(inter)subjetividades no gÊnero documentÁrio

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8/8/2019 (INTER)SUBJETIVIDADES NO GÊNERO DOCUMENTÁRIO http://slidepdf.com/reader/full/intersubjetividades-no-genero-documentario 1/63 Beatriz Paiva Matos Fontes (INTER)SUBJETIVIDADES NO GÊNERO DOCUMENTÁRIO:  a construção das identidades a partir do encontro entre documentarista e atores sociais no filme Promessas de Um Novo Mundo  Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2010  

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Beatriz Paiva Matos Fontes

(INTER)SUBJETIVIDADES NO GÊNERO DOCUMENTÁRIO: a construção das identidades a partir do encontro entre documentarista e atores

sociais no filme Promessas de Um Novo Mundo 

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2010

 

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Beatriz Paiva Matos Fontes

(INTER)SUBJETIVIDADES NO GÊNERO DOCUMENTÁRIO:a construção das identidades a partir do encontro entre documentarista e atores

sociais no filme Promessas de Um Novo Mundo 

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social, doDepartamento de Ciências da Comunicação do Centro Universitáriode Belo Horizonte – Uni-BH, como requisito parcial para obtenção dotítulo de bacharel em Jornalismo.

Orientadora:. Mestre Ana Rosa Vidigal Dolabella

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

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Dedico este trabalho a toda minha família, aos meus pais Tadeu eMaria José, aos meus irmãos, Laura, Cristina e Henrique, ao meunamorado Diego e aos professores do curso de jornalismo do UNI-BH, por todo o incentivo do início ao fim. 

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AGRADECIMENTOS 

Agradeço primeiramente, a Deus, por me dar saúde e força, pelas conquistas, pelas pessoas

que fazem parte da minha vida, que são maravilhosas, pelas oportunidades que me fizeram

crescer e amadurecer diante dos caminhos percorridos. Agradeço aos meus pais Maria José e

Tadeu, que foram a base de tudo, e irmãos, Laura, Cristina e Henrique, pelo estímulo, carinho,

paciência, cuidados, preocupação, dedicação, caráter, e principalmente pelo esforço individual

de cada um, sem desistirem em meio a tantas dificuldades ao longo dos últimos anos, para que

pudessem me dar educação e que tivesse a oportunidade de uma formação superior. Sem essa

família que tanto amo não teria condições de realizar meu sonho. Ao meu namorado Diego

que é um exemplo de pessoa pelo seu caráter, força de vontade, dedicação e superação. Porme trazer tanta alegria sendo uma brilhante pessoa, compreensiva, me apoiando em tudo, e

que, através de suas palavras me fortalece a cada minuto, e também por todos os perfeitos

momentos vividos ao seu lado. A minha orientadora Ana Rosa Vidigal pelo conhecimento

adquirido, por ser tão educada e carinhosa que me passou tranquilidade e que sua dedicação e

disponibilidade proporcionaram um agradável estudo.  Agradeço por último a todos os

parentes e amigos pela convivência, pelas palavras incentivadoras e por toda a torcida para

que eu conseguisse chegar até aqui. Agradeço a todos vocês que fizeram parte da realizaçãode um sonho.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................06

2 CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE NO DOCUMENTÁRIO.........................09

2.1 Concepção de construção social da realidade.....................................................................09

2.2 Concepção de documentário...............................................................................................11

2.2.1 O ponto de vista no filme documentário..........................................................................16

2.2.2 Documentário como instrumento de mobilização social.................................................19

2.2.3 O encontro entre documentarista e sujeito do filme........................................................21

2.2.4 Subjetividade no documentário........................................................................................252.2.5 Identidades nacionais e sua construção no documentário................................................26

3 NARRATIVA, OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA E CONSTRUÇÃO DE

IDENTIDADES.......................................................................................................................28

3.1 Narrativa..............................................................................................................................28

3.2 A objetividade e subjetividade jornalísticas........................................................................30

3.3 Globalização e as novas identidades...................................................................................33

4 ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO....................................................................................414.1 Histórico do documentário Promessas de Um Novo Mundo..............................................41

4.2 Histórico do conflito entre israelenses e palestinos............................................................42

4.3 Tipos e características do documentário.............................................................................48

4.3.1 O ponto de vista no filme documentário..........................................................................53

4.3.2 Atores sociais, participação e condução do documentarista através de encontros e

diálogos e subjetividade do gênero...........................................................................................54

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................60

6 REFERÊNCIAS...................................................................................................................62

ANEXOS..................................................................................................................................63

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1 INTRODUÇÃO

O gênero documentário, que nos remete a mobilizações sociais, sempre despertou interesse de

uma maneira entusiasmada. O documentário pode ser visto como um instrumento

informativo, que abre portas para conhecer várias realidades e contextos diferentes. Através

do nosso olhar, o gênero documentário nos dá a possibilidade de conhecermos a imensidão do

mundo.

Segundo ressalta Fagundes e Zandonade (2003), o documentário tem extrema importância

enquanto mobilizador social, pois consegue estabelecer ligações entre os assuntos que aborda

  juntamente com o mundo em que os espectadores estão inseridos. Assim como valoriza osindivíduos em suas potencialidades e capacidades de construção social.

O documentário dá a oportunidade ao espectador de descobrir e conhecer a respeito de

questões sociais, daquilo que antes não se tinha uma visão. Essa visão coloca diante de nós

questões sociais e atualidades, problemas recorrentes e soluções possíveis. Pode direcionar o

espectador à uma perspectiva individual, a um ponto de vista.

Conforme Fagundes e Zandonade (2003), o documentário, como gênero audiovisual, é uma

forma de demonstração mais aprofundada dos acontecimentos de determinada realidade. E

que pode ser usado para mobilizar a sociedade, desenvolver o aspecto crítico dos cidadãos e

formar opiniões. Vale lembrar que é uma representação, portanto trata-se de um recorte de

uma realidade.

Em meados do ano de 2004, cursando o último ano do Ensino Médio, tinha algumas dúvidasem qual curso superior seguir, mas estava convicta que meu desejo era de exercer uma

profissão que proporcionasse reflexões acerca dos assuntos cotidianos que pudessem ajudar

grupos e comunidades a transformação social.

Assisti, pela primeira vez, no final de 2004, em um canal educativo o documentário

Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001), que tinha como proposta de trazer ao

mundo a visão e a opinião de crianças palestinas e israelenses a respeito da guerra pela

disputa das terras em Israel, e, dessa opinião, fazer com que os espectadores refletissem a

respeito da convivência entre os seres humanos e da paz mundial. Partindo desse

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documentário, e com a idéia de que eu poderia unir meu interesse em documentários e

reportagens de cunho social, surgiu o desejo de cursar jornalismo.

A principal proposta do documentarista e repórter, B.Z Goldberg, que participa das cenas do

filme Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001) , interagindo e fazendo perguntas para

os sujeitos escolhidos, é utilizar seu potencial como jornalista, aproveitando uma câmera e

gravando cenas de determinada realidade em um tempo e espaço. Diante dessas gravações, e

da proposta do organizador, está a interferência proposital do documentarista em relação ao

cotidiano dos sujeitos escolhidos. A partir dessa proposta, o documentarista tenta aproximar

algumas crianças, que se veem distantes uma das outras, com intuito de despertar uma

reflexão em torno da realidade no dia a dia delas.

O presente trabalho analisa o filme documentário Promessas de Um Novo Mundo (Promises,

2001) , dos diretores Justine Arlin, Carlos Bolado e B.Z. Goldberg, O filme diz respeito ao

cotidiano e à rotina de crianças israelenses e palestinas que convivem com uma guerra. O

interesse é saber como os documentaristas conduzem as gravações do filme, através do

cotidiano e da rotina das crianças, como se dá a interferência nas vidas dos sujeitos escolhidos

como atores sociais do filme.

Nesta pesquisa, são analisados a construção dos conceitos a respeito do gênero documentário;

a construção social da realidade pela linguagem; a narrativa jornalística, e as questões sobre

objetividade e subjetividade jornalística; identidades; e o contexto da guerra entre israelenses

e palestinos.

Será tratado primeiramente como se dá a construção social da realidade, através dos autores

Berger e Luckmann (2002), em seguida, pelo autor Bill Nichols (2007) a concepção dedocumentário bem como sua trajetória, estrutura e características do gênero. Para tratar sobre

os pontos de vista no documentário, serão enfatizados os conceitos de autores como Penafria

(2001), Fagundes e Zandonade (2003), que trazem a importância do gênero como mobilizador

social, e Yakhni (2003), que cita a questão diretor do filme interagir com o tema escolhido.

Além da importância e as consequências da presença do documentarista, classificando como

subjetivo o encontro entre o documentarista e sujeito de seu tema, abordados por Fróis (2007).

Finalizando esse capítulo, Bill Nichols (2007) traz o aspecto das identidades nacionais e sua

construção dentro do gênero documentário.

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Em seguida, inicia-se com a narrativa. Primeiramente, Sodré e Ferrari (1986) apresentam

algumas regras de reportagem utilizadas para a construção das notícias, que são conceitos

relevantes para entender as técnicas de reportagem utilizadas na construção do filme pelo

repórter documentarista. Maurice Mouilland (2002) aborda os critérios de noticiabilidade, e

sobre a questão da objetividade jornalística, Luiz Amaral (1996) observa a relação com a

subjetividade e o conceito de verdade. No âmbito da construção das identidades, Néstor

Canclini (1999) atribui à globalização a transformação de identidades, enquanto Stuart Hall

(2005) descreve a crise pelo qual o processo de globalização das identidades modernas

atravessa, como a perda de sentido, fragmentando culturas de classe, gênero, sexualidade,

etnia, raça e nacionalidade.

Por fim, a abordagem do objeto empírico, traz, através do documentário Promessas de Um

 Novo Mundo (Promises, 2001), a análise da maneira pela qual o documentarista conduz e

interfere na construção social da realidade dos sujeitos de seu filme, para realizar uma

aproximação entre crianças israelenses e palestinas, que se encontram distantes segundo

fatores sociológicos, culturais, políticos e religiosos. Num primeiro momento, propõem-se um

breve histórico a respeito da guerra entre povos israelenses e palestinos. Em seguida, são

tratadas características principais do documentário. Em um segundo momento, é analisado ospontos de vista no filme documentário, o encontro entre o realizador do filme e o objeto

filmado. Finalmente, é abordada a maneira particular e subjetiva do documentarista conduzir

o filme para, então, realizar interferências em um contexto social.

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2 CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE E

DOCUMENTÁRIO

2.1 Concepção de construção social da realidade

Berger e Luckmann (2002) afirmam que a construção social da realidade se estabelece através

da análise da vida cotidiana dos homens na sociedade, da vida subjetiva e da objetiva. A vida

cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente

dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente.

Vivo num lugar que é geograficamente determinado; uso instrumentos, desde os abridoresde latas até os automóveis de esporte, que têm sua designação no vocabulário técnico daminha sociedade; vivo dentro de uma teia de relações humanas, de meu clube de xadrezaté os Estados Unidos da América, que são também ordenadas por meio do vocabulário.Desta maneira a linguagem marca as coordenadas de minha vida na sociedade e enche estavida de objetos dotados de significação. (BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 39).

Segundo Berger e Luckmann (2002), objetos que estão mais distantes do alcance do indivíduo

lhes interessam menos do que aqueles que estão mais acessíveis e que fazem parte de seu dia

a dia. Cada um interage à sua maneira com o outro, as pessoas vivem num mundo

intersubjetivo. A perspectiva de mundo do outro não é igual a nossa. Os indivíduos podem

interagir ou entrar em conflito em algum momento com outras pessoas, devido a nossa relação

de convívio cotidiana.

O conhecimento é compartilhado de uma pessoa para outra por meio do senso comum, na

rotina. É visto como real aquilo que está no convívio da vida cotidiana. Pode-se ter uma

realidade problemática na rotina. Essa realidade aparece quando algo que não se tem ocostume de fazer surge diante do seu cotidiano quebrando a rotina. Por não ter o

conhecimento necessário, o indivíduo não saberá o que fazer. Berger e Luckmann (2002)

demonstram essa idéia.

Mas mesmo o setor não problemático da realidade cotidiana só é tal até novoconhecimento, isto é, até que sua continuidade seja interrompida pelo aparecimento de umproblema. Quando isto acontece, a realidade da vida cotidiana procura integrar o setorproblemático dentro daquilo que já é não-problemático. O conhecimento do sentido

comum contém uma multiplicidade de instruções sobre a maneira de fazer isso.(BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 42).

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A realidade é definida de acordo com o tempo que se está vivendo e este tempo é contínuo e

finito. Vive-se de modo a compartilhar a realidade cotidiana com os outros face a face, assim

se dá a interação social.

Objetos fazem parte da subjetividade humana cotidianamente. Os indivíduos envolvem-se

com esses objetos que acabam por fazer parte da subjetividade do mundo em que vive e que

conhece. Os sinais também fazem parte da objetivação humana. Berger e Luckmann (2002)

descrevem que os sinais agrupam-se em um certo número de sistemas. Assim, há sistemas de

sinais gesticulatórios, de movimentos corporais padronizados, de vários conjuntos de artefatos

materiais, etc.

Desses sinais, a linguagem é considerada o mais importante sistema da sociedade humana.

Nela tem-se a maior relação de reciprocidade. O indivíduo mantém uma relação face a face

com outras pessoas; assim surge uma interação com o outro.

Essa interação é compartilhada no dia-a-dia. Absorve-se as informações que outras pessoas

têm a oferecer e também passa-se o conhecimento pessoal sobre tal realidade, essa relação

que se dá é o chamado de senso comum. O conhecimento individual é restrito e tem limites,pois não se conhece toda realidade.

O conhecimento individual é específico ao mundo em que se vive e se conhece, é adquirido

de acordo com interesses pessoais. O indivíduo tem interesse em conhecer aquilo que lhe será

útil de alguma maneira, que utiliza ou que acrescentará algo para sua vida. Diante do mundo

onde vive, que ele conhece, onde sabe como agir, o que fazer e como fazer. O indivíduo ao se

deparar com uma realidade que não faça parte do seu cotidiano provavelmente não saberácomo agir o que fazer ou como fazer.

É por meio das convivências que o conhecimento social é estruturado. O conhecimento na

vida cotidiana socialmente é distribuído, isto é, possuído diferentemente por diversos

indivíduos e tipos de indivíduos. Por mais que o indivíduo tenha conhecimento sobre

determinada realidade ainda lhe faltará conhecimento do todo dessa realidade.

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2.2 Concepção de documentário

Bill Nichols (2007) classifica os filmes ficcionais por gêneros: terror, ficção científica,

aventura, drama, comédia etc. Estes possuem atores teatrais que encenam diante de câmeras,

representando alguma coisa ou alguém, assinam contratos e seguem um roteiro obedecendo a

imposições geralmente distribuídas pelo diretor do filme.

Os documentários estão incluídos no grupo de não-ficção e encaixam-se nesta classificação

por terem como características a transmissão de recortes dos acontecimentos de determinada

realidade. As pessoas são definidas como atores sociais.

Nichols (2007) afirma que o filme documentário não é a reprodução de uma realidade e sim

uma representação dela. O filme representa apenas uma visão de mundo, no qual podemos

encontrar aspectos familiares, porém, talvez nunca tenhamos nos deparado antes com essa

visão.

Julgamos uma reprodução por sua fidelidade ao original  – sua capacidade de se parecercom o original, de atuar como ele e de servir aos mesmos propósitos. Julgamos umarepresentação mais pela natureza do prazer que ela proporciona, pelo valor das idéias oudo conhecimento que oferece pela qualidade da orientação ou da direção, do tom ou doponto de vista que instala. (NICHOLS, 2007, p. 48).

Segundo Nichols (2007), os atores sociais continuam a levar a vida mais ou menos como

fariam sem a presença da câmera. O autor esclarece que “inibição e modificações de

comportamento podem se tornar uma forma de deturpação, ou distorção, em um sentido, mas

também documentam como o ato de filmar altera a realidade que pretende representar.”

(NICHOLS, 2007, p. 31). 

Nichols classifica que os filmes de ficção são chamados de documentário de satisfação de

desejos. Despertam a imaginação, demonstram aquilo que desejamos e o que tememos. Os

documentários de não-ficção são os de representação social, se diferem por serem uma

organização e seleção do organizador. De acordo com Nichols (2007), tornam visível e

audível, de maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social.

