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SUBJETIVIDADES EM DIDÁTICA: AFETIVIDADE, ÉTICA E ESTÉTICA. Resumo O painel que propomos articula investigações que examinam possibilidades concretas e objetivas de realizar metodologias didáticas que visam a subjetividade nos processos cognitivos seja por meio da inserção consciente e propositada das afetividades que envolvem os sujeitos de conhecimento, seja pelas possibilidades geradas a partir da experimentação didática que reconhece a experiência estética como forma de cognição dos sujeitos ou pela possibilidade de subjetivação do currículo por meio da objetivação dos discursos de alunos e professores acerca de seu objeto de estudos. As três investigações visam diferentes sujeitos em situações de aprendizagem diversas o ensino Tecnológico no primeiro caso; Universitário no segundo; e Básico no terceiro - mas encerram um elo comum: a possibilidade de pensar a didática como um campo que se beneficia do elemento subjetivo em suas práticas. Em Diários de Bordo: experiência estética com professores em formação inicial, tem-se por base Canclini (2012), Dewey (2010), Durand (1988) e Geertz (1997) para analisar um projeto interdepartamental, no qual solicitou-se a licenciandos a realização de trabalhos artísticos, como método de experimentação estética, modificando práticas didáticas comuns à Universidade. No trabalho intitulado Ética e paixões no discurso pedagógico da atualidade, é retomada a discussão sobre as Paixões, em uma acepção aristotélica, investigando a contribuição destas na formação ética de alunos de ensino Tecnológico. Por fim, o trabalho Possibilidades de autoria para currículos de artes visuais do ensino básico: investigações na cidade do Rio de Janeiro, traz resultados de pesquisa que registra discursos de alunos e professores sobre as artes visuais, confrontando-os e objetivando-os, com base no conceito de currículo como cultura (Lopes e Macedo, 2011) sob perspectiva da filosofia Problematológica (Meyer, 1991) e da Teoria da Argumentação (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 2002). Palavras-Chave: Ética, Estética, Currículo.

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  • SUBJETIVIDADES EM DIDTICA: AFETIVIDADE, TICA E ESTTICA.

    Resumo

    O painel que propomos articula investigaes que examinam possibilidades concretas e

    objetivas de realizar metodologias didticas que visam a subjetividade nos processos

    cognitivos seja por meio da insero consciente e propositada das afetividades que

    envolvem os sujeitos de conhecimento, seja pelas possibilidades geradas a partir da

    experimentao didtica que reconhece a experincia esttica como forma de cognio

    dos sujeitos ou pela possibilidade de subjetivao do currculo por meio da objetivao

    dos discursos de alunos e professores acerca de seu objeto de estudos.

    As trs investigaes visam diferentes sujeitos em situaes de aprendizagem diversas

    o ensino Tecnolgico no primeiro caso; Universitrio no segundo; e Bsico no terceiro -

    mas encerram um elo comum: a possibilidade de pensar a didtica como um campo que

    se beneficia do elemento subjetivo em suas prticas.

    Em Dirios de Bordo: experincia esttica com professores em formao inicial,

    tem-se por base Canclini (2012), Dewey (2010), Durand (1988) e Geertz (1997) para

    analisar um projeto interdepartamental, no qual solicitou-se a licenciandos a realizao

    de trabalhos artsticos, como mtodo de experimentao esttica, modificando prticas

    didticas comuns Universidade.

    No trabalho intitulado tica e paixes no discurso pedaggico da atualidade,

    retomada a discusso sobre as Paixes, em uma acepo aristotlica, investigando a

    contribuio destas na formao tica de alunos de ensino Tecnolgico.

    Por fim, o trabalho Possibilidades de autoria para currculos de artes visuais do

    ensino bsico: investigaes na cidade do Rio de Janeiro, traz resultados de pesquisa

    que registra discursos de alunos e professores sobre as artes visuais, confrontando-os e

    objetivando-os, com base no conceito de currculo como cultura (Lopes e Macedo,

    2011) sob perspectiva da filosofia Problematolgica (Meyer, 1991) e da Teoria da

    Argumentao (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 2002).

    Palavras-Chave: tica, Esttica, Currculo.

  • 2

    DIRIOS DE BORDO: EXPERINCIA ESTTICA COM PROFESSORES EM

    FORMAO INICIAL

    Resumo

    O projeto Dirios de Bordo um subprojeto interdisciplinar que envolve

    departamentos de Fundamentos da Educao e de Didtica, tendo por objetivo

    incentivar prticas artsticas junto a graduandos em pedagogia e de diferentes

    licenciaturas de modo a favorecer experincias estticas em suas formaes iniciais uma

    vez que investigamos, no projeto me, a contribuio de uma formao esttica, inicial e

    continuada, para as prticas do professor de ensino bsico.

    A partir das aulas ministradas nos cursos de didtica, didtica especial e filosofia

    da educao, visamos favorecer um ambiente de pesquisa participativa no qual temos

    proposto, aos alunos, a confeco de trabalhos artsticos que lhes permitam refletir as

    possibilidades de construo de conhecimento atravs do uso do corpo, do som, de

    imagens e textos em suas diversas plataformas atravs da criao de trabalhos esttico-

    visuais que so expostos e debatidos em aulas-vernissage abertas ao pblico. Os alunos

    so orientados a partirem de conceitos abordados nas aulas e buscar express-los atravs

    da confeco de uma obra o que os leva a reverem conceitos de linguagem, arte e

    cultura, de modo a experimentarem uma noo de cultura artstica em sentido ampliado.

    Nas aulas-vernissage os trabalhos so debatidos pelo pblico presente, inclusive

    pelos alunos sem que, entretanto, seja concedido ao aluno-artista explicar a prpria

    obra, com o que intencionamos que experimentem a multivocidade significativa dos

    conhecimentos estabelecidos esteticamente.

    Ao final do processo, cada aluno convidado a escrever sua vivncia e a

    compartilhar com todos no sentido de refletir, avaliar e auxiliar-nos a sistematizar as

    experincias.

    No mbito dessa apresentao traremos a ao pedaggica empreendida junto a

    licenciandos da rea das artes visuais, considerando de especial interesse que,

    justamente junto a estudantes que j lidam com experincias estticas, essa insero

    tenha-lhes parecido uma novidade, ao menos no territrio acadmico, como veremos em

    seus depoimentos.

    Palavras-Chave: Esttica, Currculo, Cultura

  • 3

    Introduo

    Na contemporaneidade a formao cultural e artstica dos indivduos vem

    recebendo destaque uma vez que se entende que esta formao permite-lhes uma

    insero mais consciente e crtica nos valores simblicos e estticos forjados no seio das

    culturas, alm da compreenso mais profunda das prticas e tecnologias que formalizam

    o cotidiano, no a partir de um entendimento terico prescritivo, mas pela imerso nas

    configuraes das artes do fazer humano (Durand, 1988; Geertz, 1997; Certeau, 1994).

    No anseio social desta formao notamos a nfase que as escolas, municpios e

    estados tm dado divulgao de suas realizaes artsticas seja atravs dos currculos

    escolares do ensino regular, ou atravs da realizao de projetos especficos que

    adentram espaos educativos no formais como Museus, Centros Culturais e

    Organizaes No Governamentais ligadas s artes atravs de suas aes educativas.

    A nfase nessas aes e a valorizao do ensino de arte junto sociedade nos

    remetem necessidade de promover modos para formar o/a professor/a de artes visuais,

    aprofundando-o/a na experincia esttica e artstica para garantir a reflexo, produo e

    fruio necessrias que lhe assegurem um estado de agentes e autores culturais junto a

    seus futuros alunos/as. Tal formao tambm tem se mostrado fundamental na medida

    em que professores/as, instituies escolares e governos reconhecem a dimenso

    esttica da sociedade que, atravs de diferentes plataformas, impregna toda forma de

    contedo e informao, passando a ser objeto de estudo e produo escolares e

    universitrias.

    Para pensarmos tal formao adotaremos como premissas alguns preceitos de

    Canclini (2012), Dewey (2010), Durand (1988) e Geertz (1997), considerando pontos

    de encontro e de complementao nos pensamentos destes autores.

    Como j nos apontou Durand (1988, p. 23-39), a aproximao subjetiva do

    sujeito com o mundo circundante, em um sentido semiolgico, implica admitir o

    pensamento simblico e indireto como formador de conhecimento vlido em oposio

    pedagogia do saber, como vem sendo instituda h dez sculos no Ocidente, pautada

    em uma racionalidade que nega valor experincia sensvel.

    Este entendimento prope que, atravs da atitude sensvel reflexiva e receptiva

    dos homens para com os objetos, ocorre uma intensificao do sujeito frente ao seu

    estado de prazer e de harmonia, tratando-se de uma experincia ligada quilo que

    anterior determinao do conhecimento racional-formal j adquirido e s

  • 4

    determinaes dos objetos na interveno dos conceitos: o mundo dos objetos enquanto

    representao genuna. Assim, Durand (1988, p. 35) aponta que como uma certa gnose,

    o smbolo conhecimento beatificante, um conhecimento salvador que no

    necessita de um intermedirio social, isto , sacramental e eclesial.

    De outro lado, entendemos que inevitvel, em tempo de ps-estruturalismo,

    notarmos a dimenso estrutural que o autor sustenta ao reportar suas reflexes a um

    princpio primeiro: o de considerar a existncia prvia de schmes matriciais que seriam

    a base da formao original dos smbolos.

    Geertz (1997, p. 142-181) tem nos ajudado a dar conta desta questo sugerindo a

    indissociabilidade dos pares opostos criados pelo pensamento racional formal e pelos

    quais se tm tentado abordar a questo esttica e a manifestao artstica enquanto

    esttica. Ou seja, nem significado, nem significante, ao serem partes constitutivas de

    uma mesma manifestao, podem determinar um ao outro. Ao mesmo tempo, so

    mutuamente estruturantes e estruturados um no outro. Em seus estudos o autor ir

    propor que tanto inadequado pensar a arte separando forma e contedo, quanto

    separando a manifestao esttica da localidade concreta na qual esta se forma, seja em

    relao s suas tecnologias, ou em relao a seus significados e coloca que (Id, p. 179):

    Teremos que nos dedicar a uma espcie de histria natural de indicadores e de

    smbolos, uma etnografia dos veculos que transmitem significados. Tais

    indicadores e smbolos, tais transmissores de significado, desempenham um

    papel na vida de uma sociedade, e isso que lhes permite existir. (...) O que

    desejamos que os poderes analticos da teoria semitica sejam esses os de

    Pierce, Saussure, Lvi-Strauss ou Goodman no sejam utilizados em uma

    investigao de indicadores abstratos, e sim no tipo de investigao que os

    examine em seu habitat natural o universo cotidiano em que os seres olham,

    nomeiam, escutam e fazem.

