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JORNALISMO CÉLIA REGINA MARTINEZ CLÁUDIO CESAR VITORINO DOS SANTOS LEMBRANÇAS DE PIONEIROS SOBRE A PRAÇA RAPOSO TAVARES: A HISTÓRIA RECONTADA SOB A PERSPECTIVA CIDADÃ MARINGÁ 2013

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Page 1: JORNALISMO · do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Maringá, como parte ... que culminaram na produção do vídeo documentário,

JORNALISMO

CÉLIA REGINA MARTINEZ

CLÁUDIO CESAR VITORINO DOS SANTOS

LEMBRANÇAS DE PIONEIROS SOBRE A PRAÇA RAPOSO TAVARES: A

HISTÓRIA RECONTADA SOB A PERSPECTIVA CIDADÃ

MARINGÁ

2013

Page 2: JORNALISMO · do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Maringá, como parte ... que culminaram na produção do vídeo documentário,

Célia Regina Martinez

Cláudio Cesar Vitorino dos Santos

Lembranças de pioneiros sobre a praça Raposo Tavares: a história recontada sob a

perspectiva cidadã

Monografia apresentada à disciplina de

Projetos Experimentais do Curso de

Comunicação Social com habilitação em

Jornalismo da Faculdade Maringá, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social.

Orientadora: Dra. Luzia Deliberador

Yamashita

Maringá

2013

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente a Deus que me ajudou a vencer todas as

etapas desses quatro anos de estudo e por ter me guiado nas horas mais difíceis dando força,

coragem e determinação durante as dificuldades. Minha família que de forma direta ou

indiretamente contribuiu para a realização deste sonho.

Também agradeço a todos os professores que acompanharam os passos

dessa trajetória acadêmica contribuindo para o meu aprendizado com leituras, dicas, “puxões

de orelha” e incentivo ao crescimento intelectual. Agradeço aos amigos e Diretores da Rede

Massa de Telecomunicações que durante o segundo ano de graduação me deu oportunidade

de trabalho que contribuiu para minha formação acadêmica e profissional. Agradeço aos

amigos Luiz Humberto, Cláudio C. Vitorino dos Santos, Nilson Cirino e em especial a

professora Valdete da Graça pelo apoio nos momentos difíceis.

Agradeço aos meus colegas de classe pelas parcerias, conversas, discussões

em sala de aula e por compartilharem das alegrias, dificuldades, frustrações e conquistas

durante o curso.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a Deus que me colocou no caminho certo e dando visão e

colocando os meus olhos naquilo que mais importa o conhecimento. Minha família que me

acompanhou em todo o processo e viu as minhas lutas para que este alvo fosse alcançado.

Também agradeço a todos os docentes que contribuíram para o meu

crescimento intelectual, dispondo de tempo e esforços. Agradeço aos meus amigos Luiz

Humberto e Nilson Cirino, pelo apoio constante e quando pensava em desistir me ajudaram e

auxiliaram com sabedoria e uma amizade que com certeza permanece em meu coração.

Sou grato aos meus colegas de classe que foram igualmente importantes na

minha formação, ainda quando discordávamos isso se refletiu na melhoria e no lapidar de

minha vida acadêmica.

Page 5: JORNALISMO · do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Maringá, como parte ... que culminaram na produção do vídeo documentário,

DEDICATÓRIA

Em primeiro lugar dedico este trabalho a Deus

que tornou possível a realização de todo

processo criativo. Também aos meus pais

Aparecido Luiz Martinez e Elza Gonçalvez

Martinez.

Page 6: JORNALISMO · do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Maringá, como parte ... que culminaram na produção do vídeo documentário,

DEDICATÓRIA

Em primeiro lugar dedico este trabalho a Deus

autor e consumador de todas as coisas.

Também a meu pai Joaquim dos Santos e a

minha mãe Maria dos Santos.

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CÉLIA REGINA MARTINEZ

CLÁUDIO CESAR VITORINO DOS SANTOS

Lembranças de pioneiros sobre a praça Raposo Tavares: a história recontada sob a

perspectiva cidadã

Monografia apresentada à disciplina de disciplina de Projetos Experimentais

do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Maringá,

como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social.

Aprovada pela Banca Examinadora, em:

_____________________________________

Profª. Dra. Luzia Deliberador Yamashita

Orientador

_____________________________________

Profª. Ms Anderson Alves Rocha

Prof. Convidado

_____________________________________

Profª. Ms Mariana Lopes

Prof. Convidado

Maringá

2013

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi documentar a memória de pioneiros sobre a praça Raposo

Tavares, em Maringá. Pesquisas sobre o tema evidenciaram que o espaço tem sofrido com o

abandono e as consequências da falta de cuidados, o que é partilhado pelas pessoas que

participaram do processo de colonização da cidade. Por meio de um vídeo documentário se

buscou captar os relatos e vivências individuais destes pioneiros, sob a perspectiva da

comunicação comunitária, visando desenvolver a cidadania, ao passo que eles puderam se

sentir participantes da história da cidade. Para tanto, foi utilizada a técnica de História Oral,

aliada a Pesquisa Documental. O resultado desta análise foi dar a oportunidade de pessoas

comuns a participarem do registro histórico e terem vez e voz, resgatando a importância da

participação do indivíduo na construção da sociedade.

Palavras-chave: História Oral. Pioneiros. Memórias.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa da divisão do norte do Paraná segundo a geografia dos anos 1950 ................ 35

Figura 2: Anteprojeto da cidade de Maringá ............................................................................ 42

Figura 3: Foto do Eixo Monumental de Maringá ..................................................................... 43

Figura 4: Foto da praça Raposo Tavares com a fonte luminosa ............................................... 43

Figura 5: Foto da inauguração do Templo Aberto ................................................................... 44

LISTA DE SIGLAS

CMNP – Companhia Melhoramentos Norte do Paraná

CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

2 ORALIDADE E PIONEIROS ............................................................................................ 13

2.1 Por que os pioneiros? ............................................................................................. 13

2.2 Aspectos teóricos sobre oralidade e memória ...................................................... 14

2.3 Pesquisa Documental .............................................................................................. 26

2.4 Revisão da bibliografia ........................................................................................... 27

3 ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E

CIDADANIA ........................................................................................................................... 29

4 COLONIZAÇÃO DO NORTE DO PARANÁ E FUNDAÇÃO DE MARINGA .......... 35

4.1 Colonização e Povoamento .................................................................................... 37

4.2 Plano de Colonização ............................................................................................. 39

4.3 Origem de Maringá e da praça Raposo Tavares ................................................. 40

5 O VÍDEO DOCUMENTÁRIO ........................................................................................... 46

5.1 Processos de produção ........................................................................................... 52

6 ANÁLISE DAS MEMÓRIAS DOS PIONEIROS ............................................................ 59

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ..................................................................................... 65

APÊNDICE .............................................................................................................................. 67

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1 INTRODUÇÃO

Maringá tem 67 anos e sua população estimada está próxima a 400 mil

habitantes, é uma cidade planejada, com ruas largas e arborizadas, e muitos espaços públicos,

entre eles, está a praça Raposo Tavares. Na atualidade o local está esquecido e sofre as

consequências da falta de manutenção. Pioneiros que participaram ativamente do processo de

colonização da cidade demonstram o seu desapontamento em relação à situação de

degradação daquele lugar.

A praça Raposo Tavares é parte do eixo monumental da cidade que

compreende toda a avenida Getúlio Vargas (trecho entre a Catedral até a antiga estação

ferroviária onde hoje está localizada a avenida advogado Horácio Raccanelo). Ao longo deste

eixo está localizada a Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória, bancos, lotéricas, os

Correios e o Terminal Urbano de Maringá.

Nas décadas de 1940 e 1950, no espaço onde atualmente é a praça, foi

aberta a clareira para que os pioneiros desbravassem a floresta e constituíssem as primeiras

edificações da cidade. A Raposo Tavares Teve origem no dia do lançamento da pedra

fundamental do povoado de Maringá à 10 de maio de 1947. Foi local de visitação, lazer e

passeio com a construção da Fonte Luminosa, que à medida que jorrava água era iluminada

por lâmpadas de diversas cores. O cine teatro Plaza também foi inaugurado neste período.

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela construção do terminal

rodoviário Américo Dias Ferraz e o projeto de revitalização realizado na praça, considerado

moderno à época. Outra transformação foi o surgimento do comércio ambulante e a criação

do Templo Aberto, um espaço destinado à realização de cultos de diversas denominações

protestantes que está em atividade até hoje.

A partir de 1980, a praça passou a ser local de manifestações populares, a

exemplo, o Movimento “Diretas Já”, além de mobilizações de centrais sindicais, realização de

comícios, feiras e eventos cívicos e da prefeitura como a Semana Nacional de Trânsito, Feira

da Agroindústria, entre outros.

Com o crescimento da cidade e o surgimento de novos bairros a convivência

nas praças centrais diminuiu. Além disso, o surgimento de novas formas de entretenimento

também esvaziou as praças. A partir das análises das histórias pessoais dos pioneiros se pode

perceber que houve uma mudança nos modos de vida das pessoas à medida que a praça

Raposo Tavares representava um local de encontro das famílias para se confraternizarem.

Muitas pessoas conviveram diariamente na praça, alguns trabalhando, outros em momentos de

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lazer, são estes personagens que fomos buscar para dar seu testemunho da história e da

importância da praça.

O objetivo desta pesquisa é documentar em forma de vídeo documentário as

memórias individuais destes pioneiros, entendendo que, neste processo, se expressam

aspectos da memória coletiva. Para alcançar tal meta foi utilizada a técnica de História Oral,

ferramenta esta que se baseia na história de vida aliada à Pesquisa Documental, indicada para

o levantamento de dados bibliográficos, fotos e arquivos pessoais.

Outro ponto de aporte na pesquisa foi à perspectiva da Comunicação

Comunitária oportunizando a participação cidadã, ou seja, ao passo que os pioneiros

compartilham suas experiências e vivências individuais, eles participam da construção da

história de modo ativo. Como afirma o pedagogo Paulo Freire, neste processo de

comunicação dialógico o indivíduo não recebe apenas informações, mas tem a oportunidade

de comunicar, entendendo que esta faculdade é inata a todo o ser humano.

De acordo com a proposta estabelecida, esta pesquisa está dividida em cinco

capítulos. A princípio será abordado o porquê da escolha dos pioneiros, além da técnica de

História Oral que fornece uma base para a fundamentação da pesquisa, utilizando os estudos

de Eclea Bosi, Dàniele Vodman, Michael Frisch e Le Goff. Outros assuntos trabalhados nesta

seção são as técnicas de Pesquisa Documental e Pesquisa Bibliográfica, para o

aprofundamento metodológico.

O terceiro capítulo é reservado para as considerações teóricas sobre

Comunicação Comunitária e Cidadania, descrevendo a relevância de se resgatar este aspecto

aos pioneiros como instrumento para que o indivíduo possa participar do processo de

comunicação e de construção da sociedade. Para isso serão exploradas as obras de Cicília

Peruzzo, Paulo Freire e Raquel Paiva.

O quarto capítulo traz fundamentos da história oficial com vistas a origem e

planejamento de Maringá, culminando na criação da praça Raposo Tavares. Esta seção é um

recurso que vai reforçar alguns dados que serão apresentados nas analises das histórias de

vida. Colaboraram neste processo autores como France Luz, Reginaldo Benedito Dias, e José

Hilário

No quinto capítulo estão pontuadas as definições da coleta das entrevistas,

que culminaram na produção do vídeo documentário, bem como o processo de produção e

pós-produção, baseado nas referências de Bill Nichols, e Manuella Penafria.

A análise sobre os relatos dos idosos e o confrontamento entre as memórias

e a história oficial são o tema do sexto capitulo. O objetivo é tecer comparações e ampliar a

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visão sobre o processo histórico e a raiz da memória coletiva que é condicionada pelas

memórias individuais.

A pesquisa conta ainda com um apêndice com as entrevistas de cada

pioneiro, isto foi realizado para que o material colhido esteja à disposição e possa ser

consultado e revisitado. É salutar refletir que estes pioneiros viram e participaram da história,

poucos ainda estão vivos, isso mostra que este trabalho contribuiu para que eles pudessem

deixar sua registro na história.

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2 ORALIDADE E PIONEIROS

2.1 Por que os pioneiros

Para recontar uma história podem ser utilizados inúmeros métodos. Uma

alternativa é recorrer aos livros, a sítios eletrônicos, fotos, museus, entre outros. Todavia,

existe uma história ou mesmo versões que não se encontram nos livros. São relatos

particulares que também constituem a história, mas que não estão em evidência, precisam ser

chamados a submergir.

Quando a ideia original deste estudo foi concebida a preocupação era de se

realizar um estudo que contemplasse e desse voz aos idosos, pois Peruzzo (2004, pg. 287)

afirma que, “a ampliação da cidadania levará o homem e a mulher a serem, cada vez mais,

sujeitos e não objetos da história”, e devido a um inquietação pessoal de quem busca conhecer

mais e saber o porque uma praça tão importante, atualmente é um local esquecido.

Outra questão é a valorização dos idosos. O desejo de dar a eles vez e voz,

contribuindo para a emancipação e a participação cidadã. Sem que se fosse forçada a

participação de cada personagem é voluntária e a maioria se dispôs a contar a sua história, que

no decorrer do estudo mostra uma história comum de todos um local um ambiente comum. O

lugar das experiências, do trabalho, do dia a dia, da fantasia, da correria e tantas histórias.

Para Peruzzo (2004, pg. 260) “a comunicação verdadeira passa por um intercâmbio de vozes e

interesses entre os emissores e os receptores, permitindo que todos possam falar em condições

iguais; e que se devia ser criativo na busca de outras maneiras de diálogo com o povo”.

O anseio de oportunizar a participação destes cidadãos na construção social

é outra razão que levou a considerar os idosos como fontes. A sociedade rejeita o idoso, mas

ele pode ainda contribuir com ela e pode dar subsídios para a construção da realidade social.

Este intento é o desejo de que mais idosos tenham asseguradas também as sus memórias para

a posteridade.

O vídeo documentário que se seguirá é a forma de documentar e evidenciar

a participação destes idosos que saíram da escuridão para a luz e puderam dar as suas

contribuições para a sociedade e mostram com seus relatos que apesar do tempo a vida

continua e que ainda tem muita história pra contar.

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2.2 Aspectos teóricos sobre oralidade e memória

O propósito deste estudo exploratório é documentar a memória de idosos,

com um espaço em comum, a praça Raposo Tavares, entendendo que como cidadãos, eles

contribuem para o processo de construção da história. Para abordar tal aspecto será utilizado o

método de História Oral, que se baseia no relato individual, convergindo em uma construção

coletiva. Num primeiro momento serão feitas algumas relações sobre a memória, e em

seguida algumas considerações sobre História Oral, dois conceitos chave que nortearão todo

este trabalho.

Alguns ensaios do historiador francês Le Goff (1924), resumidos e

traduzidos pela Unicamp (1990) trazem conceitos pertinentes sobre a memória e sua ação na

sociedade, bem como o seu processo de manutenção. Considera-se que a memória na

antiguidade era responsável pela transmissão das tradições e da história de uma civilização.

É notório que a memória possui maneiras infinitas de sobrepor impressões

nas pessoas e também na sociedade em variadas formas. A escrita limitou, mas também

ampliou a oralidade, o incremento desta nova possibilidade de manter os registros. No

entanto, também causou uma perda de significados, pois se por meio da oralidade, a história

chegava a todos, a partir do momento em que esta história passa a ser escrita, somente os

conhecedores dos signos poderiam obter os fatos por ela fornecidos.

Há, portanto, que se levar em consideração que as atuais formas de registrar

a história devem contemplar também a oralidade, desta forma é possível facilitar a

participação e a apropriação da memória coletiva.

A propriedade fundamental da memória é conservar certas informações,

desta forma é possível que o homem possa atualizar impressões ou informações passadas, ou

que ele representa como passadas. Portanto, o estudo da memória abarca várias outras

especialidades entre as quais se pode citar, por exemplo, a psiquiatria, a psicologia, entre

outros.

Dentro de qualquer uma destas ciências é possível que se encontre traços e

problemas da memória histórica e da memória social. No entanto, estas representam apenas

uma forma de organização da memória que se dá em variadas formas.

Descendem daqui diversas concepções recentes da memória, que põem a

tônica nos aspectos de estruturação, nas atividades de auto-organização. Os

fenômenos da memória, tanto nos seus aspectos biológicos como nos

psicológicos, mais não são do que os resultados de sistemas dinâmicos de

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organização e apenas existem "na medida em que a organização os mantém

ou os reconstitui". (GOFF, 1924)

Florès1 (1972) afirma que o “comportamento narrativo”, (...) “se caracteriza

antes de mais nada pela sua função social2, pois que é comunicação a outrem de uma

informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo”

(FLORÈS, p. 12, 1972).

As possibilidades de armazenamento da memória são reveladas de forma

muito peculiar, através da utilização da oralidade e também pela escrita. Revelam, sobretudo,

que ela pode sair dos limites do nosso corpo e transcender para outros indivíduos e para os

livros, a exemplo. Isto revela a existência de uma linguagem própria que permite a alocação

de informações na memória.

O esquecimento, tomado sob a expressão amnésia, pode ocasionar

“perturbações mais ou menos graves da presença da personalidade, mas também a falta ou a

perda, voluntária ou involuntária da memória coletiva nos povos e nas nações que pode

determinar perturbações graves da identidade coletiva” (GOFF, 1924). O estudioso ainda

reforça, “O estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas

do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora em

transbordamento”.

Este último conceito de Goff (1924) acena para a obra Memória e

sociedade: lembranças de velhos da coordenadora da Universidade da Aberta Terceira Idade

(Unati) Ecléa Bosi (1994), que aborda a constituição da memória no tempo histórico-

biográfico, além da coleta e arquivo de relatos pessoais. O resultado foi à constituição de um

acervo que reside na lembrança individual, e salienta acima de tudo aspectos de um espaço

comum e a ideologia dominante.

Bosi (1994) entrevistou idosos com idade superior a setenta anos, e com um

local predominante em suas vidas, a cidade de São Paulo. O seu objetivo, foi o de, registrar as

memórias deles, por meio de lembranças individuais. De forma mais contundente, o

propósito, foi alcançar uma memória social, familiar e grupal, situando a pesquisa na fronteira

em que se cruzam os modos de ser do indivíduo e da sua cultura.

Não dispomos de nenhum documento de confronto dos fatos relatados que

pudesse servir de modelo, a partir do qual se analisassem as distorções e

lacunas. Os livros de história que registram esses fatos são também um ponto

1 Florès apud. GOFF, Jacques Le, 1924, Historia e memória, tradução Bernardo Leitão, Editora Unicamp, 1990.

2 Grifo da autora;

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de vista, uma versão do acontecido, não raro desmentidos por outros livros

com outros pontos de vista. Nosso interesse está no que foi lembrado e no

que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida. (BOSI, 1994, p.

37)

Por meio da metodologia da Observação Participante ela buscou uma

relação com o objeto de estudo, culminando em uma relação interpessoal que incorporasse

uma experiência mais próxima, “o principal esteio de meu método de abordagem foi à

formação de um vínculo de amizade e confiança com os recordadores” (BOSI, 1994, p. 38).

Nos estudos Bosi (1994) se utilizou de conceitos distintos de memória

dividindo-a em individual e coletiva. Para fundamentar a primeira ela baseou-se nos estudos

de Bergson e já para o segundo aspecto Halbwachs.

No tocante dos objetivos propostos no desafio de documentar a história da

Praça Raposo Tavares, do mesmo modo, pretende-se alcançar este nível de compreensão.

Contar a história de modo individual, na perspectiva de cada ator social, no entanto, tendo

sempre como base, que as construções do indivíduo, têm aspectos que predominam também

na sociedade.

E é com esta perspectiva que este trabalho se propõe, a partir de lembranças

de idosos constituir a história da praça Raposo Tavares, e enxergar a sociedade maringaense

da época, evocando o passado que constrói o presente. Como observa o estudioso José Carlos

Sebe Meihy “Quando nós vamos fazer a história do outro, vamos dar vida a história e nos

reconhecer enquanto cidadãos” 3.

Num primeiro momento, Bosi (1994) enfoca a questão da memória

individual em Henri Bergson, baseando na obra do autor intitulada Matiére et Mémoire

(Matéria e memória). Bergson é conhecido por ser um “filósofo da vida” e o interesse em

resgatar a obra de tal filósofo, é a intenção de reforçar a ideia do souvenir (lembrança) e a

forma como esta atua sobre o indivíduo.

A intenção de Bosi (1994) nesta introdução é compreender que o processo

de documentação histórica já conta com quem a reproduza de maneira formal. No entanto, sua

principal arguição, é a partir de Bergson, explicar o lugar comum das experiências, que

compõem a história do sujeito.

Bosi (1994) se interessou em registrar não aquilo que pré-determinado

deveria ser lembrado, mas o que a memória, ou o indivíduo, selecionou para lembrar e trazer a

3 MEIHY, José Carlos Sebe. Palestra Memória, História Oral e Diferenças. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=QvPyJ-OjsuM. Acesso 02/09/2013.

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tona. Portanto, esta pesquisa é a reconstrução individual de cada ser, levando em consideração

a cultura e a construção social. Este estudo parte deste lugar comum dispõe também neste

espaço transcender as lembranças dos idosos e por meio delas enxergar cada pessoa em sua

uniformidade.

O que nos interessa em Bergson é a rica fenomenologia da lembrança que

ele persegue em sua obra, bem como uma série de distorções de caráter

analítico, extremamente sugestiva e cuja adequação podemos comprovar ao

longo das narrativas parte do nosso trabalho (BOSI, 1994, p. 43).

Em seguida a autora explica em Bergson, o que ele entende pelas duas

memórias, memória-sonho e memória-trabalho. E como cada uma delas tem um papel

determinante no sujeito.

As duas memórias, que são o ícone fundamental da obra de Bosi (1994), as

quais são trabalhadas por ela de forma exaustiva, durante toda a obra. Talvez este seja o ponto

fundamental, pois determina como as lembranças vêm à mente de quem as solicita. Se por um

lado a primeira está associada às lembranças afetivas, a segunda lembra quais tarefas

desempenhar no cotidiano. No entanto, três outros aspectos também são delineados pela

autora: Ação e representação, O cone da memória e Memória e inconsciente.

A percepção é o aspecto inicial trabalhado por Bergson. Esta, no entanto, é

fundamental na análise da memória individual, pois é o eixo que situa o indivíduo no espaço-

tempo.

A posição introspectiva de Bergson em face do seu tema leva-o a começar a

indagação pela autoanálise voltada para a experiência da percepção. “O que

percebo em mim quando vejo as imagens do presente ou evoco as do

passado?” Percebo, em todos os casos, que cada imagem formada em mim

está mediada pela imagem, sempre presente, do meu corpo. (BOSI, 1994, p.

44)

Isto equivale dizer que, a representação da memória é intermediada pela

matéria, ou corpo, da qual o indivíduo se constitui. É evidente que não é possível considerar

as alterações do espaço-tempo sem levar em conta as mudanças físicas. De que modo então se

evocam as memórias do passado? Com o aspecto presente ou do passado? Bergson afirma que

a percepção atual leva a constituição da lembrança.

Quando da escolha dos idosos, esta afirmação corresponde a entender que

muitos hoje fazem comparação com as suas imagens no passado, aspectos juvenis, como força

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e vitalidade, os permite situar no tempo presente e trazer das águas profundas da memória as

lembranças passadas.

Bergson faz alusão ao fenômeno da lembrança (souvenir), e para representar

a relação entre o processo cumulativo da memória e a percepção imediata, o estudioso, valeu-

se de uma representação em forma de cone invertido. A base representa o passado com as

suas lembranças, e no vértice o presente. Em todos os momentos, estas duas representações se

tocam, se relacionam. “Esses dois atos, percepção e lembrança, se penetram sempre, trocam

sempre alguma coisa de suas substâncias por um fenômeno de endosmose” (BOSI, 1994, p.

46-47). A memória atua como a mediação na relação entre passado e presente.

Para Bergson o elo que une passado ao presente é a memória. Esta relação

dá a oportunidade aos idosos de elaborarem suas experiências. Esta simbiose ajuda o

indivíduo a enxergar a sua existência na totalidade. Analisando esta particularidade é possível

dar voz aos idosos, que de alguma forma tiveram uma relação com a praça Raposo Tavares, e

ao mesmo tempo contribuir para a construção de sua representação atual.

A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo

tempo, interfere no processo “atual” das representações. Pela memória, o

passado não só vem à tona das águas presentes, misturando com as

percepções imediatas, como também empurra, “desloca” estas últimas,

ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força

subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e

invasora (BOSI, 1994, p. 46-47).

