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107
MARIA LUISA DA SILVA PINTO JORGE ÁREA DE VIDA, ATIVIDADE DIÁRIA E DENSIDADE POPULACIONAL DE COTIAS NA ESTAÇÃO DE PESQUISAS PINKAITI – AMAZÔNIA ORIENTAL (SE-PARÁ) São Paulo 2000

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MARIA LUISA DA SILVA PINTO JORGE

ÁREA DE VIDA, ATIVIDADE DIÁRIA E DENSIDADE

POPULACIONAL DE COTIAS NA ESTAÇÃO DE

PESQUISAS

PINKAITI – AMAZÔNIA ORIENTAL (SE-PARÁ)

São Paulo 2000

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MARIA LUISA DA SILVA PINTO JORGE

ÁREA DE VIDA, ATIVIDADE DIÁRIA E DENSIDADE

POPULACIONAL DE COTIAS NA ESTAÇÃO DE

PESQUISAS

PINKAITI – AMAZÔNIA ORIENTAL (SE-PARÁ)

Dissertação apresentada ao Instituto de

Biociências da Universidade de São Paulo,

para a obtenção de Título de Mestre em

Ciências, na Área de Ecologia.

Orientador: Prof. Dr. Carlos A. Peres

São Paulo 2000

Page 3: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

Jorge, Maria Luisa S. P.

• Área de vida, atividade diária e densidade populacional de cotias na

Estação de Pesquisas Pinkaiti – Amazônia Oriental (SE-Pará)

• 106 páginas

• Dissertação (Mestrado) – Instituto de Biociências da Universidade de

São Paulo. Departamento de Ecologia Geral.

• 1. Cotia, 2. Dasyprocta, 3. Área de Vida, 4. Densidade populacional, 5.

Atividade diária. 6. Amazônia Oriental, 7. Pinkaiti. I. Universidade de

São Paulo. Instituto de Biociências. Departamento de Ecologia Geral.

Comissão Julgadora:

Prof(a). Dr(a). Prof(a). Dr(a).

Prof(a). Dr(a). Prof(a). Dr(a).

Prof. Dr. Carlos A. Peres

Orientador

Page 4: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

Ao Guilherme,

pelo amor, pelo carinho, pela

dedicação, pela paciência, por me

entender melhor do que ninguém

e por nunca deixar de acreditar no

meu trabalho.

Page 5: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

Paca, tatu, cotia não.

(Folclore brasileiro)

(E quem foi que disse que não!)

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AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

Ao Prof. Dr. Carlos Peres, meu orientador, pelo incentivo ao longo deste trabalho

e pela leitura das partes mais importantes desta dissertação.

À Cláudia, companheira de todas as etapas deste trabalho, pelo companheirismo,

pelo incentivo, pelas tantas conversas, enfim, por inúmeras razões, difíceis de enumerar

em poucas linhas.

Aos meus pais, pelo eterno apoio e compreensão e aos meus irmãos, por

momentos de convívio sempre muito gostosos e divertidos.

Ao Paulo, meu ajudante de campo durante todo o período de coleta de dados.

Pela persistência e pela crença de que as cotias do Pinkaiti podiam ser capturadas, pela

criatividade para resolver diversos problemas no campo e pelas tantas histórias

contadas, que me fizeram dar boas risadas.

Aos cozinheiros do Projeto, Novinho, Zezinho e Nílson, pelas conversas, pelas

pescarias, pelo divertimento e pela comida, é claro!

À comunidade Mebengokré de A’Ukrê, por permitir que eu trabalhasse naquela

área, mas principalmente por propiciar o convívio com uma cultura tão diferente, o que

enriqueceu tremendamente a minha estadia. Em especial, às minhas irmãs, Noití e Pãt-

kietí, ao Beptoti, ao Y-Karuro e ao Takire.

Àqueles que conviveram comigo temporariamente no Projeto e que tornaram as

permanências sempre mais agradáveis: Bia Baker, Kiko, Aili, e Scott.

Aos companheiros de sala, no Depto. de Ecologia: Pedro, Solange, Letícia e Ceci;

aos outros colegas de departamento; e àqueles que viraram colegas de departamento,

mas que já eram amigos muito especiais e que a proximidade física e de interesses só

fez aumentar a nossa amizade: Luís, Fê e Jorge (e a Rê também, apesar de não ser

exatamente do mesmo departamento).

Ao time de futsal feminino da Biologia, pelos momentos de descontração.

Page 7: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

Aos amigos da turma de graduação, aos outros amigos da Biologia, aos amigos

da Geologia e aos outros amigos em geral, com os quais eu sempre tive boas conversas,

tomei muita cerveja e dei muita risada.

Ao Rodolfo, a Paula, ao Pingo e a Pati, grandes amigos, que me ajudaram em

diversas partes do meu trabalho, seja de forma prática, seja através de importantes

discussões.

Ao Prof. Dr Waldir Mantovani pelo constante apoio em inúmeras questões e por

substituir o meu orientador em alguns momentos importantes.

Aos funcionários do Depto. de Ecologia Geral, pelo suporte técnico.

À Conservation International do Brasil, pelo apoio logístico no Projeto Pinkaiti e,

em especial, à Prof. Dr. Barbara Zimmerman, diretora do Projeto.

À Rosânia, funcionária do Projeto, pelo apoio em Redenção.

À CAPES, pela bolsa de Mestrado e à FAPESP e à WWF, por auxílios financeiros

para o desenvolvimento da pesquisa.

Page 8: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

RREESSUUMMOO

O objetivo central do presente estudo foi quantificar o padrão de ocupação do espaço e

de atividade diária e a densidade populacional das cotias (Dasyprocta aguti) em uma área na

Amazônia Oriental, assim como de que forma são afetados pela oferta de alimentos. O estudo

foi conduzido de janeiro de 1997 a julho de 1998, na Estação de Pesquisas Pinkaiti, no sudeste

do Pará, Brasil, em dois locais, um com altas densidades de castanheiras (Bertholletia excelsa) e

outro, 2 km distante do primeiro, ausente de castanheiras adultas. A metodologia escolhida

para acompanhar os animais foi a rádio-telemetria e o método que se mostrou mais eficiente na

captura dos animais foi a utilização de cães de caça. No total, dez cotias foram capturadas e

receberam rádios-colares, porém somente quatro (três fêmeas e um macho, todos adultos)

puderam ser acompanhados de forma regular, pois os animais com colares exibiram alta taxa de

mortalidade.

Uma das fêmeas foi capturada em na área fora do castanhal e acompanhada durante 12

meses. As outras duas fêmeas e o macho foram acompanhados durante três meses na área de

castanhal, durante a estação chuvosa de 98 (de novembro a fevereiro). Os métodos escolhidos

para estimar a área de vida foram o do Mínimo Polígono Convexo e o da Média Harmônica,

curvas de densidade 95% e 75%. Os dois métodos foram testados quanto à estabilidade em

relação à variação do tamanho amostral e à correlação temporal entre e dentro das diferentes

temporadas de campo. Além disso, a densidade foi estimada para as populações de cotias do

castanhal e da área sem castanheiras por meio do método de censo por transecção em

varredura. Os censos foram feitos em julho-agosto de 97, fevereiro, maio e julho de 98, além de

fevereiro de 99. O tamanho da área de vida da fêmea da área fora do castanhal (Ffc), no período

de 12 meses foi 6,9 ha (MH 75%) ou 9,2 ha (MPC) e houve variação temporal tanto no tamanho

da área de vida, quanto no padrão diário de atividade deste indivíduo, apesar de apresentar

alto grau de sobreposição entre temporadas. Os tamanhos da área de vida dos indivíduos do

castanhal, no período de novembro de 97 a fevereiro de 98 foram semelhantes entre si (MH

75%: Fc1=2,7 ha; Fc2=2,3 ha; Mc=2,6 ha; MPC: Fc1=4,1 ha; Fc2=3,5 ha; Mc=4,0 ha), sendo que o

tamanho da área de vida de Ffc no mesmo período (MH 75%: 5,8 ha; MPC: 6,4 ha) foi

significativamente superior ao dos outros três. A densidade média total encontrada foi de 37

ind/km2. Todavia, a estimativa realizada dentro do castanhal (58 ind/km2) foi quase três vezes

maior do que a realizada fora dele (23 ind/km2).

Os resultados obtidos neste estudo indicam uma correlação apenas parcial entre o

tamanho da área de vida de cotias e a oferta de alimentos no chão da mata, evidenciando a

importância da armazenagem dispersa (“scatterhoarding”) em amenizar os efeitos das

temporadas de escassez de alimentos. No entanto, como previsto pelas principais teorias de

forrageamento, o estudo mostra claramente que altas densidades de castanheiras resultam em

populações de cotias consideravelmente maiores, compostas por animais com áreas de vida

mais restritas.

Page 9: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

AABBSSTTRRAACCTT

The main objective of this study was to quantify the use of space, daily activity patterns,

and the population density of agoutis (Dasyprocta aguti) in eastern Brazilian Amazonia, as well

as how these variables are affected by food availability. The study was carried out from

January1997 to July1998 at the Pinkaiti Research Station, southeastern Pará, Brazil, within two

separate study areas, one with a high density of Brazil-nut trees (Bertholletia excelsa) and another

2 km apart where no adult Bertholletia trees were observed. I used radio-telemetry to follow the

study animals and the most successful of a wide range of capture techniques employed was the

use of hunting dogs. In total, 10 agoutis were captured and radiocollared, although only four

(three females and one male, all adults) could be followed on a regular basis, because animals

with transmitters exhibited high mortality rates.

One of the females was captured outside the Brazil-nut tree grove and was radio-tracked

during a 12-month period. The other two females and the male were regularly located during a

3-month period within the Brazil-nut grove, during the rainy season of 1998 (November -

February). In all cases, I used the Minimum Convex Polygon (MCP) and the Harmonic Mean

(HM; 95 % and 75 % density curves) to estimate home range size. The stability and statistical

power of these methods were tested in relation to variation in sample sizes within and between

different sampling seasons. In addition, population densities inside and outside the Brazil-nut

grove were estimated using a “drive” line-transect census technique in which parallel transects

were sampled simultaneously by multiple independent observers. The censuses were

performed in July-August 1997; February, May and July, 1998; and February 1999. The home

range size of the female outside the Brazil-nut grove (Ffc), in the entire 12-month study period,

was 6.9 ha (75% HM) and 9.2 ha (MCP) and temporal differences both in home range size and

daily activity patterns of this individual were examined, despite the high observed overlap

across seasons. Home range size estimates for the radiotracked animals within the Brazil-nut

grove, between November1997 and February1998, were similar to one another (75 % HM:

Fc1=2,7; Fc2=2,3 ha; Mc=2,6 ha; MCP: Fc1=4,1 ha; Fc2=3,5 ha; Mc=4,0 ha); whereas the equivalent

values for Ffc (75 % HM: 5,8 ha; MCP: 6,4 ha) were significantly higher. The overall mean

density of the agouti population at the study area was 37 ind./km2. However, the local density

estimate inside the Brazil-nut grove (58 ind./km2) was over twofold higher than that outside (23

ind./km2).

Results obtained in this study indicate that agouti home range size and their food supply

on the forest leaf-litter are only weakly correlated, highlighting the importance of seed

scatterhoarding in buffering the effects of seasonal food scarcity. However, as predicted by

mainstream foraging theory, the study clearly shows that high Brazil-nut densities results in

considerably larger population densities consisting of animals with consistently smaller home

ranges.

Page 10: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

i

ÍÍNNDDIICCEE

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO E ÁREA DE ESTUDO...............................................1-1

1. Prefácio...........................................................................................................1-1

2. A família Dasyproctidae...............................................................................1-2

2.1 Relações supra-familiares................................................................................1-2

2.2 Histórico da infra-ordem Caviomorpha...........................................................1-2

2.3 Características morfológicas e distribuição geográfica .....................................1-3

2.4 Importância ecológica .....................................................................................1-4

2.5 Objetivos ........................................................................................................1-8

3. Área de estudo...............................................................................................1-8

3.1 Localização geográfica e características naturais da região ..............................1-8

3.2 A população de cotias da área de estudo ..........................................................1-9

3.3 Relevância conservacionista da área.............................................................. 1-10

3.4 A implantação da Estação de Pesquisas Pinkaiti ........................................... 1-11

4. Estrutura da dissertação .............................................................................1-12

5. Referências Bibliográficas...........................................................................1-13

CAPÍTULO 2: PROCEDIMENTOS, ESFORÇOS E RESULTADOS DE CAPTURA DE

Dasyprocta aguti (DASYPROCTIDAE, RODENTIA) EM UMA ÁREA NA

AMAZÔNIA ORIENTAL............................................................................................

.....................2-1

Page 11: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

ii

1. Introdução......................................................................................................2-1

2. Material e Métodos........................................................................................2-3

2.1 Formas de captura utilizadas no presente estudo ............................................2-3

3. Resultados......................................................................................................2-5

3.1 1a viagem (27/01/1997 a 03/03/1997 – 31 dias) ..............................................2-6

3.2 2a viagem (04/04/1997 a 06/06/1997 – 64 dias) ..............................................2-7

3.3 3a viagem (19/07/1997 a 03/09/1997 – 47 dias)..............................................2-8

3.4 4a viagem (10/10/1997 a 26/11/1997 – 48 dias) ..............................................2-8

3.5 5a viagem (11/01/1998 a 27/02/1998 – 48 dias)...............................................2-9

3.6 6a viagem (15/04/1998 a 14/05/1998 – 30 dias) ..............................................2-9

3.7 Resultados Gerais...........................................................................................2-9

4. Discussão e conclusões ...............................................................................2-12

5. Referências Bibliográficas...........................................................................2-14

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS MÉTODOS DE ESTIMATIVA DE ÁREA DE VIDA

MÍNIMO POLÍGONO CONVEXO E MÉDIA HARMÔNICA QUANTO À

CONSISTÊNCIA EM RELAÇÃO AO NÚMERO DE LOCALIZAÇÕES E À CORRELAÇÃO

TEMPORAL 3-1

1. Introdução......................................................................................................3-1

2. Material e Métodos........................................................................................3-4

2.1 Número mínimo de localizações......................................................................3-5

2.2 Determinação da correlação temporal .............................................................3-6

3. Resultados......................................................................................................3-7

Page 12: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

iii

3.1 Número mínimo de localizações......................................................................3-7

3.2 Determinação da correlação temporal .............................................................3-9

4. Discussão......................................................................................................3-12

5. Conclusões ...................................................................................................3-14

6. Referências Bibliográficas...........................................................................3-15

CAPÍTULO 4: ÁREA DE VIDA E ATIVIDADE DIÁRIA DE UMA FÊMEA ADULTA DE

Dasyprocta aguti (DASYPROCTIDAE, RODENTIA) E A SUA RELAÇÃO COM A

OFERTA DE FRUTOS NO CHÃO DE UMA MATA NA AMAZÔNIA ORIENTAL ........4-1

1. Introdução......................................................................................................4-1

2. Materiais e Métodos......................................................................................4-2

2.1 Captura e monitoramento...............................................................................4-2

2.2 Área de vida, atividade e dados comportamentais............................................4-3

2.3 Pluviosidade e censo de frutos.........................................................................4-4

3. Resultados......................................................................................................4-5

3.1 Tamanho da área de vida ................................................................................4-6

3.2 Distribuição espacial das localizações .............................................................4-7

3.3 Padrão diário de atividade............................................................................. 4-11

3.4 Precipitação e oferta de frutos no chão da mata ............................................. 4-14

3.5 Relação entre oferta de frutos, área de vida e o padrão diário de atividade...... 4-15

4. Discussão......................................................................................................4-17

5. Conclusões ...................................................................................................4-19

6. Referências Bibliográficas...........................................................................4-19

Page 13: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

iv

CAPÍTULO 5: ÁREA DE VIDA E DENSIDADE POPULACIONAL DE COTIAS

(Dasyprocta aguti, RODENTIA): COMPARAÇÃO ENTRE DUAS ÁREAS COM

DIFERENTES DENSIDADES DE CASTANHEIRAS (Bertholettia excelsa,

LECYTHIDACEAE) EM UMA MATA DA AMAZÔNIA ORIENTAL ..........................5-1

1. Introdução......................................................................................................5-1

2. Material e Métodos........................................................................................5-3

2.1 Captura e monitoramento...............................................................................5-3

2.2 Área de vida ...................................................................................................5-3

2.3 Densidade Populacional .................................................................................5-3

3. Resultados......................................................................................................5-4

3.1 Áreas de vida dos indivíduos do castanhal ......................................................5-6

3.2 Comparação entre o tamanho da área de vida dos indivíduos do castanhal e o da

fêmea de fora do castanhal (Ffc)..............................................................................5-9

3.3 Densidade de Dasyprocta aguti dentro e fora do castanhal ......................... 5-11

4. Discussão......................................................................................................5-13

4.1 Tamanhos de área de vida dos indivíduos do castanhal ................................. 5-13

4.2 Densidade de cotias, tamanho de área de vida e sua relação com oferta diferencial

de castanhas ........................................................................................................ 5-14

5. Conclusões ...................................................................................................5-16

6. Referências Bibliográficas...........................................................................5-17

CAPÍTULO 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................6-1

Page 14: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

v

ÍÍNNDDIICCEE DDEE FFIIGGUURRAASS

CAPÍTULO 1

Figura 1.1: Mapa de distribuição dos gêneros Dasyprocta (cinza esc.) e Myoprocta

(cinza esc. com hachura); extraído de Ximenes (1999).........................1-4

Figura 1.2: Mapa de localização da área de estudo; a partir de Instituto

Socioambiental (1996) .............................................................................1-8

Figura 1.3: Climadiagrama do município de Redenção (08º 05' S 50º 30' O), a 220

km sudeste da Estação de Pesquisas Pinkaiti, PA. Dados

metereológicos de setembro de 1985 a março de 1989.........................1-9

Prancha 1

CAPÍTULO 2

Prancha 2

CAPÍTULO 3

Figura 3.1: Variação da média das estimativas do tamanho de área de vida em

função do número de localizações.........................................................3-8

Figura 3.2: Variação dos desvios padrões das estimativas de área de vida em

função do número de localizações.........................................................3-9

Figura 3.3: Variação no valor do índice de “Schoener” amostral e crítico (α=0,05) e

nas estimativas de tamanho de área de vida utilizando MPC, MH 75%

e MH 95% em função da variação no intervalo mínimo entre

localizações consecutivas. .................................................................... 3-11

Page 15: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

vi

CAPÍTULO 4

Figura 4.1: Estimativa do tamanho da área de vida de Ffc pelo método da Média

Harmônica (75%), por temporada de campo. As barras de erro

representam o erro de localização deduzido pela simulação de Monte

Carlo. ........................................................................................................4-7

Figura 4.2: Estimativa do tamanho da área de vida de Ffc, pelo método da Média

Harmônica (75%), por períodos dentro das temporadas (os dados por

temporada estão separados em dois grupos de tamanhos amostrais

próximos e que amostram períodos semelhantes)...............................4-7

Figura 4.3: Mapas da área de vida de Ffc estimada pelo método do Mínimo

Polígono Convexo e da Média Harmônica, densidades de 95%, 75%,

50%, 25%. Os centros de maior permanência estão representados pelos

pontos.......................................................................................................4-9

Figura 4.4: Sobreposição das áreas de vida de Ffc estimadas pelo método de Média

Harmônica. As cores correspondem às temporadas, conforme a figura

4.3, e os pontos representam os centros de maior permanência. ...... 4-10

Figura 4.5: Área de vida de Ffc quando ativa (azul) e inativa (roxo). Os pontos

cinzas indicam os centros de atividade com todos os dados. ........... 4-11

Figura 4.6: Tamanho da área de vida (MH 75%) de Ffc ativa e inativa (os valores

encima das barras eqüivalem ao número de localizações de cada

estimativa). ............................................................................................ 4-11

Figura 4.7: Freqüência relativa das localizações em que Ffc estava ativa.............. 4-12

Figura 4.8: Freqüência relativa do animal ativo e tamanho da área de vida de Ffc ....

................................................................................................................ 4-13

Figura 4.9: Curva de precipitação (barras) e disponibilidade de frutos (linhas) da

Estação de Pesquisas Pinkaiti, dados de abril de 1996 a agosto de

1998......................................................................................................... 4-14

Page 16: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

vii

Figura 4.10: Relação entre a oferta de frutos no chão da mata e o tamanho da área

de vida (ha) de Ffc (A) e o padrão diário de atividade (B). ............... 4-15

CAPÍTULO 5

Figura 5.1: Esforço diário de coleta de dados. As linhas tracejadas verticais

separam as temporadas de campo. .......................................................5-5

Figura 5.2: Área de vida dos indivíduos do castanhal (Fc1 = linha azul; Fc2 = linha

vermelha; Mc = linha cinza), calculada pelo Mínimo Polígono Convexo

e pela Média Harmônica, curvas de densidade de 95%, 75%, 50%, 25%.

Os centros de maior permanência estão representados pelos pontos. ....