    Assim, tenta sanar a remisso aos princpios primeiros e universais, devolvendo

    a experincia esttica uma concretude social e lembrando que expor a estrutura de

    uma obra artstica e explicar seus impactos so coisas bem diferentes (Id, ibd).

    Dewey (2010, p. 109-143), por sua vez, sugere que a busca a um princpio

    primeiro e tambm a construo de discursos que pretendem apresentar uma concluso

    sobre a experincia so exerccios mentais e construes de pensamento posteriores, no

    inerentes experincia sensvel. Deste modo, como em Geertz, prope que um discurso

    sobre a experincia no significa a experincia em si. Para o autor, a existncia

    experincia, porm nem toda experincia esttica. A experincia esttica deweyana

    aquela que se distingue das inumerveis experincias cotidianas - muitas delas

  • 5

    automatizadas -, apresentando-se ao sujeito como um processo completo, cuja

    concluso no uma coisa distinta e independente; a consumao de um

    movimento (Id., p. 113). Em suas palavras, essa experincia um todo e carrega em si

    seu carter individualizador e autossuficiente (Id., p. 110). Nesta perspectiva, Dewey

    vai apontar a fruio da arte como um tipo privilegiado de experincia esttica uma vez

    que busca e permite a completude daquilo que se experimenta. Deste modo entende tal

    experincia no apenas como resultado de apreciao, mas como resultante, tambm,

    dos processos de criao da prpria arte:

    A relao existente ao se ter uma experincia entre o agir e o ficar sujeito a

    algo, indicam que a distino entre o esttico e o artstico no pode ser levada a

    ponto de se tornar uma separao. A perfeio na execuo no pode ser medida

    ou definida em termos da execuo; implica aqueles que percebem e desfrutam

    o produto executado (id., p. 127).

    Adiante, conclui que o processo da arte em produo relaciona-se

    organicamente com o esttico na percepo (Id., p. 130).

    Por fim, o filsofo nos ajudar a pensar a experincia esttica no apenas como

    vivncia perceptiva, mas criativa, ao falar do trabalho do artista, recorrendo

    capacidade humana da imaginao e sugerindo que um projeto sendo artstico,

    pressupe um perodo anterior de gestao, no qual os atos e percepes projetados na

    imaginao interagem e se modificam mutuamente (Id., p. 134).

    Canclini, ecoa Geertz e, na trilha sociolgica, pe em suspenso a esttica

    filosfica moderna ao inquiri-la enquanto instrumento da independncia e

    autoconteno das prticas artsticas que delimitou quem tinha legitimidade para dizer o

    que arte. Ele pergunta: possvel estender esta noo de arte a sociedades no

    modernas nem ocidentais? (2012, p. 38). Na obra em que se prope a pensar a arte

    como iminncia as obras tratam os fatos como acontecimentos que esto a ponto de

    ser (Id., p. 20) em um mundo (globalizado) marcado por incertezas que, diante de

    insignificncias e discordncias de relatos no consegue articular uma orientao

    histrica e um modelo de desenvolvimento social a sociedade sem relato -, ele

    questiona a universalidade da arte. O autor sustenta que a arte encontra-se numa poca

    ps-autnoma (...) o entrelaamento da prtica artstica com as demais tamanha que

    pe em suspenso as noes de mundo da arte (Becker) e de campo da arte (Bourdieu)

    (Id., p. 22) em que possvel compreender como a esttica filosfica separou a arte de

    seus condicionamentos externos (Id, p. 37):

  • 6

    A esttica filosfica procurou universalizar a sua reflexo, mas estava associada

    ao desenvolvimento da modernidade europia, da razo ilustrada ou do

    romantismo. O pensamento esttico foi intrprete da autonomizao da arte

    quando do capitalismo e a secularizao geraram instituies especficas e

    pblicos dispostos a se relacionarem com as obras usando critrios de avaliao

    diferentes dos empregados pelos poderes religiosos ou polticos. O trao

    predominante das estticas modernas foi o que Kant denominou objetos

    construdos, seguindo uma finalidade sem fim; nas palavras de Umberto Eco, as

    experincias nas quais as formas prevalecem sobre a funo.

    A proposta de Canclini, atuando na fronteira entre cincias sociais e estticas,

    ultrapassa o confinamento disciplinar da arte e, no contexto dessa pesquisa, permite-nos

    uma via de conversao em que a produo artstica/criao esttica dos alunos podem

    ser concebidas no como uma mensagem explcita a ser decifrada, mas como obras que

    abrem conversas que geram mais conversas e permitem a expresso e a ressignificao

    de sentidos, a produo de conhecimentos e a afirmao da possibilidade de novas

    relaes com o real que ensaie uma viso da arte expandida pelas zonas da vida social,

    sem obrig-la a representar estratgias de distino, a exercer violncia simblica ou

    dominao dos legtimos sobre os demais. (Id., p. 30).

    Em decorrncia das questes acima colocadas, investimos na hiptese de que

    uma formao esttica permitir aos professores no exerccio de sua profisso olhares

    inovadores para as relaes com o mundo, sensibilizando-os para novos significados

    possveis experincia e lida com os objetos do conhecimento e com os modos de

    gerar o conhecimento atravs da produo criativa e imaginativa, contribuindo para uma

    formao que visa o protagonismo, a originalidade e novas formas de atuao na escola.

    Dentro desta perspectiva, tem nos motivado a preocupao com certo triunfo de

    uma racionalidade discursiva e cientificista e buscamos experimentar outra

    racionalidade possvel construo dos conhecimentos e formao inicial dos

    professores, legitimando-a por si mesma e investindo na premissa de que seu

    desenvolvimento traz o incremento da capacidade imaginativa, criativa, original e de

    protagonismo dos sujeitos.

    Tais problematizaes nos levaram a concentrarmo-nos na investigao e

    compreenso de modos pelos quais possamos lograr experincias estticas significativas

    na formao inicial dos futuros professores que no se pautem na necessidade de

    legitimao por via de balizadores extrnsecos prpria experincia sensvel, bem como

    avaliar sua significao e permanncia para esses alunos.

  • 7

    De nossa organizao: que contedos curriculares abordamos e com que formas de

    tratamento didtico

    Buscamos trabalhar um contedo centrado na experimentao, uso e

    desenvolvimento da experincia esttica, tomando-a por experincia de cognio. Aqui

    no consideramos a imagem, ou o som, ou o corpo como contedos em si, mas o

    prprio sentido esttico do homem como contedo a ser desenvolvido na formao do

    professor de Artes Visuais.

    Assim, propusemos aos alunos a elaborao de trabalhos artsticos, chamados

    Dirios de Bordo, que se caracterizam pela realizao de uma criao artstica que d

    significado ao processo trabalhado em sala de aula, durante o curso, e que so

    apresentadas coletivamente em aula-vernissage aberta ao pblico da universidade.

    Nesta perspectiva, acreditamos que isto se caracterize como um mtodo didtico,

    se o entendermos como a constituio de prticas que permitem a experincia por parte

    dos alunos, como coloca Charlot (2001, p 18):

    Quando a didtica abre-se assim questo da relao com o saber, ela deixa de

    pressupor o "Eu epistmico" (o sujeito do conhecimento racional) como j

    constitudo e espera, de algum modo, de condies didticas que lhe

    permitiro nutrir-se do saber de forma exemplar. Ela se indaga sobre a prpria

    constituio do Eu epistmico; portanto, sobre suas relaes com o "Eu

    emprico" (com um sujeito portador de experincias que, inevitavelmente, ele j

    buscou interpretar).

    justamente o investimento nas formas de saber que se estabelecem pelo "Eu

    emprico" e pelas possibilidades multvocas das interpretaes e significaes das

    experincias que nos possibilita pensar a produo de arte como meio didtico e

    simultaneamente autnomo de formao esttica dos futuros professores, no

    restringindo a formao artstica nem ao exerccio lingustico formal e lexical que parte

    de um modelo exemplar de visualidade e de domnio tcnico, nem racionalizao da

    experincia esttica por via de um conhecimento conceitual e desafetado das filosofias

    estticas e/ou das teorias fundadas na crtica e na historia da arte, normalmente,

    ocidental.

    Ainda na perspectiva proposta por Charlot (Id, p 20), "aprender tambm

    apropriar-se de um saber, de uma prtica, de uma forma de relao com os outros e

    consigo mesmo... que existe antes que eu a aprenda, exterior a mim", , portanto, "a

    conexo entre o sujeito e o saber, entre o saber e o sujeito".

  • 8

    Temos tentado enfrentar essa dialtica da relao sujeito/saber com a elaborao

    dos Dirios de Bordo justamente na medida em que no observamos a formao esttica

    a partir de contedos a serem assimilados, mas pelo esforo interno e sensvel do sujeito

    em seu prprio enfrentamento ao criar a obra e nos debates que estabelece com ela e

    com seu grupo maior - seus colegas de classe e seu pblico geral -, no intuito de

    multiplicar seus meios de conexo s infinitas possibilidades de significao. Cremos

    que essa perspectiva auxilie a construo de uma relao de autoria com o saber e com a

    experincia, tendo vistas, por um lado, ao aspecto de que o estabelecimento de

    significados construdos pela arte e por sua produo tem uma subjetividade

    intransponvel e positiva na direo apontada por Geertz (1997, p 148) ao colocar que

    "os meios atravs dos quais a arte se expressa e o sentimento pela vida que os estimula

    so inseparveis"; e, por outro lado, possibilidade aventada por Dewey de que o

    exerccio artstico organicamente constitudo junto possibilidade de fruio artstica,

    resultando que fazer arte nos forma na sensibilidade esttica.

    Na experincia aqui relatada, que ocorreu em 2013, envolvendo duas turmas de

    licenciandos em artes visuais e desenho, propusemos que as aulas-vernissage servissem

    como avaliao de curso realizado em 2012, uma vez que as obras apresentadas pelos

    alunos deveriam significar seus processos em sala de aula.

    A dinmica da aula-vernissage inclua um primeiro momento de montagem dos

    trabalhos para exposio; a abertura da exposio; a visitao por todos os presentes e

    por fim um debate sobre as obras apresentadas.

    Qualquer pessoa presente poderia comentar qualquer um dos trabalhos, fosse por

    empatia ou antipatia, fosse para compartilhar alguma interpretao que tenha lhe

    parecido interessante. Neste momento, foi vetado ao aluno-artista comentar sua prpria

    obra com o que intencionamos proporcionar, de um lado, interpretaes sobre as obras

    que fossem desprovidas de explicaes cujo sentido fosse dado pelo prprio autor e, de

    outro, estimular a experincia do autor em suportar leituras possveis e dspares de seu

    trabalho que no foram intencionadas no momento de criao. Por fim e ao final os

    autores poderiam falar de suas obras apresentando suas intencionalidades e debatendo,

    na medida do desejvel, os olhares deflagrados por seu pblico.

