jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

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Universidade do Estado da Bahia - UNEB Departamento de Educação – Campus XIV Colegiado de História Jonatha Lima Silva Jornalismo de “posição”: A Tarde e o golpe de 1964 Orientador: Eduardo Borges Conceição do Coité – BA Março de 2010

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Page 1: Jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

Universidade do Estado da Bahia - UNEB Departamento de Educação – Campus XIV

Colegiado de História Jonatha Lima Silva

Jornalismo de “posição”: A Tarde e o golpe

de 1964

Orientador: Eduardo Borges Conceição do Coité – BA

Março de 2010

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Universidade do Estado da Bahia - UNEB Departamento de Educação – Campus XIV

Colegiado de História Jonatha Lima Silva

Jornalismo de “posição”: A Tarde e o golpe

de 1964

Artigo apresentado como trabalho

de conclusão de curso e requisito

parcial para a obtenção da

graduação em história.

Orientador: Eduardo Borges Conceição do Coité – BA

Março de 2010

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Jornalismo de “posição”: A Tarde e o golpe de 1964

Jonatha Lima Silva1

Resumo O presente artigo analisa um importante veiculo de comunicação de grande credibilidade entre os habitantes baianos: o jornal A Tarde. O estudo se define pela análise de editoriais do jornal seis meses antes do golpe militar e seis meses depois, percebendo justamente os posicionamentos, defesas, críticas e ideologias desse órgão da imprensa a respeito do governo de João Goulart e Humberto Castelo Branco. Para isso foram destacados alguns editoriais que tratavam de questões relevantes no período, como o temor de uma revolução comunista, a questão agrária, a crise política-econômica e o surgimento do novo regime orientado pelos militares. Palavras-chave: A Tarde; Imprensa; Posicionamento; Centrista; Comunismo e Revolução.

Abstract This article examines an important vehicle of communication of great credibility among the inhabitants of Bahia: A Tarde newspaper. The study is defined by the analysis of newspaper editorials six months before the military coup six months later, realizing just the positions, defenses, and ideologies critical of media report about the government of João Goulart and Humberto Castelo Branco. For that were posted some editorials that dealt with issues relevant period, as fears of a communist revolution, the agrarian question, the political-economic crisis and the emergence of the new regime led by the military. Keywords: The Late; Press; Positioning; Centrists; Communism and Revolution.

1. Introdução

O estudo sobre o papel da imprensa em momentos decisivos na história brasileira,

ainda é muito pouco pesquisado, especialmente os que se dedicam a jornais que se limitam a

circular somente na esfera estadual. Nesse sentido encontramos do ponto de vista

historiográfico uma grande lacuna, tornando-se de extrema relevância o estudo da temática.

1 Jonatha Lima Silva é discente do curso de história da Universidade do Estado da Bahia do Departamento de Educação Campus XIV.

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Tomando como base a realidade baiana, analisei o jornal A Tarde, importante veiculo

impresso presente no cotidiano de grande parte dos baianos da capital e do interior do Estado.

A escolha do recorte temporal parte da necessidade de preencher lacunas em torno da

Ditadura Militar no Brasil e na Bahia, como também perceber ideologicamente as posições de

A Tarde, jornal este tão conceituado entre os habitantes baianos. Para tanto foi escolhido para

análise editoriais do período de setembro de 1963 a setembro de 1964, percebendo justamente

as posições que A Tarde assumiu durante o processo. Devido à objetividade do trabalho

selecionei e analisei alguns editoriais referentes ao governo de João Goulart e de Humberto

Castelo Branco.

A escolha do estudo da linha editorial foi feita porque dentro da empresa jornalística,

ele se define como o espaço que representa a opinião do jornal, acerca dos fatos de maior

relevância, em uma dada edição, sua estrutura de texto é muito importante:

“[...] deve ser escrito em linguagem cuidada. Para redigi-lo, é necessário definir um objetivo e ter clareza na escolha de uma idéia central para argumentação. O ponto central é: Qual é a verdade? Partindo-se desse ponto, têm-se os critérios para a argumentação. [...]” (Fundamentos da redação jornalística, p. .23)

Por possuir esse formato de texto, o editorial deve ser bem elaborado, para que possa

justificar ou convencer o leitor, acerca do seu ponto de vista sobre determinado

acontecimento, pois ainda no que se refere a estrutura observamos:

“Quanto ao conteúdo, sua estrutura é dissertativa, organizada em tese (apresentação sucinta de uma questão a ser discutida), desenvolvimento (ter argumento e contra-argumentos indispensáveis à discussão e à defesa do ponto de vista do jornal) e conclusão (síntese das idéias anteriormente desenvolvidas). Além disso, deve-se usar exemplos que ilustrem o assunto em questão.” (Fundamentos da redação jornalística, p. 23)

O objetivo, portanto do editorial é de opinar e convencer através de argumentos bem

estruturados, se define dessa maneira, e sendo assim se estabelece também como uma

importante fonte histórica, pois através dele foi possível verificar e analisar durante o

processo de pesquisa, a forma como A Tarde tratou o governo de João Goulart meses antes do

Golpe Militar, e no semestre que se seguiu com o novo regime.

Para a realização do estudo foi necessário utilizar a vasta historiografia sobre a

Ditadura Militar no Brasil, como também algumas obras referentes a área de comunicação,

essa pesquisa interdisciplinar não deixou de privilegiar a construção do trabalho na

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perspectiva histórica. Fazer uso de outra área do conhecimento foi importante para a

compreensão mais aprofundada no que se refere a função que a imprensa escrita ocupa na

sociedade contemporânea, através das leituras foi possível perceber como ela lida e as vezes

se confunde com o poder, no momento que assume suas posições ideológicas.

O trabalho, portanto, se resume a traçar um diálogo entre os editoriais de A Tarde

junto com o conhecimento histórico e comunicacional, se atendo aos momentos de grande

tensão política e social que se desdobraram no fim do período democrático brasileiro no inicio

dos anos 1960.

2. Imprensa, sociedade e suas relações de poder

Entendendo a informação como um bem público e os meios de comunicação como os

grandes responsáveis por transmitir esses conteúdos de forma clara, objetiva e despida de

interesses e ideologias, se torna importante nos ater a algumas indagações: Qual o papel que a

imprensa ocupa na sociedade? Ela influencia as pessoas a mudarem suas posições

ideológicas? Como se relaciona a imprensa com o poder? Cabe a ela somente informar a

sociedade ou também de tomar partido de algum projeto ideológico?

Questões como estas nos motivam a tentar entender até onde se estende o poder da

imprensa na sociedade contemporânea, já que está se considera e é considerada pelo senso

comum como formadora da opinião pública e do pensamento crítico isento de ideologia na

informação transmitida, porém em momentos em que o poder político e econômico do país se

encontram ameaçados, essa característica de isenção da informação alimentada a todo o

momento pela imprensa se perde. Foi o que ocorreu no período do Golpe de 1964.

Segundo Bernardo Kucinski é comum em países subdesenvolvidos que a notícia seja

tratada como mercadoria, onde determinados espaços dos jornais são destinados a anúncios de

grupos econômicos que financiam e mantêm a empresa jornalística. Isto é também percebido

na relação que a imprensa estabelece com o poder político, apoiando candidatos e defendendo

governos que apresentem projetos condizentes com o seu posicionamento.

Devido a esses fatores Kucinski aponta que durante a história do Brasil se tornou

comum o pacto entre a imprensa, os grupos econômicos e políticos do país, mantendo o que

ele chama de padrão complacente do jornalismo brasileiro.

