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que atinge o coração de jovens A ‘bomba’ Professora da FOP investiga as relações de causa e efeito do uso de anabolizantes A ‘bomba’ que atinge o coração de jovens 6 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 22 a 28 de setembro de 2008 LUIZ PAULO JUTTEL Especial para o JU uem hoje em dia não conhece pelo menos um amigo ou colega que “explodiu” em mús- culos de uma hora para outra? Em seis meses essa pessoa, em geral jovem, salta de míseros 55 kg para 80 kg ou mais de pura massa muscular. A antiga camiseta de banda de rock cede espaço à regata ou baby look. Em academias ou em raves há chance de encontrá-lo exi- bindo seus músculos hipertrofiados. Embora muitas vezes a família nem desconfie, quem convive com esses jovens logo identifica a causa de tan- tas mudanças físicas e compor- tamentais repentinas. Seu nome: esteróides anabolizantes. Estudar as relações de causa e efei- to do uso de anabolizantes em alta do- sagem é a tarefa a que vem se dedi- cando a equipe da bióloga Fernanda Klein Marcondes, professora de Fisio- logia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP). A literatura médi- ca há bastante tempo tem associado os esteróides a uma série de malefí- cios que acometem seus usuários. Entretanto, para se estabelecer uma relação desses efeitos com suas res- pectivas causas é preciso considerar todo um contexto: hábitos de vida, a rotina de treinamento físico intenso e o uso simultâneo de vários anabo- lizantes e de suplementos alimenta- res, entre outros fatores. “Por força desse contexto é que os nossos estudos controlados foram fei- tos em ratos de laboratório. Apenas dessa maneira é que se pode dizer que certa substância em dosagem x causa o efeito y. Só assim é possível, tam- bém, esclarecer os mecanismos que causam esse efeito e as formas de evitá-lo ou até mesmo revertê-lo”, observa a docente. Sem contar o pro- blema ético da realização desse tipo de pesquisa em humanos. “Seria ina- ceitável, do ponto de vista ético, con- vocar voluntários humanos saudáveis para um estudo em que eles recebes- sem hormônios, como é o caso dos anabolizantes. A administração de hormônios somente deve ocorrer em casos de patologia, e com acompanha- mento médico”. Financiada pela Fapesp, a pesqui- sa de Marcondes teve início em 2002 e contou com a colaboração de pes- quisadores da PUC-Campinas, da UFSCar e da área de Histologia da FOP. Seu objetivo era analisar os efei- tos cardiovasculares, metabólicos e comportamentais que o anabolizante mais usado no Brasil e no mundo, o decanoato de nandrolona (conhecido pelo nome comercial Deca-dura- bolin), causa nos indivíduos. Para a análise cardiovascular, que foi a que apresentou os resultados mais alarmantes à saúde, a metodo- logia de pesquisa da equipe da FOP se deu da seguinte forma. Espécimes masculinos da raça Wistar com dois meses de idade foram separados em quatro grupos. O primeiro era o dos que não passaram pelo treinamento de for- ça e foram tratados com placebo (não ingeriram anabolizante). No segundo estavam os não-treinados que recebe- ram a nandrolona. O terceiro continha os que foram tratados com nandrolona e não treinaram e, no último, os trei- nados e tratados com anabolizante. A quantidade de decanoato de nandrolona utilizada foi de 5 mg por kg do animal, duas vezes por sema- na, durante seis semanas. Isso equi- vale a uma dosagem em humano de cerca de 800 mg por semana. Trata- se de uma super dosagem. Em con- versa com usuários veteranos de anabolizante e em fóruns sobre o tema na internet, constata-se que a média semanal de aplicação é 200 mg, em ciclos que vão de dois a quatros me- ses. No entanto, essa substância ge- ralmente é usada em conjunto com um preparado de quatro ésteres de testos- terona, chamado comercialmente de Durateston, cujo consumo fica na casa de 500 mg por semana. O treinamento de força a que fo- ram submetidos os animais foi reali- zado em um tanque com 38 cm de al- tura de água a uma temperatura