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João Cardoso de Castro Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na Área de Ciências e Saúde: um estudo de caso do projeto “Cem Bilhões de Neurônios” Rio de Janeiro 2009

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João Cardoso de Castro

Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na Área

de Ciências e Saúde: um estudo de caso do projeto “Cem Bilhões de

Neurônios”

Rio de Janeiro

2009

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2

João Cardoso de Castro

Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na Área

de Ciências e Saúde: um estudo de caso do projeto “Cem Bilhões de

Neurônios”

Orientador: Prof. Miriam Struchiner, Doutora/NUTES

Rio de Janeiro

2009

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, na linha de pesquisa Tecnologia Educacional nas Ciências e na Saúde, do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde, sob a orientação da Prof. Dra. Miriam Struchiner.

Castro, João Cardoso de

Análise sobre o desenvolvimento de materiais educacionais na área de Ciências de Saúde : um estudo de caso do projeto “Cem bilhões de neurônios” / João Cardoso de Castro. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES, 2009.

x, 206 f. : il. ; 31 cm. Orientador: Miriam Struchiner.

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ NUTES, Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, 2009.

Referências bibliográficas: f. 201-216. 1. Tecnologia educacional. 2. Materiais de ensino. 3. Hipermídia.

4. Tecnologia da Informação. 5 Educação em Ciências e Saúde – Tese. I. Struchiner, Miriam. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-Graduação em Ciências e Saúde. III. Título.

João Cardoso de Castro

Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na Área de Ciências e Saúde: um estudo de caso do projeto “Cem Bilhões de Neurônios”,

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.

Aprovada em, _____ de _________________de _______.

_________________________________________.

(Profa. Miriam Struchiner, Doutora/NUTES)

_________________________________________.

(Profa. Angela Carrancho da Silva, Doutora/CESGRANRIO)

_________________________________________.

(Prof. Luis Augusto Coimbra de Rezende Filho, Doutor/NUTES)

à minha esposa Iris e minha filha Joana

Agradecimentos

Na elaboração desta dissertação de mestrado tive naturalmente a colaboração de muitos. Cumpre

agradecer:

principalmente à minha orientadora, Miriam Struchiner, sem a qual, simplesmente, não

teria sido possível realizar esse trabalho;

a minha família, minha esposa Iris, minha filha Joana, meus pais Murilo e Luiza e aos

meus irmãos Thiago, Raquel, Julia e Bernardo;

aos professores: Luiz Augusto Coimbra Filho e Angela Carrancho pela constante atenção;

Aos amigos: Lúcia e Ricardo da Secretaria da Pós, pela paciência infindável;

Aos colegas de laboratório: Paulinha, Elison, Silvia e Edite;

pela assistência dispensada, pelo interesse e apoio, acompanhando este trabalho, sempre que

possível, durante sua trajetória.

"O velho ideal científico da episteme, o ideal de um conhecimento científico absolutamente certo

e demonstrável, revelou-se um fetiche. A exigência de objetividade científica torna inevitável que

todo enunciado científico seja dado, e permaneça necessariamente e, para sempre, a título de

ensaio." (Karl Popper)

Resumo

DE CASTRO, João Cardoso. Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na

Área de Ciências e Saúde: um estudo de caso, o projeto “Cem Bilhões de Neurônios”. Rio de

Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de

Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2009.

O presente estudo analisou o processo de desenvolvimento do projeto "Cem Bilhões de

Neurônios", tendo a Teoria da Atividade de Engeström (1987) como abordagem e o trabalho de

Mwanza (2001) como roteiro orientador. Com base em análise da documentação gerada neste

processo de trabalho, foi possível traçar o percurso seguido pelo projeto, revelando e discutindo

como as concepções teórico-conceituais influenciaram o design dos materiais desenvolvidos, as

regras, a dinâmica e os diferentes papéis desempenhados pelos sujeitos de uma equipe

multidisciplinar, a partir de uma proposta de reformulação de materiais educativos para o ensino

de Neurociência. A Teoria da Atividade se mostrou uma ferramenta analítica adequada a esta

proposta, visto que pôde oferecer um conjunto de princípios básicos que permitiu um

enquadramento conceitual amplo através do qual foi possível revisitar criticamente o projeto

supracitado.

Palavras-chave: TECNOLOGIA EDUCACIONAL, TEORIA DA ATIVIDADE, NEUROCIÊNCIA.

Abstract

DE CASTRO, João Cardoso. Análise sobre o Desenvolvimento de Materiais Educacionais na

Área de Ciências e Saúde: um estudo de caso, o projeto “Cem Bilhões de Neurônios”. Rio de

Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de

Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2009.

This study presents an analysis of the process of development of the “Cem Bilhões de Neurônios”

project, based on Engeström (1987) Activity Theory approach and the guidance of the work of

Mwanza (2001). Based on the analysis of the documentation about produced in the process of

development, it was possible to retrace the evolution of the project, undercovering and discussing

the influence of theoretical conceptions in the hypermedia design, the rules, the dynamics, and

the different roles of subjects in a multidisciplinary team engaged in a proposal for restructuring

Neuroscience educational material. The Activity Theory had been considered an adequate

analytical tool for this goal, since it was able to offer a set of basic principles which allowed for a

flexible conceptual framework to critically revisit this process.

Keywords: EDUCATIONAL TECHNOLOGY, ACTIVITY THEORY, HYPERMEDIA, NEUROSCIENCE

SUMÁRIO

CAPÍTULO I – APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 10

CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................................................................... 10 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................................... 16

CAPÍTULO II – MARCO-TEÓRICO: EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA ......................................... 25

TECNOLOGIA EDUCACIONAL E ENSINO EM CIÊNCIAS ......................................................................... 25 OS RECURSOS AUDIOVISUAIS E O ENFOQUE SISTÊMICO ......................................................................... 28 DESENVOLVIMENTO DE MATERIAIS EDUCACIONAIS ............................................................................... 38 O ATO DE EDUCAR ................................................................................................................................. 47 ENSINO EM CIÊNCIAS ............................................................................................................................. 54 TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO ............................................................................. 61 TÉCNICA E TECNOLOGIA ........................................................................................................................ 61 LIVRO-TEXTO......................................................................................................................................... 63

Levantamento teórico sobre a tecnologia (livro-texto) ........................................................................... 63

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao uso ..................................................................... 67

BANCO DE OBJETOS DE APRENDIZAGEM ................................................................................................ 70

Levantamento teórico sobre a tecnologia (banco de dados, objetos de aprendizagem) .......................... 70

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao Uso ..................................................................... 73

HIPERMÍDIA ........................................................................................................................................... 77

Levantamento teórico sobre a tecnologia (hipertexto, multimídia) ........................................................ 77

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao Uso ..................................................................... 83

CAPÍTULO III – METODOLOGIA DE ANÁLISE: A TEORIA DA ATIVIDADE ........................ 92

METODOLOGIA PARA REVISÃO ............................................................................................................ 92 GENEALOGIA DA MODELAGEM CHAT ................................................................................................... 97 PRINCÍPIOS, NOÇÕES CHAVES E ASSERTIVAS DE MARX, ADOTADOS PELA TA .......................................... 97 VYGOTSKY E SUA ESCOLA .................................................................................................................... 102 A REFORMULAÇÃO ATUAL DA TA ........................................................................................................ 108 O MODELO CHAT DE ENGESTRÖM ....................................................................................................... 109

12

UM ROTEIRO DE ANÁLISE, PROPOSTO SOBRE O MODELO CHAT ............................................................ 111

CAPÍTULO IV – RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO: O PROJETO “CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS” ................................................................................................................................... 117

ANÁLISE DO PROJETO ........................................................................................................................ 117 ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................................................... 117 MATERIAL DE REGISTRO DO DESENVOLVIMENTO DE PROJETO “CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS” ........... 118 MÉTODOS ............................................................................................................................................ 124 BREVE HISTÓRICO ............................................................................................................................... 126 A PROPOSTA ........................................................................................................................................ 126 O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO ..................................................................................................... 135 MATERIAIS DESENVOLVIDOS PELO PROJETO “CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS” ...................................... 142

Livro-Texto ........................................................................................................................................... 142

BV-Neuro ............................................................................................................................................. 143

CD-ROM Hipermídia, “piloto”............................................................................................................... 145

APLICANDO A TEORIA DA ATIVIDADE SOBRE OS DADOS RECOLHIDOS.............................................. 145

O processo de desenvolvimento do livro-texto, segundo a Teoria da Atividade .................................... 148

O processo de desenvolvimento do CD-ROM hipermídia, segundo a Teoria da Atividade ..................... 157

CAPÍTULO V – DISCUSSÃO .......................................................................................................... 181

SÍNTESE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DAS MÍDIAS.............................................................. 181 A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DA ATIVIDADE PARA ESTA PESQUISA ................................................... 195

CAPÍTULO VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 197

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ............................................................................................. 201

CAPÍTULO I – APRESENTAÇÃO

Desde os primórdios da educação sistematizada diversas tecnologias educacionais são utilizadas e

desenvolvidas a fim de tornar o processo de ensino e aprendizagem mais eficaz e interessante. É

fato que, se entendidas como “processos sociais”, pedagogia e tecnologia sempre “andaram de

mãos dadas”, afinal, do arado ao computador, o que se pretende é preparar os indivíduos para os

meios técnicos disponíveis na sociedade (Belloni, 2002).

Na prática educacional, propriamente dita, ainda hoje tecnologias como giz, lousa e livro-didático

se consagram nos ambientes acadêmicos ao redor do mundo. Após a segunda grande guerra e

devido aos avanços tecnológicos que sustentaram o esforço bélico das nações envolvidas,

tivemos um acelerado desenvolvimento de tecnologias e, conseqüente inserção destes engenhos

em nosso cotidiano. Num contexto de supremacia capitalista, e de sucesso expressivo das mídias

de “vocação mundial” (Belloni, 2002), pouco demorou para que o campo pedagógico fosse

reconhecido como espaço fértil à proliferação de algumas tecnologias de comunicação.

CONTEXTUALIZAÇÃO

É neste contexto que uma nova fatia de reflexões se abre, com as possibilidades de uso dessas

tecnologias no ensino. As tecnologias começam a ser vistas e usadas numa outra perspectiva no

processo educativo. Deixam de ser encaradas como meras ferramentas que tornam mais eficientes

e eficazes modelos de educação já sedimentados, passando a ser consideradas como elementos

estruturantes de "novas" educações, com o objetivo de expressar a diversidade das culturas e dos

processos pedagógicos. Nesse sentido, a TV, o vídeo, o rádio, a Internet, bem como o avanço do

11

material impresso possibilitam articularem-se novas linguagens e novas racionalidades no

processo educacional.

É importante identificar as ferramentas que realmente podem ser utilizadas como instrumentos

educacionais e avaliar sua aplicação de modo a promover uma aprendizagem significativa, crítica

e eficaz e minha contribuição não poderia estar fora desse espectro. Por isso, proponho este

estudo que tem por objetivo contribuir para a discussão sobre o desenvolvimento de materiais

educacionais, mas com um recorte muito próprio, o processo de produção destes materiais em

três mídias distintas: um material hipermídia, um livro-texto e um banco de objetos de

aprendizagem.

No caso do livro-texto, trata-se de um sistema que vem se solidificando ao longo de alguns

séculos, e pouco tem mudado. No campo da educação, entender esta tecnologia na sua

completude é justificar sua importância no contexto de ensino, ou seja, no processo de ensino

aprendizagem. O livro didático é para aprendizado coletivo, e orientado por um professor, foi

produzido em função do ensino, editado e vendido neste sentido, onde acaba influenciando e

determinando conteúdo e estratégias adotadas no processo de ensino-aprendizagem (Lajolo,

1996; Vasconcellos, 1993).

Quanto às mídias computacionais, é lugar comum o deslumbramento com as Novas Tecnologias

de Comunicação e Informação e com os recursos que as sustentam nos dias atuais. Das críticas

alarmistas às apologias sensacionalistas se distribuem os inúmeros trabalhos já desenvolvidos

dentro do espectro de opiniões e estudos sobre o impacto individual, social, econômico, político e

cultural das TICs.

12

A diferença é que procuro me situar aquém dos extremos, dentre àqueles estudos que visam

compreender um aspecto básico para a aplicação dessas tecnologias: a sua dinâmica de

desenvolvimento. Tanto no caso de mídias digitais, onde essa “dinâmica” inclui todo o processo

de desenvolvimento, desde a concepção até a recodificação de textos, imagens, gráficos, sons,

animações e vídeos sob um formato único, capaz de ser interpretado e apresentado em nossos

computadores enquanto “hipermídias”, como no caso dos “meios” impressos, esse processo

merece uma atenção especial, e é justamente aí que abro minha investigação: uma reflexão que

venha a reunir elementos que possam contribuir no balizamento teórico filosófico a partir de uma

justa apropriação de uma “dinâmica” real e concreta, e dê alguns passos rumo à formalização de

diretrizes e metodologias para o desenvolvimento desses materiais em modelos construtivistas de

educação, no campo da saúde.

Como recorte teórico e estudo de caso para efetuar tal empreitada, delimita-se a revisão do

projeto “Cem Bilhões de Neurônios: uma introdução integrada do sistema nervoso”, iniciado em

1994, e que hoje se encontra ainda em andamento, em seus diversos desdobramentos.

Os objetivos específicos colocados por esta pesquisa são respectivamente:

1. Reunir e analisar a documentação relativa ao desenvolvimento do projeto “Cem

Bilhões de Neurônios: uma introdução integrada do sistema nervoso” (doravante

referenciado como “Cem Bilhões” ou “Cem Bi”);

2. Estudar a dinâmica de desenvolvimento de seus principais desdobramentos (livro,

hipermídia e banco de objetos de aprendizagem) e, a partir dos achados, abrir uma

discussão sobre as particularidades conceituais e técnicas no desenvolvimento de

13

cada uma das mídias produzidas, em especial o CD-ROM Hipermídia, levando

em consideração alguns estudos sobre o tema;

3. Aplicar e avaliar a capacidade da Teoria da Atividade como método de análise

sobre o desenvolvimento de materiais educacionais;

A partir dos objetivos específicos listados acima, o objetivo geral desta pesquisa é, sem dúvida,

ampliar a discussão sobre o desenvolvimento de materiais educativos nas três mídias produzidas

pelo projeto “Cem Bi”: Livro-texto, banco de objetos de aprendizagem e hipermídia, sobretudo

para o ensino de ciências e saúde.

Tendo como eixo condutor dessa dissertação o estudo do projeto supracitado, procurei reunir, no

primeiro capítulo, uma apresentação da pesquisa ora proposta, juntamente com uma justificativa

desta proposta de estudo tanto no NUTES – NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL

PARA SAÚDE, como em meu laboratório de pesquisa, o LTC (Laboratório de Tecnologias

Cognitivas), sem deixar de lado o cenário acadêmico como um todo.

No capítulo seguinte estarei contextualizando meu estudo. Portanto, o segundo capítulo é voltado

para a Tecnologia Educacional, “sociedade informatizada”, educação, assim como, definições do

que são técnica e tecnologia. Como ponto de partida para estas reflexões recorro a teóricos como

Jonassen, Reiser, Skolimowski, Séris, Lévy, entre outros, com leituras muito pontuais. Esta

contextualização tem continuidade com uma reflexão acerca das mídias desenvolvidas pelo

projeto, onde foram levantados os principais conceitos sobre a concepção e o desenvolvimento de

materiais educativos nas três mídias desenvolvidas pelo projeto: banco de objetos de

aprendizagem, CD-ROM hipermídia e livro-texto.

14

No terceiro capítulo destaca-se todo levantamento bibliográfico referente a metodologia

utilizada por esta pesquisa, portanto, a idéia foi realizar uma extensa pesquisa, resgatando os

fundamentos mais primordiais da Teoria da Atividade. Assim, resgatei princípios, noções chaves

e assertivas de Marx, adotados pela TA. Este processo retrospectivo teve continuidade ainda com

a escola de Vygotsky e seu discípulo Leontiev, culminando na reformulação atual da Teoria da

Atividade com Engeström e Mwanza.

Em seguida, no quarto capítulo, começa a revisão do referido projeto, onde descrevo

detalhadamente os dados disponíveis para a pesquisa e como foram levantados, em seguida

analisamos: como o projeto começou, sua trajetória, integrantes envolvidos, etapas, dificuldades/

contratempos, andamento e resultados. Essa descrição é realizada, em um primeiro momento, em

cinco fases.

Dessa forma, esta fase inicial da retrospectiva se desdobra em: 1) uma breve introdução ao

Projeto “Cem Bilhões de Neurônios”; 2) análise do Projeto, ou seja, os planos para a construção

do CD-ROM/livro-texto/banco de objetos de aprendizagem; 3) o desenvolvimento do projeto,

isto é, quando este ganha impulso motivacional, deixando de ser apenas um “projeto”, para se

transformar em uma ação proposital, onde se afirma sua concretização; e, 5) os resultados

(produtos) do projeto, o trabalho pronto, a ação concreta no mundo exterior, baseada num

projeto, e fruto de um desenvolvimento. Ainda fazendo parte deste capítulo, em um momento

final estarei analisando o processo de desenvolvimento das mídias produzidas pelo projeto a

partir da Teoria da Atividade, o que significa dizer que cada mídia será analisada, parcialmente, a

partir do modelo proposto por Mwanza (2001), sendo que o CD-ROM Hipermídia será

15

integralmente analisado. O modelo de Mwanza (2001) é especificamente abordado e discutido

no sub-capítulo “Um Roteiro de Análise, Proposto sobre o modelo CHAT”.

O quinto capítulo dá continuidade a essa olhar retrospectivo sobre nosso projeto de referência. A

idéia é elaborar uma discussão sobre os resultados obtidos por esta dissertação, na recuperação do

processo de desenvolvimento do projeto “Cem Bilhões”. Acredito que a consolidação deste

capítulo, junto aos demais, encerra minha proposta geral que a partir dos resultados obtidos,

venha a contribuir não só para o processo de concepção e desenvolvimento de materiais

educativos, mas também sobre a aplicação da TA como modelo de análise sobre estas atividades.

Essa discussão será desenvolvida a partir de todo levantamento realizado pela dissertação,

refletindo sobre os principais achados e diretrizes teóricas que sustentaram o desenvolvimento de

cada uma das mídias desenvolvidas pelo projeto (hipermídia, banco de objetos de aprendizagem,

livro-texto). Cabe ao sexto capítulo a conclusão desta Dissertação. Concluo, portanto, retomando

as novas formas de compreensão propostas ao longo da dissertação, ciente das limitações dessa

investigação. De um modo geral, espero que a discussão realizada aqui possa contribuir para o

desenvolvimento da pesquisa na área de Tecnologia Educacional, especificamente no campo de

Educação em Ciências e Saúde, e possa oferecer elementos e espaços suficientes para que novas

propostas de investigação e visualização possam ser realizadas.

Portanto, a crítica desenvolvida nesta dissertação, obrigatoriamente, antecede e sustenta, como

“pano de fundo”, uma empreitada maior, quem sabe uma possível tese de doutoramento, onde se

possa, de forma diferenciada, desenvolver uma metodologia mestre de análise e avaliação de

mídias educacionais utilizadas em projetos similares ao “Cem Bilhões”, procurando aprofundar

ainda mais a reflexão aberta nesta dissertação.

16

É desta maneira, que a reflexão iniciada aqui, não se esgota, e, justamente, tem a pretensão de

instigar sua própria reprodução, em qualquer situação portadora de juízo sobre a aplicação deste

ferramental na investigação teórica e na pesquisa em Educação na área de saúde. Afinal de

contas, no caso das tecnologias digitais, muito mais do que a simples transposição de

determinada integração de ciência e técnica para os processos de conhecimento e ação, a

informatização, como é o caso das mídias digitais produzidas pelo projeto “Cem Bi”, é um

“supermodo de organização” (Carneiro Leão et al., 1987), que se caracteriza pela

“desconstrução” de tudo aquilo que é por ela apropriado. Ao “tomar como próprio” um objeto

social ou natural, a racionalidade sob a informatização o traduz em um “ser informacional”, um

“fantasma”, composto de algoritmo e de dados, que passa a representá-lo, e a responder, desde

então, pelo conhecimento e pela ação que venham a ele se associar. No caso do livro-texto,

também se faz necessário refletir de modo crítico a sua consagração no cenário acadêmico,

investigando sua natureza e funcionalidade.

JUSTIFICATIVA

Essa dissertação de mestrado está inscrita no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu do

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES), no mestrado em Educação em

Ciências e Saúde, sob a linha de pesquisa Tecnologia Educacional nas Ciências e na Saúde, que

tendo por objeto de estudo:

[...] a investigação e inserção das tecnologias da informação e comunicação (TICs) em contextos educativos na sociedade contemporânea, em particular, na construção de modelos e metodologias de representação e estruturação do conhecimento, na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo

norteou a questão de minha dissertação de mestrado apresentada brevemente nos parágrafos

17

anteriores. Essa direção e orientação provinda da linha de pesquisa, por mim escolhida, torna-

se evidente em uma retrospectiva da contribuição que recebi nas disciplinas que freqüentei ao

longo do curso de Mestrado, com disciplinas como Seminário de Tecnologia Educacional;

Seminário de Educação em Saúde; Seminário de Educação a Distância; Teorias Cognitivas de

Aprendizagem.

Fora a contribuição das disciplinas, que efetivamente justificam minha pesquisa neste programa

de pós-graduação, a própria pesquisa sobre o desenvolvimento de materiais educacionais é de

suma importância para enriquecimento dos processos educacionais. No caso das mídias digitais, a

investigação sobre este processo é premente face à aceleração na transformação das diferentes

mídias impressas, sonoras, gráficas e visuais em “mídias digitais” e sua disseminação direta

através da Internet. Na área de educação em ciências e saúde não poderia ser diferente, visto a

expansão e inserção de recursos tecnológicos interativos no processo de ensino-aprendizagem. É

justamente diante deste desafio que propomos esta pesquisa que, sem dúvida, vem a somar

esforços em direção à formalização de princípios e métodos que orientem a análise sobre o

desenvolvimento de materiais educativos em diferentes mídias na área de ciências e saúde.

Dada a crescente disponibilidade destes recursos multimídia de aprendizado, nas disciplinas

acadêmicas, e diante deste cenário, um problema de ordem educacional e pedagógico começa a

tomar certa proporção entre estudiosos e intelectuais: o impacto destas tecnologias no processo de

ensino-aprendizagem. É bem verdade que o empenho dos estudiosos da questão não parece

acompanhar a velocidade com que estas tecnologias vêm se tornando disponíveis para

professores, instituições de ensino e estudantes, em todo mundo.

No Brasil, mais especificamente, a apropriação destas TICs vem se dando segundo dois cenários

distintos: enquanto alguns estabelecimentos de ensino não encontram condições estruturais para

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inserção destas tecnologias, outras mergulham de ponta-cabeça numa proposta ainda carente

de uma metodologia específica que a sustente (Belloni, 2002) distinta das inúmeras propostas

metodológicas de desenvolvimento de sistemas de informática, geralmente adaptadas para a

temática de informatização da educação.

Na prática educacional de ciências da saúde, como nas demais áreas do conhecimento humano,

muitos são os problemas e questões que permeiam suas intenções e norteiam suas metodologias

de ensino-aprendizagem. Cada qual com sua especificidade, todas as disciplinas carregam em seu

bojo certa práxis pedagógica pertinente aos problemas e abordagens que lhes são próprias

(Libâneo, 1983).

No caso das tecnologias digitais, o fato de acomodarem diferentes tipos de mídia instrucional

pode, em muitos casos, causar certa euforia antes mesmo que suas “reais” possibilidades e

contribuições possam ser devidamente especuladas. Entender como o uso destas tecnologias pode

melhor impulsionar e aperfeiçoar o aprendizado, permanece uma das linhas cruciais da pesquisa

educacional.

É bem verdade que certas reflexões tendem a exagerar o resultado desta “invasão” tecnológica, e

chegam a denominar a sociedade moderna como uma “sociedade informatizada”, que se encontra

em formação e expansão entre outros exageros. Enxergam nossa cultura como uma conseqüência

da explosão informacional, sobretudo, devido à aceleração nos processos de disseminação de

informação e conhecimento, e caracterizada pelo elevado número de atividades produtivas que

dependem da gestão de fluxos informacionais, aliado ao uso intenso das novas tecnologias de

informação e comunicação. Segundo Werthein “dificilmente alguém discordaria de que a

sociedade da informação é o principal traço característico do debate público sobre

desenvolvimento, seja em nível local ou global, neste alvorecer do século XXI” (2000, pág 71).

19

Nossa contribuição não corrobora com tais devaneios, mas de alguma forma se encaixa dentre

aqueles estudos que buscam uma justa apropriação das tecnologias educacionais. Em se tratando

de um mestrado na área de educação, esperamos dar um passo importante, que venha a contribuir

para mudanças qualitativas na apropriação de tecnologias educacionais no processo ensino-

aprendizagem em ciências e saúde. É importante salientar, sobretudo, que em momento algum é

deixada de lado a importância dos livros didáticos neste processo, e por conta disso, sua

contribuição e crítica também se encontram devidamente levantadas por esta pesquisa.

Além disso, a proposta de um resgate de todo o processo de concepção e desenvolvimento do

projeto “Cem Bilhões”, vem ao encontro dos objetivos gerais e históricos do Laboratório de

Tecnologias Cognitivas, bem como daqueles delineados pelo projeto recentemente enviado ao

CNPq pela coordenadora deste laboratório Miriam Struchiner. Entre outros objetivos, destaco:

a revisão dos trabalhos desenvolvidos nestes últimos 10 anos com base em suas

propostas (problema educativo, princípio teoria adotado, processo de

desenvolvimento do material, métodos de coleta, registro de informações

coletadas, resultados obtidos e trabalhos publicados), tendo como horizonte a

busca de generalização de processos e achados e a discussão sobre a abordagem de

pesquisa adotada (Struchiner, 2006).

E como parte desta análise retrospectiva, investigar o impacto destas experiências

de pesquisa e desenvolvimento de materiais educativos baseados nas TICs junto

aos docentes que atuaram tanto nas fases de concepção e desenvolvimento, quanto

na utilização destes recursos de aprendizagem com seus alunos, analisando: suas

percepções sobre as experiências vivenciadas; influências e mudanças ocorridas na

compreensão sobre o processo pedagógico e nas práticas educativas em sua área

20

de atuação e visões sobre o uso de TICs no ensino de suas disciplinas

(Struchiner, 2006).

O LTC conta com uma equipe multidisciplinar, da qual faço parte, que se propõe a desenvolver

ambientes de aprendizagem mediados pelas TICs para o ensino de disciplinas de ciências básicas

e aplicadas na graduação diferentes áreas das ciências da saúde, cursos e atividades de Educação

a Distância na WEB para profissionais e docentes da área de saúde, além de ferramentas WEB de

apoio aos docentes para integração do uso de TICs em suas práticas de ensino.

Tendo dez anos de pesquisa e desenvolvimento de materiais e ambientes educativos mediados

pelas TICs para o ensino das ciências da saúde, coloca-se, neste momento, a necessidade de re-

visitar estes processos, analisar e integrar novas bases metodológicas e perseguir a elaboração de

uma síntese das experiências com base nas teorias que as fundamentam. Soma-se a isso, o fato

destes fundamentos teóricos se encontrarem desatualizados, e devido a sua importância enquanto

“pilares” desta construção educacional, devem ser devidamente resgatados e atualizados.

Ao fundo das questões que objetivam nossa proposta de reflexão está a investigação sobre a

aplicação de metodologias na apropriação de diferentes mídias interativas na prática educacional

na área de ciências e saúde. Tanto os sistemas baseados em simulações como os baseados em

hipermídia são considerados na literatura como “ferramentas cognitivas” (Derry & Lajoie, 1993).

Ferramentas cognitivas são aquelas que se caracterizam como amplificadores das habilidades

cognitivas do aluno. Sua aplicação ao processo ensino-aprendizagem baseia-se na visão holística

do conhecimento e de suas características de interconectividade e de interdependência entre

domínios.

Do ponto de vista pedagógico, pressupõe que o raciocínio intuitivo, a exploração, a participação

ativa e o controle sobre este processo sejam condições essenciais para a formação do pensamento

21

produtivo (Derry & Lajoie, 1993). Portanto, rejeita a idéia do aluno como receptáculo dos

conhecimentos e experiências do professor e assume a não linearidade do processo de

aprendizagem.

De um modo geral, o que se destaca de antemão é o fato de que uma proposta de reflexão que

tenha por objetivo dar alguns passos em direção a construção de um arcabouço teórico que possa

contribuir para o desenvolvimento destes materiais educacionais, em diferentes mídias e,

sobretudo combinados e ancorados em abordagens construtivistas, parece justificar minha

proposta de estudo. Especificamente no caso dos materiais interativos, sua utilização, de forma

adequada, possibilitará aos alunos um espaço aberto para a exploração, experimentação e

descoberta, além de livre acesso às informações no desenvolvimento e aplicação desse

conhecimento (Projeto Cem Bilhões de Neurônios, 1997). Outro importante argumento que

corrobora para relevância desta pesquisa ao cenário educacional é o fato de que o processo

educacional, em muitos casos, parece enfatizar a memorização de conteúdos em detrimento de

sua devida compreensão. Por conseguinte, vem priorizando a utilização de materiais educativos

que apresentam a informação como fatos isolados, e avaliando a capacidade dos alunos de

“decorarem” estes conteúdos. Esta postura não leva em consideração o fato de os indivíduos

iniciarem seu processo de educação escolar, com uma série de conhecimentos prévios, adquiridos

em suas vidas cotidianas, e que influenciam diretamente na forma pela qual compreendem

determinados conteúdos (Moreira, 1999).

A visão contemporânea, baseada em conceitos construtivistas de aprendizagem, sustenta que os

indivíduos constroem significados a partir de conceitos que já possuem, da relação do indivíduo e

seu contexto, e que devem ser levados em consideração no processo educacional (Rego, 1995). A

partir da utilização de materiais interativos, tem-se a possibilidade de oferecer múltiplas

22

representações sobre um determinado conhecimento, criando possibilidades de acesso por

diferentes caminhos e a diferentes níveis. Os hiperdocumentos, enquanto sistemas

computadorizados permitem a criação e uso de documentos organizados por blocos de

informação (textos, gráficos, imagens, etc) conectados por uma rede semântica relacionada ao

tópico central e estruturada de forma não-linear. A disponibilidade e o estudo sobre a aplicação

destes materiais no processo educacional pode criar uma forma de acesso ao conhecimento que

leve em consideração as necessidades, afinidades e interesses dos alunos que os utilizam.

Somada a estas questões, reflexão sobre a integração de diferentes materiais é urgente dada à

velocidade com que as atividades humanas vêm sendo “informatizadas” (Lévy, 1999).

Especialmente no meio acadêmico é hoje lugar comum o uso intensivo de novas tecnologias para

a pesquisa e educação e na área de Neurociência, já se nota um interesse pelas possibilidades de

uso de materiais baseados nestas tecnologias. Por conseguinte, elaborar um justo entendimento

sobre estas tecnologias e seus recursos, nada mais é do que buscar os limites cognitivos desse

novo espaço educativo e dessa nova linguagem universal que vem regulando cada vez mais as

comunicações humanas. Em última análise, trata-se também de aferir o "saber" onde este também

se apresenta nos dias de hoje, e onde se apresentará cada vez mais nos dias vindouros.

Ao invés de enveredarmos pela crítica freqüente à Modernidade e seus produtos técnicos (Ellul,

Henry), partimos da efetiva presença das novas tecnologias na vida contemporânea e preferimos

estudar sua correta aplicação. A carência de princípios e metodologias na apropriação da técnica

de desenvolvimento de materiais interativos, sobretudo integrados as tradicionais tecnologias

(como o livro-texto) é uma das deficiências que assolam sua aplicação e uso corretos.

Na avidez de integrar os recursos tecnológicos disponíveis, vários profissionais de informática,

ou mesmo apenas especialistas na tecnologia hipermídia têm assumido indevidamente este

23

trabalho. Este movimento se caracteriza, sobretudo, pela ingênua idéia de que a educação é um

processo de acumulação de informação (Butson, 2003).

Daí pode-se concluir que o desenvolvimento de alguns materiais interativos vem se dando única e

exclusivamente sob a regência da tecnologia, gerando em muitos casos resultados inadequados e

injustificáveis. Segundo Foltz (1996), estudos demonstram certas possibilidades para o

desenvolvimento de um bom hipertexto, mas tratam de conceitos muito particulares e que se

justificam somente sobre certos tipos de textos, jamais podendo ser generalizados. Poucos

trabalhos fazem uma aproximação teórica para o estudo e design de hipertextos.

Por conseguinte, a concepção e o desenvolvimento de materiais interativos educativos requerem

muito mais do que apenas o domínio da técnica de construção deste tipo de material. O

desenvolvimento de um material hipermídia requer, além da competência técnica sobre a

tecnologia em uso, um certo domínio sobre o conteúdo e seu aparato crítico, e certamente sobre a

área de conhecimento onde se insere este discurso.

No caso específico do livro-texto, a pesquisa sobre o seu desenvolvimento se assenta sobre a

concepção de que, ainda nos dias de hoje, são os livros que atuam como principal fonte de idéias

para o ensino, sobretudo no sentido de facilitar o processo de decisão sobre o que e como ensinar,

visto que, na maioria dos casos provê um claro modelo para a prática didática (Richards, 1998).

Para Richards (1998), o próprio sucesso de um processo educativo resulta do uso de livros

didáticos desenvolvidos, não só por especialistas de conteúdo, como pedagógicos.

Por fim, esta dissertação parte do material já disponível no projeto “Cem Bilhões”, que contou

com a participação de alguns profissionais tanto de conteúdo, como pedagógico e pretende

realizar um estudo teórico. Acredito ter encontrado no PPG do NUTES o espaço acadêmico ideal

24

para refletir as questões propostas nessa dissertação, visto que oferece instrumentos teóricos e

de trabalho para todos aqueles que pesquisam sobre a Educação em Ciências e Saúde.

CAPÍTULO II – MARCO-TEÓRICO: EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA

Tendo em mente que toda e qualquer atividade humana emerge em um determinado contexto

sendo, de alguma forma, fruto deste, procurei explorar nesse capítulo uma ampla

contextualização do projeto “Cem bilhões de neurônios”. Para isso, pretendo dividir este capítulo

em duas etapas:

1. Em um primeiro momento, com uma discussão sobre a Tecnologia Educacional e o

desenvolvimento de materiais educacionais; o conceito de educação, com algumas visões

sobre construtivismo, comportamentalismo; a importância do ensino em ciências, e

especificamente o ensino em Neurociência.

2. Em um segundo momento, começando com uma breve imersão na reflexão sobre técnica

e tecnologia através de autores como François Sigaut, Séris, Santos, a proposta é elaborar

um extenso levantamento bibliográfico sobre as tecnologias desenvolvidas no projeto

“Cem Bi”, abordando suas características mais fundamentais, bem como as questões

relacionadas à sua utilização.

TECNOLOGIA EDUCACIONAL E ENSINO EM CIÊNCIAS

Embora o termo Tecnologia Educacional seja empregado inicialmente no campo da Educação no

final dos anos 1920, o seu nascimento se deu através do emprego de materiais audiovisuais, como

26

filmes instrucionais, e teve seu conceito oriundo de determinadas concepções e visões de

ensinar e aprender que remontam o século XVII (Subtil & Belloni, 1999). Inicialmente, alguns

teóricos do assunto tentavam classificar os meios auxiliares visuais, enfatizando sua integração

no currículo.

Algumas tendências e inovações que marcaram os primeiros movimentos no sentido de um

design de materiais educacionais, ainda podem ser consideradas relevantes nos dias de hoje,

fazendo mais sentido para as tecnologias atuais do que faziam a 50 anos atrás. Pelo fato de serem

consideradas metodologias baseadas no movimento behaviorista, existe forte tendência a se

desconsiderar aquela literatura e suas contribuições teóricas, atitude que não pretendemos levar a

cabo nesta dissertação. De um modo geral, a TE tem sido configurada a partir de um conjunto de

disciplinas (psicológica, curricular e filosófica) que buscam melhorar e incrementar a eficácia dos

processos de ensino, uma espécie de ciência do planejamento do ensino. Dessa forma, deixa de

focalizar somente os meios, a fim de tornar-se uma disciplina com pretensões científicas e que

pretende regular e prescrever a ação educativa (Romiszowski & Romiszowski, 2005).

Tradicionalmente, se pode estabelecer pelo menos três visões distintas sobre o objeto de estudo

da TE: uma centrada sobre o componente instrutivo, geralmente chamada de recursos

audiovisuais; outra pretende entender a tecnologia educacional como um processo, geralmente

chamada de “enfoque sistêmico”. Hoje em dia, se revisarmos o que se publicou sobre a

Tecnologia Educacional, descobriremos que ambas concepções seguem convivendo. Entretanto,

o componente instrutivo ganhou uma nova face. A visão da TE como uma preocupação sobre a

integração de "novas tecnologias da informação e da comunicação" parece predominar e

27

transforma-se no objeto preferencial dos "tecnólogos" dos anos oitenta e noventa, sobretudo

por causa dos novos aportes que trazem consigo.

