jornal laboratÓrio da escola de comunicaÇÃo da … · no famoso jogo do bicho, o carneiro, ......

20
JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 15 - 2009/1 Branca de Neve e os ...... anões ...... de setembro crise dos ...... anos ...... mares pela bola ...... ...... ª arte a camisa ...... bicho de ...... cabeças 00 ...... abaixo dos ...... palmos ...... notas musicais trancado a ...... chaves ...... cores do arco-íris pintando o ...... ...... anos de azar jogo dos ...... erros ...... dá sorte os gatos têm ...... vidas as ...... maravilhas do mundo

Upload: lykhanh

Post on 09-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

777JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 15 - 2009/1

Branca de Neve e os ...... anões ...... de setembro crise dos ...... anos ...... mares pela bola ...... ......ª arte a camisa ...... bicho de ...... cabeças 00 ......

abaixo dos ...... palmos ...... notas musicais trancado a ...... chaves ...... cores do arco-íris pintando o ...... ...... anos de azar jogo dos ...... erros ...... dá sorte os gatos têm ...... vidas as ...... maravilhas do mundo

2 NO 15 - 2009/1

As muitas versões de um número místico

O número sete é aquele que se segue aos seis e precede o oito. Mas é também muito mais do que isso. Chamado de o “número mágico”, o sete está presente na natureza, na ciência e em diferentes cul-turas e crenças de todo o planeta. São sete os dias da semana, as cores do arco-íris, as notas musicais, os anões da Branca de Neve, as maravilhas da Antigui-dade, os pecados e até os orifícios da cabeça!

Não se sabe desde quando nem como o sete se tornou um símbolo e adquiriu significações e atri-buições tão diversas. No entanto, a explicação mais adotada por historiadores, mitólogos e estudiosos de religião comparada é de que o fascínio pelo núme-ro surgiu a partir da observação da natureza pelos povos mais antigos. Ao contemplar o céu, as socie-dades pré-históricas perceberam o ciclo da Lua, que se divide em quatro fases (Nova, Crescente, Cheia e Minguante) com duração de sete dias cada uma. Este dado assumiu grande importância na vida coti-diana de muitos povos, como babilônios, sumérios, hebreus, gregos e incas, pois era através da obser-vação do céu que eles podiam prever a chegada das estações do ano e o período correto para o plantio e colheita.

A partir de então, o sete teria se tornado refe-rência no dia-a-dia dessas sociedades e por extensão ganhado significações que persistem até hoje. A se-mana de sete dias, por exemplo, é uma derivação do calendário lunar e, segundo evidências arqueológicas e históricas, teria sido utilizada pela primeira vez pe-los babilônios que deram a cada dia o nome de um dos planetas que conheciam.

Depois a semana de sete dias foi adotada pelos hebreus durante o período em os babilônios con-quistaram o seu reino, Judá, em cerca de 500 a. C. Com a dispersão do povo hebreu, essa medição dos dias foi incorporada pelos islâmicos e, mais tarde, pelos gregos e romanos, que também atribuíram a cada dia um planeta que correspondia também aos deuses: Dies Solis (Dia do Sol), Dies Lunae (Dia da Lua), Dies Martis (Dia de Marte), Dies Mercuri (Dia de Mercúrio), Dies Iovis (Dia de Júpiter), Dies Veneris (Dia de Vénus) e Dies Saturni (Dia de Saturno).

O sete também está presente em mais de um mito de criação, sendo o mais conhecido deles a Gê-nese hebraica e cristã, presente no Antigo Testamen-to, em que Deus cria o mundo em sete dias e descan-sa no último, que é o sagrado Shabat dos judeus. Por isto o sete é tido por estes povos como o número da criação, da perfeição e da união entre Deus e a Terra. A cultura hebraica está impregnada de significados para o sete, a Menorah, um dos pricipais objetos li-túrgicos dos judeus, é um candelabro de sete braços que é aceso antes da oração do Shabat, quando surge a primeira estrela no céu de sexta-feira. Além disso, entre os cristãos, são sete os pecados, sete as virtudes e sete os sacramentos (confissão, eucaristia, crisma, ordem, matrimônio, batismo e extrema-unção).

Entre os egípcios, o sete também está presente: são sete os deuses principais e sete os estágios de purificação pelos quais a alma passaria após a mor-te. Na China e entre os hindus, o número está li-gado aos principais chakras, canais ou aberturas do corpo por onde circula a energia vital que o nutre. No mundo islâmico, o sete é igualmente importante, sendo o símbolo de perfeição e vastidão, presente nos sete céus, véus, terras e mares. No Irã, o número já é apresentado logo que a criança nasce. O rebento é envolvido em uma toalha com sete espécies de fru-tos e de grãos aromáticos e só recebe um nome no sétimo dia após sua chegada ao mundo.

Na arquitetura sagrada, o sete é recorrente. Os pagodes, templos chineses, possuem por tradição sete degraus na entrada. O mais famoso, Churin-gham, é cercado por sete paredes pintadas com sete cores diferentes. No Ramayana, texto épico sânscri-to de sete partes que é base da cultura indiana, sete pátios são mencionados como parte das residências dos reis hindus e sete são os portões que levavam aos palácios destes reis. Em Cuzco, o antigo panteão inca, um muro exibe, junto à figura de uma árvore cósmica, um desenho que representa sete olhos, “os olhos de todas as coisas”.

Para os alquimistas, este número também possuía um significado profundo, pois eram sete os metais com que eles trabalhavam, além de sete os passos para se transformar qualquer matéria em ouro. Entre os budistas, bem como entre os gregos, eram sete os sábios reconhecidos. Na Grécia, são muitos os mitos que envolvem o número: as sete Hespérides, as sete portas de Tebas, os sete filhos e as sete filhas de Niobe, as sete cordas da lira.

Na África, o sete é sinal de perfeição e unidade, de união dos contrários (quatro é o feminino e três, o masculino) e também símbolo da fecundação. Na Umbanda, o sete também é reverenciado: sete são as “Encruzilhadas do Caboclo”, bem como as etnias que a praticam (Oriente, Omolocô, Almas, Angola, Nagô, Gêge e Kêto).

Também encontramos o sete nas seitas e religiões ocultistas. Entre os cabalistas, são sete os Sephiroth, as emanações de Ain Soph (“Sem limites”, em hebraico), que é Deus em seu aspecto mais sublime. Elas formam a árvore da vida, metáfora da natureza divina, ou Pleroma, princípio e fim do mundo criado. Já no sufismo, filosofia mística do islamismo, são sete os níveis de consciência, que correspondem aos estados de espírito.

Na matemática o sete também se destaca. Ele é o único número primo que não é nem múltiplo nem divisor de um outro número entre 1 e 10. Além disto, o resultado da divisão de qualquer inteiro não múltiplo de 7, por 7, resulta sempre na 142857 periódica. Faça o teste!

Rafael N. Godinho Sofia Moutinho

Sete são as colinas de Roma, os anões da Branca de Neve, os algarismos romanos, os sábios da Grécia, as cabeças da Hidra, os pecados capitais e os desastres do Apocalipse. A História talvez ainda não tenha registrado, mas sete também são os anos de existência do “Número Zero”.

Nelson Rodrigues dizia que não há coincidências burras. Mas a inteligência delas a gente só descobre depois que acontecem. E foi assim, fechando as últimas matérias, que nos demos conta de que esta edição sob o signo do sete acontece não só no sétimo aniversário do jornal mas, também, no fim de um ciclo em sua coordenação.

Não, nós professores não estamos enfrentando a cri-se dos sete anos. E, apesar de não termos nada de divino, é justo que descansemos no sétimo ano. Não para ficar de papo para o ar, mas para dar lugar a uma nova coordenação que, esperamos, tenha o fôlego e as sete vidas de um gato.

Nestes sete anos, escrevemos sobre tudo: ditados populares e clichês, esportes e religiões, a Urca e as ruas do Rio. Sempre tendo em mente que, mais importante do que qualquer coisa, é o espírito de experimentação – que per-mite, por exemplo, editarmos um número inteirinho sobre a mística de um número.

O jornalismo não é uma das sete artes, mas permite exercitar a cada dia a esperança, a fortaleza, a prudência, o amor, a justiça e fé e a temperança – estas, sete, sendo as clássicas virtudes humanas.

Sendo o sete também a conta de mentiroso, encer-ramos este editorial no sexto parágrafo com a sensação de dever cumprido e muito bem arrematado aqui. Ok, sete é também o numero da perfeição, mas, modestos que somos, preferimos que seja aqui o número de sorte para todos nós. O que não é pouco.

André Motta Lima, Mauricio Schleder e Paulo Roberto Pires

Universidade Federal do rio de Janeiroreitor

Aloisio Teixeira

escola de comUnicaçãodireção

Ivana Bentes

coordenação do curso de JornalismoAna Paula Goulart

núcleo de imprensa Elizabete Cerqueira coordenação executiva

Cecília Castro programação visual

número 15 - 2009/1

Informativo produzido pelos alunos da Escola de Comunicação da UFRJ

orientação acadêmica e de textoMaurício Schleder

Paulo Roberto Pires

coordenação editorialAndré Motta Lima

coordenação gráfica e designCecília Castro

assessoria de imprensaElizabete Cerqueira

apoio

Divisão Gráfica da UFRJ

Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório.

As fotografias e ilustrações são de responsabilidade dos alunos.

TIRAGEM: 500 exemplaresdistribUição GratUita

EDITORIAL

NO 15 - 2009/1 3

setes nela”, explica ele, apontando para a máquina.

Entretanto, esta confiança ren-deu poucos frutos a ele. “Ganhei poucas vezes, e sempre uma merre-ca. Mesmo assim, procuro sempre jogar aqui. Acho que qualquer pes-soa que aposta em algum jogo tem suas manias e neuroses. Faz parte da graça de apostar”, acredita Nelson.

Para Laís Salomão, numeróloga há sete anos, toda a mística religio-sa e histórica do número é a grande responsável por ele ser tido como um algarismo da sorte. Entretanto, no Brasil, outros fatores também in-f luem. “Acho que é uma crença mais pessoal, depende muito da criação que cada pessoa recebe, da cultu-ra em que ela está inserida”. Certo mesmo é que o sete é, de fato, po-deroso. “É um número com grande força espiritual, dos estudos, da me-ditação, do isolamento em busca do conhecimento. Geralmente, pessoas guiadas pelo sete têm a missão de mudar de forma significativa a vida de outras pessoas”, explica.

O número da sorteNos cassinos dos EUA ou nas ruas do Brasil, a mística influencia apostadores de jogos de azar

Felipe Schmidt

A roleta gira pela primeira vez, as figuras se organizam de forma insatisfatória e os créditos dimi-nuem. Na segunda tentativa, duas cerejas em sequencia devolvem as esperanças. O apostador, porém, só vai realmente sentir-se um vence-dor quando os três setes aparecerem lado a lado, dando o prêmio máxi-mo no caça-níquel.“Eles têm uma verdadeira fixação no sete, princi-palmente nos jogos!”, conta Vitor Alves, estudante de publicidade que passou quatro meses nos EUA, em intercâmbio, visitou cassinos em Las Vegas e constatou a obsessão dos norte-americanos com o dito número da sorte.

“Nos caça-níqueis, tirar este número dá direito ao prêmio máxi-mo. Há jogos de dados em que ven-ce quem tira o sete. Existem caras que apostam obsessivamente neste número, nas roletas. E os cassinos aproveitam esta mística também nas propagandas. Um deles tinha uma carta de baralho gigante, com o sete, brilhando na entrada”, prosse-gue ele, confirmando que a mística do sete encontrou nos jogos de azar o lugar ideal para ganhar ainda mais força.

A relação entre o sete e a sor-te é, de fato, bastante explorada. Os cassinos não perdem a chance de vincular o misticismo do número aos jogos para atrair mais clientes. “Quando inauguramos o cassino,

nosso gerente queria que o telefone tivesse um número fácil. Por isso, escolheu o sufixo 7777, porque este é o número da sorte. Como a sorte é um fator muito importante em jogos de azar, é possível que isso exerça uma inf luência nas pessoas”, conta Candace Penney, do Lucky Seven Casino, na Califórnia.

O jogo de dados pode ser con-siderado o principal responsável pela força deste mito. Nele, rola-se dois dados, e o vencedor é aquele que somar o sete. Coincidência ou não, a soma parte sempre dos lados opostos do dado: 6 e 1, 5 e 2, 4 e 3. Some a isso o fato de desde o Impé-rio Romano haver apostas baseadas nos dados – e no tal sete - e pronto: surge o mito do número da sorte.

Número não possui a mesma fama no Brasil

Em terras tupiniquins, entre-tanto, a lenda não tem tanta força. O professor de inglês André Diniz, que viveu nos EUA dos quatro aos 16 anos, vê de forma clara as dife-renças. “O máximo de traço que existe aqui no Brasil são os caça-níqueis, que mostram o sete como prêmio máximo, mas acho que as pessoas não ligam muito para isso”, diz. Para ele, as superstições que relacionam o algarismo ao azar são muito mais fortes no Brasil. “Tem a crise dos sete anos no casamento, a ideia de que quebrar um espelho dá sete anos de azar. Isso tudo é muito mais entranhado na cultura brasilei-ra”, conclui.

Na verdade, o próprio núme-ro não ajuda. Na Mega Sena, o jogo mais popular do país, o sete não figura nem entre as dezenas mais sorteadas, nem entre aquelas que ra-ramente aparecem. Está exatamente no meio, tendo saído apenas dez ve-zes nos últimos 12 meses. Para com-pletar, até 20 de maio, não saía há quatro sorteios. Além disso, o fato de os jogos de azar serem proibido no Brasil também ajuda a enfraque-cer um pouco o mito.

Não à toa, no mais conhecido jogo ilegal da nação, o sete tem uma participação mais ativa e até gera certa mística. No famoso Jogo do Bicho, o carneiro, animal represen-tado pelo número, está entre os cin-co resultados mais frequentes. Além disso, é um dos mais apostados nos pontos espalhados país afora. Silvana Triani, de 40 anos, faz parte do grupo de pessoas que deposita sua fé no carneiro. “Depende muito dos sonhos também. Quando sonho com algum outro bicho, eu aposto nele. Mas quando não acontece sem-pre jogo no carneiro”, conta ela, que já chegou a ganhar duas vezes gra-ças a sua persistência.

Outro exemplo de insistência e superstição é Nelson Santos, um camelô de 26 anos, que quase diaria-mente tenta a sorte grande. Curiosa-mente, ele só confia em um caça-ní-quel, próximo à estação de metrô da Pavuna, para fazer a sua fé. “Eu sou bastante supersticioso. Já tentei jo-gar em outras máquinas, mas nunca consegui nada. Nesta aqui, me sinto mais confiante, tenho mais seguran-ça. Sei que ainda vou tirar os três

4 NO 15 - 2009/1

Sete palmos de terra. Não há quem nunca tenha ouvido falar na expressão que já inspirou música, poesia e até série televisiva. Mas será que todos sabem de onde ela vem? Equivalente a aproximada-mente 1,55, metros a medida se refere à profundidade das covas e pode estar em vias de extinção. Os cemitérios do Rio de Janeiro, criados há mais de 100 anos, es-tão com falta de espaço e quando se trata de vencer a superlotação nem a lei é res-peitada.

De acordo com o artigo 19 do De-creto “E” Nº 3.707 de 06 de fevereiro de 1970, as covas rasas devem ter medida mínima de 1,55 metros de profundidade por 2,10 metros de comprimento para evitar a contaminação do lençol freático e a expansão para a superfície de gases e microorganismos que fazem a decompo-sição. No entanto, a prática é bem dife-rente. Segundo Carlos Pereira, coveiro há 24 anos do cemitério São Francisco Xa-vier, mais conhecido como Caju, a pro-fundidade real das covas está entre três e quatro palmos.

A mudança foi decorrente da re-dução dos espaços nos cemitérios que precisaram diminuir a profundidade para aumentar o calor, acelerar o processo de decomposição e encurtar o tempo ne-cessário para a exumação dos corpos de cinco para três anos. Com a diminuição, espaços antigos se tornaram disponíveis em menos tempo.

A redução da profundidade das co-vas foi adotada, sobretudo, nos 13 cemi-térios públicos da cidade que estão, desde 1851, sob administração da Santa Casa de Misericórdia do RJ. O caráter público vem da regulação governamental sobre a prestação de serviços, preços dos caixões e fiscalização dos cemitérios. Como insti-tuição sem fins lucrativos a Santa Casa re-passa o valor cobrado pelos sepultamen-tos para a realização de enterros daqueles que não podem arcar com as despesas.

Construídos há mais de um século, os cemitérios públicos e particulares pre-cisam se adaptar à passagem do tempo e à impossibilidade de expandir o território. Com cerca de 250 sepultamentos por dia dentro do município, outras alternativas foram necessárias para atender a todas as famílias. Empresas privadas optam pela busca de novas áreas e construção de cemitérios verticais. Entre os cemitérios particulares o mais conhecido é o Jardim da Saudade, com unidades em Sulacap e

Paciência, zona oeste da cidade. O esti-lo parque foi trazido dos EUA e oferece apenas um tipo de sepultamento: caixa de concreto abaixo da grama com espaço duplo onde as pessoas são sepultadas.

Embora a violência tenha crescido no Estado do Rio de Janeiro em 40% en-tre 1991 e 2000, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), ela não é responsável pela superlotação. “A ausência de espaço está associada ao término da vida útil dos ce-mitérios, variável de acordo com o local e as dimensões. O que está acontecendo é que o Jardim da Saudade de Sulacap, o primeiro que o Brasil teve no estilo par-que, está praticamente esgotado. Cria-do há 40 anos, pode esgotar em cinco. Estamos chegando ao período final das vendas de sepulturas. Tudo que poderia ser construído já foi. Já o de Paciência tem apenas 15 anos e ainda vai durar por bastante tempo. Esse é o ciclo normal de qualquer cemitério. É assim nos particu-lares e também nos públicos como já está acontecendo no São João Batista, um dos mais antigos do Rio de Janeiro”, disse Nacle Gibran Bezerra Filho, diretor do Jardim Saudade.

