” (ABREU, 2003, p.30). Isto

significa que o jornalista sempre esteve passível de ser responsabilizado pelas mudanças

sociais influenciadas pela mídia. A utilidade social, por sua vez, aparece para expandir este

conceito, atribuindo ao jornalismo um papel de servir ao seu leitor.

Esta nova tendência se manifesta em mudanças estruturais das narrativas jornalísticas,

isto é, em escolhas e ações que atendam diretamente os interesses dos cidadãos, no que tange

à construção jornalística dos fatos. A utilidade social passa a ser um fator também norteador

dos critérios de seleção dos acontecimentos que serão transformados em notícia. Neste

sentido, Abreu (2003) afirma que o jornalismo assume, portanto, um papel de intermediar as

questões sociais entre Poder Público e cidadãos, já que

o conceito de "utilidade social" identifica a ação jornalística como tendente a

servir aos interesses concretos dos cidadãos e a responder às preocupações

dos leitores ou da audiência referentes a emprego, habitação, educação,

segurança, qualidade de vida etc. Esse seria o " jornalismo cidadão"

(ABREU, 2003 apud WATINE, 1996, p.30)

Ainda no contexto nacional, Sant’Anna (2008) revela que o número de jornais em

circulação e a amplitude alcançada é que geram o equilíbrio entre o lucro necessário para o

jornal se manter no mercado e a busca da influência. É a mesma ideia aplicada ao equilíbrio

entre o investimento em qualidade e a rentabilidade. Nesse caso, o elemento da influência

trazido pelo autor se refere à qualidade do jornal, dentro daquilo que o público espera ler, ou

seja, o interesse do público.

Segundo Sant’Anna (2008), se antes o alto poder aquisitivo do público dos jornais de

referência eram determinantes para um conteúdo e linguagens mais politizados, com a

redução do número de leitores, a exemplo do cenário descrito por Meyer (2007) nos EUA,

esses jornais têm buscado atrair novo público. Outros fatores são tomados como base

determinante, dentre os quais, a capacidade de entretenimento de uma notícia. Sendo assim,

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notícias de interesse humano, como as fantásticas e os fait divers, têm sido mais priorizadas

por estes jornais, como será trabalhado adiante.

2.1. O fantástico nos jornais de referência

Os estudos analisados anteriormente a respeito da relação entre acontecimento e

construção de narrativas factuais, nas quais se incluem a histórica e a jornalística, apontaram

que, dentre tantos critérios, em primeiro se destaca o critério da diferença. Isto significa que

dentro de uma regularidade na realidade, tanto o jornalismo quanto a história tendem a relatar

acontecimentos que desviaram do padrão até então observado. Esta delimitação abrangente

poderia causar um dilema na conduta jornalística, uma vez que desta forma ficam inclusos

também aqueles assuntos que rompem com a ideia fundamental de descrição objetiva, como

por exemplo, o fantástico. O fantástico e os fait divers são as categorias do universo do

entretenimento a serem compreendidas e identificadas nos jornais por meio desse trabalho.

Na literatura, segundo Motta (2006), o fantástico designa a abordagem de uma

situação na qual o sobrenatural é condição fundamental para que seja considerado um gênero.

O autor define esta categoria de objeto narrativo como aqueles acontecimentos que ocorrem

de forma inesperada e que, em um primeiro momento, não parecem apresentar razões lógicas

para sem compreendidos e explicados, são insólitos. Diferentemente, os fait divers, que

caracterizam as notícias inesperadas, mas que apresentam explicações plausíveis dentro da

lógica, são considerados apenas incomuns. Por isso, não é um desafio para a narrativa literária

abordar o fantástico, já que a liberdade nesta forma prevê a descrição ficcional. Por outro

lado, no jornalismo, o preceito de verdade faz com que o jornalista tenha dificuldades de

descrever objetivamente o fato fantástico, porque

o jornalismo é uma versão da realidade elaborada pelas práticas profissional

e textual. Narra o que vê de acordo com um ponto de vista ideológico, a

consciência, formação e limites da cultura do repórter, além de seguir as

regras da empresa. A questão da objetividade se choca diretamente com

aquele que se entende por fantasia. Como lidar com o que não pode ser

relatado ou narrado como “fato normal”? A metafísica, o anormal, o

“paranormal”, o “esquisito”, o que está fora das regras da física, pode se

adequar aos padrões da objetividade e clareza solicitados pelo jornalismo

moderno? (CASTRO et al, 2013, p. 62)

Sendo assim, seria de se questionar o porquê de o jornalismo se render à escolha de

acontecimentos fantásticos para veicular já que isso parece fugir da proposta da narrativa

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43

jornalística que é, conforme já abordado, informar para dar suporte ao conhecimento das

pessoas (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003). Este questionamento pode ser respondido quando

se considera alguns dos critérios de noticiabilidade descritos por Traquina (2008). Segundo o

autor, ao pensar uma narrativa noticiosa, o jornalista deve pensar também de acordo com a

perspectiva do que o público quer ver ou ler. Assim, somam-se ao interesse, a relevância e a

personalização do fato, como critérios para o escolherem como um acontecimento fantástico.

A percepção de que o elemento insólito, característico do fantástico, dá ao fato uma

ideia de inexplicável em um plano imediato, pode também suscitar um segundo

questionamento a respeito do “efeito de real” pretendido pela narrativa jornalística, conforme

falado no início deste trabalho. Contudo, Motta (2006, p.60) explica que “a experiência do

fantástico tem mais a ver com o real e está entrelaçada com o cotidiano da vida, mas a

comparação com o jogo11

ajuda a perceber o ‘afastamento provisório da realidade”, o que

seria uma forma de compreender o cotidiano social por meio do lúdico. Em decorrência disso,

um terceiro e último questionamento pode ser levantando no sentido de entender por que os

jornais optam por estas notícias mesmo que elas desafiem a objetividade do tratamento

linguístico destas narrativas. Neste sentido, o autor sugere que o objetivo dessa escolha parece

ser justamente suavizar, entreter, dar densidade informativa ao noticiário.

Motta (2006) delimita formas ou cinco categorias de manifestação do elemento

fantástico no texto jornalístico: o fantástico-estranho, a causalidade imaginária, o fantástico

cômico, o bestiário fantástico e o grotesco. Conforme análise do autor, fantástico-estranho é

definido como o evento improvável de ocorrer, é inusitado, precisa de uma lógica incomum

para ser explicado, aberrações surpreendentes e exceções às regras; também se refere a relatos

de causas fortuitas, como sorte, acaso e coincidências. O segundo, a causalidade imaginária é

definida pelo autor como eventos que têm seus rumos alterados devido a causas reais, mas

que por serem pouco lógicas e implícitas, remetem a uma explicação imaginária, como ao

milagre ou ao destino. O fantástico cômico é determinado pelos eventos que tratam de

desconcertos da vida, ou seja, situações que de tão inverossímeis acabam sendo engraçadas se

transformadas em notícia. A quarta categoria, que é o bestiário fantástico, relata

acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a símbolos cósmicos ou espirituais.

Por fim, Motta (2006) fala do grotesco, uma categoria de relatos jornalísticos que tratam das

11 Motta (2006, p.60) compara a experiência do fantástico causada pela narrativa jornalística a um jogo de azar,

pois os jogadores se separam momentaneamente do cotidiano para viverem uma realidade separada, onde há

uma lógica diferente, que não é usual no “mundo real”.

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44

estéticas corporais dos indivíduos que fogem de padrões sociais, de maneira irônica e

divertida.

Muito comum no jornalismo popular, por se tratar de entretenimento, o fantástico

garantiu vez ou outra as páginas de alguns jornais de referência brasileiros12

. Neste caso, nota-

se ainda mais o efeito da densidade informativa, uma vez que estes jornais costumam veicular

um maior número de notícias mais voltadas para temas políticos, econômicos e sociais. Para o

autor, a pouca frequência com que esses jornais de referência costumavam veicular estes tipos

de notícias se deve ao distanciamento a que elas levam da imagem de legitimidade que estes

jornais construíram para seus leitores. Contudo, este cenário tem mudado.

A partir de dados de pesquisa, Sant’Anna (2008) afirma que o número de exemplares

de jornais em circulação tem diminuído, por outro lado, o número de títulos aumentou.

Segundo dados da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), 13

de fato, a circulação teve uma

queda de 2012 para 2013. Isso significa que há um maior número de jornais locais

concorrendo com os jornais de grande circulação em suas comunidades de origem. Para

Fernandes (2013, p.150), isto vem ocorrendo porque, “do ponto de vista do leitor, nada pode

ser mais susceptível de interpretação no seu contexto sociocultural do que os fatos locais

vivenciados por ele”.

Vale ressaltar também que, dentre os 10 maiores jornais brasileiros listados no ranking

2013 de circulação realizado pela ANJ, cinco são jornais populares (Super Notícia em 1º

lugar, o Extra em 5º lugar, o Daqui em 7º, o Correio do Povo em 9º e o Aqui em 10º). A

estatística reforça a tese de que o jornalismo popular vem ganhando cada vez mais espaço e

concorrendo diretamente com os jornais de referência. Como observou Fernandes (2013), está

na essência dos jornais locais, promover, de algum modo, a interação da comunidade, longe

do mercado das grandes notícias.

Assim, Meyer (2007) sugere, em sua pesquisa, que alguns jornais de referência

passaram a publicar outros tipos de notícia, como assuntos polêmicos, para garantir maior

proximidade com a comunidade e assim fortalecer a sustentabilidade da circulação. É o que o

autor chama de elevar a credibilidade do jornal no mercado no qual se originou. Estes

resultados podem ajudar a entender porque os jornais de referência têm procurado utilizar

12 A pesquisa de Motta (2006) foi feita por meio da análise de notícias publicadas ao longo da década de 90 nos

jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e O Globo.

13 Em 2012, a circulação nacional (milhões de exemplares/dia) foi de 8,802. Já em 2013, a circulação foi de

8,477.

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notícias para entreter – como as do fantástico – em seus diários impressos, assim como fazem

os jornais populares locais, para atender aos interesses do público.

2.2. Fait divers e sensacionalismo

Conforme analisado até aqui, atendendo à demanda do público pelo entretenimento, o

jornalismo de referência tem passado a cobrir com maior frequência fatos centrados na base

do humor, do espetáculo e da emoção. Além daqueles que representam a categoria do

fantástico como um dos valores-notícia de entretenimento trabalhados neste estudo, há

também os fatos representados por todos aqueles acontecimentos que representam escândalo,

curiosidade e tudo o que é incomum. Estes foram chamados de fait divers ou fatos diversos

por Roland Barthes (2007, p.57). Caracterizados pela exploração da emoção, estes recursos

editoriais para chamar a atenção e atrair leitores, tornaram-se sinônimo da imprensa popular e

sensacionalista porque aparentemente se distanciam da noção, “tanto de jornalistas quanto

daqueles fora da área jornalística, de que a narrativa jornalística deve ter uma obrigação moral

e social mais ampla” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003). Esta obrigação se refere ao conceito

de promover a cidadania.

Os valores-notícia que definem categorias de informação no segmento popular do

jornalismo, a exemplo do entretenimento, acabam sendo questionados por explorarem

vertentes aparentemente pouco vinculadas ao interesse público, como se configurassem uma

tendência narrativa nova. Contudo, a principal dessas classificações, o fait divers, não é um

fenômeno recente. Esta definição se refere a um tipo de notícia ou categoria narrativa que

remonta a manifestações linguísticas medievais, anteriores ao advento da mídia impressa

(RAMOS, 2004, p.124). No entanto, Dion (2007, p.126) afirma que até o século XIX, as

narrativas dos fait divers versavam sobre uma forma de espetáculo popular, em que o público

participava oralmente, conforme explica:

A conversa, é evidente, foi o primeiro modo de difusão das notícias. Mas

para se espalhar entre o público, ainda era preciso que esta informação

encontrasse seus lugares de troca privilegiados, seus circuitos de transmissão

regulares e é naturalmente no século XVII, com o impulso do comércio e o

desenvolvimento das grandes feiras, que estas estruturas indispensáveis se

fixaram. As notícias eram transmitidas nos mercados onde as pessoas se

reuniam para fazer compras e ao mesmo tempo informar-se sobre o que se

passava no vasto mundo. (DION, 2007, p. 126)

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46

Segundo a autora, esta marca da oralidade na informação dos fatos diversos

permaneceu, mesmo com a popularização da mídia impressa. Mesmo passando do consumo

coletivo ao individual, esta forma noticiosa estaria relacionada ao que a autora chama de um

pretexto para o verdadeiro espetáculo. Por este motivo, Ramos (2004, p.124) define o fait

divers como a própria informação sensacionalista, por se caracterizar pela exploração de

conflitos que apelam para a emoção do receptor do conteúdo. O autor cita que esta categoria

inspirou, inclusive, obras literárias de autores expoentes na categoria de novelas, como

Flaubert e Stendhal.

A evolução das plataformas midiáticas, como o rádio, a televisão e a internet,

industrializaram a produção informativa porque o alcance de quase toda a população a esses

meios de comunicação favoreceram a corrida pela audiência. Estes novos padrões, voltados

para a questão econômica, alteraram a prática da produção jornalística (VIDAL, 2009). A

estética sensacionalista passa de um fenômeno fundamentalmente literário para um fenômeno

onipresente nos noticiários. Explorar os conteúdos que despertem emoção nos leitores e

espectadores é um recurso que atrai e, consequentemente, gera audiência.