Embora inúmeros trabalhos venham sendo desenvolvidos neste espectro de opiniões, e a

evolução dos materiais seja bastante clara, ainda é comum que tecnologias de instrução, ou

tecnologias educacionais, sejam utilizadas apenas como “meios” de comunicação, ou tutores de

estudantes, sobretudo fundadas na premissa de que basta a apresentação do conteúdo ao estudante

e ele estará automaticamente aprendendo (Jonassen, 1994).

Historicamente, as tecnologias educacionais foram desenvolvidas por equipes de educadores,

especialistas em conteúdo, especialistas em mídia etc e, sobretudo nos dias de hoje, tem como

objeto central o uso de sistemas baseados nas TICs. Entre muitas reflexões, parece hoje um

consenso, pelo menos no plano teórico, que a máquina não é capaz de substituir o homem, mas

antes pode ajudar nas suas múltiplas tarefas de construção pessoal e social. Fato que se faz

presente também no caso particular do ensino, em que a máquina não deve tomar o lugar do

professor, mas servir de apoio ao seu trabalho (Jonassen, 1994).

O uso adequado de sistemas de ensino baseado em TICs, por exemplo, pode até permitir

alternativas qualificadas que contornam certas dificuldades de gestão do tempo por parte de quem

quer aprender e ensinar. Além disso acrescem ainda vantagens para as próprias formas de ensinar

e aprender, que poderão incluir estratégias mais colaborativas, respeitadoras do ritmo individual

dos alunos e orientadas para a sociedade da informação e conhecimento em que vivemos .

Com essas novas plataformas temos a oportunidade de desenvolver um ensino mais flexível e

estimulante para ambos os “atores” envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Ao

28

oferecerem uma nova organização pedagógica, as potencialidades desses materiais no processo

educacional parecem contribuir em muito para a desejada transformação de nossas práticas

educacionais.

A própria geração de alunos “informatizados” que se encaminham as salas de aula, nos dias de

hoje, evidencia a necessidade de se adotarem novas práticas educacionais a fim de não perdermos

o “trem da história”:

A velocidade com que as tecnologias avançam, impulsiona o homem a assumir uma postura que o coloque em atuação proativa frente a esta nova realidade. O acesso a estas novas tecnologias é cada vez mais facilitado e, hoje é difícil imaginar qualquer atividade realizada sem elas. A revolução tecnológica produziu uma geração de alunos que cresceu em ambientes ricos de multimídia, com expectativas e visão de mundo diferente de gerações anteriores, portanto, a revisão das práticas educacionais é condição para que possamos dar-lhes educação apropriada. (Santos & Cruz & Pazzetto, 2001, pág 1)

É importante salientar que ao longo dos anos muitas definições sobre esta área foram formuladas

sem que nenhuma fosse aceita de modo universal. De qualquer forma, como vimos, são duas as

definições mais comuns no meio educacional: uma, define que a tecnologia educacional é a

pesquisa sobre a utilização de uma determinada mídia, que na maioria das vezes se trata de um

meio audiovisual; a segunda, e menos familiar, podemos dizer, vai além de qualquer mídia

particular, se tratando de um processo sistemático de desenvolvimento, adoção e avaliação do

processo de ensino e aprendizagem (Reiser, 1987). Nos parágrafos que se seguem estaremos

discutindo a história e evolução da TE.

Os Recursos Audiovisuais e o Enfoque Sistêmico

Os recursos audiovisuais usados durante a Segunda Grande Guerra para treinar um grande

número de indivíduos com diferentes conhecimentos e backgrounds foram considerados

29

eficientes e ao final do conflito houve uma grande preocupação com a implantação e a

integração destes recursos à prática pedagógica, surgindo novas investigações. Dessa forma, o

campo teórico do uso de materiais audiovisuais se viu enriquecido com inúmeras pesquisas e

centros destinados à implementação dos recursos audiovisuais (Subtil & Belloni, 1999; Reiser,

1987).

Na década seguinte ao conflito mundial, inúmeras iniciativas de pesquisa foram realizadas para

identificar como os diferentes atributos do audiovisual poderiam afetar o aprendizado, sobretudo

quais seriam os melhores atributos a serem utilizados para cada situação de ensino (Reiser, 1987).

Na década de 1950, segundo Reiser (1987) a televisão era considerada o maior veículo de

instrução entre todos os meios disponíveis, o que não significa dizer que nas décadas anteriores a

televisão não se prestava a tais esforços. Já em meados da década de 1960 o uso da TV para este

fim passa a ser rejeitado, muito em função da qualidade dos materiais desenvolvidos, que

segundo Reiser (1987) se limitavam a apresentar um professor realizando uma leitura ou uma

aula expositiva.

A introdução de grandes inovações “tecnológicas” aplicadas ao processo educacional, como o

áudio, a televisão e o vídeo, retro-projetores e outros dispositivos de apresentações audiovisuais,

fez com que uma parte da “tecnologia de educação” priorizasse a pesquisa e do ensino dos

princípios e procedimentos de utilização dessas inovações no processo de ensino-aprendizagem.

Muitos líderes na área de instrução audiovisual começaram a se interessar nas teorias e modelos

de comunicação, tais como aquela proposta por Shannon e Weaver em 1949. Estes autores

tinham por premissa que toda e qualquer comunicação tem um “emissor”, um “receptor” e um

“meio”. Durante o planejamento de uma comunicação todos estes elementos devem ser

30

considerados e investigados, e não focalizar somente o “meio” como muitos na área de

tecnologia educacional acreditavam (Reiser, 1987).

Observou-se o surgimento de vasta literatura sobre o assunto. Segundo Romiszowski &

Romiszowski (2005) as reflexões se dividiam entre os aspectos teórico-antropológicos, como a

obra de McLuhan em 1964, e os aspectos práticos da utilização destas novas mídias, sendo que

poucos autores se aventuraram à questão de como realmente implementar estas tecnologias no

processo de ensino-aprendizagem, pensando de forma ampla, ou seja, no planejamento,

desenvolvimento, implementação, avaliação dos resultados de aulas baseadas no uso destas

tecnologias. Segundo Reiser (1987), ainda assim, educadores tiveram pouco ou nenhum acesso a

estas pesquisas ou por ignorância ou por ignorar sua existência.

Embora a utilização de meios audiovisuais tenha ganhado fama neste período e por vezes vinha a

se confundir com a própria tecnologia educacional, foi neste período que alguns líderes do

movimento audiovisual tomaram a iniciativa de se refletir sobre o verdadeiro objeto desta

disciplina. Este movimento culminou na década seguinte, quando em 1970 os membros do

Departamento de Instrução Audiovisual votam pela mudança do nome da instituição para

Association for Educational Communications and Technology (AECT), para dois anos mais tarde

definir o campo como:

[...] envolvido na facilitação do aprendizado humano através da sistemática identificação, desenvolvimento, organização, e utilização de vários recursos de aprendizagem, e através de sua administração[...]com ênfase no aprendizado individualizado e personalizado, e no uso enfoque sistêmico. (Romiszowski & Romiszowski, 2005, pag 36)

A TE é agora uma disciplina formal e organizada, se transformando numa área reconhecida

profissionalmente. Durante a década de 1970 o número de cursos de pós-gradução oferecendo

31

especialização em “instructional design” triplicou nas universidades americanas (Romiszowski

& Romiszowski, 2005). A própria terminologia foi reavaliada, debatendo se o termo mais

apropriado seria “design” ou “development”.

Neste período o processo inevitável de internacionalização da pesquisa e desenvolvimento na

área de tecnologia educacional se materializou na Open University da Inglaterra. Segundo

Romiszowski & Romiszowski (2005) foi talvez o primeiro movimento de larga escala a empregar

um modelo de design instrucional com enfoque sistêmico, visto que pretendia nortear todo o

processo de planejamento, desenvolvimento, implementação, bem como de avaliação do ensino

mediado por materiais educativos em diferentes mídias. Em muitos outros países da Europa

constatou-se a abertura de centros de pesquisa e desenvolvimento nesta área, destacam-se a

Alemanha e a Holanda e sua universidade aberta nos moldes da Open University da Inglaterra.

Segundo Romiszowski & Romiszowski (2005) no Brasil, foi época de algumas iniciativas

significativas, tais como alguns tele-cursos (com o uso de textos e rádios), como a IRDEB da

Bahia. Todas estas iniciativas refletem a adoção e utilização da tecnologia educacional de forma

semelhante a que estava acontecendo no resto do mundo, sobretudo pelo fato de que os principais

livros e referências desta metodologia estavam sendo traduzidos para língua portuguesa neste

período, isso sem contar a contribuição de autores nacionais sobre o assunto, onde destaca-se a

obra de João Batista de Oliveira (1973), “Tecnologia Educacional: teorias de instrução” (apud

Romiszowski & Romiszowski, 2005) e o livro do Laboratório de Ensino Superior, da Faculdade

de Educação da UFRGS de 1978, sob o título de “Planejamento e Organização do Ensino” (apud

Romiszowski & Romiszowski, 2005). É importante salientar que o Brasil também adotou o

enfoque sistêmico como metodologia geral para inovações educacionais.

32

Segundo Romiszowski & Romiszowski (2005):

Sem dúvida, para muitos, esta foi “a era da instrução programada”. Além da grande quantidade de textos auto-instrucionais, “programados”, apareceram no mercado diversos artigos e livros que ensinaram como desenvolver tais programas. Não pretendemos aqui citar esta literatura porque, infelizmente, a maioria desses materiais eram repetições ou extensões das próprias sugestões de Skinner sobre como implementar, na prática de ensino escolar, os resultados das suas pesquisas científicas no laboratório de Harvard. E, infelizmente, também, apesar da excelência das suas pesquisas teóricas, algumas das sugestões do Professor Skinner sobre a melhor maneira de aplicar a teoria na prática eram erradas, e, em alguns casos, até contrariava o que suas próprias pesquisas comprovaram. A “onda” da instrução programada foi grande, mas durou pouco tempo e não trouxe muitos benefícios. E um dos motivos pela falta do impacto foi a ausência de fundamentação do trabalho de elaboração do material em princípios apropriados de design instrucional. (pag 43)

O enfoque sistêmico, já mencionado anteriormente, teve grande influência após a Segunda

Grande Guerra e muitos reconhecem sua introdução no cenário educacional devido ao

surgimento da “instrução programada”. Skinner propunha a utilização de máquinas de ensinar

como forma de resolver os impasses que surgem em decorrência das dificuldades de atender cada

aluno. O acompanhamento poderia ser feito pela própria máquina, especialmente nas formas de

avaliação, entendidas por ele como parte essencial da aprendizagem. A função da avaliação na

aprendizagem é supervalorizar o acerto, visto que a incidência de respostas erradas deve ser igual

a zero. O processo que Skinner desenvolveu para a instrução programada exemplifica com

clareza a utilização de “respostas” empíricas para o processo de aprendizagem, onde existia uma

enorme ênfase em identificar comportamentos que pudessem ser observados no aluno (Reiser,

1987). Esta grande preocupação com o erro se evidencia em um conhecimento técnico-científico

em pleno desenvolvimento e aplicação num período de guerra, onde cada erro poderia significar

irreparáveis perdas materiais e humanas.

De um modo geral, materiais desenvolvidos sob esta perspectiva se enquadram perfeitamente na

ideologia fundada pela cibernética, que transposta para as diferentes disciplinas da ciência

33

moderna, se institucionalizou como o paradigma da “caixa-preta”; ou seja, qualquer sistema

pode ser definido como uma “caixa-preta”, que a partir de certas “entradas” produz determinadas

“saídas”, e onde se pode, através da identificação de relações de transformação de entradas em

saídas, descrever processos ou funções do referido sistema.

Nesta perspectiva, o processo de ensino e aprendizagem é considerado tão complexo que só pode

ser entendido como um “caixa-preta” cujos mecanismos são dificilmente apreendidos. Já a

década de 80 ficou marcada com o surgimento de novas idéias e princípios na área de psicologia

da aprendizagem. Entre eles se destaca a reflexão de Howard Gardner (apud Romiszowski &

Romiszowski, 2005) sobre outros aspectos da inteligência humana, descentralizando assim os

aspectos cognitivos que andavam recebendo quase toda a educação dos educadores da época

(Romiszowski & Romiszowski, 2005). Tais reflexões lançaram novas luzes sobre o que acontecia

na “caixa-preta”.

Nos dias de hoje, o maior objeto da tecnologia educacional é de fato a introdução do maquinário

das chamadas “novas tecnologias de informação e comunicação” neste imbróglio, o que também

contribuiu para que novas exigências profissionais recaíssem sobre os cidadãos. Num plano mais

amplo, é bem verdade que a tal “sociedade da informação” é o alvo de inúmeros estudos e

reflexões, entretanto alguns autores parecem vir na contramão dessa euforia, e não se deixam

levar tão facilmente pelos entusiasmos proporcionados por estas novas tecnologias. Segundo

Henryk Skolimowski (1987), a própria nomenclatura “sociedade da informação” não condiz com

o atual processo de inserção de tecnologias em nossa sociedade.

Como bem salientou Skolimowski (1987), o fato de que enxergo um grande número de

computadores ao meu redor não constitui um novo tipo de sociedade, nem muito menos a

34

“conversa fiada” de uma suposta revolução da informática. Podemos falar sobre uma porção de

coisas fictícias e o fato de falarmos sobre elas não justifica sua existência. Se de fato vivemos

numa sociedade da informação, como muitos querem crer, por que somos tão mal-informados?

Para Skolimowski (1987), evidentemente é necessário muito mais do que os bits de informação que

podemos armazenar em nossos computadores. Segundo o autor:

Conceber um novo projeto social, ou criar uma nova sociedade, é uma tarefa muito mais complexa do que dividir o átomo ou inventar a máquina a vapor. Durante o último milênio, especialmente nos últimos dois séculos, a civilização ocidental demonstrou sua perícia em inovações técnicas. Não podemos reivindicar o mesmo poder de inventiva no domínio social. Além disso, podemos ficar admirados ao descobrir que as principais invenções de caráter social datam de mais de 25 séculos atrás. A democracia foi a última grande invenção social do mundo ocidental. Todas as outras formas sociais, a que demos continuidade, nasceram antes do despertar da razão grega.(1987, pág 11)

O verdadeiro legado social da mudança tecnológica é algo a ser realmente investigado. Para o

autor, as únicas invenções sociais, que surgiram na esteira dessas tecnologias, e que merecem

verdadeiro destaque, foram o surgimento dos “shoppings centers” e subúrbios, que em alguma

coisa lembram as praças comunitárias e vilas dos velhos tempos, respectivamente, mas com um

toque de degradação característico da natureza desse maquinário. O que pretendemos levantar

com os questionamentos aqui propostos é uma visão crítica sobre a natureza e o verdadeiro

impacto das NTICs na sociedade humana.

Entretanto, investigar o impacto deste maquinário na concepção de sociedade fundamentada nos

parágrafos anteriores, é tão discutível quanto o próprio conceito daquilo que ela afeta, a dizer, a

sociedade. Inúmeros autores lançam seus olhares sobre as transformações sociais do último

século, e as NTICs parecem captar a maioria dessas investigações. Um trecho que comenta o

livro “Bomba Informática” (1999), de Paul Virilio, parece resumir bem o estado das pesquisas no

assunto em questão:

35

Desde meados do século 19 se assiste a uma aceleração das pesquisas científicas e dos desenvolvimentos tecnológicos, os quais foram intensificados no contexto das duas guerras mundiais e durante a corrida armamentista desencadeada pela guerra fria. Todo esse prodigioso incremento da ciência e da técnica culminou na atual revolução da microeletrônica, transformando radicalmente o modo de vida no planeta no espaço de duas décadas. As mudanças continuam num ritmo cada vez mais frenético, muito acima da nossa capacidade de refletir sobre suas caraterísticas, seu alcance e profundidade (Nicolau Sevcenko).

De uma forma bastante ampla, é no contexto das novas exigências profissionais, resultantes do

novo modelo social em que vivemos, que emerge a idéia do projeto “Cem Bilhões”. É fato que

estas exigências estão proporcionando uma nova dinâmica para a atuação docente e colocando

em cheque, por outro lado, algumas políticas institucionais de formação de ambos os personagens

envolvidas na prática educacional: o professor e o aluno (Sartori & Roesler, 2004).

Tendo em vista a enorme capacidade de transmitir, processar e armazenar informação e as

potencialidades comunicativas das novas tecnologias, a demanda sobre a educação tem sido

tensionada no sentido de superar práticas educativas ultrapassadas, baseadas no modelo de

produção industrial, inaugurando modelos pedagógicos voltados ao engajamento participativo,

fruto de nossa sociedade atual, em processo de mutação. Neste contexto, o projeto “Cem Bilhões”

tem por objetivo potencializar o processo de ensino em neurociência, sem abdicar de tecnologias

já consagradas, como é o caso do livro-texto. Para tanto, além de profissionais de informática e

pedagogia, era necessário a contribuição de profissionais de conteúdo, que participassem do

desenvolvimento destes materiais. Assim, a comunhão de sistemas educacionais informatizados,

com tecnologias como o livro-texto, repercute uma maneira de se entender esse mundo

“tecnologizado”, suas possibilidades e limites numa sociedade caracterizada por novos espaços

de “socialidades” e subjetividades (Sartori & Roesler, 2004).

36

O Brasil como todas as economias emergentes apressa-se em ingressar na pretensiosa

“sociedade da informação”, tão propalada por seus entusiastas como solução de todos os

problemas políticos, sociais, econômicos e até culturais. No caso de materiais educacionais,

entretanto, este ingresso pode esbarrar em problemas estruturais de nossa sociedade que ainda se

tornam mais expostos neste afã de se fazer parte desta “elite social” da Modernidade. O fato é

que antes de por o qualificador “da informação”, nossa sociedade precisa ser antes uma

verdadeira sociedade humana, onde direitos e deveres dos cidadãos sejam endereçados e

legitimados por suas instituições públicas e privadas. O brasileiro e a brasileira precisam viver

sua cidadania plenamente para ter condições de apropriação e usufruto da malha tecnológica que

vestiria sua sociedade enquanto "sociedade da informação", e que se faria refletir também no

meio educacional.

Entretanto o ingresso neste “admirável mundo novo” não quer e talvez nem mesmo possa esperar

as reformas políticas e sociais que criariam em nossa sociedade essas condições de cidadania,

cultura moderna e capacitação científica e técnica requeridas por uma sociedade da informação

digna deste título. Então, o paradoxo maior é que as transformações políticas, sociais e culturais

vão ter que se dar pari-passu com a injeção tecnológica, que em alguns casos pode ser caótica

como é o caso da recente aquisição e disponibilidade de micros na rede pública de educação.

Há pouco tempo as estatísticas sobre avanço em recursos informacionais e comunicacionais entre

países desenvolvidos e os demais países, eram alarmantes, e pareciam exigir metamorfoses

urgentes nos investimentos internacionais. O quadro abaixo resume algumas das constatações

supra-citadas, já feitas há mais de dez anos, à época do projeto “Cem Bilhões de Neurônios”:

95% de todos os computadores estão em países desenvolvidos;

37

INTERNET há quinze anos atrás:

o crescimento anual de 70-80%;

o mais de 3 milhões de computadores hospedeiros no mundo todo, oferecendo

serviços variados;

o 30 milhões de usuários em 146 países;

o 150.000 novos usuários a cada mês;

os Estados Unidos e a Commonwealth, com apenas 15% da população mundial, usam

mais de 50% da capacidade dos satélites geo-estacionários, e o Terceiro Mundo menos de

10%;

(Fonte: FREDERICK, Howard, “Computer Networks and the Emergence of Global Civil

Society”, in Linda Harasim, Global Networks. Cambridge, MIT Press, 1993.)

Posto isso, o fato incontestável é que a constituição do "homo informaticus" da pós-modernidade

passa pela sua conscientização enquanto cidadão dentro de um novo modelo de sociedade que já

se encontra em pleno exercício nos países desenvolvidos. Neste sentido as novas tecnologias

educacionais se situam como exemplos in conteste desta condição paradoxal da transformação de

uma sociedade ainda em dívida com o social, propriamente dito.

E é neste cenário, de um modo geral, que o projeto “Cem Bilhões de Neurônios” emerge, ou seja,

o desenvolvimento de materiais educacionais baseados no uso de novas tecnologias, aliadas a

38

tecnologias educacionais já consagradas, como o livro-texto, podem ser não apenas

instrumentos de capacitação e habilitação deste cidadão enquanto força de trabalho na sociedade

da informação, mas também “meios” de conscientização destes indivíduos como cidadãos de um

país em pleno processo de inserção na sociedade da informação, na mundialização da economia e

na globalização da sociedade humana.

Desenvolvimento de Materiais Educacionais

A motivação primária da introdução de qualquer tecnologia educacional deve ser sempre de

potencializar a capacidade do estudante. Entretanto é difícil de determinar qual tecnologia será a

mais apropriada e eficaz ferramenta de ensino (Grifin, 2003). Sistemas que pretendem levar uma

contribuição ao processo de ensino-aprendizagem, devem se adequar “justamente” ao problema

educacional a que se propõe apoiar, bem como ao usuário que deverá utilizá-lo.

Mas antes que qualquer tecnologia seja incorporada a um curso ou currículo, uma questão básica

deve ser respondida: como estudantes aprendem e como a tecnologia pode aperfeiçoar este

processo de aprendizagem. É lugar comum que um ensino realmente efetivo depende do nível de

conhecimento que os estudantes têm dos objetivos do curso que freqüentam. Afim de que estas

metas sejam cumpridas, os objetivos da aprendizagem, bem como os métodos que o professor

pretende utilizar devem ser prontamente esclarecidos aos estudantes (Grifin, 2003).

Para Grifin (2003), com tanta complexidade, o uso de um quadro negro e um pedaço de giz não

parecem mais adequados. Ainda assim, poucos professores universitários usam as novas

tecnologias educacionais de forma efetiva em seus cursos. As razões para tal são muitas, e vão

desde limitações institucionais até a falta de treinamento e recursos (Grifin, 2003). Para alcançar

39

um nível mínimo de pensamento crítico, é preciso “afastar” este estudante de um

conhecimento superficial (característico da memorização) e do ensino enciclopédico, que encara

o aluno como receptáculo de informações, e aproximá-lo de um verdadeiro entendimento do tema

central, dos seus princípios e suas aplicações (Grifin, 2003).

Portanto, um dos requisitos mais valiosos para justa condução do processo de desenvolvimento

destes materiais é a prévia determinação do modelo educacional sobre o qual a ferramenta deverá

se assentar. É comum a idéia de que materiais que reforcem um ensino baseado em abordagens

construtivistas levem certa vantagem sobre os demais modelos pedagógicos. Segundo Gravina &

Santarosa (1998):

Não são de interesse as ferramentas que guardam características de métodos de ensino que privilegiam simplesmente a transmissão de conhecimento e em que a ‘medida’ de aquisição deste conhecimento é dada pela habilidade do aluno em memorizá-lo e reproduzi-lo, sem que se evidencie um verdadeiro entendimento. Mas sim aquelas que trazem em seus projetos recursos em consonância com concepção de aprendizagem dentro de uma abordagem construtivista, a qual tem como princípio que o conhecimento é construído a partir de percepções e ações do sujeito, constantemente mediadas por estruturas mentais já construídas ou que vão se construindo ao longo do processo, tomando-se aqui a teoria do desenvolvimento cognitivo de J.Piaget como base teórica. Esta teoria mostra que toda a aprendizagem depende fundamentalmente de ações coordenadas do sujeito, quer sejam de caráter concreto ou caráter abstrato. (1998, pág 1)

No caso de sistemas baseados no uso de TICs, se trata da própria essência destes sistemas uma

certa “natureza” construtivista, visto que “obrigam” uma atitude mais ativa do aluno sobre o

conhecimento, e, além disso, disponibilizam ao usuário múltiplas formas de “inter-agir” com as

informações, gerando dessa forma, um conhecimento que se constrói ao longo do próprio

processo de aprendizagem.

A questão central aqui, é que a simples inserção deste maquinário no processo educacional é

bastante questionável. Como bem salientou Gravina e Santarosa (1998):

40

Se almeja-se uma mudança de paradigma para a educação, é necessário ser crítico e cuidadoso neste processo de uso da informática. A informática por si só não garante esta mudança, e muitas vezes se pode ser enganado pelo visual atrativo dos recursos tecnológicos que são oferecidos, mas os quais simplesmente reforçam as mesmas características do modelo de escola que privilegia a transmissão do conhecimento. (1998, pag 12)

Do ponto de vista da concepção e desenvolvimento de materiais educativos e suas implicações

sobre o usuário, especialmente no que diz respeito à forma de organização e estruturação de

conteúdo e informação, é fato que tanto a natureza do conteúdo abordado como as concepções de

conhecimento e aprendizagem de seus autores, se fazem sentir no produto final (Struchiner,

2006). Esta concepção parece corroborar com o pressuposto de que assim como conteúdo, os

métodos de modelagem destes sistemas não se tratam de conhecimentos neutros, mas sim sócio-

culturalmente construídos. Segundo Shirk:

Da mesma forma, aqueles que aprendem um determinado tópico através da hipermídia, tendem a assimilar de sua ‘arquitetura cognitiva’ vários pressupostos sobre o material educativo, assim como as orientações implícitas do autor sobre a forma de aprender aquele corpo de conhecimentos. (Shirk, pag 87, 1992)

Posto isso, não é de hoje que a importância das metodologias de desenvolvimento de materiais

educacionais, tanto baseados em sistemas baseados em TICs como os tradicionais, começa a

ganhar espaço no cenário educacional. Como já mencionado nos parágrafos anteriores, a

arquitetura desses materiais em muito contribui para uma potencialização do processo educativo.

A concepção tradicional de sala de aula, com alunos-enciclopédicos enfileirados diante de um

professor-especialista detentor do conhecimento, precisa ser questionada tanto nos ambientes

clássicos de ensino, como semi-presenciais e não presenciais.

A literatura sobre a introdução de materiais interativos baseados em TICs está permeada pelos

princípios de combate ao chamado “instrucionismo”, a reprodução de conhecimentos e o saber

41

fragmentado, que se apresenta como uma das grandes problemáticas da investigação

pedagógica. A criação de ambientes que privilegiem a construção conjunta do conhecimento,

visando uma consciência crítica sobre o conhecimento. Segundo Okada e Santos (2003), os novos

modelos educacionais apontam para “comunidades” de aprendizagem, onde o conhecimento seja

co-produzido.

É fato que sistemas baseados no computador possuem os recursos mais flexíveis dentre todas as

tecnologias utilizadas na prática educacional. A possibilidade de o aluno interagir com o

“conhecimento” através de um vasto número de informações em diferentes formatos (gráficos,

vídeos, som, etc) tornam a aprendizagem muito mais agradável e instigante. Segundo Pozzebon

(2002) existem pelo menos três formas de utilização do computador no processo de ensino-

aprendizagem: modo tutor, modo tutorado e ferramenta, cada qual com suas características

próprias. No modo tutor, por exemplo, o computador assume o papel do professor, orientando o

aprendizado do aluno. Fundamentada nos métodos de instrução programada tradicionais, o aluno

só passará para a lição seguinte se atingir um nível previamente determinado. Para Pozzebon:

Na concepção de ambientes em que o computador assume estas características é necessário planejar a quantidade e seqüência dos conteúdos apresentados, bem como as atividades oferecidas. Os conteúdos deverão ser exibidos em pequenas porções e as atividades aplicadas ao término de cada lição deverão exigir respostas ativas e padronizadas, permitindo uma avaliação imediata e subseqüente apresentação de atividades de reforço. (2002, pág 102)

Já no modo tutorado, o processo é conduzido pelo aluno, que tem total liberdade de ação sobre o

processo, sendo a aprendizagem uma conseqüência da exploração e descoberta do estudante. No

modo ferramenta, por sua vez, o computador apenas auxilia as atividades desenvolvidas

facilitando o processo de aprendizagem. É comum citar como exemplo desta classe os

processadores de texto, editor de imagens etc.

42

Independente do modo usado, a idéia central na introdução de qualquer material educacional é

que o processo educacional seja potencializado. No caso do ensino na área de ciências e saúde,

especificamente, existe a necessidade de uma grande quantidade de conhecimento para a tomada

de decisões e resoluções de problemas, uso de imagens e simulações (Brunetto & Giraffa, 2000).

Somada à sua complexidade e diversidade é fato que existe uma grande dificuldade para se

organizar este conteúdo. Contratempos como estes podem se facilitados com o uso de sistemas

informatizados. Segundo Camargo-Brunetto & Giraffa (2000):

A construção de sistemas de apoio ao ensino para área de saúde tem explorado o uso da hipermídia como recurso para organizar e permitir acesso diferenciado às informações. Tornado-se assim, uma alternativa para modelar conhecimento, possibilitando apresentação do conteúdo de forma bastante diversificada. (2000, pág 1)

Entretanto, os problemas referentes ao armazenamento destas informações se agravam na

ausência de uma metodologia de desenvolvimento de tecnologias baseadas no uso de

computadores na área de ciências e saúde. Caso não se desenvolva uma metodologia para

selecionar e organizar os conteúdos em uma hiper-estrutura, as possibilidades de exploração

destes sistemas para fins educacionais se tornam muito restritas (Brunetto & Giraffa, 2000)

Umas das correntes de pensamento que vem somando esforços neste sentido é a concepção de

“ferramentas cognitivas”. Embora alguns autores assumam que qualquer ferramenta que

potencialize a capacidade cognitiva do ser humano, durante o raciocínio, resolução de problemas

e aprendizado, se caracteriza como “ferramenta cogntiva” (Jonassen & Reeves apud Jonassen,

1994), são os sistemas de simulações como os baseados em hipermídia que agregam a maioria

das reflexões neste sentido (Derry & Lajoie, 1993).

“Ferramentas cognitivas” são aquelas que se caracterizam como amplificadores das habilidades

cognitivas do aluno. Sua aplicação ao processo ensino-aprendizagem baseia-se na visão holística

43

do conhecimento e de suas características de interconectividade e de interdependência entre

domínios (Derry & Lajoie, 1993). Segundo Jonassen (1994), materiais educacionais devem ser

aplicados com esta perspectiva ao invés de apenas uma mídia instrucional. Tecnologias utilizadas

sobre essa premissa potencializam a capacidade de raciocínio do estudante.

No passado era comum o uso de tecnologias de aprendizagem cuja maior característica era inibir

a capacidade intelectual de seu usuário (Jonassen, 1994). Para Perkins (apud Jonassen, 1994), as

únicas pessoas que se beneficiavam neste processo eram os próprios designers, e não os

estudantes. À medida que os designers eram obrigados a articular seus conhecimentos para

desenvolvimento do material tecnológico, eram forçados a refletir sobre estas informações de

uma maneira nova e significativa.

Assim como o famoso ditado que preconiza que a melhor forma de aprender sobre um assunto

qualquer, é ensinando, o processo de desenvolvimento e construção destas tecnologias de

aprendizagem, permite que designers aprendam sobre o conteúdo a ser abordado muito mais

profundamente que os estudantes que às utilizariam. Nesta perspectiva, é preciso que este

maquinário seja afastado desses “engenheiros”, e se aproxime do aluno, como ferramentas para a

construção do conhecimento, ao invés de apenas uma mídia para aquisição de conhecimento

(Jonassen, 1994).

“Ferramentas cognitivas” são construtoras e facilitadoras do conhecimento, e podem ser

aplicadas a variados gêneros de conteúdo. O argumento central de Jonassen (1994), é que estas

ferramentas têm por objetivo facilitar o aprendizado, funcionando como um parceiro intelectual

para que o aluno alcance um pensamento crítico e profundo sobre qualquer conteúdo, jamais

controlar o processo de aquisição e construção deste conhecimento.

É comum a idéia de que alunos “aprendem” mais quando são forçados a representar aquilo que

44

sabem. Pensar é o marco central no desenvolvimento destes materiais, do ponto de vista de

“ferramenta cognitiva”, por isso são considerados “ferramentas”, e não tutores. Esta concepção

propicia o tão almejado pensamento crítico. As ferramentas cognitivas estimulam o aluno na

criação, concepção e compreensão do conhecimento ao invés de apenas apresentar objetivamente

a informação.

No caso de sistemas informatizados, outro ponto a ressaltar é o fato de serem controladas pelos

próprios estudantes: quando eles desenvolvem um banco de dados, por exemplo, estão

desenvolvendo sua própria concepção de organização de um determinado conteúdo. A função das

ferramentas cognitivas é tornar o processo de informação mais fácil, e não mais rápido já que,

normalmente, é preciso que os estudantes dediquem-se mais ao objeto de estudo. A idéia central é

que ao dedicar-se mais, o aluno acaba aprofundando-se no tema de uma forma diferente e

inovadora, que segundo Jonassen (1994), seria impossível sem essas ferramentas.

Tendo como referência as novas tendências da teoria de aprendizagem, como o construtivismo,

por exemplo, a construção do conhecimento depende da bagagem do estudante, que por sua vez

depende do tipo de experiência que esse aluno teve. Como ele organizou toda essa bagagem em

estruturas de conhecimento e sua real utilização desse conhecimento para enfrentar seus eventos

do dia a dia. As ferramentas cognitivas ajudam o estudante a organizar a representar o que ele

sabe. O construtivismo defende que nós construímos nossa própria realidade através da

interpretação de nossas experiências no mundo. Não parece justificável, portanto, que o professor

simplesmente “passe” sua interpretação da realidade para o estudante, já que, certamente, eles

não tiveram as mesmas experiências e interpretações ao longo da vida (Jonassen, 1994).

Em ambientes computacionais apoiados na visão de “ferramentas cognitivas”, estudantes estão

ativamente engajados na interpretação do mundo, e, além disso, são levados a refletir sobre esta

45

interpretação. O sentido do termo “ativo” aqui, não significa que os estudantes funcionam

como espelhos que “refletem” uma realidade pronta e correta, mas que estes alunos tenham a

oportunidade de participar e interagir com o ambiente que os circunda e possam desenvolver sua

própria visão do assunto (Jonassen, 1994)

Norman (1991) faz a diferenciação entre dois tipos de pensamento: o experimental e o reflexivo.

O pensamento experimental envolve as experiências pessoais no mundo, ele acontece

automaticamente: experienciamos alguma coisa no mundo e automaticamente reagimos a isso. O

pensamento reflexivo, por outro lado, necessita de um cuidado maior. Quando o estudante se

depara com uma situação nova ele primeiro pensa sobre ela, a analisa através do seu

conhecimento prévio, faz conexões e tenta solucionar a situação.

O pensamento reflexivo é a melhor forma de fazer uma conexão com o que experienciamos e o

que estamos aprendendo e normalmente é necessário um suporte externo como livros,

computador e outras pessoas (Jonassen, 1994). Segundo Norman (1991), o computador é um

ótimo suporte porque possibilita a construção de um novo conhecimento acrescentando novas

representações, modificando as antigas e possibilitando a comparação das duas. Esse é o real

propósito das ferramentas cognitivas.

A principal distinção do aprendizado tradicional para aquele com o uso de tecnologias como

ferramentas cognitivas é muito bem definida por Salomon, Perkins e Globerson (apud Jonassen,

1994). Segundo estes autores, podemos fazer uma forte distinção entre os efeitos da tecnologia na

educação e os efeitos da educação com a tecnologia. A primeira fala sobre os efeitos da

tecnologia no estudante, como se o aluno não participasse do processo. Já aprender com a

tecnologia se refere ao uso da tecnologia como uma parceira intelectual. Significa dizer que

estudantes que trabalham com a tecnologia, ao invés de controlados por ela, têm sua capacidade

46

de pensamento e aprendizado potencializado.

Existem muitos problemas relacionados à usabilidade de materiais educacionais, métodos de sua

aplicação e procedimentos, que requerem considerações bastante cuidadosas durante a

concepção, o desenvolvimento e o teste destes materiais, seja baseada em sistemas interativos ou

tradicionais. No caso de sistemas informatizados, para garantir resultados significativos do ponto

de vista do ensino-aprendizagem, designers devem considerar um grande número de questões

relacionadas a interface que propiciem ao usuário, uma facilidade no uso de materiais que deixam

o usuário se concentrar nas atividades.

De alguma forma, existe a premissa de que a qualidade de um sistema educacional informatizado

é altamente dependente de aspectos relacionados à área de fatores humanos e concretizados no

design da interface do programa, ou seja, na concepção dos elementos da comunicação usuário-

programa (Projeto Cem Bilhões de Neurônios, 1997). Uma pesquisa recente, sobre o

desenvolvimento de sistemas baseados na internet, por exemplo, assegura que a melhor maneira

de proceder neste tipo de empreitada, é reunir uma equipe com diferentes especialidades,

envolvendo diferentes áreas para sua concepção, ou seja, uma equipe multidisciplinar, que atenda

a maior parte dos problemas que venham a surgir durante os testes deste material (Koyani, Sanjay

& Bailey, 2004). Não existem motivos para acreditarmos que na concepção de um livro-texto isto

seja diferente.