O cemitério São João Batista, cons-truído em 1851, e o de Inhaúma, datado de 1901, estão entre os que costumam so-frer mais reclamações por quem necessita fazer um sepultamento. Quem já passou por essa situação foi Vicente Ferreira, 51 anos, que perdeu a mãe em fevereiro de 2008 e não encontrou local disponível no cemitério de Inhaúma. “O espaço para se-pultar existe, mas não em todos os cemi-térios a qualquer momento. Perdi minha

mãe e na época procuramos o Cemitério de Inhaúma para fazer o enterro porque eu queria que ela ficasse no mesmo lugar que o meu pai estava. No entanto, quan-do liguei para pedir uma locação por três anos me informaram que lá não havia ne-nhuma disponível e que eu deveria procu-rar outro. Acabei escolhendo o cemitério do Caju”, disse Vicente.

O mesmo aconteceu com um mo-rador de Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, que não quis se identifi-car. “Meu tio morreu subitamente e quan-do fomos procurar pelo cemitério aqui mesmo da região não encontramos vaga. A princípio disseram que talvez tivesse, mas no final das contas ti-vemos que optar pelo Jardim da Saudade de Paciência”.

Apesar disso, Dahas Zarur, admi-nistrador da Santa Casa, diz que “não há nada lotado em nenhum cemitério. As caixinhas que recebem os ossos, por exemplo, ocupam toda a parede do lo-cal e não há como acabar esse espaço”. Acontece que passados os três anos ne-cessários para a exumação, vagas antigas são reabertas, como se dessem início a um novo ciclo. A superlotação está rela-cionada a não existência de locais novos, o que leva à dependência das exumações para que novos enterros possam ser fei-tos. A falta de espaço, nesses casos, não é definitiva.

A ausência de locais para sepulta-mento em alguns cemitérios do Rio de Ja-neiro afeta principalmente as pessoas de classe média e baixa que não têm condi-ções de adquirir um jazigo perpétuo, que

custa no mínimo vinte mil reais. Nesses casos, há espaço suficiente para cai-

xão e ossos, não havendo risco de que ele se esgote um dia,

segundo informou o ad-ministrador da Santa

Casa.

A construção de cemitérios verti-cais representou uma nova forma de ex-tinguir os sete palmos para lidar com o espaço. Ao mesmo tempo contribuem para a preservação, sobretudo, do lençol freático, cuja contaminação pode levar à proliferação de doenças para a popu-lação do entorno. No Rio de Janeiro, o principal cemitério vertical é o Cemitério da Venerável e Arquiepiscopal Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do

Carmo, mais conhe-cido como Memorial do Carmo, primeiro cemitério vertical da cidade, construído no final dos anos 90, e lo-calizado no bairro do Caju. Tendência nos Estados Unidos, Ca-nadá e Europa, os se-pultamentos são feitos em jazigos horizontais estanques de concreto armado.

Outra solução para a falta de espaço em cemitérios é a utilização de cremató-rios. Além de mais higiênica e barata do que os demais sepultamentos, pode con-tribuir para evitar ou solucionar a super-lotação dos cemitérios. No Rio, o índice crematório ainda é muito pequeno por uma questão de tradição e de religiões como o Judaísmo e Islamismo, em que a cremação é proibida. Segundo Dahas Zarur, para cada 180 enterros são feitas 3 cremações.

A falta de espaço em cemitérios não é um problema que afeta apenas a cida-de do Rio de Janeiro. São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul, Paraná e Niterói, no Estado do Rio, onde está localizado o ce-mitério do Maruí, também são afetados. Em Santa Catarina, a solução foi um pou-co mais ousada. A lotação do cemitério São José, no centro de Blumenau, levou a estudos que fossem capazes de definir a melhor solução entre construir um cemi-tério vertical e um crematório. Optou-se por juntar dois em um com a criação do Memorial Ecumênico São Francisco de Assis, um lugar onde o resultado final é a cremação, mas no qual as famílias têm reservado o direito de manter suas tradi-ções e crenças sepultando os corpos de seus entes através da utilização de colum-bários para armazenamento de cinzas.

Na morte, restaram quatro palmosSuperlotação dos cemitérios cariocas reduz a profundidade das sepulturas e exige novas alternativas

“Estamos no período �nal

das vendas de sepulturas. Esse é o ciclo normal

de qualquer cemitério”

Miriam PaçoNovos tipos de sepultamentos acabaram com os antigos sete palmos de terra

http://img.terra.com.br/i/2008/07/22/816449-6151-ga.jpg

NO 15 - 2009/1 5

O gato é popularmente reconhecido por ser um animal ousado e arisco. Pika-chu, não foge a regra. Com agilidade, flexi-bilidade e visão aguçada põe em prática seu instinto de sobrevivência. Sua incrível ca-pacidade de se equilibrar sobre quatro pa-tas o fez escapar da tentativa de homicídio quando jogado do terceiro andar do prédio onde mora na rua Barão de Itapagipe, após invadir a casa de uma vizinha que temia o coito entre o gato vira-lata e sua gatinha de pedigree.

Pikachu só confirma o mito dos fe-linos possuírem mais de uma vida. Essa capacidade relacionada ao místico número 7 foi a combinação perfeita para a criação do dito popular “os gatos têm sete vidas”. A partir da história do ousado bichano, so-breviventes contam como atravessaram os momentos em que estiveram no limite en-tre a vida e a morte, totalizando sete vidas.

Vida 2: afogamentoNo carnaval de 1998, após belos dias

de sol, a quarta-feira de cinzas amanhe-ceu nublada. O mar estava tranquilo com enorme faixa de banco de areia. Então, Águida Freire resolveu se banhar. Sozinha, ficou boiando, em profundo relaxamento. De repente, a ela sentiu uma forte cãibra e ao olhar ao seu redor não enxergou qual-quer surfista que pudesse socorrê-la. Ten-tou manter a calma. Águida acenava para a família que estava sentada em volta da barraca de praia. “Pareceu uma eternida-de. Estava tão cansada que procurei con-tinuar boiando, pensei em muitas coisas, cheguei a não ter esperança de conseguir sair dali”, revela.

Após beber um bocado d’água, Águi-da foi trazida pelo próprio mar de volta para o banco de areia, aonde foi socorrida por um grupo de banhistas. “Acredito que ele (Deus) tenha me dado uma forcinha. Seria muito ruim morrer daquela maneira, tão banal”, desabafou a sobrevivente. Após os primeiros socorros, ela foi levada para o Hospital Municipal da Mulher de Cabo Frio. A passagem de água para o pulmão levou à parada cardíaca. O rápido atendi-mento salvou a vida de Águida que recebeu alta na semana seguinte.

Vida 3: dependência químicaCom 17 anos, Ricardo Tavares criou

uma banda com mais três amigos começa-va a fazer shows e ganhar dinheiro com a música. Pouco, mas o suficiente para ali-mentar seus pequenos prazeres. O assédio de namoradas e novos amigos veio no mes-mo instante em que conheceu as drogas. “Nesse ambiente é muito comum o acesso esse tipo de coisa. Em alguns meses fui da maconha para as drogas sintéticas, passan-

do pela cocaína” confidenciou Ricardo.Numa tarde de julho de 2001, em

casa, Ricardo consumia cocaína quando teve parada cardíaca. Ao ver seu filho joga-do no chão, a mãe o levou à emergência do Hospital do Andaraí. “Nessa situação qual-quer minuto faz toda a diferença.” Após se livrar do risco de morte, Ricardo foi trans-ferido para o Hospital Pasteur, no Méier, por onde permaneceu mais 18 dias.

Quando voltou para casa, seu pai decidiu pela internação em uma Clínica de tratamento para dependentes quími-cos. “Naquelas semanas vi o sofrimento da minha família, da minha avó. Levei o sus-to que precisava. Talvez não tivesse outra chance.” Sem qualquer tratamento Ricardo conseguiu largar o vício.

Vida 4: anorexiaVinícius é o filho caçula de uma

típica família italiana. O pai, seu Gennaro, é dono de padaria. A mãe, dona Eleonora, é a típica mama. Dona de casa, cozinha com talento inigualável. Não por acaso os Bestalucci enfrentam problemas com a balança. Ao chegar da escola, Vinícius se dividia entre sua casa e a padaria. Chegou aos 15 anos com 1,70m e 92 kg. Era motivo de gozações no colégio. “Não suportava aquela situação. É complicado admitir, mas eu mesmo não gostava de pessoas gordas”, declara o caçula.

Então descobriu uma maneira rápida e para perder peso. “Passei a não comer. Não aceitava nada que me ofereciam, em casa dizia que ia comer no quarto e jogava a comida fora. Não sentia fome, o fator psicológico não permitia”, revela Vinícius. Em 18 meses o rapaz passou a pesar 48kg medindo 1,78m. “Nenhuma mãe merece ver um filho assim” conta dona Eleonora.

Vinícius passou a sofrer com diver-sas doenças em razão da baixa imunidade. Uma infecção provocada por um corte no pé esquerdo o deixou 20 dias no hospital. Cogitou-se a possibilidade de amputar a perna, visto a velocidade que a bactéria se espalhava pelo organismo. Com trata-mento psicológico e o apoio de amigos e familiares, Vinicius conseguiu reverter o quadro. Aos poucos vem recuperando sua forma e finalmente consegue se ver como realmente é.

Vida 5 : AidsEm 1991, após um exame de sangue

de rotina, Glauber Souza recebeu a notícia que mudaria sua vida. O exame atestou po-sitivo para o então pouco conhecido HIV. “Não podia me desesperar, apesar de tudo ser desesperador. No início dos anos 1990 ainda estava se descobrindo o que era a

Aids.” Sem familiares no Rio de Janeiro,

Glauber cria sozinho o filho que adotou e enfrenta diariamente o preconceito, além das divergências com o plano de saúde para custear o caro tratamento. Porém, o momento mais difícil de sua vida foi em dezembro de 2003, quando sofreu uma pneumonia.

“Estava em um período de muito tra-balho com o fim do ano letivo nos três co-légios que leciono, além de estar corrigindo provas de vestibular. Não me recuperei de uma gripe e acabei iniciando um quadro de pneumonia.” A situação de Glauber che-gou ao ponto limite entre a vida e a morte. As complicações geradas a partir da infla-mação nos pulmões são quase irreversíveis para um paciente soropositivo.

Durante o período que esteve inter-nado na Unidade de Tratamento Intensivo do Hospital da Beneficência Portuguesa aconteceu um fato curioso. “Ninguém sabe quem inventou essa história, mas em um dos colégios que trabalho chegaram a acreditar que eu havia morrido. Suspen-deram o meu pagamento nos dois meses seguintes.” Muito querido pelos amigos e alunos, Glauber aguentou as seis semanas de internação. Com 1,68m, Glauber saiu do hospital com menos seis quilos, pesando 44 kg. “Fui mais forte, não poderia deixar meu filho sozinho.”

Vidas 6: sequestro relâmpago Em dezembro de 2005, Nancy Cas-

tro mal havia chegado ao Rio de Janeiro, após um ano em Boston, e com sua mãe foi buscar a sobrinha Gabriela para passar o final de semana na casa da avó. As três seguiam de carro pelo Alto da Boa Vista no maior bate-papo, pondo em dia as novida-des de quase um ano.

De repente, um carro em alta velo-cidade fechou o veículo de dona Nylza. Um homem saiu já com uma arma apon-tada para Nancy, que guiava o veículo. “Ele mandou minha tia passar para o banco de trás e logo arrancou pela Estrada Velha da Tijuca”, relata Gabriela.

“Ele dizia a todo o momento que iria nos matar ”, recorda. “Não sabíamos o que ele queria, foi me angustiando. Perdei mi-nhas forças e desmaiei”, conta dona Nylza. Preocupadas com a o estado da senhora, Nancy e Gabriela imploraram para que o homem as liberasse. No entanto, o seques-trador continuava a aterrorizá-las. “Ele viu que a minha avó estava desacordada e con-tinuava a nos apontar a arma, além de falar insistentemente que iria nos matar.”

Até que o bandido foi surpreendido por uma blitz da Polícia Militar. Sem outra

opção de fuga, ele freou bruscamente o veí-culo e saiu correndo em meio aos pedestres. Os policiais acionaram o corpo de bombei-ros que rapidamente chegou e prestou os primeiros atendimentos à dona Nylza. Fe-lizmente, havia sido apenas uma queda de pressão, rapidamente contornada.

Vida 7: acidente vascular cerebralDois meses após ser divulgada a sua

aprovação no concurso público para fiscal da Receita Federal, Leonardo Monteiro teve seu sonho interrompido por uma fata-lidade. Durante a noite, seu pai chegou foi ao seu quarto e o viu dormindo no chão, ao lado da cama. “Tentei acordá-lo para que fosse dormir na cama, pensei que estava bêbado”, recorda o pai, Wagner Monteiro.

Ao soar do despertador, às 6h, Leo-nardo não levantou. Daí o pai desconfiou que algo acontecera. “Ele mal apresentava sinais vitais, entrei em pânico, com um tre-mendo sentimento de culpa.” No hospital foi diagnosticado o acidente vascular cere-bral isquêmico. Falta de irrigação sanguínea no tecido cerebral em razão de arritmias cardíacas, um problema genético.

Devido à demora ao atendimento, o quadro de Leonardo foi considerado irre-versível. Passaram-se mais de 7 horas entre o derrame e o atendimento. “Um médico veio a minha esposa e disse que na melhor das hipóteses o nosso filho teria uma vida vegetal.” Após demorado procedimento ci-rúrgico, veio o alívio. O jovem não corria mais risco de morte.

“Foi só o começo dessa longa cami-nhada. Nesses oito anos já fiz mais de mil horas de exercícios de fisioterapia. Valeu a pena. Não posso reclamar de nada”, conta Leonardo. Sua promissora carreira não foi adiante. Ainda hoje sua vida se restringe de sua casa à academia, onde faz sessões de fisioterapia. Mesmo com as sequelas que afetaram basicamente o lado direito do seu corpo, hoje ele anda com auxílio de muletas e apesar da dificuldade, consegue falar.

Ganhando novas vidas, como o gato Sobreviventes contam como atravessaram os momentos que pareciam ser o fim de tudo

Thiago Etchatz

6 NO 15 - 2009/1

Sequestro de anões vira outra história Intervenções urbanas deixam Branca de Neve só e promovem guerra. De travesseiros

— Capturar anões de jardim é uma forma de uma intervenção urbana que tem o poder de despertar o cidadão classe mé-dia comum do estado de torpor em que a mídia o deixa.

Além da OLAJ, existem no mundo e no Brasil diversos movimentos de inter-venção urbana que usam a brincadeira e a piada para criar os chamados “distúr-bios na percepção do cotidiano”. Outro exemplo são os flashmobs, na tradução li-teral “reunião em grupo relâmpago”, uma modalidade de intervenção urbana em que os participantes combinam, através da in-ternet, de se reunir em um determinado local e horário para realizar alguma ação inusitada em público.

O jornalista Bill Wasik, da revista americana Harper’s, afirma ser o criador do primeiro flashmob. Em 2003 teria man-dado e-mails para cerca de 50 amigos os convidando para um encontro em frente à loja Claire’s Acessories em Manhattan sem propósito aparente. O plano não deu cer-to, pois a loja ficou sabendo das intenções do jornalista e chamou a polícia. Mas, dois meses depois, Bill organizou uma nova es-tratégia: distribuiu, pouco tempo antes da hora planejada, panfletos que indicavam quatro bares onde as pessoas deveriam ir para obter mais informações sobre o even-to planejado. O flashmob aconteceu na loja de departamentos Marcy’s, onde mais de 100 pessoas juntaram-se no andar de ven-da de tapetes. Quando os vendedores os abordavam o grupo dizia que todos ali fa-ziam suas decisões de compra juntos e que procuravam um “tapete do amor”.

Em entrevista ao site Mother Jones em 2007, Bill contou que sua idéia era criar situações completamente absurdas de cer-ca de 10 minutos, sem nenhuma ideologia política. “Quando ouço falar em usar os flashmobs para fins políticos, meu primeiro pensamento é que a pessoa não sabe do que está falando. Os flashmobs são um es-paço de absurdo em meio a um universo

Era uma vez sete anões que viviam fe-lizes na floresta com a linda princesa Branca de Neve, até que um dia foram retirados de seu lar e obrigados a viver enclausurados em um jardim particular. Esta historinha lhe soa absurda? Pois saiba que nem todos a conside-ram pura fantasia. Surgida na França por vol-ta de 1997 e com adeptos em diversos países, a Frente de Libertação dos Anões de Jardim (Front de Libération des Nains de Jardins - FLNJ) é formada por gente que acredita ser defensora dessas criaturinhas. O objetivo dos integrantes do movimento é confrontar o es-tablishment “libertando os anões do ridículo e da servidão” e supostamente devolvendo-os aos bosques e florestas.

Os integrantes da frente, que no Brasil se chama Organização para a Li-bertação dos Anões de Jardim (OLAJ) e possui mais de 4 mil membros filiados, se divertem confiscando os anões e dando-lhes os mais variados destinos. Em uma de suas ações mais famosas na França, em junho de 2002, o grupo encheu um cam-po de futebol na cidade de Heming com 202 anões e deixou um bilhete explicando que aqueles seres deveriam formar a sele-ção de futebol nacional. Outra corrente do movimento, influenciada pelo filme O fabuloso destino de Amelie Poulain, opta por tirar o anão do jardim e encaminhá-lo para uma viagem ao redor do mundo de onde são enviadas correspondências ao seu an-tigo dono contendo fotos do mascote nas mais diversas paisagens. No Brasil, o mo-vimento tem mais força em Curitiba, Vi-tória e São Paulo, onde jovens surrupiam os anões, registram o momento com suas câmeras e os devolvem à natureza.