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“A complacência é o resultado normatizado do confronto entre o nosso tipo de democracia e o nosso tipo de capitalismo. É sistêmica e de natureza cultural, um código de comportamento que envolve, de modos diversos, donos de meios de comunicação e jornalistas. Um padrão de jornalismo, típico de sociedades subdesenvolvidas, reforçado, no nosso caso, por duas décadas de regime militar” (JOSÉ, apresentação)

Dentro dessa afirmativa percebe-se então que o tipo de jornalismo brasileiro é o de

compactuar com o poder em momentos decisivos da história brasileira, quando este lhe é

favorável, no contexto de 1964 como afirma Emiliano José, houve um grande investimento

nos meios de comunicação, dentro disso o autor aponta:

“é importante acentuar também que os meios de comunicação de massa transformaram-se, no pós-1964 em área de acumulação intensiva de capital. O desenvolvimento acelerado desses meios vincula-se intimamente ao também acelerado processo de expansão do capitalismo monopolista do Brasil[...] Os interesses dos meios de comunicação, portanto, estavam organicamente vinculados à manutenção daquela específica situação política, que lhes dava segurança quanto aos investimentos que realizavam.” (JOSE, p. 22)

Nesse momento verifica-se o interesse da maioria dos órgãos da imprensa brasileira

em apoiar o regime militar além de garantir investimentos, afastava o temor do socialismo.

Referências contra o socialismo surgiram em editoriais de 1963 e 1964 da Folha de São Paulo

e O Estado de São Paulo, inclusive veremos também isto no jornal A Tarde. Portanto na

época era comum que os jornais apoiassem o sistema capitalista e passassem a desconfiar de

qualquer político progressista que defendesse programas “duvidosos” .2

O mesmo ocorreu durante as eleições à presidência do Brasil em 1990 quando os

grandes meios de comunicação defenderam a candidatura de Fernando Collor de Mello,

meses antes a revista Veja já fazia propaganda política do candidato, um personagem até

então desconhecido do cenário político nacional. A defesa do candidato partia do programa

que este se predispunha a efetivar, baseado no neoliberalismo das privatizações em oposição

ao de Luis Inácio Lula da Silva, candidato ainda com o estigma do sindicalismo rebelde. O

estudo de Emiliano José no livro Imprensa e Poder acompanha o posicionamento de alguns

órgãos da imprensa durante a candidatura, a posse e o impeachment de Collor. O autor afirma

se referindo a imprensa e a Fernando Collor:

“A imprensa é partidária, não no sentido de defender este ou aquele partido, mas no de ter um programa a defender. Ela estava perfeitamente identificada com as propostas neoliberais e precisava não só do ator-espetáculo para sua demanda

2 Á Exemplo das reformas de base de João Goulart

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noticiosa, para a implementação desse novo modelo do culto à personalidade, como também do ator político, que levasse à pratica o seu programa.” (JOSE, p. 26)

Tanto em 1964 como em 1990 dois importantes momentos da história política

brasileira percebe-se o posicionamento explicito dos meios de comunicação e os interesses

por detrás da noticia, a informação perpassa a todo o momento pela opinião da empresa

jornalística. É claro que dentro do jornal existe o espaço dedicado as demandas populares, as

denúncias e as contradições existentes na sociedade, como também crítica ao candidato

preferencial da empresa jornalística, porém a opção existe como afirma Emiliano José. Se

olharmos outro aspecto da composição do jornal, constataremos isso, na diagramação, por

exemplo, se discute as seguintes questões: Qual a noticia deve ir para a primeira página? Qual

a fotografia utilizada para ilustrar determinado acontecimento? O que fica em segundo plano?

No livro João Goulart e a Imprensa a autora Maria Rosa Duarte de Oliveira, analisa

justamente o posicionamento da noticia e a diagramação do jornal no inicio dos anos 1960,

concluindo que:

“No caso especifico do discurso jornalístico, a ação argumentativa não se reduz aos editoriais, onde, por estar a descoberto, é até menos convincente. É no ‘design’ da página – nas redes diagramáticas das fotos, manchetes e submanchetes, tipos gráficos e textos – que a persuasão se faz iconicamente, de forma direta e mais eficaz.” (OLIVEIRA, p. 48)

Dentro disso percebemos que o discurso jornalístico de transmitir a informação de

forma clara e precisa sem posições ideológicas é contraditório, já que a todo o momento,

desde a formatação do jornal até a opinião declarada nos editoriais há subjetividade e

posicionamento, como afirma Emiliano José:

“Trata-se de um interessante jogo de faz-de-conta, um discurso repetido insistentemente nos editoriais, o da objetividade e da imparcialidade, editoriais que, aliás, constituem o único espaço que ela admite ser o da opinião, esquecendo-se, ou fingindo ignorar, que o exercício do jornalismo, cotidianamente, termina por ser opinativo, mesmo quando se traveste de pura e simples noticia.” (JOSE, p. 16)

No livro de Emiliano José, Imprensa e Poder, o autor constata que apesar de a

imprensa ser partidária existem momentos em que ela rompe com o pacto estabelecido, como

ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello. As denúncias feitas por seu irmão

Pedro Collor concedendo entrevista e revelando os casos de corrupção, compeliu a imprensa

partidária de Collor a adotar uma posição contraria ao presidente, já que este estava

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envolvido. Naquele momento se a imprensa não continuasse a divulgar os escândalos

políticos e se não posicionasse contrário a Collor, a legitimidade e credibilidade do jornalismo

brasileiro poderia ser seriamente abalada.

Qual seria verdadeiramente a função da imprensa? Segundo Franklin Martins, em seu

livro Jornalismo Político, o jornalista deve ser leal, a empresa em que trabalha, aos colegas,

as fontes e principalmente a sociedade. Esta deve ser em última instância preservada, é dever

da imprensa garantir a informação fidedigna, correta e isenta, ou seja, segundo o autor os

jornalistas devem pensar da seguinte maneira:

“Nós, jornalistas, temos um contrato informal com a sociedade, que nos garante uma série de prerrogativas, como o acesso a informações de caráter público[...] em suma, gozamos de liberdade de imprensa. Em contrapartida, a sociedade espera que os jornalistas exerçam esses direitos com o objetivo de mantê-la informada, e não visando ao proveito pessoal ou empresarial. No fundo, o direito do jornalista à liberdade de imprensa é apenas um reflexo do direito de a sociedade ser bem informada. Essa é a questão básica que norteia a relação do jornalista com a sociedade.” (MARTINS, p. 34)

Garantir informação isenta é uma obrigação do jornalista e dos meios de comunicação,

a partir desta que o leitor irá formar sua opinião sobre determinado acontecimento, entretanto

o que se verifica em estudos de jornalistas é que os jornais e os diversos outros meios de

comunicação não fazem somente a divulgação da informação e interpretação dos fatos, mas se

utilizam da linguagem icônica do veiculo, através da divulgação, edição e a crítica da

informação para se posicionar. Em relação a impressa escrita é somente no espaço dos

editoriais que o jornal admite ser o de opinião.

3. O veículo

Como é possível estudar os posicionamentos de A Tarde durante o Golpe Militar de

1964? Para isso é necessário identificar a trajetória do jornal e seu fundador na política baiana

nos anos que antecederam ao Golpe. Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, fundador de A

Tarde, foi importante político na Bahia, atuou como Deputado, Ministro e até foi candidato ao

cargo de executivo estadual.

Desde a “Revolução de 1930” até o fim do Estado Novo em 1945, A Tarde e Ernesto

Simões Filho se posicionaram contra as políticas ditatoriais de Getúlio Vargas. A ideologia

em voga e bastante difundida era da construção de uma nação forte baseada na unidade

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nacional e na centralização político-administrativa, fato que incomodava os políticos

tradicionais da Bahia, pois isso na prática significava diminuição do poder dos estados da

Federação e conseqüentemente enfraquecimento dos grupos dirigentes locais. Uma das

medidas utilizadas pelo Estado Novo para que isso ocorresse era a interventoria federal,

criada por Vargas, selecionava políticos e os enviava a outros estados do Brasil com objetivo

de minar o poder das forças políticas locais.