Este é o princípio idealizador da obra de Bergson, pois, para ele, “é do

presente que parte o chamado ao qual a lembrança responde” (BOSI, 1994, p.48). Este

conjunto corpo, presente e passado são constituintes do processo da memória. Estão ligados,

pois cada um exerce um papel distinto para o indivíduo, na atividade de recontar a sua

história.

A autora explica em seguida, as duas memórias e o papel que ambas

desempenham, cada uma em sua especificidade. De acordo com BOSI (1994), Bergson

fundamenta que, “a memória hábito4 adquire-se pelo esforço da atenção e pela repetição de

gestos ou palavras” (p. 49). Ao contrário desta que é meramente repetitiva e mecânica, temos,

“no outro extremo, a lembrança pura quando se atualiza na imagem-lembrança, traz a tona da

consciência um momento único, singular, não repetitiva, irreversível da vida” (p.49).

4 Grifo da autora.

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Bergson contesta a afirmação de que a memória estaria escondida em algum

lugar do cérebro humano. Para ele, a memória se encontra livre e inteira no indivíduo. Bosi

(1994) pontua que,

A burning question de Bergson consiste em provar a espontaneidade e a

liberdade da memória em oposição aos esquemas mecanicistas que a

alojavam em algum canto escuro do cérebro. Bergson quer mostrar que o

passado se conserva inteiro e independente no espírito; e que o seu modo

próprio de existência é um modo inconsciente. (BOSI, 1994, p. 51)

Isto leva a entender que para Bergson, o “princípio central da memória

como conservação do passado; este sobrevive, quer chamado pelo presente sob as formas de

lembrança, quer em si mesmo, em estado inconsciente”, (BOSI, 1994, p. 53).

Em contrapartida, Bosi (1994) pontua que a cultura e as influências da

sociedade são perceptíveis no discurso de cada um dos seus entrevistados. Por isso, o

aprofundamento de Halbwachs é, sobretudo, a segunda parte mais específica de seu trabalho.

Tal autor aprofunda as teorias de Émile Durkheim do fato social, que consiste em entender o

predomínio dos acontecimentos e convenções socais sobre o individuo.

Isso é percebido no relato dos entrevistados, que contam, além das

experiências pessoais, as vivências na cidade de São Paulo, em outra época. Assim fica

explícito, como, por exemplo, em alguns relatos, a interpelação entre o indivíduo e as relações

trabalhistas, a visão da mulher e suas atribuições, entre outros.

Halbwachs é também um crítico que impulsiona a olhar com severidade os

efeitos sobre a velhice, principalmente do ponto de vista do desuso da sua força de trabalho.

E, além disso, da desvalorização social do idoso, representando um vergonhoso pano de

fundo, que visa esconder, o velho, o qual se julga desnecessário a lógica do capital.

No intermédio dessas afirmações, há também a ênfase de Bosi (1994) em

demonstrar que cada sociedade, ou modelo social, enxerga o velho de maneiras distintas, seja

ela de transmissão de sabedoria ou conhecimento, ou até a função de não ter função alguma.

De acordo com Bosi (1994), Maurice Halbwachs, é “o principal estudioso

das relações entre memória e história pública, a qual dedicou a maior parte das suas obras de

fôlego, Les cadres sociaux de la mémorie e La mémorie colletive”. E, além disso, “Halbwachs

não vai estudar a memória como tal, mas os ‘quadros sociais da memória’” (p. 54). Para

Halbwachs, não é possível imaginar o sujeito fora de um contexto social o que envolve as

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suas relações com o ambiente em que este se encontra, segundo ele, “a lembrança é a

sobrevivência do passado!” (BOSI, 1994, p. 53)

Isto é determinante em sua obra, para ele, “A memória do indivíduo

depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a

igreja, com a profissão, enfim com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares

a esse indivíduo”. (BOSI, 1994, p. 54).

Bosi (1994) salienta que, “o caráter livre, espontâneo quase onírico da

memória é, segundo Halbwachs, excepcional. Na maioria parte das vezes, lembrar não é

reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do

passado”.

Quando desta afirmação, é que se pode reconhecer que histórias que são

recontadas e trazidas à tona pela memória, possuem um ar de saudosismo. Como em várias

histórias da praça Raposo Tavares, trazem alguns elementos que não se encontram mais a

disposição e fazem parte dos relatos dos idosos e esta é a importância da busca da memória a

oportunidade de reconhecer e encontrar em algum lugar aquilo que foi perdido pelo tempo.

Halbwachs pontua ainda, que a linguagem é a catalisadora da memória

coletiva. Isso significa que ela é a responsável pela construção comum das convenções

verbais produzidas pela sociedade.

O instrumento decisivamente socializado da memória é a linguagem. Ela

reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural a imagem do

sonho, a imagem lembrada e as imagens da vigília atual. Os dados coletivos

que a língua sempre traz em si entram até mesmo no sonho (situação-limite

da pureza individual) (BOSI, 1994, p. 56).

A linguagem pode ser considerada a forma mais elementar e mais estável da

memória coletiva. Para explicar como se dá o processo de reconstrução do passado

Habwachs, utiliza-se da “experiência da releitura”. Fazendo a alusão de um livro que foi lido

na juventude por um adulto, mostrando as diferenças das impressões psicológicas e daquilo

que foi retido pelo jovem na época da leitura e pelo indivíduo já formado. “A experiência da

releitura é apenas um exemplo, entre muitos, da dificuldade, senão da impossibilidade que

todo sujeito que lembra tem em comum com o historiador” (BOSI, 1994, p. 59), isto significa

que as interpretações variam muito, portanto a forma que o ser interpreta as situações do

passado no momento depende das impressões que vão se formando, dadas as características

sociológicas.

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Halbwachs discorre que as sociedades possuem maneiras distintas de

perceber a velhice. Se em uma, a experiência adquirida com o tempo é instrumento de

valorização do idoso, principalmente na cultura ocidental, isto não se aplica, visto que a

velhice, na maioria delas, está relacionada com a perda da capacidade produtiva. Isto

representa a ausência da capacidade de acúmulo de capital, o que para uma sociedade, na qual

a função maior é o consumo, a velhice, representa um entrave às relações comerciais.

Haveria, portanto, para o velho uma espécie singular de obrigação social,

que não pesa sobre os homens de outras idades, a obrigação de lembrar, e

lembrar bem. Convém, entretanto, matizar a informação de Halbwachs. Nem

toda sociedade espera, ou exige dos velhos que se desencarreguem dessa

função. Em outros termos, os graus de expectativa ou de exigência não são

os mesmos em toda parte. (BOSI, 1994, p.63)

No entanto, há sociedades que valorizam a sabedoria adquirida com o

tempo. Mais comum em países orientais, à relação da sociedade com o velho, mostra que a

construção social, delimita o papel deste na coletividade.

Na construção social os “esquemas coerentes de narração e de interpretação

de fatos, verdadeiros “universos de discurso”, “universos de significado”, que dão ao material

de base uma forma histórica própria, uma versão consagrada dos acontecimentos” (BOSI, p.

66). Partindo da psicologia social de Frederic Charles Bartlett, o qual argumenta que o

contexto de “convencionalização” da memória, não se dá pura e simplesmente pela

linguagem, Bosi lembra que, todavia ele também é estilizado “pelo ponto de vista cultural e

ideológico do grupo em que o sujeito está” (BOSI, 1994, p. 64).

O que Bartlett admite, de um modo bastante compreensivo, é a existência de

um “contínuo” que vai da simples assimilação, por transplante, até a criação

social de novos símbolos, a partir do recebimento de formas extragrupais. A

memória das pessoas também depende desse longo e amplo processo pelo

qual sempre “fica” o que significa. E fica não do mesmo modo: às vezes

quase intacto às vezes profundamente alterado. A transformação seria tanto

mais radical quanto mais operasse sobre a matéria recebida a mão de obra do

grupo receptor. Assim, novos significados alteram o conteúdo e o valor da

situação de base evocada. No outro extremo, se a vida social ou individual

estagnou, ou reproduziu-se quase que só fisiologicamente, é provável que o

significado que tinham para os sujeitos no momento em que as viveram

(BOSI, 1994, p. 66).

Através das histórias pessoais é possível compreender características de um

tipo de sociedade, a construção familiar e cultural. Nos jovens e adultos, isso não é tão latente,

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como nos velhos, haja vista, estes já não possuem obrigações cotidianas, e se ocupam da

tarefa de reconstruir as lembranças do passado.

Não se trata apenas de entender as dimensões da memória coletiva no

contexto da história, mas, sobretudo de entender como a historização formal

e autoconsciente vem se transformando numa dimensão cada vez mais

importante do como lembramos o passado e entendemos sua relação com a

vida e a cultura contemporâneas (FRISCH, 2001, p. 79).

Este aspecto norteará também este estudo, pois, mostrando aspectos sociais

e culturais de uma Maringá dos anos 1950, suas incongruências, seus costumes e o modo de

viver característico da metade do século na formação de uma cidade do interior.

Comportamentos e formas distintas de enxergar a sociedade e a construção social na

atualidade são características que serão analisadas nos discursos dos idosos.

A riqueza de suas lembranças produz um retrato da família e da experiência

do grupo de como a praça Raposo Tavares, reflete histórias diferentes, mas que revelam

particularidades do passado comuns. Esta é a contribuição fundamental que os idosos têm

para com a cidade e a sociedade, mostrar que as lembranças podem trazer aspectos da

construção coletiva que se faz em determinado tempo histórico.

É por esta crença que este estudo se baseia na propriedade de influenciar na

sociedade de hoje com as lembranças do passado. Dessa forma, desmistificar que o idoso não

é ativo na sociedade. Bosi (1994) entende que findada a capacidade produtiva, resta ainda ao

ser humano, utilizar de suas experiências individuais, para a cidadania de forma que ao se

dedicar a recontar a história participa-se dela. A autora critica a visão fatalista de que a

velhice é a espera da morte.

Durante a velhice deveríamos estar ainda engajados com causas que nos

transcendem, que não envelhecem, e que dão significado a nossos gestos

cotidianos. Talvez seja esse um remédio contra os danos do tempo. Mas,

pondera Simone de Beauvoir, se o trabalhador aposentado se desespera com

a falta de sentido da vida presente, é porque em todo o tempo o sentido da

vida lhe foi roubado. Esgotada sua força de trabalho, sente-se um pária, e é

comum que o escutemos agradecendo sua aposentadoria como um favor ou

esmola. (BOSI, 1994, p. 80)

Utilizando-se da obra de Simone Beavouir, La Vielliesse, Bosi (1994)

discorre sobre a perda da capacidade produtiva do velho o que o projeta a uma vida de

exclusão, rejeição e desvalorização. A acumulação de bens e a busca frenética pela construção

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de um patrimônio é incentivado pela sociedade de consumo. Quando a velhice chega, e se

esgota a capacidade produtiva o que resta ao ser humano? Este é o esteio desta reflexão. Não

existe espaço na sociedade para o velho, que deixa de produzir.

O caráter deste estudo é mostrar que ao recontarem as suas histórias

pessoais em relação a praça Raposo Tavares, estes cidadãos que já estão na terceira idade,

possam exercer a sua cidadania e serem um contraponto a esta realidade secular que impera

na sociedade. Além disso, construir por meio de suas histórias um memorial para a

posteridade, mostrando que eles são participantes da mesma forma na história coletiva da

sociedade e de forma muito particular na história da cidade.

A sociedade rejeita o velho, não oferece nenhuma sobrevivência à sua obra.

Perdendo a força de trabalho ele já não é produtor nem reprodutor. Se a

posse, a propriedade constituem, segundo Sartre, uma defesa contra o outro,

o velho de uma classe favorecida defende-se pela acumulação de bens. Suas

propriedades o defendem da desvalorização de sua pessoa. O velho não

participa da produção, não faz nada deve ser tutelado como um menor.

Quando as pessoas absorvem tais ideias da classe dominante, agem como

loucos porque delineiam assim o seu próprio futuro. (BOSI, 1994, p. 78)

Bosi (1994) lembra que a velhice é uma categoria social e que cada meio

contempla de modo diferente o declínio biológico do homem. A autora considera que a

sociedade industrial é maléfica para a velhice, pois não há continuidade daquilo que foi

construído e idealizado pelo indivíduo. O que se edifica hoje não terá consecução no futuro.

Bosi (1994) também critica a infantilização do velho. Pontua que não se debatem ideias com

ele, procura-se adaptá-lo a uma condição em que não confrontar e fazer vistas grossas é o

melhor caminho. A autora denomina este fato de falta de reciprocidade, com uma abdicação

do diálogo.

E neste estudo esta é uma característica fundamental, o idoso é considerado

como uma pessoa em plena capacidade de atuar sobre a história e d colaborar com ela. Este

papel lhe é ofertado na oportunidade de contar a sua história e de torná-lo cidadão, enxerga-lo

como uma pessoa que ainda pode contribuir na sociedade.

Outra crítica à sociedade industrial é quanto ao modo de produção.

Anteriormente um ofício era tido como forma de perfeição do desempenho. A vida toda um

artesão dedicava-se a sua atividade, dessa forma o trabalho viria a torna-se cada vez melhor.

Contudo, a produção mecânica obriga o sujeito a uma repetição de gestos que não redunda em

um aperfeiçoamento da atividade.

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Ao concluir esta seção Bosi (1994) defende a sedimentação da “cultura para

os velhos com interesses, trabalhos, responsabilidades que tornem sua sobrevivência digna”.

Isto equivale a dar sentido, razão a sua existência.

Após a análise das lembranças dos velhos, Bosi (1994) conclui que a

memória vem acompanhada de uma valorização do trabalho. Porém isto revela também que

“aquilo que se levou anos para se construir e sustentou uma existência, passa (ou deveria

passar) a outra geração como valor. As ideias de memória e conselho são afins: memini e

meneo, “eu me lembro” e “eu advirto”, são verbos parentes, próximos”, (BOSI, 1994, p.481).

Após esta discussão a cerca da memória, outro conceito central deste estudo,

no desafio de se documentar a memória dos idosos, é a técnica de História Oral. A escolha se

deve pelo caráter que se busca neste estudo rememorar a história da praça Raposo Tavares,

por meio de histórias de vida de pessoas comuns que raramente seriam solicitadas a participar

do processo de construção da história. “Bem diferente é o testemunho das pessoas simples e

dos excluídos, aqueles que tendemos a considerar os não-atores da história, cuja importância

passa a ser valorizada pelo simples fato de o historiador solicitá-los e entrevista-los”

(VODMAN, 2001, p. 40).

No início da colonização de Maringá, como já descrito, a “vida” da cidade

passava pela praça de um modo muito particular. Fosse pelos comércios, pelos viajantes, pela

localização entre outros aspectos, a Raposo Tavares reuniu muitas pessoas que têm uma

relação afetiva com a praça. Resta então que se dê voz a estes idosos para que eles

contribuam com suas memórias no processo histórico.

Portanto, a escolha pela História Oral é pela oportunidade de entender a

conexão existente entre memória e a história. Ao mesmo tempo em que os indivíduos relatam

o que viveram na praça, constrói-se um panorama histórico da sociedade. Este cenário permite

visualizar aspectos culturais e comportamentais.

Não se trata apenas de entender as dimensões da memória coletiva no

contexto da história, mas, sobretudo de entender como a historização formal

e autoconsciente vem se transformando numa dimensão cada vez mais

importante do como lembramos o passado e entendemos sua relação com a

vida e a cultura contemporâneas (FRISCH, 2001, p. 79).

A Historia Oral não pode ser considerada apenas como um processo de

colher memórias e juntá-las, Meyhi (2012) afirma que é preciso ter responsabilidade com as

fontes e com a história, o estudioso aponta a necessidade de se ter um propósito bem definido,

um por que para a pesquisa. O pesquisador ainda revela que este método permite que se

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construa um memorial que vai se perpetuar no tempo e se garanta a manutenção da história.

Como personagens, os idosos têm uma função importante no processo de

construção da história. Além disso, Thompson, Frisch e Hamilton, (2001) acrescentam e

pontuam que “a exploração coletiva de histórias de vida em projetos participativos pode

ajudar as pessoas a reconhecer e valorizar experiências que foram silenciadas, ou a enfrentar

aspectos difíceis de suas vidas”.

Outro aspecto que levou a adoção da História Oral é seu o caráter

qualitativo. Frisc (2001) salienta que os estudos baseados na oralidade, atuam no “esforço de

recuperar a experiência e os pontos de vista daqueles que normalmente permanecem

invisíveis na documentação histórica convencional e de considerar seriamente essas fontes

como evidência”. O autor ainda defende que as experiências do passado se catalisam no

presente “É amplamente reconhecido que na sociedade moderna nossas imagens do passado

são conservadas e transmitidas através do tempo não só por meio da experiência vernacular,

mas também como construções culturais administradas e mediatizadas”.

Entendidos estes conceitos sobre a contemporaneidade e relevância da

História Oral, é necessário explicar a técnica de trabalho, o como serão colhidas e analisadas

as memórias dos idosos. Na perspectiva do referido método Lozano (1994) descreve vários

tipos de analistas. No entanto, a ênfase neste espaço é para o que ele chama de analista

completo. Ele entende que este tipo de análise envolve outras áreas e não exclusivamente a

coleta de histórias individuais. Para o autor integrar a prática da história alguns aspectos

sociais, antropológicos, sociais e psicológicos é a forma de se fazer uma síntese da obra que

se pretende criar.

É salutar reconhecer que este processo exige o trabalho de consulta a outras

fontes não orais. E isto representa enriquecer ainda mais o processo e não contraria as fontes

orais. O intuito é o de dar credibilidade ao processo de construção da história e que este

processo não se perca na constatação de um senso comum. Portanto, outros registros

históricos fazem parte deste estudo, como estão aferidos no primeiro capítulo. Para Lozano

(1994) os analistas orais completos,

colhem, ordenam, sistematizam e criticam o processo de produção da fonte

oral. Analisam, interpretam e situa, historicamente as evidências orais.

Complementam suas fontes orais com as outras fontes documentais

tradicionais. Não se limitam a um único método e uma técnica, mas as

completam e as tornam mais complexas. Estes pesquisadores consideram a

fonte oral muito importante, mas é apenas mais um dos meios e acervos de

que dispõe o para a construção da percepção, no tempo e no espaço, da

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experiência humana, particularmente dos grupos sociais. (LOZANO, 1994,

p. 24)

Após esta exposição a seguir será traçado um perfil da pesquisa documental,

a qual se insere neste estudo. E foi útil na pesquisa de fontes não orais e na captação de

documentos que ajudam na comprovação de dados históricos relatados pelas fontes orais.

2.3 Pesquisa documental

Para as ciências sociais a pesquisa documental é uma aliada, principalmente

no que tange a reconstrução de fatos históricos. Daí a necessidade de utiliza-la neste estudo,

serão consultadas como fontes documentais acervos imagéticos e complementos impressos

que auxiliarão no processo de levantamento de dados. Isso porque a confiabilidade dos relatos

estará atrelada a busca de dados e fontes também oficiais.

Esta pesquisa qualitativa possui particularidades, como a forte utilização da

oralidade em complemento aos dados escritos históricos oficiais. Portanto, o objetivo se

utilizar a análise de alguns documentos serve para tomar posse de referencias que serão

utilizadas como parte do monumento que está sendo construído por meio das histórias de vida

que estão sendo relatadas.

No decorrer da pesquisa alguns documentos como fotos, revistas, jornais e

outros foram utilizados como forma de confronto com os relatos orais. Estes dados

complementares são úteis e ajudam no processo de conferir credibilidade aos relatos orais e

também como forma de mostrar através de fragmentos algumas interjeições que auxiliaram no

processo de compreensão e análise das histórias de vida.

cartas, fotografias, documentos de trabalho, registros de viagens, diários,

diplomas, comprovantes e recibos ou simplesmente “papéis velhos”. Estes

documentos, quando tomados em conjunto, podem revelar não apenas a

trajetória de vida, mas também gostos, hábitos e valores de quem os

guardou, constituindo o seu arquivo pessoal. (...) os arquivos pessoais

constituem valiosas fontes de pesquisa, seja pela especificidade dos tipos

documentais que os caracterizam, seja pela possibilidade que oferecem de

complementar informações constantes em arquivos de natureza pública.

(CPDOC-FGV, 2004, website)

Pimentel (2001) utilizou a análise documental para investigar e

compreender as relações da psicologia com a educação no contexto sócio-histórico nas

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décadas de 1950 e 1980. A pesquisadora objetivou demonstrar os processos a serem

admitidos na tarefa de analisar os documentos que se tem a disposição. Sistematizar a

pesquisa é uma das atividades que devem ser levadas em consideração pelo analista.

Além disso, a utilização dos documentos é uma ferramenta para a

contextualização de fatos, ideias, e materialização de diversos acontecimentos. Para que se

tivesse a visualização de algumas realidades da praça Raposo Tavares, a exemplo, foi

necessário recorrer a fontes como revistas, jornais e fotos que deram ampla visão de como era

a praça em diferentes décadas.

Acervos pessoais também foram utilizados e que dificilmente seriam

encontrados em fontes oficiais. Esses documentos valorizam o estudo e complementam

informações repassadas pelas fontes orais. Essa apuração dos materiais consiste em outro

aspecto da análise documental, que será amplamente utilizado.

Organizar o material significa processar a leitura segundo critérios da análise

de conteúdo, comportando algumas técnicas como o fichamento,

levantamento quantitativo e qualitativo de termos e assuntos recorrentes,

criação de códigos para facilitar o controle e o manuseio (PIMENTEL, 2001,

pg. 182).

Pretende-se, portanto, realizar um elo entre passado e presente para ampliar

a construção da história e complementar de forma rica e com veracidade os períodos que

serão relatados pelas fontes orais.

Como se espera de uma análise científica a princípio foi realizada uma

percepção de quais documentos seriam importantes para a pesquisa. Em seguida a seleção

destes documentos foi realizada. Os principais arquivos são retratos, cedidos pelos próprios

personagens, e fotos de arquivo disponibilizadas na internet em blogs dedicados a história da

cidade. Objetos fornecidos pelos entrevistados também foram importantes para a

comprovação histórica e que foi de grande utilidade.

Poucos documentos foram utilizados e isto se revela pelo fato de que a

oralidade foi à fonte de dados primária.

2.4 Revisão da bibliografia

Esta pesquisa, além de analisar documentalmente, se utilizará de outras

obras para contextualização e auxílio ao processo de rememorar a história da praça Raposo

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Tavares. Bibliografias farão parte deste processo, que se encaixa no método de revisão da

literatura.

A priori foram revisados alguns estudos que já foram feitos sobre História

Oral e também a cerca de Comunicação Comunitária e Cidadania, Segundo Stumpf (2010),

“para estabelecer as bases em que vão avançar, alunos precisam conhecer o que já existe,

revisando a literatura existente sobre o assunto. Com isto evitam despender esforços em

problemas, cuja a solução já tenha sido encontrada”. Ou seja este processo é fundamental no

estudo.

Em seguida a classificação das literaturas para o processo e posterior

fichamento. As obras selecionadas passaram pelo crivo da relevância dos autores, da relação

com o tema proposto e com a metodologia. Dessa forma todos os acervos bibliográficos

enriquecem a pesquisa e trazem confiabilidade. Para Stumpf a revisão da literatura,

Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar

informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema

estudado e procederá respectiva anotação ou fichamento das referências e

dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na

redação de um trabalho acadêmico (STUMPF, 2010, p. 51).

Em seguida o próximo passo segue na interpretação dos conceitos que estão

em voga e na apropriação daquilo que foi produzido pelos autores e que vão colaborar de

modo importante na pesquisa. Culminando no resultado final do estudo, refletindo,

ponderando, considerando ou não o que foi exposto e dialogando com estudiosos.

Separando em categorias as bibliografias utilizadas serão a) históricas que

abordarão aspectos da história de Maringá b) conceituais sobre os conceitos que fazem parte

da pesquisa e c) técnicas sobre o modo e o processo de documentação das histórias de vida

dos personagens.

As bibliografias utilizadas neste estudo serão livros e artigos de sítios

digitais de artigos, teses, dissertações e resumos de congressos, devidamente baseados em

fontes confiáveis e sites certificados por instituições renomadas. Além disso, uma rigorosa

seleção mantendo o foco no tema proposto, vão proporcionar uma análise das obras que

deverão ser utilizadas.

Além disso, a utilização destes documentos visa enriquecer o processo de

reprodução desta história na peça que está proposta, a qual, será um vídeo documentário.

Proposta esta que vai reunir e coletar as memórias dos idosos e com este arcabouço de

memórias físicas irão auxiliar no processo de reconstrução da história.

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A próxima seção deste trabalho é um compêndio sobre Comunicação

Comunitária e sua importância neste estudo. Esta reflexão é de suma importância para que as

discussões iniciadas sobre a memória se calcem também de uma justificativa da relevância e

contribuição social.