..................................................................................................................5-7

Figura 5.3: Variação temporal do tamanho da área de vida dos indivíduos do

castanhal ..................................................................................................5-8

Figura 5.4: Mapas das áreas de vida dos indivíduos do castanhal, separados por

mês. As cores correspondem às mesmas da figura 5.2. .......................5-8

Figura 5.5: Áreas de vida e localizações dos indivíduos do castanhal e das

castanheiras com DAP ≥ 60 cm..............................................................5-9

Figura 5.6: Áreas de vida dos quatro indivíduos acompanhados neste estudo (MH,

95%, 75%, 50%, 25% e centros de atividade)....................................... 5-10

Figura 5.7: Variação mensal do tamanho da área de vida dos quatro indivíduos

acompanhados na Base de Pesquisas Pinkaiti, de novembro de 1997 a

fevereiro de 1998. .................................................................................. 5-11

Figura 5.8: Média (± desvio padrão) da densidade de D. aguti nas diferentes

estações do ano (dentro do castanhal) e nas áreas dentro e fora do

castanhal, na estação seca..................................................................... 5-12

Page 17: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

viii

Page 18: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

ix

ÍÍNNDDIICCEE DDEE TTAABBEELLAASS

CAPÍTULO 1

Tabela 1.1: Estudos desenvolvidos com dispersão de sementes por cotias e cotiaras

..................................................................................................................1-5

CAPÍTULO 2

Tabela 2.1: Cronograma das viagens de campo........................................................2-5

Tabela 2.2: Eficiência de captura de cotias na E. P. Pinkaiti, de jan/97 a jul/98.. 2-10

Tabela 2.3: Dados dos indivíduos capturados ........................................................ 2-11

Tabela 2.4: Situação dos indivíduos capturados até o final do estudo ................. 2-12

CAPÍTULO 3

Tabela 3.1: Principais métodos de análise de área de vida; modificado de Van

Winkle (1975)...........................................................................................3-3

Tabela 3.2: Número de localizações dos quatros indivíduos de D. aguti

acompanhados neste estudo ..................................................................3-5

Tabela 3.3: Intervalos mínimos e tamanhos amostrais em que a correlação

temporal foi eliminada ......................................................................... 3-10

Tabela 3.4: Correlação de Spearman entre tamanho amostral, índice de “Schoener”

(t2/r2) e estimativas da área de vida, utilizando a Média Harmônica,

densidades de 95% (MH 95) e 75% (MH 75) e o Mínimo Polígono

Convexo ................................................................................................. 3-11

Page 19: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

x

CAPÍTULO 4

Tabela 4.1: Estimativas de tamanho de área de vida de Ffc .....................................4-6

Tabela 4.2: Sobreposição das áreas de vida das temporadas de Ffc ...................... 4-10

CAPÍTULO 5

Tabela 5.1: Indivíduos acompanhados durante o estudo ........................................5-5

Tabela 5.2: Tamanho da área de vida (ha) ± desvio padrão, dos indivíduos

acompanhados no castanhal ..................................................................5-6

Tabela 5.3: Área de vida (ha) das três cotias do castanhal .......................................5-7

Tabela 5.4: Tamanho da área de vida (ha) ± desvio padrão dos quatro indivíduos

acompanhados neste estudo, no período de Novembro de 97 a

Fevereiro de 98. ..................................................................................... 5-11

Tabela 5.5: Densidade de D. aguti na estação de Pesquisas Pinkaiti .................... 5.12

Tabela 5.6: Densidade de cotias da Estação de Pesquisas Pinkaiti, estimado a partir

de censos por transecção e dados de rádio-telemetria....................... 5-13

Page 20: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

1-1

CCaappííttuulloo 11::

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO EE ÁÁRREEAA DDEE EESSTTUUDDOO

1. Prefácio

Cotias e cotiaras (Dasyprocta e Myoprocta, Dasyproctidae, Rodentia) são

importantes dispersores de sementes de grande porte1 devido a um comportamento

bastante especializado denominado armazenagem dispersa (“scatterhoarding”; Morris,

1962). Este comportamento consiste no enterramento de sementes para futuro consumo

e permite a germinação daquelas que por algum motivo não são mais recuperadas. Esta

característica torna a família Dasyproctidae especialmente importante na dinâmica de

uma grande variedade de árvores neotropicais de diferentes famílias (e.g. Leguminosae,

Palmae, Lecythidaceae, etc.) cujas sementes possuem tais características.

Neste contexto, torna-se de grande relevância compreender os padrões de

ocupação do espaço por dasiproctídeos e sua relação com a distribuição espacial de

espécies arbóreas cujas sementes são por eles dispersas. Entretanto, a ecologia de cotias

e cotiaras ainda é pouco conhecida, com grande carência de estudos de longo prazo.

Áreas preservadas que combinem (i) grande abundância de dasiproctídeos e (ii)

a presença de espécies arbóreas com sementes de grande porte são especialmente

adequadas para o desenvolvimento de estudos deste tipo. A Estação de Pesquisas

Pinkaiti (7o 46’ 14”S; 51o 57’ 43”W), localizada no sudeste do Pará (Amazônia Oriental),

possui alta densidade de cotias (Peres et al., 1997).e de algumas espécies arbóreas que

possuem sementes de grande porte, como castanheiras (Bertholettia excelsa,

Lecythidaceae), inajás (Maximiliana maripa, Palmae) e tucuns (Astrocarium vulgare,

Palmae). A estação faz parte da Área Indígena Kayapó (AI Kayapó) que, juntamente

com outras áreas indígenas contíguas, compreende uma área de aproximadamente 11

1 Sementes grandes, de alto valor energético, que são muito procuradas e predadas por mamíferos e aves

em geral

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1-2

milhões de hectares de flora e fauna pouco alterados. Portanto, a E. P. Pinkaiti se

configura como local ideal para o desenvolvimento de um estudo ecológico com cotias,

como o acima descrito.

2. A família Dasyproctidae

2.1 Relações supra-familiares

Cotias e cotiaras (Dasyprocta e Myoprocta) pertencem a um grupo de roedores

(Ordem Rodentia) originalmente restrito à América do Sul e denominado infra-ordem

Caviomorpha. Juntamente com algumas famílias africanas os caviomorfos compõem a

subordem Hystricognathi. Esta subordem possui diversas características

sinapomórficas que sustentam o monofiletismo do agrupamento (Carrol, 1988).

Se pacas forem separadas de cotias e cotiaras (classificação proposta por Cabrera,

1961, e que será adotada neste estudo) atualmente são reconhecidas 12 famílias com

representantes não extintos na infra-ordem Caviomorpha (Nowak 1991). Destas, as que

possuem representantes em ambientes florestais podem ser divididas genericamente

em três grandes grupos (Emmons & Feer, 1990): os porcos-espinhos, da família

Erethizontidae; os caviomorfos mais parecidos com ratos, da família Echimyidae; e o

grupo dos grandes caviomorfos terrestres, que inclui quatro famílias, das quais três são

mono-específicas: as capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris, Hydrochoeridae), as

pacaranas (Dinomys branickii, Dinomyidae), as pacas (Agouti paca, Agoutidae) e as cotias

e cotiaras (Dasyproctidae). Estes grupos têm semelhanças morfológicas entre si, mas

não necessariamente monofiléticos.

2.2 Histórico da infra-ordem Caviomorpha

Os primeiros registros de roedores caviomorfos na América do Sul são

provenientes da Patagônia e da Bolívia e datam do Oligoceno Inferior (~35 milhões de

anos atrás) (Luckett & Hartenberger, 1985). No Oligoceno Médio (~30 m.a.a.) já podem

ser reconhecidas 7 famílias diferentes, nos registros da Bolívia (Carrol, 1988).

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1-3

Não se sabe ao certo por onde os ancestrais dos caviomorfos chegaram à América

do Sul. Existem duas hipóteses divergentes em relação à sua origem. A primeira,

defendida por Patterson e Wood (1982), sugere que os caviomorfos não podem ser

provenientes da África pois seus registros são tão antigos quantos os das famílias

africanas e que, portanto, seriam mais próximos de um grupo norte-americano

chamado Franimorpha, pois estes possuem algumas características incipientes dos

Hystricognathi, apesar de não pertencerem a esta subordem. No entanto, esta última

afirmação é contestada por Korth (1984). Já Lavocat (1980 apud Carrol, 1988) sustenta a

idéia de que os caviomorfos são mais próximos dos Hystricognathi africanos,

afirmando ser possível eles terem atravessado o Oceano Atlântico e confirmando o

monofiletismo do grupo. Nos dois casos, o grupo ancestral deve ter chegado ao

continente sul-americano por ilhas flutuantes, pois nesta época o continente não possuía

ligações por terra com os demais.

2.3 Características morfológicas e distribuição geográfica

Os dois gêneros da família Dasyproctidae (Dasyprocta e Myoprocta) são muito

semelhantes, tanto morfologicamente (prancha 1 – figuras A e B) quanto no aspecto

comportamental. São roedores de porte médio com peso que varia de 600 a 4000g e

comprimento total que vai de 320 a 620mm (Nowak, 1991). São animais diurnos,

terrestres e cursoriais e se alimentam principalmente de frutos e sementes (Henry,

1999).

A principal diferença entre os dois gêneros é o tamanho corporal. Myoprocta

chega a ser 1,6 vezes menor do que Dasyprocta, onde as duas espécies ocorrem

simpatricamente (Dubost, 1988). Além disso, cotiaras possuem uma pequena cauda (5 a

6 cm), com um tufo de pêlos brancos na ponta, sendo que nas cotias, a cauda é

praticamente residual.

A família Dasyproctidae se distribui desde o Sul do México até o Norte da

Argentina e está associada principalmente a ambientes florestais, em altitudes que vão

desde o nível do mar até 2000m (Nowak, 1991). Os dois gêneros têm distribuição

parcialmente sobreposta. Cotias podem ser encontradas na totalidade da distribuição da

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1-4

família, ao passo que cotiaras se restringem à região amazônica (figura 1.1). A

distribuição mais ampla das cotias ainda não foi bem explicada, mas parece decorrer do

fato destas serem animais menos exigentes ecologicamente, podendo ocorrer em

diferentes tipos de ambientes, ao passo que cotiaras são restritas a ambientes florestais

menos alterados (Dubost, 1988).

Figura 1.1: Mapa de distribuição dos gêneros Dasyprocta (cinza escuro) e Myoprocta (cinza

escuro com hachura); extraído de Ximenes (1999)

2.4 Importância ecológica

Roedores são importantes predadores de sementes (Van der Pijl, 1972). Cotias e

cotiaras não fogem à regra, apresentando uma dieta baseada em frutos e sementes

disponíveis no chão dos ambientes em que vivem (Smythe et al., 1982, Dubost, 1988

Henry, 1999).

No entanto, dasiproctídeos parecem ser também importantes dispersores de

alguns tipos de sementes (Prance & Lovejoy, 1985). A partir da década de 80, mas

principalmente na década de 90, diversos trabalhos têm sido publicados, descrevendo a

importância das cotias na dispersão de sementes de grande porte, nas florestas

neotropicais. A tabela 1.1 apresenta alguns destes trabalhos.

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1-5

Tabela 1.1: Estudos desenvolvidos com dispersão de sementes por cotias e cotiaras

Referência Espécie arbórea (Família) Local Hallwachs, 1986 Asquith et al., 1999

Hymeneae courbaril (Leguminosae)

Costa Rica

Smythe, 1989 Astrocarium standleyanum (Palmae)

Panamá

Forget, 1990 e 1994 Vouacapoua americana (Leguminosae)

Guiana Francesa

Forget, 1992 Gustavia superba (Lecythidaceae)

Guiana Francesa

Forget, 1996 Carapa procera (Meliaceae)

Guiana Francesa

Forget & Milleron, 1991 Virola nobilis (Myristicaceae)

Panamá

Peres & Baider, 1997 Peres et al., 1997

Bertholettia excelsa (Lecythidaceae)

Brasil

Wenny, 1999 Guarea glabra e G. kunthiana (Meliaceae)

Guiana Francesa

A dispersão de sementes é importante pois aumenta a probabilidade de

recrutamento, por causa da diminuição da influência de fatores de mortalidade

dependentes de densidade e de distância, como predação, parasitismo e competição

intra-específica (Janzen, 1970). Diversas espécies arbóreas das florestas neotropicais têm

as suas sementes dispersas por animais, sendo que o tipo de dispersão zoocórica mais

comum nas florestas neotropicais é a endozoocoria (Howe & Smallwood, 1982).

Entretanto, algumas espécies produzem sementes grandes demais para serem dispersas

via endozoocoria e são muito predadas por possuírem valor nutritivo elevado.

Huber, em 1910, já descreve as cotias como os principais dispersores de castanha-

do-Pará. O autor observou que estes animais abriam os frutos e enterravam parte das

sementes no solo da mata, para utilizá-las mais tarde como reserva alimentar.

Posteriormente, comportamento similar foi descrito por Morris (1962) para um grupo

de cotiaras, da espécie M. exilis, que o autor estudou em cativeiro. Os animais foram

observados enterrando sementes no chão, sendo que cada unidade alimentar era

enterrada em um local distinto dos outros. O comportamento foi denominado pela

primeira vez “scatterhoarding” (aqui traduzido por “armazenagem dispersa”) e é

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1-6

amplamente utilizado atualmente. Parece ser um comportamento comum entre

diversos grupos de roedores que armazenam nozes em geral (Vander Wall, 1990)e

confere às cotias e cotiaras um papel fundamental na dispersão deste tipo de semente,

pois as sementes enterradas e não recuperadas por algum motivo, aumentam a sua

chance de sobrevivência.

Os autores citados na tabela (tabela 1.1) comprovaram que a dispersão via

armazenagem dispersa é indispensável para o recrutamento das espécies em questão,

pois suas sementes apresentam taxas muito altas de predação quando não enterradas,

mesmo no caso de espécies que têm suas sementes dispersas primariamente por aves e

mamíferos arborícolas (V. nobilis – Forget & Milleron, 1991; G. glabra e G. kunthiana –

Wenny, 1999).

Além disso, este tipo de dispersão também pode influenciar no padrão de

distribuição de algumas espécies. Tanto Forget (1994), Forget e col. (1999) como Peres &

Baider (1997) e Peres e col. (1997) afirmam que o padrão de dispersão a curtas distâncias

(<20m) proporcionado por cotias e cotiaras, juntamente com características edáficas de

uma região, determinam a distribuição agregada de espécies como acapu e castanheira.

Contudo, apesar da importância ecológica desses animais, poucos trabalhos têm

sido desenvolvidos enfocando a ecologia comportamental, alimentar e espacial de

dasiproctídeos em ambientes naturais. O primeiro estudo de campo mais detalhado e

completo com uma população desta família foi realizado por Smythe (1978). O autor fez

um extenso trabalho de história natural com uma população de cotias (D. punctata), na

Ilha de Barro Colorado, Panamá, descrevendo aspectos de dinâmica populacional,

ocupação do espaço e de comportamento em geral.

Alguns outros estudos foram desenvolvidos com populações de cotias da

América Central (Murie, 1977, Panamá; Clark & Galef, 1977, Panamá; Rodríguez &

Vaughan, 1985, Costa Rica). Murie (1977) analisou o comportamento de reencontro de

sementes enterradas e concluiu que os animais as reencontram usando principalmente o

olfato. Clark & Galef (1977) estudaram os padrões de interação agressiva e de utilização

do espaço e concluíram que cotias não são essencialmente territorialistas, podendo até

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1-7

ser indiferentes à presença de outros indivíduos, mas criam uma hierarquia de

utilização de determinada área quando esta apresenta importante fonte de alimento em

épocas de escassez e que interações agonísticas aumentam na época reprodutiva.

Rodríguez & Vaughan (1985) foram os primeiros a definir o tamanho da área de vida de

uma cotia, utilizando rádio-telemetria ,estimativa que foi de 3,9 ha. No entanto, são

estudos de curta duração, com resultados específicos e nenhuma discussão mais ampla.

Dubost (1988) foi o primeiro a conduzir um trabalho com dasiproctídeos sul-

americanos. Ele estudou uma população de cotiaras (M. exilis) na Guiana Francesa,

abordando aspectos ecológicos gerais, como seleção de hábitat, atividade diária, área de

vida e organização social. Dentre suas diversas conclusões, o autor afirma que as

cotiaras são muito eficientes na exploração do espaço que usam e que reduzem suas

atividades na época seca, alimentando-se essencialmente das sementes enterradas.

Além disso, que apesar da semelhança morfológica e comportamental com cotias, as

duas espécies exploram tipos de ambientes diferentes.

Recentemente Henry (1994, 1997 e 1999) publicou uma série de trabalhos

abordando a ecologia alimentar de cotias, assunto fundamental para a compreensão da

interação entre cotias e sementes e que, até então, não havia sido devidamente

estudado. Seus trabalhos foram realizados na Guiana Francesa e o autor concluiu que

cotias se reproduzem o ano inteiro, independente de variações na oferta de alimento,

mas que variações ambientais podem influenciar na taxa reprodutiva (1994), que a dieta

destes animais é baseada principalmente em frutos e sementes (1999) e que não varia

muito entre machos, fêmeas grávidas e não grávidas (1997). Todos estes resultados

parecem confirmar a importância da armazenagem dispersa nos padrões de

alimentação destes animais.

Ainda assim, a literatura carece de estudos a longo prazo sobre questões

ecológicas relacionadas padrões de ocupação do espaço por cotias e suas relações com

variações ambientais.

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1-8

2.5 Objetivos

Diante do panorama apresentado, o presente trabalho teve como objetivo central

estudar os padrões de ocupação do espaço de uma população de cotias e seu

relacionamento com a oferta de recursos alimentares.

Para tanto, buscou-se documentar as variações temporais e espaciais na área de

vida, na atividade diária e na densidade populacional das cotias e comparar com as

variações na oferta de frutos e sementes na chão da mata.

3. Área de estudo

3.1 Localização geográfica e características naturais da região

A Estação de Pesquisas Pinkaiti (7o 46’ 14”S; 51o 57’ 43”W) é uma reserva

biológica de 10.000 ha, situada no Sudeste do Estado do Pará, dentro da Área Indígena

Kayapó, próxima da aldeia de A’Ukrê, às margens de um afluente de segunda ordem

do rio Xingu, o Rio Riozinho (figura 1.2).

Figura 1.2: Mapa de localização da área de estudo; a partir de Instituto Socioambiental (1996)

A área está situada na bacia hidrográfica do Rio Xingu que pertence à Bacia

Amazônica. Seu relevo é definido por grandes extensões de planície, com presença de

morros residuais. Enclaves de relevo altiplano, já característico do relevo do Planalto

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1-9

Central, também ocorrem na região. A altitude varia de 200 a 450m acima do nível do

mar (RADAM, 1974).

O clima é quente e úmido, com três meses de seca intensa, entre junho e agosto.

Não há dados completos de precipitação e temperatura para a Estação do Pinkaiti, mas

sabe-se que em Redenção, cidade localizada 220 km a leste de Pinkaiti, as chuvas anuais

estão em torno de 1650mm, com precipitações mensais de 200mm na época chuvosa e

30mm na seca. A temperatura média anual é de 27,5o C (figura 1.3).

Figura 1.3: Climadiagrama do município de Redenção (08º 05' S 50º 30' O), a 220 km sudeste da

Estação de Pesquisas Pinkaiti, PA. Dados metereológicos de setembro de 1985 a março de 1989.

Nas planícies, a vegetação predominante é do tipo florestal (prancha 1 - figura

C), com fisionomias heterogêneas, como floresta de palmeiras, com dominância de inajá

(Maximiliana maripa, Palmae), mata de cipó (sensu Balée & Campbell, 1990) e mata de

terra firme, (RADAM, 1974). Nos planaltos mais a leste, a vegetação presente é o

cerrado (prancha 1 – figura D), que ocorre na suas diversa formas, de campestre a

florestal.

3.2 A população de cotias da área de estudo

Segundo revisão feita por Ximenes (1999) D. aguti é a espécie presente na área de

estudo e esta espécie faz parte do grupo leporina, que inclui outras quatro espécies:

D. leporina, D. croconata, D. prymnolopha e uma espécie não determinada. A espécie D.

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1-10

aguti tem distribuição disjunta, com representantes na Amazônia, entre os rios Madeira

e Tocantins e no leste do país, próxima ao litoral, nos Estados da Paraíba, Pernambuco,

Bahia, Espírito Santo (na vertente leste da Serra do Espinhaço), Rio de Janeiro e São

Paulo (também na vertente leste da Serra do Mar). Para todas as localidades, a espécie

ocorre entre as quotas altimétricas de 0 e 900 m. Possui garupa alaranjada, salpicada de

negro ou marrom e a coloração do corpo varia de cinza-oliváceo a marrom claro

misturado com oliva (prancha 1 – figura E).

A população da área de estudo teve a sua densidade populacional estimada em

cerca de 44 ind/km2 (Peres et al. ,1997), densidade alta se comparada com outras

estimativas (Tikal, Guatemala: 8 ind/km2 – Cant, 1977; Cocha Cashu, Peru: 5 ind/km2,

Janson & Emmons, 1990).

3.3 Relevância conservacionista da área

A região oriental da Amazônia é uma área de muitas riquezas minerais (e.g.,

ouro, ferro, etc.) e vegetais (e.g., mogno, castanheira, cedro, jatobá, etc.). Tem sofrido

grandes impactos antrópicos nas últimas décadas devido ao crescimento populacional

humano e às migrações para o Centro-Oeste e Norte do Brasil para a exploração das

suas riquezas naturais e para exploração agropecuária (Diegues, 1999).

A Área Indígena Kayapó (AI Kayapó) é uma área de aproximadamente 3,3

milhões de hectares, com 2000 “Mebengocré”2 vivendo nela (censo de 1990). É uma área

contígua com a AI Menkragnoti, com 5 milhões de hectares e 700 Mebengocré (censo de

1994). A AI Menkragnoti ainda faz fronteira com mais duas terras indígenas, a AI Baú,

de 1,85 milhões de hectares e 130 Mebengocré (censo de 1994) e a AI Capoto/Jarina, de

600 mil hectares e 800 Mebengocré (censo de 1995) (Instituto Socioambiental, 1996).

Portanto, o conjunto compreende uma área de aproximadamente 11 milhões de

hectares, onde vivem menos de 4000 pessoas.

2 Auto denominação do índios Kayapó, que será aqui utilizada, pois Kayapó é uma denominação criada

por outros grupos, de conotação pejorativa, que significa “cara de macaco”.

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1-11

Os povos Mebengocré têm um histórico de luta e defesa de suas terras; por isso,

os 11 milhões de hectares que lhes pertencem ainda possuem boa parte da sua flora e

fauna em estado primário de conservação. Esta situação é bem diferente da que ocorre

nas áreas no entorno das Áreas Indígenas, pois estas já foram quase completamente

desmatadas, principalmente na porção que está a leste das AIs. Portanto, as terras

Mebengocré ainda servem de barreira para a frente de ocupação agropecuária do

sudeste do Pará.

