jornal vaia edição 12

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Page 1: Jornal Vaia edição 12
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ou músico profissional há 26 anos e carioca há 16 quando vim parar nesta terra onde de-veria ter nascido. E há 4 anos fundei e dirijo umaorganização não governamental, a “Toca o Bonde-Usina de Gente”, que ensina música a crianças ejovens moradores em algumas comunidades da região de S. Teresa, como os morros da Falete, Fogueteiro, Beco-Ocidental e Prazeres. Nossos alunos aprendem música com gente que toca de fato, profissionais que lhes mostram a realidade, as belezas e agruras do mundo profissional que os aguarda. E nós aprendemos sobre a beleza e sofrimento de quem mora sempre exposto aos perigos da violência desmedida e do abandono, mas imerso numa solidariedade pouco praticada fora de lá.

02 IV

V VIV

V V

Recentemente tivemos um novo aprendiza-do que, provavelmente, em muito enriqueceriao novo filme de Mel Gibson: a descoberta de umquinto evangelho, ou 11º Mandamento, não sei!Descobrimos que o Samba vem das atividadesdo capeta, direto dos infernos profundos até o couro do surdo. Explico: nossa Bateria Mirim,que reúne crianças das comunidades na perpe-tuação de um dos aspectos mais maravilhosos ericos de nossa Cultura, foi-se esvaziando. Mesmoconduzidos por um excelente sambista, MestrePery, da Vila Izabel, e mesmo depois de demons-trarem o fascínio que a atividade desempenhava neles.

Por quê? Porque é pecado, está lá nos escri-tos dessas novas igrejas, onde algum versículodiz: “é pecado sambar, a alegria é proibida, a sen-sualidade do Samba é pecaminosa, a escola desamba é escola do capeta”. Muitas crianças aban-donaram a Bateria Mirim, influenciadas por tais conceitos destas igrejas. Olha, isso já passou hámuito do insuportável! Os novos evangélicos, nãofelizes em explorar o bolso raso e a ingenuidade de seus fiéis, agora se dirigem ao desmonte de sua cultura. Que, principalmente na minha terra,o Rio de Janeiro, tem no Samba sua principal coluna de sustentação. Na cultura negra, a ale-gria, a sensualidade e a efusão do samba e do carnaval não são meras explosões de euforia: são assunto sério! Samba sem alegria (mesmo os mais sofridos) não vale a pena! A cultura ne-gra não dá prioridade à culpa nem ao pecado. Tem valores morais bastante rígidos e sérios. En-tre eles, esse, ou seja, a vida tem que ser alegre!E o Samba pratica e estimula tudo isso, continua-mente.

Chega desse sufocamento da música negra,da cultura carioca no que ela tem de mais rico,chega dessa Inquisição moderna que dita normase pecados a quem só tenta viver sua própria his-tória com alegria! Vocês, “bispos” e pastores des-sas igrejas, se não puderem ser felizes e alegres,

Jesus, certamente, era muito alegre, e teria imenso prazer em tocar repique numa Escola deSamba do Rio, com um sorriso de orelha a ore-

O Samba é divino!S

lha.

Edito : M co Marques S pílio r lis G li Pi es ar Redat : er At abí Projeto Gráfico: r or rJornalis a: Sandra Alen Fo o rqui Rosáli Milsztaj car RP- 7614 Capa: t t A vo a n

Co abo a nes a edição: Á varo Santi Em nuel ed ir s Vieir , áb omes, elipel r m t l , a M e o a F io G FA eved , ernand am s Giovan i M s uita, uido i hari h , It Arno d, J c ues Ca ut,z o F o R o , n e q G B l n o a l a q nJoã Ca los Tave a J sé uiz D de Tol do, L ure e Ve a , eand o Braga L t ci Herrera o r ir , o L . e a n r s L r , e i a

l a e , uiz G sta o Ins k o Rona do Ca ian , Ros ne ran uel o, S mmis R ache s,Á v r z L u v e t , l g o a Ma g l a e r V léria Pa era , We ling on Lava e a uri Fl r s Mach d .a y s l t r d , Y o e a o A A é u u ç o v u a a Te o P e o Pr d ç e r sV I ma p blica ã inc lad t r t o u õ s de A te - In cr.

J 0 7 0 0 - 3CNP 3.81 3 6-00 1 2

SS N S SÃ I T P A L EOS ARTIGOS A I ADO O DE N EIRA RES ONS BI IDAD U A ESDE SE S UTOR

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LEANDRO BRAGA pianista, arranjador e compositor, muito feliz pelo Samba e pelo Rio

Terá tido em algum momento da saga mestiça da cultura musical brasileira algo que comprove que este ritmo veio da África e aqui se estabeleceu magicamente, intocável e irretocável, passando oralmente ou pelas mãos de tamboreiros, de geração a geração intacto? Mário de Andrade considerava ser o maxixe originário da polca, habanera e do lundu. Samba, por sua vez, entre os descendentes de africanos era termo que continuava com a significação do quimbundo: reza, oração. Samba e Maxixe, portanto, não teriam relação de descendência um do outro. O Maxixe é ligado ao Samba pela família do lundu, por sua vez filho do batuque africano, pai legítimo do Samba. Kazadi Wa Mukuna, em seu livro Contribuição Bantu na Música Popular Brasileira, afirma: ”...a origem do samba e a data da sua introdução no cenário da música brasileira tem levantado momentos controversos entre os estudiosos... Apesar das controvérsias, há um ponto de convergência a respeito da inegável herança africana encaixada dentro desta forma musical”. Nei Lopes no seu Sambeabá, já nas primeiras páginas escreve: “...Buscando comprovar essa origem africana do samba – nome que aqui, tomado em sua acepção inicial, define várias danças brasileiras e a música que acompanha cada uma delas-, veremos que o termo foi corrente também no Prata como Samba ou Semba. Responsáveis, então, pela introdução no continente americano, de múltiplos instrumentos musicais, como a cuíca ou puíta, berimbau, ganzá, reco-reco...foram certamente africanos do grande grupo etnolingüístico Banto que legaram à música brasileira as bases do samba e o amplo leque de manifestações que lhe são afins”.

Câmara Cascudo no seu Made In África, também escreve: “Que significará Samba em Angola?” Samba é nome próprio, divulgadíssimo na toponímia de Angola: Samba, povoação no sobado de Calumbu, Quilende; Samba em Caculo-Cabango, Muxima; Samba em Huí-iá-Cava, Ambaca, Samba em Senze...” Entretanto, para transformar este gos-toso debate num bom Samba de terreiro, surgiu um etnomusicólogo brasileiro de nome Carlos Sandroni que ao fazer uma varredura, uma assepsia no tema, levantou algumas questões pertinentes: “...Assim, mesmo se a noção de síncope inexiste na música africana ( a síncope é uma medição ocidental – explicamos), é por síncopes que no Brasil, elementos desta última vieram a se manifestar na música escrita; ou, se preferirmos, é por síncopes que a música escrita fez ajustes ao que há de AFRICANO em nossa música de tradição oral. É nesse sentido, E SÓ NESSE, que tinham razão os que afirmavam que a origem da síncope brasileira estava na África”. Sandroni, usando termos como cometricidade e contrametricidade, aos poucos, em cada capítulo do seu livro Feitiço Decente, vai explicando os lugares comuns da lógica musical africana na música brasilera, principalmente em ritmos de tradição oral como Côco, Maracatu e manifestações afro-religiosas (vide transcrições em partituras no livro de Reginaldo Gil Braga, Batuque Jejê-Ijexá em Porto Alegre como exemplo também), incluindo, é claro, o Samba. Apenas para uma pequena constatação: experimente o leitor deste texto assistir a um ensaio de uma bateria de escola de Samba. Atente para os vários e variados instrumentos de percussão que a compõe. Em seguida, preste atenção, concentre-se nas linhas rítmicas ou conduções que cada um destes grupos de instrumentos desenvolve: tamborins, maracanãs, agogôs, caixas, repiniques... E por último, perceba as variações que eles vão construindo dentro de uma base rítmica geral que funciona como um pivô, onde todos estes instrumentos gravitam, com uma margem de improvisação e levadas. A partir daqui, reflita na rítmica oral do Ismael citada no início deste texto e experimente escutar uma gravação de músicos africanos tocando seus tambores, djembés, etc. A música, meu amigo, falará por si só.

B UM BUM PATICUMBUMPRUGURUN- DUM... Ismael cantou e Sergio Cabral entendeu - isto é samba, não é maxixe.

FELIPE AZEVEDO compositor e violonista

www.felipeazevedo.com.br

“Na música, o Brasil não destrói o passado. Ao contrário, ele irrompe espontaneamente

e se reconstrói todos os dias.” (Leonel Kaz)

anda pioneira do reggae gaúcho, a Produto Nacional comemorou seus 15 anos de carreira em show histó-rico no bar Opinião, dia 26 de maio. Ca-rismática, levando alto astral e idéiascoerentes para um público que lhe é fide-líssimo, apresentou música brasileirarica em variedade de ritmos e melodias,além do reagge que é seu estilo caracte-rístico. Seguindo as comemorações, a rapaziada da Produto vai realizar novoshow em Porto Alegre, dia 16 de junho,

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Vibrações positivas

no Dado Tambor.

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deixem que nossas crianças sejam!

Cadê o samba que tava aqui?Cadê o samba que tava aqui?

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03IV

V VIV

V V

Os encontros Bebendo do Samba acontecerão sempre na última quinta-feira do mês, a partir de maio, na Sala Luís Cosme (Casa de Cultura Mário Quintana – 4º andar). O samba rola a partir das 19h, com entrada franca.* UMA CANÇÃO PARA PORTO ALEGRE - O concurso aberto pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre por ocasião dos 232 anos da cidade (comemorados em 26 de março) para escolher uma música inédita que simbolize a capital está causando alguma polêmica. O músico Breno Eduardo Outeiral, conforme noticiou o jornal Zero Hora em 22 de março, acionou a Prefeitura na Justiça por dois motivos: 1º, já existiria uma música simbolizando a cidade, "Porto Alegre Valerosa (Uma Canção de Porto Alegre)", de Breno Outeiral, pai do reclamante; 2º, o nome do concurso atual lembra muito o subtítulo da música de Outeiral - aliás, vencedora de outro concurso com o mesmo objetivo em 1963 e transformada em hino da cidade em 1984. Ainda de acordo com o jornal, o coordenador de Música da SMC, Gilmar Eitelvein, afirma que a reclamação "não se sustenta", pois o concurso atual não tem ligações com a música de 1963 - que o coordenador afirma desconhecer. O que não é para estranhar, pois eu mesmo jamais ouvi a execução do hino da cidade, mesmo em solenidades oficiais promovidas pelo Município. Aliás, creio que a única capital brasileira que tem hino conhecido é o Rio de Janeiro - e isto porque se trata de "Cidade Maravilhosa" (André Filho), marcha de Carnaval que foi adotada, e não um tema composto para hino.