— Parem com a jardinagem opres-sora. Milhares de anões de jardim ainda são escravizados no mundo inteiro. Por tempo demais suportamos nossos vizinhos usur-parem os direitos destas gentis criaturinhas da floresta – diz uma integrante da OLAJ que prefere não se identificar.

Por sua atividade ser facilmente con-fundida com vandalismo, alguns dos parti-cipantes do movimento preferem manter o anonimato. As motivações dos integrantes são as mais diversas, da diversão simples e pura à convicção ideológica.

— Roubar anões de jardim é um distúrbio do cotidiano e é divertidíssimo – diz Luís Felipe Mayorga, ex-integrante da OLAJ que deixou o movimento por acreditar em outras formas de intervenção que não envolvem “danos patrimoniais ou invasão de propriedade.”

Luís Felipe se diz indignado com a seriedade do estilo de vida ocidental e por isso teria aderido à OLAJ:

social tecnológico que pode ter o poder de ser revolucionário”, defende Bill.

Esse tipo de mobilização já chegou ao Brasil, onde há vários tipos, alguns mais espontâneos e formulados democratica-mente entre os participantes e outros que ocorrem ao mesmo tempo em todo o pla-neta, como o Zumbie Flashmob, em que todos se vestem de mortos-vivos e saem pelas ruas; o Follow Me, em que é forma-da de repente uma fila gigantesca em meio ao caos da cidade e o Pillow Fight, em que o grupo promove uma enorme guerra de travesseiros em meio aos espaços urba-nos.

Recentemente, no dia 4 de abril, foi a vez do Pillow Fight que teve adeptos em mais de 300 cidades em todo o mundo, dentre elas Amsterdã, Atlanta, Budapeste, Caracas, Moscou, Zurique, Atlanta, Nova York, Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. A versão carioca concen-trou cerca de 200 pessoas munidas de seus travesseiros no Largo do Machado. Nada comparado à guerra paulistana que contou com cerca de 1500 participantes reunidos em torno do Obelisco Ibirapuera.

No Rio, até mesmo os meninos de rua participaram da bagunça. Um gari as-sistia a tudo dando muitas risadas apesar do chão repleto de plumas e espuma dos travesseiros que se desfaziam. Os flashmobs possuem regras rígidas e entre as do Pillow Fight Rio estava a limpeza do local ao final, além de outras como: não bater em quem não tiver um travesseiro, não manifestar opiniões políticas e a cínica regra número 10 que diz. “Se houver imprensa presen-te, a resposta oficial a qualquer pergunta é “Acabei de comprar almofadas. Passei aqui e de repente me jogaram no meio disto.”

Embora o flashmob tenha sido origi-nalmente concebido como apolítico, é ine-vitável que haja uma ideologia por trás de qualquer movimento.

— Além de ser um ato divertido, é uma forma de resgatar os espaços urbanos. Vivemos numa sociedade “carrocrata”, os espaços públicos são desprezados e as ruas funcionam apenas como uma rápida

passagem entre dois pontos. Esse resgate das praças e ambientes urbanos em geral, de uma forma lúdica é, portanto, uma for-ma de contestação à política majoritária em vigor – argumenta Arlindo Pereira Jr., organizador do flashmob Pillow Fight Rio e estudante de Sistemas de Informação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Além destes grandes movimentos organizados, se multiplicam nas metrópo-les de todo o planeta os distúrbios de co-tidiano de menor proporção e individuais, incorporados como parte do cotidiano dos indivíduos que os praticam. Para fazer este tipo de intervenção não é preciso de ne-nhum instrumento, mas apenas de iniciati-va pessoal e criatividade. São realizados os mais diferentes tipos de “distúrbio”, um exemplo é a idéia de Daniel Marimbondo, estudante de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que incomo-dado com o que chama de “condição de quase-não-lugar” dos ônibus da cidade, faz uma espécie de atuação em que des-perta a atenção dos passageiros.

Durante o trajeto, Daniel se levanta e começa a falar como se fosse um ven-dedor ambulante, mas ao invés de pedir ajuda financeira ele pede algo inesperado: um abraço ou aperto de mão. “Então, eu queria pedir pra quem puder tá ajudando com um abraço, ou até mesmo um aperto de mão, eu agradeço do fundo do coração. Mas quem não puder, eu agradeço da mes-ma maneira, sabe?” discursa ele.

— Como a maioria das intervenções que faço são espontâneas, elas são sem-pre adaptadas ao momento. Intervenção urbana pra mim significa intervir para tra-zer à tona problemáticas urbanas ou que se engendraram a partir de modos de vida travados na cidade. Sejam essas problemá-ticas verbalizáveis, sejam elas uma questão de sensibilidade – diz Daniel que também costuma fazer intervenções em coquetéis e vernissages como parte do que ele e al-guns amigos chamam de MOVOC, Movi-mento de Ocupação de Coquetéis.

Sofia Moutinho

Da �oresta ao jardimO costume de adornar jardins com estátuas de anões surgiu na cidade alemã de

Gräfenroda, localizada no Vale da Gera Selvagem, ao lado da Floresta Thüringer. Em 1874, o artesão Philipp Griebel fundou uma pequena fábrica onde criou as primeiras estátuas de cerâmica inspiradas na mitologia alemã, em que os anões eram considerados habitantes do interior da terra e guardiões de seus tesouros. Alguns anos antes, em 1812, os Irmãos Grimm publicaram a mais conhecida versão do conto infantil da Branca de Neve e os Sete Anões a partir de contos populares que circulavam na Europa à época. Na história os anões são mineradores, gênios da terra, e seriam sete pela correspondência aos metais conhecidos então: ouro, prata, mercúrio, cobre, ferro, estanho e chumbo.

NO 15 - 2009/1 7

Juliana Siqueira

Thales é detetive há 25 anos e aten-de em uma pequena sala na Rua Evaristo da Veiga, no Centro. Quem chega no en-dereço, atraído por um pequeno anúncio feito diariamente em um jornal carioca, se vê nas páginas de um livro policial: sala pequena, ventilador barulhento, plaquinha sobre a mesa com a inscrição “Detetive” e… uma lupa. Graduado em engenharia, Thales exibe na parede seu diploma de detetive, conseguido através do extinto Instituto de Investigações Científicas e Criminais. Agora precisa de diploma para ser detetive? Na verdade, o diploma é uma exigência informal, já que não há regulamentação oficial para a profissão. A boa notícia é que ela é aber-ta à todos, basta ser maior de idade e não ter antecedentes criminais.

Hoje existem diversas agências e institutos que fornecem o material para estudo, que é todo feito a distância. O aluno paga, recebe as apostilas em casa, faz uma avaliação – também em casa – e quando aprovado, recebe seu certificado e uma credencial, e já está pronto para sair investigando por aí. O Conselho Nacional de Detetives, sediado em Juiz de Fora, é uma das instituições que ofe-recem o curso. A entidade informou que muitos que se inscrevem o fazem para adquirir conhecimento, ou até mesmo por curiosidade, e não para se iniciar na carreira. Sobre a possibilidade de abrir um curso presencial, Jorge Filtsoff, re-presentante da entidade, disse que não pensam nessa hipótese, pois seria muito difícil conseguir reunir uma turma, já que eles atendem alunos de todo o país. Di-ferente do 007, os detetives tupiniquins não precisam de uma licença especial da realeza para exercer a profissão.

Voltando ao detetive Thales, ele conta que já atendeu muitos figurões da TV, política e indústria, mas não revela os nomes por nada. “Discrição é fun-damental para a profissão”, justifica. De acordo com ele, anos atrás os serviços de um detetive particular só podiam ser contratados por gente da alta sociedade, os únicos com cacife para bancar vários dias de investigação. Com o passar do tempo, o ofício se popularizou – para ele, graças à mídia – e hoje uma maior parcela da população pode ter acesso ao serviço. Mesmo assim, contratar um investigador particular não sai tão bara-to. Uma diária pode custar até 700 reais, em casos mais complicados. O serviço

completo, que inclui cinco dias de inves-tigação costuma ficar por volta dos 2 mil reais. “Hoje em dia já está mais acessível, mas mesmo assim não podemos reduzir tanto nossos preços, para não banalizar nosso trabalho.” Entretanto, ele avisa que quem quer fazer o curso achando que vai ficar rico se dá mal. “Vida de de-tetive não é nada fácil.”

De pai para filhoO gosto pela profissão muitas ve-

zes está no sangue. Mesmo com os ape-los do pai para que se formasse em Di-reito, o filho de Thales, Pablo Menezes, decidiu acompanhá-lo na empreitada. Aos 32 anos, concluiu há nove o curso do mesmo Instituto que formou Thales. Ele conta que até hoje o pai insiste que retome os estudos, mas Pablo garante que não quer outra vida.

Juntos, os dois se tornaram sócios na agência que hoje conta com quatro funcionários, todos agentes de investi-gação que fazem o trabalho de campo junto com Thales. Entretanto, só pai e filho atendem os clientes: os agentes não têm nenhum contato com o contratante, e nem sabem quem são. Tudo para não comprometer a qualidade do serviço.

Quando uma investigação é con-tratada, Thales delega o caso a um agen-te, que trabalha seis horas por dia na rua. Dependendo do caso, mais de um agen-te pode ser mobilizado para o serviço, que pode demorar de cinco dias a vários anos. Anos? “Estou trabalhando em um mesmo caso há quase seis anos”, revela Thales. Infelizmente, ele não pôde for-necer nenhuma informação.

Os casos mais comuns, os de in-vestigação conjugal, que atualmente são

cerca de 50% dos casos recebidos pela agência, tem a duração média de cinco dias. Para Thales, quando uma pessoa tem um amante, dificilmente ficará mais de cinco dias sem o visitar.

Falta de regulamentação:principal dificuldadeOs detetives brasileiros são unâ-

nimes: a falta de uma regulamentação profissional é o maior percalço que o profissional pode enfrentar. Atualmente, o que a lei brasileira garante é o reco-nhecimento da profissão, porém não há nada que especifique quem pode exercer a função, nem nenhuma entidade oficial que represente os detetives.

Para acabar com o problema, em 2007 o deputado José Genoíno criou um Projeto de Lei em que estabelece uma regulamentação para o profissional da investigação. A proposta estabelece que para o exercício do cargo será necessário uma autorização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), funcionando como a carteira da OAB para os advogados. Seria um progresso e tanto para a dura profissão de detetive, se o projeto não estivesse parado na Câmara, esperando ser aprovado.

Uma saída para os que temem a instabilidade da profissão é fazer um concurso público para trabalhar na Abin. Quem quiser se tornar um Agente ou Oficial de Inteligência, o que talvez não tenha o mesmo charme de um detetive particular, só precisa ser graduado em qualquer curso, de qualquer instituição reconhecida pelo MEC. Ao passar pelo concurso, o candidato terá que fazer o Curso de Formação em Inteligência. No último concurso, realizado em 2008, a

Agência abriu 190 vagas. Na época, a relação candidato/vaga para o concur-so foi de 726,7 e 415,5 respectivamente. Foram milhares de brasileiros querendo bancar o detetive. Só 190, entretanto, chegaram até a etapa final. Será que o prêmio de consolação foi um filme de James Bond?

Agentes não tão secretos assimConcursos públicos e cursos à distância espalhados pelo país formam os 007 tupiniquins

Agente do crimeCerta vez, um senhor foi à agên-

cia de Thales pedir uma investigação sobre sua mulher, que ele achava que estaria o traindo. O resultado apontou que as suspeitas do cliente estavam cer-tas. Seria mais um caso normal de in-vestigação conjugal, se o tal amante da esposa infiel não fosse um dos próprios agentes de Thales! “Foi uma situação embaraçosa, mas tive que contar para o cliente o resultado.”

Quando o crime mora ao lado

Em outro caso similar, Thales colocou um agente de campana, ou seja, de tocaia, perto da residência do objeto de investigação, para descobrir o suposto amante. Passado os cinco dias, o resultado foi que não se havia regis-trado nenhum movimento suspeito da esposa. Incorfomado, o marido pe-diu que a investigação continuasse. Aí que está o pulo do gato: desconfiado, o agente se infiltrou como funcioná-rio no prédio onde a esposa do cliente residia e descobriu o porquê da ausên-cia de movimentos suspeitos: a esposa não precisava sair do prédio para pular a cerca, já que a traição se dava dois andares abaixo do seu, com a vizinha do 8° andar. Ou seja, além da traição, descobriu-se que ela se dava no mesmo prédio e ainda com uma mulher! Foi o fim do casamento.

Proposta indecente Também já aconteceu de o objeto de investigação – um homem, que estava sendo investigado a pedido da mulher – ir até a agência sem saber de nada para pedir também uma inves-tigação, sobre a esposa. “Claro que tive que recusar. E ainda contei à minha cliente, sua esposa, sobre o pedido do marido.”

8 NO 15 - 2009/1

Michael Jonathas, auxiliar de operações múltiplas do Kinoplex Shopping Tijuca, diz que desde a inauguração do cinema, as salas sempre ficam cheias. Para o funcio-nário, isso ocorre porque as pessoas gos-tam de novidade. Segundo ele, por exem-plo, no dia do feriado de Tiradentes – dia 21 de abril – 4.200 pessoas passaram pela sala. Acrescenta ainda que, normalmente, as novidades ficam somente em uma sala, como forma de experimentação. Assim, não crê que haverá a transformação das demais salas. Especialista no assunto, An-dré Brasil, professor de Teoria da Imagem na PUC de Minas, também acredita nisto. Para ele, somente algumas produções se-rão exibidas em salas de formato 3D. “Eu acho que o cinema vai estar lá. Eu não acredito numa substituição. Acho que são

experiências diferentes mesmo. A experiência da sala escura te traz uma série de questões para a subjetividade, para a estética, para a poética, que está tão lá e que, em minha opi-nião, vão permanecer.”

A interatividade proporcionada pelas salas 3D é o principal atrativo para o públi-co. Rompendo com a bidimensionalidade da

imagem, o filme traz a impressão de sair da tela. Desta forma, prende o público e levanta reações maiores às cenas do filme. Pedro M. V. Chaves, projecionista do Ci-nesystem do Shopping Iguatemi, em Flo-rianópolis, percebe nas sessões as diferen-tes reações do público. “No início do filme Monstros Vs Alienígenas, tem a imagem de uma esfera que salta da tela em dire-ção ao público. Em quase todas as ses-sões, nessa cena, o pessoal grita e aplaude, independente da idade. É até engraçado.”

Para o projecionista, nesse tipo de filme, o atrativo não está somente no fato de ser novidade. O principal seria a quali-dade da imagem. “Os comentários depois da sessão são muito bons com relação à qualidade da imagem. Por ser projeção digital, a qualidade das imagens é mui-to superior. No filme em película, a cada sessão, há um desgaste. Já no projetor digital, não tem esse problema.” Enfatiza ainda o fato de as projeções tridimensio-nais não serem exageradas e cansativas. “Uma coisa que percebi é que não é em todos os momentos que as imagens saem da tela. Na maior parte do filme, o efei-to 3D é mais sutil, mas está sempre lá.”

Deborah Fernandes, comunicóloga e realizadora de curta-metragem, teve sua primeira experiência como espectadora do cinema 3D no Universal Studios, Los Angeles, em março deste ano. “Ao final da experiência, soube exatamente como foi o fascínio daquelas pessoas nos primórdios do cinema, quando tudo era impressio-nante e novo. Para nós, que nascemos em tempos de grandes produções e efeitos especiais, é maravilhoso poder acompa-nhar a última grande revolução da lingua-gem cinematográfica.” Afirma ainda que a interatividade é o diferencial neste tipo de cinema. “Definitivamente é um jeito fantástico de assistir o cinema de entre-tenimento. Até porque você não assiste, está lá. Se sente parte do filme. É uma experiência que mexe com vários sentidos.”

A mudança pro-porcionada pelo avanço tecnológico desperta, não só o interesse do público em geral, mas também dos estudiosos da área multimí-dia. Ronaldo Entler, jornalista e professor credenciado do programa de Pós-Gradua-ção em Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp, percebe a importância das mudanças ocorridas no cenário cinema-tográfico. “As novas tecnologias propõem questões importantes para a arte cinema-tográfica, com relação às possibilidades de interatividade e sugestões de novos espaços para fruição dessas experiências cinemato-gráficas como, por exemplo, a Internet.”

É fato ser inevitável o desenvolvi-mento e a implantação de novos recursos

O som da música, o movimen-to da dança, a cor da pintura, o volume da escultura, a representação do teatro e a narrativa da literatura. Essas eram as seis características que davam ao cinema o seu reconhecimento como sétima arte. Hoje, porém, com o advento das novas tecnologias e a implantação dos sistemas digitais, o cinema ganha uma nova carac-terística: a magia das projeções tridimen-sionais. Desta forma, surge o cinema 3D.

As instalação de salas de cinema em 3D são a grande novidade do novo cine-ma. No Brasil, essa realidade chega aos poucos. Segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine), no início do ano somen-te 25 salas estavam equipadas com os pro-jetores 3D e a previsão é que até o final do ano esse número ultrapasse os 100 ci-nemas. Diferentemente da moda dos filmes 3D, lançados com pouco sucesso em meados da década de 1950 e tam-bém usavam óculos coloridos, agora, com a migração da película para o sistema digital, os novos filmes tridi-mensionais possuem uma maior qualidade na imagem, diminuin-do o cansaço visual e proporcionando mais realismo às cenas. Desta forma, prome-te se tornar mais atrativo para o público.

A indústria cinematográfica aposta nisto. Os exibidores veem essa nova for-ma de projeção como um modo de fazer os espectadores voltarem às salas escuras. Aqui no Brasil, a maioria dos exibidores utilizam a tencologia Dolby 3D. Apesar de serem tecnicamente semelhantes à Real D – utilizada nos Estados Unidos -, pelo fato de o Dolby 3D possuir óculos reutilizáveis, ou seja, o espectador preci-sa devolvê-los após o final da sessão para que eles sejam higienizados, esse formato se torna mais caro que o outro (aqui no Brasil somente o Cinemark optou pelo Real D que possui óculos descartáveis bancados pelo distribuidor dos filmes e, por isso, é mais barato). Outra vantagem apontada por especialistas é o fato de essa nova tecnologia implantada nos filmes 3D ser uma arma potencial contra a pirata-ria, já que envolve uma série de tecnolo-gias difíceis de copiar. Ademais, estima-se que o acesso doméstico da tecnologia 3D aconteça somente dentro de dez anos.