Sendo um recurso já amplamente explorado pela mídia e até antes dela, Barthes (2007)

sistematiza a estrutura do fait divers, mesmo ainda antes do fenômeno de industrialização dos

meios de comunicação. A característica apontada pelo autor como a principal desta forma

noticiosa é a imanência. Isso significa que esta estrutura esgota seu sentido e significado nela

mesma, conforme explica:

Ele contém em si todo seu saber: não é preciso conhecer nada do mundo

para consumir um fait divers, ele não remete formalmente a nada além dele

próprio. Evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo: desastres,

assassínios, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isso

remete ao homem, a sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus

sonhos, a seus medos. (BARTHES, 2007, p. 58-59)

Em sua classificação, sobre como os fait divers se estruturam na narrativa jornalística,

Barthes (2007) demonstra que a narrativa pode ser reduzida a dois tipos: a causalidade e a

coincidência. Os acontecimentos que dariam origem ao tipo da causalidade seriam aqueles

que romperiam com a normalidade das relações de causa, ou seja, aquelas situações em que o

acontece é o inesperado – que Barthes (2007, p.60) chama de causa perturbada – ou quando o

que acontece é o esperado, porém envolve personagens que podem gerar drama, como idosos

ou crianças – que é chamado de causa esperada pelo autor. Dion (2007, p.128) explica a causa

perturbada como uma forma de desequilibrar a relação de causa e efeito, isto é, quando a

Page 47: Jornalismo e entretenimento

47

narrativa surpreende ou espanta com algo diferente do que se espera, podendo beirar a

aberração.

Para Ramos (2004, p.59), na causa esperada, a excepcionalidade da causa perturbada

troca de posição,

desloca-se para os protagonistas, que são responsáveis pela instauração do

conflito. A dramaticidade apanha três tipos de sujeitos básicos: criança, mãe

e idoso. Eles mimetizam os diversos ciclos do processo do existir humano. A

criança, a mãe e o idoso simbolizam a fragilidade e a pureza humanas,

decodificadas na dimensão do bem. Por suas próprias características, eles

estão revestidos de circunstâncias, pronunciadas pela dramaticidade.

Para Barthes (2007), há ainda os fait divers sobre causas inexplicáveis – ainda nas

classificações de causalidades – que são os prodígios e os crimes misteriosos. Os prodígios

são aqueles fatos que compreendem fenômenos paranormais, religiosos e relacionados a

crenças populares. Já os crimes misteriosos tratam de situações nas quais o enigma é tão

aparentemente sem solução, que o trabalho investigativo se torna, para o leitor ou espectador,

quase um romance policial.

O tipo da coincidência também se estrutura a partir da ideia da causalidade, mas se

revela em um nível ainda mais espetacular de efeitos inesperados. Trata-se daquilo que se

constrói casualmente em uma harmonia que remete ao senso comum, mas que se encaminha

para um desfecho que pode ser tanto trágico quanto absurdo, podendo levar, inclusive, ao riso.

O autor subdivide acontecimento coincidente em outros dois tipos: as repetições e as

antíteses.

Ramos (2004, p. 60) explica que a repetição é “o igual que se reproduz com

diferença”. É, portanto, um acontecimento comum no cotidiano das pessoas, mas que, ao se

repetir em demasia, torna-se estranho. Já a coincidência por antítese ocorre quando, segundo o

autor, “duas perspectivas diferentes, distantes, antagônicas, são fundidas em uma única

realidade”. Isto significa que o espanto gerado por este tipo de fato diverso reside no fato de

que o estereótipo sofre inversão e, em geral, trata-se de uma inversão com consequências

negativas, podendo estar associado à má-sorte ou cúmulo. Este autor ressalta ainda que este

tipo de consequência,

despe o homem de sua responsabilidade histórica. Conforta-o com a

responsabilidade, desculpando as suas próprias culpas. Permite-lhe regredir a

um estágio de menor idade que lhe assegura a omissão diante de seus atos. É

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48

a garantia de transferir a responsabilidade para uma noção de Fatalidade.

(RAMOS, 2004, p. 60)

Na teorização de Barthes (2007) a popularização dos fait divers os transformram em

uma categoria informativa hoje chamada de notícias gerais ou informações gerais, porque,

apesar do espanto, remetem a situações comuns do cotidiano das pessoas. O autor destaca o

curto prazo como uma outra importante característica desta forma narrativa. O caráter

efêmero deste fatos, ainda que se repitam, é o que os distancia de uma informação que possa

remeter a outros conhecimentos externos, como políticos, econômicos ou sociais, uma vez

que as informações voltadas a esses assuntos são de longa duração e não são imanentes.

Para Barthes (2007, p. 59), contudo, a reflexão a partir deste gênero narrativo é

possível, “trata-se aí de um mundo cujo conhecimento é apenas intelectual, analítico,

elaborado em segundo grau por aquele que fala dos fait divers, não por aquele que os

consome”. O ponto de vista deste autor, especialmente a respeito dos fait divers, revela, para

Ramos (2001), uma ruptura com as críticas voltadas ao sensacionalismo provocado pelo

imediatismo das informações diversas, especialmente porque, para ele, a linguagem da mídia

é quase em toda a sua totalidade vinculada ao que é popular.

Neste sentido, Dion (2007) reafirma a possibilidade de uma reflexão acerca da

informação que privilegia as massas populares, retratando seus dramas cotidianos. Pois, para

esta autora, é esta característica que faz com que o leitor ou espectador possa se reconhecer,

se identificar e se projetar nas histórias mostradas pela mídia, mesmo que as vítimas e /ou

autores do acontecimento acabem ganhando fama desnecessária por meio da exploração

sensacional do fato. Ao promover esse reconhecimento, estas formas noticiosas destacam os

desvios sociais para quem neles residem e os exemplos denunciam os modelos de conduta que

são incompatíveis com o bem-estar de uma sociedade.

No fait divers, a dialética do sentido e da significação tem uma função

histórica bem mais clara do que na literatura, porque o fait divers é uma arte

de massa: seu papel é, ao que parece, preservar no seio da sociedade

contemporânea a ambiguidade do racional e do irracional, do inteligível e do

insondável; e essa ambiguidade é historicamente necessária, na medida em

que o homem precisa ainda de signos (o que o tranquiliza), mas também na

medida em que esses signos são de conteúdo incerto (o que o

irresponsabiliza): ele pode assim apoiar-se, através do fait divers, sobre uma

certa cultura; mas, ao mesmo tempo, pode encher in extremis essa cultura de

natureza, já que o sentido que ele dá à concomitância dos fatos escapa ao

artifício cultural, permanecendo mudo (BARTHES, 2007, p. 67).

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Para Ramos (2004), o sensacionalismo não pode ser execrado pela crítica ao

jornalismo popular, porque é uma realidade. A posição institucional do jornalismo é que o

utiliza em excesso por estar submetida à lógica econômica de atrair e atender ao interesse do

público. Mesmo assim, mensagem midiática, de forma sutil ou excessiva, acaba se tornando

notável por seu signo de emoção. Com a factualidade do acontecimento que se esgota em si

mesmo, o fait divers ou sensacionalismo, não poderia ser diferente. O poder desse gênero

está, portanto, na possibilidade projetiva, mas resta a este estudo verificar por meio da

pesquisa se as associações contextuais previstas pelo ideal profissional do jornalismo de

priorizar pelo interesse público dependem apenas do consumidor da informação ou podem ser

feitas pelo jornalista.

2.3. Entretenimento x interesse público: o dilema da credibilidade

O jornalismo, ao priorizar temas irrelevantes, com enquadramentos fúteis, coloca em

discussão seu pressuposto funcional de ampliar o conhecimento da sociedade (AMARAL,

2006). Para a autora, as notícias feitas para entreter ficam no nível da cotidianidade das

comunidades, limitadas a tornar públicas histórias inusitadas, surpreendentes, de dramas

pessoais ou absurdos, que rompem com a barreira da regularidade dos acontecimentos

rotineiros das pessoas, mas sem conexão com o contexto social que as geraram. Esta

perspectiva do entretenimento como critério de noticiabilidade constitui “a imagem de um

leitor desinteressado dos temas públicos ou supostamente destituído da capacidade para

compreender o contexto em que vive” (AMARAL, 2008, p. 66).

De outro lado, se para esta autora, a mescla provoca um distanciamento do jornalismo

de sua função social porque os critérios para informação e diversão seguem lógicas distintas,

para Matheus (2011), a união de valores informativos e de entretenimento revelam um novo

modo de interação social, que compreende a comunicação como um processo no qual o valor

do jornalismo deve ser avaliado conforme outros significados. Estes podem ser avaliados

conforme outras funções que são atribuídas ao jornalismo.

Schudson (2008, apud Ferreira, 2011, p.68) elenca sete funções para o jornalismo que,

em síntese são: 1) função de informar, isto é, a notícia possui o papel fundamental de informar

o público para reafirmar o papel da imprensa na democracia; 2) função investigativa, que se

refere ao papel da imprensa de investigar a ação dos diversos agentes do poder; 3) função de

análise, por meio da qual os jornalistas fornecem quadros de interpretação que possibilitam a

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compreensão de aspectos complexos; 4) função de empatia social, que consiste na transmissão

de histórias de interesse humano, com diversos pontos de vista e modos de vida que compõem

o mundo; 5) função de gerador de espaço público, neste sentido, a internet é o elemento mais

importante para possibilitar o cumprimento desta função atualmente; 6) função mobilizadora,

que é advogar contra ou favor de perspectivas políticas e ideológicas; por fim, 7) a função de

divulgar a democracia.

Dentro dessa perspectiva, é possível constatar que as inovações, especialmente

propiciadas pelas novidades tecnológicas, foram as principais responsáveis pelas novas

formas de perceber o jornalismo dentro do fluxo comunicacional. Isso porque as notícias dos

acontecimentos devem atender a uma demanda temporal muito mais urgente do que antes era

verificada na atividade jornalística. Urgência esta que altera significativamente a forma como

é construído o jornalismo e como ele é utilizado enquanto ferramenta de transformação social.

Matheus (2011) entende que houve uma perda do caráter memorialístico dos jornais,

ou seja a notícia foi, paulatinamente, perdendo sua importância como imagem de uma história

vinculada ao passado, ou a um pano de fundo que a contextualizava e gerava conhecimento

além do mero relato. Esta perenidade da notícia, descrita pela autora como um fenômeno que

vem gradualmente se ocupando da maior parte dos jornais, reflete a nova demanda urbana de

se ver presente na mídia. Neste sentindo, se, por um lado, o novo ritmo da sociedade confere

menor profundidade temporal e, por consequência, uma dúvida quanto à responsabilidade

social nos novos padrões de se fazer jornalismo, de outro, o leitor se perceber no texto é uma

forma de dar historicidade à narrativa jornalística e promover a reflexão sobre os temas do

cotidiano.

A elaboração da reportagem, como retrato da cidade na sua cotidianidade,

fixa um instante da duração. Instante esse que evidencia a própria relação do

jornalismo com a sociedade. Isto é, um jornal não é “documento”

simplesmente porque reproduz papeis oficiais, falas e narra e constroi

acontecimentos, mas sobretudo, porque constitui vestígio de interações

comunicacionais que se deram no passado. Ou seja, o jornalismo acaba

sendo uma atividade que provoca a interação e documenta a interação que se

deu. (MATHEUS, 2011, p. 159- 160)

A divergência entre a importância da participação do cidadão na notícia como

protagonista, para transformar o jornal em um documento histórico do presente, e os riscos

que a descontextualização dos acontecimentos trazem para legitimação da função reflexiva do

jornalismo pode ser comparada às propostas das correntes historiográficas da escola annales e

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dos metodistas alemães. É importante ressaltar que a comparação é feita porque

indepedentemente do quão contextualizado está tratado o acontecimento na história ou nas

notícias, ambas as narrativas contribuem ou contribuirão para o entendimento do cotidiano

social do passado.

Diferentemente da narrativa histórica que sofre pressão por ser mais ou menos

reflexiva para ter maior dimensão contextual, a narrativa jornalística é pressionada nesse

sentido para atender a uma função que lhe é conferida por ser vista como intermediadora dos

problemas sociais com o Poder Público. Por este motivo, a qualidade do exercício da

atividade jornalística está intimamente ligada àquilo que se entende como sua função diante

do interesse público.

Neste ponto, faz-se necessário entender o que se reconfigura no jornalismo voltado ao

entretenimento em termos de interesse público e valores de mercado. Amaral (2008, p.67) não

deslegitima a importância participativa do cidadão como fonte jornalística, mas adverte sobre

os riscos do protagonismo do cidadão ao dizer que “a fonte popular ajuda a explicar seu

mundo, mas não é responsável por si só pela realização da notícia, a urgência dos necessitados

não pode imobilizar a notícia ou inviabilizar a reflexão”. Matheus (2011), por outro lado,

defende, a respeito da relação próxima que o jornal O Fluminense tinha com seu público,

narrando atividades prosaicas ou causas urgentes, que a presença da realidade do leitor

popular nas notícias faz com que se imagine melhor como é o cotidiano da sociedade.

Tornar visível e dar repercussão às histórias dessas pessoas comuns garante a

popularidade dos veículos informativos que priorizam esse viés. Contudo, ela ressalta que o

jornalismo voltado para esta demanda precisa ser questionado para não incorrer no erro de a

exploração da presença das pessoas em notícias relevantes para a população transformar a

informação em um elemento secundário, colocando lado a lado elementos importantes para

ampliar a visão de mundo das pessoas com recursos de entretenimento.