* PORTO DOS CASAIS - A escolha de "Cidade Maravilhosa" como hino do Rio foi mais ou menos natural, dada a consagração da marcha entre a população. Mas haveria centenas de músicas a escolher, se fosse o caso. Com Porto Alegre, não ocorre o mesmo. É certo, temos alguns clássicos, como "Alto da Bronze" (Paulo Coelho - Plauto Azambuja), lançado por Horacina Corrêa na década de 1930 (atenção: o Paulo Coelho em questão era um maestro e pianista gaúcho. Não confundir!). Mais tarde, em 1957, Sílvio Caldas gravou aquela que eu considero o verdadeiro hino da cidade: "Porto dos Casais" (Jaime Lewgoy Lubianca).

* DEU PRA TI - A partir dos anos 70, a valorização dos talentos locais, primeiro na Rádio Continental AM, depois na Ipanema FM, fez com que surgissem novas canções homenageando (ou ao menos falando em) Porto Alegre, como "Porto City" (Cigano, 1983), "Horizontes" (Flávio Bicca Rocha) - tema da peça teatral de sucesso Bailei na Curva (1984), "Pegadas" (Bebeto Alves, 1987), "Porto Alegre é Demais" (José Fogaça, 1993) e a de maior sucesso nacional, "Deu pra Ti" (Kleiton - Kledir, 1981), reproduzindo uma gíria local que significa algo como "passou tua vez", "dá lugar pra outro"... enfim, "deu pra ti".* MENINO DEUS - Não é muito comum Porto Alegre ser cantada por compositores de fora. Contam-se nos dedos referências como a que a cidade mereceu em "Tô Naquela que Jogaram na Geni" (Meirinho), gravada pela dupla sertaneja Roberto e Meirinho em 1985, ou em "Brasileiro" (Martinho da Vila - Mané do Cavaco, 1994). Nos dois casos, as letras citavam praticamente todas as capitais brasileiras - logo, não valiam como homenagem. Inclusive em "Brasileiro", Martinho fala na "alegre Poá" - uma confusão comum entre a sigla POA, com que nós porto-alegrenses abreviamos o nome da cidade, com o nome de um município da região metropolitana de São Paulo - isso mesmo, Poá.

Valendo mesmo, existe a música "Menino Deus", que Caetano Veloso fez para um bairro porto-alegrense no final dos anos 70 e que foi lançado pelo grupo A Cor do Som. O baiano diz que nunca havia visto uma placa de trânsito tão poética como uma que indicava a direção dos bairros Menino Deus e Tristeza. * OUTROS BAIRROS - O bairro que Caetano cantou serviu de inspiração para José Fogaça compor uma música de Natal no ano passado: "Cidade do Menino Deus" - afinal, Porto Alegre é a única cidade que tem um bairro com esse nome. Outros bairros receberam homenagens específicas, como "Teresópolis" e "Areal da Baronesa", ambas composições de Giba Giba.

A partir de 1933, as gravadoras identificaram neste ciclo de festas populares o que hoje seria chamado de "nicho de mercado". O grande sucesso desse ano foi "Chegou a Hora da Fogueira" (Lamartine Babo), que Carmen Miranda e Mário Reis gravaram na Victor com grande arranjo de Pixinguinha. Carmen e Mário repetiram a fórmula no ano seguinte, com "Isto é Lá com Santo Antônio!" (Lamartine Babo). Já o sucesso junino de 1935 coube a Carmen: "Sonho de Papel" (Alberto Ribeiro, 1935) ("O balão vai subindo/ Vem caindo a garoa..."). A irmã de Carmen, Aurora, estreou gravando com Francisco Alves em "Cai, Cai Balão!" (Assis Valente, 1933). O Rei da Voz chegou a lançar DOIS discos juninos em 1935. Já no ano seguinte, Chico Alves só registrou uma música junina, "Pula a Fogueira" (Getúlio Marinho - João Bastos Filho). A fogueira do gênero estava apagando. Aliás, é sintomático que o disco de Orlando Silva com "História Joanina" (sic) (Leonel Azevedo - J. Cascata) tenha saído somente em julho de 1936. Já não era uma música para cantar pisando nas brasas, e sim tendo a festa de São João como cenário. E é dessa forma que, as festas juninas ainda continuaram a aparecer no repertório urbano - por exemplo, o amor de Noel Rosa e Ceci nasceu, como bem diz o samba "Último Desejo", de 1937, numa festa de São João; já Lupicínio Rodrigues culpa o santo por não conseguir seu amor fazendo uma simpatia em "Pra São João Decidir", de 1952 (parceria com Francisco Alves).

* AS MÚSICAS cantadas nas festas juninas de Norte a Sul do Brasil são, quase todas, marchas compostas na década de 1930 - com a notável exceção do repertório composto e/ou gravado por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, dos anos 40 e 50 e predominante no Nordeste (ver filme Viva São João, de Andrucha Waddington).

mistura mistura

* Editor de “Brasileirinho - a sua página de música brasileira” (www.brasileirinho.mus.br - [email protected])

Fábio Gomes

Eu estava confrontado com uma história real, misturada à escrita de Puig (ou seria o inverso?). Algumas perguntas se fizeram pertinentes. Sil enviou o livro para o Paulinho? Quem era afinal o dono do livro antes de mim? O Paulinho correspondeu ao amor de Sil? Paulinho chegoua ler aquela singela mensagem? Paulinho e Sil existiriam fora do livro do Puig? Esta última pergunta, eu concordoser por demais extravagante, mas pelo fato de existir uma resposta, ela é digna de ser formulada, o que a inclui automaticamente na lista das perguntas verossímeis. Masas indagações que eu penso serem as fundamentais são: Afinal, o Paulinho voltou? E, principalmente, voltou logo? Aquilo não me abandonava, ainda mais por estar com ailusão de que ali poderia haver uma história. Na manhã do dia seguinte realizei uma nova visita ao sebo.

A única pista aproveitável que o livreiro me forne-ceu, graças à antiga convivência entre eu, ele e os ácaros daquelas prateleiras do sebo, foi o número do telefone de uma mulher, além da informação de que ela teria uns 45anos, cara de poucos amigos e seu nome seria Silvina. Seguidamente ela era vista a vender livros usados nossebos da Rua Riachuelo. Existia a possibilidade concreta

O evento foi desencadeado pela busca que empreendi em descobrir o destino da autora de alguns casuais rabiscos encontrados em uma primeira edição de 1982 de “Boquitas Pintadas”, obra do romancista argentino Manuel Puig que garimpei em um sebo na Rua Riachuelo. O final da página 17 do referido livro estava violado. Para que o leitor obtenha a mesma sensação de estranheza que experimentei, transcreverei os rabiscos da autora desconhecida como os encontrei, mesclados à literatura vigorosa de Manuel Puig.

Primeiro o argentino: "Rogo-lhe que faça o possível para encontrá-las e ficaria muito agradecida se as mandasse para mim. Beijos e todo carinho da tua Nenê". Agora as frases invasoras, escritas a lápis, numa caligrafia arredondada e evidentemente feminina (transcrevo literalmente): "Paulinho, gosto muito de ti! Estou com saudades, Sil". A prosa de Puig prossegue num amálgama incongruente: "Nem bem sobrescrita o envelope, põe-se de pé bruscamente, deixa o tinteiro aberto e a caneta sobre o mata-borrão, que absorve uma mancha redonda.. Aqui termina a página 17, e a autora coadjuvante "Sil" ainda escreveu uma desesperada frase no rodapé da derradeira

Somente em histórias de detetive a primeira pista é falsa, logo, sendo o meu relato verídico, por dedução, a pista do livreiro era verdadeira. Combineium encontro com Silvina naquele mesmo dia em umaloja de discos usados, nos arredores da Avenida Bor-ges. Não houve necessidade de eu entrevistar Sil so-bre o retorno de Paulinho. Após mirar a página 17 dolivro, que obviamente eu levei ao nosso encontro, Sil emitiu um daqueles sorrisos envelhecidos que afloram em nossos lábios quando os fatos muito empoeiradosjá não têm importância, quando nossas canções de amor insistem em tocar nos momentos mais impró-prios, enfim, quando nossas melhores recordações já não passam de gastas ficções. Insisti com Sil que ela ficasse com o livro, e desta vez, com um sorriso

- Envie de volta para o Paulinho. Ele vive em

Retornei para casa e, com o auxílio de um lápis-borracha, restituí ao romance de Manuel Puig a suacondição anterior. A obra de ficção.

- Sil?

agastado, minha heroína respondeu:

Yuri Flores Machado

&

* PAGODESPEL - Caetano Veloso pretendia queo programa Chico e Caetano (TV Globo, 1986) pudes-se trazer de volta o papel da televisão como lançadorade músicas inéditas, a exemplo do que ocorria nos anos 1960. A possibilidade real de reproduzir as con-dições de vinte anos antes era bastante improvável,mas ao menos ele teve a ousadia de tentar. O fruto daousadia chamou-se “Pagodespel” (algo como pagode+gospel), a única parceria conhecida entre Caetano, Chico Buarque e...Oswald de Andrade (1890-1954).Caetano já “compusera” com Oswald, musicando o poema que abre o livro Pau-Brasil (1925): “Escapulá-rio”. Lançado em 1975 no LP Jóia, foi a trilha do filmeNa Ponta da Faca (Miguel Faria Jr., 1977). Já em 1986, “Escapulário” foi transformado no início de“Pagodespel”, com Chico e Bosco compondo mais versos. O novo samba foi arrematado com outro poema de Oswald, “Relicário”, também do livro “Pau-Brasil”, e se constituiu num dos pontos altos do pro-grama de outubro de 1986, o antepenúltimo da série.

manda

esta noite gelada de junho em Porto Alegre, embaixo de cobertores, o mais apropriado seria eu ler um contofantástico argentino. Talvez ouvir um de meus discos favoritosou mesmo deixar dominar-me pelo sono. Porém decidi, munidode minhas débeis ferramentas narrativas, compartilhar com osfortuitos leitores deste jornal o relato de um episódio ocorridocomigo, na semana anterior à entrada da frente fria.

N Você volta logo?

Buenos Aires, escreve romances.

S

página: “Você volta logo?”.

AMBA GAÚCHO - Ânderson Balbueno, per- cussionista da Camerata Brasileira, coordena o novo ponto de encontro dos sambistas de Porto Alegre: o projeto Bebendo do Samba. A inspiração veio da iniciativa vitoriosa do Samba da Vela em São Paulo.

de ela ser a "Sil". Telefonei.