Contudo, os Mebengocré têm deixado grupos madeireiros e garimpeiros

explorarem seus recursos minerais e vegetais (principalmente ouro e mogno) em troca

de dinheiro ou mantimentos. Por isso, é extremamente importante e necessário

incentivar, criar e apoiar formas alternativas de renda para as comunidades

Mebengocré, que possibilitem a conservação da área.

3.4 A implantação da Estação de Pesquisas Pinkaiti

A implantação da Estação de Pesquisas Pinkaiti ocorreu em 1992 e foi uma idéia

conjunta entre a Dr. Barbara Zimmerman e a comunidade da aldeia A’Ukrê, com o

objetivo de criar formas alternativas geração de recursos para a comunidade e estudar a

fauna e flora da região. Para a instalação física da Estação de Pesquisas houve apoio

financeiro das instituições “David Suzuki Foundation” e “Conservation International”

(CI), sendo que a última ainda financia as instalações físicas e paga parte dos

funcionários.

Atualmente a Estação conta com instalações para a permanência na área, como

uma casa principal, para guardar equipamentos, cozinha, banheiro e locais para dormir

(prancha 1 – figura F). O acesso é feito de avião monomotor até a aldeia e de barco a

motor de polpa da aldeia até a base. A comunicação é feita via rádio-amador e a energia

é obtida a partir de placas solares. Além disso, a Estação conta com um cozinheiro

permanente e um escritório de apoio em Redenção (Pará), cidade mais próxima, de

onde sai o avião para a aldeia.

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1-12

4. Estrutura da dissertação

Decidiu-se estruturar esta dissertação em capítulos independentes, pois esta se

mostrou a melhor forma de evidenciar os diferentes tipos de abordagens que foram

tratados no estudo. Como o item área de estudo já foi apresentado neste capítulo, não

será incluído nos capítulos que se seguem.

No capítulo 2 será discutida a metodologia de captura dos animais. Os resultados

incluem as descrições das armadilhas, procedimentos, esforços e resultados de captura

e uma discussão a respeito das dificuldades encontradas.

A dos melhores dados a serem utilizados para o cálculo do tamanho da área de

vida foram precedidas de uma análise da consistência de dois métodos de cálculo de

área de vida em relação ao número de localizações e à correlação temporal entre

localizações consecutivas, que será apresentada no capítulo 3.

Finalmente os capítulos 4 e 5 visaram atingir o escopo principal do trabalho. O

capítulo 4 buscou explorar as variações temporais dos padrões de ocupação do espaço e

de atividade diária das cotias e compará-las com as variações na oferta de frutos e

sementes, enquanto no capítulo 5 estes padrões e a densidade de cotias foram

comparados em nível espacial, isto é, entre dois locais com oferta diferencial de um

determinado tipo de alimento, a castanha-do-Pará.

Considerações finais serão apresentadas no capítulo 6, com o intuito de integrar e

resumir todas as informações contidas neste estudo. Com isso, a presente dissertação

tenta (i) representar de forma fiel todos os passos seguidos neste trabalho, (ii)

evidenciar as dificuldades encontradas, (iii) mostrar como elas foram resolvidas e (iv)

aumentar o conhecimento sobre questões ecológicas de uma espécie tão importante na

dinâmica de dispersão de diversas espécies arbóreas e ainda tão pouco conhecida.

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1-13

5. Referências Bibliográficas

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Page 35: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-1

CCaappííttuulloo 22::

PPRROOCCEEDDIIMMEENNTTOOSS,, EESSFFOORRÇÇOOSS EE RREESSUULLTTAADDOOSS DDEE CCAAPPTTUURRAA DDEE

DDaassyypprrooccttaa aagguuttii ((DDAASSYYPPRROOCCTTIIDDAAEE ,, RROODDEENNTTIIAA)) EEMM UUMMAA ÁÁRREEAA

NNAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA OORRIIEENNTTAALL

1. Introdução

Estudos de ecologia com mamíferos, que abordam aspectos como

comportamento, deslocamento, atividade diária e área de vida, necessitam do

acompanhamento de indivíduos identificados individualmente, por um determinado

período. Para tanto, os indivíduos precisam ser encontrados e reencontrados com certa

freqüência e, principalmente em estudos comportamentais, observados em suas

atividades cotidianas.

A forma mais simples de se fazer isto é a observação direta dos animais em suas

condições naturais. No entanto, diversas espécies de mamíferos possuem hábitos e

comportamentos crípticos, o que dificulta a observação direta. Nestes casos, os animais

precisam ser capturados, manuseados para obtenção das informações necessárias e

marcados, para que o estudo possa ser desenvolvido (ASM, 1998).

Diversos métodos de captura já foram desenvolvidos e estes variam conforme o

grupo a ser estudado. Os mamíferos com metodologia de captura mais bem definida

atualmente são os terrestres com peso abaixo de 0,5 kg (denominados “pequenos

mamíferos”) e os morcegos. Manville (1949) fez uma compilação de técnicas para

captura e marcação de mamíferos onde falou principalmente de tipos de armadilhas

para capturar pequenos mamíferos e citou rapidamente a utilização de redes para

capturar morcegos. Posteriormente, Day e col. (1980) e Jones e col. (1996) descreveram

as redes de neblina como a melhor forma de capturar morcegos.

A dificuldade de captura parece aumentar conforme o tamanho do animal

aumenta (Jones et al., 1996), por isso descrições sobre metodologia de captura de

mamíferos de médio e grande porte são muito variáveis. Alguns métodos específicos,

Page 36: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-2

utilizados com grupos específicos, já foram descritos, como por exemplo, as armadilhas

de curral, desenhadas para capturar grupos de ungulados ou de cangurus (ASM, 1998).

Armadilhas tipo gaiola como as de pequenos mamíferos, mas com dimensões

maiores, armadilhas para os pés, cevas com drogas anestésicas são algumas das formas

de capturas descritas para médios e grandes mamíferos (acima de 1 kg), herbívoros ou

carnívoros (Day et al., 1980; Jones et al., 1996). Dardos com anestésicos também são

citados (Manville, 1949; Day et al., 1980; Jones et al., 1996; ASM, 1998), mas não são

muito recomendados por causa das chances de matar, machucar permanentemente ou

mesmo perder um animal machucado (ASM, 1998). Zwickel (1980) é o único dentre

todos a falar na utilização de cães para a captura de mamíferos e aves.

Como é possível notar, principalmente para mamíferos de médio e grande porte,

devido ao aumento na dificuldade de captura, os tipos de metodologia variam

conforme algumas características intrínsecas dos grupos a serem estudados– como

organização social, hábitos, tipos de alimentação e comportamentos anti-predatórios – e

para diversos destes grupos a metodologia ainda não está padronizada e precisa ser

desenvolvida.

Cotias são roedores de porte médio (3 a 5 kg), diurnos, terrestres e cursoriais

(Nowak, 1991), que se alimentam principalmente de frutos e sementes (Smythe, 1978;

Henry, 1999). São normalmente abundantes, mas vivem sozinhas ou aos pares. Por

serem presas muito visadas, possuem comportamento críptico e dificilmente são

visíveis na mata, principalmente em locais onde a densidade de predadores é alta. Em

geral, sua presença é percebida depois de emitirem um som de alarme característico e

correrem. Por conseguinte, para acompanhar estes animais, se faz necessário

capturá-los e marcá-los.

Somente três trabalhos de acompanhamento de cotias já foram desenvolvidos em

ambientes naturais (Smythe, 1978, na Ilha de Barro Colorado, Panamá; Clark & Galef,

1977, também em IBC; Rodríguez & Vaughan, 1985, na Costa Rica). Nos três casos a

metodologia de captura utilizada foi a armadilha do tipo gaiola (“Tomahawk”) e, mesmo

assim, este o método se mostrou muito pouco eficiente. Smythe (1978) capturou 87

Page 37: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-3

indivíduos – a maioria jovens - com um esforço de 100 armadilhas armadas durante

quatro anos. Os outros dois trabalhos não evidenciaram seus esforços de captura, mas

como são trabalhos de acompanhamento de um ou dois indivíduos por curtos períodos

de tempo (menos de seis meses), ficou evidente que houve dificuldade em capturar e

acompanhar estes animais.

A carência de trabalhos de longo prazo, com populações de cotias, em ambientes

naturais, poderia decorrer de um desinteresse sobre questões ecológicas relacionadas

com este grupo. Mas esta parece não ser uma hipótese plausível, visto que inúmeros

estudos já foram publicados evidenciando a importância das cotias na dinâmica de

ecossistemas naturais, principalmente na predação e dispersão de sementes (tabela 1.1).

A dificuldade de capturar e acompanhar estes animais parece ser um grande

empecilho no desenvolvimento de um maior número de estudos ecológicos. No

entanto, não existem trabalhos que abordem este assunto. Em virtude disso, este estudo

se propõe a apresentar uma discussão sobre diversas formas de captura, analisando

suas vantagens e desvantagens. Além disso, problemas de acompanhamento de

indivíduos a longo prazo serão discutidos. Desta forma, pretende-se auxiliar no

planejamento de futuros estudos com cotias, pois acredita-se que esta é uma etapa

importante do trabalho, que, no entanto, é bastante negligenciada em publicações.

2. Material e Métodos

A descrição da área de estudo pode ser encontrada no capitulo 1 da presente

dissertação.

2.1 Formas de captura utilizadas no presente estudo

Armadilhas tipo gaiola: armadilhas da empresa “Tomahawk” para a captura de

mamíferos de médio porte. São gaiolas de metal com o formato de um prisma de base

quadrada e um sistema de desarme automático (prancha 2 – figura A). Foram utilizados

sete exemplares de 80x40x40cm.

Page 38: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-4

Arapuca: armadilha utilizada para a capturar aves de pequeno porte. Foi feita de

madeira e tem o formato de uma pirâmide de base quadrada. O desarme era

automático e consistia de uma forquilha e duas varetas. Um dos lados da arapuca ficava

erguido, seguro por uma das pontas de uma das varetas, que estava envergada e

apoiada na forquilha. A outra ponta da vareta envergada ficava próxima ao solo e

apoiada em uma das pontas da segunda vareta, que por sua vez, tinha a sua outra

ponta apoiada no chão, dentro da armadilha. Um toque na vareta que estava dentro da

armadilha era suficiente para desarmar o sistema e fechá-la. As dimensões da arapuca

foram adaptadas para o tamanho de uma cotia (70x70cm de base e 50cm de altura)

(prancha 2 – figura B).

Cercado: feito com tela de arame, com aproximadamente 2m de diâmetro, 1m de

altura e uma porta de 1m de largura. A porta ficava erguida e presa por um fio que

deveria ser cortado para que ela caísse (prancha 2 – figura C). O desarme era manual,

portanto era necessário que uma pessoa ficasse na espera, para capturar o animal.

Também era importante acostumar o animal a comer em determinado local (iscá-lo ou

cevá-lo) e saber exatamente de que lado ele estava vindo para colocar a porta no lugar

certo.

Buraco: sistema com o mesmo princípio das armadilhas tipo “pitfall” utilizadas

na captura de répteis, anfíbios e pequenos mamíferos. No entanto, para capturar as

cotias, os buracos foram construídos com dimensões maiores (1,5m de profundidade e

1m de diâmetro). Sua entrada era tampada com folhas, gravetos ou um pedaço de

madeira compensada, que funcionava como a porta de um alçapão. A isca era colocada

encima do buraco para forçar o animal a andar sobre ele.

Laço: um ou mais laços eram colocados em volta da isca. Os fios do laço estavam

presos na ponta de uma árvore, que por sua vez, estava envergada e era sustentada por

uma corda presa a um sistema de gravetos (prancha 2 – figura D). Um dos gravetos

ficava por cima da isca e se o graveto fosse movido o sistema disparava, a árvore

voltava a posição normal e o animal ficava preso no fio suspenso. Era necessário que

uma pessoa estivesse próxima à armadilha para que o animal permanecesse pouco

tempo preso no laço.

Page 39: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-5

Catapulta: adaptação do laço. Tinha o mesmo sistema de armação, só que o laço

foi substituído por uma rede circular que permanecia estendida no chão, presa na

árvore envergada, por diversos fios de nylon (linha de pesca de 0,60 de diâmetro)

(prancha 2 – figura E). As redes utilizadas foram tarrafas de pesca de 3m de diâmetro.

No caso da catapulta, o sistema de desarme foi manual (vide cercado).

Dardo: pistola - modelo CO2PI & PI - e dardos com micro-transmissores da

empresa Dan Inject. Uma ceva era montada para atrair um animal. Uma pessoa

permanecia na espera, há aproximadamente três metros do local e, de preferência,

suspensa no ar, para atingir o animal com o dardo. Assim que o animal fosse atingido,

era localizado com um receptor e uma antena, ambos da empresa Telonics (prancha 2 –

figura F).

Cães: consistiu em levar um ou dois cães, acostumados a caçar cotias, ao local de

captura e esperar que eles entocassem um animal dentro do oco de uma árvore ou de

um buraco para retirá-lo posteriormente.

3. Resultados

Foram realizadas sete viagens de campo, cujo tempo de permanência variou de

um a dois meses (tabela 2.1).

Tabela 2.1: Cronograma das viagens de campo

ViagemMeses de

permanênciaEstação do ano Chegada Partida

Nº de dias de

permanência

1ª jan e fev auge da est. chuvosa 25/01/97 03/03/97 37

2ª abr e mai fim da est. chuvosa 04/04/97 06/06/97 63

3ª jul e ago auge da est. seca 19/07/97 03/09/97 46

4ª out e nov trans. seca/chuva 10/10/97 26/11/97 47

5ª jan e fev auge da est. chuvosa 11/01/98 27/02/98 47

6ª abr e mai fim da est. chuvosa 15/04/98 14/05/98 29

7ª julho auge da est. seca 25/06/98 21/07/98 26

Total 295

Page 40: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-6

3.1 1a viagem (27/01/1997 a 03/03/1997 – 31 dias)

Nesta viagem todos os esforços foram direcionados para a captura de animais

dentro de um castanhal, onde estava sendo desenvolvido um estudo de demografia e

dinâmica populacional de castanheiras (Baider, 2000), para que posteriormente os

dados fossem utilizados em conjunto.

Na primeira metade da 1a viagem (de 27/01 a 14/02) foram utilizadas as sete

armadilhas “Tomahawk”, doze arapucas e dois buracos no castanhal. Os alimentos

utilizados como isca foram castanhas, abóbora, milho e pasta de amendoim, alimentos

muito apreciados por cotias, segundo Smythe (1978). Não houve nenhuma captura

(tabela 2.2) nesta fase.

Como foi possível notar a partir deste esforço inicial que os animais não estavam

visitando as armadilhas, como procedimento alternativo, foram montadas estações com

ceva sem qualquer tipo de armadilha, com o intuito de habituar os animais a visitar

determinados locais para, então colocar armadilha. Depois de um tempo, somente

castanhas foram utilizadas como fonte de alimento, pois os outros não eram procurados

pelas cotias.

A partir de 8/02, iniciou-se a montagem de estações com isca em diversos pontos

do castanhal e as armadilhas só foram colocadas depois que as estações estavam sendo

visitadas por cotias por aproximadamente 3 dias. Para saber se de fato o animal que

estava visitando a estação era uma cotia, o solo ao redor da estação era afofado para a

identificação das pegadas.

Dez estações foram montadas e todas foram visitadas por cotias. Foi colocado

algum tipo de armadilha em sete delas (três cercados, três laços e uma catapulta – três

estações foram desativadas por falta de pessoal para ficar nas esperas). Foram

observadas cotias comendo a ceva ou se aproximando em três estações. Em uma delas,

onde foi colocado o laço, foi possível observar que o animal que tinha visitado a estação

(antes da armadilha ser colocada) se assustou com a armadilha e não voltou mais. Nos

outros dois locais onde o laço também foi armado, o sistema não funcionou. O local

onde foi colocada a catapulta também não foi mais visitado, mas como não ficou

Page 41: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-7

provado que o sistema assustou o animal, ele foi utilizado nas viagens subsequentes. Já

o cercado teve resultados mais favoráveis. Dos três locais onde eles foram armados, em

um o animal chegou a entrar na armadilha, mas o sistema de desarme falhou

(tabela 2.2).

3.2 2a viagem (04/04/1997 a 06/06/1997 – 64 dias)

Nesta fase iniciou-se um esforço de captura em uma área distante de castanhais.

Este local ficava próximo à base da Estação de Pesquisas e será denominado “base”. As

sete armadilhas “Tomahawk” e um cercado automático (que não necessitava de espera)

foram armados neste local.

No castanhal, o mesmo procedimento da 2ª metade da 1ª viagem foi utilizado.

Para minimizar o problema de manufatura das armadilhas, como cercado e catapulta,

diversos materiais como roldanas, cordas, telas de arame e tarrafas de pesca, foram

adquiridos na cidade. Os buracos que tinham sido feitos na 1ª viagem foram reativados.

Para cobrir as entradas dos buracos foram compradas tábuas de compensado de

1 m X 1 m que serviram como tampas de alçapão.

No castanhal, foram montadas 27 estações não simultâneas. Catorze das 27 (52%)

foram visitadas e algum tipo de armadilha foi montada (quatro cercados, oito catapultas e

dois buracos). Foram feitas 23 esperas de manhã e 25 esperas à tarde (variando de 1 a 3

pessoas simultaneamente). No total, foram avistadas cotias 63 vezes, em 12 esperas

diferentes. Provavelmente o número real de animais avistados está mais próximo de 12

do que de 63, pois em diversas esperas foi possível reconhecer que o mesmo animal

estava visitando a estação vários dias seguidos.

Dois indivíduos foram capturados, um deles em um cercado e o outro em uma

catapulta (tabela 2.2). O indivíduo capturado no cercado escapou por falhas na

armadilha. O indivíduo capturado na catapulta foi identificado, marcado e recebeu um

rádio-transmissor. O animal foi encontrado morto 20 dias depois da captura (tabela 2.3).

Como dito anteriormente, na base foram utilizadas sete armadilhas “Tomahawk” e

um cercado, durante aproximadamente 50 dias. Três indivíduos foram capturados, dois

Page 42: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-8

machos no cercado e uma fêmea na “Tomahawk” (tabela 2.2). Um dos machos ainda era

muito jovem (1100g) e ,por precaução, o colar não foi colocado de forma muito justa em

volta do pescoço, o que possibilitou a sua retirada alguns dias depois. O segundo

macho foi encontrado morto no início da viagem seguinte. A fêmea permaneceu viva e

com o rádio-colar ao longo de todo o período de estudo (tabela 2.3).

3.3 3a viagem (19/07/1997 a 03/09/1997 – 47 dias)

Como o procedimento da viagem anterior pareceu eficiente, ele continuou a ser

utilizado. No castanhal, foram montadas 17 estações por um período de nove dias. Dez

(59%) foram visitadas por cotias e em todas foi colocado algum tipo de armadilha

(quatro cercados, cinco catapultas e um buraco). Duas catapultas foram visitadas por cotias,

no entanto, novamente as armadilhas falharam (tabela 2.2). Em um dos casos, a árvore

não foi suficientemente forte para levantar a armadilha e no segundo caso, os fios

arrebentaram. Nenhum animal foi capturado no castanhal e não houve esforço de

captura na base.

3.4 4a viagem (10/10/1997 a 26/11/1997 – 48 dias)

Como as armadilhas manufaturadas estavam demonstrando pouca

confiabilidade (quatro em sete capturas não foram concluídas por causa de falhas na

armadilha), decidiu-se adquirir uma pistola e dardos com transmissores. Algumas

estações com castanha foram montadas para cevar os animais. Após 15 dias entre

cevagem e espera, uma cotia foi capturada (tabela 2.2), mas ficou impossibilitada de

andar e teve que ser sacrificada (tabela 2.3). Um dia depois, outra cotia também foi

atingida, mas o transmissor caiu e ela não foi mais encontrada.

Diante deste panorama pouco favorável, o programa foi radicalmente

modificado. Iniciou-se a captura com dois cães de caça, trazidos de Redenção (cidade

mais próxima da Estação de Pesquisas). Esta metodologia tinha sido evitada até então

pois acreditava-se que a introdução de cães na mata seria prejudicial para a

comunidade de vertebrados terrestres da área.

Page 43: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-9

Com o auxílio dos cães, em 12 dias, quatro indivíduos (três fêmeas e um macho)

foram capturados no castanhal (tabela 2.2). Além disso a média de peso das cotias

capturadas também aumentou (tabela 2.3). Não houve esforço de captura na base.

3.5 5a viagem (11/01/1998 a 27/02/1998 – 48 dias)

Como quatro indivíduos estavam sendo acompanhados, diminui-se o esforço de

captura e retornou-se ao procedimento padrão de captura (estações com ceva e

posterior montagem de armadilhas), pois a pistola não seria mais utilizada e os cães não

foram levados.

Onze estações foram montadas no período de 12/01 a 24/01 e doze no período

de 31/01 a 19/02. Na primeira etapa cinco estações foram visitadas por cotias (45%). Na

segunda etapa somente quatro estações foram visitadas (33%). Por algum motivo

desconhecido, nesta temporada os animais visitaram pouco as estações, mesmo antes de

qualquer tipo de armadilha ser colocada. Nenhuma armadilha foi montada e

consequentemente nenhum animal foi capturado. Novamente, não houve esforços de

captura na base.

3.6 6a viagem (15/04/1998 a 14/05/1998 – 30 dias)

Como os três indivíduos do castanhal foram encontrados mortos, reiniciou-se o

programa com cães, que foram novamente enviados de Redenção. No entanto, um dos

cães tinha morrido na viagem anterior e o outro sozinho não foi tão eficiente. Além

disso, o tempo de permanência foi mais curto do que o planejado, pois eu contrai

malária em meados de maio, o que com que eu fosse obrigada a retornar para São Paulo

antes do previsto. Em 20 dias de esforços com um cachorro, um indivíduo foi capturado

no castanhal (tabelas 2.2) e foi encontrado morto na viagem seguinte.