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O gênero proporciona oportunidade de descobrir e conhecer a respeito de questões sociais,

daquilo que antes não se tinha determinado conhecimento. O documentário nos coloca diante

de questões sociais e atualidades, problemas recorrentes e soluções possíveis. Pode direcionar

o espectador a uma perspectiva individual, a um ponto de vista.

Os documentários fazem uma ligação entre três histórias, e as relaciona durante as gravações:

a do cineasta, que vem a ser um ator social que pode representar o recorte de uma história que

contará e mostrará alguma coisa ou alguém, através de uma obra que é o filme, e transmitindo

os acontecimentos para um público, que são os espectadores.

O realizador do documentário deve manter a ética na realização de seu filme. Os sujeitosrepresentados em tal situação e realidade correm o risco de serem submetidos aos efeitos

imprevisíveis que a exposição pode lhes acarretar.

O que fazer com as pessoas? Formulada de outra maneira, a pergunta é “queresponsabilidade têm os cineastas pelos efeitos de seus atos na vida daqueles que sãofilmados?”. Essa pergunta faz recair uma parcela de responsabilidade diferentes sobr e oscineastas que pretendem representar os outros em vez de retratar personagens inventadospor eles mesmos. Essas questões adicionam ao documentário um nível de reflexão éticaque é bem menos importante no cinema de ficção. (NICHOLS, 2007, p. 32).

A estrutura da filmagem implica na interação entre cineastas, pessoas e o público. Consiste

em três formulações verbais: eu falo deles para você; ele fala deles ou de alguma coisa para

nós; eu falo ou nós falamos de nós para você.

Na primeira formulação, eu falo deles para você, o realizador representa um grupo de pessoas

a fim de tratar algum assunto ou narrar uma história. É a forma mais utilizada e costuma ser

narrado em voz over por alguém que se omite para o público. Também pode ter a presença do

cineasta diante da câmera narrando argumentos e dialogando com o espectador ou com os

personagens do filme.

A segunda formulação, ele fala deles ou de alguma coisa para nós, se dá mais em vídeos

institucionais que servem para informar com credibilidade o espectador sobre algum aspecto

do mundo, se referindo a um grupo de pessoas em geral. Também tem como característica odistanciamento entre quem está falando e o público. Usa o recurso de voz over .

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Trazendo como última formulação, eu falo ou nós falamos de nós para você , tem como forte

característica a união e relação que se dá entre o documentarista e as pessoas que serão

representadas no filme. Estas pessoas vão assumir suas identidades a fim de resolver ou

levantar a bandeira de uma causa, ou que procuram tornar visíveis suas experiências, e assim,

a partir de fortes expressões pessoais consegue estabelecer um grau de intimidade com o

espectador.

Os documentários podem ser também o produto de uma instituição. Quando o são, seguem

rótulos dos meios e canais que serão veiculados, e tem como características determinadas

convenções e estão limitados em sua produção. Por seguir tais regras o documentárioinstitucional é questionado a cerca do grau de sua objetividade.

Segundo Nichols (2007), os cineastas que produzem documentários, bem como as instituições

que os financiam, nutrem certas suposições e expectativas sobre o que fazem. Embora toda

estrutura institucional imponha limites e convenções, os cineastas não precisam acatá-las

inteiramente. A tensão entre expectativas instituídas e inovação individual revela-se, com

freqüência, uma fonte de mudança.

Dentro da estrutura do corpo do texto no documentário, podemos dizer que ele é um gênero

como qualquer outro, mas existem algumas características que o diferencia, tais como: uso de

comentário com voz de Deus, entrevistas, gravação de som direto, cortes para introdução de

imagens que ilustram ou complicam a situação a ser mostrada numa cena e o uso de atores

sociais ou de pessoas em suas atividades e papéis cotidianos, como personagens principais do

filme.

Ainda no corpo do texto do documentário se dá o segmento de uma lógica informativa através

da solução de problemas. É colocado um problema ou tópico sustentando um argumento, em

seguida serão dadas informações a respeito deste problema e termina com um exame da

complexidade do assunto.

Há também a fase de montagem que, segundo Bill Nichols (2007), classifica a montagem

documental como montagem de evidência, “...em vez de organizar os cortes para dar a

sensação de tempo e espaço únicos em que seguimos ações dos personagens principais, a

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montagem de evidência os organiza dentro da cena de modo a dar a impressão de um

argumento único, sustentado por uma lógica”. (NICHOLS, 2007, p. 58).

Nichols (2007) formula que o documentário é marcado por fases e períodos, países e regiões

têm seus próprios estilos e tradições. Os documentaristas europeus e latino-americanos optam

por formas subjetivas e abertamente retóricas, os britânicos e norte-americanos preferem um

estilo mais objetivo e observativo. É através da estrutura do filme, de seu contexto e da mente

do espectador que sai a sensação do gênero ser um documentário. O público espera

informação, ele quer aprender e se emocionar com o que será visto.

Em sua produção, o gênero documentário possui determinados estilos, classificado emsubgêneros. Representados através de seis modos: poético, expositivo, participativo,

observativo, reflexivo e performático. Nichols (2007) explica que, mesmo classificando um

documentário como um modo específico, a identificação de um filme com certo modo não

 precisa ser total. “As características de um dado modo funcionam como dominantes num dado

filme: elas dão estrutura ao todo do filme, mas não ditam ou determinam todos os aspectos de

sua organização Resta uma considerável margem de liberdade.” (NICHOLS, 2007, p. 136).

O modo poético faz pouco uso da retórica, aproximando-se mais do cinema de vanguarda. Os

aspectos emocionais e líricos são destacados e é desprezada a montagem em continuidade, e a

idéia de localização no tempo e no espaço. Traz relatos do mundo histórico, as pessoas e

objetos são postos em igualdade de condições, seleção e organização dos cineastas mais

subjetivas.

No modo expositivo, ao contrário do poético, é utilizado a retórica e uma lógica

argumentativa na representação do mundo histórico. Nichols enfatiza a impressão de

objetividade e argumento bem embasado. Nesse modo, a fala é direta com o público, seja

através de legendas ou comentários em voz de Deus (escutamos a voz mas não vemos quem

narra). As imagens têm menos destaque do que a fala dos sujeitos. Nichols destaca a fala

como algo que representa a perspectiva ou o argumento do filme. “Seguimos o conselho do

comentário e vemos as imagens como comprovação ou demonstração do que é dito.”

(NICHOLS, 2007, p. 144).

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O modo observativo consiste em uma câmera ligada filmando os atores sociais sem

intervenção do documentarista que apenas observa e grava as cenas. Os espectadores tiram

suas conclusões baseando-se no que se observa diante das cenas ou a respeito do que é

ouvido. Como o realizador do filme não participa explicitamente das cenas o espectador

assume um papel mais ativo na determinação da importância do que se diz e faz. Esse modo

do documentário transmite a idéia de duração real dos fatos que foram filmados.

No participativo, o cineasta interage com os atores sociais e representa estes sujeitos, fala de

sua experiência e o que experimentou. A entrevista é a maneira mais comum no encontro

entre cineasta e tema. Ele pode realizar entrevistas ou se envolver de uma forma mais direta e

transmitir a sensação de como é estar em determinada situação, mas sem noção do que é estarlá. Nesse modo, o cineasta deixa de lado o comentário em voz over e o poético, ele se torna

também um ator social  podendo fazer interferências, críticas, interrogações, colaborar ou

provocar.

Os cineastas que buscam representar seu próprio encontro direto com o mundo que oscerca e os cineastas que buscam representar questões sociais abrangentes e perspectivashistóricas com entrevistas e imagens de arquivo constituem dois componentes importantesdo modo participativo. Como espectadores, temos a sensação de que testemunhados umaforma de dialogo entre cineasta e participante que enfatiza o engajamento localizado, ainteração negociada e o encontro carregado de emoção. Essas características fazem omodo participativo do cinema documentário ter um apelo muito amplo, já que decorreuma grande variedade de assuntos, dos mais pessoais aos mais históricos. (NICHOLS,2007, p. 162).

No modo reflexivo, o cineasta passa a manter a relação com os espectadores, que se torna o

foco. O cineasta passa a ser acompanhado pelo espectador. Essa relação traz histórias do

mundo como também os problemas e questões de representação. Nesse modo toma a forma de

realismo físico, psicológico e emocional feitos através de uma montagem técnica e

desenvolvendo o personagem e uma estrutura narrativa.

Por último descrevemos o modo performático, que tem como sua característica a

subjetividade. Documentários desse modo representam o social de forma emocional, o

subjetivo com a união do geral ao particular, individual ao coletivo e o político ao pessoal.

A dimensão expressiva pode estar ancoradas em indivíduos específicos, mas estende-separa abarcar uma forma de reação subjetiva social ou compartilhada, sendo representados

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na maioria das vezes por ditos excluídos socialmente como: mulheres, as minorias étnicas,gays, lésbicas, etc.” (NICHOLS, 2007, p. 172).

Os sons e as imagens formam um conjunto que dá ao documentário uma voz própria. Essa

voz pode apresentar pelo diretor um argumento, defender uma causa, transmitir um ponto de

vista, tentando nos persuadir ou nos convencer. As palavras ditas ou escritas no filme é a

maneira mais explícita de se representar um ponto de vista, estas por sua vez, são

denominadas de “voz de Deus”.

2.2.1 O Ponto de vista no filme documentário

Conforme Bill Nichols, “...no documentário, o estilo deriva parcialmente da tentativa do

diretor de traduzir seu ponto de vista sobre o mundo histórico em termos visuais, e também de

seu envolvimento direto no tema do filme.” (NICHOLS, 2007, p. 74).

No documentário ou cinema não ficcional são organizados diversos elementos: entrevistas,

cenários naturais, câmera no ombro, som ambiente, legendas, música, imagens filmadas,

imagens de arquivo, reconstruções, etc. Essas características servem para que os espectadores

tenham uma visão mais próxima de uma realidade.

Classificado também como não-ficção, esse gênero traz a relação que o documentarista tem

com o sujeito ou os sujeitos de seu filme. Segundo Penafria (2001) o gênero é caracterizado

pelo cinema narrativo. Possui uma estrutura dramática que é constituída por personagens,

espaço da ação, tempo da ação e conflito. As cenas e as seqüências são sucedidas por uma

lógica que advém uma idéia de transmissão do realizador do sobre determinado assunto.

Através do uso da câmera e da montagem técnica que se realiza, é que o cineasta define qual o

ponto de vista utilizar e mostrar aos espectadores. O ponto de vista escolhido e utilizado dará

o nível de envolvimento do espectador e este só terá acesso a um ponto de vista de cada vez.

Tendo em conta que o ponto de vista de um plano é entendido como representando umavisão individual, seja a do documentarista, seja a de um interveniente, o ponto de vistadetermina com quem o espectador se identifica e o modo como o espectador lê os planos(e o filme) e interpreta a acção. (PENAFRIA, 2001, p. 2).

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Segundo Penafria (2001), podemos encontrar no filme narrativo tais pontos de vista: na

primeira pessoa, na terceira pessoa e ponto de vista omnisciente. O ponto de vista na primeira

pessoa apresenta acontecimentos que são transmitidos e vistos através dos olhos de uma

personagem. O espectador não vê reações do personagem. Técnica utilizada para efeitos de

suspense. O ponto de vista da terceira pessoa se caracteriza por uma ação que é vista por um

observador ideal, técnica bastante utilizada nos filmes de Hollywood. No ponto de vista

omnisciente, é preciso que sejam dadas indicações ao espectador a respeito do que as

personagens pensam. No ponto de vista ambíguo, são alternados pontos de vista na primeira

pessoa e na terceira pessoa, podendo ser feito dentro de um plano ou em vários planos

recorrendo a montagem.

Existem dois tipos de controles: um gráfico e outro narrativo. O controle gráfico diz respeito

às características que compõem os planos como posição do plano, grandeza dele,

enquadramento, posição dos elementos em relação às margens do plano, iluminação. O

controle narrativo está envolvido com a montagem e suas técnicas. O controle gráfico se

encontra na parte da pré-produção (pesquisa e desenvolvimento), e na produção (filmagens) e

o narrativo está na etapa da pós-produção (montagem).

É necessário que seja feito uma preparação antes da realização do filme para o documentarista

saber distinguir entre o que pode ser interessante e o que não é no processo das filmagens, e

também, caso este se depare com algum imprevisto, saiba como lidar com essas

circunstâncias. Essa etapa é conhecida como a pré-produção. Nela, são realizadas pesquisas

para desenvolver o tema ou assunto a ser tratado, nessa fase também entra a motivação do

documentarista junto a justificativa pelo interesse de realizar tal filme. O realizador do filme

deve abordar tal tema, recolher informações, caracterizar e selecionar os locais a serem

filmados, fazer a caracterização dos sujeitos escolhidos a participarem do filme, definir qual o

tipo de estrutura do filme, os tipos de planos, etc.

Podemos encontrar uma diversidade de temas a serem abordados. Essa diversidade advém da

complexidade do mundo em que vivemos. Outra característica marcante do gênero é que se os

acontecimentos não foram gravados no momento decorrido, são usadas cenas de arquivo ou

são feitas reconstrução de cenas para relatar o que se quer. Penafria (2001) explica como

surgiu essa característica.

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Tal uso foi legitimado pela escola de John Grierson, criador e figura emblemática doprimeiro movimento documentarista, na Grã-Bretanha (anos 30). Nas imagens de arquivoo ponto de vista não foi, obviamente, escolhido pelo documentarista mas, integrar essasimagens implica uma selecção, o que permite afirmar que essas mesmas imagens seadequam ao filme que se está a realizar. (PENAFRIA, 2001, p. 4).

Cada plano é representado por um ponto de vista, o documentarista pode ter ou não

consciência deste aspecto e tem a responsabilidade de pensar na especificidade de cada plano.

O ponto de vista em determinado assunto é representado através da escolha e seleção de cenas

e imagens, que são combinadas e feitas pela organização do documentarista. O controle

gráfico é articulado com o narrativo, cada plano é especificado em relação com o filme todo.

A relação entre o realizador e sujeito filmado se dá através das filmagens. Nessa relação, é

necessário que o cineasta defina o nível de envolvimento para cada momento de seu filme.

Uma questão bastante discutida é o momento em que a câmera está ligada para filmar o

sujeito, se uma câmera por vezes altera seu comportamento. Penafria (2001) ressalta que não

é possível que os sujeitos escolhidos para representarem o recorte de uma realidade alterem

completamente seu comportamento por não serem atores.

A câmera não é um mecanismo de alteração de comportamentos; a sua presença torna-se,ao fim de algum tempo, um mecanismo que facilita a expressão de cada interveniente. Porum lado, essa facilidade deriva da relação de confiança que o documentarista estabelececom os intervenientes e, por outro lado, pelo facto de as pessoas estarem de tal modoenvolvidas em determinada situação que tendem a esquecer a presença da câmera. Ouainda, pelo facto de as pessoas verem na câmera um meio que lhes permite ter "voz"(PENAFRIA, 2001, p. 5).

A escolha do filme pode estar relacionada com alguns fatores sociais, econômicos, culturais,

políticos, etc. O documentarista pode criar e recriar o tempo todo a forma e conteúdo de seu

filme. As formas junto a criatividade do realizador que dará vida e especificidade ao

documentário.

O cineasta dispõe de uma obra pessoal que parte da necessidade de um realizador de expressar

algo. E é através do olhar do documentarista que o espectador descobre o recorte de

determinada realidade, ele é a referência e base de tudo. É comum encontrarmos na produção

de um documentário equipes reduzidas em que o realizador costuma ser o produtor, câmera e

editor. Penafria (2001) comenta a respeito das tarefas do documentarista.

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Apresentar novos modos de ver o mundo ou de mostrar aquilo que, por qualquerdificuldade ou condicionalismos diversos, muitos não vêm ou lhes escapa, é então aprincipal tarefa de um documentarista. Estes muitos a que me refiro, podem ser osespectadores ou os próprios intervenientes de um filme. O ponto de vista implica que odocumentarista sente necessidade em expressar algo pessoal. É precisamente sobre a visão

pessoal que cada filme nos apresenta que a questão da sua relação com os intervenientesdo filme se coloca com mais pertinência. (PENAFRIA, 2001, p. 7).

O cineasta deve estar sempre atento às informações que lhe podem ser úteis e estabelecer uma

relação que exige certa proximidade com os sujeitos. O filme é o resultado de caminhos

percorridos pelo realizador e que serão compartilhados com os espectadores. E é essa relação

que vai dar o que de melhor tem o filme, que é o envolvimento dos espectadores através das

experiências transpassadas pelo documentário.