3 ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E

CIDADANIA

Na seção anterior foram abordados os temas Memória e pioneiros, e as

técnicas de pesquisa utilizadas. Além disso, outro aspecto de suma importância para este

trabalho é a perspectiva na qual este estudo se apoia. A comunicação Comunitária é uma

práxis que envolve a participação popular, ou seja, tem como principal objetivo ser uma

porta-voz do povo, e visa desenvolver aspectos da cidadania. Como salienta Mário Kaplún

(1985, p. 7), “uma comunicação libertadora, transformadora, que tem o povo como gerador e

protagonista”.

E isto se revela neste estudo, a partir do objetivo de dar aos pioneiros e a

oportunidade de se expressarem e exercerem plenamente a sua cidadania. Fazendo isso por

meio da participação ativa na construção do acervo histórico, ao passo que serão registradas

as suas experiências e vivências individuais, em vídeo, na praça Raposo Tavares. A priori será

realizada uma conjuntura sobre do que se trata a Comunicação Comunitária, além da origem

desta linha de atuação. Também será discutida a importância desta análise para o estudo em

questão, particularmente especificando os contornos sociais permitidos.

A comunicação comunitária surgiu na América Latina em meio a um

contexto de repressão política. Isso porque no Brasil, por exemplo, imperavam regimes de

controle e censura, provocando o surgimento de iniciativas populares de comunicação.

A origem dessa comunicação remonta à ação dos movimentos populares

típicos dos anos de 1970, os quais perpassam as décadas seguintes,

transformando-se, portanto, em ações características do processo de reação

ao controle político, às condições degradantes de vida e ao desrespeito aos

direitos humanos que foram se instaurando no país ao longo do tempo. Não

devemos, nesta reflexão, menosprezar o fato de que, nas primeiras décadas

do século passado, também existiram jornais e outros meios de comunicação

alternativa a serviço dos interesses dos trabalhadores (PERUZZO, 2009, p.

38).

Academicamente, nas universidades muitos estudiosos começaram a

defender a comunicação comunitária, entre eles “destacam-se as de Regina Festa, Gilberto

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Gimenez, Juan Diaz Bordenave, Luis Ramiro Beltrán, entre outros, que trouxeram

importantes contribuições para o desencadeamento de estudos nessa linha de pesquisa”

(PERUZZO, 2008).

Movimentos pró-liberdade de expressão então irromperam e inúmeras

atividades, congressos e trabalhos comunitários começaram a surgir, dando origem ao que se

conhece na atualidade por comunicação comunitária. TVs, rádios, meios impressos, blogs e

outras formas de comunicação que contemplam todas as camadas da sociedade tem se

sobressaído na sociedade e mostrado que os meios de comunicação podem servir como voz da

população.

Tais acontecimentos marcam o surgimento da escola latino americana de

comunicação, marcada pela defesa da liberdade, da prática cidadã e dos interesses da

coletividade e de grupos da sociedade. Esse marco revolucionário permite que congressos e

seminários discutindo o tema aconteçam em toda América Latina e projetos de extensão nas

universidades deem início a uma nova perspectiva de atuação das mídias.

[...] às pessoas não interessam somente as questões de âmbito universal e

nacional, mas também os acontecimentos, as organizações, e as relações

sociais que lhe estão próximos. Interessam-lhes assuntos que dizem respeito

à vida do bairro, da vila, da cidade ou do município onde vivem (PERUZZO,

2003, p. 245).

Outro aspecto que não deve ser negligenciado é o de que os indivíduos na

comunicação comunitária são considerados como atores do processo social e construtores da

realidade. No tocante desta análise, a importância é de constituir um canal de participação em

que estes atores sociais possam sentir a relevância que possuem para a cidade de Maringá na

construção da história, compartilhando as memórias de um lugar comum a mais de 380 mil

habitantes, a praça Raposo Tavares. Os pioneiros constituem o objeto de estudo pelo qual a

Comunicação Comunitária deve atender ao interesse de lhes dar vez e voz, por intermédio do

vídeo documentário, reunindo as lembranças deste espaço comum em suas vidas.

Assim sendo, a comunicação comunitária diz respeito a um processo

comunicativo que requer o envolvimento das pessoas de uma “comunidade”,

não apenas como receptoras de mensagens, mas como protagonistas dos

conteúdos e da gestão dos meios de comunicação (PERUZZO, 2003, p. 246).

Como instrumento de mobilização, entende-se que neste caso específico se

pode pensar na contribuição para a sociedade em geral com o complemento histórico dado

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pela memória dos pioneiros que podem contribuir no processo de construção da história da

cidade de Maringá. Isso porque, existem particularidades que não se encontram nos livros de

história e também há construções coletivas que pertencem ao grupo, pois, fizeram parte de sua

vivência diária.

Nas entrevistas realizadas, por exemplo, os pioneiros se lembravam

constantemente da fonte luminosa, que à época, representava um acontecimento expressivo.

Apesar de a memória individual revelar aspectos particulares, a memória da grande maioria,

expressa a lembrança saudosista deste ponto da cidade. Esta característica comum é um

aspecto que não pode ser desprezado, pois é neste momento em que a convergência acontece

entre passado e presente. Trazendo a tona este fato os pioneiros contribuem com suas

lembranças no processo histórico.

Portanto, “outra dimensão importante é a dos conteúdos. A comunicação

comunitária por natureza se ocupa de conteúdos aderentes às realidades sociais concretas de

cada comunidade ou lugar” (PERUZZO, 2003, p. 24). Ou seja, propõe debates que levem de

certa forma a uma participação no processo de construção da sociedade, com impacto visível

nas comunidades ou nos meios em que atue. Este entendimento é ratificador da importância

deste estudo, pois se percebe que os pioneiros exercem a sua cidadania ao emprestarem a sua

voz para revelar as lembranças pessoais da praça Raposo Tavares, este conteúdo comum entre

eles expressa esta característica particular da Comunicação Comunitária.

Isso porque, “o propósito básico é que comunicar seja um direito, não só de

donos, profissionais especializado ou lideranças comunitárias dos meios de comunicação, mas

de todo cidadão e de suas organizações representativas” (PERUZZO, 2003, p. 250). No

âmbito da Comunicação Comunitária, a participação do indivíduo permite uma interação onde

a comunidade se perceba como participante do processo de construção da sociedade. “O

mundo existe para todos. Assim como o ar é de todos, o deveriam ser as descobertas

científicas e tecnológicas e as riquezas socialmente produzidas” (PERUZZO, 2003, p. 252).

Como participantes da construção da história da cidade, os pioneiros que

viram o surgimento da praça Raposo Tavares e viveram momentos importantes de suas vidas,

podem ter garantidos os seus status de participantes e atores desta realidade e na base da qual

foi construída a cidade. “Havendo cidadania, haverá desenvolvimento social. Cidadania quer

dizer participação, nos seus múltiplos sentidos e dimensões, incluindo a cidadania cultural,

que perpassa o direito a liberdade de expressão” (PERUZZO, 2003, p. 256).

Há ainda que considerar características que Peruzzo (2001) define como

determinantes de uma comunidade, dentre as quais que, “sentimento de pertença. É sentir-me

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membro, parte importante do processo e como tal contribuir para a coesão interna”. Portanto

este fazer parte de, é fundamental para a manutenção da comunidade. Porque situa o

indivíduo num espaço em comum dando-lhe uma identidade a qual só pode ser atribuída a ele

naquele local. Neste caso se entende que o resgate da memória individual e coletiva

possibilita a participação ativa dos pioneiros na construção da história. Nas práticas

comunicacionais comunitárias os indivíduos são tratados de forma igualitária não existe uma

incomunicação e sim um diálogo entre sujeitos da própria história.

A própria estrutura socioeconômica vai determinar a ausência de

comunicação. “Não há realmente, como se possa pensar, dialogação com a

estrutura do grande domínio, com o tipo de economia que o caracterizava,

marcadamente que não floresce em áreas fechadas, autarquizadas. Estas,

pelo contrário, constituem um clima ideal para o antidialogo” (MELO 1998,

pg. 263 apud FREIRE, 1967, p. 69).

Paulo Freire alterna o sentido de mutismo do homem brasileiro, para

“cultura do silêncio”, após o seu período no exílio, no qual pode constatar que a experiência

da ausência de comunicação era um fenômeno universal, presente, principalmente nos povos

colonizados. Sociologicamente Freire defende que, “esta espécie de cultura é uma expressão

de superestrutura que condiciona uma forma especial de consciência. A cultura do silêncio

sobre determina a infraestrutura de onde brota” (FREIRE, 1967, p. 63).

Mais adiante Freire conclui que o homem é na sua essência oprimido, e é

neste conceito chave que se baseia toda a sua pedagogia. No tocante a este estudo, interessa,

porém tomar como ponto principal os dois conceitos, o de incomunicação e cultura do

silêncio. Isso porque, consequentemente os pioneiros não seriam ouvidos, na construção da

história.

Paulo Freire também entende que a comunicação deve ser dialógica. Isso vai

contra a educação bancária que entende o indivíduo como um simples receptor que é cheio de

conteúdos pragmáticos com vistas à manutenção do status quo. Dentro do processo

comunicacional equivale ao entendimento que atualmente a comunicação serve aos interesses

de uma minoria em detrimento do direito de todo cidadão a se comunicar. A pedagogia

freiriana entende que o cidadão independente de sua posição ideológica, cultural ou classista

pode e deve manifestar-se, e, além disso, é neste processo dual que se complementam os

conhecimentos, pois nenhum indivíduo é pleno em conhecimento, está sempre em construção.

Cidadania é um conceito complexo que engloba várias dimensões, mas a

reflexão que deve ser feita é: o que torna um sujeito cidadão. No artigo Comunicação

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Comunitária e educação para a cidadania, Peruzzo (2002) elenca cada um dos entendimentos

a respeito deste conceito.

Na concepção liberal, cidadania pode ser entendida como o pertencimento a

uma nacionalidade, uma nação, o que corrobora em direitos e deveres. Este conceito, porém, é

individualista, por considerar o sujeito apenas como u indivíduo isolado e não compreende a

coletividade e os direitos sociais de cada um.

Baseada nos ideais de igualdade e liberdade, cidadania nesta concepção é

tida como uma atribuição coletiva, o que pressupõe direitos e deveres. Este conceito se

sobrepõe ao primeiro aspecto, no entanto, ele também é vago, pois não compreende toda a

coletividade, apesar de defender ideais igualitários, apenas uma minoria compartilha desta

realidade. A explicação é que enquanto uma parte da população terá o acesso a Lei que

garante os seus direitos a cidadania outra parte, mais abastada ficaria subjugada, por não ter a

mesma oportunidade e acesso a recursos sociais na mesma medida.

Peruzzo (2002) cita Marshall para explicar os três tipos de direitos que ele

incorpora a cidadania. Estes termos ampliam as duas noções citadas acima e reforçam a

participação do exercício do poder de forma igualitária e ao mínimo bem estar.

Na perspectiva de Marshall (1967, p. 63-64), a cidadania incorpora três tipos

de direitos: os civis, os políticos e os sociais. O elemento civil é composto

dos direitos necessários à liberdade individual: liberdade de ir e vir,

liberdade de expressão, pensamento e fé, o direito à propriedade e o direito

à justiça. Tais direitos estão sob a alçada do poder judiciário. Por elemento

político da cidadania se deve entender o direito dos indivíduos de participar

do exercício do poder, como membros de um organismo investido de

autoridade política ou como eleitores de tais membros. As instituições

correspondentes são o parlamento e os conselhos do governo local. O

elemento social da cidadania se refere a tudo o que vai do direito a um

mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar na

herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões

que prevalecem na sociedade. As instituições mais ligadas com ele são os

sistemas educacionais e de serviços sociais (PERUZZO, 20025).

Segundo Peruzzo (2002), na segunda metade do século XX outros direitos

de coletividades foram incorporados ao conceito de cidadania ampliando e assegurando

conquistas importantes para grupos com causas específicas.

Com base nestes conceitos é que se fundamenta o direito que todos têm ao

acesso e a difusão da comunicação e aos meios como forma de exercício e prática da

5 Comunicação comunitária e educação para a cidadania, 2002 programa de pós graduação da Universidade

Metodista de São Paulo. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista13/artigos%2013-3.htm. Acesso em 02/09/2013.

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liberdade. Assim se entende que todos os conceitos que foram apresentados colocam o

indivíduo de alguma forma como participante e atuante na sociedade. Esta compreensão ajuda

a explicar como se dá a participação cidadã a qual se refere este estudo, ou seja, é

fundamental que se coloque neste âmbito a importância de conceder ao indivíduo a

participação na interface de comunicação e uma abertura aos processos comunicacionais.

De posse deste entendimento os idosos que são o objeto de estudo deste

trabalho terão resgatados os seus direitos a participação e atuação como protagonistas da

história. Termo este que paralelamente ao de cidadão definem o intuito desta pesquisa. Assim

tratados, eles não só relembram o passado ou somente vivem o presente, mas exercem a sua

cidadania e participam do presente de modo ativo e partem de suas próprias experiências que

podem construir o futuro das próximas gerações.

Finalmente, queremos ressaltar algumas noções fundamentais que encerram

a questão da cidadania. Primeiro: o cidadão tem direitos e deveres. A

participação política, a responsabilidade pelo conjunto da coletividade, o

cumprimento das normas de interesse público são deveres, por exemplo.

Segundo: a cidadania é histórica. Varia no tempo e no espaço, varia

conforme o período histórico e o contexto vivido. Portanto, cabe sempre

perguntar quem pode exercer plenamente a cidadania. Terceiro: a cidadania

é sempre uma conquista do povo. A ampliação dos direitos de cidadania

depende da “capacidade política” dos cidadãos, da qualidade participativa

desenvolvida. Quarto: as formas de participação decorrem do tipo de

sociedade política em que se vive. Quinto: a cidadania não se encerra nas

suas dimensões da liberdade individual e participação política, mas inclui os

direitos sociais e coletivos (PERUZZO, 2002).

Após estas reflexões é que se compreende a multiplicidade de termos

referentes à cidadania e que necessitam ser revisitados e amplamente discutidos. Como se é

possível entender não existe uma afirmação que possa afirmar o que é cidadania, mas o

importante é considerar que direitos individuais jamais podem se sobrepor aos interesses

coletivos. Neste trabalho, a evidência é que a busca não foi por autoridades, a busca dos

personagens foi feita visando principalmente encontrar pioneiros que participaram,

vivenciaram e tiveram alguma relação com a praça Raposo Tavares.

Via de regra se buscou socializar os personagens no encontro de suas

lembranças que estavam relacionadas à suas vidas particulares. Os livros históricos, nas

placas, nos memoriais, sempre se vê as matizes e o despontar de colonizadores, políticos e das

autoridades. Quanto aos cidadãos que trabalharam e construíram a história só lhes resta às

lembranças. Este estudo se propõe a realizar esta ponte entre o indivíduo e o seu papel

cidadão na construção da história.

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4 COLONIZAÇÃO DO NORTE DO PARANÁ E A FUNDAÇÃO DE

MARINGÁ

Para que possam ser recontadas as histórias de vida dos idosos que tiveram

alguma relação com a praça Raposo Tavares é importante traçar um panorama histórico do

surgimento de Maringá e da praça Raposo Tavares. Divida em quatro partes se buscou neste

capítulo localizar e situar o local e reforçar a importância da praça para Maringá.

Conforme os registros da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná

(CMNP), na bibliografia Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná, a região norte

do estado possuía 100 mil quilômetros quadrados e foi definida com a soma territorial dos

vales formados pelos afluentes da margem esquerda dos rios Paraná e Paranapanema. No

período de colonização esta região foi dividida em três áreas: o norte velho, norte novo e norte

novíssimo conforme mostra o mapa abaixo:

Figura 1: Mapa da divisão do norte do Paraná segundo a geografia dos anos 1950. DIAS e GONÇALVES, 2001,

p. 441.

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A CMNP aponta que no período de colonização do norte do Paraná, o

desenvolvimento dessa região estava relacionado à fertilidade da terra roxa que propiciou a

expansão do café no Brasil e motivou a conquista de novas terras, aberturas de fazendas e

investimentos no transporte para escoamento das safras. (CMNP, 1975, p 31)

E é somente à custa da riqueza e da exuberância proporcionadas pela terra

fértil que se pode desenvolver um processo natural - por isso efetivo e

duradouro – de acumulação de capitais e de industrialização, semelhante ao

que se verificou em São Paulo e no Norte do Paraná. (CMNP, 1975, p31)

Conforme mostram os relatos da Companhia, a terra roxa, passou a ser

cobiçada por fazendeiros e desbravadores que desejavam aumentar a produtividade do café

explorado, até então, nas terras do vale do Paraíba em São Paulo e Minas Gerais. Em 1923,

para expandir as lavouras e distribuir as safras, os produtores precisavam investir na

construção de estradas de ferro que ligassem a cidade paulista Ourinhos a paranaense

Cambará no norte Velho.

Segundo a CMNP (1975), nesta época o Norte paranaense era coberto pela

Mata Atlântica e o acesso era difícil. Os plantios de café eram feitos em pequenas clareiras

abertas pelos colonos, com isso, os barões do café perceberam a necessidade de uma linha

férrea ligando as duas cidades, mas a obra se tornou inviável por falta de capital. [...] “as

disponibilidades financeiras dos fazendeiros de café estabelecidos no Norte Velho não eram

suficientes para concluir com a desejável rapidez os trabalhos do trecho ferroviário Ourinhos-

Cambará” (CMNP, 1975, p. 39)

No ano seguinte, se iniciou a busca por investidores, e por essa razão

(CMNP 1975 p.39) o presidente da estrada de ferro, Major Barbosa Ferraz, promoveu um

encontro com o inglês Lord Lovat6, que visitava o Brasil como técnico em agricultura e

florestamento da missão inglesa Montagu7. A reunião decidiu os rumos da colonização do

Norte do Paraná e os fazendeiros ofereceram ao inglês, novas perspectivas de lucros com a

construção da linha férrea “se a compra for seguida do prolongamento da estrada de ferro que

estamos construindo entre Ourinhos e Cambará, de maneira a garantir para os compradores o

escoamento de seus produtos, a valorização da áreas adquiridas pode tornar muito lucrativo o

6 XVI Barão do Reino Unido e técnico em agricultura e florestamento da missão inglesa Montagu. Ele veio ao

Brasil com o objetivo de estudar qual melhor possibilidade da empresa inglesa Sudan Plantations aplicar seu

capital no país. Com isso, buscou informações sobre a agricultura e de terras adequadas para plantio do algodão. 7. Missão que reuniu vários especialistas ingleses para estudar a situação financeira, econômica e comercial do

Brasil para fins de garantias de quitação da dívida para com a Inglaterra. Além disso, reformular o sistema

tributário do país para implantação de um novo sistema de arrecadação. Investigar as possibilidades de

investimento do capital estrangeiro.

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empreendimento” (CMNP, 1975, p.51). Segundo a CMNP (1975) a fertilidade das terras

roxas de São Paulo e do norte paranaense atraiu Lord Lovat que adquiriu várias áreas para

cultivo de algodão, tanto que em 1924 ele fundou a empresa Brazil Plantations Syndicate 8

para administrar as terras no país.

Conforme mostram os relatos da CMNP (1975), Lord Lovat, um grupo de

ingleses e o Governo do Estado negociaram grandes áreas de terra. A missão instituiu um

plano de colonização do norte do Paraná para a venda das terras colonizadas. Entre 1925 a

1927 a empresa obteve 515 mil alqueires de terras que passaram a integrar à economia

agropastoril do Estado. Além disso, a Companhia precisou adquirir lotes ocupados por

posseiros e grileiros instalados na região, e negociar com a Companhia Marcondes de

Colonização. Esta empresa havia chegado ao Paraná em 1922 para ocupar a porção norte do

Estado com terras negociadas pelo governo, não conseguindo cumprir o que havia proposto

no projeto de colonização e, sem condições de prosseguir o processo, acabou vendendo as

terras para a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP9).

4.1 Colonização e povoamento

Segundo a obra Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná,

produzida por meio de depoimentos dos funcionários da CMNP sobre o processo de

colonização da porção norte do Estado, traz poucas referências sobre a presença de outras

civilizações nas terras adquiridas e há informações restritas sobre o que foi feito das aldeias

indígenas existentes nas regiões colonizadas.

Nos registros descritos da CMNP constam o trabalho de colonização dentro

dos moldes ingleses, revelando como foram os desmatamentos, a construção de estradas de

ferro, a divisão de lotes e as primeiras fundações. Em um dos depoimentos o funcionário da

Companhia, Gordon Fox Rule, mencionou um fato curioso ocorrido em uma das viagens

quando foi levar compradores de terras para visitarem o patrimônio Três Bocas, atual cidade

de Londrina.

Certa vez paramos na estrada para encher o radiador de água do nosso

fordeco e de repente ouvimos de todos os lados, vindo da mata, o som de

paus batendo nas árvores. Eram os índios que então existiam nos arredores

8 Empresa composta por acionistas ingleses para administrar as terras adquiridas no Brasil para fins de plantação

de algodão e implantação de usina de beneficiamento da fibra no país. 9A partir deste momento a sigla CTNP será usada para identificar a Companhia de Terras Norte do Paraná;.

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do que viria a ser nossa progressista Londrina de hoje. Isso foi em 1930.

Lembro-me de que todos queriam correr, mas eu os acalmei e disse que

fizessem tudo com naturalidade. Ouvíamos os índios, mas não podíamos

vê-los. (CMNP, 1975, p. 86)

Mota e Noelli (1999) criticam os estudos publicados sobre a colonização da

região norte do Paraná em que autores constroem a ideologia de que esses territórios

indígenas estavam desabitados e prontos para serem ocupados entre as décadas de 30 e 50 no

século XX. Para os autores, os territórios localizados entre os rios Paranapanema, Tibagi e

Ivaí, denominados norte e noroeste do Paraná estavam ocupados desde tempos imemoráveis.

No século XVI expedições portuguesas e espanholas cruzaram essas regiões em busca de

metais, escravos, e de um caminho para o Paraguai e Peru. No século XVI, as expedições dos

padres jesuítas, e no século XVII, a descoberta de ouro e diamantes no rio Tibagi, atraiu

diversas expedições militares que construíram fortes na região. E a partir da metade do século

XIX houve a invasão da tribo Kaingang por fazendeiros dos campos gerais paranaenses na

expansão dos seus territórios (MOTA E NOELLI, 1999, p. 23).

A exploração das populações indígenas pelos conquistadores não foi sem

obstáculos, como afirmam muitos autores, e a conquista dos seus territórios

também não ocorreu de forma pacífica. Em todos os momentos, e por várias

etnias, a resistência foi renhida e sangrenta. A conquista desses territórios

indígenas foi feita palmo a palmo, com o uso da espada, do arcabuz, da besa,

da cruz, de doenças e de acordos. Alianças foram estabelecidas e rompidas e,

de ambas as partes, fidelidades foram sacramentadas e traições

meticulosamente planejadas (MOTTA E NOELLI, 1999, p.27).

Para Tomazi (1999), a região norte do Paraná não era desabitada nem tão

pouco desconhecida. O autor observa que a região “já era conhecida e esquadrinhada por

engenheiros, agrimensores, viajantes e que ademais viviam índios e caboclos que conheciam e

habitavam esse espaço” (TOMAZI, 1999, p.53). Assim, a conquista dos territórios e o

extermínio de populações indígenas nos séculos XVI, XVII e XVIII, segundo os autores,

foram justificados, primeiramente, em nome do Rei e de Deus. Já no século XIX, a conquista

ocorreu em nome da Nação Brasileira e no século XX, período em que as empresas

colonizadoras atuaram no desbravamento dessas regiões, tudo era em nome do progresso.

Grandes áreas pertencentes às tribos Kaingang, Guarani e Xetá foram

invadidas, desmatadas e transformadas em campos agrícolas. “Em todos os tempos a

conquista cumpriu o objetivo de satisfazer a ambição dos conquistadores, fossem eles

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espanhóis, portugueses, paranaenses tradicionais ou os denominados pioneiros modernos”

(MOTTA E NOELLI, 1999, P. 50).

4.2 Plano de colonização

De acordo com os registros da CMNP (1975) para colocar em prática o

plano de colonização, a empresa criou quatro núcleos urbanos a cerca de 100 km de distância

entre eles. Maringá, Londrina, Cianorte e Umuarama tiveram apenas uma única ferrovia

ligando essas regiões. E para oferecer assistência aos colonos que adquiriram terras nessas

regiões foram instituídos pequenos patrimônios, centros comerciais e abastecedores

intermediários entre esses municípios de grande porte.

Em 1929, a CTNP iniciou a venda dos primeiros lotes no patrimônio de

Três Bocas, que em 1935 se tornou a cidade de Londrina. No entanto, para dar continuidade

ao projeto de colonização foi necessário investir na construção de ferrovias, para escoamento

da safra e valorização das terras.