de 30 0 C (ideal para atividade física na água). Nas costas dos ratos se colocou um colete que pesava entre 50% e 70% do peso corpóreo. Esse colete fazia com que o animal afundasse na água e precisasse saltar para respirar. A cada 10 saltos ele era retirado do tan- que para descansar por um minuto. O procedimento era repetido quatro ve- zes ao dia. O quinto e sexto dias eram de descanso. “Sabemos que o correto seria um dia de treino para um ou dois dias de descanso. No entanto, não é isso que fazem os usuários de esteróides anabolizantes. Nós queríamos repro- duzir um ambiente semelhante ao que se vê nas academias. Por isso foi fei- to treinamento de alta intensidade, com menor período de descanso”, diz a pesquisadora. Efeitos Os resultados dessa pesquisa mos- traram que o volume do coração dos membros de todos os grupos, menos o dos sedentários que não receberam anabolizante, sofreu um aumento con- cêntrico (de fora para dentro). Isso sig- nifica que as paredes das cavidades cardíacas ficaram mais espessas, e seu diâmetro interno menor. Isso faz com que seja menor o espaço para a entra- da de sangue a ser bombeado pelo coração. Esse efeito causado pelo fisicul- turismo já é conhecido pela comuni- dade científica. “Só que dentro de al- guns limites isso não causa prejuízo à função cardíaca porque, a princípio, é compensado por um aumento de for- ça do coração”, afirma Fernanda. Po- rém, nos animais em que houve asso- ciação do uso de anabolizante ao trei- namento intenso, a hipertrofia foi acompanhada por uma deficiência no bombeamento cardíaco. Essa conclusão se deu depois que os grupos de animais pesquisados pas- saram por um exame chamado ecodop- plercardiograma, em estudo feito jun- tamente com a professora Maria Clau- dia Irigoyen, do Incor/USP. Semelhan- te ao ultra-som, o ecodoppler cria uma imagem do coração e do seu funcio- namento no qual é possível fazer me- didas do coração e analisar o fluxo de sangue durante o seu funcionamento. No grupo treinado com anaboli- zante não se teve apenas um aumento de massa muscular, mas também de fibras de colágeno (tecido conjunti- vo). Enquanto o grupo treinado sem nandrolona ficou com o nível de colágeno estabilizado em 3μm 2 , o trei- Q nado com nandrolona saltou para 33μm 2 . “Essas fibras fazem parte da estrutura do coração, mas não parti- cipam do bombeamento de sangue. Tem-se um coração maior, mas não mais eficiente. Ao contrário, há mai- or resistência a esse bombeamento”, completa a bióloga. Na literatura médica existem vá- rios estudos de caso que relatam mor- tes súbitas de fisiculturistas usuários de anabolizantes relacionadas a esse aumento concêntrico do coração. “O que a nossa pesquisa mostra agora é que, com certeza, uma parcela disso se deve ao anabolizante, e outra ao treinamento intenso de força; as duas coisas juntas amplificam os efeitos. A relação causa e efeito está bem- estabelecida e confirmada pelo expe- rimento”, alega Fernanda. O trabalho da professora analisou não apenas o coração, mas também o sistema vascular por onde o sangue circula dentro do corpo. Os pesquisa- dores da Unicamp queriam saber se o uso de anabolizante alteraria a capa- cidade do vaso sangüíneo se dilatar ou passar por contração conforme a necessidade do organismo. Essa fun- ção dilatadora é extremamente impor- tante para manter a pressão sangüínea e a temperatura corpórea regulada di- ante de movimentos do corpo ou de alterações da temperatura do ambien- te, assim como para fazer o sangue Acne Agressividade Inibição da produção de testosterona Diminuição do desejo sexual (libido) Impotência e esterilidade Ginecomastia – crescimento das mamas Problemas hepáticos chegando ao desenvolvimento de tumor Menor crescimento em adolescentes Colesterol Alto Calvície Principais efeitos associados ao uso de anabolizantes em homens* Principais efeitos associados ao uso de anabolizantes em homens* * Alguns efeitos são temporários, enquanto outros não desaparecem depois de encerrado o consumo do anabolizante