No caso de sistemas informatizados, talvez o traço mais fundamental desta “usabilidade” seja sua

interface amigável, isto é, o sistema deve ser passível de ser utilizado por indivíduos com

diferentes níveis de experiência com computadores, a aprendizagem de sua manipulação se dá

rapidamente e o sistema computacional desaparece, possibilitando que o usuário se concentre no

conteúdo da informação (Projeto Cem Bilhões de Neurônios, 1997).

47

De um modo geral, muitos dos problemas relacionados à utilização destes sistemas na

educação se referem ao fato de que na avidez de utilizar os recursos tecnológicos disponíveis,

vários profissionais de informática, ou mesmo apenas especialistas na tecnologia hipermídia têm

assumido indevidamente este trabalho. A conclusão é que atualmente o desenvolvimento de

alguns materiais interativos vem se dando única e exclusivamente sob a regência da tecnologia,

gerando em muitos casos resultados inadequados e injustificáveis.

De um modo geral, a concepção e o desenvolvimento de materiais educacionais requerem muito

mais do que apenas o domínio da técnica de construção da mídia em questão. O desenvolvimento

de um material hipermídia, ou um livro-texto, por exemplo, requer, além da competência técnica

e teórica sobre a tecnologia em uso, certo domínio sobre o conteúdo e seu aparato crítico, e

certamente sobre a área de conhecimento onde se insere este discurso. Tais considerações

reafirmam a necessidade de formação de uma equipe multidisciplinar que possa reconhecer os

mais variados gêneros de problemas que venham a surgir durante o processo.

O ato de Educar

“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” João Guimarães Rosa

Sobre a educação, de um modo geral, é fato que ninguém escapa da sua alçada. Seja em casa, na

rua ou na escola, de um modo ou de muitos, todos vivemos pedaços da vida com ela: seja para

aprender, ou para ensinar, para saber, para fazer, para saber fazer e conviver. Mas existe uma

educação ou se tratam de várias? Há muitos anos, nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland

assinaram um acordo de paz com os Índios das Seis Nações. Como símbolo de boa fé,

governantes destes estados mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens

às escolas dos “brancos”. Os chefes indígenas agradeceram o convite, mas recusaram, afirmando:

48

estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações, tem concepções diferentes das coisas...muitos de nossos guerreiros foram formados nas escolas do Norte...quando voltavam eram maus corredores, ignorantes da vida na floresta....não sabiam caçar, construir cabanas...eles eram, portanto, totalmente inúteis...mas para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo que sabemos e faremos deles, homens. (Brandão,1989, pág 8)

De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas das questões mais fundamentais estão

escritas nesta carta. Não há uma forma única de educar, muito menos um modelo capaz de

abarcar todas estas dificuldades. A escola não é o único lugar onde este ato acontece, e talvez

nem seja o melhor deles (Brandão, 1989).

O ato de educar, num sentido geral, vai muito além do modesto modelo representado pela

fórmula “transmitir/adquirir” informações. No próprio processo educativo existe, ainda que

inconscientemente, um sem número de representações de sociedade, bem como do homem que se

quer (in)formar. Segundo Pereira (Pereira, 2003), é:

através da educação as novas gerações adquirem os valores culturais e reproduzem ou transformam os códigos sociais de cada sociedade. Assim, não há um processo educativo asséptico de ideologias dominantes, sendo necessária a reflexão sobre o próprio sentido e valor da educação na e para a sociedade (2003, Introdução)

Como bem sugeriu Kneller (1981), se queremos compreender essas idéias em seus termos mais

claros, podemos recorrer à filosofia. O primeiro passo para entendermos o que é educação inclui

o que chamaremos de revisão terminológica. O que precisamos esclarecer é o que cai sobre sua

delimitação e o que foge à sua alçada. Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.(2007), a melhor

maneira de agir é comparar o termo em questão com aqueles que são tomados erradamente por

seus sinônimos: pedagogia e didática. Pedagogia, que tomaremos em seu sentido mais restrito,

tem suas origens na Grécia antiga. “Pedagogo” era, ainda segundo Ghiraldelli (2007), o escravo

49

que levava a criança para o local da relação ensino-aprendizagem, portanto não era um

instrutor, mas um “condutor”, diria o autor.

Nos dias de hoje, pedagogia designa as normas em relação à educação (Ghiraldelli, 2007). Se

caracterizando por uma reflexão sobre o que devemos fazer, quais materiais devemos utilizar,

como podemos melhor aproveitá-los, estas são as perguntas que devem nortear toda e qualquer

corrente pedagógica, e o que deve estar na mente do pedagogo moderno. A didática, por sua vez,

é a técnica de dirigir e orientar o ensino-aprendizagem, sendo portanto, um saber técnico que

pretende fazer a melhor adequação entre meio e fim. (Ghiraldelli, 2007).

Já a educação deve ser entendida, segundo Ghiraldelli (2007) como “prática social da relação

ensino-aprendizagem situada no tempo e no espaço...que acaba em um ato e nunca mais se

repete” (2007).

[...]nem mesmo os mesmos participantes podem repeti-la. Nem podem gravá-la. Nem na memória nem por meio de máquinas. É um fenômeno intersubjetivo de comunicação que se encerra em seu desdobrar. No caso, se falamos de um encontro entre o professor e o estudante, falamos de um fenômeno educacional – que é único. Quando ocorrer outro encontro do mesmo tipo, ele nunca será o mesmo e, enfim, só superficialmente será similar ao anterior. (disponível no endereço http://www.centrorefeducacional.com.br/pdaguira.htm)

Sobre o procedimento propriamente dito, é impressionante a pouca atenção que é dada ao

processo de ensino-aprendizagem, em seus dois aspectos mais fundamentais: o ensino e a

aprendizagem. Como se fosse o paradigma da “caixa-preta”, ideologia procedente da cibernética,

onde determinadas “entradas”, produzem certas “saídas”, e da onde só interessa saber os

resultados, e pouco importa o processo em si, é dessa forma que a grande maioria dos estudos

sobre educação procede em suas pesquisas. Ficam tão fascinados nos escores e no desempenho

de seus alunos, que na maioria dos casos, deixam de lado “os meios pelos quais professores e

50

alunos enfrentam seu trabalho na vida real nas salas de aula – como os professores ensinam e

como os alunos aprendem” (Bruner, apud Demo, 2000).

A idéia de que o ensino é uma atividade cultural, parece justificar sua resistência à mudança. Os

modelos sócio-culturais são transmitidos através de um processo dinâmico de integração pela

ação conjugada de diversos agentes. Como qualquer atividade cultural, o ensino é aprendido

através da participação, o que significa dizer, que é algo que se aprende a fazer mais crescendo

dentro da cultura, do que se estudando propriamente dito (Stigler & Hiebert, 1999).

Vivemos hoje uma sociedade com enorme pluralidade de opções no que se refere a formas de

vida e que, de alguma forma, afeta nosso cotidiano em inúmeros aspectos. As transformações

culturais e econômicas que caracterizam a “sociedade da informação” fazem com que

tradicionais agentes de socialização sejam questionados, e a escola, sendo um destes agentes,

parece estar em “crise” (Flecha & Tortajada, 2000). A sociedade “industrial”, tinha como

postulado básico a idéia do capital humano, e a função da escola era exatamente formar cidadãos

que levassem adiante tais ideais.

Com as diversas mudanças de valores sofridas pela sociedade atual, é preciso que a escola agora

se esforce para acompanhar tais transformações, sob o risco de que seu equilíbrio agora corre

sérios riscos. Não faltam argumentos para sustentar esta “crise” que a escola vive: algumas

correntes sugerem que a escola já não forma mais para o mercado de trabalho; outras se baseiam

no fracasso e abandono escolar; etc (Flecha & Tabajada, 2000).

Deixando de lado essa visão mais política do processo educacional, não podemos deixar de lado a

prática educacional em si. Apesar de se tratar de uma perspectiva bastante reduzida do fenômeno,

51

é de grande importância a esta pesquisa. Visto que o objeto desta dissertação é, de algum

modo, a integração de tecnologias na prática educacional, independente do gênero de material

educativo aplicado, é necessário que estes modelos sejam devidamente investigados.

Posto isso, a prática pedagógica construtivista, baseado nas reflexões de seus principais teóricos,

Vygosky e Piaget, vêm solidificando cada vez mais seu espaço no cenário educacional. Do ponto

de vista do construtivismo, aprendizado é um processo construtivo no qual o aprendiz está

construindo uma ilustração interna do conhecimento, uma interpretação da experiência. Está

representação, por sua vez, está sempre aberta para modificação, sua estrutura e elos formam a

base para outros conhecimentos. O aprendizado é um processo onde o significado é alcançado

com base na experiência. É importante ressaltar, entretanto, que esta perspectiva do

conhecimento não necessariamente rejeita a existência do mundo real, somente acredita que tudo

que conhecemos deste mundo é necessariamente interpretação da experiência humana. O próprio

crescimento conceitual vem da transformação da nossa representação interna em resposta as

experiências acumuladas.

Teorias construtivistas, partindo das contribuições de seus teóricos (Piaget e Vygotsky) têm como

premissa fundamental a idéia de que o indivíduo é agente ativo da construção de seu próprio

conhecimento, o que significa dizer que é somente através de sua ação sobre as informações que

lhe são apresentadas, que este indivíduo é capaz de construir conhecimento. Ele constrói

significados e define suas próprias representações de realidade de acordo com suas experiências e

vivências em diferentes contextos (Fosnot, 1998).

O desafio fundamental do construtivismo é a mudança de um ensino centrado no professor, para

um novo modelo, que converge suas reflexões no paradigma do aprendizado, no aluno.

52

Pensadores com fundamentos na psicologia behaviorista de Skinner desenvolveram programas

onde os estudantes eram motivados a atingir objetivos pré-definidos. Construtivistas dizem que

esta atitude viola os principais conceitos sobre a natureza da aprendizagem (situada, interativa).

Na abordagem construtivista os objetivos devem ser negociados com os estudantes, sobretudo,

baseados em suas necessidades. As atividades programadas devem emergir de dentro do contexto

de suas vidas. De acordo com esta visão de conhecimento, o aprendizado deve ser colocado em

um rico contexto, refletindo o contexto do mundo real de cada indivíduo, para que o processo de

ensino-aprendizado possa ultrapassar as barreiras da escola ou sala de aula.

Educadores devem considerar também o nível de desenvolvimento cognitivo de seus alunos

quando forem planejar tópicos e métodos de instrução. Um exemplo simples desta idéia é o fato

de crianças apresentarem certa dificuldade em entender concepções abstratas, sobretudo aquelas

que não fazem sentido em seu próprio cotidiano. Muito provavelmente estas mesmas crianças

encontraram maior facilidade de aprender se estas informações fossem apresentadas através de

exemplos concretos e cotidianos. Estudos indicam que estudantes, de um modo geral, necessitam

de experiências concretas que antecedam a apresentação do material abstrato.

Outro aspecto interessante é a necessidade dos estudantes organizarem as informações que

recebem. Professores podem ajudar seus alunos na medida em que possam apresentar a

informação de forma organizada, e mostrar como uma coisa se relaciona com a outra. Novas

informações são mais facilmente adquiridas quando as pessoas podem associá-las a outros

conhecimentos que já possuam. Intrinsecamente relacionada à aplicação anterior, neste tópico,

cabe igualmente aos professores a idéia de ajudar seus alunos mostrando-os como as novas

informações podem se relacionar com antigos conhecimentos, visto que quando estudantes são

53

incapazes de relacionar novas informações com conhecimentos que lhes sejam familiares, o

aprendizado se torna lento e ineficaz.

Não podemos esquecer a ênfase na atividade mental, tão própria do construtivismo. Skinner

argumentou, de uma perspectiva de condicionamento operante, que estudantes devem

necessariamente responder ativamente sobre o aprendizado. Cognitivistas compartilham isto com

Skinner, entretanto, enfatizam as respostas mentais ao invés das comportamentais. Se estudantes

controlam seus próprios processos cognitivos, é também o estudante quem decide qual

informação será aprendida e como. Contrapondo esta visão, temos o chamado

“comportamentalismo”. Teóricos da psicologia, como o filósofo William James, já haviam

enxergado a idéia de um ramo da ciência que estudasse apenas os comportamentos, puramente

externos. Entretanto, a psicologia behaviorista, propriamente dita, começou a ganhar força com o

médico russo Ivan Pavlov que, através de suas clássicas experiências com cães, desenvolveu sua

teoria dos reflexos condicionados.

Porém, o fundador do comportamentalismo como “escola”, foi o psicólogo norte-americano John

B. Watson, falecido em 1958, que desenvolveu as exigências, que mais tarde, norteariam as

pesquisas de seus seguidores, dentre as quais, destacaria como exemplo, a verificação concreta de

hipóteses e a negação da introspecção como método de análise. O maior divulgador do

comportamentalismo foi, sem dúvida, Skinner, um grande seguidor das premissas teóricas de

Watson.

Skinner, psicólogo norte-americano nascido na Pensilvânia, talvez tenha sido o primeiro a prever

a utilização dos princípios do behaviorismo na psicoterapia, na educação e até na formulação de

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políticas públicas. O behaviorismo clássico abraçou a idéia de que todo comportamento

humano é infalivelmente controlável por meio do padrão de estímulo-resposta.

Ensino em Ciências

É justo afirmar que a educação científica é um “processo” de construção de conhecimento. As

tecnologias e sua constante sofisticação estreitam sua ligação com a ciência podendo, em alguns

casos, ser difícil até mesmo separar uma da outra. Embora a tecnologia afete os sistemas sociais e

culturais mais diretamente que a pesquisa científica, é fato que seus avanços requerem uma sólida

base científica para serem levados a cabo (Zancan, 2000).

Em recente pesquisa realizada pela UNESCO, é hoje reconhecido que a tecnologia é mais

excludente que o capital, e juntamente com a ciência, pode definir o futuro político-social de um

povo (Unesco, 2000). É fato que a tecnologia não está distribuída de forma igualitária entre os

povos, visto que apenas metade da população mundial tem possibilidade de produzir e adotar

estas inovações, sendo que os demais correspondem a regiões tecnologicamente excluídas.

Se tomarmos como marco a década de 50, é possível observar que alguns movimentos já

refletiam esta perspectiva. Um episódio que confirma esta conclusão ocorreu durante a guerra

fria, na década de 60. No auge da corrida espacial, entre a antiga União Soviética e a potência

norte-americana, foram realizados investimentos sem precedentes na área de educação,

especialmente nos campos da Física, Química, Biologia e Matemática, visto que se acreditava

que uma formação científica sólida garantiria a hegemonia norte-americana nos anos seguintes.

Este movimento contou com a participação intensa da sociedade americana bem como

acadêmicos renomados (Krasilchik, 2000).

55

De certa forma, o desenvolvimento tecnológico tornou-se um indicativo da pesquisa científica

de qualquer região. Segundo Zancan (2000), a desenvolvimento científico tornou-se um fator

crucial para o bem-estar social a tal ponto que a distinção entre povo rico e pobre é hoje feita,

entre outros aspectos, pela capacidade de criar ou não o conhecimento científico. As escolas

refletem, de alguma maneira, as maiores mudanças na sociedade moderna. Na medida em que se

enxerga a ciência e, consequentemente, a tecnologia como essenciais no desenvolvimento

econômico, social e cultural de um povo, ou região, o ensino de ciências vem ganhando cada vez

mais força no cenário acadêmico, em seus diferentes níveis (Krasilchik, 2000).

Posto isto, é hoje fato também, que o ensino de ciências encontra-se em crise em seus diferentes

níveis (Fourez, 2002). Na introdução de seu trabalho Fourez (2002) indaga:

Há uns quinze anos, eu não ousaria dizer que o ensino de Ciências estava em crise. Contentava-me por dizer que era a minha opinião. Hoje quando todo mundo em meu país o afirma como evidente – desde os decanos das faculdades de ciências aos porta-vozes do patronato, passando pelo Ministro da Educação, eu me sinto menos ridículo dizendo a mesma coisa [...] creio que se pode razoavelmente afirmar que esta é a situação no mundo industrializado (pág 1) .

O que é menos fácil, nos diria o autor, é interpretar esta crise. Entre os principais atores deste

imbróglio, destacam-se: alunos, professores, dirigentes da economia. Pelo prisma dos alunos,

observa-se nos dias de hoje uma posição muito mais ativa, talvez rebelde. Segundo Fourez (2002)

para que o ensino de ciências faça sentido para eles, é necessário que os modelos científicos cujo

estudo lhes é “imposto”, estes conteúdos deveriam ajudá-los a “compreender a sua história e o

seu mundo, em outras palavras, alunos preferem cursos de ciências que não sejam centrados

sobre os interesses de outros (quer seja a comunidade de cientistas ou o mundo industrial), mas

sobre os deles próprios”, ou seja, é necessário fazer sentido.

Para Fourez (2002):

56

Perto do que fazia ainda minha geração, os jovens de hoje parecem que não aceitam mais se engajar em um processo que se lhes quer impor sem que tenham sido antes convencidos de que esta via é interessante para eles ou para a sociedade. Isto vale para todos os cursos, mas talvez ainda mais para a abstração científica. Minha geração estava pronta a assinar em branco, sem ter certeza de que o desvio pela abstração nos forneceria alguma coisa. Muitos jovens de hoje pedem que lhes seja mostrado de início a importância – cultural, social, econômica ou outra – de fazer este desvio. Mas nós, seus professores, estamos prontos e somos capazes de lhes mostrar esta importância? (pag 2).

Do lado dos professores de ciências, é preciso que, antes de mais nada, aceitem a existência da

crise, como no velho lema preconizado por Bill e seus seguidores no AA, para depois aceitar

também a perda de poder e de consideração de sua profissão (Fourez, 2002). É também

necessário que demonstrem, aos alunos, o sentido que pode haver no estudo de ciências para estes

estudantes nos dias de hoje. É bem verdade que a formação destes professores esteve muito mais

centrada sobre a idéia de fazê-los “técnicos de ciências” do que de fazê-los verdadeiros

educadores, no sentido lato deste termo, e como é comum nas grandes áreas do ensino superior,

quando muito, acrescentou-se à sua formação de “cientistas” uma introdução à didática de sua

disciplina (Fourez, 2002).

Questões de ordem epistemológicas, históricas e sociais poucas vezes foram mencionadas na

formação destes professores. E quanto a interdisciplinaridade, tão em voga no cenário

educacional, raras são as vezes, segundo Fourez (2002), que lhes ensinamos como fazer,

efetivamente, para intervir e resolver uma dada situação, bem como quais disciplinas são

pertinentes ao caso em questão. Em alguns poucos casos, praticam a interdisciplinaridade sem

refletir de modo sistemático a seu respeito, limitando esta concepção ao cruzamento de diferentes

disciplinas científicas. Segundo o autor em resumo, sua formação fez, grosso modo, um impasse

sobre a maior parte dos preceitos que permitiriam analisar o sentido de um trabalho científico

(Fourez, 2002) .

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No caso específico do ensino em Neurociência, deve-se entender que se trata de um termo que

reúne algumas disciplinas que estudam o sistema nervoso, especialmente a anatomia e a

fisiologia do cérebro humano. É, essencialmente, uma prática interdisciplinar, visto que se

compõe da interação de diversas áreas do saber ou disciplinas científicas como, por exemplo:

neurobiologia, neurofisiologia, neuropsicologia, neurofarmacologia (Projeto Cem Bilhões de

Neurônios, 1994).

É importante salientar que neste marco-teórico, o levantamento levou em consideração o estado

da disciplina no cenário acadêmico da década de 1990, época em que o desenvolvimento do

projeto “Cem Bilhões” encontrava-se em andamento.

Apesar da disseminação da Neurociência, visto que se tratava de uma disciplina ensinada em

praticamente todos os cursos de graduação em ciências da saúde e de ter um histórico de pesquisa

científica no Brasil há mais de 50 anos, é fato que a modesta qualidade do que se pratica é

agravado não somente pelo número reduzido de profissionais envolvidos nesta disciplina, mas

também pela concepção fragmentada de sua estrutura curricular, e que se faz refletir em seus

materiais educativos.

Visto que para compreender o sistema nervoso é necessário considerar um número acentuado de

campos da ciência moderna (psicologia, neurofisiologia, biologia molecular, neuroanatomia,

entre outros) de forma integrada (Projeto de Desenvolvimento do “Cem Bilhões de Neurônios”,

1994), uma proposta de pesquisa que considere a reformulação dos materiais educativos levando

em conta essa visão, e somado a isso, concebesse as características singulares deste campo de

conhecimento, sem dúvida contribui de forma efetiva para uma evolução significativa da

pesquisa em Neurociência, bem como para aproximação dos alunos de graduação deste saber.

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É fato que a aprendizagem sobre o sistema nervoso é de extrema importância para os alunos na

área de ciências da saúde e seu conteúdo essencial em quase todas as suas carreiras, e por conta

disso, não pode limitar-se à simples apreensão de um vocabulário e à mera discrição de seus

elementos e funcionamento. É necessário que o conhecimento adquirido possibilite aos alunos

fazerem as necessárias relações entre a anatomia e a fisiologia do sistema nervoso com as

diversas funções do corpo humano quer em estado normal ou patológico.

Pouco reconhecida no Brasil como disciplina autônoma pelos demais departamentos

universitários, esta área já vinha apresentando grande evolução no que diz respeito a produção

acadêmica internacional, com pelo menos 10 % das publicações das revistas Nature e Science

dedicadas ao sistema nervoso. E o crescimento a área é ainda maior se considerarmos as

inúmeras sociedades científicas que emergiam na década de 90 em todo mundo, e cujo principal

objetivo era estudar o sistema nervoso sob uma ótica multidisciplinar, destacando-se a Society for

Neuroscience (EUA, Canadá e México) e a European Neuroscience Association. Segundo Lent:

Até essa época, na "frente" clínica de trabalho, os neurologistas, neurocirurgiões e neuropatologistas analisavam os efeitos das lesões neurais "objetivas", deixando para os psiquiátras o estudo dos distúrbios mentais, o que estes faziam sem conhecer seus possíveis determinantes biológicos. O mesmo faziam os psicólogos para os indivíduos normais. Na "frente" experimental, os pesquisadores de orientação morfológica (neuroanatomistas e neuro-histologistas) investigavam células e regiões neurais sem dialogas com os de orientação fisiológica (neurofisiologistas e neuroquímicos), e muito menos com os de orientação comportamental (psicólogos experimentais e psicofísicos). Raramente os clínicos interagiam com os experimentalistas. Como o conhecimento da área cresceu, a situação começou a mudar porque se tornou impossível avançar mais sem que os diversos atores conversassem entre si. (...) os congressos passaram a reunir todos os que se interessavam pelo sistema nervoso. (disponível em: http://www.faperj.br/interna.phtml?obj_id=445)”

Embora venha sinalizando grandes evoluções e seja matéria regular em mais de 200 instituições

de ensino na área das ciências biomédicas, seu conteúdo ainda era abordado de forma

desintegrada e redundante, sobretudo pelo fato de que esta disciplina se inclui, ainda que

59

parcialmente, na anatomia, na biofísica, na fisiologia, na histologia, entre outras. Este enfoque

fragmentado já não representa mais o estado da arte neste campo, visto que as evoluções já

garantem a esta disciplina uma posição mais consolidada, ou seja, a Neurociência já integra a

neuroanatomia, a neurofisiologia, a neurohistologia, entre muitas outras. Para Lent:

As agências financiadoras passaram a estimular projetos multidisciplinares, e os departamentos universitários de todo o mundo passaram a admitir profissionais de diferentes especialidades. O resultado foi um avanço espetacular do conhecimento científico do sistema nervoso, refletido na explosão de publicações especializadas, na multiplicação de neurocientistas e, finalmente, no aparecimento de tecnologias e aplicações médicas, educacionais, psicológicas bem como produtos (de fármacos a computadores) destinados a aumentar o bem estar da humanidade. No Brasil, embora a pesquisa tenha acompanhado essa tendência, ela não se refletiu nos departamentos universitários e seus cursos, e muito menos nos livros disponíveis aos alunos e ao público em geral. Assim, na maioria das nossas universidades, os departamentos continuam adotando a segmentação tradicional e tratam do sistema nervoso separadamente nos cursos de Anatomia, Histologia, Fisiologia etc. O mesmo acontece com os livros: há bons livros de neuroanatomia, boas seções sobre sistema nervoso em livros de fisiologia, bons capítulos de neuro-histologia em livros de histologia, e assim por diante. Mas não há livros de neurociências - integrados - produzidos no Brasil. Foi esse vazio que me atrevi a preencher com "Cem bilhões de neurônios. (disponível em: http://www.faperj.br/interna.phtml?obj_id=445)

É evidente que as iniciativas deveriam se dar em outras direções, não devendo ficar limitadas aos

materiais educativos da área, mas devem contemplar, prioritariamente, a reformulação da

estrutura curricular e diversos estados mundiais debruçam-se sobre a questão curricular mais

adequada ao nosso estilo de vida atual. Entretanto é a contribuição da Tecnologia Educacional

neste progresso que nos interessa ressaltar. Desde os primórdios da educação sistematizada, são

utilizadas diversas tecnologias educacionais, que representam sua época e problemas, e sempre

de acordo com cada momento histórico. O uso quadro e giz atravessam os séculos, consagrados

como tecnologias educacionais, mas nosso momento histórico nos empurra rumo a uma

renovação destas tecnologias, justamente o foco desta pesquisa, que pretende corroborar para a

formalização de métodos e diretrizes para o desenvolvimento de materiais educacionais que

representem nossa época.

60

61

TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO

Técnica e Tecnologia

Ao fundo da questão central que objetiva esta proposta de estudo, é fato que estamos

necessariamente engajados na questão da técnica. Posto isso, parece necessário esclarecer

brevemente o que entendemos por técnica. A palavra técnica é derivada do grego téchne, que é

sinônimo de arte, e designa um saber-fazer.

Em toda sociedade humana existe e sempre existiu necessariamente um saber técnico, […] exemplo disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante […] Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir[…]. (Santos, 1994, pág 136)

A técnica, como reconhecem alguns críticos do tema, tem sua origem histórica perdida em um

passado longínquo, junto com a própria origem da humanidade, não se podendo nem mesmo

afimar que ela seja própria do ser humano, pois encontramos animais dotados de habilidades

técnicas, como a abelha, o castor, o chimpanzé, e tantos outros. Como afirma Yves Schwartz

(1995), o organismo vivo, em um meio natural, regido por seus determinismos, busca, mesmo

com o perigo de sua própria vida, se instituir centro de um meio, já recortado, por sua vez, por

seus próprios valores (do organismo). No entanto, podemos reconhecer, no caso específico do

organismo humano, uma característica peculiar em sua técnica, que é sua regência, por um grau

de intencionalidade, capaz de ir além dos artefatos que se possam fabricar. Uma intencionalidade,

cuja natureza é capaz de instituir um campo de culturas humanas que vai diferenciar,

instrumentar, capitalizar, simbolizar, animar valores e conflitos.

Este campo de culturas humanas, este patrimônio, vai, por conseguinte, se constituir como seu

62

novo meio imediato, sobre o qual recursivamente o ser humano de forma individual e coletiva

vai interagir, aperfeiçoando neste contato entre o meio e os demais seres, a técnica que nasce e

cresce desta mesma interação. Atualmente, é realmente imensa a literatura que trata da técnica,

sobre todos os aspectos concebíveis: históricos, filosóficos, sociais, econômicos, culturais,

políticos, etc.; sem contar a legião de textos, manuais, livros e periódicos sobre técnicas

específicas, dos mais diversos temas, que se possa sequer imaginar. De fato, sob o termo técnica

se esconde, desde sua origem grega, uma estranha diversidade, reunindo tanto produto final,

quanto processo de produção, ou seja: máquinas, artefatos, mas também procedimentos, métodos,

em seqüências, por vezes, totalmente imateriais.

Neste sentido, é importante de imediato estabelecer, na medida do possível, uma sutil distinção

entre o que acabamos de investigar, a técnica, e a tecnologia. Outrora noções tão inconfundíveis,

mas que, atualmente, se tornaram termos comumente tratados de forma intercambiável. O

historiador das técnicas, François Sigaut (1996) esclarece que o termo tecnologia difundiu-se

muito após a última grande guerra, com a acepção de conjuntos de técnicas modernas e de caráter

científico, em oposição às práticas supostamente empíricas dos artesãos. Entretanto, já existia

uma tradição européia de emprego deste termo, especialmente na Alemanha, desde o século

XVIII, para designar uma ciência das técnicas, seja as modernas ou a dos povos considerados

primitivos.

Segundo o filósofo das técnicas Jean-Pierre Séris (1994), mesmo nesta confusão atual, talvez

ainda se possa estabelecer uma separação: de um lado, o termo tecnologia referir-se-ia aos

veículos, às operações e às fabricações integradas a um complexo ou a um corpo, ao mesmo

tempo teórico e prático, o da tecnociência; de outro, a técnica significaria as transformações

operatórias da natureza e do meio humano, designando, no mais das vezes, o saber-fazer

63

desenvolvido pelo ensino ou pela prática, em uma certa oposição ao significado atual do termo

arte.

Desta forma, acumulam-se produtos acabados, encarnações sucessivas das técnicas mais

sofisticadas, ao mesmo tempo, que se restringe, ao máximo, o domínio de cada indivíduo sobre a

técnica, o saber-fazer, às simples rotinas de acionamento de botões ou comandos, dentro de uma

filosofia que privilegia a chamada usabilidade dos produtos. Critério maior das normas de

qualidade internacionais (ISO 9000), reunindo princípios de facilidade de uso, juntamente com

eficiência e eficácia na aplicação da técnica.

A técnica parece se colocar como uma manifestação do ser humano, em sua relação com a

Natureza, seu contexto maior, formando neste processo iterativo um meio imediato, que lhe é

próprio. Este, por sua vez, será continuamente re-configurado, pela dita manifestação do ser

humano, pela técnica, e pelas possibilidades que se oferecem através das fissuras disponíveis

neste meio, definido por uma geração de técnicas. Fissuras que proporcionam aberturas na

articulação homem-meio, possibilitando o exercício da criatividade humana. Visto que o projeto

“Cem Bilhões” perpassa e é permeado por estas duas concepções, nossa reflexão tende a

circundar estes dois conceitos, meditando e discorrendo sobre suas aparições ao longo da revisão

do projeto que nos norteia.

Livro-texto

Levantamento teórico sobre a tecnologia (livro-texto)

Para Lajolo (1996), o livro-didático pode patrocinar todas as modalidades de leituras que

geralmente são associadas a outros gêneros de livro. Entretanto, tem por característica

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fundamental, na maioria dos casos, um envolvimento mais coletivo sobre seu processo

interpretativo. Segundo Lajolo (1996), livros não-didáticos geralmente:

[...] dispensam seus leitores de qualquer gesto que ultrapasse a leitura individual, o que, aliás, não é pouco, se se entender leitura no sentido amplo de produção e alteração de significados, de envolvimento afetivo, de experiência estética. O manual de instalação de um aparelho, por exemplo, produz significados, na medida em que, a partir da leitura dele, seu leitor aprende a instalar um videocassete, distinguindo pólo positivo de pólo negativo e ambos do fio de terra, ligando cabos diferentes a diferentes chaves, e assim por diante. Um livro de receitas, por sua vez, ao sugerir que o leitor cozinhe abóbora com feijão, produz significados para os leitores que jamais cozinharam ou viram cozinhar aquele vegetal alaranjado de casca dura e cheio de sementes; mas também altera significados para aqueles leitores que, até lerem a receita, só sabiam que se utilizava abóbora como ingrediente de doce e que só tinham comido feijão cozido com lingüiça. (pág 3)

Livro-didático é, segundo Lajolo (1996), “o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que

provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e

sistemática”. Segundo a autora, a sua importância tem valor potencializado em países, como o

Brasil, onde a nefasta “situação educacional” obriga que tais materiais sirvam como

determinantes de conteúdo bem como das estratégias do processo educacional a ser adotado,

marcando efetivamente como se ensino e o que se ensina (Lajolo, 1996).

Dada a sua importância, o livro didático é um amplo campo de estudo. Para pesquisá-lo em sua

plenitude é preciso levar em conta diferentes campos e estudos das mais variadas fontes. Segundo

Fernandes (2004), entre as produções existentes, grande parte toma como corpo de estudo o

próprio livro ou seu conteúdo, portanto, poucos estudos se interessam por sua história e sua

entrelaçada presença na vida social. Segundo Fernandes (2004) “os estudos analisam,

fundamentalmente, seus discursos textuais e iconográficos, e de que forma difundem

conhecimentos científicos atualizados ou ultrapassados”.

65

Entretanto, pesquisas recentes tem se diferenciado das linhas mais comuns e vem dando conta

de sua concepção, produção, difusão e uso, sem contar aqueles estudos sobre as relações do livro

didático com as políticas públicas, os currículos e a industria editorial (Fernandes, 2004). De uso

restrito ao âmbito escolar, o livro didático reproduz valores da sociedade. Entre seus objetivos

mais gerais, divulga as ciências e a filosofia, reforçando o estilo de aprendizagem centrado na

memorização do conteúdo, cumprindo sua tarefa ao longo de muitos anos. Embora o emprego de

tecnologias baseadas nas TICs venham ganhando espaço no cenário educacional, o livro-didático

ainda se sustenta na condição de recurso primordial. Os motivos dessa supremacia são muitos,

mas o fato de utilizar o mais fundamental meio de comunicação humana, o código lingüístico, e

suas características físicas, que o fazem bem exeqüível em diferentes espaços e tempos, são

certamente alguns destes motivos.

Reflexões com um viés mais político sobre o assunto indicam que o livro didático não está

deslocado do contexto político e social cultural e das relações de dominação, e por conta disso é

visto como instrumento da legitimação de sistemas de poder, representando universos culturais

específicos, tornando-se importante na manutenção de determinadas visões de mundo (Fonseca,

1999). Segundo Macedo (2004):

[...] os livros didáticos não são objetivos ou factuais, mas produtos culturais que devem ser entendidos como o resultado complexo de interações mediadas por questões econômicas, sociais e culturais. Ou seja, os livros didáticos expressam a materialização de conflitos entre grupos para hegemonizar suas posições. É claro que esses conflitos não se dão num vazio econômico e social, com visível interferência, por exemplo, de um mercado editorial poderoso [...] (pág 106).

Entretanto sua nomenclatura, enquanto “livro didático”, é dependente de seu uso sistemático

como ferramenta de aprendizagem sobre um corpo de conhecimento qualquer. Sendo que a

própria qualidade da aprendizagem pode ser determinada pela efetividade do livro didático

66

utilizado. Por outro lado, apesar de importante, este gênero de livro é considerado o “primo

pobre” da literatura, segundo Lajolo e Zilberman (1999), é:

[...] um texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico, ou ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o estudante o abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didáticos não são conservados, suplantado seu prazo de validade.

E confirmado por Fernandes (2004), que depois de realizados alguns estudos sobre o tema,

contatou que:

[...] depois que deixa de ser utilizado como material na sala de aula, o livro didático, só em casos específicos, foi guardado, revisitado ou reencontrado com o passar do tempo. E, nessas situações, também cabe questionar sua mudança de valor com o tempo. (pág 533)

Embora muitas das considerações feitas até aqui estejam num plano bastante generalizante, no

caso dos livros de ciências, existem algumas funções que lhe são próprias, diferenciando-os dos

demais livros didáticos. A aplicação do método científico, que visa estimular a análise de

fenômenos, teste de hipóteses, e formulação de conclusões, se caracterizam como as principais

funções de um livro de ciências. Fora a compreensão científica dos fatos, livros sobre o ensino de

ciência devem propiciar ao aluno um entendimento filosófico e estético da realidade que o cerca,

promovendo uma reflexão crítica e formando indivíduos/cidadãos (Vasconcellos, 1993).

A criação de um programa federal para avaliar a qualidade destes materiais, o Programa Nacional

dos Livros Didáticos, se deu no plano do ensino fundamental, em 1985, sendo estendido ao

ensino médio no ano de 2006. Embora os problemas se estendam aos demais níveis de formação

acadêmica, nada consta quando ao desenvolvimento destes materiais especificamente para o

ensino superior nas áreas de ciências e saúde.

67

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao uso

No campo da educação, entender esta tecnologia na sua completude é justificar sua importância

no contexto de ensino, ou seja, no processo de ensino aprendizagem. O livro didático é para

aprendizado coletivo, e orientado por um professor, foi produzido em função da escola, editado e

vendido neste sentido, onde acaba influenciando e determinando conteúdo e estratégias adotadas

no processo de ensino-aprendizagem (Lajolo, 1996; Vasconcellos, 1993).

