jorge nery - uefs

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS NAS NARRATIVAS RELIGIOSAS DOS BATISTAS EM FEIRA DE SANTANA (1947- 1988) JORGE LUIZ NERY DE SANTANA FEIRA DE SANTANA/BA 2010

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Page 1: Jorge Nery - Uefs

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS NAS NARRATIVAS RELIGIOSAS DOS BATISTAS EM

FEIRA DE SANTANA (1947- 1988)

JORGE LUIZ NERY DE SANTANA

FEIRA DE SANTANA/BA

2010

Page 2: Jorge Nery - Uefs

JORGE LUIZ NERY DE SANTANA

PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS NAS NARRATIVAS RELIGIOSAS DOS BATISTAS EM

FEIRA DE SANTANA (1947- 1988)

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em História da

Universidade Estadual de Feira de

Santana, Bahia, como exigência para

obtenção do título de Mestre.

ORIENTADORA:

Profª. Drª. Elizete da Silva

FEIRA DE SANTANA - BA

2010

Page 3: Jorge Nery - Uefs

Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Santana, Jorge Luiz Nery de

S223p Práticas e representações étnicas nas narrativas religiosas dos

batistas em Feira de Santana (1947-1988). / Jorge Luiz Nery de

Santana. – Feira de Santana, 2010.

172f. : il.

Orientadora: Elizete da Silva

Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em

História. Universidade Estadual de Feira de Santana, 2010.

1.Protestantes – Bahia. 2.Batistas – Feira de Santana. 3.Afro-

brasileiros. 4.Racismo. I.Silva, Elizete da. II. Universidade

Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 283:323.12

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JORGE LUIZ NERY DE SANTANA

PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS NAS NARRATIVAS RELIGIOSAS DOS BATISTAS EM

FEIRA DE SANTANA (1947- 1988) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, como exigência para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Linha 02 – Cultura, Sociedade e Política Data de defesa: 30 de julho de 2010 Resultado:____________________

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Profª. Drª. Elizete da Silva - Orientadora

Universidade Estadual de Feira de Santana

_________________________________________ Profª. Drª. Ione Celeste Jesus de Sousa

Universidade Estadual de Feira de Santana

_________________________________________ Profª. Drª. Sueli Ribeiro Mota Souza

Universidade Estadual da Bahia

Page 5: Jorge Nery - Uefs

Ás missionárias Batistas afro-cariocas que me

acolheram com fé e carinho: Sônia Maria de

Sousa (in memoriam) e Eliza de Sousa.

Aos meus pais Antonio Máximo de Santana e

Elelice Nery de Santana, pelo amor e

dedicação fundamental.

Page 6: Jorge Nery - Uefs

AGRADECIMENTOS

A Deus por sua imponderável graça e cuidado;

Aos meus pais pelo amor de me ter e cuidado ao me ver crescer. Antonio Máximo de Santana

e Elelice Nery de Santana;

A minha irmã Maria Eliene Nery de Santana Martins, por sempre acreditar e investi em minha

formação;

Aos meus avós Otávia e José Neri (in memoriam) pela vida e inspiração que sempre serão

para mim;

Ao meu cunhado Juarez Costa Martins, por sua generosidade e idoneidade de vida;

Aos meus irmãos Antonio Marcos Nery de Santana e José Walter Nery de Santana pela grata

alegria de tê-los na caminhada;

A minha querida companheira Rosane Oliveira Santos de Santana por sua paciência com as

muitas ausências e seu apoio nas horas difíceis;

Ao meu querido filho Yohanan Santos de Santana o menino mais gostoso do mundo e as

minhas princesas lindas e queridas Yokebed Santos de Santana e Yaffa Santos de Santana;

Aletuza Gomes Leite por ser companheira e colaboradora incansável deste trabalho desde o

início partilhando angústias e esperanças;

Aos meus pastores e amigos de caminhadas Marcos Adoniram Monteiro, poeta peregrino,

Cleise Monteiro e seus filhos Samir e Zailda pelo apoio e carinho. Djalma Torres, profeta que

o tempo não esquece e Olusivone seu olhar acolhedor;

Ao CNPQ pela concessão da bolsa sem a qual esta pesquisa não chegaria ao fim. Ao

programa de Pós- graduação em História da UEFS pela oportunidade de fazer o mestrado.

Aos professores da pós-graduação que não deixaram de acreditar e apoiar a minha formação.

Aos funcionários Julival Soares, um estímulo e simplicidade de gente e Andrei pelo olhar

amigo e prestativo;

Aos colegas de mestrado pelo carinho acolhimento e apoio na caminhada;

Ao amigo Jedean Gomes Leite pelo exemplo de determinação e incentivo;

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A Bianca Daeb´s Seixas e Bruno Telles amigos inseparáveis e presentes na jornada, uma

poesia em minha vida.

Ao amigo e colaborador Zózimo Trabuco, pelas sugestões;

À Juciene Sousa por suas contribuições e incentivo na temática;

Aos amigos Luiz Nascimento e Joselita Delmondes pelo apoio e colaboração;

Aos meus alunos e alunas das Instituições que ensino pela paciência e amizade;

Aos professores e funcionários do STBNE pelo afeto dispensado;

À Direção do STBNE, na pessoa do Dr. Ágabo Borges de Sousa pela disponibilidade das

fontes;

À Primeira Igreja Batista de Feira de Santana pelo acesso às fontes e pela secretária que muito

colaborou com este acesso Valmira Cerqueira Lima;

As irmãs Terezinha Neri, Doralice Freitas Barbosa; Marialva Vasconcelos Ferreira e Maria

Mercês dos Santos pela acolhida e disponibilidade nas entrevistas, muito grato;

Aos Pastores e Professores José Belarmino do Monte e sua esposa Maria Gomes; Pastor

Edson Gama pelas informações e entrevista.

Ao senhor Antonio Lourenço Neri (in memoriam) pela inspiração para este trabalho;

À banca examinadora Dra. Ione Celeste de Sousa e a Dra. Sueli Mota pela paciência,

avaliação e as correções sugeridas;

À minha orientadora Dra. Elizete da Silva por sua competência nas discussões teórico-

metodológicas, na indicação e sugestão de fontes, nas correções e pela paciência de

acompanhar-me generosamente.

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Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar

como os peixes; mas não aprendemos a

singela arte de viver como irmãos.

Martín Luther King Jr.

Page 9: Jorge Nery - Uefs

RESUMO

Neste trabalho investigamos as práticas e representações étnicas afrobrasileiras presentes no

protestantismo feirense. Partimos da atuação pioneira do missionário batista Thomas Jefferson

Bowen no Brasil do século XIX e o seu projeto de evangelização junto aos centro-africanos

escravizados no Rio de Janeiro. Em seguida, analisamamos as narrativas religiosas de batistas

feirenses construídas no campo das relações étnico-raciais, seja na convivência com os

missionários norte-americanos, os quais exerceram influência no campo da liderança,

formação de “pregadores” e no apoio às comunidades batistas, seja no campo religioso

marcadamente afro-católico. No estudo investigamos a recepção e apropriação destas

representações na construção da auto-estima dos membros afro-brasileiros na Primeira Igreja

Batista e no Instituto Bíblico Batista do Nordeste (1947 - 1988).

Palavras-Chave: Protestantismo, Batistas, Feira de Santana, Afrobrasileiro, Racismo.

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ABSTRACT

The present study investigates the practices and ethnic representations among Protestant Afro-

Brazilians in the city of Feira de Santana. I begin by exploring the pioneer contribution of the

North American Baptist missionary Thomas Jefferson Bowen in 19th

century Brazil and his

project of evangelization among Central African slaves in Rio de Janeiro. Subsequently I

analyze the religious narratives of Baptists in Feira de Santana regarding their ethno-racial

relations, both in their convivence with North American missionaries who exerted influence

on local leaders, the education of “preachers”, and offered support to Baptist communities,

and also in the strongly Afro-Catholic religious field. This study investigates the reception

and appropriation of those representations in shaping self-esteem among Afro-Brazilian

members of Primeira Igreja Batista and at the Instituto Bíblico Batista do Nordeste. (1947-

1988).

Keywords: Protestantism, Baptist, Feira de Santana, Afro-Brazilian, Racism.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Reverend Thomas Jefferson Bowen e Lurenna Henrietta (Davis) Bowen 49

Figura 02: Quatro Gerações de escravos fotografados numa plantação do Sul dos EUA em

1862 59

Figura 03: Contrastes religiosos entre a vivência da religião indígena e cristã 69

Figura 04: O lançamento da pedra fundamental do Orfanato Taylor Egídio em 1946 87

Figura 05: Terezinha Nery (filha) e Antonio Lourenço Nery (pai) 91

Figura 06: |Primeira Igreja Batista (PIB) de Feira de Santana no ano de 1948 92

Figura 07: Templo da PIB em Feira de Santana em 1960 108

Figura 08: Estudantes, professores e funcionários do Intituto Bíblico Batista do Nordeste

(IBBNE) e seus diretores 116

Figura 09: O IBBNE seus espaços, estudantes, diretores e suas atividades 119

Figura 10: O Diretor do IBBNE Dr. Robert Elton Johnson, a funcionária do IBBNE, Ana e o

Pr. Ebenézer Gomes Cavalcanti 123

Figura 11: Estudantes da primeira turma do IBBNE, em 1960 125

Figura 12: Pr. José Belarmino do Monte (85 anos) e Maria Gomes do Santos (esposa) 128

Figura 13: Dr. José de Sousa Marques, discursando na tribuna da Assembléia Legislativa 132

Figura 14: Miss. Charlotte Vaughn e a Miss. Lou Lanier representantes da União Feminina

Missionária Batista do Brasil 134

Figura 15: Sala de aula infantil 136

Figura 16: Crianças participando da Escola Bíblica Dominical (EBD) 137

Figura 17: José Belarmino do Monte ministrando aula em 1987 139

Figura 18: Ex-aluno do IBBNE 141

.

Figura 19: Inauguração do Templo da Primeira Igreja Batista de Ruy Barbosa 144

Figura 20: “Pastores de côr”, vindo do Mississipe, EUA 153

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Distribuição de evangélicos por denominação religiosa 84

Tabela 02: Cenário desenhado pela pesquisa Fundação Getúlio Vargas 85

Tabela 03: Estatística do Culto Protestante em Feira de Santana – Bahia 1968/1969 94

Tabela 04: Estado civil, gênero e “cor” no Fichário de membros da PIB 96

Tabela05: Profissões 102

Tabela 06: Renda de Negros e proporção da renda de brancos, por setor de atividade 103

Tabela 07: Tabela de profissão dos ingressos no IBBNE 117

Tabela 08: Escolaridade 118

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABM – Aliança Batista Mundial.

ANPUH – Associação Nacional de Profissionais de História.

CAB – Colégio Americano Batista.

CBB – Convenção Batista Brasileira.

CBBA – Convenção Batista Baiana.

CEBS – Comunidades Eclesiais de Base.

CPR – Centro de Pesquisas da Religião (UEFS).

EBD – Escola Bíblica Dominical.

EUA – Estados Unidos da América.

FMB – Foreign Mission Board.

IBBNE – Instituto Bíblico Batista do Nordeste.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.

JMN – Junta de Missões Nacionais.

JUERP – Junta de educação Religiosa e Publicações.

MDB – Movimento Democrático Brasieliro.

OJB – O Jornal Batista.

OBB – O Batista Bahiano.

PIB – Primeira Igreja Batista (Feira de Santana).

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

PSD – Partido Social Democrata.

SBC – Southern Baptist Convention (Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos).

STBNB – Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil.

STBNE – Seminário Teológico Batista do Nordeste.

STBSB - Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.

SEC - Seminário das Educadoras Cristãs.

UDN - União Democrática Nacional.

UEFS – Universidade Federal de Feira de Santana.

UFBA – Universidade Federal da Bahia.

UFMBB – União Feminina Missionária Batista do Brasil.

UNESP – Universidade Estadual Paulista.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15

CAPÍTULO 1_______________________________________________________________

DA “SEITA DOS ANABATISTAS”AOS PRETOS-MINAS: A INSERÇÃO BATISTA NO

BRASIL E A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL 37

1.1 Missões africanas: A proposta pioneira de evangelização de Thomas Jefferson

Bowen 51

1.2 Os “Slaveholders” sulistas nos trópicos: as primeiras Comunidades Batistas no

Brasil 58

1.3 Teorias raciais na sociedade brasileira no período 63

CAPÍTULO 2_______________________________________________________________

UM AFROBRASILEIRO LIDERANDO UMA CONGREGAÇÃO BATISTA NA TERRA

DE SANTA ANA 72

2.1 Na terra das encruzilhadas: o campo religioso feirense em meados do século xx 77

2.1.1 O Protestantismo em Feira de Santana 81

2.2 Antonio Lourenço Nery e Felipe Neri: pregadores afrobrasileiros nos inícios da

PIB de Feira de Santana 86

CAPÍTULO 3_______________________________________________________________

ARAUTOS PELA SALVAÇÃO: OS PREGADORES AFROBRASILEIROS E A

EVANGELIZAÇÃO BATISTA 112

3.1 “Modestos obreiros”: Institutos Bíblicos e a preparação de pregadores batistas 112

3.1.1 A ousadia de Zé Gomes: Caminhos de um educador 124

3.2 Recepção à vida e obra de Martin Luther King Jr. entre os Batistas na Bahia 149

3.2.1 Martin Luther King Jr. e o advento da Teologia Negra nos EUA 147

3.2.2 A recepção da vida e obra de Martin Luther King na Bahia 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS 162

REFERÊNCIAS 167

ANEXOS 182

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INTRODUÇÃO

Aulas de piano com Audrey Shults e uma estudante

afrobrasileira. Foto extraída do acervo do STBNE.

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INTRODUÇÃO

Na primeira metade da década de noventa do século passado, cursávamos duas

graduações, Teologia no Seminário Teológico Batista do Nordeste e História na Universidade

Estadual de Feira de Santana. Na primeira, movido pela vocação religiosa, procurávamos

refletir os fundamentos bíblico-teológicos das tradições de fé no interior do cristianismo,

especialmente do protestantismo e suas implicações para o exercício pastoral nas

comunidades de fé onde atuaríamos mais tarde. No segundo, experimentamos um olhar crítico

sobre a memória e a realidade sócio-histórica das trajetórias do povo brasileiro. Como

estudante de Teologia num Seminário Batista inquietava-nos o tratamento dado por algumas

leituras ao fenômeno religioso no Curso de História, os quais reduziam este fenômeno a mero

reflexo e projeção das condições de produção e reprodução material da existência. Como

graduando em História, inquietava-nos ver nas aulas de Teologia a pouca importância em

circunstanciar sócio-historicamente a produção do conhecimento teológico e suas implicações

na práxis comunitária.

Buscando encaminhar essas inquietações, que traziamos das leituras da Teologia

da Libertação, ficamos estimulado a pesquisar sobre o fenômeno religioso. Após o término

dos cursos universitários, assumimos, em 1998, a cadeira de História do Cristianismo, no

Seminário Teológico Batista do Nordeste (STBNE), onde procuramos estimular nos

estudantes uma análise crítica e responsável do processo histórico.

Analiticamente o interesse pela temática da pesquisa em questão emerge de uma

renovação na produção historiográfica do cristianismo na América Latina. Este,

acompanhando o debate da produção historiográfica contemporânea, privilegia uma história

“vista de baixo”, que evidencia as diversas vozes e corpos, silenciados e violentados, não

poucas vezes com a cumplicidade e legitimação das Religiões. Chamou-nos especialmente

atenção as novas abordagens historiográficas e teológicas nas quais as questões de classe,

gênero e etnia são vistas em conexão. Como uma das teologias emergente na década de 1970,

a Teologia Negra é em parte desdobramentos dos movimentos sociais pelos direitos civis dos

afroamericanos e uma resposta às condições destas populações no continente onde

experimentou a escravidão e suas conseqüências. As Teologias Feministas são

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16

desdobramentos das lutas das mulheres por direitos sócio-políticos e culturais ao longo dos

séculos XIX e XX. O contato com estas teologias selaram de vez o nosso desejo em

pesquisar sobre protestantismo e questões étnicas.

Os estudos sobre as questões étnico-raciais, inclusive a memória da presença das

populações de origem africana no Brasil vêm se renovando nas últimas três décadas,

especialmente as pesquisas sobre a relação entre o sagrado e as identidades na afro-diáspora.

Produções acadêmicas sobre os cultos das religiões Afrobrasileiras já tem notoriedade nas

universidades baianas, contudo os estudos sobre protestantismo é algo mais recente.

Assim, consideramos que a discussão historiográfica sobre protestantismo e

relações étnicas se impõe pela forte presença de afrobrasileiros neste segmento religioso, pela

exigüidade de trabalhos empíricos, bem como as políticas de identificação no “campo étnico”

baiano. Aqui estabelecemos uma aproximação do conceito de “campo” em Bourdieu (1974)

ao apresentar campo como um estado de relações/tensões de forças entre agentes e

instituições na distribuição e disputa de certo capital simbólico, no caso que analisamos as

identidades e representações étnicas afrobaianas, que acumuladas em parte no curso das lutas

anteriores, orienta estratégias ulteriores. Nesta análise nossas intuições foram conectadas

também ao campo religioso, mostrando que a afirmação ou não de uma consciência de

identidade afrobrasileira (afrobaiana), passa pelas articulações e apropriações das narrativas

religiosas e pela configuração de distinções e reconhecimentos frente ao universo afro-

católico.

QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Colocando o Problema

Os estudos sobre religião no Brasil vêm avançando nos últimos anos. Em primeiro

lugar, pela constituição do campo das Ciências da Religião abriu-se novas fronteiras e olhares

sobre o fenômeno religioso, que aponta a sua complexidade no debate de seu estatuto

epistemológico contemporâneo. Em segundo lugar, pela relação com as Ciências Sociais, que

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17

desde seu início, lidou com os desafios de se pesquisar a religião, haja vista as investigações

empíricas de Marx, Engels, Durkheim e Weber, entre outros, que buscaram

explicar/compreender as relações entre religiões e sociedades. Contudo a produção do

conhecimento histórico é componente fundamental para compreensão deste fenômeno,

situando-o dentro dos contextos sócio-econômico, político e cultural, contemplando aspectos

diacrônicos e sincrônicos que possibilitam uma contribuição diferenciada nas pesquisas em

curso. O fenômeno religioso não é redutível a uma só visada epistêmica, o que faz dele um

terreno instável para contundências nas conclusões. Em terceiro lugar a historiografia sobre as

religiões tem se enriquecido com as proposições da História Cultural e as contribuições dos

Estudos Culturais. Os trabalhos sobre práticas e representações de Roger Chartier (1990) e

sobre identidades de Stuart Hall (2003) são investigações que trazem noções importantes para

discutiu a dinâmica dos processos de construção das identidades culturais e religiosas.

Também as contribuições de Pierre Bourdieu (1983) que se constituiu num instrumental

teórico significativo para compreendermos o campo religioso brasileiro, sua gênese e

estrutura.

Em quarto lugar os estudos sobre protestantismo se concentraram durante muitos

anos na região Sudoeste do Brasil. A bibliografia de pesquisa histórica e historiográfica sobre

a expansão do protestantismo no Nordeste e suas representações é recente. Os trabalhos de

Teixeira (1975) e (1983) e Silva E. (1982), (1998), (2006) e (2007) atestam este pioneirismo.

Assim as pesquisas sobre a interiorização dos protestantismos e suas

representações na Bahia despontam como enorme desafio, dada à carência de sistematização

das fontes. As pesquisas em andamento no Centro de Pesquisas da Religião (CPR) da

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), coordenado pela professora Elizete da

Silva, apontam diversas possibilidades de leituras do campo religioso feirense e sua

pluralidade de agências e atores. Como discutiu Silva E. (1996) “A análise sistemática da

participação ou da relação das confissões reformadas com as questões sociais do país

encontra-se em um patamar quase embrionário”. No Brasil os textos de Leonard (2002) e

Willems (1967) foram os pioneiros nesta abordagem histórica e sociológica. Quanto à Bahia

Guimarães (2001, p. 30), que foi membro do CPR, assinalou: “[...] Faz-se necessário estudar

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18

as representações construídas pelo protestantismo, também no sertão baiano, analisando as

formas de apreensão da realidade e os embates com a sociedade sertaneja”.

A interiorização protestante na Bahia se efetuou dentro das estratégias dos

missionários das denominações como assinala Silva E (2004, p. 03 grifo do autor):

Ao que parece o acordo entre o Rev. Taylor, missionário batista fundador da Primeira Igreja Batista do Brasil e o missionário Schneider, de origem presbiteriana, foi levado a sério, pelo menos nas duas últimas décadas do século XIX: os batistas expandiram-se para o Recôncavo baiano, sudeste, sul e norte da Bahia, enquanto os presbiterianos avançaram para a Região de Feira de Santana e Chapada Diamantina [Wagner].

A presença protestante no interior da Bahia remonta ao século XIX, com os

presbiterianos em Wagner, na Chapada Diamantina e também no Recôncavo, na Comarca de

Cachoeira em 1875. O missionário presbiteriano Chamberlain, mais especificamente, nos idos

de 1889, com serviços de colportagem de livros e Bíblias chegou à Feira de Santana, mas

experimentou rejeição, como informou o Jornal Folha do Norte (1940, p. 04 apud SILVA E.

2007, p. 127):

[...] é vaiado o pastor protestante Chamberlain, cidadão norte-americano, ao iniciar na Praça João Pedreira, uma conferência de propaganda religiosa. A polícia intervém no sentido de dispersar os agressores, que retornavam de uma procissão. Estabeleceram-se correrias e tumultos. Sahem feridos, a pedra, diversas pessoas.

O protestantismo se estabeleceu sistematicamente em Feira de Santana a partir de

1930 com a “Igreja Evangélica Unida”, como era conhecida (GILLANDERS, 1990, p.23).

Feira de Santana, uma das principais vila da Comarca de Cachoeira no século

XIX, foi elevado à categoria de cidade em 1873. Em divisão territorial datada de 18 de agosto

de 1988, o município é constituído de 8 distritos: Feira de Santana, Bonfim da Feira,

Governador Dr. João Durval Carneiro, Humildes, Jaguara, Jaíba, Maria Quitéria e Tiquaruçu.

A sua posição geográfica situa-se no limite do Recôncavo com os tabuleiros semi-áridos e, na

confluência das zonas da mata e do litoral. Com 1363Km² e população estimada em 2007,

segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 571.997. Importante

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entrocamento rodoviário ligando as regiões nordeste/sul e o interior do estado da Bahia à

capital, Salvador1.

Foi no século XX que o crescimento demográfico em Feira de Santana deu-se de

forma mais ampla na afirmação de sua força como comércio polarizador em relação a

inúmeras cidades e povoados circunvizinhos. Segundo Cruz (1999, p. 208, 259), Feira de

Santana assumiu e se consolidou a partir das décadas de 1940 e 1950 como o grande eixo

rodoviário do Norte e Nordeste, com o aumento significativo de sua população nos fluxos e

refluxos migratórios, que nela estabeleceram. Nos anos de 1970, Feira de Santana veio a se

configurar como um pólo urbano-industrial (FREITAS, 1998).

Em meio a estas mudanças demográficas e urbanas chegaram a Feira de Santana

missionários protestantes. As memórias da missionária neozelandesa, Srª Isobel Gillanders,

que juntamente com seu esposo o Missionário Roderick Gillanders (GILLANDERS, 1990, p.

05) narrou os inícios da primeira congregação protestante que se tem notícia em Feira de

Santana em 1935, a qual foi organizada em 1937 com o nome de “Igreja Evangélica Unida”.

Nesta comunidade local de fé, um pouco incomum para o protestantismo da época,

congregavam pessoas de muitas denominações religiosas protestantes. Consideramos,

portanto esta experiência uma espécie de laboratório, sementeira e plataforma de lançamento

para consolidação da pluralidade do campo religioso feirense.

O conceito de Denominação, aqui utilizado segue as discussões de Richard

Niebhur (1992) sintetizadas por Mendonça (1995, p. 51):

A palavra “Denominação” sugere que o grupo referido é apenas membro de um grupo maior, chamado ou denominado por um nome particular. A afirmação básica da teoria denominacional de Igreja é que a igreja verdadeira não deve ser identificada em nenhum sentido exclusivo com qualquer instituição particular... Nenhuma Denominação afirma representar toda a igreja de Cristo. Nenhuma Denominação afirma que todas as outras igrejas são falsas. Nenhuma Denominação insiste que a totalidade da sociedade e igreja devem submeter-se aos seus regulamentos eclesiásticos. No entanto, todas as denominações reconhecem sua responsabilidade pela totalidade da sociedade e esperam cooperar em liberdade e respeito mútuo com outras denominações e cumprir tal responsabilidade.

1Ver mapas nos anexos, extraídos de fontes online do IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em 24 ago. 2009.

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20

Essa discussão se põe logo após as contribuições de Weber (1905) e Troeltsch na

construção das tipologias de Igreja e Seitas.

O termo seita e igreja fazem parte das categorias e conceitos sociológicos no estudo do fenômeno religioso investigado por Weber e Troeltsch. Na definição de Troeltsch encontramos: “A Igreja é um tipo de organização fundamentalmente conservadora, que até certo ponto aceita a ordem secular e domina as massas; em princípio, portanto é universal – ou seja, deseja abarcar a totalidade da vida da humanidade. As seitas, por outro lado, são grupos relativamente pequenos, que aspiram à perfeição interior do indivíduo, tendo como objetivo um companheirismo pessoal e direto entre os membros de cada grupo [...] a Igreja plenamente desenvolvida utiliza o Estado e as classes dominantes, incorporando estes elementos à sua própria vida; ela torna-se então parte integrante da ordem social vigente; nesta situação, pois a Igreja ao mesmo tempo estabiliza e determina a ordem social; ao fazê-lo, porem, ela se torna dependente das classes dominantes e do desenvolvimento destas. Já as seitas estão ligadas às classes dominadas, ou ao menos àqueles elementos da sociedade que se opõem ao estado e à Sociedade; elas atuam de baixo para cima e não de cima para baixo (TROELTSCH, 1981. p. 102 grifo do autor).

O termo “denominação” é o mais apropriado, para os batistas, pois estão no

intermédio dos conceitos de Igreja e seita. O termo “Igreja” referindo-se aos batistas

aparecerá na medida em que as fontes se autodenominarem. Este trabalho utiliza os termos

congregações ou comunidades entendidas dentro de suas peculiaridades de autonomia local e

livre associação, como princípios fundadores. Historicamente os batistas crescem inicialmente

nas camadas mais empobrecidas, sejam artesãos e camponeses na Inglaterra do século XVII,

seja entre afroamericanos no século XIX e afrobrasileiros no nordeste brasileiro.

Dentro do processo de urbanização e favelização das grandes cidades baianas,

fruto também das condições históricas advindas do pós-abolição, onde as populações

afrobrasileiras abandonadas pelo Estado e sem nenhuma reparação aos danos da escravidão,

formaram os cinturões de empobrecidos que cercaram os bairros da aristocracia.

No interior da Bahia, especialmente no sertão, a presença de afrodescendentes, foi

em grande parte ruralizada (RIOS, 2003) ou mantidas no cinturão de miséria que rodeia as

cidades, notando-se também populações negras resultantes da existência de remanescente de

quilombos (Quilombolas) (CARVALHO, 2008)3. Não foi diferente com Feira de Santana,

2 Texto da versão inglesa do The Social Theaching of the Christian Churches. Tradução de Paulo Henrique

Brito Chicago e Londres, the Universit of Chicago Press, Phoenix Edition, 1981. 3 Trabalho apresentado no IV encontro da ANPUH (Associação Nacional de profissionais de História) em Vitoria da Conquista, BA.

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21

cidade de fronteira entre o Sertão e o Recôncavo, onde a presença e o trânsito da mão-de-obra

escrava foram constantes. Como analisou Freire (2007, p. 06):

Localizada numa zona de transição entre o litoral e o sertão, a fertilidade do solo da região permitiu que nele se desenvolvessem fazendas de gado e exploração de culturas agrícolas como o tabaco, algodão, cana-de-açúcar e mandioca, dentre outras. Essa diversificação de culturas agrícolas nas fazendas de gado justifica a grande presença do trabalho escravo na região. Atuando por vezes em atividades não muito comuns no meio rural, além dos serviços diretamente ligados à lavoura, os escravos exerceram outras atividades complementares aos serviços da fazenda, como ferreiro, marceneiro, sapateiro, alfaiate, costureira e até músico, ocupações que destoavam daquelas voltadas para o trato com a terra e a lida com o gado, como os escravos da enxada, da roça e os vaqueiros. Dessa forma, a criação e comercialização do gado, o cultivo de gêneros agrícolas, a posse de escravos e os ativos foram os principais meios responsáveis pela formação e acumulação de riqueza dos fazendeiros e da economia em geral da região de Feira de Santana.

Além da escravidão, os processos de migração das populações por conta da

expansão da fronteira agro-pecuária fizeram crescer a mestiçagem. Mesmo com as

intervenções de modernização da cidade, e no seu bojo o “branqueamento” do espaço urbano,

a presença de afro-brasileiros em Feira de Santana permaneceu nos bairros mais

empobrecidos (SILVA, R., 2005). A composição das “seitas protestantes” traz consigo esta

condição de afro-brasileiros, tanto entre os chamados protestantes históricos quanto os

pentecostais. Um dos líderes da congregação dos batistas em seu início, 1942, era um

afrobrasileiro, Antônio Nery, atuando na Congregação Batista em Feira de Santana, no

Tanque da Nação, mudando-se depois para as Baraúnas e em seguida para Rua do Meio, hoje

Conselheiro Franco.4 Ele Inicialmente pertencia à classe baixa, mas depois se tornou

funcionário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e entre 1954 a 1958 foi vereador

em Feira de Santana.5

Interessa-nos nesta pesquisa evidenciar as apropriações, práticas e representações

étnicas construídas entre os afrobrasileiros na composição da Primeira Igreja Batista (PIB)

em Feira de Santana e no Instituto Bíblico Batista do Nordeste (IBBNE) entre 1947 e 1988.

Analisaremos ainda as relações destas instituições com os processos sócio-educativos

4 Entrevista realizada com o Sr. Antônio Lourenço Nery pelo autor em 01 de dezembro de 1995 na sua residência. 5 Informação retirada do site http://www.camarafeiradesantana.ba.gov.br/ vereadores. Acesso em: 06 Jul. 2010.

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mediados pelos missionários brancos norte-americanos, especialmente do Sul dos Estados

Unidos da América (EUA), de forte herança segregacionista.

Uma primeira questão derivada dessas inquietações que podemos afirmar em

sintonia com os estudos de Bastide (1971) sobre o negro e o protestantismo brasileiro, é sobre

a relação de sedução entre os afrobrasileiros e as comunidades batistas na expectativa de

ascensão social. Isto acontecia devido à possibilidade da escolarização/alfabetização como

instrumento de mobilidade social, na tentativa de vencerem os estigmas da sociedade feirense,

muitas vezes expressas nos discursos das elites letradas (NOVAIS, FLORIANO, 1985).

As Fontes

Nas análises que fizemos sobre o pioneirismo do missionário Batista norte-

americano Thomas Jefferson Bowen no Rio de Janeiro em 1860, utilizamos as

correspondências catalogadas e traduzidas pela memorialista Betty Antunes de Oliveira, em

seu livro “ Centelha de restolho seco” na sua última edição de 2005. Também utilizamos uma

monografia que traça a trajetória de Bowen e família: Roberson Cecil, “Bowen or na

Evidence of Grace”, manuscrito não publicado, existente na Jenkins Library da Foreign

Mission Board em Richmond, Virgínia, 1969. Este documento foi gentilmente enviado pelos

responsáveis do arquivo da Missão Batista de Richmond, EUA. Utilizamos também os Jornais

da FBM – SBC nos períodos de 1849 a 1860, disponíveis online. A dissertação de mestrado

de Alverson Souza sobre Bowen na África, defendida na Universidade de Natal, África do Sul

em 2002, também foi útil, além dos livros do próprio Thomas Jefferson Bowen especialmente

Central Africa: Adventures and Missionary Labors in several countries in the interior of

Africa from 1849 to 1856, na edição de 1968.

Utilizamos as atas da PIB de Feira de Santana (1947-1988). Também utilizamos o

fichário de membros com 167 fichas entre 1945 a 1975, uma importante fonte da PIB as quais

informam no geral sobre genitores, nascimento, naturalidade, cônjuges, profissão, ingresso e

saída da comunidade. Algumas fichas trazem ainda fotografia, a partir das quais busquei

cotejar informações, bem como nas entrevistas feitas com os membros mais antigos, sobre a

categorização étnico-racial dos membros, sujeitos desta pesquisa.

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Trabalhamos também com fontes iconográficas do acervo particular dos membros

da PIB e do acervo presente no STBNE sobre a PIB. Estas contam mais de quarenta imagens

entre elas da Cerimônia de fundação, são fotos antigas e recentes. Além destas fontes

consultamos esboços e sermões escritos do pastor Newell Mack Shults, missionário norte-

americano que foi fundador e pastor da Igreja Batista de Campo Limpo em Feira de Santana,

Bahia e Diretor do STBNE; e os do pastor Jonas Barreiras de Macedo Filho, afrobrasileiro,

que foi pastor na PIB e professor no STBNE. Deste último acessamos também a sua

Dissertação de mestrado e um pequeno relato autobiográfico, encontrado no acervo do

STBNE. O sermão do Pr. Newell Mack Shults encontrado num acervo pessoal do membro

da Igreja Batista do Campo Limpo, o irmão Natanael Guedes. Os sermões e a dissertação de

mestrado do Pr. Jonas B. M. Filho foram acessados através da Professora Jamim Macedo,

viúva do Pr. Jonas Filho, em seu acervo pessoal.

Recolhendo as fontes orais entrevistamos quatro afro-brasileiras membros da

Primeira Igreja Batista de Feira de Santana: Marialva Vasconcelos Ferreira; Doralice Freitas

Barbosa, Terezinha Neri e Antonio Lourenço Neri, hoje falecido, pai de Terezinha Neri e um

dos fundadores da PIB de Feira, entrevistado pelo autor em 1995. Entrevistamos também a

senhora Maria das Mercês dos Santos, 80 anos, uma afro-brasileira que atualmente é membro

da Igreja Batista Belém, em Alagoinhas-Ba, e que na década de 1950 foi empregada do casal

White em Salvador, e membro da Igreja Batista dos Mares, a Igreja responsável pela

organização da PIB de Feira de Santana.

Entrevistamos ainda, professores do IBBNE, hoje STBNE: Profª. Jamim Peixoto

Macêdo; Pr. José Belarmino do Monte, 85anos, que foi estudante do IBBNE em 1960 e

tornou-se professor da Instituição em 1978, foi também membro, na década de 1960, da PIB

de Feira de Santana; e o Pr.Edson Gama de Oliveira que foi um adolescente muito presente

juntos aos missionários no IBBNE e como estudante pré-seminarista no colégio Taylor-

Egídio em Jaguaquara. Na década de 1970 ele estudou no Colégio Americano, em Recife-Pe,

e no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBNB).

Outras fontes utilizadas foram os Jornais Denominacionais: O Jornal Batista

(OJB) (1936 a 1988); e O Batista Baiano (1947 a 1988). Estes foram encontrados nos acervos

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presentes na sede da Convenção Batista Baiana (CBBA) e no STBNE; E ainda O Correio

Doutrinal parte do acervo pessoal da professora Jamim Macedo.

Das fontes memorialísticas analisadas constam: as memórias escritas pelo

professor e Pr. Jonas Barreiras de Macedo Filho sobre IBBNE e outros institutos bíblicos

contemporâneos a ele sob o título de “Notas de Apreciação sobre os Institutos” por onde

trabalhou no desempenho do seu Ministério Evangélico; O trabalho apresentado por Clóvis

Torquato Jr. à disciplina de História da Teologia no Brasil, STBNB intitulado “História do

Instituto Bíblico Batista do Nordeste em 1992” (TRABUCO, 2009); e “Uma História

inacabada” (Gillianders, 1990) são memórias que relatam a inserção da Igreja Evangélica

Unida em 1937, primeiro grupo organizado de protestante em Feira de Santana, fundado pela

própria autora das memórias, Isabel Gillanders juntamente com seu marido Roderick

Gillanders.

Analisamos ainda atas das juntas administrativas (1960 a 1988) e do corpo

docente do IBBNE (1975 a 1988) encontradas no acervo do STBNE .

Referencial Teórico

A experiência religiosa é constituinte das configurações de representações e

relações sociais conforme François Houtart (1984, p. 13):

[...] a religião situa-se no universo das representações e intervém ao mesmo tempo na definição do sentido e na orientação das práticas [...] se necessário ela pode fornecer a explicação e a justificação das relações sociais.

A força da religião como um poder estruturante na sociedade não pode ser

minimizado ou reduzido a mero reflexo das condições materiais. Ela tem uma dinâmica

própria que interage com outras forças da sociedade. A representação religiosa tecida no

imaginário coletivo de uma sociedade é instituidora de mundos simbólicos, espaços para

distinções, disputas e reconhecimentos.

Um dos grandes investigadores da História Cultural, o historiador francês Roger

Chartier (1991), ao argumentar nas suas discussões sobre práticas e representações, observa

que a idéia de representação liga-se à construção de “imagens” acerca de si ou do outro,

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“imagens” estas que visam atribuir sentido(s) a determinadas práticas sociais, construindo

assim realidades sociais.

[um deles quando se] pensa a construção das identidades sociais como resultando sempre de uma relação de força entre as representações impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou resistência, que cada comunidade produz de si mesma; [e o outro] que considera o recorte social objetivado como a tradução do crédito conferido à representação que cada grupo dá a si mesmo, logo a sua capacidade de fazer reconhecer sua existência a partir de uma demonstração de unidade (CHARTIER, 1991, P.183).

Segundo CHARTIER (1990) pensar as representações é fundamental nas

construções da História Cultural. Como ele mesmo discute nos ensaios presentes na sua obra

História Cultural: entre práticas e representações [...] as percepções do social não são de

forma nenhuma neutras: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que

tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezadas” (CHARTIER,

1990, p. 17). Salienta-se que a construção das representações se dá num campo de

competições e concorrências:

As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990, 17).

As investigações de Chartier indicam que tais representações, práticas não são

desencarnadas socialmente, e que as categorias aparentemente invariáveis devem ser pensadas

na descontinuidade das trajetórias históricas. Isto nos ajuda a pensar ainda mais a questão das

identidades e campo étnico como sendo espaços de embates e conflitos de representações,

jogos de poder simbólico na demarcação de fronteiras e territórios, cada vez mais fluídos e

internamente contraditórios.

[...] O que leva seguidamente a considerar estas representações como matrizes de discursos e de práticas diferenciadas - mesmo as representações colectivas mais elevadas só têm uma existência, isto é, só o são verdadeiramente a partir do momento em que comandam actos - que tem por objetivo a construção do mundo social, e como tal a definição contraditória das identidades – tanto a dos outros como a sua (CHARTIER, 1990, p. 18).

Somam-se a estas investigações teóricas sobre identidade, as importantes análises

dos estudos culturais, onde se destaca o pensador jamaicano Stuart Hall, que ver os embates

no campo movediço das constituições de identidades como espaço dinâmico em constante

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reconfiguração, longe de qualquer compreensão essencialista. “A identidade tornou-se uma

festa móvel: formada e transformada continuamente em relação às maneiras pelas quais

somos representados ou tratados nos sistemas culturais que nos circundam. Ela é histórica,

não biologicamente definida (HALL, 1997, p. 10)”.

A discussão de Hall (1997) insiste em avisar, que esta festa móvel, caleidoscópica

que faz a experiência de identidades nos sujeitos do mundo globalizado, rompendo fronteiras

e territórios, são experiências plurais e pluridimensionais.

[...] A questão não é simplesmente que, visto que nossas diferenças raciais não nos constituem inteiramente, somos sempre diferentes e estamos sempre negociando diferentes tipos de diferenças – de gênero, sexualidade, classe. Trata-se também do fato de que estes antagonismos se recusam o ser alinhado; simplesmente não se reduzem um ao outro, se recusam a se aglutinar em torno de um eixo único de diferenciação. Estamos constantemente em negociação, não com um único conjunto de oposições que nos situe sempre na mesma relação com os outros, mas com uma série de posições diferentes. Cada uma delas tem para nós o seu ponto de profunda identificação subjetiva. Essa é a questão mais difícil da proliferação no campo das identidades e antagonismos: elas freqüentemente se deslocam entre si (HALL, 1997, p. 328).

A discussão fundante, para muitos autores, sobre identidades, vem atrelada à

questão de grupos étnicos, etnicidade. É Frederik Barth (1969), antropólogo norueguês, que

procura dar uma definição de identidade étnica. O conceito de grupo étnico, para Barth, não

se limitava a uma ”unidade portadora de cultura”, mas definia-se acima de tudo como “um

tipo organizacional”, designando uma população que:

a)“se perpetua principalmente por meios biológicos”; b) “ compartilha de valores culturais fundamentais, postos em prática em formas culturais num todo explícito”; d) “tem um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros como constituinte de uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem” (BARTH,1969, p. 10-11).

Pinho (2004) afirma que neste processo de identidade étnica proposto por Barth

diversos elementos são utilizados como mecanismos de identificação, definindo fronteiras que

excluem os “outros” e incluem o “nós”. “Nós” somos aqueles que temos um passado comum;

os “outros” são aqueles que não reconhecem nossos valores nem compartilham da nossa

tradição. Os grupos étnicos seriam, portanto, sistemas de definição de limites e fronteiras,

onde o contraste funciona como detonador dos processos de construção das identidades. A

idéia de fronteiras se soma hoje a idéia de origem, de pertencimento.

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Neste mundo em constante fragmentação, a identidade passa a ser pensada e

experienciada como não - fixa desprovida de permanência e essencialismos. Como argumenta

Pinho (2004, p. 78):

[...] as identidades são pensadas e vividas como alternativas de significação da experiência social e não como acopladas essencialmente aos sujeitos. Além disso, as identidades estão em relação com as correntes de subjetivação que transversalizam o mundo como um todo, expressando-se como articulações de poder que agem e reagem segundo tradições socialmente construídas e segundo elementos simbólicos disponíveis na estrutura da sociedade envolvente, o que significa dizer, que as identidades são expressas através de representações, entendendo representações como algo constitutivo e não meramente reflexivo da realidade.

Retomando Hall (1996), para este as categorias de “raça” e “negro”, tão caras aos

grupos que constroem suas identidades enquanto étnicas e afro-referenciadas, são construções

sociais que não existem em si mesmas. A ênfase, portanto, deve estar nas representações, nos

significados distintos que conceitos como “raça” e “negro” adquirem em conformidade com o

local, o espaço e o tempo que ocupam.

O antropólogo Livio Sansone, professor e pesquisador da Universidade Federal da

Bahia (UFBA), defende a tese de que na América Latina as relações interétnicas e a

racialização dos grupos sociais seguem um padrão comum. De um lado os casamentos mistos

de diferentes fenótipos, um continuum racial, uma cordialidade transracial nas horas de lazer,

entre as classes baixas, uma longa história de “sincretismo”6 no campo da religião e da cultura

popular. Por outro lado, uma organização política relativamente fraca com base na “raça” e na

etnicidade, a despeito de uma longa história de discriminação racial. Esta última contribuiu

para a pouca fomentação da mobilização étnica e a formação de grupos étnicos, dando espaço

para uma forte manipulação da identidade racial, sobretudo no plano individual. Ele conclui:

A esta peculiaridade, veio associar-se o cultivo de uma cegueira formal para cor na sociedade, através da criação do já mencionado mito da democracia racial, que, apesar de imposto de cima para baixo às classes inferiores, tem sido mais poderoso do que se costuma dizer, porque, nas próprias classes mais baixas, a maioria das pessoas sonham com uma sociedade que não enxergue a cor (SANSONE, 2003, p. 20).

6 O conceito de sincretismo vem sendo alvo de muitas discussões, alguns pesquisadores vem trabalhando com os

conceitos de hibridismos, multiculturalismo. Para Ferreti (1995, p. 217) “podemos constatar a existência de três variantes principais no conceito de sincretismo, que são próximas, englobando outros sentidos do termo, a saber: mistura, paralelismo e convergência, ao lado de separação, em que não existe ou não identificamos sincretismo.” O sincretismo e a tradição são conceitos ambíguos, experimentam as dificuldades consensuais entre os teóricos das ciências sociais que também tem dificuldades com os conceitos de etnia e identidade.

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Nas entrevistas realizadas com os membros da Congregação Batista aparecem

designações como: cor de jambo, cor de formiga, morena clara, negra, preto. A representação

que somos irmãos e filhos do mesmo Pai, não temos cor, temos Jesus, O Espírito Santo, a

Salvação. Mas, a insistência no silêncio da cor, nem sempre é a única postura. Alguns relatos

constatam que a conversão religiosa serviu para auto-aceitação da cor da pele, da estética,

como no caso de uma entrevistada: “[...] antes alisava os cabelos e buscava a “boa aparência”,

mas depois que aceitei Jesus, entendi que preciso me aceitar do jeito que Deus me fez, pois

Ele me ama.”7 Nas narrativas que exploramos no decorrer do texto, aparece desde a cegueira

em relação a cor, à suspeita que os negros sabem fazer e acontecer quando tem oportunidades.

Estas ambigüidades de certa maneira dizem que a identidade é negociada, tecida com

diferentes estratégias no cotidiano. As invenções do cotidiano na vida dos sujeitos da pesquisa

mostram-se não só continuidades com as representações dos missionários, mas também

descontinuidades.

As práticas sociais instituídas pelas ações dos missionários norte-americanos e a

recepção dos conversos afrobrasileiros às representações posta em circulação, reificam a

cultura dos primeiros em detrimento da cultura do segundo. No entanto não podemos pensar

que esta recepção, feita pelos fiéis seja passiva e não-conflitante, como se fossem objetos a

serem conformados. Existe na recepção espaço para recriações e resistências mesmo que

silenciosa. Segundo Donald (apud SILVA T., 2000, p. 65) uma parte da história do sujeito

encontra-se nas “[...] improvisações da vida cotidiana que, embora sejam pouco reconhecidas,

são bastante engenhosas”. É na vida cotidiana que os sujeitos se vêem diante do dilema da

reprodução cultural e da transgressão cultural, articulando a sua identidade no encontro com

as diferenças. Assim, quando a vida cotidiana adquire novos contornos, mudam também os

processos de construção da identidade cultural.

Este trabalho foi construído também através das fontes orais, entendendo que a

História Oral é uma ferramenta, uma metodologia importante para investigação da memória

de um povo. Esta, porém se apresenta entre limites e possibilidades. Gandon (1997, p. 135)

nas suas investigações sobre a memória advindas das fontes orais adverte “[...] que a história

real, vivida, nem sempre coincide com o discurso sobre esta história.” A história de vida, traz

7 Entrevista com Doralice Freitas ao autor em 29 de maio de 2009 na sua residência.

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a trajetória dos sujeitos e suas mediações culturais, o lugar da fala e suas interfaces, os

diversos outros que povoam e provocam a memória. Nas investigações empíricas de Gandon,

sobre a história dos bairros de Salvador, ela experimentou os etnotextos, recolhendo

narrativas e memórias.