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que atingeo coraçãode jovens

A ‘bomba’

Professora da FOP investiga as relaçõesde causa e efeito do uso de anabolizantes

A ‘bomba’que atingeo coraçãode jovens

6 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 22 a 28 de setembro de 2008

LUIZ PAULO JUTTEL

Especial para o JU

uem hoje em dia nãoconhece pelo menos umamigo ou colega que“explodiu” em mús-culos de uma hora paraoutra? Em seis mesesessa pessoa, em geraljovem, salta de míseros

55 kg para 80 kg ou mais de puramassa muscular. A antiga camiseta debanda de rock cede espaço à regataou baby look. Em academias ou emraves há chance de encontrá-lo exi-bindo seus músculos hipertrofiados.Embora muitas vezes a família nemdesconfie, quem convive com essesjovens logo identifica a causa de tan-tas mudanças físicas e compor-tamentais repentinas. Seu nome:esteróides anabolizantes.

Estudar as relações de causa e efei-to do uso de anabolizantes em alta do-sagem é a tarefa a que vem se dedi-cando a equipe da bióloga FernandaKlein Marcondes, professora de Fisio-logia da Faculdade de Odontologia dePiracicaba (FOP). A literatura médi-ca há bastante tempo tem associadoos esteróides a uma série de malefí-cios que acometem seus usuários.Entretanto, para se estabelecer umarelação desses efeitos com suas res-pectivas causas é preciso considerartodo um contexto: hábitos de vida, arotina de treinamento físico intenso eo uso simultâneo de vários anabo-lizantes e de suplementos alimenta-res, entre outros fatores.

“Por força desse contexto é que osnossos estudos controlados foram fei-tos em ratos de laboratório. Apenasdessa maneira é que se pode dizer quecerta substância em dosagem x causao efeito y. Só assim é possível, tam-bém, esclarecer os mecanismos quecausam esse efeito e as formas deevitá-lo ou até mesmo revertê-lo”,observa a docente. Sem contar o pro-blema ético da realização desse tipo

de pesquisa em humanos. “Seria ina-ceitável, do ponto de vista ético, con-vocar voluntários humanos saudáveispara um estudo em que eles recebes-sem hormônios, como é o caso dosanabolizantes. A administração dehormônios somente deve ocorrer emcasos de patologia, e com acompanha-mento médico”.

Financiada pela Fapesp, a pesqui-sa de Marcondes teve início em 2002e contou com a colaboração de pes-quisadores da PUC-Campinas, daUFSCar e da área de Histologia daFOP. Seu objetivo era analisar os efei-tos cardiovasculares, metabólicos ecomportamentais que o anabolizantemais usado no Brasil e no mundo, odecanoato de nandrolona (conhecidopelo nome comercial Deca-dura-bolin), causa nos indivíduos.

Para a análise cardiovascular, quefoi a que apresentou os resultadosmais alarmantes à saúde, a metodo-logia de pesquisa da equipe da FOPse deu da seguinte forma. Espécimesmasculinos da raça Wistar com doismeses de idade foram separados emquatro grupos. O primeiro era o dos quenão passaram pelo treinamento de for-ça e foram tratados com placebo (nãoingeriram anabolizante). No segundoestavam os não-treinados que recebe-ram a nandrolona. O terceiro continhaos que foram tratados com nandrolonae não treinaram e, no último, os trei-nados e tratados com anabolizante.

A quantidade de decanoato denandrolona utilizada foi de 5 mg porkg do animal, duas vezes por sema-na, durante seis semanas. Isso equi-vale a uma dosagem em humano decerca de 800 mg por semana. Trata-se de uma super dosagem. Em con-versa com usuários veteranos deanabolizante e em fóruns sobre o temana internet, constata-se que a médiasemanal de aplicação é 200 mg, emciclos que vão de dois a quatros me-ses. No entanto, essa substância ge-ralmente é usada em conjunto com umpreparado de quatro ésteres de testos-

terona, chamado comercialmente deDurateston, cujo consumo fica na casade 500 mg por semana.