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B Z RV V 04

IV

V VIV

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Giovanni Mesquitamúsico e compositor

Ita Arnold músico

Aí ao lado vocês podemver alguns dos músicosque animaram a festa emcomemoração aos 3 anosdo Vaia, que rolou dia 04 de abril no Par@phernáliaBar ( João Alfredo, 425). O excelente público que prestigiou o encontro pôdecurtir uma jam com os mú-sicos João Mayer, ViníciusCorrêa, Fernanda Lopes,Jorge Cidade, Gustavo Finkler, Henry Lentino, Edu Saffi, entre outros. Em breve, a confrariado VAIA estará realizando encontros mensais para curtirmos boa música e recitais literários.

VAIAFESTA: DIVERSÃO EARTE EM POA

Entre Quatro Paredes, deJ. P. Sartre, volta a cartaz no Teatro de Arena, onde há 36 anos foi encenadapela primeira vez. A peçatem direção cênica e cria-ção de cenários de ÉlcioRossini, trilha sonora de Marcelo Delacroix , comSandra Dani na orienta-ção de atores. No elenco,Carolina Garcia, Daniela Aquino, Fabrício Fabris eMarcelo Aquino. Ilumina-ção de Antônio Tubino de Albuquerque, figurino de Álvaro Vilaverde; Marcelo Militão e LuísMilitão na assistência de produção e Fabiana Maia na administração do projeto. O espetáculo fará temporada do dia18 de junho a 25 de julho e de 20 de agosto a 05 de setembro de 2004, de sextas a domingos às 20 horas. Clássico da literatura sartreana, a peça, uma das obrasliterárias que melhor reflete as idéias existencialistas do pensador francês, foi apresentada pela primeira vez há exatos 60 anos na França.

Foto: Paulo Lima

aetano Silveira, compositor e letrista, e Fausto Prado, compositor, guitarris-ta e violonista, são músicos com largaexperiência em festivais de canção ecom um trabalho reconhecido e respei-tado no meio musical do estado do RS.Caetano já foi finalista de alguns dos prin-cipais festivais e alcançou o primeirolugar em pelo menos dois, Festival daCanção do Trabalhador e Moendada Canção, e teve música gravadano CD do II Fórum Social Mundial e noda Moenda da Canção. Fausto, alémda parceria musical com Caetano, in-tegra como instrumentista e compositora banda Venerável Lama, que já foi premiada com o Açorianos de MelhorEspetáculo Pop/Rock em 2000, e tevemúsicas gravadas por Marisa Roten-berg e no CD da Moenda da Canção. Agora Fausto e Caetano apresentamSuíte Xangri-Lá, com dois temas instru-mentais e dez canções interpretadaspor Alex Alano e Ana Krüger, e que teveainda participações de Nelson Coelhode Castro, Marisa Rotenberg, DanniCalixto e Gelson Oliveira na música“Tom Meridional”. O show de lança-mento do CD apresentado no dia 20de maio para uma platéia que lotou oTeatro Renascença para ouvir as com-posições desses dois expressivos no-mes da música gaúcha. Suíte Xan-gri-Lá pode ser encontrado na LivrariaBamboletras e na loja do Cinema Guion.

C

“Arrebaldeação” é fruto demais de dez anos de parceira musical de Vinícius Todeschinie Marco de Menezes. Primeirotrabalho da dupla e gravado com financiamento do Fundopró Cultura de Caxias do Sul,o CD tem direção musical earranjos de Vinícius. De apura-do tratamento instrumental erico harmonicamente, as músi-cas são muito bem interpreta-das por Janaína Formolo, Cibe-le Tedesco, Bebeto Alves, RosaAmélia e Miguel Angelo, além dopróprio Vinícius.

Outro destaque é Jor-ginho do Trumpeteque empresta seu ta-lento à Samba do Lex.Letras bem elabora-das com várias citaçõesa gêneros, figuras e épocas - e uma gamavariada de ritmos e estilos - com influênciados melhores compo-sitores da música brasileira (Guinga é uma das referências mais notórias) -, “Arrebaldeação” temno repertório choro, emboladas, ritmos regionais, bossa e samba - a faixa título,um samba sincopadode forte levada noviolão de Vinícius. Esse trabalho confirmaa riqueza e diversidadeda música brasileira. E a condição de arrebaldeé só no título porque odisco inscreve-se no centro do melhor da tra-dição musical brasileira. (arrebaldeaçã[email protected])

NO LINGUAJAR DE MEU CRÂNIO ABSOLUTOAS NAÇÕES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEADIZEM E NÃO DIZEM,QUE O AMORÉ O FRAGMENTO DA PLENITUDE HUMANA.QUE O CANTO DA VIDACATIVA, A FORMA SUBLIME, LIVRE...ALHEIO AOS DEUSES DA CANTIGACRAVADA, COM BAIONETA NO PAPEL.

NAS ESTRADASFLORES, LÍRIOS, FITANDO O VERSO DA RIMADEDUZ O CONFRONTO DA LOUCURA,ENTRE A FACE DA VIDAPOSTO LITERATURA.

BAIONETA

As tantas léguasDo Sertão roseanoCruzadas em piquetesDe cavalos, burros e éguas

Quantos canos apontando o arNos verdes vários: cavalgarO ranger das selas e o Resmungar das correiasBons burricos a trocar orelhas

Nos tantos rios a vararO Verde Pequeno, O Córrego das OnçasNo Grande a desaguar E o Rei dos Rios, amigo,que transtransversa, o Xico

Do olho que manda a morteA tantas braçasAo amor doído que num átimoNo oco da mão bebe desgraças

- Dia sim, dia nãoRoça em mim os “Esmartados” oio De Diadorin com toda A rima “ele é a minha neblina”

Esbarramos aliAcocaiados entretidosCom a saíra e o ben-te-viCom o vôo de andorinhasFormando coroa O mais lindo, me disse, Manuelzinho da Croa

Esporeio “Suruiz viu vôo”Judas a vingança, queima fria Teu corpo na mesa, guriaNa velaria vivo em tiPratico minha bizarria

“Viver é perigoso”Isso conto,... recontoSempre que revive o dia!

A bala tomou o lugar da vida

C

De Jean Paul SartreDireção de Élcio Rossini

Atuação: Carolina Garcia Daniela Aquino Fabrício Fabris Marcelo Aquino Orientação de atores: Sandra Dani

Sertão Roseano

oy que no estabas para mirarme, me introduje en tu cas-tillo de plumón. Salvéla fosa y el cocodrilo, la puerta de colores y los cañones en la ata-laya. Tuviste buen cui-dado de cerrarlo bientodo. Tal vez pensabasque no descubriría quedentro estás solo, com-pletamente solo.

LETICIA HERRERA ÁLVAREZChiribitas, Verdehalago(www.verdehalago.com) México D.F., 2004

Niño que dibujava y hoy guarda silencio

H

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05IV

V VIV

V V

surtos

POÉTICOSNo inverno de oitenta e cinco,dezessete anos atrás,escrevi cartas demais.O fel vertia da penae à noite eu lia Rousseau,à procura de um sistemapra meu coração vazio,onde não cabia o amor.

No inverno de oitenta e cinco,Mercúrio andava por Gêmeos,enquanto eu, como prêmio,aos infernos fui descido.Confesso que tive medode permanecer sozinhoou me casar muito cedo.

No inverno de oitenta e cinco,eu escrevi muitas cartas- ou algumas, já não lembro.Não sei se ela as terá lido, se as guardou por algum tempo...(Será que eu as despachavaou punha eu mesmo no lilxo?)

No inverno de oitenta e cinco,eu no quarto me escondia.Só da videira as ramadas,de toda a vida despidas,vinham até meu abrigo,feito esquálidos fantasmastentando escapar do frio.

No inverno de oitenta e cinco,escrevi algumas cartas- ou terá sido uma só?Todas prá ex-namorada,nenhuma para um amigo.Tudo o que eu tinha era dóde mim e de meu umbigo.

No inverno de oitenta e cinco,ou, para ser mais exato,no solstício desse inverno,faltei a um aniversário.E foi meu castigo eternoesperar cada solstícioanunciar que estou mais velho.

No inverno de oitenta e cinco,escrevi inúteis cartas,Travei o mais vão combate:não encontrei a palavramágica que reparasseum simples mal-entendido.Era tarde, muito tarde...

No inverno de oitenta e cinco,queria mudar o mundosem conhecer a mim mesmo.Meio oculto atrás de um muro(que eram meus longos cabelos),mesmo assim era bonito,na opinião de meu espelho.

No inverno de oitenta e cinco,escrevi também poemas,para acalmar minhas penas.Alguns saíram em livros;outros, como almas penadas,perambulam pela casapedindo que os reescreva.

No inverno de oitenta e cinco,enquanto eu não escrevia,conheci outra meninaque me deu algum carinho,no fusca azul de meu pai.(Se ela me amasse, mas ai!Nem automóvel eu tinha...)

No inverno de oitenta e cinco,se é que existiu esse ano,melhor é ter esquecidodo que nele eu escrevi.Tudo não passou de engano,o sol não parou no solstício.Só no verão fui feliz.

No inverno de oitenta e cinco,eu tinha cabelos longos.Porém mais longos e louroseram os dela, bem sei.E desde então mistureialgum sangue nos meus sonhos.E o mais lindo deles todosmorreu: o amor infinito.

Álvaro Santi músico e poeta

O inverno de 85

O passado não conhece o seu lugar:está sempre no presente,neste farelo de pão no bigode,tão matinal,neste março,a foto adolescente, o diploma na parede,passamos,ainda ontem era domingo,ainda ontem íamos mudar o mundo,havia uma estante de sonhos naquela casa grande com quintal,apenas um estalar de dedos: esse é o nosso tempo,e não conseguimos nos fazer ouvir: nunca,só resta o olvido,continuaremos a amar àqueles que não nos ouvemnão importa,caminhando para o pó,cinzas, outros marços, outros idos,no encalço da penúltima gaivota.

QUINTANARES

Emanuel Medeiros Vieira

De todas as fontes do mundo,Aquela que mata minha sedeTem água pura e cristalina,Me afoga e me deixa encharcadoDo doce mistério do mundo,Saciando o meu desejo.

De todas as formas do mundo,Aquela que eu mais procuroÉ a linda e graciosa curvaQue aponta o destino fatalDo caminho sinuosoDa mulher que me seduz.

De todos os caminhos do mundo,Aquele que é mais excitanteÉ sempre o mais perigoso,O mais longo e sinuoso,Que me deixa bem alerta,Pois a vida parece mutante.