A relação que o documentarista estabelece com os intervenientes é, pois, complexa. planossequência e planos longos, muito utilizados no documentário, são a prova dessa relação.Este tipo de planos revelam uma necessidade em não quebrar a unidade, a complexidade eambiguidade de que é feita a própria realidade. Em geral, este tipo de planos, implicam aselecção de um ponto de vista ambíguo em que se apela à participação dos espectadorespara uma leitura crítica do filme. A relação de confronto que se estabelece com osintervenientes advém do estatuto do documentário enquanto obra cinematográfica.(PENAFRIA, 2007, p. 8).

Ao realizar um filme, o documentarista deve se preocupar com as questões éticas envolvidas,

as pessoas que serão filmadas. Devem indagar se os personagens estarão conscientes do

impacto que poderão ter expondo sua vida diante de uma câmera; bem como até quando

devem filmar; limites entre o que pode ser mostrado publicamente e o que deve ser privado;

até que ponto vai o direito dos espectadores de obterem determinada informação e onde

começa a privacidade que é um direito dos sujeitos filmados; se o documentarista tem o

direito de contar a história de outro. São questões pertinentes que devem ser pensadas.

Penafria destaca a respeito dos planos na relação do documentarista com os sujeitos do filme.

2.2.2 Documentário como instrumento de mobilização social

Conforme Fagundes e Zandonade (2003), o documentário, como gênero audiovisual, é uma

forma de demonstração mais aprofundada dos acontecimentos de determinada realidade. Pode

ser usado para mobilizar a sociedade, desenvolver o aspecto crítico dos cidadãos e formar

opiniões. No jornalismo se utiliza o documentário para transmitir conhecimento ou um fato

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sobre um assunto para os telespectadores. Vale lembrar que é uma demonstração, não de um

todo e, sim, de algumas partes, portanto se trata de um recorte.

Em toda trajetória histórica do documentário, desde o início do século passado, osassuntos abordados no cinema ou na televisão sempre envolveram a realidade dedeterminados fatos ou pessoas. Com isso, reforça-se a teoria de que ele pode ser umimportante instrumento para o conhecimento real dos acontecimentos, de maneira acompreender os mecanismos de construção daquela realidade. Nesse sentido destaca-se opapel da televisão e do jornalismo, na difusão das informações pertinentes aodesenvolvimento crítico da sociedade, com o vídeo documentário. (FAGUNDES,ZANDONADE, 2003, p. 31).

Segundo Fagundes e Zandonade (2003) o gênero surgiu como forma cinematográfica da

necessidade de registrar fatos do dia a dia dos seres humanos e dos animais. As primeirasevidências do gênero nasceram de Robert Flaherty, que acompanhou no período de 1912 a

1919 a vida de esquimós no norte do Canadá. Lançou o filme Nanouk, o esquimó, em 1922.

O documentário pode ser encontrado na característica clássica ou moderna. O estilo clássico

nasceu na escola britânica de John Grierson, início do século XX. A esse modelo eram

atribuídas as ilustrações e narrações, e os vídeos costumavam ser institucionais. O modelo

moderno buscava fragmentos de uma realidade para então despertar reflexão na sociedade emseus receptores sobre os temas abordados. (FAGUNDES; ZANDONADE, 2003, p. 17).

De acordo com Fagundes e Zandonade (2003), em 1918, o russo Dziga Vertov que era um

cineasta, documentarista e jornalista, apresentou o que se chama cinema verdade. Dentro do

cinema verdade, Dziga filmava o cotidiano das pessoas.

Conforme Fagundes e Zandonade (2003), os percussores do cinema documentário mundial

Flaherty e Vertov, não se viam como documentaristas e nem diziam que produziam

documentários. As definições surgiriam posteriormente em meados da década de 30 com o

britânico John Grierson, que fundou a Escola inglesa de documentário.

Segundo ressaltam Fagundes e Zandonade (2003), o documentário tem extrema importância

enquanto mobilizador social, pois consegue estabelecer ligações entre os assuntos que aborda

  juntamente com o mundo em que os espectadores estão inseridos. Assim como valoriza os

indivíduos em suas potencialidades e capacidades de construção social.

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2.2.3 O encontro entre documentarista e sujeito do filme

Os documentários que trazem o diretor do filme interagindo com o tema escolhido, a presença

do documentarista pode determinar a qualidade na relação que se estabelecerá com o (os)

sujeito (os) de seu filme. A autora Yakhni (2003) argumenta que “a qualidade da presença do

realizador é fundamental  para a relação que acontece durante as filmagens  no sentido de

trazer para o plano da representação elementos marcantes da obra como um todo”. (YAKHNI,

2003, p. 1).

A autora classifica como subjetivo o encontro entre o documentarista e sujeito de seu tema. O

rumo dos acontecimentos do filme dependerá da reciprocidade do encontro entre as partes. Énecessário que o diretor esteja sempre atento e presente no decorrer dos acontecimentos das

filmagens para trazer o novo, inesperado. Anteriormente ao encontro, em um primeiro

momento existem elementos de impressões e afetos. Segundo Yakhni “os documentários mais

tocantes, as cenas que nunca esquecemos são exatamente aquelas que traduzem que refletem

essa verdade subjetiva de cada um, fazendo dessa pessoa alguém singular, diferente de todos

os outros seres humanos”. (YAKHNI, 2003, p. 4).

O documentarista chamado também de realizador deve se comprometer socialmente com o

outro que será filmado. Seu ponto de partida que pode ser uma pessoa, instituição, lugar ou

manifestação cultural, é representado através de uma visão singular de uma realidade e do que

será filmado dela, e transmitido para o mundo. Yakhni (2003) descreve porque classifica em

subjetivo o encontro entre as duas partes.

Essa relação sempre me pareceu crucial e determinante. Hoje, acredito que o encontro

com o outro só se revela em sua totalidade quando ele acontece entre duas subjetividades,entre dois (ou mais) sujeitos singulares e presentes inteiramente, com a totalidade de seuser. O documentário que está em questão nessa pesquisa é aquele em que o “outro” é o  tema do filme. A característica principal desse documentário é se constituir dentro dodomínio do inter-humano, da relação que o diretor estabelece com as pessoas que estáfilmando. (YAKHNI, 2003, p. 4).

Para a construção subjetiva da obra é imprescindível alguma características durante a

construção do filme, tais como: posição da câmera, o microfone escolhido (lapela ou sem fio),

a presença do diretor ou não, a escolha do plano seqüência ou de cortes ou se as perguntas

serão feitas em off  ou não. Determinadas características influenciam diretamente na

construção do ponto de vista, através dos acontecimentos. Yakhni (2003) destaca que, mesmo

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diante de tais características, subjetivas, isso não implica que o gênero documentário deixe de

mostrar uma realidade.

Desde o momento em que se escolhe o que filmar, de que ponto de vista, qual a duraçãodo plano, quem entrevistar, o que perguntar ao entrevistado, como editar o material, enfimtodas as decisões que envolvem a realização de um documentário constroem umainterpretação da realidade, traduzem um determinado ponto de vista subjetivo e singular.Todos os elementos constitutivos da linguagem cinematográfica revelam sempre a posiçãodo realizador frente aos fatos que está narrando. Isto não significa dizer que odocumentário não possa ser fiel à verdade de determinadas realidades. (YAKHNI, 2003,p. 11)

O espectador também faz parte da ligação do realizador do filme e sua obra. A partir das

imagens e os sons, o cineasta criará sensações e sentimentos construindo significadospodendo o espectador se confundir com a história do personagem do filme como sendo a sua

própria história. Ele confia nas imagens que serão postas a sua frente, espera que o filme não

sofra modificações, aguarda que os sons e as imagens tenham ligação direta com os fatos a

serem demonstrados.

No encontro entre duas subjetividades, a partir do olhar de pesquisador frente ao interesse em

pesquisar um tema desconhecido, é preciso que seja deixado de lado pré-conceitos para entãoconstruir o momento de interação. O cineasta cria uma relação dentro de sua obra e interage

com as pessoas que estarão envolvidas através de entrevistas ou depoimentos, criando um

âmbito inter-humano. Nessa relação de cineasta e sujeito, repleta de subjetividades, que é

determinada a narrativa do filme. Surgem descobertas e novidades.

O encontro do realizador com o “outro”, no filme documental está impregnado por essaquestão de maneira bastante profunda. Na medida em que nos dispomos a conhecer uma

determinada individualidade, diferente da nossa, temos que estabelecer um contato direto everdadeiro, nos deixar impregnar por essa subjetividade sem conceitos preestabelecidos,para que através de nosso silêncio interior possamos nos vincular de maneira criativa comesse outro. Se essa condição não for estabelecida no encontro com o outro, é grande aprobabilidade de não encontrarmos o que há de único e singular em cada experiência, emcada encontro. (YAKHNI, 2003, p. 23).

No documentário não existe uma pauta ou um roteiro pré-estabelecido, por se tratar de uma

realidade que irão decorrer de acontecimentos no tempo e espaço, o documentarista não

consegue realizar um roteiro que esteja totalmente definido. Existe um ato anterior às cenas,que serão filmadas e construídas, em que o documentarista fará o levantamento do assunto a

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ser tratado, realizando um contato prévio com as pessoas escolhidas e possa recolher algumas

informações. “...é só na medida em que o realizador acessar essa realidade com a sua

experiência, entrar em contato direto com os acontecimentos que a sua vivência poderá

nortear a construção do filme enquanto discurso”. (YAKHNI, 2003, p. 24).

O documentário nasce a partir de algumas perspectivas. Pode ser através de uma encomenda

para representar algo ou alguém, por uma escolha própria ou por uma experiência do

documentarista através do contato com uma pessoa ou um grupo de pessoas que lhe

despertaram o interesse para aprofundar seus conhecimentos diante de uma relação. Dentro do

processo das filmagens existe uma operação mecânica, feita através de um objeto que

reproduzirá as imagens capturadas, e um processo dito como humano, feito pelo olhar nomundo, carregado por uma subjetividade.

A respeito das entrevistas realizadas com os sujeitos participantes do documentário, existem

três maneiras diferentes. Uma delas é caracterizada pela presença do realizador que se torna

personagem diante da câmera, dentro de um quadro do filme. A outra maneira o cineasta

realiza suas entrevistas por trás da câmera, caso acumule a função de cinegrafista sua voz fica

presente e o sujeito olha diretamente para a câmera. Na terceira maneira, o realizador se

encontra atrás da câmera novamente, mas sua voz não aparece, e o sujeito tem sua fala como

um depoimento.

Na realização do gênero documentário, a equipe costuma ser bem reduzida. Em média cerca

de duas a quatro pessoas trabalham juntas na realização do filme, que tem suas funções

distribuídas em diretor, cinegrafista, técnico de som e assistente. O diretor se direciona para o

desempenho dos acontecimentos e as ligações dentro da trajetória do filme. Cabe a ele

previamente estudar, pesquisar e apurar o tema a ser tratado. Responsabiliza-se com a vida

dos sujeitos filmados e com a interação em andamento que é o que trará os aspectos principais

e primordiais no decorrer das cenas e após elas, fora do filme. Outra função que lhe cabe é

manter sua equipe em sintonia com uma idéia a ser seguida, o que criará uma coesão a ser

vista.

A atividade do cinegrafista não acompanha uma programação, pois este não consegue saber o

que será filmado antes das gravações, tendo que se adaptar aos meios e às condições das

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pessoas presentes e dos lugares em cena. Yakhni (2003) relata como é a função desse

profissional.

Poucas são as vezes em que será possível fazer uma iluminação especial e não existe apossibilidade de estar com a câmera posicionada de acordo com uma decupagem definidaanteriormente. A realidade é que será o seu ponto de partida. O seu esforço é múltiplo  –  estar atento aos acontecimentos, decidir muito rapidamente como enquadrá-los no sentidode obter uma imagem que capte o essencial e seja coerente com as premissas do filmediscutidas com o diretor anteriormente, quando é impossível para o diretor falar diretamentecom ele, principalmente se está filmando em som direto. (YAKHNI, 2003, p. 35).

O técnico de som teve sua profissão consagrada após o declínio do cinema mudo para o

cinema direto. Seu objetivo é sincronizar imagens e sons, definir qual o melhor microfone aser utilizado em cena, selecionar sons que terão seqüência com os movimentos da câmera

dando o aspecto de sintonia com as imagens filmadas. Yakhni sintetiza a importância do som:

“o som correspondente às imagens - não falseia, ao contrário, atesta todas as nuanças de uma

expressão, de um aspecto da natureza, dando uma maior consistência ao tempo real que

transcorre dentro de um plano ou de uma seqüência”. (YAKHNI, 2003, p. 40).

A conexão entre o diretor e o cinegrafista durante o filme concretiza através de códigos, como

olhares, gestos e mímicas, para facilitar uma conversa técnica no direcionamento das cenas.

Estes precisam ter seus sensos intuitivos e suas sensibilidades em trabalho constante, pois,

trata-se de ingredientes fundamentais frente aos acontecimentos e às situações decorrentes.

Para demonstrar essa relação, a autora descreve que muitas vezes o olhar de um funde-se com

o do outro.

O olhar do diretor, muitas vezes, se confunde, ou talvez seja mais preciso dizer, funde-secom o do cinegrafista. A relação entre ambos é fundamental para que haja coesão na

  percepção do fluir do tempo em cada tomada. Na verdade, essa percepção é tambémconstrução desse fluir temporal, pois a câmera estará sempre escolhendo um ponto de vista para “contar” os acontecimentos. Numa entrevista, por exemplo, durante o depoimento da pessoa, a câmera flagra, ao se aproximar num plano mais fechado, um gesto da mão querevela uma tensão e que traz uma conotação singular ao discurso. Quando a imagem voltaao rosto já será com outra significação. O gesto da mão, de alguma maneira, trouxe umanova perspectiva ao rosto, acrescentou-lhe uma nova vida. A conexão entre diretor ecinegrafista deve sempre apontar na direção dessa procura da vibração interna do tempo daação para que as suas decisões construam essa harmonia. (YAKHNI, 2003, p. 38).

Para que o filme tenha repercussão direta com o espectador, dependerá do fato do realizador

conseguir atingir uma dimensão universal com raízes subjetivas do artista que conseguir

encontrar ressonância na subjetividade do espectador. A autora conclui de uma maneira

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poética, a respeito da importância do efeito das imagens em nós “As imagens repercutem em

nossa alma, tornando-se um ser novo da nossa linguagem.” (YAKHNI, 2003, p. 43).

2.2.4 Subjetividade no documentário

O documentário possui uma interface com o jornalismo de televisão, mas apresenta algumas

peculiaridades na maneira que demonstra a realidade, principalmente na relação entre o

documentarista e o sujeito que será filmado. A subjetividade no documentário se dá através

das relações humanas que são transformadas e criadas para o filme e pelo filme. Fróis (2007)

descreve a questão da subjetividade dentro do gênero.

Uma das principais diferenças verificadas no documentarismo contemporâneo manifesta-seem certo ceticismo por parte dos cineastas no que diz respeito ao mito da objetividade. Astemáticas abordadas nos documentários devem ser tratadas profundamente, e para tal,exige-se que sejam vistas sob um determinado ponto de vista. Este ponto de vista éconstruído a partir da experiência subjetiva produzida na relação entre cineasta e tema. Odiálogo do documentarista com a sua temática, muitas vezes, acaba por recriar ouressignificar a realidade a ser tratada. (FRÓIS, 2007, p. 1).

A objetividade é sustentada pela construção de credibilidade dada ao jornalista na forma comoele aborda um fato. O jornalismo busca retratar os acontecimentos de maneira objetiva

baseando-se no discurso da ciência, despreza qualquer elemento que fuja à realidade palpável

e perceptível. Tal influência vem do movimento positivista que buscava a verdade, a certeza,

a ordem e as argumentações que fossem coerentes. A autora acredita que a questão da

imparcialidade priva os jornalistas de manifestarem relações com a realidade a ser retratada,

marcados pelo formato do lead pelos critérios de noticiabilidade que ditam o que é e o que

não é notícia, o que é mais importante, o que e a quem se entrevistar, acabam por noticiaremos fatos (cobertura de guerras, tragédias, eventos políticos ou esportivos) com distanciamento,

de forma técnica, desapaixonada e fria. Destaca-se:

Apesar disso, de acordo com Clóvis Barros, o jornalista “como qualquer profissional, évítima de sua trajetória social.” (1998, p. 136). Neste sentido, o autor traz à tona o conceitode Andréas Freund, segundo o qual, a subjetividade representará a combinação depreconceitos pessoais do jornalista e de pré-suposições compartilhadas com seu meio. Porisso, Barros defende que mesmo que os jornalistas se consagrem profissionalmente a mídia,eles são antes de tudo agentes sociais marcados por sua origem e trajetória sociais,formação escolar, idade , sexo, interação com diferentes universos sociais, entre outros.(FRÓIS, 2007, p. 3).