Ernesto Simões Filho além de jornalista, era um político ligado a tradicional oligarquia

baiana, portanto estava também insatisfeito com a política intervencionista de Vargas, seu

principal opositor durante o período foi o interventor federal Juracy Magalhães enviado a

Bahia para assumir o cargo de governador do Estado.

A constante oposição ao governo de Vargas por alguns políticos baianos fez surgir

uma espécie de agrupamento na Bahia, chamado de “autonomistas”, cujo interesse era de

aumentar o poder do Estado e se livrar da política intervencionista de Vargas, além de

políticos, atuaram junto ao grupo, intelectuais e alguns advogados que se apoiavam nas leis

para defender o sistema liberal e democrático. Ernesto Simões Filho participava dessa

corrente e inclusive cedia a sede do jornal A Tarde, para que os membros da “Concentração

Autonomista da Bahia” se reunissem. Em 1945, no final do Estado Novo, diversos artigos

dessa corrente foram publicados em A Tarde, tecendo críticas ao governo de Vargas e

destacando a necessidade de os baianos reaverem o poder político perdido.

Passado o período ditatorial do governo Vargas, se percebe que Ernesto Simões Filho

apóia geralmente as candidaturas ligadas ao PSD, isso se verifica na eleição de Otávio

Mangabeira com a coligação UDN-PSD e com Luis Régis Pacheco, ex-autonomista, na

coligação PSD-PTB, sendo que no governo deste último Ernesto Simões Filho consegue

ocupar o cargo de Ministro da Educação no regime democrático de Getúlio Vargas. Durante o

governo da Bahia no período de Antonio Balbino de Carvalho Filho (1955-1959), eleito pela

coligação UDN-PSD-PTB, o fundador do jornal A Tarde vem a falecer. Depois disso o

principal opositor de Ernesto Simões Filho, Juracy Magalhães é eleito e exerce mandato de

1959-1963.

Chegamos então na candidatura de Lomanto Junior, momento em que o país já esta

sentindo demasiadamente a crise política e econômica do pré-1964, vimos até aqui que A

Tarde e seu fundador adotou posições em um momento importante da história política

brasileira: O governo ditatorial de Getúlio Vargas. O lugar de onde surgiu o político e

jornalista Ernesto Simões Filho explica a adoção durante sua vida ao PSD, partido este que

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juntamente com a UDN, advêm das velhas oligarquias baianas. A Tarde também se

caracteriza no mesmo perfil do dono, tentando manter a defesa dos interesses dos oligarcas

baianos, porém ao longo da década de 1950 e início dos anos 1960 é partidária de outros

segmentos da sociedade.

Nas eleições de 1962 na Bahia ao cargo de executivo estadual, encontra-se um clima

de tensão política e uma realidade peculiar quanto a configuração dos partidos. O PSD e o

PTB, nesse momento lançam seus candidatos ao cargo de governador do Estado, o primeiro

partido muito tradicional passa por uma renovação e coloca em suas fileiras políticos com

perfil liberal e progressista representados no candidato Waldir Pires, enquanto que o PTB

baiano apostava na candidatura de Lomanto Júnior. Diferentemente da conjuntura nacional o

PTB baiano passa a ser composto pela burguesia agrária e tinha o apoio da oligarquia o que

colocava o partido em sintonia com o PSD nacional, no qual predominantemente fazia parte a

velha oligarquia fundiária do Brasil. Por outro lado encontramos no PSD baiano uma base

formada por forças populares, organizações sindicais e membros da classe trabalhadora, o que

fazia este se alinhar a organização do PTB nacional. Essa mudança interna do PSD baiano,

gerando uma base de apoio com um perfil mais popular, muito peculiar a realidade baiana,

colocou o jornal A Tarde em posição de mudança.

Devido a isso A Tarde, até então pessedista, pois no partido se concentrava as forças

mais conservadoras, muda sua postura e passa a apoiar o PTB, como afirma o sociólogo

Antonio Sérgio Guimarães:

“Foi precisamente em torno da candidatura de Waldir Pires ao Governo do Estado que se aglutinou o conjunto das forças progressistas e populares, assim como o conjunto das organizações sindicais e partidárias da classe trabalhadora. Lentamente, à medida que progride a campanha eleitoral, foi ficando nítida a ambigüidade do apoio a máquina partidária pessedista, controlada pelos velhos caciques como Antonio Balbino e Oliveira Brito, à candidatura de Wadir. Até mesmo um jornal tradicionalmente pessedista como A Tarde vai gradualmente definindo-se pela candidatura oponente. Pode-se dizer que o conjunto da burguesia baiana começa a cerrar fileiras em torno da candidatura de Lomanto Junior, apoiada pela UDN, pelo PTB, pelo PR e pelo PL.” (GUIMARAES, p. 32)

Fazendo um apanhado das informações contidas no estudo de Antonio Sérgio

Guimarães, percebe-se economicamente que desde sua fundação A Tarde defendeu os

interesses das classes dominantes, inicialmente nos anos 1930 a defesa era em torno da

burguesia mercantil e da oligarquia baiana, ou seja, grupos ligados a terra e ao comércio, essa

estrutura econômica era dominante em quase todo cenário brasileiro. A revolução de 1930 fez

ascender à classe média, detentora de um pequeno capital. Nos anos 1950 e 1960 o Brasil

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possui esse grupo consolidado e surgem o proletariado e o empresariado, advindos do

desenvolvimento da industria e da nova realidade econômica que cerca o país. Como afirma o

sociólogo Antonio Sérgio Guimarães o interesse de A Tarde se define nos grupos que possam

investir na Bahia e na conjuntura dos anos 1960 quem estava ascensão economicamente era o

jovem empresariado:

“O caráter pequeno-burguês de A Tarde e sua constituição como representante dos interesses da burguesia agrário-industrial evidencia-se no início dos anos 60 quando, com o acirramento das lutas de classe, ela abandona os interesses da oligarquia fundiária e passa a defender a reforma agrária. Isso significava, na realidade, romper com o coronelato que se aferrava às relações de produção ultrapassadas e às práticas improdutivas de renda da terra. Mas significava também garantir a prosperidade daqueles setores do coronelato que começavam a empresariar a terra. Não se deve esquecer que a principal matriz da burguesia era forçosamente a velha oligarquia” (GUIMARAES, p. 72)

Percebe-se então a partir da análise do sociólogo que A Tarde no inicio dos anos 1960

rompe com a tradicional oligarquia baiana, este importante segmento que possuía até a

metade dos anos 1950 forte representação política. Ernesto Simões Filho foi oriundo desse

estrato da sociedade.

Tomando como base o estudo de Antonio Sérgio Guimarães e de historiadores como

Luis Henrique Dias Tavares e Paulo Santos Silva foi possível traçar um pouco da trajetória

política de A Tarde e seu fundador, percebendo o contexto político e econômico baiano dos

anos de 1930 a 1960 e também identificando posicionamentos a favor de determinados grupos

políticos ligados ao grande latifúndio, e também a segmentos emergentes dentro da sociedade

baiana. Sem dúvida isso é de extrema relevância e o primeiro passo para entendermos que

esse veículo de comunicação adota e defende posições. No próximo tópico analisa-se

propriamente os editoriais de setembro de 1963 a setembro de 1964, destacando, o governo de

João Goulart e de Humberto Castelo Branco.

4. Jornalismo de “posição”

Como se encontrava o cenário político brasileiro meses antes do Golpe Militar de

1964? Com certeza bem crítico, João Goulart, desde o inicio do regime presidencialista

tentava angariar apoio para realização de suas reformas de base e aplicação do Plano Trienal,

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este último consistia numa serie de medidas que visavam combater a alta inflação do período

e ao mesmo tempo favorecer o crescimento econômico.