    De como os alunos-artistas viveram essa experincia

  • 9

    Solicitamos a alunos-artistas que nos apresentassem relatos escritos acerca da

    experincia na realizao dos Dirios de Bordo. Estimamos, a incio, que tal proposta

    didtica no lhes apresentaria grandes desafios em relao forma, uma vez que

    estariam acostumados prtica artstica. Para nossa surpresa seus textos avaliativos

    anunciam outra realidade.

    No mbito das relaes de educao, ou seja, na perspectiva de um ensinamento

    das artes em ambiente de formao acadmica, esses alunos idealizavam um curso com

    uma perspectiva terica mais conceitual, pautada no discurso verbal e no modelo

    exemplar para que a relao ensino/aprendizagem viesse a tomar forma, fosse em suas

    prprias aprendizagens, fosse na aquisio de um modelo didtico para ser aplicado nas

    escolas. Entretanto, a proposta foi bem aceita e simbolizou uma fratura com o padro

    estabelecido no ensinamento universitrio que, pareceu, privilegia, ainda, construes

    terico-racionais em detrimento das experimentaes sensveis, como observaremos em

    alguns recortes de textos avaliativos que apresentamos a seguir.

    Aluno 1:

    Nos reunimos com a turma da professora A no dia 26 de Fevereiro de 2013 afim

    de realizar uma exposio com trabalhos plsticos baseados nas nossas

    experincia no campo de estgio. A princpio, me preparei para falar do meu

    trabalho mas, para a minha surpresa, nos sentamos no cho para falarmos sobre o

    trabalho do outro. A turma estava muito inibida pra falar, no sei se por conta das

    cmeras ou por conta do evento, da exposio. (...)

    O que eu conclu deste evento? Muito bom! Este espao de debate deveria ser

    frequente nas nossas aulas de formao. Promove reflexo, desenvolvimento de

    pensamento crtico, interao com os colegas das outras turmas e com outros

    professores, trocas de experincia e de quebra uma fonte de referncia para os

    nossos trabalhos plsticos, para a nossa formao como professor e como

    cidados no mundo.

    Aluno 2:

    Em primeiro lugar, adorei chegar sala e sentir um clima de vernissage, s faltou

    um coquetel para complementar.

    Aluno 3:

    Gostei muito dos trabalhos! Mas achei que o momento da roda, aberto s

    discusses, ficou muito travado. Acredito que tenha sido pela presena da

    cmera, que acaba inibindo os mais tmidos, e por incrvel que parea, at os mais

    falantes se manifestaram pouco.

  • 10

    Aluno 4:

    Achei boa a proposta da dinmica da apresentao, porque sempre mais difcil

    falar do trabalho dos outros do que do nosso prprio.

    Aluno 5:

    muito diferente analisar trabalhos de alunos (refere-se a alunos do ensino

    bsico) e analisar trabalhos de colegas. Antes de dizer algo sobre o trabalho de

    algum eu penso se no interpretei-o de forma errada, como no gostaria que o

    meu fosse interpretado, ou se minha anlise seria to pouco bvia e profunda,

    diferente de como os senhores professores (refere-se, no caso, aos professores

    pesquisadores que conduziram a aula-vernissage) o fazem.

    Aluno 6:

    A dinmica proporcionou maior interao entre os discentes e tambm entre

    discentes e docentes pelo fato de estarem duas turmas juntas. Fugiu da rotina,

    pois havia outros olhares e maneiras de se colocar diferentes das aulas de todas as

    teras.

    Aluno 7:

    Criar uma aproximao entre o conhecimento do aluno e o conhecimento do

    professor fundamental, pelo menos deveria, para qualquer metodologia do

    ensino da arte. Contudo, o que vemos uma grande preocupao em justificar o

    ensino das artes visuais nas escolas atravs de currculos racionalistas,

    axiomticos, eurocntricos.

    Aluno 8:

    Meu dirio de bordo remonta os principais acontecimentos compreendidos entre

    os meses de abril de 2012 e fevereiro de 2013. O dirio contm imagens,

    desenhos, frases e simbologias que resumem situaes ocorridas no s no campo

    do estgio, mas tambm durante as aulas da faculdade e na minha vida pessoal.

    (...)

    Cada pgina foi trabalhada e pensada com intimidade e carinho. Pensar sobre

    esses acontecimentos faziam parte da criao de cada tema, afinal eu queria

    mostrar da forma mais clara possvel o que eu passei e o quanto mudei durante

    esses dias. Por mais que o curso de Licenciatura no exija uma monografia, o

    dirio de bordo serviu muito bem como tal instrumento.

    Aluno 9:

    As questes colocadas, em sua maioria, eram de denncia ao ensino da arte, da

    maneira como conduzido e pensado nas escolas, e poucos relatavam ou

    expunham situaes positivas do ensino da arte.

    Os trabalhos estavam muito interessantes e me chamou ateno que muitos se

    preocupavam com o fato do ensino artstico ser pr-determinado e exercido como

    as outras disciplinas, preocupado com o cumprimento de um currculo acadmico

    lanando matria atrs de matria, massificando o aluno que, por isso, deixa de

    vivenciar a arte como experincia, como construo do pensamento crtico e

    formao cultural.

  • 11

    Aluno 10:

    Achei perturbador ter que elaborar esteticamente uma questo de meu estgio.

    Entendo que os professores devem incentivar nossa prtica artstica, mas no me

    sentia confiante em expor algo relacionado a esse tema. Realizo trabalhos de

    ilustraes, e essa forma de expor meus trabalhos onde me sinto mais confiante

    em fazer o que me pedido.

    Talvez a insegurana tenha vindo relacionada ao prprio estgio, quando comecei

    a pensar na minha elaborao, estava pensando tambm em regncias e talvez por

    isso tenha gasto toda minha capacidade de ser desinibida, toda minha capacidade

    crtica nestas e sobrando to pouco em minha elaborao e verbalizao sobre os

    trabalhos de meus colegas. O fato que pude perceber e me deixou mais

    descontente com essa apresentao foi o de as pessoas no entenderem o ponto

    principal de meu trabalho, mas como disse. Talvez a culpa seja minha por no ter

    pensado melhor nele, para que a obra falasse por si s. Meu consolo que ns

    talvez interpretemos errado at mesmo as obras e poesias dos mais famosos

    artistas e poetas!

    Aluno 11:

    Quando me deparei com a tarefa de criar um dirio de bordo, senti que teria

    dificuldades em expressar talvez de maneira mais enftica as minhas

    experincias. Foi quando ento visualizei distncia todo o leque de

    possibilidades do qual poderia criar, vi elementos separados e decidi que meu

    foco seria uni-los, alguns desses elementos seriam as aulas mais marcantes que

    tive com a professora A e outros o contato com a escola e com os alunos.

    De como avaliamos o processo de realizao didtica dos dirios de bordo

    Ao encerrarmos essa aula-vernissage, no escopo deste projeto, nossa equipe

    usufruiu um rpido sentimento de satisfao e de percepo que apontvamos para um

    caminho por ns desejado. Os relatos dos alunos que apresentam sensaes,

    sentimentos, momentos ora de zanga, ora de vitria, a satisfao com a ruptura de

    algumas estruturas rgidas que permeiam as relaes e ensino/aprendizagem e as

    instituies que sistematizam essas relaes, a frustrao de se sentirem expostos ao

    olhar do outro, a dificuldade de romper padres ticos para falarem do outro, as

    angstias relacionadas aos olhares que trazem de si e, por fim, os modos pelos quais

    esses "elementos separados" podem ser unidos, sintetizavam um pouco daquilo que

    buscvamos ao propormos a experincia esttica na contraface de aulas universitrias

    conceituais, discursivas e lineares.

    A ambiguidade expressa nas falas, as complexidades, as contraditoriedades e os

    paradoxos, o confronto com aquilo que no pode ser acertado parece-nos ser o

    tangenciamento com o que Durand (1988, p 19) definiu por "modo de conhecimento

  • 12

    jamais adequado, jamais objetivo, pois nunca atingiu um objeto", um conhecimento que

    se estabelece pela semitica do contato com o smbolo.

    Ao analisar nossa proposta pelo paradigma da experincia que dada, mas que

    nunca poder ser plenamente apreendida, a realizao dos Dirios de Bordo e a aulas-

    vernissage cumpriram o tipo de provocao que queramos proporcionar a nossos

    alunos e permitiram, como intencionamos em relao a uma sensibilidade esttica,

    gerar conhecimento e estabelecer relaes com o mundo a partir da criao de novos

    elos e significaes para os objetos cognoscveis que, parece-nos, acontece

    privilegiadamente no sentido multvoco que um smbolo ganha ao ser vivenciado

    artisticamente e que pode ser dado experimentao, mas no pode, nunca, reduzir-se

    explicao lgico-formal.

    A surpresa, de nosso lado, ficou por conta de percebermos que, mesmo em uma

    turma de licenciatura em educao artstica, essa prtica surgiu como alijada

    totalmente ou quase totalmente da prtica de construo de conhecimentos dentro da

    faculdade, corroborando nossa presuno de que o conhecimento valorizado e

    construdo na academia ainda eminentemente pautado em raciocnios que visam o

    modelo e a aproximao com uma lgica formal na busca de balizadores verdadeiros e

    unvocos do objeto a ser conhecido.

    Essas questes, em um primeiro momento, nos levam a considerar que tais

    metodologias em sala de aula no poderiam ser to pontuais e cabe-nos pensar

    metodologicamente como expandir a experincia de produo artstica e de provocao

    esttica a outros momentos e situaes do curso.

    A partir da, temos sido levados a rever insistentemente a literatura disponvel

    acerca de uma educao esttica dos sujeitos e mais especificamente do professor.

    Notoriamente, pela subjetividade e multivocidade do objeto investigado, essa

    no tem sido uma tarefa fcil. Se, por um lado, majoritariamente, os depoimentos dos

    alunos-artistas indica-nos que trilhamos um caminho desejvel, mantm-se em

    suspenso a rdua tentativa de imprimir e melhorar justificativas, aparentemente

    unvocas, a essa formao didtica o que seria, por si, contraditrio, uma vez que nossa

    defesa primeira em relao a todo conhecimento que no se conforma s normas da

    cientificidade acadmica, mas que, intumos, vlido.

    Ademais de considerarmos os relatos de nossos alunos que nos do indcios da

    importncia de tal iniciativa na medida em que problematizam a inrcia instituda por

  • 13

    prticas didticas da Universidade que sustentam o cumprimento de um currculo

    acadmico lanando matria atrs de matria, massificando o aluno e que reconhecem

    a fragmentao dos conhecimentos no s os acadmicos, mas os conhecimentos

    constitutivos dos sujeitos aprendentes - que necessitam ser incorporados: vi elementos

    separados e decidi que meu foco seria uni-los-; observamos a insuficincia de aportes

    na perspectiva de um entendimento esttico-sensvel que nos auxilie em uma reviso

    no apenas metodolgico-didtica, mas de considerao s formas do conhecimento

    humano e de delimitao de seus objetos.