O treinamento de força a que fo-ram submetidos os animais foi reali-zado em um tanque com 38 cm de al-tura de água a uma temperatura de 300

C (ideal para atividade física na água).Nas costas dos ratos se colocou umcolete que pesava entre 50% e 70%do peso corpóreo. Esse colete faziacom que o animal afundasse na águae precisasse saltar para respirar. Acada 10 saltos ele era retirado do tan-que para descansar por um minuto. Oprocedimento era repetido quatro ve-zes ao dia. O quinto e sexto dias eramde descanso.

“Sabemos que o correto seria umdia de treino para um ou dois dias dedescanso. No entanto, não é isso quefazem os usuários de esteróidesanabolizantes. Nós queríamos repro-duzir um ambiente semelhante ao quese vê nas academias. Por isso foi fei-to treinamento de alta intensidade,com menor período de descanso”, diza pesquisadora.

EfeitosOs resultados dessa pesquisa mos-

traram que o volume do coração dosmembros de todos os grupos, menoso dos sedentários que não receberamanabolizante, sofreu um aumento con-cêntrico (de fora para dentro). Isso sig-nifica que as paredes das cavidadescardíacas ficaram mais espessas, e seudiâmetro interno menor. Isso faz comque seja menor o espaço para a entra-da de sangue a ser bombeado pelocoração.

Esse efeito causado pelo fisicul-turismo já é conhecido pela comuni-dade científica. “Só que dentro de al-guns limites isso não causa prejuízo àfunção cardíaca porque, a princípio,é compensado por um aumento de for-ça do coração”, afirma Fernanda. Po-rém, nos animais em que houve asso-ciação do uso de anabolizante ao trei-namento intenso, a hipertrofia foiacompanhada por uma deficiência nobombeamento cardíaco.

Essa conclusão se deu depois queos grupos de animais pesquisados pas-saram por um exame chamado ecodop-plercardiograma, em estudo feito jun-tamente com a professora Maria Clau-dia Irigoyen, do Incor/USP. Semelhan-te ao ultra-som, o ecodoppler cria umaimagem do coração e do seu funcio-namento no qual é possível fazer me-didas do coração e analisar o fluxo desangue durante o seu funcionamento.

No grupo treinado com anaboli-zante não se teve apenas um aumentode massa muscular, mas também defibras de colágeno (tecido conjunti-vo). Enquanto o grupo treinado semnandrolona ficou com o nível decolágeno estabilizado em 3µm2, o trei-

Q

nado com nandrolona saltou para33µm2. “Essas fibras fazem parte daestrutura do coração, mas não parti-cipam do bombeamento de sangue.Tem-se um coração maior, mas nãomais eficiente. Ao contrário, há mai-or resistência a esse bombeamento”,completa a bióloga.

Na literatura médica existem vá-rios estudos de caso que relatam mor-tes súbitas de fisiculturistas usuáriosde anabolizantes relacionadas a esseaumento concêntrico do coração. “Oque a nossa pesquisa mostra agora éque, com certeza, uma parcela dissose deve ao anabolizante, e outra aotreinamento intenso de força; as duascoisas juntas amplificam os efeitos.

A relação causa e efeito está bem-estabelecida e confirmada pelo expe-rimento”, alega Fernanda.