Apesar da tentativa de conter a inflação, o resultado do programa foi o crescimento

desta no ano de 1963 e a estagnação econômica. Esse fato repercutiu mal para todos os

segmentos da sociedade, as classes baixas e altas foram afetadas pela crise e nenhuma

desejava ter seu poder de compra diminuído, frente ao aumento exorbitante dos bens de

primeira necessidade. Por isso as classes trabalhadoras e também militares de baixa patente

reivindicavam aumentos salariais.

O contexto de crise política, econômica e social, exacerbado nos momentos finais que

antecederam o Golpe Militar de 1964 contribui para a diminuição da importância e da

influência de João Goulart frente as suas bases de apoio.

A Tarde caracterizado como um jornal de matriz conservadora adotara no referido

período uma posição centrista, em relação ao governo de João Goulart, muito semelhante a

outro órgão da impressa escrita como a Folha de São Paulo. Ambos variavam em valorizar e

criticar através de sua linha editorial as medidas políticas adotadas pelo presidente.

Referindo-se ao jornal baiano no editorial de 03-09-1963, A Tarde valoriza Goulart por

suspender as atividades do IBAD durante seis meses, instituição que financiava com verbas

do governo federal, campanhas eleitorais de candidatos esquerdistas, o contraponto do IPES,

outro órgão formado por homens de negócio que também aplicavam capital para campanha de

candidatos. Segundo o jornal o motivo da suspensão partia da corrupção do instituto.

No transcorrer do mês de setembro de 1963 A Tarde tece criticas muito contundentes

ao governo de João Goulart, principalmente ao posicionamento do presidente que não estava

nem mais satisfazendo as suas bases de apoio. Em dois editoriais de 10-09-1963 e 19-09-

1963, intitulados de Quebra Cabeças e Rumos Incertos, A Tarde relata a falta de apoio ao

governo federal e traça a situação política na qual o presidente se encontrava, abordando o

conflito com o Senado, o fracasso do Plano Trienal, as constantes greves e troca de ministros.

A falta de apoio político é bastante enfatizada nos editoriais, como segue abaixo:

“Afirmando isto, não se está mais que divulgando o estado geral de espírito de toda a Nação. E, como ninguém entende o governo federal, paga ele o pesado tributo de não ter a confiança de quase ninguém, hoje em dia. Até seu partido, vez por outra, se insurge contra o sr. João Goulart, apesar de o presidente da República, além de titular do mais alto posto do País ser também presidente daquela agremiação.” 10-09-1963

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Em outro momento também é analisado o mesmo aspecto: “Com isso, começaram a

desagregar-se as hostes janguistas. Rarearam dificilmente seus companheiros por assim dizer

de fé, os mais cegos partidários de ontem já esboçavam criticas e queixas, até abertamente.”

19-09-1963

Os editoriais citados acima com os títulos bem sugestivos já demonstram o

pensamento do jornal em relação a situação do governo federal. O Quebra Cabeças, pode ser

entendido como um governo desmantelado que precisava se organizar enquanto que Rumos

Incertos indicava a falta de projeto e de uma política segura do governo. Essa situação no pré-

1964, ocorria, a base de apoio que realmente Goulart necessitava estava se esvaindo.

Basicamente existiam segmentos da sociedade brasileira que deveriam apoiar Goulart

para que este pudesse governar, porém as políticas adotadas pelo presidente não agradavam os

centristas que presenciaram a ineficácia do Plano Trienal, a inflação exorbitante, a estagnação

econômica e ainda não viam com bons olhos a mobilização política dos trabalhadores urbanos

e rurais, enquanto isso, grupos mais conservadores como:

“Os proprietários rurais, por exemplo, tentavam convencer eleitores da classe média nas cidades de que uma emenda constitucional permitindo indenização em títulos, ao invés de em dinheiro, pelas desapropriações de terras seria um atentado a todo o principio da propriedade privada” (SKIDMORE, p. 316)

Essa idéia passou a ser tão difundida que realmente assustou grande parte dos

brasileiros, naquele momento para encontrar apoio do centro, era necessário conter a crise

econômica, experiência que naquela altura já havia fracassado, enquanto que manter as

“esquerdas”, significava levar adiante o projeto das reformas de base, sem ser muito radical

para não afastar os centristas. A propaganda dos proprietários rurais aliada ao temor surgido a

partir da proposta de reformas de base, destacando principalmente a reforma agrária, além dos

discursos da esquerda radical que pareciam buscar direitos além da Constituição, resultou no

afastamento de uma classe média e também de centristas (fundamentais para Jango se manter

firme no poder), já que o mundo estava polarizado como bem coloca o autor Francisco Carlos

Teixeira da Silva em seu artigo A Modernização Autoritária:

“A eclosão da guerra fria, a associação entre ‘mundo livre’ e ‘capitalismo’, assim como a questão da terra como ponto central da Revolução Cubana, serviram para consolidar, junto a milhares de brasileiros, a idéia de intocabilidade da propriedade privada, mesmo que reconhecidamente injusta e herdeira de ‘quatro séculos de latifúndio’. O seu pretenso caráter iníquo seria apenas o pretexto através do qual os comunistas, sob os mais diversos matizes, poderiam iniciar a coletivização do país.

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Assim não tratava de discutir esse ou aquele modelo de desenvolvimento econômico, e sim de garantir um principio que estava em risco: a propriedade privada”. (SILVA, F. p. .361)

Apesar de discursos de radicais e da grande propaganda difundida que Jango tentava

aplicar um Golpe, A Tarde permanece como defensor da legalidade democrática do governo,

porém tece muitas criticas ao presidente durante o mês de setembro de 1963, basicamente

girando em torno da falta de posicionamento e da ineficácia política exercida por Goulart. O

jornal baiano identifica-o como jogador político, já que este tentava agradar a todos,

colocando, por exemplo, diversos ministros de base conservadora e moderada e causando

instabilidade no governo, o fato que causa maior irritação de A Tarde no período é justamente

a constante troca de ministros feitas pelo presidente. Como segue: “Jamais se teve um

governo afirmativo, nem se deixou um ministério, as mais das vezes inviável de nascença,

criar raízes necessárias para a realização de um programa administrativo.” 19-09-1963

Percebe-se que A Tarde através dos editoriais não exerce somente a opinião, mas

sugere e cobra medidas políticas, principalmente por parte do presidente. Como afirma

Emiliano José a imprensa é partidária porque tem um programa a defender, em relação A

Tarde o programa se define como afirma Antonio Sérgio Guimarães na defesa da ordem e do

sistema federativo, inclui também nesse pacote os investimentos que possam ser levados a

Bahia. Em editorial de 21-09-1963 o jornal baiano critica a negação do Ministério da Fazenda

em conceder investimentos ao cacau da Bahia além de destacar a falta de apoio do presidente

aos baianos, este não sabendo reconhecer os seus aliados. Como segue na seguinte afirmativa:

“É – ironia das coisas de política – o presidente acabava de receber um firme apoio do

governador baiano contra os que visivelmente tramam contra seu legitimo mandato.”