Em 1928, depois que a Paraná Plantation comprou ações da Companhia

Ferroviária São Paulo-Paraná, completou a ligação entre as cidades de Ourinhos em São

Paulo e Cambará no Paraná. A partir daí, os trabalhos foram dedicados a levar os trilhos a

Jataí, à margem do rio Tibagi. Mais tarde, as construções realizadas, que foram realizadas em

diversas etapas, chegaram às cidades de Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas e Apucarana.

Em meio a esse desenvolvimento das estradas, liderado pelo engenheiro

Gastão de Mesquita Filho, foi deflagrada a Segunda Guerra Mundial em 1939, isso fez com

que os ingleses mudassem os planos de investimentos no Brasil. A Companhia de Terras

Norte do Paraná foi posta a venda em 1943 e se tornou uma grande oportunidade de

investimento para quatro brasileiros: Gastão Mesquita Filho, Gastão Vidigal, Arthur

Bernardes Filho e os Irmãos Soares Sampaio, que compraram a Companhia dando assim

continuidade ao plano de colonização dos Ingleses, mas estabelecendo um novo modelo de

gestão voltado para outras fontes de renda e não somente a venda de terras. Sob a

administração dos Brasileiros, em 1951 a Companhia foi batizada de Companhia

Melhoramentos Norte do Paraná e em 1954 a estrada de ferro chega a Maringá, cumprindo

mais uma etapa de obras, em 1973 alcança Cianorte.

À medida que as estradas de ferro foram avançando, as terras ficavam mais

valorizadas e continuavam a ser negociadas pela CMNP. A divisão dos lotes foi

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minuciosamente planejada pela empresa que preferiu fracionar as terras em pequenos lotes de

15 alqueires paulistas, o equivalente a 36 hectares. (CMNP. 1975) Como dito acima, ao

definir o planejamento da colonização da região norte do Paraná a Companhia

Melhoramentos Norte do Paraná tomou o cuidado de criar centros urbanos estratégicos. As

cidades polo ficavam cerca de 100 quilômetros de distância uma das outras com pequenos

patrimônios intermitentes. As cidades eram projetadas mediantes estudos topográficos que

indicavam inclusive o traçado da estrada de Ferro. Neste contexto surgiram Londrina, Cambé,

Apucarana, Mandaguari e Maringá.

4.3 Origem de Maringá e da praça Raposo Tavares

Maringá está distante a 127 quilômetros de Londrina, no centro geométrico

da zona colonizada pela CMNP ligando a outras regiões de São Paulo. A localização

geográfica, as terras férteis e o clima favorável para cultivo do café foram características que

levaram a companhia a tornar a cidade um dos mais importantes centros urbanos do Estado.

A intenção era construir um polo para acolher grande quantidade de emigrantes de vários

estados do Brasil para investir nas terras do norte paranaense.

De 1938 a 1943 Maringá permaneceu como patrimônio de Londrina e em

seguida de Apucarana de 1943 a 1947, quando em maio deste ano, foi lançada a pedra

fundamental da cidade, após a derrubada da mata da região onde está localizado o centro da

cidade atualmente. Cinco meses depois, a localidade se tornou distrito de Mandaguari e neste

ano a CMNP iniciou a venda dos terrenos.

Os primeiros pioneiros chegaram a Maringá por volta de 1938, porém as

construções urbanas iniciais foram erguidas no início dos anos 40 quando surgiu no bairro

Maringá Velho10

o Hotel Maringá que recebia os trabalhadores. Conforme descreveu um dos

engenheiros da companhia Cássio Vidigal “precisamos hospedar bem para atrair bons

compradores de terras” (CMNP 1975 P. 140).

Nesta época, mais precisamente em 1942, conforme aponta Luz (1999), a

Companhia já tinha comercializado 12,2% das propriedades rurais de Maringá. Enquanto a

Companhia aguardava onde seria o traçado da estrada de ferro para definir o projeto de

Maringá, o primeiro povoado se instalou no bairro Maringá Velho. Conforme aponta Recco

(2012), o bairro nasceu com oito quadras atravessadas por uma rua principal.

10

Bairro pioneiro de Maringá, denominado assim justamente por ser a porção mais antiga da cidade.

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Como a Companhia não tinha a intenção de que o Maringá Velho fosse o

centro definitivo, não permitiu a expansão do bairro. A intenção era desenvolver um plano

urbanístico arrojado em um terreno menos acidentado e próximo a estação ferroviária. Apesar

disso, o bairro Maringá Velho tinha que atender as necessidades substanciais dos primeiros

moradores tanto da região rural, quanto da urbana e por isso a companhia permitiu a

instalação de um comércio bem diversificado naquele local, ou seja, cada indivíduo

estabeleceu um ramo de atividade diferente a fim de que não faltassem suprimentos aos que se

instalavam na região. As condições urbanas eram precárias. De acordo com Recco, (2012), as

primeiras construções eram quase todas de madeira fornecida pelas serrarias locais, que

aproveitavam a abundante oferta da derrubada das matas.

Caminhar é uma aventura arriscada, com inevitáveis escorregões e tombos.

Se demorava a chover, o problema é a poeira incessante, ocasionada pelo vai

e vem dos veículos. O pó fino está em todos os lugares, traz aborrecimentos

principalmente para as donas de casa, que não conseguem deixar roupas

secando nos varais (RECCO, 2012, p.17).

Com a demarcação da estrada de ferro, a CMNP solicitou um estudo

topográfico do local para por em prática o projeto de urbanização de Maringá. Dr. Cássio

Vidigal e o engenheiro e urbanista Jorge de Macedo Vieira planejaram a cidade com base em

dados climáticos e ambientais. Segundo Luz (1999), as ruas e avenidas foram traçadas com

46, 35 e 30 metros de largura, duas mãos de trânsitos e canteiros centrais para jardinagem.

Recco (2012) pontua que, feito o projeto em 1945, a Companhia

Melhoramentos Norte do Paraná iniciou a derrubada da mata e a venda dos lotes urbanos do

novo centro de Maringá. No período de 1947 a 1948, visando impedir a especulação

imobiliária com a valorização das terras, a Companhia exigiu que os compradores

construíssem casas imediatamente, e Maringá ficou conhecida como, “cidade fantasma”,

porque muitos proprietários edificavam suas moradias, mas não habitavam nelas.

No projeto inicial, afirma Luz (1999), a cidade tinha 600 alqueires, cerca de

cinco quilômetros de cumprimento e três de largura. Previa espaço para bosques, bairros

residenciais populares e para classe média, área industrial e o centro cívico. As quadras eram

traçadas em forma de xadrez e com ruas largas. Foram reservadas áreas para escolas, praças

igrejas, bibliotecas, hospitais, parques, aeroporto, universidade e área para o esporte.

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Figura 2: anteprojeto da cidade de Maringá. Acervo do Museu da Bacia do Paraná

Entre os espaços destinados a praças está a Raposo Tavares. O projeto

original previa uma área na região central que vai da avenida Brasil até onde atualmente

funciona o terminal urbano da cidade. De acordo com o Historiador João Laércio Lopes Leal

(Apêndice p. 89)11

, a praça foi instituída no mesmo dia da fundação de Maringá. O historiador

acrescenta que o nome Raposo Tavares foi escolhido pelo engenheiro Wladmir Babokov, a

época contratado para fazer o estudo topográfico da cidade. Segundo o historiador, Babokov

seguiu as orientações dos diretores da CMNP, que possivelmente, um ou mais eram

descendentes do bandeirante português. Antonio Raposo Tavares chegou ao Brasil em 1618 e

dedicou-se ao aprisionamento de índios para o trabalho escravo nos engenhos coloniais e

realizou expedições com o intuito de expulsar os jesuítas espanhóis para assegurar os

territórios dos atuais estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

Leal (Apêndice p. 90) aponta ainda, que com a instituição do Novo Centro

no fim da década de 40, a Companhia definiu um eixo monumental da cidade que

compreendia toda a avenida Getúlio Vargas (trecho entre a catedral até a estação ferroviária)

para instituir um centro de atendimento ao público. Era um local com instituições públicas e

privadas como: bancos, igreja, prefeitura, correio para atender as necessidades da população.

11

A entrevista com o historiador João Laércio Lopes Leal se encontra no apêndice deste trabalho.

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Catedral

Avenida Getúlio Vargas

Praça Raposo Tavares

Terminal Rodoviário

Linha Férrea

Figura 3: foto do Eixo Monumental de Maringá

Blog Maringá Histórica

Com isso a praça Raposo Tavares passou a receber crescente fluxo de

pessoas. Inicialmente o local era um descampado sem pavimentação e muito utilizado para

apresentações de circo, instalação de parques de diversão e realização de comícios.

Somente em 1957, de acordo com Leal (Apêndice p. 91), o segundo prefeito

de Maringá, Américo Dias Ferraz, realizou um projeto de revitalização do local dotando-a

com características de praça pública. Entre as melhorias, Américo Dias providenciou a

pavimentação, iluminação e em 10 de maio de 1957 inaugurou uma fonte luminosa que

jorrava água e com luzes coloridas acesas durante a noite, vista do alto a praça lembrava uma

bandeira.

Figura 4: foto da praça Raposo Tavares com a fonte luminosa . Blog Planeta JC

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A partir dos anos 1960 Maringá viveu um processo de êxodo rural e muitas

famílias migraram para a cidade e novos loteamentos surgiram na região norte. Com a

construção de bairros, foram construídas outras praças e o movimento nas praças centrais

diminuiu.

Nas décadas de 1960 e 1970 foram realizadas mudanças estruturais, além da

constituição de novos espaços públicos ao redor da praça Raposo Tavares. Em 1963 foi

construído o terminal rodoviário e urbano Américo Dias Ferraz. Parte da estrutura da fonte

luminosa foi retirada em meados da década de 1970 ficando apenas uma piscina, não há

estudos que expliquem o motivo dessa inciativa. Em 1972, o Cine Teatro Plaza foi inaugurado

em frente à praça e neste ano o busto de Joubert Carvalho foi posto na praça em homenagem

ao compositor da canção Maringá! Maringá! que deu nome a cidade.

De acordo com Leal (Apêndice p. 94), somente em 1973 a praça passou por

novo projeto de revitalização durante a administração do prefeito Silvio Magalhães Barros. A

época, o projeto foi elaborado pelo arquiteto e ex-secretário de planejamento urbano do

município Luty Kasprowicz. Leal salienta que, o projeto era arrojado e moderno e previa

ondulações no cimento em formato plissado. Nesta época, o pastor Nilton Tuller reinvindicou

ao prefeito a construção de um templo aberto na praça para realização de cultos evangélicos, a

obra foiincluída no projeto e inaugurada em 1975.

Figura 5: foto da inauguração do Templo Aberto. Arquivo pessoal pastor Nilton Tuller

Já na década de 1980, foi instalado na praça um módulo policial, este

período marcou também a inauguração do Centro Comercial Maringá. Nesta época também

foi instituído o comercio informal na praça com a presença de dezenas de vendedores

ambulantes atraídos pela movimentação do local. A praça também recebeu um monumento

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em homenagem aos corretores de imóveis da cidade. Conforme aponta Leal (Apêndice p. 94),

desde a sua fundação, a praça Raposo Tavares tem sido palco de mobilizações sociais,

recebeu manifestantes do movimento “Diretas Já” e ainda é local para as reinvindicações

sindicais, protestos, comícios e os mais variados eventos.

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5 VÍDEO DOCUMENTÁRIO

Dentro da perspectiva trabalhada no capítulo anterior, sobre a Comunicação

Comunitária, este estudo vai utilizar o vídeo documentário na tarefa de realizar o registro das

histórias das personagens. Para Penafria (2001) “Um documentário é uma obra pessoal e

implica uma necessidade da parte do documentarista em expressar algo, em dizer algo sobre

determinado assunto. Não se trata de egoísmo ou narcisismo”. O que motivou este vídeo

documentário a princípio foi o incômodo em relação a praça Raposo Tavares que a posteriori,

foi identificado também nas fontes escolhidas. Porém, por estar inserido na Comunicação

Comunitária este vídeo documentário também é esforço de conferir a práxis, ou seja, de modo

prático evidenciar a participação dos pioneiros no registro da história da praça Raposo

Tavares.

Documentaristas que fazem filmes pessoais, ou seja, sobre eles próprios,

sobre temas que a eles lhe interessam ou sobre temas sobre os quais lhes

interessa apresentar a sua visão, estão, obviamente, a apresentar a sua visão

pessoal. Antes de mais, estão a contribuir para o desenvolvimento do género.

Cada filme contribui para o cumprimento de uma das principais funções do

documentarismo: promover a discussão sobre o nosso próprio mundo;

confrontarmo-nos ou distanciarmo-nos de nós próprios. Estão, também, a

incentivar o diálogo sobre diferentes experiências, sentidas com maior ou

menor intensidade. (PENAFRIA, 2001)12

A oralidade possui várias maneiras de ser documentada, nesta pesquisa se

escolheu o vídeo documentário, pois o objetivo deste estudo é registrar as memórias afetivas

dos pioneiros sobre a praça Raposo Tavares, com vistas a efetivar a sua participação cidadã. O

motivo de se escolher esta forma de documentação se deve ao completo acervo imagético a

disposição e também pela intenção de captar as emoções com mais fidelidade, amparado por

todo o conjunto de imagem, som, movimento e ângulos de visão.

A priori é conveniente algumas interpretações sobre o engajamento dos

vídeo documentários. Isso porque o caráter deste, em especial, que tem uma função social

inserido na perspectiva da Comunicação Comunitária. Nesta tarefa proposta, Nichols (2008)

define dois tipos de filme. Segundo o estudioso há os documentários de satisfação de desejos

e os de representação social. No primeiro gênero se encaixam as produções normalmente de

ficção, elas tornam concretas as abstrações e compreende em sua maioria aspectos da

12

O ponto de vista no filme documentário. Universidade da Beira Interior Departamento de Comunicação e

Artes 2001. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php?html2=penafria-manuela-ponto-vista-

doc.html Acesso em 02/09/2013 às 07h41.

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imaginação. Está aberta a interpretações distintas e representa a materialização de anseios,

desejos, medos, entre outros. Já o segundo torna visível a realidade social com base em uma

organização e seleção imposta pelo cineasta. Assimila vários aspectos do real e costuma

proporcionar novas visões do espaço ocupado e apresenta um ponto de vista, um argumento

defendido pelo autor. Em ambos os casos para Nichols (2008) o vídeo documentário

[...] não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo em

que vivemos. Representa uma determinada visão do mundo, uma visão com

a qual talvez nunca tenhamos deparado antes, mesmo que os aspectos do

mundo nela representados nos sejam familiares. Julgamos uma reprodução

por sua fidelidade ao original – sua capacidade de se parecer com o original,

de atuar como ele e de servir aos mesmos propósitos (NICHOLS, 2008, p.

47).

Dialogando com Nichols (2008), Penafria (2001) entende que o vídeo

documentário reúne o ponto de vista do documentarista e isso já é uma intervenção na

realidade. Portanto, não há como afirmar que ele seja uma representação do mundo, mas um

recorte de uma realidade aparente, mas ao mesmo tempo invisível. “O fim último é apresentar

um ponto de vista sobre o mundo e, o mais das vezes, mostrar o que sempre esteve presente

naquilo para onde olhamos, mas que nunca vimos”, (PENAFRIA, 2001). Por isso mais que

um anseio particular este vídeo documentário é também uma produção conjunta e que se

utilizou da liberdade dos indivíduos em contar sobre as suas lembranças individuais.

Como afirma Godoy (apud PENAFRIA 2001) os vídeos documentários

também apresentam uma nova forma de ver o mundo, ampliam as formas de enxergar a

realidade e mostram realidades pela mediação da imagem. A contribuição deste vídeo

documentário, portanto, não se limita a apenas mostrar a realidade, mas tem uma tarefa

múltipla resgatar a história por meio da memória de cidadãos idosos. Nesta relação dual se

pretende mostrar que os cidadãos podem contribuir de forma ativa na construção da história

de um povo. As fontes orais, vão contribuir com esse processo de enriquecimento do acervo

histórico.

Incentivar o diálogo sobre diferentes experiências, sentidas com maior ou

menor intensidade. Apresentar novos modos de ver o mundo ou de mostrar

aquilo que, por qualquer dificuldade ou condicionalismos diversos, muitos

não veem ou lhes escapa. (PENAFRIA, 2001, p.5)

O ponto de vista é outra característica marcante do vídeo documentário.

Segundo PENAFRIA (1999) a conclusão dos fatos é sempre feita pelo telespectador com base

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nos recortes da realidade, proporcionado pelo vídeo documentário. E esta conclusão da autora

é fundamental para a ênfase desta pesquisa. O espaço da abertura de interrogações e das

reflexões as quais se propõe, evidenciando que existe um problema uma inquietação.

Para Jullier e Marie (2009) os pontos de vista não são apresentados por

acaso, eles dão margem a interpretações, portanto, convém reforçar que eles exercem uma

influência significativa no processo fílmico. “O ponto de vista é apresentado antes de tudo

pela localização da câmera. É o ponto de observação da cena, aquele de onde parte o olhar,

Nenhum ponto de vista é neutro. Todas as posições de câmera conduzem uma série de

conotações”.

Para este vídeo documentário optou-se, na maior parte do tempo, por

colocar o telespectador como uma testemunha da história, ou seja, se escolheu utilizar o foco

da objetiva fechado na face do entrevistado. Assim a intenção é que a pessoa que assista ao

vídeo documentário sinta como se estivesse frente a frente com os idosos e pudesse ouvi-los

contar os relatos. Isso reforça o que dizem Jullier e Marie (2009)

O ponto de vista talvez seja o parâmetro mais importante no nível do plano,

e isso por pelo menos duas razões: se as câmeras comandadas

eletronicamente pudessem ser colocadas em piloto automático, mesmo assim

seria preciso que o seu operador soubesse ou decidisse em que lugar as

instalar e sobre o que apontar sua objetiva; pode-se escapar de muitas

regulações técnicas, mas não dessa (JULIER e MARIE, 2009, p. 22).

É natural que os vídeo documentários apresentem como dito acima um

ponto de vista, o qual irá se estender por toda a obra mostrando sob qual ótica se apresentarão

as cenas. Penafria (2001) entende que, “o ponto de vista determina com quem o espectador se

identifica e o modo como o espectador lê os planos (e o filme) e interpreta a acção”. Segundo

Nichols (2008) “em geral, portanto, podemos dizer que o documentário trata do esforço de

nos convencer, persuadir ou predispor a uma determinada visão do mundo real em que

vivemos”.

Quanto ao plano o referido vídeo documentário vai utilizar o Close Up,

como já citado, a câmera estará focada, na maioria das cenas, e principalmente, nas

entrevistas no rosto dos idosos. A escolha por este plano se deve pela proximidade com a qual

se pretende dar, mas, além disso, outro fator que contribuiu para a escolha, a oportunidade

como reforça Jullier e Marie (2009), uma maior intimidade com a personagem.

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O close up rompe essa unidade isolando uma de suas partes (classicamente, a

passagem em close up pode apresentar uma “aproximação” no sentido

próprio e figurado que obedece a um desejo de entrar em intimidade maior

com um personagem) ou isolar um detalhe que importa na história (em

Alfred Hitchcock ou em Martin Scorsese), mas há também motivações

psicológicas (esboçar o retrato de uma personagem “em pedaços”),

puramente plásticas (os close ups dos olhos dos olhos do Western Spaghetti)

ou vouyeristas (os close ups constituem o vocabulário básico do filme pornô)

(2009, p. 24).

Além disso, outro elemento que será disposto no vídeo documentário será o

realismo, Nichols (2008) argumenta que ele revela aspectos da vida que passariam

despercebidos ou então obsoletos quando se mostra o cotidiano pelas lentes da câmera. E aqui

está a grande diferença desta produção, se levar em consideração o seu papel de permitir a

participação cidadã, reforçando conceitos da Comunicação Comunitária, pois Peruzzo (2002)

afirma que,

Por seus conteúdos podem dar vazão à socialização do legado histórico do

conhecimento, facilitar a compreensão das relações sociais, dos mecanismos

da estrutura do poder (compreender melhor as coisas da política), dos

assuntos públicos do país, esclarecer sobre os direitos da pessoa humana e

discutir os problemas locais. É conhecida a existência, por exemplo, de

programas de rádio montados por moradores de favela, em que se faz um

trabalho educativo junto a crianças e jovens quanto aos perigos do consumo

e do tráfico de drogas. Podem facilitar a valorização das identidades e raízes

culturais, abrindo espaço para manifestações dos saberes e da cultura da

população: da história dos antepassados às lendas e às ervas naturais que

curam doenças. Ou servir de canal de expressão aos artistas do lugar, que

dificilmente conseguem penetrar na grande mídia regional e nacional. Ou,

ainda, informar sobre como prevenir doenças, sobre os direitos do

consumidor, o acesso a serviços públicos gratuitos (como registro de

nascimento) e tantos outros assuntos de interesse social (PERUZZO, 2002).

Nichols (2008) classificou este recurso em três tipos: o realismo fotográfico,

o realismo psicológico e o realismo emocional. Na perspectiva deste vídeo documentário o

estio que mais o caracteriza é o segundo, pois tem como ênfase a revelação de aspectos

individuais dos atores sociais. Os idosos e as suas memórias particulares vão construir o relato

deste vídeo documentário permeados por toda a emoção e construção que foi realizada com o

passar dos anos. É essa realidade proposta, encontrando base no que define Nichols (2008),

que o,

Realismo psicológico implica a transmissão dos estados íntimos de

personagens e atores sociais de maneira plausível e consciente. Ansiedade,

felicidade, raiva, êxtase etc. podem ser retratados e transmitidos

realisticamente. Consideramos realística a representação desses estados

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quando sentimos que a vida interior de um personagem foi transmitida de

modo eficiente, mesmo se, para isso, o diretor teve de recorrer a

inventividade, prolongando um plano mais do que o usual adotando um

ângulo revelador, acrescentando uma música sugestiva ou sobrepondo uma

imagem ou sequência à outra (NICHOLS, 2008, p. 128).

Outro aspecto deste estilo que Nichols (2008, p. 128) pontua, é o que ele

define como realismo de tempo e espaço, mas para que se alcance este nível, “depende de

encontrar pessoas, ou atores sociais que se revelam diante da câmera, com uma abertura e

falta de timidez semelhantes a de profissionais experientes”. Os personagens escolhidos

demonstram em seus diálogos a expressiva tranquilidade em abordar o tema pelo fato de

serem escolhidos locais para as filmagens que eles mesmos escolheram para exporem as suas

lembranças pessoais.

A questão social e a participação cidadã e o comprometimento social são

fatores perceptíveis nos pioneiros, a satisfação em participar do projeto revela a disposição em

participar da documentação do processo histórico. Segundo o Nichols (2008, pg. 129) “o

documentário procura transmitir aos espectadores a sensação de envolvimento emocional ou

comprometimento com as pessoas e questões relatadas”. É o que também argumenta Penafria

(1999) para ela o vídeo documentário,

Geralmente trabalha com fragmentos de uma realidade, buscando a reflexão

e a compreensão aprofundada da questão abordada, deixando para o

espectador o papel de relacioná-la com seu contexto histórico, econômico,

político, social e cultural (...) permitindo ao espectador suas próprias

conclusões. (PENAFRIA, 1999, p.1)

Portanto, pode-se compreender com isto, que estes atores sociais

desempenham um papel histórico relevante e ao mesmo tempo é possível notar as distorções

da história, além de fatos e curiosidades que não constam na história oficial. O vídeo

documentário dentro da proposta cidadã é uma construção participativa que permite esta

análise de um modo mais contundente, pois revela aspectos sociais que não são abordados em

outras mídias.

Em sua obra Introdução ao Documentário, Nichols (2008) faz uma distinção

entre os modos de documentário. O autor elenca seis formas, entre elas, o modo performático

é o que caracteriza este vídeo documentário, pois salienta aspetos subjetivos e afetivos como

afirma o próprio estudioso.

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Isto pode ser percebido pela característica fundamental das personagens que

emprestaram sua voz ao vídeo documentário. Segundo Penafria (2001), “no documentário há

lugar quer para narcisismos, quer para voyeurismo, quer para a defesa de vozes que não têm a

oportunidade de se expressar (ou seja, fazer nossa a luta dos outros)”. Este segundo conceito

apresentado pela autora é o que mais se encaixa nesta proposta, o espaço livre para a

participação dos pioneiros que raramente seriam ouvidos no processo de registro histórico.

A expressão individual de cada pioneiro reflete em uma diversidade que ao

mesmo tempo possui vários ângulos em outro dado momento remonta a uma construção

social coletiva. Isto poderia ser visualizado de outra forma, mas o modo performático permite

que esta representação seja mais contundente ao ampliar o conhecimento do mundo.