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Porém, alguns jornalistas preferem ausentar de padrões estabelecidos impostos no padrão

telejornalístico, criam formas livres e criativas que marcam a subjetividade narrativa. Assim,

nasce o que se chama de documentarismo, o que seria uma forma jornalística literária e

audiovisual que traz uma realidade que pode ser fragmentada e sujeita à livre interferência do

autor. O documentário é um gênero subjetivo, baseado pelo olhar de seu autor e que não

precisa ser camuflado como acontece com os gêneros jornalísticos que visam a imparcialidade

e buscam a neutralidade. Fróis (2007), “ele pode opinar, tomar partido, se expor, deixando

claro para o espectador qual o ponto de vista que defende. Esse privilégio não é concedido ao

repórter sob pena de ser tendencioso e, em última instância, de manipular a notícia." (FRÓIS,

2007, p. 4).

O gênero abre as portas para que o realizador tenha um tipo de relação direta e humanizada

com os personagens de seu filme, podendo se expressar livremente. Conforme Fróis (2007)

argumenta “o documentário transforma-se em uma possibilidade porque não pressupõe os tais

critérios de noticiabilidade. Sendo assim, os diretores têm a liberdade de abordar um

determinado tema a partir do ponto de vista que acharem mais interessantes.” (FRÓIS, 2007,

p. 7).

Tal características traz a possibilidade do realizador de conhecer uma realidade antes de

trabalhar com ela, de ser filmada, antes de se ter contato e de se construir uma relação de

confiança, tem exclusividade no cinema, e pode trazer uma situação importante de abordagem

através da espontaneidade dos sujeitos que serão filmados. Outra característica exclusiva do

gênero é a realidade dos personagens que pode ter sua vida afetada para o bem ou para o mal,

pelas relações que se estabeleceram durante as filmagens entre as imagens ou como

conseqüências disso após o filme.

2.2.5 Identidades nacionais e sua construção no documentário

As identidades nacionais são construídas através de comunidades. Os mesmos valores e

crenças são compartilhados. As características de uma comunidade são criadas a partir de uma

cultura construída por uma mesma tradição, em que existe respeito entre as pessoas, laços

familiares e objetivos comuns. Entretanto, quando o indivíduo se encontra em uma sociedade

diferente da sua, são estabelecidos comportamentos diferentes do que se teria numa

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comunidade familiar. Nichols argumenta que “quaisquer que sejam os impulsos ou as

necessidades envolvidos, eles assumem uma variedade de formas concretas, e essas formas

 parecem, pelo menos nos tempos modernos, suscetíveis de construção social”. (NICHOLLS,

2007, p. 181).

O documentário pode ajudar num determinado tempo e lugar na construção social de uma

identidade comum ou de uma comunidade, pois expressa seus valores e crenças. Pode trazer

visibilidade social a experiências tratadas anteriormente como exclusivas, pode superar

estereótipos, discriminações e intolerâncias. Nichols (2007) relata: “a voz política desses

documentários encarna as perspectivas e visões de comunidades que compartilham uma

história de exclusão e um objetivo de transformação social.” (NICHOLS, 2007, p. 201).

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3 NARRATIVA, OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE JORNALÍSTICA E A

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES

3.1 Narrativa

Narrativa, segundo Sodré e Ferrari (1986) é todo e qualquer discurso capaz de evocar um

mundo concebido como real, material e espiritual, situado em um espaço determinado.

A diferença entre a narrativa da ficção e a narrativa jornalística é que esta é regida pela

realidade dos fatos do cotidiano e aquela é regida pelo imaginário, pela ficção. A narrativa

 jornalística se desdobra nas clássicas perguntas de uma notícia: quem, o quê, como, quando,onde, por que. Porém, suas respostas são condizentes com a realidade, o que torna a narrativa

de uma simples notícia numa reportagem, isto é, um gênero jornalístico.

A notícia é uma narrativa em potencial. A notícia e a reportagem não se distinguem apenas

pela extensão e abrangência, mas há outras diferenças relativas às peculiaridades do discurso

e os modos de enunciação. Tanto a notícia como as reportagens possuem dados referentes a

fatos e pessoas que assumem um detalhe. Porém, a notícia tem como função essencialacontecimentos, isso quer dizer, tornar público um fato através da informação.

A notícia pode anunciar ou enunciar um fato. O jornalismo tem procurado informar sobre o

tema, não apenas com o registro dos fatos, mas com uma pedagogia da notícia, objetivando

formar um leitor/espectador.

Os mesmos conceitos de anunciar, enunciar, pronunciar e denunciar estabelecidos para anotícia podem ser usados para a reportagem. Porém, a reportagem se destaca porque além de

documentar aspectos referenciais de um fato, amplia a visão sobre determinado assunto,

conduzindo o leitor a um posicionamento crítico, revelando-lhe ângulos insuspeitados,

salientando outros apenas entrevistos.

O jornalismo dos tempos modernos, seja ele escrito, por rádio ou televisão, comporta uma

variedade de tipos ou modelos de reportagem. Três são destacados: reportagem de fatos ( fact-

story); reportagem de ação (action-story) e reportagem documental (quote-story).

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A reportagem de fatos ( fact-story) caracteriza-se pelo relato objetivo de acontecimentos. Os

fatos são narrados de forma sucessiva por ordem de importância. Quando grandes

acontecimentos são cobertos por reportagem televisiva, a edição parte, em regra, do anúncio

do fato, porém, pode fazer de cada flash uma pequena notícia independente.

A reportagem de ação (action-story) caracteriza-se por iniciar pelo fato mais atraente e aos

poucos expor os detalhes. Segundo Sodré e Ferrari (1986), o importante, nessas reportagens, é

o desenrolar dos acontecimentos de maneira enunciante, próxima ao leitor, que fica envolvido

com a visualização das cenas, como num filme. (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 52).

A reportagem documental (quote-story), conforme Sodré e Ferrari (1986), é o relatodocumentado, que apresenta os elementos de maneira objetiva, acompanhados de citações que

complementam e esclarecem o assunto tratado.

Uma reportagem tem que ser verdadeira e descrever fatos reais para existir como um gênero

 jornalístico. Para um fato ganhar destaque e se tornar notícia em um jornal é necessário que

ele seja considerado como diferente do habitual, inesperado, incomum. Já a literatura postula

que a atenção primordial dos conceitos de notícia se concentram nas características do fato emsi. Um acontecimento para se tornar notícia deve ser atual, ter proximidade, proeminência (da

pessoa envolvida), impacto e significância.

Um conceito descrito como noticiabilidade e que dele derivam os valores-notícia é destacado

nos meios jornalísticos, os jornalistas descrevem como acontecimentos viram notícias.

Empresas adotam padrões, e os valores-notícia são introduzidos nas redações jornalísticas,

cabendo aos profissionais, sugerirem o que deve ser escolhido, omitido, destacado. Osvalores-notícia acompanham um nível hierárquico dos indivíduos envolvidos, e variam de

lugar, circunstâncias e meios de comunicação, destacam-se: impacto sobre a nação,

proximidade, quantidade de pessoas envolvidas, significância futura, novidade, atualidade e o

interesse público. Jornalistas seguem regras que são consideradas mais ou menos objetivas na

seleção e apresentação dos fatos.

o nosso raciocínio leva-nos a concluir que para ganhar estatuto de notícia um fato deve

passar por uma negociação que envolve o próprio acontecimento e seus atributos e algumasexigências decorrentes da natureza do trabalho jornalístico. É desta negociação que começa

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a tomar forma a notícia. Negociação esta que é subjetiva e ocorre de maneira involuntáriano dia-a-dia dos jornais. (MOUILLAN, 2002, p. 310).

Algumas notícias fogem a regra certos critérios, por vez, essas são selecionadas pelo aparenteinteresse público, despertado por uma carga emocional ou de humor. Trazem histórias, e os

textos apresentam tons interpretativos ou dramatizações do fato ocorrido. A maioria dos

acontecimentos relatados neste contexto costumam ser fatos inusitados, extraordinário como

acontecimento humano. Nessa seleção o que conta é a arbitrariedade do jornalista na escolha

do fato, fazendo com que seja introduzido um outro tipo de variável na construção do real.

O autor argumenta que nas notícias de interesse humano que o jornalista tem maior liberdade

na seleção dos fatos e na construção dos textos. O valor noticia passa a ser subjetivo e não

mais objetivo.

Ao relatar tais fatos, o jornalista cria, intervém no evento, destaca certos aspectos, detalha,omite intencionalmente outros. Recria a realidade e se aproxima da ficção. Como estasnotícias são propositadamente produzidas para entreter o leitor, diverti-lo, amenizar a aridezdo noticiário geral, a subjetividade é muito mais tolerada. Neste sentido, o arbítrio do

  jornalista aqui é muito maior. Enquanto em outras notícias o fato se faz escolher, aqui ofato a ser relatado é cuidadosamente escolhido. (MOUILLAN, 2002, p. 314).

3.2 A objetividade e subjetividade jornalísticas

O termo objetividade é freqüente no vocabulário dos jornalistas, deriva para: relato objetivo,

declaração objetiva, texto objetivo, reportagem objetiva etc. Muitos tratam a objetividade

como uma qualidade e virtude do jornalista, defendida há quase um século pela imprensa

americana. Além de estar presente no vocabulário, se encontra diariamente na vida deste

profissional, sendo cobrado pelos editores, matérias objetivas. Luiz Amaral (1996) descreve

que a objetividade para alguns é vista como uma questão de honra, um ideal profissional.

Trata-se de uma noção presente e fase do processo jornalístico, desde a sua pauta deassuntos a serem cobertos até o tamanho, a apresentação gráfica e a natureza do espaçoque vai ocupar no jornal. Uma questão de honra, um ideal a ser atingido ou uma paixão do

 jornalismo do século XX, embora, desde a sua incorporação, tenha sido confrontada como seu contrário, a subjetividade. (AMARAL, 1996, p. 17).

Cada um de nós constrói uma realidade a partir da maneira como enxergamos o mundo, da

absorção de acontecimentos, daquilo que sentimos, como reagimos e de como iremos

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interpretar o que vivenciamos. O ser humano adquire valores sociais e seus atos são

influenciados.

A imprensa, que tem como função transmitir informações a respeito do que acontece na

comunidade, no país e no mundo, passou a se interessar pelo termo objetividade por volta do

século XIX, quando buscaram uma ética na relação com as notícias a serem veiculadas, de

maneira imparcial e equilíbrio.

O termo, que foi defendido por uns e ignorado por outros e que gera divergência até os dias

atuais no ramo jornalístico, surgiu através de discussões entre os filósofos pela busca de um

significado sólido. Mais tarde, cerca de 80 anos após as discussões dos filósofos, depois daPrimeira Guerra Mundial é que o termo começou a ser discutido entre jornalistas.

Até a primeira metade dos século XIX não havia preocupação, por parte do editor e doleitor, com equilíbrio e imparcialidade. Como a imprensa era sobretudo político-partidário,comprova-se (assinava-se) jornal para saborear a versão parcial dos acontecimentos parase ler as críticas aos adversários, quase pessoais, procedentes ou não, afrontosos.(AMARAL, 1996, p. 26).

Desde então, o que surgiria com o nome de objetividade carrega como significado a busca da

imparcialidade, neutralidade, o distanciamento de valores e ideologias, tendo como regra a

isenção dos fatos. O jornalista precisaria deixar em casa suas normas, princípios, referências

políticas e ideológicas, procurar excluí-los do pensamento e se concentrar na narração dos

fatos, sem tentar explicá-los ou comentá-los”. (AMARAL, 1996, p. 26).

Uma série de acontecimentos no século XIX beneficiou a imprensa, tais como: o

desenvolvimento da produção em massa, a abertura de mercados, a propaganda ligada à

imprensa, melhorias nas condições de vida como a educação. Transformações que

aumentaram o número de pessoas que liam jornais, e das pessoas que faziam anúncios,

ocasionando o processo tecnológico das impressões. Dentro deste contexto é que surgiram as

agências de notícias.

Governos, banqueiros, negociantes, corretores, armadores e transportadores buscavam

notícias, daí o surgimento das agências que visavam atender as necessidades destes segmentosatravés de atacado. Em seguida, passaram a atender clientes novos, representados pelos

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  jornais. Com a formação de novos e antigos clientes, apareceu uma outra realidade. As

agências foram induzidas a criar noticiários que atendessem o padrão esperado por todos, que

precisava observar o interesse de cada cliente, seus valores, interesses e preconceitos. Para

atender cada demanda, as notícias eram construídas de forma equilibrada, fazendo surgir o

conceito de objetividade. A construção das notícias ficou caracterizada por formatos isentos,

sem quaisquer interpretações, que trouxesse apenas os fatos. O comentário ou a interpretação

de alguma coisa era incumbido apenas em um artigo feito pelo dono do jornal. Interpretações

e comentários caberiam ser feitos apenas pelos leitores.

A idéia básica da nova política era oferecer aos leitores, ao mercado, notícias selecionadas

e escritas num tom desapaixonado que não parecesse ficção, propaganda ou panfleto. Osrepórteres foram advertidos a não injetarem opiniões e preconceitos nas matérias, umaprática de sinal fechado para qualquer tipo de questionamento. Os liberais logointerpretaram a medida como proibição de penetrar em áreas que pudessem causardesconforto aos que estavam no poder, aos ricos e à ideologia conversadora. (AMARAL,1996, p. 30).

No corpo dos textos jornalísticos, a assinatura de quem escreve se torna irrelevante, o que

ganha destaque não é a autoria da obra, é o nome da empresa que ele carrega quando busca

traduzir em suas tarefas contextos sociais, políticos, econômicos e outros. Na época quesurgiu o termo de objetividade jornalística até os dias atuais, em outro contexto, a

imparcialidade nada mais é que algo manipulável. Acredita-se que o jornalismo, assim como

outros meios, segue tendências políticas. Amaral (1996) “de qualquer maneira, queiram ou

não os críticos, estava definitivamente lançada a idéia da separação entre notícia e comentário.

(AMARAL, 1996, p. 35). 

Diante da Primeira Guerra Mundial, na imprensa americana mediante os Estados Unidos e asrelações internacionais e os acontecimentos mundiais, que começaram discussões entre

pessoas que reforçavam o termo objetivo contra as que acreditavam no subjetivo. Durante a

guerra, propagandas que eram feitas por recrutas, considerados como os melhores cabeças da

imprensa, trouxeram várias interpretações de um mesmo fato, mostrando para a comunidade

como podiam ser criados ou manipuláveis.

Perante a desconfiança de manipulações nas notícias que eram dadas pela imprensa norte

americana durante a guerra, correspondentes de outros países sentiram grande necessidade de

buscarem os fatos por eles mesmos. Os correspondentes, desde então, não só passaram a

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relatar e explicar os conflitos existentes, como também a interpretarem de uma maneira livre a

realidade.

A subjetividade jornalística começou a ser introduzida na década de 20, no jornal  New York 

Times; eram encontradas matérias que demonstravam pontos de vista pessoais e assinadas

principalmente por correspondentes estrangeiros do jornal, uma prática que foi se espalhando

aos poucos. Nas agências de notícias, que 70 anos anteriormente, haviam adotado a noção de

objetividade, acabaram por dar crédito aos autores das matérias.

3.3 Globalização e as novas identidades

A globalização foi a transformação de identidades modernas para outras identidades. Néstor

Canclini (1999) classifica o surgimento das novas identidades sendo como pós-modernas, que

se caracterizam por irem além de seu território e de sua língua. Ao invés de interações

próximas que eram realizadas anteriormente pela comunicação oral e escritas, as novas

identidades passam a operar mediante a produção industrial da cultura, de aparatos

tecnológicos e de um consumo de bens bastante segmentado. Uma região passa a ser

subordinada por várias outras nações.