    Bibliografia

    CANCLINI, Nestor G. A Sociedade sem Relato: antropologia e esttica da iminncia.

    So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2012.

    CERTEAU, Michel de. A Inveno do Cotidiano: artes de fazer. Petrpolis, RJ: Vozes,

    1994.

    CHARLOT, Bernard (org). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre:

    Artmed Editora, 2001.

    DEWEY, John. Arte como Experincia. So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    DURAND, Gilbert. A Imaginao Simblica. So Paulo: Cultrix/EDUSP, 1988.

    GEERTZ, Clifford. O Saber Local. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997.

  • 14

    TICA E PAIXES NO DISCURSO PEDAGGICO DA

    ATUALIDADE

    Resumo

    A presente pesquisa investiga as interconexes entre os campos da retrica, da

    tica e das paixes dentro do contexto de formao profissional. Nessa investigao o

    campo retrico assume dois papis, o de teoria e de metodologia de anlise. Desse

    modo, nesse estudo nosso objetivo foi compreender a partir da anlise retrica de

    argumentos de estudantes, docentes e coordenadores, do ensino federal de nvel

    tecnolgico, em que medida a escola poderia contribuir para o desenvolvimento de uma

    educao/formao profissional que favorecesse a construo de princpios ticos,

    envolvendo o entendimento das questes emocionais (paixes), isto , em uma

    dimenso tica-emocional conjuntamente com a formao especializada j instituda no

    currculo de formao profissional.

    Dadas as premissas inaugurais, nos ancoramos na Teoria da Argumentao:

    Nova Retrica, apresentada por Cham Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2002); nos

    estudos de Michel Meyer (1991, 2007, 2007a, 2007b) e Olivier Reboul (2004) e nos

    conceitos de Aristteles (2000) sobre tica e paixes, atravs de um estudo de caso, cujo

    campo de pesquisa foi o CEFET- RJ, um centro de educao pblica federal, referncia

    para a rea de formao profissional no Brasil.

    As concluses deste estudo apontam para a aceitao, por parte dos pesquisados,

    da necessidade de uma educao tica que perpasse a formao destes

    estudantes/futuros profissionais e do indicaes que tal formao no se desvincula da

    influncia das paixes, seja repelindo-as ou admitindo-as. Neste processo vamos notar

    que a retrica, como campo de negociao de diferentes teses que visam a busca de

    acordos provisrios, pode dar sua contribuio para a formao tica dos sujeitos

    estudantes.

    Palavras-chave: tica, Paixes, Retrica.

  • 15

    Ponto de partida

    A Educao uma atividade eminentemente relacional de interao entre sujeitos.

    Neste contexto, se apresenta uma rede de mltiplas conexes, que se estabelece para dar

    sustentao ao sistema educacional. Atualmente vivenciamos um cenrio marcado por

    uma fragilidade nessa rede de interconexes bem como, nas relaes entre os sujeitos.

    Podemos afirmar ento, que atravessamos um momento onde o discurso pedaggico nos

    aponta para uma crise que apresenta, alm dos problemas que tangem melhoria dos

    instrumentos e ndices de desempenho pedaggicos, um crescimento abrupto dos

    conflitos de valores ticos, um recrudescimento da violncia, do preconceito racial,

    social, religioso ou mesmo de gnero praticados dentro e fora da sala de aula, atingindo

    professores, alunos e demais funcionrios desse contexto. A partir desse panorama,

    muitos questionamentos surgem no sentido de entender as interconexes dessa crise na

    sala de aula e os reflexos na formao. Na busca pelo entendimento, observamos que

    independente das situaes conflitantes, o sujeito, ator social desse processo, est

    atravessado por suas paixes.

    Desse modo, nesta pesquisa propus estabelecer uma conexo entre tica e paixes,

    utilizando a retrica como base terico-metodolgica de anlise para investigar as

    interfaces entre essas categorias no contexto de formao profissional.

    O objetivo central foi compreender a partir da anlise retrica dos argumentos dos

    estudantes, docentes e coordenadores, em que medida a escola poderia contribuir para o

    desenvolvimento de uma educao/formao que favorecesse a construo de princpios

    ticos e o entendimento das questes emocionais (paixes), isto , uma dimenso tica-

    emocional conjuntamente com a formao j instituda no currculo de formao

    profissional.

    Como o interesse da anlise deu-se no recorte da formao profissional, a

    pesquisa de campo foi desenvolvida no Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso

    Suckow da Fonseca - CEFET-RJ, tendo em vista ser este um centro de referncia

    nacional pblica, na modalidade de ensino tcnico profissionalizante.

    No que tangeu ao aporte terico para sustentar os objetivos pretendidos, assumi

    nesta pesquisa a definio de Aristteles (2005) para as paixes, que, segundo o

    filsofo, esto no campo do conhecimento retrico, ou seja, conhecimentos negociveis,

    no lgico-formais, e so todos aqueles sentimentos que, causando mudanas nas

    pessoas, fazem variar seus julgamentos, e so seguidos de tristeza e prazer, como a

  • 16

    clera, a piedade, o temor e todas as outras paixes anlogas, assim como seus

    contrrios. As paixes tm uma funo intelectual, epistmica; operam como imagens

    mentais: informam sobre o sujeito e sobre o outro tal como ele age consigo

    (prazer/sofrimento).

    Adotei nessa investigao o conceito de tica de Oliveira (2009) como sendo

    relativo aos objetos, valores, princpios, normas e hbitos que orientam as aes do

    homem no contexto de suas mltiplas relaes.

    As aproximaes entre tica e paixo foram estabelecidas a partir da Teoria da

    Argumentao: nova retrica, desenvolvida por Cham Perelmam & Olbrechts-Tyteca

    (2005) apresentada no livro Tratado da Argumentao na segunda metade do sculo

    XX, que possibilita estudar e compreender os diferentes discursos (poltico, tico,

    cientfico, educativo, entre outros) presentes na vida social. Ancorei-me tambm nos

    estudos de Michel Meyer (2007) e em Olivier Reboul (2004), visando no s a

    utilizao da taxonomia elaborada, mas tambm o entendimento da retrica como

    negociao das distncias entre os sujeitos. A nova retrica uma retomada da arte

    retrica de Aristteles rompendo com os ditames da razo pura, um tratado sobre a

    arte de persuadir por meio do discurso. A retrica tem um carter multidisciplinar e

    plural, e importante instrumento para analisar e compreender os argumentos presentes

    nos mais variados campos das sociedades.

    Parto da premissa que aprender sobre as paixes senti-las, diferenci-las,

    compartilh-las, entend-las um ato profundamente tico, uma vez que tudo que

    podemos fazer para aproximarmo-nos de um entendimento das paixes interpret-las a

    partir de nossos valores, histrias, bagagens, o que nada mais do que trabalhar sobre

    os juzos de valores possveis a partir das paixes.

    Assim sendo, aprender sobre as paixes e compartilh-las necessita o

    desenvolvimento de posturas ticas no normativas e no coercitivas que permitam a

    professor e alunos a argumentao. Outrossim, ao entendermos que a tica a construo

    de acordos que reverberam a partir de um debate que respeita os juzos de valor vlidos

    para um grupo social, a tica, em si, recheada de paixes, j que os valores no podem

    ser explicados em bases puramente racionais. Compreender sobre suas paixes pode

    ajudar o homem a ter um domnio de si, a busca por uma Aret.

  • 17

    Compreendendo o Discurso Pedaggico

    Nas ltimas duas dcadas do sculo XX assistiu-se a grandes mudanas tanto no

    campo socioeconmico e poltico quanto no da cultura, da cincia e da tecnologia. Essas

    transformaes, principalmente as de cunho tecnolgico, forjaram um novo tempo, a

    era da informao, cuja moeda social o conhecimento.

    Com a capacidade de romper barreiras e construir redes de conexo

    inimaginveis, essas mudanas tambm trouxeram em seu bojo uma parte de

    desestruturao, considerando a velocidade com que essas transformaes se

    apresentam e o pouco tempo para que possam ser entendidas e absorvidas pela

    sociedade.

    Desse modo, ao mesmo tempo em que os benefcios dessas mudanas surgem,

    se apresentam as dificuldades tambm capazes de gerar desde atitudes discriminatrias

    segregao e violncia, pautadas em sua grande maioria pela ausncia de princpios

    ticos que norteiem essas novas configuraes, em todos os segmentos da sociedade.

    A discusso sobre a tica tomou o cenrio nos tempos atuais, devido extenso

    de denncias sobre aes de violncia, prevaricao, discriminao em todos os mbitos

    sociais, inclusive em grandes propores ocorridas no campo da educao.

    No Brasil, na tentativa de atender a essa necessidade emergente sobre as questes

    ticas nesse contexto educativo, foi defendido por meio de documentos oficiais como os

    Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN) e as Diretrizes

    Curriculares Nacionais (DCN) a insero da tica nos contedos de todas as disciplinas

    como tema transversal.

    Contudo, mesmo sendo considerada importante a questo da tica, seja pelas

    denncias de ausncia ou por sua regulamentao por meio de documentos oficiais, uma

    questo se fez presente e me motivou na construo dessa pesquisa. Qual a relao

    existente entre a tica e as paixes, considerando que todas as aes evidenciadas

    anteriormente como a violncia, discriminao, segregao, antes de serem aes

    puramente racionais, tambm foram sentidas e, portanto so aes emocionais?

    Metodologia

    Buscando discutir os aspectos expostos anteriormente e optando por uma

    metodologia para o estudo, busquei o caminho da argumentao, por ser uma

    proposio dialgica. Mesmo no tendo sido formulada com a finalidade de estudar a

  • 18

    educao, vejo no escopo da proposta - que visa discutir os elementos orador, auditrio

    e discurso, alicerces da argumentao - um suporte, considerando que esses elementos

    esto inseridos em todos os campos do conhecimento.

    Segundo Meyer (2001) a retrica o encontro dos homens e da linguagem na

    exposio das suas diferenas e das suas identidades. De acordo com o autor,

    Eles afirmam-se a para se encontrarem, para se repelirem, para

    encontrarem um momento de comunho ou, pelo contrrio, para

    evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa.

    Ora, a relao retrica consagra sempre uma distncia social,

    psicolgica, intelectual, que contingente e de circunstncia, que

    estrutural porque, entre outras coisas se manifesta por argumentos ou

    por seduo (MEYER, 2001, p.26).

    Em face ao proposto por Meyer, e trazendo essa discusso para o processo

    educativo precisamos ensinar nossos estudantes a arte da argumentao, ferramenta

    indispensvel para aprenderem a negociar consigo mesmo e com os outros,

    considerando que a argumentao parte de uma adeso o acordo prvio para as

    discusses sem, contudo, estabelecer um roteiro rgido e pr- definido.