O trabalho da professora analisounão apenas o coração, mas também osistema vascular por onde o sanguecircula dentro do corpo. Os pesquisa-dores da Unicamp queriam saber se ouso de anabolizante alteraria a capa-cidade do vaso sangüíneo se dilatarou passar por contração conforme anecessidade do organismo. Essa fun-ção dilatadora é extremamente impor-tante para manter a pressão sangüíneae a temperatura corpórea regulada di-ante de movimentos do corpo ou dealterações da temperatura do ambien-te, assim como para fazer o sangue

� Acne� Agressividade� Inibição da produção de testosterona� Diminuição do desejo sexual (libido)� Impotência e esterilidade� Ginecomastia – crescimento das mamas� Problemas hepáticos chegando ao desenvolvimento de tumor

� Menor crescimento em adolescentes� Colesterol Alto� Calvície

Principais efeitos associados aouso de anabolizantes em homens*Principais efeitos associados ao

uso de anabolizantes em homens*

* Alguns efeitos são temporários, enquanto outros não desaparecem depois de encerrado o consumo do anabolizante

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7JORNAL DA UNICAMPCampinas, 22 a 28 de setembro de 2008

A testosterona foi sintetizada pela primeira vezem 1935. De lá para cá, os esteróides são utilizados(em baixa dosagem) até hoje em casos de perda crô-nica de peso (AIDS e câncer), retardo no processode amadurecimento sexual de adolescentes, quedanatural de hormônios masculinos em homens demeia idade ou idosos e problemas hormonais ouneuromusculares congênitos com prejuízo de cres-cimento em crianças.

Acontece que o aumento de massa muscular eforça adquirido pelos anabolizantes logo foram apro-priados por atletas de alto desempenho. O uso des-sas substâncias para tal finalidade foi percebido pelaprimeira vez em um campeonato de levantamentode pesos ocorrido em Viena no ano de 1954, no qualatletas russos exibiram performances altamentesatisfatórias.

A partir daí, o uso indiscriminado de esteróidesentre esportistas cresceu exponencialmente, princi-palmente depois de instaurada a Guerra Fria. Na dé-cada de 60, a República Democrática Alemã che-gou a montar um programa sigiloso de testes comanabolizantes em seus atletas. Tão sigiloso que osesportistas daquele país eram instruídos a não co-mentar sobre o assunto nem com seus familiares.Se alguém perguntasse, eles deveriam dizer que setratava de complexos vitamínicos.

O resultado desses experimentos pode ser vistoa partir de 1972, quando a Alemanha Oriental pas-sou a dividir o topo no número de medalhas olímpi-cas com potências como EUA e União Soviética.

Outras alterações estudadas pelaequipe da professora Fernanda KleinMarcondes foram as metabólicas. Sabe-se que a motivação que leva uma pes-soa a ingerir anabolizantes é estética nagrande maioria dos casos. Porém, hátambém os usuários que estão de olhono desempenho atlético. Muitos atletasprofissionais utilizam essas substânci-as por acreditarem que elas podem ge-rar não apenas músculos grandes, masmelhor desempenho esportivo. Não é àtoa que os anabolizantes são as subs-tâncias mais encontradas em atletasflagrados em exames antidoping. Re-centemente, por exemplo, a nadadorabrasileira Rebeca Gusmão foi banidapara sempre das competições em razãode seus exames antidoping apresenta-rem uso de esteróides em duas oportu-nidades distintas.

Acontece que o estudo desenvolvi-do na Unicamp mostra que o decanoatode nandrolona não contribui para a me-lhora do desempenho atlético, pelomenos no que diz respeito à super-compensação de glicogênio. O glico-gênio é um açúcar que fica estocado nofígado e nos músculos dos seres huma-nos. Quando o organismo necessita deenergia, esse glicogênio é quebrado e aglicose, nosso principal substrato enér-gico, é liberada no sangue. Com a prá-tica freqüente de exercícios físicos, osmúsculos esqueléticos adquirem a ca-pacidade de armazenar mais glicogênio.Isso retarda a ocorrência de fadiga mus-cular durante o exercício.

Em análise feita nos músculos daperna dos animais estudados, ficouconstatado que o uso do esteróide nãomelhora a supercompensação glico-gênica. O acúmulo de glicogênio nomúsculo se deu na mesma quantidadenos treinados com ou sem anabolizante.