De todos os sorrisos do mundo,Aquele que mais me revelaEstá estampado no rosto da criança.Branca, negra, parda ou amarela,Dizendo, pra mim: “Vem,Eu sou teu norte, eu sou tua vela”.

De todas as cores do mundo,Aquela que mais viço temEstá contida no imenso espaçoDo teu corpo pequenino,Mostrando o rosa do teu arco-íris,Brilhando pra mim, mais ninguém.

De todas as coisas do mundo,Aquela que me dá mais prazerÉ ver-te alegre e jovialBrincando qual uma criançaJunto a uma outra criançaQue juntos fizemos nascer.

Arco-Íris

Wellington Lavareda autor de “Limbo” - FAC Brasília-DF

Abro minha vozpara o poemaem lá bemol menor(flauta de susto).

Os acordes roucosdestilam notascruas, curvas clavesdentro da noite.

Em semitons,sem metro ou rima,flui da carne vivaa esvaída flor.

Áspera canção,essa vigília:nenhuma lágrimanão vão do espanto.

Abro minha vozpara o poemae cuspo estrelasno chão dos homens.

João Carlos Taveira“Poetas Mineiros em Brasília” Varanda, Brasília, 2002

cançãonoturna

Ilu traçõess :V lér a yer sa i Pa a

Todos os diasborboletas chocavam seus ovospara que as lagartaspudessem voarcom os ossos do corvo

Mas um diadeus, o traidor,atingiu suas lágrimasnas pétalas das formigase o mundo inteirosentiu a decadênciade suas medíocres precespara comprarseu falso nome

Luiz Gustavo Vargas

PRECE

Eu beboo Mundo que me bebeVomitoo Mundo que me vomita

Menos que Homem,sou um livreto puídode poemas chulosque a cada diao Tempo reedita

Sammis Reachers

Edição do Autor

Contendo os sentimentos,segurando a onda de sensações,escondendoque se comia por dentro.Fechou-se como uma caixa de música.Assim lacrado,ninguém poderia ouvir-lhe o brado.Ninguém saberia.Da sua angústia.Nem da alegria.O coração petrificado,batendo e retumbando.Tambores que rufavam ininterruptos.De tanto bater,de tanto marcar o ritmo descompassado,de querer romper com o fado,silenciou.Agora o único ruídona alma não mais torrente:

Um vagotamborilarde chuva renitente.

LAURENE VERAS

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06 IV

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Como é que foi o teu começo na poesia?

Eu não sabia que era poeta. Porque fazia umacarreira completamente diferente. Era psi-canalista, escrevia trabalhos científicos, tinhaalguns trabalhos publicados. E meus trabalhoscientíficos tinham um quê poético. Eu acaba-va achando que aquilo que escrevia não eramuito sério, porque ficava aquém do científicopor causa do lirismo ao escrever. Aí uma bela noite em que não conseguia dormir, me veio uma frase musical, um verso, que depois re-solvi escrever. E fiz o poema “Azul” inteiro,de uma só vez. Eram coisas que vivi na in-fância que reapareceram depois de maisde vinte anos. Era como se tivesse voltadoàquilo que tinha vivido, sentia as cores, osperfumes, as impressões. Eu ficava possuída pela poesia, os poemas vinham completos.Hoje já é diferente: ainda fico possuída pelapoesia, mas o mais comum é eu possuir a poesia, no sentido de me determinar a escre-

A palavra, a poesia, foi o instrumentoque tu descobristes para expressar atua criação artística. Foi uma busca ouaconteceu naturalmente? Porque pode-ria ter sido outra manifestação artística- m ú s i c a , d a n ç a , p i n t u r a . . .

Como falei anteriormente, aconteceu deforma natural e é muito interessante isso...Foi um resgate. Porque depois que comeceia escrever me dei conta que tinha esquecidoque sabia escrever. Fui bailarina, portanto eraartista, na minha infância vivia dançando pela rua, dançava o dia inteiro. E minha mãe não deixou eu seguir a carreira de bailarina,porque não era profissão pra mim. Tambémescrevia bem, até ganhei uma vez um con-curso de poesia na escola. E isso ficou blo-queado. Foram necessários que vinte anosse passassem. Depois desse tempo todo,voltei a escrever, e os primeiros poemas eramcoisas que lembravam minha infância e ado-lescência. Portanto, o início foi assim. Fui es-crevendo meus poemas, mostrando para osamigos, participando de concursos, até ser publicada numa antologia chamada Poesias e Contos do Brasil, em 1990. Depois dessa antologia publiquei meu primeiro livro. Muitagente leu, meus amigos psicanalistas, e ou-tros leitores, e essa resposta foi muito impor-tante porque entendi o seguinte: a repercus-são é importante, algumas coisas acho boas,e as pessoas não gostam muito, outras eu penso que não são tão boas, mas impressio-nam os leitores. E isso aumentou a minhasensibilidade, alargou a minha visão. A poesiaé uma criação aberta que o próprio poeta nãopode controlar. Depois fiz oficinas de poesiana Biblioteca Nacional, porque queria entenderaquilo que me vinha espontaneamente, come-cei a ler muita poesia... enfim acabei encontran-do minha turma. Lembro que todas as vivências mais intensas da minha infância eram coisasartísticas, de ficar horas dançando, ouvindomúsica, tocando piano, a coisa de ser sonha-dora. E isso ficou submerso durante vinte anos.Meus pais eram comerciantes e valorizavam mais as coisas práticas, ganhar dinheiro, terprofissões do tipo engenheiro, advogado, mé-dico. Eles não conseguiram significar para mime para eles que eu era artista. E não me sentiavalorizada naquilo que mais gostava de fazer. E ser artista é o meu jeito de ser. Muito embora a educação que eles me deram mediatizou de alguma forma esse meu talento.

Quais foram os poetas que mais teimpressionaram nessa época de des-

Em primeiro lugar Fernando Pessoa. Foinum dos recitais de poesia que eu fre-qüentava que conheci um ator que estava elaborando um trabalho sobre os heterôni-mos do Pessoa. Ele me pediu para falarsobre os heterônimos e tentar dar umavisão psicanalítica. Aí comecei a ler e estu-dar Fernando Pessoa. Fiquei meses estu-dando, fiz a tal da explanação e os poetasnão entenderam nada, porque era muitopsicanalítico. Aí fiz um poema sobre Fer-nando Pessoa para que os poetas pudes-sem entender. Pra mim Pessoa é a própria

E a influência do Pessoa na tua poesia ém u i t o f o r t e , é m u i t o p r e s e n t e ?

Não sei se diretamente no meu poema, massem dúvida ele faz parte do meu universo

Eu adoro Mário Quintana, sua capacidade dedizer tudo de maneira simples. Ele lembra ospoetas ingleses, que são sintéticos, como WaltWhitman, Ezra Pound e outros. Eu gostaria dechegar um dia a fazer isso, quer dizer, desen-volver essa capacidade de síntese e simplici-

E tem ainda outros poetas que tu admirasalém do Pessoa e do Quintana, quem sãoos outros grandes poetas pra ti?

Gosto muito do Jorge de Lima, Paul Éluard,Francis Ponge, Paul Célan, Emily Dickinson,Drummond, que pra mim é um poeta com-pleto. Ele tem a coisa do cotidiano, engraça-da, crítico, e ao mesmo tempo meigo eprofundo, tem a coisa da infância, de Itabira.

Fala um pouco sobre os teus dois primei-ros livros, “No azul” e “Itgadal, Memóriados Ausentes”. E sobre que significado

Cada livro tem uma história. E o “Noazul” foi meu primeiro livro, e tudo oque é primeiro é inesquecível, se bemque relativo à publicação de livro, al-guns poetas tem um pouco de constran-gimento em relação a primeira publica-ção. Reconheço que “No azul” não pos-sui a técnica de escrever que fui adqui-rindo nesses anos posteriores. É um li-vro tecnicamente cru, por vezes um pou-co catártico, às vezes até ingênuo. Mashoje, quando estou muito “técnica”, releio-me para encontrar um pouco de esponta-neidade, ou melhor, fazer frente a nossacrítica e exigência por vezes excessiva que vamos nos impondo. Quanto ao “Itga-dal, Memória dos Ausentes”, apesar desentir ser mais datado que o “No azul”, quando o releio, surpreende-me a corageme o despojamento que possui em descerno mais profundo da dor e na nudez da ex-posição. E acho que posso identificar hojeque meu trabalho possui uma continuidade.Aquilo esboçado nos livros anteriores con-tinua hoje como um estilo. Quer dizer, meu

Ser na palavra somente ena mudez do mundoflorescer muda em sementes de tinta e cálices de papelsorvendo o pólen das calçadas através dasasas voadoras do tempo para a instantâneacópula com o poema

21/04/2004

Poética

ae

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te

vis

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Que a brisa mornaDas boas lembrançasDerreta o frio gélidoDo teu corpo morto em minhas extremidades

Que as saudadesMolhem meu rosto cálido E meu prantoForme um lago transparenteOnde possa me olhar

São teus pés durosCongeladosEstacas inertesFincadas em tua sepulturaSustentam incrédulosTeu desaparecimento

Meus pés de “Itgadal, Memória dos Ausentes”

poeta ROSÁLIA MILSZTAJN, uma das mais assíduas colaboradoras do VAIA, duranteduas horas de prazerosa conversa, falou-me sobre seu universo poético, suas inquietaçõesexistenciais e sua memória afetiva. Lançandoo seu quarto livro - Aqui dentro de mim, ed.Aeroplano, 2003 - Rosália, nesta entrevista, reflete sobre a sua trajetória ao longo dessasquatro publicações, que começou com NoAzul (1991), seguiu com Itgadal, Memória dos Ausentes (1997) e Luminosidades (1999)até chegar ao Aqui... e divide com os leitoresseus questionamentos sobre o fazer poético ea condição e o papel do poeta na sociedade Fernando Ramos

A

“Criar envolve muito trabalho, tensão e, porque não dizer, tesão.”

atual.

ver, sentar e trabalhar.

cobertas?

Além deles, quem mais?

criação poética.

poético.

dade.

fotos: arquivo pessoal

eles tem pra ti ainda hoje?

estilo, minha poesia.

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E “Luminosidades”, que é um livro diferentedo “No Azul” e também muito diferente do“Itgadal”, como é que foi concebido?