O significado é claramente um fenômeno subjetivo, carregado de afetos. Um

carro, um revolver, um hospital ou de uma pessoa terão significados

diferentes para pessoas diferentes. Experiência e memória, envolvimento

emocional, questões de valor e crença compromisso dos aspectos do mundo

que mais são explorados pelo documentário: a estrutura institucional

(governos e igrejas, famílias e casamentos) e as práticas sociais específicas

(amor e guerras, competição e cooperação) que constituem uma sociedade.

O documentário performático sublinha a complexidade de nosso

conhecimento do mundo ao enfatizar suas dimensões subjetivas e afetivas

(NICHOLS, 2008, p. 169).

A estrutura deste vídeo documentário conta com o auxílio do que Nichols

(2008) chama de voz over ou off. A inclusão deste elemento se baseou no intuito de realizar

um abertura que situasse o telespectador e abrisse também a uma interpretação completa do

tema. No entanto, este recurso é pouco utilizado, pois dentro da Comunicação Comunitária a

voz principal é dos atores sociais, portanto, a tarefa principal é oportunizar a participação

ativa dos cidadãos em detrimento de uma imposição. Além disso, o uso de imagens,

fotografias, entre outros, é um recurso que não está ausente, principalmente por se tratar da

história passada.

O uso destas ferramentas poderia ser atribuído ao modo expositivo, mas

para Nichols (2008), “a característica obsessiva e pessoal do comentário leva-o na direção do

performático. O filme é menos sobre história que sobre memória; menos sobre história das

classes dominantes – o que aconteceu, quando e por quê – e mais sobre histórias das bases”.

Este último conceito é o que mais leva a compreensão da escolha deste modo neste vídeo

documentário.

Este vídeo documentário pode ser assim definido: de modo performático,

com preferência no uso de pontos de vista que levem o telespectador a se sentir como uma

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testemunha das histórias, visando uma intimidade com os idosos, as imagens em plano close

up pretendem realçar este aspecto. Em seguida serão abordadas as etapas de produção do

vídeo documentário, revelando os processos de planejamento, produção e pós-produção.

5.1 Etapas de produção

Na pré-produção deste vídeo documentário houve um intenso trabalho de

pesquisa, antes da elaboração do projeto inicial. Julgou-se necessário encontrar fontes que

dariam o devido suporte a construção da narrativa que se pretende adotar. De posse das fontes

o desafio era focar a pesquisa na própria história da praça Raposo Tavares, o que demandou

uma revisão da bibliografia, para construir uma linha cronológica de acontecimentos que

darão um norte a produção.

A pré-produção é uma fase de preparação para as filmagens. Esta fase

caracteriza-se por uma pesquisa e desenvolvimento do tema/assunto a tratar.

Não há regras a seguir, aqui trata-se de justificar o interesse de um filme.

Assim, há que definir a motivação, ou seja, o documentarista deve, antes de

mais, interrogar-se quanto às razões por que quer fazer determinado filme,

definir a abordagem ao tema, recolher informação, fazer a caracterização e

selecção dos locais a filmar, a caracterização dos intervenientes

("personagens"), definir a estrutura do filme, tipo de planos, etc

(PENAFRIA, 2001).

De acordo com este entendimento a pré-produção deste vídeo documentário

seguiu exatamente este percurso. Definida a ideia, iniciaram-se as pesquisas acerca do tema,

foram coletadas informações, dados históricos complementares, a escolha dos locais,

preferencialmente aqueles nos quais as personagens convivem ou conviveram e por fim,

determinada a estrutura do filme. Abaixo seguem as informações sobre o assunto/ideia e a

definição do vídeo documentário.

A proposta deste vídeo é ouvir e registrar a memória dos idosos, que

viveram e fizeram parte da história de Maringá, com um lugar em comum, a praça Raposo

Tavares. Fazendo isto por meio da História Oral, método que tem nas lembranças individuais

ferramenta para contar e documentar a história.

A intenção com este documentário não é confirmar dados históricos já

existentes, e sim captar o que cada pessoa escolheu em sua memória para descrever. Aquilo

que cada uma delas selecionou ou decidiu lembrar.

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Como exemplo pode-se citar as transcrições de entrevistas com filhos de

escravos ou netos de ex-escravos do projeto “Memória da Escravidão em Famílias Negras de

São Paulo”, desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1987. Os leitores

são descendentes de escravos da Fazenda São José da Serra em Valença, Rio de Janeiro.

Este vídeo documentário destina-se a complementar o registo histórico e,

além disso, como instrumento para o desenvolvimento da cidadania. Atingindo este grau pela

participação voluntária de idosos que contribuíram com as suas memórias para a construção

deste acervo audiovisual.

Foram entrevistados sete idosos selecionados de acordo com a sua história e

seu nível de participação na praça Raposo Tavares. As entrevistas foram feitas em locais

familiares aos idosos, isso porque interessava que eles se sentissem a vontade para expor as

suas memórias.

A pré-produção, além do trabalho de pesquisa, também envolveu a

sistematização do processo. Abaixo, segue o sistema que foi adotado e o foco determinado.

Story line

Apresentação do conflito

Apresentação das personagens e breve história da praça Raposo Tavares;

Desenvolvimento do conflito

Lembranças dos idosos contadas por eles;

Solução do conflito

Relato da situação atual da praça Raposo Tavares e considerações dos idosos;

Sinopse

A praça Raposo Tavares fica no centro de Maringá, noroeste do Paraná e

surgiu na década de 1940. Foi idealizada entre a estação ferroviária, o terminal rodoviário, e a

principal via da cidade, a avenida Brasil. Dela é possível contemplar até hoje, a Catedral,

ponto turístico da cidade. Além da localização, a praça também era um espaço de lazer,

contava com o Cine Teatro Plaza, primeiro cinema da cidade e a fonte luminosa, companhias

artísticas itinerantes, utilizavam o espaço para suas alocações e apresentações. Era também ali

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que as comemorações cívicas aconteciam, prova disso é a comemoração dos 10 anos da

cidade, ocasião em que um dos aviões da esquadrilha da fumaça, que se apresentava, caiu

matando o piloto e o copiloto. Na década de 1970 a praça Raposo Tavares passa por uma

transformação, se tornando Templo Aberto. Ali evangelistas passam a fazer pregações, cultos

e apresentações de música cristã. Com o tempo, a falta de investimentos e preservação,

colocou a praça numa situação deplorável de má conservação. Apesar disso, ela ainda é local

para feiras e eventos semanais da prefeitura e dos órgãos municipais, principalmente porque

está exatamente no centro da cidade. À noite e também durante o dia, é ponto de prostituição,

consumo e venda de drogas. Estes acontecimentos serão contados de a partir da perspectiva

comunitária e cidadã sob a ótica dos pioneiros, mas também por pessoas que viveram na

praça momentos que marcaram a sua vida pessoal.

Depois da definição do assunto e da fundamentação sobre o tema, o trabalho

seguinte foi a elaboração de um projeto que elencou as fases de produção. Abaixo é

apresentado o projeto que foi realizado. Este aporte foi de inúmera importância por ser o

ponto de partida para a produção do vídeo documentário e a sua realização.

Argumento

Maringá, fundada pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná

(CMNP), foi traçada obedecendo a um plano urbanístico previamente estabelecido. Praças,

ruas e avenidas foram demarcadas considerando, ao máximo, as características topográficas

da área escolhida, revelando preocupação lúcida no que se refere à proteção de áreas verdes e

vegetação nativa. Com esta filosofia, caracteristicamente contemporânea, nasceu Maringá, a

10 de maio de 1947, como Distrito de Mandaguari. Em 1951 foi elevada a Município, com os

distritos de Iguatemi, Floriano e Ivatuba. Em 1954 foi instalada a Comarca de Maringá. Hoje

sede de uma grande região que abrange cem municípios.

Esta história recente de Maringá é baseada em fatos e documentos oficiais e

apresenta muitas vezes relatos de pessoas de “grande influencia” (políticos, empresários,

escrituras, plantas urbanísticas). Mas há fontes que também possuem memórias as quais

constituem a mesma biografia. A inquietação inicial que deu origem a proposta deste vídeo

documentário se deu pelo incômodo ao passar pela praça e constatar a sua degradação.

Sondagens iniciais revelaram que a praça era um local de grande importância para a Maringá,

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mas com o passar dos anos este local foi negligenciado até que se chegasse a atual situação de

abandono e degradação.

A antiga fonte luminosa, o primeiro cartão postal de Maringá, o primeiro

cinema da cidade, as primeiras lojas e os primeiros bancos e a localização central. Além disso,

ponto de encontro de muitas pessoas do início do que se tornaria o terceiro mais importante

município do Estado do Paraná, isto é o que a praça representou para a cidade nas primeiras

décadas após a colonização do município. A proposta é realizar um outro olhar através de

uma história de baixo para cima, por meio do relato de pioneiros, tendo como base a

Comunicação Comunitária e sua contribuição na história, permitindo a participação cidadã

destes atores sociais.

Descrição do(s) Objeto(s)

O objeto de pesquisa serão pessoas que viveram na década de 1940 – 1950

que presenciaram os fatos ocorridos na praça Raposo Tavares. As pessoas escolhidas são:

Izaltino Machado

Marceneiro, funcionário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP). Construiu

o Cine Teatro Plaza e trabalhou na construção da praça Raposo Tavares. Morou no primeiro

acampamento da Cia em frente a praça, na década de 1940.

Edgar Werner Osterroht

Arquiteto que projetou a fonte luminosa da praça Raposo Tavares. É o único funcionário do

setor de engenharia da CMNP vivo.

Pastor Nilton Tuller

Pastor da Igreja Movimento para a Libertação de Vidas (Molivi). Fundou o Templo Aberto

em 1975.

Clóvis dos Santos

Engraxate na infância. Trabalhou na praça Raposo Tavares e relata momentos emocionantes

da vida na praça.

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Onofre Bento Corradini

Balconista da Casa Paratodos antiga loja de materiais de construção instalada em frente a

praça.

Clarice Álvares Grandi

Aposentada, conheceu o marido na praça Raposo Tavares.

Giuvencio Aurélio Pereira

Vendedor ambulante na praça Raposo Tavares, onde permanece atualmente.

Cronograma de Produção

Agosto Setembro Outubro Novembro

Captação de

internas e

externas

X X

Captação de

depoimentos

X

Gravação de

locução (off)

X

Edição X

Confecção de

arte final

X

X

Após a etapa de pré-produção a etapa de produção do vídeo documentário

teve início. As tomadas foram realizadas em diferentes locais, estes foram selecionados

levando em consideração aspectos do próprio entrevistado. Por exemplo, no caso do pioneiro

Izaltino, a entrevista foi realizada em frente ao Cine Teatro Plaza que ele mesmo ajudou a

construir. Em outro caso o de seu Clóvis, que era engraxate na praça, o relato foi feito no seu

atual ponto de trabalho. Só para citar estes dois casos.

Como já explicado acima os close ups foram utilizados como forma de criar

uma relação de intimidade entre o telespectador e o entrevistado. Assim foram alcançados

exatamente aquilo que era pretendido com o trabalho, expor as emoções, os sentimentos mais

profundos que sequer poderiam ser reproduzidos de forma fidedigna pela história.

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O momento das filmagens propriamente ditas é extremamente importante,

não só porque é aqui que se estreita a relação documentarista-intervenientes,

mas também, porque o material recolhido é decisivo para o filme final. O

momento em que se liga e em que se desliga a câmera de filmar condiciona a

fase seguinte - a pós-produção (PENAFRIA, 2001, website).

Nesta seção não se aprofundará sobre as personagens e suas características,

visto que o próximo capítulo fará uma síntese e uma análise das histórias dos pioneiros.

Roteiro da edição das imagens

OFF1: O TEMPO PASSOU DEPRESSA /// MAIS DE SEIS DÉCADAS DE TRABALHO,

INVESTIMENTOS E SONHOS / ///A MARINGÁ DO BARRO //DAS MATAS ESTÁ NOS

LIVROS, NOS MUSEUS E NA MEMÓRIA DOS PIONEIROS /// DESDE OS PRIMEIROS

PASSOS RUMO AO PROGRESSO, A PRAÇA RAPOSO TAVARES FOI O PALCO PARA

OS ACONTECIMENTOS MAIS IMPORTANTES NO DESENVOLVIMENTO DA

CIDADE /// ALGUMAS TESTEMUNHAS DESTA HISTÓRIA GUARDAM AS

LEMBRANÇAS MAIS RARAS...

SEU IZALTINO CHEGOU AQUI NA ADOLESCÊNCIA EM 1945 / NA ÉPOCA ERA

AUXILIAR DE CARPINTEIRO E NÃO DEMOROU MUITO, SE TORNOU UM DOS

FUNCIONÁRIOS DA COMPANHIA DE TERRAS NORTE DO PARANÁ /// EMPRESA

RESPONSÁVEL PELA COLONIZAÇÃO DO NORTE DO ESTADO // HOJE COM 83

ANOS AINDA RECORDA DOS PRIMEIROS ANOS VIVIDOS NO ACAMPAMENTO

MONTADO EM FRENTE A PRAÇA....

SONORA: IZALTINO MACHADO – PIONEIRO DE MARINGÁ

OFF2: ONOFRE CORRADINI PISOU PELA PRIMEIRA VEZ EM SOLO

MARINGAENSE EM 1951 AOS 8 ANOS / NA ADOLESCENCIA COMEÇOU A

TRABALHAR COMO VENDEDOR NA CASA PARATODOS QUE FICAVA EM

FRENTE A RAPOSO TAVARES / ATRÁS DO BALCÃO, ENTRE AS DÉCADAS DE 50

E 60 TESTEMUNHOU OS FATOS MAIS INUSITADOS QUE POUCOS TIVERAM O

PRIVILÉGIO DE VER...

SONORA: ONOFRE B.CORRADINI – BALCONISTA

OFF3: JUVENCIL PASSOU A PARTE DA VIDA TRABALHANDO NA RAPOSO //

PRIMEIRO COMPROU UMA FROTA DE CARROÇAS PARA TRANSPORTAR

PESSOAS /// O PONTO DE TAXI FICAVA EM FRENTE A PRAÇA /// A PARTIR DA

DÉCADA DE 70 PASSOU A TRABALHAR COMO AMBULANTE // DEPOIS DE 63

ANOS AINDA PERMANECE NO MESMO PONTO ///

SONORA> GIUVENCIO A. PEREIRA - APOSENTADO

OFF4: JA PARA O CLOVIS, RAPOSO TAVARES FOI O PRIMEIRO LOCAL DE

TRABALHO AOS 12 ANOS // ALÉM DE GANHAR O DINHEIRINHO PARA AJUDAR

A FAMÍLIA, O ENGRAXATE GARANTE QUE SE DIVERTIA...

SONORA> CLOVIS DOS SANTOS - ENGRAXATE

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OFF5: FOI AQUI QUE DONA CLARICE ENCONTROU O GRANDE AMOR DA VIDA DELA

COM QUEM TEVE 4 FILHOS/// O BANCO DA PRAÇA ERA LOCAL DAS RODAS DE S E

BRINCADEIRAS COM OS AMIGOS...

SONORA: CLARICE ALVARES GRANDI – APOSENTADA

OFF6: COM O PASSAR DOS ANOS, A PRAÇA GANHA NOVO FORMATO /// NA DÉCADA DE

70, AS IGREJAS EVANGÉLICAS QUE SE CONSTITUIAM NA CIDADE, PERCEBERAM UMA

FORMA DE DIFUNDIR AS RELIGIÕES // EM 1975 O PASTOR NILTON TULLER INAUGURA O

TEMPLO ABERTO NA RAPOSO TAVARES....

SONORA: NILTON TULLER – PRESIDENTE DA ORDEM DOS PASTORES DE MARINGÁ

OFF7: PARA EDGAR, O RELACIONAMENTO COM A PRAÇA FOI PROFISSIONAL ///RECÉM

FORMADO NA ALEMANHA VEIO COM A FAMÍLIA A MARINGÁ // A PEDIDO DO PREFEITO

AMÉRICO DIAS FERRAZ CONSTRUIU A FONTE LUMINOSA ...

SONORA : EDGAR OSTEAROT – ARQUITETO

OFF8: A RAPOSO TAVARES FOI O CENÁRIO DE UMA GRANDE TRAGÉDIA /// O PRIMEIRO

ACIDENTE DA ESQUADRILHA DA FUMAÇA, ONDE MORRERAM 2 PILOTOS DURANTE AS

APRESENTAÇÕES...

OFF9: A PRAÇA AINDA PRESERVA ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO PASSADO // É UM

LOCAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E REALIZAÇÃO DE EVENTOS//// DÁ

ESPAÇO PARA AS RODAS DE CONVERSA DOS IDOSOS E AOS AMBULANTES // FUNCIONA

COMO UM CORREDOR PARA OS USUÁRIOS DO TRANSPORTE COLETIVO ////// NUM

PASSADO NÃO TÃO DISTANTE SE TORNOU PONTO DE PROSTITUIÇÃO E USO DE

DROGAS.

E ASSIM, EM TORNO DA PRAÇA, QUE A CIDADE CRESCE, QUE A HISTÓRIA ANDA E

MUNDO GIRA....

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6 ANÁLISE DAS MEMÓRIAS DOS PIONEIROS

Ser pioneiro é chegar primeiro, é um substantivo masculino proveniente do

termo em francês pionnier e significa alguém que é o primeiro a abrir caminho através de uma

região mal conhecida. Também pode ser um termo que designa um precursor, um desbravador

ou descobridor e está relacionado costumeiramente a aqueles que chegaram à determinada

região de uma cidade, estado ou país. Além disso, os pioneiros podem ser considerados

testemunhas da história, e isso tem um significado muito peculiar, pois são estes que vão

carregar por determinado tempo às lembranças de determinado local.

Com o passar do tempo, as gerações seguintes também conhecerão estas

histórias, mas já se terá perdido alguns fragmentos que só aqueles que viveram estes

momentos podem contar ou relatar, pois as lembranças são individuais e pessoais, e os

significados também, o que significa para um não significa da mesma forma para outro e vice

e versa. Daí a importância da documentação da história e principalmente do ponto de vista de

quem a fez, pois quem melhor para contar uma coisa senão quem a viveu?

Depois de meses de conversas, pesquisas, histórias tristes, alegres, lágrimas

e risos, a praça Raposo Tavares sob a ótica dos pioneiros maringaenses é um lugar que deixou

saudades e motivo de orgulho para pessoas como seu Izaltino Machado que aos 83 anos tem

ansiedade em contar a sua história, principalmente porque este pioneiro é um dos poucos que

participaram do processo de colonização de Maringá que ainda vive. Ele que foi carpinteiro

da CMNP conta que, no início a vida no povoado recém desbravado, as condições de vida

eram difíceis.

Não era fácil não porque você não tinha luz, não tinha água, não tinha

médico era muita poeira você cruzava com onça toda hora no meio da cidade

aí porque era mato os quatro lados só via onça bicho brabo então cê não

tinha aquele um lazer não tinha prazer nenhum cê não tinha pra onde ir, não

tinha pra onde ir, cê tinha que ficar no acampamento e trabalhar e a noite ir

pra rede dormir, dormia na rede, naquele tempo não era cama, era rede,

acendia um fogo pro lado de fora e largava o fogo aceso onça não atacava

não. Tinha bastante gente tudo armado tudo tinha cartucheira espingarda não

tinha problema não nenhum (Apêndice, p. 73).

Relevante do ponto de vista histórico como o lugar do lançamento da pedra

fundamental da cidade, economicamente importante, pois fazia e ainda faz parte do Eixo

Monumental de Maringá, ou seja, toda a extensão da avenida Getúlio Vargas, antiga avenida

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Ipiranga, até chegar a praça é permeada por bancos, lotéricas, igrejas, correios, entre outros.

Na questão do lazer, no entanto, algumas características estão apenas nas lembranças, isso

porque, na década de 1960 a praça perdeu uma de seus atrativos, a fonte luminosa. Seu Clóvis

dos Santos lembra que,

a praça Raposo Tavares era uma praça bonita pra nós na época, encantada

porque, o que mais aparecia aqui tinha os bancos lá pra gente sentar o

pessoal sentava e conversava e tinha aquela água colorida da fonte luminosa

que jorrava todas as cores o pessoal andando ali e conversando era a alegria

nossa tá conversando correndo brincando na praças as família tudo

(Apêndice, p. 67).

Além disso, o crescimento da cidade causou um processo de

descentralização, quando a população passou a se concentrar na periferia da cidade,

abandonando as praças centrais. Com outros atrativos como a Televisão, a Internet, o aumento

da violência e as próprias mudanças sociais causaram um esvaziamento das praças que

deixaram de ser espaços que podiam ser visitados e contemplados. Atualmente a Raposo

Tavares é local de prostituição, venda e consumo de drogas como revela com tristeza o ex-

balconista da Casa Paratodos seu Onofre Corradini.

Quando eu chego lá (praça Raposo Tavares) a decepção que é hoje, cê vai ali

hoje não dá nem pra falar o que tem lá só marginal tudo o que não presta tem

lá, se quer arrumar briga você vai lá, se quer arrumar um pistoleiro, se vai lá,

se que arrumar um marginal você encontra, o que você precisar de ruim

encontra ai. E antes não, era um prazer chegar na praça e tal, hoje em dia é

isso aí. A noite por exemplo você não pode passar sete ou oito horas, é

homem e mulher tudo quanto é porcaria ali (Apêndice, p. 70).

Quase unanimidade entre esses pioneiros é este sentimento, decepção,

muitos se emocionam ao lembrar de como era a Raposo Tavares, das amizades, das conversas

das famílias e dos momentos de lazer. Há pessoas que formaram família e construíram suas

vidas tendo a praça como cenário. Entre elas está dona Clarice Grandi, que se sente

privilegiada por ter vivido momentos importantes de uma época que segundo ela não volta

mais.

Ah eu tenho assim uma lembrança e saudade. O mato é tão gostoso e deixa o

ar bem fresquinho. O mato tem cheiro e eu tenho saudade disso. A minha

lembrança maior e essa aí porque era muito bom a gente passar ali e

encontrar um amigo e conversar e sentir aquele cheio das árvores. As árvores

‘invertia’ água hoje nós temos esses bosques coitadinhos nem cheiro não tem

mais de tão judiado que tá nossos bosques (Apêndice, p. 84).

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Dona Clarice viveu os momentos de sua adolescência tendo aquele espaço

como diversão e lazer, mas algo mais especial faz com que a praça seja mais importante ainda

para ela, pois foi ali que encontrou o seu marido, com que construiu sua família e vive

atualmente. “Às vezes o namoro dava certo, às vezes não dava certo. Como o meu deu certo,

mas dali saiu muitos casamentos depois que começou lá na praça a namorar e casaram”,

(p.85).

Porém mais que um local de lazer a Raposo Tavares era também para muitos

ambiente de trabalho, movimentada pela linha ferroviária que trazia passageiros das mais

diferentes regiões do país, era o “cartão de visitas da cidade”, há até o registro de um cartão

postal da praça. Pessoas como o seu Geovencio que levava pessoas de charrete,

pra todo lugar. Sítio, zona, casa, morangueira. Tinha umas casinhas lá no

fundo da Morangueira. No Maringá velho não tinha nada. Levava nos

carreadô, levava no Borba gato, era fazenda. No Guaiapó, na Mandacaru.

Uma vez um tinha fábrica de doces, enchia a charrete de doces e entrei ali

por Atalaia e saí em Pulinopolis. Voltei e entrei ali por Mandaguaçu. E

quase matei a eguinha. Eu não sabia a estrada. Era tudo barro, terra. Ia pra

são Jorge vender doce de charretinha (Apêndice, p. 87).

Há outros aspectos da Raposo Tavares que ficaram perdidos no tempo e um

desses é o acidente com a esquadrilha da fumaça em 10 de maio de 1957, no décimo

aniversário de Maringá. As comemorações cívicas iniciais eram realizadas todas na praça, que

era um centro de aglomeração como citado acima e também um ponto de encontro, por isso,

estava lotada neste dia festivo. Este acidente é uma marca presente na memória de quem

esteve na celebração, como o engenheiro e arquiteto Edgar Ostearot.

O cara não enxergou o mastro da bandeira e cortou um pedacinho bem

pequeninho. Não foi a asa inteira, ou metade da asa. Foi só um redondinho

assim. Aí ele subiu e “pô, pô, pô, pô e pufff”! Porque ele perdeu o equilíbrio.

Se ele tivesse ido reto, ele não quis ir reto porque ele pensava cair em cima

do trem, e o trem estava lá cheio de gente. Ai tinha 500 mortos ou coisa

assim. Como o cara foi pra cima e desceu e caiu uns 5 metros, 10 metros do

trem que estava cheio, explodiu o avião era tudo em pedaço tinha pouco de

fumaça. Porque lá no quintal da Companhia eu vi tudo lá ai eu sai de lá e fui

um dos primeiros que chegou lá eu tinha medo de chagar perto porque os

tanques de gasolina podia explodir ai se vai junto (Apêndice, p. 83).