Não houve esforço de captura na 7ª viagem, visto que era a última.

3.7 Resultados Gerais

Ao todo, quinze indivíduos caíram nas diversas armadilhas. No entanto, por

causa de falhas de diversos tipos, somente dez receberam rádio-colar. Destes dez,

Page 44: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-10

somente quatro puderam ser acompanhados por algum tempo, pois os outros

morreram ou retiraram os colares. Dos quatro animais acompanhados, somente um

sobreviveu até o final do trabalho (tabela 2.2).

Tabela 2.2: Eficiência de captura de cotias na E. P. Pinkaiti, de jan/97 a jul/98

ViagemForma

de captura

Esforço de

captura

no castanhal

Esforço

de captura

na base

nº de

capturas

nº de animais

em que o colar

foi colocado

nº de animais

acompanhados por

algum tempo

nº de animais que

sobreviveu até o

final do estudo

1ª Tomahawk 7 x 12 dias

arapuca 12 x 12 dias

buraco 2 x 7 dias

laço 3 x (3+3+3)* dias

cercado 3 x (3+3+3)* dias 1 0 0 0

catapulta 2 x (3+3+3)* dias

2ª Tomahawk 7 x 50 dias 1 1 1 1

buraco 2 x (3+3+3)* dias

cercado 4 x (3+3+3)* dias 1 x 50** dias 1 / 2 0 / 2 0 / 0 0 / 0

catapulta 8 x (3+3+3)* dias 1 1 0 0

3ª buraco 1 x (3+3+3)* dias

cercado 4 x (3+3+3)* dias

catapulta 5 x (3+3+3)* dias 2 0 0 0

4ª dardos 1 x 10 dias 2 1 0 0

cães 2 x 12 dias 4 4 3 0

6ª cães 1 x 20 dias 1 1 0 0

Total 15 10 4 1 *o cálculo do esforço levou em consideração a cevagem prévia, o período de adaptação à armadilha e o período de espera com a armadilha armada ** utilzou-se o mesmo procedimento para calcular o esforço, excluindo o período de adaptação à armadilha

De todas as formas, a captura auxiliada por cães foi a mais eficaz, pois foi o

método com o qual se capturou mais animais em menos tempo (quatro cotias em doze

dias). Além disso, foi o método que permitiu a captura dos indivíduos maiores

(tabela 2.3) e que exigiu o menor investimento prévio, pois não necessitava de

cevagem, da montagem da armadilhas, nem de esperas. Dentre as armadilhas, a

catapulta e o cercado com desarme manual foram as mais bem sucedidas. Também

possibilitaram algumas capturas (quatro indivíduos no cercado e três na catapulta –

tabela 2.2), no entanto, o tempo de investimento foi muito maior do que em relação à

captura com cães e a porcentagem de falhas foi muito grande (4 em 7). A gaiola

“Tomahawk” possibilitou a captura de um indivíduo na base de pesquisas, mas é difícil

avaliar a sua eficiência pois poucos exemplares foram utilizados. As outras armadilhas

(arapuca, laço e buraco) não possibilitaram a captura de nenhum animal, demonstrando

grande ineficiência. A pistola também demonstrou baixa eficiência (tabela 2.2).

Page 45: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-11

Além disso, ficou evidente que as cotias precisam de habituação prévia para

entrar nas armadilhas e que, ainda assim, às vezes, algumas delas deixam de visitar o

local no momento que a armadilha é colocada.

Tabela 2.3: Dados dos indivíduos capturados

Medidas Morfométricas (mm)

corpo cauda orelha tarso

1 masculino cercado 1100 340 13.7 28.8 106.6

2 masculino cercado 2120 420 19.2 41.2 116.6

3 masculino catapulta 1800 404 17.3 39.7 103.5

4 feminino gaiola 3460 470 15.3 44.4 100.6

5 feminino pistola 3100 510 18.4 42.3 113.6

6 feminino cães 4000 20.0 43.0 116.0

7 masculino cães 2950 486 21.5 46.2 110.6

8 feminino cães 3050 425 23.9 45.8 118.6

9 feminino cães 3950 440 22.4 43.7 108.1

10 masculino cães 1500 365 17.0 41.6 106.2

Forma de

capturaIndiv. sexo Peso (g)

Ficou evidente também que houve grande diferença no sucesso de captura entre

indivíduos do castanhal e da base. Apesar de terem sido capturados sete indivíduos no

primeiro local e somente três no segundo (tabela 2.3), o esforço no segundo foi muito

menor (vide descrição das viagens). A área fora do castanhal ficava bem próxima da base

da Estação, onde os pesquisadores dormem, descansam e se alimentam. É provável que

as cotias da área fora do castanhal sejam mais habituadas a presença humana pois vêm

tendo contato com pesquisadores desde a fundação do Projeto, em 1992, o que facilitou

à sua aproximação e entrada nas armadilhas. Além disso, uma diferença na oferta de

recursos alimentares também pode ter influenciado na variação na taxa de captura.

Segundo Harris e col. (1990), em estudos com rádio-telemetria,

aproximadamente um terço dos animais capturados são perdidos por alguma razão

(morte do animal, problemas com o rádio ou emigração). Neste estudo, nove das dez

cotias capturadas foram perdidas (tabela 2.4), taxa muito superior à sugerida por Harris

e col. (1990).

Page 46: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-12

Tabela 2.4: Situação dos indivíduos capturados até o final do estudo

Indivdata da

capturasexo cl. etária

local de

captura

data em que

o rádio foi

reencontrado

nº de dias que o

animal

permaneceu

com o colar

provável

situação

do animal

época da

provável

morte do

animal

1 10-Abr-97 masculino juvenil base 24-Abr-97 14 tirou o colar

2 11-Abr-97 masculino adulto base 21-Jul-97 101 morreu junho

3 09-Mai-97 masculino juvenil castanhal 02-Jun-97 24 morreu maio

4 04-Jun-97 feminino adulto base sobreviveu

5 02-Nov-97 feminino adulto castanhal foi sacrificado

6 16-Nov-97 feminino adulto castanhal 18-Nov-97 1 tirou o colar

7 18-Nov-97 masculino adulto castanhal 19-Abr-98 152 morreu março-abril

8 19-Nov-97 feminino adulto castanhal 19-Abr-98 151 morreu março-abril

9 20-Nov-97 feminino adulto castanhal 20-Abr-98 151 morreu março-abril

10 10-Mai-98 masculino juvenil castanhal 26-Jun-98 47 morreu maio-junho

Dessas, duas devem ter tirado o colar (ind. 1 e 6), visto que os rádios foram

encontrados pouco tempo depois (14 e 1 dias, respectivamente) e não havia nenhum

indício de restos do animal, e uma foi sacrificada por problemas na captura (ind. 5). Os

outros seis indivíduos provavelmente foram predados ou morreram por alguma causa

desconhecida.

4. Discussão e conclusões

O que se encontra na literatura sobre capturas de mamíferos de médio a grande

porte (> 1 kg) são compilações gerais em livros sobre metodologia (Schemnitz, 1980;

Wilson et al., 1996). Estudos que comparem a eficiência nas formas de captura em

relação a determinada população ou comunidade estudada foram feitos apenas com

pequenos mamíferos (Bergstrom, 1986; Woodman et al., 1996; Lambin & MacKinnon,

1997, entre outros).

Neste estudo ficou claro que a melhor forma para capturar as cotias da Estação

de Pesquisas Pinkaiti foi a caça com cães, metodologia que aparentemente não havia

sido utilizada com cotias ainda (Clark & Galef, 1977; Smythe, 1978; Rodríguez &

Vaughan, 1985).

Page 47: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-13

Apesar de parecer um método muito estressante para os animais e perturbador

para a dinâmica da mata, as cotias demonstraram se recuperar rapidamente do estresse

a que foram submetidas e censos feitos nos dias subseqüentes à utilização dos cães na

mata, para determinar o grau de perturbação da fauna, também indicaram que este

procedimento não espantou temporariamente outros animais.

Zwickel (1980) indica a utilização da mesma metodologia na captura de patos,

aves de chão, e pequenos antílopes africanos. Este último exemplo é particularmente

interessante, pois Dubost (1987, 1988) considerou que cotias têm hábitos muito

parecidos com os destes pequenos ungulados africanos.

Estudos ecológicos com outros grupos de mamíferos de florestas neotropicais de

médio a grande porte citam a metodologia de captura, mas não discutem a sua

eficiência e nem porque foram escolhidas dentre outras. Beck-King e von Helversen

(1999) desenvolveram um estudo com uma população de pacas (Agouti paca), na Costa

Rica, mas só conseguiram capturar e acompanhar por meio de rádio dois indivíduos

(um macho jovem e uma fêmea adulta). As capturas foram feitas com buscas em

buracos onde normalmente as pacas descansam de dia. Fragoso (1998) acompanhou

dois grupos de queixadas (Tayassu pecari) na Ilha de Maracá (Roraima, Brasil). Sete

indivíduos foram capturados e acompanhados e a capturas foram feitas com auxílio de

dardos com anestésicos. Em nenhum dos dois casos, há qualquer tipo de discussão ou

referência citada que discuta metodologia escolhida.

Quanto a alta taxa de mortalidade dos indivíduos capturados no presente

estudo, a explicação mais plausível seria que os rádio-colares atrapalharam os animais

em suas funções cotidianas, deixando-os mais vulneráveis. No entanto, os pesos do

rádio-colares estavam dentro do valor estipulado para não atrapalhar o animal (5% do

peso corpóreo).

Segundo White e Garrot (1990) poucos estudos se interessaram em determinar o

impacto de rádio-transmissores no comportamento dos animais, sendo que a maioria

deles foi feita com aves voadoras. Neste estudo, este impacto não foi determinado

experimentalmente, pois não foi possível acompanhar animais sem colar. Portanto, é

Page 48: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

2-14

possível que, de fato, o equipamento tenha aumentado a probabilidade dos animais

terem sido predados, visto que seu comportamento de fuga é a corrida e uma diferença

na velocidade, por menor que seja, pode ser decisiva no momento de escapar.

Todavia, os seis indivíduos encontrados mortos, o foram entre os meses de abril

e junho, independente do mês em que foram capturados, sendo que alguns

permaneceram com o colar mais de 100 dias (tabela 2.4). Este resultado parece indicar

que o fato dos animais passarem a andar com o colar não parece ser a única explicação

para as suas mortes e que pode existir uma época em que as taxas de mortalidade são

mais altas, no final da estação chuvosa. Esta também foi a época em que mais

indivíduos jovens foram capturados (tabela 2.4) e que maior número de indivíduos foi

avistado nas esperas (resultados 2ª viagem), indicando ser um período em que há mais

jovens na população ou em que os jovens estão mais vulneráveis. Seria possível,

portanto, imaginar que há um aumento na taxa de predação de cotias nesta época do

ano devido a uma maior densidade de jovens. Isto, somado a um possível aumento na

vulnerabilidade dos indivíduos com colar, pode ter determinado a alta taxa de

mortalidade dos indivíduos com colar, nesta época.

Para ser confirmada, esta hipótese precisa ser testada com mais rigor e para tanto

é necessário fazer um estudo demográfico com a população de cotias da Estação de

Pesquisas Pinkaiti, por meio de um programa de capturas e recapturas sistemático.

Como ficou demonstrado neste estudo, a melhor forma de capturar sistematicamente

grande número de animais é a caça auxiliada por cães.

No caso desta hipótese estar correta, a dinâmica populacional das cotias desta

região pode ser fundamental para o recrutamento das árvores cujas sementes são

enterradas por estes animais.

5. Referências Bibliográficas

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of mammals as approved by the American Society of Mammalogists. Journal of

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Page 51: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-1

CCaappííttuulloo 33::

AANNÁÁLLIISSEE DDOOSS MMÉÉTTOODDOOSS DDEE EESSTTIIMMAATTIIVVAA DDEE ÁÁRREEAA DDEE VVIIDDAA MMÍÍNNIIMMOO

PPOOLLÍÍGGOONNOO CCOONNVVEEXXOO EE MMÉÉDDIIAA HHAARRMMÔÔNNIICCAA QQUUAANNTTOO ÀÀ CCOONNSSIISSTTÊÊNNCCIIAA EEMM

RREELLAAÇÇÃÃOO AAOO NNÚÚMMEERROO DDEE LLOOCCAALLIIZZAAÇÇÕÕEESS EE ÀÀ CCOORRRREELLAAÇÇÃÃOO TTEEMMPPOORRAALL

1. Introdução

Diversos métodos para o cálculo de área de vida vêm sendo desenvolvidos e

aprimorados desde que Burt definiu pela primeira vez este conceito, em 1943. O

“Mínimo Polígono Convexo” (MPC – Mohr, 1947) foi o primeiro método a ser proposto

para estimar a área de vida de um animal. É um método simples e objetivo e em revisão

feita no início da década de noventa (Harris et al., 1990), ainda era o método mais

utilizado. Segundo Swihart & Slade (1985b), é um método muito estável para espécies

com área de vida que não varia ao longo do tempo, não necessitando de tamanho

amostral muito elevado (entre 20 e 50). No entanto, passa a ser extremamente instável

quando o(s) indivíduo(s) amostrados varia(m) sua área de vida ao longo do tempo,

sendo que a curva da estimativa em função do número de localizações pode não atingir

uma assíntota (Jennrich & Turner, 1969; Anderson, 1982; Swihart & Slade, 1985b). Além

disso, possui outros problemas como a impossibilidade de calcular e mapear centros de

atividade e a grande influência que sofre de localizações extremas ocasionais (“outliers”)

(Jennrich & Turner, 1969; Anderson, 1982; Harris et al., 1990).

Começaram, então a surgir métodos probabilísticos como alternativa ao MPC3,

para tornar as estimativas mais consistentes e menos influenciadas por localizações

extremas. No entanto, os primeiros métodos probabilísticos a surgir pressupunham

distribuições normais dos dados4, o que quase sempre era violado, pois dados

geográficos não têm razão para pressupor uma distribuição normal. Além disso,

3 Existem outros métodos não-probabilísticos que, por serem menos utilizados, não serão discutidos

4 Denominados, portanto, métodos probabilísticos paramétricos.

Page 52: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-2

determinavam o centro de atividade como sendo a média aritmética da distribuição,

definição que normalmente não tem nenhum significado biológico (Dixon & Chapman,

1980).

Posteriormente, no início da década de oitenta, surgiram outros métodos

probabilísticos que não pressupunham nenhuma distribuição prévia e que foram, por

isso, denominados não-paramétricos. A ausência de distribuição prévia lhes conferiu

grande vantagem em relação aos métodos paramétricos, pois suas formas e centros de

atividade se aproximavam mais da realidade ecológica dos animais. Mesmo assim,

ainda apresentavam e apresentam alguns problemas. Em primeiro lugar, todos têm

problemas de comparabilidade, pois possuem parâmetros subjetivos e algoritmos

complexos (Harris et al., 1990). Além disso, necessitam de um tamanho amostral grande

pois como a função de distribuição é definida a posteriori, por interpolação dos próprios

dados, são necessárias várias localizações para definir uma distribuição consistente

(Worton, 1987; Ackerman et al., 1990). Segundo Harris et al. (1990), dentre os métodos

probabilísticos não-paramétricos, o mais simples matematicamente e mais utilizado até

então era o da “Média Harmônica” (MH – Dixon & Chapman, 1980). Um resumo dos

métodos de estimativa de tamanho de área de vida está apresentado na tabela 3.1.

A partir do surgimento dos métodos probabilísticos não-paramétricos e em

revisões posteriores, diversos autores passaram a afirmar que os métodos

probabilísticos deveriam pressupor independência temporal entre os dados (Schoener,

1981; Anderson, 1982; Swihart & Slade, 1985a,b; Worton, 1987, 1989; Ackerman et al.,

1990; Harris et al., 1990) sendo que alguns afirmaram que a correlação temporal entre os

dados poderia subestimar os tamanhos de área de vida (Swihart & Slade, 1985a,b;

Ackerman et al., 1990; Harris et al., 1990).

Localizações consecutivas independentes temporalmente devem ocorrer quando

o intervalo de tempo entre uma localização e a seguinte for suficiente para que o animal

possa ter percorrido grande parte da sua área de vida, fazendo com que a segunda

localização não seja uma função da localização anterior (Swihart & Slade, 1985a).

Portanto, este intervalo deve depender da velocidade de deslocamento do animal e do

tamanho da área de vida deste.

Page 53: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-3

Tabela 3.1 Principais métodos de análise de área de vida; modificado de Van Winkle (1975)

Não-Probabilísticos

Mínimo Polígono Convexo

(Mohr, 1947)

Gradeado

(Siniff & Tester, 1965)

Probabilísticos

Paramétricos Não-Paramétricos

Univariados Bivariados Bivariados

Distribuição não especificada

(Hayne, 1949)

Distribuição Normal Circular

(Calhoun & Casby, 1958)

Média Harmônica

(Dixon & Chapman, 1980)

Distribuição de Pearson

(Dice & Clark, 1953)

Distribuição Normal Elíptica

(Jennrich & Turner, 1969)

Transformação de Fourier

(Anderson, 1982)

Distribuição Normal Circular

(Harrison, 1958)

Kernel

(Worton, 1989)

Recentemente alguns autores têm contestado este pressuposto. Lair (1987)

questionou se um conjunto de dados independentes poderia explicar um fenômeno que

é determinado por ações que são dependentes entre si e se dados correlacionados

temporalmente não apresentariam informações ecológicas e comportamentais melhores

do que dados independentes temporalmente. Reynolds & Laundre (1990) e DeSolla et

al. (1999) demonstraram que a eliminação de dados para alcançar independência

geraram uma subestimativa nos tamanhos de área de vida que eles estimaram com

moscas, tartarugas e coiotes.

É importante ressaltar que existe uma forte correlação entre o número de

localizações e o intervalo mínimo entre localizações consecutivas em dado período, de

tal forma que, quanto maior o intervalo mínimo, menor o número de localizações

possíveis e vice-versa. Por isso, se os dois parâmetros têm influência sobre a estimativa

do tamanho da área de vida, utilizando um método probabilístico, é necessário

determinar qual dos dois tem maior influência, para definir se localizações dependentes

temporalmente deveriam ser eliminadas ou não.

Page 54: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-4

Utilizando dados coletados de uma população de cotias (Dasyprocta aguti,

Rodentia) em uma área de floresta amazônica, no Sudeste do Pará, o presente estudo

apresentou dois objetivos distintos e complementares. Em primeiro lugar, pretendeu-se

analisar dois métodos, um não-probabilístico (o MPC) e outro probabilístico não-

paramétrico (a MH) quanto à sua consistência em relação à variação no número de

localizações. Em segundo lugar, tencionou-se determinar se havia correlação temporal

entre localizações consecutivas e qual seria o intervalo mínimo entre localizações

consecutivas necessário para eliminar a correlação, neste caso específico, utilizando o

método probabilístico da MH. Se, de fato houvesse um problema de correlação

temporal, seria necessário determinar a sua influência sobre a estimativa da área de

vida. Se a hipótese de correlação fosse verdadeira, seria importante definir qual dos

dois parâmetros (N mínimo e correlação temporal) teria maior influência sobre as

estimativas de tamanho da área de vida para, então definir o melhor procedimento a ser

seguido.

2. Material e Métodos

A descrição da área de estudo se apresenta no capítulo 1 da presente dissertação.

Para a realização destas análises, foram utilizados os dados de quatro indivíduos

adultos (três fêmeas e um macho) de cotia (D. aguti) acompanhados via rádio-

telemetria. Destes, uma fêmea localizava-se em uma área sem castanheiras (Ffc); os

outros três foram capturados em uma área de castanhal (Fc1, Fc2 e Mc).

Para Ffc foram feitas 507 localizações (90 dias no total), separadas em cinco

temporadas (tabela 3.2a). Os intervalos entre as temporadas foram de 44, 35, 48 e 43

dias, respectivamente. O total de localizações para os indivíduos do castanhal foi de

142, para Mc, 137 para Fc1 e 152 para Fc2, perfazendo um total de 32 a 34 dias (tabela

3.2b, c, d). Os indivíduos do castanhal foram acompanhados nos períodos de novembro

e dezembro de 97 e janeiro e fevereiro de 98, sendo que o intervalo entre as duas

temporadas foi de 35 dias. Foram utilizados doze grupos de dados em todas as análises:

as cinco temporadas e o total de dados de Ffc e duas temporadas para Mc, Fc1 e Fc2.

Page 55: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-5

Tabela 3.2: Número de localizações dos quatros indivíduos de D. aguti acompanhados neste

estudo

a) Ffc b) Fc1

período nº de diasnº de

localizaçõesperíodo nº de dias

nº de

localizações

jul-ago 97 24 123 out/nov 97 12 39

out/nov 97 16 139 jan/fev 98 19 98

jan/fev 98 17 80 TOTAL 31 137

abr/mai 98 16 82

jun/jun 98 17 83

TOTAL 90 507

c) Fc2 d) Mc

período nº de diasnº de

localizaçõesperíodo nº de dias

nº de

localizações

out/nov 97 14 44 out/nov 97 14 47

jan/fev 98 20 108 jan/fev 98 20 95

TOTAL 34 152 TOTAL 34 142

2.1 Número mínimo de localizações

Curvas da variação da estimativa do tamanho da área de vida foram feitas em

função do número de localizações, para os grupos de observações descritos no item

anterior. Os grupos de localizações foram selecionados aleatoriamente por causa da

distribuição não uniforme dos dados (Harris et al., 1990). Para cada valor de x (número

de localizações) foram estimados 30 ou 50 valores de y (tamanho da área de vida), 30

para o total de dados de Ffc e 50 para o restante dos grupos de dados (as cinco

temporadas de Ffc e as duas temporadas dos três indivíduos do castanhal). Foram

utilizadas repetições de localizações na seleção dos blocos de dados para diminuir a

influência das variações aleatórias. Utilizaram-se os métodos MPC e MH para estimar

os tamanhos de área de vida com o auxílio do Programa HOME RANGE (Ackerman et

al., 1990). Para a MH, foram utilizadas as curvas de densidade de 95% e 75% (Dixon &

Chapman, 1980). Para confeccionar as curvas foram usados os valores das média (±

desvio padrão).