[...]fontes orais segundo o método da pesquisa com etnotextos, onde documentos são criados a partir de entrevistas gravadas, entrevistas que visam captar o discurso cultural de uma comunidade ou de um grupo. A preocupação principal na análise destes documentos é a de perceber o sentido de um discurso cultural a muitas vozes, na dinâmica de diferentes momentos vivenciados pelo grupo em questão. Vale lembrar que este discurso nos conduz sempre ao cerne da questão identitária, seja através de reminiscências relatadas, seja nos elementos veiculados na tradição oral (GANDON, 1997, p. 135 grifo do autor).

Nas análises de Gandon (1997), uma pesquisa com fontes orais não despreza os

documentos escritos, mas utiliza-os no aprofundamento e no levantamento de questões. A

questão identitária, aparece, nas pesquisas dela, como dado recorrente nas entrevistas, produto

da intersubjetividade experimentada na ativação das memórias em diálogo como o mundo que

se vive, onde se tece a trama e o drama da existência.

Numa investigação da história do tempo presente, a subjetividade é fator

preponderante, envolvendo a todos na criação destas fontes orais. Chartier (1996, p. 216)

discute:

[...] O historiador do tempo presente é contemporâneo de seu objeto e, portanto partilha com aqueles cuja história ele narra as mesmas categorias essenciais, as mesmas referências fundamentais. Ele é, pois o único que pode superar a descontinuidade fundamental que costuma existir entre o aparato intelectual, afetivo e psíquico do historiador e o dos homens e mulheres cuja história ele escreve. [...] Para o historiador do tempo presente, parece infinitamente menor a distância entre a compreensão que ele tem de si mesmo e a dos atores históricos, modestos ou ilustres, cujas maneiras de sentir e de pensar ele reconstrói.

São nestes distanciamentos/proximidade que operamos as análises, cotejando as

fontes escritas, iconográficas e orais sobre os batistas feirenses. Aqui o fato de ser um

especialista da religião (pastor batista) e investigador do fenômeno religioso, se apresenta

como desafio do distanciamento epistemológico e também das contribuições do olhar

privilegiado de quem participa. A herança positivista já bastante questionada nas Ciências

Humanas contemporânea, especialmente no campo do estudo da Hermenêutica, busca

notoriamente nas Ciências da Religião, evidenciar que tanto o pressuposto anti-religioso, o

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famoso ateísmo metodológico, bem como o olhar ingênuo e apologético do pesquisador

religioso são pólos que não contribuem para um melhor acercamento do fenômeno religioso e

sua complexidade. A vigilância epistemológica e metodológica deve aferir o percurso da

pesquisa.

A delimitação temporal para este trabalho toma como marco inicial o ano de

1947, data de organização da Primeira Igreja Batista em Feira de Santana, situada à rua

Monsenhor Tertuliano Carneiro, nº 40, na época da organização, em 02 de março de 1947.

Era sede, então, da antiga Congregação Batista. Hoje esta Igreja encontra-se situada à rua

Visconde do Rio Branco, Centro. Nesta comunidade de fé, nos interessa a composição étnica,

como se auto-identificaram e os significados que emprestaram a estas auto-identificações.

O termo afrobrasileiro aqui utilizado quer identificar pessoas com traços

(fenótipo) e ascendência de populações africanas escravizadas e nelas referenciadas a partir

das relações étnico-raciais no Brasil. Estas, nos dados do Censo 2000, são aquelas pessoas

que se identificam como não brancos e não índios: os pardos, mulatos, morenos, pretos,

negros e outras gradações. Segundo o Censo IBGE de 2000, entre negro e branco existem

nominados pelos entrevistados em 136 gradações de cores. Os termos “Pessoas de cor”,

“Preto”, “Negro”, “Afrobrasileiro” são representações sociais que vão sendo nominados em

diferentes momentos e circunstâncias da história da sociedade brasileira e em seus recortes

regionais.

Estas variações de representações tornaram-se presentes na historiografia das

elites, nas lutas e resistências dos movimentos e agremiações negras, nas propostas de

integração à sociedade, ou mesmo de protesto contra a discriminação racial bem como contra

o mito da democracia racial em solidariedade às lutas do povo africano (SANSONE, 2003)

em seus países. Os movimentos pan-africanistas e afro-centrados traduzidos nos Blocos Afro

de Carnavais (PINHO, 2004) entraram também nesta composição e disputa das

representações etnoraciais no campo étnico baiano.

Outro marco temporal importante para este estudo, uma vez que foi pesquisado

sobre representações étnicas dos batistas, é o ano de 1988, ano da promulgação da

Constituição Cidadã, na busca para se assegurar direitos sociais, políticos e culturais a todas

as populações no Brasil. A Constituição de 1988 vem na esteira dos processos de

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redemocratização em curso na sociedade brasileira e da lutas e conquistas dos movimentos

negros, que põe também em discussão a data de 13 de maio das celebrações oficiais do

centenário da escravidão, haja vista a memória esquecida da resistência afro em cerca de

quatrocentos anos de escravidão. O nome de Zumbi como símbolo desta resistência,

especialmente o seu aniversário de morte 20 de novembro, é assumida pelos movimentos

negros como uma data mais significativa.

Na discussão sobre as questões étnicas entre os protestantes, especialmente os

Batistas em sua inserção no Brasil em meados do século XIX, tomamos como antecedente a

figura do Missionário da Southern Baptist Convention (SBC), Thomas Jefferson Bowen (1814

- 1875), pioneiro nas Missões Batistas no Brasil, vindo de sua experiência na África Central

(1849 - 1856), hoje Nigéria, bem como as questões sulistas envolvendo a escravidão nos

Estados Unidos que originam a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, SBC, e seus

desdobramentos nas missões no Brasil. Anotamos as recepções nos jornais denominacionais

das discussões sobre o racismo por ocasião do Nazismo, no período entre guerras e sua

deflagração na Europa na década de trinta do século XX, ocasião em que a Aliança Batista

Mundial (ABM) produziu documento onde rejeitava todas as formas de discriminação racial

numa reunião feita em Berlim em 1935. Nos jornais também encontramos as representações

étnicas presentes nos artigos de missionários norte-americanos e de brasileiros que concluíram

seus estudos nos centros de formação teológica nos Sul dos Estados Unidos.

O IBBNE é também uma importante instituição, Fundada por missionários, sul -

estadunidenses, inicialmente em 1945, em Triunfo, Pernambuco, pelo ex-diretor do STBNB

em Recife o missionário, engenheiro, pastor e professor Dr. Arnold Edmund Hayes,

missionário atuante no Norte/Nordeste brasileiro desde 1919.

Em 1960, sob a direção de outro ex-diretor do STBNB e Missionário no

Norte/Nordeste do Brasil, desde 1934, Pr. Dr. Robert Elton Johnson, a sede do IBBNE foi

transferida para Feira de Santana, na época com o apoio e orientação do Missionário Burley

E. Cader, no período, também membro da PIB em Feira de Santana. O IBBNE se tornou um

relevante pólo de formação de pastores, missionários(as) e educadores(as) dos Batistas para

interior da Bahia e outros estados do Brasil, bem como para países na América Latina e

África. Até 1998 o STBNE fora dirigido por missionários estadunidenses.

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Este recorte temporal também compreendeu momentos significativos nas lutas e

debates das questões étnicas, no país de origem dos missionários, como: os movimentos pela

luta dos direitos civis dos afro-americanos liderado pelo Reverendo Batista, Martin Luther

King Jr. e o movimento dos negros Mulçumanos liderados por Malcom X que inspirou o

Black Power e a emergência da Black Theology (Teologia Negra). A recepção à estes

movimentos que foram amplamente noticiados na mídia, mereceu especial atenção, nesta

pesquisa, haja vista que os movimentos negros em re-organização no período foram

decisivamente influenciados e o silêncio permaneceu entre os protestantes em geral, com raras

exceções.

Nesse período no Brasil deflagrou-se o Golpe Militar em 1964, e paralelamente, a

luta e resistência dos movimentos estudantis, os quais agregavam várias bandeiras e utopias

de transformação da sociedade brasileira. A efervescência destes movimentos se conectava

aos processos de descolonização e emergências de novos atores e protagonistas na História

Contemporânea. Na América Latina fervilhavam as lutas revolucionárias e a resistência e

crítica ao imperialismo americano.

No campo religioso brasileiro, temos a emergência das teologias contextuais e em

especial a Teologia da Libertação que animou vários movimentos, entre eles as Comunidades

Eclesiais de Base (CEBS). A Teologia da Libertação apoiava uma igreja progressista e

engajada no enfrentamento da Ditadura e das questões políticas e sociais e ancorava-se em

um discurso teológico que assumia a opção preferencial pelos pobres, fazendo uma leitura da

realidade, mediado pelas Ciências Sociais, principalmente o enfoque da Sociologia crítica,

marxista.

Aqui lembramos que este fermento revolucionário, progressista e ecumênico, tem

suas raízes e presença nos protestantismos brasileiros desde a década de 1950, animado pelo

missionário reformado Richard Shaull, Waldo Cesar, Jaime e Paulo Writhe, Rubem Alves,

João Dias de Araújo, dentre outros (as), são exemplos de uma geração de jovens estudantes e

líderes comunitários, que atuaram em várias frentes de resistência, como intelectuais

orgânicos e militantes. Nas pesquisas de Silva E. (2007) é notório a participação popular e

juvenil em Feira de Santana, nas lutas políticas e na resistência ao Golpe Militar de 1964.

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33

Ao desencontro destes movimentos, outros grupos protestantes, os Batistas em

especial, acomodaram-se no Regime Militar vigente e realizaram as famosas Campanhas de

Evangelização “Jesus Cristo é a Única esperança”. O conceito de “Igreja Espiritual” traduz a

idéia que a preocupação da igreja é com a salvação das Almas, o corpo é responsabilidade do

Estado. Este conceito reflete resquícios advindos de uma teologia pietista, evangelical e

fundamentalista do Sul dos Estados Unidos, muito configurada a partir das circunstâncias

escravagista que está no fundo das questões sócio-políticas e religiosas destas missões. Logo,

a manutenção desta dualidade é relida no Golpe Militar, circunscrevendo a idéia de liberdade

ao plano individual e a esfera da propaganda religiosa. As questões étnicas não ocupavam a

devida importância que merecia, uma vez que eram lidas mesmo nas Ciências Sociais, como

reflexo das desigualdades de Classe. No protestantismo, não foi muito diferente da sociedade

brasileira, as concepções de democracia brasileira e a resistência em discutir as desigualdades

etnoraciais.

Com exceção de alguns (in)fiéis, que tomaram posições diferente das lideranças

oficiais da denominação e de comunidades locais, a exemplo da Igreja Batista de Nazareth

liderada pelo Pr. Djalma Torres, as congregações batistas na sua maioria, permaneceram

alinhadas ideologicamente, muitas vezes com discursos e práxis convergentes as autoridades

políticas e militares da época. No seu artigo, “protestantes e o governo militar: convergências

e divergências.”

A Denominação Batista Brasileira desenvolveu práticas, discursos e representações muito peculiares sobre o regime militar instalado no País em 1964 e as afinidades eletivas entre o conservadorismo batista e a ditadura militar produziu convergências ideológicas e cooperação efetiva da Convenção Batista com as autoridades e governo militares (SILVA E., 2009, p.19).

Apresentação dos Capítulos

O plano desta dissertação na introdução justifica as motivações e relevância da

pesquisa, delimitando e descrevendo os sujeitos da pesquisa e a problematização,

apresentando as fontes e suas possibilidades de análises.

No primeiro capítulo, Da “Seita dos Anabatistas”, aos pretos-minas: A Inserção

Batista no Brasil e a Questão Étnico-racial, percorremos o seguinte caminho: Primeiro:

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Missões africanas: a proposta pioneira de evangelização de Thomas Jefferson Bowen; em

seguida: Os “Slaveholders” sulistas nos trópicos: as primeiras Comunidades Batistas no

Brasil; Logo depois: Teorias raciais na sociedade brasileira no período.

Neste capítulo procuramos circunstanciar historicamente as relações dos batistas e

o problema da escravidão no século XIX, e seus ideais de civilização, evangelização no

convívio com a escravidão. A figura de Thomas Jefferson Bowen é emblemática. Sendo

Missionário da Baptist Missionary of the Foreign Mission Board (FMB) of the Southern

Baptist Convention, United States (Missionário da Junta de Missões Estrangeiras da

Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos da América) viveu sete anos na África (1849 –

1856). Chegaram ao Brasil em 1860, ficando oito meses e dezenove dias, trouxe na sua

trajetória de vida inquietações sobre a relação evangelização e civilização, no século XIX

quando a grande mercadoria são os africanos escravizados. Após seu retorno à terra natal, por

motivos contraditórios, chegaram ao Brasil colonos sulistas, escravistas, refugiando-se das

conseqüências da Guerra Civil e aqui estabelecendo igrejas, em 1871.

O segundo capítulo, Um afrobrasileiro liderando uma congregação Batista na

Terra de Santa Ana. Neste segundo capítulo analisamos as configurações históricas, sociais,

culturais e políticas de Feira de Santana do período delimitado, em seguida consideramos o

campo religioso através da presença católica, religiões de matriz afro, protestantismos e

outros. Discutimos também a constituição e origens dos Batistas feirenses e suas relações com

este campo religioso, bem como seus desdobramentos tomando como sujeitos os membros da

PIB. Nesta trajetória utilizamos as fontes orais, as atas, um sermão de um dos antigos pastores

da PIB, fichários de membros, fotografias e jornais.

No terceiro capítulo, Arautos pela salvação: os afrobrasileiros e a evangelização

Batista. Avaliamos o IBBNE como pólo de preparação dos especialistas religiosos como

anotou Bourdieu e Weber, e a recepção e apropriação das representações e práticas sócio-

culturais dos missionários. Utilizamos sermões à luz de conceitos-chave retirados da

bibliografia utilizada nas aulas e nos recursos didáticos, fontes iconográficas (imagens,

gravuras e outras literaturas); Analisamos ainda entrevistas de estudantes e professores, bem

como atas e correspondências, notícias de jornais e fichários dos alunos. A trajetória do pastor

José Belarmino do Monte como um estudante afrobrasileiro da primeira turma (1960) e

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depois professor do IBBNE, ajudou-nos a perceber a relação com os missionários e suas

representações. A recepção à militância do pastor batista e líder afro-americano nos EUA

Martin Luther King Jr. na imprensa batista e nas congregações locais, bem como no IBBNE,

serviu-nos para analisar o “silêncio” dos missionários às questões etnoraciais.

Nas considerações procuramos identificar a trajetória percorrida e os resultados

alcançados, bem como as análises desenvolvidas em cada capítulo. Sempre orientado pelas

questões que alimentaram as investigações, discutimos os limites e possibilidades nas análises

das fontes e sugerimos possíveis leituras que brotaram do desafio das fontes ou ausência

delas. Apontamos, ainda, para a necessidade um olhar mais cuidadoso no trato da negação ou

afirmação das identidades negra entre comunidades protestantes, depois de considerar o

debate teórico sobre identidade já apresentado nesta introdução.

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CAPÍTULO 1

Reverend Thomas Jefferson Bowen e Lurenna Henrietta

Bowen. Foto de 31 de maio de 1853 por Wedding

Picture.

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CAPÍTULO 1_______________________________________________________________

DA “SEITA DOS ANABATISTAS” AOS PRETOS-MINAS: A INSERÇÃO BATISTA

NO BRASIL E A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL.

"Não é sábio, no entanto, para cometer os

erros comuns, supor que a nossa forma de

civilização é exemplar para toda a terra.”

Thomas Jefferson Bowen

A historiografia dos batistas no Brasil vem sendo alvo de novas perspectivas,

problemas e abordagens, especialmente no que se refere às origens. Oferecemos neste

capítulo uma contribuição sobre o pioneirismo dos batistas no Brasil e a relação deste

pioneirismo com a escravidão.

A presença histórica dos batistas no Brasil principiou com o pioneirismo do

missionário Thomas Jefferson Bowen, definido como “homem de Coragem e Fé” pelos seus

biógrafos nos Estados Unidos (ROBERSON, 1969) e na África (AYANDELE, 1968, p. 30).

Sua passagem de sete anos na “África Central” e sua rápida passagem de pouco mais de nove

meses na capital do Brasil do século XIX, estas duas, estiveram ligadas por uma ambição

própria dos missionários protestantes anglo-saxônicos, mas que em T. J. Bowen (1814 -1875)

trouxeram algumas peculiaridades. Sua experiência na África o credenciava a estar entre

africanos escravizados no Rio de Janeiro, apostando na evangelização como “redenção” da

África.

Dizem que um pastor americano procedente de Richmond, traz a intenção de converter as almas desgarradas as doutrinas da seita dos anabatistas, que professa”. Começou a exercer a sua missão pregando aos pretos-minas, cuja língua fala perfeitamente, ao que nos informam. Espíritos supersticiosos e timoratos, esses pobres pretos começam a tributar veneração pelo missionário. Tal pregação pode criar diversos prosélitos entre as inteligências broncas e incultas, e estabelecer no país uma seita cuja manifestação é inconvenientissima. A autoridade compete a verificação deste fato (1860, apud OLIVEIRA B., 2005, p. 113).

O registro acima, nos oferece evidências para pensarmos o campo religioso na

capital do Império do Brasil, no universo dos medos e temores das elites urbanas a possíveis

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sublevações escravas, à semelhança da rebelião escrava dos Malês em 1835 em Salvador

(REIS, J., 2003). Um pastor vindo de um país, que começou a estabelecer parcerias

comerciais com Brasil, e este na descrição do articulista do jornal Diário de Notícias,

pertencia à seita dos anabatistas, “cuja manifestação é inconvenientíssima”, falando aos

pretos-minas, “inteligências broncas e incultas”, em sua própria língua e despertando grande

admiração entre eles. Nesta descrição um cenário delicado se desenhou, uma vez que estes

elementos juntos ofereciam, no imaginário das elites, uma ameaça ao sistema escravista

estabelecido, cabendo às autoridades da época investigar este fato, finaliza o repórter.

O Rio de Janeiro em meados do século XIX tinha, em números absolutos, a maior

concentração urbana de escravos existente no mundo desde o final do Império romano: 110

mil escravos para 266 mil habitantes (ALENCASTRO, 2004, p. 25). O Rio de Janeiro era o

maior porto negreiro das Américas, antes da proibição do tráfico de 1850. As tensões sociais

advindas da relação senhor/escravo, se fez sentir entre os cativos e entre os libertos, estes

últimos compunha cerca de 5 % da população (ALGRANTI, 2007). Os viajantes estrangeiros

relatavam a estranheza de estar na África e não no Brasil, quando ao meio dia somente os

cativos circulavam nas ruas da capital do Império brasileiro. Em seu livro “Onda Negra,

Medo Branco: O negro no imaginário das elites do século XIX”, Azevedo (2004) cita a

preocupação com a proporção numérica entre habitantes escravos e livres no País, que

segundo calculava, estaria na razão de três para um. Isto foi declarado pelo brigadeiro do

Exército, bacharel em Matemática e Filosofia pela universidade de Coimbra, nascido em

Salvador, José Eloy Pessoa da Silva, o qual escreveu em suas memórias :

Esta população escrava, longe de dever ser considerada como um bem é certamente grande mal. Estranho aos interesses público, sempre em guerra doméstica com a população livre, e não poucas vezes apresentando no moral o quadro físico dos vulcões em erupção contra as massas que reprimem sua natural tendência; gente que quando é preciso defender honra, fazenda, e vida, e o inimigo mais temível existindo domiciliada com as famílias livres (SILVA, J. apud. AZAVEDO, 2004, p. 35).

Quanto ao campo religioso afro-carioca, como denomina a historiadora norte-

americana Mary C. Karasch, nele era visível nestas descrições de viajantes as variações e

ambigüidades que cercavam a conversão dos africanos à religião católica e as invenções

religiosas como resposta aos sofrimentos infligidos pelos senhores.

Sem seus parentes, vizinhos e comunidades africanas, os estrangeiros que se reuniam na cidade encaravam o desafio de criar suas próprias comunidades em meio a senhores hostis que queriam isolá-los uns dos outros ou incorporá-los a suas famílias, ou, ao menos, a suas estruturas religiosas e sociais. Porém, os africanos resistiam, pois essas estruturas não satisfaziam suas necessidades nem

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correspondiam aos seus sistemas de valores. Alguns, é claro, sucumbiam à influência dos donos e se convertiam ao catolicismo, enquanto outros tomavam emprestadas certas crenças e imagens religiosas católicas. [...]Eles buscavam líderes e grupos religiosos em reação à bruxaria e à feitiçaria que os cercavam e formavam novas religiões que davam “força” a suas vidas (KARASCH, 2000, p. 341).

Segundo Karasch, a tradição religiosa dominante entre os escravos no Rio de

Janeiro na metade do século XIX, não era nem o catolicismo nem o candomblé, mas vinham

da vasta região do Centro-Oeste Africano. Segundo Karash(2000) a religiosidade centro-

africana,diferentemente do conservadorismo da religião dos Yorubá, mantinha uma

pluralidade e inventividade constante, abertos a novas adaptações e uma “solidariedade

“ecumênica” e “sincrética”. Isto se constituía em traços característicos da religiosidade da

África Central, lugar que o missionário Bowen viveu.

Sobre a África Central Bowen apresentou um relato detalhado da vida religiosa,

além de demonstrar intenso conhecimento da língua através da produção de uma gramática e

um léxico (BOWEN, 1857). Esta gramática apresenta peculiaridades em comparação a outras

produções, feitas por outros missionários, do mesmo período. O historiador africano,

Ayandele (1968) numa apologia a Bowen anota este esforço.

O ponto importante a notar sobre o esforço de Bowen para produzir essa gramática é que ele não aceitou acriticamente o trabalho já feito sobre a língua por Samuel Ajayi Crowther. Em vez disso, ele realizou uma pesquisa independente e, assim, conseguiu produzir uma obra que ganhou a aclamação de linguistas. [...] Em particular, ele dedicou uma grande parte de sua gramática para formação de palavras (especialmente a formação de substantivos), e uma descrição das várias formas verbais. No que diz respeito a estas duas características, pelo menos, a gramática de Bowen é mais avançada do que a de Crowther. Sua apreciação da importância dos padrões formais na descrição de uma língua é, provavelmente, responsável pelo sucesso moderado de sua gramática, e isso deve ser dito que este tipo de consciência era algo bastante incomum no campo dos estudos ioruba durante o seu tempo (AYANDELE, 1968, p. 14 tradução nossa).

A preocupação de Bowen com a interpretação da pregação missionária foi um dos

motivos para a sua investigação da língua Yorubá, posto que conceitos abstratos da teologia e

da filosofia careciam de melhor tratamento na língua africana. O esforço do missionário no

vocabulário e na gramática trouxe maior sensibilidade quanto à cultura dos centro-africanos

demonstrados nos seus relatos e descrições da vida e religiosidade africana na sua obra

Adventures for Central Africa de 18581. As ações de Bowen estão circunstanciadas no interior

1 O historiador norte-americano e “brasileiro” Robert W. Slenes, em conversa conosco no III Seminário de História do Mestrado em História da UEFS, 08 de julho de 2010, após palestra, Escravidão e Identidades: fontes

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dos movimentos missionários e suas relações com a expansão comercial norte-americana.

Pensar a evangelização atrelada ao binômio comércio-civilização, com investimentos a longo

prazo em educação podia ser visto indiretamente como instrumento de integração aos

interesses do mercado de consumo.

Ainda remetendo à notícia do Jornal Diário do Rio de Janeiro, de 1860, Bowen era visto como

um suspeito que se aproximava dos escravos ao quais buscavam notícias de sua terra e de seu

povo e estes podiam conversar em sua língua, lembranças perigosas para quem estava no

exílio e no cativeiro. Bowen era visto também como aquele que apostava na inteligência dos

escravos, chamados pelo Jornal de “inteligências broncas e incultas” risco de tê-los como

prosélitos seguidores dos “Anabatistas”. A memória que relampeja num instante podia

acender o fogo da liberdade, uma “centelha em restolho seco”2(OLIVEIRA, 2005).

A presença de missionários lendo a Bíblia para os centro-africanos escravizados seria uma

possibilidade de ampliar as metáforas e linguagem sobre a realidade, sobre a experiência

histórica do cativeiro, à semelhança das apropriações que os afro-americanos fizeram nos

EUA. A música dos “Negros Spirituals” evidenciou as formas e estratégias de resistências dos

afro-americanos inspirados nas metáforas bíblicas do Êxodo. O canto “Marcha Moisés” é um

exemplo: Go down Moses, way down in Egypt-s land / Tell old Pharahoh, let my people go."

Desça, Moisés, desça às terras do Egito / Diga ao velho faraó que deixe meu povo ir-se." As

apropriações que os afrobrasileiros fizeram do catolicismo na América Portuguesa, também

ilustram as ressignificações.

A indicação de expressões religiosas concorrentes, especialmente as “seitas

protestantes” era vista como suspeita pela Igreja e elites católicas. As contribuições de

Bourdieu (1974, p. 57-59) nos ajudam a pensar as estruturas do campo religioso, quando

analisa o papel monopolizador do sagrado pela Instituição detentora dos bens de salvação. No

século XIX no Império do Brasil, a Igreja Católica exerceu este patrulhamento às alternativas

religiosas, operando restrições junto ao aparato jurídico do Estado onde:

[...] tende a impedir de maneira mais ou menos rigorosa a entrada no mercado de novas empresas de salvação (como por exemplo, as seitas, e todas as formas de comunidade religiosa independente), bem como a busca individual de salvação (por exemplo, através do ascetismo, da contemplação e da orgia). [...] Por sua vez o

e possibilidades, indicou que os missionários que investigaram a língua dos povos africanos no século XIX, ao perceberem a complexidade delas inevitavelmente tendiam a mudar sua perspectiva antropológica. 2Expressão que se encontra numa frase escrita por Thomas Jefferson Bowen ( 1814 – 1875) “ Meus fracos esforços entre os milhões da África parecem como gota d’ água na areia do deserto. Possa o Senhor convertê-los como uma centelha em restolho seco”.

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profeta [ou o heresiarca] e sua seita, pela ambição que têm de satisfazer eles mesmos suas próprias necessidades religiosas sem mediação ou a intercessão da Igreja, estão em condições de constatar a própria existência da Igreja colocando em questão o monopólio dos instrumentos de salvação [...] (BOURDIEU, 1974, p. 60-61).

As análises de Karasch (2000, p. 355), anteriormente apresentadas, indicavam que

a dinâmica criativa dos centro-africanos, que aceitavam formar novos grupos religiosos, pela

apropriação de rituais, símbolos, crenças e mitos da religiosidade circundante, e apontavam

para uma crise no monopólio religioso católico na Capital Federal.

A proliferação das irmandades religiosas dos homens pardos e negros, seguindo

de perto a diversidade étnica, organizadas principalmente em torno dos santos negros,

cumpria a função de preencher os espaços criados pela discriminação e a de alimentar uma

religião em muitos sentidos particular. A idolatria das imagens, o fervor na devoção à Virgem,

as cerimônias fúnebres e as festas dedicadas aos seus santos demonstravam, na perspectiva de

Karasch, a conversão das flexíveis tradições religiosas da África Central em expressões

singulares. Os estudos dela indicam que a Umbanda, religião afro-brasileira contemporânea

tem nestas experiências religiosas dos centro-africanos em meados do século XIX sua matriz

originária mais antiga. Depois de 1835, revolta dos africanos islamizados, e depois 1850, ano

da proibição do tráfico negreiro, muitos libertos chegaram ao Rio de Janeiro, vindos da Bahia

principalmente, e estes iam aquecer ainda mais este campo religioso com o crescimento e

fortalecimento do Candomblé e dos mulçumanos praticantes.

Em seu relatório, Gobineau escreve que todos os africanos moslins eram minas, denominação que no Rio de Janeiro e outras regiões do sul do Brasil significava qualquer africano que não fosse banto ou qualquer um que tivesse embarcado entre a costa do Senegal e os Camarões. Ele também menciona que um bom número dos africanos muçulmanos de Salvador, ao se tornarem livres, regressavam à África, mas que outros preferiam emigrar para o Rio de Janeiro. Quarenta anos mais tarde, João do Rio confirmaria a informação de Gobineau: muitos dos moslins do Rio de Janeiro provinham da Bahia. É possível que quisessem não apenas ficar longe de seus antigos donos, mas também escapar de constrangimentos pessoais, da desconfiança e das perseguições que se seguiram às revoltas das primeiras quatro décadas do século XIX (SILVA A., 2004, p. 290).

É no contexto desta religiosidade que as tentativas de Bowen de aproximação com

os centro-africanos, aconteceram. Em sua carta de 19 de dezembro de 1860 ele informa: “[...]

A maior parte de negros é de mulçumanos e alguns são pagãos. Não encontrei um que

professasse o catolicismo, embora haja idolatria entre eles, curvando-se ante as imagens

papistas [...]” (OLIVEIRA, 2005, p. 116).

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A semelhança de CERTEAU (1982) a escrita da história passa pela fabricação de um objeto, a

organização do tempo, o trabalho de ocultação/deturpação do sentido, a encenação de um

relato. Trata do lugar da produção, como lugar que também influencia na trama narrativa.

Assim a escrita de uma História dos Batistas no interior da denominação se construiu a partir

de perspectivas hegemônicas dentro do grupo que não está interessado numa análise crítica e

abrangente. A “ideologia dos missionários estrangeiros”, pautada num olhar etnocêntrico e

triunfalista marcou a maioria das narrativas.

As informações que nos chegaram pelo Diário do Rio de Janeiro em meados do

século XIX, sobre a atuação de Bowen, somado às correspondências que mantivera com a

Junta de Missões Estrangeiras da SBC-EUA enquanto esteve no Brasil, nos permitiu

inicialmente algumas considerações. Em primeiro lugar o destaque ao pioneirismo de Thomas

Jefferson Bowen (1814 – 1875), quase sempre tratado na historiografia oficial Batista como

um homem doente, que não sabia qual devia ser seu trabalho, um lamentador equivocado nas

estratégias e que fracassou em sua tentativa de evangelização desestimulando assim o envio

de outros missionários. Crabtree (1937, p.7) relata:

Foi, porém, apenas um começo. A saúde dos missionários não melhorou e tinham de voltar à sua terra natal. A junta ficou plenamente convencida, pelo relatório dos missionários, de que os obstáculos eram tão grandes e tão pequena a esperança de vencê-los, que não se justificava qualquer esforço para manter o trabalho missionário na América do Sul.

A interpretação feita por outro missionário norte-americano, Doutor em Teologia

e Lente no “Seminário Theológico Baptista do Rio de Janeiro”, em sua História dos Batistas

no Brasil até 1906, publicado em 1937, não viu na atuação de T. J. Bowen nada que

representasse ousadia e coragem dentro de um contexto de profunda violência às populações

africanas. Este missionário, o qual pertencia a Junta de Richmond em Virgínia uma região

escravagista dos EUA, omitiu as cartas de Bowen para esta Junta, nas quais ficavam evidentes

suas fortes pretensões de permanecer no Brasil e lutar pela evangelização dos brasileiros.

[...] Penso estar, agora, no último cenário do trabalho. Estou impressionado com a convicção de que findarei o meu curso entre os católicos, os idólatras e negros mulçumanos da América do Sul. Se eu viver mais 20 anos, espero ser sepultado no Brasil ou em algum país vizinho (BOWEN, 1860 apud. OLIVEIRA, 2005, p. 114).

Em outra referência na História dos Batistas no Brasil sobre Bowen, feita por

outro missionário norte-americano em Recife, Pernambuco, A. E. Hayes, que foi diretor e

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professor de História no STBNB e também, fundador do IBBNE na sua sede inicial em

Triunfo, Pernambuco, afirma:

O Missionário Bowen teve de voltar logo aos E.U.A. por motivos de saúde já abalada na doentia África, onde este varão de Deus estabeleceu a florescente missão Batista na Nigéria. Regressando à sua pátria em 1861, o missionário apresentou um péssimo relatório a respeito das possibilidades da extensão do Reino de Deus no Brasil como prova a sua correspondência archivada em Richmond. “Eis como a falta de saúde pode prejudicar até o bom juízo de um servo de Deus (VEDER, 1934, p. 472).

O historiador oficial dos Batistas na segunda metade do século XX, Pereira (1985)

construiu uma interpretação factual e sem relações críticas sobre um contexto mais amplo do

momento histórico e das relações entre as motivações missionárias e a questão do conflito

Norte/Sul nos Estados Unidos em torno da escravidão. Este conflito foi determinante para que

se originasse em 1845 a SBC, responsável pelo envio e sustento dos missionários. Reis

Pereira foi editor de O Jornal Batista, órgão da Convenção Batista Brasileira (CBB) de

circulação nacional, um dos responsáveis em perpetuar a ideologia dos missionários norte-

americanos sobre as origens dos Batistas no Brasil. Sua descrição de Bowen corrobora as

interpretações dos missionários da primeira metade do século XX.

Não foi bem sucedido em sua missão, em grande parte por causa de sua saúde debilitada e também porque parece que não tinha idéia muito nítida de qual deveria ser seu trabalho. Conhecedor de uma língua africana, começou a falar com os escravos que encontrava e com isso despertou suspeitas. [...] Nas cartas dirigidas à Junta, ele se queixava de problemas de saúde, bem como do clima da cidade, da febre amarela e do alto custo de vida. Finalmente, agravando-se sua situação, regressou à pátria. “O que disse a respeito do Brasil foi desanimador” (PEREIRA, 1985, p.10).

Na Mensagem Oficial em comemoração ao centenário dos Batistas, realizada em

15 de outubro de 1982, em Salvador, o missionário norte-americano Pr. Davi Mein, Reitor do

STBNB, em Recife, fez um breve relato pontuando aos feitos Batistas, especialmente a

liderança dos missionários sulistas americanos. Não fez nenhuma menção a Bowen, seja

como pioneiro do trabalho Batista no Brasil e muito menos sobre as razões que trouxeram os

colonos norte-americanos.

Em segundo lugar quem discute o silêncio sobre Bowen reflete também as

dificuldades em aceitar as estratégias dele junto aos africanos escravizados. Não era de se

estranhar que estes missionários sulistas tivessem resistências em narrar a inserção dos

Batistas no Brasil, dada suas origens ligadas à experiência de escravidão e segregação em seu

País, seja no tratamento dado a presença de Bowen entre os escravos, seja no pouco destaque

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e pesquisa dada a vida dos colonos norte-americanos que fugiram dos EUA por conta das

perdas na Guerra Civil em 1865, principalmente com o fim da escravidão, dando origem aqui

no Brasil as duas primeiras Igrejas Batistas na Colônia de Santa Bárbara do Oeste (1871).

Em terceiro lugar, uma possível manifestação “inconvenientíssima” da seita dos

anabatistas entre escravos e no Império do Brasil, onde a Igreja Católica era

constitucionalmente a religião oficial, trouxe certo desconforto e lampejo de perigo, uma vez

que as memórias e representações em torno dos anabatistas eram de uma associação

voluntária de pessoas de fé perigosa à ordem estabelecida, pois traziam no bojo de suas

propostas sócio-religiosas a liberdade religiosa, autonomia das congregações locais, o

fortalecimento da idéia de sacerdócio universal de todos os crentes, o batismo apenas de

adultos, uma intensa vida comunitária e uma espiritualidade milenarista. A História dos

anabatistas diz-nos dos que viveram na clandestinidade, nas periferias, banidos tanto em

territórios católicos como em territórios protestantes na Europa Ocidental nos quinhentos e

nos seiscentos. Alguns grupos anabatistas eram pacifistas, se recusando ao alistamento militar

e outros beligerantes, que motivados por uma perspectiva apocalíptica, promoveram rebeliões,

conjugada com outros fatores estruturais e conjunturais em situação de crise.

A composição social dos grupos dos anabatistas era em grande parte oriunda das

camadas mais baixas, onde se encontravam os artesãos, camponeses, lenhadores, e servos.

Populações marcadas pela exclusão e pelos pesados tributos, impostos impingidos pela

aristocracia além de outros estigmas sócio-culturais, como hereges, inimigos do Estado e da

Igreja e desordeiros. O Reformador Martinho Lutero chamava-os de revoltosos, inimigos da

ordem. Ulrich Zwinglio, reformador em Zurique na Suíça e contemporâneo de Lutero,

também foi duro contra os anabatistas que não se submeteram às decisões do Conselho da

Cidade, especialmente a postura antipedobatista (DREHER, 2009).

Discutindo as origens dos Batistas em suas diversas correntes interpretativas, a

Antipedobatista, Sucessão Apostólica e Separatista, Silva (1998) concluiu que a recusa de

vinculação histórica dos Batistas aos Anabatistas, passa pela recusa de aceitar a memória

histórica perigosa, que vem com as narrativas sobre os anabatistas.

Concluindo a questão das origens batistas, pode-se afirmar que são provenientes do contexto da Reforma Protestante e que é impossível falar em batistas do século XVII sem vinculá-los a anabatistas do século XVI. Acreditamos que a tentativa de afirmar a total desvinculação entre os dois grupos é de certa forma, uma defesa ou recusa em admitir, na gênese batista, a comunidade de Münster, formada por camponeses revolucionários anabatistas que queriam instalar o Reino de Deus na

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terra, não só através do coração dos homens, mas também pelo fio da espada (SILVA E. 1998, p. 28-29).

Este tema também foi objeto das preocupações teóricas de Engels, explicitadas no

seu livro As Guerras Camponesas na Alemanha ( ENGELS, 1977). Nestas análises Engels

destacou o caráter proto-revolucionário destes movimentos religiosos, em resposta as

contradições presentes na infra-estrutura daquela sociedade.

O próprio nome Batista é um “apelido” que não fora tranquilamente aceito pelos

membros das comunidades em meados dos seiscentos, na tentativa de não se associarem aos

anabatistas radicais (ANDERSON, 1978, p. 31). Isto ocorria por conta das revoltas

camponesas, e dos movimentos milenaristas como a tomada da cidade de Münster por um

grupo de anabatista liderado por um ex-cônego e clérigo luterano Bernard Rothmann em 1532

na região da Alemanha. Neste acontecimento houve uma tentativa do estabelecimento de uma

teocracia, frustrada pelo cerco feito pelo bispo da região e uma tropa apoiada inclusive pelos

anabatistas descontentes. Era esta fama perigosa dos Anabatistas que o Diário do Rio de

Janeiro relacionava ao missionário estrangeiro entre os escravos.

O campo religioso do Rio de Janeiro, nas correspondências de Bowen, traduzia

um pouco o dilema dos missionários no exercício de suas atividades, consideradas como

suspeita e sujeita a um código penal da época, de punições e restrições a quem fizesse

prosélitos ou pregações públicas que não fosse da fé católica:

[...] O irmão ficará surpreso ao saber que, depois de tudo que temos ouvido, as leis brasileiras denunciam a pregação como um crime contra a religião. Isto é um fato. Estrangeiros podem reunir-se como quiserem; somente não lhes é permitido construir suas casas de reunião em forma de um templo. Porem se algum missionário pregar a uma congregação de brasileiros, a pena é a dispersão pelo Juiz de Paz e ainda se paga uma multa de um dólar por pessoa reunida e seis dólares por ofensa. A opinião pública é sempre mais tolerante do que a lei (BOWEN apud OLIVEIRA, 2005, p. 121-122).

A preocupação do Diário do Rio de Janeiro, 1860, em relação às atividades de

Bowen, traduzia o medo que as classes senhoriais e dominantes tinham de possíveis

sublevações, a exemplo da rebelião dos escravos de Demerara, uma das colônias Britânicas na

Guiana, em 1823, onde de 10 a 12 mil escravos se sublevaram em nome de seus “direitos”. A

influência de missionários evangélicos, especialmente John Smith, que fora acusado de ter

instigado a rebelião, ilustra este temor, como bem se pode notar na meticulosa pesquisa da

professora Emília Viotti da Costa em “Coroas de Glória Lágrimas de Sangue” (1998, p. 13):

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A rebelião começou na fazenda Success, que pertencia a John Gladstone (pai do futuro primeiro-ministro britânico), e se espalhou por cerca de sessenta fazendas que ocupavam uma faixa de terra intensivamente cultivada conhecida como Costa Leste, que se estendia ao longo do mar por uns quarenta quilômetros, a leste da foz do rio Demerara. Os rebeldes foram rápida e brutalmente reprimidos. Mais de duzentos foram mortos de uma só vez. Muitos foram levados a julgamento e outros tantos morreram na forca – acompanhados de toda a pompa que a colônia podia reunir. John Smith, um missionário evangélico que partira da Grã Bretanha para Demerara em 1817 para pregar aos escravos, foi acusado de ser o instigador da rebelião. Smith foi julgado por uma corte marcial e condenado à morte.

Costa (1998) analisou a atuação do missionário metodista inglês John Smith, de

origem das classes operárias, ligado a uma herança revolucionária fruto dos movimentos

religiosos dissidentes da Igreja Anglicana, bem como um ideário abolicionista próprio do

metodismo da Inglaterra. Este missionário serviu como um mediador, articulando uma

linguagem carregada de metáforas religiosas, fértil de esperança frente às demandas por vida

e liberdade dos africanos escravizados.

A atuação de batistas entre africanos escravizados na América do Sul não era

novidade no século XIX. O Dr. Hayes, no seu apêndice à Breve História dos Batistas de

Vedder (1934, p. 473) informa que a Primeira Igreja Batista na América do Sul é a dos Chins,

organizada em 1861 por escravos na Guyana Inglesa. Sobre a atuação de Bowen entre

africanos escravizados, no dia 29 de maio 1860, três dias após a primeira notícia, o Diário do

Rio de Janeiro voltou ao assunto informando:

O padre americano Bowen pede-nos uma retificação à notícia que demos de que vinha pregar e converter entre nós para a seita dos anabatistas. Diz-nos este pastor que fala, é verdade, a língua dos pretos-minas, porque sendo natural do Estado da Geórgia, onde há escravatura, tem tido mais de uma ocasião de comunicar com estes pretos. Foi devido a esse conhecimento que alguns o têm procurado para receber notícias de seu país. A missão que tem no Brasil é empregar na lavoura alguns escravos que possui na Geórgia, e não converter almas ou fundar uma seita. Estimamos de que o digno pastor fala pela sua consciência, com o qual esperamos que vai ser solidário o seu procedimento futuro (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 1980 apud. OLIVEIRA, 2005, 115)

O Diário, como porta voz das elites, tentou acomodar o caso Bowen construindo

para ele um perfil de senhor de escravos e com interesses estritos na lavoura. A expressão

“com o qual esperamos que vai ser solidário o seu procedimento futuro” reitera o medo do

fantasma inconveniente. Segundo Oliveira (2005, p. 115), esta conversa foi mediada por um

intérprete, que cometera alguns equívocos. “[...] Bowen não possuía escravos em parte

alguma, nem propriedades, nem era padre e nem anabatista [...]” (OLIVEIRA, 2005, p. 115).

Estas observações revelam também, as dificuldades desta memorialista em perceber as

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ligações entre batistas e anabatistas e os perigos revolucionários embutidas nesta associação.

Os ascendentes de Bowen, por exemplo, foram Quacres, seita religiosa inglesa que

apregoavam igualdade e liberdade para todos os homens, e que eram abolicionistas na

Inglaterra.

Depois de interrogado pela polícia e com a mediação de um oficial da Marinha

norte-americana que se encontrava no Rio de Janeiro, após seis horas, foi liberado. Falta uma

investigação das repercussões do caso, embora Oliveira (2004, p. 116) nas suas buscas não

tenha encontrado nenhum documento ou indícios que apontasse para algo mais além, que o

tornou fato diplomático. Pereira (1985, p. 10) nos informa que um dos biógrafos de Bowen,

Roberson (1969, p. 67), escreveu que “uma tradição guardada pela família Bowen diz que ele

chegou a ser preso em virtude dessas atividades”. Na missiva de 10 de junho de 1860, que

Bowen enviou a FMB, junta de missões estrangeira, ele fez a seguinte referência:

Conversei (não preguei) uma ou duas vezes, por cinco minutos, com os negros Ioruba, sobre o evangelho. Por isso um dos diários, “Diário do Rio de Janeiro”, atacou-me vigorosamente... [...] Temos razão para ser prudentes, porém, não para ser negligentes. [...] Ficarei aqui ou adiante? Comprarei ou alugarei uma casa? Pregarei aos marinheiros e venderei Bíblias? ( ROBERSON, 1969, p.67)

Voltando a este assunto numa carta datada de 19 de dezembro de 1860 (Oliveira

2005, p. 116), Bowen transcreveu uma conversa que teve no escritório do Sr. Wright, norte-

americano, homem de negócios, um dos sócios da Maxwel & Wright que residia no Brasil na

época:

O povo falou de mim e disse mentiras [...]. Há indubitavelmente quem gostaria de enforcar-me se o pudesse. Penso que ninguém acreditaria ser eu um abolicionista. Porém, o resultado de tudo é que muito pouco posso fazer entre os negros; e eu nem deveria ficar de todo surpreendido se eu tivesse problemas pelo fato de falar-lhes. Devo ser prudente tanto quanto posso, porém não devo ter medo de dizer a esta pobre gente como se pode ser salvo. Essa gente é negligenciada pelos sacerdotes. A maior parte de negros é de mulçumanos e alguns são de pagãos. Não encontrei um que professasse o catolicismo, embora haja idolatria entre eles, curvando-se a antigas imagens papistas. [...] Creio que muita coisa boa poderá ser feita aqui, porém, o trabalho será lento. Ainda não se tentou fazer um trabalho entre os brasileiros. Os missionários estão temerosos de iniciá-lo para que não haja distúrbio prematuro.

Esta conversa com um compatriota do ramo dos negócios já indicava as ligações

entre religião e comércio, algo que Bowen acreditava, nas suas atividades missionárias na

África Central (1849–1856), ser importante para o desenvolvimento das capacidades inatas

dos africanos, unindo cristianismo e civilização.

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No início de 1850, Bowen e seu partido ancoraram em Monróvia, capital da colônia de Libéria, que tinha sido fundada em 1820, pela Sociedade da Colonização Americana. Esta organização foi formada nos Estados Unidos em 1816 com a finalidade de incentivar os negros americanos a emigrar para a África, onde, esperava-se que se tornariam agentes para a difusão do cristianismo e "Civilização" no continente (AYANDELE, 1968, p. 13, tradução nossa).

Com a proibição do tráfico negreiro em 1850, muitos missionários seguiram para

o continente África e forneceram aos europeus e norte-americanos informações

importantíssimas que serviram nas estratégias de colonização, segundo Barbosa (2007, p. 06)

“Foi uma época em que os missionários e expedicionários tiveram papel fundamental na

sujeição e no recolhimento de informações sobre o interior do continente”. Isto facilitava a

busca de mão de obra barata, novos territórios e matérias-primas para o desenvolvimento das

indústrias dos europeus e norte-americanos. O discurso evangelização, comércio e

colonização justificava-se neste cenário, que Bowen direta ou indiretamente se associava.

Segundo o historiador africano Ayandele (1968, p. 15, tradução nossa).