  As identidades modernas eram territoriais e quase sempre monolinguísticas.Consolidaram-se subordinando regiões e etnias dentro de um espaço mais ou menosarbitrariamente definido, chamado nação, opondo-o  –  sob a forma dada pela suaorganização estatal – a outras nações. (CANCLINI, 1999, p. 59).

O cidadão nos dias de hoje sente-se enraizado mais em sua cultura local, na sua cidade, do

que na sua nação, estado. É também nas cidades que diversas tradições diferentes se

encontram criando pontos comuns em identidades distintas.

Perdem força, pois, os referentes jurídico-político da nação, formados na época em que aidentidade se vinculava exclusivamente com territórios próprios. Esvaem-se as identidadesconcebidas como expressão de um ser coletivo, uma idiossincrasia e uma comunidadeimaginadas, uma vez para sempre, a partir da terra e do sangue. A cultura nacional não seextingue, mas se converte em uma fórmula para designar a continuidade de uma memóriahistórica instável, que se reconstrói em interação com referentes culturais transnacionais.(CANCLINI, 1999, p. 60).

Existem quatro denominações socioculturais, em que a transnacionalização e as integraçõesregionais operam de maneiras diferentes. Primeiramente se dá um conjunto de experiências e

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costumes que foram organizados por muitas épocas entre territórios étnicos, regiões e nações,

se manifestam em tradições, principalmente nas culturas populares. Segundo, símbolos

escritos e visuais expressados na literatura, nas artes plásticas, fazem parte do patrimônio

histórico no qual é definido e elaborado uma nação. Convém ressaltar que tais obras

abrangem classes altas e médias, que possuem um teor educativo em nível maior. Integrado

nas últimas décadas aos mercados e processos de valorização internacionais. Terceiro, a

comunicação de massa introduzida nos espetáculos de massa (rádio, cinema, televisão e

vídeo). Finalmente, a quarta denominação, sistemas de informação para quem tomava

decisões, que eram limitados (satélite, fax, telefones celulares e computadores).

Ter uma cultura era estar relacionado com um território, através de objetos, textos e rituais,obtidos e reproduzidos através dos signos, que servia para marcar um grupo. Ficou

denominado que ter uma identidade era criar vínculo com uma nação, um espaço que possuía

delimitação, uma língua, objetos, costumes, atributos que fizessem diferenciar dos demais de

uma maneira notória. Essas identificações que possuíam características mutáveis foram

introduzidas por tradições, embalsamados pelo folclore. Canclini (1999) descreve que essas

tradições são encontradas nos dias de hoje “...nos museus, transmitidos nas escolas e pelos

meios de comunicação de massa, fixados dogmaticamente através dos discursos religiosos e

políticos, e defendidos, quando cambaleiam, pelo autoritarismo militar”. (CANCLINI, 1999,

p. 145).

A organização das identidades na primeira metade do século XX teve contribuições dos meios

de comunicação como o rádio e o cinema, servindo também para questões de cidadania em

sociedades nacionais. Modos de falar, de se vestir, hábitos e gostos comuns traziam diferenças

entre os povos. Pessoas que se encontravam distantes, de várias regiões do mesmo país se

encontravam conectadas através do rádio, formando uma totalidade. O cinema ensinava como

as massas de imigrantes podiam viver na cidade, mesmo com possíveis conflitos criados por

diferenças, os filmes demonstravam como culturas diversas podiam se relacionar, sugerindo

novas sínteses possíveis da identidade nacional que suscetível a transformações.

A identidade é uma construção que se narra. Estabelecem-se acontecimentos fundadores,quase sempre relacionados à apropriação de um território por um povo ou à independênciaobtida através do enfrentamento dos estrangeiros. Vão se somando as façanhas em que oshabitantes defendem esse território, ordenam seus conflitos e estabelecem os modos

legítimos de convivência, a fim de se diferenciarem dos outros. Os livros escolares e osmuseus, assim como os rituais cívicos e os discurso políticos, foram durante muito tempoos dispositivos com que se formulou a Identidade de cada nação (assim, com maiúscula) ese consagrou sua retórica narrativa. (CANCLINI, 1999, p. 163).

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Na economia, surgiram aberturas dos países aos mercados globais junto a processos de

integração regional que fez com que as culturas nacionais fossem reduzindo seus papéis. Aimportância de algumas identidades foram sendo reduzidas pelo processo da

transnacionalização das tecnologias e dos comércios de bens culturais. A produção e

circulação de símbolos culturais como tendências, estilos de arte, linhas editoriais, agências de

notícias, publicidade, moda etc, em grande parte, eram produzidas por redes globalizadas, em

países como Estados Unidos e na Europa e absorvidas pelos países periféricos.

O processo de globalização faz com que a identidade atualmente se encontre de maneiraampla, poliglota, entre várias etnias, migrando, e sendo mesclada por outras culturas. “A

coexistência de vários códigos simbólicos num mesmo grupo e até em um sujeito, bem como

os empréstimos e transações interculturais  – será capaz de dizer algo significativo sobre os

processos identificadores nesta época de globalização.” (CANCLINI, 1999, p. 166).

A globalização nos deixa diante do fato de entendermos as formações pós-nacionais e a

reconstrução de identidades nacionais já existentes. Artes plásticas, literatura, rádio e cinema

continuam como fontes do imaginário nacionalista, circulando dentro dos países, através dos

signos de identidade regionais. Porém, a criação que se estende cada vez mais, assim como a

difusão e a recepção da arte, se concretiza agora de um modo desterritorializado. O futuro das

diferentes identidades que se encontram numa mesma localidade, não depende das políticas

nacionais e internacionais. São os consumidores com seus gestos e hábitos que conduzem a

capacidade de se converterem em cidadãos.

Após passar por processos de mudanças fruto de crises, antigas identidades dão lugar a novas.

Stuart Hall (2005) expõe o fragmento que as novas identidades enfrentam.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está setornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumasvezes contraditórias ou não resolvidas. Correspondentemente, as identidades, quecompunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguraram nossa conformidadesubjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, comoresultado de mudanças estruturais e institucionais. (HALL, 2005, p. 12).

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As identidades modernas que passaram por rápidas e constantes transformações, enfrentaram

um tipo de mudança estrutural que desencadeou em um colapso, pois mudaram também

identidades pessoais, o que fez com que o indivíduo atravessasse uma perda de sentido.

Abalaram a idéia de sujeitos integrados, fragmentou culturas de classe, gênero, sexualidade,

etnia, raça e nacionalidade. Tais características, segundo Koberna Mercer (1990), são

conhecidas como deslocamento ou descentração dos indivíduos no seu lugar no mundo social

e cultural quanto de si mesmos.

Segundo Mercer (1990), “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise,

quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da

dúvida e da incerteza”.1 (MERCER, 1990 apud HALL, 2005, p.15).

Stuart Hall (2005), nos oferece três classificações para o sujeito na identidade. A primeira é a

do “Sujeito do Iluminismo”, em que o indivíduo é centrado, unificado e utiliza a razão. O

centro consistia em um núcleo interior, que surgia quando o sujeito nascia e com ele se

desenvolvia. A segunda concepção é a do “Sujeito Sociológico” em que o núcleo interior dos

sujeitos era através da relação com outras pessoas consideradas importantes para ele, era

relação que se tinha entre a interação do “eu” com a sociedade. Na relação que se tinha eramtranspassados os sentidos e símbolos, o conhecimento da cultura dos mundos que eram

habitados de um para outro. Hall (2005) aborda dentro da concepção sociológica a questão do

“eu” com seu “interior” e o “exterior”.

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o“exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público . O fato de que projetamos a “nós  próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seussignificados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossossentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural.(HALL, 2005, p. 11).

Na terceira e última classificação, feita por Stuart Hall (2005), encontra-se o sujeito pós-

moderno. Nessa concepção o sujeito não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. O

sujeito está inserido em diferentes representações culturais, que se multiplicam; pode formar e

transformar sua identidade através de outras culturas; adquire diferentes identidades em

1Mercer (1990, apud HALL, 2005).

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diferentes momentos. De acordo com Hall não existe identidade unificada, completa e segura,

podemos nos identificar com outra identidade diferente da que estamos habituados, ao menos

temporariamente.

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de talmodo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos quetemos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porqueconstruímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma conf ortadora “narrativa doeu” (HALL, 2005, p. 13).

A globalização, segundo Anthony Giddens2 (1990) é outra questão que afeta diretamente as

mudanças. Segundo esse autor, “à medida que áreas diferentes do globo são postas em

interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a

superfície da terra”. (GIDDENS, 1990 apud HALL, 2005, p.17).

Ernest Laclau3  (1990) traz para o termo “deslocamento” proposta de ser aquele que não é

substituído por outro, mas sim por vários centros de poder. As sociedades modernas se

caracterizam pela “diferença”, e acabam por não se desenvolverem por uma única causa ou

lei. Advém uma nova concepção para os sujeitos nessa sociedade, libertados de tradições e

estruturas pacificadas e estáveis, caracterizado como individualismo. Laclau (1990) nos

ensina que o deslocamento acaba desarticulando identidades estáveis do passado, sem deixar

de reconhecer, aí, a existência de pontos positivos, dentre os quais a abertura para criação de

outras identidades novas, assim como, a criação de novos sujeitos.

De tudo, emergiu, então, uma concepção mais social do sujeito. O indivíduo passou a ser

visto como mais “definido” no interior das grandes estruturas e formações sustentadoras da

sociedade moderna. Contrapondo, exatamente no mesmo período e, já no século XX, um

quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade emerge dos movimentos

estéticos e intelectuais associado com o surgimento do Modernismo.

Nesse contexto, surge Freud a nos ensinar, que a imagem do eu como inteiro e unificado é

algo que a criança aprende apenas gradualmente, parcialmente, e com grande dificuldade. Ela

não se desenvolve naturalmente a partir do interior do núcleo do ser da criança, mas é

2 Giddens (1990, apud HALL, 2005).3 Laclau (1990, apud HALL, 2005).

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formada em relação com os outros; especialmente nas complexas negociações psíquicas

inconscientes, na primeira infância, entre a criança e as poderosas fantasias que ela tem de

suas figuras paternas e maternas. Naquilo que Lacan (1997) chama de “fase do espelho”, a

criança que não está ainda coordenada e não possui qualquer auto-imagem como uma pessoa

“inteira”, se vê ou “imagina” a si própria refletida  –  seja literalmente, no espelho, seja

figurativamente, no “espelho” do olhar do outro –  como uma “pessoa inteira”.

A formação do eu no “olhar” alheio, segundo Lacan (1997), inicia a relação da criança com os

sistemas simbólicos fora dela mesma e de representação simbólica  –  incluindo a língua, a

cultura e a diferença sexual.

Assim, quer nos dizer Hall (2005), que a identidade é realmente algo formado, ao longo do

tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no

momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. E

completa “ela permanece sempre incompleta, está sempre em processo, sempre sendo

formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, que são negadas,

permanecem com ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não

reconhecidas, na vida adulta. (HALL, 2005, p. 40).

No mundo moderno, os grupos dos quais nos originamos constituem em uma das principais

fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, dizemos o grupo nacional a que

pertencemos. Brasileiros, americanos, ingleses, etc. Certamente falamos de forma metafórica.

Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes, mas é como se fossem

parte de nossa natureza essencial.

O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no

fim do século XX? A resposta oferecida por Hall é: um complexo de processos e forças de

mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo “globalização”. Anthony

McGrew4 (1992) argumenta que a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa

escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e

organizações em novas combinações de espaço-tempo.

4 McGrew (1992, apud HALL, 2005).

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Se fizermos um esforço de memória, apuraremos que a globalização não é um fenômeno

recente: “A modernidade é inerentemente globalizante” segundo Giddens (1990). Como

argumento David Held5 (1992) os estados-nação nunca foram tão autônomos ou soberanos

quanto pretendiam. E, como nos faz lembrar Wallerstein6 (1979), o capitalismo “foi, desde o

inicio, um elemento da economia mundial e não dos estados-nação. O capital nunca permitiu

que suas aspirações fossem determinadas por fronteiras nacionais”. (WALLERSTEIN, 1979

apud HALL, 2005, p.19).

As identidades nacionais estão se desfazendo, como resultado do crescimento da

homogeneização cultural e do “pós-moderno global”. Que impacto tem a última fase da

globalização sobre as identidades nacionais? Certamente afetará todo meio de representação  –  escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de

telecomunicação, afetando espaço e tempo. E todas as identidades estão localizadas no espaço

e no tempo simbólicos.

Alguns teóricos descrevem que o efeito geral desses processos globais tem sido o de corroer

as formas nacionais de identidade cultural. Eles argumentam que existem evidências de um

afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outroslaços e lealdades culturais, “acima” e “abaixo” do nível do estado-nação. As identidades

nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a direitos legais e de cidadania,

mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes.

Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar 

e, algumas vezes, a apagar as identidades nacionais. (HALL, 2005, p.73).

Temos que, quanto mais a vida social se torna invadida pelo mercado global de estilos,lugares e imagens trazidos pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as

identidades se tornam desvinculadas, corrompem relações de tempos, lugares, histórias e

tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. No seio do discurso do consumismo

global, as diferenças e as distinções culturais, que até então apontavam a identidade, ficam

reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, onde a cultura se

homogeneíza.

5 Held (1992, apud HALL, 2005).6 Wallerstein (1979, apud HALL, 2005).

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Quer nos parecer, então, que a globalização tem o efeito de contestar e deslocar as identidades

próprias de uma cultura nacional. Ela tem um efeito multiplicador sobre as identidades,

produzindo variedades de possibilidades e novas identidades, mais políticas, mais

diversificadas; menos rígidas e estáticas, unificadas. Algumas identidades gravitam ao redor

daquilo que Robins7 (1991) chama de “tradição”, em que tenta recuperar sua pureza anterior e

recobrir as unidades e certezas que são tidas como perdidas.

Em toda parte afloram identidades culturais que não são rígidas, mas que, ao mesmo tempo,

retiram seus recursos de diferentes tradições culturais e que são o produto desses complicados

cruzamentos e misturas culturais. Pode ser tentador pensar na identidade, na era da

globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro ou mesmo retornando asuas “raízes”. Mas tudo pode não passar de um falso dilema. Pode haver uma outra

possibilidade: a da Tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que

atravessam as fronteiras naturais, integradas pessoas que foram dispersadas para sempre de

sua terra nacional.

Essas pessoas conservam vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a

pretensão de um retorno ao passado. Elas se vêem negociando com as novas culturas em quevivem sem, pura e simplesmente, serem assimiladas por elas e sem perderem suas

identidades. Carregam os traços das suas próprias culturas, das próprias tradições, das

linguagens e das histórias pelas quais foram marcadas. Elas estão irremediavelmente

traduzidas. A palavra “tradução” observa Salman Rushdie8, vem, etmologicamente, do latim,

significando “transferir”; “transportar entre fronteiras”.

7 Robins (1991, apud HALL, 2005).8 Rushdie (1992, apud HALL, 2005).

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4 ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO

4.1 Histórico do documentário Promessas de Um Novo Mundo

O objeto utilizado como evidência empírica para seguinte análise deste trabalho cientifico é o

filme documentário Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001) , dos diretores Justine

Arlin, Carlos Bolado e B.Z. Goldberg. O tema selecionado partirá do princípio que o

documentarista conduz e interfere na construção de determinada realidade dentro do gênero

documentário.

Promessas de Um Novo Mundo é um documentário produzido pela “The  Promises FilmProject ”, uma organização sem fins lucrativos, compromissada a utilizar o filme no intuito de

educar o público sobre o processo de paz no Oriente Médio. Dirigido por  Justine Arlin,

apresentadora da aclamada série de tv "  Lonely Planet ", por Carlos Bolado diretor do

premiado filme " Bajo California" e responsável pela edição de numerosos filmes, incluindo

"Como Água Para Chocolate" e B.Z. Goldberg um americano-israelense que cresceu em

Jerusalém e foi jornalista durante a Intifada (revolta palestina). Rodado no período de 1997 a

2000 e terminando as produções em 2001.

Bem recebido pelos críticos, teve várias premiações e indicações, incluindo uma ao Oscar, na

categoria de Melhor Documentário. Nos EUA, o filme ganhou o prêmio de público e do júri

por Melhor Documentário no Festival Internacional de São Francisco e ainda fez parte da

seleção oficial de muitos festivais internacionais, incluindo  Locarno, Karlovy Vary, Sydney,

Festival do Rio BR e outros.

