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contr mão a JORNAL LABORÁTORIO DO CURSO DE JORNALISMO MULTIMÍDIA - UNA EDIÇÃO ESPECIAL TEAT(R)O OFICINA

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Jornal Contramão Edição Especial

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JORNAL LABORÁTORIO DO CURSO DE JORNALISMO

MULTIMÍDIA - UNA

EDIÇÃO ESPECIAL TEAT(R)O OFICINA

Page 2: Jornal Contramão Edição Especial

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OPINIÃO

EXPEDIENTE

Jornal laboratório do curso de Jornalismo Multimídia doInstituto de Comunicação e Artes - Centro Universitário UNA Reitor: Prof. Pe. Geraldo Magela TeixeiraVice-reitor: Átila SimõesDiretor do ICA: Prof. Silvério Otávio Marinho Bacelar DiasCoordenadora do curso de Jornalismo Multimídia: Profª Piedra Magnani da CunhaContramão - Tel: (31) 3224-2950 - contramao.una.brCoordenação: Reinaldo Maximiano (MTb 06489), Tatiana Carv-alho e Cândida Lemos Diagramação: João Marcelo SiqueiraRevisor: Roberto Alves ReisEstagiários: Arthur Henrique Costa, Danielle Pinheiro, Daniel Lemos, Débora Gomes, João Marcelo Siqueira, Maria Amélia e Thaline AraújoTiragem: 2.000 exemplaresImpressão: Sempre Editora

Foto da capa

EditorialNesta edição especial do Contramão, você é o nosso con-

vidado a conhecer o Teat(r)o Ofi cina Uzyna Uzona que, em sua passagem por Belo Horizonte, nos apresentou uma proposta de experimentar sensorialmente o teatro, de senti-lo, de animá-lo. Durante a temporada mineira do grupo comandado por José Celso Martinez Corrêa, a equipe do jornal empreendeu uma imersão durante os ensaios e as apresentações do projeto Dio-nisíacas 2010, no mês de outubro, na barragem Santa Lúcia.

A proposta de reportagem era se deparar com o novo, com aquilo que nós não conhecemos, numa tentativa de compreen-der a sua existência, o seu fundamento e os desdobramentos que registram, não apenas nas palavras, mas no corpo e na memória questões que acostumamos passar ao largo ou a var-rer para debaixo do tapete. No Teat(r)o de Extádio de Zé Celso não existem tapetes para encobrir nossos medos, nossos tabus, nossos preconceitos. Eles estão todos lá. “E agora, José?”

Nas páginas que seguem, você vai mergulhar no univer-so dos conceitos que fundamentam o Uzyna Uzona, a partir da visão particular dos nossos repórteres-aprendizes. Você vai tomar o seu assento e conhecer o teatro de arena, o público em cena, a (re)signifi cção do ato de representar que esgarça as fronteiras da mera imitação da realidade e atinge a pulsão teatral que habita no humano desde os tempos de Dionísio – o te-ato. Segundo o diretor, atores e público se entregam numa “pulsão teatral”. Mande o preconceito dormir e conheça o lado vivo e orgânico da antropofagia que é tão nossa e tão neces-sária!

Foto| Reinaldo MaximianooArte| João Marcelo SiqueiraTeat(r)o Ofi cina Uzyna Uzona

O horário de verão não deixava o crepúsculo ter cara de noi-te. Na fi la, pessoas cult e os dois extremos sociais, bem repre-sentados pela distribuição do espaço ao redor da enorme tenda montada na Barragem Santa Lúcia: a mistura entre o lado rico e o lado pobre daquela barragem começava, de um modo estranho, a fazer sentido.

Três dias antes do tão polêmico 25 de outubro, fui convidada para assistir a uma peça do ilustre Zé Celso. Minha primeira per-gunta foi: quem é Zé Celso? Pode soar estranho, mas na noite do dia 22 de outubro de 2010, às 19h40, poucos ou quase ninguém daquela sala de aula sabia ao certo quem era esse ilustre cidadão.

José Celso Martinez Corrêa é um dos principais nomes das ar-tes brasileiras, da primeira geração encenadores 100% nacionais, e uma das fi guras mais importantes ligadas ao teatro no mundo. Sim, esse é o cara, mas não foi assim que me foi apresentado. Zé Celso e suas polêmicas peças teatrais me foram apresentados em O Banquete.