[Na África] Bowen foi atraído para terra dos Iorubá. A seus olhos, era uma terra de rara beleza. "Um país lindo mais que qualquer outro a ser encontrado no globo", comentou. [É] "um país muito agradável", que "abunda em todas as coisas boas da vida3". Ele permanecia convencido de que os iorubás tinham uma civilização de algum mérito e as virtudes e os vícios, também era característica dos brancos. Suas concepções éticas impressionaram tanto este pioneiro do trabalho batista na Nigéria, que ele era capaz de olhar para os costumes e as instituições do iorubá, com uma objetividade que antecipou da dos antropólogos sociais e africanistas.

Bowen advertiu que ninguém suspeitava dele como abolicionista, posição que não

fez questão de evidenciar haja vista que na África Central, Nigéria, lutou contra a captura de

africanos praticada nos conflitos étnicos. Mais adiante descreveu seu objetivo na

evangelização da “pobre gente”, “negligenciada pelos sacerdotes” no caso católico, apontando

para desassistência pastoral aos africanos. Esta ausência de clérigos junto às populações foi

uma das razões sempre apontada na historiografia protestante como oportunidade para

inserção dos pregadores protestantes (LEONARD, 1963) (MENDONÇA, 1985). Mesmo

vendo dificuldades na evangelização dos “negros” ele não abriu mão de continuar pensando

estratégias. A expressão “não devo ter medo de dizer a esta pobre gente como se pode ser

salvo”, faz parte das representações do projeto de salvação que o protestantismo pietista

missionário articulava no século XIX, no qual a conversão dos indivíduos é o começo da

redenção de um povo.

3 Bowen’s Papers. Bowen para Taylor, 1 de outubro de 1850

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Bowen nasceu em 02 de janeiro 1814 na Geórgia, EUA. Foi casado com Lurenna

Henrietta Davis, teve 03 filhas, uma dela se chamava Mary Yorubá nascida em 1854 na terra

dos Yorubá, África, vindo a falecer três meses depois. As outras se chamavam Lurenna (1858

– 1902) e Mary Gant (1866 – 1943). Ele faleceu em 24 de novembro de 1875 e sua esposa

Lurenna Davis nasceu em 1832 e morreu em 22 de agosto de 1907. Segundo Souza A. (2002),

Bowen concluiu seu Mestrado em Artes na Universidade de Mercer e tinha conhecimentos

médicos, provavelmente estudou um pouco de medicina. Na sua passagem pela África

elaborou além do livro Central África, uma Gramática e um Dicionário da Língua Yorubá,

citado no Brasil pelo antropólogo Arthur Ramos (RAMOS, 1961, p. 410), Nina Rodrigues

(RODRIGUES, 1932) e mais recentemente pelo historiador João José Reis (REIS, 2008).

Figura 01: Reverend Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) e Lurenna Henrietta (Davis) Bowen (1832-1907). Foto de 31 de maio de 1853 por Wedding Picture.

Antes de sua experiência africana, Bowen era um sulista estadunidense, envolvido

nos conflitos de terras contra os indígenas (SOUZA A., 2002, p.29). Era possuidor de uma

perspectiva negativa em relação à cultura e aos povos africanos, herança de uma política do

uso compulsório da mão-de-obra africana, na qual, práticas e representações religiosas

buscavam justificar a inferioridade dos africanos, como anotam Silva E. (2003) e Reily

(1986).

O fundamentalismo das denominações protestantes dos EUA se transformou em terreno fértil para justificativas da escravidão, que buscavam embasamento doutrinário para apaziguar a consciência dos escravocratas do sul. Citando a história de Noé, identificavam a maldição de Cam, por ter surpreendido o patriarca nu e embriagado, como a maldição dos negros. (SILVA, 2003, p. 11)

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A considerar que os discursos teológicos são representações e, que “as

representações circulam em torno de persistências, tais como: as instituições, os símbolos e os

arquétipos e interpretam a vivência e a prática” (LEFEBVRE, 1983, p.28) assim, as tais

elaborações teológicas não são desinteressadas ou apolíticas antes estão situadas num campo

de tensões e interesses.

[...] Os Teólogos racistas acrescentaram que os negros descendem de Cam e, portanto estão condenados à servidão e à escravidão permanentes. Juan Bautista Casas, sacerdote espanhol alegava em 1869 que a raça negra sofre da maldição narrada no Pentateuco e que a sua inferioridade se perpetuava através de séculos (REILY, 1986, p.38).

Enquanto no Norte dos EUA, com o desenvolvimento das pequenas lavouras,

aliadas ao comércio e mercado interno, bem como a navegação e o desenvolvimento

industrial, abriu-se caminho para outra relação de força de trabalho, no Sul se mantinha cada

vez mais o modelo de Plantation. Enquanto no Norte em alguns setores da sociedade os

avivamentos religiosos e as reformas sociais operavam afinidades eletivas condenando o

escravismo, exigindo uma santidade social, o Sul caminhava em direção contraria como

descreve Reily (1993, p. 37-38):

No Sul, o complô de Denmark Vessey (Charlestone, Carolina do Sul, 1822) e a revolta de Nat Turner (Virgínia, 1831) convenceram muitos sulistas de que a alfabetização de negros era perigosa. Controle e repressão aumentaram. A esta situação, a igreja respondeu principalmente de três maneiras: 1) Desenvolveu a teoria, baseada na filosofia de Aristóteles (contra a de John Locke) e também na Bíblia ( na qual não se encontra nenhuma clara proibição da escravidão), de que a escravidão é boa e não má. Iniciou-se agressiva missão entre os escravos nas fazendas sulistas, missão de evangelização e catequese oral, sem qualquer perspectiva de emancipá-los. O maior expoente dessas missões foi William Capers (1790 – 1855), posteriormente bispo da Igreja Metodista Episcopal, sul. 3) A terceira parte da resposta foi o desenvolvimento da Doutrina da Igreja Espiritual, que teve em J.H. Thornwell seu maior expoente. Conforme esta doutrina, a Bíblia, considerada como a própria Constituição da Igreja, pelo princípio “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, já estabelece os parâmetros da atuação da Igreja. A esta concernem os assuntos “espirituais”, como a conversão e a conduta moral. Questões como jurisprudência, política pertencem a César. Thornwell afirmou “que as escrituras não apenas deixam de condenar a escravidão, mas claramente sancionam tanto quanto qualquer outra condição social do homem”.

A exemplo de outras denominações protestantes norte-americanas, os Batistas

também se dividiram por causa da escravidão: Assim as juntas missionárias, tanto a nacional

como a estrangeira, recusaram-se a aceitar donos de escravos como missionários. Nasceu

assim em Augusta na Geórgia, a 8 de maio de 1845, a Convenção Batista do sul. Reily (1993,

p.128) e Oliveira, (2005, p. 109) sugere “ que provavelmente, Bowen, devia ter assistido aos

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trabalhos da Primeira Convenção dos Batistas do Sul.” Todas as denominações protestantes

nos EUA se dividiram por causa da escravidão: os metodistas em 1844, os presbiterianos em

1861 e os episcopais temporariamente (apenas durante a Guerra da Secessão, de 1861 a

1865). Assinala Reily (1993, p. 38):

Sendo densamente “sulista’ o grosso dos missionários enviados para o Brasil, o impacto seria naturalmente a ênfase na conversão individual, na vida de oração e devoção, e na ética pessoal impecável. Ficava faltando, pois, a tradução dessa vida cristã em luta pela justiça e liberdade de todos.

Não há registros nos EUA, de que Bowen tivesse se colocado contra tal herança

cultural em sua região neste período anterior a sua experiência na África. Em conflitos ele

atuou como cabo contra os indígenas cm um grupo de soldados voluntários. Na Guerra Civil,

que explodiu assim que ele retornou do Brasil (1861), nada podemos afirmar. Sabemos que

ele voltou aos EUA debilitado, sobre sua atuação ou não na guerra existe um silêncio

(SOUZA A., 2002).

1.1 MISSÕES AFRICANAS: A PROPOSTA PIONEIRA DE EVANGELIZAÇÃO DE

THOMAS JEFFERSON BOWEN.

Bowen converteu-se às doutrinas batistas em 1840, com 26 anos de idade, foi

batizado no mesmo ano pelo Pr. John Raspberry. Logo após a conversão mostrou-se um

fervoroso pregador, sendo ordenado pastor em 1841, onde passou a visitar várias

congregações e igrejas existentes no Alabama, Flórida e Geórgia. Durante sete anos, ora

servia como professor ora como missionário. Apresentou-se à Junta de Missões Estrangeiras,

com desejo de missionar na África, no ano de 1848. Em 22 de fevereiro de 1849 ele foi

nomeado primeiro missionário enviado para África pela FMB/SBC. Foi um homem dedicado

aos estudos e envolvido com a educação, seu desejo missionário e projeto de vida passava

pelo binômio, evangelização e civilização, típico dos missionários anglo-saxônicos.

Como analisado anteriormente a experiência missionária na África Central, para

Bowen e suas investigações das culturas centro-africanas trouxe nova sensibilidade. Diferente

da intolerância cultural e religiosa de seus pares missionários, Bowen desenvolveu um

profundo respeito às práticas religiosas e aos costumes, a exemplo de seus estudos sobre a

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religião dos Iorubás e a tolerância à poligamia. Embora não possamos perder de vista que este

olhar relativizado tivesse seus limites. O cristianismo continuava a ser religião superior, e a

investigação de outras religiões não se constituía no reconhecimento da alteridade religiosa,

mas numa estratégia que melhor instrumentalizasse as práticas de evangelização. Dentro

deste projeto de evangelização, Bowen entendia que os africanos deveriam encontrar seu

próprio caminho de civilização, e que os missionários, dizia ele, precisam estar atentos ao

contexto. Souza A. (2002, p. 30), assinala que Bowen:

[...] não só conhecia a agricultura e as possibilidades climáticas da África, ele também tem de conhecer as diferentes tribos, culturas e línguas. Ele tinha uma boa percepção das línguas quando chegou. Ele podia dizer como cada idioma estava relacionado com os outros com grande precisão. Ele sempre deu informações sobre todos os grupos étnicos com os quais ele fez contato. Ele queria mostrar as possibilidades de trabalho missionário entre estas pessoas e mostrar que eles são perfeitamente capazes de entender a boa notícia do evangelho ou ser civilizado.

Conforme Davis (1978 apud SOUZA A. 2002, p. 30): “Em observando

atentamente diversos aspectos da cultura Yorubá, em seu livro, Bowen tentou corrigir as

idéias erradas e distorcidas que a maioria das pessoas detinha em relação à África”. Várias

vezes em seu livro África Central, ele fez comparações entre africanos e caucasianos, sejam

europeus ou norte-americanos, tentando mostrar que as diferenças e o exótico existiam em

todos os povos.

Falando da religião dos Yorubás, ele atentou para semelhanças com a tradição

judeu-cristã, citando como exemplos valores de defesa da vida, a idéia de um só Deus, que

mesmo existindo mediadores este fenômeno pode achar correspondência no catolicismo. Em

suas palavras: “[...] seu fetichismo é precisamente o mesmo sistema da superstição que

conduz mulçumanos e muitos católicos e protestantes, que empregam encantos e amuletos

como meio para evitar o mal” (BOWEN, 1858, p.125). Estas análises e descrições de Bowen

dialogaram com a comunidade caucasiana sulista, que se recusava a ver algo de bom e

potencial nos povos africanos. Aos sulistas mais racistas, era comum a busca do elemento

exótico nos africanos, movidos pela tentativa de vê-los mais próximos aos beduínos,

chimpanzés etc.

No conflito entre Abbeokuta e Daomé, pelo comércio de escravos, Bowen se

colocou contra o comércio de escravos naquele momento, lutando contra os traficantes de

escravos naquela região, e até mesmo participando diretamente da guerra (SOUZA A., 2002,

p. 33). Se um momento de crise revela a situação em que as atitudes e compromissos se

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mostram, nesta situação Bowen tomou decisões incomuns para um missionário sulista,

enquanto os outros preferiam de longe observar pelo binóculo, o desenrolar do conflito. Estas

experiências aprofundaram ainda mais a sua percepção de que África e os africanos também

eram espaços da manifestação do Reino de Deus e de que o cristianismo e a escravidão

pareciam contraditórios. Embora Bowen tenha afirmado em um dos seus escritos que a

escravidão foi providencial4, pois apesar da crueldade, aos africanos foi dada a oportunidade

de civilizar-se, para em seguida liderar esta civilização na África.

Como tratamos anteriormente, o contexto pós 1850 ampliava ainda mais os

interesses europeus e norte-americanos na África. Bowen era a favor do retorno de afro-

americanos para reconstruir na África uma República livre e civilizada, segundo seu projeto

de missão e civilização. Os seus escritos nos deram elementos sobre isso: “Não é sábio, no

entanto, cometer um erro muito comum de supor que o nosso tipo de civilização é exemplar

para toda terra. Não é a melhor forma, nem está adaptada para toda a África” (BOWEN, 1858,

p.340). A proposta de evangelização e desenvolvimento de Bowen na África, não encontrou

muito eco entre seus pares, os quais se mantiveram mais numa postura intolerante e racista,

entendendo que, mesmo sem articularem criticamente isto, que o evangelho-cultura, neste

caso a dos missionários, não devia ser problematizado. A idéia da escola do professor Bowen

era treinar afro-americanos e africanos na direção da autoctonia, desenvolvimento local da

missão com os próprios africanos. Segundo Roberson (1969 apud SOUZA A., 2002, p. 35) a

visão de escola de Bowen teria os seguintes elementos:

1) Instruir os africanos e os imigrantes afro-americanos na leitura, escrita, aritmética, gramática, geografia, história, funções e prática da Bíblia; 2) A Missão Yorubás funcionaria com um Conselho de Curadores; 3) Afro-americanos de 15 a 20 anos, piedosos , vivendo a simplicidade e o desapego; 4) Um orçamento de $500 dólares anuais para 10 estudantes sugerirem os custos; 5) Os estudantes devem está sob a supervisão de um missionário em seus trabalhos; 6) Deve-se viver com simplicidade sem beirar a degradação.

A concepção de igualitarismo cristão foi articulada com a idéia embrionária no

século XIX, de que os povos africanos, ameríndios, australianos estavam em diferentes

estágios na história da humanidade, vista numa perspectiva linear. A educação seria um

instrumento de queimar etapas no processo civilizatório. O comércio, a educação e a

evangelização ajudariam os africanos a ascenderem nestas etapas. Este argumento justifica o

novo colonialismo e seus agentes.

4 A exemplo do Padre Antonio Vieira na Bahia, o qual considerou a escravidão um mal necessário para os

africanos.

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Bowen enfrentou oposição tanto nos EUA, entre os membros da administração da

FMB, quanto entre seus pares na África. Ele pertencia à ala dos anti-junta (OLIVEIRA, 2005,

p. 111), os quais defendiam que as igrejas e associações de igrejas e não a Junta de Missões

deveriam estar diretamente ligadas aos missionários na nomeação, no sustento e no

acompanhamento da missão. Segundo estes, isso daria maior vitalidade e liberdade na missão.

As estratégias missionárias de Bowen nem sempre foram bem recebidas na FMB, existia uma

resitência por parte de integrantes da Administração. A escolha e insistência dele com os

africanos, especialmente seu envolvimento político e seu projeto de desenvolvimento, ia de

encontro às posturas de igrejas e lideranças da SBC, que preferiam ver os africanos sempre

analfabetos e deixados à margem para não se ter problemas com obediência na servidão. Em

1856 Bowen e sua família regressaram aos EUA, na esperança de se tratarem e retornarem em

seguida, o que não aconteceu. Deixaram seus projetos inacabados, mas iniciados em três

estações.

Bowen apresentou-se então, em 1859 (OLIVEIRA, 2005, p. 111) na FMB, para

serem transferidos, ele e sua família, para o Brasil. Sua vinda ao Brasil devia ser vista nesta

perspectiva de indiretamente cuidar da África com seu sonho de desenvolvimento pela

evangelização. Na carta enviada à Junta em 11 de janeiro de 1859 ele escreveu:

Minha mais forte razão para trabalhar no Brasil é a esperança de preparar pregadores de cor negra. Experimentei encontrar aqui mesmo o meio pelo qual isto poderia ser feito, porém não consegui. E não me sinto responsável por esse insucesso. [...] Deus sabe, e desejo sempre lembrar, que eu tenho feito tudo que posso para promover as missões africanas. O meu oferecimento é permanente para qualquer um que me deseje usar na educação de pregadores negros. Se minha oferta for rejeitada, eu me sentirei desobrigado. Porém, o fato de desobrigar-me não promove o trabalho da causa. Espero que de algum modo ele seja feito (OLIVEIRA, 2005, p. 111).

Nomeados, a família Bowen chegou ao Rio de Janeiro em 25 de maio de 1860,

ficando hospedados num quarto de hotel, depois de recebidos pelo Sr. Wright., logo de início

buscou Bowen fazer contato com os centro-africanos. Em uma de suas cartas ele informou:

“Há milhares de pessoas Yorubás aqui. Parece um enxame de abelhas em torno de mim e

parecem felizes por que passei a ensinar-lhes” (BOWEN apud SOUZA A. 2002, p. 44).

Contudo estes Yorubás estavam interessados em notícias de sua gente, seus familiares, suas

etnias. Promover as missões africanas foi prioritário para ele. Partilhar informações da África

com o Evangelho foi inicialmente uma estratégia eficaz, pois trazia felicidade para os cativos.

O seu oferecimento é permanente para qualquer um que deseje usá-lo “na educação de

pregadores negros”. Este trecho expõe que Bowen entendia a força dos leigos africanos, do

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pregador autóctone, como instrumento de esperança para o desenvolvimento da África, tão

logo voltassem a sua terra. Como apresentamos anteriormente, as restrições iniciais, somados

aos problemas de saúde desanimaram o casal, mas o que revelavam as cartas era um esforço

enorme de continuarem no Brasil, vencendo as dificuldades que pareciam intransponíveis.

Quando consultamos a lei e sentimos o peso da opinião pública, o aspecto parece ser obscuro, porém, não estou convencido de que tenha vindo aqui em vão. Quantas vezes o evangelho tem encontrado maiores dificuldades do que estas e as tem conquistado! Cristo está conosco. Quando os corações dos homens forem tocados pelo poder do Espírito Santo, eles seguirão o Salvador, mesmo em meio às chamas. A intolerância da opinião pública e as penas da lei, somente incrementarão sua firmeza e zelo. Se a terra nos intimidar, o céu nos será favorável. Quando os nossos adversários forem tão fortes contra nós, apelaremos para o todo poderoso e, com a sua benção, o seu trabalho prosseguirá, mesmo se tivermos que pregar às escondidas, em secreto, e administrar o batismo na calada da noite. (10.10.1860)

(OLIVEIRA. 2005, p. 122)

O que se configurava era que as condições de apoio da Junta americana, bem

como a demora nas respostas, o que tornou inviável a permanência deles e, conjugado com

outros fatores, minaram as resistências do missionário. Bowen parecia buscar estratégias de

evangelização no Brasil e ainda parcerias com outras agências. Sugeriu a FMB contatos para

um trabalho como colportor de Bíblias, vendedor de literatura, na Sociedade Bíblica

Americana ou pela Sociedade dos Amigos dos Marinheiros de Nova York. Sem recursos

financeiros com o atraso nas correspondências e a situação ainda indefinida quanto aos planos

da Junta americana, Bowen e sua família sentiram-se cada vez mais solitários e

desestimulados, num quarto de um hotel no Rio de Janeiro. Numa longa missiva datada de 10

de outubro de 1860, apresentou um plano de ação, assim descrito:

1. Ter um suprimento de Bíblias e livros; 2. Alugar um espaço amplo para servir de depósito de reuniões para 40 pessoas; 3. Fazer serviço de colportagem e conversas pessoais; 4. Ter uma Escola Dominical, Classe bíblica e reuniões de orações no depósito; 5. Visitar famílias; 6. Fazer incursões mensais na região; 7. Ter uma escola que poderia ser dirigida por minha esposa, com minha ajuda quando disponível ensinando uma ou duas classes; 8. Escrever tratados adaptados ao país e ao povo, focalizando as doutrinas principais e princípios do cristianismo (OLIVEIRA. 2005, p. 123-124)

Os planos descritos por Bowen nesta missiva não foram executados, porém

somente mais tarde outros missionários, com algumas variações levaram a termo. No entanto,

diferente do que se construiu de sua memória, Bowen teve detalhado suas estratégias e busca

de alternativas. Nesta missiva ele informou sobre a atuação de sua companheira. A Srª

Lurenna Henrietta Davis (1832 – 1907), mãe de três filhas, era uma mulher atuante ao seu

lado na África, e no Brasil. É dela a decisão de conduzir o marido de volta aos EUA por conta

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da saúde debilitada. A participação das mulheres nestas missões sempre era associada à

educação, apoio no ensino infantil e organização das mulheres dentro da comunidade. Os

homens quase sempre ficavam responsáveis pela atuação pública, na pregação e na definição

das ações.

Os estudos sobre mulheres missionárias no século XIX (HILSDORF, 2002)

(ALMEIDA, 2007) têm apontado para o protagonismo destas mulheres na criação de

colégios, sociedades voluntárias, apoio aos necessitados no campo da proteção à infância, às

mulheres prostituidas e no cuidado da saúde. Porém, mesmo diante de tais protagonismos, as

restrições a conquista de espaços pelas mulheres nas denominações protestantes eram

diversas. Até a primeira metade do século XX, a grande maioria das denominações

protestantes proibia a ordenação de mulheres ao pastorado, como assinalou Silva E. (1998, p.

313):

As mulheres podiam ser eficientes e capacitadas missionárias; no entanto, não podiam receber a ordenação nem ministrar a ceia e o batismo, considerados, pelos batistas, como ordenanças do Novo Testamento. Poderiam até pregar e ensinar a Bíblia, mas não do púlpito: a tribuna sagrada era privativa do sexo masculino. O sacerdócio universal dos cristãos, tão caro às feministas protestantes do século XIX, para os batistas, limitava-se à vocação de mulheres leigas para o serviço evangelístico, da música ou mesmo do ensino às crianças ou às suas companheiras. Jamais incluiu uma visão mais ampla abrangendo o ministério pastoral. Isso porque a pregação e a administração das ordenanças (bens sagrados) constituíam-se como um fulcro de poder religioso, e o clero batista, formado exclusivamente por homens, recusava-se a partilhar fraternalmente com as mulheres.

Os intentos de Bowen foram sendo frustrados. Com o agravamento da situação

social, e as recorrentes experiências com a malária e a cólera, a missionária Lurenna ao ver o

esposo debilitado, e o considerando sem condições de prosseguir na missão naquelas

condições, enviou uma carta em 06 de fevereiro de 1861 ao Dr. James B. Taylor, secretário da

Junta, informando o retorno aos EUA. Partiram no dia 09 de fevereiro de 1861, chegando ao

seu país em 01 de abril de 1861.

Nos anos seguintes, Bowen seguiria em pregações nas igrejas, quando sua saúde

permitia, estimulando o trabalho missionário e relatando suas experiências e sonhos, além de

escrever artigos para revistas. Algumas vezes chegou a ser internado em asilos para doentes

mentais, já que naquela época não haviam hospitais especializados para sua doença, sequelas

do contágio com as doenças tropicais. Bowen (OLIVEIRA. 2005, p. 131) estava em um

desses asilos, longe de sua família, quando a 24 de novembro de 1875, veio a falecer e foi

enterrado no cemitério do asilo. Causa da morte: “exaustão maníaca”. Segundo Oliveira

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(2005) este diagnóstico, dado pelos médicos meses antes, era contestado pelo próprio Bowen.

Não havia na época conhecimento para as fortes e agonizantes dores de cabeça que padecia,

certamente seqüela da malária e de outras ocorrências médicas.

A trajetória do Bowen pode ser lida como trágica, mas também refletiu os difíceis

contornos de operarmos, seja no campo religioso brasileiro da época, seja nos conflitos

internos com a Junta, advindos desde sua experiência africana. Ser ministro da Igreja Batista

no Sul dos Estados Unidos, de maioria protestante e no conforto e segurança assegurado era

uma realidade bem diferente da de pregar aos escravos no porto do Rio de Janeiro. Um país

onde a religião oficial era Católica e onde as restrições as outras manifestações religiosas

tinham amparo legal e operava dentro da ordem da segurança pública, com multas e

explicações às autoridades constituídas, configurava-se em novos desafios para uma proposta

como a de Bowen.

As narrativas de Bowen em suas cartas à Junta refletem as angustias de uma

caminhada, na qual seu projeto de uma África redesenhada pelos próprios africanos fosse

possível. Os centro-africanos que Bowen conhecera na África, muitos deles capturados dentro

do ciclo do comércio e tráfico de seres humanos e vendidos no Brasil, país que na época,

como já indicara Alencastro (2004, p. 25), era o maior porto negreiro do Atlântico Negro. Foi

este contato com os cativos da África, o motivo que atraiu T. J. Bowen ao Brasil. O projeto

civilizatório de Bowen e suas ambições com as missões africanas, além das circunstâncias já

discutidas foram minados também pelos limites das condições materiais e simbólicas

presentes na instituição mantenedora dos missionários. Estas operavam dentro de políticas e

interesses bem específicos, engendrada no típico pragmatismo norte-americano que

privilegiava resultados imediatos não contemplados nos sonhos de Bowen. Ele projetava

educação, trabalho e progresso dentro do ideário liberal do século XIX, que atravessasse o

Atlântico como fermento que leveda toda massa.

Não é sábio, no entanto, cometer os erros comuns de supor que a nossa forma de civilização é exemplar para toda a terra. Não é o melhor para nós mesmos, e não está adaptado à África em tudo. O clima e a constituição moral e mental das pessoas são unânimes em exigir uma civilização Africana para a África, como o que o povo do interior já originou, e que só precisa ser desenvolvido em sua própria base, em conjunção com o cristianismo puro (BOWEN, 1858, p. 327-328).

É bom reiterarmos que esta perspectiva de Bowen está ancorada nos discursos da

proto-antropologia, do evolucionismo cultural, que justificava as diferenças culturais, dentro

de uma escala evolutiva. A África, segundo esta concepção, situa-se numa fase anterior. A

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intervenção das missões batistas na África, para Bowen, colaboraria com o avanço

civilizatório. É nesta moldura que tentamos situar, ao longo deste capítulo, as ações e discurso

de Bowen.

1.2 OS “SLAVEHOLDERS5” SULISTAS NOS TRÓPICOS: AS PRIMEIRAS

COMUNIDADES BATISTAS NO BRASIL.

A Guerra da Secessão, ou Guerra Civil, entre o norte/sul nos EUA, entre 1861 a

1865, que matou 250 mil vidas no sul e 360 mil vidas no norte, deixou os Estados do Sul

dilacerados. A historiografia sobre a Guerra Civil americana (1861-1865) aponta diferentes

causas. Para uns, foi a escravidão; para outros a questão das tarifas e outros mais discutem a

preservação da União, como um dado decisivo (NARO, 1994, p. 40).

No segundo ano da Guerra o presidente Lincoln, preocupado em salvar a união

dos Estados, declarou que a escravidão estava abolida. Ao fim da Guerra em 1865, todos os

governos dos estados sulistas, com exceção do Tennessee, foram declarados ilegais, e o sul

viu-se repartido em cinco distritos militares. Na recomposição das alianças entre os estados do

sul e do norte, estava em jogo o futuro dos ex-escravos e a questão de sua cidadania. Segundo

Naro (1994, p. 41):

A extensão da cidadania ao ex-escravo foi um rápido processo, se considerarmos a 13ª emenda da Constituição, que transformou o escravo em homem livre, surgida imediatamente após o término das hostilidades. Pouco depois, em 1868, foi apresentada a 14ª emenda, que declaravam serem cidadãos todas as pessoas nascidas nos EUA ou naturalizadas americanas. Esta emenda proibia a diminuição dos direitos adquiridos pelos cidadãos. Também proibiu aos estados privar qualquer pessoa do direito à vida, à liberdade ou á propriedade sem o recurso a um processo justo. A emenda estendeu de recurso à proteção das leis a todos os cidadãos, independente dos estatutos das Constituições estaduais. Passaram-se alguns anos até a ratificação da 15ª emenda, em maio de 1870, que proibia que se negasse ou diminuísse o direito de sufrágio em decorrência da raça, da cor ou da condição social prévia de servidão.

Na prática estas conquistas legais, foram sendo minadas pela maioria branca que

entedia que ser livre não quer dizer cidadão. Os códigos negros de 1865 e 1866 garantiram ao

negro o direito de possuir a propriedade, de recorrer à justiça para processar e ser processado

5 Do Inglês : Slave – Escravo e Holders – Possuidor, dono. Portanto “Donos de escravos”.

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por membros de sua própria raça, de fazer contratos, de casar e ser educado pelo sistema

público de educação. Tais códigos também proibiram ao negro, assumir cargos públicos,

votar, fazer parte de jurados, portar armas e disputar os empregos que fossem dominados por

brancos. Tais restrições impediam a mobilidade social dos negros, deixando ao estado o

controle conveniente para a recuperação da economia sulista.

Em 1866, grupos paramilitares a exemplo da Ku Klux Klan, defendiam a

supremacia branca com violência impedindo os negros de exercerem seus direitos. Em 1881

as leis de Jim Crow normatizavam a segregação nos estados do sul o que durou até 1950.

Abaixo na foto quatro gerações de escravos numa plantação no Sul dos EUA em 1862.

Figura 02: Quatro Gerações de escravos fotografados numa plantação do Sul dos EUA em 1862. (Foto extraída do livro de Nancy Priscila S. Narom, A formação dos Estados Unidos, 1994.).

Foi neste cenário pós Guerra Civil, que colonos sulistas, ex-donos de escravos,

escolheram o Império escravista do Brasil para tentarem a reconstrução de suas riquezas. Com

núcleos na Amazônia e no interior de São Paulo, americanos de várias denominações

protestantes foram recriando espaços para sua sobrevivência, sem alterações em seus

costumes escravagistas, até por que o Brasil era o maior país negreiro do mundo

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(ALENCASTRO, 2000), mesmo após o fim do tráfico internacional em 1850. Crabtree (1937,

p. 38 grifo nosso)discute que:

Algumas famílias do Sul dos Estados Unidos, desanimadas pelos resultados trágicos da guerra, procuraram um lugar onde pudessem principiar de novo a vida, recuperar as forças e manter as regalias da sociedade que gozavam antes da

Guerra. Naturalmente pensaram no Brasil que nesse tempo atraia a atenção do mundo pelo seu progresso. Com a permissão generosa do governo imperial, fundaram uma colônia americana ,Santa Bárbara, na então província de São Paulo.

Segundo Oliveira (2005, p. 31) “O número total de emigrados, contando as

mulheres e crianças, era estimado entre 5 a 8 mil colonos. Consta que dois emigrados

trouxeram dois escravos, que tinham sido libertados nos EUA.” Entre os imigrantes havia

uma diversidade de profissões, de classes sociais e disposições na nova terra. Os primeiros

grupos e agentes começaram a desembarcar a partir do segundo semestre de 1865, sendo seu

maior movimento entre 1867 e 1868, quando se recebia grupos de duzentos e setenta e sete e

trezentos e trinta emigrados, conforme registros nas listas de passageiros do Porto do Rio de

Janeiro à época.

No núcleo de Santa Bárbara D’Oeste, entre Metodistas, Presbiterianos, também

chegaram, famílias de Batistas. A cidade, fundada em 4 de dezembro de 1818, possuía matas

com a melhor madeira de lei da região, além de terras para agricultura, especialmente a

cultura do algodão, a cana-de-açúcar e cereais. Possuíam ainda diversos mananciais, regadas

pelo rio Piracicaba e seus afluentes, ribeirão dos Toledos e o ribeirão do quilombo.

Descrevendo o cotidiano dos colonos em Santa Bárbara D’Oeste, Oliveira (2005, p. 55-56)

assinala:

De início, a presença de escravos nas diversas casas, levou a que estes também aprendessem a cantar hinos em Inglês. Esses escravos foram adquiridos no Brasil. Alguns dos descendentes escravos que ainda permaneceram com seus patrões, por muitos anos em SB, continuaram na mesma linha dos pais. D. Maria Araújo foi uma delas. Na visita que lhe fizemos, em Monte-Mor , foi-nos possível entrevistá-la. Gravamos a sua voz cantando, em inglês, o hino “ Em Jesus amigo temos” (nº 155 do Cantor Cristão –Hinário Batista). Ela faleceu em 14.08.1982, com 91 anos de idade.

Esses colonos, “Slaveholders”, literalmente donos de escravos, foram recepcionar

o casal de missionário W. Bagby e Anna Luther Bagby. A Mrs. Ellis, dona de um sítio, no

qual foi hospedado o casal em sua chegada ao Brasil enviou seus escravos para conduzí-los

até o local: “A Mrs. Ellis tinha mandado cavalos para os missionários e um escravo, para

carregar a bagagem. É deveras agradável, escreve Sr. Bagby, acharmo-nos aqui nesta terra

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longínqua entre amigos e batistas” (MATHEWU, 1972, p. 24 apud SILVA, E. 2003 p. 13).

Crabtree (1937, p.37) citou um relatório de avaliação da Junta de Richmond sobre as

possibilidades da missão no Brasil, Brazil and the Brasiliians de 1859, onde se descrevia as

similitudes entre os dois países: “O Brasil era como os Estados Unidos têm escravos e os

missionários enviados pela Convenção Batista do Sul não podiam sentir-se constrangidos a

combater a escravatura e assim envolver-se na política do país”.

Como vimos, seja com os colonos ou com a chegada dos missionários, o

horizonte escravista não incomodava. Na expansão da obra Batista no Brasil, havia uma

continuidade já apontada anteriormente da perspectiva da “Igreja Espiritual”, interessada nas

almas pecadoras e não nos corpos sofridos. Quando se registrava a compra de alforria de um

escravo na Bahia (SILVA E. 2003, p. 09) e se realizava a crítica à Igreja Católica por sua

indiferença a escravidão, o que estava em jogo não é a resistência àquela ordem social e sim

o interesse proselitista e anticatólico presente nas origens Batistas no Brasil. As posturas

etnocêntricas da realidade justificavam a indiferença frente à violência do corpo e às

instituições escravistas.

O fim da escravidão e da monarquia foi saudado pelos missionários como a

queda de dois gigantes que impediam a evangelização. Ao lado dos batistas, presbiterianos e

metodistas sulistas também esposavam tal percepção (MENDONÇA, 1994, p. 10). Posturas

convenientes e contraditórias. Falar da escravidão na pós-abolição parece ser confortável,

pois não se fazia mais necessário comprometer-se com o problema. Porém, as atitudes

etnocêntricas e discriminatórias eram práticas comuns entre os missionários batistas

pioneiros na Bahia, como anota Silva E.(2003), em seu artigo sobre Os Batistas na Bahia:

questões étnicas e Sociais, fazendo uma referência à concepção do reverendo M. G. White,

missionário presente no Brasil desde 1919, atuante no Norte e Nordeste especialmente no

campo baiano, membro da Igreja Batista dos Mares em Salvador e algumas vezes interino na

Primeira Igreja Batista em Feira de Santana:

Os escravos negros foram trazidos da África em grande número. A mistura racial tem continuado através dos anos... os milhões de habitantes são na maioria o resultado destas três raças - índios, negros e portugueses. Isto é especialmente verdade no Norte. O grande fluxo de alemães, italianos, russos e outros para o sul está rapidamente clareando a cútis e mudando os costumes do povo. (SILVA E. 2003, p. 09).

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Na entrevista da senhora Maria das Mercês dos Santos6 de 81 anos, a qual foi

empregada de M. G. White e Katie White em Salvador em 1955, foi relatado: Ela definiu-se

a princípio como “cor de jambo” e depois como negra. E ainda ouviu deles (M. G. White e

Katie White) o desejo de levá-la para seu País, mas encontravam-se impedidos por conta da

segregação.

[...] Não podiam me levar [para os EUA] porque eu sou desta cor, nego não entra onde eles morava, só branco. Dona Katie chorava e dizia que tinha pena de me deixar, mas não podia levar porque tinha pena deu, pois eles [os brancos americanos] iam judiar de mim, na rua, teria que ficar trancada em casa, num sair [...].

Nesta entrevista, depois de mais de trinta anos no Brasil, apareceu os White

assumindo uma leitura relativamente crítica à situação de segregação em seu País. A relação

destes missionários com o universo afro-católico era de um discreto silêncio, que era

considerado no público como respeito, à condenação de suas práticas de idolatria e de

superstições, como denominavam nas preleções eclesiásticas. Mercês chegou a visitar a

Festa do Senhor do Bonfim algumas vezes, “transgressão” que cometia segundo ela

escondida deles, pois a recomendação era para se absterem deste catolicismo miscigenado.

Noutra ocasião, segundo Mercês, M. G. White repreendeu um missionário norte-americano

de passagem no Brasil que se recusara a aceitar ajuda de afro-brasileiros na condução das

bagagens pessoais, numa relação segregacionista com os negros. Por seu afeto ao Brasil e

aos brasileiros, o casal White, preferiu ser enterrados na Bahia, no Cemitério dos Ingleses

em Salvador.

Este etnocentrismo dos missionários, portadores de um projeto civilizatório,

ancorado na idéia de Destino Manifesto dialogava com as teorias raciais do século XIX. Os

EUA era o “paraíso”, o “éden” para onde os convertidos brasileiros deveriam mirar como

referência de um povo eleito, um destino atávico, como analisa Silva E. (2002, p. 35):

O modelo de Estado progressista que estava no imaginário batista, como um verdadeiro paradigma a ser seguido, era os Estados Unidos da América do Norte, país que tinha atingido o progresso e reinava a justiça social. [...] como assinalou Rubem Alves, os EUA era “a utopia implícita no protestantismo brasileiro”.

6 Entrevista concedida ao autor em 30 de agosto de 2008 em sua residência, na cidade de Alagoinhas, BA.

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1.3 TEORIAS RACIAIS PRESENTES NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO PERÍODO.

Neste período de meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX,

grassaram três correntes das teorias racistas (SKIDMORE, 1976): a primeira era a escola

etnológica-biológica, que afirmava a superioridade dos caucasianos, evidenciadas nas

características físicas; a segunda apontava para a história elegendo os caucasianos como

sinônimo de evolução avançada dos estágios civilizatórios; e a terceira, chamada de

Darwinismo Social, assegurava que os mais fortes sobrevivem e dominam os outros que

definham. No Brasil o Conde Arthur Gobineau (1816 – 1882), que viveu no Rio de Janeiro,

e era Ministro Francês em 1869 e 1870, em seu ensaio em 1854 sobre as desigualdades das

raças humanas defendia a superioridade caucasiana (SIEPIERSKI, 2000, p. 63-64). Em 1918

fundou-se a Sociedade Paulista de Eugenia, influenciadas pelo racista Francis Galton (1822

– 1911) e por um dos filhos de Charles Dawin, Leonard Darwin (1850 – 1943) que fundou

em Londres em 1908 a “Eugenics Society”. Um dos pensadores racista brasileiro, admirador

de Gobineau e seguidor de idéias racistas, Sílvio Romero (1851-1914), lamentava a sub-raça

mestiça advindas da fusão de portugueses, negros e índio. A solução seria o branqueamento

por meio da imigração européia. Segundo o brasilianista Skidmore (1976) essas concepções

racistas estavam incrustadas junto à idéia de destino manifesto presentes no nacionalismo

americano e que era admirada por boa parte dos intelectuais brasileiros e latino-americanos

na época. Sendo assim podemos ver nas citações de missionários acima que eles traduziram

e estimularam estas perspectivas através das práticas e representações presentes nos

colégios, sermões, ensino teológico etc. Isto, de certa forma, já traduzia a matriz

etnocêntrica e racista dos missionários.

A experiência de séculos de escravidão africana no Brasil deixou profundas

marcas nas estruturas sócio-econômicas, políticas e culturais. Fraga Filho (2006, p. 26-27)

lembra que:

A escravidão foi muito mais que um sistema econômico; ela moldou condutas, definiu hierarquias sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de mando e obediência. Em todos os locais onde existiu, seu final foi marcado por tensões sociais agudas, desentranhando antigas demandas e, ao mesmo tempo forjando novos significados e expectativas de liberdade.

Ainda assim, muitas famílias de negros na pós-abolição procuraram os batistas

como expectativa de ascensão e status social, a final eram considerados missionários de uma

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nação próspera. Como observou Bastide (1971, p. 506) o protestantismo nas suas várias

denominações é “a religião do livro, impunha o aprendizado da leitura, e esta por sua vez,

acarretava uma massa rural e analfabeta, a constituição de uma nova elite”.

[...] a própria entrada do negro em qualquer das denominações [protestantes], já aparece aos seus olhos uma ascensão. Uma ascensão cultural, pois é a religião do livro, portanto dos alfabetizados, e religião dos Estados Unidos, portanto de uma potência internacional superior. (BASTIDE, 1971, p. 514)

Na sua pesquisa de mestrado SILVA E. (1982, p. 341), analisa a ruptura de um

grupo de batistas da tutela e monopólio político-eclesiástico dos missionários estrangeiros.

Esta ruptura aponta para uma autonomia eclesiástica e busca de uma sustentabilidade e administração própria, sem ingerência estrangeira, o que não significa uma autonomia teológica ou mudança na perspectiva missiológica e ética, ou seja, as práticas proselitistas e o pietismo deslocado das questões sociais mantendo-os assim conservadores. O grupo batista independente se propõe a formação de um setor nacional da denominação no país. Ser uma alternativa nacional abre caminho para afirmação de um jeito de caminhar próprio, ensaiando uma eclesiologia, mas dinâmica no campo religioso baiano, no entanto os elementos ético-teológico herdados dos missionários e outros fatores contextuais frearam os avanços e capacidade criativa do grupo em suas fronteiras eclesiásticas. A experiência dos Independentes afirmaram e provaram as possibilidades de caminharem sem a tutela dos missionários, diferente dos radicais e outras dissidências que mudavam só de fonte (De Richmond para o Texas), mascarando a luta pelo poder.

A composição desta comunidade e congregação religiosa, conhecida como Igreja

Batista do Garcia em Salvador, na primeira década do século XX, era de negros e

empobrecidos como artesãos, pedreiros, operários etc. Segundo Silva E. (1982, p. 217)

Pelo menos o núcleo inicial da comunidade em questão (Igreja Batista do Garcia, 1910, Salvador – BA), era formado por membros de categorias profissionais consideradas de classe baixa [...]. Os homens exerciam profissão de baixa renda, enquanto as mulheres, ou eram domésticas ou exerciam profissão vinculada a atividades artesanais, como costureira, por exemplo [...].

Para Silva E. (1982) identificaram-se na Bahia estas tensões nacionais, aliadas aos

processos de nacionalismo político corrente à época. O etnocentrismo dos missionários tinha

nos elementos afro-católicos maior resistência:

No que se refere aos batistas baianos a situação se agravava devido à centralidade que a Missão de Richmond na Bahia tinha em relação ao trabalho batista no Brasil, e também à composição étnica do Estado, com forte presença negra, e com a abundância de práticas de devoções populares católicas e afro-brasileiras. Essa composição étnica certamente pesou no convívio com missionários oriundos do Sul dos EUA, que até a vitória do Norte na Guerra de Secessão admitia que missionários possuíssem escravos e não se opôs ao regime de escravidão no Brasil (SILVA E. apud TRABUCO, 2009, p.46).

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A Missão Batista Independente se colocou então como alternativa nacional frente

ao etnocentrismo dos missionários sulistas dos EUA. Silva E. (1982, p.108) assinala que os

missionários batistas pioneiros na Bahia como Z. C. Taylor (1969, p. 27 grifo nosso) refere-se

aos brasileiros, como “nativos”:

Como regra geral para os que chegam (os missionários norte-americanos em especial), o estudo da língua é encarado com muito esforço e dedicação e ele espera se tornar mestre em poucos meses. Logo ele descobre que o processo é demorado e talvez pense que nunca vai aprendê-la, então continuou fazendo o melhor que pode, mas muitas vezes deixando a companhia dos nativos por não querer falar o pouco que sabe[...] Ele deve deixar o máximo possível a companhia daqueles que falam sua própria língua e procurar ocasiões para falar aos nativos.

Este era o modo de tratamento já trazido na pré-disposição dos missionários, o

sentimento de superioridade. Salomão Ginsburg (1970, p. 149 grifo nosso) no seu relato

autobiográfico, expressou dificuldades em acreditar nas lideranças locais.

Foi em outubro de 1909 que cheguei a Bahia pela segunda vez. Havia cerca de 30 igrejas organizadas e muitos pontos de pregação. O maior empecilho do trabalho naquele tempo era a falta de obreiros nativos competentes e de auxiliares treinados, pois não havia nenhum em todo estado.

Um dos primeiros estudiosos do protestantismo no Brasil, o francês Émile

Leonard indica que o processo de nacionalização das igrejas protestantes no Brasil foi

atrapalhado pela forma como era exercida a tutela dos missionários norte-americanos: “[...]

pelo seu autoritarismo, incompreensão dos hábitos nacionais que se faziam por ignorar e,

sobretudo pela demonstração segura de uma superioridade étnica que, ao momento, levava a

tratar os brasileiros por nativos” (LÉONARD, 1981, p. 130-1310). As reações dos pastores

batistas na década de 1920 ilustram este incômodo. Sipierski (2000, p. 68) anota:

O famoso Manifesto lido pelo pastor Adrião Bernardes, na Assembléia extraordinária da Convenção Batista Regional, realizada no Recife, em 1923, onde pergunta, após acusar o mandonismo dos missionários: [...] “o povo batista brasileiro é inferior a outros povos?” Também no Manifesto de 1925 lido na Convenção Batista Geral no Rio de Janeiro, nele os batistas do Norte do Brasil declaram não acreditar” que o Evangelho deve vir sempre coberto pelo manto de disposições particulares a uma ou outra raça.

Apesar da nacionalização das igrejas, os batistas brasileiros alinharam-se à

perspectiva dos missionários na aversão às manifestações e expressões da cultura africana e

afro-católica. O ideário do Destino Manifesto, que tomava por certo, a eleição divina do povo

norte-americano enquanto branco, anglo-saxônico e protestante, para salvar o mundo com a

mensagem cristã, se fazia presente na religião civil dos missionários, foi disseminado na

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implantação dos colégios, os quais surgiram como estratégia de expansão missionária.

Mendonça (1990, p. 137) assevera que:

Os colégios protestantes pretenderam ser os instrumentos de transplante do espectro social cujo modelo era a sociedade americana, muito próxima da realização do Reino de Deus. Os colégios destinavam-se a ser instrumentos de transplantem cultural.

O Jornal Batista, órgão oficial da Convenção Batista Brasileira fundado em 1901,

constitui-se num importante informativo/formativo das atividades e expansão das doutrinas

Batistas no Brasil. As edições mais antigas traziam além das notícias das igrejas no Brasil,

como também os Batistas no Mundo, especialmente as atividades da Convenção do Sul dos

Estados Unidos, referência de um país e de uma denominação fiel e próspera, ao estilo do

“destino manifesto”. O jornal traz matérias diversas no campo religioso, sendo notório seu

anti-catolicismo, e anti-unionismo ou seja, resistências aos movimentos ecumênicos

menosprezo a religiosidade popular e a demonização dos cultos afrobasileiros e do

espiritismo.