Na educação, igualmente, não basta acontecer a evolução do livro, embora ele seja de

significativa importância. Antes de proporcionar uma ferramenta de qualidade ao aluno e seu

professor, é preciso que ambos tenham, entre outras exigências fundamentais, condições de

preparo e um lugar adequado para utilizá-lo. Um espaço físico que proporcione segurança,

comodidade, liberdade e a possibilidade de atualização e aperfeiçoamento dos professores, o que,

até o momento, inexiste em grande parte dos ambientes de ensino no Brasil.

Como na maioria dos livros que se adequam a este gênero de texto, no ensino de ciências os

livros didáticos representam, em alguns casos, o único material de apoio didático disponível tanto

para alunos como para professores. Chega a ser lugar comum, entre educadores, entender o livro-

didático como norteador das abordagens de ensino e formador de currículo (Vasconcellos, 1993),

o que deve ser discutido com extrema cautela.

É claro que a tese levantada aqui não sugere, de forma alguma, que a importância do livro-

didático como instrumento específico e importante ao ensino e aprendizagem formal seja

questionado, visto que em muitos casos, se trata de um elemento decisivo para a qualidade do

68

aprendizado resultante das atividades escolares (Lajolo, 1996). O que se questiona aqui é o

papel indevido que muitas vezes é associado, consciente ou inconscientemente, a este material de

ensino. Todo e qualquer livro-didático tem por obrigação deixar claro suas concepções de

educação ao “pontífice” do processo educacional, o professor.

Para reforçar esta questão, segundo Silva (1996):

[...] para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância para ensinar. Coxos por formação e/ou mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a aprendizagem. Muletadas e muleteiros se misturam no processo [...] (pág 7)

Diante das dificuldades levantadas aqui, tornou-se evidente a necessidade de uma transformação

deste material, afim de atender as novas demandas. Por desfrutar de tamanha importância no

cenário educacional, segundo Lajolo:

[...] o livro didático precisa estar incluído nas políticas educacionais com que o poder público cumpre sua parte na garantia de educação de qualidade para todos. Pela mesma razão, a escolha e a utilização dele precisam ser fundamentadas na competência dos professores que, junto com os alunos, vão fazer dele (livro) instrumento de aprendizagem. (1996, pág 4)

De um modo geral, este gênero literário se dirige, de modo simultâneo, a dois “atores”: o

professor e o aluno (Lajolo, 1996). Do lado do professor, este precisa interagir e dialogar com seu

material, e ambos, como aliados de um processo bastante complexo e especial, participam na

construção de um objetivo comum, cujo “beneficiário final”, segundo Lajolo (1996), é o aluno.

Enfatizar os componentes do livro didático é também dever daqueles que acreditam na função de

aprendizagem que ele patrocina. Não é apenas de linguagem verbal que o livro se constitui. É

69

necessário que todos os modos de interação entre usuário e material, ou seja, suas linguagens

sejam igualmente eficientes. O que significa dizer, nas palavras de Lajolo (1996):

[...] que a impressão do livro deve ser nítida, a encadernação resistente, e que suas ilustrações, diagramas e tabelas devem refinar, matizar e requintar o significado dos conteúdos e atitudes que essas linguagens ilustram, diagramam e tabelam. (pág 4).

Resumidamente, num livro didático, todos os seus aspectos precisam estar em função da situação

coletiva da sala de aula, a fim de que nele se aprenda conteúdo, não somente através da leitura de

suas informações, mas também através dos exercícios que ele sugere (Lajolo, 1996). Para Lajolo,

[...] a qualidade dos conteúdos do livro didático – informações e atitudes – precisa ser levada em conta nos processos de escolha e adoção do mesmo, bem como, posteriormente, no estabelecimento das formas de sua leitura e uso. (pág 4)

Tal argumentação faz bastante sentido, sobretudo diante do forte marketing das editoras nos dias

de hoje. Silva (1996) lembra ainda que a tradição do livro didático é tão forte no sistema

educacional brasileiro, que o seu acolhimento chega a ser até independente da vontade e decisão

dos professores. Em interessante reflexão sobre o uso do livro didático, Silva (1996) escreve:

Não é à toa que a imagem estilizada do professor apresenta-o com um livro nas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis, indicotomizáveis. E aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias dos livros, dentre as quais se destaca aquela do livro “didático”: comprar na livraria no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende. (pág 8)

Segundo Fernandes (2004), o caráter descartável do livro-didático tem suas raízes em sua relação

intrínseca com o conteúdo e o contexto educacional.

De modo geral, o livro didático tem sido desvalorizado depois de seu uso imediato por cumprir uma função específica na vida dos indivíduos, ou seja, por ser intrínseco ao contexto escolar, tornando-se descartável e sem valor fora de seu contexto original. (pág 537)

70

Banco de Objetos de Aprendizagem

Levantamento teórico sobre a tecnologia (banco de dados, objetos de aprendizagem)

Embora haja muita discussão sobre o que constitui um objeto de aprendizagem, de um modo

geral, é uma entidade digital, ou não digital, que pode ser usada, re-usada ou referenciada como

parte de uma tecnologia de aprendizagem (Butson, 2003). No campo educacional tem-se

observado uma grande demanda por inovações nas estratégias de ensino e aprendizagem, e no

que diz respeito ao ensino de ciências e saúde, seu processo educativo é uma grande motivação

para a introdução de materiais baseados em TICs, a fim de enriquecer e potencializar todo o

complexo processo de ensino e aprendizagem referentes a esta área do conhecimento.

A formulação de perguntas, realização de observações e experiências, coleta e análise de dados,

desenvolvimento de pensamento lógico e crítico, formulação de conclusões, avaliação de

respostas alternativas e comunicação dos dados obtidos, tão característicos do ensino de ciências

e saúde, podem ser amplificados no uso deste maquinário, muito embora a emergência de

recursos digitais traga uma série de novos desafios, como a confiabilidade da informação; a

necessidade de certa “intimidade” para buscar e analisar os materiais; a característica transitória

de páginas e endereços na Internet etc.

Por conseguinte, é neste contexto de inovações na prática educativa que o conceito de objetos de

aprendizagem toma forma. Dentre as diferentes definições disponíveis na literatura, como já

71

mencionado nos início deste tópico, pretendo adotar aquela que entende os objetos de

aprendizagem como qualquer recurso digital que possa apoiar o processo educativo através da

oferta de conteúdos de ensino-aprendizagem. De uma maneira geral, duas são as principais

motivações para o desenvolvimento e disseminação dos objetos de aprendizagem: a ampliação da

oferta e distribuição dos recursos educativos; e o potencial de reutilização e readaptação dos

recursos de acordo com as necessidades dos usuários e do contexto educativo (Parrish, 2004).

Como acontece no caso de materiais baseados na tecnologia hipermídia, em muitos casos

observa-se um grande empenho no desenvolvimento e disseminação dos objetos de

aprendizagem, acompanhado de pouca ou nenhuma preocupação sobre os aspectos pedagógicos

envolvidos em sua utilização, o que pode minar as expectativas sobre o potencial deste material.

Segundo Orril (apud Giannella, 2002), é a questão técnico-operacional e de design que vem

tomando conta das reflexões sobre o assunto. Perspectivas tradicionais de ensino e aprendizagem

continuam a representar a história do desenvolvimento e origem dos objetos de aprendizagem.

Segundo Ritland et al. (apud Giannella, 2002), essa integração vem corroborando com uma visão

educacional muito próxima àquela do paradigma comportamentalista, baseado nas experiências

de Skinner.

De uma maneira geral, a questão que se levanta aqui é que a produção e utilização de sistemas de

objetos de aprendizagem devem estar sempre aliados aos mais recentes avanços das pesquisas em

torno do processo de ensino e aprendizagem. E parece unanimidade que estes avanços de

materializam na essência dos ideais construtivistas de aprendizagem, que de uma maneira

bastante resumida, se fundamentam em premissas como: aprendizagem ativa, significativa e

contextualizada (Jonassen, 1999).

72

As constatações de Ritland et al. (apud Giannella, 2002), sugerem que embora o uso de

sistemas de objetos de aprendizagem viabilizem a prática destes pressupostos construtivistas,

poucos estudos foram realizados no sentido de buscar formas concretas de implementar estes

ideais.

É importante salientar, entretanto, que apesar de existir certo apelo a característica inovadora dos

objetos de aprendizagem, essa concepção não é recente e sua difusão nos dias de hoje, deve-se as

oportunidades geradas pela introdução das TICs na educação, que permitem que o

compartilhamento destes objetos de aprendizagem seja bastante significativo. Desde os seus

primórdios, a grande questão da introdução de computadores no processo de ensino era o

desenvolvimento de materiais e conteúdo nesta nova plataforma, que adicionaria uma nova

dimensão na interação do aluno com a matéria, através da concepção de interatividade entre

outros fatores.

Entretanto, embora algumas iniciativas tenham sido tomadas neste sentido (“National

Educational Resources Information Service (NERIS)”, nos anos 1980, ou a “Teaching and

Learning Technology Programme (TLTP)” nos anos 1990, e mais recentemente a “National

Learning Network (NLN)”, todas na Inglaterra, somente para exemplificar algumas), e todas com

um alto custo de implantação, pouco se aproveitou deste esforço. Segundo Liber (2005), existem

algumas razões que justificam este fracasso, entre elas:

Estes materiais têm uma vida curta, pois com o rápido progresso tecnológico, os

materiais para desenvolvidos para uma determinada plataforma podem não funcionar

em outras;

73

Alguns materiais não podem ser aproveitados visto que não tem a capacidade de se

adaptar à diferentes contextos;

Segundo Liber (2005), um exemplo clássico sobre o primeiro tópico é o projeto Domesday, da

BBC, onde uma enorme base de dados foi desenvolvida e arquivada num disco de vídeo, mas em

um formato que já não é mais suportado por nenhuma plataforma atual, tornando extremamente

trabalhosa a sua utilização.

O conceito de objetos de aprendizagem pode superar pelo menos o segundo tópico. Teóricos

desta tecnologia acreditam (Liber, 2005; Hodgins, 2000) que, se bem desenvolvidos, objetos de

aprendizagem podem ser comparados a concepção do tradicional brinquedo “Lego”, onde os

componentes serão facilmente colocados, retirados e substituídos, tornando-se um material

bastante adaptável a diferentes contextos de aprendizagem.

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao Uso

De um modo geral a relação de objetos de aprendizagem com a educação se dá de forma bastante

similar ao de materiais hipermídia, visto que ambos se inserem no gênero de materiais

interativos. Muito embora as potencialidades pedagógicas dos objetos de aprendizagem sejam

bastante consideradas, algumas vezes a origem destas motivações emerge, sobretudo, do valor

mercadológico a eles atribuídos. Não são poucos os trabalhos na literatura, que enfatizam a

redução de custos pela diminuição de duplicidade no desenvolvimento destes objetos (Downes,

2001; Shepherd, 2000).

74

A questão fundamental sobre a utilização de sistemas deste gênero, invariavelmente recai,

resumidamente, sobre três vertentes essenciais: aspectos inerentes a teorias de aprendizagem;

conhecimentos relativos a outras áreas como ergonomia, engenharia de sistemas; e as

potencialidades e limitações da tecnologia em si (Tarouco et al, 2003).

A concepção de objetos de aprendizagem é um recurso tecnológico que surgiu como forma de

organizar e estruturar materiais educacionais digitais. A tecnologia, de um modo geral, é um

agente (trans)formador, e no caso da educação, vem modificando algumas realidades e

paradigmas, sobretudo no modo como as pessoas aprendem e são ensinadas (Tarouco et al,

2006). Sobre como são ensinadas, invariavelmente somos levados a refletir, conforme Wiley

(2002) sugeriu, sobre um outro problema, que “pode estar surgindo na maneira com que os

materiais educacionais são projetados, desenvolvidos e apresentados para aqueles que desejam

aprender”. De um modo geral, o projeto e construção de objetos de aprendizagem demandam um

complexo arranjo de habilidades multidisciplinares, além de um planejamento bastante cuidadoso

e metodicamente desenvolvido (Tarouco, 2006).

Segundo Polsani (2003), para se produzir um objeto de aprendizagem é preciso: conhecer a

temática sobre a qual se pretende trabalhar; determinar a abordagem pedagógica que norteará sua

concepção e uso; saber utilizar ferramentas de autoria para sua construção; e trabalhar de forma

coerente com os princípios de projeto educacional. É evidente, portanto, que as competências

inerentes à profissão de professor, nos dias de hoje, devem privilegiar novas habilidades, capazes

de utilizar os novos recursos cognitivos apoiados nas NTICs.

Por conseguinte, para Tarouco (2006):

A formação do professor para atuar neste novo contexto tem sido facilitada pela emergência de software que permite a criação de material educacional digital sem que o próprio professor seja um programador, usando estruturas e procedimentos já

75

programados, reunindo-os, agregando conteúdo e forma de tratamento aos dados que dependem de sua estratégia pedagógica. O fato de não precisar ser um programador ou um analista de sistemas não significa que se possa prescindir de uma cultura informática básica e de uma capacitação para o uso destas ferramentas. Ressalte-se que a facilidade no manejo das diversas ferramentas de software, aliada à experiência do docente autor enseja condições para que o resultado atenda mais especificamente os objetivos e expectativas do professor em termos de uso da TIC como ferramenta de apoio ao processo de ensino aprendizagem por ele delineado. (pág 4)

Por conta disso, segundo Tarouco (2006), alguns cursos vêm sendo oferecidos no sentido de

formar os professores para o desenvolvimento de objetos de aprendizagem utilizando ferramentas

de autoria como Powerpoint, Hotpotatoes, Flash entre outras. Tais cursos priorizam a noção de

que o processo de ensino e aprendizagem exige uma participação ativa dos sujeitos envolvidos,

que pelo lado dos professores, pressupõe que uma aprendizagem efetiva, dinâmica e significativa

exige esforço no sentido de diversificar as formas de disponibilizar a informação e os recursos

utilizados em sala de aula, bem como as produções de seus alunos.

É experiência que se tem neste processo é que estes professores, quando desafiados a planejar os

objetos que serão construídos e utilizados, são de algum modo instigados a pensar no seu uso

pedagógico bem como sua integração nas mais diversas realidades e propostas pedagógicas.

Segundo Tarouco et al (2006):

A partir desse esforço, eles são desafiados também a ter autonomia para criar e produzir, com diferentes ferramentas de autoria, objetos, projetos e conteúdos educacionais; ter capacidade de refletir criticamente a respeito dos materiais e objetos disponíveis atualmente e ter capacidade de planejar o uso de objetos em conformidade com a proposta pedagógica que orienta sua prática. (pag 3)

Outra importante concepção sobre o desenvolvimento e uso de objetos de aprendizagem é o

conceito de reusabilidade. Para atender a esta característica, cada objeto tem sua parte visual, ou

seja, a parte que interage com o aprendiz, separada dos dados sobre o conteúdo e os dados

instrucionais do mesmo. Por conta disso, um objeto de aprendizagem pode ser usado em

76

diferentes contextos e ambientes virtuais de aprendizagem.

É comum creditar esta possibilidade como a principal característica dos objetos de aprendizagem.

A reusabilidade destes objetos de aprendizagem é posta em prática através de repositórios, que

armazenam os objetos logicamente, permitindo serem localizados a partir da busca por temas, por

nível de dificuldade, por autor ou por relação com outros objetos. Segundo Tarouco et al (2003),

é o metadado de um objeto educacional que descreve as características relevantes para sua

catalogação em repositórios de objetos educacionais reusáveis.

Esta catalogação, que possibilita incorporá-los em múltiplas aplicações, destaca-se também por

permitir uma melhor acessibilidade destes materiais (pela possibilidade de acessar recursos

educacionais em um local remoto e usá-los em muitos outros locais); pela interoperabilidade,

visto que pode-se utilizar componentes desenvolvidos em um local, com algum conjunto de

ferramentas ou plataformas, em outros locais com outras ferramentas e plataformas; bem como

pela durabilidade, visto que é comum continuar usando recursos educacionais quando a base

tecnológica muda, sem reprojeto ou recodificação (Tarouco, 2003). É importante salientar,

contudo, que o preenchimento destes “metadados” ainda é um problema para a impulsão dos

objetos de aprendizagem, seu desenvolvimento e uso generalizado. Além de ser tratar de um

processo extremamente trabalhoso e demorado, fator que desestimula sua criação e

armazenamento, ainda existe muita dúvida sobre como preencher estes “metadados”, o que vem

resultando em objetos pobremente descritos, dificultando sua busca e reutilização posterior.

Segundo Nunes (2004):

A idéia por trás de um esquema de classificação é permitir que os usuários possam ter maiores informações sobre os recursos antes de abri-los. Imagine-se a situação onde uma busca por palavra-chave retorna alguns milhares de resultados. Se o usuário for abrir cada link, acabará gastando um tempo de que não dispõe. A idéia dos esquemas de

77

classificação de recursos educacionais é padronizar um conjunto de itens de classificação que facilitam o trabalho dos educadores permitindo que façam filtros e encontrem o que buscam mais facilmente, sem a necessidade de abrir um por um os resultados retornados pelas ferramentas de busca. Exemplos seriam o refino de uma busca filtrando, além da palavra-chave, o público-alvo, o tempo estimado de uso, o tipo de tecnologia utilizada, o nível de interatividade, etc. Esses dados extras sobre os recursos que fornecem informações para a catalogação e busca, são chamados metadados. Como o assunto catalogação é essencial quando se fala de objetos de aprendizagem, ele será abordado detalhadamente mais adiante. (pág 4)

Hipermídia

Levantamento teórico sobre a tecnologia (hipertexto, multimídia)

Sistemas Hipermídia, inicialmente, se definem a partir dos conceitos de hipertexto e multimídia.

Multimídia compreende a articulação de um conjunto de diferentes meios como vídeo, texto,

som, para representar uma informação qualquer (Rezende, 2004). De uma forma mais precisa

ainda, é a articulação entre duas formas de midia, uma estática (texto, fotografia, gráfico) e outra

dinâmica (video, animação, etc), “mediadas” através de um computador. Em parte por conta de

se tratar de uma apresentação de informação em diversas mídias, a hipermídia é considerada uma

poderosa ferramenta na transmissão do conhecimento.

É dificil precisar exatamente em que momento da história a idéia conceitual da multimídia

começa a efetivamente se desenvolver. A multimídia está emergindo como a principal mídia do

nosso século. Ainda assim, sua concepção de integralidade e interatividade tem uma longa

história, e uma evolução que já ultrapassa 150 anos de vida. Discussões sobre o seu

desenvolvimento e evolução tendem a ficar focadas em alguns poucos sucessos pessoais,

78

negligenciando o trabalho de engenheiros e artistas que primeiro avistaram as possibilidades de

se apelar a vários sentidos humanos simultaneamente, potencializando a capacidade creativa da

mente humana. Uma justa reconstituição desta “história secreta” nos remete, na realidade, às

cavernas de Cro Magnum, onde artistas pré-históricos deixaram suas marcas nas paredes.

Desenhos de búfalos se misturam ao aroma de gordura animal, onde rituais eram feitos, um

verdadeiro “teatro mágico dos sentidos” (Packer & Jordan, 2001).

A partir de então, vários pioneiros da concepção multimídia se seguiram, cada qual com sua

contribuição específica, porém esquecida pelas manuais do assunto. O compositor alemão

Richard Wagner, e sua concepção de “arte total” fundamentada em seu ensaio “The Art-work of

the Future”, e o poeta italiano Marinetti são marcos dessa evolução e “história secreta” da

multimídia.

O hipertexto, por sua vez, e do ponto de vista técnico, é uma sistema computacional que

apresenta um dado qualquer através de nós de informação, interconectados através de palavras-

chave, organizadas não-sequencialmente (Rezende, 2005). Sua concepção, do ponto de vista

histórico, é bem mais recente. Em seu livro S/Z, Roland Barthes (apud Landow, 1992) descreve a

“textualidade ideal”, que de alguma forma, é exatamente o que se entende por hipertexto, nos

dias de hoje. Nesse “texto ideal”, Barthes afirma que as conexões são muitas e interagem, sem

que nenhuma delas seja mais importante que a outra.

De um ponto de vista mais teórico, o hipertexto é uma técnica de transformação do discurso,

através de um método de estruturação e acesso às mensagens e/ou idéias que guarda. É um

instrumento informacional qualificável de vários modos, que vão desde um esquema dinâmico de

representação de informação a uma tecnologia da inteligência (Lévy, 1993), entre outros modos.

79

Neste sentido, uma hipótese interessante é que o hipertexto faz renascer/reviver a retórica em

uma atmosfera informacional e comunicacional dominada pelas tecnologias da inteligência, como

as chama P. Lévy (1993). Talvez o instrumento técnico mais performativo para a nova retórica do

discurso digital. A leitura hipertextual pode ser comparada a um passeio ao seio de um cenário

mais ou menos pré-construído, que deixaria ao leitor freqüentemente a ilusão de liberdade.

De acordo com o levantamento bibliográfico sobre o assunto, constatei que Vannevar Bush é a

quem devemos o conceito de hipertexto. Seu artigo intitulado “As We May Think” descreve sua

invenção: o “MEMEX”, que demonstra ser realmente um sistema hipertextual. O Memex nunca

foi efetivamente colocado em prática, isto é, construído. Ele seria constituído de um sistema

mecânico de microfichas cujos diferentes conteúdos eram interligados entre si de forma

associativa. Em seu artigo, ele já demonstrava a importância dos links, comparando estes com as

associações semânticas que ocorrem no pensamento humano, que eram caracterizadas por

Saussure como o eixo paradigmático da língua (Landow, 1993).

Bush visava resolver com o Memex os problemas causados pelo constante crescimento de

documentos científicos e técnicos, o Memex permitiria ao seu usuário de classificar e de

encontrar em pouco tempo todos os tipos de documentos relacionados ao tema pesquisado. Os

documentos encontrados seriam visualizados através de duas telas disponibilizadas ao usuário.

Inspirado pelo artigo “As We May Think” de Bush, Douglas Engelbart construiu o primeiro

sistema hipertextual efetivamente, chamado NLS, que já permitia a seus usuários de interligar

documentos. Engelbart criou também uma série de recursos engenhosos como o mouse, a janela,

o correio eletrônico, isso tudo para facilitar a navegação pelo hipertexto.

Coube ao filósofo Ted Nelson designar a nova mídia pelos termos de hipertexto e hipermídia em

1965. Segundo ele, o Hipertexto é um termo usado para descrever uma habilidade, a da não-

80

linearidade, isto é, navegar através dos textos de maneira não seqüencial, isso era possível

devido aos links que associavam as informações por palavras chaves, e/ou botões. Em outras

palavras,

[…] Hipertexto é um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares ligados por links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para todas as categorias de signos (imagens, animações, sons, etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o hipertexto. […] (Lévy, 1999, pg 27).

Assim, o usuário não é influenciado pelo formato linear do suporte livro, pois suas páginas, ao

contrário do livro, podem ser folheadas de diversas formas. Criando, conseqüentemente, novas

modalidades de escrita e leitura.

Seu grande sonho era um enorme hipertexto contendo toda literatura mundial, esta enorme rede,

que ele chamou de Xanadu, estaria disponibilizada para todas as pessoas que possuíssem um

computador. As pessoas podiam não só acessar todos os documentos, como incluir suas idéias,

interligando-as aos textos já presentes na rede.

Não é exagero considerar o hipertexto junto a história das tecnologias da memória, pois, esta

também é vista como uma ferramenta desenvolvida para ajudar a conservar e lembrar algumas

das criações do homem. Lévy (1993) descreve as diversas técnicas que já existiram de “memória

artificial”: a mnemotecnia, que era a arte e técnica de desenvolver e fortalecer a memória

mediante processos artificiais auxiliares, como, por exemplo: a associação daquilo que deve ser

memorizado com dados já conhecidos ou vividos; combinações e arranjos; imagens, etc.

A escrita, que é outro sistema mnemônico usado para registrar mensagens ou fixar a memória de

acontecimentos, consistindo na representação de palavras ou idéias por meio de sinais; caracteres

alfabéticos; escrita ideográfica; escrita musical. Antes do Códex existia o volumen, um rolo feito

de papiro, que segundo o Aurélio, é uma grande erva da família das ciperáceas (Cyperus

81

papyrus), própria das margens alagadiças do rio Nilo, na África, cujas compridas folhas

forneciam hastes das quais se obtinha o papiro, material sobre o qual se escrevia.

O códex, que o Aurélio descreve como um conjunto de tábulas, que era geralmente uma pequena

peça redonda, de osso, marfim, madeira, ou metal, na qual se registrava normalmente leis, poses,

entre muitas outras coisas; usava-se freqüentemente em grupos de duas, três, cinco ou mais

unidades (díptico, tríptico, pentáptico, políptico), ligadas por charneiras, formando conjunto,

chamado códex, que se fechava como um livro e podia receber atacas, as quais se lacravam

quando continham mensagens sigilosas. A imprensa, que é considerada uma das mais

importantes tecnologias da memória, apareceu no ocidente com Johann Gutenberg (1398 – 1468),

alemão inventor da imprensa. E, finalmente, o computador cuja história já bastante conhecida.

Todas estas “tecnologias da memória” ou “memórias artificiais”, irremediavelmente causaram e

continuam causando profundas transformações no homem. Afinal, os homens são seres

condicionados e tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma

condição de sua existência (Arendt, 1989). É importante lembrar que as técnicas de memória

citadas acima não vieram nessa ordem cronologicamente tão pontual, qualquer livro sobre a

história da escrita data sua criação há 4000 anos. E. Eisenstein (1993) mostra como a imprensa já

existia no Oriente muito antes de surgir no Ocidente. A Grécia Antiga já possuía alfabeto, como é

sabido por todos, aliás, praticamente o criou ao remodelar o alfabeto dos fenícios incluindo as

vogais. Mas, nessa época a escrita era vista apenas como uma muleta, sendo que algumas pessoas

eram até contra sua disseminação. F. Yates (1966), em seu livro “The Art of Memory”, apresenta

um trecho do diálogo de Platão, intitulado Phaedrus, mostrando como Sócrates via a invenção da

escrita:

Sócrates: Só resta, então, falar sobre o que convém e o que não convém escrever, e examinar quando essa arte é bem ou mal empregada. Está certo? Fedro: Sim.

82

Sócrates: Sabes tu como se pode ser mais agradável aos deuses, em ações ou em discursos? Fedro: Não, e tu sabe? Sócrates: Tenho vontade de contar-te uma história transmitida pelos antigos; se ela é verdadeira ou falsa, só deus sabe. Afinal, se nós pudéssemos conhecer a verdade haveríamos de nos preocupar com o que dizem os homens? Fedro: O que dizes é curioso. Conta-me essa história que dizes ter ouvido! Sócrates: Bem, ouvi dizer que na região de Naucratis, no Egito, houve um dos velhos deuses daquele íbis. Quanto ao deus, porém, chamava-se Thoth. Foi ele que inventou o número e o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas e os dados, e também a escrita. Naquele tempo governava todo o Egito, Tamuz, que residia ao sul do país, na grande cidade que os egípcios chamam Tebas do Egito, e a esse deus davam o nome e Amon. Thoth foi ter com ele e mostrou-lhe as suas artes, dizendo que elas deviam ser ensinadas aos egípcios. Mas, o outro quis saber a utilidade de cada uma, e enquanto o inventor explicava, ele censurava ou elogiava, conforme essas artes lhe pareciam boas ou más. Dizem que Tamuz fez a Thoth diversas exposições sobre cada arte, condenações ou louvores cuja menção seria por demais extensa. Quando chagaram à escrita, disse Thoth: ‘Esta arte, caro rei, tornará os egípcios mais sábios e lhes fortalecerá a memória; portanto, com a sabedoria.’ Responde Tamuz: ‘Grande artista Thoth! Não é a mesma coisa inventar uma arte e julgar da utilidade ou prejuízo que advirá aos que a exercerem. Tu, como pai da escrita, esperas dela com teu entusiasmo precisamente o contrário do que ela pode fazer. Tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória; confiando apenas nos livros escritos, só se lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo, tu não inventaste um auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação. Transmites aos teus alunos uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos. Em conseqüência serão desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao invés de verdadeiros sábios. […] E, uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda parte, não só entre os conhecedores mas também entre os que não o entendem, e nunca se pode dizer para quem serve e para quem não serve. Quando é desprezado ou injustamente censurado, necessita de auxílio do pai, pois não é capaz de defender-se nem de se proteger por si.

Um segundo fator muito importante de ser lembrado, em relação a esta história das técnicas da

memória, o que inclui o hipertexto, é a lentidão dos processos de criação, adaptação e

transformação destas técnicas. Por exemplo, quando surgiu a imprensa no ocidente, Eisenstein

(1993) mostra através de suas pesquisas que o público leitor era praticamente inexistente, quer

dizer, as práticas de leitura e escrita não eram práticas comuns. Aliás, ela salienta como é preciso

diferenciar um indivíduo alfabetizado de um indivíduo com o hábito de leitura.

83

Portanto, o hipertexto também terá uma fase de adaptação, a transposição da leitura do livro

para a leitura na tela do computador, da escrita no papel para a digitação diretamente na tela do

computador, entre muitos outros ajustamentos a estas novas “condições” de comunicação.

Relação com a Educação e Questões Relacionadas ao Uso

Pesquisas voltadas para o hipertexto, enquanto representação da tecnologia, se multiplicam na

área da informática, especialmente quanto a sua sofisticação constante, e quanto às formas mais

racionais de implantar sua utilização. Entretanto, a adaptação deste maquinário no processo

educacional requer mais do que somente a “expertise” técnica, é preciso um equipe

multidisciplinar para condução deste processo (Koyani, Sanjay & Bailey, 2004).

A justa implementação da hipermídia na educação pode ser observada na medida que se afirma

sua capacidade de potencializar o processo de ensino-aprendizagem. Alguns artigos constatam

(Pozzebon, 2000; Grifin, 2003) que de uma maneira geral, o uso destes sistemas podem ser uma

interessante ferramenta de apoio às aulas, uma vez que os resultados obtidos são favoráveis tanto

nos aspectos funcionais quanto visuais. Materiais interativos como o sistema hipermídia, por

exemplo, promovem nos alunos uma “atitude” (ação) sobre o conteúdo, potencializando no aluno

a habilidade autodidata, tornando-o mais independente e fazendo com que ele adquira

conhecimentos variados (Pozzebon, 2000; Jonassen, 1994).

O uso destes modelos permitem ao aluno realizar diversos experimentos, explorando e realizando

seus objetivos de forma independente, facilitada pela interface agradável e motivadora, que

facilita a interação e, consequentemente, a aprendizagem do conteúdo (Pozzebon et al., 2002).

84

Materiais educacionais baseados na tecnologia hipermídia, permitem o acesso a uma grande

quantidade de conteúdo, articulados entre textos, sons, vídeos e animações tornando o

aprendizado mais interessante.

Todas estas características nos remetem à questão da relação entre a prática educacional e a

técnica. O grau desta relação se traduz na medida em que a técnica, no caso, hipermídia, se

adequa ao problema que pretende “solucionar”, que no caso é de ordem educacional. O problema

da “experimentação” é um exemplo do que pretendo dizer aqui. No artigo “Hipermídia Aplicada

ao Ensino na Área Médica”, de Eliane Pozzebon e colegas (2002), a autora afirma que uso de

materiais hipermídia podem até evitar a experimentação com animais, considerada de alto custo

para as instituições de ensino.

Quando se afirma que o uso destes modelos permite ao aluno realizar diversos experimentos,

podendo tornar o estudo mais prático e com menores custos, isso se torna uma boa “razão” para a

utilização destes sistemas. Na medida em que a experimentação é um “problema”, conforme

afirmou a autora, somos levados a crer que o uso de sistemas hipermídia atende este problema de

forma efetiva, o que significa dizer que a tecnologia se adequa ao problema. Outro exemplo do

que estou colocando, é o caso de Neurociência, por exemplo, onde existe uma grande quantidade

de conteúdo a ser absorvido pelos estudantes. O uso de computadores influenciam os meios

didáticos de tal forma que os estudantes não precisam mais memorizar todas as informações

recebidas. Com o auxílio da materiais digitais interativos, este problema pode ser contornado pela

capacidade que estes sistemas tem de armazenar gigantescas quantidades de informação e

disponibilizá-las em qualquer momento (Pozzebon, 2000).

A questão da atenção sobre o conteúdo de uma disciplina perpassa os anos, e não há quem não

85

tenha vivido este problema em sua vida educacional, desde a escola até a mais alta titulação

acadêmica. Este problema também pode ser de alguma forma “solucionado” pelo uso da

tecnologia hipermídia. A combinação de texto, imagem, sons, animações e vídeos, transmitidas e

manipuladas pelo computador, fazem com que o conteúdo fique mais atraente e, dependendo da

qualidade pedagógica do material, seja tratado de forma mais clara e fácil. Desta forma, ela tem

sido muito utilizada para prender a atenção de usuários e manter seu interesse durante uma

apresentação, usando a combinação de elementos para criar uma combinação visual dinâmica e

de maneira mais efetiva (gráficos de alta definição, linguagem natural falada). O que

anteriormente era apenas uma aula entediante e estática, pode tornar-se um texto envolvente,

apresentado em diversas mídias.

A própria apresentação hipertextual, dinâmica e não linear de informações, que utiliza o conceito

de multimídia para enriquecer a forma de apresentação, conforme citado nos parágrafos

anteriores, permite que o usuário mova-se livremente através da informação, escolhendo a ordem

em que deseja acessá-las. Esta postura ativa sobre a construção do conhecimento é dos elementos

fundamentais sobre a utilização de sistemas hipermídia na educação.

O processo de construção de conhecimento baseado no uso de ferramentas cognitivas, aproxima

o estudante do conhecimento, e tem como resultado um conhecimento mais profundo sobre o

conteúdo abordado. Entretanto, é possível estabelecer pelo menos duas visões distintas sobre o

uso deste maquinário no processo de ensino-aprendizagem. Segundo Jonassen (1994), para uma

verdadeira potecialização do processo educacional, o uso destes sistemas como “ferramentas

cognitivas” deve dar ao estudante a possibilidade de expressar e representar aquilo que sabem. Os

próprios estudantes devem agir como designers, usando a ferramenta para analisar informações,

86

interpretar e organizar seus próprios conhecimentos.

Algumas pesquisas preconizam que o uso desta tecnologia é fundamental por conta de seu

gerenciamento de informação de forma não-linear, que de alguma forma se assemelha ao

processo de raciocínio humano. Entretanto, as características técnicas do hipertexto, sem as

demais considerações teóricas de sua utilização, jamais podem torná-lo uma “ferramenta

cognitiva”. Embora haja certa euforia quanto a introdução desta tecnologia no processo

educacional, existem certas pesquisas que questionam sua capacidade de potencializar a

construção de conhecimento. Segundo Hammond (1993), as apresentações hipertextuais, por si

mesmas, são veículos deficitários para muitas situação de ensino-aprendizagem. O entusiasmo

que parece tomar conta do cenário educacional por conta desta tecnologia parece não

compreender a “natureza” do aprendizado.

O fato desta tecnologia acomodar diferentes mídias e uma enorme capacidade de informação não

significa muito se considerarmos que em algumas ocasiões do processo, estas características não

são necessárias. Certamente, a busca e a exploração “livres” sobre o conteúdo, disponibilizadas

pelo recurso hipermídia, têm um papel muito importante no processo de ensino-aprendizagem,

mas o que se questiona é se essa liberdade é sempre a melhor opção. Pode até ser divertido entrar

e sair por diferentes caminhos, e até instrutivo, mas o ponto que se pretende levanta aqui, é se em

alguns casos não é mais efetivo que esta liberdade seja restringida à um aspecto relevante do

conteúdo, por exemplo (Hammond, 1993).

De alguma forma este problema se articula com a “sobrecarga cognitiva”, que se refere ao fato de

o usuário se encontra perante a situação de tomar decisões sobre os percursos a seguir, a todo

instante, até mesmo questionando-se quanto à necessidade ou interesse cognitivo das decisões

87

que fez. A riqueza de sistemas hipermídia, e sua representação não linear, traz consigo seu

maior defeito, o risco de uma potencial indigestão hipertextual, a perda de direção, do objetivo e

entropia cognitiva (Cangià, 1992).

Um dos critérios básicos para justa apropriação desta técnica no processo educacional, do ponto

de vista de “ferramentas cognitivas”, é exatamente inibir essa liberdade demasiada, e focar o

estudante no processo. Embora em hipertextos “básicos” (Hammond, 1993) o aluno seja guiado

em parte por seus objetivos e em parte pela estrutura de links do ambiente, em hipertextos mais

sofisticados, existem ferramentas de pesquisa e “overview”, para uma localização melhor do

conteúdo abordado pelo sistema, sendo que últimas gerações de hipertexto, possibilitam que o

aluno desenvolva até conteúdo e crie seus próprios links.