Quatro horas de peça, 23 pessoas entre músicos, atores e ou-tros artistas (e um pequeno detalhe: alguns completamente nus): esse era o tal de Zé Celso e seu grupo Uzyna Uzona. Choque para muitos, curiosidade para poucos.

25 de outubro de 2010. Após a entrega dos convites, os rumo-res e as expectativas rondavam todo o ambiente. Parada naquele terreno próximo à barragem, eu observava as formas do Morro do Papagaio, procurava ali uma explicação para tudo o que lá se manifestava.

A tão esperada peça começa ali mesmo, do lado de fora do espaço provisório montado para 1.200 pessoas, num ritual de lava-pés e um espanto ou um choque de realidade. A música, o aroma e as vestes transparentes deixando o corpo à vista traziam para o ambiente um ar de erotismo, que foi quebrado em segun-dos por um ser demoníaco que surgiu por trás da tenda, com grandes chifres e com seu pênis para fora, deixando o público boquiaberto e a Santa, de olhos fechados.

“Convidativo demais” era a frase que brotou no meu pensa-mento, ironizando minha presença naquele terreno. Desviando dos atores, entro para assistir à continuação da peça, me ajeito na arquibancada e observo o público que senta ao redor do pal-co com cara de passarela e me pergunto: “O que estou fazendo aqui?”

A curiosidade sobre o clássico escrito por Platão no séc. V a.C – O Banquete – , adaptado por Zé Celso, trazia à tona ao meu mundo particular uma realidade “cega”. O amor livre, a religião, as drogas, o sexo e a homossexualidade.

A forma retratada pelos atores transformava tudo em algo natural, como se, em um toque de mágica a, inquietação dos es-pectadores fosse resolvida.

Mas nem tudo eram fl ores...O que eu entendia por arte saiu de cena pouco antes de uma

hora de peça. Regados a vinho, frutas e ‘cordeiros’ (jovens seden-tos por novas experiências), a encenação ganhava outro tom. O amor era descrito como livre. Orgias eram aceitas. Palavras que consideramos banais eram pronunciadas sem nenhum pudor, como C*. A nudez em si não me espantava mais, as coisas ocor-riam de forma que os corpos despidos não eram mais importan-tes. As vozes contagiavam, mas os atores me confundiam, e o palco literalmente se transformou em passarela, dando espaço às Pomba Gira e outras entidades.

Acredito que a intenção da peça era uma das melhores, mas posso dizer, com toda certeza, que eles pecaram em alguns quesi-tos: abrir um discurso sobre as drogas e dar a palavra para apenas um dos lados; apresentar a religião como instrumento de coerção dos pensamentos; trazer um Deus à mesa sendo o próprio ban-quete. Parodiar um hino cristão foi além dos limites considerados padrões de um espetáculo. A encenação, ou sexo explícito, foi, na minha opinião, apelativa. Não era necessário ‘um dedo a mais’ na situação.

O conteúdo deste artigo não expressa a opinião do Contramão

FOI MAIS DO QUE UMA PEÇA DE TEATRO

Por Ana Paula P. Sandim

Quando eu ouvir falar sobre Zé Celso e seus ‘seguidores’, poderei dizer: “Eu conheço! Porém, não gosto, mas indico”.

Por quê? Em algum momento na vida, vamos ter ‘que abrir a cabeça’, deixar nosso lado etnocêntrico fora de questão, e tentar, independente da situação, extrair algo construtivo. Nessa ocasião posso criticar e opinar, pois Zé Celso e o elenco das Dionisíacas chegaram para propor a diversidade de idéias e saíram impondo como verdade absoluta os próprios ideais.

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Foto| Hélio M

onteiro

Daniel Sellos - aluno de Cinema/UNATexto adaptado da reportagem que in-clui entrevista com o ator Fred Steffenpostada em revistapura.com.br. A pub-licação no CONTRAMÃO tem a autoriza-ção do autor.

SOMOS FILHOS DO CARNAVALDionisíacas, em viagem

pelo Brasil, passou pela capi-tal mineira no mês passado. Os quatro espetáculos que formam esse tour do Teat(r)o Oficina estiveram em cartaz no Teatro de Extádio montado na Barragem Santa Lúcia: Ta-niko – O Rito do Mar, Estrela Brazyleira a Vagar – Cacilda!!, Bacantes e O Banquete. Antes, eles passaram por Belém, Ma-naus, Recife e Brasília – e ain-da iriam para o Rio de Janei-ro e São Paulo. O projeto tem patrocínio de R$ 7 Milhões do Ministério da Cultura (manu-tenção do grupo é bancada pela Petrobras) e envolve a realização de oficinas e apre-sentações teatrais gratuitas por onde passam. A companhia é dirigida pelo aclamado José Celso Martinez Corrêa, dire-tor, ator e autor de quase todas as pérolas do Teatro de Ofici-na.