    Nesse estudo o caminho metodolgico escolhido foi o da pesquisa qualitativa, por

    meio de estudo de caso, onde pretendeu-se analisar os argumentos dos estudantes, isto

    , os sujeitos escolares. A via qualitativa o caminho que mais se adequou

    problemtica, considerando que a argumentao qualitativa por excelncia j que

    opera com juzos de valor. Desse modo, um estudo de caso atendia ao objetivo

    proposto, pois envolvia uma horizontalidade maior na coleta de dados.

    Desse modo, tendo em vista a delimitao do campo emprico, a pesquisa foi

    situada na rede pblica de ensino da cidade do Rio de Janeiro, de mbito federal, o

    Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ, que

    oferece a modalidade de ensino tcnico. A escolha da escola se deveu em primeiro

    plano ao fato de ser pblica, isto , ser mantidas pelo Estado, que tem como premissa

    bsica garantir a educao para a sociedade.

    O universo investigado compreendeu os estudantes das turmas do 3 ano do

    ensino tcnico, por considerar que essas turmas j estariam em fase de finalizao de

    seus cursos, portanto, j teriam cumprido quase que totalmente a grade curricular e,

    assim, poderiam ter mais argumentos a apresentar frente s questes propostas na

    pesquisa quanto anlise que fazem de sua formao.

  • 19

    importante ressaltar que os sujeitos escolhidos para a pesquisa foram os

    alunos, foco dessa investigao, contudo, foram selecionados tambm depoimentos de

    professores e coordenadores para complementar a investigao e fornecer dados para

    uma triangulao da anlise. Segundo Denzin & Lincoln (2006), o uso de mltiplos

    mtodos, ou da triangulao, reflete uma tentativa de assegurar uma compreenso em

    profundidade do fenmeno em questo. Cabe salientar que as teses dos alunos sobre a

    escola no deixam de ser articuladas com as teses de seus professores, seja no sentido de

    refor-las ou no de contra-argument-las.

    Com relao aos instrumentos de coleta de dados foi aplicado um questionrio

    aberto, composto por questes relacionadas aos objetivos propostos no estudo, onde os

    respondentes (estudantes, docentes e coordenadores) apresentaram seus pontos de vista.

    A anlise das informaes obtidas na pesquisa de campo foi realizada

    qualitativamente, por meio da anlise retrica dos argumentos dos alunos e dos

    professores.

    A anlise retrica fundamentada na teoria da argumentao, de Perelman &

    Olbrechts-Tyteca (2005), que ao mesmo tempo teoria e metodologia, por ser uma

    proposio dialgica. Possui uma taxonomia vasta e admite fazer a anlise dos discursos

    orais e/ou escritos de forma abrangente.

    Como proposto pelos autores, o discurso foi analisado pela tipificao dos

    argumentos, as tcnicas argumentativas inseridas na argumentao, que visam adeso

    de um auditrio s teses determinadas, as quais auxiliam e nos servem para ver o que o

    orador se utiliza para persuadir.

    Teoria da Argumentao: nova retrica.

    A prtica da retrica antiga, no sculo V a.C. na Grcia j se praticava com uma

    dupla funo: a) ser uma arte produzindo discursos persuasivos b) ser um estudo que

    explicite as regra dessa arte, no sentido de interpretar o que persuasivo no discurso. A

    nova retrica, porm, se apresenta como interessada na interpretao, diferente da

    anterior que tinha como objetivo a produo do discurso. A retrica se faz presente no

    discurso sempre que se deseja persuadir algum de alguma coisa.

    A retrica composta por trs dimenses, ethos (est vinculado ao carter e s

    paixes - do orador), logos ( a razo na argumentao, est vinculado ao discurso) e

  • 20

    pathos (est diretamente ligado s paixes, ao carter do auditrio), que juntas

    estruturam todo o sistema retrico. Conforme define Meyer:

    O ethos a qualidade do orador que nos faz acreditar nele, confiar

    em seu juzo, aceitar o que ele diz sem pr em causa as respostas

    (MEYER,2001, p.277);

    O pathos designa o auditrio com as suas paixes e os seus

    problemas. (Op.Cit. p.278) e;

    O logos a dimenso que traz a linguagem, o discurso. assinalar

    aquilo de que questo e dirigi-lo ateno de um auditrio.

    (MEYER, 2007b, p.65)

    A retrica foi vista durante muito tempo como de menor categoria, principalmente

    por Plato, que atribua a sua m utilizao aos sofistas, reduzindo-a ao intuito de

    enganar. Perelman & Olbrechts-Tyteca, a partir de Aristteles, revisam esse conceito e

    na sua abordagem atribuem um novo significado retrica, veem-na como um meio de

    pensar argumentativamente, tornando possvel pensar e estudar a argumentao na

    construo da vida cotidiana, na vida comum, o que nos d amplitude para estudar os

    contextos educativos.

    A argumentao tem como objetivo provocar ou aumentar a adeso dos espritos

    s teses que se apresenta. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) propem uma articulao

    constante entre o pensamento e a ao.

    A argumentao nos proporciona um leque de opes, entre o que ou no .

    Essa abertura de opes se apresenta segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (Op. Cit.

    p.74) por que:

    A concepo que as pessoas tm do real pode, em largos limites,

    variar conforme as opinies filosficas professadas. Entretanto, na

    argumentao, tudo o que se presume versar sobre o real se caracteriza

    por uma pretenso de validade para o auditrio universal. Em

    contrapartida, o que versa sobre o prefervel, o que nos determina as

    escolhas e no conforme a uma realidade preexistente, ser ligado a

    um ponto de vista determinado que s podemos identificar com o de

    um auditrio particular, por mais amplo que seja.

    Dessa forma, a fora de um argumento vai depender do apoio do auditrio, isto

    do quanto apoiem as premissas propostas na argumentao, sua relao prxima ou

    distante e sua pertinncia para com as concepes desse auditrio. Segundo Perelman e

    Olbrechts-Tyteca (Op.Cit. p. 35), a fora dos argumentos variar, pois, conforme os

    auditrios e conforme o objetivo da argumentao. Assim, o argumento pode ser amplo,

  • 21

    porm nunca infinito, pois haver sempre limites sociais, econmicos, psicolgicos,

    emocionais e ticos.

    A importncia da retrica pode ser mensurada a partir da causa a que se destina, o

    que ir dar mesma o parmetro sobre sua maior ou menor validade, considerando os

    meios que foram utilizados na ao e nos sentimentos que mobiliza e que gera nos

    interlocutores uma maior liberdade para agir e se posicionar.

    Segundo Meyer (Op. Cit. p. 26) a retrica o encontro dos homens e da

    linguagem na exposio das suas diferenas e das suas identidades. De acordo com o

    autor: Eles afirmam-se a para se encontrarem, para se repelirem, para

    encontrarem um momento de comunho ou, pelo contrrio, para

    evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa.

    Ora, a relao retrica consagra sempre uma distncia social,

    psicolgica, intelectual, que contingente e de circunstncia, que

    estrutural porque, entre outras coisas se manifesta por argumentos ou

    por seduo.

    Podemos perceber na citao acima um movimento do autor em mostrar que a

    finalidade da retrica pode ser a de conseguir unificar as trs categorias, ethos, logos e

    pathos, de forma isonmica sem hipertrofiar nenhuma categoria.

    Meyer (2001) considera que houve uma acentuao de diviso nas trs categorias

    o que caracteriza uma diviso na prpria retrica, desviando-a da interlocuo entre as

    categorias, fato que o instigou a uma busca por pontuar a unicidade da retrica,

    considerando que a retrica a negociao da distncia entre os indivduos a propsito

    de uma questo. (MEYER, 2001, p.268)

    Em face ao proposto por Meyer, e trazendo essa discusso para o processo

    educativo precisamos ensinar nossos estudantes a argumentao, ferramenta

    indispensvel para aprenderem a negociar consigo e com os outros, considerando que a

    argumentao parte de uma adeso o acordo prvio para as discusses - sem, contudo,

    estabelecer um roteiro rgido e pr- definido.

    Ela se encerra em determinado momento, mas permanece aberta para novas

    argumentaes em outros momentos caso sejam levantadas novas evidncias ou novas

    inquietaes.

    Consideraes Finais

    Esta pesquisa, conforme j dito anteriormente, teve como objetivo compreender

    em que medida a escola pode contribuir para o desenvolvimento de uma

  • 22

    educao/formao que favorea a construo de princpios ticos e o entendimento

    das questes emocionais, isto , de uma dimenso tica-emocional, conjuntamente com

    a formao j instituda no currculo.

    Para tanto, a partir do questionrio aplicado, foram analisados os

    argumentos/respostas dos estudantes, docentes e coordenadores do CEFET-RJ, sobre

    essa questo, com o propsito de atender ao objetivo em referncia.

    O ponto de partida foi investigar as noes que os sujeitos tm sobre as

    categorias, tica e paixes, norteadoras da pesquisa. Os resultados indicaram que, em

    sua maioria, estudantes e docentes, compartilham o mesmo conceito sobre tica, ou seja,

    para ambos a definio notadamente normativa; isto implica em dizer que a viso tica

    mais coercitiva, pautada em normas, que devem ser tomadas como um padro a ser

    seguido.

    J os coordenadores, utilizaram preferencialmente a definio descritiva, que

    traduz o conceito de tica como um fato.

    Com relao s paixes, os resultados mostraram duas vises distintas: uma dos

    estudantes e outra que rene os docentes e coordenadores. Na primeira a percepo dos

    estudantes sobre as paixes revela um cunho positivo, atribuem s paixes certo poder

    transformador, revelaram o amor como sendo sentimento de transformao, e esto

    imbricadas dentro de um pensamento do senso comum que relaciona proeminentemente

    ao amor-romntico; na segunda viso, os docentes e coordenadores, usaram

    preferencialmente a definio de condensao, de forma breve e sucinta, nota-se

    claramente a pouca familiaridade com o tema.

    importante destacar, que as definies nos servem como indcios das

    predisposies sobre a ao desses sujeitos, considerando que elas convergem todo o

    esforo em justificar algo que est intrinsecamente ligado aos seus juzos de valor.

    Outro ponto significativo a ser destacado nos resultados, diz respeito a relao

    que os sujeitos investigados estabelecem entre tica e paixes. As respostas

    apresentaram um dado comum para os sujeitos investigados. Tanto os estudantes,

    quanto os docentes e coordenadores, estabeleceram uma conexo entre tica e paixes,

    para esses sujeitos, ambas as categorias se interralacionam. Entretanto na justificativa os

    grupos divergem com relao ao teor dessa conexo. Para os estudantes a relao

    positiva, porm as respostas foram agrupadas em dois ncleos, um que ancora essa

    relao na tica, dando mais importncia e reforando o papel da tica; e outro que

  • 23

    transporta a relevncia para as paixes. Mas em ambos h uma relao que se apresenta

    de forma positiva. Essas respostas so explicadas a partir da utilizao de argumentos

    com nfase na hierarquia. Um exemplo de nfase nas paixes pode ser visto na resposta

    E044: a paixo um estimulante para questes de tica, quanto mais paixo, mais a

    capacidade de respeito.