O documentário foi filmado na cidade de Jerusalém, trazendo depoimentos de sete crianças

israelenses e palestinas, que se encontram dentro e ao redor da cidade de Jerusalém, cerca de

20 minutos de distância umas das outras. As crianças relatam acontecimentos a respeito dos

conflitos armados nesta terra. Apesar de judeus e árabes viverem na mesma cidade, palestinos

são impedidos por barreiras militares de ultrapassarem um limite imposto pelo Estado de

Israel. Judeus não ultrapassam o espaço destinado ao povo árabe por temerem ataques

terroristas de grupos como  Hamas e Hezbollah. Os árabes após serem expulsos da cidade de

Israel que teve sua ocupação por judeus, tiveram que migrar para campos de refugiados ao

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redor, criando então impasses a respeito de quem seria dono da terra de Israel, judeus ou

palestinos.

O documentarista B.Z. Goldberg, que conduz o filme, é também jornalista e repórter. Nasceu

em Boston e foi criado nas redondezas de Jerusalém, resolve verificar como a nova geração

deste lugar vive em meio aos conflitos armados. Goldberg dá voz a sete crianças que têm

entre 9 e 13 anos, no primeiro momento das filmagens, e se expressam de forma livre a

respeito da guerra. Durante os depoimentos e comentários dessas crianças, evidencia-se a

proposta de Goldberg de conduzir os diálogos entre as crianças como conseqüência trazer

uma interferência na realidade que elas se encontram surgindo uma nova realidade . O

  jornalista intermedia conversas e discussões, fazendo perguntas para as crianças durante ascenas. Surge então a finalidade de juntá-las para que discutam o que pensam do problema que

aflige a todos e a darem supostas soluções. Algumas crianças aceitam a proposta e é esse

encontro que dá vida ao documentário.

4.2 Histórico do conflito entre israelenses e palestinos

O mundo convive diante de um conflito no Oriente Médio que ocupa quase que diariamenteos noticiários. Um conflito que existe há anos, as discussões entre israelenses e palestinos ou

 judeus e árabes, giram em torno de lutas pela ocupação de cada povo na região e reivindicam

terras na cidade de Jerusalém situada em Israel. Compreender tal conflito é tão complexo

como prever ou não a paz entre tais povos. No entanto, é cabível compreender melhor tal

contexto perante pesquisas e registros históricos produzidos por vários pontos de vista.

Grande parte dos desentendimentos entre os dois povos surgiram a partir da instalação após aSegunda Guerra Mundial no Oriente Médio do Estado de Israel. Além disso, ambos

israelenses e palestinos acreditam Israel ser a Terra Santa para seu povo viver. Para explicar a

perseguição que existiu perante aos povos judeus, principalmente na Segunda Guerra Mundial

sob o governo de Adolf Hitler, na Alemanha, utiliza-se o termo anti-semita.

Perante incompatibilidade teológica, com o surgimento do cristianismo e sua evidência,

 judeus e cristãos passaram a traçar uma linha divisória, fazendo surgir hostilidade em ambos.

Judeus julgavam cristãos de estarem distanciando da religião, e no século IV cristãos criariam

o termo antijudaismo. Cristãos eram proibidos de participar de certas práticas e festas judaicas

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e diferenciavam uns dos outros como os judeus sendo o povo eleito do Antigo Testamento

esperando por um Messias. Os cristãos eram o povo do Novo Testamento em que a Salvação

 já teria chegado.

A relação entre os dois povos na Europa, em algumas regiões era alternada no começo do

período medieval, havia em uma época a tolerância e o tratamento humanista de cristãos com

 judeus como momentos de intolerância, cobranças e condenações bárbaras.

No segundo milênio da era cristã, Fontette identifica quatro fases/características distintas narelação da sociedade européia-cristão ocidental com os judeus: a cristalização dahostilidade religiosa; o aparecimento de uma especialização econômica dos judeus; a

segregação acentuada dos judeus e a emancipação dos judeus. A cristalização da hostilidadereligiosa é expressa através das Cruzadas e das acusações lendárias contra os judeus. É ocaso das acusações de assassinatos rituais, de profanações de hóstias, do envenenamento defontes e poços, e de serem eles os responsáveis pela Peste Negra que assolou a Europa naIdade Média, como castigo pela não conversão ao cristianismo. (FONTETTE, 1989  –  citado por PILATI; PIRES, 2007, p. 4).9 

Na Idade Média, os judeus, na Europa, obtinham especialização econômica e eram associados

ao dinheiro como forma de usuários. Estes se consolidaram economicamente e tornaram-se os

mais capacitados internacionalmente após se disseminarem pelo mundo. Também foram úteisà sociedade medieval através do crédito que obtinham e oferecia empréstimos, função essa

que era proibida aos cristãos. Na região européia, os judeus eram proibidos de terem

trabalhadores ou escravos que fossem cristãos, o que provocou abandono de muitas pessoas

que trabalhavam em áreas rurais.

Ao final do século XVIII, surgiu um movimento pela emancipação dos judeus através de

representantes em postos elevados na Alemanha, bem como na França por filósofos doIluminismo. “Na prática, essa emancipação se fez notar em alguns países com o fim de

algumas proibições aos judeus e conduziu-os à cidadania. Na Polônia e Rússia, houve

resistência à emancipação, com perseguições e segregações (os chamados “pogroms”).”

(PILATI; PIRES, 2007, p. 5)

Adolf Hitler, austríaco nascido em 1889 e, no período de 1939 a 1945 como Presidente da

Alemanha, estaria envolvido no maior conflito mundial, a Segunda Guerra. Anteriormente,

9 Fontette (1989, apud PILATI; PIRES, 2007).

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com ascensão de Hitler ao poder em 1933, realiza-se uma das maiores perseguições contra os

 judeus de todos os tempos.

A partir de então, uma série de atrocidades com os judeus se concretizou através de medidas

legislativas junto a atuações que se tornaram costumeiras, foram originados os que se conhece

por doutrinas nazistas. Como exemplo da perseguição, que os judeus sofreram ao longo do

governo de Hitler, destacam-se: o boicote do comércio de judeus; a isenção de cargos

administrativos, judiciários e das profissões liberais; critérios que conceituariam a raça dos

  judeus; proibição do cruzamento de seus animais com o “touro comunal”; disseminação de

suas lojas, apartamentos e sinagogas.

Já o conflito entre israelenses e palestinos, dentro da região da Palestina, tomou proporções

maiores após o Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial, que mobilizou potências

mundiais para a criação de um Estado para povos judaicos.

O sionismo foi um movimento político iniciado por volta da segunda metade do século XIX.

Buscava a criação de um Estado para o povo judeu. Além da busca por um espaço em uma

área terrena, o movimento foi motivado pela fixação da identidade judaica, sua cultura e apreservação de suas crenças religiosas.

O movimento sionista ignorou o povo que vivia nas terras de Israel, futuro Estado judeu,

mesmo sabendo que tal população não aceitaria passivamente ceder espaço para os judeus por

sentirem que seus direitos estariam sendo violados. Entre 1936 e 1939, os palestinos se

revoltaram contra os britânicos e colonos judeus.

O problema em terras palestinas também decorreu por interesse de potências imperialistas ao

final do século XIX. O que determinaria a divisão das terras na palestina seria a partilha entre

Inglaterra e França, que dividiriam o que sobrava do império otomano em fragmentação. A

partir dessa partilha, estava autorizada a imigração dos judeus para a palestina.

Do lado dos palestinos, assegurando os direitos desse povo destaca-se Yasser Arafat, que

conduziu o movimento nacionalista a partir de 1964 criando a OLP (Organização para a

Libertação de Palestina).

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A região que convivia com uma grande diversidade cultural entre judeus e árabes, enfrentava

desigualdade social e a luta de classes, em que discutiam qual povo havia se instalado

primeiro na Palestina, sem uma resposta e resultado judeus discutiam que foram obrigados a

saírem à força no passado e estavam reivindicando o que seriam suas terras de volta, enquanto

que os árabes diziam que jamais se moveram da Palestina.

Conforme Pilati e Pires (2007), sem resposta e acordo, a única solução que resta para ambos

seria a violência para concretização de seus projetos. Violência que derivou da fragmentação

na tentativa política de negociações, dando vantagem a superioridade bélica dos israelenses,

levando árabes palestinos a abandonarem a guerra convencional e adotarem a guerrilha,

através de atos de terrorismo junto a idéia de que tudo seria um alvo.

No ano de 1947, a ONU (Organização das Nações Unidas), com fins de amenizar tais

discussões e evitar conflitos maiores, apresenta uma proposta dita como “Partilha da

Palestina”. Proposta que não teve sucesso entre árabes palestinos nem entre os judeus,

servindo como ponto de partida para a criação de Israel.

Após a criação do então Estado de Israel, surge a primeira guerra entre os árabes e osisraelenses em 1948. Segundo Pilati e Pires (2007), a primeira guerra foi considerada pelos

palestinos como uma catástrofe (nakba) e como a Guerra da Independência pelos israelenses.

Scalercio afirma que a preparação para esse conflito foi mais fraca e desorganizada entreos árabes, onde se destacavam o Egito e o reino Hashemita da Transjordânia. Os judeus,organizados em torno do haganah (mais tarde transformado na FDI  –  Força de DefesaIsraelense), juntavam armas e munição desde 1930. Após a II Guerra, muito materialbélico se tornou disponível e a Tchecoslováquia forneceu armamentos a Israel. Na

seqüência da análise dos confrontos armados, Scalercio afirma que, o fato de Israel terganho a guerra de 1948/1949 contra os árabes, fez com que perdesse sua paz. A questãodos refugiados palestinos passou a ser utilizada por ambos os lados como propaganda paraseus interesses. Os árabes, principalmente dos países hospedeiros dos refugiados,atribuíam a Israel exclusiva responsabilidade pela situação e, por isso, deveria arcar com oônus da solução do problema. O governo israelense, por sua vez, acusava os árabes decriarem o problema por não aceitarem a Resolução da ONU sobre a partilha da Palestina eque os palestinos se retiraram por conta própria, pois os que permaneceram em Israeltiveram garantido os direitos de cidadania. Muitos autores, porém, afirmam que ospalestinos tenham o status de “cidadãos de segunda categoria” em Israel. (SCALERCIO,Márcio, 2003 – citado por PILATI; PIRES, 2007, p. 10)10 

10 Scalercio (2003, apud PILATI; PIRES).

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Perante a inferioridade na luta militar e com a perda na guerra, os árabes tiveram que aceitar o

Estado de Israel criado em 1948. Em meados da década de 1950, palestinos se unem e se

organizam politicamente para enfrentarem possíveis conflitos futuros.

A formação da   Al Fatah  (“Conquista”), em 1959, por Yasser Arafat e outros líderesoriginários de famílias palestinas refugiadas, que pretendia coordenar os vários esforçospalestinos em todo o Oriente Médio e organizar a luta armada, é um exemplo disso. Asdissidências desse grupo que deram origem a outras organizações palestinas, como a“Frente Popular para Libertação da Palestina” e a “Frente Democrática e Popular pelaLibertação da Palestina”, ligadas à ideologia marxista -revolucionária, demonstram umacerta intelectualiazação da luta palestina, principalmente pela vivência acadêmica de

 jovens universitários, que também se contrapunham à elite árabe. Por outro lado, segundoScalercio, a fragmentação das organizações palestinas desde sua origem “em parte, éreflexo da própria dispersão da comunidade palestina” (SCALERCIO, 2003, p. 99 – citado

por PILATI; PIRES, 2007, p. 13).11

 

Em 1967, um novo conflito na Palestina agravou ainda mais a situação na região, nomeado

como a Guerra dos Seis Dias, que deu vitória a Israel, impulsionou o crescimento militar dos

países árabes da região. Com a expansão dos judeus na Faixa de Gaza, toda Jerusalém e da

Cisjordânia fez com que palestinos que viviam nessas regiões tivessem condições precárias de

sobrevivência, o que aumentou a raiva, o ódio e a desconfiança dos árabes. A população

árabe, que nascerá a partir de 1967, cresceu sob forte nacionalismo e a busca por sua

identidade. Procurando força militar para enfrentarem os conflitos armados, surgiram

organizações árabes junto às guerrilhas.

Segundo especialistas, na década de 1970, houve uma transição na estratégia de luta dosárabes na Palestina, da guerra convencional para a guerrilha. As organizações armadaspalestinas, como o El Fatah, ligado à OLP, após a ascensão de Yasser Arafat à presidênciada organização, e outros grupos independentes, passaram a ter como base os países árabesvizinhos a Israel. A partir dali, atacavam Israel, que retaliava, muitas vezes com açõesmilitares dentro desses países. Isso levou, não só a novos conflitos armados com Israel, mas

dentro dos próprios países árabes, como a Guerra Civil no Líbano, entre 1976 e 1991. Poroutro lado, o conflito no Oriente Médio teve um processo e mundialização com ações deguerrilheiros palestinos em outros lugares do mundo  –  contando muitas vezes com osuporte técnico dos serviços secretos soviéticos - como nas Olimpíadas de Berlim, em1972. Em 1982, um grupo palestino feriu o embaixador israelense em Londres, o que foiutilizado como pretexto por Israel para invadir o já belicoso Líbano, na chamada “OperaçãoPaz para a Galiléia”. (PILATI; PIRES, 2007, p. 15).

Mais tarde, no ano de 1987, ocorre a primeira Intifada, denominada como guerra das pedras.

Teve seu inicio na Faixa de Gaza em um funeral de palestinos mortos em um acidente. Jovens

palestinos que estavam presentes no funeral se sentiram desrespeitados e provocados pela

11 Scalercio (2003, apud PILATI; PIRES).

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presença de tropas israelenses no local. Perante a irritação, começaram a jogar pedras em

tanques e soldados israelenses. A Intifada se espalhou e chegou até a região da Cisjordânia em

que foram alvos cidadãos e automóveis de israelenses. A mídia mundial fazia-se presente e

cobria todo o combate. Conflito reconhecido por ser uma mobilização popular e não de

ataques terroristas como eram julgados os atos provocados por árabes. Durando até o ano de

1993, a Intifada boicotou trabalhadores e produtos de Israel, desgastando também as ações de

Israel perante a população civil palestina. O destaque que a mídia internacional dava para o

conflito foi substituído pela Guerra do Golfo no começo da década de 1990.

Após tais acontecimentos, sustentam-se mudanças na organização do domínio dentro do

movimento político palestino. Nasce o grupo religioso conhecido como  Hamas, Movimentode Resistência Islâmica, que se favorece frente a raiva popular e provocando o surgimento de

pessoas vistas como extremistas. Yasser Arafat em 1988 cria a ANP, Autoridade Nacional

Palestina com o objetivo de incentivar e reforçar a idéia da criação de um Estado Palestino.

A Intifada reaparece em 2000, com a presença do primeiro ministro de Israel em um dos

principais lugares santos muçulmanos de Jerusalém, novamente sendo visto pelos árabes

como um ato provocativo. De acordo com Pilati e Pires (2007),  “neste tempo, já de mundoglobalizado, os efeitos e a preocupação com a mídia também pesam”. (PILATI; PIRES, 2007,

p. 17).

“Em um mundo em que a câmera exerce um papel de importância igual ao das armas, umatarefa urgente se impunha a Israel: reparar o mal causado à sua imagem pela mídia. Ogoverno de Barak devia atenuar os efeitos das câmeras, que eram as aliadas naturais dosfracos palestinos, dos Davis armados de estilingues. Conscientes deste problema, osisraelenses lançaram uma campanha de urgência, encarregada de remediar a „desvantagem‟ – de certa forma inevitável – de sua força e da maneira como ela era apresentada à opiniãointernacional nas telas de televisão. Já os palestinos, em lugar de tomar partido das novas

ferramentas da globalização, fizeram a sua Intifada, como de hábito, na mais completaimprovisação” 12 (BISHARA, 2003, P. 38 – citado por PILATI; PIRES, 2007, p. 17).

Israel, que era visto como uma barreira ocidental no Oriente Médio, sofrerá com ataques

suicidas realizados pelos grupos  Hamas e Jihad Islâmica. Em represália aos ataques, Israel

cerca Yasser Arafat em territórios palestinos destruindo a infra-estrutura da Autoridade

Nacional Palestina (ANP). Yasser Arafat, que recebia tratamento médico em 2004 na França

12 Bishara (2003, apud PILATI E PIRES).

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por causa de uma doença, morre de forma misteriosa. Muitos acreditavam que também seria o

término de um grande período de conflito entre palestinos e israelenses.