Os informativos da Aliança Batista Mundial, organização associativa que

congrega várias convenções e agremiações Batistas no mundo, com diversas tendências, era

ilustrativo das tensões interétnicas do período, especialmente o espaço entre as duas guerras

mundiais. O OJB de 20 de janeiro de 1939, portanto no início da Segunda Grande Guerra,

trazia a lume uma declaração que toma posição frente às perseguições em curso dos Nazistas,

a grupos étnicos como os judeus, os ciganos e outros, em nome de uma superioridade racial

ariana com base na eugenia. Essa Declaração se deu no V Congresso da Aliança Batista

Mundial (ABM) em Berlim , em 1934, onde se lê:

1) Este Congresso representando a comunhão mundial de Baptistas alegra-se em reconhecer que, que a despeito de todas as diferenças de raça, há em Christo uma perfeita união, de modo que, n’Ele pode dizer-se com inteira verdade”que não há grego, nem judeu, nem circuncisão nem incircucisão, bárbaro, cyta, servo ou livre;mas Christo é tudo em todos” Gl. 3. 28.

2) Este congresso deplora e condena como uma transgressão da Lei de nosso Deus e Pai celestial toda inimizade racial, bem como toda e qualquer forma de opressão ou discriminação depreciativa em relação aos judeus, as raças de cor ou raças subordinadas em qualquer parte do mundo.

3) Este congresso insiste na necessidade da promoção do ensino christão, relativo ao respeito para com a pessoa humana, sem distinções de raças, e, côr (O JORNAL BATISTA, 1939, ano XXXIX, n. 3, jan., p. 10).

Esse consenso construído pela ABM, embora seja uma resposta principalmente à

situação européia, segundo o texto indicava todo o Orbe, em qualquer parte do mundo.

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Semelhante parecer se encontrava, um ano antes deste evento da ABM, registrado numa

publicação Batista no Norte/Nordeste, dando conta desta discussão no Brasil, presente neste

período do entre guerras.

O Correio Doutrinal: Órgão Noticioso de Doutrinamento Cristão, jornal Batista

que circulou nos anos vinte e trinta do século passado, editado na Typographia do Colégio

Americano, tendo como redator o missionário W. C. Taylor, na edição de 13 de julho de 1933

aparecia as conclusões do Congresso Regional da Liberdade de Consciência, acontecido entre

os dias 21 a 30 de Abril, nos Salões do Partido Democrático Socialista, no Rio de Janeiro,

onde, entre os pareceres incluía um sobre o Racismo:

“Considerando que o racismo é contrário ao sentimento de fraternidade humana, qualquer que seja a sua manifestação – éthnica, política ou social: considerando mais que a história da civilização humana mostra que não há povo superior ou inferior, por quanto a grandeza mental tem como cadinho a instrução e a educação; considerando em fim que cumpre ao Congresso defender as liberdades públicas e privadas, no domínio da consciência, resolve considerar anti-fraternal, anti-humano e anti-cultural o racismo, em qualquer das suas manifestações. (O CORREIO DOUTRINAL, 1933, ano XI, n. 11, jul., p. 3-4).

Sabemos, no entanto que a segregação racial oficial no Sul dos EUA continuou

até os anos 1960. A Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos só pediu perdão, pelos

erros do passado especialmente a escravidão e a omissão frente a luta no Movimento pelos

Direitos Civis nos EUA, em 1995. Duzentos e dezenove anos após a declaração de

Independência, a qual proclamou que todos os homens são iguais, trinta e dois anos após

Lincoln assinar a emancipação, e sessenta e um anos após esta declaração da ABM (SOUZA

A., 2002, p. 19).

Instigante é perceber nas edições do OJB, fortemente influenciado pelos

missionários norte-americanos, que também eram seus editores e dirigentes, em inúmeras

notícias e matérias assinadas por eles, ou a eles se referindo, na tentativa explícita de

escamotear o apartheid no seu país de origem, apontavam para dados da “prosperidade das

igrejas e pessoas de cor”, medidas em números crescentes de fiéis e de propriedades, onde se

sugeria um suposto indicativo de justiça. (O JORNAL BATISTA, 1939, ano XXXIX, n. 2,

jan., p. 02). A permanência de representações etnocêntricas se fez ver em dois fragmentos do

OJB, no primeiro relata-se a visita do Dr. Maddry, Secretário geral da Convenção do Sul dos

EUA, nas missões Batistas na Itália e na Nigéria, “sendo recebido com entusiasmo inclusive

pelos Reis das Tribos”. O articulista W. C. Taylor, conhecido professor de teologia e

missionário, lembrava que:

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O Dr. Maddry é o primeiro de nossos secretários a visitar a África, com o que os missionários e crentes ficaram muito alegres, por que ali eles se defrontam com os dois terríveis inimigos do cristianismo, que são o mahometanismo e o paganismo, ambos fortalecidos pela polygamia (O JORNAL BATISTA,1938, ano XXXVIII, n. 34, set., p.10).

Convém destacar que em 1855, T. J. Bowen, analisado anteriormente, quando de

sua passagem na África, iniciando as atividades missionárias dos Batistas sulista naquele

continente, se colocava tolerante a poligamia e sensível aos estudos das religiões africanas,

motivo de embates com seus pares. Postura diferente das atitudes presentes nos missionários

posteriores, que reproduziam o costume vencedor de outra estratégia missionária, portadora

de racismo e intolerância cultural.

Outro trecho do OJB informou a respeito da sugestão litúrgica para programação

do natal, indicação muito comum para todas as igrejas consumidoras desta publicação, que

alcançavam os rincões do Brasil na tentativa de integração das práticas e representações

cúlticas dos batistas, denominação, nesta época, com maior capilaridade no Brasil. No texto se

lê a fala de uma “menina africana”:

Poucas meninas africanas já tiveram o privilégio de ver o brilho da estrela de Natal. Nós somos ignorantes e não há escolas onde possamos ser educados. Somos supersticiosos e não há quem tire destas temíveis superstições [...]. A sua luz poderá penetrar no continente africano? (O JORNAL BATISTA, 1937, ano XXXVII, n. 41, dez. p. 12)

Nestes informes citados, presentes no OJB, podemos perceber o contínuo das

representações étnicas entre o relato da visita de um especialista da religião na África e a

programação para o culto de natal a ser realizada nas comunidades Batistas no Brasil. A

África apresentada aqui, era vista como primitiva, supersticiosa, rudimentar, dentro de uma

perspectiva antropológica evolucionista, etnocêntrico, elegendo sempre o cristianismo e

mundo anglo-saxônico e o cristianismo protestante, como o ápice de onde brilhava e emanava

a luz para penetrar nas trevas africanas. As imagens abaixo impressas no OJB, ilustram o que

assinalamos.

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Figura 03: Contrastes religiosos entre a vivência da religião indígena e cristã. OJB ano LVI, nº 27 5 de julho de 1956, p.01.( Fotografias reproduzidas de The Bible in the World).

Na legenda da primeira imagem lemos: o pobre indígena africano adorando seus

deuses de madeira. Na segunda imagem lemos: “uma jovem africana, crente em Jesus Cristo e

liberta do poder do paganismo, lê sua Bíblia. Observem o seu semblante: inteligência, paz e

alegria. Certamente ela sabe cantar – a nova do Evangelho já se fez ouvir aqui!”. Na terceira

imagem a legenda informa: “temos uma das explicações desse contraste: uma Igreja Batista

em Leopoldville, no Congo. Centro de luz evangélica, o que se verifica até pelo aspecto. Aí o

evangelho salvador é pregado e almas são libertas das trevas do paganismo africano”.

Isto também se refletia nas comunidades locais nos processos de demonização e

exorcismos aos cultos afros como indica SOUZA A. (2008, p. 63) na sua pesquisa “Um Deus

negro na Cruz: Racismo e Negritude entre os Batistas em Feira de Santana”. Na sua pesquisa,

ainda seguindo a trilha dos jornais e testemunhos orais (entrevistas), aparecia o ataque às

religiões afro-brasileiras,

[...] o catolicismo romano com suas imagens, suas medalhas, seus bentinhos, seus atos mágicos é uma forma de feiticismo. O Feiticismo africano, religião rudimentar, e bárbara encontrando-se aqui com o feiticismo católico ficou a vontade para se fundir com ele (O JORNAL BATISTA, 1976, ano LXXI, n.48, p. 03).

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Mais uma vez, se observa a permanência de representações étnicas profundamente

negativas ao outro. Como anota Siepierski (2000, p.71-72):

[...] o racismo presente no protestantismo brasileiro é, em grande parte, com a ressalva que a elite brasileira era ela mesma bastante racista, um legado do esforço missionário norte-americano. Tal racismo é voltado na atualidade, principalmente para as manifestações religiosas afro-brasileiras.

São nestas representações veiculadas nos jornais, na literatura e nos púlpitos da

denominação Batista, que reforçaram nos membros afrobrasileiros, que compõem as

congregações locais, uma auto-imagem negativa, onde a relação eu-tu foi-se traduzindo numa

sujeição ao paternalismo dos missionários. Chartier ( 1990, p. 112) nas suas análises sobre o

conceito de representação escreve: “[...] o ser social do indivíduo é totalmente identificado

com a representação que dele é dada por ele próprio ou pelos outros. A realidade de uma

imposição social não é mais do que aquilo que a opinião considera que ela é”. Se as práticas

discursivas nestes órgãos oficiais de imprensa, nas apropriações litúrgicas e nos testemunhos

se configuravam de tal maneira discutida acima, veremos consequentemente, cada vez mais,

um afastamento das pessoas que estão nas congregações Batistas de quaisquer relações com a

riqueza cultural advindo da afro-diáspora. Esta riqueza passava a ser vista como demoníacas,

malditas e impuras. As pesquisas de Alves (1979) também apontavam para este

desenraizamento cultural operado na conversão, onde o ser nova criatura, implica na

negação dos elementos de origem. Situação ilustrativa é comum nos relatos de conversão e

chamada de muitos seminaristas Batistas. Nestes encontra-se a idéia de ruptura e rejeição a

herança de elementos da cultura afro-brasileira como seu antigo pertencimento (TRABUCO,

2006).

Evidente que, não desejamos aqui um retorno aos essencialismos, afrocentrismos

e sim as apropriações e subjetivações dos indivíduos, com suas táticas e estratégias

(CERTEAU, 1994). A ação dos missionários e a recepção de suas práticas e representações

religiosas, recriadas e transmitidas pelos diversos agentes religiosos da Denominação Batista,

entre eles uma parcela significativa de afro-brasileiros, sejam como leigos ou como

especialistas, pessoas comuns em suas trajetórias de vidas, são os sujeitos de nossa pesquisa.

Nesta buscaremos vestígios de uma (des)identificação ou ressignificação de sua condição

afro-brasileira a partir das narrativas religiosas.

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CAPÍTULO 2

Missionários Norte Americanos frente a PIB de Feira de

Santana em 1960. Foto extraída do acervo do STBNe.

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CAPÍTULO 2_______________________________________________________________

UM AFRO-BRASILEIRO LIDERANDO UMA CONGREGAÇÃO BATISTA NA

TERRA DE SANTA ANA.

“... a história apenas existe em relação às

perguntas que lhe fazemos”.

Paul Veyne,

Feira de Santana situa-se na fronteira dos Sertões e do Recôncavo. Ela foi elevada

à condição de Vila Santana dos Olhos d’água em 1832, pertencendo ao município de

Cachoeira. Tornou-se cidade em 16 de julho de 1873, denominada de Cidade Comercial de

Feira de Santana, tendência que vem sendo esmerada ao longo dos anos. Como assinala

Trabuco (2009, p. 60):

O povoamento de Feira de Santana teria resultado do encontro de tropeiros e negociantes de gado na fazenda Santana dos Olhos D’água. A partir da criação de uma capela pelos proprietários portugueses da fazenda, o local, além de servir para a troca de alimentos e repouso dos sertanejos, se tornou também lugar de comércio devido ao papel de sociabilidade proporcionada pela capela. A terra, o gado, a religião, e o vaqueiro, estariam assim representados nos mitos de fundação e na tradição oral sobre o povoamento da cidade.

As revisões à historiografia tradicional ampliaram as leituras sobre as origens de

Feira de Santana, chamando atenção para uma das populações marginalizadas e excluídas na

memória oficial. O trabalho de Andrade (1990), a história de Lucas da Feira feita pela

professora Zélia Lima (LIMA, 1990) e de Freire (2007) que discutiu agropecuária, escravidão

e riqueza em Feira de Santana na segunda metade do século XIX, problematizaram a questão

da escravidão, do racismo e da marginalização que entram de formas diferenciadas no

imaginário coletivo feirense. Outra pesquisa, a de Pacheco (2008, p.20) propõe revisitar as

origens da Feira de Santana visualizando em seu passado:

[...] da pequena propriedade agrícola, das formas de ganho encontradas pela população negra, indígena, roceiros e pequenos comerciantes em trânsito para a cidade nos dias de feira. Pois, sabemos que a feira era também, principalmente durante o século XVIII, o ponto decisivo dos negócios dos grupos populares da região de São José das Itapororocas e áreas próximas, seja no artesanato ou na venda de excedentes da cultura de subsistência.

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O professor Vicente Deocleciano Moreira, nas investigações ligadas ao Projeto

Memória da Feira Livre de Feira de Santana, buscou provocar investigações que explorassem

a relação das origens desta Feira Livre e a escravidão na região. Segundo ele:

[Tal empreendimento] contribui para que compreendamos a presença e participação do negro nas feiras livres, seja na condição de escravo fugidio – alvo da repressão generalizada – seja como negro-de-ganho e negro-de-ofício, ou ainda como feirante, compondo (em quaisquer das hipóteses) elemento étnico de significativa presença no cenário sócio-cultural e econômico dessas feiras. (MOREIRA, 1988, p. 131)

Ampliando estas discussões sobre as origens de Feira de Santana, Oliveira C.

(2000, p. 41) propõe se pensar duas Feira de Santana: uma agropastoril, sertaneja e outra Feira

da modernização e do comércio pujante.

O contexto criado a partir da tensão entre os dois fatores gera uma nova gramática urbana. Se até então a cidade era uma espécie de quintal das grandes fazendas, na qual eram realizadas semanalmente as feiras. Esse quadro deveria mudar. Nas palavras de um contemporâneo era “preciso que as luzes do progresso se abram sobre a Feira”. Nesse sentido, as posturas municipais começam se dirigir contra determinados hábitos, visando modelar uma nova visão do urbano e antigas práticas passam a ser normalizadas como indesejáveis no cotidiano da cidade, tudo em nome do progresso.

O historiador Aldo José Morais Silva, apontou o comércio como elemento

modernizante nas associações dos literatos e poetas da época. Vivia-se uma nova Feira de

Santana que ia se redesenhando ao moldes das reformas urbanísticas, aspirando as grandes

metrópoles do sul do País.

Esta cidade de Eurico Alves é caracterizada pelas ,,largas estradas, sua paisagem iluminada pelas „lâmpadas elétricas e riscada por „máquinas velozes e suas „sirenes. É a imagem de uma cidade que se quer metrópole e que, como metrópole, vislumbra com entusiasmo a „movimentação do bairro comercial, a multidão que serpenteia pelas ruas (largas) da cidade, emblema da vida urbana, tal qual nos grandes centros, quem sabe até mesmo lembranças desejosas de um longínquo Rio de Janeiro, São Paulo (SILVA, Aldo, 2000, p. 187-188).

Esta cidade, que devia ganhar novos contornos na modernização, devia

embranquecer-se, higienizar-se tomar um banho de civilização, onde vadios e imorais seriam

re-locados e escondidos em jogos de novos simulacros ao agrado das elites. Elizete da Silva

na sua leitura do campo religioso de Feira de Santana sob o olhar poético do escritor Eurico

Alves Boaventura destacou:

O lugar sociocultural do poeta Boaventura era de um fidalgo católico, nacionalista, sertanista, melhor dizendo. Um profundo conhecedor da Bíblia, pródigo em metáforas e figuras cristãs na sua escrita. Para o poeta feirense, o catolicismo era uma espécie de religião cívica, forjadora da nacionalidade e da civilidade brasileira.

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As outras manifestações religiosas existentes no cenário religioso local foram silenciadas, ou por considerá-las estrangeiras ou dignas de pouco crédito para constar na sua elegia à terra natal (SILVA, E. 2010, p. 136).

O crescimento populacional e urbano de Feira de Santana ligava-se ás

transformações políticas no Governo Vargas, oferecendo maior poder decisório

administrativo aos prefeitos locais que implementavam mudanças no perímetro urbano, em

consonância com as exigências de uma cidade moderna. A condição de entroncamento

rodoviário e de intensa vida comercial atraia imigrantes de várias regiões do País. Cruz (1999,

p. 200, 2001) indica que Feira de Santana se tornava ao longo do século XIX um grande

ponto de intermediação interior: Salvador – interior, sendo um lócus privilegiado para

realização de periódicas feiras de gado. Esse importante e adensado eixo mercantil, ia sendo

valorizado com investimentos em 1917 em estradas e em 1938 o biônimo Feira – Salvador já

se colocava como o principal tronco de irradiação e convergência de um sistema de rodovias,

com investimentos estaduais e federais.

Nesta posição estratégica para o “fluxo de capitais”, a partir da década de 40 do

século passado, Feira de Santana fez despontar seu núcleo industrial, experimentando entre os

anos quarenta e sessenta um surto de crescimento industrial, tornando-se o segundo pólo

industrial do interior do Estado. Freitas (1998, p.71) entendeu que, de uma posição micro-

regional inicialmente nos processo urbanos industriais, Feira de Santana pôde ser considerada

hoje de importância nacional.

A cidade de Feira de Santana, um centro de convergência regional, pela capacidade de concentração de uma maior quantidade de bens e serviços na região, com ascensão crescente do comércio e a presença de um centro industrial tem seu papel de comando na região, apoiados inicialmente na pecuária e hoje, nos setores secundários e terciários. Experimentando um acentuado crescimento populacional nas últimas três décadas.

O missionário e pastor batista brasileiro Ricardo Pitrowsky1 (1891 – 1965), em

um relatório de viagem pelos sertões do Brasil, intitulado “Visões e revelações do grande

sertão brasileiro”, publicado no Jornal Batista em 25 de agosto de 1938, narra em suas

andanças pelo sertão em lombo de animal, indo para Corrente no Piauí, um encontro com

vaqueiros vindos de Feira de Santana:

1 O Pastor R. Pitrowsky, Pai da memorialista Betty Antunes de Oliveira, foi pastor durante muitos anos na Igreja Batista do Engenho de Dentro no Rio de Janeiro, substituindo o missionário norte-americano, Dr. W. E. Entzminger, primeiro redator e diretor do OJB, em 1901.

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No caminho encontramos cinco homens que vinham viajando a pé já a quase um mês . Tinham eles levado gado para Feira de Santana para vender, agora vinham de volta a suas custa e não a do patrão. Vi que já estavam cansadíssimos e um deles bem doente. Mais adiante paramos para almoçar. Meu companheiro e guia Jonas cozinhou “Maria Izabel” arroz com carne seca e toucinho picado. Depois que tínhamos almoçado, veio um destes homens e nos pediu um pouco de farinha, pois tinham ainda três dias de viagem diante de si, e nada mais para comer. Oferecemos-lhe do nosso arroz (O JORNAL BATISTA, 1938, ano XXXVIII, n. 31, ago., p. 10 grifo nosso).

No corpo deste relato ele escreveu sobre a geografia, especialmente do rio São

Francisco. Pitrowsky apresentou características do campo religioso dos sertões: “Uma outra

triste revelação para mim foi o fanatismo religioso do povo do sertão. A base em grande parte

é o analfabetismo e ignorância do povo” (O JORNAL BATISTA, 1938, ano XXXVIII, n. 31,

ago., p. 10). Em seguida, para ilustrar, escreveu acerca de sua visita a Bom Jesus da Lapa e

das histórias que o povo contava sobre um “Zé Lourenço”, beato de Padre Cícero, que

oferecia rezas e prometia milagres nas localidades por onde passava. Este beato juntou muita

gente em torno de si, atraindo a ação do Governo, que dispersou o grupo, causando morticínio

em 09 e 10 de janeiro de 1938, do corrente ano de sua peregrinação. O tal santo escapou

andando por lugar ignorado. Depois de bom Jesus da Lapa, Pitrowsky seguiu para Barra, com

intenção de pegar o vapor para Santa Rita do Rio Preto e em seguida seguir viagem para

Corrente Piauí. Porém, por conta da demora da chegada da embarcação, ficou onze dias na

cidade e se ofereceu para uma conferência evangelística na Igreja Batista da Barra, seguindo

depois para Barreiras e em seguida para Corrente.

Nestas narrativas citadas, o encontro com vaqueiros pobres e espoliados pelos

grandes fazendeiros, a religiosidade sertaneja marcada por seus profetas, andarilhos e seus

nichos sagrados é acompanhada da referência a Feira de Santana lugar de entreposto no

comércio de gado.

Aqui são elucidativas as perspicazes análises sobre a religiosidade dos sertanejos,

feitas pelo Professor Silva C. (1982, p. 23-24):

Afeita a viver longe do padre, a gente do sertão habituou-se a prescindir-se de sua presença. [...] Entregue a si mesmo pela imposição das circunstâncias, ele encontra margem para desenvolver um processo seletivo e reinterpretativo das expressões da fé, em particular do culto que entre nós, como na história milenar do cristianismo, foi o momento privilegiado desta metamorfose. [...] Os textos transmitidos na oralidade de sua cultura agráfica sofrem omissões, aditamentos, nem sempre coerentes, já que as formas oracionais mnemônicas constituem o núcleo fundamental do devocionário popular.

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O olhar do pastor batista, marcadamente anti-católico e de difícil aceitação da

religiosidade popular em suas expressões singular e plural, que respondem as demandas de

sentido e salvação das populações ribeirinhas e sertanejas, demonstrava a tensão que os

Batistas, do Sul do Brasil e de outras paragens, tiveram com o campo religioso nordestino. O

estranhamento com estas alteridades religiosas remete-nos às discussões de Bourdieu (1974,

p.2).

Aqueles que, num estado determinado da relação de força, monopolizam (mais ou menos completamente) o capital específico, fundamento do poder ou da autoridade específica característica de um campo, tendem a estratégias de conservação − aquelas que nos campos da produção de bens culturais tendem à defesa da ortodoxia − enquanto os que possuem menos capital (que freqüentemente são também os recém-chegados e, portanto na maioria das vezes, os mais jovens) tendem à estratégias de subversão − as da heresia. É a heresia, a heterodoxia, enquanto ruptura crítica, freqüentemente ligada à crise, juntamente com a doxa, que faz com que os dominantes saiam de seu silêncio, impondo-lhes a produção do discurso defensivo da ortodoxia, pensamento "direito" e de direita, visando a restaurar o equivalente da adesão silenciosa da doxa (BOURDIEU, 1974, p. 2).

No campo político, a Feira de Santana entre as décadas de 1960 a 1990

desenvolveu mais agudamente sua autonomia política frente aos grupos hegemônicos do

Estado, e fazia crescer a fama de cidade oposicionista. Foram tempos turbulentos marcados

por expectativas e frustrações coletivas, principalmente nos anos de chumbo. Silva E. (2007,

p.116):

No inicio da década de 60, novas articulações políticas começavam a questionar a alternância no poder das velhas oligarquias em torno da União Democrática Nacional (UDN). Em 1962, a oposição aglutinou-se em torno do PSD ( Partido Social Democrático) e apresentou como candidato à prefeitura Francisco Pinto dos Santos, a qual conseguiu se aproximar de movimentos e setores organizados da sociedade feirense.

Com o Golpe Militar de 1964, as oligarquias locais e as forças conservadoras

executaram o intento de limpar a cidade dos “comunas”. A dureza do regime militar se fazia

sentir na prisão do prefeito, em maio de 1964, e na repressão e tortura a estudantes,

professores e lideranças políticas dos movimentos. A reação à ditadura veio com as passeatas

e protestos liderados por Luciano Ribeiro e Golbert Martins, Chico Pinto, articulados com

movimentos estudantis, movimentos pelos Direitos Humanos, Associação de moradores,

Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Sociedade Brasil Mulher (SILVA, 2007, p. 117-

118).

Neste ambiente de transformações no campo sócio-econômico, com o

fortalecimento do comércio e sendo eixo de fluxos migratórios populacionais e de capitais,

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aliado ao acelerado crescimento urbano e populacional e ainda afirmação de um pólo

industrial. Estes elementos em conjugação com a emergente organização da sociedade civil,

configurada em seus diversos atores sociais, de forte presença na cena política, conseguiram

inventar, mesmo que com as intervenções oligárquicas e militares, uma tradição de autonomia

e oposição ao mandonismo das elites estaduais. Nesta ambiência Feira de Santana foi

também cenário de uma crescente pluralização religiosa principalmente a partir da década de

1930.

2.1 NA TERRA DAS ENCRUZILHADAS: O CAMPO RELIGIOSO FEIRENSE EM

MEADOS DO SÉCULO XX.

A modernidade e a secularização propiciaram a quebra do monopólio religioso e a

pluralidade das diversas agências de salvação. Segundo Steil (2001, p. 116 grifo do autor).

O pluralismo religioso é um fenômeno moderno que tem sua origem na ruptura do monopólio de uma religião como a igreja oficial de uma determinada sociedade. Um monopólio que é quebrado tanto pelo avanço da “razão” secular, que se impõe através das ciências positivas, quanto pela diversificação do campo religioso, que resulta do rompimento da relação orgânica entre Estado e religião. Assim, a perda de um aparato estatal, que lhe garantia a reprodução social e a exclusividade, introduziu uma transformação estrutural que redefine o papel da religião na modernidade. Deste ponto de vista, a pluralidade de religiões e de interpretações do mundo atestam antes uma condição estrutural da religião nas sociedades modernas, do que um retorno ao passado. Na medida em que a religião deixa de ser fundante do social, enquanto sua base ou forma de organização, ela permite a emergência de diferentes grupos religiosos que irão atuar no nível da cultura e do conhecimento.

Neste processo de urbanização e industrialização, tidos como sinônimo de

modernização dos equipamentos citadinos e uma configuração asséptica dos espaços sociais,

operado em crescente exclusão, o campo religioso vinha experimentando novos

ordenamentos. Ainda Steil (2001, p. 115):

[...] onde diferentes formas de expressão religiosa - institucionais e não-institucionais, tradicionais e novas, permanentes e efêmeras, fundamentalistas e performáticas, sectárias e ecumênicas - convivem no contexto de um pluralismo que parece não colocar limites à diversidade.

As cidades tendem a serem espaços de racionalização e normatização da vida

religiosa. Por não existir o monopólio público do espaço religioso as tensões e disputas abrem

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espaço para criações, apropriações e transversalidade dos elementos religiosos onde as

fronteiras ficam frágeis e tênues, aumentado as trocas, os trânsitos e transes da religiosidade.

Essa burocratização do universo religioso no cenário urbano é apontada por Bourdieu (1974,

p. 34):

O conjunto das transformações tecnológicas, econômicas e sociais, correlatas ao nascimento e ao desenvolvimento das cidades e, em particular, aos progressos da divisão do trabalho e à aparição da separação do trabalho intelectual e do trabalho material, constituem a condição comum de dois processos que só podem realizar-se no âmbito de uma relação de interdependência e de reforço recíproco, a saber, a constituição de um campo religioso relativamente autônomo e o desenvolvimento de uma necessidade de “moralização” e de “sistematização” das crenças e práticas religiosas.

Pensamos que na esteira das discussões indicadas por Bourdieu, e outras

contribuições (OLIVEIRA, 2003) que buscam ampliar a discussão sobre a produção e

consumo de bens simbólicos, lembrou-se que os leigos também produzem anônima e

coletivamente. Estas significações produzidas são expropriadas pelos especialistas que

achando o material bruto logo rebusca e o faz irreconhecível para devolvê-lo como bem

simbólico. Ainda segundo Pedro Oliveira (2003, p. 191): “Isto explicaria a plausibilidade de

certas representações religiosas, e não de outras: somente a produção originada do consenso

anônimo e coletivo do grupo, obteria seu reconhecimento como sagrado”.

Feira de Santana ia se tornando este espaço de trocas e recepção do sagrado, do

imponderável, que agita a vida dos seus consumidores, que também operam cruzamentos e

recriações das tradições de fé. Sena (2008, p. 04 grifo nosso), define esta peculiaridade

feirense:

Existe uma palavra que define, em todos os sentidos, a área do presente estudo: o município de Feira de Santana. Manifesta-se no conceito de entroncamento, cujas vertentes históricas e faces econômicas, deixam-se desdobrar e se projetam em conexões sócio-culturais, onde vão se instalar amálgamas, bricolagens e simbioses, que é o cenário onde vão vicejar as construções do imaginário.

No traçado do campo religioso feirense, despontava a Igreja Católica. Nascida no

Império do Brasil, cuja religião oficial era o catolicismo, Feira de Santana, como ocorreu nos

processos de formação da maioria das cidades interioranas, cresceu ao redor da capela e dos e

ritos católicos. Estes foram fundantes do imaginário coletivo, reforçados pelo controle

litúrgico-social da vida de seus moradores, que, como já relatamos, nem sempre são

consumidores fiéis. Os estudos da professora Edilece Couto indicam a força e riqueza das

festas religiosas, onde ritos, símbolos e mitos, mais do que a doutrinação, são componentes

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importantes na vida social especialmente das famílias católicas brasileiras, espaço de devoção

e de transgressão. Estas festas ora reforçam valores ora misturam expressões consideradas

heterodoxas, a exemplo de elementos das religiosidades indígena e africana.

...a maior expressão da devoção na Bahia era a realização dos festejos em homenagem a um determinado santo, que incluíam novenas, procissões, foguetórios, banquetes e bailes populares. Afinal, as festividades não eram exercícios públicos de piedade, mas uma ocasião propícia aos divertimentos e à interligação entre o profano e o sagrado (COUTO, 2004, p. 64-65).

Segundo Silva E. (2007, p. 120) “A Igreja Católica estava presente em diversas

atividades da sociedade feirense, a exemplo de benefícios educacionais, hospitalares e

assistenciais. [...] e o Montepio dos Artistas, fundado em 1879, pelo Pe. Ovídio de S.

Boaventura”. Irmandades de leigos protegiam os menos favorecidos, sendo o santo protetor

São Benedito, negro, e Santana para os abastados (POPPINO, 1968, p.267).

As populações africanas em sua diversidade étnica, escravizada no Brasil,

trouxeram consigo a riqueza e pluralidade de sua cultura e expressões da vida religiosa, como

anota Bastide (1985, p. 30):

Os negros introduzidos no Brasil pertenciam a civilizações diferentes e provinham das mais variadas regiões da África. Porém, suas religiões, quais quer que fossem, estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, a estruturas aldeãs ou comunitárias. O tráfico Negreiro violou isso tudo.

Na afro-diáspora as populações negras buscaram negociar e recriar espaços que

não significasse total ruptura e descontinuidade com suas memórias e práticas religiosas,

marcadores de pertencimento e de enraizamento étnico. As circunstâncias vividas no

Atlântico Negro, no mundo dos escravizados, experimentaram fricções e imposições da

religião hegemônica. Silva E. (2007, p. 121) anota que:

Como religiões de escravos, portanto, cultos marginalizados dentro do sólido bloco católico, as concepções religiosas africanas se mantiveram, em parte, como uma forma de resistência cultural e foram ressignificadas como candomblé, macumba, batuque, samba, umbanda, xangô e uma variedade de designações regionais.

A liberdade religiosa proclamada com a Constituição de 1889, na prática

funcionava apenas para os cristãos. O Código Penal Republicano de 1890, nos seus artigos

156, 157 e 158, proibia magia, o espiritismo e o curandeirismo. Reis (2006, p. 23- 236)

oferece uma narrativa oitocentista da perseguição ao Candomblé. Este relato é anterior à

República.

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Ás 4h30min da tarde de 25 de julho de 1862, uma sexta-feira, foi preso em sua casa o africano liberto Domingos Sodré, então com estimados 70 anos de idade. Domingos fora denunciado pessoalmente ao chefe de polícia por um funcionário da Alfândega, que o acusava de receber por suas adivinhações e “feitiçarias” objetos roubados por escravos a seus senhores. “Candomblé” foi como o chefe de polícia denominou o que existia na casa do africano, termo já em voga nessa época para definir práticas religiosas tidas como africanas. A autoridade policial levou muito a sério a denúncia e ordenou uma operação repressiva, capitaneada pelo subdelegado interino da freguesia de São Pedro Velho, onde Domingos residia. Acompanharam-no dois inspetores de quarteirão, um deles vizinho do chefe do candomblé. Além destes, estava presente o tenente-coronel comandante do corpo policial, também mobilizado para a diligência pelo chefe de polícia.

O Diário de Notícias, 1904, periódico que circulava em Salvador, publicou sob o

título “Horrível scena de feitiçaria trêz mortes” descrevendo:

[...] num subúrbio de Feira de Santana trata-se de mais uma bárbara manifestação de Feitichismo, tão enraizada no espírito de certas camadas de nosso povo, que na cegueira da credulidade entrega-se às mãos de ignorantes e especuladores feiticeiros no distrito de Almas, morte de trez infelizes, clientes dos curandeiros e bruxos em exercício até em cidades que se presam de civilizadas (Apud Silva E., 2007, p.122).

Instigante um outro registro, este feito no OJB de 4 de setembro de 1941, cuja

epígrafe é: “A macumba, um dos nossos flagelos”, o qual denunciava:

“Dentre os grandes males que assolam e envergonham o Brasil e ainda não mereceram das autoridades a atenção que cumpre, está o chamado espiritismo que tem povoado os manicômios especialmente o baixo espiritismo ou feitiçaria. No Distrito Federal ou em Pernambuco a polícia já iniciou a campanha aos macumbeiros. A profilaxia, porém, deve ser rigorosa e mais extensa um pouco. Que ela continue sem esmorecimentos. Infelizmente em quase todos os Estados do Brasil, muito pouca atenção se tem dados este contrabando africano e o resultado é que o “curandeiro” é o médico de muitos lugares e de outros é até o valentão que tem em suas mãos a vida de muitas pessoas”. (O JORNAL BATISTA, 1941, ano XLI, n. 34, set. p. 1 grifo nosso).

Percebemos nestes relatos, embora em épocas diferentes, as semelhanças que já

indicavam a forte marginalização e estigmatização das religiões de matrizes africanas,

expressões de violência e intolerância religiosa, criminalização, racismo explícito, sinais

evidentes de continuidades das representações étnicas herdadas do etnocentrismo da religião

civil dos missionários, atualizada pelo racismo estrutural presente na formação social

brasileira. As práticas de Candomblé eram opostas à civilização. Em entrevistas2 feitas aos

membros da PIB de Feira de Santana, afro-brasileiros, ao narrarem suas histórias de vida, e

perguntados pela pertença ou passagem de familiares pelas religiões de matriz africana, o

2 Farei referência a estas entrevistas mais adiante em análises de outras narrativas religiosas dos batistas em Feira

de Santana.

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discurso não foi diferente, estas passagens eram vistas como algo demoníaco, feitiçaria e

“baixo espiritismo”, como são nominados. Estes discursos revelaram, por exemplo, absoluta

rejeição a qualquer elemento que lembre sinais da cultura afro, como samba, dança etc.

Em 1937, realizou-se na Bahia sob a coordenação de Edison Carneiro, o I

Congresso Afro-brasileiro, exigindo das autoridades, respeito e liberdade religiosa de fato.

Ainda patrocinado por Edison Carneiro foi organizada a União das Seitas Afro-brasileiras da

Bahia (SILVA, E. 2007, p. 122). Em Feira de Santana o escritor feirense Aloísio Resende,

nesta mesma década, foi discriminado na cidade por ser umbandista e suas poesias por

fazerem apologia aos orixás.

O Espiritismo, tão logo fora codificado por Kardec (Denizard Hippolyte Rivail)

no século XIX, a doutrina espírita já era recepcionada no Brasil, especialmente na Bahia pelo

professor Teles de Menezes, que publicava seus artigos e divulgava a literatura comentando a

novidade. Ainda no século XIX, na década de 60 fundaram um jornal, O Eco do Além

Túmulo. Em 1873 fundaram uma Associação Espírita em Salvador. O Clero católico logo

reagiu classificando os médiuns de charlatões e embusteiros. O sincretismo religioso afro-

católico propiciou uma maior assimilação das idéias espíritas.

Em Feira de Santana, o casal Deraldo e Ziza de Carvalho, fundou em 1936, na

Rua Castro Alves, o primeiro Centro Espírita da cidade - Paz dos Sofredores. O segundo foi o

Centro Jesus de Nazaré. Em 1950 surge a Sociedade de Estudos Espíritas Feirense. A atuação

das obras de caridade e assistência social (Lar do Irmão Velho) aliada a uma divulgação

constante da literatura, organização de manifestações públicas, como a Semana Espírita e a

Caminhada da Paz, vem consolidando os frutos espíritas na cidade, que tem hoje mais de

5000 praticantes (SILVA, 2007, p. 124). Os nomes de Cloves Nunes e Divaldo Franco, em

suas investigações e produções sobre o espiritismo, são indicativos que o acesso à doutrina do

espiritismo passa muito por certa escolaridade, o que em parte dificulta aos analfabetos e

pessoas de baixa renda, a adoção das doutrinas espíritas.

2.1.1 O Protestantismo em Feira de Santana

As transformações religiosas ocorridas nos séculos XVI e XVII na Europa

Ocidental marcaram o fim da Cristandade3 católica e sua hegemonia nos territórios europeus,

3 Esta cristandade vai seguir menos abalada nas colônias das Américas Luso-Hispânica.

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extra ecclesiam nula salus (fora da Igreja não há salvação), onde os contornos da instituição e

seus domínios eram os espaços sagrados da salvação. Karl Marx, na crítica da Filosofia do

Direito de Hegel, lembrava que Lutero “retira a fé na autoridade e restaura a autoridade da

fé”. Também anota que “a miséria religiosa, é, de um lado, a expressão da miséria real e, de

outro, o protesto contra essa mesma miséria. A religião é o suspiro da criatura oprimida”

(MARX; ENGELS, 1972, p.9 ).

Engels (MARX; ENGELS, 1972) pesquisando as guerras camponesas articulada

pelos anabatistas que se levantaram contra os príncipes alemães percebeu a força

mobilizadora da religião, inda que acentuando as questões materiais na sua abordagem. O

aparecimento, visibilidade e eclosão de vários grupos que estavam à margem na cristandade

medieval, banidos como heréticos, se apresentavam, e outros se produziram neste contexto em

ebulição.

A reforma na Inglaterra abre o precedente do Governo da Igreja ser conduzido

pelo poder temporal, situação esta que fez emergir a Igreja Anglicana, agora não mais

dependente de Roma. Grupos inconformistas na Inglaterra, entre eles puritanos calvinistas,

radicalizaram suas posições e pregaram a separação da Igreja do Estado e a liberdade

religiosa. Com idéias semelhantes estavam os anabatistas perseguidos em quase toda Europa.

No Brasil, em 1555 Huguenotes, Calvinistas Franceses, com a benção de Calvino,

Reformador de Genebra na Suíça, aportaram na Baia da Guanabara. Contradições internas e

traições minaram o projeto destes de colonização. No século XVII a tentativa de colonização

pelos calvinistas Holandeses foi malogrado durando menos de duas décadas. A hegemonia

católica nos trópicos seguiu sem grandes ameaças até o século XIX, quando o Brasil foi

elevado em 1808 a Reino Unido Brasil-Portugal, após a presença da família Real no Rio de

Janeiro em 1808. Os tratados comerciais com os Ingleses facilitaram a entrada de protestantes

anglicanos, restritos ao seu espaço étnico, as leis brasileiras não proibiram o proselitismo e a

construção de templos. Os imigrantes alemães chegaram em 1824, e trouxeram o culto

luterano. Mas antes deles os Anglicanos na Bahia e no Rio de Janeiro gozavam de certa

tolerância nos limites do acordo já estabelecidos junto a Coroa.

Os EUA, inicialmente composto por 13 colônias no século XVII, se constituíam

em bases republicanas e com liberdade religiosa. Estes são alguns dos fatores que

contribuíram para o aparecimento das Denominações. Em 04 de maio de 1813, esteve por

dois meses em Salvador, na casa do Cônsul norte-americano, vindo da Índia e sondando as

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possibilidades de iniciar uma obra Batista, o Dr. Luther Rice. Também, em meados de 1850,

esteve no Rio de Janeiro um tal de Theóphilus, com o mesmo propósito. Estes antecederam T.

J. Bowen em 1860 (OLIVEIRA, B. 2005), conforme é observado no capítulo 1. Os

Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas, Episcopais, também se fizeram presentes. Assim

o protestantismo de missão, com apoio de suas agências missionárias, foi consolidando a

expansão protestante no Brasil.

Numa tipologia que aparece nas pesquisas de Mendonça (1984), a primeira etapa

de inserção do protestantismo no Brasil podia ser chamada de Protestantismo de colonização,

com a incursão de franceses e holandeses calvinistas nos séculos XVI e XVII. Em um

segundo momento com o interesse do Governo na imigração no século XIX, surgiu o

protestantismo de imigração. A Guerra Civil norte-americana e o contexto de avivamento

religioso nos EUA trouxeram para o Brasil o protestantismo missionário. O pentecostalismo

emerge no interior destes movimentos de santificação e avivamentos religiosos. Isso ocorreu

especialmente entre os afro-americanos, em regiões de crescente urbanização e

industrialização nos EUA, com forte fluxo e refluxo migratório de muito estrangeiros

europeus, os quais de passagem pelos avivamentos estadunidenses chegaram ao Brasil no

ciclo da borracha no Pará. O pentecostalismo foi iniciado, portanto como uma dissidência

entre os batistas, aquela que se tornaria a maior denominação pentecostal do Brasil, a

Assembléia de Deus, em 1910.

Em 1889 o presbiteriano Rev. Chamberlain, fez uma tentativa de evangelização

protestante em Feira de Santana. Este reverendo foi transferido para Cachoeira depois de

perder seus dois filhos ao contraírem febre amarela. ((TRABUCO 2009, p. 74).

Poppino, (1968, p. 282) indica que “Só uma vez ou duas, nos trinta anos que se

seguiram, missionários protestantes visitaram o município”. A inserção protestante em Feira

de Santana foi se configurar na década de trinta em diante, com a crescente urbanização e

fortalecimento do comércio. No Brasil o protestantismo missionário foi experimentando

consistente crescimento neste período.

A chegada do casal Isobel C. Gillanders e RodericK Gillanders , missionários da

Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, em 1935, é apresentada como colportores de

Bíblias, mas instalavam-se para fazerem uma missão, especificamente em Feira de Santana.

Em sua casa nasceu o embrião de uma igreja, núcleo, matriz geradora dos núcleos de diversas

igrejas na cidade. Fundou-se assim, em 1937, a Igreja Evangélica Unida. Esta abrigou

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imigrantes de várias paragens e denominações, sinalizando assim um espírito “ecumênico” e

acolhedor que se fazia presente nas origens protestantes desta cidade, hoje tão cindida. A

presença inicial desta igreja logo foi notada pela Igreja Católica, e o padre local buscou as

autoridades locais, o prefeito, os vereadores e a polícia, para fazer restrições (GILLANDERS,

1990, p. 19-20). Na década de 1950 no Jornal Folha do Norte, o articulista Hugo Navarro,

registrou de forma pejorativa e preconceituosa a presença protestante nos espaços públicos da

Cidade.

Em cada esquina, berra um pastor protestante com sua proverbial burrice, atirando o Evangelho às golfadas, aos troncos, aos pedaços, por sobre os fiéis e por sobre quem passa.Mas, ainda há bons católicos, os que vão à missa, aos domingos, por que assim manda o catecismo, e de doutrina cristã sabem ficar o Vaticano em Roma e que Satanás é um mau sujeito (FOLHA DO NORTE, 13 jan.1951. Não paginado)

Em dados estatísticos, logo abaixo, podemos ver a progressão nos anos de 1930 a

1940, indicando uma crescente pluralização do campo religioso brasileiro:

Tabela 01: Distribuição de evangélicos por denominação religiosa

Fonte: apud. CAMPOS, 2008.

O quadro acima mostra-nos a dianteira dos batistas, neste momento, indicando

maior capilaridade e expansão. Segundo Campos (2008, p. 25-26 grifo nosso):

Nela [Tabela acima] observamos que entre os evangélicos de missão os números da expansão favoreceram os batistas, que estão divididos no Brasil, em tradicionais (Convenção Batista Brasileira) e carismáticos (Convenção Batista Nacional); os Batistas regulares, (fundamentalistas); e alguns grupos pequenos de batistas de origem russa, sueca e de outras procedências. Os luteranos participam do total com 18,32%; os presbiterianos (do Brasil, Independentes e Renovados) com 16,92%, sendo 10% considerados evangélicos de outras procedências. [...] Os batistas, talvez pela sua agressiva maneira de fazer propaganda ou pela forma congregacional de organizar as suas congregações locais, obtiveram um melhor equilíbrio entre o governo local, o poder das associações estaduais, e o controle indireto e não

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intervencionista de uma convenção acional. Eles demonstraram, ao longo das décadas, um salto de quase 25 pontos.

A presença dos pentecostais entre os evangélicos no Brasil já em 1964 assumiu a

dianteira com 73% contra 9,5% em 1930. O pentecostalismo chegou ao Brasil no início do

século, em 1911, como dissidência entre os batistas no Pará. Os Batistas suecos, Daniel Berg

e Gunnar Vigren que estiveram nos EUA na região onde eclodiu o pentecostalismo, deram

origem a Assembléia de Deus no Brasil. A Congregação Cristã, 1911, também foi fruto deste

movimento nos Estados Unidos da América, com o migrante italiano e presbiteriano Luigi

Francescon, o qual atuou em São Paulo entre operários e também imigrantes do Norte e

Nordeste do Brasil. Na década de 1940, a Igreja do Evangelho Quadrangular, vinda dos

EUA. Nos anos 1950 oriundos no Brasil a Igreja Evangélica Pentecostal Brasil para Cristo.

Nos anos 1960 a igreja Deus é Amor e nos anos 1970 em diante, o neopentecostalismo:

Igreja Universal do Reino de Deus; Igreja Renascer em Cristo; Igreja Internacional da Graça

de Deus. O fenômeno da pentecostalização atinge as igrejas históricas a partir da década de

1960, quando também emerge o movimento carismático católico - Renovação Carismática

Católica - vindo dos EUA. O crescimento do Pentecostalismo no Brasil esteve na esteira dos

crescentes processos de industrialização e urbanização do País, sendo um fenômeno muito

presente nas classes empobrecidas.

O crescimento pentecostal representa, hoje, 17% dos 22% do conjunto dos

evangélicos no Brasil. Veja abaixo:

Tabela 02: Cenário desenhado pela pesquisa Fundação Getúlio Vargas.

Fonte: apud. CAMPOS, 2008.

Em Feira de Santana os Pentecostais fundaram a primeira congregação em 1939

(SILVA, I. 2008). Os pentecostais em Feira de Santana assim como em outros lugares, na sua

maioria são das classes baixas. Segundo Oliveira M. (2004, p.102, 103) a maioria afro-

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brasileira é pentecostal. A umbanda, o candomblé e outras variações afrobrasileira, são

estatisticamente inferiores.

2.2 ANTONIO LOURENÇO NERY E FELIPE NERI: PREGADORES

AFROBRASILEIROS NOS INÍCIOS DA PIB DE FEIRA DE SANTANA.