Minas Gerais foi um esta-do privilegiado: em julho, no Festival Internacional de Tea-tro, o FIT, moradores e visitan-tes da capital puderam assistir a O Banquete no Museu de Arte da Pampulha, colocando em diálogo o Tea(r)o Oficina e sua herança antropofágica e a arquitetura modernista de Niemeyer. No dia 11 de outu-bro, antes das apresentações das Dionisíacas na Barragem Santa Lúcia, Zé Celso montou a Macumba Antropófaga em Inhotim, lugar perfeito para energia do teatro e do local atingirem o master da apre-sentação.

Uma empreitada como Dionisíacas depende de muito

esforço: são mais de 60 pessoas na estrada, entre técnicos, pro-dutores e artistas, para fazer o espetáculo final estar nos con-formes para as apresentações. Em cada cidade visitada, o Te-atro de Extádio é erguido para comportar mais de mil pessoas por noite. A estrutura de duas toneladas abriga equipamento de som, 150 refletores, dez pro-jetores de vídeo, 12 tendas de camarins e área de convivên-cia para comidas e bebidas. Em meio à trama apresentada ao vivo, gravações e projeções fazem o

p ú -blico se envolver ain-da mais no que é chamado de “te-ato cole-t i v o ” .

Outra tecnologia, graças às evoluções da vida, possibilita conferir toda a peça online: a companhia possui um site que disponibiliza as apresentações em tempo real : http://teatro-ficina.uol.com.br/

Teatro é uma dádiva, pois é uma arte feita ao vivo e a cores, tem cheiro, tem alma e muita emoção. Se a sincronia do ensaio não foi perfeita, o pú-blico assiste os erros e enxerga ali mesmo, não existe edição. Ter controle sobre tais atos não é serviço pra qualquer ser humano. Os atores que encar-nam os personagens tem que ter sangue azul mesmo, viajar além, se sentir na pele dos per-

sonagens, fazer a platéia entrar no clima e se apaixonar pelo clã - pode até não ser real, mas fica muito próximo das origens do real se houver um verdadeiro envolvimento do elenco.

Somos apresentados a um novo conceito de leitura, um conceito que transmite uma história: a louca paixão. Bacan-tes, encenada no dia 24 de outu-bro, reconstitui o ritual de ori-gem do teatro universal em 25 cantos e cinco episódios; cantos que podem ser seguidos pelo hinário distribuído logo na fila

p a r a cada um

dos 1.200 integrantes

do público-cúmplice.

E s -

trela Brazyleira a Vagar - Ca-cilda!!, que pôde ser vista no dia anterior, nos mostra a força das origens do teatro brasilei-ro por meio de um recorte da história daquela que deu início a toda uma linhagem: Cacilda Becker. A viagem pela história de nossa própria origem co-meça em Taniko – O Rito do Mar, adaptação antropofágica de um clássico do Teatro Nô Japonês. No material distribuí-do, a definição: “um espetácu-lo-culto de meditação espacial e atuação teat(r)al”. No último dia, O Banquete leva às últi-mas conseqüências uma pro-posta avassaladora e polêmica de encontro com nossa pulsão

de vida (leia crítica a este es-petáculo nesta edição).

Opera(ção) de Carnaval

A zona de conflito esco-lhida para contar e cantar as Dionisíacas foi logo ao lado de onde todo o teatro acontece de forma real e sem mágicas: a in-terseção entre extremos. Ape-sar de radicais religiosos afir-marem que o “Demo” iria estar ali, logo na porta, o protesto não foi o bastante para afastar as pessoas que sabem que arte

tem a ver com refe-

rência e que as historias contadas ali não

eram do “capetão”. Bacantes, por exemplo, é “a última tragé-dia grega conhecida – Bakxai (406 a.C.), de Eurípides, que é encenada como ópera de Car-naval para contar o nascimen-to, morte e renascimento de Dionysios - deus do Teatro, do vinho, do Carnaval”. E o conjunto, uma operação men-tal em todos nós (e nos nossos nós).