“Aliado” este como Lomanto Junior que segundo o jornal dava apoio ao governo

federal, como consta em editorial do dia anterior:

“...seu apoio ao presidente da Republica quando não tem, como agora, conotações de personalismo ou vesquice partidária, reveste-se do sentido mais alto de sustentação da autoridade constituída e se confunde com os melhores ensinamentos da democracia e com os interesses nacionais.” 20-09-1963

Por trás das bases de apoio de Lomanto Junior, estava A Tarde que durante as eleições

de 1962 ao governo do Estado, passou a ser petebista como a maioria da sociedade baiana de

base conservadora. Adotando uma linha de governo moderada o governador da Bahia pode

ser identificado no período como:

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“Equilibrista político, na boa tradição do PSD nacional, ao qual formalmente não pertencia, Lomanto procurou atuar, durante os doze meses de sua gestão que antecederam o golpe de 1964, como um ‘algodão entre os cristais’, amortecendo os atritos entre os Magalhães e Jango, o lacerdismo e o trabalhismo, a UDN e o PTB” (FERREIRA, M. p. 3)

A Tarde em seu tom moderado, tece varias criticas ao presidente, porém como jornal

não se posiciona radicalmente contra João Goulart, já que naquele momento os ânimos

estavam bem elevados, o fato de ser extremado poderia afetar grande parte do público leitor.

Em torno dos apontamentos feitos a deficiência do governo de Jango, existia a esperança de

melhora, visto que grande parte dos editoriais de setembro de 1963 ocorre a cobrança de

posicionamento, frente a política indecisa de Goulart para que este se firme como líder da

Nação. Isso pode ser entendido a partir da defesa que A Tarde faz a legalidade. Apesar das

criticas ao presidente, o jornal permanece defensor das instituições democráticas, e não deseja

que extremistas radicais ocupem o poder. Como pode se verifica a seguir: “Quem vê de perto

o clima de sobressalto em que vivem os poderes constituídos da Nação sabe que chegou a

hora do basta para ação impatriótica dos que desejam o poder ao preço mesmo da miséria

nacional.” 20-09-1963

Em seu editorial de 20-09-1963 intitulado Pela Legalidade, percebe-se a causa que o

jornal defende: “Ainda ontem comentávamos que chegou a hora de se fortalecerem os poderes

constituídos da Nação, para que não caiamos no abismo de um golpe ou de uma revolução.”

Defendendo, portanto a legalidade democrática, A Tarde se posiciona contrario a

qualquer outro regime. Dentro da conjuntura dos anos 1960 isso significava defender a

democracia dentro da ordem capitalista, já que naquele momento o mundo estava polarizado,

entre o “Ocidente capitalista” e o “Oriente socialista”. Em relação ao Brasil existia um grande

temor quanto a implantação de um regime baseado no socialismo, esse fato era reforçado pelo

discurso e ações da esquerda radical representada nos movimentos de massa que possuíam

componentes comunistas. Percebe-se que durante os seis meses que antecederam o golpe

militar no Brasil, A Tarde, permanece com seu discurso anti-comunista. Críticas são feitas aos

governos internacionais como o de Mão Tse Tung:

“Diz o sr. Mão Tse que uma guerra atômica destruiria ‘apenas’ metade do gênero humano. E que, depois dela, esgotados todos os estoques de morte por desintegração, a humanidade se refaria, atingindo, poucos anos além, a cifra de 2 bilhões e meio de almas. Dois bilhões e meios que seriam dominados pela ideologia comunista...” 01-10-1963

Page 16: Jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

Em relação ao governo cubano:

“Pretendendo livrar-se de más administrações e na esperança de verem sanados todos os males que afligiam a sua pátria, os cubanos apoiaram, de boa fé, a Fidel Castro, nas suas guerrilhas. No fim, dominados e traídos em seus ideais pelo caudilho vermelho, perderam a sua liberdade, vendo a democracia substituída, a força, pela ditadura.” 28-02-1964

O anti-comunismo de A Tarde, ainda é visto na crítica feita a URSS: “[...] a Rússia

ainda sofre as misérias de tantos anos de horror . E ainda continua sendo o mesmo Estado

ditatorial, que só consegue extrair produções na cidade, do operariado urbano, que está bem

perto do tacão das tropas.” 12-10-1963

A realidade brasileira também é mencionada, na qual existia o Partido Comunista na

ilegalidade e os membros comunistas infiltrados nos movimentos de massa.

Portanto dentro do cenário da Guerra Fria, A Tarde, explicitamente mostrava sua

posição ao criticar os principais países representantes do socialismo internacional, em

editorial de 25-01-1964, o jornal baiano se irrita com o financiamento do governo em apoiar

um Congresso internacional de trabalhadores comunistas, organizado pelo C.G.T, fato que

segundo A Tarde, só traria mais agitação ao quadro de instabilidade política do país. Segundo

o mesmo esse movimento de massa dos trabalhadores estaria dominado por lideres

comunistas e pelegos que aderiam as organizações somente para tirar proveito próprio. No

seguinte trecho do editorial isso pode ser verificado:

“Quem representa os trabalhadores brasileiros neste congresso? Os dirigentes da C.G.T. Esta sigla demonstra que espécie de pessoas se dizem porta-vozes dos trabalhadores – trabalhadores que jamais viram. Grimpados desta organização ditatorialmente, sem se submeterem a um processo democrático de escolha, significam os dirigentes da C.G.T. a nata do comunismo e peleguismo nacional. Isto é, o que de natureza é mais afastado do real trabalhador brasileiro”

Para um jornal centrista como A Tarde os movimentos de massa não eram bem vistos,

já que possuíam uma forma muito agressiva de negociação, a CGT, por exemplo, costumava

pressionar o governo através da realização de grandes greves o que agravava a situação

econômica e o temor da população em relação ao grande poder de mobilização do grupo. Para

o jornal baiano o que mais incomodava era justamente o diálogo que o presidente João

Goulart tentava manter com esses grupos radicais, muitos com integrantes comunistas, fato

que afastava cada vez mais a opinião centrista em torno do presidente. Em editorial de 24-02-

1964, intitulado Suicídio, o jornal baiano critica a tentativa do governo federal de colocar o

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Partido Comunista de volta a legalidade, os argumentos surgidos partem da Constituição que

veda a organização ou partido que contrarie o regime democrático, em linguagem médica A

Tarde faz sua crítica:

“O que se pretendeu com a medida, foi promover a defesa da democracia. Esta não pode inocular no seu organismo o germe da própria destruição. Seria absurdo – por analogia – que qualquer pessoa introduzisse no seu organismo os agentes carreadores da doença.”

O fato de colocar na ordem legal um partido que defende outro regime seria para o

jornal baiano um ato contraditório e suicida.

Nos meses que se seguem, A Tarde continua criticando o governo de João Goulart

sempre o colocando como jogador querendo atuar em todas as bases. Em editorial de 02-10-

1963, intitulado, Definam-se as reformas, o jornal cobra posicionamento do presidente na

definição da maneira de se fazer as reformas de base. Como segue no trecho abaixo:

“Esta indefinição dos homens, dos líderes que tinham, por isso mesmo, dever de comandar a opinião de seus liderados e, por via de conseqüência, da opinião pública, é que esta levando este país a um abismo de desencontros, a uma descrença generalizada nas autoridades e nos poderes constituídos”

Em alguns editoriais de outubro e novembro de 1963 percebe-se um bom

posicionamento em relação ao governo federal, em editorial de 04-10-1963, o jornal baiano

critica a entrevista concedida por Carlos Lacerda a um jornal estrangeiro, no qual o

governador da Guanabara considerado de extrema direita critica o governo de João Goulart

ligando-o a grupos comunistas. A Tarde entende que o governo do presidente é deficiente,

mas não valoriza as criticas feitas por Lacerda, por estas colocarem em cheque a autoridade

das instituições. O jornal baiano ainda afirma que algumas críticas foram injustas, como

consta na afirmativa seguinte: “Desmandando-se em criticas, algumas justas, outras injustas,

ao governo federal o chefe do executivo da Guanabara causou o que se pode chamar de alto

prejuízo ao Brasil e atentado a nossa boa fama nacional.”