Em 02 de março de 1947 a Primeira Igreja Batista de Feira de Santana foi

organizada contando com trinta e dois membros e um templo provisório. O concílio de

organização foi presidido pelo missionário M. G. White e secretariado pelo pastor Alberto

Sales Nascimento, então pastor da Igreja-mãe, a Igreja Batista dos Mares em Salvador, onde

também congregava o casal White. Samuel Macedo foi o primeiro a assumir o pastorado

efetivo da PIB de Feira de Santana.

Segundo Silva E. (2007. p. 01) um dos primeiros registros sobre os Batistas em

Feira de Santana é de outubro de 1941 no Jornal Folha do Norte que informou a presença de

uma caravana evangélica.

Da Igreja Dois de Julho da capital da Bahia, devendo fazer pregações pela manhã e tarde do dia 05 de outubro, sendo liderada pelo talentoso pastor Ebenézer Gomes Cavalcante, da qual também faz parte o pastor Rer. Alfredo Mignac.

No mesmo ano organizou-se a Congregação Batista em Feira de Santana sob os

auspícios da Igreja Batista de Nazaré das Farinhas e o apoio do Pastor da Igreja Batista de

serrinha, cidade próxima à Feira de Santana. Em 24 de maio de 1945, no OJB, por ocasião da

passagem do terceiro aniversário do Pastor Alberto Sales do Nascimento, registrou-se na

mesma nota informativa dados sobre a congregação Batista de Feira de Santana:

A igreja já conta com 20 crentes na Feira de Santana.O trabalho naquela cidade está confiado ao jovem Isaías Francisco Cardoso, que se transferiu do Ginásio de Jaguaquara para o de Feira, para auxiliar a Congregação. O pastor a visita mensalmente (O JORNAL BATISTA, 1945, ano XIV, n. 21, maio p. 01).

O Colégio Taylor Egídio, fundado em 1898 em Salvador, por Laura Taylor e pelo

capitão Egídio Pereira de Almeida foi transferido para Jaguaquara (A Toca da Onça em Tupy)

em 1922, tornando-se também espaço para preparação de pré-seminaristas que seguirão para o

STBNB em Recife Pernambuco. O Colégio sempre contou com a presença de missionários

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norte-americanos, entre eles a presença constante de M. G. White que secretariava o campo

Batista baiano. Na foto abaixo, o casal de missionários M. G. White e Kate White aparecem

no lançamento da pedra fundamental do Orfanato Taylor Egídio. Podemos inferir que a

chegada do pré-seminarista Isaías Francisco Cardoso para auxiliar a Congregação Batista em

Feira de Santana, citado também por Terezinha Nery e por Antonio Lourenço Nery4, tenha

sido indicada e/ou apoiada pelo casal White. Este mesmo casal, especialmente M. G. White

uma vez que a Senhora Kate White dirigia a Escola Doméstica Kate White em Salvador, foi

interino algumas vezes na PIB de Feira de Santana. Tanto no Colégio como nas congregações

as presenças dos missionários marcaram e influenciaram decisivamente na formação do

pensamento Batista conforme discutiu Guimarães (2001, p.115-16):

Muitas vezes a Primeira Igreja Batista em Feira de Santana foi pastoreada por norte-americanos [...] que contribuíram decisivamente para a formação do pensamento protestante e sua expansão em Feira de Santana em meados do século XX. [...] A doutrina protestante difundida em Feira de Santana estava inextricavelmente marcada pelas influências pietistas, puritanas e fundamentalistas, não permitindo transgredir a orientação bíblica. Este biblicismo e radicalismo confessional não admite dúvidas ou erros, daí a dificuldade em ouvir o outro e de considerar como cristãos genuínos outros grupos a exemplo do catolicismo.

Figura 04: O lançamento da pedra fundamental do Orfanato Taylor Egídio. No centro da foto o casal de missionário norte-americano M.G. White e Katte White, expressão de liderança e influência nas ações Batistas na região. Foto retirada do O Jornal Batista, 1946, a. XLIX, n.5, fev. p.05.

4 Entrevistas concedidas ao autor em suas residências. Antônio Nery em 01 de dezembro de 1995, hoje falecido. Terezinha Nery em 13 de agosto de 2009.

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A formação do pensamento Batista brasileiro foi uma espécie de “papel carbono”

da teologia dos Batistas do Sul dos EUA, é o que assevera Azevedo (1996, p.225) “O

pensamento Batista no Brasil é o pensamento Batista norte-americano reproduzido em linhas

gerais” ou seja biblicista (leitura fundamentalista e acrítica da Bíblia), supranacional

(presume-se sem influências externas, o que não é verdade), apologética (em defesa da fé e

contra as heresia afro-católica e outros), pragmática (ativismo eclesiástico) pedagógica

(doutrinarismo via Escola Bíblica Dominical, literatura, liturgia e púlpito).

Antes de tornar-se Igreja, a congregação Batista em Feira de Santana foi dirigida

pelo irmão Antonio Lourenço Nery, sob a presidência do Pastor Paulo Alves da Silva. O

irmão Antonio Nery era um afro-brasileiro nascido em 10 de agosto em 1913. Ele trabalhou

como pedreiro num armazém de fumo em Ipirá e aposentou-se como fiscal da Previdência

Social. Fora sacristão, até 1942, quando se converteu5 e passou a congregar com os irmãos

alfaiates na Rua do Meio, hoje a Sales Barbosa, em um tendazinha de Alfaiate. Iniciou-se

assim uma congregação Batista com o apoio do Pr. Paulo Alves da Silva, também

afrobrasileiro, na época pastor da Igreja Batista em Nazaré das Farinhas. Após ser batizado,

em 1943, Antônio Nery foi convidado pelo pastor para a direção da congregação:

Após o batismo, o pastor me fez a entrega da congregação, a congregação agora vai ser dirigida pelo irmão Antonio Lourenço Nery. Eu senti um pouco de receio, vamos dizer de medo, que a responsabilidade eu já achava muito grande, falar das coisas celestiais, falar das coisas de Deus e ter qualquer tropeço [...] mas quando Deus chama ninguém pode recuar6.

O fichário7 de membros da PIB de Feira de Santana, das décadas de 1940 a 1960,

indica um percentual de mais de 60% de afrobrasileiros, o que confirma os dados das

pesquisas sobre a inserção do protestantismo em Feira de Santana, com a composição social

de classe média e classe média baixa. No período inicial nas décadas de 1940 a 1970, a

composição era de maioria da classe baixa, composta de pedreiros, domésticas, comerciários,

lavradores e etc. Seguindo ainda as informações no Fichário de Membros da PIB, e nas

entrevistas ao Sr. Antonio Lourenço Nery e sua filha Terezinha Nery, membros fundadores,

percebemos uma significativa presença de afro-brasileiros, entendida como uma configuração

5 Terezinha Nery, sua filha em entrevista, afirma que ele se converteu com os missionários Roderick Gillanders, indo depois congregar com os irmão alfaiates. Já o Relato dele, teria se convertido com o pastor Paulo Alves da Silva. 6 Entrevista concedida ao autor em 01 de dezembro de 1995 em sua residência. Hoje falecido. 7Uma das tabelas adiante ilustra estes dados da composição social com base nas fotos e entrevistas com membros fundadores

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historicizada e não numa perspectiva essencialista de identidade, conforme anota Reginaldo

(1995, p.17, grifo nosso): “A utilização dos termos, homem de cor, negro, afro-brasileiro,

para designar o mesmo sujeito, expressa, sobretudo, a historicidade e o significado destas

categorias do pensar do e sobre o negro no Brasil”.

Terezinha Nery lembra que a congregação era composta, em sua maioria, por

pessoas humildes e de sua cor. Em algum momento da entrevista ela se reconhecia parda, em

outro morena. Segundo ela8 “existia um pregador muito fervoroso, Filipe Neri, vendedor

ambulante, mas não era seu parente, era mais moreno do que ela, preto, era analfabeto, mas

todos admiravam de como ele falava daquele jeito, o povo parava para ouvir”. O pregador

ambulante tem sua auto-estima elevada na condição de pregador apreciado pela comunidade.

A comunidade de fé constitui-se numa nova relação e significação para os afrobrasileiros,

nela eles têm voz e vez e são respeitados.

Perguntamos ao Sr. Antonio Nery9 sobre o que fazia no tempo da congregação e

ele respondeu:

Como assim? Tudo que se pode fazer um homem médio, um homem, do conhecimento não muito elevado, muito alto, mas que dava mais ou menos pra fazer o que o Evangelho mandava, a Bíblia nos dizia. Ali se, ali se, lavávamos a casa, nós carregávamos bancos, fazíamos mudança, eu pregava o Evangelho, o pregador da congregação era eu porque tava mais entrosado com as Escrituras, com as coisas da vida, mesmo pra colocar, fazer ou imagem de qualquer coisa para a compreensão das pessoas por que hoje se fala muita coisa, tem igreja que a gente vai lá, se faz a pregação tão grande , tão bonita e a pessoa entra vazio, sai vazio porque não entende. Se fala mais para pessoas de altas de conhecimento do que pra pessoas de poucos conhecimentos [...] Mas naquele tempo não, a coisa era boa, gostosa mesmo e o Evangelho pegou a crescer, com pessoas pequenas com muita vontade

As narrativas são “espaços” onde se pode captar uma tradução das práticas e

representações religiosas. A partir do relato citado, é possível inferir a busca do afro-

brasileiro, dentro do protestantismo, por um lugar, espaço de reconhecimento, acolhimento e

ascensão social como bem anota Bastide (1985, p. 514) quando discutiu a assimilação

vertical, as apropriações dos símbolos e representações coletivas católicas ou protestantes

para negociar seu respeito e reconhecimento no espaço social.

[...] os negros que se convertem, antigos bêbados e vagabundos, sobre os quais pudemos documentar, são atormentados pelo desejo de sair de suas vidas de pecados e, de fato, após a sua conversão (segundo revelou nosso inquérito) se tornaram cidadãos honestos. O que lhes permite, em troca, por causa destas qualidades

8 Entrevista concedida ao autor em 13 de agosto de 2009 na sua residência. 9 Entrevista concedida ao autor em 01 de dezembro de 1995, em sua residência. Hoje falecido.

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morais, subir na escala social[...]. O que nos parece dominar para o homem de cor, é essa vontade de sair da classe baixa e por assim dizer aburguesar.

A procura pelo lugar e o reconhecimento desvelava-se na narrativa de Antonio

Nery: “Mas naquele tempo não, a coisa era boa, gostosa mesmo e o Evangelho pegou a

crescer, com pessoas pequenas com muita vontade”. Ele se lembrava do tempo em que

pregava, liderava, e tinha um lugar social na congregação. Este tempo tinha tornado-se

memória saudosa do lugar de ontem frente ao não-lugar. Era também o tempo da valorização

da simplicidade como tentativa de superação das desigualdades - sentir-se em casa e não na

Senzala. Lugar e tempo onde um “negro analfabeto”, “gente pequena” em contraposição a

“gente alta”, tem voz e vez.

Felipe Neri, o prodigioso pregador analfabeto e vendedor ambulante na feira,

assim como Antônio Nery, também referendavam estas buscas na sua experiência de “bem-

sucedido” pregador perante a avaliação de muitos, conforme relatou Terezinha Nery. Estas

memórias foram revisitadas e idealizadas para lidar com a aridez hostil e solitária de um

presente que fogia à mão, onde já não existia espaço para o protagonismo. Este era mediado

pelo carisma e a flexibilidade dos espaços, ainda em construção, portanto pouco marcado pela

rotina e a hierarquização. Nestes espaços pouco se tinham os especialistas da religião,

treinados para o controle da tradição (WEBER, 1991), eles apareciam vez ou outra e quando

estavam os outros se calavam. “Duro é o seu discurso”, dizia Antônio Nery sobre o pastor

Paulo Alves da Silva. Sem os especialistas a “gente pequena” tem voz, vez, protagoniza,

acontece e é valorizada. O ascetismo protestante convive com o lúdico da criação, a

perplexidade do nascimento - “a coisa era boa, gostosa mesmo”, há quase uma dimensão

erótica do sagrado, algo pra se fruir com os símbolos da nova fé. “O Evangelho pegou a

crescer” - um vendedor ambulante, afro-brasileiro, empobrecido traz uma identificação nova,

respeito e dignidade, aos fracos e loucos. Para estes, Deus confundiu os fortes e entendidos e

fez crescer a comunidade que caiu na graça do povo. “Com pessoas pequenas com muita

vontade” - aqui o sacerdócio universal de todos os crentes, a “força dos leigos” inventando

espaços de acolhimento e construindo assim, outros espaços.

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Figura 05: Terezinha Nery (filha) e Antonio Lourenço Nery (pai) membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana organizada em 1947. Atuaram no início da congregação em 1942 (acervo familar de Terezinha Nery).

O Sr. Antonio Lourenço Nery, no interregno para chegada do novo pastor, mais

uma vez ficou responsável para dirigir os trabalhos. Com a chegada do pastor, Samuel

Macedo, ele passou a ocupar outros cargos de liderança e participou em comissões para

campanha de construção do novo templo. Por motivos familiares, deixou a comunidade

Batista em 194910 retornando, porém na década de 1980. Ele foi eleito vereador para Câmara

de Vereadores de Feira de Santana pelo Partido Social Democrata (PSD), exercendo a

Legislatura de 1955 a 1959, era prefeito o Sr. João Marinho Falcão11. Antônio Nery foi colega

na câmara de Colbert Martins do PSD e de João Durval Carneiro da União Democrática

Nacional (UDN). Ele aposentou-se como funcionário público, como fiscal do INSS.

Pesquisar a trajetória da PIB em Feira de Santana ofereceu-nos histórias de vida e

registros de afrobrasileiros que experimentaram a construção de uma identidade religiosa,

quase sempre em conflito com o universo afrocatólico, e minimizando o problema do racismo

e da condição do negro e da negra na sociedade brasileira. Quando se pergunta, ainda hoje,

sobre a questão do preconceito racial nas comunidades Batistas as respostas evitam o

aprofundamento do problema ou atribui à sociedade este pecado - “ao mundo que não

conhece a Jesus”.

10 Ata nº 09 de 17 ago. 1949. Livro 01 de Atas da PIB de Feira de Santana. 11 Informação encontrada no site: <http://www.camarafeiradesantana.ba.gov.br>. Acesso em 30 jun. 2010.

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Os batistas, assim como os metodistas,presbiterianos, congregacionais e episcopais, em sua grande maioria afirmam que existe preconceito racial na sociedade brasileira. Recorrem à situação nos Estados Unidos para falar do preconceito no Brasil e é assim que aqui o preconceito é quase sempre considerado pouco significativo, é visto mais como uma discriminação em decorrência da situação sócio-econômica de negros e mulatos na estrutura social do que em decorrência de um problema racial (FLORIANO, 1985, p. 73).

Defendemos que a composição sócio-econômica e étnica da PIB de Feira de

Santana reflete a realidade de uma importante cidade baiana em pleno desenvolvimento, mas

também com seus paradoxos e contradições. Por ser um eixo rodoviário, a cidade atraiu no

fluxo e refluxo das passagens dos migrantes, muitas famílias, algumas já protestantes e outras

que encontraram nas comunidades Batistas uma nova família em meio ao turbilhão das

transformações sócio-econômicas, estes tinham nestas comunidades um lar para quem não

tinha casa, que tentavam a sorte nestas peregrinações.

Figura 06: Primeira Igreja Batista de Feira de Santana no ano de 1948. Sentado de terno branco o Pr. Samuel Macêdo, Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. A PIB Sita à Rua Monsenhor Tertuliano Carneiro, nº 40. (acervo particular da Sra. Terezinha Nery).

A foto acima abril de 1948, ocasião do aniversário da PIB de Feira de Santana, no

momento da Escola Bíblica Dominical (EBD), domingo pela manhã, oportunidade que reunia

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toda comunidade. No relatório publicado no OJB, o pastor Samuel Macedo fez o seguinte

balanço do primeiro ano depois de organizada:

[...] Dos 36 irmãos fundadores 1 saiu por carta e 4 por exclusão. Recebemos por demissórias 13 irmãos e por batismo 6. Tendo uma entrada de 19 novos membros. Contando a igreja atualmente 50 membros no seu ról. A igreja atende as demandas locais, estaduais e denominacionais com os dízimos e ofertas da metade dos membros. Nas atividades evangelísticas usou-se serviço de alto falante da cidade, conferências. Realizou-se curso para as senhoras, moças e a mocidade nos quais foram estudados 03 livros, com 13 irmãos aprovados nos respectivos cursos, ministrados pelo pastor local. O púlpito de nossa igreja foi ocupado neste primeiro ano pelos seguintes pastores e obreiros: M. G. White, Isaías Batista, Antonio Deraldo da Silva, Roderico Gilandios, Osires Marques, José Florêncio Rodrigues, Josias Santos, Alberto Sales Nascimento[...] (O JORNAL BATISTA, 1948, ano XLVIII, n. 11, mar. p. 02).

O número de ingressos na comunidade no período de um ano, por carta

demissórias (transferências), assinalava pessoas vindas de outras cidades e estados

circunvizinhos para residirem em Feira de Santana, como se confere nas atas deste período. A

comunidade se apropriava dos meios de comunicação de massa da época - os “altos falantes”.

Aconteciam estudos ministrados pelo pastor para o crescimento não só orgânico, das

organizações, mas também incentivo a leitura e estudo de livros, zelo com a doutrinação e o

treinamento de lideranças para o modelo de comunidade Batista da época. Medidas que

buscavam responder a crescente pluralidade do campo religioso feirense. Os pastores que

ocuparam o púlpito da comunidade apontavam para presença do missionário norte-americano

M. G. White, do neerlandês Roderico Gillanders missionário da “Igreja Evangélica Unida” e

outras lideranças evangélicas e Batistas, de proximidade doutrinária com a tradição puritano-

pietista, base comum a todos eles. No segundo aniversário conforme relatório publicado em

14 de abril de 1949 no OJB registrou-se uma entrada de trinta e cinco membros e saída de

cinco membros, estes somados aos cinqüenta membros já existentes, perfazem um total de

oitenta membros, o que indicava um crescimento numérico de 60%. Em 1967 estes números

chegaram a trezentos e dezenove membros e neste a entrada por batismo já era superior ao de

carta demissórias.

Segundo o anuário estatístico dos cultos protestantes no Brasil 1968/1969, o

campo religioso protestante em Feira de Santana apresentou acentuada pluralidade.

Page 95: Jorge Nery - Uefs

94

Tabela 03: Estatística do Culto Protestante em Feira de Santana – Bahia 1968/1969

Templo

Sede

Membros existentes 31.02.67

Ano Nº de

Templo Admis-

são Exclu-

são

Membros existentes

Batiza- do

Casa-mento

Ofício Fúnebre

1 Adventista do

Sétimo dia 232 68 69

3 3

0 52

6 52

226 210

0 0

2 2

1 1

2 Batista

Alvorada 103 68 69

1 1

30 13

9 20

124 117

0 0

1 3

1 1

3 Batista do

Ponto Central 21 68 69

1 1

28 37

0 7

49 79

0 0

0 0

0 0

4 Batista do

Sobradinho 234 68 69

6 6

58 41

20 22

272 291

0 0

0 4

0 0

5 Evangélica Assembléia

de Deus 1.584

68 69

20 23

153 188

46 66

1.691 1.813

0 0

4 6

2 6

6 Evangélica

Avivamento Bíblico

103 68 69

2 2

33 4

23 10

113 107

17 0

0 1

3 1

7 Evangélica Cristã Congregacional 135

68 69

2 2

1 16

7 8

139 147

0 0

3 0

1 0

8 Evangélica

Fundamentalista 105 68 69

4 4

35 29

13 11

127 145

0 0

4 1

0 1

9 Presbiteriana 165 68 69

4 4

8 20

2 2

171 189

12 12

1 2

1 1

10 Primeira

Igreja Batista 339 68 69

5 5

38 17

21 74

356 299

0 0

3 0

2 1

11 Segunda

Igreja Batista 225

68 69

2 2

64 15

16 42

273 246

0 0

2 2

1 0

Fonte: Estatística do culto protestante do Brasil - 1968/1969. Departamento de Imprensa Nacional - 1972/1973.

Na tabela acima observamos a diversidade no campo religioso protestante

feirense. A Primeira Igreja Batista em 1967 tinha trezentos e trinta e nove membros, entrou

por admissão trinta e oito membros e foram excluídos vinte e um, totalizando trezentos e

cinqüenta e seis os fiéis. Nas atas aparecem muito frequentemente exclusão de membros por

motivos de ausências aos cultos e conduta pessoal “desviante”. Isto refletia o moralismo

puritano-pietista, onde os eleitos de Deus deviam dar, em suas vidas, sinais de tal eleição. Ou,

ainda, no viés dos avivamentos pietistas com um forte apelo a santificação, uma busca por

perfeição aos moldes weslyanos. John Wesley (1703-1791), clérigo anglicano do século

XVIII, trouxe renovação para piedade religiosa mais ligada ao coração e aos sentimentos e

menos ao dogmatismo formalista e legalista e mantendo a crença na perfeição cristã. Os

Batistas nos EUA foram profundamente influenciados pelos avivamentos religiosos puritano-

pietista, desenvolvendo ardorosa “paixão pelas almas”, o missionarismo “o mundo para

cristo”. Na tabela três, em comparação com os outros grupos protestantes, os Batistas só

Page 96: Jorge Nery - Uefs

95

perdiam, em números, para Assembléia de Deus, que tinha maior expressividade nestes,

fazendo jus a sua maior inserção nas periferias do município. Na pesquisa sobre Assembléia

de Deus e a política em Feira de Santana Silva, I. (2009, p. 58) mostrou a composição quanto

à cor no pentecostalismo.

Outro aspecto a observar quanto a composição social relaciona-se com a cor. O pentecostalismo teve uma grande quantidade de negros em sua composição. A Assembléia de Feira de Santana era composta de uma maioria negra, conforme as fontes iconográficas trabalhadas ao longo do texto. No Censo Demográfico de 2000 a Assembléia de Deus de um total de 8.418.140 membros, tinha 4.591.531 negros, margem bem superior aos 3.699.014 brancos. Os demais declararam a cor ou raça amarelo ou indígena ou ficaram sem se declarar.

No livro A religião mais negra do Brasil (OLIVEIRA, 2004, p 112), Marcos Davi

de Oliveira, demonstra como os números favorecem aos pentecostais. As suas análises da

pertença dos afrobrasileiros aos grupos pentecostais se deram por conta de uma religiosidade

pouco abstrata, do toque, do êxtase, da espontaneidade, da produção dos encantamentos,

magia, e ainda impuseram um senso de direção na vida, que consiste na exigência de

separação “do mundo”. Este “mundo” é compreendido pelos féis como algo que foge a

esfera do agradável a Deus e as exigências de separação dele já eram normatizadas por estes

grupos. As análises de Oliveira, M. (2004, p.50), muito embora tragam contribuições para se

pensar as ligações da espiritualidade pentecostal com a espiritualidade de matriz africana, elas

correm o risco de cair nos essencialismos, no discurso do natural e inato aos povos de origem

africana, algo atávico, sempre presente onde eles estiverem e numa afinidade eletiva teriam

propensões e predisposições a se agregarem.

Ainda acima, na tabela do Anuário Estatístico dos Cultos Protestantes no Brasil,

notamos que a PIB de Feira de Santana em 1968, terminou o ano com uma membrezia de

trezentos e cinqüenta e seis pessoas. Em 31 de dezembro de 1969 tinha duzentos e noventa e

nove membros, registrando, portanto uma entrada de dezessete pessoas e uma saída de

setenta e quatro. Estes dados revelavam a cissiparidade nas comunidades Batistas, e também

as condições de onde faziam brotar outras comunidades locais, “autônomas” e livres, para

desenharem sua trajetória. Nas tabelas que seguem abaixo perceberemos as relações entre os

afrobrasileiros que estavam presentes na PIB de Feira de Santana de 1945 à 1975 e as

dinâmicas da sociedade brasileira com suas mudanças e contradições.

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96

Tabela 04: Estado civil, gênero e cor

Estado Civil Gênero Cor

Casad. Solteir. Viúv. Não

Identif. Mulheres Homens

Afro-brasileir.

Branc. Não

Identif.

66 51 14 30 121 41 99 29 34

Fonte: Fichário de membros da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana, entre as décadas de 1945 à 1975, em um total de 162 fichas. (Acervo digitalizado pelo autor).

O recenseamento nacional brasileiro utiliza cinco categorias etnoraciais: pretos,

pardos (mestiço-mulatos), amarelos (asiáticos), brancos e indígenas. De 1940 a 2000 os

censos do IBGE seguiam praticamente as mesmas categorias, mesmo com a tentativa de

ativistas de movimentos negros em sugerir o termo “negro” ou “afrodescendente”. Segundo

Sansone (2003, p. 62-63) numa pesquisa feita por ele com mil e vinte e quatro pessoas entre

Salvador (Caminho de Areia) e Camaçari no item de auto-identificação da cor, os

entrevistados utilizaram ao todo trinta e seis termos diferentes. Nas suas análises Sansone

(2003, p. 86-87) conclui:

[...] a autodefinição da cor define grupos de indivíduos (pretos, pardos, morenos, brancos e assim por diante) com características sociais e culturais semelhantes. [...] o termo empregado para indicar a cor do próprio indivíduo ainda se refere também a uma posição social e cultural específica. Chamar a si mesmo de negro, preto, pardo ou escuro não depende unicamente da cor, mas também da idade e até certo ponto, do nível de instrução. As diferenças entre as gerações contribuem para criação de “tipo” entre informantes negros. Generalizando, cada tipo utiliza uma terminologia específica da cor e maneiras próprias de lidar com as relações raciais, negritude e o racismo.

Nas entrevistas feitas a auto-identificação coadunam com as análises de Sansone.

Eram adultos com faixa de idade superior a cinqüenta e cinco anos que tendiam a se

descreverem como pardos, mulatos, morenos, morenos claro, cor de Jambo. Este fenômeno,

afirma Sansone, é chamado de embranquecimento. Na elaboração da tabela acima, a partir do

fichário de membros da PIB em Feira de Santana, encontramos dificuldades com a ausência

de um item pedindo o dado sobre a cor. Trinta e quatro pessoas não foram identificadas na sua

cor, as outras pessoas só puderam ser identificadas ou a partir das fotos ou de uma entrevista

com um membro da PIB citada um pouco mais abaixo. Silva, O. (1998, p.179 grifo do autor)

já analisou este silêncio constrangedor sobre a “cor” dos fiéis nos documentos da Primeira

Igreja Batista do Brasil e da Igreja Batista Independente do Garcia, ambas em Salvador, no

inicio do século XX.

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97

Nesse caso o silêncio é extremamente revelador. Trata-se de um silêncio constrangedor que parecia querer omitir o dado da referência étnica, o que ao mesmo tempo acompanhava as concepções de igualdade perante Deus. [...] era uma forma de apagar as raízes africanas em uma comunidade predominantemente negra, mas que passava por um processo de conversão, ou desafricanização, que consideravam pecaminosas e errôneas todas as manifestações culturais de origem africana. Se converter “é mudar de discurso e de prática” os membros da Igreja Batista deveriam esquecer as suas origens étnicas africanas, as velhas práticas e assumirem o novo discurso do evangelho anglo-saxônico pregado pelos missionários norte-americanos e absorverem novas atitudes civilizadas, compatíveis com o corpus doutrinário que estava sendo ensinado.

A conversão representava, no universo protestante, uma ruptura com um universo

de significação, uma cosmificação. Um cosmos cheio de significados entrava em crise e dava

lugar a uma nova subjetividade, uma nova ordem, revestida e re-significada de outra

linguagem que fazia oposição ao que se concebia anteriormente. Os estudos de Silva E.

(1998) e de Trabuco (2009) analisaram o “estranhamento” e o “imperialismo cultural”

presentes nas atitudes e representações que os missionários norte-americanos tinham no

contexto baiano. A conversão genuína se caracterizava pela ruptura com o passado e com os

elementos afro-católico na vida do converso. Na narrativa abaixo ocorre uma ilustração desta

discussão.

A senhora M. V. F.12, tem 72 anos, casada mãe de 11 filhos, seu esposo também

negro foi pintor, mecânico. Ela exerceu várias funções: costureira, sacoleira, trabalhou em

casa de sapateiro, foi doceira e decoradora. Identificou-se como negra e disse sentir-se feliz

em sê-la, é feirense membro da PIB de Feira de Santana, sempre foi católica até converter-se

ao protestantismo aos 42 anos. “Foi no dia 27 de agosto de 1967, num domingo à noite e a

mensagem do dia foi feita por um seminarista do Instituto Bíblico Batista do Nordeste. Antes

tive um sonho e identifiquei as pessoas do sonho como Batistas por causa das argolinhas nas

orelhas, minha irmã já era da Assembléia de Deus”. Filha de pais afrobrasileiros, seu pai era

latoeiro, formação primária, e sua mãe era de São Gonçalo. Ao descrever a religião de seus

pais ela informou:

Era uma pessoa religiosa, era católica, mas tinha tendência ao espiritismo umbandista, mesmo que não fosse filiada ela tinha essa tendência. Papai e mamãe consideravam-se católicos. Papai na época da Festa de Santana ele participava de tudo, procissão, era muito vaidoso fazia dois trajes diferentes, dois ternos um para o domingo outro para a terça-feira que era o dia da procissão. Minha mãe se considerava católica e ensinava aos filhos esta formação freqüentava missa e ensinava isso. Minha mãe também freqüentava um centro... mesa branca, um centro espírita... mas eles tinham também, era uma mistura... eu me lembro bem ,era uma

12 É apresentada em anônimo por questão de sigilo da pessoa que concedeu a entrevista. Entrevista realizada em sua residência em 27 de julho de 2009.

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98

menina, eu me lembro bem...o dono do centro morava em frente ao Fórum Felino Bastos e tinha uma Chácara lá perto do Campo de Aviação, aí eles faziam as reuniões e sessões aqui e lá nessa Chácara ele batia mesmo tambor, fazia oferendas, matanças, era sete dias de festa e era uma casa freqüentada por autoridades da cidade de Feira de Santana, prefeito, até prefeito freqüentava a casa dele. É...minha mãe freqüentava esta casa. Se considerava católica mas, freqüentava esta casa... rezava ofício de Maria as quarta-feira, mas praticava as duas coisas o catolicismo e o umbandismo. [...] minha mãe quando teve problema de diabete amputou uma das pernas e fez uma decisão[converteu-se]...mas um dia uma das amigas da Umbanda foi visitá-la e a minha irmã a única crente da família foi falar de Jesus pra esta mulher, quando a mulher saiu ela se revoltou com minha irmã... então não ficou patente a conversão dela não.

A narrativa da senhora M. V. F. está repleta de práticas e representações deste

universo Batista feirense. O campo religioso é o desafio que aparece na descrição que fez da

religiosidade de seus pais. Religiosidade, segundo Teixeira (1983, p.9) é uma experiência de

“uma religião vivida, internalizada e expressa em diferentes dimensões do corpo social”,

portanto estético-expressivo. É a vivência e apropriação por parte dos (in)fiéis dos símbolos,

mito, ritos e crenças, diferente de Religião que diz muito mais os aspectos dogmático-

normativo, ético-conceitual controlado pelos sacerdotes, pela hierarquia institucional. Na

entrevista M. V. F. afirmava que sua mãe era uma transgressora, “Minha mãe se considerava

católica e ensinava aos filhos esta formação, freqüentava missa e ensinava isso. Minha mãe

também freqüentava um centro [...] mesa branca, um centro espírita [...] mas eles tinham

também, era uma mistura[...]”. O sincretismo religioso, reconhecido fenômeno religioso

afrocatólico na Bahia apareceu na sua descrição como o outro, diferente em oposição à

“verdadeira fé”, à “sã doutrina” como ensinavam os missionários. Quando narrava a

conversão de sua mãe, ela assegurava não acreditar nesta decisão pois não demonstrava uma

genuína ruptura com estas misturas e religiosidades. “Aceitar Jesus” implicava numa total

ruptura com este mundo e tudo que a ele se associe. A Umbanda apareceu na sua descrição

como um fenômeno religioso urbano e rural, onde pessoas das classes baixas, como sua mãe e

autoridades, freqüentavam os rituais de festas, sacrifícios e encantamentos. Segundo Prandi

(2004, p. 223) a Umbanda é vista como a “religião brasileira” por excelência:

No início do século XX, enquanto os cultos africanos tradicionais eram preservados em seus nascedouros brasileiros, uma nova religião se formava no Rio de Janeiro, a umbanda, síntese dos antigos candomblés banto e de caboclo transplantados da Bahia para o Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX, com o espiritismo kardecista, chegado da França no final do século XIX. Rapidamente disseminada por todo o Brasil, a umbanda prometia ser a única grande religião afro-brasileira destinada a se impor como universal e presente em todo o País. E de fato não tardou a se espalhar também por países do Cone Sul e depois mais além. Chamada de “a religião brasileira” por excelência, a umbanda juntou o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra, e símbolos, espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas do Brasil mestiço.

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99

O conceito de sincretismo vem sendo alvo de muitas discussões, alguns

pesquisadores vem trabalhando com os conceitos de hibridismos, multiculturalismo. Para

Ferreti (1995, p.217) “podemos constatar a existência de três variantes principais no conceito

de sincretismo, que são próximas, englobando outros sentidos do termo, a saber: mistura,

paralelismo e convergência, ao lado de separação, em que não existe ou não identificamos

sincretismo.” O sincretismo e a tradição são conceitos ambíguos, experimentam as

dificuldades consensuais entre os teóricos das Ciências Sociais que também tem dificuldades

com os conceitos de etnia e identidade. As experiências religiosas afro-católicas, espíritas e

neopentecostais, para citar os mais estudados, recentemente oferecem desafios nas

investigações dos trânses e trânsitos religiosos, nas permutas e circularidades. As

contribuições da Antropologia, das Ciências da Religião, da Teologia poderão ampliar a

compreensão do fenômeno.

A senhora M. V. F. informou a naturalidade de sua genitora, de São Gonçalo,

lugar onde a experiência afrocatólica tem uma longa caminhada. Lessa (2005, p.02)

investigou a Irmandade da Boa Morte composta por mulheres negras pertencentes aos

segmentos mais baixos da sociedade. Segundo ela “A Irmandade da Boa Morte é produto da

ressignificação de instituições femininas africanas e da religiosidade católica e,

concomitantemente, tornou-se espaço de outras práticas religiosas de origem afro, à sombra

do catolicismo.

As idéias de miscigenação e da democracia racial e os processos de assimilação

das populações afrobrasileiras, que se identificavam como morenos, mestiços, pardos etc.

compõem o branqueamento presente nas políticas estatais. A negação da cor ou sua

amenização para tons que se aproximem do branco representava conflitos e negociação que os

afro-brasileiros tratavam em relação com a ascendência escrava ou a tentativa de afirmação de

suas potencialidades numa sociedade racializada. O pastor José Belarmino do Monte, que

quando seminarista foi membro na década de 1960 da PIB em Feira de Santana, respondeu

com dificuldade e depois de certo silêncio ao perguntarmos sobre a existência de racismo ou

discriminação racial nas igrejas evangélicas:

O racismo tem que se deter somente na cor, né? O racismo é mais cor... sei não... acho que não deveríamos falar nem nisso! Diante do que significa ser cristão, né... o meu valor não está na minha raça, o meu valor está na minha aceitação de Cristo

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100

como meu Salvador, todos são iguais. Converter o homem muda o coração a atitude.13

A ética Batista celebra o indivíduo, muda-se o indivíduo para se mudar a

sociedade. Segundo Teixeira (1987, p.276) “a teologia da conversão batista se preocupava

com a propagação da mensagem sagrada, com vistas à conversão dos pecadores, é o objetivo

ideal a ser alcançado, superando de longe outras questões como o evangelho social, o trabalho

educativo e a participação política.” As questões sociais se dissolvem para se dar relevância a

vida espiritual como estando acima das contingências - a dualidade espiritual e social.

Tivemos dificuldades nas fontes com o “dado da cor”, conforme já citado. O

critério que utilizamos para identificar o componente étnico foi fotografias presentes no

fichário da PIB e a entrevista com a senhora Doralice Freitas14. Esta entrevistada conheceu

muitos dos que aparecem nas fichas ampliando assim as informações e características dos

indivíduos. Os identificados como afro-brasileiros neste espectro são os identificados de

“preto” a “moreno claro”. Sabemos que a identidade é histórica, experimenta a dimensão

temporal; é contingente situa-se nas circunstâncias na imprevisibilidade; é relacional se

configura na experiência da alteridade, no nó de relações que se estabelecem consigo mesmo,

com o mundo e com o outro; é política, clivada de interesses nos jogos de representações e de

poder, no terreno dos conflitos, portanto dinâmica e não - fixa. Assumir uma identificação é

uma experiência de profunda subjetividade, relacionada com variáveis externas, já assinaladas

anteriormente: condições socioculturais, faixa etária, grau de instrução e contexto de relação

familiar, vicinal e outras. Como já foi dito os entrevistados e entrevistadas, que apareceram

também no fichário com características semelhantes aos que acessei somente por fotografia,

se auto-identificam como moreno, morena escura, negra, cor de jambo, dentro de uma escala

que escolhemos denominar de afrobrasileiro. Segundo Hall (2003, p. 327) “[...] somente pelo

modo no qual nos representamos e imaginamos a nós mesmos que chegamos, a saber, como

nos constituímos e quem somos”.

Quanto ao gênero nas fichas pesquisadas encontramos cento e vinte e uma

mulheres e quarenta e um homens. Um terço da membresia era de mulheres. Embora as

mulheres tenham sido maioria nesta Igreja e também mais do que a média nacional da

população brasileira, nas comunidades batistas as relações eram constituías de maneiras

13 Entrevista de José Berlamino do Monte, concedida em 06 de julho de 2010 em sua residência, na cidade de Recife - PE. 14

Entrevista realizada em sua residência no dia 29 de junho 2009.

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101

bastante assimétricas. As mulheres ocupavam pouco espaço de decisão atuando quase sempre

como coadjuvante. Essas representações são modeladas na referência da “virtude e da

submissão”. Silva E. (1998, p. 304) assevera:

Se ao nível do discurso o pensamento batista elevava a mulher a um patamar de dignidade, equiparado ao homem, de fato, na prática cotidiana do sexo feminino no interior das comunidades, revelava um profundo desencontro entre o concebido e o vivido no dia-a-dia tanto no lar, quanto na vida eclesiástica. [...] os batistas continuaram a manter os padrões vigentes na sociedade.

Não podemos discutir as relações de gênero sem incluir também as questões de

classe e de etnia, principalmente numa sociedade fruto de um processo histórico de escravidão

e racialização. Mulheres, negras e pobres vivenciaram histórica, social e culturalmente

diversas formas de violências. Acrescentemos a isto as questões de orientação sexual e opção

religiosa. A busca por autonomia da mulher no espaço privado e público experienciou ao

longo da história inúmeras formas de repressão e controle. A religião, especialmente, as

estruturas religiosas e as práticas e representações instituídas, colaboraram para colocarem as

“mulheres no seu lugar”, nos padrões da família burguesa. Os estudos de Almeida (2006, p.

172) sobre mulheres Batistas em Salvador na comunidade Batista do bairro de Plataforma,

classe baixa, e na comunidade Batista Sião no Campo Grande, classe média-alta, evidenciou

algumas representações:

O perfil de mulher batista encontrado no manual da União Feminina Missionária Batista do Brasil, nos jornais denominacionais e nas atas apontavam para um ideal de mulher representada pela esposa fiel e submissa, a mãe abnegada, e pela filha obediente, além de pura, bela e educada. Era um perfil de mulher mais próximo das mulheres de classe média-alta, o que não significa que era mais fácil para elas corresponderem a esse perfil. Já para as mulheres da Igreja Batista de Plataforma era quase impossível ser mulher batista ideal, isso porque precisavam trabalhar para sobreviver e criar seus filhos e filhas, longe de se manterem impecavelmente belas e puras.

Nas entrevistas realizadas com mulheres afrobrasileiras na PIB em Feira de

Santana, nas quais elas rememoravam suas trajetórias desde os anos de 1960, as mulheres

ocupavam sempre funções auxiliares ou aquelas próprias do “lugar” e “natureza da mulher”:

Cuidavam do ensino das crianças e dos(as) adolescentes, acompanhavam a instrução de outras

senhoras, faziam assistência social através das organizações de mulheres e serviam as

lideranças masculinas.

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102

Tabela 05: Profissões

Nº Profissão Mulheres Homens 01 Agricultor/a 05 09 02 Auxiliar de comércio 01 03 Auxiliar de escritório 01 04 Comerciário/a 03 04 05 Costureira 09 06 Doméstica 66 07 Estudante 18 04 08 Fazendeiro 01 09 Ferreiro 01 10 Funcionário da Petrobrás 02 11 Funcionário Público 01 03 12 Lavadeira 01 13 Missionário 01 14 Motorista 01 15 Pedreiro 04 16 Professora 01 17 Soldado 01 18 Soldador 01 19 Não Identificada 17 07

Total 121 41 Fonte: Fichário de membros da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana, entre as décadas de 1945 à 1975, em um total de 162 fichas (Acervo digitalizado pelo autor).

Na composição das profissões identificadas no fichário da PIB de Feira de

Santana, no período de 1945 a 1975, observamos que os empregos formais eram poucos,

embora já se percebesse cerca de 10% na formalidade, em empregos públicos, no comércio, e

até mesmo funcionários da Petrobrás. Isto se configurou numa pequena amostra dos processos

de crescimento em Feira de Santana apontado nas investigações de Freitas (1998), Cruz

(1999) e Nascimento (1996). Os estudos de Cruz (1999, p. 293-94) sobre a dinâmica da

ocupação da população em Feira de Santana, ainda em 1995, indicaram que:

Na informalidade, crescem as oportunidades de Exploração de grande contingente da classe trabalhadora. [...] O trabalho por “conta própria”, na verdade esconde formas dissimuladas de exploração (e espoliação) do trabalhador, que se submete a jornadas mais longas, menor remuneração e uso de trabalho familiar. A segregação social e econômica se manifesta nesta informalidade quando, por exemplo, se observa que é relativamente maior a presença de negros e mulheres e um expressivo contingente de pessoas (quase 80%) que recebem menos de três salários mínimos.

Segundo Skidmore (1991, p. 12), a Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (PNAD) em 1976 demonstrava que pela primeira vez o governo percebeu nos

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103

dados coletado que a variável “raça” era independente na determinação do modo de vida.

Quando foram controlados educação, idade e sexo, a raça apareceu como única explicação

para variações significativas na renda. Estas distâncias entre rendas aumentam mais ainda

quando se relacionam ao grau de instrução. Os mesmos dados se repetiram em 1982. O

quadro abaixo ilustra isto. Neste os pardos e os mulatos ainda estão mais bem posicionados

do que os pretos.

Tabela 06: Renda de Negros como proporção da renda de brancos, por setor de atividade

Fonte: SKIDMORE, 1991, p.12.

Em seu texto “Pais negros, filhos pretos.”, discutindo trabalho, cor, diferença

entre gerações e o sistema de classificação racial num Brasil em transformação, o antropólogo

italiano Sansone (2003, p. 42), analisou a mudança da classificação racial que aparece nos

censos de 1940 a 2000. Segundo ele a “terminologia oficial e informal modificou-se e

continua mudando ao longo do tempo”. Sua análise levou em conta três períodos nas relações

raciais no Brasil, dois dos quais interessa para o recorte temporal desta pesquisa, cada um

deles corresponderam a diferentes níveis de desenvolvimento econômico e integração da

população negra no mercado de trabalho.

Entre o término da escravidão, em 1888, e a década de 1930, a economia da Bahia ficou relativamente estagnada e o emprego na indústria era mínimo, concentrando-se nas regiões sul e sudeste do país e atraindo uma imigração em massa da Europa. Isso levou a produção de um mercado de trabalho que permitia pouca mobilidade social para os negros da Bahia. Enquanto isso, as relações eram determinadas por uma sociedade altamente hierarquizada em termos de cor e de classe. Os negros na sua maciça maioria pertencem a classe baixa, “conheciam seu lugar”, e a elite, quase

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104

toda branca, podia cerrar estreitamente suas fileiras sem se sentir ameaçada (SANSONE, 2003, p. 44).

No fichário de membros da PIB de Feira de Santana as profissões de pedreiro,

servente de pedreiro, costureira, doméstica, lavrador são muito comuns neste período. Um

exemplo é a Sra. Agripina do Espírito Santo, registrado na ficha como viúva, 60 anos, nascida

em três de fevereiro de 1888, ano oficial da abolição dos escravos, natural de Nova Sôres na

Bahia15. Em 1946, ela residia na Galiléia, bairro de empobrecidos na periferia em Feira de

Santana. Ela atuou como empregada doméstica e tivera nove filhos. Agripina esteve presente

no período da comunidade ainda em formação, antes de sua organização em “igreja” em

1947, e possivelmente, como outros pertencentes a comunidade, era encantada com os

pregadores afro-brasileiro, a exemplo de Felipe Neri, o analfabeto e vendedor ambulante, já

citado. Estes dados do fichário refletiam também a condição das famílias dos afrobrasileiros

na pós-abolição, geração ainda marcada por uma sociedade hierarquizada e de pouca

mobilidade social como indicou Sansone (2003, p.44).

O segundo período vai da ditadura populista de Vargas, na década de 1930, até o fim do regime militar de direita, no término dos anos setenta. Nos anos trinta, e pela primeira vez em larga escala, abriram-se oportunidades para população negra no setor formal do mercado de trabalho, sobretudo no setor público. Entre meados dos anos cinqüenta e meados dos anos setenta, a indústria petrolífera de controle estatal, em especial na Bahia, com a criação de várias e grandes refinarias, na área metropolitana de Salvador e no recôncavo, deu forte impulso a integração da população negra. O desenvolvimento do mercado interno neste período abriu espaços para os negros na indústria. O setor público e o comércio exibiram crescimento. Os empregos formais e a mobilidade social mais acessível às populações negras deflagrou o início de um tipo diferente de consciência social e racial. De 1964 a 1983, a junta militar reprimiu os direitos civis e desestimulou a organização dos negros. Ainda assim entre 1970 e 1980 houve um crescimento e criatividade para as organizações negras e a cultura negra. Mais do que antes, os novos trabalhadores negros começaram a exigir igualdade e, em conseqüência disso, demonstraram interesse no orgulho negro e nas organizações negras. A ascensão social e o investimento no lazer, a exemplo dos blocos carnavalescos, cria um novo olhar sobre si e a realidade em volta.

Aparece no mesmo fichário Nestor Silva Freitas, um afrobrasileiro, nascido na

década de 1930, funcionário da Petrobrás, com formação primária e pai de cinco filhos. Ele

chegou em 1964 a Feira de Santana depois de residir em Candeias, município em área

petrolífera, e passou a congregar na PIB. Sua profissão inicial era caceteiro, empreitava

calçamento de ruas, mas conseguiu através de um cunhado em Salvador uma vaga para

15 Fichário de membros da PIB de Feira de Santana (digitalizado pelo autor).

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trabalhar na Petrobrás, onde atuou por vinte e sete anos.16 Além dele outro membro também

era petroleiro, Augusto Silvério da Rocha, que ingressou na PIB em 19 de março de 1967.