Um segundo critério, seria a capacidade deste sistema de oferecer uma “aprendizagem situada”

(Sugrue, 2000). Bem como as palavras encontram seu verdadeiro significado ancorado no texto

que as cercam e contextualizam, essa abordagem acredita que a experiência da aprendizagem

também é extremamente dependente do contexto. A “aprendizagem situada”, tendo como

referência teórica as contribuições de Vigotsky e Dewey, e como fundadores Collins e Brown, se

define a partir da interacção com outros, em ambientes não descontextualizados, de resolução de

problemas.

A aprendizagem, propriamente dita, ocorre através da reflexão na experiência, no diálogo

mantido com os outros e na exploração dos acontecimentos num contexto espacial e temporal

específicos. A importância da contextualização dos processos de aprendizagem, segue uma visão

relacional do conhecimento e da atividade situada, proposta pelas teorias da cognição situada. A

participação do estudante constitui o elemento principal para a teoria da aprendizagem situada, na

88

medida em que requer o desenvolvimento da negociação da significação nas diferentes

situações e contextos em que ocorre. Este processo requer que a compreesão e a experiência

estejam em constante interação, e que a noção de participação disolva as dicotomias entre o

cerebral e a atividade física.

A própria natureza de um material educativo é definida em grande parte pelo seu uso de forma

essencialmente “situada” (Projeto Cem Bilhões de Neurônios, 1997). A parceria com

especialistas de conteúdo abre a possibilidade para que estes materiais sejam projetados e

desenvolvidos levando em conta os problemas específicos da área do conhecimento onde se

inserem, isto é, contextualizando e ampliando a utilização destes meios no processo de ensino,

potencializando as possibilidades destas ferramentas.

Embora vários estudos venham sinalizando a capacidade e o potencial do uso de sistemas

hipermídia na educação, outras pesquisas não se revelam tão otimistas. Em artigo publicado em

1997, T. Cockerton e R. Shimell (1997) avaliaram o uso de um livro eletrônico de história, num

ambiente hipermídia. O teste experimental comparava os resultados da aprendizagem com a

aplicação do sistema e do livro tradicional. A observação das atividades e interações realizadas

pelas crianças demonstraram que, embora tenham tido poucos problemas no uso do sistema, e até

mais facilidade no manuseio do que as crianças que usaram a versão tradicional (livro), nenhuma

diferença significante foi constatada entre os dois grupos quanto ao número de respostas corretas.

As experiências com o uso de sistemas baseados na hipermídia para o ensino têm revelado alguns

problemas. Em se tratando de um gênero de mídia que pode acumular grandes quantidades de

informação, e disponibilizá-las ao usuário em qualquer momento, um desses problemas é, sem

dúvida, como o estudante “navega” por estas informações. Não é sem motivo que muitos alunos

89

se perdem ou ficam desorientados em enormes estruturas hipertextuais. Pode ser difícil para

alguns estudantes encontrarem “território” familiar, ou até informações específicas que lhes

interessem. É normal que o hipertexto não esteja organizado da maneira que os alunos esperam, e

a própria falta de conhecimento podem prejudicá-los neste processo (Hammond, 1993).

A própria facilidade de deslocação de um ponto para outro, somada é claro pela quantidade de

informação e ausência de “feedback” sobre a localização do usuário, comum em muitos sistemas,

determinou este problema clássico, que foi denominado por Conklin (apud Hammond, 1993),

com muita clareza, como “perder-se no hiperespaço”.

Segundo Hammond (1993), estes dificuldades de navegação tendem a surgir quando os usuários

não conseguem organizar seus objetivos as estruturas de informação disponíveis pelo sistema.

Para contorná-las é necessário que o sistema disponibilize uma visão geral (overview) das

informações contidas nele.

O desenvolvimento de modelos hipertômatos, como no caso do artigo de Pozzebon (2000), se

volta para tentar solucionar este problema. Pessoas com pouca “intimidade” com máquinas

tendem a se perder mais facilmente nos “nós” de informação. Segundo Pozzebon (2000):

O modelo hipertômato permite a visualização de todos os nós (estados) do sistema e das ligações (transições de estado) que poderão ocorrer quando da navegação do usuário no sistema. A grande vantagem da concepção do sistema através desta modelagem é a garantia de que todos os estados do ambiente sejam alcançáveis, ou seja, muitos dos problemas de navegação (perda do usuário no espaço de informações, páginas não encontradas) e que na maioria das vezes dependem dos aspectos construtivos dos sistemas podem ser evitados. (2000, pág 5)

Outra tentativa que vem sendo feita nesse sentido é “educar” os usuários a esta nova proposta de

ensino. Segundo Kumbruck (1998), a própria perda de linearidade tende a levar a uma falta de

coerência e coesão do texto (que são considerados os conceitos chave para a interpretação de um

90

texto). Visto que o hipertexto não é apresentado com um início, meio e fim, a intenção é que o

leitor mantenha sua “intenção” de leitura. Para Kumbruck (1998), a solução mais imediata para

este problema está no entendimento do próprio termo que o define: navegar. O que significa dizer

que é necessário que o leitor estabeleça um curso e um ponto de chegada, a fim de não perder sua

“intenção” original.

A característica não-linear de leitura hipertextual costuma não apresentar uma estrutura pré-

definida, ou seja, os leitores estariam “livres” do controle do autor, e fazem seu próprio caminho

pelo texto, interativamente. A questão é se esta característica vem a potencializar o processo de

ensino e aprendizagem, ou seja, ajudam ou atrapalham na leitura e entendimento do conteúdo

(Kumbruck, 1998).

É comum a idéia de que textos convencionais levam certa vantagem, no que diz respeito à sua

interpretação, pois são apresentados de forma coerente, como uma estória linear. Tais

considerações não levam em conta que estes mesmos aspectos podem ser uma desvantagem em

se tratando de “perspectivas”. Um livro, por exemplo, influencia o desenvolvimento de

perspectivas, dando poucas razões, aos seus leitores, para que pensem mais amplamente sobre o

assunto (Kumbruck, 1998).

CAPÍTULO III – METODOLOGIA DE ANÁLISE: A TEORIA DA ATIVIDADE

METODOLOGIA PARA REVISÃO

Para revisitar a “experiência” do projeto “Cem Bilhões de Neurônios” a metodologia de revisão

escolhida, a TA, foi de extrema utilidade pela ampla cobertura dos diferentes aspectos a serem

considerados, como também pela orientação necessária sobre o que considerar e descrever de

modo crítico em cada etapa e respectivos resultados. A denominada “Teoria da Atividade” se

demonstrou altamente competente enquanto metodologia de revisão do projeto, atendendo assim

aos requisitos de descrição e avaliação de uma iniciativa da natureza do projeto "Cem Bilhões".

Dada a proposta desta dissertação, de levantar e analisar o projeto "Cem Bilhões de Neurônios" e

as mídias que produziu, fez-se necessário um enquadramento em uma modelagem adequada à

natureza do projeto e seus produtos, assentados como são sobre tecnologias da informação e da

comunicação. A denominada “Teoria da Atividade”, ampliada e elaborada por Engeström no

modelo de análise conhecido como CHAT (Cultural History Activity Theory), foi utilizada nessa

modelagem.

Segundo Kuutti (1995), a Teoria da Atividade tem suas raízes históricas em pensadores não

muito familiares aos estudos anglo-saxões. De um modo geral, podemos dividir sua herança em

pelo menos três vertentes: a mais antiga e mais desconhecida, oriunda de filósofos como Kant e

Hegel, nos séculos XVIII e XIX, de onde pouco se reconhece, visto que se tratam de pensadores

que se opuseram ao emergente empirismo britânico, que mais tarde veio a se tornar o fundamento

93

do pensamento científico moderno. Uma segunda vertente, ainda segundo Kuutti (1995), é a

filosofia clássica alemã, baseada sobretudo nos escritos de Marx e Engels, sobre o papel

construtivo e ativo do ser humano. E a terceira e mais conhecida, a fonte da psicologia histórico-

cultural soviética, fundada por Vygotsky, Leontiev e Lurija.

De um modo geral, a Teoria da Atividade (TA) oferece uma “lente para a análise dos processos

educacionais”, e dessa forma pode contribuir tanto para o desenvolvimento de ambientes

educativos, como para sua avaliação (Jonassen, 1999). Com orientação na filosofia marxista, um

grupo de pesquisadores liderados por Vygotsky consolidou as bases da Teoria da Atividade a

partir de dois elementos fundamentais: a ação orientada por um objeto (object-oriented) e a

mediação por artefatos (artifact-oriented). A ação orientada por um objeto indica que tanto a ação

como o pensamento de um indivíduo se desenvolve a partir da atividade prática voltada para um

determinado objeto, e a mediação por artefatos determina que estas ações não se dão diretamente

sobre o objeto, mas intermediadas por ferramentas materiais ou não (Giannella, 2002). Ou seja, a

TA assegura que nenhuma atividade é uma interação direta do sujeito com seu ambiente, e sim

uma ação intermediada pelo uso de ferramentas, signos, materiais e meios, conforme pode ser

observado pela figura abaixo (figura 1).

94

Figura 1: modelo da mediação (Vygostky, 1978)

Muito embora a representação do relacionamento mediado entre sujeito e objeto no nível

individual seja inegavelmente útil, é evidente que essa estrutura é simples demais para

representar as considerações de relações sistêmicas existentes entre o sujeito e o seu ambiente, até

porque estas relações se evidenciam em muitas atividades coletivas. Desta forma, novos

elementos tiveram que ser adicionados, em especial, a comunidade. Segundo Martins e Daltrini

(1999) e Kuutti (1995), uma “comunidade” é formada por todos aqueles sujeitos que

compartilham de um mesmo objet(o)(ivo).

Foi então a partir desta necessária complementação da tríade original, que Engeström (1987)

desenvolveu um novo diagrama (figura 2) que levava em consideração aspectos sociais,

comunicativos, bem como a idéia de atividade coletiva. Ele elaborou o componente

“comunidade” e acomodou outros elementos no modelo, tais como: regras (que se situam na

relação entre o sujeito e a comunidade), organização do trabalho (na interface entre comunidade e

objeto) e produção, conforme mostra a figura abaixo, retirada do site de Engeström:

95

Figura 2: modelo de Engestrom (1987)

O modelo triangular da Teoria da Atividade, adaptado por Engeström (1987), representa os

diferentes elementos que compõem uma atividade. Portanto, sujeitos são os participantes da

atividade, que interagem com os objetos para alcançarem certos resultados. Neste processo, a

interação humana entre si e com os objetos é mediada pelo uso de ferramentas, regras e divisão

do trabalho, numa determinada comunidade, que, por sua vez, girando em torno de um objeto

comum, gera uma dinâmica própria de construção e apropriação dos elementos.

As relações entre os componentes do modelo expandido se multiplicam e assim se evidenciam:

sujeito → “ferramentas” → objeto; sujeito → “regras” → comunidade; e, objeto → “divisão do

trabalho” → comunidade. Essas três classes ralacionais devem ser entendidas de forma

abrangente. Segundo Kuutti (1995), uma “ferramenta” pode ser qualquer coisa utilizada no

processo de transformação, o que inclui ferramentas materiais e ferramentas para o pensamento,

ou conceituais. “Regras” seriam normas implícitas e explícitas, convenções e relações sociais

96

dentro da comunidade. Quanto à “divisão do trabalho”, se refere à organização implícita e

explícita no processo de transformação.

De um modo geral a Teoria da Atividade consiste em um conjunto de idéias que tenta

compreender as diversas ações humanas dentro do seu contexto. Na literatura acadêmica, essa

teoria tem sido apontada, por diversos autores, como um importante referencial para desenvolver

e pesquisar ambientes virtuais de aprendizagem (Gifford & Enyedy, 1999; Jonassen, 1999;

Mwanza, 2001; Issroff & Scanlon, 2002 ; Mwanza & Engeström, 2003), uma vez que:

- o computador é uma ferramenta de mediação entre os usuários e o processo de aprendizagem

em ambientes virtuais de aprendizagem;

- os ambientes construtivistas de aprendizagem, em geral, são orientados por atividades

relevantes para o sujeito do processo educativo;

- o ambiente virtual, para contribuir pedagogicamente com o processo de aprendizagem, precisa

ser desenvolvido levando em conta seu contexto de uso, a fim de desenvolver ferramentas

funcional e pedagogicamente relevantes para os participantes.

No caso do desenvolvimento do livro-texto, não há razões para que se pense diferente. Este

resumo da TA simplifica um laborioso processo até sua formulação na proposta de Engeström.

Um longo percurso foi percorrido pela TA, sustentado pelos princípios formulados por Marx em

sua análise da noção fundamental de "praxis". Este princípio chave da filosofia de Marx veio a

ser traduzido por Vigostky em uma simples fórmula, articulando Sujeito → Ferramenta →

Objeto. Em seguida, esta fórmula foi elaborada por seus seguidores no quadro da psicologia

97

soviética da primeira metade do século XX. E assim se difundiu no Ocidente, especialmente

através do behaviorismo, mas depois de certo eclipse, voltou à cena, expandido no modelo de

Engeström. Mas este breve histórico merece ser detalhado para que se tenha uma compreensão

dos princípios, estrutura e propósitos dessa modelagem.

Genealogia da Modelagem CHAT

A genealogia, ora apresentada, começa pelos princípios filosóficos de Marx que fundamentam a

Teoria da Atividade, outorgando à ação humana (a praxis) toda sua dimensão social, e não

exclusivamente técnica. Estes princípios uma vez apresentados e analisados são seguidos de

algumas de suas asserções originais, parafraseadas nesta teoria. Passa-se, em seguida, a

elaboração destes princípios por Vygostky e seus seguidores imediatos na psicologia soviética.

Por último, se dá um longo salto no tempo, culminando no modelo de análise CHAT, proposta

por Engeström, e didaticamente aplicada por Mwanza (2001).

Princípios, noções chaves e assertivas de Marx, adotados pela TA

Em Marx encontramos também esta visão da técnica, enquanto institucionalizante e constituinte

do meio humano. Sob o uso dos termos “trabalho”, “indústria” e “forças produtivas”, pode-se

fazer uma leitura desta visão da técnica, segundo Cornelius Castoriadis (1978).

Nas primeiras posições de Marx, percebe-se uma ambigüidade: ele louva Hegel por ter visto no

trabalho o ato de engendramento do homem por ele mesmo, ao mesmo tempo que se distancia

dele, Hegel, ao denunciar que o único trabalho que Hegel conhece e reconhece, é o trabalho

espiritual abstrato. Mais tarde, desde 1844, Marx assume uma posição muito clara, ao afirmar:

98

[...] toda a pretendida história do mundo nada mais é que a produção do homem pelo trabalho humano...” [...] “apenas pela industria desenvolvida que o ser ontológico da paixão humana se torna na totalidade assim como na sua humanidade...” [...] “a história da industria [...] é o livro aberto das faculdades humanas...” [...] “a industria é [...] a revelação exotérica das forças do ser humano. [apud Castoriadis, 1978, p. 227].

Michel Henry (1976) demonstra que a vida está no fundamento da análise econômica de Marx, a

tal ponto que apenas o trabalho vivo é capaz de produzir a realidade econômica e o valor. Para

Marx, segundo Henry, a vida tem um caráter subjetivo, ou seja, começa e termina na

subjetividade, que constitui a realidade mais essencial de um indivíduo, sua condição metafísica

ou ontológica, seu ser, na medida que este ser é a vida. A vida, portanto, é individual e se realiza

sob a forma de um indivíduo vivo, fundamento único de toda a realidade e “pressuposição de

toda a história”, como Marx o designa na Ideologia Alemã.

Por outro lado, Henry reconhece que, em sua análise econômica posterior a 1847, Marx substitui

a expressão indivíduo vivo, por trabalhador. Do mesmo modo, o termo praxis que buscava

indicar aquele caráter da vida, de força criadora e produtiva, é abandonado em prol de expressões

que enfatizam melhor seu duplo caráter de subjetividade e de força, tais como: subjetividade

inorgânica, corpo vivo, trabalho vivo, força de trabalho, força subjetiva de trabalho, trabalho

subjetivo, e outros mais. A vida tem a capacidade de modificar a natureza, extraindo os

elementos necessários e impondo uma forma particular, ou seja, configurando dialeticamente

com a natureza seu meio próprio, com valores de uso.

O que se torna imprescindível de entender aqui é que Marx se contrapõe a idéia de redução da

realidade ao pensamento, e enuncia o indivíduo vivo como princípio da sociedade e da história. O

indivíduo vivo não pode ser substituído por entidades abstratas a partir das quais se pretende

explicar a totalidade dos fenômenos econômicos, históricos e sociais, e ainda mais estes mesmos

indivíduos.

99

É a sociedade, isto é, o homem, que anima as formas espaciais, atribuindo-lhes um conteúdo,

uma vida. Só a vida é passível desse processo infinito que vai do passado ao futuro, só ela tem o

poder de tudo transformar amplamente. Tudo o que não retira sua significação desse comércio

com o homem, é incapaz de um movimento próprio, não pode participar de nenhum movimento

contraditório, de nenhuma dialética (Santos, 1996).

A realidade, por conseguinte, reside na vida e somente nela, e esta vida só existe sob uma forma

individual, sob a forma de indivíduos vivos. A realidade da sociedade se acha assim reabsorvida

na subjetividade vivida dos indivíduos que a compõem. Para Henry, Marx nega toda realidade à

sociedade considerada como uma entidade substancial autônoma. Isto vale para técnica também,

na medida que qualquer crítica mais aprofundada da técnica deve-se confrontar a um paradoxo, a

essência da techne que devemos ter em vista para compreender as formas diversas da técnica e

principalmente a técnica moderna que faz abstração da vida, é a vida ela mesma.

A técnica, enquanto praxis determinada, singular e individual, se dá em uma primeira instância,

através da experiência de nosso corpo. A essência da técnica pode ser então resumida em um

sistema formado por: uma subjetividade individualmente animada pela vida; um corpo orgânico

que assente e, ao mesmo tempo, resiste ao exercício desta subjetividade; e, a terra que se impõe

como obstáculo maior aos atos desta subjetividade e aos fatos do corpo orgânico. A articulação

dos elementos deste sistema, sob a regência de uma subjetividade que enfrenta resistências e

obstáculos, faz o corpo ceder e a terra recuar. Os instrumentos e as ferramentas são assim

constituídos, pela extensão do poder do corpo ao pôr em obra os poderes próprios da terra, ou

seja, pela apropriação de elementos da terra, adequados ao corpo, segundo uma organização

imposta pela subjetividade.

100

Algumas assertivas de Marx podem confirmar os princípios, noções chaves e propósitos que

se desdobrarão na Teoria da Atividade. Engeström (Engeström e Miettinen, 1999) lembra que nas

“Teses sobre Feuerbach” Karl Marx já formulava a idéia fundamental de atividade humana

“orientada-ao-objeto” ou objetivo, como prática revolucionária que transcende tanto idealismo

(“indivíduos têm livre arbítrio”) como materialismo mecânico (indivíduos são meras reproduções

de condições sociais”).

Mais tarde em sua obra clássica, O Capital, Marx elabora a atividade objetivante (a praxis) a

começar por sua análise sobre a vontade do homem imposta à natureza, enquanto "vontade que

tende a um fim" (objeto ou objetivo):

Nosso ponto de partida é o trabalhador sob uma forma que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações que se assemelham aos do tecelão, e a abelha parece deter a habilidade de um arquiteto, pela estrutura de suas células de cera. Mas o que distingue o pior arquiteto da abelha mais especializada, é que ele constrói a célula em sua cabeça antes de construí-la na habitação. O resultado ao qual o trabalho alcança pré-existe idealmente na imaginação do trabalhador. Não é que ele opere apenas uma modificação de forma nas matérias naturais; ele aí realiza ao mesmo tempo sua própria finalidade (objetivo, objeto) da qual tem consciência, que determina como lei seu modo de ação, e para o qual deve subordinar sua vontade. (Karl Marx, O Capital, Livro I, pag 149)

Na “Contribuição à crítica da economia política”, Marx, expondo a dialética da consumação e da

produção (duas tríades de modelo CHAT de Engeström), detalha de maneira similar o caráter

antecipador da fixação de objetivos pelo homem:

A consumação dá impulsão à produção e cria igualmente o objeto que é a finalidade da produção. Se está claro que a produção oferece o objeto da consumação em seus aspecto visível, não é menos claro que a consumação dispõe idealmente do objeto da produção, como imagem interior, necessidade, móvel e finalidade. (Marx, Contribuição à crítica da economia política, minha tradução, em http://www.marxists.org).

Marx denomina indústria esta unidade de produção, mais elevada, onde a atividade é mediada

pela ferramenta na constituição do objeto:

101

O emprego e a criação de meios de trabalho, embora se encontrem em gérmen em algumas espécies animais, caracterizam eminentemente o trabalho humano. O homem é um animal fabricador de ferramentas, um “toolmaking animal” [...] “da mesma forma que o homem tem necessidade de um pulmão para respirar, tem também necessidade de órgãos (ferramentas) construídos por sua indústria para consumir produtivamente as forças físicas. (Marx, O Capital, Livro I, minha tradução, em http://www.marxists.org)

A ferramenta é uma parte da natureza já incorporada (ou “corpopropriada”, como diria Michel

Henry), com ajuda da qual mais e mais objetos são transformados em “resultados e em reservas

da atividade subjetiva” (Fundamentos da crítica da economia política), e assim mais e mais novos

domínios da natureza se tornam acessíveis: “O instrumento nascido nas mãos do homem, cresce e

se multiplica se tornando o instrumento de um mecanismo criado pelo homem”. (Marx, O

Capital, Livro I, minha tradução, disponível em http://www.marxists.org).

Neste sentido, Marx demonstra como o trabalhador não lida de imediato com a natureza ainda

não apropriada, objeto de seu trabalho, mas com o "meio de trabalho" que é para Marx idêntico

(sinônimo) à ferramenta. Assim formula a seguinte definição, que em tudo prenuncia a fórmula

fundadora da Teoria da Atividade, em Vigotsky:

O meio de trabalho é uma coisa ou um conjunto de coisas que o homem interpõe entre ele e o objeto de seu trabalho como condutores de sua ação (atividade). Ele se serve de propriedades mecânicas, físicas e químicas de certas coisas para fazê-las agir como forças de outras coisas, conforme sua finalidade (ou sua busca de resultados)" [...] “Todo produto entrando em novas operações como meio de produção perde portanto seu caráter de produto, e funciona somente como fator de trabalho vivo. (Marx, O Capital, Livro I, minha ênfase e tradução, disponível em http://www.marxists.org)

Assim, exposto em grandes linhas e citações, os princípios que nortearam a formulação da Teoria

da Atividade em Vygotsky, passamos a investigar, a forma adotada na concepção original da TA,

e sua elaboração por um painel de psicólogos soviéticos, antes de ser "ocidentalizada".

102

Vygotsky e sua escola

Lev Vygotsky (1896-1934) criou a fundamentação do que veio a se denominar psicologia

histórico-cultural, baseada nos princípios de Marx e em um conceito que elaborou: a “mediação”.

Segundo este conceito a ação humana não é uma resposta direta ao ambiente, mas é sempre

mediada por ferramentas culturalmente significativas e sinais ou símbolos que permitem ao ser

humano controlar exteriormente a si mesmo. A colaboração com outros seres humanos cria zonas

de desenvolvimento proximal para os indivíduos, capacitando-os a irem além de sua capacidade

corrente pela apreensão e construção de novas ferramentas e símbolos de mediação. Para

descobrir o potencial humano, é necessário conduzir experimentações formativas que induzem

“zonas de desenvolvimento proximal” (explicada mais adiante).

Um tema importante do quadro teórico de Vygotsky é que a interação social desempenha um

papel fundamental no desenvolvimento da cognição. Vygotsky afirma:

Toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro, ao nível social, e mais tarde, ao nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico) e então, dentro da criança (intrapsicológico). Isto se aplica igualmente à atenção voluntária, à memória lógica, e à formação de conceitos. Todas as funções superiores têm origem como relações reais entre individuais. (apud Baquero, 2001, pag 32)

Outro aspecto do pensamento de Vygotsky é a idéia de que o potencial para desenvolvimento

cognitivo é limitado a certo período de tempo que denomina "zona de desenvolvimento

proximal" (ZDP), que assim se define:

[...] distância entre o nível evolutivo real determinado pela resolução independente do problema e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de um problema sob a orientação do adulto, ou em colaboração com os colegas mais capazes. (MOLL, 2002, pag 152)

103

A metáfora espacial na citação acima reconhece o mundo real como uma zona ou campo, ao

qual um indivíduo pertence, e o qual pode ser povoado por especialistas, ferramentas e outros

artefatos culturais. A teoria de Vygotsky foi uma tentativa de explicar a consciência como o

produto final da socialização. Por exemplo, no aprendizado da linguagem, nossas primeiras

expressões com parceiros ou adultos são com a finalidade de comunicação, mas uma vez

dominadas são internalizadas e permitem uma "fala interior".

Método é em geral entendido e usado como algo a ser aplicado, um meio funcional para um fim

ou resultado, basicamente pragmático ou instrumental em caráter. Em absoluto contraste, Marx e

Vygotsky compreendem método no sentido de procedimento ou prática viva, ou em outras

palavras, algo a ser praticado – não aplicado. Não é nem um meio para um fim nem uma

ferramenta para alcançar resultados. Ao contrário, é na formulação de Vygotsky, uma ferramenta

e resultado, ao mesmo tempo. Segundo esta perspectiva, que Vygotsky nos apresenta, o método é

“simultaneamente pré-requisito e produto”.

Mas o que pode significar esta formulação provocativa de Vygotsky? De fato, a que se deve

apelar para determinar o que ela significa? Que "validade" ela tem? Posto que validade, como

verdade, prova, método, inferência, explicação, conceito e paradigma, são todos membros de uma

grande família de noções que estão na base ontológica e epistemológica do processo cognitivo

que caracteriza a ciência ocidental. Podemos usar estas noções para determinar o que ferramenta-

e-resultado significam, enquanto método? E como assim fazer?

É preciso começar esta investigação da afirmação de Vygotsky, pela questão da atividade, da

prática, porém indiretamente examinando a noção de ferramenta. Mesmo consultando um simples

dicionário, a noção de ferramenta é bastante complexa. Pode-se dizer que, na sociedade industrial

104

contemporânea, há pelo menos duas espécies de ferramentas. Há ferramentas que são

produzidas em massa (martelos, chaves de fenda, serrotes, etc.), e há ferramentas projetadas e

produzidas tipicamente por “toolmakers”, isto é, projetadas e desenvolvidas especifica e

unicamente para assistir no desenvolvimento de outros produtos (incluindo outras ferramentas).

As modernas tecnologias da informação e da comunicação se enquadram exatamente dentro desta

espécie de ferramentas. Sendo esta distinção entre duas espécies de ferramentas de suma

importância no entendimento das bases da Teoria da Atividade, por Vigotsky, é necessário tornar

ainda mais claro o que são e o que não são estas espécies. Não se está estabelecendo uma simples

distinção entre ferramentas de produção em massa e artesanais, nem entre ferramentas usadas

para distintas finalidades, nem entre ferramentas que permanecem as mesmas ao serem utilizadas

e outras que são transformadas no processo.

Tudo que é necessário ou desejado pela humanidade pode ser feito pelo simples uso ou aplicação

de ferramentas, que já foram construídas pela sociedade. Freqüentemente é preciso criar uma

ferramenta que é especificamente projetada para criar o que se quer produzir. A ferramenta da

loja de ferramentas e a ferramentas do atelier ou oficina de trabalho são qualitativamente

diferentes entre si, segundo a perspectiva de Vigotsky: a primeira como simples ferramenta e a

segunda como ferramenta-resultado. As ferramentas de uma loja, tais como martelos, vêm se

tornar algo mais se associado ao uso do marceneiro na confecção de um armário, ou seja, se

define e se identifica a certa função e, como tal se torna uma extensão sócio-cultural (ferramenta)

da atividade humana, determinando seu usuário.

Marxistas de todas as correntes e muitos outros pensadores aceitam que o uso da ferramenta tem

um impacto sobre as categorias de cognição: como diz o velho ditado "aquele que só tem um

105

martelo tende a ver tudo como prego". Por outro lado, é possível estender por analogia esta

noção de ferramentas a conceitos, idéias, crenças, atitudes, emoções, intenções, pensamento e

linguagem, que são constituídos e utilizados para finalidades descritivas e explicativas

específicas, e que são ferramentas-resultado em uma dada construção teórica.

O que tento explicitar aqui é este mesmo martelo da loja de ferramentas, mas agora nas mãos de

um artesão, por exemplo, é assim diferente de um modo muito importante. Enquanto proposital,

não é categoricamente distinguível do resultado alcançado por seu uso. Explicitamente criado

com o propósito de mediação na feitura de um produto específico, ele não tem uma identidade

cultural própria independente da atividade a qual se destina. Com efeito, empiricamente falando,

tais ferramentas são tipicamente reconhecíveis juntamente com o produto que criam. Elas são

inseparáveis dos resultados que proporcionam se tornando ferramentas-resultado. É a atividade

produtiva que define ferramenta e produto. Perceba que a ferramenta-resultado não tem uma

identidade própria como a simples ferramenta. Não tem nome próprio; não aparece em nenhum

dicionário. Tais ferramentas, ou este sentido semântico do termo ferramenta, definem seus

usuários de modo bem distinto daquele que uma ferramenta na loja de ferramentas, ou um

método científico, o fazem.

Dito de maneira mais positiva, essas ferramentas são inseparáveis de seus resultados no sentido

que seu caráter essencial (a característica que a define) é a atividade que dela se apropria e não

sua função, ou melhor, algo além de sua função. Pois sua função é inseparável da atividade que

dela se apropria. São definidas em e pelo processo de sua produção. Esta noção que tanto se

argumenta é chave para entender o conceito de ferramenta em Vygotsky. Mas qual é exatamente

este conceito?

106

A ação instrumental está no centro do pensamento de Vygotsky sobre a atividade humana,

que se vale tanto de ferramentas físicas quanto simbólicas para alcançar os fins desejados. Ele

expõe como o homem usa a natureza e o “kit de ferramentas” cultural para ganhar controle do

mundo e de si mesmo. Mas o que há de realmente novo em Vygotsky é sua ênfase na maneira

pela qual, através do uso de ferramentas, o homem muda a si mesmo e sua cultura. O

evolucionismo de Darwin desponta pelas leituras de Vygotsky nesta concepção que certamente

explica uma evolução cultural pari-passu com o aprimoramento de ferramentas, cujo uso cria um

modo de vida sócio-técnico. A noção de seleção se apresenta também dominada por critérios

culturais e favorecendo aqueles capazes de se adaptar ao meio técnico em constituição

progressiva. Na argumentação de Vygotsky, as ferramentas, seja práticas ou simbólicas, são

inicialmente “externas”: usadas exteriormente sobre a natureza ou na comunicação com os

outros. Mas as ferramentas de comunicação, por exemplo, afetam a linguagem de seus usuários, e

assim configuram as mentes daqueles que se adaptam a seu uso. Vygotsky, em Pensamento e

Linguagem, resgatando uma afirmação de Francis Bacon, deixa clara a direção de seu

pensamento, quando afirma que nem mão ou mente apenas são suficientes; as ferramentas e

dispositivos que empregam, em última instância, as configuram.

Enquanto Marx não havia explorado esta colocação que já tinha a respeito da ferramenta,

Vygotsky avançou substancialmente nesta direção. Assim a rejeição da noção metodológica

causal ou funcional de ferramenta ou instrumento para um propósito ou resultado, em favor da

noção dialética de ferramenta-resultado, no estudo da psicologia humana, é absolutamente nova e

revolucionária.

107

Movida por este forte impulso, os seguidores de Vygotsky aportaram aperfeiçoamentos e

maiores esclarecimentos sobre seu pensamento, oferecendo com isto os fundamentos iniciais do

que viria a se formalizar como Teoria da Atividade, através desta corrente de psicologia

soviética. Onde se destaca primeiramente neste sentido, a obra de Alexei Leontiev.

Leontiev foi um dos discípulos de Vygotsky que, entre outros aportes a esta corrente de

psicologia, elaborou conceitos chaves para a Teoria da Atividade. O pensamento de Leontiev

argumenta a favor do estudo da atividade baseado na compreensão do objeto (objetivo) do

indivíduo, que usualmente é interpretado como motivo objetivado - motivo feito visível ou

tangível. É importante ver este conceito como mais rico que o conceito de meta como é

tradicionalmente definido na chamada "análise de tarefas", e assim as motivações podem ser

vistas como precursoras de metas, embora melhor compreendidas como mutáveis e com

implicações fluidas e baseadas no contexto.

Este modo de ver as coisas tem três conseqüências importantes: primeiro, permite identificar uma

unidade de análise única, a atividade, pela distinção entre motivações. Uma atividade é

identificada como única por seu motivo, que é coletivo, a motivação de uma comunidade.

Segundo, expõe a natureza psicológica da teoria da atividade, e a orientação que adotam, introduz

um possível problema para análise de situações, qual seja que a motivação não pode ser

observada diretamente, mas apenas inferida. Terceiro, pode-se introduzir o conceito de alienação

(retirado do marxismo) para cobrir os casos nos quais as motivações de um indivíduo estão em

contradição com a motivação coletiva. Atividades são realizadas pela agregação de ações

mediadas, que por sua vez são alcançadas por uma série de operações de nível elementar. Esta

108

estrutura, entretanto, é flexível e pode mudar em conseqüência do aprendizado, contexto, ou

ambos.

Esta formulação alternativa da natureza e estrutura de uma atividade, embora herdeira da noção

de praxis da tradição marxista, é do maior interesse por várias razões, dentre as quais se

destacam: primeiro, a emergente teoria da atividade tem uma estrutura hierárquica; e segundo, ela

introduz as idéias de consciência e motivação no centro da atividade. Leontiev oferece um

mecanismo pelo qual o focus (e locus) da consciência se move entre estes vários níveis de

abstração, para o alto e para baixo da hierarquia dependendo das demandas do contexto.

Leontiev trabalhou muito sobre o conceito de atividade, dentro da reflexão sobre a praxis, na

filosofia marxista, como uma possível formação sistêmica de análise para as ciências humanas.

Atividade como um sistema coletivo conduzido por um objeto e um motivo, é realizada através

de ações individuais dirigidas por metas. As ações por sua vez são realizadas por meio de

operações rotineiras, dependentes das condições da ação. Para se compreender e facilitar um

processo de desenvolvimento é necessário estudar e mudar sistemas coletivos de atividade, seus

objetos e motivos, não somente ações e habilidades isoladas.

A reformulação atual da TA

Segundo Victor Kaptelinin e Bonnie Nardi (2007), a Teoria da Atividade foi introduzida para

uma audiência internacional no final dos anos 1970 através de duas publicações: a tradução

inglesa da obra de Leontiev "Atividade, Consciência e personalidade”, e uma coleção de artigos

de Leontiev e outros teóricos da mesma escola de psicologia, editada por James Wertsch com

excelente introdução do próprio (Wertsch, 1981).

109

Entretanto, até os anos 1990, a TA era exclusivamente apresentada à sombra de Vygotsky.

Sua abordagem se popularizou no Ocidente, tendo um impacto substancial em um amplo espectro

de pesquisas em psicologia e ciência cognitiva (Cole e Scribner, 1974; Wertsch, 1985; Hutchins,

1995, apud Kaptelinin e Nardi, 2007), educação (Lave e Wenger, 1991, apud Kaptelinin e Nardi,

2007), e aprendizado cooperativo baseado em computador (O'Malley, 1995; Koschmann, 1996,

apud Kaptelinin e Nardi, 2007). O interesse internacional na TA aumentou dramaticamente

durante os anos 1990, a julgar pela freqüência de citações de trabalhos chaves em TA (Roth,

2004, apud Kaptelinin e Nardi, 2007). Um crescente número de ensaios e livros publicados

durantes os anos 1990 (Engeström, 1990; Bodker, 1991; Nardi 1996, Wetsch, 1998; apud

Kaptelinin e Nardi, 2007) contribuíram para a maior percepção e disseminação das idéias e

potencial desta abordagem, de acordo com Roth, parte do crédito pela difusão da TA deve ser

dado a Yrjö Engeström, que através de suas publicações e apresentações em uma variedade de

disciplinas semeou a proposta.

O modelo CHAT de Engeström

Nos anos 1980, Engeström, um pesquisador finlandês, estendeu a TA pela incorporação de um

modelo de atividade e de métodos para analisar esta atividade e assim promover mudanças

organizacionais. Tendo forte repercussão nos países escandinavos, sua obra alcançou o mundo

anglo-saxão, onde sua interpretação da TA se tornou a formulação dominante da TA.