Em outros editoriais A Tarde valoriza a fala do ministro da fazenda em solucionar os

problemas econômicos do Brasil:

“Como paliativos, e não mais que isto, não se pode negar eficácia as medidas que o sr. Carvalho Pinto se disse disposto a adotar. Reconfortada com as palavras tranqüilizadoras do ministro, a Nação passa a aguardar os efeitos dessas providências, anciosa que está para que restaure o equilíbrio econômico e financeiro.” 26-10-1963

Page 18: Jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

O governo também é valorizado pelo jornal em relação a entrevista concedida por

Goulart a uma revista carioca, no qual é feita uma avaliação dos pontos positivos:

“E essas conclusões positivas existem. Isto porque, sem prejuízo do que merece, na parte política, a posição do presidente Goulart, o pensamento reformista que ele defende naquele documento merece atenção especial e é uma clara e valiosa contribuição à luta pelas reformas de base, de que tanto nosso país precisa.” 26-11-1963

Dentro da grande quantidade de editoriais analisados, somente alguns valorizam o

governo presidencial ou adotam um tom moderado de crítica a João Goulart. E porque mesmo

assim pode ser afirmado que A Tarde adota uma posição de centro no referido período?

Simplesmente devido às posições extremadas do pré-1964. Quando Carlos Lacerda

pertencente a extrema direita tece criticas muito contundentes ao presidente, A Tarde vêem

em defesa de João Goulart criticando o tom extremado do governador da Guanabara. Também

percebe-se quanto ao otimismo de A Tarde frente as declarações do ministro da fazenda e a

possível implementação das reformas de base, além de que suas próprias criticas ao

presidente, se define mais por uma cobrança de posição, ou seja, de uma política clara que

defina seu grupo e/ou sua base de apoio.

Em outubro de 1963 um fato que é duramente criticado por A Tarde é a solicitação do

presidente pelo Estado de Sitio, em três editoriais, o jornal baiano narra a solicitação. Como

conta abaixo:

“Funda-se em todas essas razões a inconformidade com o pedido de ‘sitio’ Não se vê a que ele será útil. Não se enxerga no presidente um homem que possa conduzir-se com acerto e a firmeza, que até hoje não encontrou, quando tiver nas mãos poderes multiplicados.” 07-10-1963

A revogação também é citada:

“Como que interessado em por lenha na fogueira de agitação que consome o país, o governo federal nos da um triste exemplo de irresponsabilidade.[...] Em resumo manda ao Congresso a proposta de uma medida extrema, com base em fatos que anuncia graves, e pouco depois recua, negando já a gravidade da conjuntura que ele próprio tinha pintado com nuvens carregadas e ameaçadoras.” 09-10-1963

Como bem avaliou A Tarde, a medida visava conter as manifestações políticas

violentas, só que naquele momento confiar poderes extraordinários a Goulart era algo difícil,

já que o pedido de Estado de Sitio possuía uma conotação ambígua, ou seja, qualquer grupo

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político poderia interpretar a medida como instrumento de repressão. Com a implantação da

medida as esquerdas e direitas extremadas, poderiam ser alvo da violência repressiva, e os

centristas vitimas de um golpe, como bem destaca A Tarde, em seu editorial de 09-10-1963.

O temor de um golpe crescia na medida em que Goulart se aproximava da esquerda

radical, no mês de dezembro de 1963, a suspeita aumenta por causa da cogitação de substituir

Leonel Brizola por Carvalho Pinto no cargo de Ministro da Fazenda. A Tarde condena a ação

em editorial de 12-12-1963, intitulado, O menos indicado, no qual explicitamente se

posiciona contrario a indicação de Brizola: “Nestes tempos explosivos, que fará o governo?

Será possível que tente tirar do posto um homem equilibrado, conhecedor profundo de

finanças, que traz consigo tradição de bom senso administrativo – para substitui-lo por um

famoso agitador...”

Em 20-12-1963, o jornal também crítica o troca-troca de ministros e faz referência a

substituição de Carvalho Pinto: “Um elemento ainda mais alarmante se juntava aos rumores já

de si incríveis: o sr. Carvalho Pinto seria substituído pelo principal agitador das esquerdas: o

sr. Leonel Brizola”

A aproximação de Goulart com a esquerda extremista com certeza gerava temor por

parte de A Tarde que novamente sugere e opina sobre a constante troca de ministros, como

defensor da legalidade democrática seria contraditório apoiar um radical de esquerda que

através do seu discurso parecia querer romper com a ordem democrática.

Outro ponto importante que A Tarde defende no período é a realização de

investimentos na Bahia e maior autonomia do Estado no que se refere a política e as finanças.

Em editorial de 13-12-1963, o jornal baiano defende o projeto de lei que cobra o imposto

sobre vendas e consignações de acordo com os consumidores e não produtores dos estados,

segundo A Tarde, são benefícios a Bahia, pois a cobrança anterior era injusta, além disso

cobra a aprovação do presidente para a implantação da medida. Em outros editoriais critica a

dependência econômica dos estados em relação ao governo da União:

“Hoje, a quase unanimidade dos estados brasileiros não conseguem manter uma posição independente, muito menos oposta ao poder central. Faze-lo é votar-se ao insucesso, à miséria sobre todas as formas. Assim, com os cordéis da política de ajuda econômica e financeira o governo central dirige os governos estaduais ” 21-01-1964

Quando se trata de trazer vantagens ao nordeste e especialmente a Bahia o jornal passa

a defender com mais veemência o político João Goulart, como no exemplo da visita do

Page 20: Jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

presidente ao Estado para verificar a destruição causada pelas enchentes no interior. Isso pode

ser verificado no trecho abaixo: “E reforça com sua presença a esperança de que o crédito que

abriu e as providencias que determinou não tiveram o caráter de demonstrações pró-forma,

mas foram medidas realmente para valer.” 27-01-1964

Devido constar em seus editoriais sempre a defesa da autonomia e de maiores

investimentos a Bahia, percebe-se que é em torno da política dos governadores que A Tarde

faz sua defesa aguda, tradicionalmente a favor do autonomismo baiano defende a posição do

governador Lomanto Júnior ao promover uma reunião no Palácio Rio Branco, no qual o

governador:

“[...] buscava encontrar soluções para duas ordens de problemas, primeiro esvaziar o impacto da proposta de reformas de base do presidente Goulart, transferindo para a esfera estadual as decisões relativas a sua implementação ou não; assim como restabelecer as bases da estabilidade política e da governabilidade através do fortalecimento dos estados e municípios, o que retiraria a presidência da República do centro da controvérsia acerca daquelas reformas. Mas, tratava-se também de restaurar uma proposição histórica do autonomismo baiano, fortalecendo no seio da UDN as posições do grupo politicamente mais moderado vinculado ao falecido governador Otávio Mangabeira.” (FERREIRA, M. p. 3)

Em editorial de 27-02-1964 o jornal baiano apóia a reunião dos governadores que

buscam maiores investimentos para os estados:

“A importância desse encontro, já salientada e, por si só avaliada pela expressão dos seus participantes [...] O tema-central que nos proporcionará a presença de tão ilustres visitantes, a melhor distribuição das rendas federais, para desafogo e maior autonomia estadual [...]”

Para angariar apoio do governo da União, A Tarde, sempre coloca o discurso da

desigualdade regional para receber recursos, seja fazendo referência as secas ou a falta de

desenvolvimento tecnológico.