Mas o mais surpreendente desse es-tudo da FOP diz respeito ao aumentode massa muscular. “No uso clínico, emcasos em que a pessoa tem deficiênciade testosterona no organismo, sabe-seque os anabolizantes favorecem o cres-cimento dos músculos. Mas observamosno nosso estudo que os animais tratadoscom o decanoato de nandrolona não au-mentaram a massa muscular no múscu-lo sóleo. Ao contrário, houve diminui-ção na quantidade de DNA nesse mús-culo. A princípio isto é o inverso do quea literatura descreve como efeito anabó-lico dos esteróides”, revela Fernanda.

Inverso, explica a pesquisadora, por-que o DNA leva à síntese de RNA e, con-seqüentemente, à síntese de proteína nomúsculo e aumento do seu volume. Osresultados obtidos pela equipe da profes-sora mostram que o consumo de um úni-co tipo de anabolizante em uma situação

de treino intensivo de força não surte efei-to no incremento de massa muscular. Masa pesquisadora explica que “na rua vocêvê que quem toma anabolizante ficacom músculos maiores em pouco tem-po. Isso só pode significar que as dosescombinadas de vários tipos de este-róides usadas por essas pessoas é mai-or ainda que a alta dose ministrada nonosso estudo. Um jovem de 50 kg aca-ba consumindo uma dose maior da queseria administrada em um cavalo”.

O estudo sobre a nandrolona e oaumento de massa muscular no múscu-lo sóleo, publicado em 2006, recebeu oprêmio de melhor artigo da área básicapublicado no periódico oficial da Socie-dade Brasileira de Endocrinologia eMetabologia no biênio 2005 e 2006.Esse resultado confirma que a crença po-pular de que o anabolizante melhora o de-sempenho atlético se baseia em estudosque falharam no delineamento experi-mental, desconsideraram os efeitos dosanabolizantes sobre a agressividade ounão avaliaram os efeitos isolados do trei-namento ou da dieta. Além disso, em ge-ral não se leva em conta o efeito placebo,que no homem é muito importante. “Sea pessoa usa uma substância acreditan-do que ela fará tal efeito, é possível queeste efeito seja de fato observado. Noanimal de laboratório isso não ocorre,pois o animal não sabe que tratamentoestá recebendo”, explica Marcondes.

AnsiedadeAs pesquisas estudaram também o

comportamento. A irritabilidade, porexemplo, é um dos principais efeitoscolaterais relatados por quem toma al-tas doses de testosterona sintética. Esseefeito adverso tem gerado inclusive,uma situação inusitada nos últimosanos. Segundo a docente, muitos ho-mens têm consumido anabolizantes nãoapenas para aumentar massa muscular,mas também para fins ocupacionais –principalmente, seguranças, vigias epoliciais. Alguns usuários dentro dessegrupo de profissionais utilizam essassubstâncias por acreditar que elas osdeixam mais despertos e com uma me-lhor resposta de reação no caso de con-tenção ou até mesmo de resposta a bri-gas e agressões físicas.

O estudo da professora da FOP nãomensurou os efeitos do uso de anabo-lizante sobre a agressividade dos usuá-rios. No entanto, observaram-se altera-ções no nível de ansiedade dos ratos delaboratórios que tomaram decanoato denandrolona. O teste comportamentalque demonstrou isso é denominado la-birinto em cruz elevado. Nele existemdois caminhos retilíneos e perpendicu-lares que se cruzam ao centro. Só que

Das competições para as academias

um dos caminhos é fechado por pare-des de 50 cm de altura e o outro é umaplataforma aberta, sem paredes.

“O animal com nível normal de ansie-dade explora um pouco o braço aberto,mas fica mais no braço fechado, onde sesente seguro. Quando um tratamento fazcom que o animal saia menos ainda nobraço aberto, dizemos que ele aumenta aansiedade”, explica Marcondes. O grupoque tomou esteróide saiu muito menosno braço aberto que o grupo controle.