No centro da TA, é ratificado por Engeström (1987), o conceito que toda a atividade humana

proposital pode ser caracterizada por uma interação representável por uma tríade de elementos

básicos: um sujeito (uma ou mais pessoas), o objeto ou objetivo visado pelo(s) sujeito(s), e a

110

mediação entre ambos, dada por artefatos ou ferramentas. Estes elementos básicos da TA

podem ser melhor caracterizados como: indivíduo(s) levando a cabo uma atividade, onde o

artefato utilizado é qualquer ferramenta ou representação, externa ou interna ao sujeito, e onde o

objeto visado resume em si tanto propósito da atividade como seu produto ou resultado.

Subseqüentes desenvolvimentos deste modelo original aditaram novos elementos: comunidade

(grupo ou grupos em que se inserem o sujeito), divisão de trabalho (repartições horizontais e

verticais de responsabilidade e poder dentro da atividade) e regras (enquanto procedimentos e

normas que governam as relações entre sujeitos e a comunidade maior onde se dá a atividade).

Assim, o modelo contemplou de modo mais enfático ainda o caráter social e cultural de uma

atividade, sempre levada a cabo por pessoas individualmente, mas dentro de coletividades.

Segundo Engeström (Engeström e Miettinen, 1999), para ser capaz de analisar as interações e

relações complexas, uma exposição teórica dos elementos constituintes do sistema sob

investigação é necessário. A TA é uma forte candidata a assumir este papel de modelo de análise,

diante de situações onde a atividade humana é fortemente caracterizada por uma orientação-por-

objetivos, culturalmente mediada por instrumentos físicos e cognitivos, dentro de uma

coletividade. O uso destas tríades que caracterizam atividades humanas deste gênero deve ser

entendido como um instrumental heurístico, dada a "caricaturização" de uma atividade humana

em apenas alguns elementos. Ou seja, os triângulos do modelo de análise e seus elementos

constituintes devem ser vistos como tentativas de aproximação do nexus da rica totalidade de

uma atividade humana.

111

Um roteiro de análise, proposto sobre o modelo CHAT

Essa perspectiva metodológica da Teoria da Atividade, expandida segundo Engeström, foi

devidamente apropriada, como visão e roteiro metodológicos, segundo os oito passos sugeridos

no artigo "Where Theory meets Practice: A Case for an Activity Theory based Methodology to

guide Computer System Design.", de Mwanza (2001). Neste artigo, a autora concebe, a partir do

triângulo da Teoria da Atividade, um modelo de análise, composto por estágios que se

complementam.

Desdobrado em etapas, o modelo da Teoria da Atividade possibilita analisar as ações dos

sujeitos, seu perfil, os objetivos da tarefa, as ferramentas (materiais e não-materiais) utilizadas, os

produtos gerados, as regras (implícitas ou explícitas), bem como a organização do trabalho na

atividade (Jonassen, 1999). Tais ponderações devem ser reconhecidas como uma coleção de

idéias básicas, tanto para conceituar a prática individual, como coletiva, numa determinada

atividade (Engeström, 1987). Torna-se mais factível identificar as contradições existentes na

atividade, servindo assim para que novos conhecimentos possam emergir deste exercício.

De uma forma mais objetiva, os elementos em questão são:

• Sujeito(s), que se refere ao(s) indivíduo(s) de uma determinada atividade, ou melhor, o(s)

indivíduo(s) envolvido(s) na atividade;

• Objeto, que pode ser entendido de duas formas distintas: ou o “material bruto” da

atividade (Gianella, 2002), ou os objetivos da atividade em questão;

112

• Ferramentas, que podem ser materiais ou não (simbólicas, teoréticas), são artefatos ou

conceitos mediadores no “processo” de transformação;

• Regras, que se referem aos regulamentos tanto explícitos como implícitos da atividade,

convenções ou relações sociais dentro da comunidade;

• Divisão do trabalho, ou seja, a divisão das tarefas e de poder na atividade;

• Comunidade, lugar onde todos estes elementos se reúnem e, segundo Kuutti (1995),

partilham do mesmo objetivo (objeto); comunidade que assim reúne na “comum-unidade” do

objeto, as atividades que o realizam, o tornam real, seja por seu desenvolvimento, seja por sua

apropriação de uso.

Seguindo didaticamente o artigo de Mwanza (2001), uma análise a ser conduzida deve percorrer

seis estágios:

Estágio 1 – Modelar a situação a ser estudada

Estágio 2 – Produzir um “sistema” de Teoria da Atividade da situação estudada

Estágio 3 – Decompor o sistema desenvolvido

Estágio 4 – Gerar Questões de Estudo

Estágio 5 – Conduzir uma investigação detalhada

Estágio 6 – Interpretar os achados

113

No “Estágio 1”, deve-se começar pela identificação dos componentes que compõem o

triângulo da atividade a ser estudada, a partir de “oito passos” (Mwanza e Engeström, 2003) que

se caracterizam por identificar os seguintes elementos:

• A atividade de interesse;

• Os objetivos;

• Os sujeitos;

• As ferramentas;

• As regras;

• A divisão do trabalho;

• A comunidade; e

• Os resultados;

No “Estágio 2”, deve-se desenvolver o “sistema” de atividade da situação estudada a partir dos

elementos identificados no estágio anterior. Segundo Mwanza (2001), essa aproximação permite

que o investigador focalize áreas específicas para análise, bem como os dados necessários para o

estudo.

No “Estágio 3”, o sistema é decomposto em mini-sistemas, o que significa dizer que a atividade

será desmembrada em sub-sistemas compostos por um “ator”, que será representado pelo sujeito

114

ou pela comunidade; um “mediador”, que deve ser representado por uma ferramenta, uma

regra ou uma divisão de trabalho; e um objetivo, sobre o qual a atividade é desenvolvida.

Segundo Issroff & Scanlon (2002), existem diferentes formas de relacionar e interligar os

elementos envolvidos nesta atividade: a relação entre o sujeito e o objeto é mediada pela

ferramenta; a relação entre sujeito e comunidade é mediada pelas regras e regulamentações; a

relação entre objeto e comunidade é mediada pela divisão do trabalho. Perguntas que são

específicas de uma combinação particular, que serão representadas por um sub-triângulo da

atividade, são então geradas.

No “Estágio 4”, a proposta é se concentrar na geração de questões de pesquisa, como por

exemplo, quais são as Regras que afetam a forma como os Sujeitos alcançam seus Objetivos? Ou,

como a Divisão do Trabalho afeta a forma como a Comunidade alcança seus Objetivos? Nossa

pesquisa se restringirá a elaborar as questões de pesquisa, no caso do livro-texto e do banco de

objetos de aprendizagem, não se atendo a desenvolvê-las. O CD-ROM Hipermídia será

integralmente analisado. Vale lembrar que as questões serão desenvolvidas com base em sua

capacidade de gerar discussões que aprofundem a pesquisa sobre o desenvolvimento de materiais

educacionais na área de ciências e saúde.

Uma investigação mais detalhada pode então ser desenvolvida a partir das questões geradas no

“Estágio 4”. Portanto, no “Estágio 5”, desenvolve-se uma discussão a partir das questões geradas,

e o “Estágio 6”, como interpretação destes achados. É válido ressaltar que alguns trabalhos têm

seguindo uma linha de desenvolvimento bastante similar ao que venho apresentando nesta

dissertação, dentre os quais destaco o dois trabalhos de E. Scanlon & K. Issroff, de 2005 e 2002;

o trabalho de Cruz Neto e colegas, de 2004; bem como o trabalho de Martins e Daltrini, de 1999.

115

As questões a serem desenvolvidas no Estágio 4 são cruciais quanto a sua formulação

adequada de modo a qualificar o modelo de análise para a investigação desejada. Uma sugestão

de questões, esboçada por Mwanza e Engeström, 2003, poderia ser a seguinte:

Qual ferramenta específica (ou ferramentas) os sujeitos (ou um dos sujeitos) usaram para

alcançar um determinado objetivo (ou conjunto de objetivos?

A mesma questão, mas "como".

Que regra ou regras afetam o modo pelo qual um ou mais sujeitos alcançaram um

determinado objetivo ou conjunto de objetivos?

A mesma questão, mas "como".

Como a divisão de trabalho em um processo de desenvolvimento de uma mídia

influenciou o modo pelo qual um ou mais sujeitos cumpriram um objetivo específico (ou

conjunto de objetivos)?

Como as ferramentas (ou uma determinada ferramenta) em uso afetaram a comunidade

levando a realizar um determinado objetivo (ou um conjunto de objetivos)?

Que regras (ou regra específica) afetaram o modo pelo qual a comunidade cumpriu um

determinado objetivo (ou conjunto de objetivos)?

Como uma regra específica ou o conjunto de regras, influenciou o modo pelo qual a

comunidade cumpriu um determinado objetivo (ou conjunto de objetivos)?

116

Como a divisão de trabalho afetou o modo pelo qual a comunidade alcançou um

determinado objetivo (conjunto de objetivos)?

CAPÍTULO IV – RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO: O PROJETO “CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS”

Como colocado na introdução dessa dissertação, o recorte teórico e estudo de caso de minha

pesquisa delimita-se a revisão de um projeto do Laboratório de Tecnologias Cognitivas, do

Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde, da UFRJ. A revisão deste projeto se faz

necessária em seus distintos aspectos: histórico-institucional, sustentação teórica e bibliográfica,

aplicação de métodos e técnicas, sua evolução, bem como a dinâmica da participação de

professores, pesquisadores e especialistas, e evidentemente produtos concebidos e construídos.

ANÁLISE DO PROJETO

Análise dos Dados

Conforme esclarecido na Metodologia desta dissertação, existem três tipos dados que dispomos

para esta pesquisa: o material de registro do projeto “Cem Bilhões”; as mídias desenvolvidas, ou

parcialmente desenvolvidas; e a entrevista realizada junto à coordenadora do projeto. No quadro

abaixo consta todo o levantamento que foi realizado sobre o material de registro do projeto “Cem

bilhões de Neurônios”. O capítulo 4 desta dissertação foi todo desenvolvido a partir deste

levantamento, se configurando, portanto, como minha análise de dados.

118

Material de Registro do Desenvolvimento de Projeto “Cem Bilhões de Neurônios”

Para uma justa apropriação do material recolhido (referente ao desenvolvimento do Projeto “Cem

Bilhões”), foi feita uma divisão dos dados da seguinte forma:

“Projetos”, onde estão todas as versões do projeto, pedidos de financiamento, auxílio e

coisas relativas a processos burocráticos de abertura de projeto de pesquisa junto a

CAPES, entre outros documentos;

“Trabalhos Intermediários”, onde se encontram todos os trabalhos apresentados em

congressos e monografias sobre o referido projeto;

“Dinâmica de Trabalho”, onde se concentram os documentos relativos ao

desenvolvimento do projeto, atas de reuniões, relatórios, etc; e,

“Estudos e Pesquisas”, onde se reuniu a documentação relativa aos estudos realizados

sobre a utilização das mídias desenvolvidos pelo projeto junto à alunos de alguns cursos

de graduação, como pós e pré testes, questionários de identificação dos alunos, etc.

“Produtos”, onde se concentram todos materiais desenvolvidos pelo projeto (livro-texto;

protótipo do CD-ROM; relatórios).

Segue abaixo uma relação de todos os documentos encontrados.

Projetos

119

1. Termo de Compromisso, enviado ao Sr. Carlos Gondim Pamplona, presidente da

Fundação José Bonifácio, no dia 12 maio de 1997, referente ao projeto cem bilhões, pela

então Diretora do NUTES, Eliane Ribeiro;

2. Concessão de Auxílio, enviado a Diretora do NUTES, Sra. Eliana Claudia de O. Ribeiro,

no dia 24 abril de 1997, pelo Presidente da Fundação José Bonifácio, o Sr. Carlos Gondim

Pamplona;

3. Termo de Compromisso, enviado ao NUTES, com as condições gerais para sua utilização,

prazo de utilização dos recursos, o total de dinheiro aprovado etc, em 24 de abril 1997;

4. Projeto de pesquisa, introdução, justificativa, objetivos etc, em Junho de 1996. Projeto

para o desenvolvimento e avaliação do sistema hipermídia para o ensino de neurociência:

“Cem Bi”;

Trabalhos Intermediários

VIII Jornada Interna de Iniciação Artística e Cultural, Novembro de 1996

Cem Bilhões de Neurônios: Desenvolvimento de Material Educativo para o Ensino de

Neurociência é o título de um trabalho que relatou o processo de desenvolvimento do protótipo

do livro texto e do CD-ROM sobre Neurociência.

XX Jornada Científica, Novembro de 1998

120

Interpretação de conceitos científicos representados em diferentes meios de comunicação: um

estudo de caso em Neurociência é o título de um estudo realizado junto aos alunos das áreas das

ciências biomédicas para analisar a compreensão de conceitos de Neurociência em dois formatos

diferentes: um livro-texto e um CD-ROM hipermídia. Este estudo ganhou Menção Honrosa.

II Simpósio Interdisciplinar em Tecnologia e Saúde, Agosto de 1998

Desenvolvimento de um Hiperdocumento para o Ensino de Neurociência “100 Bilhões de

Neurônios” é o título de um trabalho que relatou o processo de desenvolvimento do

hiperdocumento que acompanhou o livro-texto destinado ao ensino de Neurociência.

P&D Design 98, 3° Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, Outubro

de 1998

Sob o título de “Conceitos, Princípios e Aspectos Metodológicos do Design de Sistemas

Hipermídia para a Educação, a professora Miriam Struchiner discutiu os principais conceitos e

aspectos metodológicos implicados no design de sistemas hipermídia dirigidos as atividades

educativas.

Monografia

100 Bilhões de Neurônios, de Alberto Jaime Ambram e Sergio Allak da Silva é o projeto final de

curso de graduação de ambos. A pesquisa teve como objetivo modelar as estruturas de dados e de

navegação do sistema hipermídia.

Monografia

121

O Processo de Desenvolvimento do Livro Cem Bilhões de Neurônios, de Diana Acserald.

Monografia de final de curso na Escola de Belas Artes, UFRJ.

Tese de Doutoramento

Inovações no Ensino das Ciências e da Saúde: Pesquisa e Desenvolvimento da Ferramenta

Constructore e do Banco Virtual de Neurociencia, de Taís Rabetti Giannella.

Dinâmica de Trabalho

Memória das Reuniões de Planejamento

1. Sem data, consta um cronograma do projeto “Cem Bilhões”, onde os tópicos (objetivos do

projeto; ensino de neurociência entre outros) que serão elaborados, são sumarizados e

classificados como “Prontos”, “Não inicializados” ou “Em Andamento”;

2. Sem data, consta um relatório com críticas e novas orientações sobre o sistema, aspectos da cor

da capa, som de fundo, tipografia do título;

3. Em 2 de Junho de 1996, consta uma proposta com as características editoriais do livro e do

sistema “Cem Bilhões”. Neste documento, a coordenadora Miriam Struchiner faz uma previsão

da quantidade de diferentes tipos de informação, como por exemplo: quantos conceitos

fundamentais por tela, por capítulo, o total do sistema, quantas imagens, etc. Consta também uma

proposta de fluxo de produção do livro-texto e do sistema hipermídia, um cronograma e uma

estimativa dos custos da produção audiovisual;

122

4. A partir de 02 de Janeiro de 1997 até 13 de Maio do mesmo ano, consta um livro onde a

equipe do Laboratório de Neuroplasticidade se comunicava, deixando recados e avisos

necessários ao andamento do projeto;

5. Em 29 de Abril de 1997, consta uma pauta de discussão, com reorganização de

responsabilidades e atribuições na equipe, discussão do andamento do projeto, onde se aborda o

funcionamento da equipe de trabalho, as próximas etapas de produção, datas limite, problemas

com a produção das ilustrações e funções de cada indivíduo da equipe;

6. A partir de 05 de Maio de 1997 até 11 de Julho do mesmo ano, consta um livro onde a equipe

de desenvolvimento do projeto de comunicava (sobretudo os bolsistas do laboratório), deixando

seus recados e avisos necessários para o andamento da pesquisa. Aparentemente este livro era

usado pela equipe do então Laboratório de Educação na Informática, hoje LTC (Laboratório de

Tecnologias Cognitivas);

7. Em 03 de Junho de 1997, consta uma pauta de discussão sobre problemas relacionados ao

sistema, sobretudo a falta de definição das imagens (desenhos), os botões do menu que segundo o

relatório, se movimentavam demasiadamente quando acionados. Também foram levantados

outros assuntos como a padronização da linguagem dos menus, entre outras coisas;

8. Em 31 de Julho de 1997, consta uma listagem de todos os elementos que devem ser

desenhados; redesenhados; planejados e implementados;

9. Em Outubro de 1998, consta uma seqüência de emails entre os coordenadores Roberto Lent e

Miriam Struchiner. Neste diálogo os dois pesquisadores discutem a necessidade e importância do

123

pré e pós teste que seriam aplicados aos alunos que participariam da pesquisa sobre a

utilização do sistema hipermídia. Neste mesmo conjunto de emails, a professora Miriam

Struchiner também questiona a possibilidade de realizar uma entrevista, até mesmo por email,

junto ao professor Roberto Lent, para esclarecer e refletir sobre suas hipóteses de trabalho em

relação ao desenvolvimento deste material;

Documentação produzida no desenvolvimento

1. Sem data, constam alguns “Storyboards” para Produção Audiovisual;

2. Sem data, consta uma tabela de ligação entre conceitos;

3. Sem data, consta capítulo (faltando algumas páginas) do livro;

Estudos e Pesquisas

1. Documento sobre o estudo realizado junto aos alunos de medicina sobre a utilização dos

materiais produzidos pelo projeto. Neste documento é explicado como foi realizado o tratamento

dos dados, a explicação das categorias encontradas, etc. Este documento é datado de 9/11/1998.

2. Documento com o nome, a área e o código de cada aluno que participou dos testes.

3. Modelo do pré-teste.

4. Modelo do pós teste.

5. Questionário de Identificação dos Alunos.

124

6. Avaliação do uso do livro-texto e do software, por parte dos alunos.

7. Resumo dos documentos 4 e 5 para cada aluno, com os resultados pré e pós teste.

8. Tabelas com Identificação dos alunos que participaram do estudo, seus hábitos de estudo, por

que utilizam o computador, por que utilizam o livro-texto, seus hábitos de leitura.

Produtos

1. Piloto do CD-ROM hipermídia;

2. Livro-texto;

3. 2 Relatórios do processo de desenvolvimento;

Métodos

Para analisar toda a documentação relativa ao processo de desenvolvimento do CD-ROM “Cem

Bilhões de Neurônios” utilizamos o método de análise de conteúdo (Bardin, 1977). Segundo

Bardin (1977), a análise de conteúdo deve ser compreendida como

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (Bardin, 1977, pág 42).

Sendo, portanto, um instrumento metodológico a ser aplicado a "discursos" variados, de um

modo geral procura, na maioria das vezes, a presença de uma dada característica de conteúdo ou

conjunto de características numa determinada mensagem (Caregnato & Mutti, 2006), e que se

125

divide em dois tipos: quantitativo e qualitativo. Nossa investigação se baseia na perspectiva

denominada “Pesquisa Qualitativa”, por se tratar de um método que apresenta grande potencial

analítico.

A característica da pesquisa qualitativa é descobrir os "núcleos de sentido" que compõem a

comunicação, enquanto que, na pesquisa quantitativa o determinante é a freqüência com que o

índice se apresenta no discurso (Reis, Rezende & Barros, 2001). Como pudemos verificar pelos

dados e documentos que dispomos para a condução desta pesquisa, que se caracterizam,

sobretudo, por citações diretas de pessoas sobre suas experiências, como no caso das entrevistas;

trechos de documentos; registros; correspondências; enfim, dados com grande riqueza de detalhes

e profundidade, fica evidente a caracterização da pesquisa qualitativa para esta dissertação.

Na pesquisa qualitativa, os dados coletados exigem do pesquisador flexibilidade e criatividade, e

permitem que o pesquisador responda questões muito particulares, enfocando um nível de

realidade que não pode ser quantificado. O que se pode concluir é que importância de se analisar

estes dados de forma qualitativa está relacionada à sua capacidade de possibilitar um

entendimento do significado dos fenômenos estudados, em seus contextos e não em sua

expressividade numérica.

A investigação dos documentos acima relacionados levou em consideração as premissas da

Teoria da Atividade, ou seja, a leitura dos documentos buscava sempre responder ou esclarecer

os elementos que compõem a atividade em questão. Os documentos foram divididos nas quatro

pastas supracitadas para melhor organização do material e aproximação dos mesmos. De um

modo geral, toda a análise da documentação sempre esteve atrelada aos indicadores pré-

estabelecidos pela metodologia da Teoria da Atividade, o que significa dizer que a interpretação

126

dos textos e discursos tinha como objetivo primário o levantamento das premissas da

metodologia que nos guiou.

Breve Histórico

O projeto em questão é o “Cem Bilhões de Neurônios: uma visão integrada do sistema nervoso”,

iniciado em 1994, e que hoje se encontra ainda em andamento, em alguns de seus

desdobramentos. Entre as metas deste projeto destacava-se a proposta de desenvolvimento de um

programa educacional interativo sobre Neurociência, vinculado ao livro-texto também chamado

“Cem Bilhões de Neurônios”, do Prof. Roberto Lent. Resumindo, o projeto, que contou com a

experiência de especialistas em diversas áreas (pedagogia, neurociência etc), se dividiria,

inicialmente, em dois recursos, combinados um ao outro: um livro texto e um CD-ROM, e,

posteriormente, um banco de objetos de aprendizagem (BV-Neuro). Atualmente, encontram-se

disponíveis o livro, de autoria do prof. Roberto Lent, que foi levado adiante e publicado por uma

editora comercial, e o BV-Neuro, que vem sendo utilizado por docentes da área de neurociência.

Quanto ao CD-ROM, este se encontra em forma de protótipo já avaliado com um grupo de

estudantes de graduação em diferentes áreas do conhecimento.

A Proposta

O projeto teve sua primeira versão datada de Agosto de 1993. Hoje, ainda se encontra em

andamento, em alguns de seus diversos desdobramentos, em uma espécie de “árvore do

conhecimento” que se ramifica indefinidamente. Na análise dos documentos referentes ao seu

desenvolvimento foi possível encontrar pelo menos sete versões do projeto, que se diferem tanto

127

na língua (existem versões em inglês), quanto nos objetivos ora propostos. Numa primeira

versão, de autoria do professor Roberto Lent, de meados de 1993, o texto se encontra em Inglês e

tem como objetivo o desenvolvimento de um livro-texto, de cerca de 350 páginas, dividido em

sete tópicos. A necessidade de desenvolvimento deste livro, segundo o projeto, se justifica na

medida em que não havia no Brasil, à época, quantidade suficiente de livros didáticos

apropriados ao ensino da Neurociência (segundo o projeto, a maioria dos livros existentes são

traduções do Inglês e os nacionais apresentam o conteúdo de forma fragmentada).

Em uma segunda versão, esta datada de Setembro de 1994, já se menciona a possibilidade de

desenvolvimento de um sistema interativo conjugado ao livro básico de Neurociência, sob

coordenação de Roberto Lent e da professora Miriam Struchiner. Esta versão, também em língua

inglesa, também se propõe a elaborar um livro de aproximadamente 350 páginas, e dividido em

sete tópicos, mas onde cada tópico terá um hiperdocumento com simulações de casos clínicos

para as diferentes áreas de conhecimento que teriam acesso ao material. De acordo com as

entrevistas realizadas com a Prof. Miriam Struchiner, a idéia surgiu a partir da iniciativa do

primeiro projeto, do professor Roberto Lent, que procurou e se reuniu com a então diretora do

NUTES, Eliana Ribeiro, para refletir sobre a possibilidade de uma parceria (técnica e financeira)

para o desenvolvimento do livro proposto na primeira versão de 1993. Neste dia, a recém

chegada professora Miriam Struchiner, que possuía certa experiência no design e layout de livros

foi chamada para a reunião. Neste encontro lhe foi apresentada a idéia de desenvolvimento de um

livro texto para o ensino de Neurociência, onde a Prof. Struchiner sugeriu a produção de um cd-

rom hipermídia, o que culminou na segundo versão, datada de setembro de 1994.

128

A terceira versão encontrada foi submetida ao Programa de Apoio à Renovação da Graduação

– SR1 / PARG94, em Novembro de 1994, cujo o apoio não foi concedido aos aprovados, e dessa

forma o projeto não conseguiu apoio financeiro algum. Mesmo assim o projeto foi levado adiante

e teve seu início em meados de 1995, com a proposta de desenvolvimento de um programa

educacional interativo sobre Neurociência, vinculado ao livro-texto também chamado “Cem

Bilhões de Neurônios”, do Prof. Roberto Lent. Resumindo, e conforme já explicitado nos

parágrafos anteriores, o projeto, que contou com a participação de diversos especialistas

(pedagogia, neurociência etc), se dividiria em dois recursos, combinados um ao outro: um livro

texto, e um CD-ROM, e cujos objetivos específicos destacam-se:

• Desenvolver um texto básico de Neurociência utilizável em todos os cursos de graduação do

CCS que lidem com esse tema;

• Desenvolver um material hipermídia, associado ao texto básico, destinado a orientar os

conceitos básicos da Neurociência às características de cada uma das carreiras biomédicas;

• Desenvolver simulações de casos específicos para cada uma das diferentes carreiras das

ciências biomédicas (nesta primeira fase para alunos do curso de medicina), a serem apresentadas

no sistema multimídia, possibilitando a integração do conhecimento científico em Neurociência e

suas aplicações à prática profissional e à solução de problemas.

• Oferecer, num mesmo material educacional, formas alternativas de estudo, de busca de

informações e de aprofundamento na Neurociência, de acordo com as características dos alunos e

as demandas de conhecimento em seus cursos de graduação.

129

• Avaliar a contribuição do uso do sistema multimídia sobre Neurociência no processo de

aprendizagem dos alunos das áreas biomédicas.

Em projeto de Junho de 1996 (submetido à FUJB, com abertura de processo junto a esta

instituição em outubro do mesmo ano), em uma versão revisada de um rascunho de Maio deste

ano, encontramos o projeto idêntico ao de 1994, mas com uma extensão maior no cronograma e

na equipe de trabalho. Enquanto o projeto de 1994 tinha como período de desenvolvimento 14

meses, o projeto de 1996 duplicava este período para 28 meses e, enquanto o projeto de 1994

contava com apenas 10 membros (2 coordenadores; 1 pesquisador visitante; 1 analista de

sistemas; 1 mestrando; 1 professor assistente e 4 bolsistas de graduação), o projeto de 1996

contava com uma equipe multidisciplinar de 19 membros (3 coordenadores; 1 técnica em

pesquisa e assuntos educacionais; 1 analista de sistemas; 2 programadores visuais; 1 professor

assistente; 1 mestrando; 1 operador de vídeo e 9 bolsistas de graduação). Outra mudança é que,

embora ambos os projetos tenham como um de seus objetivos específicos, “avaliar a contribuição

do uso do sistema multimídia sobre Neurociência no processo de aprendizagem dos alunos das

áreas biomédicas”, somente o de 1996 elaborou uma metodologia desta pesquisa, dissertando

sobre os procedimentos de coleta e análise dos dados para a pesquisa referida.

A proposta de 1997, por sua vez, trás consigo pelo menos uma nova proposta de pesquisa.

Segundo consta no projeto, além dos objetivos já conhecidos, pretende-se avaliar também a

utilização do sistema hipermídia por estudantes da área biomédica, a partir dos padrões de busca

e consulta de informações (“navegação”) adotados pelos usuários, quando interagem com

materiais que possuem estruturas não-lineares de organização do conteúdo.

De um modo geral, as propostas de projeto se davam como uma tentativa para renovação dos

130

cursos de graduação nas áreas de ciências da saúde. Visto que para compreender o sistema

nervoso é necessário considerar um número acentuado de campos da ciência moderna

(psicologia, neurofisiologia, biologia molecular, neuroanatomia, entre outros) de forma integrada,

uma proposta de pesquisa que considerasse a reformulação dos materiais educativos levando em

conta essa visão, e somado a isso, concebesse as características singulares deste campo de

conhecimento, sem dúvida contribuiria de forma efetiva para uma evolução significativa da

pesquisa em Neurociência, bem como para aproximação dos alunos de graduação, desta

disciplina. É evidente que as iniciativas deveriam se dar também, em outras direções, sempre

contemplando, prioritariamente, a reformulação da estrutura curricular. Segundo o projeto, com o

pequeno número de professores evolvidos, era improvável que houvesse suporte institucional

para as mudanças curriculares necessárias, bem como de seus materiais educativos.

Colocadas estas noções, a iniciativa prática de elaborar um texto básico de Neurociência

associada a um material computadorizado vinha ao encontro da gradativa inserção das NTICs no

cenário acadêmico, e muitas foram as possibilidades enxergadas pelos pesquisadores da época em

relação à utilização destes materiais no processo de ensino-aprendizagem. Segundo o próprio

projeto, enviado e submetido ao Programa de Apoio à Renovação da Graduação em 1994,

acreditava-se que a introdução destes dois tipos de mídia fosse capaz de possibilitar uma visão

integrada desse campo da ciência, além de oferecer múltiplas formas de aprendizagem ao aluno.

A proposta de desenvolver um material educacional informatizado era exatamente estimular

mudanças correntes no ensino de neurociência na universidade brasileira. Conforme já dito aqui,

o enfoque fragmentado da Neurociência já não representava mais o estado da arte desta

disciplina.

No projeto “CEM BI”, a pretensão era desenvolver um sistema multimídia que apresentasse uma

131

série de casos simulados no campo da Neurociência, que seriam aplicados a situações

específicas de cada carreira (que nesta primeira fase ficaria restrita ao curso de Medicina) e

acompanhados de um hiperdocumento para auxiliar na solução dos casos. Segundo entrevista

com a Prof. Miriam Struchiner, a mesma chegou a desenvolver uma texto de apoio para que

professores pudessem aprender como elaborar um caso clínico. Ao analisarmos detalhadamente

os objetivos específicos do projeto, observa-se de fato uma grande preocupação no sentido de

consolidar mudanças no ensino desta disciplina. A utilização dos recursos que se constituiriam ao

fim do projeto, possibilitaria aos alunos se engajarem com esses materiais em diversas

modalidades educacionais, sobretudo no caso dos recursos interativos.

O sistema multimídia, por exemplo, que combinaria elementos de simulações de casos clínicos

com elementos de hipermídia, tinha o interesse de enriquecer as informações recebidas em aula

e/ou do livro-texto. Dessa forma, acredita-se que os alunos poderiam acessar as informações

sobre o sistema nervoso em seu próprio ritmo, estilo de aprendizagem e preferências de forma de

comunicação, o que se caracteriza por um ensino individualizado. E, além disso, conteria uma

série de exercícios de simulação para que os alunos aplicassem os conceitos e princípios

apreendidos no processo de aprendizagem, sem contar que poderiam conhecer os conceitos em

contextos da prática em saúde de acordo com sua carreira específica.

As simulações, contidas no material hipermídia, permitiriam aos alunos aplicarem seus

conhecimentos, buscar informações adicionais e gerar hipóteses para desvendar os aspectos

biológicos e fisiológicos relacionados ao caso apresentado. Sendo esta uma importante prática

pedagógica que possibilita ao aluno uma relação entre experiência, investigação e descoberta no

processo de aprendizagem, afastando-o de uma pedagogia mais tradicional, caracterizado pela

simples transmissão de conhecimento. Numa modalidade de ensino baseado em problema, além

132

de promover no aluno a capacidade de aprender, mais importante que o conteúdo é o processo

de aprendizagem e a “ação” do aluno sobre o conhecimento (Projeto “Cem Bilhões de

Neurônios”, 1997).

Outra modalidade educacional disponibilizada por este tipo de sistema é a auto-avaliação

formativa, onde os alunos poderiam se auto-avaliarem em relação aos principais aspectos do

sistema nervoso. Acreditava-se que a motivação criada pelo dinamismo da interação com

sistemas informatizados, bem como pela riqueza do material visual, em muito pudesse contribuir

para o processo de aprendizagem da Neurociência. O projeto de desenvolvimento do texto, por

sua vez, também visava contribuir para certas mudanças no ensino de Neurociência, visto que

abordaria os conceitos básicos de Neurociência, associando conhecimentos, visto que esta

disciplina encerra diferentes áreas de conhecimento, e dessa forma, conduzindo o indivíduo a

uma compreensão holística do sistema nervoso, o que possibilitaria o uso deste material nos mais

diversos cursos que contenham esta disciplina em sua estrutura curricular.

A metodologia de desenvolvimento do protótipo contava com algumas etapas para a condução do

processo de execução do dito projeto, de onde é definido também o cronograma de

desenvolvimento do protótipo. Nesta metodologia, é definido que a produção do sistema

multimídia deveria acontecer de forma conjunta à elaboração do texto que seria conteúdo do livro

“Cem Bilhões de Neurônios: uma introdução integrada ao sistema nervoso”, de autoria do

professor Roberto Lent. O que significa dizer que na medida em que cada tópico do texto fosse

desenvolvido, as simulações e o hipertexto referentes a ele seriam também programados.

A idéia era fazer a revisão do protótipo a partir dos resultados obtidos nas avaliações. Corrigidos

os desvios, o programa poderia ser distribuído e posteriormente utilizado pelos alunos do CCS. O

projeto contemplava também um acompanhamento sistemático do sistema junto aos professores e

133

alunos, para que desta forma fosse possível avaliar o impacto destas tecnologias no ensino de

Neurociência.

A proposta de desenvolver um material educacional informatizado era exatamente estimular

mudanças correntes no ensino de neurociência na universidade brasileira. E o enfoque

fragmentado da Neurociência já não representava mais o estado da arte desta disciplina. Nesse

momento, a Neurociência já integrava a neuroanatomia, a neurofisiologia, a neurohistologia,

entre muitas outras.

Ao combinar elementos de simulações de casos clínicos com elementos de hipermídia, a proposta

do projeto tinha o interesse de enriquecer as informações recebidas em aula e/ou do livro-texto.

Dessa forma, acredita-se que os alunos poderiam acessar as informações sobre o sistema nervoso

em seu próprio ritmo, estilo de aprendizagem e preferências de forma de comunicação, o que se

caracteriza por um ensino individualizado. Estas simulações permitiriam aos alunos aplicarem

seus conhecimentos, buscar informações adicionais e gerar hipóteses para desvendar os aspectos

biológicos e fisiológicos relacionados ao caso apresentado. Sendo esta uma importante prática

pedagógica que possibilita ao aluno uma relação entre experiência, investigação e descoberta no

processo de aprendizagem, afastando-o de uma pedagogia mais tradicional, caracterizado pela

simples transmissão de conhecimento. Numa modalidade de ensino baseado em problema, além

de promover no aluno a capacidade de aprender, mais importante que o conteúdo é o processo de

aprendizagem e a “ação” do aluno sobre o conhecimento.

Acreditava-se que a motivação criada pelo dinamismo da interação com sistemas informatizados,

bem como pela riqueza do material visual, em muito pudesse contribuir para o processo de

aprendizagem da Neurociência. Segundo o projeto base de 1994, e confirmado no projeto de

1996, integrariam o projeto de pesquisa o Laboratório de Neuroplasticidade, do Departamento de

134

Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas em conjunto com o até então chamado

Laboratório de Informática na Educação em Saúde (hoje, LTC – Laboratório de Tecnologias

Cognitivas), do NUTES - Núcleo de Tecnologias Educacional para Saúde. Como parte da equipe

que trabalhou na concepção e desenvolvimento do projeto e da pesquisa, destacaram-se, no

Laboratório de Informática na Educação em Saúde, com relevante participação:

Miriam Struchiner, coordenadora do laboratório e do projeto;

Glória Isabel Toro, pesquisadora visitante;

Nilce da Silva Correia, analista de sistema;

Regina Maria Vieira Ricciardi, Técnica de Pesquisa e Técnica em Assuntos Educacionais;

Edith Maria da Silva, Animação, Programador Visual;

Eduardo Bordini, Bolsista de Aperfeiçoamento em Pesquisa, Ilustração Científica;

Christiana Chaves Mendonça, do Instituto de Matemática, Curso de Informática;

Joel Bruno Santos da Costa, Instituto de Matemática, Curso de Informática;

Fábio Muniz de Moura, Escola de Belas Artes, Curso de Programação Visual;

Marina Azevedo Morato, Escola de Belas Artes, Curso de Programação Visual;

A essa época o NUTES já se destacava pelo seu pioneirismo na utilização de sistemas

computadorizados para o ensino desde a década de 70. Na década de 80, o núcleo já havia

participado de 116 coursewares para o ensino do, hoje denominado, ensino médio.

Quanto ao Laboratório de Neuroplasticidade destacaram-se a participação de:

135

Roberto Lent, chefe do laboratório e coordenador do projeto, Professor Titular e

Chefe do Departamento de Anatomia do ICB;

Daniela Uziel, Mestranda;

João Ricardo Lacerda de Menezes, professor assistente do Departamento de

Anatomia/ICB;

Eduardo Sá Campello Faveret, mestrando do laboratório.