No inicio de 1964, a situação política-econômica-social brasileira já esta bastante

agravada. As classes sociais bastante definidas, a direita rejeitando as Reformas de Base,

principalmente a reforma agrária e angariando apoio da classe média e da burguesia

reformista, além de possuírem aliados dentro das Forças Armadas e dos EUA que tramavam o

Golpe Militar. Enquanto que as esquerdas estavam muito divididas e fragmentadas. Essa

realidade fez com que João Goulart se aproximasse cada vez mais das forças populares e da

esquerda extremada, porém tendo relativo apoio desse segmento da sociedade o presidente

Page 21: Jornalismo de posição a tarde e o golpe de 1964

ainda encontrava dificuldades para implantação das reformas. Em editorial de 07-02-1964, A

Tarde, crítica a demora de Jango na realização da reforma agrária e em 20-02-1964 teme o

clima de agitação no campo causado pela invasão de terras e a possível represália por parte

dos fazendeiros. Em ambos os editoriais o jornal baiano teme a desordem causada em torno

da terra e o crescente aumento do poder da população rural, em se armar e poder causar uma

revolução. A Tarde, defende a reforma agrária, porém dentro da ordem, por isso teme a

pressão dos movimentos populares e cobra medidas urgentes do governo federal para resolver

o impasse da questão agrária. Como segue no trecho abaixo:

“Já é tempo dos responsáveis pelos destinos do país – governo, parlamento e dirigentes políticos – oferecerem à Nação a justa solução do problema da terra. Ou as medidas nesse sentido partem das próprias autoridades, por meios pacíficos e legais, ou se correrá o risco de ver a questão entregue à sanha de líderes improvisados, sujeitos de idéias extremadas ou não.” 07-02-1964

A aproximação do presidente com os movimentos de massa, como a organização dos

trabalhadores incomoda A Tarde, em editorial de 15-02-1964, o jornal crítica o presidente

pelo seu jogo político e identifica que agora o chefe da Nação se vê pressionado pelas massas

a aumentar o salário mínimo. Como segue abaixo:

“Cabe aqui dizer que, quem planta ventos colhe tempestade. Está, pois, o chefe da Nação no centro do redemoinho que ele próprio semeou. Se colhe frutos amargos, não tem de quem se queixar. Responsabilizado, há muito tempo, como fomentador de paredes, dir-se-ia que agora o feitiço virou contra o feiticeiro.”

Apesar de não ver com bons olhos a pressão das massas, em editorial de 25-02-1964

valoriza a medida implantada pelo presidente de aumento de 100% do mínimo: “Medida

justa, imposta pelas próprias condições de vida, a da majoração, em cem por cento, dos novos

níveis salariais.”

Mas é somente mais tarde que o jornal baiano avalia bem as conseqüências do

aumento salarial, devido a especulação e a constante elevação dos preços dos bens de primeira

necessidade. Nesse momento crítica o governo pela falta de fiscalização em relação aos

especuladores. Como segue no trecho: “E mais uma vez, se confirma que a simples

decretação, de penada, do novo salário, sem cuidar o governo de medidas complementares

que protejam os consumidores contra a ganância desenfreada, é contra producente.” 11-03-

1964

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Percebe-se então que em torno de determinadas questões A Tarde, defende João

Goulart e também o critica. Em editorial de 16-03-1964, valoriza o discurso na praça da

Central do Brasil em que Goulart afirma a definitiva implantação das reformas de base,

entretanto faz a ressalva de que se deve preservar as instituições democráticas. Como consta

no trecho abaixo:

“Líder de massas, deve saber o presidente Goulart que a nação não suporta mais ditaduras, que não abre mão de suas conquistas democráticas. Provas disto nos últimos anos não faltam. Deve o presidente se atentar nelas e apontar-lhes seus conselheiros, que não parecem querer ouvir nem ver o verdadeiro espírito do povo brasileiro, que quer reformas dentro da ordem do respeito a democracia, e da liberdade.”

Como se pode analisar A Tarde é a favor da política reformista de Jango, porém dentro

da ordem, o jornal não deseja o surgimento de outro regime.

Depois do discurso na Central do Brasil, o estopim para o Golpe Militar foi a revolta

dos marinheiros o que afetou a hierarquia dentro das Forças Armadas. A Tarde, já vinha

analisando a situação política e premeditava um possível golpe, em editorial de 17-01-1964

fala das constantes greves de trabalhadores ocorrendo no país o que ocasionava o aumento da

crise econômica, além disso, crítica o presidente de está vinculado a esses movimentos e faz

questionamentos ao mesmo. Como segue abaixo:

Será por exemplo que ainda não enxergou ele que nesse passo só consegue favorecer a candidatura de radicais? Que o povo está cansado dessa inquietação que devora o País? Que por outro lado essa onda de greves só faz criar condições para uma medida política violenta dando razões para os que defendem uma solução golpista para a crise nacional?

Em editorial de 31-03-1964, A Tarde faz uma análise correta quanto ao movimento

dos marinheiros, destacando que apesar de o presidente reprimir a rebeldia destes, houve um

dano irreparável que foi a quebra da hierarquia militar, fato que para o jornal vai desencadear

uma crise maior e marcar a vida democrática do país. Na afirmativa verifica-se isso: “Está

semana poderá, assim, marcar para o Brasil uma época decisiva, talvez, para a normalidade

democrática...”

O fato como bem avalia A Tarde, não se encerra em si mesmo e foi o último dos

motivos para desencadear a conspiração golpista. Jango fugiu para o Uruguai e não quis

resistir, houve poucas tentativas de resistência no Brasil, o que comprova a desunião da

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esquerda e a fragilidade das organizações de massa que teve logo em seguida seus líderes

perseguidos e presos.

5. A Tarde e o Golpe de 1964

Como ficou a imprensa e a sociedade brasileira, logo após o golpe militar de 1964? O

poder assumido pelo Supremo Comando Revolucionário, formado por militares moderados e

da “linha dura” não sofreu inicialmente qualquer forma de resistência civil, assim como da

imprensa escrita. O jornal Última Hora, defensor até o fim do presidente João Goulart foi

fechado após a posse de Humberto Castelo Branco. Entretanto a grande imprensa que já vinha

de certa forma aumentando as críticas em relação ao presidente deposto, passou a valorizar e

defender o regime arbitrário. Em editorial de 04-04-1964 intitulado O Fim do pesadelo e de

07-04-1964 Dinheiro bem gasto, A Tarde explicitamente abraça o golpe dos militares.

Defendendo-o com variados argumentos, no primeiro cita a deposição de Goulart e o crítica

por esta envolvido com comunistas que tramavam uma revolução bolchevique, principal

argumento do jornal para defender o golpe, além disso enobrece os militares por entregar o

poder a um civil. Como segue abaixo:

“E mais digno ainda de louvor é a desambição de que deram testemunho mais uma vez, quando, ao atingirem, triunfantes, o objetivo, timbraram em respeitar a Constituição, entregando o poder a um civil, o presidente da Câmara Federal, o novo mandatário supremo da nação. A historia recolherá devidamente esse seu gesto.”

No segundo defende os gastos exorbitantes do movimento para depor o presidente,

necessário segundo o jornal baiano para trazer a liberdade, sem sangue e sem ditadura.Como

aponta o trecho abaixo:

“Que teria custado mais aos cofres da nação? O movimento militar que derrubou o governo do sr. João Goulart, sem sangue, sem golpe nas instituições políticas, sem implantação de ditadura, sem perda dos direitos constitucionais, ou os movimentos grevistas insuflados e financiados pelo governo que fugiu?”

Em ambos percebe-se a aderência total a favor dos militares, inclusive o entendimento

de A Tarde é que as Forças Armadas estão promovendo uma Revolução no país, diferente do

antigo presidente deposto que foi eleito democraticamente e ameaçava dar um golpe,

implantando uma ditadura. Pensamento um tanto contraditório apesar dos argumentos

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defendidos pelo jornal baiano de que existia uma ameaça real do comunismo, representada

por grupos extremistas que o presidente dialogava.

Para A Tarde o golpe militar, trouxe a organização, o poder centralizado, a defesa da

ordem, diferente do período de Goulart, no qual o governo estava totalmente em desordem.

