jornal a laje — abril/maio 2015

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AUDIÊNCIA PÚBLICA DA VOZ À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ABRIL E MAIO DE 2015 ANO 5 - 34ª EDIÇÃO A RUA EM PERFIL PÁG. 2 MORADOR EM SITUAÇÃO DE RUA É MORTO PÁG. 3 OPERAÇÃO INVERNO 2015 PÁG. 4 PARTICIPE DO MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO DE RUA As reuniões do MNPR em Curitiba acontecem toda segunda quinta-feira do mês às 10h, no Sefras ao lado da Igreja Bom Jesus (rua 24 de maio, 95 - Centro). CONSULTÓRIO NA RUA CONTA COM TRAILER PÁG. 4 “A ndo devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque já chorei demais...”. Os versos da música de Almir Sater e Renato Teixeira resumem a vida de Pul- ga, 45, nome conhecido das ruas curitibanas. Nascido na cidade, passou a infância em orfanatos porque os pais não tinham grana para sustentá-lo. Foi expulso aos 13 e tentou morar com a mãe, mas o padrasto não o aceitava. Por con- ta disso, Pulga saiu de casa. Na rua, viveu coisas boas e ruins. “Eu vivi a Ditadura na rua. O que eu ganho de Bolsa Família não paga as pancadas que eu lev- ei”, recorda Pulga, que também A RUA EM PERFIL (Foto: Vinicius do Prado) Estar contido É como se eu não acreditasse naquilo que está me ac- ontecendo Eu me vejo entre paredes e grades e o desespero toma conta de tudo Então eu penso em todos os fatos que me trouxeram a isto Os erros do passado servem de consolo e incentivo para melhorar o meu dia a dia Chegar até aqui, um lugar coberto por paredes e grades e se manter sereno durante uma vida, não é nada fácil Eu fiz com que isso acontecesse em minha vida e agora tenho que ser forte como nunca fui antes Só assim eu vejo os falsos valores: dinheiro, carros, casa com piscina, roupas, etc. Sendo que os verdadeiros valores são aqueles que não podem ser tocados As vezes eu me pergunto: será que foi isso que Deus reservou para mim? Um lugar coberto por paredes e grades? Ao mesmo tempo eu me respondo que não Eu olho para o companheiro ao meu lado que está deti- do há muito mais tempo do que eu e com uma condenação muito maior do que a minha e mesmo assim ele acredita no amanhã Não que vá me deixar mais forte ou mais fraco Mas analisando a situação desta pessoa a minha de torna um pouco amenizada e eu me sinto mais próximo de ser aquele homem livre esperando por aquela liberdade plena tão desejada. Quando chega o dia de visita, tudo o que queremos são boas notícias Quando nossa visita entra lá pelo portão de acesso, eu não sei se feliz ou infelizmente, aquela criança que brincava em frente de casa volta em nós. Daí é que nós queremos as boas notícias, Principlamente pela frase: filho, eu te amo. As horas vão passando e são momentos inesquecíveis. É chegada a hora da visita ir embora Cheia de perguntas, mas com poucas respostas. Daí eu volto para o convívio e deparo com vários irmãos, Uns esperançosos, alguns acostumados com as descreças habituais do local E eu tentando não mostrar os meus sentimentos. No fundo, Bem lá no fundo, Todos os nossos corações tem o mesmo sonho: A liberdade. Anderson Marcelo Tobias sofreu com a dependência. “A rua cobra, mas também ensina. Curti muita coisa. Ali aprendi a ser humilde e fiz muitos ami- gos, porque na rua todo mundo é unido”, completa. Entre saídas e voltas às ruas, Pulga conheceu o MNPR sete anos atrás, quando as reuniões eram feitas nas praças. Em mar- ço deste ano, entrou no Resgate Social e agora faz parte da equipe do Movimento, lutando pelos di- reitos da pop rua. E pensando no futuro, ele fala: “Até o final do ano quero sair da rua de vez. Eu sou realis- ta, é difícil ter uma casa própria, mas se conseguir morar de alu- guel tá bom”.