Page 56: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-6

2.2 Determinação da correlação temporal

O índice da razão de “Schoener” (t2/r2 – Swihart & Slade, 1985a) foi utilizado

para calcular o intervalo mínimo necessário para eliminar a correlação temporal. Para

tanto, foi necessário determinar os valores do índice para diferentes intervalos e este

cálculo foi feito utilizando-se o Programa HOME RANGE (Ackerman et al., 1990).

Curvas da razão de “Schoener” em função das localizações foram feitas para os

doze grupos de dados (as cinco temporadas e o total de localizações para Ffc e as duas

temporada para os três indivíduos do castanhal – tabela 3.2). Para tanto, foram

selecionados grupos de dados em que localizações consecutivas possuíam intervalos

mínimos variando de 0 a 420 minutos, com acréscimos de 30 minutos entre cada

intervalo mínimo estipulado. O nível de significância utilizado para determinar o valor

crítico do índice foi 0,05 (α=0,05). Além disso, a curva de diminuição do número de

localizações em função do aumento do intervalo mínimo também foi usada, afim de

determinar a correlação entre este parâmetro e o índice de correlação temporal.

Estimativas do tamanho da área de vida (MH 95% e MH 75%) foram calculadas

para determinar a influência da diminuição da correlação temporal, utilizando-se os

mesmos grupos de observações com diferentes intervalos mínimos que foram utilizados

para o cálculo da variação do índice. Os tamanhos de área de vida também foram

estimados pelo MPC para comparar com os valores estimados pela MH, pois, visto que

o MPC é um método não-probabilístico, estes valores só deveriam sofrer influência da

diminuição do número de observações e não da correlação temporal.

Testes de Correlação de Spearman foram realizados com o auxílio do Programa

STATISTICA (StatSoft Inc., 1995) para correlacionar o tamanho amostral com o índice

de “Schoener” e estes dois valores com as estimativas de tamanho de área de vida, pelos

métodos da MH 95%, MH 75%) e do MPC.

Page 57: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-7

3. Resultados

3.1 Número mínimo de localizações

Como era esperado, a curva que se estabilizou de forma mais consistente foi a

que utilizou as 500 localizações de Ffc (figura 3.1). Mesmo assim, para a maioria das

estimativas, as curvas passaram a se aproximar de um patamar quando os tamanhos

amostrais ultrapassaram 50, mostrando que a partir deste valor há uma tendência à

estabilização, tanto para Ffc quanto para os indivíduos do castanhal. Mesmo assim,

algumas exceções foram encontradas: para Ffc – abril-maio de 98, a curva não mostrou

uma tendência à estabilidade, e para Fc1 – novembro-dezembro de 97, os valores se

estabilizaram com um tamanho amostral inferior a 40.

Além disso, as estimativas feitas pelo MPC apresentaram curvas com variações

mais suaves, seguidas daquelas feitas pela MH 75%. A Média Harmônica 95% foi a que

apresentou as curvas com as variações mais bruscas, resultado semelhante ao

encontrado por Harris e col. (1990).

Comparando-se os três métodos quanto a estabilidade nos desvios, MH 75% e

MPC foram os que apresentaram os menores valores tanto com tamanhos amostrais

pequenos quanto grandes, mas as curvas das estimativas que utilizaram o MPC

apresentaram menos variações entre valores do que as que utilizaram MH. De forma

geral, os desvios padrões apresentaram uma tendência a diminuir conforme o tamanho

amostral aumentou

(figura 3.2), com algumas exceções. Com relação à Ffc, as temporadas de abril-maio e

junho-julho de 98 apresentaram desvios superiores àqueles apresentados no restante

das temporadas, sendo que a primeira foi justamente a temporada cuja curva de

estimativa de área de vida não se aproximou de uma assíntota e a segunda foi a que

gerou as estimativas com valores mais altos, fatores que podem ter influenciado estes

resultados. Já para os indivíduos do castanhal, nenhuma curva mostrou um padrão

muito diferente das outras, talvez com exceção da curva do Mc-98, que apresentou

desvios um pouco maiores com tamanhos amostrais inferiores a 40.

Page 58: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-8

MH 95%

0

1

2

3

4

5

0 20 40 60 80 100

0

3

6

9

12

15

0 100 200 300 400

MH 75%

0

1

2

3

0 20 40 60 80 100

0

2

4

6

8

0 100 200 300 400

MPC

0

1

2

3

4

0 20 40 60 80 100

0

2

4

6

8

10

0 100 200 300 400

Fc1-97 Fc1-98 Fc2-97

Fc2-98 Mc-97 Mc-98

total jul-ago 97 out-nov 97

jan-fev 98 abr-mai 98 jun-jul 98

dia

da á

rea

de v

ida

Nº de localizações

Figura 3.1: Variação da média das estimativas do tamanho de área de vida em função do

número de localizações

Page 59: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-9

MH 95%

0.00

0.50

1.00

1.50

2.00

0 20 40 60 80 100

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

0 100 200 300 400

MH 75%

0.00

0.25

0.50

0.75

1.00

0 20 40 60 80 100

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

0 100 200 300 400

MPC

0.00

0.25

0.50

0.75

1.00

0 20 40 60 80 100

0.0

0.5

1.0

1.5

0 100 200 300 400

Fc1-97 Fc1-98 Fc2-97

Fc2-98 Mc-97 Mc-98

total jul-ago 97 out-nov 97

jan-fev 98 abr-mai 98 jun-jul 98

De

svio

pad

rão

da

áre

a d

e v

ida

Nº de localizações

Figura 3.2: Variação dos desvios padrões das estimativas de área de vida em função do número

de localizações

3.2 Determinação da correlação temporal

Todos os grupos de dados apresentaram correlação temporal entre localizações

consecutivas quando todas as localizações foram usadas e os intervalos mínimos para

Page 60: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-10

eliminar estas correlações variaram entre 90 e 270 minutos, sendo que em alguns grupos

de dados não foi possível eliminá-las (tabela 3.3).

Tabela 3.3: Intervalos mínimos e tamanhos amostrais em que a correlação temporal foi

eliminada

Ind. Período N totalInterv. Mín.

s/ correlaçãoN intervmin N int /N total

Ffc jul-ago 97 123 90 68 55%

out-dez 97 139 180 46 33%

jan-fev 98 80 270 27 34%

abr-mai 98 82 180 36 44%

jun-jul 98 83 180 48 58%

jul97-jul98 507 240 175 35%

Fc1 nov-dez 97 39 60 33 85%

jan-fev 98 98 90 41 42%

Fc2 nov-dez 97 44 não atingiu - -

jan-fev 98 108 180 42 39%

Mc nov-dez 97 47 60 37 79%

jan-fev 98 95 não atingiu - -

Testes de correlação de Spearman mostraram que a correlação temporal é

inversamente proporcional ao tamanho amostral, resultado significativo (α=0,05)em

mais de 80% das análises (10 em 12. Já em relação às estimativas de área de vida,

praticamente todas se correlacionaram positivamente com o tamanho amostral e,

portanto, negativamente com o índice de “Schoener” (tabela 3.4), como mostra o

exemplo da figura 3.3a.

Algumas estimativas, no entanto, apresentaram resultados diferentes do padrão

(Fc2 e Mc– novembro-dezembro 97 - tabela 3.4), isto é, se correlacionaram positivamente

com o índice de “Schoener” e negativamente com o tamanho amostral (figura 3.3b). No

entanto, são exatamente os grupos de dados em que o N amostral inicial era pequeno

(tabela 3.2) e em uma delas o índice não alcançou o valor crítico (tabela 3.3), e isto pode

ter influenciado os resultados.

Page 61: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-11

Tabela 3.4: Correlação de Spearman entre tamanho amostral, índice de “Schoener” (t2/r2) e

estimativas da área de vida, utilizando a Média Harmônica, densidades de 95% (MH 95) e 75%

(MH 75) e o Mínimo Polígono Convexo

N x t2/r

2 N x MH 95 N x MH 75 N x MPC t2/r

2 x MH 95 t

2/r

2 x MH 75 t

2/r

2 x MPC

r p r p r p r p r p r p r p

Ffc jul-ago 97 5 -0.983 0.000 0.500 0.450 0.600 0.350 0.975 0.017 -0.500 0.450 -0.600 0.350 -0.975 0.017

out-dez 97 15 -0.939 0.000 0.952 0.000 0.952 0.000 0.967 0.000 -0.867 0.000 -0.862 0.000 -0.901 0.000

jan-fev 98 15 -0.953 0.000 0.506 0.052 0.547 0.034 0.693 0.004 -0.525 0.043 -0.574 0.024 -0.779 0.000

abr-mai 98 14 -0.642 0.012 0.740 0.002 0.757 0.001 0.876 0.000 -0.360 0.201 -0.333 0.238 -0.507 0.061

jun-jul 98 15 -0.981 0.000 0.631 0.011 0.790 0.000 0.943 0.000 -0.630 0.012 -0.828 0.000 -0.935 0.000

jul97-jul98 15 -0.814 0.000 0.571 0.025 0.339 0.209 0.898 0.000 -0.710 0.003 -0.437 0.101 -0.754 0.000

Fc1 nov-dez 97 16 -0.644 0.007 0.979 0.000 0.858 0.000 0.813 0.000 -0.602 0.013 -0.736 0.000 -0.718 0.001

jan-fev 98 16 -0.295 0.262 0.901 0.000 0.874 0.000 0.985 0.000 -0.128 0.625 -0.098 0.713 -0.276 0.292

Fc2 nov-dez 97 16 -0.979 0.000 -0.410 0.112 -0.552 0.026 0.583 0.018 0.422 0.101 0.552 0.026 -0.542 0.030

jan-fev 98 16 -0.745 0.000 0.672 0.004 0.503 0.046 0.905 0.000 -0.553 0.026 -0.246 0.348 -0.666 0.005

Mc nov-dez 97 16 -0.756 0.000 0.435 0.089 -0.172 0.512 0.944 0.000 -0.307 0.242 0.371 0.153 -0.727 0.001

jan-fev 98 16 -0.341 0.190 0.759 0.000 0.859 0.000 0.854 0.000 -0.408 0.112 -0.263 0.319 -0.703 0.002

Ind. Período N

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

0 90 180 270 360 450

0

15

30

45

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

0 90 180 270 360 450

0

30

60

90

120

150

de

lo

ca

lizaçõe

s

0.0

1.0

2.0

3.0

0 90 180 270 360 450

0.0

3.0

6.0

9.0

12.0

0 90 180 270 360 450

t2/r2 amostral t2/r2 crít. nº local.

MH 95% MH 75% MPC

Intervalo mínimo

Figura 3.3: Variação no valor do índice de “Schoener” amostral e crítico (α=0,05) e nas

estimativas de tamanho de área de vida utilizando MPC, MH 75% e MH 95% em função da

variação no intervalo mínimo entre localizações consecutivas.

Page 62: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-12

4. Discussão

Jennrich e Turner (1969), Anderson (1982) e Swihart e Slade, (1985b) afirmaram

que o MPC é não é estável mesmo com tamanhos amostrais superiores a 100. Já

Anderson (1982) demonstrou que o método da “Transformação de Fourier” é bastante

estável nas suas estimativas a partir de n=30. Ackerman e col. (1990) afirmaram que os

métodos probabilísticos não-paramétricos, em geral, devem ser estáveis a partir de

n=50, no entanto, não citaram suas fontes de referências e nenhum outro autor fez este

tipo de análise com o método da MH. Neste estudo, foi possível perceber que, salvo

raras exceções, as curvas mudaram claramente seu comportamento, se aproximando de

uma assíntota, a partir de um tamanho amostral igual a 50. No entanto as curvas de

Ntotal>500 mostraram nitidamente que uma verdadeira assíntota só foi atingida com

tamanhos amostrais superiores a 100.

Portanto, há um problema, pois sabe-se que é muito difícil atingir tamanhos

amostrais superiores a 100 em estudos sobre área de vida. Harris e col. (1990) sugeriram

dois procedimentos quando as curvas de estimativa de tamanho de área de vida não se

estabilizam: (i) corrigir os valores que não se estabilizaram a partir de equações de

regressão derivadas dos valores que se estabilizaram ou (ii) padronizar o tamanho

amostral, mesmo sem atingir estabilidade de estimativa.

O primeiro procedimento parece mais indicado pela sua forma menos arbitrária

e mais robusta de resolver o problema, apesar de transformar valores reais de área de

vida em valores hipotéticos (Harris et al., 1990) o que pode ser um problema.

Em vista disso, efetuou-se uma tentativa preliminar de utilizar esse

procedimento, onde todas as localizações de Ffc foram usadas para calcular a equação

de regressão. Como resultado inicial, ficou claro que não é simples determinar qual a

função que melhor descreve os dados, pois diversas curvas se adequaram bem a eles.

Mesmo assim, o Modelo de Saturação da Taxa de Crescimento (“Saturation Growth-

Rate Model”: y=ax/(b+x) – CurveExpert® 1.34) foi utilizado. Testes com esta equação

demonstraram que ela se adequou melhor a alguns grupos de dados do que a outros,

fato visível pela simples análise das curvas (figuras 3.1 e 3.2) onde já foi possível

Page 63: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-13

constatar que estas apresentam comportamentos diversos. Portanto, a utilização deste

procedimento pareceu diminuir diferenças entre temporadas e entre indivíduos que

poderiam estar refletindo questões ecológicas importantes.

Em vista do que foi apresentado, os resultados deste procedimento não

pareceram confiáveis, fato que fez com que a segunda alternativa fosse utilizada, isto é,

a padronização dos tamanhos amostrais. Neste caso, o valor escolhido foi 80, que foi um

valor atingido por todos os indivíduos nas amostragens de 2 meses e superior a 50. No

entanto, nas estimativas para os períodos inferiores a dois meses, valores padronizados,

menores que 50 foram usados, apesar de serem pouco estáveis, pois as comparações

eram relevantes. Mesmo assim, é importante deixar claro que futuras análises

relacionadas ao procedimento de regressão são recomendadas e que estas não foram

realizadas no presente estudo pois desviavam muito do seu escopo geral.

Quanto à escolha do melhor método, de maneira geral os dois métodos

pareceram apresentar resultados confiáveis para a sua utilização com tamanhos

amostrais superiores a 50. No entanto, a metodologia da MH com densidade de 95%

apresentou desvios relativamente grandes e por esta razão recomenda-se a utilização de

curvas de densidade menores (como por exemplo 75%) quando o método da MH for

utilizado. Esta recomendação também é feita pelos próprios autores da MH (Dixon &

Chapman 1980), que a justificam afirmando que curvas de densidade menores sofrem

menos influência de localizações extremas ocasionais. Neste ponto, o MPC se mostrou

ter sido pouco influenciado. A grande vantagem da utilização de um método

probabilístico não-paramétrico (como MH 75%), combinado com o MPC, é que o

primeiro possibilita a localização de centros de maior intensidade de uso, o que não é

possível com o segundo.

Em relação à correlação temporal, os índices de “Schoener” ultrapassaram o

valor crítico em intervalos mínimos diversos (tabela 3.3), não sendo possível padronizar

um intervalo mínimo em que as localizações são independentes para todos os conjuntos

de dados sem ter que eliminar muitas localizações. Além disso, estas variações podem

refletir variações biológicas entre os grupos de dados (Swihart et al., 1988) e este

resultado é muito semelhante com o encontrado para as variações das estimativas das

Page 64: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-14

áreas de vida em função do tamanho amostral, pois como foi possível constatar, os dois

fatores estão muito relacionados.

De qualquer maneira, a eliminação dados para alcançar independência temporal

teve influência negativa ou nenhuma (mesmo com tamanhos amostrais superiores a 80)

nas estimativas de área de vida, por isso, esta não parece ser um pressuposto na decisão

de quais dados utilizar, apesar de diversos autores afirmarem que violação desta

condição pode subestimar as estimativas de área de vida utilizando um método

probabilístico (Schoener, 1981; Anderson, 1982; Swihart & Slade, 1985a,b; Worton, 1987,

1989; Ackerman et al., 1990; Harris et al., 1990). Reynolds e Laundre (1990) e DeSolla e

col. (1999), que também estudaram a influência da correlação temporal sobre as

estimativas, chegaram as mesmas conclusões apresentadas neste trabalho.

Neste caso novamente, a padronização do intervalo mínimo parece ser o melhor

procedimento a ser utilizado, pois outro fator deve ser levado em consideração, que é o

peso que cada localização tem sobre todo o bloco de localizações, pois dez localizações

em um dia representam informações diferentes de dez localizações em dez dias

(Ackerman et al., 1990).

5. Conclusões

De forma geral, as análises metodológicas demonstraram que os pressupostos

relacionados aos métodos de estimativa de área de vida precisam ser constantemente

testados e revistos e que, em vista disso, estudos deste tipo são fundamentais.

Com relação à escolha de um método, tanto o Mínimo Polígono Convexo

(Mohr, 1947) quanto a Média Harmônica (Dixon & Chapman, 1980) com curva de

densidade de 75% apresentaram resultados semelhantes em relação à variação no

tamanho amostral, portanto os dois são indicados em estudos semelhantes a este.

Por fim, pareceu mais importante e seguro se preocupar em utilizar o máximo de

localizações para os diferentes tipos de comparações e padronizar os dados tanto em

relação ao tamanho amostral quanto em relação ao intervalo entre localizações

Page 65: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-15

consecutivas, se preocupando de forma secundária em utilizar um tamanho amostral

assintótico e um intervalo em que localizações consecutivas sejam independentes.

6. Referências Bibliográficas

Ackerman, B. B., F. D. Leban, M. D. Samuel and E. O. Garton, 1990. User’s Manual for Program

Home Range. 2nd Ed. Technical Report 15, Forestry, Wildlife Experiment Station, University

of Idaho, Moscow, 80 pp.

Anderson, D. J.,1982. The home range: a new nonparametric estimation technique. Ecology, 63:

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Burt, W. H., 1943. Territoriality and home range concepts as applied to mammals. Journal of

Mammalogy, 24(3): 346-352.

De Solla, S. R., R. Bonduriansky & R. J. Brooks, 1999. Eliminating autocorrelation reduces

biological relevance of home range estimates. Journal of Animal Ecology, 68: 221-234.

Dixon, K. R. & J. A. Chapman, 1980. Harmonic mean measure of animal activity areas. Ecology,

61: 1040-1044.

Harris, S., W. J. Cresswell, P. G. Forde, W. J. Trewhella, T. Woollard & S. Wray, 1990. Home-

range analysis using radio-tracking data – a review of problems and techniques

particularly as applied to the study of mammals. Mammal Review, 20(2-3): 97-123.

Jennrich R. I. & F. B. Turner, 1969. Measurement of non-circular home range. Journal of

Theoretical Biology, 22(2): 227-237.

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68(1): 1092-1101.

Mohr, C. O. 1947. Table of equivalent populations of North American small mammals. American

Midland Naturalist, 37: 223-249.

Reynolds T. D. & J. W. Laundre, 1990. Time intervals for estimating pronghorn and coyote

home ranges and daily movements. Journal of Wildlife Management, 54: 316-322.

Schoener, T. W., 1981. An empirically based estimate of home range. Theoretical Population

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Siniff D. B. & J. R. Tester, 1965.Computer analysis of animal movement data obtained by

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Page 66: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

3-16

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Swihart, R. K., N. A. Slade & B. J. Bergstrom, 1988. Relating body size to the rate of home range

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Worton, B. J., 1987. A review of models of home range for animal movement. Ecological

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Worton, B. J., 1989. Kernel methods for estimating the utilization distribution in home-range

studies. Ecology, 70: 164-168.

Page 67: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-1

CCaappííttuulloo 44::

ÁÁRREEAA DDEE VVIIDDAA EE AATTIIVVIIDDAADDEE DDIIÁÁRRIIAA DDEE UUMMAA FFÊÊMMEEAA AADDUULLTTAA DDEE

DDaassyypprrooccttaa aagguuttii ((DDAASSYYPPRROOCCTTIIDDAAEE ,, RROODDEENNTTIIAA)) EE AA SSUUAA RREELLAAÇÇÃÃOO CCOOMM AA

OOFFEERRTTAA DDEE FFRRUUTTOOSS NNOO CCHHÃÃOO DDEE UUMMAA MMAATTAA NNAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA OORRIIEENNTTAALL

1. Introdução

Área de vida é uma idéia que foi introduzida pela primeira vez por Seton (1909

apud Burt, 1943). No entanto, foi Burt (1943) quem definiu formalmente e nomeou este

conceito. Em sua definição ele diz que a área de vida é “a área percorrida pelo

indivíduo nas suas atividades normais de forrageamento, acasalamento e cuidado

parental”. Desde então, este conceito vem sendo aprimorado e o parâmetro ecológico

definido por ele vem sendo intensamente estudado.

Sabe-se que a área de vida varia conforme diversos parâmetros biológicos,

ambientais e populacionais. O tamanho do corpo de um animal e a sua taxa metabólica

estão intimamente relacionados com a quantidade de alimento que o animal ingere

diariamente e portanto com a área de vida deste animal (MacNab, 1963, Calder, 1983).

O tipo de dieta, o padrão de forrageio animal e a oferta de alimento também interferem

no tamanho e forma da área de vida de um animal, pois alimentos podem variar quanto

à sua abundância no ambiente e a facilidade de ser encontrado (Harestad & Bunnell,

1979; Swihart et al., 1988). Além disso, relações intra-específicas, tanto de competição,

quanto de acasalamento também devem interferir nas características da área de vida de

um animal (Damuth, 1981).