No Rio de Janeiro, já é possível en-contrar salas com esse tipo de projeção.

tecnológicos em todas as áreas. Sempre haverá experimentações com intuito de facilitar e chamar atenção da sociedade. Quando se pensa em cinema, é possível perceber que muito já foi mudado e ain-da está mudando. Entler chama atenção, porém, para os problemas que esse avan-ço pode ocasionar ao cinema como, por exemplo, a perda deste como arte. Para ele, a diferença narrativa de um filme em película e em digital não é resolvido so-mente através de “pirotecnias”. “Eu acho que isso faz parte de certo deslumbramen-to com relação à tecnologia. A tecnologia por ela mesma. Você vai ao cinema não necessariamente para ver uma obra, mas

para ver uma espécie de estágio tecnológico que é encantador por si. Então, neste sentido, a gente tem uma espécie de espetá-culo que contribui muito pouco para o crescimen-to do cinema como arte.”

Pensa da mesma maneira o professor An-dré Brasil. E, apesar de re-

conhecer esse tipo de manifestação como uma possibilidade de abrir um campo gran-de na produção de imagens, enfatiza que se sente incomodado com essas questões. “Eu gosto de pensar essa manifestação des-locando o máximo possível destas questões meramente tecnológicas. Pensar como elas já trazem em si mesma algo que já estava na história do cinema e como elas projetam essa história para outra coisa, mas nunca pensar a tecnologia como o centro disso.”

Júlia da Escóssia

A oitava arte criada pela tecnologiaCríticos, especialistas e espectadores apostam no cinema 3D como a nova referência para próximos anos

Salas escuras ganham novas projeções tridimensionais, embora continue a necessidade de óculos especiais

Imagem retirada do site: http://www.barco.com/projection_systems/images/pr_kinepolisOost01_l.jpg

“Você não assiste, está lá. Se sente parte do �lme. É uma experiência que

mexe com vários sentidos”

Especialistas se preocupam com a perda da qualidade

artística

NO 15 - 2009/1 9

Há algum tempo as crianças “pin-tavam o sete”, brincavam de esconde-esconde, corda, amarelinha, pique ban-deirinha, queimado, passaraio, pique cola,... Talvez as brincadeiras tradicio-nais estejam tão em desuso quanto a expressão. Hoje elas já não pintam mais o sete, preferem jogos eletrônicos e se autodefinem como “gamers”. Ramon Sampaio, 12 anos, mora no Merck, área humilde da Taquara, Zona Norte do Rio de Janeiro, é uma exceção na sua idade, por ser um menino que adora brincar na rua, aprontando bastante. “Ramon é muito levado, assim que chega da escola já quer logo ir correndo para a rua brin-car”, afirma a mãe Dalila Sampaio.

Ramon adora jogar bola, brincar de queimado, andar de bicicleta e sol-tar pipa na rua com seus amigos. “Na rua que eu moro tem sempre criança. O que eu mais gosto de fazer é brincar

Marion Villas Boas, professora aposentada, além de editora e escritora de literatura infantil, diz que a criança isolada não estabelece regras de com-portamento espontaneamente; precisa sempre do outro. “Assim, o jogo é a forma pela qual uma comunidade recria ou exercita suas regras, seus padrões de convivência. Na brincadeira com regras, a criança, ao mesmo tempo em que se diverte, manipula as regras de sua reali-dade sociocultural.”

Valéria sabe que, se não por limte no tempo em que seus filhos brincam em videogames e computadores, eles poderão tornar-se crianças sedentárias. É por esse motivo, também, que os pais matriculam as crianças em inúmeras ati-vidades extras. O esporte, além de con-sumir o tempo dos filhos como tentati-va de suprir a ausência de alguns pais, ainda é benéfico para as crianças em termos físicos. Victor pratica judô, ca-

poeira, além de ter que cumprir com responsa-bilidades como a escola e o Kumon.

“Os jogos eletrô-nicos têm profundos re-flexos na saúde infantil, tanto no aspecto físico como no neuropsicoló-gico. A criança precisa da atividade física, de movimentar e exercitar tanto os grandes como os pequenos múscu-los. A posição sentada em frente à TV ou ao computador, se demo-rada, pode causar sérios transtornos posturais e enfraquecimento mus-cular”, afirma Marion.No colégio, as professo-

ras de Educação Física ensinam e incen-tivam brincadeiras populares. Segundo Ana Patrícia Mendonça, professora da Sociedade Educacional da Taquara, para os alunos do primário, que são me-nores, as atividades concentram-se nos “piques”, jogos com corda, amarelinha, ou seja, brincadeiras mais antigas. A sur-presa é em relação aos estudantes do 6º ao 9º anos, pois a professora afirma que também dá essas atividades mais tradi-cionais e os alunos adoram, chegam a brigar pela escolha da brincadeira. Po-rém, nesse caso, aplica como forma de aquecimento aos jogos esportivos.

“A escola mantém algumas tra-dições, é até uma função dela, resgatar brincadeiras infantis, festa junina e ou-tras festas, como tentativa de interação entre as crianças ou entre pais e filhos. O problema maior hoje é uma relação familiar”, diz Adriana Silva – pedagoga.

Para José Ricardo da Silva Ramos, autor do livro Dinâmicas, brincadeiras e jogos educativos, o objetivo da escola é utilizar essas atividades e trabalhar no aluno o reconhecimento do próprio corpo, provocando a memória lúdica da comunidade escolar. O jogo é um fato cultural e social, com ele é possível entrar, num dado momento, na histó-ria da existência humana, com seus va-lores simbólicos e pedagógicos. Além disso, a criança apropria-se de tudo que a cerca por meio de suas ações corpo-rais, podendo, dessa forma, conhecer a si mesma e a sociedade com a qual se relaciona.

Alguns pais, como a própria Va-léria, apontam a violência como prin-cipal desculpa para a não deixar os fi-lhos jogarem na rua e incentivarem as brincadeiras domiciliares. No entanto, ao prender seus filhos em casa, podem estar prejudicando mais que ajudan-

do, pois não permitem que as crianças aprendam a lidar com o mundo. O mais curioso é que a mãe de Victor sabe que não está agindo de forma correta, mais admite que o medo da violência é mais forte. Já a mãe de Ramon, diz que tam-bém tem medo do perigo da rua, mas sabe com quem seu filho está brincando e, às vezes, quando tem uma pausa no trabalho vai procurá-lo para ver como ele está. “O importante é dar liberdade para a criança”, conta.

Na opinião de algumas mães o desejo pelas novas tecnologias parte da própria criança influenciada pelos meios de comunicação. Dalila Sampaio disse que seu filho em um determina-do natal havia pedido um videogame. “Ele quis porque estava em evidência. Na época, todo mundo tinha”. Porém, os jogos eletrônicos não fazem mal a criança, o que pode trazer malefícios à saúde infantil é o exagero do tempo em que utilizam esse brinquedo, é o que diz a especialista na área Marion Villas. Afirma, ainda, que privar uma criança do mundo das atividades eletrônicas é privá-la da realidade em que vive, na medida certa estes jogos estimulam o pensamento e a rapidez de ação.

É uma ilusão acreditar que as crianças de hoje não gostam de jogos populares, a pedagoga Adriana Silva afirma “eles adoram computador, mas também adoram essas brincadeiras”.Ana Patrícia concorda – “eu nunca tive problemas com isso. Todas as crianças participam das brincadeiras”. Talvez, se dada à oportunidade, a criança de hoje ainda pintaria o sete, mas também brin-caria com videogames e computadores.

A professora de Educação Física chega a afirmar que as preferidas são pi-que bandeirinha e queimado, ambos jo-gos de alta intensidade motriz, ou seja, exigem dos participantes: velocidade, agilidade, noções de espaço e tempo, capacidade aeróbica, força,... São inú-meros os benefícios que as brincadeiras populares e tradicionais podem trazer. “Acho que as crianças gostam e, se ti-vessem oportunidade, ainda brincariam de roda, pique atrás, esconde-esconde, passaraio e tantas outras brincadeiras que ajudam a viver e conviver nesse mundo turbulento que habitamos”, diz Marion.

Bagunça das ruas continua nas telasAgitação dos jogos eletrônicos competem com brincadeiras tradicionais na infância dos novos “gamers”

Ramon Sampaio, 12 anos, prefere sair de casa

Aline Nastari

De�nido...Segundo o Dicionário das Origens das Frases Feitas de Orlando Neves (Lello &

Irmão – Editores, Porto), a expressão “pintar o sete” tem significado semelhante ao da frase “pintar a manta”, ou seja, fazer grande alarido, diabruras, desordens.

Acrescenta ainda, que esta é uma das mais controversas expressões quanto à sua origem. É possível relacioná-la a outras frases feitas e todas se interligam, umas mais, outras menos, mas todas no mesmo sentido, na idéia de aprontar.

Por exemplo, “Pintar a bexiga” que significa andar na pândega, na baderna, na folia.

Ligam-se entre si expressões como: pintar a macaca, pintar a manta, pintar o caneco, pintar o caramujo, pintar o diabo, pintar o diabo a quatro, pintar o sete, pintar o burro.

lá”, diz ele. Entre suas brincadeiras pre-feridas também está jogar videogame e freqüentar lan houses, mas sempre com seus amigos.

Já Victor, de 9 anos e Yasmin, de 7, filhos de Valéria Oliveira, preferem jogos eletrônicos. A mãe afirma que estimula esse tipo de brincadeira por medo da violência urbana. Por isso, seus filhos tendem a brincar sozinhos dentro de casa. “Se deixar, Victor fica o dia inteiro jogando videogame, quer até comer dentro do quarto”, afirma.

10 NO 15 - 2009/1

A relação do jogador de futebol com o número que ele usa vai além superstições. O uruguaio Acosta, por exemplo, viveu um dos melhores mo-mentos de sua carreira vestindo a 25, no Náutico. Chegando ao Corinthians, o jogador recebeu a 9 e não conseguiu marcar nenhum gol, até voltar a usar a 25. Sorte? O que dizer do número 13? Sinônimo de azar para muitos, o número é considerado um amuleto por Zagallo, único a estar presente em todos os tí-tulos da Seleção Brasileira de Futebol. Coincidência?

Pela Seleção, enquanto jogador, Zagallo vestiu a camisa 7, que anos de-pois seria eternizada por Garrincha. Mané, como era chamado, teve grande importância para o Brasil em seus títulos mundiais, mas ficou ainda mais mar-cado no Botafogo, onde é considerado o maior ídolo da historia do clube. Jo-gando pelo alvinegro carioca, o gênio das pernas tortas deu início a uma místi-ca que perdura até os dias de hoje, a mís-tica da camisa 7. Além dele, Jairzinho, Mauricio, Túlio, Donizete, Jorge Henri-que e outros craques tiveram o prazer de usar esta camisa. Todos com passagens marcantes pelo alvinegro carioca e com participação fundamental em títulos do clube.

Para Marcelo Ferreira, assessor do Botafogo, “a camisa 7 está para o Glorio-so como a 10 está para todos os outros no mundo. Quando a diretoria monta a equipe, pensa carinhosamente em quem irá vesti-la, pois não pode ser um joga-dor qualquer”.

Mas o número 7 não tem impor-tância apenas no Botafogo. O Manches-ter United cultua esta camisa, pois os principais craques do time a vestiram, como George Best, Eric Cantona, Da-vid Beckham e, o atual melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo. Um dos maiores ídolos do Corinthians, Marceli-nho Carioca, usou a 7 em todos os títulos do clube paulista no fim da década de 90. Já no Santos, o craque Robinho vestiu a 7 até ser transferido para o Real Madri. Pelo Milan, Shevchenko fez historia com este número, que agora é usado por Ale-xandre Pato. O maior ídolo da historia do Real Madri, Raul, veste a número 7,

enquanto Figo, jogador português, tem esta camisa cativa na Inter de Milão.

Na década de 90, em uma grande jogada de marketing, o Botafogo foi pa-trocinado pela Pepsi, que estampou na camisa alvi-negra o seu produto “Seven Up”, aumentando ainda mais o valor do número para a equipe. Essa não foi a única vez em que uma empresa criou uma estratégia de marketing para aplicar no futebol carioca. Também nos anos 90, Juninho Pernambucano, craque do Vasco, vestiu a camisa 31 em alusão ao possível patrocinador do time, que se-ria a Telemar, empresa de telefonia que tinha o 31 como seu número para liga-

ções à distância. Já Roger, jogador do Fluminense, usou a 23 pelo mesmo motivo, sendo que o pa-trocinador no caso seria a Intelig.

R e c e n t e m e n t e , Adriano, em seu retorno ao Flamengo, foi apre-

sentado com uma camisa que tinha uma interrogação no lugar do número. Especulou-se que seria mais um caso de marketing no futebol carioca, mas a es-tréia do craque chegou e ele jogou com o número 27, com o qual havia começa-do no futebol. Após algumas atuações ruins, o jogador passou a adotar a cami-sa 90 e o marketing do Mengão perdeu uma ótima oportunidade de faturar com a imagem do Imperador do Rio, como está sendo chamado o craque.

As grandes empresas estão sem-pre atentas as oportunidades que sur-gem no mundo do futebol, não apenas para patrocinar clubes. A fornecedora de material esportivo, Nike, por exemplo, aproveitou a importância que a camisa 10 ganhou nos últimos anos e baseou uma campanha no sonho dos jovens em vesti-la, o “Joga10”. O slogan “A 10 você não veste, você conquista” representa exatamente o que este número tornou-se para o mundo do futebol. Não é pra menos. Dos últimos 18 jogadores eleitos melhores do mundo pela FIFA, 10 de-les vestiam a camisa 10 em suas equipes. Isso porque esse prêmio não existia na época de Pelé e Maradona.

Até a década de 90, havia uma regra que obrigava as equipes a defi-nir seus titulares com números de 1 a 11.Convencionalmente a camisa 7 pas-

sou ser usada pelo ponta habilidoso, geralmente um driblador nato, que ator-mentava a zaga adversária. Para Rafael Oliveira, comentarista esportivo, “este ponta habilidoso está em extinção”. Se-gundo ele, “alguns jogadores deveriam assistir vídeos com lances do Garrincha. Quem sabe assim reaprendam a arte do futebol?”.

Entretanto, desde que a FIFA re-tirou esta regra, alguns jogadores ado-taram números diferenciados, princi-palmente na Europa, onde os atletas passaram a ter números fixos durante toda a temporada. Kaká, por exemplo, ao chegar no Milan, não pôde esco-lher a camisa 10 e optou pela 22, dia do seu aniversário, e agora, ao se trans-ferir para o Real Madrid, deverá jogar com a 16, primeira camisa que utilizou no São Paulo, clube que o revelou. Ro-naldo e Ronaldinho Gaucho, também no Milan, preferiram vestir a 99 e a 80, respectivamente. Thierry Henry, craque francês que foi algoz brasileiro na Copa de 2006, usa a 14 em todos os clubes por onde passa. A camisa 12 também é “aposentada” em alguns clubes, não em homenagem ao goleiro reserva, mas ao décimo segundo jogador de todos os times, à torcida, como forma de reco-nhecer a importância do torcedor para o time.

Para Jorge Delou, produtor do Campeonato Italiano do Esporte Intera-tivo, “a numeração fixa utilizada na Eu-ropa é ótima, pois facilita a vida dos co-mentaristas e da própria torcida, já que

a identificação do atleta passa a ser feita somente pelo seu número”.

Como podemos ver, no mundo do futebol, os números têm grande valor para todas as equipes. Diante deste fato e seguindo a tradição de esportes norte-americanos, alguns clubes passaram a aposentar um número como forma de homenagear um atleta que tenha uma identificação com o time.

No Milan, da Itália, por exemplo, Maldini tem o número 4 guardado em sua homenagem. Apenas seu filho, que está treinando nas camadas de base, po-derá vestir a mesma camisa. O brasilei-ro Aldair foi homenageado pela Roma, com a aposentadoria da camisa 6. Raul, quando abandonar o futebol, receberá a mesma glória com a 7 do Real. E o Vas-co, recentemente, foi o primeiro clube brasileiro a aderir a moda aposentando a camisa 11 de Romário. A seleção Argen-tina aposentou a camisa 10 junto com o Maradona.

Já Pelé e Garrincha não receberam a mesma homenagem nem na Seleção, nem nos clubes em que fizeram historia no Brasil. Na opinião de Vinicius Car-valhosa, botafoguense, “a camisa 7 do Botafogo, assim como a 10 do Santos, deveriam ser aposentadas, ou pelo me-nos protegidas para que apenas grandes jogadores a usassem”. Segundo ele, des-sa forma, figuras como o argentino Zá-rate, com passagem apagada pelo Fogão, não vestiriam essas camisas.

O craque da camisa número...Garrinha, Jairzinho, Tulio... marketing ganha espaço no futebol e jogadores perdem a marca em comum

Adriano em sua reapresentação no Flamengo, promoveu a dúvida do número“Este ponta habilidoso está em

extinção”

Thiago Brandão

Foto: globoesporte.com

NO 15 - 2009/1 11

Poder terapêutico da escala musicalsicais e as emoções, mas não com notas isoladas. “Costuma-se dizer que tons me-nores tendem a provocar introspecção, enquanto os maiores, alegria. Nem sempre é assim. Notas fazem melodias, que levam a recordações, então deve-se ter cuidado”. Por isso, explica, antes do tratamento faz-se uma ficha com as preferências musicais do paciente e da família. Isso ocorre também no sentido de encontrar músicas que este-jam ao nível intelectual do paciente. “A har-monia está ligada à inteligência. Se a pessoa tem um deficit intelectual, não vai conseguir processar uma harmonia complexa”. Se-gundo ela, isso seria indesejável, já que “a musicoterapia atua sobretudo em casos em que há problemas de comunicação.”