No caso das fontes populares, é preciso perceber também que a fala do leitor

no jornal tem importância porque ocorre num mercado em que normalmente

ela é rarefeita. As falas das fontes oficiais, embora não interditadas

totalmente, têm uma importância reduzida. A inversão das fontes tem o

efeito de gerar uma aproximação com o leitor, porém não é garantia de

qualidade do jornalismo, já que muitas vezes o fato de simplesmente colocar

pessoas comuns a falar não garante que o tema será esclarecido. (AMARAL,

2006, p.7-8)

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A lógica mercadológica prioriza a mistura da informação com o entretenimento para

atrair consumidores das classes que fomentam o jornalismo popular. Esta fórmula para vender

jornais toma como estratégia valorativa, do ponto de vista dos critérios de noticiabilidade,

aquilo que o jornal acredita ser de interesse do público. É nesta predominância do que o

público quer ver que se coloca em discussão a qualidade jornalística.

Amaral (2006, p.11) não deixa de considerar que classes sociais, localizações

geográficas distintas, profissões etc., são fatores que influenciam na determinação do que é

interesse público ou mesmo do público. Isto porque as realidades econômicas, políticas,

culturais e sociais dos interesses individuais variam conforme estas características, quando

colocadas em um prisma coletivo. Contudo, para a autora, essas diferenças “não

necessariamente se localizam na qualidade na apuração do texto e nos padrões éticos seguidos

pelos profissionais” e, portanto, não devem deslocar a importância dos valores profissionais

quando se trata de jornalismo popular.

Em consonância com esses valores está a função do jornalismo de retratar os

problemas sociais coletivos e, no caso da imprensa popular, de retratar o que é de interesse

comum a todo o seu público como forma de dar voz a uma classe que pode, eventualmente,

estar desassistida pelo Poder Público. Ainda é dever dos jornais comerciais formar bons

leitores e cidadãos, mesmo que o segmento popular da imprensa esteja desvinculado de um

dever educativo e, portanto, esteja voltado ao interesse do público pelo entretenimento.

Por mais que o jornalismo popular tenha nascido no seio das relações das

lideranças políticas com o povo e tenha histórica relação com o

entretenimento, um jornalismo popular de qualidade só será viável se souber

construir os seus contornos sem se subordinar a determinados interesses

mercadológicos ou políticos dominantes. É bom lembrar que o

entretenimento também informa, mas seu compromisso não é com a

informação. Para falar em jornalismo, é preciso falar em informação para a

cidadania, não para o entretenimento ou para o consumo. (AMARAL, 2006,

p.14)

Por meio desta análise, a autora exclui a possibilidade de que o entretenimento possa

estar prioritariamente vinculado ao interesse público e, quanto a isso, pode-se questionar se

entreter não seria uma forma de informar aqueles que não entenderiam uma linguagem mais

rebuscada ou politizada. Portanto, se este estudo constatar a possibilidade de vincular o

entretenimento ao interesse público para que indivíduos marginalizados pela sociedade

tenham direito a falar e a serem protagonistas de suas realidades, é importante verificar se os

valores éticos da profissão não foram violados em detrimento do lucro comercial pretendido

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com o interesse do público. Dentre esses valores está o inciso I do artigo 11 do Código de

Ética dos Jornalistas Brasileiros que diz: “o jornalista não pode divulgar informações visando

o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica”.

A existência social devolvida a quem está na periferia é algo que pode dar efetividade

ao interesse público, mesmo que seja por meio do entretenimento. Porém, a representatividade

social não pode estar submetida ao espetáculo superdimensionado dos interesses individuais e

dos absurdos do cotidiano (fait divers e fantástico) que se esgotam neles mesmos.

Kovach e Rosenstiel (2003) explicam que o modo como as pessoas interagem como as

notícias é o que as transforma em interesse público. Para Abreu (2003, p.26), a informação é

um dos elementos fundamentais que viabilizam o exercício pleno dos direitos de um cidadão,

por isso “a imprensa é um veículo que fornece informações aos cidadãos e, simultaneamente,

lhes dá a possibilidade de levar suas demandas até os responsáveis pelas decisões que afetam

a vida em sociedade”. Neste sentido, Amaral (2006) realça que a fala das pessoas comuns no

jornalismo possibilita que os setores excluídos da sociedade sejam ouvidos e a personalização

das notícias humaniza a narrativa. Para ela, é por meio da imprensa que as pessoas reafirmam

cotidianamente seu lugar no mundo e em sociedade, quando afirma que

ao conceder lugar para a fala dos populares, os jornais inovam porque no

mercado simbólico do campo jornalístico a manifestação popular tem uma

tímida história de inclusão nos jornais impressos, nos quais os lugares

disponíveis para as falas relacionam-se à importância social, econômica e

cultural das fontes. (AMARAL, 2006, p.8)

Dar lugar à fala das pessoas comuns, a imprensa assume sua função de dar visibilidade

ao que é público e, segundo Abreu (2003), a visibilidade é uma condição da democracia.

Legitimar a participação do cidadão como fonte jornalística é permitir que ele tenha

conhecimento sobre as questões públicas e sobre o que se passa na sociedade. “No entanto, ao

tornar seus leitores protagonistas das suas matérias, o jornal popular tem de tomar cuidado

para não forçar a mão e tentar transformar em jornalismo aquilo que não é, pois cada vez mais

a mídia trata também das questões de ordem privada” (AMARAL, 2006, p.9). É esse o

desafio do jornalismo, conforme descrevem Kovach e Rosenstiel (2003): manter a visão da

imprensa de que a participação pública integra uma responsabilidade cívica que não pode se

perder com a consolidação de um jornalismo baseado no mercado.

Por meio de todo o levantamento teórico feito até este momento, foi possível trazer as

principais discussões da literatura acadêmica a respeito do jornalismo que tratam das variáveis

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da pesquisa a que este estudo se propõe e todos os elementos que as modificam na prática. Os

valores-notícia que aqui foram trabalhados como parte do entretenimento, os fait divers e o

fantástico, são os elementos que definem os critérios de análise do objeto empírico desta

pesquisa. Este, por sua vez, foi definido com base nas mudanças de comportamento do

público que têm propiciado o uso de valores, antes comuns apenas ao universo da imprensa

popular, pelo jornalismo de referência. O objeto empírico desta pesquisa é, portanto, um dos

principais jornais de referência do Brasil, conforme mostrado neste trabalho teórico: o jornal

Folha de S. Paulo.

Outro elemento que se faz essencial para os fins analíticos deste estudo é o interesse

público, uma vez que este é um termo que define um dos critérios de análise do objeto

empírico. A proposta trazida a partir de todo este estudo é compreender como os jornais de

referência têm se apropriado de “novos” valores-notícia, alguns característicos dos jornais

populares, para atrair novos públicos e, com isso, restabelecerem-se no mercado jornalístico

brasileiro, já que têm perdido o número de leitores e de circulação. Busca-se entender também

de que forma a narrativa desses jornais se propõe a atender esta nova demanda sem

comprometer a imagem de veículo compromissado com o interesse público, ou seja, sem se

vincular a uma imagem de veículo sensacionalista.

Por fim, ao longo desta reflexão teórica foi possível perceber que foi feita uma análise

comparativa das narrativas jornalística e histórica. Isto ocorreu porque a narrativa histórica,

descrita por diversas correntes historiográficas, apresenta divergências e, ao mesmo tempo,

resultados concretos no que tange ao uso de critérios mais voltados à retratação do homem

comum em seu cotidiano. No jornalismo estes critérios estão vinculados ao segmento popular.

Portanto, se na história a retratação de fatos comuns, incomuns (fait divers) e insólitos

(fantástico) do cotidiano pode ajudar o homem a compreender sua realidade histórica, talvez

essa comparação possa servir para que possamos identificar a mesma relação no jornalismo,

na realidade do presente.

Afinal, já no século passado, quando muitos jornais norte-americanos começaram a

trazer notícias com linguagens mais leves e acessíveis a qualquer tipo de público, Park avaliou

que a única diferença entre aqueles que compreendem o sentido de uma linguagem mais

rebuscada devido ao alto grau de escolaridade e aqueles com menor acesso à cultura e ao

conhecimento é apenas o vocabulário. Portanto, “se a imprensa pode se tornar inteligível ao

homem comum, ela terá bem menos dificuldade para ser entendida pelo intelectual” (PARK,

2008, p.35). Sendo assim, parece possível pensar um jornal que, ao mesmo tempo, atraia e

Page 55: Jornalismo e entretenimento

55

informe o público com menor hábito de leitura e atenda as expectativas do público mais

letrado e intelectualizado.

3. METODOLOGIA

Partindo da premissa de que a proposta deste trabalho é analisar elementos simbólicos

que possibilitaram a construção de uma narrativa jornalística, a partir de um acontecimento, a

análise de conteúdo (AC) foi escolhida por ser o método de codificação que permite

inferências do texto para o contexto social, de forma objetiva (BAUER, 2002). Para os

autores, a validade desse método é garantida por que as hipóteses propostas pelo pesquisador

podem ser confirmadas por meio da congruência entre uma fundamentação teórica bem

estabelecida e o que o objeto de estudo oferecer de seu conteúdo.

Herscovitz (2007) define a análise de conteúdo de produtos jornalísticos como um

método de pesquisa que, por meio de uma seleção técnica, organizada de textos impressos,

veiculados, gravados ou eletrônicos em um grupo amostral, que será submetido à análise. O

objetivo é elaborar conjecturas sobre o conteúdo do texto, de forma a enquadrá-lo em

categorias previamente estabelecidas e obter resultados replicáveis. Neste método, há a

possibilidade de fazer com que as perspectivas qualitativas e quantitativas se complementem,

de tal modo que a contagem de palavras ou outros resultados estatísticos venham a confirmar

os sentidos implícitos identificados. É o que autora chama de integração dos conteúdos que

são facilmente visíveis e dos conteúdos latentes, ou seja, aqueles relativos aos contextos que

não explícitos no discurso.

A origem do método remonta aos estudos de textos religiosos no século XVIII para

saber as reais ideias e intenções que estes materiais continham. Contudo, Fonseca Júnior

(2005) destaca que a análise do conteúdo só veio a obter seu reconhecimento no século XX e

que a influência do pensamento positivista no contexto geral da ciência fez com que, durante

muito tempo, a AC fosse vista como um método essencialmente quantitativo. O autor explica

que esta ênfase se deve ao fato de a consolidação ter ocorrido nos Estados Unidos, em meio à

ascensão da comunicação de massa. A AC veio como uma reação a outras formas de análise

de textos ainda vinculadas a termos muito subjetivos, pois os critérios deste método

quantificável apontavam para técnicas mais sistemáticas e objetivas, que ofereceriam, desta

forma, um resultado mais confiável.

Page 56: Jornalismo e entretenimento

56

Durante a trajetória da análise de conteúdo até o momento em que houve uma adoção

regular de técnicas para sua execução, os pesquisadores passaram a questionar se a

cientificidade atribuída ao método estava de fato na objetividade dos números. Fonseca Júnior

(2005) explica que a ênfase no aspecto quantitativo não se perdeu, mas que a principal

característica da análise de conteúdo, a inferência, só encontraria um resultado válido se os

índices fossem postos em evidência, sem que o contexto fosse excluído deles.

Segundo Bauer (2002), a análise de conteúdo pode ser considerada hoje como uma

técnica híbrida, isto porque ela permite que a pesquisa faça uma ponte entre o conteúdo

estatístico, fornecido pela etapa quantitativa, e a análise qualitativa dos materiais. Para

Herscovitz (2007), este hibridismo é necessário, uma vez que se tornou unânime a concepção

de que a polissemia dos textos pode gerar distorções se a unidade de registro for apenas a

palavra, excluída de seus outros sentidos e possíveis associações a outras palavras.

Desta forma, da perspectiva qualitativa, o texto é entendido como uma forma de

expressão caracterizada por duas dimensões, a sintática e a semântica (BAUER, 2002). Isto

significa que o ao se aprofundar analiticamente no texto, o pesquisador irá buscar não só o

que é dito naquela escrita, mas também de que forma tal conteúdo é concebido. A sintaxe se

refere à forma como os vocábulos são empregados para conferir sentido, que é a semântica.

Tal sentido pode ser ainda literal ou figurativo e é por meio da análise de conteúdos que estas

estruturas e significados serão identificados.

As palavras empregadas em um texto vão, na medida em que se associam umas às

outras, tornar-se unidades maiores e mais complexas de registros linguísticos escritos. Além

da palavra, são opções de códigos de análise, as frases, os temas, os parágrafos e, até, textos

inteiros. É por meio destas unidades que o pesquisador irá inferir, verificar tendências e

buscar padrões. Herscovitz (2007) avalia que as opções de registro definidas para uma

pesquisa indicarão o enfoque qualitativo e quantitativo na amostra e de que modo ambos se

tornarão congruentes nos resultados.

A amostra, ou seja, o material definido para ser analisado, assim como a aplicação do

método, não são escolhidos de forma arbitrária. Por meio de uma avaliação exploratória são

definidos os documentos que serão submetidos ao estudo, contudo, como este conjunto pode

ter uma dimensão desproporcional à capacidade de manipulação do pesquisador, este pode

elaborar critérios de seleção que forme um corpus, ou seja, uma amostra representativa do

grupo maior, que possui dados homogêneos e pertinentes com o que se busca obter

(FONSECA JÚNIOR, 2005).