Uma das primeiras coisas que fiz foi levaros poemas do livro pra ler nos saraus deque eu participava. Tive o retorno, e aí senti que o livro estava pronto. O livro temvários tipos de poemas: soneto, elegia,poemas curtos, longos, uns mais angustian-tes, outros mais engraçados. Esse livro saiu após o “Itgadal - Memória dos Ausentes”,que é um livro com um tom de luto, relacio-nado à perda de meus pais e se acrescen-tou a outras perdas de minha vida. Aí no“Luminosidades” decidi dar ênfase na temá-tica do amor e do humor. E a cada livro pas-so a compreender mais o que é ser poeta,acho que a indentidade do poeta vai se for-mando e transformando a cada livro. E temoutra coisa: queria deixar um pouco de ladoa poesia angustiante e amarga que só falade morte, só que logo vi que outros poetasfalam da morte, das perdas, é inevitável.

Rosália, dá pra falar sobre como é o pro-cesso criativo pra ti? Tu disseste quefizeste oficinas de poesia pra saber comoé a carpintaria da criação poética. É umacoisa sobre a qual tu costumas refletir?

Tem muita memória na criação. Para mim um cheiro, uma luz, uma cor, uma folhinhavoando ao vento são acontecimentos quetrazem a palavra. E a palavra é imprevisível.Você escreve um verso, aí vem outro e maisoutro. É como se estivesse me lendo. Comose estivesse possuída. Outras vezes não ocorre a palavra. O pensamento e o sentirtornam-se indizíveis. O processo criativo é complexo. Criar envolve muito trabalho,tensão e, porque não dizer, tesão.

A imprensa abre espaço para a poesia?Como tu vês o mercado editorial para o

O espaço é mínimo. Eu não estou na mídiamas sou publicada em muitos jornais peque-nos de outros lugares do Brasil e me sintomuito gratificada, isso não tem preço. Eu tiveuma conversa muito legal com um grandepoeta brasileiro sobre essas coisas, e ele medisse que não tinha que me preocupar em ser publicada por grandes jornais. Os que ficamnão são aqueles que necessariamente saemnos jornais. O poeta escreve para o futuro,não tenho essa preocupação imediatista. Mepreocupo um pouco com o presente porquequero que mais pessoas leiam minha poesia.Já entendi o processo. E se depender disso,de mercado editorial, essas coisas, vou mefrustrar. Porque não vou parar de escrever.Se o trabalho for bom, em algum momento vai aparecer. Mas tem uma coisa: aqui noRio de Janeiro é difícil. E por outro lado, oslivros têm que chegar até os leitores, e paraisso você precisa dos meios para divulgação.Acho importante os pequenos jornais, comoo VAIA, e também os jornais da internet.

A tua poesia sempre tem um olhar voltadopara a cidade do Rio de Janeiro. O bairrode Madureira onde tu cresceste, o centro,a zona sul, aparecem em alguns poemas.O que é o Rio de Janeiro hoje para RosáliaMilsztajn? O Rio é a síntese do Brasil, repre-senta o Brasil urbano, o que é o Rio?

O Rio não representa o Brasil. O Brasil é muitomaior do que o Rio de Janeiro. Acho que éuma arrogância as pessoas pensarem que acidade do Rio de Janeiro é a síntese do país.O Rio pode ser um do estilos de ser brasilei-ro, mas não sintetiza o Brasil. O Rio é arrogan-te, não dá oportunidade, e não podemos di-zer que é a medida, o parâmetro, quer dizer,se as pessoas não se dão bem aqui não querdizer que não vão se dar bem em outros luga-res. Agora, a beleza, a paisagem, o clima, apraia, e a memória de muita coisa que acon-teceu, e a cidade foi palco de uma série defatos históricos - essas são as coisas melho-res que o Rio tem. Existe muito a fantasiado carioca bem humorado, do estereótipo daspessoas de bem com a vida, não é, não, tátodo mundo fodido! Tudo muito difícil, poucasoportunidades de trabalho, muita violência. E isso tudo acaba se refletindo no que escrevo.As coisas amargas, duras, não dá pra falarsó do belo, se tem muita coisa me incomodan-do, aí escrevi o poema Rio Ensolarado: ”Sol esolidão é o que sabe fazer esta cidade sol cor-tante cegando aos favorecidos e aos mendigosapodrecidos nas ruas que apodrecem pelo solsem pena na solidão de todas as pedras quefaltam para ser um caminho”. E não acho queos problemas todos sejam só do Rio. Existemlugares no mundo que apesar dos problemasas pessoas estão fazendo coisas pra encontraralternativas, pessoas legais, tentando melhorar.Mas o Rio perdeu as alternativas, a capacidadede criar coisas fora do mundo novela-big brotherprograma da Globo. Temos que encontrar saídas

Rosália, sabemos que a música popular temgrande importância para a cultura brasi-leira. E a literatura, mais especificamente apoesia, que valor ou função teve e tempara a formação e educação social da popula-

Embora o acesso à poesia pelo brasileiro seja maismais difícil que a música popular, podemos dizerque ela é fundante na nossa cultura. Muitos poetasbrasileiros fizeram de sua poesia uma trilha para oresgate da identidade brasileira, e contaram uma outra história de opressão, submissão e liberdadecontida em seus versos inesquecíveis. Acho quese difundirmos mais a poesia pelo Brasil, o povo brasileiro certamente se reconhecerá nos versos,nas rimas, nos ritmos dos poetas. E a final de con-tas, além do jogo de cintura, o brasileiro tem que ter muita poesia dentro de si. Tenho certeza que esse gênero literário seria muitíssimo apreciado se melhor difundido e conhecido.

O que a poeta Rosália Milsztajn quer para sua

Primeiro de tudo, quero continuar escrevendo poe-sia. E se isso acontecer, gostaria que minha poesia pudesse absorver minhas transformações e os no-vos conhecimentos que venho adquirindo e que expressasse de forma cada vez mais fortalecida aminha voz. E se ainda, de quebra, pudesse viverdela e ser mais difundida, melhor ainda.

Minha mãeEra a mulhermais bonita do bairro.Ela passavaE a sombra azul dos olhosTornava céu Madureira.A estação de trem tremiaAs grades continhamGemidos dos que aliAmontoados se espremiamPara ver o olharEm horizonte daquela mulher.Pequenas avenidasMudavam como festaO sol em lustre de cristalBrilhava enquantoCinderela passava.Às vezes passava a escolaDe samba, tambémBate-bolas, diabosMorcegos enfeitadosPara a alegriaEu tinha medo.Tinha o natalTudo era presenteEncontro de felicidade.Tinha o Natal de carneQue controlavaO jogo do bichoEra ricoEsse homemTinha um anel no mindinhoResplandecia menos queMinha mãe.Eu era franzinaPortava um porta-seiosSoutien azulEscondido na blusaLigeiramente abertaGuardava no peitoA chama de ser como elaEm azulExplodir fulminante corações.Essa energiaTenho, escondoPorque no espelhoRespondo:Existe alguém mais bela?Para onde dá esseAzul dos teus olhos?

Azul do livro “No azul”

Que a morte fira meu estômago famintoFome insaciávelQue de alimentoSó o eterno sustenta

Que roncos e grunhidosNão mais se ouçamNão ousem incomodarAqueles a quem tanto amei

Que eu não existaNem na memória dos ausentesOnde esperei a saciedade

E todos vazios de mimDeixem-me plena para voar aos céusAo teu encontro

Estômago do livro “Itgadal, Memória dos Ausentes”

“Além do jogo de cintura, o brasileiro tem que ter muita poesia dentro de si.”

poesia hoje?

V

poeta brasileiro?

criativas.

ção brasileira?

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lexandre Florez, brejeiramente ape- lidado Maculelê pelos amigos, fala de suas lembranças afetivas, infância, prefên-cias musicais, vivências e convivências emCachoeira do Sul e da memória reiventadaem sambas, batuques e cirandas, que estáregistrada no seu primeiro cd, Caminho dos Engenhos.

Maculelê no Caminho dos Engenhos

Qual é a tua mais remota lembrança musical?Que música ou estilo musical tu tens registra-do em tua memória? Quais compositores eintérpretes fizeram parte da tua formação

Eu tinha três anos, estava deitado com minha avó Eva na cama dela, era verão e a janela esta-va aberta havia uma enorme lua no céu... Quan-do criança tinha verdadeiro fascínio pela lua, nasua fase cheia principalmente; o plenilúnio. Lem-bro que minha avó cantava com sua voz de con-tralto, muito afinada, pelo menos acho que eraporque não me desagradava, um samba do Tú-lio Piva, Pandeiro de Prata. Meu avô ouviadesde Carlos Galhardo, Francisco Alves e Or-lando Silva até Gardel, Dalva de Oliveira e Isau-ra Garcia. Meu pai adorava Jackson do Pandei-ro, Gonzagão, Ismael, Ataulfo, Roberto Ribeiro,Noel além de duplas caipiras como Cascatinha e Inhanha. Acho que absorvi um pouco disto tudo... Meus intérpretes preferidos têm poucoem comum: Dorival Caymmi e Moreira da Silva. O primeiro pela entonação, a voz profun-da e grave, potente. O segundo por me pas-sar um senso de alegria, irreverência. Não acho que tenha muito de nenhum deles, in-

Isso era em que época, anos 70? E essas músi-

Era no começo da década de setenta. Os nomes que eu falei tocavam muito no rádio. Cachoeira tinha duas rádios naquela época, a rádio Ca-choeira e a Princesa, ambas AM com progra-mas de auditório inclusive. E tocavam muitaMPB. Sambas antigos, músicas dos festivais,seresta. Era muito legal! Uma das primeirasmúsicas que me lembro de ter decorado pra

Alexandre, fala sobre a atividade de composi-tor. Há quanto tempo tu compões? E que no-me da música brasileira foi referência para ti?Quando tu começaste a compor em quem tuprestavas atenção, ou com quem tu tentavas

Não conseguiria definir o que é compor, ou comose dá o processo. Como e quando começa a sur-gir o impulso ou o que me motiva a criar. Umexemplo do inusitado da coisa é eu ter compostoa melodia inteira de São Jorge das Minas, a fai-xa número três do cd, dentro de um ônibus en-quanto ia para o shoping Iguatemi em 1993, quando trabalhei lá... Conscientemente nuncatentei me aproximar de ninguém. Porém, agoraolhando com outros olhos, na minha música são notáveis as influências de Dorival Caymmi,Cartola, Jackson do Pandeiro e dos primeiros

E pra ti o que é compor? É algo quete dá prazer, é trabalhoso, tenso...?Natural, e muitíssimo prazeroso. Come-cei compondo em parceria, ou pedindoajuda para alguém que harmonizasseno violão. Tenho muitas composiçõescom o Toni Andrade, um conterrâneo.Por exemplo, 1/2% de Tristeza e Roti-na são músicas que ele participou meajudando a harmonizar. Depois de uns tempos pra cá, faço sozinho. Crio a me-lodia e depois tiro a harmonia com o auxílio de teclado. Ou peço a algum companheiro de música pra cifrar pramim.