Professora de educação artística no Instituto de Educação desde 2000, Márcia também tem pacientes em consultório, en-tre elas uma criança cega com problemas de locomoção. “Adora o piano, fica mais de uma hora. No início, só batia no instru-mento, agora está bem mais desenvolvida”. Trabalho de coordenação motora com os instrumentos musicais, adaptações de ins-trumentos... Conta que também há uma criança tetraplégica: nesse caso, usa ins-trumentos que estimulam os movimentos. “Se ela não consegue pegar a baqueta do tambor, é estimulada a segurar. Mais tarde, isso ajudará ao apanhar uma colher”. A in-tenção também é melhorar a auto-estima, fundamental para quem está numa cadeira de rodas. Por isso, fazem festa quando o pa-ciente se supera, diz.

Mas a musicoterapia não é restrita a pessoas cegas, autistas, tetraplégicos ou portadores de Alzheimer. Márcia conta que também há espaço para pessoas sem deficiências. Desejando se comunicar através da música, vão ao consultório de um musicoterapeuta.

A profissão, que completa 31 anos no Brasil este ano, já existe formalmente, mas ainda não foi regulamentada. A medida foi recentemente vetada pelo Presidente da Re-pública, após chegar à última instância. Se-gundo Martha Negreiros, porque “a música não é propriedade de ninguém. Há muitos profissionais que usam música, sua utiliza-ção como terapia que é uma classificação específica”. Fez comparação com a Educa-ção Física, que, apesar dos problemas, foi regulamentada, mas não os professores de capoeira.

Infelizmente, nenhuma delas soube dizer por que a música é tão pouco valoriza-da em nosso país. Mas é certo que, segundo Márcia Gavinho, as músicas da Xuxa estão entre as mais pedidas.

A música é capaz de comover, alegrar, irritar. E são vários os aspectos que podem despertar esta ou aquela emoção. Fatores como harmonia, andamento e ritmo interferem diretamente na impressão que temos de determinada música. Presentes na tonalidade, nos acordes e na melodia, as sete notas musicais não ficam para trás. Agindo em conjunto, podem sugerir as mais diversas sensações, às vezes até de provocar a imaginação.

É partindo dessas qualidades que a musicoterapia usa a música para fins tera-pêuticos. “Há muitos casos para aplicação da musicoterapia”, afirma Martha Negrei-ros, que já tratou de adolescentes, idosos portadores de Alzheimer e crianças. Na Maternidade Escola da UFRJ, onde traba-lha com o musicoterapeuta Albelino Car-valhaes, atua em sessões com gestantes e recém-nascidos prematuros. Além disso, trabalha com pacientes esquizofrênicos, cuja comunicação verbal é dificultada.

Segundo Martha, a música é uma linguagem, um código específico com qualidades específicas. “Um conceito fun-damental na musicoterapia é o de história sonora musical. Cada um de nós tem uma, formada desde a vida intra-uterina, e de-pois com todos os sons do meio em que vivemos”. Segundo ela, vão-se formando registros sonoros que, carregados de afeto, ficam impressos em cada pessoa de manei-ra diferente. “Por isso, para cada um a mú-sica dirá algo diferente, pois será da ordem do vivido”, afirma. “A partir daí, exclui-se a idéia do receituário musical: sem conhecer sua história, jamais saberei o que tal música pode significar para você. Não posso dizer: para isto, use tal música”.

Por outro lado, não basta apenas saber sobre a vida do paciente. É preciso co-nhecer a música profundamente para saber o que ela pode produzir. “Você pode muito bem usar uma peça de Bach, mas terá que conhecer igualmente seu objetivo”. Ainda assim, afirma ser impossível criar uma teoria universal infalível sobre os efeitos da música, que são inúmeros. “A forma musical sugere uma gama de emoções, mas não determina”. Dá o exemplo do Requiem, música erudita para missas funerais. “Não necessariamente você pensará: morte. Em vez, pode pensar em céu aberto ou dia nublado. A música não terá significado a priori. Você atribui sentido à música no momento da execução.”

Apesar disso, assegura que, sendo acústica, e, portanto, física, a música sem dúvida interfere, por exemplo, na frequência cardíaca do paciente. “Tensões na harmonia, que não se resolvem, deixam a pessoa tensa. Alguém escuta música

erudita contemporânea? Não, porque elas não se resolvem! Esse tipo de música é pouquíssimo veiculado nas rádios... ela é muito angustiante!”, diz Martha. “A música produz um impacto sensorial, e somos afetados pelos sons o tempo inteiro. Não temos pálpebras nos ouvidos. O silêncio é um princípio teórico.”

musicoterápico é entrelaçamento do bioló-gico, psíquico e social. “A pessoa, ouvindo música em casa, não pode se tratar sozinha. A terapia só existe na relação terapeuta-pa-ciente. Auto-ajuda é outra coisa”, afirma.

Há um leque de músicas para cada pessoa e cada situação. Se ela não fala, recorre-se às músicas de sua época. Pode ser marchinha de carnaval, samba, valsa. Assim, será estabelecida uma comunicação. No caso do portador de Alzheimer, pro-cura-se ativar o que foi preservado em sua memória. “No HD cognitivo”, diz Martha, “a memória musical é a última a ser apa-gada”.

“Nem todo músico é terapeuta, mas todo musicoterapeuta é músico”, explica Márcia Gavinho, formada em musicote-rapia há 29 anos pela CBM, esclarecendo uma confusão acerca da faculdade. Multi-

Aliando arte e psicologia, musicoterapia usa a harmonia dos sons até para esquizofrenia

O nome das notas mu-sicais remonta à Idade Média, especificamente ao Hino a São João Batista, de Paolo Dia-cono, na época muito popular. Cantado por meninos, o hino pedia a intercessão de São João Batista para a proteção das cordas vocais, e, pela melodia, ajudava os cantores a iden-tificarem os graus da escala. O monge beneditino Guido d’Arezzo, músico italiano do século XI, extraindo as duas primeiras letras dos versos, nomeou os 6 graus musicais de então, ou vozes. Os alunos de d’Arezzo, como outros, tin-ham dificuldades para decorar

o som de cada grau, e esse foi o primero passo para resolver um grande problema, não só deles, mas da música ociden-tal: precisar a altura exata de cada nota.

Ut queant laxisResonare fibrisMira gestorumFamuli tuorumSolve pollutiLabii reatam

“Para que teus servos possam cantar as maravilhas dos teus atos admiráveis, absolve as faltas dos

seus lábios impuros”.

Ut-Re-Mi-Fa-Sol-La... SiInicialmente chamada ut,

a nota dó receberia esse nome apenas em 1963, por intermédio de Giovanni Batista Doni, que, como outros músicos, achava a sílaba difícil para o solfejo. En-tretanto, países como a França, ainda a chamam ut.

A sétima nota

Embora a nota si já ex-istisse, seu nome só surgiria tempos depois, pela junção das iniciais de “Sancte Iohannes”, o próximo verso daquele Hino a São João. Antes, geralmente não era utilizado, pela impressão sonora que causava em certas situações.

Violão, chocalhos, pandeiros: instrumentos para o tratamento

Rafael N. Godinho

disciplinar, trata-se de um curso de 4 anos, com prova específica e uma entrevista. Nos primeiros anos, o aluno estuda neurologia, sociologia, psicologia, antropologia, ana-tomia. E, juntamente, música. Além dis-so, dispõe de aulas de folclore, expressão corporal, impostação de voz. O curso se divide em área musical e médica.

“Ele precisa saber tocar um instru-mento, porque ele será o elo com paciente; mas não significa que não haja gravações e objetos improvisados”. Ainda segundo ela, o nome é musicoterapia, mas as interven-ções não serão sempre pela música estrutu-rada, e sim pelos parâmetros dos sons em geral (timbre, intensidade, altura etc.), ins-trumentais ou não. “Se o paciente usa só al-guns sons, é a partir deles que o tratamento irá começar. Uma música maravilhosa nem sempre servirá para pacientes em estado tão primitivo de comunicação”.

Há relações diretas entre notas mu-

De acordo com ela, a cada som musical corresponde um universo de sentidos, que, embora amplo, não é irrestrito. Por isso é possível uma comunicação. “Isso é interessante sobretudo no caso do esquizofrênico: ele rompe com os códigos sociais compartilhados. ‘Mesa’ não é mesa necessariamente. ‘Cadeira’ não é cadeira. As muitas maneiras de tocar um instrumento, por sua vez, permitem uma comunicação com o esquizofrênico, porque estabelecem uma linguagem comum”.

Para que possa ocorrer, os recur-sos musicais devem ser compatíveis com a situação mental do paciente. “Às vezes, uma música que se adora produzirá o efei-to contrário. Não adianta, quando se está triste, ouvir sambinha para alegrar. Tudo o que pode emergir durante a música vem de um tecido musical que está por baixo. As reações não serão por acaso.”

Ainda segundo Martha, o tratamento

12 NO 15 - 2009/1

Torre Eiffel? Estátua da Liberda-de? Nada disso. O Cristo Redentor der-rubou grandes monumentos e foi esco-lhido, em uma campanha mundial que deu continuidade à tradição, como uma das sete maravilhas do mundo moderno, em 2007. Além do monumento carioca, foram escolhidos: a Grande Muralha da China, na China, Petra, na Jordânia, Machu Picchu, no Peru, a Pirâmide em Chichén Itzá, no México, o Coliseu de Roma, na Itália e o Taj Mahal, na Índia.

Pegando carona na iniciativa da ONG Suíça 7 New Wonders, a Info-globo Comunicações promoveu uma eleição no Rio de Janeiro para escolher as sete maravilhas do estado. Porém, ao contrário da campanha original, a ideia fez pouca diferença para o turismo da cidade maravilhosa.

Este tipo de eleição pode ser au-mentar de forma significativa o turismo da cidade. O Cristo Redentor atrai turis-tas de todo o mundo e coloca o Rio na lista das maravilhas mundiais. O monu-mento é divulgado nas feiras de turis-mo internacional e se torna um ponto essencial nos pacotes turísticos, sendo uma porta de entrada para a visitação dos outros pontos. “Esses pacotes são feitos pelas operadoras a partir dos lu-gares que a cidade oferece como atra-ção. Eles são vendidos, quase sempre, sem alteração pelas agências de viagem. Assim, as operadoras participam, jun-to com os órgãos governamentais, da legitimação dos pontos relevantes de uma cidade porque acabam decidindo o que é interessante ou não para o turis-ta visitar”, explica a agente de turismo, Daniela Lopes. Não há dúvidas que o Corcovado é um ponto legitimado.

Segundo Ana Cristina Fiedler, assessora chefe da assessoria de Co-

municação Social da Riotur, é possível ver um aumento na visitação do Cristo Redentor, mas, ainda assim, esses nú-meros não são exatos. Isto porque o acesso dos visitantes pode ocorrer de três formas: a pé, no próprio veículo ou através do trem do Corcovado, e apenas este último pode ser contabilizado, por conta da venda de ingressos. Ao contrá-rio do que ocorre com as maravilhas do Rio: “É impossível contabilizar o efeito desta eleição porque ela partiu de uma iniciativa privada e não foi oficializada pelo Governo do Estado”, explicou.

Para o estudante de Turismo da Unirio, Rafael Ávila, para uma eleição deste tipo dar um retorno turístico para a cidade, seria necessário uma forte campanha de marketing: “Tudo depen-de da divulgação que vai ser investida no monumento. As pessoas passam a saber da existência de um ponto turís-tico a partir da divulgação direcionada

pouco divulgada, assim como os resul-tados. Normalmente os turistas vêm em busca das praias e sabem que querem ir ao Cristo e ao Pão de Açúcar. Claro que isso depende do perfil do visitante, mas eu estou falando da maioria. O fato das pessoas conhecerem pouco sobre o que vão encontrar na cidade é culpa do pró-prio estado, que divulga a ideia de que o Rio significa carnaval, samba e praia lá fora”.

Roberto Oliveira é taxista há quin-ze anos e faz ponto em frente a um ho-tel de Copacabana. Ele conta que costu-ma levar os turistas aos mesmos lugares e que sugere alguns pontos da cidade, quando é possível: “Eu não sabia que tinham sete maravilhas no Rio. Sabia do Corcovado e, quando é possível, falo para os turistas irem visitá-lo. É um privilégio para os cariocas ter uma ma-ravilha do mundo aqui do nosso lado! Temos que incentivar a visitação”.

O problema não está na forma que a eleição foi realizada. Rafael acre-dita que a escolha tem credibilidade, ainda que não tenha o aval do gover-no, porque é resultado da opinião da maioria. Para ele, a lista seria arbitrária se as maravilhas fossem escolhidas por algum órgão. “A Riotur, por exemplo, as elege, de alguma forma. Quando eles escolhem alguns atrativos turísticos para divulgar, eles estão escolhendo as maravilhas do ponto de vista deles”, justifica.

Maravilhas listadasRio coleciona cartões postais, mas só uma é pode ser chamada de maravilha

Louise Palma

O mundo antigo também teve as suas

A origem da lista das sete maravilhas do mundo é duvidosa. O docu-mento mais conhecido é a obra De septem orbis miraculis, atribuída a Filon de Bizâncio (Philon of Byzantium, um engenheiro grego que li-stou no século III a.C., as maravilhas da Antiguidade escolhidas pelos gregos, todas construídas entre os anos de 2.500 a 200 a.C. Hoje, apenas as Pirâmides do Egito resistiram ao tempo. Também estavam na lista: O Farol em Alexandria, no Egito, os Jardins Suspensos da Babilônia, no Iraque, a Estátua de Zeus e o Colosso de Rodes, na Grécia, o Templo de Ártemis e o Mausoléu em Halicarnassus, na Turquia.

Cristo Rendentor: eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno

a ele pelo governo”. No caso do Cristo, foi investido 1,5 milhão em ações de di-vulgação durante a candidatura.

A Riotur reconhece o Cristo Re-dentor e acredita que a publicidade ge-rada depois da eleição foi positiva. O Aeroporto de Londres, por exemplo, estampa uma foto do Cristo em uma de suas paredes. “É uma publicidade gra-tuita para o Rio e que dá super certo porque está em um lugar por onde pas-sam pessoas com poder aquisitivo, que podem viajar de férias para outro país”, analisa Ana Cristina.

Falta de reconhecimentoO órgão municipal é responsável

pelo turismo no município do Rio de Ja-neiro, enquanto a Turisrio é responsável pelo turismo em todo o Estado, cuidan-do apenas de duas das sete maravilhas eleitas: Ilha Grande e Museu Imperial de Petrópolis. Enquanto isso, a Riotur é responsável pelas outras: Aterro do Flamengo, Praia de Copacabana, Tea-tro Municipal, Jardim Botânico e Pão de Açúcar. Porém, nenhum dos dois órgãos utiliza o título de maravilha na divulgação destes lugares porque a cam-panha não foi promovida pelo Estado.

Para a turismóloga Rubia Simões, a falta de reconhecimento desta campa-nha não atrapalha no turismo na cida-de, ainda que os turistas tenham pou-co conhecimento sobre o que a cidade oferece. “Nenhuma empresa usa as sete maravilhas como marketing porque não faria diferença alguma. A campanha foi

NO 15 - 2009/1 13

Vivemos um momento em que o homossexual está livre para “sair do ar-mário” o quanto quiser. Quem gostou da idéia foi Felipe Martins, comercian-te da praia de Ipanema. Ele é um cara que literalmente “dá bandeira”, já que presenteia os donos de barracas da ala gay da praia com bandeiras do arco-íris.

O território, considerado o para-íso homossexual, está consolidado há mais de 20 anos na altura da rua Far-me de Amoedo. É o lugar mais livre de preconceitos, onde gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais po-dem se sentir à vontade, na garantia de que seus direitos serão respeitados.

De acordo com Felipe Martins, as bandeiras fazem parte do cenário da praia gay há cerca de 12 anos. “Eu as confec-ciono e dou para os donos das barracas hastearem, para demarcar melhor nos-sa área. É um símbolo que tem como finalidade o reconhecimento”, explica. Para ele, o arco-íris representa alegria, liberdade e espontaneidade. “Acho que reflete bem nossa tendência”, observa.

As bandeiras de Felipe são conhe-cidas internacionalmente. “Revistas de turismo do mundo todo dizem que é fácil identificar a ala gay de Ipanema através delas”, destaca. Os turistas que visitarem a praia ainda podem levar de lembran-ça da área gay a sunga com estampa de arco-íris, uma das mercadorias de Felipe.

“Vejo a ala gay como o lugar onde as pessoas podem namorar, conversar, se encontrar, viverem como são, sem serem julgadas por isso”, avalia Felipe Martins. Segundo ele, a sociedade precisa de visão e tolerância em relação ao homossexual. “Temos leis contra o preconceito, mas deveria ser criada uma lei específica para homossexuais”, expõe o comerciante.

Como funciona o DireitoSylvia Amaral, advogada e espe-

cialista em direitos dos homossexuais, explicou que não existe lei que crimi-nalize a homofobia, nome dado ao preconceito contra homossexuais, tran-sexuais ou travestis. Um projeto de lei sobre o assunto ainda tramita. “Para pu-nir os homofóbicos, usa-se a Constitui-ção Federal, que proíbe a discriminação de uma forma geral”, esclarece Sylvia.

De acordo com Sylvia, os direitos conferidos aos homossexuais são qua-se todos provenientes do Poder Judi-ciário, que vem dando mais atenção ao segmento e reconhecendo o direito à

igualdade. “Certamente o maior número de decisões favoráveis ao homossexual proferidas pelos julgadores vem de uma pressão de parte da sociedade”, aponta a advogada. Ela acredita que apenas a criação de leis poderia trazer igualdade. “Mesmo assim, enquanto algumas pes-soas tiverem preconceito, a igualdade não será ampla como deveria”, afirma.