Page 57: Jornalismo e entretenimento

57

Nesta etapa de delimitação do material a ser analisado, existem diversas técnicas de

amostragem. Dentre estes métodos, Motta (2006) fala da possibilidade de definir a amostra

composta. Segundo o autor, esta técnica consiste em fazer uma composição aleatória em um

número predefinido de dias ao longo do período disponível, que pode ser a semana ou o mês

composto. Ele explica que esta seleção aleatória convém quando se trata de conteúdo

noticioso de veículos de comunicação, como é o caso desta pesquisa, porque “parte do

pressuposto de que a cobertura dos distintos veículos apresenta características gerais

semelhantes ao longo dos dias da semana” (MOTTA, 2006, p.14). Assim, a amostra aleatória

é uma representação de dias ao longo do período estudado.

Após a definição da amostra, é feita a escolha prévia das unidades de registro que

serão observadas, bem como das categorias de análise que serão utilizadas para codificar o

texto. Para Bauer (2002), esta sistematização deve ocorrer porque dentre uma infinidade de

possíveis questões que o pesquisador poderá levantar dentro de seu material, ele deverá focar

apenas naquelas que possibilitam a interpretação da análise de conteúdo com base no

referencial teórico.

Assim, a partir da sistematização dos dados brutos do corpus, o pesquisador poderá

realizar suas inferências sobre a amostra de forma objetiva, para atingir resultados fidedignos.

Fonseca Júnior (2005) aponta que esta confiabilidade na análise de conteúdo se deve aos

procedimentos, porque a categorização permite que aplicação das técnicas seja uniforme a

todo o conteúdo analisável, de tal modo que mesmo em amostras diferentes de mensagens, é

possível se chegar à mesma conclusão.

Portanto, para verificar os elementos expostos na discussão deste trabalho, o jornal

Folha de São Paulo foi escolhido como objeto de estudo para ser analisado conforme o

método de pesquisa abordado neste capítulo. Conforme consta no Manual de Redação (2010)

deste jornal, a Folha é um veículo conhecido por jornalismo preciso, voltado para assuntos

políticos, econômicos e sociais. Por este motivo, diante da possibilidade de que este jornal

esteja delineando novas abordagens, diferentes das habituais, esta pesquisa se dispõe a avaliar

de que forma isso ocorre.

3.1. Objeto empírico: Folha de S. Paulo

Buscar compreender mudanças significa entender, em primeiro lugar, o padrão. Para

tanto, neste tópico, é apresentada a história do objeto empírico desta pesquisa, bem como suas

Page 58: Jornalismo e entretenimento

58

principais características ao longo de todos os seus períodos de existência. Pertencente ao

conglomerado Grupo Folha, o jornal Folha de S. Paulo é um dos jornais diários de maior

circulação nacional. Segundo dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), no ano de

2013, a Folha ficou em segundo lugar no ranking de circulação dos maiores jornais

brasileiros, com a média de 294.811 exemplares por dia (circulação paga), ficando atrás

apenas do jornal Super Notícia, jornal de Minas Gerais do segmento popular, com a média de

302.472 exemplares. Diante de expressivo resultado, é possível inferir o tradicionalismo e

influência que este veículo possui dentre os demais no Brasil.

Conforme dados disponibilizados no site institucional da Folha14

, este jornal foi criado

em 1960, a partir da fusão de outros três jornais: a Folha da Noite, fundada em 1921 por

Olival Costa e Pedro Cunha; a Folha da Manhã, edição matutina da Folha da Noite, criada

em 1925; e a Folha da Tarde, fundada na década de 40. Em 1967, o jornal passa a utilizar a

impressão offset em cores em larga escala, fato que o coloca como pioneiro neste aspecto no

Brasil e, em 1971, novamente o jornal inova ao ser o primeiro a abandonar a composição de

chumbo e utilizar o sistema eletrônico de fotocomposição.

Tais inovações tecnológicas corroboram com o projeto editorial da Folha, cuja

primeira versão foi publicada em 1997 e se encontra reproduzida no Manual de Redação

(2010), com relação à disposição da empresa em renovar e modernizar o suporte físico das

notícias que veicula: o papel. O projeto editorial em questão documenta as principais visões

do jornal que embasam toda a sua linha editorial de 1997 até os dias de hoje e, no que diz

respeito aos investimentos em novas tecnologias, o projeto avalia que é possível que o

formato do jornal em papel venha a decair nos próximos anos, dando lugar à internet e que,

portanto, a Folha se adapte a tal realidade, como já vem acontecendo.

Ainda em face da trajetória histórica do jornal brasileiro, conforme site institucional,

em 1976, é criado no impresso a seção Tendências/Debates. Mesmo sem projeto editorial

definido, a Folha já promovia um dos princípios que fixaria para os anos seguintes, segundo

site institucional, o da pluralidade. Assim, em 1981, foi idealizado o primeiro texto de projeto

editorial da Folha, propondo a fixação dos seguintes princípios: informação correta,

interpretações competentes e pluralidade de opiniões. Desde então, o editorial da Folha

propõe que estes sejam os valores para nortear a atividade do jornal. Em 1984, a Folha

14 Os dados utilizados nesta pesquisa constam no Banco de Dados Folha disponibilizado online no site

institucional do Grupo Folha. O acesso foi realizado no dia 17 de setembro de 2014 por meio do endereço

eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/historia_da_folha.shtml.

Page 59: Jornalismo e entretenimento

59

publica seu primeiro projeto editorial, estabelecendo como objetivo institucional, o

cumprimento de um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno; e o seu Manual da

Redação, que foi editado em livro e teve a última edição publicada em 2010.

Em 1997, conforme já mencionado, o jornal publica a versão mais recente de seu

projeto editorial, mantendo os objetivos fixados anteriormente e acrescentando a meta de

publicação de textos didáticos e interessantes. Neste ponto, a história da Folha chega à

delimitação desta pesquisa. O projeto, reproduzido no Manual de Redação (2010), avalia que

todas as formas de comunicação atualmente existentes acabaram sendo convertidas em uma

mesma linguagem tecnológica, o que permite que estas formas integrem serviços que não se

restringem ao jornalismo, mas abarquem também o entretenimento. O projeto assume que,

neste sentido, o jornalismo passa por um momento de enfrentar o desafio de em uma

linguagem comum, abranger a segmentação de interesses do público. Tudo isso porque

a necessidade de adaptação nacional à dinâmica externa, imperativo aguçado

na época que atravessamos, atualiza os problemas tradicionais de uma

sociedade em que a divisão entre um setor integrado e um setor excluído

nada tem de novo. Espelhar essa contradição e contribuir para que ela seja

transposta, pela integração de seus termos na sociedade de mercado e na

democracia política é, provavelmente a principal tarefa do jornalismo hoje,

até porque de seu sucesso depende a amplitude e mesmo a sobrevivência de

um espaço público em reformulação (MANUAL DE REDAÇÃO DA

FOLHA DE S. PAULO, 2010, p.18).

Com essa visão, o projeto também aponta que tem havido uma tendência a aproximar

a pauta do jornal à vivência concreta do leitor para melhor atender às necessidades do público.

Anunciado em 17 de fevereiro de 1991, conforme site institucional15

, o caderno Cotidiano

passou a ser publicado em substituição ao caderno Cidades, já prenunciando a proposta de

aproximação das notícias à realidade do leitor. Por meio de uma análise empírica do acervo16

da Folha de S. Paulo, foi observado que em 1993 o caderno Cotidiano teve uma alteração,

passando a ser intitulado Folha São Paulo, junto ao subtítulo inclui Cotidiano.

Na mesma análise, foi constatado que em maio de 2000 o caderno voltou a ser

intitulado de Cotidiano. Vale ressaltar, segundo foi observado, que a proposta editorial do

15 Os dados utilizados constam no Círculo Folha disponibilizado online no site institucional do Grupo Folha. O

acesso foi realizado no dia 25 de outubro de 2014 por meio do endereço eletrônico:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm

16 Os dados utilizados constam no Acervo Folha digitalizado. O acesso ao conteúdo disponibilizado online foi

realizado no dia 25 de outubro de 2014 por meio do endereço eletrônico http://acervo.folha.com.br/

Page 60: Jornalismo e entretenimento

60

caderno, mesmo com as alterações de títulos, não teve alterações durante a década de 90. A

proposta se manteve no sentido publicar notícias voltadas para as situações próximas da vida

cotidiana do leitor entremeando notícias de caráter mais político, mas com viés de utilidade

pública. Atualmente, o caderno apresenta ao final, duas seções: Saúde + Ciência e Folha

Corrida. A primeira traz notícias sobre novidades na ciência e a segunda, em apenas uma

página, apresenta notas de acontecimentos sobre variedades. Outra característica atual é que,

eventualmente, aos sábados e domingos, quando há um maior número de notícias, o caderno é

dividido em dois: Cotidiano 1 e Cotidiano 2, ambos apresentando matérias com o mesmo

teor.

Tal informação remete ao que foi discutido nos capítulos teóricos deste estudo, em

especial, no que foi trazido sobre o pensamento de Park (1940), com relação à importância de

retratar o cotidiano da população nos jornais para dar a elas amplitude, por meio dessa

aproximação a elementos facilmente acessíveis do mundo concreto, de assuntos políticos,

econômicos e sociais. Podendo gerar, assim, conhecimento. A partir desta perspectiva, é que

se buscou entender por meio deste estudo, se é e de que forma o conteúdo do entretenimento –

especificamente o fantástico e os fait divers – é retratado nas notícias do jornal Folha de S.

Paulo. Para isso, um corpus de pesquisa foi formado por edições impressas de tal jornal

dentro de um período cronológico previamente estipulado, para que fosse realizada a análise

de conteúdo com base nos procedimentos metodológicos delimitados adiante.

3.2. Procedimentos metodológicos

O objetivo desta pesquisa é identificar formas de conteúdos característicos de

jornalismo popular em jornais que não se reconhecem como inseridos no universo que

prioriza esta vertente, que são os jornais de referência, caracterizados nos capítulos teóricos

deste estudo. Considerando tal foco, a análise de conteúdo se encaixa como método de

pesquisa ideal para este trabalho. Por ser um método que pressupõe captar as intenções de

escrita de um texto e possibilitar inferências sobre aquilo que está gravado, a análise de

conteúdo permite a reconstrução, até mesmo, das formas sociais associadas ao texto

(HERSCOVITZ, 2007).

Partindo desta perspectiva, o jornalismo popular já tem fixamente um público,

conforme descrito anteriormente. Contudo, com as novas mudanças tecnológicas no campo da

comunicação, coloca-se como questão neste trabalho: os jornais brasileiros de referência –

Page 61: Jornalismo e entretenimento

61

neste caso, especificamente, a Folha de S. Paulo – vêm alterando seus valores-notícia para

atrair novos públicos? Assim, esta pesquisa se dispõe a entender de que modo esse jornalismo

vem se adaptando às novas demandas e, ao mesmo tempo, como têm mantido seus conteúdos

noticiosos vinculados ao interesse público. Portanto, a aplicação do método de análise de

conteúdo sobre o objeto empírico seguiu três etapas de pesquisa, conforme explicitado abaixo.

3.2.1. 1ª Etapa: Análise comparativa

A fim de realizar uma análise comparativa entre o período em que se começou a

observar uma queda no número de exemplares por adulto da população brasileira (29%, entre

2001 e 2006), conforme apontado por Sant’Anna (2008), e o período atual, foram delimitadas

duas amostras utilizando a técnica de amostragem de mês composto (MOTTA, 2006): a

primeira referente aos anos 2000 e 2001 e segunda referente aos anos 2013 e 2014. O objetivo

da comparação foi quantificar as matérias populares entre as duas amostras, para avaliar se

houve aumento, recuo ou manutenção deste perfil de notícias no jornal.

As duas amostras foram feitas utilizando apenas o caderno Cotidiano do jornal Folha

de S. Paulo, mais especificamente, considerando somente as matérias de caráter noticioso

(notas, notícias e reportagens) e excluindo as de caráter opinativo (crônicas, artigos, colunas e

análises) e as entrevistas. É importante ressaltar também que nas matérias que possuíam

suítes, estas foram consideradas como parte da matéria principal, sendo contabilizadas,

portanto, apenas uma vez. Também não foram contabilizadas as matérias das seções Saúde +

Ciência e Folha Corrida, uma vez que estas não estão voltadas para o jornalismo popular e,

portanto, não integram o objetivo desta pesquisa.

Sendo assim, as categorias de análise utilizadas para composição das amostras e

posterior comparação foram os três valores-notícia definidos por Amaral (2006) como

preponderantes no jornalismo popular:

Proximidade: matérias que envolvam temáticas do cotidiano do leitor como saúde,

mercado de trabalho, segurança pública, televisão, futebol; bem como, matérias que

envolvam a personalização de fatos, ou seja, o personagem principal do acontecimento

jornalístico é uma pessoa comum de tal modo que o protagonismo pode gerar nos

leitores uma sensação de pertencimento;

Entretenimento: reportagens ou notícias com temáticas de apelo emocional, de

distração ou de humor;

Page 62: Jornalismo e entretenimento

62

Utilidade: matérias com temáticas de caráter público, voltadas para os direitos dos

cidadãos e prestação de serviços ou se remete o papel do jornal como mediador entre o

Poder Público e o leitor.