E as letras? Tuas letras temum forte conteúdo literário.O lirismo e a prosa poéticasão características bem acen-tuadas nas tuas canções. Apoesia faz parte da tua vida,não? Quem são os teus poetas

A literatura sempre esteve pre-sente na minha vida. Meu paicolecionava albuns de figurinhaseducativas comigo, era um pra-zer para ele. E toda sexta à tar-dinha eu esperava por ele ansio-so no portão de casa, sabia quevinha carregado com revistasem quadrinhos, livros de aven-tura, pacotes de figurinha. Mes-mo quando eu ainda não sabia ler; e olha que eu fui alfabetiza-do em casa, li aos quatro anos,meus pais liam muito pra mim.Minha avó Eva, que era analfa-beta, inventava estórias e sem-pre me dizia que um dia eu le-ria pra ela. E isso se cumpriu.Eu, do alto dos meus cinco, seisanos me sentava num dagrau da porta da sala e lia “As aven-turas do Burrinho” pra umaplatéia sexagenária, mas muitoatenta, composta por minha avóe sua amiga dona Afonsina queadorava mascar chicletes. Eunão gostava muito da práticada dona Afonsina porque elagostava de fazer bolas de chicletee o barulho dos estouros inter-rompia a leitura. Como leitorsolene que se preze, eu parava imediatamente dirigindo olha-res de censura pra dona Afon-sina. A gargalhada era geral... Meus poetas preferidos são e sempre serão Pessoa, Mário deAndrade, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Drummond,Vinícius, Raul Bopp, Jorge deLima, Emily Dickinson e Paulo

Este teu primeiro CD, Caminho dos Engenhosé fruto da memória afetiva da tua infância, e-vocando histórias e impressões de uma épocae local (Cachoeira do Sul), coisas contadas ecantadas pelas pessoas próximas a ti. Falasobre a concepção deste trabalho.

Eu tinha uns seis anos de idade e vez em quan-do meu avô Heitor que fazia um bico de chefede estação em Cachoeira me levava pela mão por sobre os trilhos da viação férrea até a casade minha avó. Eles moravam na beira dos tri-lhos. Lá num corte entre morros. Minha avó tinha uma tendinha. Uma vendinha muitohumilde na beira dos trilhos que passavam entre os engenhos de arroz de Cachoeira. Comoos engenhos funcionavam 24 horas as pessoasque saíam de turno ou que estavam no intervalodo serão iam até a tenda de minha avó tomaruma purinha e bater papo. À noitinha nos finsde semana, sempre havia rodas de samba deterreiro e de jongo em algum local daquela co-munidade conhecida até hoje como Beco dosTrilhos. Tudo quanto colhi de ouvido daquelas cantigas vindas do povo simples do lugar im-pregna este trabalho. Com retoques de erudi-ção, é verdade. Com roupagens diferentes. Oblues por exemplo é um elemento estranho àquela gente, naquela época. Mas o contexto em que ele se insere no cd retrata não a hu-mildade, mas a verdadeira humilhação a qual essas pessoas eram e ainda são submetidas. Por serem pobres, pretas, pardas, incultas. Por não terem beleza gestual ou aparentarema convenção do que se pleiteia como belo paraum ser humano. Mas pra mim sempre pare-

E o samba que, como tu cantas, “é a nossabandeira”, é o teu estilo musical preferido?De novo é a história da memória (ou seja, as tuas recordações musicais estão ligadasao samba) que se mistura à invenção? A

O samba, sem dúvida, é minha expressão pre-dileta. É minha fonte, matriz. Assim, como ele está posto. Ou seja, entendo que o sambanão seja um ritmo puro, mas uma junção deoutros ritmos. Uma invenção brasileira quemistura a música européia com a tradição mu-sical africana. Costumo dizer que pra compor samba, nem que seja em algum momento da vida, é preciso vivê-lo. E isto é exatamente seralar. Batalhar o quinhão. Sofrer mesmo. Sentir na pele uma série de coisas ruins, como preconceito, discriminação e tal. O sam-bista tem por profissão driblar essas mazelas da vida. Reclamar com elegância. Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas sem recal-ques nem consternação; sem baixaria!

A

Show delançamentodo cd Ca-minho dosEngenhos.Dia 16 de junho, às 2030hs, noTeatro deCâmara Tú-lio Piva - Rua daRepública, 575.

musical?

tocavam no rádio?

felizmente.

emular?

trabalhos do João Bosco.

prediletos?

ceram belos.

tua linguagem é o samba?

foa

ne

Ma

ran

gh

el

tos

Ro

slo

EN

TR

EV

ITA

S

“Refiz o caminho que fizeste pela mão deteu avô. Quando esse senhor traçava sem bem saber a tua sina de sambista. Pro-curei a trilha dos trilhos que cortava osengenhos. Não encontrei nem rastro dostrilhos. Dos engenhos restaram paredes euma chaminé equilibrando um passado notempo. Tempo que nem há. (...) Hoje oCaminho dos Engenhos é descaminho e jánão é nem memória. Para a sorte de quem não escuta fantasmas, teus versosdão conta dessa amnésia.” Cristiano Escobar Bernardes (Cipriano Sereno)

cantar foi A Banda do Chico.

Mendes Campos.

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09

E tu também achas que o samba en-frenta muitos preconceitos ainda ho-je? Outro dia, o Aldir Blanc pergun-tou pro Nei Lopes o que ele achava do fato de a Globo lançar dois Cds datrilha sonora da novela Celebridades, separados em dois títulos - um de mú-sica popular brasileira e outro de sam-ba. Faço essa pergunta do Aldir pra ti.

O que a Globo lançou como samba, seinão, aquilo pra mim é brejeirada. Tem o samba do Nei, “ No tempo que Don Don jogava no Andaraí”, que é a únicacoisa boa de samba, o resto, sei lá. Sam-ba e MPB são sinônimos pra mim. BossaNova e samba pra mim são homônimos. João Gilberto é gênio porque descobriuuma forma diferente de dividir cantando.Uma coisa que é dele, personalíssima eoriginal. Mas nunca ele próprio dissociou isso do samba. Agora o que me magoa éque foi preciso uma Nara Leão aparecerpara o Zé Keti ter algum reconhecimento.O que me entristece e aborrece muitoé que foi preciso Hermínio Bello de Car-valho esbarrar ao acaso com seu Angenorde Oliveira que aos 58 anos de idade lava-va carros pra tirar um troco, pra músicabrasileira conhecer o gênio de Cartola. EClementina? Com ela deu-se quase o mes-mo: o Hermínio a descobriu aos 63 anos.Sem ela a memória da música brasileira,sua raiz estaria irremediavelmente perdida.Assim como eles muitos outros foram e são relegados ao esquecimento. Se há preconceito, acho que sempre houve. Pre-conceito contra o que é bom. E o bom é tudo quanto pode educar. Despertar. Cha-mar à reflexão. “Se a Maria tem sete fio/todos sete pequininho/panelinha pequini-nha/todos sete querem comer/ora batepanela que eu quero ver...” cantava vóClementina. E isso incomoda, meu irmão!Incomoda o poderoso, o intelectual bundamole que não faz porra nenhuma de im-portante pelo povo. Esses versos são oque Mário de Andrade classificaria de arteútil. E eu também.

E a arte tem que papel ou função prati? Na tua vida o que ela significa?

A arte, na minha vida, foi e continua sendoo veículo responsável pela minha educação.Admito a pretensão na resposta. A funçãoda arte ultrapassa em muito o efeito deco-rativo, claro que o belo não precisa neces-sariamente conter ideologia, a arte não ne-cessita ser panfletária. Não apregôo isto. Mas quando um artista monta uma “pro-posta”, ocupando espaço num lugar impor-tante como o MAM de SP, colocando umapilha de ferro velho, um monte de cacare-cos, crendo e querendo que a ralé, o povão,a massa entenda, vamos convir, meu nêgo,que ninguém tá nem aí pra essa “gente”... Ele tá pancada. Se nem o Einstein é capaz de decifrar o teorema, vai o Zé Mané lá teo-rizar a “proposta” do gajo? Aí os caras merebatem: - a Arte tem de provocar, só isso basta. Basta o cacete! Só se for pra provo-car diarréia mental!

Voltando a falar do CD. Que resulta-do tu esperas que ele alcance? Essetrabalho é o primeiro passo na tuacarreira musical, tu tens essa ambi-ção, já projetas uma carreira no ce-ná r io da mús ica b ras i l e i r a?

O primeiro resultado é ter ganho meu “certificado contra vagabundagem”. Tôfazendo alguma coisa pô! Brincadeira.O resultado mais imediato é divulgar minha produção. Todo compositor é vaidoso. Não fujo à regra. Não tenho vaidades pessoais mas quanto a meutrabalho, considero-o bem feito. No to-cante à carreira, tenho pretensões sim.Já engrenei um outro trabalho, um se-gundo cd. Não há muita alternativapra mim. Pra difundir minha lucidez ou minha loucura preciso da música eda literatura. Gosto de escrever... Souum quase Chico Buarque. (risos). Só que baixinho, invocado, falastrão.(risos). Anarquista e sem o talento do mestre.

E este projeto do teu segundo CD?Tu seguirás como compositor e intér-prete ou é outro tipo de proposta?

Inicialmente esse segundo CD, que ainda é apenas um projeto, seria a idéia para um disco demonstrativo comminhas composições, especificamente Afro-Sambas. A partir do momento em que conheci os compositores Bira Azeve-do e Giovanni Mesquita e tomei contato com seus trabalhos, propus a eles umaparceria, e daí nasceu o grupo de com-posição “Na Corda Bamba”. A proposta que temos agora é conjunta. Não acredi-to no sucesso individual como um fim.A arte tem por finalidade a socialização, a solidariedade, mesmo que não seja oprincípio dela. Mesmo que o artista possa, às vezes, ser individualista, eu não creio nisso. Por essa causa convideiesses dois compositores para unirmosforças tendo em vista a linha comum de composição que seguimos. O grupo Na Corda Bamba é formado por MozartDutra, Reginaldo Gil Braga, Márcio Azambuja, Paula de Paula, Giovanni Mesquita, Cidara Loguércio, Bira Azeve-do e eu. Já estamos em fase de ensaios e apresentações deste novo trabalho.

E o show de lançamento de “Caminhodos Engenhos”, marcado para 16.06,como será? Qual o formato e quais osmúsicos que irão te acompanhar?

O show será simples. Modéstia à parte, estarei muito bem acompanhado. João Vicente Macedo, nos violões de seis e sete cordas, Binho Terra e Bira Azevedo, nas percussões, são excelentes músicos.