Se um casal heterossexual pode manifestar afeto publicamente, respei-tando limites impostos pela sociedade, os casais homossexuais também têm esse direito, dentro dos mesmos limites. “É um artigo previsto na lei, mas que, infelizmente, só tem alcance no Esta-do de São Paulo”, observa a advogada.

Outro problema enfrentado por homossexuais é que a legislação bra-sileira não prevê o casamento, nem a união estável, entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, casais vêm formali-zando o fato de viverem juntos através de uma escritura de união estável, feita em cartório. “O Poder Judiciário pode ou não aceitar a escritura como váli-da. Ela vem sendo feita há uns 5 anos. A escritura, aceita ou não, e o testa-mento, são os únicos documentos que protegem os casais homossexuais, por isso devem ser feitos”, informa Sylvia.

Segundo a advogada, o Estatuto da Criança e do Adolescente não proíbe a adoção por casais homossexuais, porém, em comparação a casais heterossexu-ais, eles passam por dificuldades muito maiores para adotar um filho. Da mes-ma forma, a legislação brasileira não veta expressamente o registro de uma criança como filha de duas pessoas de mesmo sexo. Mas o registro civil direto de um fi-lho só é concedido ao casal homossexu-al em determinadas situações e através de autorizações, obtidas judicialmente.

Essa é uma vitória de Michele Kamers e Carla Regina Cumiotto, pro-fessoras universitárias, que consegui-ram o direito de registrar como filhos das duas o casal de gêmeos concebido por Carla, fruto de uma inseminação artificial. A decisão foi da Justiça de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Primeiro caso no BrasilMichele e Carla foram as pri-

meiras no Brasil a conseguirem regis-trar filhos nascidos de inseminação artificial. “Nos já tínhamos uma his-tória de 11 anos. Assim, não foi difí-cil demonstrar ao juiz que já éramos uma família”, relata Michele Kamers.

A vontade de ter filhos veio pri-meiro de Carla. “A partir disso, comecei a sonhar também. Aí sim, tornou-se um desejo meu”, conta Kamers. Ao planejar

a família, Michele concluiu que não acei-taria apenas a adoção das crianças. “Só seria uma possibilidade se a Carla fos-se infértil, mas não foi o caso”, diz ela.

Carla e Michele não foram ví-timas de preconceito. “Temos uma posição privilegiada. Somos psica-nalistas, professoras universitárias e ocupamos um lugar de autoridade na cidade em que vivemos. Outra ques-tão, é que temos muito bem resolvi-da nossa escolha”, afirma Kamers.

No entanto, antes do caso pas-sar por Porto Alegre, a justiça de San-ta Catarina, estado em que vivem, ale-gou em uma consulta informal que o pedido ia contra as leis de deus e da biologia. “Mas como pode alguém do Direito julgar em nome de cren-ças pessoais?”, questiona Michele.

“Quem vive a maternidade é a Carla, eu vivo a paternidade no pro-cesso. São lugares diferentes, por isso as nomenclaturas também são dife-rentes. Eu sou ‘pami’ e Carla é ‘ma-mãe’”, explica Kamers. O casal espera que o caso sirva de exemplo e resulte numa mudança social. “Já tivemos na-zismo, fascismo e escravidão como provas de que a diferença, na medida em que suscita questionamentos, pro-voca rechaço. Por isso, é necessário inscrevê-la no social como uma possi-bilidade no campo da cultura, que não é regra nem exceção”, conclui Michele.

Levantando as cores do arco-írisEm Ipanema, a bandeira colorida do movimento gay demarca um território livre de preconceitos

Posto 9 da pra ia de Ipanema: o lugar onde homossexuais s e s ent em à vontade

Cília Monteiro

Símbolo gay inspirado nas sete cores do arco-írisO arco-íris é um fenômeno óptico constituído por sete cores, que se formam devi-

do à refração da luz solar. Sua beleza inspirou o artista plástico Gilbert Baker a criar a bandeira do arco-íris, em 1978, eleita como símbolo do movimento homossexual. Foi usada pela primeira vez no mesmo ano, numa parada gay em São Francisco.

A pluralidade de cores representa a diversidade para os homossexuais. Na com-

posição do símbolo, foram adotadas seis cores do arco-íris, que remetem a um signifi-cado espiritual. Estampadas na bandeira, elas aparecem na seguinte ordem: vermelho representa a vida, laranja, a cura; amarelo, a luz do sol; verde para calma e natureza, azul para harmonia e arte; e violeta, para o espírito. A sétima cor seria o índigo, excluído pela dificuldade de confecção.

Foto: Cília Monteiro

14 NO 15 - 2009/1

“Já está provado que quem é marí-timo por muitos anos dificilmente conse-gue se adaptar a vida em terra”, garante Erik Azevedo, que tem 32 anos e há 11 é marinheiro mercante. Erik navegou por toda a costa brasileira, conheceu a Itália, Holanda, Espanha e Portugal dentre ou-tros países em viagens que chegaram a du-rar meses. Diversas pessoas passam dias, meses e até anos navegando. O embarque pelos 7 mares revela um mundo desco-nhecido para àqueles que, desde muito cedo, buscam na marinha sua profissiona-lização. Contudo, o sonho de viajar pelo mundo, conhecer novas terras, mergulhar em novas aventuras e de alguma forma ser útil ao país, traz também consigo dificul-dades: árduas rotinas a bordo, a solidão de quem vive em um confinamento e o surgimento de uma série de novidades até então inimagináveis.

“Cada navio é uma marinha, é um velho ditado”, diz Erik. O marítimo conta que começou na profissão em um navio sísmico que fazia varreduras geológicas e mapeamento do leito do mar em busca de petróleo. Erik ainda acrescenta que, pelo fato de o navio ser de bandeira noruegue-sa, os tripulantes eram servidos de um ambiente bastante confortável a bordo, o que não acontece com alguns oficiais da marinha de guerra que são submetidos, muitas vezes, a acomodações inadequadas e desconfortáveis.

Em navios de guerra, a rotina di-ária é estruturada de modo a realizar uma divisão das tarefas em grupos, chamadas “quartos de serviço”. Existe sempre um quarto efetivamente de serviço, um que estará de folga e outro que será o “retém”, ou seja, fornecerá reforço para cobrir fal-tas eventuais.

As tarefas a bordo são realizadas dividindo-se as 24 horas do dia em perío-dos de quatro e três horas. Dessa forma, o dia de trabalho do marinheiro é contado diferentemente do dia do homem de terra. Fora disso, o tempo é livre para se fazer o que quiser, desde que não tenha nenhum exercício estabelecido pelo comandando durante as viagens. O baralho, os livros, as conversas e até as festas são freqüentes nas embarcações para que o tempo possa passar mais rápido.

Com as divisões, o navio está pronto para fazer frente aos trabalhos que envolvem toda a gente de bordo, ou parte

dela, para um fim específico. Nas fainas, os marinheiros cumprem tarefas que envol-vem o preparo para suspender, fundear, montar ou desmontar toldos, inspecionar materiais entre outras diversas atividades.

Francisco Tomaz é marinheiro de guerra há 30 anos e conta que teve di-ficuldades para se acostumar com a vida no mar. “Períodos de confinamento, com pouco espaço a bordo, guarnição estressa-da pelos dias de mar (quando mais de 10 dias consecutivos), uma vontade grande de falar com a família todos os dias e não tinha como”.

A ausência de TV e de internet em algumas embarcações, que realizam longas viagens, é um grande empecilho a esses profissionais, que se vêem privados das informações que acontecem no mun-do. A comunicação com familiares, mui-tas vezes, é restrita ou inexistente pois não há sinal de celular em alto mar. Algumas embarcações e plataformas tem um siste-ma de comunicação com terra via satélite. Porém, isso só acontece em embarcações bem sofisticadas e em plataformas de pe-tróleo, pois o custo desse sistema é bem elevado.

Erik encontrava-se embarcado quando sua prima faleceu e não ficou sabendo. “Eu perdi uma prima quando estava no mar. Naquele tempo, eu ficava 50 dias em um rebocador de suprimentos. Ninguém me avisou nada mas também não adiantaria. Eu só soube que ela tinha falecido quando cheguei em casa”.

Francisco, assim como Erik, também já realizou grandes viagens pela marinha de guerra. Esteve na Costa do

Marfim, na Nova Guiné, na Nigéria, en-fim, em todos os países da costa africana. Na Europa, viajou por Portugal e Espa-nha. Apesar de ter passado por algumas dificuldades, chegando até ser preso a bordo por não comparecer ao serviço em dia determinado, não se arrepende de ter escolhido a marinha como profissão. “Todo o esforço foi compensador”.

Por e-mail, Francisco conta que uma das viagens mais marcantes da car-reira foi a sua primeira viagem de Recife à Fortaleza como grumete. “Marcou por-que estávamos com nossa turma juntos, mais de 250 amigos que se reuniam em internato desde seis meses atrás. Fortaleza foi uma festa, íamos à cidade para namo-rar com as gatinhas filhas da terra, éramos jovens e descobríamos o mundo. Nunca tivemos limites na imaginação, sabíamos das dificuldades que a Marinha nos im-punha, mas sonhávamos em conquistar o mundo e transformá-lo. Era o nosso so-nho ser marinheiro e para isso lutávamos. Depois de 30 anos, muitos morreram, outros chegaram à atingir o oficialato e outros, não obstante a todas as passagens, continuam sonhando, mas agora como homens, não mais como adolescentes”.

Reza a lenda que marinheiro que é marinheiro deixa um amor em cada porto. Há quem diga que, antigamente, a ocorrência desses romances era muito mais comum do que hoje em dia. Em Recife, por exemplo, lavadeiras ficavam dispostas no porto e, ao encontrarem com os marujos, acabavam se apaixonando ou mesmo ofereciam suas filhas com a esperança de um casamento bem sucedido. Os tempos mudaram mas a lenda permanece.

Erik diz que esses romances re-pentinos acontecem sim, e com mais fre-qüência nas dragagens, embarcações que ficam próximas a costa e que desempe-nham funções de manutenção da profun-didade dos cursos d’água. Quem trabalha nas dragas, costuma ficar no porto du-rante meses podendo até descer todos os dias. “O cara em terra todo dia, só gasta, se não tiver juízo, torra tudo na farra e não vai pra frente nunca. Já ouvi muitas estórias de marinheiros que largam famí-lia e tudo mais pra montar casa para as primas”, diz Erik.

Francisco também confirma a ten-dência de romances nos portos, “mulhe-res no porto, quase sempre o marujo se apaixona (e a mulher também), mas de-pois esquece”. E José Maria ainda acres-centa, “Quem não tem romances naquela idade E eu nunca tive vocação para santo. Um deles resultou num casamento mal sucedido”.

José Maria tem 71 anos é por-tuguês e sub-chefe da polícia marítima. Quando ingressou na marinha, tinha ape-nas 14 anos e começou como telegrafista até chegar a agente da polícia marítima em trabalhos que envolviam missões sigi-losas.

Hoje, aposentado, José Maria se recorda dos romances em cada porto, do balanço do mar, das rotinas diárias, da co-mida de bordo enfim tudo deixa um res-quício de saudades. “São muitas lembran-ças, às vezes alegres outras nem tanto, mas nada que eu pudesse dizer que não compensou, ou melhor, digo que tudo valeu muito a pena. E como valeu...”

Muitos mares de históriasNavegantes que atravessam o mundo revelam a curiosa vida dos que passam anos longe da terra firme

Bianca MinaJosé Maria, em 2004,

como sub-chefe da polícia marítima

NO 15 - 2009/1 15

Conta a Mitologia Grega que Hidra de Lerna era um monstro com sete cabeças que, ao serem cortadas, renasciam. Matar esse ser foi um dos doze trabalhos do semi-deus Hércules. Na acepção contemporânea, o bicho de sete cabeças passou a simbolizar algo de grande complexidade e com exagerada dificuldade. Mesmo não sendo um trabalho para os deuses, o vestibular é encarado por grande parte de nossa juven-tude como um bicho de sete cabeças. “Não exatamente um bicho de sete cabeças, mas é uma das fases mais importantes na vida de um estudante por causa da pressão de ter o futuro nas mãos. É claro que po-demos sempre tentar no ano seguinte, mas fica aquela sensação de ter um ano perdido”, conta Antônio Lucas de Lima, 17 anos, aluno da escola estadual Brigadeiro Schorcht.

O vestibular, que atormenta a vida de muitos jovens, já pode ser eliminado dos critérios seletivos para 2010, mas muitas universidades ainda discutem a adoção do novo sistema que aproveita as notas de avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio, ex-ecutado em etapas, para definir os ap-tos a cursar o ensino superior.

O momento único propiciado pelo vestibular costuma tirar o sono de grande parte da juventude brasile-ira que almeja cursar o ensino supe-rior num país onde o índice de estu-dantes de 18 a 24 anos com acesso à Universidade é de apenas 13%. E, quando se fala em ensino público, esse índice cai para 3%. Carlos Eduar-do Lopes, também daescola estadual Brigadeiro Schorcht, acredita no mito por trás do vestibular e afirma que sua existência se deve ao fato do processo ser muito concorrido e difícil. Já Natália Menezes, 17 anos,

caloura de Comunicação Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorda que o vestibular seja um bicho de sete cabeças: “Acho que se você se preparou bem, cumprindo um plano de estudos, você consegue se sair bem. É mais a cabeça da pessoa que cria isso”.

Os traumas causados pela pro-va não são peque-nos em alguns dos “sobreviventes” : “Eu não quero pas-sar nunca mais por isso. Não gosto de vestibular”, declara Thales Pereira, 20 anos, também calouro de comu-nicação da Fed-eral. Já sua colega

de turma, Lívia da Costa, de 17 nos, afirma que depois de aprovada mudou totalmente sua visão sobre o exame: “Quando você faz vestibular, pensa que é muito complicado, que é coisa para gênio. Depois que você é aprova-do, vê que não é tão complicado assim, passa a olhar sob outra perspectiva”.

Indagados sobre o porquê da existência do mito em torno do pro-cesso de admissão das universidades, os “vestibulandos” e os calouros de Comunicação Social da UFRJ - que acabaram de passar pelo “turbilhão” – enumeraram alguns motivos: por ser uma prova com um grau de dificuldade considerável, o nervosismo do aluno, a pressão dos colégios e a concorrência são alguns dos mais freqüentes. Thal-es Pereira, contudo, salientou que mui-

tas vezes o aluno vem despreparado do ensino médio, principalmente os de rede pública, e completa: “como o vestibular é uma avaliação do que eles aprenderam e,

como o ensino não está bom, eles talvez fiquem com mais medo por isso”. Se o vestibular é um bicho de cabeças para grande parte da juventude, imaginem para aqueles que não podem pagar por

um ensino de qualidade em sua forma-ção?

Em ent-revista recen-te à imprensa, o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, dis-correu contra os métodos de acesso à universidade existentes no país e afirmou que, apesar de parecer um “mal necessário”, o vestibular é, na verdade, um mecanismo perverso de exclusão e promoção da desigualdade. O reitor declarou ainda que o método atual de inserção no ensino superior brasileiro incentiva o que ele chama de “indústria do vestibular”, em cujo cen-tro estão os famosos cursinhos pré-vestibulares. Através da voz do reitor de uma das maiores universidades do país é possível perceber que os prob-lemas que envolvem o vestibular ultra-passam a esfera do pessoal e perpas-sam pela questão social do país, que influi diretamente nos cinco milhões de jovens que se preparam para uma etapa crucial na vida de um estudante.

Esse ano os alunos brasileiros esperam por grandes novidades no vestibular: o Ministério da Educação (MEC) lançou a maior mudança feita no concurso desde 1911. Trata-se do “Novo Enem” que, baseado no SAT, sistema estadunidense de vestibular, pretende transformar o exame numa prova unificada em todo o Brasil, o que aumentaria as chances dos alunos pleitearem vagas em outros estados, di-minuiria a pesada carga horária de pro-vas, entre outros benefícios enumera-dos pelo MEC. Segundo o Ministério, a consolidação de um sistema nacional de admissão atende às novas necessi-dades do ensino superior no país, que cresce a cada ano.

A revista Veja, em matéria es-pecial sobre o Novo Enem, noticiou que as quatro maiores redes de cursos pré-vestibulares do país já afirmaram fazer adaptações nas aulas e no mate-

rial didático de modo a treinar os alu-nos para o novo exame. Questionados se estão estudando de maneira especí-fica por causa dessas mudanças, cerca de 90% dos alunos entrevistados do 3º ano do colégio estadual Brigadeiro Schorcht afirmaram que não. A aluna Camila Silveira, por exemplo, disse que está estudando “normalmente” e que pretende fazer um cursinho pré-vestibular ano que vem, opinião com-partilhada por muitos colegas.

O Reitor Aloísio Teixeira, oti-mista quanto à nova prova, também afirmou à imprensa que a idéia lançada pelo MEC de um Exame Nacional do Ensino Médio como subsídio para o acesso às universidades federais pode ser o ponto de partida para a revogação do mecanismo do vestibular, para a de-mocratização do acesso e ainda para a consolidação do caráter público dessas instituições. A maior parte dos entre-vistados, contudo, não concorda com o reitor. “Não acredito que o vestibu-lar se torne mais democrático, já que o problema real não será resolvido. Só quando os candidatos da rede pública tiverem acesso ao mesmo ensino dado nos colégios particulares, os candida-tos menos favorecidos poderão dispu-tar de igual para igual com os outros concorrentes”, afirma Cintia Silva, de 22 anos, aluna de um curso pré-vestib-ular. O estudante Adair Pacheco, do colégio estadual Brigadeiro Schorcht, é taxativo: “Antes de pensar no terceiro grau, deveríamos nos preocupar com o ensino médio, que hoje é um lixo.