Realmente, segundo Fernanda, aquestão psicológica é a que mais con-tribui para que jovens de 14 anos oumenos arrisquem sua saúde em troca demúsculos maiores. “Esse problema estáfortemente associado à questão de comoo jovem se vê perante a sociedade. Vocêtem na mídia a disseminação de ummodelo de beleza com a mulher muitomagra e com o homem de corpo forte edefinido. Na busca por esse modelo, ojovem mais imediatista não se preocu-pa muito com o que vai acontecer. Épróprio da adolescência querer um re-sultado rápido e achar que será sempresaudável. Diferentemente de uma pes-soa mais velha que vai pensar e agircom mais cautela, preocupando-se como prejuízo futuro que o uso dessas subs-tâncias pode causar”.

chegar a todos os tecidos corpóreos.Para isso foi avaliada, in vitro, a

resposta da aorta torácica a uma subs-tância que causa a contração automá-tica do vaso sangüíneo. Percebeu-se,então, que os grupos que passarampelo treinamento físico de força di-minuíram a resposta a essa substân-cia vasoconstritora. A contração dovaso ficou menor. A docente observaque esse é um efeito benéfico do exer-cício físico, pois evita que a pressãoarterial aumente demais enquanto sepratica a atividade.

No entanto, o grupo que foi trei-nado e tratado com anabolizante teveesse efeito benéfico bloqueado peloesteróide. Além disso, o anabolizante

associado ao treino também diminuiua produção de óxido nítrico na aorta.Essa substância trabalha na dilataçãodos vasos. Segundo Fernanda, a di-minuição de óxido nítrico está relaci-onada ao aumento de colesterol LDL(colesterol ruim) encontrado no san-gue dos membros desse grupo. Essasituação pode levar, também, ao cres-cimento no número de placas de gor-dura no vaso. Um melhor conheci-mento do processo de influência dodecanoato de nandrolona sobre a for-mação de placas de gordura nos va-sos sangüíneos é o que se espera ob-ter com um estudo que a equipe daUnicamp deve concluir até o final de2009.

O metabolismo ea dose para cavalo

A bióloga Fernanda Klein Marcondes,professora da FOP: analisando os efeitoscardiovasculares e as alterações metabóli-cas causados por anabolizantes

Anos mais tarde, o uso de anabolizantes já era facilmen-te perceptível em atletas de várias nacionalidades.

Somente a partir de 1989, com a introdução de al-guns controles antidoping é que se conseguiu impedir,de certo modo, a inserção das “bombas” nos esportescompetitivos. Depois desse período, muitos atletas ja-mais conseguiram exibir as marcas alcançadas em com-petições anteriores.

Do esporte para as academias. Esse foi o percursofeito pelos anabolizantes na década de 90 e início doséculo XXI. E o que se pode ver atualmente é que o usodesses medicamentos não é mais privilégio dos homens.Mulheres, não apenas as fisiculturistas, têm utilizado esserecurso químico para alcançar corpos fortes e definidos.

Nelas, o uso dos esteróides geralmente vem acompa-nhado de substâncias como o hormônio tireóideo tri-iodotironina (T3), o cloridrato de clembuterol e o 2,4-dinitrofenol (DNP). Com isso, as usuárias acreditam queeliminam toda e qualquer gordurinha no corpo. Na maio-ria dos casos nem é o aumento de massa muscular quemais as interessa, mas sim o aspecto de corpo “sarado”,com formas secas e definidas, além da suposta maiordisposição para “malhar”.

É óbvio, como demonstram as pesquisas, que tal mis-tura de medicamentos não traz apenas os efeitos deseja-dos a essas mulheres. Além dos efeitos colaterais que osanabolizantes causam também aos homens, nas mulhe-res você ainda pode ter crescimento de pêlos na face,engrossamento da voz, hipertrofia do clitóris, entre ou-tros. É o preço a pagar por quem deseja ser bela (ou belo)acima de qualquer coisa.

Jovens se exercitam emacademia: culto ao corpoe desempenho esportivo

levam ao uso deanabolizantes

Fotos: Antoninho Perri