Os espetáculos reúnem tanta informação ao longo das longas horas em que são apre-sentados que nem Tarantino conseguiria costurar tantas referencias num só filme. A Grécia estava ali em versos, o Brasil estava ali em voz alta, masculina, feminina, em coro, sem preconceitos. Somos filhos do Carnaval, do Futebol, de todo um mesmo bacanal.

te-ato RADICALIZARtendência transformação releitura VIAGEM DE SI POVO BRASILEIRO

Experiência TENSÃO Milagre PERCEPÇÃO DOS CORPOS UtopiaTesão Comunicar RELAÇÕES HUMANAS VIAGEM DE SI

MESMO RITO DE PASSAGEM Erotismo Pulsar teatral ANTROPOFAGIA Utopia

Deslocamento ConfrontaçãoCARNAVAL Messianismo

Releitura Música RITUALReinvenção PERSONA-

GENS DE SI MESMOS Cinema PERCEPÇÃO DOS CORPOS Releitura

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Fotos| Reinaldo Maxim

iano

A PAIXÃO

Era um dia em que po-dia se esperar tudo e nada ao mesmo tempo. São artistas e na arte “tudo” vale. Chega-mos e fomos informados que dois atores da companhia dariam a entrevista: Letícia Coura e Fred Steffen. Não fa-zíamos ideia de quem eram, mas tínhamos certeza que já os tínhamos visto no ensaio no dia anterior. Havíamos bolado uma pauta baseada nas infor-mações sobre o Teat(r)o Ofici-na Uzyna Uzona que achamos na internet e nas conversas com nossos professores. Junto com atores, fomos para fora da estrutura de arena. Chão de terra batida, sol forte e uma

área livre. Era um deserto em meio à favela e aos prédios de luxo da Barragem Santa Lucia. Letícia e Fred chegaram super receptivos e nós, ainda muito receosos, falávamos pouco e nos preocupávamos com as técnicas de uma entrevista. Le-tícia usava um vestido verde simples e um colar de semen-tes. Tinha um cheiro de bron-zeador e usava óculos escuros. Fred usava uma blusa preta, pois sabia da gravação e ouviu dizer que essa cor é boa para ser filmado. Óculos estilo Be-atles, arredondados e verme-lhos; latinhas de cerveja dita-vam o seu ritmo. Nervosos, começamos a entrevista e com

CONTRAMÃO – Para vocês, qual o significado do teatro?

Fred Steffen- Eu diria, tal-vez equivocadamente, porque falar de teatro hoje daqui a um segundo pode ser totalmen-te outra coisa. Porque teatro é justamente a metamorfose.

Então eu posso falar que teatro é vida! Uma atriz do grupo, de 96 anos de idade, dançari-na maravilhosa, fala assim pra mim: pra subir em um palco, tem que ter vivido. E eu con-cordo com isso. Porque eu acho que teatro é vida, é amor, é tudo que a gente tem. Seu

perimentar o que a gente é e não é. Eu acho que é o lugar da liberdade total, porque re-almente ali você pode matar, morrer, você pode ser um rei, você pode ser qualquer coisa e viver essa situação. É meio infinito se você pensar, é um exercício da possibilidade.

medo de falar bobagem ou pa-recer estagiários (a verdade dói). A primeira pergunta sai; a resposta vem sem cerimônia. Eles tinham prazer no que di-ziam. Então começamos a en-trar no clima e o que era para ser uma entrevista de “Jornal Nacional”, tornou-se um bate-papo de amigos que pareciam se conhecer há muito tempo.

Abandonamos a pauta e as técnicas. Só queríamos conversar, perguntar e ou-vir e perguntar... Ao falarem do nu, eles eram insinuantes, envolventes, de uma pureza que a nossa vontade era de le-vantar e terminar a entrevista sem pudor. O tempo passa-

va e nem percebíamos, pois a cada resposta entravamos em estado de êxtase total - pare-cia que estávamos em outra realidade. O que era para ser uma entrevista de dez minu-tos durou quase uma hora e só foi interrompida porque os atores precisavam se preparar para a peça. E assim acabavam nossos 15 minutos de “fama”. A alegria ficava registrada em nossos rostos. Neste bate papo com os atores Letícia Coura e Fred Steffen, você vai ler sobre a vida profissional, a relação do nu, a participação do públi-co nos espetáculos e também como é trabalhar com José Cel-so Martinez Corrêa.

corpo vai junto, se transforma. Seu pensamento, raciocínio, ele vai viver aquilo por alguns instantes ou por horas e você vai aprendendo muito com isso.