Vestibular: bicho que perde cabeçasEnem, como forma de ingresso no ensino superior, ganha força e alivia pressão sobre os estudantes

“Quando você faz vestibular, pensa

que é muito compli-cado, que é coisa

para gênio”

Raquel Gonzalez

A origem do mitoO bicho de sete cabeças tem origem na Mitologia Grega. Segundo o mito, Hidra de Lerna era uma espécie de serpente que habitava obscuras e fantásticas par-agens e cujas sete cabeças renasciam ao serem cortadas. Matar esse animal foi um dos famosos Doze Trabalhos do semi-deus Hércules. Na acepção con-temporânea, um bicho de sete cabeças passou a simbolizar algo de grande com-plexidade e com exagerada dificuldade.

16 NO 15 - 2009/1

Aos 23 anos, D.Pedro I deu o grito de independência de um país inteiro. Mariana Moraes, de 47 anos, deu o seu aos 24. Gabriela Leite, de 25 anos, tornou-se independente há 2 meses. Gustavo Areal, de 26, diz que está planejando como fará isso e Sandra Pereira, de 45 anos, se considera independente mesmo morando com os pais. Para alguns, a independência é conquistada após um longo processo de amadurecimento. Para outros, ela acontece repentinamente.

Este último foi o caso de Maria-na. Ela saiu de casa após brigar com os pais por eles não aceitarem seu na-moro com um homem casado. “Meus pais, totalmente tradicionais e conser-vadores, não aceitaram o fato de eu namorar um homem casado e com fi-lhos. Então eles me falaram: ou você termina com ele ou sai de casa. E eu escolhi sair de casa. Desde esse dia, meus pais me diziam que eu não exis-tia mais.” – conta ela, que atualmente fala com os pais normalmente.

Casada com o homem que a tirou de casa e com dois filhos, ela confessa que sair não foi muito difícil por ter o apoio de seu irmão mais velho, que além de ajudá-la financeiramente, cedeu um apartamento para ela morar temporariamente: “Eu já trabalhava, mas o dinheiro não era suficiente para meu sustento. Depois que meu namorado se separou da mulher, fomos morar juntos e não precisei mais pedir dinheiro para o meu irmão, que me ajudou muito enquanto isso não aconteceu.” – disse Mariana. Ela diz que só se sentiu independente depois que não recebeu mais ajuda do irmão: “Independência é quando o dinheiro que se ganha mensalmente consegue pagar os custos obrigatórios como água, luz e telefone, e também os extras, como lazer. A partir do momento em que eu não precisei da ajuda de ninguém para viver, me senti independente” – explica.

Mariana acha que a saída da casa dos pais faz parte da lei natural da vida e diz que não vai tentar evitar a saída de seus filhos de casa: “Se eles souberem o que estão fazendo, se tiverem como se sustentar e forem responsáveis e maduros o suficiente para enfrentarem dificuldades, não

tenho como ser contra. É algo natural.”

Para Gabriela Leite, que mora sozinha há apenas 2 me-ses, a independência foi algo mais racional: “Eu sempre quis morar sozinha, mas essa decisão só foi tomada após eu ter condições de arcar fi-nanceiramente com ela.” Ela conta que sua maior dificul-dade é ter que resolver algum problema doméstico durante o horário comercial por causa do trabalho e que, apesar de não ter com quem dividir suas dificuldades, as vantagens em morar sozinha são inúmeras: “Posso fazer o que quero, do meu jeito, na hora que me convém.”

Além de todas essas vantagens, Gabriela conta que o relacionamento com a sua família melhorou bastante: “Tenho o cuidado de não me afastar; nossos encontros são sempre muito agradáveis. Além disso, os desentendimentos naturais da convivência foram extintos.” Ela aconselha os jovens que desejam sair da casa dos pais muito estudo: “Não dá para achar que o emprego maravilhoso vai cair do céu e você vai ganhar rios de dinheiro com ele. E se acontecer, só vai dar para mantê-lo se tiver conhecimento para isso. Portanto, estude!”

Entretanto, a juventude atual está menos inclinada a se tornar in-dependente. Isabella Zappa, pedago-ga, explica que além do dinheiro, a baixa auto-estima influencia no retar-damento do processo individual de

independência, pois o jovem não se sente capaz de viver por conta pró-pria. Porém, ela ressalta que a peça-chave no atraso da independência é o superprotecionismo: “Quanto mais superprotegido e mimado foi o jovem quando criança, mais difícil será sua saída da casa dos pais. Ele se sente tão conectado àquilo que tem medo da solidão ou de não se sentir tão bom quanto os pais.” – explica Isabella.

Mimado assumido, Gustavo Areal, 26 anos é Procurador Geral do Estado e ainda mora com os pais. Entretanto, ele afirma que pensa em morar sozinho desde os 16 anos. “Para morar sozinho, você depende da independência financeira, que só

consegui em 2007. Eu já posso sair de casa se for alugar um imóvel, mas eu quero comprar e ainda não tenho dinheiro para pagar à vista ou dar uma boa entrada. Por isso estou esperando juntar mais dinheiro.” – justificou.

Gustavo também contou que está economizando para poder sair de casa o mais rápido possível: “Decidi transferir meu trabalho para o interior do Estado porque se ganha mais. Eles me dão um extra para ajuda de custo, então consigo economizar mais dinheiro por mês.” – explicou.

Apesar desse esforço para sair de casa, ele sabe que enfrentará muitas dificuldades quando isso acontecer: “Eu sempre tive empregada, então, vou sentir muita dificuldade em ter que gerir uma casa, mas isso é um motivo a mais pelo qual eu quero morar sozinho. Eu tenho que criar essa responsabilidade de administrar as contas de água, luz, gás, telefone... Toda pessoa precisa passar por isso, porque é um crescimento pessoal.”

Mesmo com um bom salário e emprego estável, Gustavo não se sente completamente independente. Ele afirma que a independência é um processo lento e gradual, e que passar no concurso foi mais uma etapa: “Considero essa minha conquista na procuradoria como mais uma etapa. Não me senti independente em um dia específico. Com certeza a fase final deste processo de independência vai acontecer quando eu for morar sozinho e gerir a minha própria casa. É só o que falta.”

Já a professora de História Sandra Pereira, de 45 anos, ainda mora com os pais, mas diz que é independente. “Sair de casa não significa nada. Tem muita gente que mora sozinha, mas ainda é extremamente dependente dos pais, tanto emocionalmente quanto financeiramente.” Ela conta que já morou sozinha duas vezes, para trabalhar e estudar, mas não gostou da experiência: “Adoro chegar em casa e ver tudo pronto e organizado. Além disso, adoro meus pais. Eles sempre me deram muita liberdade. Vou sair para quê?”

Sem hora para o grito de independênciaCresce o número de jovens que prefere o conforto da casa dos pais em vez da busca da autonomia

Barbara Gazal

Independência aos olhos da justiçaA representação jurídica mais próxima da independência é a emancipação de

menores. Esse mecanismo permite que um menor de idade adquira alguns direitos civis idênticos aos dos adultos. O pensamento que baseia este conceito é a idéia de que adolescentes amadurecem em idades diferentes, não apenas biológica, mas men-tal, emocional e socialmente. No Brasil, a emancipação pode ser adquirida acima dos 16 anos por vontade dos pais, por vontade própria, por auto-suficiência econômica e devido ao casamento – abaixo dos 16 anos, a emancipação é permitida em casos de gravidez ou para evitar o cumprimento de pena criminal. Entretanto, algumas proi-bições continuam vigorando para os emancipados, como por exemplo, atividades por-nográficas ou de prostituição, que só são permitidas após os 18 anos.

Gustavo Areal, 26, o mimado

NO 15 - 2009/1 17

Em seu apartamento, em Botafo-go, confortavelmente deitada na cama de seu filho mais velho, a professora de português Lúcia Soares conta que seus dois primeiros casamentos (ela passou por três) “foram relações completa-mente diferentes, mas deram exata-mente no mesmo”. No primeiro, ela ti-nha 18 anos e teve um filho. O segundo foi sem filhos e com uma pessoa mais jovem que ela. Nos dois, Lúcia desco-briu, aos sete anos de casada, que esta-va sendo traída e terminou a relação.

O psicólogo Marcelo Pinheiro não conhece estatísticas relacionadas a uma crise dos sete anos de casamento. Apesar disso, confessa que ele e sua es-posa viveram alguma dificuldade, nessa época: “A gente conversou: ‘pô, a crise dos 7 anos...’, mas não sei se essa crise foi diferente aos 4, 5...”. Marcelo ex-plica que há, sim, uma diminuição na tendência à separação com o passar do tempo. “Casais que estão juntos há dez anos têm uma probabilidade de separar muito menor do que recém-casados”.

As duas relações de Lúcia que duraram sete anos terminaram por ini-ciativa dela. A professora conta que os dois maridos afirma-vam que não queriam a separação, pois gos-tavam dela. Lúcia dei-xa a questão: “Gosta-vam como, se estavam com outra?” Para ela, quando acontece a traição, é porque o casamento já não está bem.

Denise, muito bem casada há sete anos, concorda com Lúcia sobre a di-ficuldade de um casamento: a convi-vência, naturalmente. Aliás, parece ser a única coisa em comum entre as duas. Denise acha que crise pode acontecer a qualquer momento e diz já ter passa-do por algumas, que foram superadas, segundo ela, com o amor. Para Denise, este é o elemento que ajuda o casal a lidar com as diferenças do outro.

Para Lúcia, suas separações são características do perfil de mulher atu-al. Ela acredita que, se tivesse outra concepção de casamento, como a de mulheres de gerações anteriores, essas duas relações não teriam sido rompi-

das, pois a mulher era a parte que ti-nha que “abrir mão”, dentro da relação. Enquanto isso, a maioria dos homens continua esperando a imagem da mu-lher que foi construída ancestralmente. “Ele espera da mulher mais do que ela ta dando hoje em dia e do que ela ta disposta a ‘suportar’ porque a posição de quase vassalagem da mulher em re-lação ao homem acabou”

Isso pode ser confirmado pelas estatísticas de Marcelo Pinheiro. O psi-cólogo diz que, geralmente, a proposta de separação vem da mulher, pois os homens se acomodam mais. Para Mar-celo, o mito dos sete anos pode ter rela-ção com a fase em o casal se encontra. Na maioria dos casos, nessa época, o casal está tendo o segundo filho, a aten-ção para as crianças vai aumentando e, para o parceiro, diminuindo. “O sur-gimento dos filhos é uma grande pro-va para os casais porque os filhos são importantes para os dois (em pessoas normais)”. Quando duas pessoas inte-ragem, a relação se torna mais difícil, se há uma terceira que exige um consen-so. Não dá para os dois lados mostra-rem pontos de vista opostos para uma

criança. Quando o casal passa por esse desafio e che-ga a um acordo, ele cria uma cultu-ra própria daquela família. Se a von-tade de um dos lados prevalece e a outra pessoa fica acuada, isso pode

gerar uma crise. Todas as questões pre-cisam ser discutidas. Como as tarefas serão divididas? “Tem que trocar fral-da!”, lembra o psicólogo. Às vezes, o homem tem a expectativa de que a mu-lher faça essas coisas e ela não pretende fazer.

No caso de Lúcia, os filhos não interferiram tanto nas separações. Num dos casamentos que acabou aos sete anos, teve filho, no outro não. No terceiro, ela cedeu à maternidade mais por uma vontade do marido, com quem ficou durante 17 anos, do que por um desejo próprio. Denise ainda não tem filhos, mas o primeiro está planejado para este ano. Ela acredita que, quando

o bebê é planejado e “feito com amor”, não causa problemas.

No último casamento de Lúcia, a crise dos sete anos não passou nem perto. Era a época em que Maria Lú-cia, a filha mais nova, era pequena e as

marido tinha horror a discutir relação. Quem vive com uma mulher tem que saber discutir relação”. Lúcia acha que, se eles tivessem feito terapia de casal, a relação poderia não ter acabado.

“As mudanças que acontecem

O mito da crise com data marcada

Lúcia: “Casar de novo, só se morar separado”

“O surgimento dos �lhos é uma

grande prova para os casais”

Marcelo Pinheiro

Carolina Berger

Dificuldades em relacionamentos ignoram o ‘prazo de validade’ do casamento no imaginário popular

Para Denise, tudo se resolve com amor

preocupações estavam voltadas para ela, não houve nenhum tipo de tensão por conta das experiências anteriores. A crise dessa última relação aconteceu, aí sim, nos últimos sete anos. O último rompimento não foi tão tempestuoso quanto os outros, muito por causa da maturidade. “A gente vai aprendendo, né? Três casamentos, a gente tem que aprender alguma coisa...”.

O relacionamento de Denise não foi sempre tão tranquilo. Foi preciso a interferência da terapia para controlar o ciúme do marido, que, na época, até colaborou para que ela se afastasse do emprego. “Ele viveu num mundo de neuroses com a ex. Quando nos conhe-cemos, ele era controlador, ciumento demais. Em resumo, fazia comigo tudo o que ele não suportava que ela fizesse com ele. Daí, falei da terapia, ou então nem me casaria com ele”. Hoje, Denise diz que seu marido “é um homem ma-ravilhoso”, com o ciúme controlado.

Lúcia fazia terapia há 11 anos, quando se separou pela última vez, e acredita que isso pode ter interferido no fim do casamento. “O autoconhe-cimento fez com que eu, como esposa, me desligasse um pouco do relaciona-mento”. Ela chegou a propor ao ma-rido que eles fizessem terapia de ca-sal, mas ele se recusou. “Meu terceiro

com a terapia são mudanças diante da vida. Sua forma de lidar com o mundo é modificada com a terapia em várias áreas, inclusive na área afetiva”, explica Marcelo Pinheiro. “Se uma pessoa bus-cou um conhecimento pessoal e outra não, isso pode acirrar um descompasso entre os dois”. Marcelo conta que, na terapia de casal, um chega pensando que o terapeuta vai mostrar ao outro como ele está errado. “Se meu marido/minha esposa mudasse, nossa relação seria perfeita...” Mas não é isso que é feito. Se o terapeuta opta por um dos lados, estará reproduzindo a dificulda-de que levou o casal à terapia. O objeti-vo é facilitar que cada um enxergue sua responsabilidade dentro do problema. “É muito difícil mudar o outro. É mais fácil mudar a si mesmo”. Se cada um colabora, os dois conseguem encontrar soluções. Mas Marcelo avisa: “Terapia de casal não é cola pra colar as pessoas, quem sou eu para saber que o melhor para aquelas pessoas é estar junto e não separado? Ninguém pode saber isso...”

Lúcia só casará de novo, se for para morar separado. E Denise afirma para quem quiser ouvir que, caso se se-pare, não se casará nunca mais.

18 NO 15 - 2009/1

No século XIII, em Portugal, baús com quatro fechaduras eram a maneira mais segura que a nobreza conhecia para guardar seus obje-tos de valor. As quatro chaves capazes de abrir tais baús eram distribuídas cada uma para um alto funcionário do reino português, garantin-do a segurança dos artigos guardados. Com o tempo, o procedimento foi caindo em desuso, e a mística do número sete, originária de religiões primitivas babilônicas e egípcias, acabou geran-do a expressão dos dias de hoje, quando algo é guardado a sete chaves, ao invés de quatro.

Claft, claft, claft, claft. Curiosamente, não eram sete as chaves de João Neves, 66, mas quatro, exatamente como há oito séculos atrás. A incrível coincidência parecia confirmar que se tratava de um “maníaco por segurança”. João mora com a esposa numa casa de classe média no bairro da zona norte do Rio, próximo ao sempre “movimentado” mor-ro dos Macacos. Sem condições de se mudar para um lugar melhor tamanha a desvalorização que o imóvel teve desde que foi comprado por ele, nos anos 80, Seu João tem que conviver com os cons-tantes tiroteios e arrastões na região. Numa noite de 2001, seu neto, à época com apenas dois anos de idade, quase foi atingido por uma bala perdida que chegou a entrar no quarto do menino. “Esses problemas começaram por aqui quando a polícia começou a prender os bicheiros da região. Com a diminuição do poder do jogo do bicho, os trafi-cantes tomaram conta da região”, acredita João.

Amedrontado depois do assalto em algu-mas casas próximas à sua, o professor de por-tuguês aposentado mandou instalar mais duas trancas na porta de sua residência, para ten-tar dificultar um pouco a vida dos assaltantes. “Graças a Deus eu nunca precisei delas”, diz.

Além das fechaduras extras na porta, João tomou outros cuidados mais “tradicionais” para afastar os criminosos. Um cachorro e uma cerca elétrica protegem a pequena varanda da residência. “Antigamente, o muro tinha apenas cacos de vidro para impedir a entrada dos bandidos, mas resol-vi investir e comprar uma cerca elétrica. O cão eu sempre tive, mas também considero uma espécie de “segurança permanente” para a minha casa” conta.

As precauções para proteger sua casa não fo-ram as únicas tomadas pelo aposentado. Apesar de ter direito a andar de ônibus de graça, João raramen-te utiliza o transporte coletivo. Os casos de violência contados pelos vizinhos fizeram com que Seu João mudasse seus hábitos para se sentir seguro. “Tive co-meçar a sair menos de casa. Mesmo nos tempos em que eu pagava a passagem no ônibus, ela saía muito mais barata do que uma corrida de táxi. Mas não me arrependo”, afirma. Indignado, João conta que um

de seus amigos chegou a ter um revólver aponta-do para sua cabeça durante um assalto a um ônibus.

Diferentemente de João, Luiz Antônio, 53, nun-ca chegou a passar por uma situação de risco relacio-nada à violência. Mesmo assim, morador de um pré-dio no Catete, se protege como pode dos criminosos. Luiz chegou a tentar convencer seus vizinhos de que medidas mais extremas de segurança – câmeras de vi-gilância, presença de porteiros 24 horas por dia etc - eram necessárias ao edifício. Não conseguiu, e não foi por falta de insistência, garante. “Eu falava dos casos de violência que a TV mostra todo dia, mas os mora-dores me ignoravam. Passei algum tempo brigando por isso, mas não adiantou”, lamenta o advogado.