Em editorial de 09-04-1964 enfatiza que o novo governo é seguro e estável e que o

empréstimo concedido pelas classes produtoras vai ter uma aplicabilidade responsável. “Seria

um empréstimo interno avalisado por um governo estável e responsável, portanto garantido.”

Esse entendimento de que A Tarde é um jornal tipicamente de ordem vêem do

estudioso Antonio Sérgio Guimarães, este estudo compactua com esse posicionamento e

percebe que o jornal baiano defende até o Ato Institucional, quando este visa o combate a

lideres extremados da esquerda e possíveis comunistas: “Que o rigor contra o comunismo e

seus agentes é a principal preocupação do governo que se irá constituir, dentro em breve, não

há duvida. E não é outra coisa que exigem a ordem e a opinião pública” 10-04-1964

A opinião de A Tarde nesse momento se travesti como opinião pública, a “operação

limpeza” defendida pelo jornal baiano e surgida a partir do AI3 tem grande destaque nos

editoriais, inclusive com alertas a população para manterem uma vigília da paz, visando

afastar os cidadãos dos perigos subversivos. Como segue abaixo:

“A chamada ‘operação limpeza’ não pode cessar e os democratas, vale dizer o povo brasileiro não podem dormir tranqüilos, enquanto o ultimo reduto, o mais longínquo esconderijo, a mais fraca das células, não for vasculhada convenientemente...” 18-04-1964

Em outro editorial de 23-04-1964 relata que a agitação do período de governo de

Goulart acabou graças a implantação do governo militar. Entretanto em 07-05-1964 adverte

ao governo que tenha cautela ao cassar os mandatos, pois isso pode prejudicar a imagem do

Brasil no plano internacional como um país ditatorial. Defendida abertamente por A Tarde a

operação limpeza conseguiu cassar direitos políticos de 378 pessoas até junho de 1964. O

forte anti-comunismo do jornal baiano encontra um instrumento de perseguição através do AI.

As medidas anti-inflacionarias adotadas no período contrariaram grande parte da

sociedade, mas tiveram resultados efetivos a longo prazo, com a diminuição do índice

inflacionário, durante a aplicação destas o custo de vida aumentou e é um ponto que A Tarde

critica. Em editorial de 11-05-1964 relata o corte de subsídios de produtos derivados do

3 Assegura ao executivo amplos poderes para suprimir direitos políticos por até dez anos.

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petróleo, o que termina aumentando o preço da gasolina e conseqüentemente o custo de vida,

em outro momento, em 14-05-1964 cobra medidas mais eficientes de combate a inflação por

parte do governo e adverte que a situação inflacionaria é terreno fértil para a ação de

comunistas.

Um aspecto importante que deve ser destacado é a posição de A Tarde em relação a

extensão do mandato presidencial de Castelo Branco, foi possível perceber isto a partir da

leitura e análise de quatro editoriais específicos sobre o assunto. Em 18-05-1964 ocorre uma

desconfiança de que é possível a extensão do mandato presidencial: “Ninguém, honestamente,

poderá, com tanta antecedência, afirmar como já insinua – a impossibilidade de eleições

normais em 1965”

Entretanto em 29-05-1964 existe uma confiança plena no presidente e afirma que com

certeza o mandato será cumprido até a data prevista:

“Homem de palavra, o marechal Castelo Branco, ao assumir o governo, deixou claro que no dia exato do termino do mandato que iria concluir entregaria o cargo, sem atraso de um minuto, ao seu substituto. E ninguém tenha duvidas. O que disse cumprirá, porque para ele a lei é um dogma.”

Em visita a Bahia o presidente Castelo Branco afirma para A Tarde a não extensão do

AI, em contrapartida em editorial de 21-08-1964, o jornal baiano não confia plenamente na

afirmativa, já que o mandato presidencial foi estendido. Como segue: “O importante,

entretanto, não são apenas as palavras. Mais do que elas, os atos. E se o presidente quiser

mantida as suas afirmações, deve precaver-se, para que não suceda o que ocorreu com a

prorrogação do seu mandato.”

No último editorial é possível perceber uma desilusão em torno das expectativas de A

Tarde em relação às declarações presidenciais, o momento ainda é de tensão e, portanto ainda

possível de ser adotado medidas autoritárias.

6. Considerações Finais

O que foi importante considerarmos neste artigo foi justamente o posicionamento de A

Tarde referente a algumas questões relevantes dentro dos últimos instantes da crise política

brasileira que desencadeou o golpe militar de 1964. Vimos que o jornal baiano apesar de tecer

diversas críticas a João Goulart, sempre manteve o tom moderado, nunca se exaltando,

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desejando ou insinuando que o presidente fosse deposto. Foi defensor até o final da legalidade

democrática e por isso podemos dizer que assumiu no referido período uma posição de centro,

já que no pré-1964 os posicionamentos eram extremados de crítica ou valorização ferrenha ao

executivo federal. Outro fator importante que reafirma esse ponto de vista é sempre a

moderação, jornais como o Estado de São Paulo possuía posições totalmente contrarias a João

Goulart, enquanto que A Tarde em determinados momentos cobra, sugere e até defende o

mandatário da República.

O que provoca maior temor de A Tarde, como também dos centristas e da classe média

é a situação instável da política brasileira, é a falta de posicionamento do presidente que não

possui uma base de apoio consolidada, apesar de dialogar com todos os segmentos políticos e

efetivamente não conseguir apoio para realização de suas reformas de base. O momento de

crise que passou a sociedade brasileira atrelada a questões internacionais, como o medo

comunista, afetou com certeza a imprensa e a população. A Tarde como vimos é totalmente

anti-comunista, em diversos editoriais critica os países socialistas e movimentos de massa,

muitos deles com integrantes e lideres comunistas. A defesa de A Tarde parte, portanto para a

manutenção da ordem capitalista, não se deve alterar o regime vigente, apesar de o mesmo

órgão de imprensa ser a favor das reformas e que estas aconteçam dentro da legalidade

democrática.

Devido a esses fatores e as posições extremadas do período é possível verificar a

posição de centro de A Tarde que também se perde na medida em que o presidente João

Goulart se aproxima da esquerda extremada ou “negativa”.

Com o golpe militar a maior parte da imprensa brasileira assim como A Tarde passa a

apoiar o regime, o jornal baiano entende que a intervenção militar surge para sanar os

problemas políticos-sociais-econômicos que estavam afetando o Brasil naquele momento.

Entretanto acreditava-se ser uma intervenção temporária, em editoriais percebe-se essa

ansiedade quando o jornal baiano deseja saber se vai ocorrer a extensão do mandato

presidencial e do AI, até então medidas autoritárias temporárias justificadas para acabar com

os expurgos da sociedade brasileira.

Adotando um regime político centralizado e autoritário A Tarde se satisfaz com a

“operação limpeza” que visava expurgar representantes da direita e esquerda extremada, isso

na prática eliminava os movimentos de massa organizados e também componentes

comunistas.

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Apesar da Lei de Imprensa ser somente imposta em 1967, os jornais que se

posicionaram contrariamente ao regime militar logo após o golpe foram fechados, como o

jornal Última Hora. Em momentos de crise política no Brasil é que se podem perceber

claramente as posições dos órgãos de imprensa, já que se faz necessário a intervenção no

processo político, através da opinião e do convencimento da população, garantindo assim a

preservação de interesses bem demarcados. Quando a situação é de estabilidade política é

difícil perceber isso, pois a todo o momento, o discurso da imprensa é o da imparcialidade, do

jornalismo de “posição”, em que a opinião é encoberta pela informação.

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Referências

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Fontes primárias

Editoriais de A Tarde (setembro de 1963 a setembro de 1964), disponíveis na Biblioteca

Publica do Estado da Bahia, Salvador-BA