Letícia Coura - Eu acho que teatro é a grande possibi-lidade que a gente tem de ex-

DE BEBER ATÉ CAIR CONCLUSÃO. NINGUÉM TEM OBRIGAÇÃO, MAS DE SE ENCHARCAR

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ENTREVISTAPELO TEAT(R)O

CONTRAMÃO – Como é a interação com o público nas peças?

Letícia Coura - O teatro nasceu como ritual com as pessoas amassando as uvas, cantando e louvando e consa-grando o seu deus. Isso foi se perdendo e chegou a um mo-mento, principalmente na Eu-ropa, que se fixou esse palco italiano que a platéia fez essa quarta parede, ignorando a platéia. E muito do teatro que é feito hoje é assim.

O nosso que é um teatro ritualístico propõe exatamen-te o contrário. Tanto que, por exemplo, tem uma arquiban-cada de um lado e de outra e as pessoas estão se vendo, além da gente ver bem o público agente sabe quem veio assistir, quem tava como, com quem, gostando de quem, porque as pessoas estão ali conosco. E o que gente propõe e tem várias cenas de “participação” mes-mo, nem gosto de falar isso participação, que é atuação. É muito diferente você assis-tir e outra é você atuar. Você pode não falar nada, não ir pro meio, mas você está atuando, está sentindo. Você está vivo ali! Você está junto e isso pode transformar sua vida.

CONTRAMÃO – Qual é a relação do nu nos espetáculos?

Letícia Coura - Olha, o nu ele aparece muito, mas por exemplo: tem cenas de nasci-mento, todo mundo nasce nu. A gente acabou de fazer um

manifesto antropófico lá em Inhotim que eram os índios e você não vai fazer um índio de roupa. Então, é o nu de novo. Têm muitos momentos e mui-tas outras coisas, que é a li-berdade do nu mesmo, que aí você não tem máscaras, você é aquilo, uma grande liberda-de. E o nu iguala todo mundo. Você tira o rei e aí aparecem as reais entidades porque aí você não fala “ele é favelado, eu sou classe média”, você tá ali, você tá nu e você é o que você é, o que você é capaz de

NA LIBERDADE SIM! ATÉ A MAIS INDECENTE... VONTANDE!

E os bons costumes viram outros costumes, então a gente

vai perdendo o sentido. Você nu, esconde alguma coisa?

“Fred Steffen - Ob-

viamente tem divergências. Tem uma série de coisas, mas plasticamente, o lado artístico, o lado orgiástico na atuação, na dramaturgia, na comunicação com o outro que está realmente em cena ou com o que ele está desejando em cena é realmen-te uma experiência fenomenal. Trabalhar com Seu Zé é bom demais. Você enriquece, se re-descobre ser humano. Posso falar que a minha personalida-de artística começou a ter uma idéia mais forte e uma compre-ensão maior depois que eu en-trei no Teatro Oficina. Isso se deve a ele. Eu não posso falar que se deve a fulana, sicrana,

beltrana, não: é um rito dele! Eu entrei para o rito dele, eu entrei para vida dele. Se eu es-tou aqui, se eu fiz seis anos e estou passando mais um ano aqui, eu estou aqui para vida, para idéia dele, para concep-ção dele, pelo que ele acredita e que eu também de alguma for-ma acredito, eu faço parte des-sa vida também. Você respira arte e isso é o mais importante.

Letícia Coura - Acho que ele é um artista genial. Ele pro-voca você sempre a se pergun-tar, porque nunca nada está pronto? Cada dia inclusive a peça muda, o texto muda, a música muda, no início eu ti-nha até um problema com isso e depois eu fui vendo que é para ficar cada vez mais vivo. Você nunca faz uma coisa que engessa, então acho que isso foi o grande aprendizado. É um artista genial que cria o tempo inteiro. Eu só não con-sidero que o Oficina seja ele só. Acho que é tudo isso. Tra-balhar com ele às vezes é um horror mas é uma delícia por-que a gente tá sempre crian-do, criando, criando e criando uma arte que eu acredito que é transformadora não só pra nós mas para quem vive isso.