Portanto, estudar a área de vida dos indivíduos de uma população deve gerar

uma melhor compreensão do comportamento destes indivíduos para diversas questões

como alimentação, reprodução e interações sociais em geral.

Cotias são roedores caviomorfos neotropicais de porte médio e ampla

distribuição nas Américas do Sul e Central. Têm hábito diurno, são terrestres e

solitárias, ou, às vezes, vivem aos pares (Smythe, 1978; Emmons & Feer, 1990). Enterram

Page 68: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-2

sementes, uma a uma, no chão da mata para posterior utilização (“scatterhoarding -

Morris, 1962) e isto lhes confere grande importância no recrutamento de espécies

vegetais, cujas sementes são grandes e nutritivas e geralmente associadas a uma alta

taxa de predação pós-dispersão (tabela 1.1).

No entanto, pouco se sabe a respeito da área de vida e da ecologia

comportamental de cotias em grande parte da sua distribuição geográfica. Em vista

disso, este trabalho se propôs a estudar a ecologia espacial de uma população de cotias,

na floresta amazônica. Além disso, parâmetros como atividade diária e oferta de frutos

no chão da mata também foram estudados e sua variação foi relacionada com a

variação do tamanho e da forma da área de vida.

2. Materiais e Métodos

A descrição da área de estudo pode ser encontrada no capítulo 1.

2.1 Captura e monitoramento

A captura foi realizada com o auxílio de uma armadilha “Tomahawk”, do tipo

gaiola, com 80x40x40 cm de dimensão (para maiores detalhes, vide capítulo 2). O

indivíduo capturado foi pesado, medido e recebeu um colar com rádio-transmissor

“Telonics”. O transmissor possuía um sistema que mantinha suas baterias ligadas por

um período de 14 h em um ciclo de 24 h. Optou-se por acionar o sistema de forma que

estivesse sempre ligado durante o dia (das 5 h 30 min às 19 h 30 min), já que se sabe que

cotias são animais diurnos (Smythe, 1978, Emmons & Feer, 1990).

O animal focal foi acompanhado por meio de um receptor “Telonics”, acoplado a

uma antena e, quando possível, observado diretamente, com o auxílio de um binóculo

“Delta” 8x42. As localizações foram feitas por meio de triangulações telemétricas ou

observações diretas, a partir de um sistema de trilhas em grade, com espaçamento de 50

m entre elas. Para cada registro foram anotadas as seguintes informações: (1) animal, (2)

hora, (3) localização, (4) atividade (ativo ou não a partir da oscilação do sinal do rádio)

e, quando possível, (5) tipo de atividade (descansando, deslocando-se rapidamente,

Page 69: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-3

deslocando-se lentamente, comendo ou participando de interações sociais).

2.2 Área de vida, atividade e dados comportamentais

O tamanho da área de vida foi estimado utilizando-se o Programa HOME

RANGE (Ackerman et al., 1990), pelos métodos da Média Harmônica, curva de

densidade de 75% (Dixon & Chapman, 1980) e do Mínimo Polígono Convexo (Mohr,

1947). Houve preferência na utilização da curva de densidade de 75%, no método da

Média Harmônica, porque ela se apresentou mais estável em relação a diminuição do

tamanho amostral do que a curva de 95% (para maiores detalhes vide capítulo 3). Para

verificar variações temporais nas distribuições espaciais do indivíduo focal, dois tipos

de agrupamento dos dados foram feitos no cálculo do tamanho da área de vida:

utilizando (i) as localizações por temporada de campo (1 mês a 2 meses) e (ii) grupos de

localizações, de tal forma que cada temporada fosse dividida em dois blocos, o que

representou períodos de 15 dias a um mês, conforme a temporada. Além disso, o

tamanho da área de vida referente a todo período de acompanhamento também foi

determinado.

As localizações foram transformadas em coordenadas cartesianas e, a partir

destas, mapas de área de vida foram desenhados com o auxílio do Programa

Microsoft® EXCEL. As coordenadas das curvas de densidade da Média Harmônica

foram exportadas do Programa HOME RANGE (Ackerman et al., 1990) e também

desenhadas no mesmo programa. Os cálculos de sobreposição entre mapas foram feitos

a partir da sobreposição gráfica de pares de mapas e da contagem de pixels em comum

entre eles. Para esta parte da análise utilizou-se um programa de tratamento de figuras

que, neste caso, foi o Programa Corel PHOTO-PAINT™.

Erros de triangulação foram calculados para os tamanhos de área de vida,

estimados com todas as localizações e com as localizações por temporada. Para tanto,

foram colocados 15 rádio-transmissores no local de estudo e suas posições reais foram

comparadas com aquelas determinadas por triangulação. A distância média e o desvio

padrão entre as duas posições foram calculados e, assim, foi determinada uma

distribuição normal dos erros. Para estimar os erros dos valores de área de vida foi feita

Page 70: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-4

uma simulação de Monte Carlo, isto é, as áreas de vida foram calculadas 100 vezes para

cada grupo de dados, sendo que a cada coordenada (x, y) era somado um valor gerado

aleatoriamente, a partir da distribuição normal dos erros. Um coeficiente de variação

(desvio padrão/média) foi calculado para cada conjunto de dados e, a partir dos

coeficientes, foi determinado um erro de triangulação para cada valor de tamanho de

área de vida. Os cálculos foram feitos com o auxílio do Programa Microsoft® EXCEL.

Para a análise da padrão diário de atividade foram calculadas as freqüências

relativas de atividade por hora, por indivíduo, por temporada. A atividade foi separada

em duas categorias (ativo/inativo) determinadas a partir da oscilação no sinal do rádio

ou por observações diretas. Localizações em quem o animal foi considerado ativo foram

aquelas em que este estava se movimentando muito (mudando de lugar ou em um

mesmo local) ou em que foi possível observar o animal se alimentando. Já as em que foi

considerado inativo foram aquelas em que o animal estava parado em um mesmo local

e, ao mesmo tempo, o sinal do rádio não oscilava. Acredita-se que as localizações do

animal inativo representam momentos em que ele estava descansando. A partir destes

resultados, curvas de atividade foram desenhadas e a freqüência relativa média de

atividade de cada animal por temporada foi determinada, somando-se as freqüências

relativas de cada hora e dividindo-as pelo número de horas.

Análises estatísticas foram feitas com o auxílio do Programa STATISTICA

(StatSoft Inc., 1995) e a descrição das análises utilizadas pode ser encontrada em Zahr

(1999).

Dados comportamentais e de alimentação não puderam ser coletados de forma

sistemática e por isso serão utilizados para complementar os resultados sistemáticos e

reforçar as conclusões.

2.3 Pluviosidade e censo de frutos

Estes dados fazem parte de uma coleta de dados conjunta de C. Baider e M. L.

Jorge e serão utilizados neste estudo assim como na tese de doutoramento de C. Baider

(Baider, 2000).

Page 71: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-5

Leituras diárias de um pluviômetro foram feitas de março de 1996 a março de

1998, durante os períodos de permanência na base de pesquisas. Os dados eram sempre

coletados diariamente, no início da noite. Em alguns casos, os dados foram coletados

com medidas acumuladas e nestes casos optou-se por dividir o total de precipitação do

período pelo número de dias amostrados. Quando haviam poucas medidas em

determinado mês, estas não foram utilizadas, como foi o caso de dezembro de 1996 e

setembro de 1997. A curva de precipitação anual foi confeccionada a partir da média da

precipitação mensal do dois anos de coleta (parte de 1996, 97, e parte de 98).

Para determinar a oferta de frutos no chão da mata, foram utilizados os dados de

um censo de queda de frutos, realizado entre abril de 1996 e março de 1998 (Baider,

2000). Para a realização deste censo uma trilha de 5000 m foi marcada com fitas a cada

50 m e percorrida mensalmente para a verificação da presença de frutos caídos no chão,

utilizando-se uma faixa de 50 cm para cada lado. Quando algum(ns) fruto(s) era(m)

encontrado(s), procurava-se a árvore de onde ele(s) provinha(m), da qual era medido o

DAP. Um valor de 1 a 4 era atribuído para a quantidade de frutos no chão (1 - muito

pouco e 4 - muito; Fournier, 1974). Nos meses de dezembro de 1996, setembro de 1997 e

janeiro de 1998 os censos não foram realizados.

Para quantificar a disponibilidade de frutos no chão da mata, foi calculado um

índice, segundo Develey & Peres (2000). Tal índice é constituído por:

I=∑ABi*rank

onde ABi é a área basal do indivíduo (ABi=πr2), com o raio em metros. A curva do

índice de frutos eqüivale a média do três anos de coleta de dados.

A área em que foi feito o censo de frutos tem grau de similaridade alta (Jaccard

Ij=0,34 e de Sorensen Is=0,51; R. Salm, dados não-publicados) com a área onde o animal

acompanhado vivia.

3. Resultados

Uma fêmea adulta (3460g) foi acompanhada durante um ano (21/07/1997 a

Page 72: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-6

20/07/1998), perfazendo um total de 366 localizações (denominada Ffc – fêmea de fora

do castanhal - por causa de comparações que serão feitas com indivíduos capturados

dentro de um castanhal, no capítulo que se seguirá). Este período foi dividido em cinco

temporadas de campo que variaram de um a dois meses, intercaladas por períodos de

aproximadamente um mês sem coleta de dados. A seguir serão feitas análises do

tamanho da área de vida, da distribuição espacial das localizações e do padrão diário de

atividade deste indivíduo. Variações temporais destes parâmetros serão relacionadas

com a oferta de frutos no chão da mata ao longo do ano.

3.1 Tamanho da área de vida

O tamanho da área de vida deste indivíduo durante o período total de

acompanhamento foi de 6.9 ±±±± 0,4 hectares (MH 75%) ou 9.2 ±±±± 0,4 hectares (MPC) (tabela 4.1).

As áreas ocupadas em cada temporada foram menores do que a área ocupada durante o ano

inteiro, com exceção de junho-julho de 98 (figura 4.1). As temporadas em que o animal

apresentou menor área de vida foram julho-agosto de 97 e janeiro-fevereiro de 98. Em

outubro-dezembro de 97 e abril-maio de 98, ela apresentou área de vida de valores

intermediários. Separando-se cada temporada em dois grupos de dados que amostravam

períodos semelhantes, as áreas de vida da primeira, segunda e última temporadas

mostraram pequena variação entre períodos, o que não ocorreu para os períodos das

temporadas de janeiro-fevereiro e abril-maio de 98 (figura 4.2).

Tabela 4.1: Estimativas de tamanho de área de vida de Ffc

Período n MH 75% t2

/r2

obs t2

/r2

crít MPC

21/jul 97 - 20/jul 98 366 6.9 ± 0.40 1.11 1.85 9.2 ± 0.38

21/jul - 27/ago 97 83 3.3 ± 0.41 1.76 1.66 4.6 ± 0.38

11/out - 9/dez 97 79 4.9 ± 0.41 1.06 1.70 5.6 ± 0.31

14/jan - 26/fev 98 60 3.3 ± 0.36 1.10 1.68 5.1 ± 0.35

16/abr - 13/mai 98 70 5.7 ± 0.57 0.81 1.66 5.5 ± 0.40

26/jun - 20/jul 98 74 7.1 ± 0.45 1.13 1.71 8.1 ± 0.35

Page 73: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-7

0

2

4

6

8

julago97 outdez97 janfev98 abrmai98 junjul98 jul97-jul98

áre

a d

e v

ida (

ha)

Figura 4.1: Estimativa do tamanho da área de vida de Ffc pelo método da Média Harmônica

(75%), por temporada de campo. As barras de erro representam o erro de localização deduzido

pela simulação de Monte Carlo.

0

2

4

6

8

Jul/97 Set/97 Nov/97 Jan/98 Mar/98 Mai/98 Jul/98

áre

a d

e v

ida (

ha)

Figura 4.2: Estimativa do tamanho da área de vida de Ffc, pelo método da Média Harmônica

(75%), por períodos dentro das temporadas (os dados por temporada estão separados em dois

grupos de tamanhos amostrais próximos e que amostram períodos semelhantes).

3.2 Distribuição espacial das localizações

As localizações não se distribuíram de forma homogênea em nenhuma das

temporadas estudadas e as curvas de densidade de Média Harmônica demonstraram

Page 74: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-8

haver locais onde o animal permaneceu por mais tempo, que serão denominados

centros de maior permanência (figura 4.3).

Apesar de não haver homogeneidade na distribuição das localizações e os

tamanhos variarem, a área de vida do animal foi restrita e estável ao longo do ano, o

que ficou demonstrado pela grande sobreposição das áreas de cada temporada

principalmente nas curvas de maior densidade (figura 4.4). A curva de junho-julho de

98, que circunscreveu a maior área, incorporou quase completamente todas as outras.

Nas curvas de menor densidade, que destacam os centros de maior permanência,

é possível perceber que a temporada de janeiro-fevereiro de 98 se separou

geograficamente das demais, o que também ficou evidenciado pelo cálculo da

sobreposição entre as temporadas (tabela 4.2). As temporadas que apresentaram maior

sobreposição em quase todas as curvas de densidade foram outubro-dezembro de 97 e

abril-maio de 98, as duas de tamanho intermediário. Já as que apresentaram menor

sobreposição foram julho-agosto de 97 e janeiro-fevereiro de 98, as duas de menor

tamanho.

Para relacionar os centros de maior permanência com os períodos de atividade e

de inatividade, separou-se as localizações em que o animal estava ativo daquelas em

que ele estava inativo. As mapas mostraram que os locais de maior permanência foram

praticamente os mesmos nos períodos de atividade e de inatividade, indicando que os

locais de descanso diurno e os de sítios de alimentação estiveram associados (figura

4.5).

Os tamanhos de área de vida nos períodos em que o animal estava ativo são

maiores do que quando este estava inativo (figura 4.6). Somente na temporada de

outubro-dezembro 97 eles são praticamente do mesmo tamanho. A comparação entre o

número de localizações do animal ativo e inativo mostrou que estas foram bastante

desiguais. Para julho-agosto de 97 e janeiro-fevereiro de 98 esta diferença pode estar

influenciando na estimativa da área de vida. No entanto, no geral, padrão encontrado

na comparação entre valores de área de vida não está relacionado com o número de

localizações (rs=0,35; p=0,32; n=5).

Page 75: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-9

N

21/jul 97 - 20/jul 98

26/jun - 20/jul 9816/abr - 13/mai 9814/jan - 26/fev 98

11out - 9/dez 9721/jul - 27/ago 97

200m

N

21/jul 97 - 20/jul 98

26/jun - 20/jul 9816/abr - 13/mai 9814/jan - 26/fev 98

11out - 9/dez 9721/jul - 27/ago 97

Mínimo Polígono Convexo

Média Harmônica

200m

Figura 4.3: Mapas da área de vida de Ffc estimada pelo método do Mínimo Polígono Convexo e

da Média Harmônica, densidades de 95%, 75%, 50%, 25%. Os centros de maior permanência

estão representados pelos pontos.

Page 76: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-10

50% 25%

95% 75%

Figura 4.4: Sobreposição das áreas de vida de Ffc estimadas pelo método de Média Harmônica.

As cores correspondem às temporadas, conforme a figura 4.3, e os pontos representam os

centros de maior permanência.

Tabela 4.2: sobreposição das áreas de vida das temporadas de Ffc

MH 95% MH 75% MH 50% MH 25%

julago97 x outdez97 60% 54% 56% 68%

julago97 x janfev98 29% 10% 1% 0%

julago97 x abrmai98 52% 58% 49% 55%

julago97 x junjul98 46% 47% 41% 26%

outdez97 x janfev98 49% 35% 1% 0%

outdez97 x abrmai98 79% 85% 86% 82%

outdez97 x junjul98 66% 72% 61% 41%

janfev98 x abrmai98 45% 35% 4% 0%

janfev98 x junjul98 40% 40% 13% 0%

abrmai98 x junjul98 83% 77% 63% 46%

Page 77: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-11

26/jun-20/jul 9816/abr-13/mai 98

14/jan-26/fev 9811/out-16/nov 9723/jul-27/ago 97

Figura 4.5: Área de vida de Ffc quando ativa (azul) e inativa (roxo). Os pontos cinzas indicam os

centros de atividade com todos os dados.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

julago97 outnov97 janfev98 abrmai98 junjul98

áre

a d

e v

ida (

ha)

ativa inativa

65

21

5276

48

31

29

53

41

34

Figura 4.6: Tamanho da área de vida (MH 75%) de Ffc ativa e inativa (os valores encima das

barras eqüivalem ao número de localizações de cada estimativa).

3.3 Padrão diário de atividade

De maneira geral, o padrão diário de atividade encontrado em todas as

temporadas foi bimodal, isto é, o animal foi encontrado maior número de vezes ativo no

período da manhã e no final da tarde (figura 4.7). Mesmo assim, é possível perceber que

Page 78: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-12

as curvas por temporada não mostraram padrões exatamente iguais. Algumas

temporadas apresentaram períodos de completa inatividade e picos de atividade bem

acentuados (julho-agosto de 97 e abril-maio de 98), outras apresentaram picos e vales

menos acentuados, seja porque o animal esteve, em geral, menos ativo (outubro-

novembro de 97) ou , pelo contrário, porque esteve, no geral, mais ativo (janeiro-

fevereiro de 98).

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

5:30 7:30 9:30 11:30 13:30 15:30 17:30 19:30

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

5:30 7:30 9:30 11:30 13:30 15:30 17:30 19:30

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

5:30 7:30 9:30 11:30 13:30 15:30 17:30 19:30

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

5:30 7:30 9:30 11:30 13:30 15:30 17:30 19:30

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

5:30 7:30 9:30 11:30 13:30 15:30 17:30 19:30

26/jun-20/jul 98

16/abr-13/mai 9814/jan-26/fev 98

11/out-16/nov 9723/jul-27/ago 97

Fre

qüência

rela

tiva

Hora

Figura 4.7: Freqüência relativa das localizações em que Ffc estava ativa

Nas temporadas de julho-agosto de 97 e outubro-dezembro de 97, tanto a

proporção entre localizações ativa/inativa, quanto os mapas de atividade e inatividade

parecem ter relação com as curvas de atividade diária. Esta foi a temporada em que o

animal foi mais fiel a um único sítio de descanso de diurno (figura 4.5) e, ao mesmo

tempo, os dois períodos de atividade estão bastante separados (figura 4.7). Outubro-

dezembro de 97 foi a temporada em que os tamanhos de área de vida do animal ativo e

inativo praticamente se igualaram (figura 4.6) e também foi o período em que a

Page 79: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-13

distribuição das localizações em que o animal estava ativo se apresentou de forma mais

difusa ao longo do dia (figura 4.7), indicando que o animal descansava por períodos

menores, mais vezes e em lugares diferentes. Nas outras temporadas, estas relações são

menos evidentes.

Por causa desta variação nas curvas de atividade, valores de freqüência relativa

média por temporada foram definidos, pois pareceram ser bons indicativos gerais do

padrão diário de atividade e tornaram os dados entre temporadas mais comparáveis

(figura 4.8). A partir desta transformação, pôde-se separar as temporadas em dois

blocos distintos: julho-agosto de 97, janeiro-fevereiro de 98 e junho-julho de 98 foram

temporadas em que o animal esteve ativo em mais da metade das localizações; já em

outubro-novembro de 97 e abril-maio de 98 o animal esteve ativo em somente um terço

ou menos das localizações.

0

2

4

6

8

JulAgo97 OutNov97 JanFev98 AbrMai98 JunJul98

áre

a d

e v

ida

(h

a)

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

fre

ên

cia

re

lativa

do

an

ima

l a

tivo

área de vida

atividade

Figura 4.8: Freqüência relativa do animal ativo e tamanho da área de vida de Ffc

Como pareceu haver uma relação entre a variação no tamanho da área de vida e

o padrão de atividade, (figura 4.8), foram feitas análises de correlação de Pearson e de

Spearman (Zahr, 1999). Os resultados da correlação paramétrica foram significativos

quando os pontos da última temporada foram eliminados (r= -0,96; p=0,04; n=4), mas

não o foram quando todas as temporadas foram utilizadas (r= -0,28; p=0,65; n=5). Na

correlação não-paramétrica, não houve correlação em nenhum dos dois casos (rs = -0,80;

Page 80: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-14

p=0,20; n=4 rs = -0,20; p=0,75; n=5,) Apesar da amostra ser pequena, este resultado pode

indicar, que exceto para o período de junho e julho (que corresponde ao início da

estação seca), as épocas em que o animal percorreu as maiores distâncias também foram

aquelas em que ele esteve menos ativo.

3.4 Precipitação e oferta de frutos no chão da mata

A área de estudo apresentou duas estações pluviométricas bem definidas nos

anos de 96, 97 e 98: uma estação seca que ia de abril/maio a setembro e uma chuvosa no

restante dos meses do ano, isto é, outubro a março/abril. Junho, julho e agosto foram

meses de seca praticamente absoluta. Maio e setembro foram meses de transição, em

que a quantidade de precipitação foi baixa. A estação chuvosa apresentou três picos,

um em outubro, um em janeiro e um em março (figura 4.9). A curva da oferta de frutos

no chão foi praticamente unimodal, com um grande pico no auge da estação chuvosa,

isto é, em janeiro. Mais de 50% deste pico de janeiro foi determinado pela queda de

frutos de árvores da espécie Tetragastris altissima (Burseraceae) (Baider, 2000) que,

segundo Smythe e col. (1982) são frutos utilizados por cotias e ocorriam na área de vida

de Ffc. Além disso, árvores de outras espécies cujos frutos e sementes também são

importantes na dieta de cotias , como por exemplo o inajá (Maximiliana maripa, Palmae),

também estavam com frutos caindo neste período.