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Jornal A Laje, produzida pelo MNPR (Movimento Nacional de População de Rua) e pelo NCEP (Núcleo de Comunicação e Educação Popular)

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Page 1: Jornal A Laje — Abril/Maio 2015

AUDIÊNCIA PÚBLICA DA VOZ À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

ABRIL E MAIO DE 2015ANO 5 - 34ª EDIÇÃO

A RUA EM PERFIL

PÁG. 2

MORADOR EM SITUAÇÃO DE RUA É MORTO

PÁG. 3

OPERAÇÃOINVERNO 2015

PÁG. 4

PARTICIPE DO MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO DE RUAAs reuniões do MNPR em Curitiba acontecem toda segunda quinta-feira do mês

às 10h, no Sefras ao lado da Igreja Bom Jesus (rua 24 de maio, 95 - Centro).

CONSULTÓRIO NA RUA CONTA COM TRAILER

PÁG. 4

“Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque

já chorei demais...”. Os versos da música de Almir Sater e Renato Teixeira resumem a vida de Pul-ga, 45, nome conhecido das ruas curitibanas.

Nascido na cidade, passou a infância em orfanatos porque os pais não tinham grana para sustentá-lo. Foi expulso aos 13 e tentou morar com a mãe, mas o padrasto não o aceitava. Por con-ta disso, Pulga saiu de casa.

Na rua, viveu coisas boas e ruins. “Eu vivi a Ditadura na rua. O que eu ganho de Bolsa Família não paga as pancadas que eu lev-ei”, recorda Pulga, que também

A RUA EM PERFIL

(Foto: Vinicius do Prado)

Estar contidoÉ como se eu não acreditasse naquilo que está me ac-ontecendoEu me vejo entre paredes e grades e o desespero toma conta de tudoEntão eu penso em todos os fatos que me trouxeram a istoOs erros do passado servem de consolo e incentivo para melhorar o meu dia a diaChegar até aqui, um lugar coberto por paredes e grades e se manter sereno durante uma vida, não é nada fácilEu � z com que isso acontecesse em minha vida e agora tenho que ser forte como nunca fui antesSó assim eu vejo os falsos valores:dinheiro, carros, casa com piscina, roupas, etc.Sendo que os verdadeiros valores são aqueles que não podem ser tocadosAs vezes eu me pergunto: será que foi isso que Deus reservou para mim?Um lugar coberto por paredes e grades?Ao mesmo tempo eu me respondo que nãoEu olho para o companheiro ao meu lado que está deti-do há muito mais tempo do que eue com uma condenação muito maior do que a minhae mesmo assim ele acredita no amanhã

Não que vá me deixar mais forteou mais fracoMas analisando a situação desta pessoaa minha de torna um pouco amenizadae eu me sinto mais próximo de ser aquele homem livreesperando por aquela liberdade plena tão desejada.Quando chega o dia de visita, tudo o que queremos são boas notíciasQuando nossa visita entra lá pelo portão de acesso, eu não sei se feliz ou infelizmente,aquela criança que brincava em frente de casa volta em nós.Daí é que nós queremos as boas notícias,Principlamente pela frase: � lho, eu te amo.As horas vão passando e são momentos inesquecíveis.É chegada a hora da visita ir emboraCheia de perguntas, mas com poucas respostas.Daí eu volto para o convívio e deparo com vários irmãos, Uns esperançosos, alguns acostumados com as descreças habituais do localE eu tentando não mostrar os meus sentimentos.No fundo,Bem lá no fundo,Todos os nossos corações tem o mesmo sonho:A liberdade.

Anderson Marcelo Tobias

sofreu com a dependência. “A rua cobra, mas também ensina. Curti muita coisa. Ali aprendi a ser humilde e � z muitos ami-gos, porque na rua todo mundo é unido”, completa.

Entre saídas e voltas às ruas, Pulga conheceu o MNPR sete anos atrás, quando as reuniões eram feitas nas praças. Em mar-ço deste ano, entrou no Resgate Social e agora faz parte da equipe do Movimento, lutando pelos di-reitos da pop rua.

E pensando no futuro, ele fala: “Até o � nal do ano quero sair da rua de vez. Eu sou realis-ta, é difícil ter uma casa própria, mas se conseguir morar de alu-guel tá bom”.

Page 2: Jornal A Laje — Abril/Maio 2015

AUDIÊNCIA PÚBLICA DA VOZ À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

No dia 26 de abril aconte-ceu a audiência pública promovida pelo Minis-

tério Público em parceria com o MNPR. O encontro contou com 133 participantes, entre eles autoridades que falaram sobre a importância de dar visi-bilidade para a população em situação de rua, cobrando uma vida mais digna.

As principais queixas foram a falta de atividades durante o dia nos Centros POP e proble-mas com atendimento da FAS e da Guarda Municipal. Além disso, foram relatados casos de familias que são separadas nas unidades de acolhimento. “As mulheres, os homossexuais e os negros são os que mais sofrem.