    O grupo dos docentes e coordenadores utilizaram em suas justificativas, de um

    modo geral, o mesmo argumento, de ruptura de ligao, ou seja, mesmo tendo afirmado

    que h uma relao entre os termos, no momento da explicao, separam os termos e

    do nfase a tica em detrimento as paixes, que so apontadas como um valor

    negativo. Como podemos visualizar nas respostas, D06: Uma vez que a paixo nos faz

    esquecer os limites, podemos ter nossas atitudes focadas em conceitos morais e legais

    comprometidos e C06: pela fora das paixes, alguns comportamentos e pensamentos

    podem mudar para no ticos.

    Com relao importncia de discutir as questes referentes a tica e s paixes

    na escola, os professores foram unnimes em dizer confirmar essa importncia, nessa

    justificativa utilizaram preferencialmente o argumento pragmtico, quando associaram a

    uma consequncia positiva, no caso colaborar na formao de cidados melhores. Essa

    adeso a uma viso que atribui um valor positivo a dimenso emocional, por parte dos

    docentes, por ser percebida pelos resultados, onde os mesmos afirmam abordagem essas

    questes em suas disciplinas.

    Da mesma forma, os coordenadores tambm confirmaram que tambm

    consideram importantes que essas questes sejam abordadas no curso, para tal

    justificaram utilizando com maior frequncia o argumento da incluso da parte no todo,

    onde sinalizam para a indissolubilidade entre tica e paixes. Tambm informaram que

    os cursos que coordenam, algumas disciplinas abordam essas questes.

    As disciplinas citadas pelos docentes e coordenadores, foram do mesmo modo,

    citadas pelos estudantes, reforando a existncia de uma abordagem para essas questes

    mesmo com pouca expressividade.

    Nos discursos dos estudantes, encontrei explicitamente o posicionamento

    favorvel a abordagem das questes ticas e emocionais, que a maioria considera

    imprescindveis para sua formao profissional, mas principalmente para a sua pessoal.

    Em muitas respostas, atribuem a esse conhecimento uma oportunidade de se tornarem

    melhores, mais completos e conscientes.

  • 24

    Tendo em vista os dados apurados nas anlises, possvel dizer que a tica e as

    paixes so campos pouco explorados na escola, e so atravessados por noes oriundas

    do senso-comum que os colocam em lugares diametralmente opostos. Assim, na

    percepo dos respondentes, tica e paixes so hierarquicamente diferenciados; a

    nfase positiva est na tica, e a viso negativa vinculada s paixes.

    Nesse sentido, temos como primeira resposta para objetivo geral, que tanto a

    anlise terica quanto a emprica, nos revelam que no existe uma medida exata e pr-

    definida, pois no se pode prescrever um trajeto nico e linear, para um espao de

    aprendizagem que congrega sujeitos e situaes mpares e com pouco ou nenhum

    contato com a dimenso tica-emocional. Mas os dados do campo tambm revelaram

    que existe uma lacuna, e consequentemente, uma demanda latente para essas questes,

    que foram expressas nos discursos dos respondentes. Nota-se claramente, no discurso

    dos estudantes, docentes e coordenadores, a existncia desse espao para o debate.

    Desse modo, a no existncia de modelo pronto, nos sugere buscar um caminho

    diferenciado. Encontramos assim no conceito aristotlico de meio termo (MT), uma via

    razovel para se pensar sobre a contribuio que a escola pode oferecer aos estudantes,

    que contemple a dimenso tica-emocional conjuntamente em sua formao.

    Para tanto, podemos utilizar a proposta da nova retrica que busca romper com o

    primado absoluto da razo que em seu cerne estabelece parmetros pr-fixados e

    respostas absolutas, e nos apresenta uma flexibilidade e olhar para as questes que

    fogem ao absoluto. uma forma aberta de se construir conhecimento que viabiliza ao

    estudante raciocinar sobre o seu processo de maneira no coerciva. Segundo Perelman

    & Olbrechts-Tyteca, o campo da argumentao do verossmil, do plausvel, do

    provvel, na medida em que este ltimo escapa s certezas do clculo (2005, p.1), essa

    ento, uma via confivel para se discutir a tica e as paixes.

    A retrica uma via para romper com a prescrio e aceitar que existem

    medidas adequadas a cada auditrio. No uma proposta de disciplina, um

    conhecimento que pode trazer para a educao a sua natureza argumentativa por vezes

    esquecida.

  • 25

    Bibliografia

    ARISTTELES. Retrica das paixes. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

    DENZIN, N. K. & LINCOLN, Y. Introduo: a disciplina e a prtica da pesquisa

    qualitativa. In: Denzin & Lincoln (orgs.). O planejamento da Pesquisa Qualitativa:

    teorias e abordagens. SP: Ed. Artmed, p.p. 15/41, 2006.

    ESPINHEIRA Gey. Educao para uma nova sociedade. Conferncias do Frum Brasil

    de Educao. Braslia: Conselho Nacional de Educao, MEC; UNESCO, 2004.

    MEYER, Michel. O filsofo e as paixes. Portugal: Edies: ASA, 1991.

    _____. Questes de linguagem, retrica, razo e seduo. Lisboa: edies 70, 2007.

    _____. A retrica. So Paulo: tica, 2007 a.

    _____. Questes de retrica, linguagem, razo e seduo. Portugal: Edies 70,2007 b.

    PERELMAN, Cham; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentao: a

    nova retrica. So Paulo: Martins Fontes, 2005.

    PERELMAN, Chaim. tica e Direito. So Paulo: Martins Fontes, 2005.

    REBOUL, Olivier. Introduo Retrica. So Paulo: Martins Fontes, 2004.

  • 26

    POSSIBILIDADES DE AUTORIA PARA CURRCULOS DE ARTES VISUAIS

    DO ENSINO BSICO: INVESTIGAES NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

    Resumo

    Apresentamos neste artigo resultado de pesquisa realizada entre 2011 e 2012 que

    teve como objetivo analisar e compreender discursos de alunos e professores de ensino

    bsico, de uma escola federal do Rio de Janeiro, a respeito do objeto de estudo da

    disciplina de artes visuais com vistas observar aproximaes e distanciamentos entre

    teses de alunos e professores. Realizamos grupos focais com duas turmas de alunos,

    uma de ensino fundamental e uma de ensino mdio, e entrevistas semi-estruturadas com

    os dois professores responsveis por cada uma das turmas. Na anlise de seus discursos

    utilizamos a filosofia retrica proposta na Teoria da Argumentao de Perelman e

    Olbrechts-Tyteca (2002) na qual o debate regulamentado uma forma de ser

    democrtica que leva os sujeitos condio de negociao de valores e normas

    socialmente compartilhados. Ao aceitarmos esta premissa e considerarmos que o

    ambiente escolar envolve aspectos subjetivos como valores defendemos para a

    constituio dos currculos um processo de debate no qual as distncias entre as teses de

    professores e alunos sejam reduzidas, democraticamente, atravs de uma verdade

    provisria que tenha por funo a normatizao das prticas sociais no interior da sala

    de aula. Neste sentido compreendemos o currculo como cultura (LOPES e MACEDO,

    2011) e deste modo entendemos seu alcance de autoria que pode ser compartilhada

    entre alunos e professores. O resultado das anlises nos indica que a qualidade de

    debates que nascem na negociao das diferenas entre as teses apresentadas, justifica,

    por si s, sua possibilidade de aproveitamento para a constituio curricular.

    Palavras-chave: Argumentao, Retrica, Currculo.

    Introduo

    Temos nos ocupado das construes discursivas que ocorrem no campo do

    currculo de artes visuais baseados na teoria da Nova Retrica de Perelman &

    Olbrechts-Tyteca (2002) que defende a argumentao e o debate como meios possveis

    de democratizao dos poderes na contemporaneidade. Nosso foco tem sido o discurso

  • 27

    "o que se pensa ou se acredita" (Sacristn, 2005, p 102) -, admitindo sua parcialidade,

    relativa e contextual, mas que traz sua contribuio ao entendimento se o tomarmos de

    maneira no linear, mas que aponta "os rastros e pistas que deixam nas mentalidades,

    que permanecem como dispositivos das aes individuais e coletivas" (Ibdem, p 103).

    Nestes termos, as questes aqui levantadas a democratizao e resignificao do

    currculo implicam abertura para o debate e a escuta dos discursos. De outro lado,

    indagamos os discursos a partir de uma filosofia Problematolgica, como prope Meyer

    (1991) que no visa respostas verdadeiras, mas considera que toda tentativa de resposta

    remete, mais uma vez, ao prprio questionamento filosfico e crtico.

    Consideramos que a produo da cultura tem seu sentido a partir dos usos reais e

    cotidianos que os sujeitos fazem de smbolos e signos, sendo, portanto, inevitvel

    remetermo-nos s culturas concretas para a elaborao de um conceito de cultura mais

    amplo e que no ser nunca suficiente (Geertz, 1997). Nossa defesa no ingnua, em

    prol de culturas especficas ou puras, sejam essas da infncia, ou da juventude - em

    pretensa oposio a uma cultura adulta, ou escolar, ou instituda-, mas a

    problematizao sobre a impossibilidade de se admitir um geral que no seja um

    particular e vice-versa, bem como a in-significncia de se propor prticas forjadas

    externamente s prprias prticas.

    O currculo incorpora, ento, o debate, a deliberao e a construo de novos

    acordos sobre saberes e valores a partir do questionamento das prticas e juzos em

    curso e dadas em contextos concretos. Neste aspecto, Lopes & Macedo (2011) j nos

    indicam um caminho possvel ao proporem o currculo como uma cultura que tem

    especificidades. Adiantamo-nos aqui a pensar tambm o currculo como formalizao

    discursiva "autoral" criada pelo coletivo do professor com seus alunos, o que nos obriga

    a uma oposio em relao a qualquer tipo de currculo que exclua os membros que

    esto na sala de aula de sua confeco. Ao admitirmos o currculo como cultura, somos

    impelidos a admitir o currculo como currculo autoral coletivo e cuja autoria, por ser

    coletiva, remete necessidade do estabelecimento de acordos entre seus autores.

    A curiosidade em ao: a pesquisa

    Neste estudo, concentramo-nos em investigar o entendimento dos sujeitos

    pesquisados acerca do objeto de conhecimento das artes visuais, visando os

  • 28

    pressupostos que poderiam fundamentar essa disciplina na escola e as possibilidades de

    negociao dos lugares de poder na constituio do currculo.