3.2.2. 2ª etapa: Análise das categorias de entretenimento, os fait divers e o fantástico

Nesta etapa, a fim de aprofundar no estudo da manifestação da categoria de

entretenimento no jornal Folha de S. Paulo, foi feita uma análise somente das matérias sobre

fait divers e do fantástico identificadas na amostra referente aos anos 2013 e 2014 da etapa

comparativa. Neste momento, não foi utilizada a amostra referente aos anos 2000 e 2001

porque o foco não era avaliar se houve mudanças, mas estudar especificamente as tendências

já estabelecidas no período atual. Esta nova etapa consistiu de identificar, quantificar e estudar

as matérias a partir das categorias explicitadas abaixo:

a) Tipos de fait divers:

Causalidade esperada: situações retratadas que rompam com as relações normais de

causa e efeito, ou seja, ocorre o que se espera, mas a situação envolve personagens que

podem gerar um drama, como idosos e crianças;

Causalidade perturbada: situações em que as relações normais de causa não

ocorrem, ou seja, acontece algo diferente daquilo se espera como efeito de algo;

Causalidade inexplicável: matérias que abordam situações de prodígio, em que há

um enigma aparente em decorrência da relação do fato com fenômenos paranormais,

religiosos ou crenças populares; ou matérias sobre crimes misteriosos que levem o

leitor a quase imaginar que se trata de um romance policial;

Coincidência por repetição: situações habituais, mas que, se repetidas em demasia,

tornam-se estranhas;

Coincidência por antítese: situações em que o estereótipo sofre inversão, ou seja

duas perspectivas antes inimagináveis de serem fundidas, reúnem-se em uma mesma

realidade;

b) Tipos de fantástico:

O fantástico-estranho: o evento improvável de ocorrer, inusitado e que, por isso,

precisa de uma lógica insólita para ser explicado. Exemplos: aberrações

surpreendentes e exceções às regras;

Page 63: Jornalismo e entretenimento

63

A causalidade imaginária: eventos que têm seus rumos alterados devido a causas

reais, mas que por serem pouco lógicas e implícitas, remetem a uma explicação

imaginária. Exemplos: milagres;

Fantástico cômico: eventos que tratam de desconcertos da vida, ou seja, situações que

de tão inverossímeis acabam sendo engraçadas se transformadas em notícia;

Bestiário fantástico: acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a

símbolos cósmicos ou espirituais;

Grotesco: relatos jornalísticos que tratam das estéticas corporais dos indivíduos que

fogem de padrões sociais, de maneira irônica e divertida.

3.2.3. 3ª etapa: análise qualitativa do conteúdo

Para entender de que modo as notícias de fait divers e do fantástico se manifestaram

no jornal, bem como aprofundar nas características que possam vincula-las ao interesse

público, nesta terceira etapa da pesquisa foi feita uma análise qualitativa do conteúdo das

matérias que compuseram a amostra da 2ª etapa de pesquisa. A análise se baseou na forma

como os fait divers e o fantástico se relacionaram à questão de interesse público no texto e

também a forma como os conflitos explorados, ao mesmo tempo, foram reconfigurados no

contexto social. O objetivo desta etapa também foi de tentar perceber se nessas matérias

existem outras categorias de jornalismo popular, além de entender como foi feita a

contextualização dos conflitos e se houve o falseamento da imanência característica dos fait

divers e do fantástico.

Esta análise foi feita com base nos critérios descritos abaixo:

Contextualização: identificação do cotidiano do leitor com conteúdos de outras

questões sociais, de saúde, de segurança pública, etc.; ou com uma realidade mais

abrangente, trazendo conceitos, situações sociais, políticas; abordagem de direitos dos

cidadãos, prestação de serviços etc.

Fontes especialistas ou oficiais: se são utilizadas fontes para explicar o conteúdo e

ressaltar o papel do jornal como mediador entre o Poder Público e o leitor.

Page 64: Jornalismo e entretenimento

64

4. RESULTADOS

A presente pesquisa foi realizada para uma avaliação das mudanças no jornalismo de

referência observadas a partir da diminuição da circulação dos jornais e com o surgimento das

novas tecnologias de comunicação. A pesquisa também se orientou no sentido de buscar quais

mudanças foram estas e, frente a elas, entender como as novas tendências afetaram o tipo de

jornalismo desenvolvido pela Folha de S. Paulo (jornal de referência) e demonstrar se a

informação de entretenimento pode ou não viabilizar a reflexão do leitor sobre questões mais

abrangentes da realidade e não somente sobre o esgotamento puro no fato narrado.

Assim, os resultados dessa busca, desenvolvida nas três etapas de pesquisa

discriminadas nos procedimentos metodológicos, estão descritos abaixo.

4.1. Análise comparativa

Esta etapa de pesquisa se concentrou em observar de que forma o jornal Folha de S.

Paulo reagiu à crise da diminuição de circulação de impressos diários identificada no início

da década de 2000. Para isso, foi feita uma análise comparativa entre o período inicial desta

diminuição e o período atual. As amostras de meses compostos para esta comparação foram

feitas conforme descrito abaixo:

Amostra 1: foi feito um sorteio de 30 números, entre 1 e 365, por meio de um

ferramenta online17

. Cada número, de 1 a 365, foi associado sequencialmente a uma

data em uma tabela, entre 1º de agosto de 2000 a 31 de julho de 2001. Assim, as datas

correspondentes aos 30 números sorteados formaram o mês composto. Dos

exemplares publicados nas datas sorteadas, foram selecionados apenas os cadernos

Cotidiano, de cada exemplar, para a composição da amostra.

Amostra 2: foi feito um sorteio de 30 números, entre 1 e 365, por meio da mesma

ferramenta online utilizada na amostra 1. Cada número, de 1 a 365, foi associado

sequencialmente a uma data em uma tabela, entre 1º de agosto de 2013 a 31 de julho

de 2014. Assim, as datas correspondentes aos 30 números sorteados formaram o mês

composto. Dos exemplares publicados nas datas sorteadas, foram selecionados apenas

17 http://sorteiospt.com/numerosAleatorios/

Page 65: Jornalismo e entretenimento

65

os cadernos Cotidiano, de cada exemplar, para a composição da amostra. Para a

composição desta, nos dias em que houve divisão do caderno em dois, conforme

descrito a respeito no objeto empírico, foram contabilizadas e analisadas as matérias

de ambos.

Dos 30 cadernos Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo coletados na Amostra 1,

obteve-se um total de 698 matérias18

de caráter noticioso publicadas nas datas selecionadas.

Deste total, 266 matérias apresentaram um ou mais dos valores-notícia do jornalismo popular

(proximidade, utilidade e entretenimento), ou seja, 38% da amostra. Já na Amostra 2, o total

foi de 544 matérias19

, das quais 267 eram matérias populares, isto é, 49% da amostra de mês

composto.

O resultado apresentado demonstra que houve um aumento significativo no número de

notícias, notas e reportagens cujos assuntos remetiam aos valores-notícia de proximidade,

utilidade e entretenimento. Houve um intervalo de 12 anos entre os períodos selecionados

para a composição das amostras e, entre as duas, verificou-se o aumento de 11% na

quantidade de matérias populares do jornal, isto é, de 38%, saltou para quase metade das

matérias. Considerando que a Folha de S. Paulo é um jornal de referência e, portanto,

conforme Motta (2006) definiu, apresenta um perfil de notícias mais voltado para fatos

políticos, o resultado desta análise comparativa revela que o jornal tem se apropriado, com

maior frequência, de valores-notícia que não são comuns ao tipo de jornalismo que ele

habitualmente executa.

Diante de tal constatação, convém retomar que Meyer (2007) avaliou que houve uma

queda significativa na circulação de jornais, desde o envelhecimento dos baby boomers,

geração que tinha maior hábito de leitura. O fenômeno, todavia, não se restringiu ao contexto

estadunidense. Sant’Anna constatou uma queda de 29% nos primeiros anos da década de

2000, conforme já mencionado anteriormente, do número de exemplares de jornais por

adultos na população brasileira. O pesquisador apontou que isso ocorreu em virtude do

deslocamento dos leitores do impresso para a internet e para revistas especializadas.

Em razão desse cenário, Meyer (2007) indicou que os jornais de referência têm

buscado expandir o mercado de influência de seus produtos noticiosos para compensar a

18 Ver tabela 1.

19 Ver tabela 2.

Page 66: Jornalismo e entretenimento

66

perda de leitores e circulação, incluindo como público-alvo comunidades diferentes das quais

haviam habituado a se direcionar. A Folha de S. Paulo – há muito tempo estabelecida no

mercado jornalístico brasileiro – não tardou para avaliar esta nova realidade e se posicionar.

Conforme visto nas mudanças editoriais, já em 1991, a Folha lançou o caderno Cotidiano

com a proposta de dar às notícias um caráter de maior proximidade à realidade do leitor.

Ainda assim, Sant’Anna (2008) apontou que o declínio na circulação continuou,

segundo o período avaliado em sua pesquisa: entre 2001 e 2005. Este intervalo de tempo teve

início nos anos selecionados para a composição da Amostra 1 desta pesquisa (2000-2001), já

a Amostra 2 foi composta com anos (2013-2014), mais recentes e à frente do período

delimitado pela pesquisa de Sant’Anna (2008). Diante desses dados, é possível inferir que o

número de matérias com características de jornalismo popular no caderno Cotidiano da Folha

de S. Paulo aumentou como consequência da diminuição da circulação de jornais. Isto

significa que o jornal tenta reagir para atender à nova demanda e se reestabelecer no mercado

jornalístico brasileiro.

A estratégia para atrair a atenção de outros públicos inclui, portanto, a adoção de

novos critérios para a elaboração de notícias nos jornais de referência. Nesta primeira etapa,

os dados obtidos decorreram da análise de matérias cujos valores-notícias fossem a

proximidade, a utilidade ou o entretenimento. Assim, foi a prioridade dada a estes critérios na

elaboração de notícias do Cotidiano que aumentou no intervalo de tempo delimitado pela

presente pesquisa, que foi de 2000/2001 a 2013/2014.

Para Sant’Anna (2008), é preciso existir um equilíbrio entre investimento em

qualidade e rentabilidade. Contudo, ainda que aumentar a circulação ou a amplitude alcançada

possa trazer o lucro que o jornal precisa para se manter no mercado, isso não significa,

necessariamente, elevação da qualidade do jornal. A Folha de S. Paulo é um jornal de

referência, o que lhe confere status de jornal feito para um público específico de classes mais

elevadas e de alta escolaridade, portanto, mesmo que o número de leitores esteja em declínio,

este jornal não pode comprometer a fidelidade com seus leitores tradicionais em detrimento

de outros. Esta análise favorece o entendimento do tímido aumento de 11% do número de

matérias para atrair novos públicos, em face de uma estatística de diminuição maior no

número de leitores (29%, entre 2001 e 2005).

Page 67: Jornalismo e entretenimento

67

4.2. Análise da categoria de entretenimento: fait divers e fantástico

Utilizando a Amostra 2 da etapa de análise comparativa, foram identificadas e

quantificadas apenas as matérias de fait divers e do fantástico20

para que fosse realizada

também uma análise qualitativa aprofundada da manifestação do entretenimento no jornal

Folha de S. Paulo. Conforme explicado nos procedimentos metodológicos, estas matérias

foram selecionadas a partir das categorias de análise formadas pelos tipos de fait divers e

fantástico.

Nesta etapa, obteve-se o resultado de que das 267 matérias características de

jornalismo popular publicadas no caderno Cotidiano, 68 abordaram fait divers e apenas 10

trouxeram notícias com características do fantástico. Obteve-se, com esta análise, portanto,

que das 78 matérias de entretenimento, 12,8% representam ocorrências de notícias do

fantástico e 87,2% de notícias de fait divers. A comparação de espaço atribuído a cada um

destes tipos de matérias pode ser visualizado no Gráfico 1 que segue abaixo.

Gráfico 1 – Categorias do entretenimento

Fonte: da autora

20 Ver tabela 3.

Page 68: Jornalismo e entretenimento

68

a) Fait divers

Quanto aos fait divers, notou-se uma quantidade expressiva de matérias com estes

fatos diversos abordados nas matérias. Podendo ser entendidos como notícias

sensacionalistas, segundo Barthes (2007), os fait divers representaram 87,2% da amostra. Esta

categoria de análise, caracterizada pela exploração da emoção e do conflito, representa um

dos principais recursos que são utilizados no jornalismo popular e que vêm sendo trabalhados

no jornalismo de referência para atrair o público.

Para entender melhor de que forma os fatos diversos se manifestaram nas matérias, foi

feita a quantificação de cada uma das categorias de análise desta etapa da pesquisa, que são os

tipos de fait divers apresentados nos procedimentos metodológicos. Dentre as 68 matérias de

fait divers, 35 foram sobre causa inesperada ou perturbada, 17 sobre causa esperada, oito

sobre coincidência por antítese, cinco sobre coincidência por repetição e três sobre causa

inexplicável. Os dados obtidos podem ser visualizados no gráfico 2, a seguir.