”Fred Steffen, ator Teat(r)o Oficina

Por Andressa Silva João Marcelo Siqueira e

Débora Gomes

Para conferir a entrevista completa e a galeria de fotos acesse http://contramao.una.br

fazer ali e nisso você descobre os deuses de cada um e é isso, é uma liberdade mesmo. Além de ser lindo nê. Uma vez um amigo jornalista falou que a gente ia ganhar o prêmio de melhor figurino, Deus, por-que é lindo, é muito bonito você ver um bando de gente nua, cada um tem o corpo de um jeito, tirar essa ditadura do corpo ideal. Se você vê o corpo você, conhece a pessoa.

Fred Steffen - É você tirar suas couraças, se redescobrir dentro deste mundo. É você sair de influências pequenas sociais, culturais. É você se aculturar de uma outra for-ma, numa ordem mais pri-

mitiva que, na verdade, seria uma ordem mais contundente com a vida, digamos assim. E com o passar do tempo, com a sociedade, de igual pressão, com uma família conservado-ra você acaba perdendo esses costumes, esses bons costu-mes. E os bons costumes viram outros costumes, então a gente vai perdendo o sentido. Você nu esconde alguma coisa?

CONTRAMÃO – Como é trabalhar com Zé Celso?

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Eu fui “Muito legal o teatro oficina, de-

pois que o conheci quero fazer teatro. Moro aqui na comunidade e vim aqui todos os dias ver eles ensaiando, conhe-ço todos os atores. Sou considerado o mascote do teatro.”

Samuel Jackson

“É a primeira vez que vou ao te-atro, estive na peça de sábado Cacil-da e voltei hoje no Banquete, gostei muito, é animado tem música. Entrei no clima dancei bastante.”

Neusa Corrêia

“Gosto de teatro, vim por curiosidade, porque alguns amigos indicaram. O nu pre-sente na peça não me incomo-da, já assisti à peça Mulheres de Hollanda, que também tem a presença do nu e mexe com o erotismo.”

Robson Alves

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e...

Foi a maior experiência que senti no teatro, o poder de transformação que senti naquele dia 24 de outubro não tem como descrever em palavras, juro.... Seria perda de tempo tentar colocar no papel tal sentimento, tal sensação. Me senti por 30 minutos um deles. Eu com certeza era mais ator naquele palco, vivi intensamente aqueles breves 30 minutos, me joguei, me entreguei... Agra-deço a DEUS, tal oportunidade, pois todos atores mereciam sentir na pele a sensação daquele dia. A sensação é que ali tive certeza que o Oficina é muito mais que um grupo de teatro, é uma nação de adoradores desse maravilhoso Zé Celso!!!!!

Obrigado a vcs pelo carinho, Olavo de Castro.

Olavo Castro, 33 anos, nasceu em Belo Horizonte e é neto do ator mineiro Affonso de Castro, que ficou famoso no rádio das décadas de 1930 a 1950. Estu-dou teatro na Casa das Artes Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro e já atuou em 15 peças. Em 2006, foi premiado duas vezes: como Melhor Ator no prêmio Usiminas SINPARC e como Reconhecimento em Artes Cênicas SESC/SATED. Atualmen-te, divide o palco com Rita Clemente na peça Histórias de Chocar. Ele escreveu seu próprio depoimento a pedido dos re-pórteres do CONTRAMÃO que o viram se transformando em Boi na apresenta-ção de Bacantes, no dia 24 de outubro.

EU FUI BOI...

Por Andressa Silva e João Marcelo Siqueira

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a

Fotos| Reinaldo Maximiano e João Marcelo Siqueira

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Fotos| Danielle Pinheiro

A desconstrução é o denominador comum que se chega quando o assunto é o objetivo de Zé Celso ao trabalhar com meios tão pouco convencionais em suas peças teatrais. E olhos pouco treinados, embaçados por toda sorte de lentes culturais, não conseguem enxergar toda a plenitude de uma iniciativa que tem como ferramenta o corpo humano e suas mais abjetas representações. A falsa virtude moralista do ser humano define assim o sexo: a cópula e seus despojos. No entanto, não se pode dizer que seja fácil a ta-refa de treinar esse olhar a ponto de conseguir enxergar, por exemplo, tendências anticapitalistas em uma peça do Grupo Oficina.