    O pblico investigado envolveu alunos de uma escola federal do Rio de Janeiro,

    do 2 ano do ensino fundamental e 2 ano do ensino mdio e seus professores de artes

    visuais no intuito de podermos analisar a viabilidade destes grupos trabalharem juntos

    na formulao curricular a partir da anlise dos distanciamentos e aproximaes de seus

    discursos em relao ao seu objeto de estudo. A turma de segundo ano do ensino

    fundamental era composta por cinco meninas Af, Bf, Cf, Df e Ef - e quatro meninos

    Ff, Gf, Hf e If e a turma de segundo ano de ensino mdio, por seis meninas Bm, Cm,

    Dm, Em, Hm e Im e trs meninos: Am, Fm e Gm. Os professores da disciplina de

    artes visuais das referidas turmas sero aqui nomeados por PA e PB

    Realizamos nossa coleta de dados atravs da criao de grupos focais

    (BARBOUR, 2009) que nos permitissem observar a construo de acordos por parte

    dos pesquisados. Tambm entrevistamos professores de artes visuais destas turmas,

    utilizando o mesmo disparador dos grupos. Para desencadear os debates e as entrevistas,

    utilizamos imagens previamente pesquisadas por nossa equipe. Dissociamos a noo de

    arte e elegemos subcategorias derivadas da definio primeira que possibilitariam o

    debate de algumas tenses que nos interessavam investigar. Essas subcategorias

    referendavam ora hierarquias, ora lugares-comuns relativos ao campo: a) a arte como

    representao da realidade natural, com tratamento acadmico, e/ou

    legitimada/consagrada histrica e discursivamente ou por sua insero no mercado das

    artes; b) as artes oriundas de artistas que se encontram fora do mercado artstico

    consagrado/legitimado, muitas vezes fora dos centros urbanos, os chamados artistas

    populares, artesos, etc; c) a arte escolar como produo artstica particular e especfica;

    d) as artes urbanas e do corpo produzidas por artistas urbanos e perifricos,

    exclusivamente o grafitti, a pichao e a tatuagem e imagens da e) natureza, como

    representante, por excelncia, daquilo que no consideramos arte. Classificar coisas

    como arte ou no, a partir destas perspectivas nos permitiu trazer para dentro dos grupos

    debates no esgotados como: as tenses erudito/popular; profissional/escolar;

    insero/excluso de mercado e/ou de autoridade; global/local; etc.

    Selecionamos, ento, dez imagens que constituram nosso material de aplicao

    da pesquisa. Relativas ao grupo a: A Sagrada Famlia, de Michelngelo; A Fonte, de

    Marcel Duchamp e Doze Meses, de Cadu. Relativa ao grupo b: Grupo de Maracatu,

  • 29

    de Sueli, de Caruaru. Relativas ao grupo c: imagem de um dos pesquisadores de uma

    Festa Junina escolar e um Desenho Infantil de criana de 9 anos, tambm de acervo dos

    pesquisadores. Relativas ao grupo d: uma foto, de um dos pesquisadores, com detalhe

    do Muro de Berlim; Pichao, trabalho de concluso de curso em Artes Visuais do

    ento aluno Rafael Augustaitiz e uma foto de um corpo tatuado do acervo pessoal dos

    pesquisadores e relativa ao grupo e: uma foto de pesquisador do grupo da Floresta da

    Tijuca, Rio de Janeiro.

    As imagens eram apresentadas, uma a uma, ao grupo focal, ou ao professor em

    entrevista, frente seguinte questo: Isso arte, ou no, e porqu?

    O currculo de artes visuais no ambiente escolar: investigaes de falas.

    Como de nosso interesse apresentar um estudo comparativo das teses

    defendidas pelos diferentes sujeitos e coletivos a respeito da exibio das imagens

    apresentadas, trazemos aqui os dados gerais resultantes da anlise acompanhados de

    algumas falas representativas de argumentos reincidentes nos diferentes grupos.

    Dados gerados na pesquisa e premissas gerais

    Apresentamos as classes de argumentos utilizadas por cada turma de alunos e

    pelos professores e o posicionamento dos alunos em relao classificao das imagens

    apresentadas quanto a sua representatividade como arte, ou no.

    A comearmos pelos alunos de segundo ano de ensino fundamental, observamos

    que no debate foram utilizadas 12 classes de argumentos. Em comparao ao ensino

    mdio, isso representa menos da metade de recursos argumentativos utilizados pelos

    mais velhos (25 classes de argumentos).

    A um primeiro olhar isso indicaria que os alunos menores tm menos recursos

    ao argumentar; entretanto, a utilizao de um nmero menor de classes argumentativas

    no significar, necessariamente, uma menor qualidade de debate. Quando observamos

    os argumentos utilizados pelos professores, nota-se que PA utilizou apenas 15 classes

    argumentativas e PB, 17. Portanto, a quantidade de argumentos empreendidos pode ser

    uma demonstrao de amadurecimento conceitual, uma vez que "os acordos de que

    dispe o orador, nos quais pode apoiar-se para argumentar, constituem um dado" de

    modo que "o fato de selecionar certos elementos e apresent-los ao auditrio j implica

    a importncia e a pertinncia deles no debate" (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2002, pg

    131-132).

  • 30

    Acreditamos que ambas as situaes apresentaram-se na pesquisa: de um lado,

    alunos menores demonstraram recursos mais frgeis no sentido de que, para algumas

    das imagens vistas, pareciam indagar-se pela primeira vez em relao a elas e, de outro

    lado, em oposio a essa percepo, notava-se que os professores antes de responder

    reservavam-se alguns minutos para refletir sobre as imagens e escolher suas

    argumentaes. Essa atitude de reflexo que antecedia o debate tambm foi notada no

    grupo de ensino mdio, entretanto, seus acordos pareceram mais flexveis e passveis de

    revisibilidade quando contrapostos aos de seus colegas, o que os levava a reformularem

    suas teses iniciais.

    Segundo ano do ensino fundamental

    Os alunos de ensino fundamental recorreram majoritariamente a argumentos que

    promovem uma ligao de coexistnciai pelo reconhecimento de uma essncia que no

    caso visa unir uma manifestao quilo que a define. notria a rigidez da classificao

    pela essncia, j que esta reporta acontecimentos variveis a uma estrutura estvel e

    trata a variao como acidente. O que nos chamou a ateno nas respostas dadas por

    estes alunos foi que o elemento essencial para definir a arte sugeria uma inerncia

    imagem, tentando sua anlise formal; ao contrrio das argumentaes, por exemplo, do

    ensino mdio, que se pautaram, na maioria, no vnculo causalii, focando a

    intencionalidade do artista e tornando-se mais flexveis ao questionamento, ainda que

    visassem uma definio.

    Observemos o pesquisado Bf que argumenta ao falar da obra de Michelngelo

    salientando a qualidade tcnica da pintura como elemento essencial s artes visuais:

    Bf: Isso uma arte porque est bem pintada.

    J, no ensino mdio, Hm defende que a obra se legitima como tal a partir da

    inteno do artista de representar algo que intencionou anteriormente:

    Hm: Eu acho que sim, porque, sei l, a pessoa disse assim: ah, eu quero

    representar alguma coisa e a ele foi l e pintou e representou...

    A segunda classe de argumentos mais utilizada por esses alunos da categoria

    dos argumentos quase-lgicosiii, e utiliza as definies descritivas que buscam conferir

    um sentido especfico ao que est dado. Do ponto de vista do problema retrico, no h

    como deduzir do dado apresentado uma definio por deduo, deste modo trata-se a

    definio dada como correspondente direta daquilo que se quer definir. No caso de uma

    definio no campo de uma linguagem formal, ela apresenta-se exata porque inerente

  • 31

    sintaxe de uma linguagem formalizada artificialmente, podendo ser, por isso mesmo,

    arbitrria. Af, ao falar da mesma imagem, descreve o uso dos meios (tinta) e dos

    elementos da percepo visual (cor) ligando-os condio de arte, sem nenhuma

    justificativa que nos demonstre seu processo dedutivo:

    Af: Eu acho que isso uma obra de arte e tambm tem muita tinta

    amarela, rosa, verde e preta, tem muitas tintas aqui e isso uma obra de

    arte.

    A partir da, notamos que esses alunos nem sempre conseguiram tecer teses

    prprias que justificassem suas classificaes e reproduziram lugares comuns que de,

    algum modo, aprenderam em seus ambientes culturais.

    A terceira classe de argumentos foi a ruptura de ligao que rompe com qualquer

    ligao possvel entre duas proposies, tal como se v na formulao: "Dai a Csar o

    que de Cesar e a Deus as coisas de Deus" e bem representada na fala de Ef ao

    analisar a imagem da Festa Junina:

    Ef: Isso no uma obra de arte porque so vrias crianas e adultos

    comemorando a festa junina numa escola.

    Segundo ano do ensino mdio

    O argumento mais utilizado pelos alunos de ensino mdio foi o argumento de

    ligao de sucesso apoiado no vnculo causal. Este tipo de argumentao baseia-se em

    estruturas que so percebidas na realidade, estabelecendo uma solidariedade entre juzos

    admitidos e aqueles que se procura promover. Tal solidariedade pode acontecer atravs

    de ligaes de coexistncia como no tipo de argumentao utilizada pelos alunos do

    ensino fundamental, que vincula a existncia de uma essncia a um objeto, ou de

    ligaes de sucesso - que unem um fenmeno a suas consequncias ou s suas

    causas" (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2002, p. 298), como o caso com os alunos de

    ensino mdio ao argumentarem que qualquer definio sobre as imagens dependia de

    que soubessem a causa que levou sua realizao, ou seja, a inteno do artista. Deste

    modo, o posicionamento desses alunos menos dogmtico do que o encontrado nas

    argumentaes dos alunos menores, como observamos nos argumentos de Cm e Bm, ao

    falarem da imagem da Tatuagem:

    Cm: Ah, eu no acho que a pessoa sinta dor, pague e faa toa, cara!

    Tem que ter um motivo, no ?

    Bm: Para a pessoa que recebeu tem todo um significado, ento, eu acho

    que super arte.

  • 32

    Alm de ser a estrutura argumentativa mais utilizada, o recurso ao vnculo causal

    sobressai-se, pois seguido do argumento, tambm de ligao, que se apoia na

    coexistncia entre uma pessoa e seus atos. No caso, esse argumento igualmente aparece

    colocando uma condio para a definio da imagem apresentada: ser arte se aquele

    que realizou a obra for uma artista, como coloca Fm ao analisar a imagem da Fonte, de

    Duchamp, sugerindo que seria necessrio checar a assinatura para garantir-se de que se

    trata, ou no de arte:

    Fm: Algum pode ter feito rabisco e a voc vai ver quem fez...

    Ou na fala de Bm, ao colocar que a tatuagem deve ser analisada considerando-se

    que o tatuador um artista, deduo que ele retirou da qualidade essencial de

    representao naturalista do trabalho:

    Bm: uma arte porque a pessoa que tatua... Olha isso! muito

    perfeito!