A gente se une para dormir nas marquises com medo dos skin-heads e dos guardas municipais”, conta um participante.

Foi criado o Núcleo de Pro-moção dos Direitos da Popu-lação em Situação de Rua, para levar estas reivindicações para o

Ministério Público. Para o secre-tário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Paulo Maldos, “a realização da audiência pública representa um marco histórico na defesa dos direitos da população em situ-ação de rua”.

MORADOR EM SITUAÇÃO DE RUA É MORTO A FACADAS

O morador em situ-ação de rua Jeffer-son Rodrigues Úr-

sulo, 28, foi morto a facadas por dois agressores na Praça Rui Barbosa no domingo de Páscoa 05 de abril. O crime ocorreu entre 16h e 17h.

Ele não carregava docu-mentos, o que dificultou a identificação da família; só depois de apresentar os da-dos do filho, o pai de Jef-ferson pôde realizar o reco-

nhecimento e liberação do corpo no IML.

A 1ª Delegacia de Ho-micídios alega que o caso está em investigação e que os autores do crime ainda não foram identificados. Se não forem tomadas medidas em breve, o MNPR pretende abrir um ofício em nome do Movimento, exigindo a re-solução do caso.

O fato mostra a im-portância da documentação,

que além de possibilitar o acesso à órgãos públicos, rede de serviços e benefíci-os, também facilitam o tra-balho da polícia na identifi-cação da vitima em caso de acidentes. Atualmente, 24% da população em situação de rua não possui nenhum documento de identificação.

A carteira de identidade pode ser feita no Instituto de Identificação da Polícia Civil e é gratuita.

Audiência reuniu autoridades e moradores em situação de rua (Foto: Franciele Petry)

CONSULTÓRIO NA RUA CONTA COM TRAILER

A população em situação de rua de Curitiba conta agora com o a-

tendimento de saúde itineran-te através do trailer do Con-sultório na Rua.

No local podem ser reali-zados exames para detecção de HIV, Hepatite A e B, e Sí� -lis. A equipe – composta por médicos, enfermeiros, auxi-

liares, dentistas, psicólogos e assistentes sociais - também realizam encaminhamento para consultas clínicas e o-dontológicas nas Unidades de

Saúde e distribuem preserva-tivos, escovas e pastas de dente.

O trailer funciona de se-gunda à quinta-feira, das 9h às 17h.

COMEÇA O PLANEJAMENTO DA OPERAÇÃO INVERNO 2015

Con� ra os dias e locais de atendimento:Segunda-feira: Largo da Ordem (O Cavalo Babão) - CentroTerça-feira: Terminal do Boqueirão (na praça ao lado do terminal)Quarta-feira: Praça Rui Barbosa - CentroQuinta-feira: Terminal do CIC (em frente à Casa da Leitura)

O jornal A Laje é um um veículo produzido pela população em situação de rua de Curitiba através da parceria entre o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e o Núcleo de Comunicação e Educação Popular (NCEP) da Universidade Federal do Paraná.Equipe: Cleyd Marinela, Douglas Maia, Fagner Antunes, Franciele Petry, Heloisa Nichele, Pulga, Heloise Ribei-ro, Milena Alves e Vinicius do PradoImpressão: Agradecemos ao Conselho Regional de Psicologia do Estado do Paraná pelo apoio.Tiragem: 1000 exemplares.

Acesse: https://www.facebook.com/mnprcwb

O Ciamp-Rua, realizou no dia 30 de abril a primeira reunião da

Operação Inverno de 2015, e abriu a fase de planejamento das ações para atender as pes-soas em situação de rua du-rante a época mais fria do ano.

A Operação é organizada desde 2013 e realiza ações para combater as mortes causadas pelas baixas tem-peraturas. Antônio Carlos Rocha, assistente técnico da FAS, espera o mesmo suc-esso dos anos anteriores em que não foram registradas mortes provocadas pelo frio.

“Pretendemos abrigar todas as pessoas que aceitarem o acolhimento e proteger quem escolher continuar na rua”, informa Rocha, que coordena

o comitê. Neste ano a ideia é ampliar as vagas nos acolhi-mentos permanentes da FAS, e criar outras temporárias para o inverno.

Reunião mobilizou participantes do Ciamp-Rua para a Operação Inverno 2015 (Foto: Douglas Maia)