A globalização da mídia fez com que não só as tensões e contradições entre o conflito de

israelenses e palestinos pudesse ser acompanhado pelo mundo através de imagens pela

televisão e atualmente também via internet como a relação que separa pelas diferenças o

mundo Ocidente e o Oriente. Os atentados às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, em 11 de

setembro de 2001, que foram acompanhados ao vivo pela televisão é um exemplo.

Na próxima seção seguirá a introdução do gênero documentário e suas características

primordiais, que se destacam dentro do objeto de análise e os tipos, subgêneros existentes,que servem para exemplificarmos tal estudo.

4.3 Tipos e características do documentário

Nichols (2007) afirma que o filme documentário não é a reprodução de uma realidade e sim

uma representação dela. O filme representa apenas uma visão de mundo, no qual podemos

encontrar aspectos familiares, porém, talvez nunca tenhamos nos deparado antes com essa

visão.

No filme analisado, o documentarista traz a proposta de uma realidade particular a respeito da

Guerra de determinado território, Israel, reduzindo ainda mais essa particularidade ao tratar-se

de crianças, entre elas israelenses e palestinas, que se encontram dentro e ao redor da cidade

de Jerusalém, morando cerca de 20 minutos de distância umas das outras. As pessoas que se

classificam como sujeitos do filme são definidas como atores sociais. Dessas crianças, temos

como atores sociais do filme, destacando-se como principais participantes do documentário

analisado: os garotos israelenses, Yarko e Daniel (irmãos gêmeos), Shlomo e Moishe. Do lado

palestino, as crianças Mahmoud, Sanabel e Faraj, totalizando sete crianças como

protagonistas.

A tentativa por novas negociações em Jerusalém foi o período de produção do documentário.

O repórter B.Z. Goldberg espera ouvir e saber o que crianças israelenses e palestinas que,

nunca puderam opinar a respeito destes conflitos, tem a dizer. Criando a principal proposta do

documentário, a de designar debates entre as crianças dessas duas etnias e após as conversas a

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respeito da guerra existente na região há anos, reuni-las para que escutem umas as outras,

saibam o que o outro lado pensa e tem a dizer. E por que não, também criar laços de amizade

entre elas.

O filme começa com uma legenda em um fundo preto situando a questão da guerra no Estado

de Israel dentro do contexto e período durante o qual o filme foi gravado.

A primeira Intifada, ou revolta palestina (1987-1991), levou ao „Processo de Paz‟palestino-israelense. No outono de 2000, porém, uma nova Intifada teve início. As forçasmilitares de Israel responderam com o uso da força e a região está submersa em violênciaem um grau sem precedentes. Este filme foi rodado entre 1997 e o verão de 2000, umtempo de relativa paz entre palestinos e israelenses. (Promises, 2001) 

Como primeira cena o documentário apresenta imagens de arquivo de destruições provocadas

pela guerra naquele lugar. Em seguida surgem imagens de crianças locais e narrando em voz

over, B.Z. Goldberg, o realizador do filme, dizendo que cresceu em Jerusalém e sua infância

foi normal, porém, argumenta que o considerado normal no Oriente Médio é aprender desde

 pequeno a conviver com a guerra. “Estouram conflitos, bombas explodem, pessoas morrem”.

(Promises, 2001).

O gênero documentário apresenta como uma de suas características a relação de três histórias:

a do cineasta, que representa o recorte de uma história de algo ou alguém, através de uma

obra, que é o filme, transmitindo os acontecimentos para um público.

Dentro destes conceitos pode-se exemplificar tais afirmações com a cena em que o

documentarista faz uma pergunta para o menino judeu Shlomo enquanto eles caminham

próximo ao Muro das Lamentações. A pergunta feita é se o garoto quando se encontra diante

de um judeu que não é religioso (o documentarista afirma, “assim como eu”) tem como

missão aproximar esse judeu da religião. E o garoto responde que algumas pessoas têm esse

dever como um ato de aproximação, e outras devem sentar e fazer o que Deus mandar. Ainda

no diálogo o documentarista quer saber qual é então, a missão do menino, e Shlomo lhe

responde que ainda não sabe.

Podemos relatar que o trecho acima cita uma breve demonstração da questão da relação entre

o cineasta que vem a representar o recorte de algo ou alguém através do filme que se realiza

para transmitir os fatos ocorridos.

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O realizador do documentário deve manter a ética na construção de seu filme. Os sujeitos

representados em tal situação e realidade correm o risco de serem submetidos aos efeitos

imprevisíveis que a exposição pode lhes acarretar.

Demonstrando esse conceito, o documentarista leva os meninos israelenses Yarko e Daniel

(os irmãos gêmeos) para o lado dos palestinos, no intuito de realizar o encontro entre as

crianças para que elas se conheçam. A exposição que o documentarista coloca os meninos

pode trazer riscos para a vida deles, como um possível ataque de grupos como o  Hamas ou o

 Hezbollah, que praticam atos terroristas contra os israelenses.

Na cena a ser descrita, vemos a preocupação da exposição dos meninos gêmeos e a confiança

que os pais dos garotos têm em relação aos documentaristas. A cena é passada dentro da casa

dos meninos e a família ao redor de uma mesa fazendo sua refeição. Estão presentes os pais

dos gêmeos e eles, que conversam a respeito da possibilidade de se encontrarem com as

crianças palestinas. O pai diz que confia em B.Z. e na equipe e nas pessoas que convidaram os

meninos, mas que os pais tem responsabilidade final sobre os filhos, demonstra preocupação

em relação a algo que possa acontecer, como um toque de recolher, por exemplo, pois existeexército no meio. O pai então pergunta o que a mãe acha a respeito, e ela diz que existem

necessidades e o medo, mas que o medo deve ser encarado e os meninos devem ter um dia

deles. As imagens terminam em um close no rosto do pai que evidencia sua preocupação com

o assunto.

Depois, a preocupação com o desconhecido e o inesperado é evidenciada numa cena dos

gêmeos dentro de um carro sendo dirigido pela mãe deles, indo para o lado palestino nocampo de refugiados Deheishe, encontrar com as crianças árabes. Um deles pergunta para a

mãe se vai ter gente do  Hamas por lá, e se vai ser perigoso. A mãe responde que não será

perigoso, que não deixaria eles irem se fosse, e que eles estão indo como convidados.

Para ilustrar a descrição em voz over do documentarista que representa um grupo de pessoas e

trata um assunto, narrando uma história, destaca-se o seguinte trecho do filme:

Em 1948, os israelenses lutaram o que chamam de Guerra da Independência. Os palestinoschamam de “A Catástrofe”. Como resultado da guerra, 750 mil palestinos fugiram ouforam expulsos de suas terras e tornaram-se refugiados. Campos de refugiados foram

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abertos nos países árabes vizinhos. Em 1967, Israel tomou a Faixa de Gaza e aCisjordânia. Os campos ficaram sob ocupação militar israelense. No campo de refugiadosde Deheishe, moram mais de 11 mil palestinos. São os refugiados de 1948, mais seusfilhos, netos e bisnetos. Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001).

Demonstrando outra característica que é a do documentarista diante da câmera que narra

argumentos e dialoga com o espectador ou os personagens do filme segue descrita a cena do

documentarista, então presente nas filmagens, frente a câmera, sentado e conversando ao lado

de um garoto árabe chamado Mahmoud, que argumenta não ter interesse em conhecer

crianças que sejam judias. O documentarista rebate ser um menino judeu e estar presente ao

lado de Mahmoud, e o garoto diz não ter problemas porque B.Z (documentarista) é misturado,

é um garoto judeu americano.

O menino então fica curioso querendo saber se B.Z sabe falar hebraico (língua dos judeus), e

logo B.Z responde que fala hebraico fluente. Em seguida o menino ainda desconfiado com a

situação continua escutando o documentarista lhe dizer que é meio americano e não é

israelense puro, mas que seu irmão é judeu de verdade. O menino Mahmoud apresenta

fisionomia de surpreso e pergunta para alguém que não aparece na cena, que se encontra atrás

da câmera (possivelmente alguém da produção do filme que acompanha as gravações),apontando para B.Z: “Ele é um judeu de verdade?”. Não ouvimos a resposta e a conversa

termina com o menino bastante surpreso, e a cena é finalizada com um close de Mahmoud e

B.Z de mãos dadas, demonstrando a aproximação feita entre uma pessoa considerada judia e

uma árabe, distanciando o ponto de vista demonstrado no começo, que o menino Mahmoud

afirmava em não ter interesses de conhecer outra pessoa que fosse considerada judeu..

Descrevendo seu cotidiano, a menina palestina Sanabel em uma das cenas aparece dando seu

depoimento diante da câmera falando a respeito do pai que está preso. A menina chora ao

lembrar do pai e diz que gosta de receber cartas dele. A câmera dá um close para ilustrar a

situação mostrada no rosto de Sanabel cheio de lágrimas em silêncio. Após segundos assim, o

documentarista pergunta (sem aparecer no vídeo) como ela se sente quando recebe carta do

pai, e ela sorri dizendo que fica feliz e não consegue terminar de responder chorando

novamente.

No campo de refugiados Deheishe, o documentarista reúne as crianças palestinas Sanabel,

Faraj e outros dois garotos, que aparecem sentadas em um sofá, para perguntar se elas têm

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interesse em encontrar e conhecer crianças que sejam judias. As crianças gostam da idéia,

exceto Faraj, contrário à proposta de conhecer os judeus, argumentando que mesmo que

algum judeu entenda ele hoje, futuramente ficará do lado dos pais, e que ninguém vai ficar ao

lado de excluídos, como ele considera a situação dos árabes. Um dos meninos presente diz

para Faraj não ser radical e primeiro conhecer eles para depois opinar a respeito. Faraj diz

para o menino que é radical, porque judeus mataram Bassam, irmão do menino (a quem ele se

refere e responde), ressaltando que o menino agora que ser amigo de crianças filhos dos que

mataram seu irmão. Finalizando a cena, outro menino presente questiona que não foram as

crianças que mataram Bassam. O irmão de Bassam finaliza a cena dizendo que considera

todas as crianças inocentes de tudo.

A partir dos conceitos do autor Bill Nichols (2007) e a classificação do documentário em

subgêneros, encontramos no filme Promessas de Um Novo Mundo três dos seis modos, que

remetem respectivamente ao modo participativo, reflexivo e performático.

Dentro do modo participativo o cineasta B.Z Goldberg aparece em várias cenas interagindo

com os atores sociais, para representar a opinião que cada uma tem.

Na estrutura do documentário analisado, a maioria das cenas são construídas através de

entrevistas em que aparece uma criança, sozinha em cena, frente a câmera respondendo a uma

possível pergunta na forma de um dialogo, sem que os espectadores escutem a pergunta ser

feita, e a criança responde como forma de depoimento o que ela pensa, acha, acredita a

respeito de determinado assunto, sempre relacionado a um aspecto da guerra entre israelenses

e palestinos, como por exemplo, a busca pelo processo de paz, o interesse em conhecer e

entender a realidade do outro, a disputa pela terra de Israel, etc.

O modo reflexivo está presente em todo o filme, pois, o documentarista B.Z. remete os

espectadores introduzindo o conceito da guerra que existe naquela localidade dando

prosseguimento de como estão os conflitos naquele tempo depois de muitos anos de guerra.

Trata-se de representar o recorte de uma história, da realidade de uma nação, em um tempo e

espaço. O realismo físico, psicológico e emocional pode ser visto em cena tanto com o

documentarista como dos personagens do filme, são vistos chorando, alegres com alguma

situação, expondo suas opiniões de forma pacífica ou de maneira mais rebelde.

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Por último, o modo performático vem a representar a construção social de uma comunidade

específica, já remetendo a maneira subjetiva perante a relação que existe em um lugar entre

israelenses e palestinos e ainda mais particulares, a relação entre a opinião de crianças.

4.3.1 O Ponto de vista no filme documentário

No documentário ou cinema não ficcional são organizados diversos elementos: entrevistas,

cenários naturais, câmera no ombro, som ambiente, legendas, música, imagens filmadas,

imagens de arquivo, reconstruções, etc. Todas características citadas acima servem para que

os espectadores tenham uma visão mais próxima de uma realidade. Promessas de Um Novo

Mundo (Promises, 2001) apresenta entrevistas, de forma que as crianças aparecem frente acâmera sozinhas, dando um depoimento direto ou respondendo a uma pergunta do

documentarista com a presença dele em cena.

Os cenários são todos naturais, passando-se quando alguma criança dá seu depoimento na

casa dela, em uma sala ou um quarto, sentada. Também tendo como cenário ruas de campos

de refugiados onde crianças palestinas moram ou ruas do lado do Estado de Israel, através de

som ambiente. Encontramos algumas legendas que remete a situação da guerra ou para nosintroduzir neste contexto. Podemos encontrar em algumas músicas um tom melancólico com

imagens de arquivo de desastres cometidos por ataques e destruições da guerra, também

encontramos em algumas cenas música local, da cultura palestina ou israelita. Em vários

trechos, encontramos cenas de arquivo que mostra um conflito, destruição, ataques, cometidos

pela guerra no local.

Outra característica marcante do gênero é que se os acontecimentos não foram gravados nomomento decorrido, são usadas cenas de arquivo ou são feitas reconstrução de cenas para

relatar o que se quer.

Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001) representa em sua seleção de cenas uma

construção feita no período de três anos. O documentarista começa as filmagens em 1997

mostrando a opinião das crianças que apresentam idades entre 9 a 13 anos. Passados dois

anos, o cineasta volta a encontrar com as crianças, sujeitos do filme, fazendo as mesmas

perguntas a respeito dos conflitos buscando mostrar se seus conceitos continuam sendo os

mesmos ou se algo mudou. O que se evidencia, dessa seleção de cenas, é que algumas

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crianças que anteriormente tinham uns discursos pacifistas ficam mais desacreditadas em

relação a uma possível paz no local. Outras crianças, que demonstravam radicalismo,

apresentam, agora, um discurso mais apaziguado e mais esperança.

O documentarista consegue apresentar o tempo todo um equilíbrio nas cenas, no ponto de

vista que deseja transmitir aos espectadores, sempre traçando um paralelo nos depoimentos

das crianças, que por vezes, traz uma criança palestina descrevendo o que acha a respeito de

alguma coisa, e, por vezes, uma criança israelense opinando. Um exemplo do equilíbrio que o

cineasta mantém dentro da construção das imagens e da narrativa, nesse documentário, é

quando ele coloca a questão da morte de um parente ou amigo, assassinado, ou por um grupo

terrorista do lado árabe ou por soldados israelenses de outro lado. A primeira cena é a dogaroto judeu Moishe, que visita o túmulo de um amigo morto em um atentado junto com sua

mãe. Depois vemos a cena do garoto palestino, Faraj, dizendo que perdeu um amigo,

assassinado na Intifada por um soldado israelita.

O documentarista dispõe de algumas técnicas na construção de seu filme para atrair a atenção

do espectador em determinados momentos, quando se quer chamar atenção para algum

aspecto, acontecimento, observando o fato de nunca perder a autenticidade e veracidade paracom a realidade a ser retratada e não tornar a situação em algo artificial. Essas técnicas,

segundo Yakhni, são “armadilhas”, que tentam persuadir o espectador, construídas através de

uma pergunta formulada intencionalmente, para buscar uma resposta já esperada, apenas a

questão do sujeito filmado estar diante de aparatos técnicos como uma câmera, microfone,

pode influenciar na direção da realidade a ser demonstrada.

4.3.2 Atores sociais, participação e condução do documentarista através de encontros e

diálogos e subjetividade do gênero

Alguns jornalistas preferem ausentar-se de padrões estabelecidos impostos no padrão

telejornalístico, criam formas livres e criativas que marcam a subjetividade narrativa. Assim,

nasce o que se chama de documentarismo, o que seria uma forma jornalística literária e

audiovisual que traz uma realidade que pode ser fragmentada e sujeita a livre interferência do

autor. O documentário é um gênero subjetivo, baseado pelo olhar de seu autor e que não

precisa ser camuflado como acontece com os gêneros jornalísticos que visam a imparcialidade

e buscam a neutralidade.