Alexandre, que intérprete da música popu-lar brasileira tu gostarias que gravasse as

Se tivesse que escolher um só, não saberia.Há muitos intérpretes que me fascinam. Há mais tempo na estrada tem Bethânia, Nana,Leila Pinheiro... O João Bosco. Tem o Emí-lio Santiago. Mais recentes a Mônica Salma-so, o Moacyr Luz. O Segala que produziumeu cd e gravou Seresta, música minha queele também tem participação. Tem o Pauli-nho da Viola... Muita gente.

O que tu consideras gaúcho e/ou brasilei-ro na tua música? E que ritmos que tuexploras em Caminho dos Engenhos?

Na minha composição entram muitos motese mesmo ritmos de influência afro-gaúcha. Tem candombe, maçambique... E o própriosamba que eu faço, não os deste disco emparticular, tem muito do “sotaque” daqui. Todo resto está impregnado de música bra-sileira que é linguagem universal. No discoeu pus uma marcha, que é a faixa título e háum blues, “Povo de Deus”, que se justifica alipelo contexto. Afinal a faixa título se refere apessoas pobres daquela comunidade. Há tam-bém o coco representado por Ana Rosa, e abossa nova “Rotina”. Enfim, uma saladamusical. (Risos)

E como achas que o mercado encara o tipode música que tu fazes e os temas que tu

Oficialmente? Com quase indiferença. Vez por outra a grande mídia coloca um samba numanovela, que nem agora o samba do Nei Lopes, massificado na novela global. Mas isso é exce-ção. Acontece de vez em quando. No geral valea regra inversa: quanto pior, melhor.

Curioso é que o português, sendo filho do la-tim e neto do sânscrito, tenha se distanciadofoneticamente muito dos dois. Porém, o por-tuguês falado no Brasil, que difere do faladoem Portugal, é belo e melodioso. O português em Portugal se revela meio truncado por con-ta do emprego exagerado do infinitivo e do pretérito imperfeito. Mas no geral o portu-guês é um idioma aberto, não gutural nem anasalado. A melopéia, oritmo incluso no falar ou ainda nas pró-prias palavras fa-cilita a composi-ção. Uso muito este recurso dopróprio som dapalavra.

Tu que, profissionalmente, lidaste com várias línguas, que achas da língua portu-guesa estética e ritmicamente em relaçãoàs outras?

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Entrevistadores: Fernando Ramos, João Vicente Macedo, Giovanni Mesquita, Laurene Veras eReginaldo Gil, por telefone.

abordas neste disco?

tuas músicas?

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período mais fecundo e de maior criatividade do cinema concentra-se na década de 1920, quando o som (que não é um mal) ainda estava ausente das realizações cine-matográficas.

Se a sonorização, como posteriormente a cor, repre-sentam conquistas naturais (e almejadas) incorporadas àcaptação da imagem em movimento, não é menos verdadeque após o surgimento da primeira desorganizaram-se aspropostas essencialmente artísticas e vanguardistas do ci-nema. O novo invento assenhorou-se das preocupações e da prática cinematográfica, constituindo-se no eixo em tornodo qual passaram a girar os filmes. Não foi, pois, sem certa razão que muitos dos mais bri-lhantes cineastas de então o repudiaram, conquanto pormotivos errados. Se era (e foi) notável conquista técnicaque veio ampliar o poder e o raio de ação do cinema, seuuso (e abuso) resultou no maior predomínio do espetáculosobre a arte, do tema sobre a forma. Se antes esta desta-cava-se ou, quando menos, havia, na teoria e na práxis(dos grandes cineastas soviéticos, por exemplo) equilíbrioentre conteúdo e forma, após o advento do som prevaleceuo oposto, soterrando a vanguarda, a criatividade e a experi-mentação.

Com isso e por isso, mesmo com o posterior apareci-mento de grandes cineastas e filmes, nunca mais o cinemateve tão grande concentração de obras de arte em tão cur-to período do que na referida década. Dela emergiram obras-primas, possíveis de serem vistas e revistas por meio da ampliação das possibilidades de reprodução e dis-tribuição de filmes pelo vídeo e canais pagos de televisão.

Um dos filmes mais brilhantes do período em questão éFausto (Faust, Alemanha, 1926), de F. W. Murnau.

Com base no primeiro drama homônimo de Goethe, de 1806, Murnau engrandece tema já de si grandioso na concep-ção e na realização goetheana.

Não obstante esteja o fime umbilicalmente ligado ao textooriginal em sua trama e no sentido que encerra, Murnau impri-me-lhe feição cinematográfica autônoma, criando, por intermé-dio de outra arte também nova obra de arte, erigida sobre fun-damentos específicos, em que a visualidade recria e expõe aconcepção verbalizada.

Nem todo o filme calcado em obra literária atinge tal pata-mar de realização, não passando a maioria deles de simplesilustração imagética da estória literária, utilizada como mero pretexto. Não com Murnau e seu Fausto, tão relevante emimagem quanto sua fonte em palavra.

Em tudo, desde a disposição geral aos pormenores maisinsignificantes, o Fausto fílmico constitui obra de arte. A co-meçar pelos décors, de inspiração expressionista, em que ora alternam-se ora paralelizam-se criações pictóricas e es-truturas arquitetônicas, cuja plasticidade impressiona peloarrojo inventivo, a ponto de rivalizar em presença e importân-cia com a fabulação de que constituem palco.

Raramente se tem, em cinema, sucessão tão vasta quan-to variada de imagens de tal riqueza formal, que, transcen-dendo seus limites materiais, integram o conjunto fílmicotambém como conteúdo do drama que nele se desenvolve.

A força do filme assenta-se, pois, na tríplice coalizãoforma (décors e sua visualização imagética de angulações e enquadramentos artísticos), de conteúdo (o drama humanoe sua representação) e na integração orgânica desses doiselementos, de tal modo e com tal intensidade, que de suaconjunção resulta síntese perfeita na obra pronta e acabada,constituída de um só corpo, de unidade e contextura indisso-ciáveis.

Ao drama, na generalizada simbologia do significado da aspiração humana que contém, balizado entre pureza, am-bição, amor e desvario, ajuntam-se, pois, em igual nível de criatividade, os elementos indispensáveis da arte cinemato-gráfica. A maior parte dos décors de interior e de exterior e daslocações paisagísticas perfazem, em cada tomada, obrasplásticas autônomas e destacáveis, simultaneamente inseri-das no abrangente contexto fílmico, permitindo sua aprecia-ção tanto em si mesmas quanto agrupadas. Um dos ideais da arte, escassamente alcançado posteriormente no cinemafalado.

A Fé enriquece o Homem,não de humildade,de dinheiro.

Entro no BINGO! E minha alma se perde.A miscigenação das raças,o tilintar das moedas,as luzes dos caça-níqueis,O Dinheiro perde o valor!A Fé na Sorte esteriliza a Razão.Só há um Deus, e esse é a Sorte.O Deus Sorte, para quem seus fiéisdirecionam o brilho dos olhos,o oco das cabeças, o etílico dos corpos.O Deus Sorte com seus arcanjos,recolhem dos Homens suas benções,seus dinheiros.Tudo o que era para sustentação do lar,é prova de Fé.

Parei a leitura de Crime e Castigoe fui caçar níqueisbem que gostaria de me caçarmas fui à esquina jogarcaçar níqueisaté agora, hoje, gastei o salário de um semestre.

O que poderia fazer com esse dinheiro?Comprar um dicionário de espanhol?Tirar cópias de minha vanguarda?Ir ao dentista?Comprar um xampu? Um escova de dente?O que eu poderia fazer comigo,senão um poema?O que eu poderia fazer com essa máquina,senão lotá-la de níqueis?O que eu poderia fazer por Kasparov,se ele perdeu para um computador?E eu, para uma máquina que se liganuma tomada, que se dar umas porradas,que se translada de um lado ao outro do bar.

Esse poema épico, essa história de vida,esse vício latente, essa corrente que me prende,à vontade de me matar,o desejo de esgotar essa máquina,o desejo de caçar níquel por níquel,esse épico vale menos que..

O Mundo gira com a palavra CASSINO. O Mundo gira feito o CASSINO eletrônico..

O JOGADOR

Sou um jogador, jogo com minha família, jogo com odinheiro como se fosse... E é, na verdade é o que é mesmo,papel, jogo com a loucura, jogo com as palavras, jogo como tempo. Só ele me dá o que mais temo: a vida, a vidavivida a cada momento, sem arrodeios.

Gastei 85.000,00 reais para criar esse poema que vos fala.Joguei em todas as máquinas. Observei todos os ganhadorese perdedores. Exalei todos os aromas das moças que servemno BINGO!. Endividei-me nos agiotas, no banco. Para escrever esse poema. O poema mais caro de minha lavra. Varei noitesjogando, me encantando com a luminosidade das máquinas.Conversando com elas. Tornando-me companheiro delas.

Conheço idosos que perderam todas as economiasno BINGO!Apartamento e empresa.Somos companheiros nesse CASSINO.Onde as mãos e os pescoços flagram a quilogramade maquilagem no rosto.O salão apinhado de máscaras, de cabelosgrisalhos e futuros vazios.O prazer consiste em não voltar para casa,não ter que aturar os netos.Vício e Vida não possuem cronômetro,não competem os cem metros rasos para velocista.Eles se encontram no BINGO!Completam-se quando a cartela enche:BINGO!

O Homem é uma máquina de bingo desregulada.Às vezes ganha, noutras paga tudo.O Universo é descritivo, Carl Sagan está aí para provar. Enquanto espero a bola 14, penso nisso eem um punhado de outras, outras coisas mais.Penso em encher essa folha de palavras,penso no gás da cozinha, penso em minha mulherfazendo maravilhas com 2 Reais, penso no bancocentral, penso em meu livro de estréia, penso emnada, penso unicamente na bola 14.Sou um mentiroso.Minto!Sou uma máquina de bingo desregulada.

O 14 me quebrou, me quebrou as pernas.Não tenho ao menos o do táxiJoguei tudo e o 14 não saiu, o 12, o 13, o 15, o 16.O BINGO! Endureceu-me o bolso, a alma e ocoração. Só dou esmola para a máquina de BINGO!.Somente os caça-níqueis vêem o brilho de minhaspratas. O BINGO! é um arremessor de mobílias.