Apesar de nunca ter presenciado um assalto, Luiz evita riscos quando sai de casa, e se protege em seu apartamento, seu porto seguro. Com medo de que ladrões entrassem em sua casa pela jane-la que dá pra rua, o advogado instalou uma grade alumínio, praticamente abdicando da vista. Mes-mo morando no terceiro andar, Luiz decidiu to-mar essa medida depois de se assustar com alguns casos na televisão. “Cansei de ver, na TV, histórias de casas invadidas por bandidos. Prefiro parecer maluco a me expor a esse tipo de risco”, diz, re-clamando da forma como é tratado pelos amigos.

Apesar de não ter dúvidas da qualidade de suas amizades, Luiz não gosta do jeito como alguns de seus amigos e até sua esposa se referem a ele em alguns momentos. “Sempre fui o mais precavido do nosso grupo, mas eles gostam de me chamar de maluco, pa-ranóico etc”. O modo como é tratado não é à toa. São as manias do advogado que irritam os companheiros. Uma delas é curiosa e inconveniente: Luiz não gosta de pedir nada por telefone para não ter de abrir a porta para estranhos, mesmo quando identificados.

A psicóloga Cassilda Soares confirma o que muitos percebem no dia-dia: os casos de vio-lência frequentemente apresentados pela mídia acabam aumentando a sensação de inseguran-ça, e a necessidade por mais proteção. “Esses fa-tos acabam entrando para o imaginário da socie-dade, que fica impressionada com os tiroteios, assaltos, assassinatos. Vem daí também essa busca por câmeras de vigilância, carros blindados etc”.

Cassilda explica também que o medo dos cri-minosos tem a ver com a necessidade da sociedade de se afirmar através da negação do diferente, do outro, no caso, os bandidos, os facínoras, sanguiná-rios etc. O traficante é, portanto, o bárbaro carioca do século XXI. “Sem identificar o outro, o diferente, eu também não consigo me identificar, não existo. O “errado” é essencial para que se conheça o “certo”. Este é o princípio da alteridade”, diz a psicóloga.

Cassilda não põe a culpa da paranóia por proteção nos tempos de hoje nos veículos de co-

municação, mas reconhece que ela exerce impor-tante papel. “É algo até certo ponto natural. A in-fluência da mídia na construção dessa sensação de insegurança é inegável, mesmo que não seja de forma proposital. Embora os meios de comunica-ção escolham o que deve ou não ser noticiado, eles não criam fatos violentos, apenas os divulgam”.

Para ela, pessoas como o advogado Luiz An-tônio são os principais afetados por essa sensa-ção de constante insegurança vivida no Rio de Ja-neiro. Isolado de um contexto social, o medo da violência dificilmente atingiria uma pessoa que nunca enfrentou situações de real risco. Já na rea-lidade, o caso de Luiz parece apenas mais um en-tre muitos cariocas assustados com o que vêem na TV, escutam no rádio ou lêem no jornal.

Enquanto isso, a psicóloga não vê muita influ-ência da mídia no medo de João Neves, que mora numa região reconhecidamente perigosa da cidade. “No caso dele, a sensação de que vive no meio de uma guerra é real, não é psicológico. As pessoas que mo-ram nesses locais de risco precisam de proteção, e vão atrás dela até onde sua condição financeira permitir”.

Como não têm como fugir, pessoas como João aprenderam a evitar os perigos. Já com a en-trevista terminada, com o relógio marcando quase 22h, o ex-professor deu um conselho sobre a via-gem de volta do repórter para casa, em Laranjei-ras. “Vai de táxi, os ônibus por aqui não são segu-ros” alertou Seu João. Talvez em busca de alguma adrenalina, a reportagem decidiu “pegar” um 432.

Chaves que protegem do medoComo não podem acabar com a violência, cariocas se trancam das mais variadas formas em busca de segurança

Rodrigo Paradella

NO 15 - 2009/1 19

Da superstição à tradição reli-giosa, a mitologia sobre os espelhos é associada ao azar ou a morte. A ori-gem dessa crença remonta aos gregos e seu costume de ler o futuro a partir da imagem de uma pessoa refletida sobre uma tigela com água, se o pote quebrasse era sinal de azar. Os roma-nos herdaram o hábito e acrescenta-ram que a má sorte se estenderia por sete anos, contudo para os judeus os espelhos significam a vaidade. Duran-te o luto, todas as superfícies polidas e espelhos da casa são cobertos a fim de evitar que os vivos se distraiam com figuras de beleza e do mundo físico, além disso, a lei judaica proíbe orar diante de espelhos.

Assim como o espelho, todos os comportamentos supersticiosos têm uma história, seja ela de cunho pesso-al ou cultural. A estudante de jornalis-mo Lorena Simões, 20, por exemplo, conta sobre a sua superstição com o número sete. “São muitas as coinci-dências que me levam a crer que o nú-mero me traz sorte: Passei pra UFRJ no 17º lugar com 40,17 pontos, nasci no mês sete, meu namorado faz ani-versário no dia 27, meus dois últimos relacionamentos começaram no dia 17, comecei a trabalhar com 17 anos”, explica a estudante.

Ninguém precisa acreditar 100% numa simpatia para executá-la nem ser um legítimo esotérico para ter um cristal em cima da mesa. Basta acredi-tar um pouquinho que já está valen-do. O comerciante Severino Ramos, 50, não acredita em superstições, mas admite que não abre mão de algumas simpatias, rituais e objetos para pro-

teger o seu estabelecimen-to da inveja alheia. “No bar tenho as imagens de Nossa Senhora de Fátima e São Jorge, além de olho-de-boi, arruda, espada de São Jorge e comigo nin-guém pode”, conta.

As superstições são tão antigas quanto a hu-manidade e todos nós ce-demos a elas em alguns momentos de nossas vidas. “Elas podem ser saudavéis na medida em que ajudam o individuo a encarar os desafios e a crer que no fi-nal tudo vai acabar bem”, explica a psicóloga Marta de Oliveira, 56 anos.

Porém a crença exa-gerada nestes recursos pode gerar danos à auto-confiança do indivíduo. Por exemplo, quando trans-ferimos a responsabilidade por nossas ações para algum fator externo que, suposta-mente, nos atrai o azar ou quando deixamos de realizar alguma atividade por medo de que aquele “sinal” seja um aviso de que algo pode dar erra-do.

É inegável que as superstições exercem determinado poder na vida das pessoas que as praticam. A dona de casa Rosa Maria Alves, 56, é um exemplo disto. Ela não dispensa a oportunidade de fazer uma simpa-tia. “Acredito piamente que as sim-patias que realizo atraem para mim e para minha família energias positivas,

portanto nunca deixo de fazê-las no reveillon para que toda a prosperida-de do ano anterior se repita no novo ano”.

A interpretação subjetiva altera o valor das crenças. Até hoje não há nada que comprove a má fama do nú-mero treze, mas muita gente prefere evitá-lo, inclusive algumas construções no Brasil, Japão e Estados Unidos não possuem o 13º andar. Contudo, para o ex-coordenador técnico da seleção brasileira Mário Jorge Lobo Zagallo, o treze sempre foi sinal de sorte. Após uma operação no estômago em 2005,

ele foi treze vezes à Igreja de Santo Antônio, santo de sua devoção, cujo dia é comemorado em 13 de junho.

Várias coisas tornam a supersti-ção altamente sedutora. A principal, sem sombra de dúvidas, é a curiosida-de. Tendo consciência disso, os meios de comunicação exploram o assunto como podem. A maioria dos grandes jornais impressos possui uma seção dedicada, pelo menos, ao horóscopo. Na rádio Globo, durante o programa “Show do Antônio Carlos”, a radia-lista Aldenora Santos, mais conheci-da como Pudica, ensina aos ouvintes rituais para conseguir um trabalho, atrair a pessoa amada, afastar doenças etc. Na Internet a quantidade de sites que oferecem serviços desta qualida-de é imensa.

Religião e superstiçãoÉ difícil não apontar carac-

terísticas supersticiosas dentro de praticamente todas as religiões. Um exemplo clássico na igreja católica é Santo Antônio. Conhecido como san-to casamenteiro, as mulheres impõem a sua imagem diversas provações, por exemplo, colocando o de cabeça para baixo dentro de um copo d’água e só o retiram quando encontram um na-morado pretendente a marido.

Diferentemente da religião, a superstição tem fins específicos. Ape-lamos para ela quando precisamos de uma ajuda a mais, venha ela de onde vier. È um equivoco confundir as duas coisas, como explica o padre Jairo Bittencourt, da paróquia Nos-sa Senhora Auxiliadora, em Niterói: “Religião não é magia. Enquanto uma prática supersticiosa, como uma sim-patia ou um talismã traz um benefício imediato, a religião busca a paz divina, envolvendo normas éticas e códigos de conduta”.

De fato, a maioria das pesso-as tem consciência de que nada lhes acontecerá se contrariarem uma su-perstição. No entanto estas crenças ainda exercem influência e dão ênfa-se ao velho ditado espanhol: “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay” - Não creio em bruxas, mas que elas existem, existem.

Espelho quebrado, sorte em pedaçosA história por trás das crendices e simpatias que afetam o dia-a-dia da população brasileira.

Quebrou um espelho? A superstição prega que serão sete anos de má sorte.

Juliana Xavier de Araújo

Superstições mais comuns e suas origensEscada: Esta crendice está relacionada com o medo ao cadafalso, local onde se aplicava a forca aos condenados. Antigamente,

devido à grande altura que este costumava ter, era necessária uma escada para colocar a corda do enforcamento na posição correta, bem como para retirar depois o cadáver do condenado. Qualquer um que passasse por baixo da escada corria o perigo de dar de frente com o morto.

Gato preto: Na idade média, acreditava-se que os gatos pretos eram bruxas transformadas em animais. Por isso a tradição diz que cruzar com gato preto é azar na certa.

Número 13: Sua provável origem está nos mitos nórdicos, como o de Loki, espírito maligno que apareceu sem ser convidado em um banquete celestial onde havia 12 convidados. A má fama do número ganhou força com o relato bíblico da Última Ceia, em que 13 pessoas se reuniram à mesa na véspera da crucificação de Jesus e que Judas, o traidor, era o 13º convidado.

Bater na Madeira: Essa superstição está associada à crença de que as árvores eram a morada dos deuses. Sempre que se sentiam culpados de algo, os povos primitivos pagãos, batiam no tronco para invocar as divindades e pedir perdão. Os celtas, também tinham um costume parecido. Seus sacerdotes, os druidas, batiam na madeira para afugentar os maus espíritos, pois acreditavam que as árvores consumiam os demônios.

20 NO 15 - 2009/1

O médico retornou à sala com os resultados na mão. José Manuel Lopes Landeira suava frio. Apesar de esperan-çoso, ele sabia que o diagnóstico não seria agradável. Afinal, desde a adoles-cência, nunca mais recebera notícias positivas em suas consultas médicas. O resultado anunciado pelo doutor cons-tatou o óbvio: o vício do cigarro havia destruído seu sistema respiratório. A partir daquele momento, o empresário de origem espanhola teria que decidir entre mudar totalmente a sua rotina e largar o fumo, ou manter um estilo de vida com fim já datado. O caso dele é um entre muitos em que uma resolução de grande importância tem que ser fei-ta, senão o desfecho é desagradável. É matar ou morrer. É quando se está pela bola sete.

A expressão popular vem da sinu-ca. No famoso jogo de bilhar, a decisão de uma partida empatada até o final se dá na disputa pela última bola, no caso a sete (preta). Errar a tacada pode sig-nificar uma simples derrota ou a perda de todo o dinheiro que se apostava. O lance, de tão emocionante, caiu nas gra-ças do povo e virou um jargão bastante conhecido.

No caso de José Manuel, que tem 54 anos e é dono de dois estacionamen-tos na Tijuca, a solução não veio numa fração de segundos, mas sim com uma mudança drástica de comportamento, reforçada a cada dia. Ele parou de fu-mar a dois anos, desde a última visita ao médico, em junho de 2007. José comen-tou como foi estar na jogada que vale a última bola. “Meu médico deu a sen-tença: os pulmões estavam totalmente acabados. Ou eu parava de fumar assim que saísse do consultório, ou só iria reencontrá-lo no céu. Precisei de muita

força de vontade, afinal, fumava desde os 14 anos. No começo, ninguém acre-ditou em mim, acho que nem eu mesmo levava muita fé. Porém, consegui largar o vício e hoje estou aqui para mostrar como estive realmente pela bola sete”.

Assíduo freqüentador da Sinuca da Lapa, um dos berços da boemia carioca, Ricardo César de Oliveira, estudante de Educação Física da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ), também entende muito bem o que é estar pela última bola. Nos fins de semana, além de “brincar no tapete verde”, Ricar-do é árbitro de futebol amador. Nessa profissão, a ameaça da catástrofe é algo rotineiro. “Todo mundo sabe que apitar jogo de futebol não é fácil, ainda mais em várzea. Nessas ligas pequenas, não há proteção. Em um campeonato em março, fui obrigado a marcar um pênalti a favor do time da casa. A torcida estava toda à beira do campo, me ameaçando constantemente. Pra se ter idéia, quatro torcedores cercavam o meu carro, me esperando caso a equipe deles perdesse. Tive que tomar uma decisão rápida. Foi a correta? Não. Mas tive que fazê-la”, relata.

Mas o que pode levar uma pessoa a ter tal infortúnio? Incompetência, pre-guiça, falta de atenção e azar são algu-mas das causas apontadas por Ricardo. “O indivíduo geralmente se encontra na iminência de algo ruim porque pro-vocou isso em um momento anterior. Contas não pagas e revisão do carro são exemplos que eu citaria. Mas, no meu caso, como foi visto, a falta de sorte também influencia. E muito!”, destaca.

Existem também contextos ou lugares específicos que aumentam esses fatores. Juliana Alves do Nascimento, gerenciadora de investimentos de 29

anos, aponta o sistema financeiro como um deles. “O mercado de ações não é tão estável assim, previsível. Com isso, já passei por vários momentos em que estive na iminência de me dar mal, de perder muito dinheiro”. Ainda segun-do suas palavras, esse tipo de tacada são mais freqüentes em tempos difíceis na economia. “Em um dia do final de outubro do ano passado, com a crise a pleno vapor, eu estava com um título em decadência na mão. Sorte que decidi e consegui vendê-lo rapidamente. Uma possível demora representaria a des-valorização do papel na minha mão. E isso, ninguém quer.” afirma.

Para Juliana, nesses momentos conturbados, o importante é estar pre-parado para dar a tacada certa: “Estou sempre estudando, porque facilita na hora de avaliar as possibilidades, ver qual é a menos suscetível ao fracasso.” Porém, ela faz uma ressalva interessan-te: “É verdade que muito depende de cálculos e variáveis, mas não é só isso. Ter a sorte ao lado também é requisito para o sucesso”.

O cotidiano da cidade também proporciona outros cenários em que o indivíduo está pela última bola. Para Antônio Carlos Honorato, de 38 anos, a derrota pode significar a perda de uma vida. O sargento do Destacamento Bombeiro Militar do bairro do Catete já participou de diversos salvamentos ao longo dos seus 18 anos de profissão. “Já houve situações em que a vida da pessoa dependia da minha decisão. Uma vez, num acidente de trem, ou se amputava

a pessoa rapidamente ou tentávamos retirá-la, sob o risco de morte. A deci-são foi feliz, porque a vítima sobreviveu ao acidente, implantou próteses e agora vive bem”, conta Honorato.

Mesmo praticando esse tipo de jogada no dia-a-dia do quartel, o bom-beiro já deu tacadas que não mataram a última bola. “Cinco anos atrás, precisa-va comprar um carro, e acabei pedindo um empréstimo de quantia razoável a um amigo. Quando chegou a data do pagamento, não tinha dinheiro na mão suficiente para quitar a dívida. Naquela ocasião, estava realmente pela bola sete. Fui acreditar na sorte e apostei o pou-co que tinha para tentar conseguir mais. Não deu certo, foi tudo pelo ralo. In-felizmente, pago essa dívida até hoje”, revela.

A vida é recheada de decisões. Desde que roupa vestir até que carrei-ra seguir, o indivíduo é constantemen-te obrigado a fazer escolhas. Mas são aquelas nas quais corremos perigo que marcam a vida do indivíduo. Na maio-ria das vezes, a iminência do desastre nos impulsiona a direcionar o taco e arriscar sem pensar muito. Nessas situ-ações, conseguir acertar a tacada quan-do se está pela bola preta depende de destreza, mas essencialmente de sorte. Sorte essa que pode “encaçapar” o pro-blema e garantir a vitória, ou que pode se transformar em azar e levar à derrota tanto nas partidas na sinuca como no jogo da vida.

O momento decisivo da bola �nalDa sinuca para a vida, a pressão da última tacada define sucessos e fracassos de pessoas e negócios

Ficar pela bola preta, a última da sinuca, se transforma no lance que determina a vitória.

Rodrigo Nunes Lois

Por dentro das caçapasA sinuca é um jogo de mesa, com taco e bolas, variante do snooker, inven-

tado em 1875 na Grã-Bretanha. Neste jogo dois adversários tentam colocar num dos seis buracos da mesa as bolas coloridas (não brancas) na seqüência defini-da pelas regras. Numa mesa de 2,84 m X 1,42 m (medida brasileira), são colo-cadas oito bolas, com pontuação de 1 (vermelha) a 7 (preta) mais a bola branca.

A bola branca é utilizada para impulsionar as outras. Denomina-se bola da vez a bola colorida de menor pontuação presente na mesa. Ela é livre, isto é, o jogador não perde pontos caso erre quando tenta encaçapar essa bola. Feito isso, ela não re-torna à mesa e dá direito ao jogador de jogar livremente qualquer outra bola. Esta segunda, se encaçapada, retorna à mesa e o jogador deve a seguir jogar a nova bola da vez. Com exceção da tacada inicial, é permitido jogar uma outra bola no lugar da bola da vez, porém com castigo, isto é, com perda de 7 pontos em caso de erro..