Gráfico 2 – Categorias dos fait divers

Fonte: da autora

Aprofundando nos resultados sobre os fait divers, faz-se necessário retomar que

Amaral (2006) explicou que a valorização do entretenimento está diretamente ligada à

necessidade do público em usufruir da notícia satisfatoriamente. Segundo a autora, quanto

maior a capacidade de um fato poder ser informado de forma a conter divertimento ou outros

elementos que atraiam o olhar, podendo causar escândalo ou alguma outra reação emocional,

maior será o potencial deste em se tornar notícia por meio do critério do entretenimento. O

Page 69: Jornalismo e entretenimento

69

fait divers, por ter como objetivo também desencadear reações emocionais no leitor, é,

portanto, uma peça de entretenimento.

Os fait divers ou fatos diversos são caracterizados, conforme definição de Barthes

(2007), resumidamente, pela exploração de conteúdos que despertam emoção nos leitores. Os

fait divers, ainda por esta definição, são subdivididos em categorias, conforme certas

características do acontecimento. A primeira destas categorias a ser trabalhada nesta análise

qualitativa do conteúdo é a causa esperada. Este tipo de fait divers ocorre quando numa

relação de causa e efeito, encontra-se um resultado esperado. Contudo, o fato envolve

personagens que provocam um drama maior à situação, como crianças e idosos.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 15/4/2014, p.C-1

Quadro 3 – Fait divers por causa esperada criança

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/9/2013, p.C-5

Título: Ladrões agridem e arrastam aposentada para roubar carro.

Olho: Bandidos aceleraram com a vítima presa ao veículo pela bolsa; adolescente foi apreendido.

Texto: “Uma aposentada de 68 anos foi agredida e arrastada por oito metros, depois de ficar presa pela bolsa ao

carro que dirigia”. (...) “A polícia informou que os adolescentes deram socos no rosto de Maria Aparecida. Ela

ficou pendurada na porta do carro e eles aceleraram para tentar fugir do local. Maria Aparecida teve fraturas no

pulso e nos ossos da face”.

Título: SP tem 3 tiroteios em 24 h; mulher morre com bebê no colo.

Olho 1: Dona de casa pode ter sido vítima de bala perdida ao sair de igreja na Cupecê; áreas nobres também foram

alvo de tiros.

Olho 2: Na Oscar Freire, houve confronto depois de furto de lojas; na Cidade Jardim, após reação de

policial a assalto

Título: Criança é baleada em desavença no trânsito.

Olho 1: Gabrielly, de um ano e sete meses, foi operada e está na UTI, sem risco de morte; caso ocorreu em Barueri

(Grande SP)

Olho 2: Tiro atingiu quadril da menina, que estava no banco da frente, após seu pai passar carro que fazia zigue-

zague.

Quadro 1 - Fait divers por causa esperada com uma idosa

Quadro 2 - Fait divers por causa esperada com mãe e criança, como capa do caderno

Quadro 3 – Fait divers por causa esperada com criança

Page 70: Jornalismo e entretenimento

70

Para exemplificar a causa esperada, a matéria do quadro 1.1 traz uma situação

infelizmente comum na realidade violenta das grandes cidades. Entretanto, o acontecimento

ganha uma perspectiva de maior drama por se tratar de uma agressão cruel a uma idosa, como

pode ser visto nos fragmentos em destaque no quadro 1.1.

Outro exemplo de fait divers por causa esperada pode ser verificado na matéria do

quadro 1.2. A notícia narra a trágica história de uma dona de casa que, ao sair de um culto na

igreja com seu filho de cinco meses no colo, foi atingida por uma bala perdida e morreu.

A categoria de fatos diversos pode ser notada ainda na matéria do quadro 1.3, na qual

é retratado um acontecimento em que o pai da criança ferida conta que, ao ultrapassar outro

carro que fazia zigue-zague na pista, ouviu os disparos e, logo em seguida, o alerta do choro

da filha.

Os três exemplos citados reúnem os três tipos de sujeitos básicos que Ramos (2004)

chama de responsáveis pela instauração do conflito dramático da causa esperada, que são: o

idoso, a mãe e a criança. Para o autor, estes três tipos de personagens representam a

fragilidade e a pureza do ser humano. Por estas características, explora-se certo de nível de

maniqueísmo que coloca estas personagens na dimensão do bem. Na última matéria citada no

quadro 1.3, por exemplo, a desavença do trânsito não é o acontecimento em destaque, mas o

pano de fundo para a tragédia que é uma criança de um ano e sete meses ser baleada.

Quadro 4 – Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 18/10/2013, p.C-8

Quadro 5 – Fait divers por causa inesperada

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 1, publicada em 31/10/2013, p.C1-8

Já a segunda categoria de fait divers, conforme a classificação de Barthes (2007), é

identificada pelo rompimento da relação de causa e efeito de uma situação. Ao contrário da

causa esperada, nesta, ocorre o inesperado, sendo chamada, portanto, de causa perturbada.

Este foi o tipo de fait divers que teve maior ocorrência na amostra (51% das notícias). Para

exemplifica-lo, na nota do quadro 1.4 é retratado um acontecimento caracterizado pela total

Título: Delegado reage a assalto e atira em rapaz.

Título: Executivo infarta e morre em assalto.

Quadro 4 - Fait divers por causa inesperada envolvendo segurança pública

Quadro 5 - Fait divers por causa inesperada

Page 71: Jornalismo e entretenimento

71

inversão do que se espera: uma das recomendações da polícia aos cidadãos comuns é a de

que, pela própria segurança, não se deve reagir a um assalto. Contudo, além de ter reagido, a

vítima era um integrante da polícia.

Outro fato de causa perturbada pode ser identificado na nota do quadro 1.5. Segundo

as informações trazidas na matéria, o executivo foi alvo de assaltantes que jogaram pedras em

seu carro, para força-lo a parar. No entanto, nem as pedras nem os assaltantes foram os

responsáveis pela morte do executivo, mas assim um infarto fulminante durante o ocorrido.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 6/8/2013, p.C-7

O terceiro tipo de fait divers se encontra ainda nas relações de causa e efeito, mas

neste as consequências de uma situação são consideradas, a princípio, inexplicáveis. Barthes

(2007) os classificou como prodígios (fenômenos paranormais, religiosos e relacionados a

crenças populares) ou crimes misteriosos (enigma aparentemente sem solução, quase um

romance policial). Esta categoria é pouco explorada no jornal Folha de S. Paulo, já que só foi

identifica em apenas 4% da amostra. Dentre os poucos exemplos, apresenta-se a matéria do

quadro 1.6. O viés de romance policial é explorado na narrativa desta reportagem, com

detalhes do acontecimento que geram mistério na investigação. Isto pode ser visto nos

fragmentos destacados no quadro 1.6.

Quadro 7 – Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 23/9/2013, p.C-4

Título: Casal de PMs, filho e outros 2 parentes são mortos em casa.

Olho 1: Todas as vítimas na residência de sargento da Rota foram assassinadas a tiros.

Olho 2: Crime mobilizou a cúpula da Segurança Pública e, até a noite de ontem, era um mistério para a polícia

paulista.

Texto: “Segundo ele, o sargento foi encontrado deitado, na cama, e, aparentemente, foi baleado enquanto dormia”.

(...) “A mulher dele também estava na cama, mas de joelhos, como se tivesse sido subjugada antes de ser alvejada,

contou o deputado”. (...)

Título: Bando rouba carro e promove arrastão em restaurante.

Texto: “Na rua Jorge Beretta, Parque Erasmo Assunção, em Santo André, o bando invadiu um restaurante e

roubou celulares, carteiras, bolsas e até bíblias dos clientes”. (...) “Na mesma rua, os ladrões invadiram um salão

de beleza e fizeram mais um assalto. Em seguida, os criminosos assaltaram três garotas na saída de uma

lanchonete”.

Quadro 6 - Fait divers por causa inexplicável envolvendo crime misterioso

Quadro 7 - Fait divers de coincidência por repetição sobre arrastão em Santo André

Page 72: Jornalismo e entretenimento

72

Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/10/2013, p.C-10

A quarta categoria de fait divers ainda se estrutura na ideia da causalidade, mas o foco

está na relação de coincidência dos eventos. Este tipo de fait divers é chamado de

coincidência por repetição e é explicado por Ramos (2004) como o igual que se repete de tal

forma que traz a diferença. Para exemplifica-lo, a matéria do quadro 1.7 aborda uma

sequência de roubos executada pelo mesmo grupo. A violência por si só espanta, mas a

repetição em demasia torna o evento ainda mais estranho, como se pode ver nos fragmentos

em destaque no quadro 1.7.

Outro exemplo que trabalha a mesma categoria de fait divers é o da matéria do quadro

1.8. Nesta notícia é retratada uma onda de assaltos que, assim como no exemplo anterior, tem

sido cometida pelo mesmo grupo, como se vê no olho da matéria. A repetição do

acontecimento é ressaltada na narrativa da matéria, reforçando a estranheza deste fato com

declarações das vítimas.

Quadro 9 – Enunciado sobre fait divers de coincidência por antítese

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 8/11/2013, p.C-8

Por fim, a quinta categoria também retrata a coincidência, mas quando esta ocorre pela

reunião de elementos antagônicos em um mesmo evento. Este tipo de fait divers é chamado

de coincidência por antítese, conforme as definições de Barthes (2007), e pode ser

exemplificado na matéria do quadro 1.9. Duas perspectivas distantes: a casa da idosa é

invadida, mas ela consegue matar o assaltante utilizando uma arma que carregava com ela há

35 anos. Uma terceira perspectiva também aparece: dois anos depois, a idosa morre em um

incêndio.

Título: Assaltos em série assustam turistas de Santa Teresa, no Rio.

Olho1: Ladrões em dupla, quase sempre em motos, têm atacado pedestres na rua do charmoso bairro turístico.

Olho 2: Reportagem conversou com oito vítimas recentes, uma delas atingida por um tiro dado por um criminoso.

Texto: “Eu entreguei na hora. E, mesmo assim, ele me deu um soco na cara. Depois, acertou um soco em

um dos meus amigos’, lembra Maiza”. (...) “Um deles atirou. A bala atravessou o vidro e atingiu o meu

estômago”.

Título: Morre em incêndio idosa que atirou em ladrão no RS.

Quadro 8 – Fait divers de coincidência por repetição sobre assaltos em Santa Teresa

Quadro 9 – Fait divers de coincidência por antítese

Page 73: Jornalismo e entretenimento

73

Segundo Ramos (2004), este tipo de fait divers geralmente é abordado para tratar de

inversões que geram consequências negativas, podendo, na narrativa, serem retratadas como

má-sorte ou cúmulo. Como é o caso do assaltante que provavelmente não esperava que uma

idosa de mais de 80 anos pudesse estar armada. Além disso, o autor também revela que esse

tipo de fato diverso é aquele que despe o homem de sua responsabilidade histórica: é

simplesmente uma fatalidade, que não poderia ser evitada, como a morte da idosa, que antes

havia conseguido se salvar.

b) Fantástico

Segundo Motta (2006), o fantástico não é habitualmente encontrado no jornalismo.

Isto porque, diferentemente do que ocorre na literatura, no cinema ou na pintura, o jornalismo

prioriza a linguagem objetiva, racional e referencial. A linguagem imaginária, à qual o

fantástico abre caminho, esvazia-se nos conteúdos dos jornais de referência. Eventualmente, o

autor revela que estas notícias aparecerem para suavizar as notícias duras do dia-a-dia. O

resultado desta pesquisa corrobora, portanto, o argumento do autor.

Quanto à tipificação de notícias do fantástico utilizadas como categoria de análise para

esta segunda etapa de pesquisa, obteve-se que, dentre as 10 matérias da amostra, quatro foram

sobre o fantástico-estranho, três sobre a causalidade imaginária, duas sobre o fantástico

cômico, apenas sobre bestiário e nenhuma relativa ao grotesco foi identificada. Esta

quantificação está relacionada no gráfico 2 a seguir:

Gráfico 3 - Categorias do fantástico

Fonte: da autora

Page 74: Jornalismo e entretenimento

74

O fantástico se manifestou timidamente nas matérias que compuseram a amostra deste

trabalho. Conforme visto na análise quantitativa, pouco mais de 3% das matérias de

jornalismo popular se encaixaram nas categorias do fantástico. A análise corroborou a

pesquisa de Motta (2006) que avaliou a ocorrência deste tipo de fato nas notícias como

sempre presente, porém pouco frequente. Característico da Literatura, para Motta (2006), o

fantástico tem seu espaço nos jornais, mesmo os de referência, mas é pouco explorado. Na

amostra, das cinco categorias de fantástico, apenas quatro foram verificados, pois não foi

encontrada nenhuma matéria que retratasse o grotesco (estéticas corporais dos indivíduos que

fogem de padrões sociais são retratadas de maneira irônica e divertida).

Quadro 10 Fantástico-estranho

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/12/2013, p.C-8

A primeira categoria observada na amostra pode ser verificada na matéria do quadro

1.10. É o fantástico- estranho, que segundo Motta (2006), caracteriza-se o evento inusitado,

que precisa de uma lógica incomum para ser explicado. Neste exemplo, o fato é que um carro

foi cimentado pelo seu dono em uma calçada de Belo Horizonte. O caso improvável é

resultado de uma briga de vizinhos disputando pelo uso do espaço público. A explicação é

incomum porque o espaço público, como o próprio nome denomina, não pode ter ser tomado

como propriedade privada, que foi o que o dono do carro fez.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 30/03/2014, p.C-10

Título: Roda presa.