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o jogo de sorte e azar da vida “o homem é uma máquina de bingo desregulada”; “per-de quem compra a cartela premiada e mesmoassim perde. A compulsão por recuperar oque perdeu, leva o jogador a continuar jogan-do”; “Ganha quem ganhar a si mesmo. Sempoesia. Não existe o belo. Somente números,luzes, som, moças bonitas, aromas e o rufar do dinheiro. Por mais que pareça poético nãoé. O ganhador ganha o Tempo”. Esses versosdo poeta cearense Cláudio Portella lançam umgrito intenso e desafiante face a bola da vidaque gira na ciranda de incertezas e ilusões.Prosa poética de inventiva riqueza verbal, iro-nizando os caça-níqueis das normas e valoresda existência, que pode ser lida no seu mais recente livro, BINGO!, publicado pela editoraportuguesa Palavra em Mutação, do qualtemos o prazer de dar uma amostra aqui.

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GUIDO BILHARINHO “Clássicos do Cinema Mudo” , Inst. Triangulino

de Cultura - Uberaba/MG, 2003

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H enrique Meirelles é o Francisco Weffort do governo Lula e Antonio Palocci é o José Serra do mesmo governo. Pertinente estaminha comparação?

Profunda é a cisterna. Profunda é a corolada rosa. Profunda é a tigela com creme de espi-nafre com mandioquinha branca (cozidos e lique-feitos). Profunda é a nave-mór da Basílica deNosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo, Minas Gerais/Brasil. Profunda é a raiz da mangueira. Superficial é a minha ingênua tentativa de me incluir na casta dos escribas e mandarins brasileiros do início doséculo XXI (após 6000 textos publicados em 12 estados e até em Portugal). Volto ao repouso doqual nunca deveria ter saído. A dor é a grande precursora da mudança. No meu caso, voltei a ser um homem de fé. Mas nunca um Tolstoi!... Fui perseguido por ser católico. Fui perseguido por muitos católicos. As pessoas perseguem quem é diferente. O mal-estar da civilizaçãocontemporânea se aprofunda e se agrava ver-tiginosamente. O que se passa na nossa culturapara engendrarmos um gigantesco sintoma des-ta dimensão? Para Sigmund Freud, a pulsão de morte (muito aliada à pulsão pelo poder) é aque-le lugar onde tentamos amortecer os nossos de-sânimos, é o mata-borrão da anulação da dor ou jogos de disfarces e fingimentos pelos quais ten-tamos ocultar o que ocorre entre os poderosos e os não-poderosos da nossa sociedade. A pulsão da morte é o lugar onde se tentaabandonar a dor psíquica, a dor de viver... apulsão da morte é a pulsão por excelência, poistende à redução absoluta das tensões internas.É evidente que a sociedade contemporânea es-tá muito mais interessada nesse mata-borrãoque é pulsão de morte, do que propriamente emequacionar os nossos sucessivos soluços, nos-sos sofrimentos emergentes da conflitualidadehumana (conflitualidade essa sempre negadanas ditaduras e autoritarismos). Algumas políti-cas que “trabalham” (?) estas questões aceitamclaramente a realidade, outras aparentementerecusam-na, mas ninguém está disposto a refle-tir e a praticar uma política que encaminhe his-tórica e culturalmente a superação deste mal-estar geral da civilização. Já estou de saco cheiode tanto rap babaca e medíocre por aí. Além domais, será possível quantificar estatisticamente a felicidade? A felicidade é só mais um mitoconsumista da nossa época? Indaga-nos o emi-nente psiquiatra português Carlos Amaral Dias. Vangloriar-se por chegar sem estudos (como umPrometeu ou um Ícaro) aos píncaros alpinos de Davos é no mínimo o triunfo do desprezo à for-mação intelectual. Pagaremos por tal ingenuida-de? Quem chegar lá com o que tem ou com oque não tem que se mostre capaz da proeza e da altura do seu vôo. “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir.” - Lúcius Annaeus Sêneca, em seu Tratado de Clemên-cia. Ninguém deve reivindicar a paciência nem a condescendência da sociedade por ser isto ou aquilo.

Só me condôo ante os olhares e as rugas dosrostos barrentos e embosteados dos leitões dechiqueiros. Olhando os contornos do meu nariz eu revejo o nariz do meu pai. Era uma vez, é uma vez e será só por uma vez. E nunca mais. Eu sei e senti que foi assim, tem sido assim e será assim. Vovó tinha razão: tudo já estava previsto num livro lá no céu. Nunca tivemos aoportunidade de fugir à verdade. Você está meentendendo, ó chefe!?... (31/03/04). *José Luiz Dutra de Toledo, 52 anos, historia- dor, professor aposentado e escritor desertor.

Diagnósticos vagamente imprecisos e humanitários com diretrizes inviáveis, genéricas ou obscuramente ambíguas

José Luiz Dutra de Toledo*

John F. Kennedy Airport...

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Manipulação clipártica e edição: Sammis Reachers

Luiz Gustavo Insekto

CRUZADAS MANJADAS1 3 4 5 6 7 8 9 102

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CRUZADAS MANJADASHORIZONTAIS - 1- Nota musical cujo valor é metade de umabreve - Mamífero desdentado que se alimenta de ervas, frutase insetos -2- Semelhança parcial entre coisas diferentes- Flúor(símb.) - 3- À (...), sem rumo, desgarrado - (...) Luft, escritoragaúcha - 4- Wyeat (...), lendário pistoleiro - Juan (...), pintorespanhol - 5- Empresa Controladora e Afanadora dos Direitos Autorais - Uma aldeia de índios - 6- Governo em que o Estadoaplica seus poderes com despotismo - Raio, símbolo- 7- Sau-dação despojada - “ (...) the road”, clássico da literatura “beat” -Solitário - 8- “Disque (...) para Matar”, filme de suspense - A pílula azul do prazer - Consoante - 9- Progredir - Charme - 10- Praça da (...), centro de São Paulo - Tanto - Um dos quatro ele-mentos da natureza - VERTICAIS- Revista de humor - Acúmulode líquido em tecidos ou órgãos (pl.) - 2 - Qualidade da pessoasem aptidão - Enxerga - 3- Exposição de um fato - 4- Clássico de Homero - Intransitivo(abrev.) - 5- Mexe - Oferta - 6- A oitavaletra do alfabeto - Roubo -7- Vogal - “(...) Morto”, livro de JorgeAmado - Rede Rodoviária Falimentar - 8- Inimigo americano noAfeganistão - Vogal - Oxigênio (símb.) - 9- Vogal - Cólera - Con-soante - Internet Grátis - 10- Vento forte e intempestuoso - Face

Luiz

Gus

tao

Inse

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Sanderson

Serial Killer Tupiniquim

UZI O PODER?Ele USAALCA - EDAETAterroristascheios deIRA

NOME Uma palavra é uma palavra é uma palavra...MOMENTO O sofrimento do primeiro beijoSENSAÇÃO O perfume de qualquer corpo humanoIMAGENS Asas da Liberdade, Teorema, MatrixLUGAR Dentro de quem eu amoUM AMIGO Um amigoQUALIDADE Prefiro fazer surpresaDEFEITO Abra os olhos & sirva-seUM SOFRIMENTO Aos 15 anos, Nietzsche, aos 20 anos, Borges, aos 22, Baudrillard... Qualquer contato com a VeRdAdEUM AMOR Qualquer um que me fez sofrerUMA FÉ Seguem infinitos o TEMPO e a SEARA, mas REBELIÃO é a palavra + linda

Sammis Reachers

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Page 12: Jornal Vaia edição 12

Lieux incrits dans le mémoireen subjectives notations.On les explore sans pourautant s’y transporter.

Cisneros (Palencia).La contemplation fait flamboyerle désoeuvrement des rails.

Sillonné de tutélaires pélerinages,le campo inspire, aspire.On embarque pour l’infini.

JACQUES CANUTPéages/Sépias - Auch, France, 2004

CARPINTANEJARIA POÉTICA

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autor no batente, na forja, na usinagem da palavra, procurando encontrar o ponto de liga: sua a camisa, arregaça as mangas e não vive às expensas do pedigree familiar (apenas a fusão patronímica dos sobrenomes da mãe Maria e do pai Carlos lhe serve de referência nominal, não de muleta para absorção pelos leitores ou críticos). A sua herança poética é uma compilação de sua experiência de carpintaria, na vida e na poesia. Uma antologia precoce apenas na hierarquização temporal, mas suficientemente madura para respaldar a sua compreensão do universo humano a partir de si. Seus parâmetros visuais, auditivos, olfativos e táticos mobilizam seu estilete interior. Carpinejar sabe tocar a pele das coisas, a epiderme do mundo, as vísceras da consciência, o fluxo dinâmico das emoções que caminham num leito pressuroso rumo ao mar - como ele que antes dos trinta anos já sabia de cor as outras margens do rio existencial, a terceira e a que está por ser desvendada, margens que levam aos setenta anos nessa adolescência poética a intencionar outras idades sem queimar etapas. Se não carrega o peso da procedência, muito menos se vale do rescaldo das luzes poéticas da casa. Fabrício tem sua própria incandescência, cujo facho muitas vezes flexiona-se para a retaguarda, com aquela mesma sutileza semântica de que um dia nos falou Pedro Nava, a propósito da experiência (seja ela literária ou humana), como sendo um "automóvel com os faróis voltados para trás". Há dois temas recorrentes em toda sua poesia: a memória afetiva e a relação familiar, principalmente esboçada na figura do pai, que merece, ao longo de suas expansões (entre o onírico e o poético), um certo ritual de (re)conhecimento, em que ambos se apresentam e se desnudam. E é a partir dos encontros & desencantos, da recuperação do herói devolvido em suas deambulações semânticas que se instaura um forte testemunho de quem, tão jovem ainda, viveu todas as épocas e tem tutano para regurgitar fantasmas e estofo para o exorcismo dos demônios da caminhada. Com espírito aguçado a olhar o futuro com a sensação metafísica de já ter curtido tudo, o autor lança sua antologia precoce. Em "Caixa de sapatos" reúne o que recolheu de seus livros anteriores ("As solas do sol", "Um terno de pássaros ao Sul", "Terceira sede" e "Biografia de uma árvore"), depois de mergulhar sua bateia no amplo aluvião de uma produção poética que traz a contundência das descobertas e a sutileza das sentenças filosóficas .O resultado não poderia ser melhor: o mosaico de uma obra que vem num crescendo, que insiste (e por isso vai longe) em libertar-se, a cada livro, dos cânones, dos ismos, dos cacoetes, impregnada que está de uma autonomia que

"Caixa de sapatos" é uma pequena artilharia contra o tédio e uma esperança na vitalidade de uma nova dicção da poesia brasileira.

Ronaldo Cagiano

Jacques Canut

mbora tenha escrito literalmente a "Biografia de uma árvore", Fabrício Carpinejar jamais viveu nas suas sombras. Nem na dos pais. É um

só compreende as dissidências e detestas a unanimidades.

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