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Uma nova realidade é criada e a partir da relação da subjetividade (do documentarista e das

crianças do filme). A conexão entre essas subjetividades se dá através da condução do

documentarista com o intuito de realizar encontros, diálogos). Para criar essa condução o

documentarista utiliza de algumas técnicas. Para exemplificar essas técnicas que existem no

gênero documentário o trabalho foi embasado no autor Bill Nichols.

Através de algumas particularidades do gênero documentário, segundo conceitos do autor Bill

Nichols, o documentarista induz através de perguntas e entrevistas o interesse de crianças

diferentes se conhecerem. Como por exemplo o documentarista utiliza depoimentos de uma

criança, falando do que ela gosta, o que faz em seu dia a dia, como é sua vida, frente a

câmera, mostrando isso para outra criança, despertando a curiosidade do mundo e da vida daoutra criança de encontrar a criança oposta para conversar a respeito do que lhes é comum.

A primeira cena que conseguimos ver a indução do documentarista perante a sua proposta de

realizar um encontro entre as crianças de diferentes etnias, israelenses e palestinas é quando

aparece nas imagens as crianças palestinas (Sanabel, sua irmã mais velha, Faraj e outros dois

meninos) que se encontram sentadas no que parece ser um parque, a céu aberto debaixo de

uma árvore, no chão, discutindo porque crianças israelenses e árabes deveriam se encontrar.

Sanabel diz que é importante que os israelenses ouçam deles a situação em que vivem. Faraj

questiona que não é interessante conhecer judeus, que estes nunca entenderão.

Em uma das cenas o documentarista faz um paralelo entre as opiniões, garoto árabe Faraj

sentado em uma cama, close no rosto dele, querendo fazer uma pergunta ao documentarista,

demonstrando mudar de idéia a respeito do que pensava. Ele quer saber a respeito dos

meninos gêmeos, se eles têm interesse em irem até onde Faraj mora para conhecê-lo.

Logo após vemos imagens de um dos gêmeos falando diante de uma câmera que parece

caseira, sozinho, sorrindo, como se estivesse falando direto para Faraj ele olha frente a câmera

e diz em inglês com um pouco de dificuldade, que deseja conhecer Faraj e saber a opinião

dele, mesmo sendo diferente da sua.

Partindo dos conceitos da autora Manuela Penafria em relação ao ponto de vista,

encontramos um equilíbrio presente na construção das cenas e imagens, que foram

combinadas e feitas pela organização do documentarista.

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Equilíbrio presente no documentário na construção das cenas, que pode ser visto, através da

coleta de depoimentos das crianças, que é feita uma pergunta e uma criança israelense

responde dando sua opinião, em seguida, mostra uma criança palestina dando sua opinião a

respeito do mesmo assunto. Equilíbrio também presenciado quando ele mostra o cenário

natural, as ruas de cada setor, Ocidental (israelenses) e Oriental (palestinos). Equilíbrio

quando ele vai mostrar como os dois lados sofrem com a guerra, exemplificando através de

cenas que mostram a morte de um amigo de um menino judeu e depois mostra a morte de um

amigo do menino palestino.

O equilíbrio é construído até mesmo pelo tempo de realização das filmagens que foi de 1997 a2000, onde o documentarista busca demonstrar a opinião das crianças em um tempo e depois

2 anos mais tarde, fazendo as mesmas perguntas de antes, querendo saber o que elas pensam a

respeito dos conflitos, da disputa de terras e o processo de paz, da possibilidade de encontrar

com o outro lado.

Ele precisa demonstrar que existem diferenças tanto na maneira como cada lado vive, como

na religião de cada um, na política de cada Estado, e pra isso ele precisa equilibrar nas cenas

que serão demonstradas e consegue esse equilíbrio filmando cada lado, obtendo opiniões dos

dois lados, porém, além das diferenças ele quer mostrar que existe igualdades. Para buscar

essas igualdades ele parte da proposta de situar o contexto de crianças e o que elas tem em

comum, mesmo com tantas diferenças. É através da busca pela igualdade que ele tem como

proposta unir e realizar um encontro para que essas crianças enxerguem e descubram o que

elas tem em comum. Além do fato de serem crianças, gostarem de brincadeiras, da mesma

comida, de praticar esportes, elas convivem com uma guerra, de lados opostos, mas algumas

desejam a paz e uma situação melhor para povo.

Para conceituar o documentário como um instrumento de mobilização social destacam-se os

autores Fagundes e Zandonade. A idéia do documentarista parte do princípio de mobilizar não

só a quem está assistindo, de buscarem entender e compreender as diferenças existentes em

outros grupos como conviver com essas pessoas e suas diferenças, como também busca

mobilizar os participantes, os atores sociais do filme.

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Foi conceituado através da autora Sarah Yakhni o conceito do diretor do filme interagir com o

tema escolhido. A proposta do documentarista B.Z. Goldberg era interagir com as crianças

buscando despertar o interesse de cada uma em conhecer uma realidade diferente da sua, a

partir de encontros e diálogos.

Para a questão da subjetividade no gênero documentário nessa Camila Frois, foi destacado de

seus conceitos a importância e as conseqüências da presença do documentarista no encontro

realizado com os sujeitos de seu tema. Perante o modo particular e subjetivo da proposta do

documentarista, podemos encontrar a forma como ele conduz e constrói o filme, na cena

descrita a seguir.

O documentarista presente em cena, está sentado ao lado do menino palestino Faraj, que

deseja saber de B.Z. se ele tem o telefone dos meninos israelenses, Yarko e Daniel. Nota-se

uma empolgação de B.Z. perante o interesse de Faraj. B.Z pega o telefone e liga para o

menino israelense. Faraj e Yarko conversam no telefone. Depois, Faraj pede para conversar

com o outro gêmeo. Daniel pergunta se Faraj gosta de pizza, o menino palestino responde que

gosta mas em Deheishe não tem pizza. Faraj diz que adora homus, de manhã, a tarde, a noite,

e fica empolgado falando a respeito de homus com Daniel e de saber que ele conhece. Farajbrinca dizendo que o nome do pai dele é homus, até B.Z gosta de homus (na cena a criança

está muito descontraída e feliz, B.Z também está muito sorridente, solta uma gargalhada com

a brincadeira do garoto).

Corte da cena e agora aparece Faraj perguntando se Daniel gosta de futebol, e o menino

israelense responde que sim e pergunta a Faraj que time ele quer que vá para a final na Copa,

Faraj responde sorrindo que vai torcer para que o Brasil vá para a final da Copa. Danielresponde que ele também gosta do Brasil. Depois, Yarko volta a falar com Faraj. Yarko

demonstra interesse em ir até o campo de refugiados Deheishe, que Faraj mora, para conhecê-

lo. O garoto palestino se surpreende positivamente com a vontade dos irmãos de irem até lá,

pois Faraj não pode atravessar a barreira do posto de fiscalização para conhecer os irmãos

gêmeos, já os israelenses podem ir até lá. Faraj fica feliz e convida os meninos para irem até

lá. Encerram a conversa combinando de se encontrarem uma semana depois.

Para explicar como se dá a construção social de uma realidade utilizei os conceitos dos

autores Berger e Luckmann, que simplificaram a idéia de que a construção social da realidade

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se estabelece através da análise da vida cotidiana dos homens na sociedade, da vida subjetiva

e da objetiva. Eles explicam em sua obra que cada um interage à sua maneira com o outro, as

pessoas vivem num mundo intersubjetivo.

E no documentário o que vemos é que existe a realidade subjetiva do documentarista, a

realidade subjetiva de cada criança e que através do encontro dessas subjetividades é criada

uma nova realidade, uma intersubjetividade.

Em uma das cenas nos momentos finais do filme documentário Promessas de Um Novo 

 Mundo (Promises, 2001) o espectador consegue ver a proposta do documentarista de por um

momento conseguir entrar na vida e nos acontecimentos diários de cada criança, para entãointerferir nas ações cotidianas destas crianças, tentando uni-las para discutirem questões

políticas, culturais, sociais e também construir amizade entre elas.

Na descrição da cena, no dia que se conheceram (os irmãos israelenses, Yarko e Daniel, e, do

lado palestino, a menina Sanabel e sua irmã, o garoto Faraj e outros dois meninos, irmãos, que

perderam o caçula assassinado por um soldado israelita), aparecem brincando de guerra de

almofadas em uma sala de estar. Os documentaristas B.Z. Goldberg e Carlos Boladointerrompem a brincadeira e chamam as crianças para sentarem no sofá e conversarem após

um dia de brincadeiras.

Durante a conversa, as crianças relatam o sofrimento e a dor pela perda de parentes e amigos

durante a guerra. Nesse momento da conversa, um garoto palestino que se chama Faraj

começa a chorar e, então, um dos documentaristas lhe pergunta o que estava acontecendo para

estar emocionado. O menino responde chorando: “- Hoje à tarde, lembrei que B.Z. irá emboraem breve. E, agora que ficamos amigos de Daniel e Yarko, eles vão nos esquecer quando B.Z.

for embora. E todo nosso esforço terá sido em vão.”

Assim que B.Z, o documentarista, escuta a resposta do garoto, começa a chorar também. Pois

a interferência leva as crianças a perceberem sobre a realidade delas, das diferenças que

existem e que naquela ocasião estão suspensas, mas que irão retornar a partir do momento que

a realidade artificial acabar. Essa emoção foi construída através da relação criada entre

documentarista e os atores sociais, durante um período de tempo.

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Destaca-se partindo dos preceitos do cinema documentário segundo os conceitos de Nichols, a

questão da ética prescreve que o cineasta deve se comprometer com os sujeitos que farão

parte do filme. Existe durante o filme, uma interferência na construção social das crianças.

Mas o que se questiona e é mostrado nos momentos finais do documentário é se essa

interferência foi momentânea ou se ela perdura.

Na cena seguinte encontramos a resposta do que aconteceu na vida dessas crianças após as

gravações do documentário. É traçado um paralelo do depoimento das crianças israelenses e

palestinas, principais personagens do filme Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001),

Faraj, Yarko, Daniel, Sanabel, Moishe, Mahmoud e Shlomo. A cena se passa dois anos após a

realização do primeiro encontro entre as crianças, e algumas delas contam o que aconteceupós-filmagens. O garoto palestino Faraj descreve: “- Percebi que o mundo mudou para pior.

Não há paz, apenas guerras e catástrofes. Ninguém pode imaginar o futuro ou resolver essa

questão. Os planos de todos nós podem ser interrompidos. Nossa realidade não nos deixa

sonhar.” 

Em seguida, o garoto israelense fala das dificuldades que encontrou para manter contato com

o garoto palestino depois que os documentaristas foram embora:

- Não foi fácil encontrá-lo por causa das barreiras. Faraj nos ligou muitas vezes. Nocomeço retornávamos, mas depois deixamos de ligar. Ele não entendia. Achava queera simples nos encontrarmos. Ele dizia: „vou aí vê-los. Vou passar pela barreira.‟.Mas era mais complicado do que isso. Promessas de Um Novo Mundo, (Promises,2001).

Através da seguinte pergunta: como se constrói a relação intersubjetiva entre documentarista e

atores sociais no documentário Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001)? Conclui-seque o recorte da realidade apresentada nesse documentário representada em tempo e espaço,

sofre mudanças durante um período, passa por interferências por determinado momento,

durante as gravações. Através da subjetividade do documentarista e da subjetividade de cada

ator social, pudemos observar algumas mudanças, temporárias e breves, uma relação

intersubjetiva criada pelos encontros e diálogos das crianças e do cineasta, e que, ao final do

documentário, retornam a diferentes realidades, distantes uns dos outros. Assim foi

construída uma nova realidade na vida das sete crianças de Promessas de Um Novo Mundo.

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5 CONCLUSÃO

Podemos conhecer uma realidade diferente e distante da nossa por meio dos veículos de

comunicação, tendo uma aproximação com outras realidades ausentes da nossa. No filme

Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001), o que se vê é um recorte da vida de

algumas crianças em meio aos conflitos de uma guerra complexa, que existe há muitos anos.

O documentário é um gênero subjetivo, uma obra literária e audiovisual que traz uma

realidade que pode ser fragmentada e sujeita à livre interferência pelo olhar identitário de seu

autor diferentemente de como acontece com os gêneros jornalísticos que visam a

imparcialidade e buscam a neutralidade.

O repórter e documentarista B.Z. Goldberg, que tem como principal proposta conduzir uma

representação de uma realidade existente, a de crianças israelenses e palestinas, distantes

devido a fatores sociológicos, culturais, políticos e religiosos, busca estabelecer um diálogo,

que possa constituir uma nova realidade, construída a partir de uma relação subjetiva do

encontro entre cineasta e sujeitos filmados. Utiliza-se uma câmera, coletando depoimentos,

realizados através de perguntas e entrevistas durante três anos.

Foi possível observar por meio da exposição dos personagens deste documentário algumas

transformações, que puderam ser revelados pelos encontros realizados entre o documentarista

e as crianças, pessoas e suas virtudes ou fraquezas, que, de ambos os lados, o de quem filma e

o de quem foi filmado, demonstram reações e novas experiências diante das oportunidades

construídas no decorrer de cada situação e vividas naquele e para aquele ambiente.

Pode-se entender um pouco mais a respeito dos conflitos no Oriente Médio, presentes quase

que diariamente nos meios de comunicação, sendo um amplo e complexo assunto,

envolvendo inúmeros aspectos construídos através de um longo tempo, pelos

desentendimentos entre palestinos e judeus, que disputam uma terra, que, segundo cada um, é

sagrada para seu povo.

A perspectiva de mundo de um não é igual a do outro. Podemos interagir ou entrar em

conflito em algum momento com outras pessoas, devido a nossa relação de convívio

cotidiana.

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No documentário Promessas de Um Novo Mundo (Promisses, 2001) essa relação de

desinteresse pelo mundo do outro é retratada através das crianças que são de etnias diferentes.

Essas diferenças vêm da religião e dos costumes de cada uma, mostrando dificuldades de

relação com os que sejam diferentes. Essa barreira, com a qual as crianças convivem e a falta

de interesse pelo mundo dos diferentes, só é quebrada a partir do momento que o

documentarista interfere na realidade do cotidiano delas, mostrando o que se há de comum em

ser uma criança palestina com uma criança israelense. Quando essas crianças percebem que

existe de fato algo em comum em suas vidas, se interessam pelo mundo e a realidade dos

diferentes.

Pela proposta do documentário, fica a esperança, após assisti-lo, da possibilidade da pazmundial. Busca-se compreensão do que possa vir a ser diferente da nossa realidade, para

convivermos em harmonia entre os diferentes povos.

Pode ser observado através do trabalho partindo da construção teórica, dos autores

selecionados para tal pesquisa, que uma nova realidade pode ser construída. Observa-se no

documentário vários recortes de realidades, recorte porque não é a realidade no todo e sim

uma parte dela, a do documentarista (com a realidade de gravar um filme, buscar a opinião decada criança, demonstrar um tema e mobilizar os espectadores a respeito desse tema), a

realidade de crianças israelenses, a realidade de crianças palestinas, e a particularidade de

cada uma, e através do encontro de cada realidade é construída uma nova realidade. A partir

da subjetividade de cada um, quando se tem um contato, se concretiza uma intersubjetividade.

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REFERÊNCIAS

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FAGUNDES, Maria Cristina de Jesus; ZANDONADE, Vanessa. O Vídeo DocumentárioComo Instrumento de Mobilização Social. 2003. 73 f. Disponível em:<http://www.bocc.ubi.pt/pag/zandonade-vanessa-video-documentario.pdf>. Acesso em 11 demar. 2009.

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FILMOGRAFIA

Promessas de Um Novo Mundo. Título original: Promises. Direção: Justine Arlin , CarlosBolado , B.Z. Goldberg. Produção: Justine Arlin e B.Z. Goldberg. Distribuidora: Cinemien / Grupo Estação, 2001, 116m.

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ANEXO 

Imagem veiculada sobre o filme Promessas de Um Novo Mundo (Promises, 2001) disponível

em <http://www.adorocinema.com/filmes/promessas-de-um-novo-mundo>. Acesso em 1 de jun. de 2010.

Promessas de Um Novo Mundo (Promises)

Título original: Promises

Gênero: Documentário

Tempo de duração: 01 hs 56 min

Ano de lançamento: 2001

Site oficial: http://www.promisesproject.org/ 

Estúdio:Promises Film Project

Distribuidora:Cinemien / Grupo Estação

Direção: Justine Arlin , Carlos Bolado , B.Z. Goldberg

Roteiro: Stephen Most