Já na década de 1970, precisamente em 1975 a praça Raposo Tavares passa

por um processo de revitalização por parte do poder público e ganha um aspecto moderno

mantido atualmente, neste novo plano, no local onde estava localizada a fonte luminosa passa

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a existir o Templo Aberto, inaugurado naquele ano. Esta iniciativa foi movida pelo pastor da

Igreja Presbiteriana Renovada da época, Nilton Tuller, o que representa uma mudança total na

atividade da praça. Os cultos ainda são realizados neste local, mas o público diminuiu

consideravelmente como revela Tuller.

Muita gente, muitos carros, muita gente muitos carros porque muitas pessoas

também iam lá para levar as pessoas que se decidiam né porque muitos se

decidiam para... Eu me lembro de uma vez que eu contei 100 pessoas adultas

ajoelhadas e nós orando por 100 pessoas adultas ali. E a inauguração daquilo

ali foi uma coisa linda demais porque nós tivemos ali mais de 5.000 pessoas,

estava ali o Silvio Barros estava ali o Dom Jaime né o Dom Jaime Luiz

Coelho, muita gente muitos convidados que estavam ali (Apêndice, p. 77).

A ausência de iniciativas de conservação e também a mudança de costumes

da sociedade fizeram com que a Raposo Tavares perdesse seu status de lazer, por isso, muitos

destes que foram entrevistados choravam diante das câmeras ao se lembrarem da vida naquela

época. As condições precárias faziam que aflorasse nas pessoas um sentimento comum de

amizade e solidariedade compartilhado pela maioria dos personagens revelando que naquela

época a palavra comunidade era vivida no sentido real da palavra, as pessoas se ajudavam e se

compadeciam da situação do outro que estava necessitado, mas, além disso, a união envolvia

as diversões sem malícia ou má intenção, isso provocado talvez pelos pistoleiros comuns na

região nesta época. Contudo os aspectos supracitados revelam que a Raposo Tavares é e

sempre será um local importante para Maringá, basta apenas um olhar mais atento e curioso

para revelar que sua história se mistura com a da cidade e por sua vez também com a desses

pioneiros.

Levadas em consideração todas as histórias é perceptível a acentuação da

memória coletiva, ou seja, a maioria tem histórias sobre a fonte luminosa ou sobre a queda do

avião da Esquadrilha da Fumaça, do lazer na praça ou mesmo da convivência das pessoas. Por

mais individuais que sejam estas experiências, elas fazem parte da totalidade da história.

Como apenas um tijolo não pode dizer que é uma casa, mas muitos se pode construir um

palácio, da mesma forma uma história é incapaz de revelar o todo, mas muitas podem contar

como se construiu uma cidade, uma praça, um bairro, um estado e um país.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo foram trabalhadas as memórias individuais de pioneiros sobre

a praça Raposo Tavares, por meio da técnica de História Oral, aliado a isso o

desenvolvimento da cidadania pela participação ativa destes atores sociais. Por meio de

entrevistas foram registradas as lembranças do período de colonização, a origem de Maringá e

da praça Raposo Tavares. Os pioneiros legaram um documento, contaram a própria história e

contribuíram para a construção do acervo histórico. A História Oral destes idosos foi captada

na forma de vídeo documentário e a produção foi realizada levando em consideração as etapas

de entrevistas dos idosos.

As gravações priorizaram os relatos dos acontecimentos, que o personagem

presenciou vivenciou na Raposo Tavares, além de outros períodos históricos que tiveram

instantes relevantes para a cidade e que envolvem o espaço. Esta pesquisa foi responsável por

uma práxis desenvolvida a partir dos conhecimentos adquiridos na graduação. Dentre estes

pode-se destacar a pesquisa de campo e de fontes, análise de documentos históricos, apuração

de dados, seleção das informações relevantes e a produção e edição do vídeo documentário.

A pesquisa também é uma contribuição à cidade de Maringá para que a

preservação dos espaços públicos e também a importância da participação dos atores sociais

no registro da história cidade. Percebeu-se também que neste processo de diálogo o fato de

serem consultados e solicitados era uma alegria e uma satisfação, todos os pioneiros sentiram-

se satisfeitos em ficar defronte à câmera e expor suas lembranças, muitos até se emocionaram.

No tocante aos objetivos propostos, visto que foram prestados os

esclarecimentos acima, entendemos que eles foram alcançados, pois o fato de buscarmos além

das fontes oficiais a história da Raposo Tavares, reflete o cerne do trabalho de pesquisa de

solicitar cidadãos comuns e convidá-los a participar do registro histórico. Portanto,

acreditamos que contribuímos também para que estes pioneiros e atores sociais dessem a sua

contribuição para a sociedade maringaense.

Esperamos que esta pesquisa seja um complemento, mas também uma

reflexão que remonte uma preservação do bem público e dos locais históricos para que a

posteridade saiba a importância de tais lugares. É salutar reconhecer que as praças perderam

em parte suas funções iniciais de ambientes de lazer e de passatempos, que não eram somente

aos fins de semana, mas durante a noite também, e, principalmente a Raposo Tavares, sofreu

com tais alterações, mas é preciso lembrar que ela é o lugar do início de Maringá,

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historicamente, economicamente e socialmente, ela tem muito a revelar aos maringaenses

bastando um olhar mais atento.

Aspiramos que este estudo possa despertar também outras pesquisas

semelhantes contribuindo para a disseminação do conhecimento e da práxis, pois dessa forma

é possível legitimar os conhecimentos e contribuições que todo acadêmico tem com a

sociedade. A graduação como processo evolutivo visa também despertar esta faculdade de

transformar o indivíduo para que ele se torne um cidadão ativo e reflexivo, portanto, ao

término deste trabalho ponderamos que agimos nestes dois sentidos contribuímos para o

desenvolvimento da sociedade, do bem estar comum e da cidadania, todavia percebemos que

a nossa participação refletiu no crescimento acadêmico, pessoal e como seres humanos

participantes da sociedade.

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8 APÊNDICE

8.1 Entrevistas dos pioneiros

Clóvis dos Santos

Maringá quando eu vim era uma criança tava nascendo ainda tinham três

prédios em Maringá só praticamente tinha centro uns três quatro bairros tudo era mato, barro,

buraco. Agora com o passar de uns três quatro anos foi melhorando, assim, restaurando as

praças aí já fizeram uma fonte luminosa na Praça Raposo Tavares deram uma organizada nela

fizeram uma fonte luminosa que jorrava luz agua colorida, aí as pessoas já vinham ali pra se

divertir pra ver aquela água colorida que era uma coisa linda na época encantava todo mundo

né as famílias se confraternizavam, conversavam ali, sempre vinham durante a noite pra

andar, naquele tempo não tinha perigo, não tinha roubo, não tinha ladrão, não tinha esse

problema de droga então era tudo família tudo gente boa em Maringá.

Era uma grande alegria que a gente criança tudo era bom, mas aquela época

parece que as pessoas eram diferentes, eram muito amável, muito amigas assim, não tinham

essas desconfianças, esse negócio de fazer coisa errada, era tudo... Conhecia uma pessoa era

como se fosse um irmão uma pessoa da família e todos se reuniam ali as famílias

conversavam. Brincar as crianças ficavam brincando os pai o pai e a mãe contando histórias

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falando sobre a vida se divertindo com aquelas fonte luminosa. Apareciam umas pessoas

fazendo tipo palhaçada brincadeira um tipo assim de um teatro e outros que fazia

apresentando capoeira, dança coisa assim era bem animado aquele....

As pessoas conversavam como se fossem assim uma pessoa da família a

gente engraxava o sapato deles conversando e sempre tinha dois três ao lado daquele cliente

conversando com ele também falando sobre a colheita falando sobre o que ele tinha feito ali

na roça e tinha vindo pra cidade fazer alguma coisa era sempre histórias assim da roça do

trabalho do boi que aconteceu lá e vinha pra cidade pra ver as novidades da cidade também

eles vinham pra ver o circo o pessoal vinha pra ver... O que tinha aquele tempo era circo e

parque infantil, esses parquinho de dar tiro ao alvo jogar argolinha nas garrafa e o circo

encantava a meninada, o palhaço aquelas coisinha de festa.

A maior parte assim era as pessoas da roça que vinha, fazendeiros eram

muito simples andavam com aquelas botas sujas de barro tudo e alguns empresários da

cidade na época era muito pouco que tinha mas tinha dono de cinema tinha o pessoal da

prefeitura que já tinha e vinha engraxar com a gente, a gente nem tinha na memória que era o

prefeito que era o secretário era ratado como irmãos como pessoas amigas assim atendia

normal engraxava o sapato tudo dando risada alegre contente era desse jeito assim

Os sapatos era mais difícil porque os sapatos daquela época era tudo

botinona sapatão chamava sapatão tinha o nome tal de gostosão eles falava um sapatão grosso

bem grosseiro e tinha umas bota sanfonada o pessoal vinha do sítio com aquelas botas

sanfonada aí vinha cheia de barro, barro estrume de boi de cavalo tinha que lavar bem

lavadinho com água, limpar e depois engraxar, a gente engraxava contente porque as botas

rendiam davam um dinheiro a mais também era mais esses sapatos que tinha, era tudo bota até

galocha tinha uma tal de galocha eles ponhavam quando tinha barro sujava ponhava pra sair

da chuva e não molhar por cima do sapato aí tirava engraxava e ponhava de novo.

Só boas lembranças viu a gente... na época eu lembro que tinha até um trem

de ferro depois a gente pegava o trem ia pro lado sei que é pro lado de Paiçandu não sei pra

onde a gente ia até um certo lugar não sei se é Água Boa por ali ia e ia tudo pra brincar

passear conhecer ia famílias aos domingos ia voltava depois. A gente brincava muito naquele

tempo corria atrás de passarinhos era criança ainda usava o tal de estilingue para dar pedrada

nos passarinhos, hoje que nem pode pensar nisso né aquele tempo à gente fazia isso.

A praça Raposo Tavares era uma praça bonita pra nós na época, encantada

porque, o que mais aparecia aqui tinha os bancos lá pra gente sentar o pessoal sentava e

conversava e tinha aquela água colorida da fonte luminosa que jorrava todas as cores o

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pessoal andando ali e conversando era a alegria nossa tá conversando correndo brincando na

praças as família tudo. Da praça mesmo além daquela fonte luminosa aquelas luzes colorida é

uma vez que veio assim... aquele tempo tinham muitos tropeiros carregava cavalos boi assim

e o pessoal parou por ali ( emocionado seu Clóvis chora) parou os rapaz engraxou uma bota

um negócio lá e ficou uns vários cavalos assim lá aqueles tropeiro naquele tempo a gente

achava encantador diferente aqueles tropeiro tudo vestido a rigor tudo assim com vários

cavalos bastante mesmo as meninada tudo encantada alegrada de ver os cavalos mexendo com

os cavalos aquilo lá fica sempre marcado (emoção).

O dinheiro que a gente pegava naquela época era a gente levava tudo pro pai

tinha que levar pro pai e a mãe pra ajudar em casa aí o pai dava um dinheirinho no domingo

pra gente ir no matinee tinha o cine Maringá e tinha o cine Horizonte nós ia muito no cine

Maringá aqui do Silvio Wainer na (avenida) Getúlio Vargas tinha um matinee a tarde e agente

pegava um dinheirinho pagava pouquinho pra gente ir no cinema aí só ia no cinema chupava

um sorvete e depois voltava a trabalhar novamente era sempre assim a vida aqui.

Onofre Corradini

Lembrança que eu tinha era o povo que passava ai a gente ficava entretido

em vender querendo vender chamava atenção tudo que passava pra gente era novidade a

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gente era novo na cidade então aqueles camarada vinha assim aquelas negaiada aqueles peão

e tinha até medo naquela época porque não conhecia ninguém né a cidade estava crescendo

então ficava com medo então só ficar de olho pra lá e pra cá e vendia porque as pessoas que

vinha tava derrubando tora comprar facão, enxada. Não vinha aqueles almofadinha de

gravata, não vinha nada disso, tava meio sujão, a gente ficava assim de olho pra lá e pra cá né

a gente ficava bastante de olho a gente não era acostumado vinha do Estado de São Paulo e

esse povo assim, a gente tinha medo será que era pistoleiro? Algum marginal, por isso a

gente ficava de olho.

Lá tinha o capim margoso que era o tamanho de mais um metro de um

metro tinha vinha o parque e ficava uma semana ou mais e ia embora aí vinha o circo e ficava

uma semana. Até o maior circo que vi na minha vida foi o circo Garcia tinha um cachorrinho

a coisinha mais linda. Então ia embora o circo e vinha o parque depois tinha o ringue teve luta

livre montaram um ringue de luta para ao camarada de fora e lutar com um fulano, mas era

muito ruim só tinha um lutador em Maringá que era o professor de um colégio acho do Gastão

Vidigal. Só o maio o calção, sem camisa, sem bota, sem nada, não é que nem essa luta que

tem hoje era luta livre. Lotava anunciava tinha luta até as dez, acendia as luzes a noite e o pau

comia ali e ele desafiava: “tem alguém pra lutar comigo?” Tinha uns curioso aqui uns

camarada que subia pra lutar com ele e saia no pau lá o cara era corajoso encarava mesmo não

tinha medo não. Você tirava a roupa ficava de calção e lutava Aquele juizinho que tinha aí

dizia deu acabou. Não saia briga porque o pessoal andava armado né, só pistoleiro.

Ali teve uma toreada então eles pegaram uns bois uma época, sabe aquelas

bancada de madeira e tal o boi resolveu pular e veio por um lado e quebrou uma cerca e só

veio nego por aqui, por aqui, por aqui ó, ainda bem que depois o boi parou lá, não teve mais

problema e pegaram o boi deu tudo certo. Não ficou um lá dentro o bicho bravo, depois ele

viu tanta coisa que ele chegou até parar.

O circo era festa. Anunciava ali na praça, Maringá tudo vinha, moleque

velho. Molecada gosta de circo, mas não pagava, os adultos pagava entrava, mas também era

assim... Tinha muito animal, né, hoje não tem mais elefante, leão, agora é proibido, né.

Maringá toda ia no circo mas agora é outras coisas, né.

Parques não vinha muita coisa não pouca coisa de diversão vinha só 4 ou 5

barraquinhas só mais nada, a turma trabalhava muito, né, era só de sábado e domingo e

também não ficava muito tempo porque vinha muita pouca gente não dava muito dinheiro pra

eles porque ia lotar mesmo falar 500 pessoas 600 não é, então vinha aquele povinho mais ou

menos ali, então ia embora logo se o parque por exemplo ficar muito tempo na cidade não

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dava dinheiro depois né a turma vai uma vez não vai dois é pouca gente que tinha. Agora é

muita gente agora pode ser que lota né.

Ah a turma vinha de trem... Em 50 e pouco inaugurou a linha de trem então

vinha aqueles nordestino né então a propaganda que Maringá é Café tinha trigo não tinha soja

aquele época não existia soja aqui então era mais ou menos trigo e café isso era quente então

vinha mineiros, “ah sou de minas”, “sou do nordeste”, então vinha aqueles baianada, aqueles

terra seca, que a gente falava, a gente não falava sergipano só falava baiano e pra trabalhar

tudo braçal e depois com o frio eles se mandava, né, porque acabava a colheita eles iam tudo

embora por causa do frio.

Muita gente chegando, mas chegava aqui e já tinha serviço pra ir fazer no

sítio então eles iam pro sítio e os camaradas do sítio iam para o centro da cidade e iam lá na

loja vinha lá comprar uma caixa de lima uma caixa de machado uma caixa de enxada pra

sitio tal... pra fazenda tal... e os peão que vinha não ficava quase aqui e saiam pra onde? Pro

sítio, já tinha serviço garantido então e por isso.

Vendia não falava: “me dá uma lima, me dá uma enxada” não era assim não.

“Me dá meia dúzia daquilo, uma dúzia daquilo”, era desse jeito, né, era muito serviço tinha

muito mato né, Maringá tinha muito mato depois que tirou a quissassa, mas o mato foi

cortando o machado não resolvia pra eles não tinha motosserra não tinha nada era só no

machado e no facão, essas coisas. Vendia a vontade, e não tinha nó cego, também não paga...

era mais honesto naquele tempo, naquelas épocas mais antigo era melhor, hoje não, hoje você

vai vender uma coisa daí a pouco vai levando um cano e um cheque sem fundo, naquele

tempo não tinha não, pagava no dinheiro mesmo.

Chegava o camarada de caminhão e encostava lá: “quero lona e encerado

pra cobrir e quero quanto é? quanto é?”... “É tanto!”. Tantos metros encerado era lona

encerado não era plástico não existia plástico então já pagava o dinheiro pegava a notinha

fulano de tal e tanto. Muita saudade. De tudo né... (silêncio, e emoção, seu Cláudio faz uma

pausa e as lágrimas escorrem, em seguida fala sobre o que tem, saudades) ...amizades sadias,

né, ficou pra traz, (tenho saudades) de tudo dos amigos, ambientes, futebol que a gente

jogava, né, não volta mais, né.

Tem assim quando eu chego lá (praça Raposo Tavares) a decepção que é

hoje, se vai ali hoje não dá nem pra falar o que tem lá só marginal tudo o que não presta tem

lá, se quer arrumar briga você vai lá, se quer arrumar um pistoleiro, se vai lá, se que arrumar

um marginal você encontra, o que você precisar de ruim encontra ai. E antes não, era um

prazer chegar na praça e tal, hoje em dia é isso aí. A noite por exemplo você não pode passar

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sete ou oito horas, é homem e mulher tudo quanto é porcaria ali.

(Antes) Era uma coisa linda né aquela fonte iluminada aquela água jogava

tudo colorida verde amarela azul e caía aquela água e mulher com carrinho andando em volta

a coisa mais linda até hoje se tivesse teria bastante gente, daria bastante gente aí.

Seu Izaltino Machado

Já passaram 67 anos. Ali no acampamento eu lembro muito bem parava no

meio da peãozada a gente fala peão por que era tudo derrubador de mato né não tinha nenhum

advogado e nenhum cartorário era só tinha peão derrubador de mato então convivia no meio

deles também era peão tava no meio do mato então eu trabalhava com a companhia fazendo

as casa para a companhia esse acampamento aí pertencia a companhia então a companhia que

bancava nós ali com alimento água puxava de longe dos tambor pra nós então ficamos durante

os 15 dias até fazer a nossa casa lá na morangueira aí fomos lá pra nossa casa.

Toda a família convivia no meio da família tinha mulher casada criança

rapaz e tudo aqui conviva junto uma comunidade uma comunidade pra abrir uma cidade nos

fomos os primeiros desbravadores de Maringá.

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O churrasco foi feito que eu citei pra você fizeram uma vala aqui no chão e

a companhia matou acho uns três ou quatro novilhos pra fazer o churrasco né a companhia

que deu a inauguração de data (terrenos/lotes) da companhia. Ela inaugurou a venda de data

(terrenos/lotes) em de maio de 1947 então houve aquele churrasco para comemoração da

companhia tanto que deu muita gente, gente de fora daqui da região fazendeiro que tinha

muita fazenda na região né então encheu de muita gente naquela época pra comer um

churrasquinho foi aqui ao ar livre churrasco uma cervejinha, um guaraná, um pão então

naquela época foi feito isso aí pra nós na praça não ao ar livre.

A fonte luminosa onde era aquela concha acústica ali, ali era a fonte

luminosa muito bonita a noite funcionava ligava lá pras 19h30, 20h ligava a fonte e ficava até

23h, 00h funcionando né tanto é que dava muita gente aqui tinha garotão gostava de andar no

meio dos colegas então gostava de fazer a passeata com eles.

Eu faço parte da história de Maringá segundo dizem por aí eu sou o pioneiro

carpinteiro o carpinteirinho da história então eu fiquei os outros já foram, já morreram,

cheguei garoto na carpintaria aperfeiçoei na carpintaria e tô aposentado hoje, mas eu

participei de muitas casas em Maringá muitas se eu for contar pra você eu conto umas 200

casas que fizemo pra companhia fizemo umas 50 só pra companhia, ela fazia e vendia, fazia e

vendia e nós trabalhamo pra companhia 4 anos então ficamo tempo de 1946 até 1950 trabalhei

pra companhia. Os primeiros móveis de escritório da Companhia foi que nós fizemos tanto é

aquela aquele shopping (Shopping Avenida Center) ali embaixo na São Paulo com a Mauá ali

era a marcenaria da Companhia isso foi em 1947/1948.

Ali convivia uma comunidade as mulheres as crianças eram tudo amigo teu,

então não tinha aquele negócio de olhar de mau na pessoa ou com mau intenção não tinha isso

não era tudo gente amigo eles confiavam muito um no outro e comia, família fazia comida e

nós comia tudo junto por que tinha a cozinheira da companhia né ela fazia comida pra nós

então era todo mundo uma comunidade, que que é comunidade? Convivia tudo junto, isso é

uma comunidade aí se via mulher com criança com adolescente com velho então uma

comunidade bem unida e nós fazia parte dessa comunidade na raposo Tavares bem ali onde é

que é o Plaza hoje. Aí fomo fazendo casa pra companhia em roda do quarteirão inteiro casa

pra companhia. Tenho saudade e muita saudade aquele tempo não volta mais e essa história

enquanto eu for vivo eu vou contar.

O livro conta alguma historia muito importante, mas não conta aquela

história real que tem gente que chegou em Maringá hoje e tá escrevendo um livro então eu

pergunto a você que história ele tem pra contar pra você? Ele tem que pegar uma pessoa da

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minha idade ou mais velho que eu, que tem a memória boa, ou um pouco mais novo e tem que

ver naquela época que eu vim em 45 cheguei em Maringá, Maringá era um traçado “aqui vai

ser Maringá”. Aqui o centro era tudo capichigui e Samambaia só, não tinha mais nada. Era

derrubado, derrubado pra você ter ideia da Tiradentes a Tamandaré da São Paulo a Paraná,

derrubado, não tinha uma casa seque, como eu mostrei no livro pra você, só aqui ó só tinha

esse acampamento nosso aqui então não tinha nada nós fomos levantando as primeiras casa a

companhia tinha serraria ela fornecia madeira né ela tinha serraria, tinha olaria, ela tinha todo

o poder aquisitivo fácil pra poder adquirir o material. A companhia ela foi uma mãe de todo

mundo, porque a companhia vendia um terreno proce pra você pagar em três quatro anos você

não pagava nem juro, ela vendia um sítio pra você derrubar se pagava em três quatro anos se

você pagava eles não tomava não continuava derrubando e pagando com a produção então a

companhia foi uma companhia idônea muito boa deixou muitas saudades pra nós aí.

Não era fácil não porque você não tinha luz, não tinha água, não tinha

médico era muita poeira você cruzava com onça toda hora no meio da cidade aí porque era

mato os quatro lados só via onça bicho brabo então cê não tinha aquele um lazer não tinha

prazer nenhum cê não tinha pra onde ir, não tinha pra onde ir, cê tinha que ficar no

acampamento e trabalhar e a noite ir pra rede dormir, dormia na rede, naquele tempo não era

cama, era rede, acendia um fogo pro lado de fora e largava o fogo aceso onça não atacava não.

Tinha bastante gente tudo armado tudo tinha cartucheira espingarda não tinha problema não

nenhum. Trabalho era bom, era novo né, tinha bastante saúde né, então não era nada difícil

pra trabalhar, era difícil se precisasse de médico tinha que ir pra Mandaguari que aqui não

tinha só tinha farmacêutico só.

Atração coisa diferente não tinha atração nenhuma na cidade né a não ser a

fonte luminosa num tinha mais nada, o cinema e a fonte luminosa mais nada. Ficavam ali em

roda batendo papo comendo pipoca, comendo amendoim, diversão do turista. Era bonito

aquelas águas colorida e jorrava água pra cima e jato d’agua e o povo gostava. Eu era

mulecão tinha 13, 14 anos não queria namorar, aí depois quando começou em frente a

Pernanbucana aquela praça Napoleão lá já era mais diferente tinha bastante banco barraca de

quermesse já era garoto tinha 17 pra 18 anos já comecei a arrumar namorada ali aí fui

namorando, arrumando uma arrumando outra até que acertei uma casei já to com 63 de

casado.

O comércio era intenso tinha a casa Ribeiro ai embaixo também que era de

ferragem muita ferragem o Ribeiro é um dos primeiros comerciante aí Francisco Feio Ribeiro

e o Manoel Ribeiro era comerciante muito forte o Azauri Pietrobom e tinha outras centenas de

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casa que ce na hora você não alembra os nomes das casa porque era muito comércio.