Estes exemplos nos ajudaram a refletir as alterações na condição de algumas famílias

afrobrasileiras. Doralice Freitas, esposa do Sr. Nestor Silva Freitas, informou em entrevista

que a vinda para Feira de Santana foi motivado pelos estudos das crianças e uma melhor

qualidade de vida, expectativas estas presentes na nova situação de emprego do esposo.

Moravam, e ainda moram hoje, no bairro da Kalilândia, no centro da cidade17. Segundo ela os

afrobrasileiros sempre foram capazes e quando tinham oportunidade se destacavam. Ela

conviveu com pastores Batistas negros em outras cidades baianas como Amargosa e

Candeias, além dos pastores Saturnino Pereira e Jonas Barreiras de Macêdo Filho que foram

pastores afrobrasileiros na PIB de Feira de Santana. Ela narrou ter presenciado, uma certa vez,

um gesto de discriminação racial. “Não era comum, mas uma vez ouvi um grupinho dizer,

acerca do Pr. Jonas B. Macedo Filho [afrobrasileiro]: Por que é negro... estas coisas que

dizem, quando querem discriminar.”18

O pastor afrobrasileiro Jonas Barreiras de Macedo Filho, que também atuava

como professor no IBBN, foi um atuante pregador Batista do Norte e Nordeste do Brasil. Sua

trajetória remonta aos primórdios dos Batistas nestas regiões. Nasceu em Santa Rita do Rio

Preto, em 26 de setembro de 1912. Viveu sua infância em Barreira na Bahia e sua

adolescência em Corrente, no Piauí no Instituto Batista Industrial, um colégio mantido pela

Missão Batista norte-americana. Ele era filho do conhecido pastor e missionário pioneiro

daquela região, Pr. Jonas Barreiras de Macedo. Convencido da vocação ministerial, Jonas

Filho, segue para Recife onde concluiu seus estudos em Teologia. Fez o bacharelado em 1937

e o mestrado em Teologia concluído em 193819. Trabalhou arduamente apoiando e

fortalecendo inúmeras igrejas, como pastor e missionário. De 1951 a 1970 foi missionário da

Junta de Missões Nacionais (JMN), quando também iniciou sua carreira de docência

teológica. Atuou como docente no Instituto Teológico Batista em Carolina, Maranhão, sendo

também seu diretor por 10 anos. Em Ibotirama, na Bahia, pela JMN da CBB, deu início a um

instituto congênere, que funcionou por pouco tempo. Devido a descontinuidade deste Instituto

foi convidado pelo Dr. Robert Elton Johnson a colaborar com o IBBNE em Feira de Santana.

16 Entrevista concedida ao autor por Doralice Freitas em 28 de junho de 2009, em sua residência. 17 Idem. 18 Idem. 19 MACEDO, Jonas Barreiras de Macedo. Sonhos e Visões. Pequeno relato autobiográfico escrito em 29 set. 1992 em Feira de Santana – BA (acervo do STBNe).

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Em 1971, vivenciou a transição do Instituto para Seminário, ficando até o ano de sua morte

em 2000.

Em 1973 começou a pastorear a PIB e por sete anos esteve à frente da

comunidade. Em um dos seus sermões em Carolina, Maranhão, em julho de 1953, no

contexto de um mundo bi polarizado pela Guerra Fria, o pastor Jonas Filho discutiu o

conceito de ideologias políticas e classificou o comunismo, o fascismo e o nazismo como

ideologias totalitárias e anticristãs. Nas suas considerações finais ele exortou:

Agora só uma advertência ainda que nos é feita por um corajoso escritor americano: tenham cuidado certos evangélicos ingênuos que resolvam apoiar os comunistas por que estes também são anti-católicos como também estejam aberto os anti-comunistas que pensam poder aliar-se a Roma para combater o Kremlin. Que Roma e Kremlin são inimigos irreconciliáveis não há dúvida. Mas que um evangélico se uma a qualquer deles para combater o outro é rematada loucura. Um é contra a religião e a liberdade a outra é contra a liberdade e a religião que não seja a sua. Nós queremos religião e liberdade. Permaneçamos eqüidistantes.20

Neste sermão o discurso enfatizava a liberdade para propagação da fé cristã,

porém mostrava também à influência norte-americana que estava na vida deste pastor desde

sua formação de adolescente em uma instituição montada pelos estadunidenses e que elegia os

EUA como a utopia implícita, como analisou Alves (1979). Na citação acima os inimigos são

bem definidos: Os comunistas e os católicos romanos. Existia um medo implícito de

conspiração para destruição da fé cristã. Segundo o Pr. Jonas Filho, atraídos pelas propostas

de justiça e luta social, muitos evangélicos se enveredavam pelas artimanhas do comunismo.

Estas observações indicavam a força das práticas e representações sociais mediadas pela

atuação dos missionários norte-americanos, reificando assim no imaginário Batista brasileiro

o ideário do destino manifesto do seu País. Noutra mensagem, no dia em que os Batistas

celebravam a Bíblia, geralmente no segundo domingo de dezembro, o pastor Jonas Macedo

fez uma apologia às Sagradas Escrituras e a vida humana, que foi tema de sua dissertação de

mestrado (MACEDO FILHO, 1938). Neste esboço de sermão, na ilustração utilizada para

ratificar a tese de que a Bíblia tinha poder para transformar o homem, ele narrou:

Certo africano procurou um dia o missionário Robert Moffat, que havia traduzido a bíblia para a língua dos nativos, muito triste por haver perdido uma folha do Livro Santo. O missionário prometeu-lhe arranjar outra folha, mas o africano explicou que sua tristeza era ter ficado o seu cachorro inutilizado por ter comido a folha da Bíblia, e, portanto agora não poderia ser mais agressivo, valente para as caçadas e não poderia ao menos roubar. O missionário então compreendeu que o africano havia

20 MACEDO, Jonas Barreiras de Macedo. Lutar com Cristo enfrentando as ideologias políticas. Sermão manuscrito de Julho de 1953, Carolina-MA. (Acervo pessoal da Profª Jamim Macedo, viúva do Pr. Jonas Barreiras Macedo Filho).

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verificado que pela leitura da Bíblia as pessoas convertidas se tornavam honradas e pacíficas, não mais agrediam ou prejudicavam ao próximo e ficou com medo de também o seu cachorro ser transformado e perdesse a agressão e valentia por haver comido a página da Bíblia. Então concluiu: Estaremos nós demonstrando em nossa vida, em nosso testemunho de crentes amorosos, benfazejos, espirituais, a mudança de nosso caráter pelos feitos da palavra de Deus?21

Neste fragmento, aparece uma das personagens muitas vezes utilizadas nos

púlpitos Batistas para ilustrar a eficácia das missões cristãs na vida dos povos. Neste caso,

apareciam os africanos, representado como o nativo, termo da antiga antropologia

evolucionista (DAMATA, 1991), a qual construíra suas análises etnocêntricas de

hierarquização dos povos a partir do relato destes missionários que no século XIX se

alinharam ao lema cristianismo, comércio e civilização. O africano, “o nativo”, via no Livro

Sagrado do missionário o encantamento mágico que ele operava onde tocava ou era tocado, e

este encanto podia até mesmo afetar o seu animal. Não podemos perder de vista que numa

fenomenologia religiosa, a religião dos missionários, marcada pela modernidade e pela

“racionalidade” do espírito protestante, sempre teve dificuldades com as religiões de matriz

africana. Isto acontecia especialmente por conta de cosmovisões diferentes. O importante no

pragmatismo da pregação era a internalização por parte do africano dos valores pregados dos

missionários. O tema da conversão aparecia para novamente confirmar que, era mudando o

homem que se muda a sociedade, e a pregação da Bíblia e somente ela faria isso. Portanto, as

ideologias que queriam discutir as estruturas injustas da sociedade não tinham a eficácia.

Segundo Teixeira (1987, p. 275) “A concepção de que o texto bíblico se constitui como

“regra de fé e ordem” para a vida religiosa e secular do homem, leva o Batista a uma atitude

de simplificação das questões sociais, políticas e econômicas que ocorrem na sociedade”.

Neste contexto a Bíblia muitas vezes é vista como tendo a solução para todas as

questões da vida em sociedade. Uma comunidade Batista era uma empresa missionária, “cada

crente um missionário”. O mote principal era o amor e a conversão das almas perdidas. O

modelo de organização da comunidade Batista, vigente nos anos de recorte desta pesquisa, se

estruturava em organizações missionárias, divididas em homens e mulheres, que preparavam

do bebê (rol de bebê) até o idoso, para serem missionários. As atividades e programações

tinham como objetivo único e último a evangelização e esta subordinava qualquer outra ação.

Na foto abaixo observamos um rito comum na PIB nos anos de 1960. Um missionário norte-

21 MACEDO, Jonas Barreiras de Macedo. Lutar com Cristo enfrentando as ideologias políticas. Sermão manuscrito de Julho de 1953, Carolina, MA. (Acervo pessoal da Profª Jamim Macedo, viúva do Pr. Jonas Barreiras Macedo Filho).

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americano falava aos estudantes do IBBNE, que foram preparados e enviados pelas igrejas

para cumprirem a missão, como pastores ou missionários.

Figura 07: Templo da PIB em Feira de Santana em 1960. Missionários norte-americanos no momento de ensino e exortação, com a presença de estudantes do IBBNE.

Nesta foto aparece o interior do templo da PIB em Feira de Santana. Existe aqui a

geografia do espaço sagrado, como analisa Gil Filho (2007, p.12):

A Geografia do Sagrado não é a consideração pura e simples das espacialidades dos objetos e fenômenos sagrados e, por conseguinte de seu aspecto funcional e locacional; mas sim, sua matiz relacional. A Geografia do Sagrado está muito mais afeta à rede de relações em torno da experiência do sagrado do que propriamente às molduras perenes de um espaço sagrado coisificado. [...] A dinâmica do espaço sagrado reitera a transcendência própria da experiência religiosa. O espaço sagrado é a imagem da experiência religiosa cotidiana assim como sua própria referência.

A construção destes espaços sagrados denota a capilaridade e a microfísica do

poder. A disposição dos utensílios e a ordenação dos atores se constituem em relações de

poder. Nesta dimensão observamos na figura acima, um sistema de relações que põe em

relevo as divisões, as classes, as subordinações e o julgamento diferenciado. No primeiro

plano os missionários norte-americanos e um pastor brasileiro, ambos especialistas da

religião. Na análise de Bourdieu (1974) são os que detêm o capital simbólico que legitima a

ação. Abaixo da plataforma aqueles que estavam sendo mirados pelo missionário, enquanto

este discursava aos que representavam aqueles que em breve seriam especialistas, os

seminaristas, e estes, portanto deviam garantir a reprodução da Instituição e a ela servir.

Como atores coadjuvantes estavam os fiéis que na tradição protestante não eram os leigos

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passivos numa ação sacramental, mas os ouvintes da pregação e sujeitos na evangelização,

vocacionados, que deviam colaborar no mutirão da colheita, pois a seara está pronta e carece

de obreiros.

Dentro de uma tradição puritana e pietista a ausência de símbolos e ícones

comuns a outras tradições cristãs denotam o lugar da fala e do discurso como centrais. A

ausência de mulheres na plataforma (púlpito) reproduzia o conservadorismo típico dos

missionários do Sul dos EUA, bem como o patriarcalismo da sociedade nordestina e

protestante. Como sempre ocorria com as igrejas Batistas no Brasil a PIB foi fundada e

apoiada com a presença de missionários estadunidenses, entre eles M. G. White, Burley E.

Cader, Jackson Day, Dr. Robert Elton Johnson e Elisabeth Johnson e outros. A PIB conviveu

de perto com a programação do IBBNE, celebrações de formatura, treinamento em educação

religiosa, clínica de música, métodos e práticas evangelísticas etc.

No processo de redemocratização na década de 1980 na esteira da crescente

globalização e diversificação do mercado de trabalho e os processos de educação escolar em

massa, novas expectativas surgiram e com elas novas exigências. As indústrias do lazer e do

turismo utilizaram a produção da cultura afro-brasileira como produto exótico a ser

consumido. Nesta indústria cultural a “baianidade” e “brasilidade” eram intrinsecamente

associadas ao “ser negro”. Velhos preconceitos ligados a estética e a cultura afrobrasileira

diminuíram e outros preconceitos apareceram, reduzindo, generalizando e criando tipos afros

ao gosto do mercado e do consumo, com pouca discussão política e muita dissimulação das

reais contradições de uma sociedade racializada nas suas relações concretas e cotidianas no

campo do trabalho.

A experiência comunitária batista, sem dúvida constituiu espaço de sociabilidade

para as mulheres e homens afrobrasileiros. A inserção na comunidade Batista trazia a este

significativo segmento da população brasileira um repertório de práticas e representações que

os ajudaram a ressignificarem suas vidas e encontrarem uma forma de integração social. Por

outro lado, associados ao projeto civilizatório dos missionários, marcadamente etnocêntrico,

esta experiência não conseguiu desenvolver uma consciência capaz de fazer avançar o

enfrentamento dos dilemas sócio-raciais no Brasil, especialmente na Bahia. O espaço sagrado

que eles referendavam os afastavam dos conflitos da vida e a hermenêutica dos textos

Bíblicos não dialogava com os problemas provenientes de uma sociedade onde as condições

de classe, raça e gênero se configuravam com diferentes níveis de opressão que se entrelaçam.

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A articulação e eficácia dos missionários se consolidavam e se expandia através

do Instituto Bíblico Batista do Nordeste, responsável pela preparação dos “sacerdotes” no

sentido weberiano, aqueles que fazem a manutenção das estruturas religiosas e sua capacidade

de legitimação e sacramentalização de uma dada ordem social. Estas questões estudaremos

no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO 3

Estudantes do IBBNE em 1963. Foto extraída do

acervo do STBNE.

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CAPÍTULO 3_______________________________________________________________

ARAUTOS PELA SALVAÇÃO: OS PREGADORES AFRO-BRASILEIROS E A

EVANGELIZAÇÃO BATISTA.

“A discriminação dos negros está presente em

cada momento de suas vidas para recordar-

lhes que a inferioridade é uma mentira que só

aceita como verdadeira a sociedade que os

domina”

Martin Luther King Jr.

3.1. “MODESTOS OBREIROS”: INSTITUTOS BÍBLICOS E A PREPARAÇÃO DE

PREGADORES BATISTAS

Ao refletir sobre a educação teológica dos Batistas por ocasião da 45ª Assembléia

da CBB , em 1963, na cidade de Vitória no Espírito Santo, o Pr. Hélcio da Silva Lessa, então

pastor da Igreja Batista de Itacuruçá no Rio de Janeiro, apresentou ao plenário uma tese sobre

“O papel dos nossos seminários na atual conjuntura”. Esta tese foi recomendada, pelos votos

dos convencionais presentes naquela assembléia, a ser publicada no OJB, o que aconteceu em

09 de fevereiro de 1963. Na sua apresentação ele ofereceu uma análise da conjuntura

brasileira como “época de crise, de desvelamentos e de transição onde os caminhos óbvios de

realização mostraram sua maldade essencial” (O JORNAL BATISTA, 1963, ano LXIII, n.5,

fev. p. 05). A certeza e solidez dão lugar à imprevisibilidade.

O horizonte de construção do amanhã, afirmou, depende “daqueles que

conscientemente participarem deste processo de criação e ainda da excelência dos elementos

de que dispuserem para obra”. Foi um olhar que buscou circunstanciar as expectativas de

mundo e de um Brasil que acenava processos de mudanças nas bases. É importante

assinalarmos sobre o Pr. Hélcio Lessa que ele assinou o documento da Ordem de Ministros

Batistas do Brasil em apoio às reformas do governo. Na época ele era o segundo vice-

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presidente da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil. Ao fazer tal interpretação o Pr. Hélcio da

Silva Lessa entendia que a formação das novas lideranças Batistas exigia uma nova

compreensão acerca do exercício do pastorado e outra concepção e prática de educação

teológica. No primeiro um ministério que fosse capaz de construir uma igreja ministrante,

pregadora, pastoral e educadora. Mudança proposta, de uma igreja objeto, auditório, para uma

igreja de sujeitos atuantes em seus ministérios. No segundo uma educação teológica que

permitisse a gênese e autonomia de um pensamento teológico contextual e relevante, feito a

partir da capacidade de reflexão e ação dos agentes brasileiros, num decisivo enfrentamento à

dependência dos missionários estrangeiros, agora vistos como incapazes de dar conta de uma

leitura e atuação contextualizada do fazer teológico e missionário no Brasil.

Como aceitarmos como válida e conveniente a experiência eclesiástica de outros povos, quando a sabemos o produto da influência de padrões éticos e filosóficos estranhos à nossa herança cultural? Quando a sabemos condicionada por uma realidade histórica, étnica, econômica e até mesmo geográfica, absolutamente diversa da nossa própria? E indagaríamos ainda, para clareza: se a Teologia é a resultante da experiência particular de um povo com a Revelação, como recebermos como dogmáticas as afirmações teológicas ao longo de um processo do qual não participamos? Enquanto no continente Europeu se ufanam os ingleses de possuírem uma teologia própria diferente da “teologia continental” e no seio desta existe uma “teologia germânica”: enquanto na América do Norte se ensaiam caminhos próprios para investigação da Verdade e conseqüente formulação de uma teologia por que não intentarmos nós também uma definição da verdade a partir de nossa própria experiência religiosa, traduzindo-a em termos para nós autênticos porquanto existenciais? E o primeiro passo neste sentido, deveria ser naturalmente, entregar a mestres nacionais a responsabilidade da meditação destes temas e da orientação daqueles que meditarão amanhã (O JORNAL BATISTA, 1963, ano LXIII, n.5, fev. p. 05 grifo nosso).

Estas considerações foram culminações e atualizações dos conflitos oriundos dos

radicais dos anos 1920, no início do século. Estes embates de nacionais com o etnocentrismo

dos estrangeiros, já foi discutido na pesquisa de Silva E. (1982), ao estudar os Batistas

Independentes do Garcia, Salvador, Bahia. Em suas pesquisas ela desvelou o etnocentrismo e

racismo dos missionários Batistas estrangeiros, especialmente os sul - estadunidenses, os

quais consideravam “os nativos”, como eram chamados ou nacionais, sempre como infantes a

serem tutelados, incapazes de autogerirem os seus caminhos. Faz- se necessário lembrarmos

ainda da bipolaridade que ia se configurando no horizonte mundial entre o imperialismo

capitalista norte-americano e anti-comunista e os projetos da esquerda anti-imperialista que

tinham na União Soviética sua grande referência.

O debate em curso, apresentado por Lessa de forma incisiva, encontrou

resistências junto aos órgãos e instituições denominacionais marcados pelo fisiologismo e

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clientelismo, onde oligarquias parentais e pastorais controlavam os destinos das convenções e

instituições Batistas. Esta questão apareceu nos estudos de Teixeira (1983) quando assinalou

como esta democracia Batista se conformou a cultura política presente na sociedade brasileira

e em especial no Nordeste.

Os Institutos Bíblicos são vistos no discurso de Lessa como alternativa aos de

“visões e tarefas modestas”, limitados em sua escolaridade, mas legítimos em sua vocação,

onde certamente encontrariam espaços na expansão Batista, especialmente no interior do

nordeste.

Não pareça a nossa sugestão “snob” ou descaridosa. É por reconhecermos a necessidade de obreiros para o cumprimento de visões e tarefas mais modestas; e por sentirmos a legitimidade da vocação daqueles que não poderiam preencher as exigências de um curso de nível superior, é que sugerimos que a par da manutenção de seminários de alto gabarito, segundo os padrões que em boa hora veio estabelecer a Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), a criação de Institutos Bíblicos, em níveis mais acessíveis. (O JORNAL BATISTA, 1963, ano LXIII, n.5, fev. p. 05).

Nestes institutos, até 1990, era forte a atuação e gestão dos missionários norte-

americanos. E na contramão do que propôs Lessa acerca da autonomia teológica, mantinham

uma relação de tutela e orientação descontextualizada no ensino teológico, nas práticas de

evangelização e gestão eclesiástica. Isto foi tratado por Trabuco (2009), que nos lembra que o

aprendizado “aos pés dos missionários” constituía-se numa tônica determinante da educação

teológica presente no Instituto Bíblico Batista do Nordeste.

As primeiras iniciativas de formação de candidatos aos ministérios eclesiásticos no protestantismo brasileiro foram classes de alunos dirigidas pelos missionários norte-americanos, numa relação de obediência de aprendizes aos seus tutores que reproduzia a dependência administrativa e teológica em relação às missões norte-americanas. As classes regulares aconteciam quase sempre nas dependências das “Escolas Americanas” – os educandários que as missões criaram no Brasil – e que incorporariam posteriormente os cursos de teologia que alicerçam os seminários teológicos. (DUDUCH apud TRABUCO, 2009, p. 94).

A dependência teológica aos missionários apresentou-se como uma estratégia para

a filtragem dos movimentos e debates teológicos que dialogassem com as transformações no

mundo contemporâneo, o que desconstruíam quase sempre a ideologia hegemônica do

imperialismo norte-americano e sua doutrina de redenção da humanidade.

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Para corroborar com estas discussões faremos o uso de fotografias como fontes

para pesquisa histórica. A memória presente num acervo fotográfico serve como um corpus

documental, importante para uma análise do passado.

A fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do historiador um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, não importando se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida. No entanto, parafraseando Jacques Le Goff, há que se considerar a fotografia, simultaneamente como imagem/documento e como imagem/monumento. No primeiro caso, considera-se a fotografia como índice, como marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado - condições de vida, moda, infra-estrutura urbana ou rural, condições de trabalho etc. No segundo caso, a fotografia é um símbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela também conforma uma determinada visão de mundo. (MAUAD, 1996, p.78)

A importância da fotografia como fonte histórica é acompanhada de toda

discussão contemporânea que se faz na interdisciplinaridade no campo da semiótica e nas

discussões sobre as teorias da recepção.

Toda a imagem é histórica. O marco de sua produção e o momento da sua execução estão indefectivelmente decalcados nas superfícies da foto, do quadro, da escultura, da fachada do edifício. A história embrenha as imagens, nas opções realizadas por quem escolhe, uma expressão e um conteúdo, compondo através de signos, de natureza não verbal, objetos de civilização, significados de cultura. [...] No entanto, entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais que os olhos podem ver. A fotografia - para além da sua gênese automática, ultrapassando a idéia de analogon da realidade - é uma elaboração do vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica (MAUAD, 1996, p.78grifo da autora).

Posto estas considerações, nos apropriamos de algumas fotos do corpus

iconográfico do STBNE, na tentativa de corroborar com as fontes orais e impressas, sobre as

práticas e representações étnicas ali vivenciadas no período de expressiva atuação dos

missionários norte-americanos no IBBNE e nas comunidades. Eram também monumento,

testemunhos de visão de mundo que se elegia como significativa para compreensão da vida.

As percepções dos espaços fotográfico, geográfico, do objeto, da figuração e das vivências

servem como elementos fundamentais de leitura histórica das imagens.

A composição sócio-étnica dos seminaristas era, na sua maioria, como indica os

pedidos de ingresso e fichas de inscrições, afro-brasileiros e empobrecidos. Em entrevista

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realizada com um estudante1 da primeira turma (1960) que anos após (1978) tornou-se

professor da Instituição, depois de concluir seus estudos num seminário de “alto gabarito”,

como classificou Lessa, o STBNB, ele informou que a maioria destes estudantes também

eram “morenos, mulatos” e sem condições. A maioria também procedente de outros estados

como ele, que viera de Pitimbu, cidade do interior da Paraíba que, na época como muitos

municípios do Nordeste, viviam refém da ausência de política públicas e entregues ao

oportunismo político das oligarquias, do mandonismo político e da indústria da seca. Na

fotografia abaixo esta informação mais uma vez se confirma.

Figura 08: Estudantes, professores e funcionários do Instituto Bíblico Batista do Nordeste e seus diretores e também professores Dr. Robert Elton Johnson e a Missionária Elisabeth Johnson em 1963 (acervo iconográfico do STBNE).

Nesta imagem os afrobrasileiros se sobressaem, ou pelo menos um índice de

mestiçagem, fazendo jus a uma cidade de entroncamento rodoviário, pousada e encontro de

imigrantes. De procedência das classes baixas estes estudantes, além da disposição vocacional

traziam também talentos e ofícios para colaborarem no sustento dos seus estudos, como

pedreiros, carpinteiros, eletricista, costureira, cabeleireiro, camareira etc. A tabela das

profissões abaixo, configurada a partir das fichas de admissão para o ingresso no IBBNE, é

ilustrativa.

1Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife – PE.

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Tabela 07: Tabela de profissão dos ingressos no IBBNE

PROFISSÃO 1960 1970 1980

01 Agente de Seguros 1 02 Agricultor 3 1 03 Artista 1 04 Ator de teatro 1 1 05 Auxiliar administrativo 5 06 Auxiliar de almoxarifado 1 3 07 Auxiliar de Escritório 7 08 Auxiliar de ensino primário 1 09 Auxiliar de produção 1 1 10 Bancário 2 11 Barbeiro 3 12 Bordadeira 1 1 13 Cabeleireiro 1 4 14 Carpinteiro 3 3 15 Carteiro 1 16 Chapista 1 17 Comerciante 1 16 18 Contador 6 19 Costureira 1 4 4 20 Cozinheira 1 21 Datilógrafo/a 3 15 22 Delegado de polícia 1 23 Diretor de escola 1 24 Doméstica 1 3 3 25 Eletricista 1 6 26 Encanador 1 1 27 Enfermeiro/a 2 3 28 Escriturário 1 2 29 Estudante 2 4 30 Evangelista 1 4 31 Feirante 1 32 Ferreiro 1 33 Fotógrafo 3 1 34 Funcionário Público 5 35 Garçom 1 36 Gráfico 1 37 Lavrador 2 1 38 Locutor 1 39 Manicure 1 40 Maquinista 2 41 Marceneiro 3 3 42 Mecânico 7 43 Militar 2 44 Motorista 2 24 45 Operador para computadores 2 46 Pedreiro 4 12 47 Pintor 1 5 48 Professor/a 3 24 49 Relojoeiro 1 50 Sapateiro 1 51 Secretária 2 52 Secretária de Educação 1 53 Segurança/guarda 3 54 Serralheiro 2 55 Soldador 4 56 Técnico em agropecuária 1 57 Técnico em radio e TV 1 58 Torneiro mecânico 1 59 Vaqueiro 1 60 Vendedor 6 11

Fonte: Pedidos de admissão de ingresso de alunos no IIBBNE.

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Como observa Trabuco (2009), as profissões iam se especializando na medida em

que as transformações urbanas alteram suas vidas, isto em fins dos anos 1980 para 1990.

Profissões, como operadores de computadores, refletiam outra escolaridade, fruto da dinâmica

de crescimento de Feira de Santana. Estas fontes dificultaram o nosso processo de leitura de

dados, dada as dificuldades de precisão nas perguntas feitas pela instituição quanto a

diferença entre ocupação e profissão. Na tabela que segue apresentamos a escolaridade dos

seminaristas. A década de 1990 tornou-se para os homens e mulheres um divisor de águas

(TRABUCO, 2009, p. 115). A partir de 1988 já houve uma sensível mudança nos números,

com a elevação do curso médio para o bacharel em teologia e em Educação Religiosa.

Observações que podem ser percebidas na tabela abaixo.

Tabela 08: Escolaridade

Fonte: Pedido de admissão de ingresso de alunos no IBBNE.

Os seminaristas passaram também a atuar em congregações e atividades evangelizadoras,

conforme indica as atas e relatórios dos missionários. Em reunião do conselho do IBBNE

realizada em Recife, Pernambuco, no dia 08 de julho de 1961, o reitor Dr. Elton Johnson

informou:

1. Relatório do Diretor

a -Trabalho Evangelista- durante os três primeiros meses do ano letivo os alunos fizeram 218 viagens a igrejas e congregações, pregaram [377] sermões com 120 decisões para Cristo.

b- Alunos- Tendo aula há 25 alunos casados e 15 solteiros, 21 famílias [...] famílias de alunos moram no campus. Há [152] pessoas no número total do Instituto, incluindo alunos, professores e [...] convenção de estudos compondo corpo de alunos – Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, [e outros] (apud. TRABUCO, 2009, p. 98).

HOMENS MULHERES

Década 1º

Grau 2º

Grau Sem

Resposta Número

de Alunos 1º

Grau 2º

Grau Sem

Resposta Número de

Alunas 1970 25 10 12 47 13 05 05 23

1980 43 14 18 75 09 11 08 28

1990 18 24 03 45 04 27 03 34

Total 86 48 33 167 26 43 16 85

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119

Na disposição da figura 08 apresenta-se na primeira fila, da direita para esquerda,

sentados, o casal Johnson seguido das mulheres e dos homens. Sobre esta primeira turma, em

relatório publicado no Jornal Batista Baiano de 1968 foi publicado:

A primeira turma que saiu do Instituto era composta de representantes de seis Estados e fizeram o curso em três anos, após o qual foram procurados pelas igrejas e congregações do interior da Bahia, de Sergipe e um em Aracaju. Todos estão prestando excelentes serviços (O BATISTA BAIANO, 1996, out. p. 02).

Em seguida fazendo um balanço do IBBNE até o ano de 1968 o jornal Batista

Baiano informou:

Até agora o INSTITUTO BÍBLICO BATISTA DO NORDESTE já formou 47 obreiros que estão servindo à Causa nos seguintes setores: 25 são pastores, 09 esposas de pastor, 09 professoras, 01 dirigente do Internato Feminino do IBBNE, 03 estão trabalhando em igrejas e fazendo outros cursos. Alem destes há algumas que aproveitaram algumas matérias do curso e estão aplicando esses conhecimentos em suas igrejas (O BATISTA BAIANO, 1996, out. p. 02).

Pelo relato acima ficam evidentes as assimetrias nas relações de gênero. Os papéis

eram bem definidos: Aos homens sempre a liderança; às mulheres cabiam a subordinação e

auxílio. São lançadas a sorte na condição de esposa de pastor ou auxiliar do mesmo, relação

que era legitimada como uma vocação específica de algumas mulheres. Ainda, este mesmo

relatório informa que as moças têm sua sorte lançada. “Muitas vezes o cupido vence e mais

um pastor ganha uma esposa bem treinada para trabalhar ao seu lado” (O BATISTA

BAIANO, 1996, out. p. 02).

Figura 09: O IBBNE seus espaços, estudantes, diretores e suas atividades ilustradas em matéria oficial de divulgação no Batista Baiano em Outubro de 1968. O casal abaixo, segunda foto da direita para esquerda, é o referido na citação acima (acervo iconográfico do STBNE).

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120

Nestas imagens os missionários aparecem no canto direito superior como

construtores, idealizadores, mantenedores e administradores da instituição. Os projetos eram

por eles arquitetados e configurados. A foto aérea mostra as dimensões do investimento, a

ocupação dos espaços, e os prédios em seguida manifestam a produção destes espaços

(SANTOS, M., 2004). Esta produção propícia à fabricação e reprodução de um modo de ser

e fazer da identidade religiosa que se pretendia construir nos pregadores(as) batistas,

moldados e engendrados nas práticas e representações dos misssionários. Os espaços

sagrados, investigados nas Ciências da Religião pela geografia do Sagrado, não se constituiu

em mera descrição das espacialidades consagradas, antes “[...] afeta muito mais a rede de

relações em torno da experiência do sagrado do que propriamente às molduras perenes de

um espaço sagrado coisificado” (GIL FILHO, 2007, p. 08). Segundo Eliade (1992, p.14):

Pode se medir o precipício que separa as duas modalidades de experiência – sagrada e profana – lendo se as descrições concernentes ao espaço sagrado e à construção ritual da morada humana, ou às diversas experiências religiosas do Tempo, ou às relações do homem religioso com a Natureza e o mundo dos utensílios, ou à consagração da própria vida humana, à sacralidade de que podem ser carregadas suas funções vitais (alimentação, sexualidade, trabalho etc.).

É na produção destes espaços sagrados e nas relações com atores e as tramas que

tecem, com as redes de símbolos que fundam para harmonizar o caos e impor hierarquias,que

se configuram subordinações e funcionalidade. “Um ponto fixo” de onde se mede e referenda

a leitura do mundo vazio, do caos nos espaços não-sagrados, ou profanos. A força do sagrado

de absolutizar o relativo, de condicional e de legitimar as ações que derivam destas relações

(BOURDIEU, 2007, p. 14-15). As instituições religiosas, como instâncias produtoras de bens

simbólicos, tenden sempre à sua auto-reprodução.

A instituição é o reino do controle do grupo, do indivíduo e do dizer. Constitui assim uma territorialidade onde o agente principal é a própria instituição religiosa. A ação institucional configura a apropriação do sagrado tanto nos limites das relações sociais como nas fronteiras objetivas de sua espacialidade (GIL FILHO, 2007, p. 08).

Os agentes e operadores fazem a manutenção das instituições, prática e discursos

religiosos que se configuram, e o contexto em que eles aparecem só são inteligíveis dentro

dos limites da experiência institucional da religião. A pregação é um dos espaços

privilegiados para o ordenamento simbólico do mundo como “vontade e representação”. É no

fio tênue das palavras que se tecem redes de significados, sonhos e interdições. Nas palavras

do filósofo Wittigenstein: “Os limites da minha linguagem são os limites de meu mundo”.

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121

Com as palavras construímos redes e deitamos nelas (ALVES, 1982). No culto protestante a

pregação é peça central, pois o mundo protestante é um discurso, no qual a vida e suas

ambigüidades precisam ser definidas, classificada, julgada. Teme-se a vida, ela é

imprevisível, sempre mutante, não nos permite ter certezas. A pregação e os pregadores, peças

de um mesmo jogo, aprendizes de feiticeiros, que com a linguagem enfeitiçam o mundo e

dominam os corpos desejantes (ALVES, 1982, p. 124).

O conceito de pregação cristã aqui utilizado deve ser entendido de forma mais

ampla, permitindo pensarmos não somente um tipo de agente religioso.

Quando se pensa em pregadores e pregadoras se pensa num conceito de pregação no interior do protestantismo onde se ler que a “pregação cristã abarca todas as formas pelas quais a Igreja participa da Missio Dei, anunciando a Sua vontade e denunciando aquilo que vai contra ela. São exemplos de pregação: a liturgia toda, a diaconia, os programas de rádio, TV, jornal, os paramentos, a catequese/ensino, a exortação mútua, a vivência, o silêncio, os sinos. Prédica é um tipo específico de pregação; prédica é uma reflexão religiosa dirigida a uma comunidade reunida em oração, que segue a leitura de uma ou mais passagens bíblicas e tem vínculo litúrgico com o culto. Homilética, por sua vez, é uma disciplina da Teologia Prática que se ocupa com a reflexão sobre a pregação da Igreja (SOUZA M., 2007, p.06).

Voltando à figura 09 observmos a imagem de um avião bi-motor, que conduzia

estudantes para cidades no interior da Bahia, Sergipe, Piaui, Maranhão, para o serviço de

apoio às pequenas igrejas nascentes. Ao lado aparece outra imagem de um estudante

aprendendo e exercitando o ofício de marceneiro, haja visto que o Instituto dispunha de uma

serraria para montar móveis para as pequenas e grandes igrejas da região de onde também,

alguns estudantes tiravam seu sustento ou aprendia mais um ofício. Além de serralheria

existia ainda curso de eletricista para homens e para as mulheres, aconteciam oficinas e

cursos de cabeleireira, costureira, bordados e artesanato.

No canto direito embaixo, aparece a foto da Missionária, escritora e bibliotecária

Drª Mildred Cox Mein, ex-diretora do Seminário das Educadoras Cristãs (SEC). O SEC era

uma Instituição ligada à União Feminina Missionária Batista do Brasil, para formação das

educadoras cristãs e missionárias que atauavam no Brasil e no exterior. Este seminário

funciona ainda hoje em Recife, Pernambuco, ao lado do STBNB. Drª Mildred era a viúva do

missionário John Mein que atuou como reitor do STBNB. Sua presença no IBBNE, traduzia

o investimento que tambem se iniciava com as mulheres vocacionadas bem como as esposas

dos pastores. A existência do IBBNE era justificada, nos discursos dos missionários

conforme matéria divulgada no O Batista Baiano (OBB) (O BATISTA BAIANO, 1996, out.

p. 02) para: Atender a demanda das igrejas por pastores; ajudar na expansão da obra batista

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122

em outros municípios baianos e em outros Estados; e finalmente oferecer oportunidades aos

vocacionados que se viam impedidos de ingressarem nos Seminários Maiores para seguirem

com sua formação.

Conforme tese apresentada por Lessa, acima citada, os Institutos não teriam

grandes visões, seriam mais tarefeiros. O trabalho mais refinado e crítico seria desenvolvido

pela Inteligentsia formada nos seminários maiores, uma referência aos Seminários em

Recife, o STBNB, e no Rio de Janeiro, o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

(STBSB), uma espécie de elite intectual da Denominação Batista. Na entrevista feita ao Pr.

José Belarmino do Monte ele afirmava que os estudantes do Instituto eram vistos como

“professores de EBD”, de ensino elementar, evangelistas intinerantes e missionários abrindo

novas frentes missionárias e propiciando o aparecimento de novas congregações. Eram

pastores de pequenas e pobres igrejas, no interior e na zona rural.

Os estudantes dos Seminários Maiores, eram remetidos para as grandes Igrejas em

grandes centros urbanos, com bons salários e oportunidades de crescmento contínuo

academicamente, cursando inclusive outras faculdades, geralmente os cursos de Direito,

Filosofia, Ciências Sociais, Administração ou Psicologia. Ampliavam assim seu status quo e

faziam carreira na denominação como lideranças influentes.

O exemplo do Pr. Ebenézer Gomes Cavalcanti (1911 -1979), paraense que fez

seus estudos teológicos, o bacharelado e o mestrado, em 1936 e 1937 no STBNB em Recife.

Ele também concluiu seus estudos jurídicos e sociais 1944 na UFBA, ocupando funções

públicas e depois sendo eleito deputado estadual na Bahia em 1950. Além de congregações

em outros estados, ele foi pastor durante 41 anos na Igreja Batista Dois de Julho em

Salvador e redator do OBB, e ainda conhecido articulista no O JBB da CBB 2. Sobre ele

falou a senhora Maria Mercês, 80 anos, uma afro-brasileira residente em Alagoinhas, Bahia,

que foi empregada doméstica do casal de missionários M.G.White e Sra. Kate White, em

1952. “[...] era um homem muito arrogante e me tratou de forma muito grossa quando fui

atendê-lo”. Referia-se a visita que o Pr. Ebenézae fez aos White em sua residência. Disse

ele: “não é com você que quero falar, chame o missionário White”.3

2 Estas informação foram encontrdas online, disponível em: <www.usinadeletras.com.br>. Acesso em 28 jun.2010. 3 Entrevista concedida ao autor, na sua residência, em 06 de agosto de 2009.

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123

Figura 10: O Diretor do IBBNE Dr. Robert Elton Johnson (à direita), a funcionária do IBBNE, Ana e o Pr. Ebenézer Gomes Cavalcanti (à esquerda), em 1968 (Acervo do STBNE).

Na figura acima o Pr. Ebenézer Gomes Cavalcanti, aparece com braço estendido

contundentemente, uma postura de comandante, de quem dar as ordens, de homem de ação,

típico do alinhamento ideológico de direita que ele representava . Era o período da Ditadura

Militar, O Ato Institucional de nº 5 (AI5), e na Bahia Ebenézer Cavalcanti foi aliado fiel

(Silva E. 2009). No canto direito da foto, periféricamente assim como na sociedade, recortado

na imagem pelo fotógrafo, o que possívelmente denúncie a pouca impotância dele no recinto,

ao lado do missionário norte-maericano, um garoto afrobaiano de braços cruzados assistindo

as definições dos que representam o poder. O missionário Johnson, aparece altivo, ouvinte do

discurso, três anos antes de sua saída do Instituto Bíblico Batista do Nordeste.

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124

3.1.1 A ousadia de Zé Gomes: Caminhos de um educador

A trajetória de vida do Pr. José Belarmino do Monte se confundiu-se em parte

com o percurso do IBBNE e em parte com a condição do afrobrasileiro no protestantismo,

conforme apontado já nos estudos de Bastide (1985) analisado anteriormente. As narrativas de

Belarmino, expressaram uma caminhada marcada pelas ambiguidades do tempo e das

relações que estabelecia com as pessoas e as instituições por onde se movimentava. Aqui a

oralidade ajuda a perceber a teia tecida nos espaços sagrados e suas relações de significação e

poder.

A História Oral se constitui num método de investigação histórica, neste caso em

particular, História de vida. As trajetórias e biografias de um indivíduo se nos oferece através

de suas memórias relatadas. E como já disse Maurice Halbwachs toda memória é coletiva,

pois pressupõe que não pertence só ao indivíduo, ele está inserido numa coletividade

(contexto familiar e nacional) e como assinala Rousso (2006, p. 94) ela também é seletiva, é

“uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do

passado”. Bourdieu (2006) discute a ilusão biográfica e sugere que não existe a unidade do eu

coerente e estável e sim uma fragmentação, o que temos é uma invenção, uma narrativa

arranjada conforme os interlocutores e os interesses onde o narrador se põe ou é posto.

A rigor, não existe, ainda que esta idéia seja extremamente atrativa e sedutora ao senso comum, uma seqüência cronológica e lógica dos acontecimentos e ocorrências da vida de uma pessoa. Nossas vidas não são um projeto sartriano e não possuem um sentido teleológico. Os eventos biográficos não seguem uma linearidade progressiva e de causalidade, linearidade de sobrevôo que ligue e dê sentido a todos os acontecimentos narrados por uma pessoa. Eles não se concatenam em um todo coerente, coeso e atado por uma cadeia de inter-relações: esta construção é realizada a posteriori pelo indivíduo ou pelo pesquisador no momento em que produz um relato oral, uma narrativa (MONTAGNER, 2007, p. 251 ).

Portanto, os fragmentos de narrativas do nosso entrevistado e a maneira como

dispomos destas narrativas no texto em curso são marcadas pelas ambigüidades que nos

cercam. O olhar do outro nos convida a falar ou nos emudecem, são memórias que

interagem consciente ou inconscientemente. Essas percepções trazem consigo os textos do

que somos e do que tecemos todos os dias nas tentativas de negociações que fazemos de nós

mesmos com os diversos outros que se põem na caminhada. As “identificações” que aí

tecemos, as quais dialogam com muitas possibilidades de ser, não são definidas e nem

definitivas.

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Figura 11: Estudantes da primeira turma do IBBNE, em 1960. O primeiro da esquerda é José Belarmino do Monte. “Obreiros treinados para a seara” ( acervo iconográfico do STBNE).

Na figura 11, concluintes da primeira turma do IBBNE posavam para registro

Institucional, representando o resultado de toda uma formação cujo objetivo maior era a

preparação de pregadores Batistas, os obreiros para seara. No centro da imagem estão os

estudantes com roupas de ofício, o paletó e a gravata são simbólicos na vestimenta da persona

do pastor e também símbolo dos habitus dos missionários, vesti-lo inscreve reverência,

respeito e autoridade religiosa, mas também a incorporação dos códigos sociais dos brancos.

Eles empunham a Bíblia, seu instrumento de devoção e trabalho, pregadores da Palavra de

Deus, seus mensageiros e embaixadores fiéis. A posição em que a Bíblia era segurada pelos

pregoeiros é indicativa de seus usos como espada que ataca, como escudo que defende e como

fonte de estudo e sabedoria. O espaço em perspectiva, o plano que emoldurava esses

personagens tinham, no fundo, a casa dos missionários os quais como pais orientavam os

“filhos espirituais que estudavam na “casa de profetas”, a construção à direita dos estudantes.

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Os depoimentos coletados lembram: “[...] éramos uma família”4. Os espaços de grama que os

cercam indicavm os ceifeiros na Seara do Senhor.

Nascido em 11 de abril de 1925 em Pitimbu, Pernambuco, filho de Belarmino

Gomes Ribeiro e Inês do Monte Barbalho, casado com Maria Gomes do Monte, pai de seis

filhas e três filhos atuando como pedreiro e professor primário, aluno do IBBNE e professor

do IBBNE e do STBNE5. O Pr. Belarmino do Monte tornou-se um Batista aos 19 anos de

idade. Autodenominou-se, na entrevista feita, moreno e não negro por conta do cabelo,

“cabelo bom como o de minha mãe”. O que mostra a difícil identificação com a condição e

herança afrobrasileira. Fenômeno experimentado pelos mestiços na pós-abolição como

discute Gandon (1997, p. 163):

Assumir uma identidade cultural traz, no entanto, problemas psicológicos e ideológicos para um mestiço. Antes de mais nada a seu próprio olhar, dada a dificuldade de integrar em si mesmo aspectos dessemelhantes das histórias vividas pelos seus ancestrais num contexto de senhores e de escravos. Dificuldade esta agravada pelo fato de que as injustiças sociais do passado se prolongam, transmutadas, numa história presente marcada pelas desigualdades.

Afrobrasileiro, empobrecido, sempre buscou nos estudos uma forma de superação

e crescimento pessoal, sobressaindo-se a outros no seu currículo de formação. A experiência

de conversão religiosa em uma comunidade Batista trouxe-lhe, oportunidades de expansão,

seja no aspecto da liderança, do ensino, da formação acadêmica e até mesmo de auto-

compreensão.

[...] Conhecer Deus... a educação cristã muda a gente, tem uma influência muito grande. A experiência religiosa me deu convicção e coragem. Um acontecimento marcou minha vida cristã nos seus inícios. O sargento “engole cobra”, que perseguia os crentes, entrou na pequena igreja para ameaçar os crentes. O dirigente do culto convidou a congregação a continuar cantando “com Jesus não há temor do mal” e o sargento retirou-se sem nada fazer. Ali vi a força advinda da confiança em Deus. Quando me converti às portas se abriram, as pessoas passaram a me olhar com mais respeito, antes era discriminado por ser o que era, vida depravada, meu jeito de outrora. Passei logo a ter treino no Evangelho (na pregação) e isto me ajudou a sobressair como professor e como representante da comunidade em geral, quando pessoas públicas apareciam para discursar. Desde cedo passei a atuar como liderança na igreja.”6

4 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE. 5 Uma rápida biografia de José Belarmino é encontrada no eu livro “Uma vida a serviço de Deus”, onde encontramos também muitos de seus sermões. 6 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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127

A experiência de inserção no mundo cristão Batista lhe projetou como liderança -

a “ousadia do Zé Gomes” como era chamado pelo povo de sua cidade natal. Isto fortaleceu

sua autoconfiança e possibilitou a ressignificação de sua caminhada, bem como mudanças de

atitudes e posturas, o que segundo o seu relato, lhe trouxe ascensão no meio em que estava

inserido. Na carta de recomendação para o Instituto Bíblico Batista do Nordeste, pela Igreja

Batista em Pitimbu, Pernambuco, em 1960 destaca-se sua atuação e vocação ao ministério.

Ilmo. Sr.

Missionário Robert Elton Johnson

Prezado e ilustre irmão, saudações em Cristo.

A Igreja Batista de Pitimbú, em sua última sessão regular, realizada no mês corrente, resolveu por unanimidade de votos recomendar o irmão José Belarmino do Monte como candidato ao estudo ministerial na nobre Instituição Teológica que é dirigida pelo presente irmão.