    Em seguida teremos argumentaes de ligao de sucesso entre os fins e os

    meios e ligaes de coexistncia entre o grupo e seus membros. No primeiro caso

    observa-se a valorizao do status de arte s produes que servem de meios para a

    finalidade da expresso humana; ou seja, o objeto serviu para que algum se

    expressasse. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002) salientam o fundo essencialista deste

    tipo de argumentao j que o fim admitido como um a priori legtimo. Embora essa

    argumentao seja muito prxima quela utilizada pelo argumento de vnculo causal,

    nosso grupo distinguiu duas estratgias de justificao diferentes: na primeira, de

    vnculo causal, o artista tem uma inteno e essa inteno (a causa) que legitima o

    objeto como arte; na segunda, que recorre justificativa dos meios em funo do fim,

    no h, necessariamente, uma inteno prvia do artista, mas suas emoes acabam por

    ser expressas atravs da produo da obra, de modo que esta meio (veculo) das

    emoes, como vemos claramente na seguinte anlise sobre a imagem do desenho

    infantil:

    Gm: A pessoa transmitiu no papel, ou sei l o que foi aquilo, o que ela

    estava sentindo... (...) Ento, arte.

    A argumentao a favor do grupo e seus membros apoiou-se na justificativa de

    que a imagem seria representante da arte se se considerasse o contexto social (o grupo)

  • 33

    em que o artista (membro) produziu aquilo e se o grupo identificou, em seu contexto de

    origem, a obra como obra de arte e o membro como artista. Um bom exemplo dessa

    argumentao dada por Fm que, particularmente, coloca que no considera o grafite

    como arte, mas reconhece que, a partir do contexto dado, essa manifestao ser

    reconhecida como arte na sociedade em que se insere:

    Fm: Por exemplo, o Muro de Berlim, todo pichado, eu acho que no

    arte. Mas, acho que faz parte do contexto. Tem Muro de Berlim, com

    vidro prova de bala! E eu acho que no arte, entendeu?

    Em linhas gerais, observa-se que no apenas os alunos mais velhos recorrem a

    uma maior gama de possibilidades argumentativas, mas ocupam tambm um

    posicionamento menos rgido que aquele utilizado pelas crianas na definio descritiva

    da arte e na fixao de sua essncia.

    Professores A e B

    A investigao com os professores assumiu carter distinto, j que eles foram

    pesquisados individualmente e no em um grupo focal. Para cada professor nossa

    equipe apresentou as imagens e solicitou, como nos grupos focais de alunos, que eles

    classificassem aquelas que consideravam arte e as que no, justificando suas respostas.

    Deste modo, esses professores no debateram com um auditrio particular ou de

    especialistas (no caso, com outros professores), mas, como observamos na Teoria da

    Argumentao, ao exporem suas justificativas, procedem deliberao de foro ntimo

    que no desprovida dos elementos do debate, j que "o sujeito que delibera

    considerado em geral uma encarnao do auditrio universal" (Perelman & Olbrechts-

    Tyteca, 2002, p 45). Ou seja, ao refletir sobre um posicionamento pessoal defende para

    si prprio na busca de reforar sua tese, e imagina mentalmente o auditrio interlocutor.

    Os distanciamentos e aproximaes entre as classes de argumentos utilizadas por

    ambos os professores nos aponta para a riqueza e pluralidade de discursos que so

    tecidos dentro de um mesmo universo escolar e nos ajuda a descaracterizar o objeto de

    conhecimento da arte como objeto de contornos fixados, mas observando-o como

    constitudo pelos discursos que se tecem, nos diferentes grupos, sobre tal.

    Ao mesmo tempo, como j colocamos, o uso restrito, em certa medida, a alguns

    tipos de argumentos, nos aponta, neste caso, capacidade de escolha das noes e

    fundamentos que sero utilizados por esses oradores. Est claro que a escolha nos d a

    ver os valores e lugares que esses sujeitos ocupam e, na medida, em que representam

  • 34

    para ns um auditrio particular de "especialistas em ensino das artes visuais",

    interessa-nos, tambm, essa observao.

    PA distribui os tipos de argumentos escolhidos de forma relativamente

    equilibrada (17% de argumentao fundada em dissociao de noes; 13% de

    utilizao do argumento de autoridade; 11,5% de recurso s tcnicas de refreamento e

    ruptura e 9,5% de uso de argumentos de ligao de sucesso de vnculo causal, seguidos

    de outros argumentos menos representativos quanto presentificao, mas tambm

    equitativamente distribudos) e nos d indcios de que suas primeiras teses sobre a

    constituio do que , ou no, arte, gozam de uma gama de princpios mais ou menos

    diversificados.

    J PB, assim como no caso dos alunos de ensino mdio, apresenta uma forte

    predileo pelo argumento de ruptura de ligao (26%), concorrendo apenas com o

    recurso dissociao de noes (16%), mas cuja fundamentao muito prxima da

    ruptura, com atenuantes.

    Na dissociao de noes, para escapar ao maniquesmo da questo colocada

    (sim ou no) os professores subdividem a categoria maior, Arte, em subcategorias,

    artesanato, manifestao artstica, etc; de modo que no precisam negar absolutamente

    o status da imagem referente, mas tampouco a afirmam. A problematizao deste

    recurso acontece por conta da impossibilidade de se dissociar uma noo sem

    hierarquiz-la e subjug-la categoria maior, como vemos nos argumentos de PA ao

    falar do desenho infantil que pode ser considerado expresso artstica, na medida em

    que foi meio para a expresso pessoal; e na anlise de PB sobre o trabalho Doze Meses

    em que hierarquiza artista e designer:

    PA: (risos) Voc vai me dizer se foi um artista plstico ou uma criana

    que fez (ri). Olha, foi Picasso quem falou que passou a vida toda

    tentando desenhar como se fosse uma criana, ento... Pois ... Como

    uma expresso artstica, se foi uma criana, e eu acho que foi uma

    criana, como expresso, arte.

    PB: Eu acho muito interessante trabalhar com essa ideia do projeto

    tambm. Quem o artista? Quem o artista contemporneo? A gente

    pode classificar o designer como artista contemporneo? Que est

    trabalhando com grfico, com imagens, com essa noo de projeto, de

    construir, no ? Por que o estudante de design ele fica com essa ideia

    de que ele vai entrar ali e que vai ser artista.

  • 35

    Um exemplo de ruptura de ligao dado por PB ao falar do trabalho de

    Augustaitz, justificando a ruptura atravs de um argumento de ausncia de vnculo de

    ligao entre o membro e seu grupo:

    PB: Esse trabalho aqui, ele tem um contexto? Ou o espao que... o

    espao da Bienal que teve essa pichao? No, n? No, eu no

    classifico isso como arte, no. Porque no me parece um espao

    coerente.

    O recurso ao argumento de autoridade aparece para ambos os professores como

    uma forma de aceitao dos discursos j constitudos pela crtica e por acadmicos a

    respeito da arte. Vemos a fala de PB sobre a obra A Fonte:

    PB: Esse... (risos). Esse daqui, a gente est desde 1917 querendo

    descobrir se arte ou no. Mas foi legitimado pela crtica como arte,

    como ruptura, como vanguarda, como momento de ruptura do que

    moderno, do que contemporneo, do que que linguagem... Ento,

    ele teve esse status de arte. Apesar de que o prprio urinol, sem pensar

    na interveno, ele foi desenhado, ele foi projetado por um designer

    naquele momento e tal, com esses novos materiais e, ento, ele tem um

    pensamento de projeto, por detrs, e de construo, no ? Mas esse, j

    foi legitimado como tal, ainda que eu diga que no... No, eu digo que .

    Porque um marco na nossa histria da arte contempornea.

    Concluso: novos e velhos problemas para a discusso do currculo escolar das

    artes visuais

    Ao retomarmos aqui a proposio de Lopes & Macedo (2011) de que o currculo

    uma produo cultural, nos interessa observar a implicao deste conceito, pois o

    currculo ao permitir-nos produzir cultura, pode nos garantir autoria e, ento, tambm

    portador de poder, pois permite materialidade s motivaes e iderios dos sujeitos que

    o forjam. Temos debatido em nossas pesquisas a legitimao do poder dos alunos em

    face sua escolarizao, considerando que autoria no se resume a conceitos que devem

    ser tratados no mbito escolar, mas so prticas que podemos, ou no, autorizar. Assim,

    temos defendido que os prprios alunos podem participar de seu prprio projeto de

    formao acadmica, cabendo aos adultos envolvidos a autorizao para tal. Autorizar

    passa a ser um acontecimento concreto no qual o projeto de formao se constitui

    envolvendo todos os sujeitos interessados neste processo. Deste modo temos refletido

    sobre formas possveis de se construir autorizada e coletivamente currculos que

    estabeleam uma cultura de compartilhamento de conhecimentos de forma no

    autoritria, respeitando os sujeitos partcipes do processo de escolarizao.

  • 36

    Cabe salientar que consideramos, em uma discusso que j no nova, a

    necessidade de buscarmos um maior equilbrio entre os conhecimentos julgados

    necessrios pelo coletivo social e aqueles apresentados como necessrios pelos

    aprendentes. E, mais importante, sob esse aspecto, parece-nos, a promoo de debates

    acerca dos iderios propostos nestes ou naqueles conhecimentos como um caminho para

    sua resignificao, garantindo autonomia de escolhas, uma vez que o processo de debate

    pode ser crtico/elucidador das configuraes scio-polticas que norteiam os ideais.

    Tradicionalmente no ensino das artes visuais no Brasil observamos e analisamos

    algumas orientaes na formulao dos currculos escolares que, grosso modo,

    desculpando-nos pelo reducionismo necessrio a ao espao desta apresentao textual,

    podem ser assim colocadas. O currculo que: a) se centra em um vis historicista

    fundado na arte europia e se prope a uma organizao que parte da pr-histria

    contemporaneidade, tendo por nfase um entendimento de que as aulas de arte so

    destinadas a estudar as teorias histricas, estticas e/ou semiticas que se forjam a partir

    da manifestao artstica humana. So currculos em cujas aulas fala-se de arte; b) se

    pauta em uma dimenso romntica da expresso esttica que valoriza a arte como meio

    para a finalidade da expresso dos sentimentos humanos. Almeja-se o crescimento

    emocional e espiritual dos alunos; c) valoriza o fazer artstico e que parte dos elementos

    do cdigo da linguagem visual para a formao do aluno que executa o trabalho belo; d)

    prope a abordagem triangular e tenta unir ao menos dois dos precedentes, a

    compreenso da arte justificada pelo vnculo causal (a intencionalidade do artista) ou

    pela ligao do membro ao grupo (o estudo do contexto) e a execuo da arte. Neste

    currculo almeja-se que o sujeito seja capaz de produzir arte e que, simultaneamente,

    conhea a produo artstica universal atravs de leituras e releituras de obras

    consagradas; e) constitudo a partir do alargamento das fronteiras de entendimento do

    objeto das artes visuais, propondo como objeto de estudos a cultura visual, no

    necessariamente centrada em uma chamada Arte (consagrada), mas na produo

    visual humana.

    Observamos, em comum, nestas abordagens a recorrncia a um campo de saber

    institudo, norteador do programa proposto na escola que, independente de s