A queda do avião eu lembro bem, bem ciente que eu tava no pé do mastro

da bandeira dois metros afastado e eles estava ficava bem de frente a avenida né então eles

iam atrás do outro a coisa mais bonita a esquadrilha da fumaça e um deles errou a balisa e

bateu aponta da asa do lado direito no mastro da bandeira ele bateu e subiu, mas deu uma

subida coisa rápida e caiu na Joubert de Carvalho no que ele caiu ele caiu de bico no que ele

caiu ele foi arremessado de novo aí ele caiu lá na rede ferroviária na caixa d’agua lá foi

embaixo da caixa d’agua por sorte a caixa d’agua não desmontou em cima dele caiu no lado

dos pilar né ali o fogo já tava tomado conta que quando ele bateu aqui no chão ele já pegou

fogo explodiu ai levantou uma tocha de fogo e caiu lá só que quando ele caiu já não tinha

mais nada já estava tudo foco de fogo a gasolina se espalhou e começou a se espelhar daqui

quando estava aqui e bateu.

O povo correu tudo pra lá né não podia fazer nada chegar perto de um fogo

daquele fogo intenso e aquele tempo não existia bombeiro veio o carro pipa da prefeitura, mas

jogou água apagou o fogo, mas não resolveu nada já tava morto já. E outra coisa os outro oito

avião continuou voando não pararam não fazendo o show que eles vieram fazer então eles

perdeu um na batalha, mas não desistiu da batalha achei que eles iam parar de fazer o show

mas não pararam aí subia junto assim e abria aquela cortina de fumaça os oito avião que era

de três em três três seis nove e aí ficou três três seis e dois oito os dois que perderam o

companheiro continuaram a fazer o mesmo show. Na hora eles correram pra lá mas o avião

continuo a fazer o show deles então não teve escapatória não. Achei triste porque fazer uma

festa fazer uma comemoração para o aniversário de Maringá 10º aniversário e aconteceu um

acidente daquele morreu três o piloto, o comandante e o outro da corporação.

Representa tristeza que você vinha, porque você não pode vir aqui com a

família não tem como você frequentar aqui mais então se tornou uma praça abandonada e só

dá pessoa... Aquele tempo era bom que só tinha gente sadia, pessoas honesta, gostava de

conviver com a gente então você tem aquele triste passado de hoje com aquele bom passado

de antigamente esse que a gente lembra daquela época.

Tenho mais saudade do tempo que eu era jovem namorava gostoso hoje

você casou tem bastante filho pra cuidar bastante neto bisneto então a responsabilidade é

outra naquele tempo se é solteiro namorava chegava em casa tomava seu banho ia jantar

levantava de manhã cedo ia trabalhar o meio de vida já era melhor você já tinha o lugar de

morar tinha sua água encanada tinha a sua energia elétrica, não é como você começou aqui no

começo e lamparina, lampião, vela não tinha mais nada.

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Não tinha como tomar banho tomava banho de caneca não tinha chuveiro,

fazia um quadrado de madeira aí é nosso banheiro então você tomava banho de balde

pendurava um balde tinha um crivo no fundo dele aí você abria a torneira caia a aquela água,

só aquele balde d’agua, acabou a agua acabou o banho. (Se viesse a onça ) tinha que sair do

banheiro correndo, mas ela não vinha não ela passava de longe que ela via o fogo aceso a

onça não ataca a onça não te ataca você de frente ela te ataca de traição, você vai andando ela

vem atrás de você ela pula em você, nós pioneiro não somos pioneiros somos resto de onça

que a onça não comeu nós.

O escritório da Companhia era aqui em frente nós trabalhava pra companhia

fim de semana você vinha receber o salário aí então a praça aqui era um lugar que vc convivia

todo dia passava por aqui ia para o trabalho então aqui era o lugar que se conviveu mais aqui

depois saiu a Napoleão mais foi bem depois, saiu uns quatro anos depois, lá eu também

conhecia bastante a Napoleão lá também tinha bastante atração bastante atração alto falante

música barraca de quermesse, bastante coisa pra comer, pra você beber então já era... era só

vc ter o dinheiro era o que não faltava no bolso.

Vinha aqui ver a fonte comer pipoca, amendoim torrado, era isso aí... era

daquela época era o povo da cidade mesmo povo muito ligado um com o outro vinha pai

vinha filho mulher tudo, ver a fonte aí era um povo bem aconchegante, não tinha problema.

Era um centro que era a única praça de Maringá aí depois foi saindo outras

praças, mas já bem depois essa aqui é a primeira praça. Nossa Todos os maringanese a

rodoviária lá nós embarcava lá e vinha pra cá aquele tempo não tinha asfalto era tudo terra

tudo poeira barro então não tinha asfalto não tinha tempo chegava em casa tomava banho e ia

dormir não tinha tempo ruim não.

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Pastor Nilton Tuller

Ali era o centro de aglomeração maior por causa da rodoviária então e a

rodoviária não tinha campo, não tinha aviação aqui né... então a rodoviária era o centro e

também aquela praça era um centro de famílias também, muitas famílias vinham para ali pra

passar as tardes porque naquele tempo era um lugar que.. a mesma praça né naquele lugar

naquele tampo as praças podiam ser frequentadas pelas famílias e tal. Então tinha ali muito e

também tinha muito esse negócio de... daquelas pessoas que vendem as na praça como chama

camelôs então era um centro de aglomeração e também a passagem normal ali tinha a

ferroviária, então tinha a ferroviária com trens de passageiros, então tinha tudo ali pra ser um

lugar central pra gente montar um templo aberto.

Muitas histórias, mas pelo menos duas histórias uma dum camarada que

chegou lá e depois que eu fiz o meu, meu discurso inflamado o nome da, da, do meu trabalho

era... era o que? Era A Hora da Verdade, então meu trabalho era bem inflamado, a gente

falava... hoje não se pode falar, mas a gente falava muito contra, idolatria contra, contra

políticas, contra isso contra aquilo, contra drogas, principalmente, e um rapaz encostou, um

senhor com chapéu grande encostou uma faca no meu umbigo lá e meu cabelo cresceu um

pouco na hora, mas logo passou e ele acabou.. era uma prova que ele estava fazendo se eu

tinha coragem de falar aquilo ali na frente dele e ele acabou chorando pedindo oração e eu

orei por ele.

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E um outro que ficou alguns meses olhando pra mim lá e que eu não sabia

não esboçava nenhuma reação e um dia ele disse que queria ir a nossa igreja foi e lá ele me

disse que fazia quase quatro meses que ele estava indo a praça para me matar, eu não sabia

nada disso, mas que aquele dia ele queria entrar pra igreja e queria ser batizado no próximo

domingo e tal e eu acabei indo sozinho com ele na água Maringá fiz o batismo dele e depois

ele chorando disse que tinha um problema do coração tinha sido picado pelo bicho barbeiro e

que ia morrer logo ele se tornou um diácono da igreja e mais tarde morreu sozinho e foi

achado depois de cinco dias já em estado de decomposição.

Eu começava... eu começava o programa: “aqui está um pregador que não

tem medo de nada e não tem medo de ninguém. Um pregador que não tem medo do próprio

diabo” quase todo dia isso aí era o jeangle, isso aí era quase para a introdução da mensagem

então eu chegava e falava isso aí e isso aí de certa forma incomodava, incomodava muita

gente né e eu falava inclusive contra pastores que exploravam as pessoas que ficam aí para

ganhar dinheiro fosse hoje seria mais fácil porque hoje o campo é maior né quantos pastores

estão aí com aviões helicópteros, com fazendas, com tanta coisa, não é? Mas naquele tempo...

Eu falava contra todo tipo de coisa seja de uma igreja ou de outra, que eu visse que tinha

exploração para o povo então eu falava isso aí e isso incomodava.

Muita gente, muitos carros, muita gente muitos carros porque muitas

pessoas também iam lá para levar as pessoas que se decidiam né porque muitos se decidiam

para... Eu me lembro de uma vez que eu contei 100 pessoas adultas ajoelhadas e nós orando

por 100 pessoas adultas ali. E a inauguração daquilo ali foi uma coisa linda demais porque nós

tivemos ali mais de 5000 pessoas estava ali o Silvio Barros estava ali o Dom Jaime né o Dom

Jaime Luiz Coelho, muita gente muitos convidados que estavam ali.

Tem que representar para igreja um saudoso passado não é? a gente olha

pra aquilo ali para uma namorada que não é mais sua, não é?, mas que você ainda contempla

aquilo ali muitas vezes eu olho e tenho muita tristeza porque aquilo ali era muito bonito,

aquilo ali era muito iluminado e com muita música a noite né depois das 18h... Porque havia

várias Igrejas que faziam uma atrás da outra e eu aproveitava a garupa da Assembleia de

Deus, porque a Assembleia de Deus fazia um trabalho ali com a banda de música muito lindo

e quando acabava eu já pegava um pouco do povo da Assembleia de Deus e juntava mais um

povo ali para isso, então eu olho para... E também é uma perspectiva passada e futurista

também porque eu tenho um sonho ainda de ver aquela praça e ver o Nilton Tuller e outros

pastores ali em cima daquele palco ali falando de Jesus.

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Naquele tempo era um tempo que havia uma história de avivamento

espiritual em toda essa região principalmente em Cianorte era a meca do avivamento

espiritual então as Igrejas tradicionais estavam se avivando muito e claro caiu isso aí até na

Igreja Católica e nasceu o movimento carismático na igreja católica então havia uma sede

disso e também havia um pouco mais de fidelidade dos fiéis aqueles fiéis eram daquela igreja

daquela igreja, aqueles daquela igreja daquela igreja. Hoje há muitas profetadas por aí e

muitas, muitas coisas enganosas e o povo muito oferecimento com marketing e então isso

hoje, isso hoje às vezes há um pouco de comichão nos ouvidos a pessoa vem pra igreja e a

porta de entrada da Igreja é às vezes é do mesmo tamanho da porta da saída lá dos fundos o

elemento fica aí uns seis meses um ano e depois vai pra outra igreja então há uma miscelânea

uma confusão.

Os primeiros trabalho que eu fiz aqui foi em frente a praça da prefeitura,

mas nós tínhamos alto falantes e eu não queria incomodar a Igreja Católica que ficava muito

próximo então isso aqui... e logo, logo me instalou de que ali não era o melhor momento pra

eu fazer um trabalho principalmente que não existia trabalhos quase nas praças aqui, né.

Então o Airton Justos que foi um dos primeiros aqui de Maringá da Igreja Missionária ele foi

pioneiro em trabalhos de praça aqui isso é uma coisa é uma dívida que a gente tem com o

Airton Justos sabe? E ele fazia também naqueles lugares ali. mas depois a gente viu que a

gente podia aglutinar duas coisas boas primeiro a movimentação da ferroviária, da rodoviária

tudo ali na praça Raposo Tavares e Casa Pernanbucanas e Casa isso, aquelas primeiras casas

de muito movimento e segundo que a gente distanciava um pouco da Igreja Católica pra que a

gente não pudesse incomodar a Igreja Católica, que eu respeito, e que não deveria ser um

incômodo ali pra Igreja Católica esse foi o motivo principal que eu namorei a praça Raposo

Tavares.

Eu ficava mais contente na praça Raposo Tavares do que dentro da Igreja ali

era um negócio... era um auditório diferente todo domingo muita gente e nordestinos que

passavam por ali e que estavam indo para o nordeste que iam com a mensagem e que me

agradeciam muito e tal e a gente não só fazia o trabalho mas a gente distribuía literatura né eu

aprendi isso com Hitler a esquerda tem que dar literatura e então a gente dava muita literatura

e como era um trabalho pensando no Reino de Deus e não na Placa de Igreja a gente pedia

para as outras igrejas ir pra lá então não havia sectarismo sabe? Esse negócio de querer trazer

só pra minha igreja e levar só pra outra igreja eu tinha um interesse geral ali pelo reino para

que todas igrejas pudessem se beneficiar daquilo que a gente tava fazendo ali.

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Edgar Osteorot

O Américo Dias, o segundo prefeito de Maringá, ele queria de todo jeito

alguma coisa que chamava a atenção na cidade porque nas outras cidades Apucarana,

Mandaguari, Marialva não tinha nada a não ser casinha, igreja e acabou. Então ele queria

nessas praças, como Maringá tinha praças ele queria fazer 10 fontes luminosas e pediu para eu

desenhar esse negócio. Meu pai fez o cálculo de concreto e tudo lá. Eles pagaram direitinho.

Tudo bem, mas era horrível! Mesmo depois de construído você não podia fazer nenhuma

maquilagem para ficar mais e eles também não tinham muito dinheiro para fazer uma fonte

luminosa em barroco ou coisa assim. E foi a água e depois a água foi iluminada com

lâmpadas que constantemente queimavam e com o tempo não sei se foi um moleque, ou coisa

assim, colocaram lá uma meia dúzia de sapos e em poucos meses eles eram mil sapos lá

dentro e com o tempo eles tinham que pegar os funcionários para tirar os sapos porque eles

entupiam onde saia a água. Um funciona, outro não funciona.

Os sapos no começo logicamente ninguém riu, nem quando era um sapo ou

outro sapo começaram a pular lá, mas depois tinha lá uns dez mil sapos e eles a noite faziam

um conserto que ninguém mais conseguia dormir nesse “qua qua qui qui qua qua” que isso

começava quando escurecia e parava de manhã cedo quando o sol saia. Coisa mais engraçada

eu também não sabia que eles cantam só a noite. Cantam realmente só a noite eram uns sapos

enormes. Virou um problema. Eles cataram os sapos e acabaram com os sapos aí ficou um.

Eles esqueceram esse que é uma fêmea e começou dentro de 6 meses, estava tudo como

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estava, né? Então tinham sempre esses problemas. Então depois mais tarde eles tiraram a

água da fonte luminosa, exatamente para não acontecer mais.

Depois eles fizeram várias modificações, mas no fim das contas os

evangelistas eles tinham lá um estrado de madeira depois foi feito de alvenaria para eles

fazerem lá...falarem sobre Deus. Então essa fonte foi demolida.

A praça foi feito tipo aquelas praças inglesas. A companhia já tinha nos

projetos e nas plantas sempre a mesma coisa porque o Arthur Thomas que se tornou muito

amigo meu quando eu estava na Companhia ele tinha nessas praças inglesas como era em

Londres e começa dividindo o quadrado em quatro ou cinco partes e no centro também tinha

o negócio de água, um monumento ou coisa assim. Então ele quis igual, então em Mandaguari

tinha o mesmo problema, tinha de mudar a praça e aqui também foi feito e nas outras cidades

também. Só depois quando em 53 Anibal Bianchini ele falou olha isso não dá e a Companhia

e Hermans Moraes de Barros nossos chefes lá em São Paulo juntaram com Américo Dias e

falaram: Pô não dá! Você tem que fazer uma coisa mais chique. Logicamente como é que

Américo Dias ele não tinha cultura, não tinha estrutura,, nunca foi numa cidade grande,

depois ele ficou 2 anos lá em São Paulo. Então nós tinha uma na frente do grande hotel, uma

em frente a praça Napolião Moreira uma acho que aqui na Rocha Pombo também tinha um. E

tinha mais previstos eu não sei quanto, dez, e 5 ou 6 foram construídas. E isso aqui com

dinheiro do povo já nessa época. A prefeitura em vez de fazer uma coisa mais emergencial ele

fez as fontes e depois elas foram derrubadas. Porque o João Paulino o terceiro prefeito ele

falou. “tiramos essa porcaria já já”. Não logo no começo, mas ao longo do mandato dele ele

tirou isso.

Raposo Tavares foi um desbravador do mato. Eles procuram lá algumas

pessoas que fizeram alguma coisa para o Brasil e ele foi chamado lá, mas esse nome já existia

quando eu vim pra cá. Ela chamava já Raposo Tavares. Agora eu vou te dizer uma outra coisa:

Antes da fonte luminosa, lá tinha um parque de diversão permanente você entrava lá dentro.

A entrada era de graça e você depois, você podia jogar esses joguinhos de cavalos. Cavalo

número nove, cavalo número 8, coisa assim. Também cavalo melhor e quem ficou com o

último ganha, ne? E também tinha um palco lá e tinha esses cantores, esses famosos cantos,

filho milionário e não sei como eles chamam esses cantores.

O povo não quer dizer nunca se encontrou o povo lá. Mas no centro da praça

tinha uma praça lá onde você podia a comprar um sorvete talvez. Tinha um palco lá quando

todo mundo podia ir com um violão lá. Essa história da Maria onde até hoje não compreendi

“nem, nem, nem, nem” era horrível. Esse negócio. Eles fizeram dia e noite essa música

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caipira só sei que a Maria lá ela era “sem vergonha” aliás nós estamos aqui na frente do

parque do ingá. E a Maria Ingá. Esse aqui já foi na minha época ela lavava roupa lá dentro

depois falaram que ela era uma putinha. Compreendeu? Agora eu não sei porque. Todos que

lavavam roupa lá. Compreendeu?

Eu não conhecia ela. Eu só sei que foi tais mulheres lá dentro que lavavam

roupa porque todas essas mulheres simples que lavavam roupa para ganhar dinheiro eles

lavavam roupa, né? E como lavar roupa? Em casa não tinha água, não tinha isso. Então

domingo, sábado, domingo os batistas batizavam os fiéis deles dentro desse buraco de água

que foi feito em dia de chuva e tudo. Meu cachorro também tomava banho lá dentro. Então

você pode imaginar que água. Quando você botava a mão lá embaixo era um lamaçal

tremendo.

Nós fizemos dois três projetos para a Praça Raposo Tavares e outra praça

que foi derrubada agora para passar uma ligação como o trem. O trem bala não tem mais. A

Dilma já falou ele custa dez vezes mais que um trem simples, mas o trem era interessante

porque todos os pedreiros de Sarandi eles vieram nessa praça. Os trilhos do trem eles tinham

até um prédio da estrada de ferro. Então eles pagariam R$ 0,10 ou R$ 0,20, uma mixaria, de

Sarandi para chegar a Maringá. Então 6 horas da manhã, 7 horas da manhã. Eles já estavam

aqui em Maringá. Eu acho isso foi muito interessante. Então nós tínhamos feito um dos

projetos já nos tempos de Said e agora novamente recentemente uma passagem embaixo. A

praça fica, mas embaixo um corredor largo, estacionamento para 5 mil carros embaixo e uma

passagem embaixo da praça. Foi projetado. Eu tenho no projeto aqui no escritório e posso te

mostrar. Eu não quero falar muito sobre esse negócio. Não sei o que o prefeito vai fazer agora,

mas na época já foi feito isso. Quando você sai do trem você subterraneamente você andava

no Shopping Center onde tem bar, restaurante um Shopping Center porque na Alemanha já

tem isso. Porque lá neva, chove, frio lascado uma coisa então essas praças eles tiraram a praça

fora fecharam. Deixaram alguns buracos com iluminação direto em casos que não tem luz

então eles chegaram até Getúlio Vargas. Então vamos dizer você chega de Sarandi e chega na

Getúlio Vargas. Na Getúlio Vargas você está no centro de Maringá, aí você vai pra esquerda,

direita, pra cá, pra lá. Acabou. Pode fazer de 5, 10 quantos quiser de dez andares pra baixo

para estacionamento de automóveis.

A Rodoviária foi feita por uma empresa. Ela foi muito bem construída. A

estrutura dela foi perfeita. O modelo foi perfeito porque meu engenheiro do nosso escritório

da Arcontec ficou 4 meses lá dentro pra ver o que pode ser feito. Como essa velha Rodoviária

lá, a número 3. A primeira na Maringá velho. No Maringá novo, na Napoleão Moreira tinha a

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segunda a mais famosa onde eu também cheguei, não por causa disso ela é famosa ela é a

segunda e a terceira foi então essa esta já na estilo moderno. Ele foi infelizmente derrubada eu

não sei o porque uma coisa assim.

Foi muito interessante se viu atrás agora tem os ônibus da cidade e a outra

rodoviária esta um pouco fora, um pouco longe, mas atendeu os dois momentos não tem

problema nenhum. Na praça tinha uns cantores. Esses cantores que ficavam nesse parque de

diversão, esse milionário tinha esses cantores que chama milionário. O sócio dele tinha outro

lá tinha esses cantores caipiras que cantavam e quando eles cantavam antigamente enchia um

pouco mais no sábado, domingo enchia mais eles ganhavam alguma coisa e depois, tinha, um

boxe lá, luta de boxe também, uma coisa assim, tinha um cara lado com violino lá. Tocou

violino, mas era tão horrível compreendeu? Imagine você matar um gato. Eu nunca matei um

gato, mas eu já escutei de longe matar um gato. É um miau, miau, miau. Com esse violino

você ficava louco, aí realmente o povo ficava revoltado fez lá o barulho e ele tinha de parar e

sair do palco. Tinha disso. Todo mundo deu risada depois e depois chegava outro, uma

dançarina e eles fizeram isso lá. Pelo menos os maringaenses, a juventude tinha alguma coisa

a noite sábado e domingo para ficar na praça onde foi derrubada que a rodoviária era a praça

Raposo Tavares.

Eu estava na Companhia e como eu passei a segunda guerra mundial na

Alemanha então eu já sei como esta aquele negócio lá esses caras fizeram façanhas. Eles

entraram aqui na Getúlio Vargas a uns 3 a 4 metros de altura, com motores abertos, máximos.

Uma coisa assim e foi em direção da estação de trem. E quando eles chegavam lá na avenida

Brasil, lá tinha 3 postes de bandeira porque foi colocado porque era o décimo aniversário.

Então queríamos fazer. Américo Dias também queria fazer uma coisa diferente. Então foi

hasteado as bandeiras e depois tinha grandes jantares lá no Aero Clube e esta aqui onde tem

Mercadorama hoje e eu vi quando foi para a Companhia eu vi isso e falei: Nossa! Isso vai

acontecer um desastre porque aqui é uma cidade com essas velhas máquinas. Esses Mustang

bimotores, porque todo mundo escreve alguma coisa. Uns fala que os pilotos foram

queimados. Eles não foram queimados, não houve nenhuma chamazinha. Eles caíram,

arrebentou avião, arrebentou os pilotos, um braço lá, era horrível e eu estava na companhia

começando a trabalhar e o negócio não parava e eu vi quando os aviões chegavam sobre os

prédios da companhia e tinha o hotel esplanada e subia na parede do hotel que tinha 3 andares

e meu Deus esses caras são todos bêbados, loucos, doido não sei se tem mais alguma coisa pra

eles.

Eu sai da Companhia, eu tinha a chave e subi na porta porque se um desses

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aviões caem em cima da Companhia eu morro junto. Porque pega fogo. Tudo de madeira.

Quando eu sai lá eu já escutei “pum, pum, pum” aí eu vi o avião caindo. Só tinha cortado um

pedacinho da asa. Coisa ridícula porque o redondo da asa, um pedacinho só porque e tinha

pegou um desses postes da bandeira. Isso aconteceu, era máquinas velhas e esse vidro que

eles tinham na frente, não era vidro, era de plástico, era desde a segunda guerra mundial, mais

de 10 anos. Era aniversário, 47 a 57. Então esse vidro nós achamos depois no chão. Você não

podia olhar porque foi tudo trincado fissurado de tão velho o plástico quando você guarda

muito tempo um desses plásticos vagabundo de antigamente. O cara não enxergou o mastro

da bandeira e cortou um pedacinho bem pequeninho. Não foi a asa inteira, ou metade da asa.

Foi só um redondinho assim. Aí ele subiu e “pô, pô, pô, pô e pufff”! Porque ele perdeu o

equilíbrio. Se ele tivesse ido reto, ele não quis ir reto porque ele pensava cair em cima do

trem, e o trem estava lá cheio de gente. Ai tinha 500 mortos ou coisa assim. Como o cara foi

pra cima e desceu e caiu uns 5 metros, 10 metros do trem que estava cheio, explodiu o avião

era tudo em pedaço tinha pouco de fumaça. Porque lá no quintal da Companhia eu vi tudo lá

ai eu sai de lá e fui um dos primeiros que chegou lá eu tinha medo de chagar perto porque os

tanques de gasolina podia explodir ai se vai junto.

Clarice Grandi

Não tinha novidade nenhuma. E como você tá andando ai na rua encontra

alguém na rua, conversa, para bater um papinho, porque não tinha, não tinha nada. Hoje a

gente vê. Então era mato, isso tudo aqui era mato. Olha a jardineira, não era ônibus como

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hoje, era jardineira da Garcia, ela encavalava assim com o barro. Chovia, encavalava, mato

dos dois lados e quase como daqui quase Londrina era pouco aberto mais era mato.