Olho: Carro é cimentado em calçada de Belo Horizonte após disputa entre revendedor e responsáveis por obra em

imóvel vizinho

Título: Mesmo cansado e com doença rara, cão-guia não larga casal por nada.

Olho: Labrador de 8 anos tem hepatite; tratamento consome R$ 2.000 por mês dos donos

Texto: O cão também abre portas e amizades, encontra saídas, escadas, elevadores e banheiros, dá segurança e

conforto aos passos dos dois. (...) “Não é só gratidão. É amor. Nos sentimos na obrigação de fazer tudo o que for

possível por ele. Naquilo que sempre esperávamos do Wyatt, ele sempre nos atendeu prontamente. Nos resta fazer

o mesmo por ele”, conta Esvana.

Quadro 11 - Fantástico por causalidade imaginária

Page 75: Jornalismo e entretenimento

75

A segunda categoria de fantástico é a causalidade imaginária. Assim como nos fait

divers, há uma relação de causa e efeito, mas neste caso, as causas são pouco lógicas ou

implícitas, o que remete a uma explicação imaginária, como ao milagre ou ao destino. Na

matéria do quadro 1.11 há a exploração da ideia de que há uma espécie de destino que une a

história do casal à do cachorro. O cão é retratado como um animal prodígio, que realiza

atividades diferentes de outros cachorros e que, por isso, seus donos são privilegiados. A

narrativa da notícia explora a ideia também de que parte um sentimento do animal para com o

casal, como se o cão tivesse sido destinado a cuidar deles.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6

O fantástico também pode ser manifestado por fatos cômicos. Motta (2006) caracteriza

esta categoria pela retratação de desconcertos da vida, muitas vezes, inverossímeis e que, por

isso mesmo, podem provocar o riso. Como exemplo para este tipo de notícia fantástica, pode

ser utilizada a matéria do quadro 1.12. A reportagem relata que uma mulher estava com seu

amante em um motel e acabou perdendo a hora. Para justificar o atraso ao marido, o amante

sugeriu à mulher que ela comunicasse à polícia que havia sido sequestrada, mas que havia

conseguido fugir do cativeiro. Percebendo as falhas da história da mulher, a polícia a

pressionou e ela confessou a mentira. Além de ter de responder pela falsa comunicação de

crime à polícia, a mulher teve a traição descoberta pelo marido durante a investigação. Como

se pode notar, o caso é desconcertante e de tão improvável, é também cômico.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 2, publicada em 14/9/2013, p.C2-3

Título: Mulher forja sequestro para ocultar traição em SC.

Olho: Casada, ela se atrasou no motel com amante

Texto: O cão também abre portas e amizades, encontra saídas, escadas, elevadores e banheiros, dá segurança e

conforto aos passos dos dois. (...) “Não é só gratidão. É amor. Nos sentimos na obrigação de fazer tudo o que for

possível por ele. Naquilo que sempre esperávamos do Wyatt, ele sempre nos atendeu prontamente. Nos resta fazer

o mesmo por ele”, conta Esvana.

Título: ‘Voz do além’ em ônibus surpreende passageiros.

Olho 1: Usuários aprovam veículos hi-tech testados, mas criticam superlotação.

Olho 2: 'É muito bom, dá para falar com a garagem direto. O que não muda é o trânsito', diz motorista de linha com

tecnologia.

Texto: “Tomei um susto, mas o cobrador me explicou o que era e hoje já acostumei’, conta a passageira”.

Quadro 12 - Fantástico cômico

Quadro 13 - Fantástico bestiário

Page 76: Jornalismo e entretenimento

76

A quarta e última categoria do fantástico identificada nas notícias da amostra é a

chamada bestiário. Conforme as definições de Motta (2006), este tipo de notícia retrata

acontecimentos que podem gerar nas pessoas associações a símbolos cósmicos ou espirituais,

como é o caso da matéria do quadro 1.13, utilizada para representar a utilidade como valor-

notícia. A reportagem trata de um recurso em teste implantado pela Prefeitura de São Paulo

que utiliza dispositivos de alto-falantes dentro dos ônibus para dar informações aos usuários

do transporte. O fato é corriqueiro, mas abordagem narrativa é construída de forma a ressaltar

a surpresa dos passageiros nos primeiros dias de implantação do sistema. O título, como pode

ser visto no quadro 1.13, reforça a tentativa de associar o evento a símbolos espirituais, como

se vê também no fragmento do mesmo quadro.

4.3. Análise qualitativa do conteúdo

Conforme mencionado, a análise qualitativa do conteúdo foi feita com o objetivo de

analisar as matérias de entretenimento (fait divers e fantástico), buscando identificar

características que pudessem vincula-las ao interesse público. Estas características são as

categorias de análise definidas nos procedimentos metodológicos do trabalho, que são a

contextualização e a utilização de fontes especialistas ou oficiais.

Durante a realização desta etapa de pesquisa, contudo, observou-se que outros valores-

notícia predominantes no jornalismo popular – a proximidade e a utilidade – apareceram

conjugados às notícias de entretenimento analisadas. Assim, estes critérios também foram

avaliados porque se constatou que a forma como foram abordados nas narrativas jornalísticas

contribuiu para a questão de vinculação do interesse público com o entretenimento. Os

resultados seguem descritos abaixo.

4.3.1. Proximidade e personalização no entretenimento

A proximidade como critério de noticiabilidade não é uma novidade do jornalismo

popular. Ao tratar sobre a categorização dos valores-notícia anteriormente, falou-se da

subdivisão proposta por Traquina (2008) que distingue os critérios substantivos e os critérios

contextuais. Tal distinção é fundamental para entender porque a proximidade assume outro

lugar quando na perspectiva do jornalismo popular. Este critério é substantivo, segundo a

designação de Traquina (2008), e está relacionado ao acontecimento antes da construção da

Page 77: Jornalismo e entretenimento

77

notícia, ou seja, à forma como ele está na realidade, com suas características inerentemente

geográficas de proximidade que o farão ser selecionado para se tornar notícia. Partindo disso,

poderia se considerar que qualquer acontecimento local, fosse político ou econômico, seria

próximo, se considerada a sua distância geográfica.

De outra perspectiva, Amaral (2006) avaliou que o valor de proximidade envolve mais

uma questão de distância social. Isto significa que ela considera também de que forma o fato

noticiado poderá impactar a vida de um cidadão comum. Desse modo, ainda que um fato

político ou econômico tenha relação próxima de distância geográfica, para o jornalismo

popular, se ele não estiver efeito prático e visível na vida das pessoas, dificilmente será

selecionado. Assim, a proximidade, para a notícia popular, deve ter feito de personalizar o

fato, ou seja, coloca-la em um plano no qual o leitor se sinta parte do acontecimento ou

mesmo representado pelos personagens que nele estão.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 21/2/2014, p.C-1

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 21/2/2014, p.C-3

A matéria do quadro 1.14, que é capa do caderno Cotidiano, fala respeito de um fato

que constitui relação de proximidade geográfica, uma vez que o jornal tem origem em São

Paulo e o evento ocorreu no interior do Estado, e também político, por tratar de um problema

estrutural e social, relacionado ao programa do Governo Federal “Minha casa, minha vida”. A

questão popular se torna evidente quando a proximidade fica submetida ao momento da

construção narrativa (TRAQUINA, 2008). Segundo o autor, é nesse momento que se define

se a notícia será simplificada, amplificada ou mesmo tornada relevante para o leitor comum.

Título: Invasores destroem imóveis do Minha Casa.

Olho 1: Moradores incendiaram apartamentos na zona leste em retaliação à desocupação pela PM, que fala em

ação de infiltrados.

Olho 2: Confronto com polícia deixou 2 detidos e 21 feridos; invasores acusaram tropa de agir com violência.

Título: 'Se eu não for morar, ninguém vai', diz invasora sobre destruição.

Olho 1: Extintores de incêndio foram usados para depredar apartamentos desocupados em Itaquera.

Olho 2: Ocupantes retirados do condomínio Caraguatatuba pela polícia colocaram fogo em alguns imóveis.

Texto: “É o desespero do povo. A gente achou que poderia ficar aqui, que conseguiríamos negociar”,

dizia o motorista Ricardo de Castro, 30

Quadro 14 - Proximidade geográfica como valor-notícia

Quadro 15 - Proximidade com a realidade da comunidade abordada

Page 78: Jornalismo e entretenimento

78

Ainda neste sentido, na construção narrativa da suíte (quadro 1.15) da matéria do quadro 1.14,

nota-se que o conteúdo é trazido para perto do leitor que pode estar vivendo situação

semelhante, que seja beneficiário do programa, que necessite de moradia etc.

Esse exemplo pode ser relacionado ao grau de amplitude e radicalidade de um

acontecimento que Genro Filho (1987) vincula ao que ele chama de totalidade social

considerada e também às significações que são constituídas no ato de produção da notícia.

Isto, para o autor, contribui para que mesmo o fato singular – como é o caso da suíte da

matéria que traz o ponto de vista pessoalizado da situação – possa assumir um caráter de

interesse público e, com isso, promover valores de cidadania.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/7/2014, p.C-8

O acontecimento do quadro 1.16 tem relação de distância geográfica, já que é

verificado em uma cidade da região metropolitana de São Paulo, mas, ao mesmo tempo, atrai

a atenção do leitor local devido à gravidade da situação e por aproxima-la da realidade de um

cidadão. A personalização observada na fala da moradora no quadro 1.16, por exemplo, faz

com que a narrativa da notícia seja humanizada. Segundo Amaral (2006), nos jornais

impressos, a utilização de fontes populares tem um histórico tímido de inclusão, geralmente,

em detrimento das fontes de maior importância social, econômica e cultural. Para a autora, é

por meio do cotidiano retratado pela imprensa que as pessoas reafirmam seus lugares em

sociedade. Dentro desta perspectiva de que o jornal de referência está inovando, ao utilizar a

personalização do fato, a participação do leitor como fonte jornalística é legitimada.

Título: Incêndio destrói loja em Santo Amaro.

Olho 1: Fogo de grandes proporções começou em depósito na zona sul; rede teve dois casos semelhantes no ano

passado.

Olho 2: Não houve vítimas, mas 12 imóveis foram interditados; mais de 160 bombeiros atuavam para combater o

fogo.

Texto: Mais de 160 homens foram mobilizados para conter o incêndio. Às 23h, 99 bombeiros e 33 carros da

corporação ainda trabalhavam no combate ao fogo, que começava a ser controlado. Um helicóptero da PM

acompanhou a operação. A Defesa Civil retirou 153 pessoas de um prédio residencial em frente à loja, para que

não inalassem a grande nuvem negra que se formou. “Tive que sair de casa por conta da fumaça”, disse a

moradora Jaiara Albuquerque.

Quadro 16 – Proximidade geográfica e a narrativa humanizada

Page 79: Jornalismo e entretenimento

79

4.3.2. Utilidade no entretenimento

Como forma de assumir para o público papel de intermédio entre ele e o Poder

Público, os jornais, ou a mídia de modo geral, tem como valor-notícia a utilidade. Este valor

também não é uma novidade e nem é restrito ao jornalismo popular, pelo contrário, para

Abreu (2013), a noção de um jornalismo voltado para a responsabilidade social sempre

existiu, mas isto é reforçado sempre que a narrativa jornalística popular é construída de modo

a cobrar os direitos mais básicos dos cidadãos, principalmente, quando isso demanda

resultados rápidos e efeitos práticos. Matéria sobre saúde, educação, segurança ou outros

assuntos de caráter público integram os assuntos de utilidade.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano 2, publicada em 14/9/2013, p.C2-1

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 11/12/2013, p.C-6

A matéria do quadro 1.17 exemplifica a utilização da utilidade como critério de

noticiabilidade. A partir do texto, é possível notar que há na utilidade um caráter de prestação

de serviços para o cidadão, nesse caso, com relação ao transporte público e todas as questões

de segurança, qualidade e bem-estar para quem dele depende. O assunto é também fato

Título: SP testa ônibus que ‘fala’ e flagra quem invade a faixa.

Olho 1: Desde julho, 5 linhas têm dispositivos como wi-fi, alto-falantes, letreiros e câmeras.

Olho 2: Sistema também permite identificar automóvel que utilizar corredor exclusivo de forma indevida.

Texto: “Hoje a gente sabe quantos passageiros andaram, mas não quantos estão neste momento dentro do ônibus.

Com a operação controlada, dá pra saber quais ônibus estão lotados e enviar uma ordem ao motorista de não parar

mais”, diz Adauto Farias, diretor da SPTrans.

Título: Mais de 1.000 ficam desabrigados após incêndio em favela.

Texto: Outras casas serão avaliadas para saber se há necessidade de interdição. As famílias serão cadastradas pela

prefeitura para receber assistência. Segundo a Secretaria de Habitação, a área já havia sido desocupada, porém as

famílias voltaram a se estabelecer no local.

Quadro 17 - Utilidade como valor-notícia

Quadro 18 – Nota com a utilidade como valor-notícia

Page 80: Jornalismo e entretenimento

80

político, por se tratar de uma ação da Prefeitura de São Paulo, mas ao trazer exemplos práticos

das mudanças para a vida do cidadão, a matéria assume um perfil de manual para os cidadãos.