0

50

100

150

200

250

300

Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai

pre

cip

itação (

mm

)

0

10

20

30

40

50

60

70

índic

e d

e fru

tos

no c

hão d

a m

ata

chuva

frutos-

chão

Figura 4.9: Curva de precipitação (barras) e disponibilidade de frutos (linhas) da Estação de

Pesquisas Pinkaiti, dados de abril de 1996 a agosto de 1998.

Page 81: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-15

3.5 Relação entre oferta de frutos, área de vida e o padrão diário de

atividade

As curvas de área de vida e de atividade foram comparadas com as curvas de

oferta de frutos no solo da mata (figura 4.10).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Jul-Ago Out-Nov Jan-Fev Abr-Mai Jun-Jul

índic

e d

e fru

tos n

o c

hão

da m

ata

0

1

2

3

4

5

6

7

8

áre

a d

e v

ida (

ha)

frutos no chão

área de vida

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Jul-Ago Out-Nov Jan-Fev Abr-Mai Jun-Jul

índic

e d

e fru

tos n

o c

hão

da m

ata

0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

freqüência

rela

tiva

do a

nim

al ativo

frutos no chão

atividade

B.

A.

Figura 4.10: Relação entre a oferta de frutos no chão da mata e o tamanho da área de vida (ha)

de Ffc (A) e o padrão diário de atividade (B).

Julho e agosto foram o auge da estação seca (figura 4.9) e também uma época em

que a baixa oferta de frutos no chão da mata já perdurava por um longo período (desde

março/abril). Em observações não sistemáticas, este foi o único período em que o

animal foi observado algumas vezes (sete, no total) roendo frutos velhos de tucum

(Astrocarium tucuma - Palmae) e sementes velhas de paxiúba (Socratea exorrhiza –

Palmae), o que indica que eram alimentos armazenados. É provável, portanto, que o

auge da estação seca tenha sido uma época em que o animal estava utilizando

Page 82: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-16

principalmente recursos armazenados. A atividade do animal foi alta (52% das

localizações) e os dois picos foram bem definidos (figura 4.7). Isto está provavelmente

relacionado com o fato dos dias serem muito quentes e secos, incentivando o animal a

se tornar mais ativo no início e no final do dia.

Outubro, novembro e dezembro foram meses de transição entre as estações seca

e chuvosa. Os dias já estavam mais frescos e índice de frutos no chão da mata começou

a se elevar. A atividade do animal diminuiu um pouco (34% das localizações) e se

espalhou ao longo do dia (figura 4.7). Os mapas de atividade e inatividade se

sobrepuseram quase completamente (figura 4.5) e o tamanho da área de vida aumentou

(figura 4.1). Observações não sistemáticas mostraram que o animal estava se

alimentando de frutos encontrados no chão da mata. Parece, então, ter havido uma

mudança de comportamento, tanto em termos de atividade, quanto de forrageamento.

Janeiro e fevereiro (principalmente janeiro) foram o auge da estação chuvosa e

também quando houve a maior taxa de queda de frutos. Foi o período em que o animal

esteve mais ativo (60% das localizações) e suas localizações ainda estavam bem

espalhadas ao longo do dia (figura 4.7). Também foi o único período em que o centro de

maior permanência esteve claramente deslocado dos demais (figura 4.4). A área de vida

sofreu uma leve diminuição em janeiro e uma diminuição brusca em fevereiro (figura

4.2), parecendo ocorrer uma resposta atrasada da área utilizada por Ffc ao aumento na

oferta de frutos no chão.

Abril e maio foram os meses de transição entre a estação chuvosa e a seca e o

índice de frutos no chão voltou a diminuir bastante. Foi o período em que o animal

esteve menos ativo (30% das localizações) e novamente dois picos de atividade se

definiram (figura 4.7). Foram observados dois eventos de alimentação de sementes

enterradas, indicando que o animal já começava a utilizar recursos armazenados. O

comportamento da curva de área de vida não foi muito estável dentro da temporada,

sendo que em abril o animal ocupou uma área relativamente grande e em maio o

tamanho da área ocupada diminuiu bastante (figura 4.2).

Junho e julho foram novamente meses de seca e a oferta de frutos voltou a

Page 83: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-17

diminuir. O animal passou a ficar mais tempo ativo (55% das localizações). No entanto,

a distribuição da atividade ao longo do dia foi um pouco diferente das demais

temporadas. A moda no período da manhã se apresentou mais tardia do que o usual. O

tamanho da área de vida foi o maior de todo o período de observação e permaneceu

estável entre os dois meses. O animal pode ter ido mais longe por causa da dificuldade

de encontrar alimento, assim como em julho e agosto de 97. No entanto, outro fator

pode ter influenciado no aumento da área de vida. Neste período, Ffc foi observada

quatro vezes próxima de outro indivíduo e alguns censos feitos no local registraram

maior número de pares na mata. Portanto, o início da estação seca pode ter coincidido

com uma época de acasalamento de Ffc, aumentando, portanto, a distância que ela

percorreu diariamente.

Resultados dos testes de correlação de Spearman não foram significativos nem

quando o índice foi relacionado com os valores de área de vida, nem quando foi

relacionado com os padrões diários de atividade (rs Frutos no chão da mata X Área Vida =-0,60;

p=0,28; n=5) (rs Frutos na chão da mata X Atividade =0,60; p=0,28; n=5).

4. Discussão

O tamanho da área de vida de uma fêmea adulta de Dasyprocta aguti ao longo de

um período de 12 meses foi estimado em 7 ha (MH 75%) ou 9 ha (MPC). Outros autores

já estimaram o tamanho da área de vida de outras espécies de Dasyprocta com diferentes

metodologias. A estimativa de Smythe (1978), na Ilha de Barro Colorado (Panamá) foi

de 1 a 2 ha (captura e recaptura), Cant (1977) estimou o tamanho da área de vida dos

indivíduos do Bosque Tikal (uma mata com forte sazonalidade, na Guatemala) em 10 ha

(censo por transecção) e Rodríguez & Vaughan (1985) estimaram o tamanho da área de

vida de um indivíduo, no Refúgio de Fauna Silvestre Dr. Rafael Lucas Rodríguez

Caballero (uma região de floresta tropical seca, na Costa Rica) em 4 ha (rádio-telemetria

e período de acompanhamento de 2 meses). Como as metodologias são diferentes, não é

possível determinar se as variações encontradas são resultado de diferenças ecológicas

ou metodológicas, por isso estes dados não são comparáveis. O único estudo

Page 84: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-18

comparável a este seria o de Rodríguez & Vaughan (1985), que em um mesmo período

de amostragem encontrou valores próximos aos que foram encontrados neste estudo.

Mesmo assim, pode-se afirmar que os resultados deste estudo são os mais fiéis

quanto à estimativa da área de vida tanto por causa da metodologia utilizada (rádio-

telemetria) quanto do tempo de amostragem (um ano), com a única ressalva de que

somente um indivíduo pôde ser acompanhado ao longo de um ciclo anual completo.

No entanto, o presente estudo e os anteriores demonstraram a dificuldade de capturar e

acompanhar este tipo de animal, reforçando a importância de informações como estas.

O animal focal ocupou uma área bastante estável ao longo do ano de estudo,

resultado que condiz com as características fisiológicas da espécie. Smythe (1978) já

havia constatado isto anteriormente e neste próprio estudo isto pôde ser corroborado

pela observação de três outros indivíduos, que serão tratados no próximo capítulo.

Os padrões diários de atividade também foram semelhantes aos encontrados por

Smythe (1978) para Dasyprocta punctata e por Dubost (1988) para Myoprocta exilis. Mas

novamente, as comparações devem ser feitas com ressalvas pois as metodologias

utilizadas foram diferentes.

Quanto à relação entre a variação no tamanho da área de vida e no padrão de

atividade ao longo do ano, Smythe e col. (1982) afirmaram ter observado que cotias na

Ilha de Barro Colorado andavam menos e descansavam mais em épocas de abundância

de frutos no chão da mata, ocorrendo o inverso quando havia pouco fruto no chão.

Estes resultados são parcialmente contrários ao que foi encontrado no presente estudo e

isto pode ter ocorrido por causa de diferenças de comportamento entre a duas

populações decorrentes diferenças ambientais ou porque um dos dois estudos não

apresentou dados que representem o padrão geral da população. Apesar do presente

trabalho ser vulnerável a generalizações, pois os dados se referem ao acompanhamento

de um único indivíduo, os resultados de Smythe e col. (1982) derivam de uma

compilação de informações, em sua maioria não-sistemáticas, portanto, estudos futuros

deverão ser feitos para melhorar a discussão.

Finalmente, alguns autores afirmam que a variação sazonal na oferta de frutos no

Page 85: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

4-19

chão da mata influencia no comportamento, na atividade, no tamanho da área de vida

(Smythe et al., 1982) e em épocas de reprodução (Henry, 1994) das cotias. Ao mesmo

tempo, sabe-se que estes animais utilizam muito das sementes armazenadas na época

de escassez. Henry (1999) observou que na Guiana Francesa 64% da dieta de cotias

compreende polpas de frutos na época de muita oferta e que quando a oferta diminui

73% da dieta passa a ser de sementes. Os resultados do presente estudo demonstraram

que as curvas de variação do tamanho da área de vida e do padrão diário de atividade

se relacionaram parcialmente com a variação na oferta de frutos no chão da mata,

corroborando as afirmações colocadas anteriormente e evidenciando que o

comportamento de armazenagem dispersa deve ter um papel muito importante na

sobrevivência destes animais.

5. Conclusões

Pelo presente estudo, a área de vida de uma fêmea adulta, acompanhada em

uma floresta na Amazônia oriental durante um ano, foi estimada em 7 hectares pela

Média Harmônica 75% e 9 hectares pelo Mínimo Polígono Convexo, além de ter se

mostrado estável durante o período de acompanhamento. No entanto, as localizações

não se distribuíram homogeneamente e locais de maior utilização foram determinados.

Padrões diários de atividade apresentaram distribuição bimodal. Tanto a área de vida

quanto atividade diária variaram ao longo do ano e estas variações se relacionaram

somente parcialmente com a oferta de frutos no chão da mata.

6. Referências Bibliográficas

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Baider, C., 2000. Demografia e ecologia de dispersão de frutos de Bertholletia excelsa Humb. &

Bonpl. (Lecythidaceae em castanhais silvestres da Amazônia Oriental. Tese de Doutorado

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Damuth, J., 1981. Home range, home range overlap and species energy use among herbivorous

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Page 88: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-1

CCaappííttuulloo 55::

ÁÁRREEAA DDEE VVIIDDAA EE DDEENNSSIIDDAADDEE PPOOPPUULLAACCIIOONNAALL DDEE CCOOTTIIAASS

((DDaassyypprrooccttaa aagguuttii,, RROODDEENNTTIIAA)):: CCOOMMPPAARRAAÇÇÃÃOO EENNTTRREE DDUUAASS ÁÁRREEAASS CCOOMM

DDIIFFEERREENNTTEESS DDEENNSSIIDDAADDEESS DDEE CCAASSTTAANNHHEEIIRRAASS ((BBeerrtthhoolleettttiiaa eexxcceellssaa,,

LLEECCYYTTHHIIDDAACCEEAAEE)) EEMM UUMMAA MMAATTAA DDAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA OORRIIEENNTTAALL

1. Introdução

Algumas florestas neotropicais possuem estações bem demarcadas quanto a

quantidade de chuva. A forte sazonalidade destas áreas influencia a produção de frutos

(Fleming, 1979; Foster, 1982) e esta, por sua vez, parece influenciar na demografia das

populações de frugívoros (Smythe, 1982; Terborgh, 1986; Van Shaik et al., 1993).

Cotias (Dasyprocta spp.) são mamíferos terrestres essencialmente

frugívoros/granívoros (Henry, 1999), portanto dependem da oferta de frutos e

sementes no chão da mata para sobreviver. Mesmo assim, possuem um mecanismo de

armazenagem de alimentos para suprir as suas necessidades energéticas em épocas de

escassez (Smythe et al., 1982).

Este comportamento é denominado “armazenagem dispersa” (“scatterhoarding”

– Morris, 1962) e consiste no enterramento de sementes de forma dispersa, para

posterior utilização. Diversos autores têm evidenciado a sua importância para o

recrutamento de espécies arbóreas, produtoras de sementes de grande porte (tabela 1.1).

A importância do mecanismo de armazenagem dispersa se deve ao fato de que as

sementes destas espécies são grandes e nutritivas e consequentemente, sofrem altas

taxas de predação quando permanecem expostas no chão da floresta.

Castanheiras (Bertholettia excelsa, Lecythidaceae), em particular, produzem frutos

grandes (11-15 cm de diâmetro), globosos e lenhosos, denominados pixídios (ou

popularmente chamados de ouriços). Cada pixídio possui por volta de 17 sementes de

grande porte (21 x 47 mm de tamanho – Peres & Baider, 1997) e muito nutritivas (17-

25% de proteínas e 70-72% de lipídios – Pesce, 1985). São frutos funcionalmente

Page 89: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-2

indeiscentes pois quando o fruto cai no chão, apenas um pequeno opérculo se abre,

sendo insuficiente para a liberação das sementes (Mori & Prance, 1990). As sementes só

são liberadas se o fruto for aberto por algum animal. Esta ação é feita principalmente

por cotias e, ocasionalmente, por macacos-prego (Cebus apella, Primates) e outros

roedores menores, como Proechimys (Echimyidae) e Sciurus (Sciuridae) (Baider, 2000).

Peres & Baider (1997) afirmaram que o mecanismo de armazenagem dispersa,

juntamente com outros fatores como características edáficas da região, determina o

padrão de distribuição das castanheiras, já que estas árvores se agrupam em agregados

naturais de alta densidade de indivíduos adultos, sugerindo uma dependência em

dispersão feita por agentes que se locomovem a pequenas distâncias, pois têm área de

vida pequena e estável ao longo do tempo, como é o caso das cotias (Smythe, 1978).

Em relação à influência da produção de frutos sobre a demografia das

populações de cotias, Smythe e col. (1982) afirmam que a população de cotias na Ilha de

Barro Colorado é sensível às variações temporais na oferta de frutos, mesmo possuindo

o mecanismo de reserva de suprimentos para épocas de escassez. Adler (1998) também

observou esta dependência em populações de Proechimys semispinosus, de ilhas no Canal

do Panamá. Proechimys é também um roedor caviomorfo e apresenta o mesmo

mecanismo de armazenagem dispersa de alimentos (Forget, 1991), com a diferença que

as sementes não são enterradas, mas escondidas debaixo de folhas e raízes ou dentro de

troncos caídos.

No entanto, não se sabe se populações de cotias são sensíveis a variações na

quantidade de um único recurso alimentar. Visto que castanheiras e cotias possuem

uma relação de mutualismo muito estreita, podendo até ser considerada de

dependência no que diz respeito à espécie arbórea (Huber, 1910; Peres et al., 1997; Peres

& Baider, 1997), o objetivo do presente trabalho foi determinar se a relação inversa

também é verdadeira, isto é, se há relação entre a distribuição espacial dos frutos

produzidos por castanheiras dentro de um castanhal e a ocupação do espaço das cotias

do mesmo castanhal. Além disso, também comparou-se as populações de cotias de

dentro e de fora de um castanhal, quanto à densidade demográfica, ao tamanho da área

de vida e à sobreposição das áreas, para determinar se a presença de grandes

Page 90: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-3

quantidades de castanha-do-Pará no chão da mata influencia a demografia de cotias da

região.

2. Material e Métodos

A descrição sobre a área de estudo pode ser encontrada no capítulo 1 da presente

dissertação.

2.1 Captura e monitoramento

Os animais foram capturados e acompanhados em dois locais distintos: um

castanhal, que possui densidade de 1,7 castanheiras com DAP > 60 cm por hectare

(daqui para frente denominado “castanhal”) e uma área com densidade de castanheiras

próxima de zero (“área fora do castanhal”) (Baider, 2000). A distância entre os dois

locais é de aproximadamente 2 km. No castanhal foi aberto um sistema de trilhas em

grade, com espaçamento de 100 m entre si, totalizando 60 ha. O sistema de trilhas da

área fora do castanhal totalizou 10 ha, com espaçamento de 50 m entre as trilhas.

As formas de captura, marcações e monitoramentos estão descritas no capítulo 3

da presente dissertação, com a diferença que as capturas dos indivíduos do castanhal

foram feitas com o auxílio de cães de caça (resultado apresentado e discutido no

capítulo 2).

2.2 Área de vida

Novamente a metodologia utilizada para estimar os tamanhos das áreas de vida,

para desenhar os mapas, para calcular erros de triangulação e para as análises

estatísticas seguem aquelas descritas no capítulo 3.

2.3 Densidade Populacional

A densidade foi estimada para as populações de cotias do castanhal e da área

fora do castanhal por meio do método de censo por transecção em varredura, uma

variação do censo por transecção (Emmons, 1984; Peres, 1999). Esta variação pressupõe

Page 91: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-4

que vários participantes façam o censo ao mesmo tempo em trilhas paralelas e próximas

entre si e é recomendada para refinar a amostragem na área de interesse (C. Peres, com.

pess.).

A velocidade média de caminhada em todos os censos foi de 600 m/h e estes

sempre foram feitos entre 6h30min 8h (um dos períodos de maior atividade dos animais

– Smythe, 1978). A cada registro (auditivo ou visual) de uma cotia, eram anotados: (1) a

hora; (2) a posição do observador na trilha; (3) o número de indivíduos detectados; e (4)

a distância perpendicular do animal (ou animais) em relação à trilha. No castanhal, as

trilhas percorridas tinham 600 m de extensão e o número de participantes em cada

censo variou de quatro a sete. Na área fora do castanhal a extensão das trilhas era de

700 m e os censos envolveram três participantes. Em ambos os locais, o espaçamento

entre as trilhas era de 100 m.

Os censos foram realizados em julho e agosto de 1997, fevereiro de 1998, maio de

1998, julho de 1998 e fevereiro de 1999. A análise dos dados foi feita com o auxílio do

Programa DISTANCE 3.5 (Thomas et al., 1994). Para determinar a função de detecção

que melhor se ajustou a cada grupo de dados, o índice AIC (“Akaike Information

Criterium” – Buckland et al., 1993) foi utilizado. Este índice considera a função que

melhor se ajusta aos dados (pelo teste de X2) e utilizando o menor número de

parâmetros. Este procedimento é denominado princípio da parcimônia ou da economia

de passos, sendo que o menor valor de AIC determina a melhor função. Valores de AIC

só são comparáveis entre análises em que os dados foram agrupados e selecionados da

mesma forma.

3. Resultados

Quatro indivíduos adultos foram acompanhados (tabela 5.1). Duas fêmeas (Fc1 e

Fc2) e um macho (Mc) foram capturados dentro do castanhal e foram acompanhados

durante três meses, separados em duas temporadas de campo, (figura 5.1). Uma fêmea

(Ffc) foi capturada fora do castanhal e acompanhada durante um ano, separado em

cinco temporadas de campo que variaram de um a dois meses. Os indivíduos do

Page 92: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-5

castanhal não foram acompanhados por mais tempo porque foram predados entre

fevereiro e abril de 1998. Discussões sobre predação de cotias com rádio-colar foram

apresentadas no capítulo 2. Análises sobre a variação temporal na área de vida e

atividade de Ffc foram feitas no capítulo anterior (capítulo 4).

Tabela 5.1: Indivíduos acompanhados durante o estudo

IndivíduoLocal de

capturasexo Peso (g)

Data da

primeira

localiz.

Data da

última

localiz.

Total de

localiz.

Total de

dias

F fc fora-castanhal fêmea 3460 21/07/97 20/07/98 366 91

F c 1 castanhal fêmea 3050 20/11/97 25/02/98 109 32

F c 2 castanhal fêmea 3950 20/11/97 25/02/98 117 34

M c castanhal macho 2950 20/11/97 25/02/98 114 34

0

2

4

6

8

10

Nov/97 Dez/97 Jan/98 Fev/98 Mar/98

0

2

4

6

8

10

Nov/97 Dez/97 Jan/98 Fev/98 Mar/98

0

2

4

6

8

10

Nov/97 Dez/97 Jan/98 Fev/98 Mar/98

0

2

4

6

8

10

Jul/97 Ago/97 Set/97 Out/97 Nov/97 Dez/97 Jan/98 Fev/98 Mar/98 Abr/98 Mai/98 Jun/98 Jul/98 Ago/98

Ffc

Mc

de

loca

liza

ções

Figura 5.1: Esforço diário de coleta de dados. As linhas tracejadas verticais separam as

temporadas de campo.

Page 93: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-6

3.1 Áreas de vida dos indivíduos do castanhal

No período de novembro de 1997 a fevereiro de 1998, os indivíduos do castanhal

apresentaram áreas de vida de tamanhos semelhantes, tanto pelo método da Média

Harmônica (75%) quanto pelo Mínimo Polígono Convexo (tabela 5.2), com leve

sobreposição entre as áreas de Fc2 e Mc (figura 5.2).

Tabela 5.2: Tamanho da área de vida (ha) ± desvio padrão, dos indivíduos acompanhados no

castanhal

Período Indiv. n MH 75% t2/r

2obs t

2/r

2crít MPC

Fc1 109 2.7 ± 0.21 0.81 1.72 4.1 ± 0.23

20/nov 97 - 25/fev 98 Fc2 117 2.3 ± 0.22 0.90 1.70 3.5 ± 0.19

Mc 114 2.6 ± 0.25 0.75 1.75 4.0 ± 0.15

Fc1 35 1.1 ± 0.28 0.72 1.47 1.4 ± 0.11

20/nov - 7/dez 97 Fc2 32 2.1 ± 0.19 1.51 1.54 2.3 ± 0.15

Mc 38 1.6 ± 0.16 1.59 1.59 2.1 ± 0.12

Fc1 39 1.4 ± 0.23 0.75 1.55 2.6 ± 0.20

12/jan - 8/fev 98 Fc2 41 2.3 ± 0.25 1.44 1.58 2.5 ± 0.19

Mc 37 1.2 ± 0.23 0.87 1.48 1.8 ± 0.18

Fc1 38 2.0 ± 0.23 1.40 1.55 1.9 ± 0.12

12/fev - 25/fev 98 Fc2 41 2.3 ± 0.26 0.85 1.50 3.4 ± 0.22

Mc 39 0.3 ± 0.08 1.35 1.50 0.7 ± 0.07

Em análise mensal, os tamanhos das áreas de vida variaram muito (tabela 5.3).