Meu irmão passou mal da apendicite e quase morreu. 6 horas para chegar

daqui a Londrina. O pessoal carregava o carro na mão porque não ia. Encavalava. Então tinha

que descer do ônibus e erguer a jardineira para caminhar mais um pouco assim até chegar era

6 horas. Hoje com uma hora você faz, mas era 6 horas para chegar em Londrina, era o recurso

que tinha. Aqui tinha o farmacêutico que dava um remédio, o dentista que só tinha o boticão

para arrancar um dente. Não tinha nada. Eu mesmo perdi meus dentes porque meu dentista

não tinha. Rancou todos os dentes bons porque não tinha outro tratamento. E porque não tinha

outro tratamento. E porque inchava doía. Ele achou melhor rancar porque não tinha outro

tratamento.

Não ainda nessa época a gente passava por hora tinha uma picada. Você

sabe o que e uma picada? Faz uma limpada, uma roçadinha e você andava e aí as taquaras

ficavam assim. Rasgavam as pernas da gente. Além dos mosquitos, as taquaras rasgavam as

pernas da gente e a gente vai contar a quem mora aqui ou quem veio depois disso aqui

formado. Ela está mentido, mas tem uns primos pioneiros que eles passaram por tudo isso

também e pode confirmar.

A mulher era discriminada, como é discriminada até hoje. A liberdade que a

mulher ganhou, mas ela está discriminada, a gente só trabalhava, quem comprava as coisas

pra gente era o pai, nem a mãe não vinha na cidade comprar era meu pai que vinha agora

trazia a gente assim quando ia na missa quando o padre vinha de Londrina rezar a missa por

mês. Então, a gente andava 7 a 8 quilômetros a pé pra vim na missa que era esse sacrifício que

a gente fazia. Então não tinha. A gente vivia assim como os índios. E que a gente derrubou o

mato e foi laborando, comia o que plantava. A gente não tinha outra novidade a não ser aquilo

o que se plantava e colhia. Frangos, ovos, porco o que se tinha aquilo que você produzia.

Ah eu tenho assim uma lembrança e saudade. O mato é tão gostoso e deixa

o ar bem fresquinho. O mato tem cheiro e eu tenho saudade disso. A minha lembrança maior e

essa aí porque era muito bom a gente passar ali e encontrar um amigo e conversar e sentir

aquele cheio das árvores. As árvores “invertia” água hoje no termos esses bosques coitadinhos

nem cheiro não tem mais de tão judiado que tá nossos bosques.

Era animada. Nóis brincava muito de lenço atrás e de passar anel e de jogar

lenço, né? Joga e sai correndo o outro vem atrás e pega. Eram as nossas brincadeiras. Passar

anel. Não tinha novidade. Não tinha cinema, não tinha nada. A gente foi conhecer cinema,

essas coisas foi depois de 50 que já foi aparecendo o cinema. A gente falava matinê porque

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meu pai não deixava a gente sair de noite, aí meu pai vinha junto, aí a gente andava muito pra

assistir uma matinê. Aí reunia a turma da vizinhança e ía. Daquele tempo eu tenho saudade,

muita saudade que agente era unido. Se você não tinha uma coisa pra comer você falava

comigo e eu levava pra você. Quando eu não tinha você trazia pra mim. A gente tinha aquela

unidade muito linda. Não tinha esse negocio de divisão tão grande que tem gente morrendo de

fome e outros jogando fora o que tem que é um pecado mais é isso, um pecado, mais é isso

que está acontecendo.

Não tinha, era igual o que está aqui. Aqui ainda tem coisa pra nos vermos.

Naquela época não tinha grande movimentação não. Na realidade essas “paquerinhas” que

tem hoje não podia ter isso. Tinha que namorar na presença dos pais, então se arrumava aí 5 a

6 moças e uns 5 a 6 rapazes e ia lá pra praça. Aí contava piadas. Piadinhas tudo assim coisas

leves. Nada dessas piadas pesadas que a gente vê na televisão hoje e a gente passava hora ali.

As vezes a gente fazia as coisas em casa e ía lá. Vamos comer junto com os amigos na praça.

Aí repartia ali o pãozinho cada um e a gente passava horas ali. Aí a noite a gente se reunia

numa casas e aí a noite se reunia numa casa que era maior ai nos cantava, dançava, era

gostoso, sabe. Era muito bom a natureza convida a gente a amar mesmo, muito bom. Tenho

saudade porque eu sei que isso não volta nunca mais e eu me sinto muito feliz porque eu tive

a oportunidade de passar por esses momentos belos da vida. Hoje eu tenho pena dessa

juventude que não tem isso.

Então, naquela época a gente se reunia numa turma. A gente não ia só como

hoje as mulheres andam só. Nós não, porque os pais não deixavam e na praça se reunia um

tanto de rapaz e um tanto de meninas e ali a gente se reunia e fazia brincadeiras. Até dançava

brincando um com o outro e a gente começava a namorar ali na praça. As vezes o namoro

dava certo, as vezes não dava certo. Com o meu deu certo, mas dali saiu muitos casamentos

depois que começou lá na praça a namorar e casaram. Muitos já foram, e graças a Deus eu

ainda estou aqui levando, mas muitos já não existem mais. Essa turma que era nossa turma

mesmo que a gente ia junto para os bailes brincadeira era assim não tinha um clube. Você

tinha sua casa, você falava hoje a festinha vai ser lá em casa. E a festinha o que era? Um

puxava um violão, um tocava, outro cantava e ali dançava. Porque na praça não podia fazer

isso porque era mato. Os mosquitos não davam sossego, também quando a praça foi abrindo e

ficando iluminada, bonita, aí sim a gente, ate hoje eu gosto e ir lá sentar naquela praça

admirar.

Os bichos passavam perto da gente. Uns tinha medo, outros não tinha. O

finado meu pai um dia ele falou: Eu vou e não sei se eu voltar porque a onça vai me comer.

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Tinha onça. Não e que a onça correu atrás dele mesmo? Ele se salvou por uma graça de Deus.

Tinha onça, tinha macaco, tinha bugil, tinha outros bichinhos menores. A gente conheceu

muito bicho que não conhecia e veio conhecer aqui.

Iam também para ver os bichos e pra passar horas. Não tinha nada o que

fazer, vai na praça jogar conversa fora. Um lugar muito bom. A praça foi muito importante

não só pra mim, mas pra todos que já foram e para os que estão ai até hoje. A praça é muito

boa.

Foi bom porque quando aconteceu assim uma coisa muito linda que e o

amor que até hoje eu tenho ele que já fez 62 anos casados. Então foi muito bom porque daí a

gente foi pra casa e eu falei pra ele que só namorava fosse em casa porque meu pai não

deixava namorar fora ai já foi pediu em namoro e 5 meses nos casamos e fizemos uma

família. Aí todos os dias eu agradeço a família que Deus me deu. A praça é a vida da gente. Eu

amo a minha praça. Eu gosto de ir lá passear. Faz parte da vida da gente. A gente casou, a

gente saiu fora e depois voltamos de novo. Maringá é Maringá, você não fica longe. Eu saio e

não vejo a hora de voltar para Maringá. Minha vida e aqui.

Era meu pai que fazia. A gente usava aquilo que os pais compravam, nem

minha mãe vinha. Era meu pai. Tinha um jipe, aqueles jipão grande ia lá em casa vender lote

de roupa. Uma historia interessante e que todos os homens, os rapazes da minha família, as

causas eram todas iguais e as mulheres eram todos vestidos iguais. Era interessante aquilo.

Era uma vida difícil porque morria uma pessoa e andava 7 quilômetros para levar no

cemitério no pau de arara porque não tinha caixão também não. Fazia o caixão ali e ponhava

uma vara aqui e outra ali e pegava em quatro. Dois lá e dois aqui. A história é até bonita, eu

tenho saudade. Todo esse conforto eu não esqueço daquilo lá não. Tinha meus pais, meus

irmãos tudo vivo comigo e hoje Deus já levou tudo. Só deixou eu aqui. To viva e forte.

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Giovencio Pereira

A lembrança que era mato, era depósito de milho, não tinha praça, não tinha

nada. Era mato. A Avenida Brasil era só toco de peroba, fora a fora, e aqueles dois ladinhos de

pegar carro, passar carro. Carro não tinha, era charrete. Não tinha carro aquela ocasião só

charrete. Então a charrete carrega duas pessoas só e eu. Gente gordo eu só carregava uma

pessoa. Era grandão! Charretinha virava pra cá, pra lá.. Eguinha não agüentava puxar, apiava.

Rapava terra, rapava barro. Era difícil, aqui não tinha nada. Era tudo barro.

Pra todo lugar. Sítio, zona, casa, morangueira. Tinha umas casinhas lá no

fundo da Morangueira. No Maringá velho não tinha nada. Levava nos carreadô, levava no

Borba gato, era fazenda. No Guaiapó, na Mandacaru. Uma vez um tinha fábrica de doces,

enchia a charrete de doces e entrei ali por Atalaia e saí em Pulinopolis. Voltei e entrei ali por

Mandaguaçu. E quase matei a eguinha. Eu não sabia a estrada. Era tudo barro, terra. Ia pra

são Jorge vender doce de charretinha.

Ali no lugar onde passava não era só eu que tinha não, tinha mais de 20

charretes. Na Operária, aqui era só charretinha, não tinha carro, não tinha nada. O trem veio

depois. O trem chegou a Maringá em 54 parava Apucarana.

Todo mundo. Chegava freguesia: dava pra levar não sei onde? E eu levava.

O dia inteirinho, ai chegava a mulher prostituta da zona, não era prostituta, era respeitada né?

Chegava: da pra levar na Marumbi? Da pra levar não sei onde?

Família, só não tinha biscate ne? Só tinha mulher de zona. Era bem vestida,

bem trajada, respeitada. Era gente, que não apiava pra fazer compra em loja, nada. É o lugar

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que tinha gente, pra fora não tinha nada, não tinha. Operaria, não tinha. Jardim Alvorada era

fazenda de café. A universidade era fazenda de café. Onde eu morava eu comprei pra planar

alface eu tinha pensão. Sim, era pra encontrar família. Gente que viajava esse negócio de

mulherada não tinha não. Ah namorei! Eu trabalhei em hotel e tinha bastante muié. Eu

morava onde era o campo. Namorava onde trabalhava, empregada, mulher mocinha,

trabalhava muita gente mulher, mocinha também. Era um namoro seguro. Não e essa

cachorrada de hoje.

A praça na minha época não dava nada porque era tudo mato. Só encostava

ônibus e depois surgiu o Villaova, o Américo Dias, João Paulino Vieira Filho, doutor Luiz

Carvalho ai foi melhorando né? O Américo Dias, essa praça era bonita tinha um fonte d’água

bonita. Tinha banco dos freguês. Depois desmanchou.

Aqui era em 72. Vendia tudo. Aqui o caminhão do Chinai descarregava o

caminhão cheio. Era maçã, era banana, era melancia. O caminhão descarregava inteiro e a

noite vinha buscar o dinheiro. Naquele tempo eu não sei o que dinheiro era naquele tempo,

né? Eu sei que eu colocava, 5, 6 até 10 moleques vendendo maçã e vendia 10 caixas de maçã

em saquinho. Aí vendia 5 maçãs por um real. Vendia data, vendia relógio, vendia revólver,

vendia de tudo nos 5 dias. Tinha! Mas nossa! Toda vida tive bastante freguês. A gente sabe

lidar com o povo, ne?

O movimento do povo, né? Minha amizade e muita. Às vezes mulher, moça

chega barrigudinha, traz o neném pra eu ver. Lembra de mim? Muita amizade. Tenho amizade

no sítio, na prefeitura. Daquela época mudou muito. Mudou porque a cidade cresceu, evoluiu.

Tudo isso cresce todo dia. De tudo! De tudo! Por que a gente mora aqui desde essa ocasião.

Não tem inimizade com um cachorro, nunca fui preso, a prefeitura, nunca mexeu comigo. Eu

nunca fui no advogado. Sempre andei com os meus negócios certinho. Nunca deleguei nada

aos outros.

Depois que a praça ficou boa tinha muita visita. Não era essa bagunça não.

Tinha banco, familiares sentava. As moças vinham. Todo mundo. A noite era lotada de gente.

Hoje tá uma bagunça isso aqui. Hoje você não pode nem passar. Foi importante porque tinha

amigos, namoradinha, juventude. Tudo isso faz parte.

Quem não tem saudade da juventude? Pode perguntar a um velhinho de cem

anos que ele tem saudade da juventude.

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8.2 Entrevista com o Historiador João Laércio Lopes Leal

Entrevista realizada com o historiador João Laercio Lopes Leal, na terça-

feira, 22 de outubro, às 15h. Esta gravação foi importante, pois algumas informações não são

encontradas em bibliografias.

Como foi originada a praça Raposo Tavares?

A praça Raposo Tavares não está presente digamos no hall das praças com

fundações, porque ela faz parte do plano onde não havia essa figura da inauguração do

logradouro público, ela foi criação da própria diretoria no caso da Companhia de Terras do

Norte do Paraná e quem formalizou o desenho foi o Jorge Macedo Vieira, portanto, a praça

Raposo Tavares não tem uma data de fundação, ela tem uma data que nós podemos considerar

desse jeito algo similar que é o 10 de maio de 1947 que é exatamente a inauguração de

Maringá, que se dá naquele ponto naquele sítio histórico que hoje é a praça Raposo Tavares,

mas o nome já existia naquele momento porque desde 1947 você já tem as denominações de

ruas, avenidas e praças já estipuladas pelo seu Wladmir Babkov que era o engenheiro

agrimensor da companhia de origem russa e que além de fazer o trabalho topográfico de

medição das ruas e avenidas do sítio urbano ele também se encarregava da nominação das

vias públicas tanto é que não existe nenhum decreto lei por parte da Câmara Municipal destas

vias porque todas elas são anteriores a criação da própria Câmara Municipal que é de 1951 e

isso nós estamos falando de 1947 quatro anos antes portanto isso ficava a cargo da empresa da

Companhia.

Quais praças existiam no projeto inicial da Companhia Melhoramentos Norte do

Paraná?

Nessa época você tem a Raposo Tavares a praça da rodoviária que

atualmente é a praça Napoleão Moreira da Silva, a praça Emiliano Perneta na Vila Operária,

que é onde fica a Igreja São José e você vai ter a praça Dom Pedro 1º, onde hoje é o Centro de

Convivência, seriam essas as praças. Porque você vai ter a praça Regente Feijó na Vila

Operária, mas ela não pode ser considerada uma praça na concepção da palavra era mais uma

rotatória, uma rótula, balão enfim várias denominações que são dadas, e também você vai ter

a própria Rocha Pombo que também é nesse sentido mais uma rotatória, então praça é algo

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mais evoluído mais bem equipado, depois esses pontos se tornaram praças, mas no momento

eles eram considerados rotatória.

Qual era a função da praça Raposo Tavares nas primeiras décadas?

Ela servia também como ponto de lazer mesmo, de distração para as

pessoas, era um local de passeio né é... e servia como referência, como área de localização

geográfica, dentro do plano urbanístico, então ela tinha algumas funções bem determinadas já

desde o início. A determinação do espaço é do Jorge Macedo Vieira, o nome é que é do

Wladmir Babkov o nome de Raposo Tavares, ele previa uma praça central.

O terminal urbano e a Ferroviária também estavam no projeto inicial da Companhia?

A ferroviária sim, a rodoviária é uma ideia posterior é uma ideia que surge

com o Américo Dias Ferraz que é o segundo prefeito de Maringá que pegou parte da praça até

a rua bandeirantes que hoje é a rua Joubert de Carvalho, na época ela ia até a Almirante

Tamandaré. Era um ponto de parada de comércio de convívio social, de passeio e de

passagem para as pessoas também porque ela fica no eixo monumental né.

O que seria este Eixo Monumental?

O eixo monumental é a Getúlio Vargas que antigamente era a avenida

Ipiranga que vai da Catedral até a estação rodoviária. É uma via onde se localizam instituições

de referência na cidade é um local privilegiado geograficamente onde tem uma reta onde você

coloca instituições que são referências prefeitura, correio, igrejas, bancos coisas desse gênero

para o atendimento da população.

A queda dos aviões da esquadrilha da fumaça, como foi este acontecimento e qual o

impacto disso para a cidade?

Na verdade foi mais uma parte da estação ferroviária, bateu no mastro do

pátio da estação, então foi um acidente de grandes proporções né foi inclusive o primeiro

acidente da esquadrilha da fumaça né. Tava no pátio ferroviário e caiu em algum lugar ali eu

não sei dizer.

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Muitas pessoas dizem que foi na praça?

É as pessoas não tem uma precisão e genericamente. Morreram dois pilotos

da esquadrilha da fumaça foi uma comoção porque é uma tragédia e veio na contramão o

clima festivo que estava na cidade né 10 anos de fundação cidade bombando crescendo pra

todos os lados e de repente um acidente desses foi um anticlímax né o pessoal deu uma

entristecida né.

Qual era a principal característica da praça Raposo Tavares?

Era uma praça mais pra lazer mesmo, uma praça, pois uma coisa é o plano

urbanístico outra é o que veio se tornar depois, muitos pontos do plano, o plano do Jorge

muita coisa foi alterada depois uma delas é essa né da praça, por exemplo, a praça dele era o

dobro de tamanho. Ela pegava da Brasil até a Tamandaré aí passou a pegar só da Brasil até a

Bandeirantes que é a atual Joubert de Carvalho. O que fez mudar foi os prefeitos, que a

prefeitura manda mais que a companhia né. Então a companhia podia espernear a vontade,

mas o que a prefeitura determinasse tinha que ser obedecido.

Que parte da praça foi tomada?

Bem onde está a rodoviária é ali que foi tomado da praça, que o projeto

remonta desde 1959 quem começa e termina é o João Paulino o terceiro prefeito de Maringá,

mas o Américo deixa tudo a lei preparada e o terreno destinado. A companhia não queria a

rodoviária ali ela queria onde era na praça Napoleão onde era a rodoviária que foi onde

funcionou de 1948 a 1962. Esta praça era arborizada, o Américo acabou com o bosque das

essências como era chamado era uma parte da praça com uma reserva de árvores de essências

florais e aí o Américo em plena madrugada mandou os funcionários irem lá e derrubar tudo

como uma forma de represália a companhia né. A companhia e o Américo nunca se deram

bem eles tinham uma relação muito conflituosa. A companhia era muito difícil e não era fácil

por nenhum dos dois a companhia brigou também como o primeiro prefeito, então a

companhia brigou com o primeiro, com o segundo, o terceiro, o quarto o quinto, o sexto, o

sétimo, o oitavo, o nono, o décimo, o décimo primeiro, o décimo segundo, o décimo terceiro a

companhia brigou com todos os prefeitos de Maringá ela nunca se deu bem com os prefeitos

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porque ela se julgava o prefeito, se julgava a dona da cidade e os prefeitos não admitiam e

isso foi péssimo para a cidade mas seria talvez mais organizada em alguns pontos, porque

esse conflito trouxe prejuízos não no crescimento, mas na organização urbana na

funcionalidade de alguns equipamentos.

Em que momento a Raposo Tavares passa a ganhar uma estrutura de praça?

Ela começa a ganhar mesmo é no governo do Américo pavimentação, fonte

luminosa, iluminação, arborização em 1958, até pouco tempo atrás Maringá tinha praças não

urbanizadas ainda.

Alguns relatos indicam que muitos circos e parques se instalavam ali como era isso?

Tinha circo, circos se instalavam ali, quando tinha circo, em Maringá um

dos pontos que eles se instalavam era ali, parques de diversões também, você tinha comícios

em época de política, ringues de luta que ficavam dentro do circo normalmente era uma

atração do circo e isso na década de 1950 e até antes do Américo, na época do Inocente

(Inocente Villanova) antes de ser urbanizada já se instalava este tipo de atrações já porque

depois que se instala a praça já não tem condições de se instalar porque complica.

Como acontece o processo de êxodo rural em Maringá?

É o êxodo rural esse êxodo já começa nos anos 1960 esse êxodo, há muitos

motivos a própria crise do café e a questão trabalhista também porque o café ele é um

complexo que envolve muita mão de obra o período que começa a surgir os sindicatos dos

trabalhadores e o sindicato dos trabalhadores rurais é um dos mais ativos de Maringá. O

sindicato rural surge em 1957/1958 por aí. Maringá nunca foi um grande produtor de café,

Maringá foi um centro processador de café. Em Maringá o café não foi tão importante assim

na história, Londrina não bem menos, Maringá sempre teve outras culturas importantes, a

cana de açúcar também, não é a toa que Maringá tem a maior usina de açúcar do Paraná desde

os anos 1960 a Usina Santa Terezinha é de 1961. Na década de 1950 se plantava arroz, milho,

café, hortelã Maringá tinha 20 usinas de hortelã instaladas aqui.

O êxodo se dá exatamente da mudança de atitude de alguns cafeicultores

que passam a não ver mais tanto interesse na produção de café, o Jardim Alvorada é um

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produto típico disso, o Jardim Alvorada é um bairro de 1962 era uma Fazenda de Café a

Fazenda Santa Lina propriedade do senhor Alexandre Rasgulaeff o seu Alexandre vende essa

fazenda para o seu Lucílio de Held que é um empresário de Londrina que tinha a Codal que

era uma empresa de colonização em 1962 eles abrem o Jardim Alvorada eles acabem com a

fazenda e eles abrem o loteamento, um novo bairro na cidade.

Maringá a partir dos anos 1960, Maringá expande horizontalmente a zona

norte pra lá da colombo ela nasce toda nesse momento Morangueira é... Jardim Alvorada, Vila

Esperança a UEM, o Mandacaru, é uma nova região que nasce em Maringá é a zona norte

tudo isso, até então Maringá era só da colombo pra cá. A UEM é um produto típico dessa

época também porque Maringá começa nessa encruzilhada, porque Maringá começa a ensaiar

uma estagnação nos anos 1940/1950 a cidade explodiu, chegou os anos 1960 ficou uma época

meio complicada Maringá tinha que dar uma resposta para os anseios da sociedade organizada

e aí começam a surgir as mobilizações as articulações políticas para a cidade não parar no

tempo e aí começam a surgir estes novos bairros e loteamentos investimentos de fora, tudo

isso a partir da década de 1960.

Qual era a cultura agrícola predominante em Maringá nessa época?

Trigo, feijão arroz, feijão tudo isso cultura de subsistência não é cultura de

exportação né desde o início desde os anos 1930, porque Maringá nasce nos anos 1930 não é

nos anos 1940 né.

Como acontece a expansão da cidade?

A partir da década de 1960 começa o êxodo rural e começa a criação de

loteamentos e paralelamente a expansão horizontal você tem a expansão vertical também que

é quando começam a surgir os primeiros arranha céus de Maringá, o Maria Tereza, no caso o

primeiro é o Três Marias aí vem o edifício Maringá, o Maria Tereza e aí vai, a década de 1960

inaugura essa nova fase de Maringá.

Ainda na década de 1960 você tem também uma incrementação em outros

setores de Maringá, como, por exemplo, no setor educacional né você tem a entrada do ensino

superior que começa com a entrada da faculdade de economia, aí vem a de direito, aí vem a

de Filosofia, Ciências e letras ainda não é na UEM não são em faculdades isoladas a

Faculdade de Ciencias econômicas que é de 1961, a de direito que é de 1965 e a de letras e

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ciências humanas que é de 1966. É a junção destas três faculdades que vai gerar em 1969 a

UEM, mas antes da UEM já tem curso superior em Maringá, são estas três faculdades.

O que acontece na década de 1960, muda muita coisa?

Na verdade muda bastante, mas muita gente ia embora daqui para estudar

porque as opções ainda eram muito poucas né. Maringá perdeu muita gente por causa disso

nos anos 1960 porque muita gente saía daqui para estudar em Curitiba pra ir pra São Paulo,

para o interior de São Paulo e nas regiões mais antigas que tinham universidades mais

categorizadas então Maringá nos anos 1970 que a UEM se consolida.

E na década de 1970 o que acontece com a Raposo Tavares? Pois em alguns relatos dos

entrevistados, inclusive do pastor Nilton Tuller, há mudanças e a criação do Templo

Aberto.

O que acontece é que a praça Raposo Tavares sofre uma nova intervenção

que é um projeto de Luty Kasprowicz que era secretário de planejamento e arquiteto do

Silvio Barros em 1973/1974 aproximadamente, ele que projeta a Raposo Tavares dentro do

desenho atual dela, é um novo projeto. O templo ele é desse período, o Nilton Tuller teve uma

relação de convivência com o Silvio Barros, eles se davam muito bem e ele requeriu,

requisitou que ali houvesse um templo aberto para os protestantes. O Luty Kasprowics

aplicou ali uma arquitetura em formato plissado, uma arquitetura moderna em outras praças

ele utilizou o mesmo método com bancos em formatos diferentes sem encosto que até hoje se

você olhar é mantido até hoje. A ideia do Luty era a praça não envelhece com o tempo, esta

arquitetura foi feita a frente do seu tempo.

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