Assim, o exemplo confirma a afirmação de Abreu (2003) de que há exploração do

critério de “utilidade social” nos jornais de referência. Mas, mesmo nesses jornais, ela adquire

viés de jornalismo popular porque se manifesta em escolhas e ações que atendem aos

interesses dos cidadãos de forma direta. Pode-se perceber isso no quadro 1.18. Trata-se de

uma pequena nota, trazendo informações de forma objetiva sobre o acontecimento que

poderiam se referir apenas a uma relação de proximidade. Contudo, ao final, a matéria traz

seu caráter de utilidade social, como pode ser visto no texto do quadro 1.18.

4.3.3. Contextualização e fontes no entretenimento

Segundo Amaral (2008), contextualizar significa conectar as notícias de

entretenimento ao contexto social que geraram os acontecimentos que elas retratam. Para a

autora, tornar públicas histórias inusitadas ou surpreendentes, dramas, situações absurdas,

dentre outras características do entretenimento – aqui representadas pelos fait divers e

fantástico – deixando-as apenas no plano da rotina e do cotidiano, não contribui para a

formação de um leitor interessado por temas públicos.

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 3/8/2013, p.C-6

Quadro 20 – Enunciado sobre a contextualização da notícia para a realidade do leitor

Título: PMs presos no Rio irão da cadeia para a rua.

Olho 1: Decisão beneficia policiais retidos em quartéis em todo o Estado; protestos fizeram PM cancelar folga da

tropa.

Olho 2: Medida chega no momento em que comissão investiga atuação das polícias nos protestos de rua.

Texto: “Os detidos serão soltos e poderão voltar a trabalhar nas ruas. Na ficha funcional, a menção à ocorrência

será mantida, mas agora sem consequências práticas”. (...) “PMs que tiveram a prisão decretada pela Justiça serão

mantidos presos”. (...) “Os motivos que podem levar PMs a ser detidos vão de faltas a envolvimento com

traficantes ou jogo do bicho”. (...).

Título: Depois de morto, homem tem suas 2 famílias ‘legalizadas’.

Texto: “Com o reconhecimento das duas uniões, as mulheres poderão receber pensão. Uma delas e o Ministério

Público recorreram da decisão” (...) “Bigamia é crime. União estável, não’, disse o juiz”. (...) A decisão é de abril,

o processo corre em segredo de Justiça e o tribunal fez uma enquete em rede social sobre o caso, para saber a

opinião das pessoas sobre a decisão.

Quadro 19 - Contextualização da notícia para a realidade do leitor

Quadro 20 - Contextualização da notícia para esclarecimento do leitor

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81

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 13/9/2013, p.C-4

Quadro 21 – Enunciado sobre a contextualização da notícia para a realidade do leitor

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, publicada em 6/8/2013, p.C-9

Para exemplificar de que forma a contextualização se constroi na narrativa dessas

notícias, pode ser utilizada a matéria do quadro 1.19, enquadrada como fait divers do tipo

coincidência por antítese. Nesta notícia, não é só retratada a situação escandalosa de que

policiais estejam presos e do espanto que pode gerar que eles estejam sendo liberados para

que voltem a atuar, os motivos são também relatados, além de alguns esclarecimentos e há

também trechos que demonstram os benefícios de maior efetivo policial nas ruas para a

população, o que pode ser comprovado nos fragmentos destacados no quadro.

Outro exemplo de contextualização está na matéria do quadro 1.20. Trata-se de um

acontecimento fantástico cômico e, por seu potencial de entreter, poderia ficar neste nível,

destituindo o leitor da capacidade de compreender o contexto em que vive, como fazer os

jornais populares, segundo Amaral (2008). Contudo, esta matéria, apesar de ser publicada a

partir de um valor-notícia de entretenimento, não deixa de lado a importância de informar,

contextualizando o que pode ser correlacionado. Dessa forma, a notícia aborda leis

relacionadas ao assunto, como pode ser notado nos fragmentos em destaque no quadro. Além

disso, a narrativa destaca a atitude democrática do juiz que tomou conta do caso.

Com relação às fontes utilizadas nas matérias, é importante dizer que as populares já

são destacadas nesses tipos de informação cotidiana. Faz parte do que foi trabalho

anteriormente na categoria de personalização, para dar voz e maior participação ao cidadão

comum na notícia, para que se sinta representado. Diferentemente, as fontes especialistas

acabam sendo fundamentais no processo de contextualização da notícia, para dar legitimidade

à informação. Isto porque, segundo Amaral (2008), a fonte popular é útil para explicar seu

mundo, mas é o especialista que irá contextualiza-lo no ambiente público e viabilizar a

reflexão para o alcance da cidadania.

Título: Em SC, polícia flagra menino de 11 anos dirigindo em rodovia.

Texto: “O carro foi retido e o dono deve responder pelas irregularidades do veículo. Entregar a direção do veículo

a pessoa sem habilitação ou permissão para dirigir é infração de trânsito gravíssima”. (...) “Segundo a PRF, o pai

também responderá criminalmente pelo ato. A punição prevista no Código de Trânsito é de seis meses a um ano de

detenção ou multa”.

Quadro 21 - Contextualização da notícia para alertar o leitor

Page 82: Jornalismo e entretenimento

82

O exemplo utilizado para explicar a contextualização, sobre a legalização das duas

famílias do homem morto (quadro 1.20), pode também ser usado para exemplificar o uso da

fonte. Isso porque é um especialista, no caso o juiz, quem esclarece as questões legais

relativas ao caso, conforme mostrado anteriormente.

Já na matéria do quadro 1.21, enquadrada como fait divers de coincidência por

antítese, é utilizada a Polícia Rodovia Federal (PRF) como fonte para a contextualizar e

privilegiar a informação, em detrimento da surpresa absurda de um pai deixar o filho de 11

anos dirigir, como pode ser visto nos fragmentos destacados pelo quadro.

Page 83: Jornalismo e entretenimento

83

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos em toda análise feita nesta pesquisa culminam sinteticamente em

dois resultados: em primeiro lugar, notou-se um aumento significativo no número de notícias

características de jornalismo popular veiculadas no jornal de referência; e em segundo lugar,

houve uma utilização de recursos na construção da narrativa noticiosa que revelaram que não

houve declínio por parte do jornal em se manter comprometido com o interesse público. Foi

possível notar que, portanto, um resultado incorreu no outro, uma vez que se percebeu que

apesar de o jornalismo de referência se mostrar preocupado com a queda nos níveis de leitura

e circulação periódica dos impressos, ainda há significativo compromisso em manter o nível

de qualidade e confiabilidade nas notícias produzidas.

Com relação ao primeiro aspecto observado, a análise comparativa demonstrou que

houve maior preponderância de narrativas vinculadas aos valores-notícias do jornalismo

popular: a proximidade, a utilidade e o entretenimento. Conforme visto na discussão teórica a

partir de Fernandes (2012), a utilização da noticiabilidade por este viés não revela um desvio

no processo jornalístico, quando conformada ao seu contexto determinante. Isto é, os valores-

notícia citados são comuns no jornalismo popular e em outras manifestações jornalísticas há

bastante tempo, de tal modo que a utilização destes critérios não revela um desvio. A

novidade aqui se constrói na constatação de que estes valores têm sido observados em outro

contexto: o do jornalismo de referência.

Segundo Sant’Anna (2008), habitualmente, os jornais de referência sempre foram

reconhecidos pela utilização de linguagens e conteúdos politizados em detrimento de notícias

vinculadas à cotidianidade e aos hábitos do homem comum. Estas duas últimas características

estão geralmente associadas ao conteúdo de entretenimento, distantes da noção de um

jornalismo que busca exercer seu papel de intermediar as demandas da sociedade com o Poder

Público. Isto porque muitas vezes se manifestam em um jornalismo carente de uma dimensão

contextual dos fatos e, consequentemente, de uma reflexão acerca da realidade social para

agregar valores de cidadania e democracia ao público, conforme observou Amaral (2006).

Sendo assim, a utilização da noticiabilidade comum do jornalismo popular pelo

jornalismo de referência poderia ser questionada, atribuindo a esta mudança estrutural uma

estratégia de colheita, conforme descreveu Meyer (2007), para que o jornal apenas não

perdesse seu espaço no mercado e a sua lucratividade, não estando preocupado com a

qualidade de seu produto. Contudo, o que se notou, conforme o segundo aspecto dos dados

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84

obtidos, foi que o jornal manteve um rigor jornalístico no tratamento dos acontecimentos

noticiados, ainda que estivessem enviesados no objetivo de entreter o público leitor. Estas

características foram analisadas de forma aprofundada nas notícias do fantástico e de fait

divers veiculadas pelo jornal Folha de S. Paulo, nas segunda e terceira etapas da análise.

Motta (2006) descreveu como notícias do fantástico aquelas que tratam de

acontecimentos que, em um primeiro momento de contato com a informação, remetem a uma

lógica absurda de explicação. Segundo o autor, estas notícias levariam a um afastamento

provisório da realidade, uma vez que sua abordagem, inevitavelmente, seria retratada de

forma mais suave, desafiando a objetividade do tratamento linguístico das narrativas. Distante

da realidade e com o objetivo de entreter, ao noticiar acontecimentos insólitos, poderia se

questionar se a exploração do fato fantástico não estaria relegando a informação ao segundo

plano, mas o que se observou foi que em grande parte destas notícias houve tratamento

rigorosamente objetivo, conferindo destaque maior aos elementos informativos.

Dentre as notícias analisadas na segunda etapa da pesquisa, um porcentual baixo foi de

notícias do fantástico, o que demonstrou que a narrativa mais lúdica tem espaço mínimo neste

jornal. Elas apareceram perceptivelmente como formas de atrair a atenção do leitor e, mesmo

assim, não deixaram de apresentar elementos importantes para ampliar a visão de mundo das

pessoas, com descrições objetiva dos fatos, contextualizações políticas, econômicas ou sociais

que pudessem ter motivado o evento; e a utilização de fontes especialistas e/ou oficiais. Como

destacou Amaral (2006), não deixar de lado estas premissas é muito importante, pois tornar

visível e dar repercussão a fatos para entreter pode promover uma aproximação com o público

e ampliar a rede de leitores, mas isto por si só não é garantia de um jornalismo de qualidade

porque não significa que o tema será esclarecido.

Com relação às notícias dos fatos diversos ou fait divers, observou-se uma maior

ocorrência. O que neste caso pode ser destacado é que a imanência pressuposta na definição

desta categoria de notícias, feita por Barthes (2007), que incorreria, inevitavelmente, em uma

notícia sensacionalista, pode ser contestada. Para o autor, todos os desastres, crimes e outros

acontecimentos estranhos do mundo não poderiam remeter a nada além deles mesmos. De

fato, a marca de exploração destes tipos conflitos se manteve, já que é condição inerente para

a classificação dos fait divers, explorar as emoções dos leitores e espectadores, como recurso

para gerar audiência. Contudo, a abordagem destes conteúdos não ficou apenas no âmbito do

entretenimento, já que os recursos para desencadear a emoção e a distração dos leitores

ficaram a cargo apenas do fato inerentemente conflituoso, mas a abordagem jornalística não

Page 85: Jornalismo e entretenimento

85

se rendeu a tentar tornar o evento um espetáculo emocional ou sensacionalista. Os

acontecimentos foram, portanto, tratados de forma que pudessem mostrar ao leitor, seus

hábitos estabelecidos socialmente no cotidiano, bem como as consequências de cada ação

para a vida própria e para a vida alheia. Esta constatação foi feita mediante a análise de como

era realizada a contextualização dos eventos associadas às fontes e revelou, portanto, um

compromisso em estabelecer valores de cidadania, consequentemente de interesse público.

O jornal Folha de S. Paulo, mesmo sendo um jornal de referência, tem buscado atingir

novos públicos, veiculando notícias que o aproximam da realidade cotidiana do local em que

ele se origina. A proximidade e a utilidade, valores-notícia comuns aos tipos de jornalismo –

tanto do popular quando do de referência – ganham outra perspectiva ao trazerem os fatos

para perto da vida prática do leitor, não se restringindo apenas à veiculação de notícias

políticas sobre a cidade e o Estado de São Paulo. O entretenimento, por sua vez, foi outro

valor-notícia que também se manifestou expressivamente na cobertura do jornal, como

reflexo desta tentativa de aumentar a audiência em um período histórico no qual os jornais,

especialmente os de referência, têm perdido em número de leitores. O que se percebeu foi que

esse este tipo de notícia, que retrata fatos atrativos, teve destaque na cobertura, mas a

narrativa jornalística se construiu de tal modo que se manteve notável a preocupação do jornal

em manter a credibilidade para com seu público estabelecido anteriormente a esse movimento

de perda de audiência, evitando-se o tratamento sensacionalista dos acontecimentos

abordados.

Assim, o que se pode concluir deste estudo é que o jornal Folha de S. Paulo, expoente

dos jornais de referência brasileiros, representa uma nova tendência como reação ao que vem

acontecendo no mercado jornalístico, diante das novas tecnologias no âmbito da comunicação

e da perda de leitores. Este movimento de popularizar as notícias, tornando-as, ao mesmo

tempo, entretenimento e informação relevante para o leitor, foi, portanto, identificado no

jornalismo de referência e pode não estar ocorrendo apenas nos impressos, mas também no

rádio, TV e até na internet. Isto significa que a partir desta pesquisa, a exploração dos fait

divers e das notícias do fantástico pode também ser analisada em outras plataformas de modo

a perceber que o interesse público e entretenimento podem ser entrelaçados no jornalismo e

que tornar o conteúdo atrativo não significa, necessariamente, torna-lo sensacionalista.

Page 86: Jornalismo e entretenimento

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