As médias de cada mês calculadas a partir dos resultados dos três indivíduos foram

próximas, no entanto, no mês de fevereiro, o desvio padrão foi elevado por causa da

grande diminuição na área de vida de Mc. Quanto às variações por indivíduo, ao longo

do tempo, as duas fêmeas apresentaram valores mais próximos entre si e Mc apresentou

valores inferiores aos das duas, o que indica que fêmeas tendem a ter uma área de vida

maior do que machos. No entanto, o número reduzido de indivíduos observados torna

necessário que outros animais sejam acompanhados para confirmar esta afirmação.

Page 94: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-7

200mN

Mínimo Polígono Convexo Média Harmônica

Figura 5.2: Área de vida dos indivíduos do castanhal (Fc1 = linha azul; Fc2 = linha vermelha; Mc

= linha cinza), calculada pelo Mínimo Polígono Convexo e pela Média Harmônica, curvas de

densidade de 95%, 75%, 50%, 25%. Os centros de maior permanência estão representados pelos

pontos.

Tabela 5.3: Área de vida (ha) das três cotias do castanhal

Fc1 Fc2 Mc X ± DP Ffc

Nov-Dez 97 2.1 1.1 1.6 1.6 ± 0.5 4.0

Janeiro 98 1.4 2.3 1.2 1.6 ± 0.6 3.1

Fevereiro 98 2.0 2.3 0.3 1.5 ± 1.1 0.9

X ± DP 1.8 ± 0.4 1.9 ± 0.7 1.0 ± 0.7 1.6 ± 0.7 1.5 ± 0.8

As tendências de variação não apresentaram nenhum tipo de padrão, visto que o

tamanho da área de vida de Fc1 apresentou o seu menor valor em janeiro de 98, o de Fc2

foi em novembro-dezembro de 97 e o de Mc sofreu uma contínua queda, apresentando

seu menor valor em fevereiro de 98 (figura 5.3). Além disso, todas as áreas de vida

sofreram algum tipo de deslocamento ao longo do tempo, e neste caso, as áreas de Fc2 e

Page 95: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-8

Mc deixaram de se sobrepor (figura 5.4). Estes resultados devem ser analisados com

cautela pois os tamanhos amostrais são inferiores a 50 (vide capítulo 3).

0

1

2

3

Fc1 Fc2 Mc

áre

a d

e v

ida

(h

a)

Nov-Dez 97 Janeiro 98 Fevereiro 98

Figura 5.3: Variação temporal do tamanho da área de vida dos indivíduos do castanhal

Novembro-Dezembro 97 Fevereiro 98Janeiro 98

200mN

Figura 5.4: Mapas das áreas de vida dos indivíduos do castanhal, separados por mês. As cores

correspondem às mesmas da figura 5.2.

As cotias do castanhal incluíram em suas área de vida mais de uma castanheira

adulta (com DAP>60cm) (figura 5.5). Além disso, os centros de maior permanência não

coincidiram com a distribuição de nenhuma castanheira adulta e as localizações do

animais ativos e inativos são próximas umas das outras. Fc1 e Mc, animais que viviam

mais na borda do castanhal, apresentaram algumas localizações mais agrupadas. Nos

dois casos estas localizações se localizavam em locais de sub-bosque mais denso, como

Page 96: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-9

tabocais ou clareiras formadas a partir de árvores caídas (obs. pess.). As castanheiras

próximas das localizações agrupadas de Mc não produziram muitos frutos na safra de

97/98. Já Fc2 possui localizações menos agrupadas, mas que também estão associadas

com locais de sub-bosque denso.

castanheirasloc. indefinidasativainativa

Fc1

Fc2

Mc

Fc1

Fc2

200mN

200m 200m

200m

Figura 5.5: Áreas de vida e localizações dos indivíduos do castanhal e das castanheiras com

DAP ≥ 60 cm

3.2 Comparação entre o tamanho da área de vida dos indivíduos do castanhal

e o da fêmea de fora do castanhal (Ffc)

Comparando-se o mesmo período entre os quatro indivíduos (Novembro 97 a

Fevereiro de 98) parece claro que há uma diferença entre o tamanho da área de vida dos

Page 97: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-10

indivíduos do castanhal e de Ffc (figura 5.6 e tabela 5.4). No entanto, se os conjuntos de

dados forem separados em meses, par formar três períodos semelhantes de

amostragem, a média do tamanho da área de vida de dos três períodos de Ffc não foi

significativamente diferente do restante (Teste de Kruska-Wallis - H(3, n=12)=2,79,

p=0,42). Isto ocorreu porque apesar da área de vida de Ffc ter sido maior em

novembro/dezembro de 97 e janeiro de 98, diminuiu muito em fevereiro de 98,

chegando a um valor próximo ao de Mc, o que fez com que, na média, as diferenças

deixassem de ser evidentes (figura 5.7).

Ffc

McFc2

Fc1

200m

Figura 5.6: Áreas de vida dos quatro indivíduos acompanhados neste estudo (MH, 95%, 75%,

50%, 25% e centros de atividade)

Page 98: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-11

Tabela 5.4: Tamanho da área de vida (ha) ± desvio padrão dos quatro indivíduos

acompanhados neste estudo, no período de Novembro de 97 a Fevereiro de 98.

Indiv. n MH 75% t2

/r2

obs t2

/r2

crít MPC

F c 1 109 2.7 ± 0.21 0.81 1.72 4.1 ± 0.23

F c 2 117 2.3 ± 0.22 0.90 1.70 3.5 ± 0.19

M c 114 2.6 ± 0.25 0.75 1.75 4.0 ± 0.15

F f c 102 5.8 ± 0.51 1.09 1.74 6.4 ± 0.34

0

1

2

3

4

5

Nov-Dez 97 Janeiro 98 Fevereiro 98

áre

a d

e v

ida (

ha)

Ffc Fc1Fc2 Mc

Figura 5.7: Variação mensal do tamanho da área de vida dos quatro indivíduos acompanhados

na Base de Pesquisas Pinkaiti, de novembro de 1997 a fevereiro de 1998.

3.3 Densidade de Dasyprocta aguti dentro e fora do castanhal

A densidade total de cotias encontrada na Estação de Pesquisas Pinkaiti foi de

37 ind/km2 (tabela 5.5). Além disso, os dados foram separados em três blocos,

dependendo do local e da época do ano (castanhal – seca; castanhal – chuva; fora do

castanhal – seca). O esforço amostral foi parecido nos três blocos de coleta de dados e o

teste do X2 mostrou que as distribuições propostas pelo programa se adequaram bem

aos dados coletados (tabela 5.5).

Foram encontradas diferenças de densidade tanto sazonais como espaciais. A

densidade encontrada no castanhal na estação seca foi duas vezes maior do que na

chuvosa (figura 5.8a) e o mesmo aconteceu quando os dois locais foram comparados (a

Page 99: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-12

densidade de cotias dentro do castanhal também foi duas vezes maior do que fora -

figura 5.8b).

Tabela 5.5: Densidade de D. aguti na estação de Pesquisas Pinkaiti

local épocaDensidade

(ind/km2)

Intervalo de

Confiança

(95%)

nº ind.

detectados

Distância

percorrida

(km)

Distância

Perpendicular

Efetiva (m)X

2 g.l.

cast + f-cast todas as épocas 36.7 27.9 - 48.2 118 116.73 23.9 0.961 3

castanhal todas as épocas 40.2 30.2 - 53.6 83 49.25 23.5 0.996 3

castanhal seca 97/98 57.5 41.9 - 78.9 65 23.35 24.2 0.936 3

castanhal chuvas 98/99 26.6 16.1 - 44.1 28 25.90 20.3 0.982 3

fora-castanhal seca 98 22.9 15.2 - 34.4 25 18.23 30.0 0.984 6

a - Comparação entre estações do ano, no castanhal

0

20

40

60

80

seca 97/98 chuvas 98/99 todas as temp

b - Comparação entre o castanhal e a área fora do castanhal,

na seca

0

20

40

60

80

castanhal fora-castanhal cast + fora-cast

Figura 5.8: Média (± desvio padrão) da densidade de D. aguti nas diferentes estações do ano

(dentro do castanhal) e nas áreas dentro e fora do castanhal, na estação seca.

Valores de área de vida, calculados com os dados de rádio-telemetria foram

utilizados para calcular a densidade de cotias dentro e fora do castanhal e comparar

estes resultados com as estimativas feitas pelos censos. Como nenhuma sobreposição foi

encontrada entre indivíduos vizinhos do castanhal (Fc1 e Mc), não foi possível incluir

este parâmetro nas estimativas, mesmo sabendo que isto pode estar errado. O valor

estimado para o castanhal, na estação chuvosa, foi superior àquele estimado pelo censo

(tabela 5.6). Já para a área fora do castanhal, na seca, as estimativas foram semelhantes

(um censo foi realizado na estação chuvosa, onde foram percorridos 11,30km e só foram

detectados cinco indivíduos, por isso não foi possível incluí-lo na análise).

Page 100: Jorge 2000 Tese Mestrado cutias Amazonia.pdf

5-13

Tabela 5.6: Densidade de cotias da Estação de Pesquisas Pinkaiti, estimado a partir de censos

por transecção e dados de rádio-telemetria.

local época

Densidade

estimada pelo

censo

Densidade

estimada por

rádio-telemetria

castanhal seca 97/98 57.5

castanhal chuvas 98/99 26.6 43.2

castanhal todas as épocas 41.9

não-castanhal seca 98 22.9 19.2

cast + f-cast todas as épocas 35.4

4. Discussão

4.1 Tamanhos de área de vida dos indivíduos do castanhal

De forma geral, os três indivíduos acompanhados dentro do castanhal

apresentaram áreas de vida de tamanho semelhante e com pouca sobreposição. Como

no castanhal a densidade de castanheiras é muito alta, as áreas de vida das cotias não

pareceram ser determinadas pela distribuição das castanheiras em fase reprodutiva e

muito menos por aquelas que produzem mais frutos. Os animais pareceram escolher

locais onde o sub-bosque era mais denso e carregar os frutos e sementes para estes

locais (obs. pess.). Experimentos de remoção de ouriços (Baider, 2000) confirmaram esta

hipótese. Estes locais ainda foram utilizados como sítios de descanso diurno. Este

padrão de ocupação do espaço, onde os sítios de descanso diurno coincidem com os

sítios do animal ativo também foram encontrados para Ffc (capítulo 3).

A ausência de padrões temporais mensais semelhantes entre os três indivíduos

do castanhal pode indicar que análises mensais não são suficientes para mostrar uma

tendência, isto é, que o período de um mês é insuficiente pois o tamanho amostral é

pequeno. De fato, nas análises feita no capítulo 2 foi possível demonstrar que tamanhos

amostrais inferiores a 50 localizações são pouco estáveis na estimativa da área de vida.

Além disso, no capítulo 3 esta hipótese se confirmou, pois foi possível observar que nos

períodos dentro das temporadas, que possuíam tamanhos amostrais menores do que

50, houve maior variação entre os valores. Portanto estas variações devem ser

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5-14

observadas com cautela. Mesmo assim, é possível que a ausência de padrão indique que

variações ambientais gerais, como a oferta de alimentos, não foram suficientemente

importantes a ponto de influenciar da mesma forma na variação dos tamanhos das

áreas de vida das três cotias e que fatores intrínsecos a cada indivíduo devem ter sido

mais relevantes.

4.2 Densidade de cotias, tamanho de área de vida e sua relação com oferta

diferencial de castanhas

A estimativa de densidade de D. aguti na Estação de Pesquisas Pinkaiti

(37ind/km2) é superior a estimativas feitas em outros locais (Tikal, Guatemala: 8

ind/km2, Cant, 1977; Cocha Cashu, Peru: 5 ind/km2, Janson & Emmons, 1990). Só não é

superior a estimativa feita na Ilha de Barro Colorado (84 ind/km2 – Wright et al., 1994).

O valor encontrado neste estudo se aproxima do encontrado por Peres et al. (1997) (44

ind/Km2), para o mesmo local. Portanto, pode-se dizer que a Estação de Pesquisas

Pinkaiti possui uma alta densidade de cotias.

Para determinar se as diferenças de densidade entre épocas do ano e locais

ocorreram por causa de problemas metodológicos ou se são realmente evidências de

variações demográficas, foi necessário analisar os resultados com base na teoria de

censo por transecção. São cinco os pressupostos básicos desta metodologia (Buckland et

al., 1993): (1) todos os animais na linha de transecção devem ser detectados; (2) os

animais são detectados em sua localização inicial; (3) os animais se movem mais

devagar do que o observador; (4) distâncias perpendiculares são estimadas com

exatidão; e (5) detecções são eventos independentes.

É difícil determinar se as estimativas de distância perpendicular foram exatas.

Contudo, se houve um desvio, ele ocorreu em todas as épocas e locais de forma

semelhante (pois sempre foram utilizados os mesmos observadores), em vista do que o

erro deve ter influenciado todas análises da mesma maneira. Por conseguinte, os

resultados levam a crer que a densidade de indivíduos de cotia no castanhal é maior na

estação seca do que na chuvosa e que o castanhal comporta mais indivíduos por área do

que a área fora do castanhal.

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5-15

No entanto outros pressupostos podem estar sendo violados. O grau de detecção

dos animais pareceu diferente nas duas estações do ano. Na estação chuvosa o solo

estava mais úmido e a serrapilheira mais fina, portanto se fazia menos ruído para

caminhar e tanto o observador quanto os animais estavam menos perceptíveis.

Detecções de cotias são principalmente auditivas, isto é, o animal é percebido quando

emite vocalizações de alarme e corre, após já ter detectado o observador e se sentir

ameaçado (Smythe, 1978). É possível que o comportamento de fuga seja diferente nas

duas estações, isto é, cotias emitem mais vocalizações na estação seca e fogem mais

silenciosamente na estação chuvosa, pelo fato de haver maior propagação de ruídos na

primeira e os animais estarem sob maior estresse (tanto por causa do barulho quanto

pela dificuldade de encontrar alimento). Mesmo assim, esta diferença no

comportamento só pode ter influenciado na estimativa de densidade se, por causa disto,

os pressupostos (1) e (2) foram violados na época chuvosa, ou seja, nem todos os

animais que estavam na linha de transecção foram detectados e alguns foram

detectados depois que se moveram.

Apesar de muitas suposições serem levadas em consideração para que esta

hipótese esteja correta, esta ainda parece ser mais plausível do que supor que há mais

cotias na estação seca do que na chuvosa, pois segundo as análises do capítulo 2, a taxa

de predação parece aumentar na transição entre a estação chuvosa e a seca, portanto, o

esperado seria que a densidade fosse menor na seca. Além disso, Adler (1998) com

Proechimys, quanto Smythe et al. (1982) com cotias, também afirmam que a densidade

destes roedores diminui nos períodos de seca, quando há menor oferta de alimento.

A partir destas evidências, é possível afirmar que as diferenças de densidades

encontradas entre estações do ano no castanhal foram causadas por problemas de

detecção dos animais e estes resultados permitem dizer que censos de cotia feitos em

diferentes épocas do ano devem ser analisados com cuidado.

Já em relação às diferenças de densidade dentro e fora do castanhal, outro tipo de

análise deve ser feito. Como os censos foram realizados nas mesmas épocas, o raciocínio

desenvolvido nos parágrafos anteriores não pode ser levado em consideração. De fato,

se o mesmo raciocínio fosse considerado, os animais sob maior estresse alimentar

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5-16

deveriam ser os de fora do castanhal, pois este é o local onde, por não haver

castanheiras nem outras espécies arbóreas muito procuradas por cotias, em altas

densidades, há menos oferta de alimento, e por conseguinte, o grau de detecção neste

local aumentaria e os valores de densidade deveriam estar superestimados. Os

resultados deste trabalho mostraram exatamente o contrário, que a densidade

populacional de cotias dentro do castanhal foi duas vezes maior do que fora, reforçando

a hipótese de que eles refletem variações ecológicas mais do que variações

metodológicas.

Peres et al. (1997) não encontraram os mesmos resultados, trabalhando na mesma

área de estudo. Estes autores mostraram que a densidade de cotias não variou entre

dois locais com diferentes densidades de B. excelsa (170 ind/km2 e 0,2 ind/km2, com

DAP ≥ 50cm). No entanto, acredita-se que a estimativa feita no presente estudo foi mais

acurada, pois foi utilizado o método do censo por transecção em varredura, que tem

como objetivo refinar a amostragem em determinado tipo de ambiente (C. Peres, com.

pess.), ao contrário do método do censo por transecção, utilizado no estudo de Peres et

al. (1997), que pretende amostrar um maior número de ambientes de determinada área

(Peres, 2000). Resultados obtidos por Adler (1998) com Proechimys, e Smythe et al. (1982)

com cotias também reforçam a hipótese de que a diferença de densidade entre as

populações de dentro de fora do castanhal são resultado da diferença na oferta de

alimentos, pois os dois trabalhos encontraram a mesma relação de densidade e oferta de

alimentos no ambiente.

5. Conclusões

Pelo presente estudo, foi possível constatar que (i) machos e fêmeas de cotia

apresentaram tamanhos de área de vida semelhante, (ii) houve pouca sobreposição

entre áreas de vida e (iii) a área de vida da fêmea de fora do castanhal foi duas vezes

maior do que as áreas dos indivíduos de dentro do castanhal, no mesmo período de

amostragem. Além disso, censos realizados dentro e fora do castanhal determinaram

que a densidade de cotias é maior dentro do castanhal e que esta variação reflete mais

uma variação no tamanho da área de vida e do que um aumento na sobreposição entre

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5-17

indivíduos vizinhos. Por fim, a partir dos resultados encontrados neste trabalho, é

possível afirmar que castanhais parecem sustentar populações de cotias maiores do que

locais onde não há castanheiras, provavelmente por causa da grande quantidade de

ouriços disponíveis para estes animais ao longo do ano.

6. Referências Bibliográficas

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6-1

CCaappííttuulloo 66::

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

Uma das maiores dificuldades encontradas neste trabalho, assim como em vários

outros envolvendo o estudo de mamíferos de médio e grande porte, foi a captura dos

animais. Tornou-se evidente, a partir das discussões apresentadas no capítulo 2, que a

melhor forma para capturar cotias foi a caça com cães, metodologia cuja utilização

ainda não foi registrada em literatura para estes animais .

Além da dificuldade de captura, grande parte (~60 %) dos indivíduos morreu.

Por um lado, isto deve refletir um aumento na vulnerabilidade destes animais por causa

dos colares; por outro, no entanto, é possível que a taxa de mortalidade de cotias seja de

fato alta no Pinkaiti.

As análises metodológicas demonstraram que os pressupostos relacionados aos

métodos de estimativa de área de vida necessitam ser constantemente reavaliados a

partir de dados reais.

Com relação à escolha de um método, tanto o Mínimo Polígono Convexo quanto

a Média Harmônica – com curva de densidade de 75% – apresentaram resultados

semelhantes em relação à variação no tamanho amostral, sendo igualmente suscetíveis

a números de localizações muito baixos (e.g. < 40). As estimativas obtidas utilizando-se

os dois métodos foram similares , tendo o MPC a grande vantagem de ser um método

mais simples, direto, e que envolve poucos cálculos. Por outro lado, a MH permite que

sejam construídos mapas de probabilidade de utilização do espaço, que abrem um

outro horizonte para a interpretação de dados de área de vida.

Os dados disponíveis mostraram ser mais importante e seguro utilizar-se o

máximo de localizações para os diferentes tipos de comparações e padronizar os dados,

tanto em relação ao tamanho amostral quanto em relação ao intervalo entre observações

consecutivas. A utilização de um tamanho amostral assintótico e um intervalo em que

localizações consecutivas sejam independentes deve ser um cuidado secundário

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6-2

A área de vida de uma fêmea adulta, acompanhada durante um ano, foi

estimada em 7 ha pela Média Harmônica 75% e 9 ha pelo Mínimo Polígono Convexo,

além de ter se mostrado estável durante o período de acompanhamento. No entanto, as

localizações não se distribuíram homogeneamente e locais de maior utilização puderam

ser determinados. Padrões diários de atividade apresentaram distribuição bimodal.

Tanto a área de vida quanto a atividade diária variaram ao longo do ano e estas

variações se relacionaram apenas parcialmente com a oferta de frutos no chão da mata,

reforçando a importância do comportamento de armazenagem dispersa para a

sobrevivência dos indivíduos em épocas de escassez.

Além disso, foi possível constatar que machos e fêmeas de cotia apresentaram

tamanhos de área de vida semelhantes e que houve pequena sobreposição entre áreas

de vida de dois indivíduos vizinhos. A área de vida de uma fêmea em uma área fora do

castanhal foi duas vezes maior do que as áreas dos indivíduos de uma área de

castanhal, no mesmo período de amostragem. Além disso, censos realizados dentro e

fora do castanhal determinaram que a densidade de cotias é maior dentro do castanhal

e que esta variação reflete mais uma variação no tamanho da área de vida do que um

aumento na sobreposição entre indivíduos vizinhos. Por fim, a partir dos resultados

encontrados neste trabalho, é possível afirmar que castanhais podem sustentar

populações maiores de cotias do que locais onde castanheiras adultas não ocorrem,

provavelmente por causa da grande quantidade de recurso (castanhas) disponíveis para

estes animais ao longo de todo o ano