Convém informar que o citado irmão é o atual dirigente de nossa igreja e de há muito vem sendo o sustentáculo do nosso trabalho. Apesar dos seus muitos afazeres materiais ele tem feito muito pela nossa igreja motivo pelo qual é muitíssimo apreciado por todos os crentes. A igreja só consente na sua saída dentre nós por saber que o seu preparo é necessário para a realização de um trabalho mais vasto.

Sem mais para o momento, finalizamos com os nossos sinceros votos pela prosperidade do Instituto e pela boa saúde do ilustre irmão.

Maria Tertulina - Secretária da Igreja (apud. TRABUCO, 2009, p. 105).

Na carta ficou expresso os reconhecimentos de sua importância, suas habilidades

e competências para o ministério que deviam ser aperfeiçoadas “para a realização de um

trabalho mais vasto”. Sua chegada em Feira de Santana com sua esposa e seis filhos, em

fevereiro de 1960, aconteceu logo ao anoitecer numa casa próximo ao atual templo da Igreja

Batista de Sobradinho. A ausência dos móveis, “nem mesmo uma cama pra dormir”, marca as

difíceis condições de sua chegada. O trabalho como pedreiro e o auxílio a uma congregação

Batista no município de Riachão do Jacuipe, serviram como fonte de renda para a manutenção

nos estudos, uma vez que os apoios outrora prometidos por ocasião do pedido de admissão,

não chegaram.

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Figura 12: Pr. José Belarmino do Monte (85 anos) e Maria Gomes do Santos (esposa) em sua residência no bairro de Cajueiro em Recife, Pernambuco.

Os estudos teológicos de Belarmino foram feitos “aos pés dos missionários” como

já anotara Trabuco (2009). Ao perguntá-lo sobre a suspeita do trabalho dos missionários norte

americanos, o Pr. Belarmino do Monte relatou:

[...]era tanta coisa que nos traziam, coisas novas e nos ofereciam, que não reparava ou desconfiava de algo, antes mergulhava naquilo e buscava me sobressair, isso me ajudava... [...] eles eram muito cuidadosos no que diziam, evitavam conversar questões delicadas com os estudantes e com os professores.[...] Eles queriam ser bem servidos, nós achávamos que eram deuses, nós colocávamos eles nas alturas.7

Mergulhar nas novidades e oportunidades oferecidas pelo ambiente em que se

encontrava, parecia ser fundamental na experiência de Belarmino. Isto produzia sua ascensão

nestes espaços: “buscava me sobressair”. Afastar a possibilidade de desconfiança, a suspeita,

e as tensões fazia parte de um projeto de educação própria dos recintos religiosos

institucionais. Eles podiam ser receptivos e oportunizarem generosamente quando a eles

servíssemos e os representássemos, por um lado com os talentos, esmero e obediência, por

outro contribuindo com a manutenção e reprodução das suas condições ideológicas.

7 7 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em

Recife, PE.

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129

Quando perguntado sobre a postura dos missionários norte-americanos com os

brasileiros, as respostas de Belarmino reconheciam a importância dos missionários e o

silêncio quanto aos seus planos e concepções sobre Brasil: “Eles eram muito cuidadosos no

que diziam”. Em outro momento ele revelou que nunca os missionários permitiam os

estudantes e até mesmo os professores participar nos bastidores das suas conversas. Esta

percepção diz ainda das restrições, limites e opacidade tecidas nestas relações.

Outro entrevistado foi Pr. Edson Gama.8 Nesta época ele era adolescente e

visitava freqüentemente o Instituto. Era filho de diácono Batista que residia em Feira de

Santana e foi estudante interno do Colégio Batista Teylor Egídio em Jaguaquara, Bahia, o que

lhe permitia um constante contato com os missionários e os estudantes da década de 1960.

Edson nos relatou que tanto os missionários que atuavam em Jaguaquara, no Colégio, quanto

em Feira de Santana, no IBBNE, não se cansavam de exaltar os valores culturais de seu país

de origem e manter o silêncio em relação à cultura brasileira ou dela falar condenando os

elementos afrocatólicos. O mesmo acontecia com os missionários - professores que atuavam

no STBNB, onde ele fora estudante, inicialmente do Colégio Americano Batista e em seguida

seminarista9. Edson nos relatou posturas racistas e discrimatórias de alguns missionários

norte-americanos, que eram fazendeiros texanos:

[...] aqui pisavam nos brasileiros, gostavam de humilhá-los, diziam, “você são bolsistas da missão, tem que trabalhar” [...] não queria que os estudantes dedicassem tempo aos estudos, comentavam da indolência dos brasileiros, além de atitudes claramente racistas. Comentavam negativamente de Burley Cader, outro missionário, por adotar afro-brasileiros como seus filhos.”10

Nos relatos do Pr. José Belarmino do Monte lembrava, quando estudante e depois

já no pastoreio em igrejas no Nordeste, de atitudes dos missionários com os brasileirosas

quais denunciavam a compreensão de que os estudantes e obreiros brasileiros eram incapazes

de administrar fielmente o dinheiro. Os estudos de Silva (1982), já indicaram os conflitos

entre brasileiros e missionários estrangeiros, no primeiro quartel do século passado, no que

diz respeito à administração dos recursos financeiros. No contexto mais amplo dos interesses

da direita capitalista estadunidense em confronto com as esquerdas que se desenvolviam na

8 Entrevista realizada com o Pr. Edson Gama de Oliveira, em 16 de junho 2010 no STBNe. 9 O Colégio Americano Batista (CAB) e o Seminário Batista em Recife coexistem no mesmo espaço e na época tinham funções complementares. O CAB era também espaço de preparação e qualificação para pré-seminaristas em fase de conclusão do segundo grau. 10 Entrevista realizada com o Pr. Edson Gama de Oliveira, em 16 de junho 2010 no STBNe.

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América Latina, polarização sempre posta em evidência quando a “grande nação” estava

sendo questionada, na boca dos missionários a resposta vinha dissimulada em discursos sobre

garantias de direitos da sociedade burguesa como liberdade religiosa e democracia.

Seja trabalhando para manter seus estudos no IBBNE, seja atuando como pastor

em campos onde a secretaria executiva era comandada por missionários norte-americanos,

Belarmino do Monte experimentara em alguns momentos, o que ele chama de discriminação

por causa da condição de brasileiro associado à pobreza.

Chegando lá, no Instituto Bíblico Batista do Nordeste, me tornei responsável pela construção das casas, logo ficava com o dinheiro para fazer as compras dos materiais de construção. Um dia sobrou dinheiro e prestei conta com a tesoureira, Dona Ana. Não sei o que houve, mas Dona Ana não deu baixa no troco que entreguei e a fazerem o balanço notaram a falta de Cr$ 20,00 [...] lembro como se fosse hoje, foi muito ruim pra mim. O Dr. Johnson vinha seguindo pela cerca em nossa direção, onde também tinha alguns trabalhadores comigo,nele era grande, os trabalhadores diziam: “lá vem o Dr. Johnson”, estávamos reformando uma casa para um aluno, chegando perto ele perguntou: “Belarmino, onde você colocou o dinheiro, porque Dona Ana ao fazer a conta faltou Cr$ 20,00”. Respondi: “Nhô Dr. Johnson, entreguei a nota e o troco a ela”. Depois de uma hora ele voltou, e no meio de todo mundo, repetiu a pergunta e eu novamente respondi que tinha dado a Dona Ana, e ai eu senti e botei pra chorar, e os colegas também sentiram, sabia que eu não era desonesto. Depois Dona Ana disse a ele que tinha errado e o Dr. Johnson voltou e me pediu desculpas, ai disse a ele que avisasse a Dona Ana, que pobreza não quer dizer que o sujeito é ladrão não.O americano tinha idéia de que os brasileiros eram miseráveis, não era discriminação racial, era por serem pobres, e principalmente quem tinha muitos filhos, eles suspeitavam de desvio do dinheiro, por conta das necessidades, sofri muito com isto, tanto no IBBNE quanto no ministério , quando atuava como pastor. Em Alagoas e depois em Sergipe um missionário, Eduardo Troth e Dona Frida sua esposa, chegou mesmo a dizer que não se deve confiar dinheiro ao Pr. Belarmino por que tem muito filhos. Tudo eles confiavam menos dar dinheiro para os brasileiros administrar.11

A expressão Nhô Dr. Johnson remete-nos aos tempos da escravidão, da cultura de

subserviência. Os empobrecidos eram tutelados sob suspeita e confinados no silêncio. Mas

haviam aqueles que se colocaram de forma diferente contra esta condição, entre eles podemos

citar o pastor Geraldo Santana Souza, pastor e principal fundador da comunidade Batista de

Amaralina em Salvador em 1960, ano em que também foi consagrado depois de estudar no

Seminário Batista da Bahia em Salvador. Nas palavras do Pr. José Belarmino do Monte: “[...]

O único elemento negro que conheci foi o pastor Geraldo Santana, que rompeu com os

americanos, se afastou da Junta. O missionário disse a ele, o seu sustento está aqui, batendo

11 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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131

no bolso, ao que Geraldo disse, vou mostrar a vocês que meu Deus é maior.”12 A autonomia

de um pastor afrobrasileiro frente aos missionários nunca foi uma relação tranqüila à época.

Samuel Souza, filho de Geraldo Santana Souza que o sucedeu no pastorado de Amaralina em

1990, em depoimento feito no I Encontro Batista Brasileiro contra o Racismo, promovido

pelo Seminário Teológico Batista do Nordeste em 1999 em Salvador, informou que a

ordenação de seu pai em 1960 encontrou resistência de alguns missionários norte-americanos

que se recusavam a ordenar um negro.13Belarmino do Monte informou que alguns

missionários ajudaram a Geraldo Santana para se iniciar no ministério pastoral, atuando ao

lado deles em congregações e igrejas14, mas que em seguida, Geraldo, foi construindo com

apoio dos batistas afrobrasileiros da periferia de Salvador, que com ele se identificavam, seu

espaço de atuação. Esta estratégia se tornava possível para um afrobrasileiro numa

congregação batista, dada a autonomia da comunidade local, na qual a maioria de seus

membros elege seu pastor.

A presença de afrobrasileiros liderando as comunidades Batistas vem desde o

primeiro quartel do século XX. Seja como diáconos, pregadores ou professores nas

instituições de ensino. No Rio de Janeiro, que à semelhança da Bahia também tem uma

população significativa de afrobrasileiros e um contingente significativo de batistas, vimos a

trajetória de outro “Zé”, José de Sousa Marques (1894 —1974) que foi um educador, político,

advogado, pastor Batista e teólogo brasileiro. Atuou como pastor em várias igrejas Batistas no

Rio de Janeiro. Foi Presidente da Convenção Batista Brasileira (CBB) em 1935. Fundador da

Ordem de Ministros Batitsas do Brasil(1958). Foi vereador no Rio de Janeiro e várias vezes

Deputado Estadual. Líder Maçônico e fundador das Faculdades e Escolas Ténicas Souza

Marques. Foi também fundador e articulista de Jornais. Por ocasião de sua morte em 1974

dele falou Ebenézer Gomes Cavalcanti: “Homem de cor, viveu livre de complexos. A

suprema tolice seria dizer dele que tinha alma branca. Foi autêntico na sua cor, na cor da sua

pele, exercendo com dignidade todos os direitos da pessoa humana e do cidadão brasileiro”

(O JORNAL BATISTA, 1974, ano LXXIV, 27 jan. p.05). Isto nos diz da importância que

comunidades Batistas propiciaram aos afrobrasileiros enquanto espaço de crescimento 12 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE. 13 Depoimento do Pr. Samuel Souza da Comunidade Batista de Amaralina em Salvador no I Encontro Batista sobre o Racismo em Salvador, Ba, de 20 a 22 de Agosto de 1999, organizado pelo STBNE. 14 Aqui congregação e igreja é uma distinção Batista bem específica, onde a primeira diz respeito à gênese de uma igreja, ainda dependente da mãe, ainda não satisfazendo o tripé; auto-governável, auto-propagadora e auto-sustentável.

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pessoal. Na foto abaixo um afrobrasileiro no seu discurso parlamentar. Este está na condição

de deputado estadual, pastor, educador e jornalista, condição rara numa sociedade pós

abolição. As elites de cor se fizeram presentes, ainda que minoritariamente, na passagem do

século XIX para as primeiras décadas do século XX. Estas ocupavam profissões liberais e

cargos públicos como engenheiros, escriturários, professores, escritores e etc. Este dado no

entanto não deve, como concluiu Thales de Azevedo (1953), ser índece de democarcia racial

no Brasil.

Figura 13: Dr. José de Sousa Marques, discursando na tribuna da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro na década de 1970. (Foto extraída do OJB de 27 de janeiro de 1974.)

José Belarmino do Monte foi estudante da primeira turma (1963) e o primeiro a

ser ordenado (1962) quando ainda atuava em Santo Amaro da Purificação como seminarista.

Um pouco depois, em 1978 tornou-se o primeiro estudante que concluiu seus estudos no

IBBNE a tornar-se professor, a convite do então reitor Dr. Newell Mack Shults. Ele atuou, a

princípio, na área de educação cristã, área em que havia feito seu bacharelado em 1976 no

STBNB, onde também fez seu mestrado em Teologia, defendido em 1986. Como professor

ele destacou sua habilidade em ensinar disciplinas que outrora “não havia sido treinado,

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sempre dava conta dos desafios de ensinar tais disciplinas como Ética; Filosofia da Religião;

Introdução à Sociologia; Novo Testamento”.

A presença de professores afrobrasileiros aconteceu em número um pouco mais

representativo na administração dos missionários Newell Mack Shults e Audrey Minor Shults

que assumiram a direção do IBBNE em 1971 até 1998, quando só então o seminário passou a

ser dirigido por um brasileiro, o Pr. Drº Ágabo Borges de Souza. Entre os professores afro-

brasileiros da época do casal Shults podemos citar: Pr. Lourival André Nascimento, formado

no SBSB (pastor da Igreja Batista Central) ensinava a área de Novo Testamento e Teologia

Sistemática; Pr. Jonas Barreira de Macêdo (pastor da PIB de Feira de Santana) ensinava área

de História; Pr. José Belarmino do Monte, área de Teologia Prática; Profª. Cleonice Maria de

Macedo ensinava disciplinas como metodologia científica e outras da área de Educação. No

entanto os conteúdos sobre as teologias emergentes como: a Teologia da Libertação e a

Teologia Negra não eram discutidos em sala ou em outras atividades. Quando perguntamos a

Belarmino, sobre as questões sócio-políticas como a ditadura militar ou sobre o comunismo

ou movimentos sociais no IBBNE, ele disse não estar atento às estas questões, mas sim em

cuidar das igrejas e da família: “não tinha tempo, tinha muitos filhos para dar conta”. Sobre

temas ligados ao Ecumenismo, Teologia Liberal, Evangelho Social disse nunca ter estudado a

fundo no Instituto, “não se tocava nestes assuntos como estudante e mesmo como professor” e

também nunca se interessou sobre estes assuntos. Os temas que desafiavam o discurso

fundamentalista dos missionários nem se quer era problematizado. O IBBNE era o espaço

sagrado, lugar onde as contradições e conflitos não deviam aparecer. O modelo de educação

tradicional da lição pressupunha estudantes a serem “moldados”, “lapidados” para o serviço

religioso.

Sempre considerei o seminário (Instituto) como uma família, a gente era muito unido, a reclamação era somente sobre atenção que alguns estudantes recebiam do casal Johnson mais do que outros. Éramos treinados na etiqueta e nas boas maneiras pela Dona Elisabeth. Nossas esposas eram treinadas pessoalmente, nas conversas.15

A imagem da família sugeria a idéia de que os missionários eram os pais

protetores e os estudantes filhos e filhas a serem guiados no caminho da vocação já roteirizada

e desenhada. Todos eram iguais como irmãos em Cristo – uma família de Deus.

15 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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As atividades de ensino bem como as ações de extensão junto às comunidades

traziam as representações de um modelo de família e sociedade cristã burguesa, como assinala

Belarmino: “eu procurava colocar na minha cabeça, cultura cristã, o que se aprendia da Bíblia,

o que a educação cristã fazia na vida de uma pessoa [...]”16. Existe uma ampla literatura

publicada pela editora da denominação na época (JUERP), na sua maioria traduções de obras

de pastores do Sul dos Estados Unidos que traziam uma perspectiva de leitura da Bíblia e da

vida mediada por seus contextos específicos, respondendo de forma peculiar as suas

contradições. Porém as aqui no Brasil, lidos de forma acrítica, suas regras e soluções não

respondiam aos problemas e as demandas históricas dos brasileiros.

Figura 14: Miss. Charlotte Vaughn (á esquerda) e a Miss. Lon Lanier representantes da União Feminina Missionária Batista do Brasil. Ao passarem pelo IBBN, também na década de 1960, ministraram passos e princípios que devem nortear a vida e a família cristã – “um padrão de excelência”. (Acervo iconográfico do STBNE).

Na foto acima, as missionárias apresentavam-se em um momento de treinamento

das educadoras e lideranças das igrejas nos passos de organização da igreja local e na

educação cristã, através de organizações missionárias como a União Feminina Missionária

16

Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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Batista do Brasil (UFMBB). À esquerda ilustrações apresentadas pela missionária Charlotte

Vaughn buscava inculcar as disciplinas da vida cristã nas moças, através dos passos da

organização da sociedade de moças, onde a beleza se encontrava numa vida virtuosa, de

submissão, pureza e do testemunho cristão. A missionária Lou Lanier apontava para um

padrão de excelência a ser seguido na vida das mulheres cristãs. O modelo oferecido sempre

se inspirava numa família nuclear de classe média norte-americana, branca, diferente de uma

família nordestina como a de José Belarmino do Monte, afro-brasileiro pobre e com nove

filhos, sem o controle de natalidade. Nas imagens estas missionárias norte-americanas eram

instrutoras enviadas pela sede nacional das organizações missionárias femininas e convidadas

pelo IBBNE para o preparo das que se tornariam educadoras, esposas de pastores, auxiliares

ou missionárias. Elas traduziam o empenho de estruturação da educação religiosa nas igrejas e

sua eficácia na formação da identidade religiosa dos fiéis e a reprodução dos valores

inculcados pelos missionários norte-americanos, que orientavam o modo de pensar e fazer da

missão no Brasil. Mesmo com crescente autonomia e gerência financeira os órgãos Batistas

brasileiros ainda eram muito dependentes teologicamente dos sul-estadunidenses.

Na foto abaixo, figura 15, o ensino religioso infantil, mostra-nos como os modelos

e representações ilustradas nas imagens construíam uma leitura das narrativas bíblicas a partir

do olhar dos missionários norte-americanos. Os traços étnicos das personagens (dos heróis

bíblicos) são anglo-saxônicos. Em pé a direita, na foto, está a esposa do diretor do IBBNE

Dona Elisabeth Johnson como era chamada, zelosa no cuidado da educação dos pequenos.

Eles se empenharam em nos oferecer o melhor, eram muito capacitados e nos ofereceram o que de melhor se podia dar em educação cristã, sem querer puxar o saco eles traziam recursos avançados e literatura apropriada para isto. Estudei educação religiosa com eles, sei do que estou falando. ”17

Não podemos transformar os missionários (as) em mordazes vilões ou vítimas

ingênuas de seu projeto civilizatório, inscrito em suas práticas evangelizadoras e educativas,

mas percebê-los como agentes capazes de fazerem escolhas de tomarem posições que não

sejam meras reproduções dos esquemas estabelecidas pela Missão de Richmond. Eles

acreditavam piamente, sem muitas desconfianças, no modelo que traziam como o melhor de

uma “cultura cristã” para moldar a vida dos conversos e prosélitos brasileiros.

17 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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Figura 15: Sala de aula infantil devidamente aparelhada de acordo com a faixa etária na EBD da Igreja Batista de Ruy Barbosa, década de 1960. Meninos e meninas são acompanhados por professoras que utilizam recursos apropriados ao aprendizado nesta faixa etária. (Acervo iconográfico do STBNE).

No canto esquerdo da foto e no canto direito, aparecem uma menina e um menino

afrobrasileiros. Eles aprendiam desde cedo que os brancos são os heróis, são o povo de Deus,

protagonistas da história da salvação, deles devemos esperar a redenção e o julgamento dos

outros povos, entregues “às trevas do pecado”. As posições também refletiam o lugar que eles

ocupavam na sociedade, sempre às margens. A cor do pecado é preta e o da pureza é o

branco, cor também que estava presente no céu. Uma das educadoras18 formada no IBBNE

nesta época lembrou-se da experiência dolorosa para ela, quando uma criança afro-brasileira,

após cantar o hino do Cantor Cristão, hinário Batista, “Alvo mais do que a neve, sim nesse

sangue lavado mais alvo que a neve eu serei”, escoriava a pele, junto a uma poça de água e

com um caco de telha na mão, na esperança de embranquecer-se para ser aceita por Jesus”.

Segundo Silva E. (2006, p. 09, grifo do autor) a liturgia foi um espaço pedagógico onde estas

representações etnocêntricas e racistas se faziam sentir.

18Depoimento de Marlene Moreira da Silva, Diretora acadêmica do Instituto Teológico Ecumênico da Bahia (ITEBA), em depoimento feito no I Encontro de Teologia Feminista, com a presença da Drª Elisabeth S. Fiorenza, em junho de 2002, em Salvador, Ba.

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A discriminação racial manifestou-se também, sub-repticiamente, na liturgia seguida pelos batistas. Além do hinário oficial, o Cantor Cristão, a hinódia batista era enriquecida com pequenos cânticos com letras e músicas simples e que normalmente cantava-se na Escola Dominical ou nas reuniões infanto-juvenis. Os coros, como eram chamados, tornaram-se de domínio público, sem autoria, e eram repetidos através de gerações. Um desses usado para evangelizar as crianças tinha a seguinte letra: Meu coração era preto/ mas Cristo aqui já entrou/Com o seu precioso sangue Jesus já me lavou. Uma única estrofe que se repetia num ritmo acelerado e que na Escola Dominical era acompanhada da seguinte ilustração feita pela professora: em primeiro lugar aparecia a figura de um coração de cor negra, simbolizando o coração cheio de pecado e afastado de Deus, em seguida aparecia um coração de cor vermelha, significando o sangue de Cristo lavando o coração que tinha o negrume do pecado, após isso aparecia o coração de cor branca, representando o coração salvo e purificado de todos os pecados. Em síntese: a cor negra é a cor do pecado e a cor branca é a cor da salvação. A liturgia batista seguia o preconceito subjacente na língua portuguesa quanto ao uso de alguns vocábulos, a exemplo da palavra denegrir que tem toda uma conotação negativa e pejorativa, mas que etmologicamente significa apenas tornar negro.

Figura 16: Crianças em participando da EBD ( Escola Bíblica Dominical) que acontece dominicalmente nas igrejas batistas. Nesta foto a maioria são crianças afro-brasileiras que acompanham histórias bíblicas, quase sempre ilustradas ao modo dos missionários e da literatura por eles orientadas. (Foto extraída do acervo do STBNE).

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Em 1978, quando era pastor na Primeira Igreja Batista de Alagoinhas, José

Belarmino do Monte recebeu um convite pessoalmente do Pr. Newell Mack Shults para

trabalhar como docente no IBBNE, convite que ele acolheu com muita alegria. Segundo ele o

IBBNE estava na época muito carente de professores que atendessem ao perfil dos estudantes.

Ele passou a atuar também como pastor auxiliar na Igreja Batista do Campo Limpo liderada

pelo diretor do IBBNE. Na relação com os missionários ele nunca ofereceu ameaça, sempre

procurou apresentar aos estudantes o melhor que aprendera com os missionários e também

como um auto-didata esforçado, uma vez que algumas disciplinas que chegou a ministrar no

IBBNE não eram sua especialidade.

Nunca fui ameaça ao discurso dos americanos. Certa vez tive com alguns colegas, no meu tempo de estudante, nas horas de recolhimento para oração, uma experiência mística com Deus...orávamos muito[...]. Lembro que o missionário disse: “Aqui é lugar pra se dedicar aos estudos e não pra oração demasiada.” Era época da renovação no Brasil e eles tinham medo que estivéssemos enveredando por estes caminhos. [...] Mas nunca fui ameaça não, sempre cooperei com eles, mas sempre do meu jeito. Não sou um gênio, mas sempre me sobressair pelo meu esforço e diligência nos estudos.Gostava do que fazia, amava ensinar.19”

A década de 1960 foi um período de transformações no campo religioso

protestante. As chamadas “Denominações históricas” ou tradicionais experimentaram

rupturas, com o “movimento de renovação espiritual”, que se caracterizava pela crença no

batismo do Espírito Santo e contemporanização dos dons espirituais, entre eles, falar línguas

estranhas. Entre os Batistas as tensões culminaram com o afastamento de todas as igrejas

envolvidas com o movimento criando a Convenção Batista Nacional. Para os missionários

norte-americano e as lideranças nacionais da época qualquer sinal de muita piedade ou êxtase

deveria ser vigiado e combatido, seja nos cultos ou em “reuniões secretas de oração”.

Belarmino do Monte foi acusado por alguns membros de congregações e estudantes do

seminário de ser pentecostal, acusação feita a muitos estudantes Batistas em vários seminários

da época que se dedicavam a uma intensa vida de oração e entusiasmo religioso.

A atuação do professor José Belarmino do Monte, se destacava pelo seu carisma e

fácil acesso aos estudantes. Funcionava extra-oficialmente como se fosse um capelão,

ouvindo suas confissões, medos e incertezas no campo da vocação, dos relacionamentos

pessoais e familiares e da vida seminarial.

19 Entrevista realizada com o Pr. José Belarmino do Monte em 05 e 06 de junho de 2010, na sua residência em Recife, PE.

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Figura 17: José Belarmino do Monte ministrando aula em 1987. Um professor afro-brasileiro, rodeado de estudantes na sua maioria também afro-brasileiros, no IBBNE. (Foto extraída do acervo do STBNE).

Na figura 17, observamos o espaço de sala de aula, organizada em fila, dispostos

numa ordem que sobressaia o individualismo e a fragmentação. A capilaridade do poder

estruturante, disciplinarizava e racionalizava os espaços de uma educação sistemática, presa

em suas grades curriculares, com códigos culturais ensaiados e já modelados também nas

comunidades de origem. “A escola é um lugar onde se fabricam pessoas, onde se cria as

formas de pensar, de atuar. [...] onde são criadas as diferenças sociais, etiquetadas e

legitimadas. Lugar de reprodução das estruturas sociais” (BOURDIEU, 2009, p. 35).

Também nestes espaços houve a emergência para o desviante, inda que discreta.

A mediação do professor, que saiu do tablado onde se encontrava sua mesa e punha-se ao lado

dos seus alunos(as), sugere outra relação, do espaço comum, mais aberta ao diálogo, ao

contraditório na relação saber-poder. No currículo de educação religiosa e de teologia haviam

disciplinas em comum, razão para presença na época desta foto, de mulheres na sala. Na

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condição de educador, Belarmino estimulou o diálogo e o aprendizado dos estudantes,

instigou-os a pensar o contexto eclesiástico com um olhar mais relativo e criativo, não tão

engessado aos padrões estabelecidos. Sua proximidade com os estudantes pode ser lida

também na esfera da identificação inconsciente com a condição de afro-brasileiro, dado as

relações afetivas que animavam a auto-estima e alargava mais os horizontes de atuação.

Esta figura 17, como outras do acervo se inscrevia nos relatórios que os

missionários norte-americanos enviavam para os mantenedores. A valorização do “nativo”

especialmente de ex-aluno, que se tornara professor, fazia parte da estratégia de consolidação

dos ideais e da proposta da missão. Um ciclo se completava: instituição produtora de bens

simbólicos, sistematizadora do capital simbólico e normatizadora das relações sócio-religiosa

(BOURDIEU, 1974) que se estrutura na dinâmica do campo religioso; em segundo lugar os

operadores especializados deste capital simbólico, os servos fiéis na doutrinação e persuasão e

os consumidores ativos, que mais do que receptores passivos, se puseram a re-inventar as

representações e práticas religiosas apesar de toda vigilância e controle eclesiástico.

Os seminários, mais ainda neste período em questão, eram espaços de preparação

dos quadros funcionais da denominação religiosa. A proposta filosófica e pedagógica que

orientavam as atividades não era geradora de autonomia, pelo contrário, pretendia “moldar” o

caráter cristão, forjar o obreiro (a) fiel ao serviço e seara do Senhor, e isto incluía um saber

acrítico, a histórico e irrelevante do ponto de vista de uma pastoral circunstanciada às

demandas por transformações. Esta proposta cumpriu, na sua maioria, a funcionalidade

desejada, a expansão da obra, traduzidos em números de fiéis alcançados e construção e

ampliação dos espaços de culto e educação cristã (CAMPOS, 2003, p. 5).

A atuação dos pregadores Batistas afrobrasileiros encontrava destaque na

facilidade de comunicação. Era o “falar na língua do povo”. O evangelho traduzido em uma

comunicação criativa e persuasiva, o “evangelho do Reino”. Eram eles os tarefeiros, os de

formação modesta, que fizeram a capilaridade Batista nos rincões dos sertões e outras regiões

do Brasil.

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Figura 18: Ex-aluno do IBBNE, cumprindo sua vocação como obreiro da seara, evangelizando, doutrinando e batizando seus prosélitos. (Foto extraída do acervo do STBNE).

Na figura acima um pastor Batista afrobrasileiro batizava uma nova ovelha,

também afrobrasileira, garantindo um ciclo de reprodução necessária à expansão da atividade

missionária. O rito batismal para os Batistas é fundamental e identitário. Morte e ressurreição

no ato de imersão, o mergulho de uma “velha criatura” para uma “nova criatura em Cristo”

devidamente iniciada nos “caminhos do Senhor”. Ali havia uma nova identidade religiosa

pretendida em torná-lo membro da família de Deus, onde todos são iguais, ou como diria o

Apóstolo Paulo: “Em Cristo somos nova criatura... onde [...] não há judeu nem grego; não há

servo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus20. A

conversão dissimulava as desigualdades, devíamos ver a alma que antes estava perdida e

agora se achava no “aprisco do Senhor”, liberto das amarras do inferno, quase sempre

associado às crenças afrocatólicas: “são pretos de alma branca”, lavados no sangue de Jesus.

Incomodados com as questões sobre racismo ou discriminação nas igrejas, quase sempre os

entrevistados, insistiam na idéia de que somos todos irmãos e que isso não é para o povo de

Deus.

A identidade religiosa se construía na perspectiva da mudança individual l. A

máxima, “converta o indivíduo e assim muda-se a sociedade” era tomada como crença básica

20Texto da Bíblia Sagrada, Epístola aos Gálatas 3.28.

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para simplificar as questões estruturais e minimizar, ou mesmo dissimular os problemas

sociais, entre eles o racismo. Este modo protestante e Batista de pensar se inscrevia dentro de

uma linguagem religiosa que justificava seu mundo, como bem salienta Alves (2004, p. 132):

O ato de se converter ao protestantismo pode então implicar um desenraizamento pelo qual o homem é forçado a negar a cultura que o formou [...]. O protestante está no mundo, mas não se solidariza com ele. Os seus olhos estão atentos à sua vida pessoal e à promessa de salvação individual. Assim, o importante não é que os homens estão sofrendo, ou seja, as condições objetivas e estruturais dela, mas como eles sofrem, ou seja, as condições subjetivas com que eles enfrentam a provação.

Este desenraizamento produz a negação de suas raízes culturais. No entanto,

estudos culturais mais recentes, fugindo de perspectivas muito essencialistas entendem os

processos de identidade/identificações num terreno mais líquido, com vários eixos de

ressignificação (HALL, 2003). Alguns depoimentos coletados, entre eles o de Terezinha

Nery, indicam que a conversão ajudou na aceitação da sua cor... “[...] sou de Jesus, sou desse

jeito, amo minha cor, pois Deus me ama”.21

Numa ficha de inscrição de um estudante A.P.S, ingresso em 1989 no IBBNE

relatando sua “conversão e chamada ao ministério” rememorou sua trajetória familiar no

Candomblé, sua mãe foi mãe-de-santo e ele seguiu o caminho, tornando-se segundo ele,

“mais poderoso que minha mãe”.

“[...] Venho de uma família popular, minha mãe era envolvida com o candomblé, fazia trabalho de macumba. Eu tinha 07 anos, via ela fazendo aqueles trabalhos, também via receber os espíritos ou os demônios. [...] não queria receber estes espíritos, foi quando satanáz apareceu na minha frente, a partir desta data comecei a atuar. [...] O diabo me ensinou a magia negra...” (apud. TRABUCO, 2009, p. 160-161).

Na continuidade do relato, ele afirmava que antes de se tornar um crente,

conheceu um colega de trabalho que lhe falava de Jesus, e que o diabo pedia para agredi-lo,

mas não conseguia. Decidiu seguir o colega e aceitou a Jesus. “Deixei de fazer os trabalhos de

feitiçaria, dei fim nos livros de magia, e me tornei uma nova criatura depois que comecei a

freqüentar a igreja” (apud. TRABUCO, 2009, p. 166 ). O relato indicava a procedência

comum à maioria dos afrobrasileiros, ‘família popular’, pobres, pertencendo as práticas e

religiões dos oprimidos. Esta procedência passava a ser associada aos demônios e a idéia de

magia negra (diferente da magia branca) e tudo que era negro era ruim e perigoso. A

conversão é a ruptura destas “amarras do diabo”. As associações feitas em relação à cultura

21 Entrevista realizada com Terezinha Nery em 13 de agosto de 2009 na sua residência.

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afrobrasileira sempre estão sob suspeita, pois são vistas como obra diabólica e a cultura dos

missionários como abençoada por Deus.

O Pr. Edson Gama de Oliveira22, professor do STBNE, ao citar alguns nomes de

pastores Batistas afrobrasileiros, lembrava de um que antes era iniciado no Candomblé, já

estava na fase de se tornar um sacerdote, um feiticeiro, “faltava o sacrifício de criança”

quando então se converteu. No imaginário dos evangélicos e nos relatos de conversão, os

cultos afrobrasileiros eram vistos como heresias, como superstição brava, escravidão do

diabo.

Estas representações guardavam ainda vestígios do racismo dos europeus e norte-

americanos em relação às religiões africanas, sempre vistas como primitivas e inferiores com

práticas canibais e desumanas algo próximo aos animais. Tomás Jefferson Bowen,

missionário Batista pioneiro no Brasil, que esteve na África, Nigéria, recebia carta dos crentes

norte-americanos perguntando sobre a existência de africanos com rabo e sobre as práticas

exóticas de suas religiões, ao que Bowen informava o contrário, apontando para similitudes

com as religiões monoteístas ocidentais, tidas como superiores ( BOWEN, 1968).

Ainda entre estes pregadores Batistas afrobrasileiros, o Pr. Edson Gama reconhece

no acervo fotográfico do STBNE a figura do Pr. José Rodrigues “O nego da língua de Ouro”,

que na época foi pastor na Primeira Igreja Batista em Ruy Barbosa, onde como afro-brasileiro

sofreu resistências. Pastoreou logo depois Paulo Afonso. Segundo nosso entrevistado, ele foi

um homem muito preparado e orador reconhecido, ocupou vários cargos na CBBA e na

Associação Batista Feirense. Pregou muitas vezes nas igrejas em Feira de Santana e sempre

apareceu no IBBNE. Formado em Teologia no STBNB, bacharel em humanidades, falava

inglês e tinha bom acesso aos missionários.

A expressão “nego da língua de ouro” pode ser lida como um atributo,

adjetivação que faz sobressair a qualidade de orador, apesar de negro. Isto mostra que os

pregadores afrobrasileiros conseguiam falar a língua dos missionários com sua pregação do

evangelho-cultura que eles trouxeram, mas também a afirmação, apropriação e conquista de

espaços num universo onde os brancos predominavam e controlavam.

22 Entrevista realizada com o Pr. Edson Gama de Oliveira, em 16 de junho 2010 no STBNe.

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Figura 19: Inauguração do Templo da PIB de Ruy Barbosa. Da esquerda para a direita: Missionários Burley E. Cader; J. E. Lingerfelt e o Pr. José Rodrigues conhecido como o “nego da língua de ouro”, orador de boa formação e habilidade retórica. (Foto extraída do acervo do STBNE).

Na figura 19 acima, o “Negro da Língua de Ouro” aparece ao lado dos

missionários norte-americanos numa cerimônia de inauguração de um Templo Batista em Ruy

Barbosa. Esta imagem é muito comum no álbum das comunidades Batistas. A fotografia é um

discurso sobre o real, um índice da própria realidade. Estas imagens serviam aos relatórios

dos missionários: “o evangelho cresce e se multiplica”, comunidades são edificadas. O paletó

dos missionários é seguido por muitos ao redor mostrando a sintonia e os consensos

produzidos pelas práticas introduzidas e reificadas por eles. O pastor afrobrasileiro com a

Bíblia no lado do coração é posição ligada ao afeto pastoral e a condição de soldado em

batalha, assim devia ser um pastor, cuidar de suas ovelhas, defendê-las, está pronto pra sair

em conquista. O missionário que aparece ao meio, trazia a Bíblia na posição do homem de

ação, pragmático que a tinha debaixo do braço e os papéis burocráticos da religião na mão, a

vigilância dos códigos socialmente convencionalizados. A comunidade se pôs à porta do

espaço que os inclui, espaço sagrado que os abriga e os conforma.

A liderança dos missionários norte-americanos se fazia representar no primeiro da

esquerda, Burley E. Cader, Secretário Executivo da CBBA, eleito para o cargo em 14 de

fevereiro de 1969. Segundo o Edson Gama a adoção de quatro filhos afro-baianos pelo

missionário Cader era vista, por outros de seus pares, com certo incômodo e desaprovação, a

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exemplo do missionário Jerry Smith, que atuou em Jaguaquara no Colégio Batista Taylor

Egídio e era um fazendeiro do Texas, região de forte segregação racial nos Estados Unidos e o

Jackson Dey apontado pelo nosso entrevistado como de difícil relação com os brasileiros e de

postura etnocêntrica.

No Jornal Batista Baiano de junho de 1969, o missionário Burley E. Cader, por

ocasião de sua eleição ao cargo de secretário executivo da CBBA é apresentado como “Um

americano tranqüilo, pai adotivo de filho bahianos” (O BATISTA BAIANO, 1996, jun. p.

03). A expressão um americano tranqüilo, pode ser vista como um americano mais envolvido,

simpático ao povo, o que o diferencia dos outros missionários com perfil mais distante,

apático, etnocêntrico de difícil relação com os brasileiros, conforme anotações anteriores.

“Com um amor verdadeiramente fraternal se fêz bahiano, e inspirados pelos pastores

evangelistas e crentes leigos, gastaram-se sem reserva no serviço de Deus” (O BATISTA

BAIANO, 1996, jun. p. 03). Lembra-nos também um filme de Hollywood lançado em 1958,

chamado de Um americano tranquilo, adaptação da obra (1955) do britânico H. Graham

Greene, onde narra a história de um norte-americano jovem e ingênuo, filho de um professor,

que fora bem educado em Harvard, um idealista com todas as melhores intenções. Ao chegar

como soldado ao Vietnã, queria ajudar os nativos a superar os dois principais males que via

lá: o colonialismo francês e o comunismo. Sem saber coisa alguma sobre o País no qual

estava, provocou um desastre. O romance termina num massacre, resultado dos esforços

desorientados do americano tranqüilo.

A imprensa Batista apresentava os missionários norte-americanos como idealistas

e redentores de povos estrangeiros. No artigo do jornal citado, se diz que a atuação dos

Batistas e da evangelização no sertão nordestino é também um vetor que traz progresso.

O casal Cader tem visto não somente o desenvolvimento do Evangelho, mas o progresso do sertão-nordeste bahiano com luz, água, rodagens, escolas e movimento comercial fantástico. O desafio é que o evangelho nunca atrasa e sim avança ainda mais do que qualquer outro progresso para que traga verdadeira felicidade permanente ao Brasil e ao mundo (O BATISTA BAIANO, 1996, jun. p. 03).

Desde sua chegada a Feira de Santana em 1953 até sua transferência para a

capital baiana, Salvador em 1969, Cader viu aparecer o IBBNE em 1959 para formação de

pastores e viu o crescimento de comunidades Batistas e associações de comunidades Batistas,

por onde foi interino em muitas vezes. Na PIB de Feira de Santana ele foi, durante muitos

anos, membro e atuante pastor interino em varais ocasiões.

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146

3.2 RECEPÇÃO À VIDA E OBRA DE MARTIN LUTHER KING JR. ENTRE OS

BATISTAS NA BAHIA.

Quem se importa hoje com Martin Luther

King? Quem se interessa hoje por Martin

Luther King?[...]”É muito mais fácil honrar

um herói morto do que reconhecer e seguir um

profeta vivo!

Dr. Don L. Davis

Toda recepção é uma hermenêutica, uma interpretação onde os leitores clivados

pelos contextos sócio-culturais e as dinâmicas da vida re-elaboraram os produtos e

acontecimentos que experimentaram e consumiram. Os estudos culturais (WILLIAMS, 1979),

(THOMPSON, 1998), (HOGGART, 1957) vêm ao longo de décadas problematizando a

atuação criativa dos sujeitos, camponeses, operários e outros atores no mundo

contemporâneo, frente às produções culturais e as ideologias propagadas pelas instituições e

os meios de comunicação de massa. White (1998, p.60) indicou esta abordagem:

Na Abordagem Anglo-americana de Estudos Críticos Culturais Raymond Williams, crítico teatral e literário, entende que a interpretação textual hermenêutica, tenta compreender o significado de um texto no que se refere aos contextos socioculturais e históricos tanto do leitor quanto do escritor; a capacidade dos leitores de retrabalhar o significado do texto conforme seu contexto peculiar; e a constante preocupação com a problemática da resistência popular às forças ideológicas e hegemônicas. Neste mesmo time os estudos dos intelectuais britânicos E.P.Thompson, historiador e Richard Hoggart, sociólogo, sobre a cultura da classe trabalhadora foram de igual modo importantes, para a teoria da interpretação de audiência ou teoria da recepção. Esta cultura é apresentada de dentro, isto é, interpretada pela própria classe trabalhadora, apresentada não como um grupo passivamente explorado, mas como um conjunto de pessoas que criam sua própria tradição paralela, a despeito da modernização da mídia de massa e da incorporação da cultura massificada. Thompson e Hoggart observaram a maneira como as classes trabalhadoras, ao se alfabetizarem, retrabalhavam textos escritos ou apresentavam-nos de outras formas para expressar seus próprios contextos culturais e aspirações. Eles abriram, também, a discussão sobre como os textos e os significados produzidos pelas classes trabalhadoras poderiam, posteriormente, ser cooptados e transformados pelos meios de comunicação em mecanismos capitalistas de marketing de massa e em acumulações massivas de lucro.

A recepção da trajetória e militância pelos direitos civis dos afro-americanos do

pastor batista e afro-americano Martin Luther King Jr., Nobel da Paz em 1960, pelos meios

de comunicação de massa sejam eles a televisão, o rádio ou os jornais impressos, inclusive os

jornais da Denominação Batista, como OJB, OBB e a literatura religiosa consumida no

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interior das organizações da comunidade, a exemplo das literaturas utilizados na EBD e nas

organizações missionárias de homens e de mulheres, os sermões e mensagens em ocasiões

solenes, constituiu-se num dado importante para análise e índice da consciência de negritude

ou problematização nas comunidades e seminários da questão do racismo.

3.2.1 Martin Luther King Jr. e o advento da Teologia Negra nos EUA

Martin Luther King Jr. nasceu em Atlanta em 15 de janeiro de 1929, proveniente

de uma família de classe média negra (SOUZA J., 2008, p.01). Sua carreira acadêmica

iniciou-se no Seminário Teológico de Crozer, na Pensilvânia, onde bacharelou-se em

Teologia, na Faculdade de Teologia da Universidade de Boston concluiu seu doutorado de

Filosofia na área de Teologia Sistemática, defendendo uma tese sobre o Pensamento de Paul

Tillich. Deixou Boston designado para o pastorado da Igreja Batista da Avenida Dexter em

Montgomery, Alabama onde, após o incidente com a senhora Rosa Parks, de 42 anos que deu

origem ao boicote dos ônibus em 1955, envolveu-se definitivamente na luta pelos direitos

civis dos afro-americanos, ampliando depois para questões internacionais. A formação de

King vem das congregações batistas afro-americanas, onde seu avô e seu pai também foi

pastor. Segundo Mattos (2006, p.73 grifo do autor):

A formação religiosa de King se deu dentro de um lar e de uma igreja fortemente enraizada na vibrante tradição evangélica negra norte-americana. Ao longo dos tempos, as igrejas negras, principalmente as batistas e metodistas, vieram a ser espaços de resistência e luta contra o racismo e a segregação racial nos Estados Unidos. Foram elas nutridas na aplicação do ensino bíblico à sofrida vida cotidiana da população afro-americana, tanto antes como depois de sua emancipação, tão bem expressa nos cânticos dos Negro Spirituals. Essa formação religiosa foi fundamental para o desenvolvimento não somente de sua teologia, mas, acima de tudo para uma forte espiritualidade manifesta de modo particular em sua prática social.

Martin Luther King Jr. liderou especialmente entre 1955 a 1965 o movimento

pelos direitos civis, mobilizando toda sua nação para uma nova consciência moral contra a

segregação racial. Para César (2009, p.46-51) M. L. King foi um teólogo que fez Teologia

Pública, elaborando uma linguagem capaz de mediar uma leitura da realidade e dos problemas

que afligem o mundo; foi também um teólogo “orgânico” na acepção gramsciana, aquele

intelectual que liga a vida da mente às ações de transformações da sociedade; foi um teólogo

profundamente envolvido com a tradição de espiritualidade de seu povo e aberto a incluir na

sua agenda diversas lutas locais e globais. Sofreu inúmeras perseguições, quatro vezes foi

vítima de agressão, sua casa foi atacado por bombas, por quatorze vezes foi preso. Afirmava

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ele que “O importante é a qualidade da vida e não a longevidade”. Ganhou o Prêmio Nobel da

Paz em 1960 e articulou um olhar sobre o mundo, quando questionou a Guerra do Vietnã,

consequentemente a política intervencionista do seu país afirmando: “A injustiça em um lugar

é ameaça a justiça em qualquer lugar [...]”. Noutro momento lembrava que “ Pior do que a

violência dos maus é o silêncio dos bons” em uma clara crítica a inércia das pessoas e

instituições que se dizem guardadoras das mais nobres virtudes cristãs, no entanto nos olhos

ao foram capazes de envolver-se solidariamente com os sofrimentos alheios. M. L. King Jr.

experimentou diversas frustrações em sua trajetória. Entre elas podemos citar a pouca

receptividade das idéias da não-violência nas massas especialmente entre os jovens afro-

americanos. Vivenciou dificuldades ao tentar ajudar muitos de seus colegas pastores, negros

como ele, a superarem suas ideologias e teologias conservadoras, que segundo ele,

atrapalhava o avanço da causa pelos direitos civis. Mattos (2006, p.78 grifo nosso) analisou

que:

Outra grande angústia de King foi sua constatação que, ao mover sua atuação para o norte dos Estados Unidos, os liberais brancos que estavam dispostos a apoiá-lo enquanto ele lutava somente no sul do país, pouco a pouco foram retirando o respaldo à luta pelos direitos civis, especialmente quando passou a expressar com veemência suas opiniões contrárias à guerra no Vietnam e a vincular racismo, pobreza e militarismo, pregando, mais do que reformas políticas, a reestruturação do sistema econômico militar que produzia tanto o racismo, como a pobreza, no país e no mundo. O que de fato ele passou a defender tinha muito mais a ver com revolução do que com reforma, ainda que fosse uma revolução não-violenta!