As etapas do processo de desenvolvimento do sistema CD-ROM hipermídia foram organizados

no projeto de desenvolvimento do sistema hipermídia. Resumidamente se definiam como:

1. Definições Conceituais sobre o Sistema Multimídia para o Ensino de Neurociência.

2. Planejamento e Desenvolvimento da Interface do Sistema.

3. Estruturação/Elaboração do Conteúdo e Implementação do Sistema.

4. Avaliação do Protótipo.

O Desenvolvimento do Projeto

De acordo com os dados disponíveis (pautas de discussão, propostas de fluxo de produção,

documentos de reuniões, etc) fica evidente uma hierarquia de trabalho. Nesta hierarquia, os

coordenadores (Roberto Lent e Miriam Struchiner) estabeleciam certos prazos para o

desenvolvimento do software e do livro-texto. De acordo com o documento de

136

editoração/produção do material hipermídia, de autoria da coordenadora Miriam Struchiner,

ficou definida a proposta de fluxo de produção do sistema, bem como um cronograma e

estimativa de custos de produção do sistema hipermídia. A primeira etapa do processo de

desenvolvimento do software envolveu um grande número de atividades que foram desde a

integração da equipe de trabalho, a partir de reuniões e encontros, até as definições sobre o

próprio programa multimídia.

De um modo geral, as atas das reuniões indicam, conforme já proposto nos projetos, que

enquanto a equipe coordenada pela professora Miriam Struchiner se concentraria nos aspectos

relativos à introdução de materiais interativos no ensino de ciências e saúde, a equipe do

professor Roberto Lent ficaria responsável por apresentar os principais conceitos desta disciplina,

não perdendo de vista a necessidade de se analisar a estrutura deste conteúdo e suas práticas de

ensino, para justa adequação do material a ser desenvolvido.

Os indivíduos que participavam na produção do sistema eram selecionados e divididos de acordo

com sua “expertise” e mantendo sempre uma relação de troca das informações. Os sujeitos

participavam, na medida do possível, de mais de uma etapa da produção. Todo o processo de

desenvolvimento do projeto foi marcado por reuniões onde eram discutidas as evoluções e

problemas do software, o ritmo de trabalho da equipe, as responsabilidades e atribuições de cada

indivíduo da equipe, o cronograma, entre outras coisas (balanço do material já desenvolvido,

padronização da linguagem utilizada no sistema). Para uma melhor comunicação entre a equipe

de desenvolvimento, tanto no Laboratório de Neuroplasticidade como no Laboratório de

Informática na Educação (hoje LTC – Laboratório de Tecnologias Cognitivas), elaborou-se um

caderno onde os integrantes podiam deixar recados, alertas e satisfações sobre o andamento do

137

projeto. Esta iniciativa foi tomada pois haviam alguns desencontros entre os integrantes dos

laboratórios, e dessa forma nenhuma comunicação era perdida.

A troca de informações e reflexões sobre o processo de desenvolvimento do software se faziam

constantes também entre os coordenadores do projeto: Miriam Struchiner e Roberto Lent. Dentre

os documentos encontrados destaca-se uma troca de emails sobre a pertinência de um pré e um

pós-teste na utilização do sistema hipermídia, e a necessidade de discussão sobre a elaboração do

material, onde cada coordenador esclareceria suas opiniões e refletiria sobre o processo de

desenvolvimento do sistema. É importante salientar que a grande maioria das atas de reuniões das

quais dispomos não se encontra datada. Mas de acordo com as entrevistas realizadas junto aos

participantes do projeto estima-se que as reuniões aconteciam semanalmente e duravam cerca de

uma hora.

A análise dos documentos referentes ao desenvolvimento do CD-ROM, no projeto “Cem

Bilhões”, de fato reafirmaram as etapas por ele propostas. Quanto a primeira etapa “Definições

Conceituais sobre o Sistema Multimídia para o Ensino de Neurociência”, a própria necessidade

da criação de uma linguagem comum entre as duas áreas de conhecimento, bem como a definição

da estrutura básica do programa, e a forma de apresentação do programa para o usuário, a

justificam. É fundamental uma troca de conhecimentos entre os dois campos de conhecimento.

Este tipo de contato fornece elementos fundamentais para desenvolvimento de um material que

possa contribuir efetivamente no ensino de uma disciplina. Tais considerações devem levar em

conta tanto o conteúdo, como a tecnologia e o público alvo do sistema. Por conta disso, foram

realizadas algumas reuniões com o intuito de alinhar as perspectivas e conceitos sobre o uso do

material hipermídia.

138

Na etapa referente ao planejamento e elaboração da interface do programa, observou-se

grande preocupação quanto a área de “fatores humanos”, que segundo o próprio projeto, se

concretiza “no design da interface do programa”, ou seja, na interação usuário-programa. Na

medida em que um sistema voltado para seu usuário deve apresentar uma interface “amigável”,

capaz de ser manipulado por diferentes pessoas, com diferentes níveis de “intimidade” com

computadores. Por conta disso, observou-se grande preocupação dos membros de equipe sobre a

colocação, design e “efeito de pressão” de botões, bem como a estrutura do sistema e tratamento

das figuras. Sendo outro fator importante a necessidade de que os mecanismos do sistema

ficassem invisíveis ao usuário rapidamente, dando lugar ao conteúdo, para que dessa forma o

usuário pudesse se concentrar somente no processo de aprendizagem.

Para que estas premissas se tornassem possíveis, era preciso que se definissem certas formas de

apresentação a partir da linguagem gráfica do sistema. Desde definições sobre as áreas funcionais

e manipulação do sistema, passando pelo desenho das telas, os tipos de menus, as formas de

perguntar e responder, selecionar caminhos, sair do programa, até o padrão visual do programa.

Nesta pesquisa, encontrei alguns documentos com uma espécie de relatório com críticas e novas

orientações sobre o sistema, aspectos da cor da capa, som de fundo, tipografia do título entre

outros aspectos consonantes a este tópico.

Vale lembrar que as escolhas feitas em relação ao design do sistema valeriam para ambas as

modalidades do programa (hipermídia e simulação de casos). Os fatores humanos que deveriam

receber maiores considerações, de acordo com o projeto, e se reafirmaram tanto nos documentos

referentes ao seu desenvolvimento como nos produtos finais, foram: consistência, simplicidade,

orientação precisa e liberdade de ação (controle do aluno sobre o programa).

A partir desta problemática desenvolveu-se um trabalho que foi apresentado no V Seminário de

139

Iniciação Científica no ano de 1997, sob o título “Desenvolvimento de Interface para um

Sistema Hipermídia para o Ensino das Neurociências”, com autoria de Fábio Muniz, Eduardo

Bordoni e Marina Morato. Resumidamente, o trabalho relatou o processo de desenvolvimento da

interface gráfica do CD-ROM hipermídia do projeto “cem bi”, sobretudo a organização do

conteúdo; a interatividade do sistema; os elementos de auxílio à navegação; entre outros aspectos.

Estas mesmas reflexões culminaram em trabalho de final de curso de graduação, onde Fábio

Muniz desenvolveu e apresentou um estudo sobre a interface gráfica do CD-ROM hipermídia, no

Curso de Programação Visual da Escola de Belas Artes, no ano de 1998.

Quanto a terceira etapa, que se caracterizou pela implementação da tecnologia hipertextual, vale

ressaltar que a adaptação do texto básico em sistema multimídia ocorreu simultaneamente ao seu

desenvolvimento para o livro-texto. A idéia central era organizar textos, ilustrações e imagens

como “nós” de informação e definir um número determinado de links como opções de navegação

entre eles, bem como entre o hiperdocumento e os casos simulados, fato que permite uma

interação não-seqüencial com o conteúdo em questão. Dessa forma, a medida que os capítulos do

livro eram desenvolvidos, por parte da equipe responsável pelo conteúdo de Neurociência, eles

eram implementados em sistema hipertexto por parte da equipe responsável pelo sistema

educacional interativo. Quanto ao sistema computacional, propriamente dito, ele foi desenvolvido

pelos alunos de graduação em informática, e sua escolha e das ferramentas de autoria, foram

decididas por aquelas mais compatíveis com os equipamentos utilizados no CCS.

A quarta e última etapa proposta era a avaliação do protótipo, tanto do primeiro capítulo do livro,

quanto do CD-ROM. No caso do material informatizado, os principais elementos a serem

avaliados foram: a compreensão do conteúdo; a lógica das relações entre os conceitos; o

envolvimento cognitivo e afetivo do aluno; as instruções para o uso do programa; formas de

140

entrada e saída de informação; a apresentação do programa; a liberdade de ação do usuário,

entre outros. Vale ressaltar que as condições destas avaliações tentaram reproduzir ao máximo as

situações reais de sua utilização, sendo feita com alunos para os quais o sistema se dirigia.

Em entrevista com a coordenadora do projeto Miriam Struchiner, a professora lembrou que a

estrutura do livro já estava prontamente concebida pelo pesquisador da área de neurociência,

sendo que somente os conceitos técnicos foram discutidos pelos pesquisadores da área de

educação junto aos pesquisadores da área de neurociência. Tanto na escolha das figuras como na

linguagem utilizada no texto, desenvolveu-se uma ampla discussão sobretudo na comunicação

visual do livro, onde se seguiu todo um acompanhamento da produção das imagens usadas no

livro. No processo final de desenvolvimento, a editora comercial, representada por seus técnicos

e especialistas, seguiu os modelos já determinados previamente pelos pesquisadores da área de

educação, com exceção de pequenas alterações necessárias à adaptação do produto ao mercado.

Todo o processo de elaboração foi marcado um por grande número de reuniões, tanto internas a

cada laboratório envolvido, como entre todos os participantes do projeto. Segundo a

documentação relativa ao processo de desenvolvimento do livro-texto, todos os textos eram

desenvolvidos pelo pesquisador da área de neurociência, que contava com a ajuda de

especialistas de cada área específica do tema, para revisão do texto. Inicialmente as imagens e

ilustrações eram feitas pelos bolsistas da Escola de Belas Artes, mas numa fase posterior foi

contratada uma ilustradora profissional para esta tarefa. A partir deste processo, a bolsista Diana

Achserald, integrante do projeto “Cem Bi”, desenvolveu e apresentou uma monografia de final de

curso na Escola de Belas Artes, exatamente sobre o design do livro-texto “Cem Bilhões de

Neurônios”.

Para efetiva avaliação do processo de desenvolvimento do sistema, cada capítulo (do texto e,

141

consequentemente, do programa) seria avaliado por estudantes, que representariam a

população alvo, e outros profissionais. Como o CD-ROM hipermídia não foi concluído, teve

como resultado de suas pesquisas um protótipo contendo apenas os conceitos referentes aos três

primeiros capítulos, sendo que somente o primeiro efetivamente avaliado pelos estudantes, que se

dividiram em: cinco estudantes da área de medicina, um da área de estatística, dois da área de

desenho industrial, um da área de eletrônica e um da área de informática.

Posto isso, foram desenvolvidos um questionário de identificação do aluno, um pré e um pós teste

(com conhecimentos introdutórios sobre a Neurociência) e um questionário de avaliação sobre a

utilização dos dois materiais, referentes ao primeiro capítulo do livro e, consequentemente, do

CD-ROM hipermídia. Cronologicamente, em uma primeira etapa, os alunos responderam ao

questionário de identificação, onde eles informavam seu curso de origem; idade; nome;

familiaridade com sistemas digitais, entre outras coisas. Em um segundo momento participaram

de um pré-teste, com alguns conhecimentos básicos sobre a disciplina. Depois disso, interagiam

com o material livremente (referente ao primeiro capítulo do livro e do CD-ROM), para depois

participarem do pós-teste, também contendo questões básicas de Neurociência.

A idéia era fazer a revisão do protótipo digital e do livro-texto a partir dos resultados obtidos

nestas avaliações, que a partir da correção de todos os defeitos estaria pronto para ser distribuído

e utilizado pelos alunos do CCS, assim como o livro. Conforme já explicitado, a introdução deste

material seria acompanhada para que desta forma seja possível avaliar o impacto destas

tecnologias no ensino de Neurociência. Por falta de recursos o projeto do CD-ROM foi

paralizado, ficando apenas com um protótipo contendo o referente ao primeiro capítulo,

devidamente implementado e avaliado junto a estudantes da área, conforme supracitado. O livro

texto, que também teve seu primeiro capítulo avaliado junto aos estudantes da área, apesar das

142

dificuldades, teve seu desenvolvimento continuado. O Laboratório de Neuroplasticidade,

ainda em parceria com o NUTES, levou o projeto adiante junto a uma editora comercial e

publicou o livro-texto no ano de 2001.

Ainda neste ano, percebendo o potencial do conceito de “objetos de aprendizagem” e o

crescimento da noção de redes virtuais no cenário acadêmico, a Prof. Miriam Struchiner decide

desenvolver um banco virtual de objetos de aprendizagem, cujo nome seria BVOA. É neste

contexto que surge então a possibilidade de se desenvolver um banco virtual de objetos de

aprendizagem levando em conta os progressos já realizados para a produção do livro e do CD-

ROM hipermídia. Embora as características destes sistemas não sejam idênticas, muito menos

suas potencialidades, identificou-se que muito do que havia sido desenvolvido para o livro e para

o CD-ROM poderia ser utilizado na produção de um banco virtual de objetos de aprendizagem,

especificamente para o ensino de Neurociência. Posto isso, e idealizados todos os planos deste

novo material, iniciou-se o processo de desenvolvimento do BV-Neuro.

Materiais Desenvolvidos pelo Projeto “Cem Bilhões de Neurônios”

Livro-Texto

Tendo como proposta central a idéia de desenvolver um livro de Neurociência em linguagem

bem acessível, o Professor Titular do Departamento de Anatomia, da UFRJ, Roberto Lent,

desenvolveu o livro “Cem Bilhões de Neurônios: Conceitos Fundamentais de Neurociência”. O

texto aborda desde a biologia molecular do neurônio até os fenômenos da mente, da memória, da

emoção e da cognição. Contém 698 páginas e se encontra ainda em sua primeira edição pela

editora Atheneu Rio.

143

Segundo Lent, em entrevista ao site da FAPERJ, não se trata de um livro com teses ou

descobertas originais, porque essas são publicadas em periódicos especializados, mas sim o

primeiro livro no país, de autor brasileiro, sobre neurociência entendida como uma ciência que

reúne tudo sobre o cérebro, apesar dos avanços atingidos na área. “Fazer pesquisa em

neurociência é entrar na aventura de conhecer a própria mente humana, os mecanismos

biológicos que a determinam, as doenças mentais, enfim, os fenômenos do cérebro de uma forma

geral”, diz o pesquisador.

Uma das características mais marcantes da obra é o fato de que se destina não só ao público

universitário, mas também a leigos interessados em obter informações básicas e abrangentes,

porém claras, a respeito do sistema nervoso e de seu órgão central, o cérebro. Segundo Roberto

Lent, conhecido defensor da socialização do saber, difundir o trabalho produzido na universidade

para o maior número de pessoas possível é uma obrigação, “afinal, é o imposto da população que

paga nossas pesquisas”, ressalta Lent. Segundo o próprio autor, o livro trata da neurociência

como resultado da confluência de várias disciplinas que lidavam com o sistema nervoso de modo

independente e desarticulado.

BV-Neuro

Como fruto das pesquisas do projeto “Cem Bilhões”, posso destacar, portanto, o desenvolvimento

do banco de objetos de aprendizagem voltado para o ensino em Neurociência, o BV-NEURO.

Segundo Downes (2001), “objetos de aprendizagem” são unidades de recursos educativos,

disponibilizados na Internet, que podem ser utilizados e (re)utilizados com objetivos pedagógicos

144

e que apresentam sugestões sobre o contexto mais apropriado para a sua utilização. A

contribuição deste conceito vem sendo investigada por teóricos e designers instrucionais, que

ressaltam o seu potencial de distribuição, compartilhamento e reutilização, em diferentes

contextos educativos (Sosteric & Hesemeier, 2002).

O BV-NEURO foi planejado e desenvolvido de maneira a viabilizar, sobretudo, um ambiente

construtivista de aprendizagem. Este banco pode ser utilizado de maneira independente ou aliado

a um programa de construção de ambientes virtuais, cujo nome é “Plataforma Construtore”. De

um modo geral a Plataforma Constructore oferece a professores e especialistas em diferentes

campos do saber facilidades para publicação, implementação e acompanhamento de atividades

educativas a distância (totalmente ou semi-presenciais). As duas ferramentas aliadas oferecem

aos professores a possibilidade de integrar os seguintes recursos:

1) Objetos de aprendizagem (casos, textos, atividades, figuras, animações, dentre outros); 2)

Recursos de consulta (Bibliografia, Glossário e Links úteis),

3) Ferramentas Comunicacionais (e-mail, quadro de avisos e fórum de discussão). O professor

conta, também, com Ferramentas de Gerência (histórico de navegação e estatísticas de acesso).

Seguindo o conceito de "objetos de aprendizagem", o modelo do BV-NEURO foi desenvolvido

de maneira que todos os recursos utilizados pelo professor ficam armazenados, facilitando sua

(re)utilização em novos cursos. O professor pode, também, associar todos os recursos oferecidos

(p.ex.: ao disponibilizar um caso, é possível indicar que outros recursos como textos, imagens etc,

que estão associados a ele) bem como recursos de sua autoria, recursos disponíveis na Internet, de

um modo geral. É interessante que todos os novos recursos utilizados pelo professor sejam

145

encaminhados para os BVOA existentes, reforçando o seu compartilhamento e (re)utilização.

No BV-NEURO, cada objeto disponibilizado foi indexado, facilitando a busca pelos usuários, a

partir de quatro características básicas: natureza do objeto (texto, figura, animação, simulação

etc), descrição, autor e dicas de utilização.

CD-ROM Hipermídia, “piloto”

O desenvolvimento do sistema hipermídia tinha como principal objetivo contribuir para

mudanças qualitativas na construção do conhecimento sobre Neurociência no âmbito da

formação profissional na área de ciências biomédicas, construindo um material educativo de

conteúdo abrangente, que contemplasse diversas formas de representação (textos, fotos,

ilustrações, vídeos), que possibilitaria a aplicação do conhecimento em diferentes contextos

(experimentos e simulações de casos clínicos), e que ofereceria aos seus usuários liberdade e

autonomia para explorar as informações de acordo com seus estilos, preferências e ritmos de

aprendizagem, podendo ser utilizado tanto por alunos de graduação como estudantes do ensino

médio.

No Menu inicial do protótipo, encontravam-se todas as carreiras biomédicas as quais o aplicativo

se dirigia. Ao escolher a carreira de interesse o estudante tinha acesso aos casos clínicos, imagens

e animações do tema. Por falta de recursos financeiros o CD-ROM não foi concluído, tendo como

resultado um protótipo contendo um capítulo introdutório, algumas imagens e vídeos

complementares.

APLICANDO A TEORIA DA ATIVIDADE SOBRE OS DADOS RECOLHIDOS

146

Para compreender a dinâmica do processo de desenvolvimento, os dados recolhidos foram

então analisados com base no modelo de TA. No caso do livro-texto e do banco de objetos de

aprendizagem, sua aplicação foi parcial, enquanto que no caso do CD-ROM Hipermídia sua

aplicação foi integral. A TA aplicada em seis estágios foi originalmente desenvolvida no contexto

de análise de práticas de trabalho em uma organização com o propósito de orientar o projeto de

um sistema baseado em computador, voltado para suportar esta prática de trabalho. Em nosso

caso, o projeto já estava desenvolvido, assim a aplicação dos estágios (parcial ou integralmente)

teve tão somente a intenção de ordenar um levantamento histórico do desenvolvimento do projeto

"Cem Bilhões de Neurônios", reunindo sob a moldura dos elementos do modelo de análise o que

pode ser recuperado de um projeto que já completa mais de 10 anos, e já tornou disponível alguns

dos produtos que visava desenvolver.

O modelo de TA em estágios foi assim de grande valia para o objetivo maior desta dissertação,

orientando a organização do material investigado e dando, por sua sistemática, abertura a

questionamentos, que por si só justificam novas iniciativas de pesquisa, dentro do projeto.

Consideramos que a aplicação da TA, conforme seguida nesta dissertação, pôde oferecer a

elaboração de questionamentos pertinentes. Mesmo sem o devido exame mais minucioso e o

conseqüente desdobramento maior dos estágios seguintes, como no caso do livro-texto e do

banco de objetos de aprendizagem, inúmeras considerações podem ser tomadas em conta no

desenvolvimento de projetos similares, tão comuns no domínio do NUTES. Neste último sentido,

vale salientar a importância do uso deste modelo de análise na contextualização social e cultural

de um projeto, enquanto se focalizam aspectos mediadores da atividade, em especial as

ferramentas, procedimentos (regras) e divisão de trabalho (conjunção de especialistas).

147

Assim posto, para revisão do projeto “Cem Bilhões”, os estágios de uma análise, segundo a

Teoria da Atividade, elaborada por Mwanza, são os seguintes:

Estágio 1 – Modelar a situação a ser estudada

Estágio 2 – Produzir um “sistema” de Teoria da Atividade da situação estudada

Estágio 3 – Decompor o sistema desenvolvido

Estágio 4 – Gerar Questões de Estudo

Estágio 5 – Conduzir uma investigação detalhada

Estágio 6 – Interpretar os achados

Posto isso, e seguindo esta abordagem, todas as três mídias desenvolvidas pelo projeto “Cem

Bilhões de Neurônios” são devidamente investigadas através da metodologia construída sobre

esta teoria, a seguir. É importante ratificar, como já dissemos acima, que não nos adentramos

pelos “Estágios” seguintes à geração de questões de estudo (estágio 4), sobretudo por conta de

sua amplitude e do foco de “levantamento" perseguido por esta dissertação, exceto no caso do

CD-ROM Hipermídia, que foi integralmente analisado.

Outro aspecto que deve ser ressaltado de antemão é que preferimos não fazer o levantamento

referente às “Ferramentas Materiais” das mídias estudadas. Esta escolha foi feita por

consideramos que este levantamento não acrescentaria dados ou conhecimentos relevantes ao ao

debate nesta área.

148

O processo de desenvolvimento do livro-texto, segundo a Teoria da Atividade

A atividade ou o processo de desenvolvimento do livro-texto, através da análise dos documentos

referentes ao seu desenvolvimento, pode ser desdobrada nos “estágios”:

149

Estágio 1 – Modelar o processo de desenvolvimento do livro-texto

Componentes Descrição

Atividade Para a proposta desse estudo, a atividade de interesse identificada foi o processo de

desenvolvimento do livro-texto.

Objeto ou

objetivo O desenvolvimento do livro-texto tinha como objetivo fundamental tratar a Neurociência

com o necessário princípio da multidisciplinaridade do tema. Para tal, evitou-se a mera

descrição de informações provenientes de diversas disciplinas, mas uma cuidadosa

tessitura de dados que se inter- relacionam para permitir um conteúdo interessante e

efetivo. O livro é também direcionado ao público não-especializado visto que conta com

uma linguagem menos técnica e mais de divulgação.

Sujeitos Pesquisadores na área de Educação; Bolsistas da Escola de Belas Artes; Pesquisadores da

Área de Neurociência, Técnicos e Especialistas de editora comercial, Ilustradora

Profissional.

Ferramentas Ferramentas Materiais – não foram levantadas.

Ferramentas não-materiais – tipologia; diagramação; concepção de legenda; concepção

de embalagem (capa) e miolo; tipos de papel.

Regras, Divisão

do Trabalho e

Comunidade

Esta atividade aconteceu no Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde e no

Departamento de Anatomia do ICB, ambos localizados no Centro de Ciências da Saúde,

na UFRJ.

150

Visto que a estrutura do livro já estava prontamente concebida pelo pesquisador da área de

neurociência, somente os conceitos técnicos foram discutidos pelos pesquisadores da área

de educação junto aos pesquisadores da área de neurociência. Tanto na escolha das figuras

como na linguagem utilizada no texto, desenvolveu-se uma relação técnica, sobretudo na

comunicação visual do livro, onde se seguiu todo um acompanhamento da produção das

imagens usadas no livro. No processo final de desenvolvimento, a editora comercial,

representada por seus técnicos e especialistas, seguiu os modelos já determinados

previamente pelos pesquisadores da área de educação, com exceção de pequenas

alterações necessárias à adaptação do produto ao mercado. Todo o processo de elaboração

foi marcado um por grande número de reuniões, tanto internas a cada laboratório

envolvido, como entre todos os participantes do projeto. Segundo a documentação relativa

ao processo de desenvolvimento do livro-texto, todos os textos eram desenvolvidos pelo

pesquisador da área de neurociência, que contava com a ajuda de especialistas de cada

área específica do tema, para revisão do texto. Inicialmente as imagens e ilustrações eram

feitas pelos bolsistas da Escola de Belas Artes, mas numa fase posterior foi contratada

uma ilustradora profissional para esta tarefa. Toda divisão e estrutura do livro foi proposta

pelo pesquisador da área de neurociência.

Resultados Com a suspensão do projeto “Cem Bilhões”, o livro-texto foi editado e publicado por uma

editora comercial. O texto é utilizado nos cursos de graduação na área de ciências e saúde.

Quadro 1 - Modelar o processo de desenvolvimento do livro-texto

151

Estágio 2 – Produzir um “sistema” de Teoria da Atividade da “atividade” livro-texto

Nesta etapa, o modelo de análise prevê elaborar um triângulo da atividade em questão, como a

seguir:

Regras Comunidade Divisão do Trabalho

Quadro 2 – Sistema da Atividade

Objeto

• tratar a Neurociência com o necessário princípio da multidisciplinaridade do tema. • evitar a mera descrição de informações

provenientes de diversas disciplinas, • elaborar uma cuidadosa tessitura de dados

que se inter-relacionam • promover um conteúdo interessante e

efetivo • direcionar o livro ao público não-

especializado • utilizar uma linguagem menos técnica, de

divulgação científica.

Ferramentas

- tipologia; diagramação; concepção de legenda; concepção de embalagem (capa) e miolo; tipos de papel.

Resultados

Com a suspensão do projeto “Cem Bi”, o livro-texto foi editado e publicado por uma editora comercial. O texto é utilizado nos cursos de graduação na área de ciências e saúde.

Sujeitos

- Pesquisadores na área de Educação; Bolsistas da Escola de Belas Artes; Pesquisadores da Área de Neurociência.

Esta atividade aconteceu no Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde e no Departamento de Anatomia do ICB, ambos localizados no Centro de Ciências da Saúde, na UFRJ.

Estrutura do livro já estava prontamente concebida pelo pesquisador da área de neurociência; Tanto na escolha das figuras como na linguagem utilizada no texto, desenvolveu-se uma

relação técnica, sobretudo na comunicação visual do livro, onde se seguiu todo um acompanhamento da produção das imagens usadas no livro.

Pouca influência da editora comercial Todo o processo de elaboração foi marcado um por grande número de reuniões, tanto

internas a cada laboratório envolvido, como entre todos os participantes do projeto. Todos os textos eram desenvolvidos pelo pesquisador da área de neurociência, que contava

com a ajuda de especialistas de cada área específica do tema, para revisão do texto. As imagens e ilustrações eram feitas pelos bolsistas da Escola de Belas Artes;

Posteriormente foi contratada uma ilustradora Professional para esta tarefa.

Toda divisão e estrutura do livro foi proposta pelo pesquisador da área de neurociência.

152

Estágio 3 e 4 – Decompor o sistema desenvolvido e gerar questões de pesquisa

Quadro 3 – Decompondo o Sistema da Atividade

Questão de pesquisa

De que forma a intervenção da editora comercial influenciou o desenvolvimento do livro?

Como a divisão de trabalho instituída (por área de conhecimento) influenciou o andamento do trabalho por parte da equipe do Departamento de Anatomia?

Qual a importância do tipo de papel para o desenvolvimento de um livro texto para o ensino de Neurociência?

Qual a importância do fluxo de produção, para o desenvolvimento do livro-texto?

Até que ponto a divisão do desenvolvimento do livro em duas equipes multidisciplinares influenciou o seu processo de produção?

Sub-atividades

Sistema da atividade

Sujeito – Ferramenta - Objeto

Sujeito – regras - objeto

Sujeito – divisão do trabalho - objeto

Comunidade – ferramenta - objeto

Comunidade – regras - objeto

Comunidade – divisão do trabalho - objeto

Como as concepções de diagramação ajudaram a equipe do LTC a desenvolver o livro texto para o ensino de neurociência?

153

O processo de desenvolvimento do banco de objetos de aprendizagem, segundo a Teoria da Atividade

No caso do banco de objetos de aprendizagem, e através de uma análise dos documentos

referentes ao seu desenvolvimento, os estágios propostos seriam desenvolvidos da seguinte

forma:

Estágio 1 – Modelar a atividade “banco de objetos de aprendizagem”

Componentes Descrição

Atividade Para a proposta desse estudo, a atividade de interesse identificada foi o processo de

desenvolvimento do banco virtual de objetos de aprendizagem.

Objeto ou

objetivo Desenvolver um banco virtual de objetos de aprendizagem cujas unidades de recursos

educativos, disponibilizadas na Internet, podem ser utilizadas e (re)utilizadas com

objetivos pedagógicos e que apresentam sugestões sobre o contexto mais apropriado para

a sua utilização.

Sujeitos Pesquisadores na área de Educação; Bolsistas da Informática; Pesquisadores da Área de

Neurociência; Designers; Técnica em Computação Gráfica, Ilustradora Profissional.

Ferramentas Ferramentas não-materiais – Conceito de “ferramentas cognitivas”; conceito de

“objetos de aprendizagem”; conceito de “reusabilidade”; concepção de “metadado”;

Conceito de interface gráfica.

Regras, Divisão Esta atividade aconteceu no Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde e no

154

do trabalho e

Comunidade

Departamento de Anatomia do ICB, ambos localizados no Centro de Ciências da Saúde,

na UFRJ. Toda a estrutura e organização dos dados foi estabelecida pelos pesquisadores

do núcleo de tecnologia educacional. O pesquisador da área de neurociência participava

de forma pontual, escrevendo o conteúdo de cada conceito que lhe fosse solicitado.

Resultados O BV-NEURO encontra-se plenamente desenvolvido e vem sendo utilizado por

professores do CCS.

Quadro 4 - Modelar o processo de desenvolvimento do livro-texto

155

Estágio 2 – Produzir um “sistema” de Teoria da Atividade, da “atividade” Banco de

objetos de aprendizagem

Quadro 5 - Sistema da Atividade

Objeto - desenvolver um banco virtual de objetos de

aprendizagem - garantir que suas unidades de recursos

educativos possam ser utilizadas e (re)utilizadas com objetivos pedagógicos

- disponibilizar banco na Internet - apresentar sugestões sobre o contexto mais

apropriado para a utilização deste banco.especializado, com uma linguagem menos

técnica e mais de divulgação.

Ferramentas Ferramentas não-materiais – Conceito de “ferramentas cognitivas”; conceito de “objetos de aprendizagem”; conceito de “reusabilidade”; concepção de “metadado”; Conceito de interface gráfica.

Resultados

O BV-NEURO encontra-se plenamente desenvolvido e vem sendo utilizado por professores do CCS.

Regras Comunidades Divisão do Trabalho

Esta atividade aconteceu no Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde e no Departamento de Anatomia do ICB, ambos localizados no Centro de Ciências da Saúde, na UFRJ.

Toda a estrutura e organização dos dados foi estabelecida pelos pesquisadores do núcleo de tecnologia educacional.

O pesquisador da área de neurociência participava de forma pontual, escrevendo o conteúdo de cada conceito que lhe fosse solicitado.

Sujeitos - Pesquisadores na área de Educação; Bolsistas da Escola de Belas Artes; Pesquisadores da Área de Neurociência.

156

Estágio 3 e 4 – Decompor o sistema desenvolvido e gerar questões de pesquisa

Quadro 6 – Decompondo o Sistema da Atividade

Até que ponto a participação do pesquisador em neurociência em tópicos pontuais influenciou o desenvolvimento do banco de objetos de aprendizagem?

Como a divisão de trabalho instituída (por área de conhecimento) influenciou o andamento do trabalho por parte da equipe do Departamento de Anatomia?

Qual a importância do conceito de interface gráfica para o desenvolvimento de um banco virtual de objetos de aprendizagem para o ensino de Neurociência?

Como o fato da equipe do LTC ter estabelecido toda a estrutura e organização dos dados influenciou o desenvolvimento do BV-Neuro?

De que forma a divisão de trabalho estabelecida, onde o pesquisador participava de forma pontual no desenvolvimento do conteúdo, contribuiu ou prejudicou o desenvolvimento do BV-Neuro?

Sub-atividades

Sistema da atividade

Sujeito – Ferramenta - Objeto

Sujeito – regras - objeto

Sujeito – divisão do trabalho - objeto

Comunidade – ferramenta - objeto

Comunidade – regras - objeto

Comunidade – divisão do trabalho - objeto

De que forma o conceito de metadado permitiu que a equipe do LTC desenvolvesse unidades de recursos educativos do BV-Neuro que pudessem ser utilizadas e (re)utilizadas?

157

O processo de desenvolvimento do CD-ROM hipermídia, segundo a Teoria da Atividade

A análise do processo de desenvolvimento do CD-ROM Hipermídia contou com um levantamento, estruturação e cadastramento de dados, diferenciado dos demais materiais. Segue abaixo um quadro com as fontes de dados utilizadas especificamente para esta análise:

Fontes de Informação

Identificação Autoria Data Código

Projetos (n=3) One Hundred Billion Neurons – An Integrated Introduction to the Nervous System

Prof. NEURO 1993 PROJ-V1

New Approaches for Teaching Biomedical Sciences in Brazil – A Proposal for the Development of a New Book and Interactive System for Teaching Neuroscience in Health Sciences Education

Prof. NEURO

Prof. TE

1994 PROJ-V2

Desenvolvimento e Análise da Utilização de um Sistema Hipermídia para o Ensino de Neurociência: Cem Bilhões de Neurônios

Prof. NEURO

Prof. TE

1997 PROJ-V3

Dinâmica de Trabalho

Emails (n=7) Prof. NEURO

1998 DT-EM

Relatório de 1996 Prof.NEURO

Prof. TE 1996 DT-REL1

158

(n=18)

Livro-Diário de TE Alunos TE

Alunos 1996 DT-LD1

Memórias de Reunião (n=3) Prof. TE

1997 DT-MR1

Documento de Editoração/Produção Prof. TE

1996 DT-EP1

Planilhas de Estruturação do Conteúdo

Prof. TE 1996 DT-PEC

Planilhas de Estruturação e Programação

Prof. TE 1996 DT-ESPR

Produtos (n=1)

Protótipo de CD-ROM Equipe do Projeto

1998 PRD-P1

Estudos e Pesquisas (n=3)

Monografia de Informática Bolsista TE 1997 EP-MO1

Monografia de Programação Visual

Bolsista TE 1997 EP-MO2

Monografia de Programação Visual

Bolsista TE 1998 EP-MO3

Quadro 7 - Fontes de Informação Utilizadas

Estágio 1 – Modelar o processo de desenvolvimento do CD-ROM Hipermídia

A atividade de interesse foi o processo de desenvolvimento do sistema hipermídia CEMBI. Seu

objetivo era um material educativo, dirigido a alunos de graduação das ciências biomédicas, que

159

contemplasse diversas formas de representação (textos, fotos, ilustrações, vídeos) e aplicação

do conhecimento em diferentes contextos (experimentos e casos clínicos) e que possibilitasse aos

alunos liberdade e autonomia para explorar as informações de acordo com seus estilos e ritmos de

aprendizagem.

Desenvolvida no contexto de uma universidade, contou com a participação de um laboratório de

Tecnologia Educacional (TE) e um laboratório de Neurociência (NEURO), envolvendo, além dos

coordenadores destas duas áreas, estudantes de Comunicação Visual, Informática, Medicina e

Neurociência e técnicos de audiovisual e avaliação educacional.

O “Construtivismo” (Piaget, 1978; Vigotsky, 1979), “Flexibilidade Cognitiva” (Sprio et al,

1988), “Aprendizagem Significativa” (Ausubel, Novak & Hanesian, 1978) e “Aprendizagem

baseada em Problemas” (Hmelo-Silver, 2004) foram as principais teorias e “ferramenta

cognitiva”, “hipertextualidade e não-linearidade” e “interface amigável” foram os principais

conceitos que mediaram, como ferramentas não materiais, a concepção e o design do CEMBI.

As principais ferramentas materiais, além de bases bibliográficas de Neurociência, foram:

software de edição de imagens e vídeos e de autoria de sistema hipermídia; instrumentos de

organização de trabalho como fluxograma e cronograma; instrumentos de comunicação, como

diário de trabalho e email; instrumentos de organização de conteúdo como roteiros, storyboards e

planilhas para elaboração de conceitos.