Quem conta que existe essa preocupação na peça são especialistas em teatro, que conseguem enxergar por trás das cortinas, do roteiro e do nu em cena. O fato é que, muitos de nós lutamos, com as armas que temos, contra algum tipo de sistema que destoa daquilo que projetamos como ideal, só que cada um a seu modo. Entender que esta tenha sido a forma que Zé Celso escolheu para derrubar “verdades” antigas, anteriores ao meu nascimento e que vigoram ainda hoje, é uma função quase que social. Para isso é preciso conhecer, pesquisar e imergir. Ser fã ou não da peça é uma escolha pessoal, mas saber de que forma ela afronta tudo o que talvez você também deseja afrontar é necessário. Ciente disso ,o CONTRAMÃO procurou dois especialistas em teatro para dizer qual a importância de Zé Celso Martinez para o universo dessa arte que, para alguns, pode falar nada, mas para outros, diz tudo.

ZÉ CELSO POR JÚLIA E JEFFERSON

“Zé Celso, aos 73 anos, representa o teatro sem concessão. O Teat(r)o Oficina, fundado por ele, desde os anos 1960, faz univer-sal o teatro brasileiro. Impossível ser indiferente à obra do ator, encenador, professor e diretor. Sua irreverência e inquietude vem seduzindo gerações de estudiosos das artes cênicas. Amado e odiado por muitos – há quem o entenda pornográfico apenas-, Zé Celso privilegia a provocação. Entende sexo e arte ferramen-tas de manifestação. Um mestre da desconstrução e da transfor-mação de valores. Homem-criador de excessos, que consegue, como ninguém, dizer algo até com o que sobra em suas criações. O senhor-teatro, ode à liberdade”.

Jefferson da Fonseca CoutinhoAtor, dramaturgo, professor e diretor de teatro

Difícil descrever a importância do Teatro Oficina em poucas linhas. Além de ser um dos grupos mais antigos ainda em vigor atualmente (ele nasce em 1958), foi responsável por estabelecer uma linguagem altamente singular para o teatro brasileiro, ao aliar uma forte carga de musicalidade à proposta de se apropriar antropofagicamente dos textos que coloca em cena. A ideia do teatro como rito e em diálogo com a estética do Carnaval são mo-tes centrais para o grupo. Em 1967, o Oficina cria um espetáculo divisor de águas no teatro brasileiro que é o Rei da Vela, escrito por Oswald de Andrade. Além de ser a primeira vez que uma peça do escritor modernista é encenada por um grupo, o espetá-culo se torna um emblema do movimento Tropicalista, além de

representar uma forte crítica à Ditadura e ao sistema capitalista. Após um exílio entre os anos 70 e 80, Zé Celso volta ao Brasil e retoma as atividades do Teatro Oficina. Nos espetáculos dessa nova fase, a ideia do teatro como te-ato, uma espécie de aconteci-mento cênico que busca uma participação mais ativa do público, antecede uma das principais características do teatro atual. Sem-pre em busca de renovações e radicalizações em sua linguagem teatral, o diretor passa a criar espetáculos de longa duração que subvertem a lógica pragmática dos tempos atuais. O ápice des-sa experimentação ocorre na série batizada Os Sertões, nos anos 2000, em que o diretor leva a obra de Euclides da Cunha para o teatro em cinco partes de aproximadamente seis horas cada uma delas. A polêmica em torno do Oficina está relacionada também à maneira como o grupo explora o erotismo e a sexualidade como princípios de sua própria linguagem, o que se relaciona tanto aos modos primitivos de contato com o mundo, ligados a dimensão ritualística de sua encenação, como também ao desejo de superar os tabus sociais existentes atualmente - como a nudez e o toque -

para transformá-los em totens (parafraseando o Manifesto Antro-pófago de Oswald de Andrade), em arte liberta dos pré-conceitos construídos socialmente e relacionados ao próprio processo de colonização vivenciado no Brasil. Em última instância, o que a figura do Zé Celso representa hoje é a afirmação da arte como instância da magia, da resistência à mediocridade e à burocracia, da crença num horizonte utópico possível, mais coletivo, mais musical, que valorize profundamente os elementos da identida-de brasileira e busque ir na contramão dos valores socialmente impostos que limitam a livre expressão.

Julia GuimarãesRepórter do Jornal O Tempo / caderno Magazine (cultura)

Por Danielle Pinheiro

...a figura do Zé Celso representa hoje é a afirma-ção da arte como instância

da magia.

““Julia Guimarães