A intensa vida profética de Martin Luther King Jr. foi interrompida violentamente

após ser alvejado por uma bala na varanda de um hotel em 04 de abril de 1968 na cidade

Memphis, EUA. No interior destas transformações, como num rio caudaloso enriquecido por

seus afluentes, foi emergindo uma reflexão mais sistematizada, mas não menos existencial e

comprometida, The Black Theology, aTeologia Negra.

O surgimento da Teologia Negra nos anos que se segue a morte de King, passou a

ser compreendida como uma reflexão teológica oriunda dos movimentos sociais que

fomentou a partir das relações concretas de uma sociedade segregada “racialmente” e em

profunda crise moral (GIBELLINI, 1998). Foram os movimentos de não-violência e luta

pelos direitos civis liderado por King, e o movimento político pelo “Poder Negro”, o

empoderamento político, The Black Power que ofereceram a matéria prima para uma resposta

teológica mais articulada e em diálogo com as experiências de violência às populações afro-

americanas. Estes movimentos estavam embasados nas comunidades de fé e seus conselhos

de pastores regionais e nacionais, bem como nas organizações sócio-políticas, como

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sindicatos, cooperativas e associações de “pessoas de cor”, como eram denominadas.

Premawardhana23(2009, p.103) entende que:

[...] A Teologia Negra emerge como uma nova hermenêutica bíblica, sobretudo a partir dos trabalhos de James Cone.[...]Uma leitura alternativa da Bíblia sempre esteve presente, começando já com a experiência de escravidão, quando os africanos foram trazidos a este continente e forçados a se converterem ao Cristianismo. Neste caso a Bíblia foi usada como uma forma de manter o sistema de dominação, numa leitura que focalizava aquelas passagens que falavam de uma vida após a morte.Versículos tais como “servos sejam fiéis aos seus mestres(1Pd 2,18ss) eram utilizados como forma de manter o sistema. Mas já naquele momento outra leitura se estabelecia tomando o Êxodo como uma alegoria para uma nova libertação, um povo de Deus marcha na América.

Ao prefaciar sua obra “God of the oppressed” O Deus dos Oprimidos, em 1974, o

afro-americano James Cone, o grande Sistemático da Black Theology - Teologia Negra,

escreveu:

[...] Em livros e artigos anteriores, discuti o fundamento intelectual da Teologia Negra, e procurei demonstrar teologicamente que qualquer análise do Evangelho, que não começasse e terminasse na libertação operada por Deus em favor dos oprimidos, não era isso facto, cristã. Na presente obra, não abandono a pesquisa intelectual, mas simplesmente a integro na formação existencial e social de minha fé, como ela era e está sendo formada na comunidade negra. Espero que esta abordagem não vá apenas tornar clara a minha perspectiva sobre a Teologia Negra, mas que, mais importante, vá ajudar a ligar mais firmemente o empreendimento teológico negro com a verdadeira fonte de sua existência – a comunidade negra. (CONE, 1985, p.05).

A Teologia Negra é uma teologia de libertação, assim como a Teologia da

Libertação na América Latina, e a Teologia Feminista. Ambas fruto de perguntas, demandas e

sofrimentos experimentado por homens negros empobrecidos e mulheres negras

empobrecidas. Estas teologias desconstroem a idéia de uma teologia acima das contingências

humanas, perene, onde possamos concluir sobre A Teologia. Esta tal teologia não existe, toda

teologia, assim como outras construções acerca da vida e mundo, é provisória e sujeita aos

seus limites e possibilidades. Existe sim a experiência existencial e concreta de um povo e

sua recepção do Sagrado, sua experiência com a Revelação, mediada por sua cultura e por

sua história. A hermenêutica historicamente desenvolvida por africanos escravizados e

submetidos à religião dos senhores foi capaz de recriar espaços de esperança onde se instalava

23 Professor negro visitante no STBNE ofereceu as eletivas Martin Luther King Jr. e Teologias das Religiões em 2008. Atualmente conclui seu doutorado na universidade de Harvard. Veio ao Brasil por indicação do Dr. Harvey Cox, conhecido teólogo batista e professor sênior da Harvard Divinity School. Ele chegou ao Brasil com a mediação do Dr. Allan D. Callahan, também negro e professor de Bíblia em Harvard e professor visitante no STBNE.

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uma morte sócio-cultural, onde lhes faltavam espelhos e referências, como diziam “de dia

torturavam nossos corpos e de noite roubavam nossa alma”.

Para o intelectual afro-americano Cornell West, as congregações negras foram e

ainda são uma das principais instituições dos afro-americanos para articulação da luta por

direitos. Seus pastores foram uma espécie de intelectuais orgânicos e líderes dos movimentos

por cidadania e justiça.

Os africanos escravizados demonstraram que a recepção foi momento de co-

criação, de reelaboração dos mesmos símbolos, mitos, ritos e crenças tecidas de ponta-cabeça.

Cone reconhece esta sabedoria ancestral, esta experiência histórico-cultural de seu povo. O

historiador negro Joseph Washington, em a Religião Negra de 1964 estimulou ainda mais o

debate para o surgimento de uma Teologia Negra. Cone (1985, p. 27) diz:

Para a teologia ser negra, ela deve refletir sobre aquilo que significa ser negro. A Teologia Negra deve descobrir as estruturas e formas da experiência negra, porque as categorias de interpretação devem originar-se das formas de pensamento da experiência negra em si.

Os estudos culturais contemporâneos têm resistência às concepções essencialistas

de identidade, avessos às fixações. A idéia de uma Teologia Negra remete a um caráter

ontológico. Segundo Hall (2006) no cotidiano experimentamos vários eixos de identificações.

Não existe uma solidariedade dada ou um pertencimento automático, mas relações que se

constroem. A experiência da diáspora africana trouxe esta fluidez. Gilroy (2001, p. 25)

falando da diáspora, elemento importado da experiência judaica, como um meta-discurso para

se ler a história do negro no Atlântico Negro analisou:

Sob a chave da diáspora nós poderemos então ver não a raça, e sim formas geopolíticas e geoculturais de vida que são resultantes da interação entre sistemas comunicativos e contextos que elas não só incorporam, mas também modificam e transcendem.

A recepção da trajetória de vida de uma das personagem mais marcantes do século

XX, de grande visibilidade na mídia mundial na sua época e até hoje, Martin Luther King Jr.

transformou-se num ícone pop, símbolo da luta por direitos e contra o racismo. Um pastor

batista que transcendeu as fronteiras eclesiásticas e com seus gestos, pensamentos e atitudes

mobilizou a opinião pública em várias regiões do mundo, despertando internamente em seu

País e fora dele diferentes reações. Analisaremos a seguir esta recepção entre os batistas no

Brasil, a partir de algumas entrevistas e publicações que circularam a época.

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3.2.2 A Recepção da vida e obra de King na Bahia

Os pastores, professores e membros de instituições batistas que entrevistamos

para esta pesquisa, revelaram uma curiosa abstinência em se falar de M. L. King Jr. por parte

das instituições batistas onde atuaram. Edson Gama, que estudou no Colégio Taylor Egídio

em Jaguaquara, no Americano Batista e depois no STBNB, e acompanhava os missionários e

estudantes do IBBNE, testemunhou o grande silêncio sobre King nestes espaços. José

Belarmino do Monte e alguns membros da PIB de Feira de Santana, ouviram pelo rádio e pela

televisão falar de King, mas os missionários e os pastores nas instituições batistas que

estavam no período não tocavam no assunto, nem no culto nem nas conversas com os

membros. E aqui nos permita uma digressão pessoal, em 1992 quando estudante de teologia

no STBNE, estudamos uma disciplina eletiva chamada Missiologia com um Jovem

missionário norte-americano texano, doutor em ministério numa das Instituições Batistas do

Sul dos EUA. Quanto quis discutir com ele sobre as ações de King com agente do Reino de

Deus, fui silenciado com um retumbante NÃO!!! “Não, isto não é missão de Deus”. O

incômodo do missionário incomodou-nos.

O OBB na edição de março/abril de 1968, portanto no mês do assassinato de

King, em um artigo denominado “Morreu o Pastor negro norte-americano Drº Martin Luther

King” publicou a seguinte nota:

A melhor homenagem que este jornal pode prestar à memória deste eminente líder; covardemente assassinado nos Estados Unidos, em plena campanha pacífica pelos direitos civis da população negra de seu grande País, é transcrever para a leitura atenta e meditação profunda seu expressivo TESTAMENTO ESPIRITUAL. (O BATISTA BAIANO, 1968, mar./abr. p. 03)

O Testamento Espiritual foi uma mensagem escrita por King para ser lida por

ocasião da sua morte, na qual continha o seu desejo de ser lembrado como um lutador

incansável pelos direitos dos mais fracos, que escolheu amar e servir a humanidade. O redator

desta nota no jornal batista, pouco se deu o trabalho de informar aos seus leitores que o

iminente líder, pastor negro e Nobel da paz era um pastor batista, e que sua trajetória

ministerial e profética lhe custou muitas prisões culminando com a execução covarde. As

representações de ministério pastoral experimentadas na maioria das congregações batistas

baianas ficavam restritas às atividades intra eclesiástica, para os irmãos da mesma fé e ordem,

ou quando muito por interesses coorporativos se buscava nas “autoridades constituídas”

auxílio para atividades de expansão, como: transportes, aquisição de terrenos, mediação na

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ocupação de espaços para eventos alinhados a ordem estabelecida ou quem estava no poder. O

fim da nota deixava o Testamento Espiritual de King como uma mensagem para alma, uma

ilustração para vida devocional e consagrada. Não existe um convite, assim como em King, a

problematizar a situação do negro e no caso da Bahia do afrobrasileiro. Souza J. (2008, p.05)

em sua importante investigação, como amostra da recepção do pensamento de King entre os

batistas baianos, encontrou na seção de cartas dos leitores, uma única carta do Sr. Luiz

d’Aurea que se expressou sobre a nota acima. Assim com SOUZA, J (2008) não conseguimos

localizar outras cartas em reação a nota sobre o falecimento de MLK. Citamos, portanto a

nota do Sr. Luiz d’Aurea:

Não é possível, e difícil de acreditar-se, que esse artigo tenha merecido o “imprimatur” da Direção do nosso querido jornal! Pelo exposto (lá no artigo) o nosso amado irmão não passou de um sonhador-utopista, visando alcançar o impossível (O JORNAL BATISTA,1968, ano LXVIII, n. 27 , p. 2).

O OJB foi fundado em 1901 pelo Dr. William Edwin Entzminger, missionário

norte-americano. O interesse dos jornais denominacionais é de alguma forma tornar os

protestantes conhecidos do grande público, bem como suas idéias. Esta estratégia é fundadora

do OJB através do missionário batista Willian Entzminger. Entzminger, apartir de 1891,

perseguido pela igreja católica, divulga suas idéias pela imprensa como forma de coagir essa

perseguição. Ele contactou um dos principais jornais da cidade de Recife, O Jornal do Recife,

dizendo que queria defender os “crentes” das falsas acusações dos padres Católicos. Depois

de muita insistência conseguiu uma coluna periódica para defender os postulados

evangélicos. Segundo este mesmo missionário o resultado foi excelente. A perseguição

católica perdeu o apoio da opinião publica na área de alcance daquele jornal. Convencido da

eficácia da imprensa Entzminger juntou o jornal que era publicado no norte do Brasil e no Sul

para formar OJB, com o objetivo de ter uma divulgação nacional (FONSECA, 2002, p.01).

O OJB sendo um periódico semanário de circulação nacional, com sede no Rio de

Janeiro, sede dos principais órgãos da CBB, tornou-se espaço de divulgação do ideário

batista. Ele era o espelho da denominação, mas sua triagem não acompanhava o crescimento

dos batistas. Em 1964 eram 29,5 batistas por jornal (AZEVEDO, 1996). Os fatos da

segregação racial nos EUA tornaram-se visíveis na imprensa mundial que cobria a crise moral

e histórica entre os americanos que se ufanavam de serem os representantes da liberdade e da

democracia. A Convenção de Batistas do Sul dos EUA era cobrada por sua postura silenciosa

e cúmplice diante da situação. O OJB, que sempre exaltava esta Convenção sulista,

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estrategicamente põe a noticiar junto aos batista brasileiros notícias que amenizassem ou

redimissem a comprometida imagem pública destes que sempre eram referendados como o

espelho das virtudes cristãs, o povo eleito de Deus para abençoar os povos, símbolo de

prosperidade e fidelidade aos princípios divinos (SILVA E., 2002, p. 35).

O ano de 1967 foi um intenso ano para as lideranças da Denominação Batista

devido a Campanha de Evangelização das Américas, onde tentavam repetir o propalado

“sucesso” da Campanha Nacional de Evangelização “Cristo é a Única esperança” em 1965.

Pastores batistas de todos os países no continente americano trocavam seus púlpitos,

atendendo o convite para persuadir as igrejas a ganharem “almas para Cristo”. Foi na esteira

destes acontecimentos que chegaram ao Brasil os irmãos batistas da Convenção Batista

Nacional de Cor, como era denominada por alguns, e por outros Convenção Batista dos

pretos. Esta convenção com 6,5 milhões de membros era considerada na época, a segunda

maior Convenção Batista do Mundo depois da SBC. Em 19 de novembro de 1967, o OJB

informou: “ Pastores americanos de cor fazem sucesso no Brasil – Visita a Goiás”. No mesmo

Jornal na sessão de fotos aparece a imagem abaixo:

Figura 20: “Pastores de côr”, vindo do Mississipe, EUA, para participar da Campanha da Américas. O segundo pastor à direita é o Drº W. P. Davis, diretor do Seminário Batista do Mississipe, onde todos estes se formaram. (Foto extraída do OJB, 19 nov. 1967).

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A grande Cruzada Evangelística de encerramento da “Campanha das Américas”

realizada no Estado do Rio de Janeiro, no Estádio do Maracanã, em 25 de janeiro de 1969,

tivera como Orador Oficial o Pastor Drº Joseph H. Jackson. Ele era pastor da Igreja Batista

Mount Olivet em Chicago nos Estados Unidos e presidente da Convenção Batista Nacional

Incorporada, a “Convenção de batistas pretos”, a segunda maior do mundo conforme já

citamos. A presença tardia de “batistas de cor” em nosso meio não se compreende sem esta

conjuntura norte-americana e o problema da segregação racial. Alguns anos depois, em 1974,

O OJB (1974, n. 29, jul. p. 08) publica um artigo com o seguinte enunciado: “O primeiro

preto em 129 anos: A nova diretoria da Convenção do Sul dos Estados Unidos”. A

Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, depois de 129 anos de fundada, por motivos

raciais e escravagista, elege um negro em sua diretoria, o Drº Charles King, um 2º vice-

presidente de “cor”.

Waldomiro Tymchak na VII Conferência Mundial da Juventude Batista

informou:

No estádio trezentos e tantos líderes dos diversos grupos exigiram aquela reunião para falar e como falaram... Problemas de envergadura tais como guerra, ódio racial, pobreza, inquietação estudantil enfim problemas atuais e mundiais. [...] Billy Graham disse que os americanos colhem os frutos que plantaram no passado e que precisam arrepender-se e voltarem-se para Deus. Dos 6.000 congressistas, 4.000 eram americanos e destes a maioria absoluta eram membros da convenção do Sul. Um pastor alemão pediu a palavra: “Eu me envergonho de me apresentar como batista perante a sociedade em que vivo e onde procuro servir meu Senhor por causa da atitude de vocês, batistas do sul, com relação ao problema racial”. (O JORNAL BATISTA, 1968, ano XLVIII, n. 37, p. 04)

Após a indagação do jovem pastor de origem alemã o articulista, informou a

resposta gentil de um sulista que notificava as decisões feitas na Convenção do Sul, a qual

“recomendava” às igrejas que abrissem as portas para todos. O jovem alemão agradeceu e

acentuou que era a primeira vez que fora informado de tal decisão. Em seguida Tymchak

apresentou a África do Sul com maiores dificuldades no que diz respeito a situação de

segregação racial. Percebemos neste embate a tentativa do articulista de minimizar o drama

dos “negros” nos Estados Unidos e a responsabilidade da Convenção do Sul, tangenciando o

assunto, e, tornando o jovem alemão, antes indignado, agora satisfeito e surpreso com os

avanços.

A questão da segregação racial na África do Sul também foi apresentada também

pela concepção de Tymchak, um correspondente do OJB e estudante de Teologia na Europa.

Para ele a união entre ao Estado Sul Africano e a Igreja Reformada da Holanda, que tinha

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uma bem elaborada teologia através da qual justificava o racismo, tornara mais grave a

segregação racial na África do Sul. Nada ele discutia sobre a teologia batista do Sul dos EUA,

silêncio que denunciava a compreensão ou a até mesmo a tentativa de persuasão de que estes

batistas, seus teólogos, discursos e os estados sulistas fossem diferentes. O diálogo tentava

desvelar as questões raciais internacionais. Em nenhum momento a situação do negro no

Brasil foi colocada em questão, talvez, por conta da ilusão sobre uma possível democracia

racial ou mesmo o silenciamento das nossas ambigüidade. Em 21 de Julho de 1968, o Jornal

Batista, trouxe a seguinte notícia com o Título: “Os Batistas do Sul enfrentam o desafio no

mundo em transição”. No artigo o Dr. Wayne Dehoney, ex-presidente da Convenção Batista

do Sul dos EUA , a SBC, informou que:

como os dinossauros os Batistas do Sul enfrentam um mundo em rápida transformação. Nosso testemunho sobreviverá dependendo da nossa sensibilidade e da nossa habilidade em corresponder às mudanças com a verdade cristã permanentemente24 (O JORNAL BATISTA, 1968, ano 29, n. 24, jul, p. 01)

O texto continua tratando os problemas ligados a vida eclesiástica a exemplo da

unidade, individualismo, secularização, a urbanização e o fervor religioso. Ao tocar

novamente nas questões sociais fazendo referência aos movimentos sociais que eclodem no

período ele os reduz a uma questão afetiva e espiritual.

Se entendo corretamente os movimentos de protesto, os “hippies”, os rebeldes contra o serviço militar, e outros grupos semelhantes não estão mais do que expressando seu senso de futilidade, desespero e angústia. Êles apenas transformam em ação o que o mundo inteiro sente no coração, isto é , que a vida se transforma em cinza em nossas bocas. (O JORNAL BATISTA, 1968, ano 29, n.24, jul, p.01)

No texto não aparece a questão racial como um grande dilema e ao tratar das

guerras, questão que King foi incisivamente contra criticando o imperialismo norte-

americano, o pastor Dehoney considera apenas uma tragédia, mas em nenhum momento

discute o belicismo estadunidense. “Os rebeldes contra o serviço militar” é a futilidade da

vida juvenil, sem propósito.

No ano que ganhou o Nobel da Paz de King em 1961, foi publicada no OJB uma

nota informativa e elogiosa as suas conquistas. Com o título Martin Luther King Jr. Apóstolo

da Paz, morto pela violência, O JB de 14 de abril de 1968, trazia uma matéria feita de última

hora. Nela King foi apresentado com o lamento e sentimento pela perda de um líder da Paz.

24 Artigo publicado nos EUA e traduzido pelo professor de História da Igreja do STBNB, Benilton C. Bezerra

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Na nota havia uma rápida descrição de seu pensamento, sempre diferenciando-o de outros

grupos de “cor” que usavam a violência como enfrentamento à segregação.

No Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, em 30 de novembro1968,

celebrou-se a formatura da “ Turma Martin Luther King Jr.”. Esta turma fora inspirada pelo

Movimento Diretriz Evangélica , o qual desde 1947 buscou discutir dentre os batistas acerca

do diálogo entre Evangelho e a realidade social brasileira e mundial. Este movimento teve a

participação de nomes como Davi Malta do Nascimento, Hélcio da Silva Lessa, Mário

Barreto França, etc. os quais atuaram como pastores, professores e reitor do STBSB. Nesta

formatura o orador da turma na ocasião, o estudante Darcy Dusilek, proferiu um discurso

fundamentado no testemunho e pensamento do pastor afro-americano Martin Luther King Jr.

como contribuição para se pensar a ação cristã no mundo contemporâneo. Foi um grito no

silêncio que os missionários ajudaram a cultivar.

[...] Vivemos em um século e transições, de mudanças, de substituição de valores. A nossa responsabilidade de cristãos mais ainda, de intérpretes de Deus é, por isto mesmo, acrescida. Os homens hão de exigir de nós que interpretemos os fatos históricos contemporâneos à luz da Revelação divina. Isso exigirá estudos profundos e demorados de nossa parte, ao mesmo tempo, que uma experiência profunda e marcante com Deus. Mas, de nós se exigirá, também, o elemento coragem. Sim, porque não é fácil emitir conceitos em tempos de transição, de instabilidade. A coragem com a qual precisamos nos armar é a coragem profética, pois os princípios operantes nas circunstâncias históricas em que eles viveram são idênticos aos de nossa época. 25

Continuou afirmando que os tempos pediam urgência e a resposta carecia de

visão e coragem profética, assim como os profetas que lutaram contra as injustiças sociais na

Bíblia: Amós, Jeremias e outros. Acrescentou:

[...] Muitos exemplos poderíamos vos apresentar, mas, limitar-nos-emos ao de Martin Luther King Jr. Ele lutou pela implantação no mundo dos ideais éticos pregados e vividos por Jesus Cristo. Essa foi a sua proclamação, a sua manifestação como filho de Deus neste mundo conturbado. O fundamento e base última para a sua missão estavam lançados sobre o próprio caráter e natureza de Deus. A sinceridade e ardor com que lutou por seus ideais valeram-lhe a morte, mas a sua existência perdura através dos seus ideais, dos resultados obtidos. Pode-se matar um homem, mas uma idéia não se mata jamais! Martin Luther King Jr. está presente. Depois de morto ainda fala. E o seu testemunho há de ser decantado ainda por muitas gerações e todos que dele ouvirem falar saberão que em 1968 um homem de Deus foi morto enquanto praticava a sua diaconia!26

25 Discurso proferido por Darcy Dusilek em 30 de novembro de 1968 na formatura de Bacharel de Teologia do STBSB. Disponível em <http://www.prazerdapalavra.com.br>. Acesso em 30 Jun. 2010. 26 Idem.

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A recepção sobre a vida e obra do “pastor batista negro norte-americano” nas

comunidades batistas feirenses não foi diferente de outros lugares. Embora as notícias sobre a

morte chegasse à todos pelos meios de comunicação, muitos na igreja ficaram sabendo dele e

de sua trajetória por conta do seu trágico fim. Perguntada sobre sua memória a cerca de King,

a senhora Terezinha Nery, informou dado o contexto e influência dos missionários sul -

estadunidense.

Ouvi pela televisão, o sofrimento que ele teve... lembro sim, ouvi as pessoas falar, ele defendia os negros, ele queria o ajuntamento dos negros com os brancos... ele morreu por causa disso! Deu em televisão, jornal, rádio tudo ai... eu soube que ele era pastor justamente quando morreu... ouvia isso pelo rádio pela televisão... [os missionários e os pastores falavam dele? Interroguamos] Não...não!27

No seu depoimento a senhora Terezinha Nery, fala de King como aquele que

“defende os negros”, que busca “ajuntar negros e brancos”, numa referência à sua luta contra

segregação racial. Os movimentos negros no Brasil que tem uma história de luta que remonta

aos tempos da escravidão assistiram pelos meios de comunicação muitos destes

acontecimentos que se dão nos EUA e no continente africano por conta das lutas de

independência. Segundo Albuquerque (2006, p.290):

A militância negra brasileira foi fortemente influenciada pela trajetória das organizações negras norte-americanas em defesa dos direitos civis e especialmente do movimento Black Power. Ocorre que o movimento negro norte-americano se desenrolava numa sociedade baseada no modelo bi-racial de classificação, ou seja, um modelo que só reconhecia negro e branco como categorias raciais. O mestiço de negro, o pardo, por exemplo, lá era considerado igualmente negro. A questão racial no Brasil e nos Estados Unidos tem histórias bem diferentes. Se nos Estados Unidos a identidade negra era definida pela afro-descendência, no Brasil ela era, e continua a ser, definida pela cor da pele e outros traços físicos, sobretudo textura do cabelo. É por isso que um pardo claro pode “se passar” por branco, especialmente se tem dinheiro, educação, prestígio político. Assim, níveis de renda e educação podem influenciar bastante na classificação e na autoclassificação raciais. Esse debate, que foi tão importante para a consolidação do movimento negro, continua atual quando se discute ações afirmativas.

Ainda o depoimento de Terezinha Nery, percebemos o papel da mídia na

informação sobre o “pastor que queria ajuntar os negros com os brancos”. Quando

perguntamos sobre o papel dos missionários e dos pastores em relação a esta informação

ouvimos um breve silêncio seguido de não... não! Sua memória não falhou, hesitou em ser

contundente e afirmou que não houve informações sobre King por parte destes. Estes relatos,

mais uma vez coadunam com as observações de Silva (2006) em relação à documentação dos

batistas. O silêncio é proposital, representa a dificuldade em tocar em questões acerca das

27 Entrevista concedida ao autor em 29 de julho de 2009 em sua residência.

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relações étnicas. Isto também se expressa no não reconhecimento do ministério de Martin

Luther King Jr. como um modelo de ministério a ser seguido, muito próximo e inspirado no

“Evangelho Social”, movimento de outro pastor batista norte-americano do final do século

XIX e início do século XX, Walter Rauschenbush. Rauschenbush ousou discutir pecado

estrutural e pecados sociais desafiando a responsabilidade social e ética no cristianismo

contemporâneo. Além destes elementos o questionamento às relações raciais no país dos

missionários era um testemunho nada confortável para quem “anunciava as boas novas”.

A professora do IBBNE da área de Missões, Jamim Peixoto de Macedo28, natural

de Parnaguá no Piauí, nascida em 26 de agosto de 1935, foi missionária da Junta de Missões

Nacionais da CBB durante muitos anos. Ele é a viúva do pastor Jonas B. Macedo Filho e sua

formação aconteceu no Instituto Batista de Educação Religiosa no Rio de Janeiro. Em sua

entrevista ela nos informou que em certa ocasião ao lado de um missionário norte-americano

nos idos da década de 1950, ficou surpresa com um repentino comentário do mesmo ao ver

um casal de brasileiros, um homem negro e uma mulher branca passarem de mãos dadas:

“este casal está em situação de pecado”. Neste caso o missionário deixou escapar a

percepção de um segregacionista imbuído de uma teologia racista, avaliando as relações

interétnicas no Brasil. As dificuldades destes missionários com a miscigenação brasileira já

fora anotada por Silva (2006) quando falamos acerca de M. G. White.

Na década de 1980, o Brasil viveu momentos decisivos de uma lenta transição

proposta pelo Governo de Ditadura Militar para a redemocratização do País, marcada por

muitos limites e incertezas. No campo econômico uma recessão se avolumava e as conquistas

salariais de anos anteriores experimentaram grandes perdas. Esta transição não foi capaz de

aprofundar a questão das desigualdades, a ausência de instituições confiáveis e aberta aos

cidadãos nos estados, a corrupção e o clientelismo que a muito vem arraigada à sociedade

brasileira. Foi um cenário de frustrações e expectativas. Os movimentos sociais até então

clandestinos ou reprimidos voltaram a ter visibilidade e buscaram estabelecer diálogo com

diferentes atores e interesses. Albuquerque (2006, p. 294) assim analisou:

Pressionados por essa mobilização [dos movimentos negros], alguns partidos políticos (de esquerda, e mais tarde mesmo os de direita), segmentos da Igreja Católica e sindicatos começaram a rever suas convicções sobre o tema racial. No início dos anos 80, os partidos de oposição no Brasil passaram a inserir propostas anti-racistas em suas plataformas eleitorais, e vários criaram comissões para formular políticas de inclusão dos negros. Em 1978, a Conferência Nacional dos

28 Entrevista concedida ao autor pela Profª Jamim Peixoto de Macedo, em 12 de maio de 2010, em sua residência.

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Bispos do Brasil (CNBB) promoveu vários encontros do clero negro, que resultaram na criação do Grupo de União e Consciência Negra, uma organização de religiosos e leigos negros que se consideravam ao mesmo tempo parte do movimento negro e da Igreja Católica.

O cristianismo católico, na esteira das discussões nas Comunidades Eclesiais de

Base e com os Teólogos e Teólogas da Libertação, organizam as pastorais afro articuladas

com os movimentos sociais. Entre os protestantes “progressistas e ecumênicos” sempre

tivemos pessoas que se articularam com estes movimentos, porém as articulações enquanto

movimento vai nascer um pouco depois.

Ao chegar o ano de 1988, ano da Constituinte, da nova Constituição, de

mobilização de diversos segmentos e setores da sociedade, vimos as fragilidades políticas

explícitas de uma confusa democracia brasileira, que se escrevia na Carta Magna o que não se

efetivava num Estado frágil e ausente, deixando abandonadas e sem garantias as populações

excluídas, entre as quais a população negra que neste país é maioria. O Centenário da abolição

encontra resistência por parte dos movimentos negros que vêem nas comemorações oficiais a

minimização das lutas dos negros na memória do fim da escravidão. Em 12 de maio os

movimentos negros em Salvador fizeram uma passeata de protesto com o lema Cem anos sem

Abolição, que fora duramente reprimido, o que se repetiu em outras partes do país. O dia 20

de novembro, dia em que se comemora a morte de Zumbi dos Palmares, foi tomado pelos

movimentos negros como uma data representativa de uma luta por uma cidadania que ainda

não existe no Brasil, a cidadania do negro.

Na Revista da Juventude, a revista batista presente em 1988, com reportagem de

capa intitulada: “Centenário da Abolição: abordagem histórica sobre a realidade negra no

Brasil”, nome do artigo assinado pelo Pastor Jairo Silvestre da Silva, fez-se uma análise

crítica da situação histórica e social do negro na sociedade brasileira, denunciando o racismo,

a intolerância às tradições culturais afro-brasileiras incluindo as religiões de matriz africana.

O articulista lembrou que a igreja por estava dentro da sociedade brasileira trazia consigo as

mesmas contradições desta sociedade, a exemplo da discriminação racial, e afirmava que

pouco víamos os negro nos cargos mais altos da Denominação. Jairo Silvestre termina o

artigo conclamando os batistas a fazerem uma autocrítica e seguindo os princípios bíblicos,

entre eles o de não fazer acepção de pessoas e de amar ao “próximo-negro” ele disse:

Deus nos ajude neste 1988, do Centenário da Abolição, para promovermos meios para que os negros alcancem sua libertação e assim construamos uma sociedade justa , igualitária e fraterna, cada vez mais próxima do padrão de convivência que

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teologicamente conhecemos como Reino de Deus (REVISTA JUVENTUDE, 1988, p.48-49).

Esta análise feita aos jovens batistas brasileiros, no mínimo tentou assumir o problema do

racismo nas congregações batistas, além de apresentar-se como um convite a desenvolverem

ações neste sentido. Mas, ainda pouco se dizia do enorme silêncio e pouco esforço para

enfrentar esta questão presentes nas comunidades batistas, apesar de iniciativas de

movimentos e pessoas que iriam se tornar visíveis a partir da década de 1990.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inauguração do templo da PIB de Rui Barbosa. Foto

extraída do acervo do STBNe.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos nesta dissertação discutir as práticas e representações étnicas entre os

Batistas em Feira de Santana (1947 a 1988). Esta discussão aconteceu especialmente a partir

de suas narrativas religiosas entendidas como espaço no qual se pudesse capturar o olhar que

afrobrasileiros foram capazes de enxergar nos lampejos de consciência, advindos de sua

condição nas relações cotidianas.

No primeiro momento tentamos traçar a trajetória das representações étnicas entre

os batistas a partir da chegada do missionário branco norte-americano pioneiro da presença

Batista no Brasil, Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) e sua esposa Henrieta Davis Bowen

(1839-1907). A partir dos próprios escritos de Bowen sobre sua experiência africana e de

suas correspondências com a Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos

Estados Unidos da América (FMB-SBC)quando esteve no Brasil, analisamos que suas

estratégias missionárias junto aos africanos escravizados e brasileiros revelaram uma

sensibilidade e disposição para o diálogo com as tradições culturais e crença na capacidade

africana de construir seu desenvolvimento e civilização. Esta postura de Bowen diferenciava-

se dos outros missionários norte-americanos que aportaram posteriormente no Brasil.

Identificamos que o discurso de Bowen situou-se nas fronteiras da emergência da

Antropologia como ciência, especialmente os pressupostos que justificavam a intervenção nas

outras culturas para acelerarem seu desenvolvimento. Evangelizar entre africanos

escravizados no Rio de Janeiro era investir na instrumentalização destes como possíveis

agentes colaboradores deste “projeto civilizatório”.

A chegada dos colonos e em seguida das “missões aos brasileiros”, originários do

sul dos EUA, revelou nas estratégias e ações desenvolvidas com os brasileiros, especialmente

com os afrobrasileiros, forte etnocentrismo e racismo, fruto das relações raciais praticadas na

sua terra de origem e alinhadas com as principais teorias racistas e evolucionistas da época. A

concepção de Destino Manifesto, de Religião Civil pressupõe os discursos ufanistas do

projeto civilizatório que representaram.

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A formação do pensamento Batista brasileiro é devedora e caudatária dos

missionários norte-americanos, que reproduziram e estreitaram a tradição confessional

puritano-pietista, somado ao fundamentalismo, ao anticatolicismo e a pragmatismo liberal

estadunidense. Herdeiros desta genealogia de um protestantismo reacionário e conservador

desenvolveram práticas e representações etnocentradas, incapaz de dialogarem minimamente

com o contexto sócio-cultural brasileiro e com toda sua diversidade regional especialmente as

matrizes culturais de maior densidade e presença da religiosidade afrocatólica. Foi neste

cenário que o encontro com o caminho percorrido por Bowen, apresentou-se de grande valor.

Ele, ainda que enxergando nos limites de seu tempo e nunca abrindo mão da ideologia

missionária, a qual se encontrava servindo, mostrou-se, no entanto um “pregador” que,

apresentava o despertar de novas sensibilidades ao investigar a cultura centro africana,

produzindo uma compreensão mais tolerante com as diferenças. As transgressões na maneira

de missonar de Bowen alteraram em parte seu olhar e disposição, porém estes foram

interrompidos pela doença e as circunstâncias institucionais adversas.

As categorias e as doutrinas que orientaram as representações sociais e étnicas dos

missionários coaduram-se com as políticas de branqueamento e desafricanização das elites

brasileiras e baianas. O recrutamento de fiéis, especialmente entre as populações de

afrobrasileiros foram acompanhadas de um processo de demonização e rejeição de suas

heranças culturais africanas. A conversão representava uma ruptura com o seu mundo de

representação herdado seguido de uma apropriação de símbolos e crenças referenciados numa

nova linguagem que buscava refundar sua identidade sobre outras bases, neste caso a

“America of Life” dos missionários posto como a verdadeira “cultura cristã” que se

pressupunha “eleita por Deus”.

Os estudos culturais sobre etnicidade e identidades vêm apontando cada vez mais

para a fluidez nas relações sociais de grupos bem como os processos de individuação. Os

estudos anglo-americanos insistem na recepção que os grupos e sujeitos nas suas experiências

sócio-culturais são capazes de reelaborarem e construírem hibridismos.

Nossas pesquisas também indicaram, a partir das fontes analisadas, incluindo

documentos escritos, fotografias e entrevistas, que a atuação dos missionários resultou eficaz

e de longa duração. As narrativas dos sujeitos pesquisados matem continuidades com as

representações étnicas dos missionários. No entanto, estes mesmos sujeitos, demonstraram

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através de suas narrativas uma subjetivação que aponta para aceitação seletiva de sua

negritude ao afirmarem que se orgulhavam da cor, quando diziam “Sou feliz como Deus me

fez, preta mesmo”. As trajetórias de Antonio e Felipe Neri, membros fundadores da PIB de

Feira de Santana, também nos fazem pensar neste espaço de sociabilidade, ascenção social e

auto-estima. Antonio Lourenço Neri vem a tornar-se, depois que sai da Comunidade Batista,

vereador em Feira de Santana. Acreditamos que sua experiência e atuação como liderança da

comunidade ajudaram-no em suas relações sociais. As mulheres afrobrasileiras entrevistadas

expressaram com mais lucidez os preconceitos e racismo velado na comunidade. Esta

percepção conjugava a condição de mulheres, afrobrasileiras, trabalhadoras de ganho com

forte disposição de atuação nas comunidades ou experimentando certa ascenção econômica.

Alguns pregadores batistas afrobrasileiros, formados no IBBNE, desenvolveram

trajetórias que os colocaram em posição de liderança em diferentes instâncias de poder dentro

da Denominação Batista, seja como pastor, professor, secretário executivo estadual ou outros

níveis de lideranças. A caminhada do José Belarmino do Monte ilustra tal assertiva. Os

pregadores afrobrasileiros mesmo atrelando inicialmente sua imagem ao lado dos

missionários, criaram na autonomia própria comunidades batistas estratégias de afirmação

mesmo com resistências por parte de alguns membros racistas. Seja nos investimentos na

formação como Direito, acesso à língua dos missionários ou inserção em agremiações

filantrópicas e similares como Rotary Club, Loja Maçônica etc.

O silêncio frente à atuação do pastor afro-americano batista Martin Luther King

Jr. e na sequência à Teologia Negra (Black Theology), demonstram a dificuldade do

pensamento batista brasileiro, ainda hoje, de assumir uma autonomia teológica frente a

herança dos missionários, bem como tematizar e problematizar o racismo nas comunidades.

Diferente da posição de alguns militantes do movimento negro ou até mesmo de

alguns estudiosos da religiosidade brasileira, as pesquisas demonstraram que, as Comunidades

Batistas são também espaços de sociabilidade, de ressignificação, que colaboram com uma

nova auto-afirmação, dentro de uma sociedade racializada. Quase sempre estes militantes e

estudiosos vêem na experiência religiosa do afrobrasileiro, seja no protestantismo histórico ou

mais ainda nos pentecostalismos, uma negação da identidade negra, de suas raízes africanas

ou de sua negritude, no que tem razão, dada a intolerância religiosa e a satanização desta

herança cultural. Porém, mesmo longe dos ideais que se espera no campo da cidadania e

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igualdade racial, não podemos deixar de dialogar e investigar, não só aspectos

fenomenológicos destas experiências religiosas dentro e fora das instituições, mas

especialmente como historiadores, compreendermos as mudanças no tempo e na construção

das relações sociais e suas representações.

Nossas investigações também perceberam silêncios das fontes em relação à cor, o

que nos demonstrou algumas dificuldades que os membros da comunidade e das instituições

no tratamento destas questões. Porém, mediante as contribuições que colhemos em torno de

algumas inquietações sobre o universo das representações batistas e sua eficácia numa

sociedade de constante fragmentação e reconfiguração, acreditamos que está em curso nas

comunidades, ainda que timidamente, uma crescente insatisfação com estas representações.

Percebemos que estas inquietações são mediadas por uma busca sobre uma nova estética de

ser, uma necessidade de identificar-se como negro, algo que no período que recortamos estes

sinais foram mais lentos, quase invisíveis.

Como toda pesquisa que transita entre limites e possibilidades, certamente outras

fontes bem como, diferentes caminhos de abordagem que evidenciem de outras maneiras as

estratégias e negociações que os (as) afrobrasileiros (as) construíram a partir de suas práticas

sócio-religiosas, urdidas na invenção da vida cotidiana, ampliarão este campo de estudo sobre

o protestantismo e a condição afrobrasileira.

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REFERÊNCIAS

E FONTES

Interior do templo da PIB de Feira de Santana na

década de 1960. Foto extraída do acervo do STBNE.

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FONTES

ENTREVISTAS

� Antonio Lourenço Nery;

� Terezinha Nery

� Doralice Freitas Barbosa

� Marialva Vasconcelos Ferreira

� Maria Mercês dos Santos

� Pr.José Belarmino do Monte

� Pr.Edson Gama de Oliveira

� Profª. Jamim Peixoto de Macedo

LITERATURA

� REVISTA DA JUVENTUDE. Centenário da Abolição: abordagem histórica sobre

a realidade negra no Brasil. Rio de Janeiro, JUERP, a. VI, n. 27, abr./jun.de 1988.

JORNAIS

O JORNAL FOLHA DO NORTE

� FOLHA DO NORTE. Feira de Santana, BA, 24 de março de 1943. Diário.

� FOLHA DO NORTE. Feira de Santana, BA, 13 de janeiro de 1951. Diário.

O JORNAL BATISTA

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XXXIX, n. 3, jan. 1939.Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XXXIX, n. 2, jan. 1939. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XXXVIII, n. 34, set. 1938. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XXXVIII, n. 31, ago. 1938. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XLI, n. 34, set. 1941. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XLV, nº 21, maio.1945.Semanal

� O JORNAL BATISTA. Rio de janeiro, ano XLVIII, n. 11, mar. 1948. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano XLIX, n.5, fev. 1949. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro. ano XXXVII, n. 41, dez. 1937. Semanal.

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� O JORNAL BATISTA, Rio de Janeiro, ano LXIII, n.5, fev. 1963. Semanal.

� O JORNAL BATISTA, Rio de janeiro, ano LXVIII, a. 13. n. 17, abr. 1968.

Semanal.

� O JORNAL BATISTA, Rio de Janeiro, ano LXVIII, a.29, n.24, jul, 1968.

Semanal.

� O JORNAL BATISTA,Rio de Janeiro, ano LXVIII, n. 27, Jul. 1968.Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano LXVIII, n. 37, out. 1968. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, ano LXXIV, n. 29, jul. 1974. Semanal.

� O JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro. ano LXXI, n.48, nov. 1976. Semanal.

O BATISTA BAIANO

� O BATSTA BAIANO, Salvador, mar./abr. 1968. Bimensal.

� O BATISTA BAIANO. Salvador, out. 1968. Mensal.

� O BATISTA BAIANO. Salvador, jun. 1996. Mensal.

CORREIO DOUTRINAL

� O CORREIO DOUTRINAL: Órgão noticioso de doutrinamento cristão. Recife, ano

XI, n. 11, jul. 1933. Semanal.

ATAS

� Atas da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana (1947 -1988)

� Atas de reuniões docentes (1975 – 1988)

� Atas da Junta Administrativa do Instituto Bíblico Batista do Nordeste.(1975 – 1988)

� Livro de Atas I. Conselho da Escola Bíblica de Serra Verde 10/07/1958

� Livro de Atas I. Conselho do Instituto Bíblico Batista da Missão do Norte do Brasil

13/10/1958.

MEMÓRIAS DO PROTESTANTISMO

� GILANDERS, Isobel. A História Inacabada. Feira de Santana. PLANZO, 1990.

� MACEDO FILHO, Pr. Jonas Barreira de. Notas de apreciação sobre os Institutos em

que trabalhou no desempenho do seu Ministério Evangélico.

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� Relato Auto-biográfico de Edward Burley Cader. Homenagem da Convenção. Livro

do Mensageiro, 63ª Assembléia Anual da Convenção Batista Baiana, 1986,

� TORQUATO Jr., Clóvis Torquato. História do Instituto Bíblico Batista do Nordeste.

STBNB, 1992

PEDIDOS DE ADMISSÃO DE ALUNOS

� PEDIDOS DE ADMISSÃO. A. P. S. Concluintes. Bacharel em Ministério Cristão,

IBBNE, 1987.

OUTRAS FONTES

� Fichário de membros (167 Fichas) da PIB de Feira de Santana de 1945 a 1975.

� SHULTS, Newell Mack. O fim é melhor do que o princípio. Sermão proferido na

Formatura da Turma de 1998 publicado no Informativo especial da 76ª Assembléia da

Convenção Batista Baiana, 1999.

� MACEDO FILHO, Jonas Barreiras - A Bíblia: sinais de sua divina origem e da sua

suficiência para os homens. Dissertação de Mestrado defendida em 01 de outubro de

1938 no Seminário Teológico Batista do Norte. Recife – PE: Encadernação do autor,

1938.

� Lembranças dos Amigos do Pastor N.M. Shultus e Irmã D.Audrey M. Shults – Acervo

pessoal do Diácono Antonio Guedes. ( Cartas, depoimentos, recortes de Jornais,

Boletins , fotografia sobre a família Shults, 02 sermões impressos)

� MONTE, José Belarmino - Uma vida a serviço de Deus.( Um autobiografia) Feira de

Santana: Clínica dos Livros:2005.

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ANEXOS

Página do Fichário da PIB de Feira de Santana.

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A N E X O S

Mapa 1.

Localização de Feira de Santana

Fonte: Lobão J. S. B. 2003.

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183

Mapa 2.

Rodovias que cortam Feira de Santana

Fonte: Lobão J. S. B. 2003.

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184

Mapa 3

Evolução urbana de Feira de Santana

Fonte: Lobão J. S. B. 2003.

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FICHAS DA PIB

Missionário norte-americano

Fonte: Fichário de Membros da PIB de Feira de Santana 1945 a 1975.

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186

Nascida no Ano da abolição - 1888

Fonte: Fichário de Membros da PIB de Feira de Santana 1945 a 1975.

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187

Afrobrasileiro funcionário da Petrobrás

Fonte: Fichário de Membros da PIB de Feira de Santana 1945 a 1975.

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188

Fichário de Membros da PIB

Fonte: Fichário de Membros da PIB de Feira de Santana 1945 a 1975.

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189

Ata de Fundação da PIB de Feira de Santana. Assinaturas no Concílio de Organização da Igreja em 02 de março de1947.

Fonte: Livro de Ata de 1947da PIB de Feira de Santana.

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190

Interior da PIB de Feira de Santana década de 1960.

Foto extraída do acervo do STBNE.

Coral com estudantes do IBBNE, 1963.

Foto extraída do acervo do STBNE.

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191

Missionário Batista Cleiton Bond da Junta de Richmond

batizando em Togo na África.

Fonte: O Jornal Batista de 30 out. 1966.

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192

As fotos fazem um paralelo entre uma africana convertida, ao centro com a Bíblia, a esquerda um africano em um culto aos seus ancestrais e à direita uma comunidade de

africanos convertidos.

Fonte: O Jornal Batista de 05 de Jul. de 1956.

Mulheres negras confraternizando

Foto extraída do acervo do STBNE.

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193

Um avião bimotor que transladava estudantes para outros Estados e Cidades para evangelização (1966-1972)

Foto extraída do acervo do STBNE.

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194

Fonte: O Jornal Batista, ano LXVII, 19 de Nov. 1967.

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195

Pastor Valdívio Coelho da Igreja Batista Sião em Salvador, e o Presidente do Brasil no período do Governo Militar em 28 de maio de 1967 no O Jornal Batista.

Fonte: O Jornal Batista, ano LXVII, 28 maio 1967.

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196

Os estudantes do IBBNE e os Missionários norte-americanos:

Robert Elton Johnson, Elizabeth Johnson e Burley Cader.

Foto extraída do acervo do STBNE

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