Os coordenadores estabeleciam sistemáticas e prazos para a produção do CEMBI. A troca de

informações e reflexões eram constantes entre os coordenadores do projeto, por emails ou

reuniões, influenciando diferentes versões do sistema hipermídia, até se definir o modelo final do

protótipo.

A produção do sistema hipermídia deu-se de forma conjunta à elaboração do conteúdo do livro-

texto “Cem Bilhões de Neurônios: uma introdução integrada ao sistema nervoso” (Lent, 2002).

Na medida em que cada tópico do livro era desenvolvido, o hipertexto e os casos clínicos

correspondentes eram trabalhados.

160

O processo de desenvolvimento envolveu várias atividades que foram desde a integração da

equipe, a partir de reuniões, até as definições sobre o próprio CEMBI, todos documentados com

relatos, pautas, esboços de estrutura, interface e ilustrações. Os sujeitos participavam em mais de

uma etapa da produção. Enquanto a equipe de Tecnologia Educacional se concentrava mais nos

aspectos relativos a materiais interativos no ensino de ciências, a equipe de Neurociência

apresentava os conceitos desta disciplina, analisando sua estrutura e práticas de ensino, para

adequação do material a ser desenvolvido.

161

Estágio 2 – Produzir um “sistema” de Teoria da Atividade da “atividade” CD-ROM

Segundo Mwanza (2001), nesta etapa, os elementos identificados são esquematizados no

triângulo da TA (ENGESTRÖN, 1987).

Figura 3 – Sistema da Atividade do Desenvolvimento do “CEMBI”

162

Estágio 3, 4 e 5 - Análise do Processo de Desenvolvimento do CD-ROM “Cem Bi”

Três questões de pesquisa foram geradas a partir dos elementos definidos no sistema da

atividade. Sua formulação objetivou compreender a influência de aspectos conceituais, as normas

e procedimentos estabelecidos e a divisão do trabalho e a dinâmica de uma equipe

multidisciplinar de natureza acadêmica, no processo de construção de materiais educacionais para

o ensino das ciências biomédicas.

Questão 1 – Quais foram as ferramentas utilizadas pelos sujeitos e como foram utilizadas

para alcançar os objetivos desta atividade?

Ao examinar a atividade de interesse, identificou-se uma série de ferramentas materiais e

conceituais que permearam este processo. Ferramentas materiais são aquelas oferecidas pelas

tecnologias de informática, disponíveis no mercado, e que possibilitam dar materialidade à

representação dos conceitos e princípios que norteiam a concepção do material educativo nos

aspectos pedagógicos e de conteúdo. Optamos analisar as “Ferramentas Não-Materiais”,

assumidas pelos sujeitos, discutindo sua influência na concepção e desenvolvimento do projeto.

Foram analisadas as concepções e conhecimentos sobre ensino-aprendizagem de Neurociência

bem como as teorias e concepções educacionais, como Construtivismo, Flexibilidade Cognitiva,

Aprendizagem Significativa e Aprendizagem baseada em Problemas, Conceito de Ferramenta

Cognitiva, Hipertextualidade e Interface Amigável.

O projeto apresentado em 1993 (PROJ-V1), de autoria do professor de Neurociência, tinha como

objetivo desenvolver um livro-texto e ressaltava a visão fragmentada como problema central para

o seu desenvolvimento, ou seja, sua proposta buscava a consolidação dos conhecimentos do

sistema nervoso como uma disciplina integrada e não como tópicos isolados e pulverizados nas

disciplinas das ciências básicas.

O projeto identificava problemas do ensino da Neurociência, apontando que o desenvolvimento

do livro-texto buscaria superá-los:

163

O livro-texto é o meio mais utilizado para apoiar o ensino sobre sistema nervoso. Os livros adotados são, em sua grande maioria, traduzidos do inglês... A produção brasileira é ainda bastante limitada... Tanto o material traduzido como o nacional são concebidos de forma fragmentada. Além disso, as traduções apresentam sérias limitações de conteúdo por não passarem por uma revisão detalhada de cientistas deste campo. Esta situação exige esforço de gerar um livro com uma nova concepção de conteúdo, que encare de modo integrado o sistema nervoso, associando as informações de várias disciplinas que originaram e compõem a Neurociência. (PROJ-V1, p.4)

Outra proposta do projeto (PROJ-V1) era que o texto fosse acessível a diferentes níveis de

formação e que a linguagem fosse apropriada aos seus potenciais leitores: “o texto será revisado

por uma equipe de jornalistas cuja função é melhorar a linguagem de modo que se torne

acessível a estudantes e leitores leigos” (PROJ-V1, pág 5 ). Nota-se a intenção de ampliar o

acesso ao conteúdo, por meio de linguagem apropriada ao contexto dos diferentes alunos,

possibilitando, assim, um diálogo mais profícuo entre os conceitos científicos e as representações

que os leitores possuem sobre o sistema nervoso. Muito embora o livro, como tecnologia

educacional, não possua facilidades para interatividade como outros meios, esta proposta trazia,

em sua origem, uma perspectiva dialógica, que facilitasse o contato dos alunos com diversas

formas de representação do conhecimento e com autonomia para desenvolver uma relação

produtiva com o texto.

Em projeto datado de Setembro de 1994 (PROJ-V2), com a ampliação de objetivos, que pode ser

observada no próprio título da proposta, onde em 1993 se via “Um Bilhão Neurônios – Uma

Introdução Integrada ao Sistema Nervoso” (PROJ-V1), agora se vê “Novas Abordagens para o

Ensino das Ciências Biomédicas no Brasil – Uma proposta de desenvolvimento de um novo livro

e sistema interativo para o ensino de Neurociência na Educação das Ciências da Saúde” (PROJ-

V2), a pesquisadora de TE introduziu a vertente digital ao projeto e os fundamentos educacionais

necessários à concepção de um material de ensino.

Além do desenvolvimento do livro com cerca de 350 páginas, o projeto agora encerrava também

o desenvolvimento de um hiperdocumento, que além da rede semântica de conceitos sobre

sistema nervoso, apresentaria estudos de caso de experimentos e simulações de casos clínicos

para cada profissão das ciências biomédicas. Esta proposta assim se fundamentava:

Tanto os sistemas baseados em simulações como os baseados em hipermídia são considerados na literatura como “ferramentas cognitivas” (DERRY & LAJOIE, 1993).

164

Ferramentas cognitivas são aquelas que se caracterizam como amplificadores das habilidades cognitivas do aluno. Sua aplicação ao processo de ensino aprendizagem baseia-se na visão holística do conhecimento e de suas características de interconectividade e de interdependência entre domínios. Do ponto de vista pedagógico, pressupõe que o raciocínio intuitivo, a exploração, a participação ativa e o controle sobre este processo sejam condições essenciais para a formação do pensamento produtivo (BRUNER, 1977). Rejeita a idéia do aluno como receptáculo dos conhecimentos e experiências do professor e assume a não linearidade do processo de aprendizagem. (PROJ-V2, p.7)

A proposta da vertente digital do projeto era de um sistema hipermídia contendo, de forma

dinâmica e ilustrado com animações e vídeos, os principais conceitos e imagens de Neurociência

apresentados no livro. A integração entre o CD-ROM e o livro-texto possibilitaria aos alunos se

engajarem em diversas modalidades de interação com o conteúdo da disciplina. Na versão de

1994 (PROJ-V2), o conceito de hipermídia buscava contribuir, agora com outras possibilidades e

ferramentas, para fortalecer a abordagem construtivista que orientou o projeto, assumindo,

também, uma abordagem sobre conhecimento, aprendizagem e sobre o papel da tecnologia no

ensino.

A proposta de combinar estas duas modalidades de ferramentas cognitivas no programa sobre sistema nervoso vem ao encontro destes princípios. Possibilitará aos alunos de graduação um espaço aberto para a exploração, experimentação e descoberta, além de livre acesso às informações no desenvolvimento e aplicação desse conhecimento. (PROJ-V2, p.7)

Por se tratar de um texto em formato digital, ao qual é possível agregar outros conjuntos de

informação em formato de texto, imagens ou sons, e cujo acesso se dá através de palavras-chaves

(hotword) e logicamente interconectadas, denominadas hiperlinks ou links (LÉVY, 1999), este

modelo possibilita uma nova forma de organização e acesso aos conteúdos, onde o aluno pode

trilhar caminhos, relacionar conceitos, além de visualizar e interagir com diferentes

representações e abordagens dos conceitos apresentados (LANDOW, 1992). Este enfoque é,

portanto, compatível, complementar e potencializador do pressuposto da construção próprio livro,

em sua primeira proposta.

Porém, é no projeto de 1997 (PROJ-V3), cujo foco está centrado na pesquisa, desenvolvimento e

avaliação do CEMBI propriamente dito, que encontramos as principais definições conceituais e o

planejamento detalhado deste material.

165

Esta proposta vem ao encontro das inúmeras dificuldades e limitações que vêm sendo diagnosticadas nos modelos de ensino tradicionais, não apenas nas ciências biomédicas, mas em praticamente todas as áreas. De uma maneira geral, os materiais educativos oferecem aos alunos “ambientes” que estruturam o conhecimento de forma simplificada, sem levar em conta a complexidade dos fenômenos apresentados e suas possíveis interpretações e facetas de acordo com os diferentes contextos em que ocorrem. Nosso modelo conceitual procura contemplar a construção de um ambiente que ofereça: (1) a possibilidade do usuário vivenciar a experiência de construção do conhecimento de acordo com suas características e necessidades; (2) a abordagem do conteúdo sob diversas perspectivas; (3) a possibilidade de envolver a aprendizagem em contextos relevantes e realistas; (4) autonomia e metacognição no processo de aprendizagem e (5) múltiplas formas de representação do conhecimento). Estas são algumas das características de um ambiente construtivista de aprendizagem (Cunningham, Duffy & Knuth, 1993; Boyle, 1997) (PROJ-V3, p. 12).

A versatilidade, possibilitada pelo conceito de hipermídia, associada aos diferentes recursos e

tratamento do conteúdo, oferece uma aprendizagem que vai ao encontro da abordagem da Teoria

da Flexibilidade Cognitiva (SPIRO ET AL., 1988), outra prerrogativa conceitual deste material.

Esta teoria parte do princípio de que para dar conta da complexidade do conhecimento, é

necessário oferecer diferentes formas de representação e diferentes caminhos para percorrer as

informações. Baseado nestas premissas é importante que o estudante faça “releituras” de um

mesmo conteúdo, em tempos diferentes, formatos distintos e rearranjados, e a partir deste esforço

poderá atingir o núcleo de sentido do material estudado (SPIRO ET AL., 1988).

A proposta de Aprendizagem Baseada em Problema, por sua vez, tem como objetivo oferecer aos

estudantes a oportunidade de compreender os conceitos estudados em contextos/situações de

prática profissional, motivando-os a compreender sua complexidade e pertinência. Os estudantes

assumem responsabilidade sobre a atividade, organizando e direcionando o aprendizado

(HMELO-SILVER, 2004; MERRILL, 2007).

Desta forma, justifica-se a organização proposta para o CEMBI, sobretudo se for levada em

consideração a noção de complementaridade entre o material informatizado e o livro-texto.

Alguns elementos desta complementaridade, bem como sua concepção pedagógica foram

identificados no projeto de 1997 (PROJ-V3), destacados a seguir:

(a) possibilidade dos alunos acessarem o conteúdo de acordo com sua área de formação

profissional (medicina, biociências, odontologia, nutrição, enfermagem, educação física,

fonoaudiologia e divulgação científica): mesmo assumindo que os conceitos básicos sobre o

166

sistema nervoso são comuns à todas as áreas e requerem, para sua “compreensão

conhecimentos básicos das ciências biológicas, normalmente integrantes do currículo do ensino

fundamental como os conceitos de célula, tecido, molécula, impulso elétrico, mecanismo

biológico etc.” (PROJ-V3, p. 10), a orientação para as diferentes carreiras possibilita que ao

acessar o sistema, o aluno se encontre diante de uma mesma rede semântica de conceitos

(relacionada por meio de hiperlinks), porém com casos clínicos e experimentos de interesse

(filtrados) por área de atuação;

(b) possibilidade de representação da informação de diferentes formas e perspectivas; o relatório

do projeto de 1996 (DT-REL1) apresenta, em um quadro, os elementos básicos de informação

que compõem o CEMBI:

Conceitos Fundamentais sobre Sistema Nervoso (CF) - são as unidades básicas de informação do sistema); Aplicações dos Conceitos (AP) - são exemplos interativos de principais conceitos aplicados a diferentes contextos de acordo com sua natureza: experimentos ou casos clínicos; Banco de Imagens (BI) – os conceitos e as aplicações são sempre apresentados com imagens (ilustrações, fotos, gráficos, animação, vídeo e/ou slide-som) e comporão uma base de informação visual sobre Neurociência. (adaptado de DT-REL1, p.4)

(c) flexibilidade para os alunos acessarem os elementos de informação em diferentes perspectivas

– no relatório de 1997 (DT-REL2), encontram-se as diferentes possibilidade de leitura definidas

pelo que se denominou “Modelo de Organização Editorial das Informações sobre Sistema

Nervoso” (DT-REL1, p.4), assim explicitado: Conceitos A-Z – todos conceitos fundamentais em

ordem alfabética (os alunos podem “navegar pelo menu” ou pelas ligações internas entre

conceitos); Capítulos do Livro – os três elementos (CF, AP, BI) serão organizados e

“selecionados” (por filtros) seguindo a mesma estrutura de organização apresentada no livro;

Abordagens de Estudo do Sistema Nervoso – CFs, APs, BIs serão organizados e “selecionados”

(por filtros) para que os usuários possam consultar as informações seguindo diferentes olhares

possíveis (Abordagens) no estudo do sistema nervoso: (1) Anatômica, (2) Histológica, (3)

Fisiológica, (4) Bioquímica, (5) Molecular, (6) Biofísica, (7) Histológica e (8) Histórica.

(adaptado de DT-REL1, p.4). Além disto, os alunos podem acessar o conteúdo pelo Banco de

Imagens ou de Aplicação.

167

O que se conclui é que a estruturação do conteúdo possibilitou levar a cabo os conceitos

educacionais escolhidos pelo projeto. A proposta de desenvolvimento do CEMBI se baseou,

também, na premissa de que a qualidade de um sistema educacional informatizado é dependente

de aspectos relacionados à área de fatores humanos e concretizados no design da interface do

programa, ou seja, na concepção dos elementos da comunicação usuário-programa

(SHNEIDERMAN, 1992). Um traço do CEMBI é sua interface amigável, isto é, o sistema é

passível de ser utilizado por indivíduos com diferentes níveis de experiência com computadores,

visto que a aprendizagem de sua manipulação se dá rapidamente e o sistema computacional

desaparece, possibilitando que o usuário se concentre no conteúdo da informação

(SHNEIDERMAN, 1992). O relatório (DT-REL2) de 1998, que documenta e discute o processo

de design do protótipo, apresenta a seguinte observação:

De acordo com os estudos apresentados, concluímos que o design da interface do sistema “Cem Bilhões de Neurônios” foi fundamental para materializar os conceitos iniciais que integraram o projeto (livro e sistema hipermídia)... A evolução visual e conceitual do sistema hipermídia foi, em grande parte, proporcionada pelos estudos de design de interface que priorizam consistência, simplicidade, orientação precisa e liberdade de ação, focada no usuário e na identificação formal com o repertório visual do mesmo. (DT-REL2, p. 16)

Estas observações abordam um aspecto relevante desta questão de estudo. Tendo optado por

concentrar a análise nas ferramentas não materiais mais importantes, foi possível associá-las de

forma a compreender como estas orientaram a atividade de desenvolvimento do CEMBI. Cabe

aqui uma reflexão sobre como os sujeitos se apropriaram destes conceitos na elaboração do

projeto e, certamente, esta apropriação não foi uniforme. Levando-se em conta que os sujeitos

eram, em sua maioria. estudantes de graduação de diferentes áreas de conhecimento, fica

evidente que a formulação dos conceitos que orientaram o projeto ficou por conta dos dois

professores, que construíram a proposta inicial do material educativo. As ferramentas conceituais

trazidas pelo professor de NEURO concentraram-se na abordagem de ensino desta disciplina e

nos problemas e necessidades para sua consolidação. Estas questões se concretizaram em uma

proposta integrada com outros meios e fundamentada teoricamente do ponto de vista pedagógico

pela professora de TE.

Isto não significa que houve uma apropriação integral dos conceitos pelos dois coordenadores do

projeto, mas a compreensão dos problemas e propostas de ensino de Neurociência e sua tradução

168

para o campo educacional. Quanto aos demais sujeitos, parece que estes se apropriaram

destas teorias e conceitos para concretizar as diferentes etapas do projeto. Isto pode ser notado

nas três monografias geradas pelos alunos de graduação (EP-MO1; EP-MO2; EP-MO3), que

tomaram como base as premissas e o referencial do projeto no desenvolvimento de suas

atividades específicas.

Questão 2 – Quais regras afetaram a forma como os sujeitos alcançaram seus objetivos e

como?

Segundo Kuuti (1995), regras incluem normas implícitas e explícitas, convenções e relações

sociais em uma comunidade. O desenvolvimento de um material educativo informatizado

pressupõe uma equipe multidisciplinar, envolvendo um processo contínuo de negociação de

valores, perspectivas em relação ao desenvolvimento e uso do material, visão sobre os potenciais

usuários, conhecimento e abordagem sobre o conteúdo, bem como aspectos técnico-

metodológicos para sua concretização. O contexto e, especialmente, a forma como as relações

entre sujeitos são estabelecidas, influenciam as principais normas e regras, suas motivações,

funções e dinâmicas. Deve-se ter em conta que este projeto se desenvolveu no contexto

universitário, pautado pelo interesse na pesquisa e na formação dos estudantes.

Foi possível identificar, na documentação analisada, acordos e rotinas de comunicação

estabelecidas explicitamente para o trabalho em equipe e regras relacionadas ao método de

trabalho de construção do material educativo.

O acordo fundamental que se estabeleceu foi a concretização da proposta de pesquisa e

desenvolvimento do material educativo (livro e CD-ROM), que possibilitou consolidar o

compromisso de trabalho, os caminhos metodológicos a serem perseguidos e a busca de recursos

para sua viabilização. Nos projetos de pesquisa analisados, respectivamente datados de 1993

(PROJ-V1), 1994 (PROJ-V2) e 1997 (PROJ-V3) foi possível constatar como os acordos e

compromissos foram se consolidando. No primeiro projeto, que propunha a elaboração do livro-

texto, a autoria e os procedimentos estavam centrados na figura do professor de NEURO,

limitando-se a sua proposta individual de desenvolvimento do conteúdo, já que o projeto não

169

incluía os procedimentos necessários à produção do “livro” propriamente dito, quer do ponto

de vista da elaboração de um protótipo, quer de sua produção industrial.

As propostas posteriores (PROJ-V2 e PROJ-V3) revelaram não apenas a integração da vertente

hipermídia e a fundamentação teórico-metodológica, mas também a definição de uma equipe de

trabalho, identificada nominalmente, que comporia o corpo dos sujeitos envolvidos. Estes dois

últimos projetos são apresentados pela sua coordenadora, a professora de TE.

Entre as propostas de 1994 e 1997, nota-se maior aprofundamento no nível de especificação

sobre o material hipermídia a ser desenvolvido. O projeto de 1994 apresenta de forma genérica e

conceitual os passos a serem trilhados no desenvolvimento do material e o conteúdo e sua

estruturação reproduzem o roteiro elaborado pelo professor para os capítulos do livro:

O conteúdo do programa deverá seguir a estrutura desenvolvida a seguir: I. Organização Geral do Sistema Nervoso ... II. Macro e Microambiente do Sistema Nervoso... III. Transmissão de Mensagens no Sistema Nervoso... IV. Sistemas Sensoriais... V. Sistemas Motores Somáticos... VI. Sistemas Homeostáticos... VII. Sistemas Neuropsicológicos Complexos [...] (PROJ-V2, p 11-13)

E no que diz respeito à estruturação do sistema CEMBI apresenta a seguinte definição:

Concomitante à elaboração do texto básico, ocorrerá a sua estruturação para adaptá-lo à linguagem de um sistema hipermídia. Isto é, texto e ilustrações/imagens serão organizados em grupos de informação (nós) e os elementos-chave (botões) desses materiais serão definidos para servir aos usuários como opções de navegação através dos nós que estiverem inteligados... Da mesma forma será feita a organização dos casos simulados para adequar sua linguagem e ambientação ao sistema, ... especialmente para definir as inteligações entre o hiperdocumento e os casos simulados. (PROJ-V2, p.16)

Porém, é no projeto de 1997, onde se encontram descritos, detalhamente, a estrutura, o conteúdo

e as ações a serem desenvolvidas, indicando avanços na proposta como um instrumento norteador

das estratégias e procedimentos para o desenvolvimento e avaliação do protótipo com um grupo

de estudantes de medicina. A trajetória das propostas parece refletir a consolidação da equipe

formada e o início das atividades de desenvolvimento. Além do “Conteúdo do Livro e do Sistema

Hipermídia”, da “Apresentação dos Elementos de Informação do Sistema” e do “Modelo de

Organização Editorial das Informações sobre Sistema Nervoso”, já discutidos na pergunta 1, a

proposta incluía a definição de outros recursos para auxiliar os estudantes no estudo do Sistema

170

Nervoso mediado pelo sistema hipermídia: referências, índice interativo, ajuda, bloco de

notas, textos e figuras para download, bloco de anotações, marcador de texto, saída para arquivo

e/ou impressão etc.

Além disto, apresentava previsão da quantidade de diferentes tipos de informação, como por

exemplo: número de conceitos fundamentais por tela, por capítulo, por total do sistema, número

de imagens etc. (quadro 2).

Tipo

de Informação

Quantidade

p/ Tela

Quantidade

p/ Capítulo

Total

no Sistema

Conceito Fundamental

1 p/ tela 6 – 10 140 - 200

Imagem 2 -3 12 – 24 300 - 500

Aplicação

Experimentos e/ou casos clínicos (p/ capítulo)

(não se aplica) 3 10 – 15 vídeos

10 – 15 animações

45 – 55 slide-tape

(foto e/ou desenho)

Quadro 8 - Previsão de Diferentes Tipos de Informação no CEMBI (PROJ-V3, p.15)

171

Para dar conta da formatação necessária ao tipo de informação a ser veiculada no sistema

hipermídia e à complexidade e quantidade de suas interligações num sistema não linear, este

mesmo documento (PROJ-V3) apresentava dois grupos de formulários (fichas estruturadas a

serem preenchidas), elaborados para auxiliar na definição e na organização dos sistema. Estas

planilhas eram “ferramentas” especialmente construídas, a partir das definições metodológicas e

normas, para normatizar a construção do CEMBI. As “Planilhas de Estruturação do Conteúdo”

(DT-PEC) e “Planilhas para Estruturação e Programação” (DT-ESPR) indicavam todas as

categorias de informação necessárias para compor o sistema hipermídia e sua programação, tanto

em termos de conteúdo, como de interação. A utilização deste material na prática encontra-se

documentada no acervo analisado. Estas foram preenchidas pela equipe de NEURO, responsável

pelo conteúdo. A partir deste material é que as telas do sistema eram implementadas e as imagens

e casos elaborados. Em relação às regras de organização do trabalho do trabalho na equipe,

PROJ-V2 também revela as etapas e o fluxo da produção de forma sintética no diagrama, a

seguir.

172

Figura 4 – Fluxograma de produção do hipermídia CEMBI (PROJ-V3, p.16)

Estas definições encontram-se também em outros documentos de veiculação interna como

Documento de Editoração/Produção (DT-EP1), Memórias de Reunião da Equipe (DT-MR1, DT-

MR2, DT-MR3), além de fazer parte do Relatório de 1996 (DT-REL1), primeiro relatório de

atividades.

O relatório de 1998 (DT-REL3), que sintetiza todas as etapas do projeto e desenvolve os

resultados do estudo piloto do protótipo do livro e do sistema hipermídia com um grupo de

estudantes, lista as “Principais Atividades” da seguinte forma:

Fase de Planejamento - Oficinas de Concepção e Planejamento do Projeto (coordenação e alunos); Oficinas de Integração Multidisciplinar; Seminário para Formação da Equipe de Casos Clínicos e Experimentos (software) e Fase de Implementação – Reuniões de elaboração do material com definições sobre: estrutura detalhada para o livro e software; linguagem e tratamento de imagens; layout do livro e interface do sistema hipermídia; Produção de textos, do protótipo do sistema hipermídia e da boneca do livro; Reuniões semanais de acompanhamento; Avaliação do protótipo. (DT-REL3, pag. 5)

Esta organização revela de forma estruturada e sistemática as etapas, os recursos e os acordos

explícitos assumidos pelos sujeitos para viabilizar a construção do material educativo, uma

atividade complexa que requer conhecimentos de diferentes campos, atuando integradamente. No

entanto, é importante entender como os sujeitos se envolveram neste percurso e nem sempre este

parece ter sido linear ou imune a questionamentos e revisões. Do ponto de vista da dinâmica de

trabalho, negociações sobre os procedimentos e etapas do processo, encontramos várias fontes

tais como emails (DT-EM) trocados entre os coordenadores, roteiros e memórias de reuniões

(DT-MR1, DT-MR2, DT-MR3), cronogramas (DT-EP1) e os livros-diário (DT-LD1 e DT-LD2).

As pautas de reunião para discussão do andamento do processo são de 1997. Na primeira delas,

de abril de 1997 (DT-MR1), fica clara que a aderência às normas e aos procedimentos

estabelecidos para a produção seria a principal referência, porém com a compreensão de que em

um processo dinâmico e com diversos atores, esta poderia estar sujeita a questionamentos e

revisões que deveriam ser compartilhadas:

173

[...] Ou seja, desenvolver um sistema integrado às concepções/idéia proposta. Isto não quer dizer que os conceitos iniciais não possam ser questionados, mas isto deve ficar explicitado para todos e deve ser encarado/assumido como tal e justificado. (DT-MR1, pág. 1)

Evidencia-se, também, a preocupação de que estas normas não deveriam se constituir em

impasses para a liberdade de reflexão e de intervenção no desenvolvimento do trabalho, a partir

de ações conscientes dos sujeitos, aqui exemplificadas:

É importante ressaltar, no entanto, que este conjunto de definições não deve ser encarado como uma ‘camisa de força’ para a criatividade e para a possibilidade de desenvolver o conteúdo de acordo com as necessidades das próprias informações e do público alvo” (DT-EP1, p.2) É importante, também, que os avanços no projeto sejam apresentados e defendidos por aqueles envolvidos diretamente na sua elaboração, para que o processo possa ser discutido.” (DT-MR1, p.3)

Além de apresentar a expectativa sobre a postura da equipe em relação aos passos metodológicos

da atividade, as atas das reuniões revelam pontos abordados tais como aspectos técnicos,

características do CEMBI, cronogramas e atribuições de responsabilidades. Destaca-se a

pontuação de aspectos operacionais relacionados à dinâmica do trabalho e às relações

profissionais e interpessoais no contexto das etapas de construção de material, conforme

constatado em ata de Abril de 1997:

O funcionamento da equipe deve ser mais integrado. Não é possível que a resposta de uma cobrança seja 'fulano ainda não me deu, então não posso fazer'. As relações devem ser estabelecidas de maneira que os envolvidos no processo de produção interajam em todas as etapas e estas possam ser cumpridas harmonicamente. Os prazos finais devem contemplar tempo suficiente para que cada etapa do processo possa ser executada com êxito. (DT-MR1, pag. 3)

As atas serviram, portanto, para desvendar discussões sobre o andamento das atividades,

tornando os sujeitos da equipe informados das transformações e tomadas de decisão ocorridas no

processo de produção e facilitou a integração dos laboratórios envolvidos, deixando claro à

equipe os objetivos do projeto.

No que diz respeito à rotina de trabalho, além das reuniões da equipe, estabeleceu-se outro tipo

de comunicação para o compartilhamento das atividades, o Livro-Diário (DT-LD1). Tratava-se

de um caderno onde a equipe postava avisos sobre o andamento de suas atividades, bem como

174

informava sobre a localização de arquivos e imagens, utilizado principalmente pelos

estudantes ligados à área de TE (DT-LD1) sobretudo em aspectos de layout, ilustração e

programação do sistema. A maioria das mensagens “postadas” no livro-diário concentram-se no

período de abril a agosto de 1997, que coincide com o período registrado nas Pautas de Reunião,

indicando que esta foi a fase mais intensa de construção do material. Em geral, as mensagens

eram colocadas individualmente por um dos membros da equipe, porém há várias postagens

assinadas por dois ou três membros da equipe. Os trechos abaixo, retirados do Livro-diário

exemplificam respectivamente uma mensagem individual e outra mensagem em grupo:

14/05/97 – [Aluno de Informática] às 22:20h Concertei alguns bugs visuais (DT-LD1, verso da página 3) 02/06/97 – [Aluno e Aluna de Programação Visual] Decisões sobre a capa do software junto com a [Prof. de TE]. Começamos as telas de menus (abordagem, capítulos etc.). Fizemos a caixa de descrição das opções do menu principal. Falta fazer o texto e programar. (DT-LD1, pág.3)

Observa-se que o livro-diário foi um instrumento criado para comunicação no grupo,

especialmente na fase de desenvolvimento do protótipo, e que regulou a rotina de registro e

acompanhamento do trabalho pela equipe.

Como este trabalho baseia-se na análise da documentação produzida durante o projeto do CD-

ROM, as regras e normas observáveis na documentação, são aquelas elaboradas e explicitadas

nestas fontes. Não foi possível identificar normas implícitas, já que implicariam em

interpretações baseadas no registro de outras fontes tais como observações de dinâmicas de

trabalho e depoimentos dos sujeitos envolvidos, o que não era possível, já que esta é uma

pesquisa ex-post-facto (COHEN ET AL, 2000). Foi possível, nesta análise, identificar as regras e

normas relacionadas com os procedimentos de trabalho e suas rotinas, tanto do ponto de vista do

planejamento e organização das etapas de trabalho, dos aspectos técnicos e das formas de

relacionamento dos sujeitos da equipe para o desenvolvimento do projeto.

Questão 3 – De que forma a divisão do trabalho estabelecida influenciou a forma como os

sujeitos alcançaram seus objetivos?

175

De acordo com o modelo da atividade concebido por Engeström (1987), esta pergunta

relaciona-se à forma como os sujeitos se organizaram e desempenharam seus papéis no

desenvolvimento das ações necessárias ao alcance do objetivo. Este projeto reuniu duas equipes

compostas por professores e estudantes. Assim, segundo o Projeto de 1997 (PROJ-V3) afirmava:

Enquanto o Lab. de Tecnologia Educacional abordará aspectos relativos às aplicações da informática na educação, às modalidades de software educacional e às características e potencialidades dos diferentes sistemas, o grupo de Neurociência será responsável por apresentar seus principais conceitos, buscando analisar a estrutura do conteúdo e as práticas de ensino a elas associadas. (PROJ-V3, pag 14)

A documentação revelou que o grupo de pesquisadores de NEURO, de fato, se dedicou ao

conteúdo e ofereceu subsídios sobre sua prática educativa e sobre as aplicações deste

conhecimento nas profissões da saúde. Porém, seguiu, orientado pelas definições pedagógicas e

técnicas elaboradas pela equipe de TE, a partir de uma intensa interação e colaboração entre os

dois grupos nas diversas etapas do processo. Isto foi constatado nas fontes de informação, que

indicam participação conjunta de toda a equipe em momentos decisórios do processo. A partir do

levantamento realizado nos relatórios (DT-REL1, DT-REL2, DT-REL3) e no livro-diário (DT-

LD1, DT-LD2), foi possível elaborar o quadro 3, revelando as participações e as colaborações

das duas equipes nas diferentes etapas.

Ações Desenvolvidas/Etapas Equipe

Responsável

Sujeitos envolvidos

Proposta/Concepção/Coordenação Neuro e TE Prof. de Neuro

Prof. de TE

Design do Material Educativo – CD TE Prof. de TE

Definição do Conteúdo Neuro Prof. de Neuro

176

Ações Desenvolvidas/Etapas Equipe

Responsável

Sujeitos envolvidos

Elaboração do conteúdo/texto Neuro Prof. de Neuro

Alunos de Ciências Básicas

Elaboração de imagens/animações/vídeos Neuro e TE Alunos de P.Visual

Técnico em Audiovisual

Revisão de Conteúdo/textos Neuro e TE Prof. de Neuro

Prof. de TE

Alunos de Ciências Básicas

Revisão de Imagens Neuro e TE Prof. de Neuro

Prof. de TE

Alunos de Ciências Básicas

Alunos de P.Visual

Técnico em Audiovisual

Modelagem e programação do sistema TE Aluno de Informática

Design da Interface Gráfica TE Alunos de P.Visual

Testagem/revisão do Protótipo Neuro e TE Todos os envolvidos

177

Ações Desenvolvidas/Etapas Equipe

Responsável

Sujeitos envolvidos

Avaliação do Protótipo com Estudantes

de Graduação em Medicina

Neuro e TE Prof. de Neuro

Prof. de TE

Alunos de Ciências Básicas

Alunos de P.Visual

Técnica em Avaliação Educ.

Quadro 9: Participação das equipes e dos sujeitos no desenvolvimento do CEMBI

Algumas interações entre membros das duas equipes, sobre aspectos da produção do CEMBI,

podem observados no Livro-Diário (DT-LD1):

14 de Fevereiro de 96: tivemos uma reunião com o [Prof. Neuro], [Prof. TE] e [Alunos Ciências Básicas] e foi discutido possíveis mudanças que serão efetuadas na forma da redação. ([Aluno de Medicina da Equipe TE], DT-LD1, pág 3) 29 de Fevereiro de 1996: [Aluna das Ciências Básicas] e eu [Aluno de Medicina da equipe TE] refizemos o texto 1 (SNC) e é preciso o Roberto ler para aprová-lo.” [Aluno de Medicina da Equipe TE], DT-LD1, pág 4).

No que diz respeito à configuração das equipes, a de NEURO tinha perfis mais homogêneos,

pesquisadores e estudantes das ciências básicas (área biomédica). Já a equipe de TE era mais

diversificada e multidisciplinar, reunindo pesquisadores em educação, estudantes de informática,

programação visual e medicina e técnicos em audiovisual e avaliação educacional. Portanto, além

da divisão do trabalho que se estabeleceu entre a elaboração do conteúdo e o desenvolvimento do

sistema hipermídia, o contexto de construção do CEMBI propriamente dito pressupôs áreas de

conhecimento diversificadas, inerentes à natureza da atividade de design de materiais educativos.

178

Assim é que encontram-se também documentadas no relatório de 1998 (DT-REL3), como

parte da concretização das atividades do projeto CEMBI, três monografias de graduação de

autoria de bolsistas do Laboratório de TE: (1) “Aplicação do Modelo OOHDM na especificação

do sistema hipermídia Cem Bilhões de Neurônios” (EP-MO1), apresentada ao Instituto de

Matemática, bacharelado em Informática, que apresentou esta metodologia de modelagem de

dados para especificar e programar o CEMBI; (2) “O design gráfico de um livro didático: Cem

Bilhões de Neurônios” (EP-MO2), apresentada ao Curso de Programação Visual, que pesquisou e

elaborou o projeto gráfico do livro e apresentou a “boneca” do livro cujos aspectos visuais e

ilustrações serviram de base, também, para a elaboração do CEMBI e (3) “Pesquisa e

desenvolvimento da Interface Gráfica do Sistema Hipermídia Cem Bilhões de Neurônios” (EP-

MO3), apresentada ao curso de Programação Visual e que versou sobre a proposta de interface

gráfica do CEMBI.

Estes três trabalhos representam um dos aspectos da divisão do trabalho e do papel

desempenhado pelos sujeitos no contexto da produção de material. Além de terem pautado a

forma de participação e o envolvimento destes alunos, orientados pelos coordenadores, de

conteúdo e, em especial, de tecnologia educacional, representaram marcas da

multidisciplinaridade inerente à natureza deste projeto. A leitura destes trabalhos revela não

apenas a influência das ferramentas teórico-conceituais do campo de educação, mas também a

integração de novos artefatos conceituais e metodológicos a partir de cada área do conhecimento,

como podem ser vistos nos dois exemplos abaixo.

A etapa de especificação dos dados e documentação do sistema hipermídia foi elaborada através da metodologia de OOHDM (Object Oriented Hypertext Design Model) (Schwabe, 1996). O enfoque metodológico geral do projeto do sistema (Modelo de Abstração da Interface) de Koper (1995). Este modelo integra os métodos de engenharia de software baseados em “Ciclo de Vida em Espiral” e “Ciclo baseado na Prototipagem Rápida” aos requisitos de desenvolvimento de materiais educativos... Estes dois modelos, integradamente, baseiam-se no desenvolvimento de sistemas por equipes multidisciplinares. (EP-MO1, 1997)

A prototipagem rápida possibilitava o diálogo constante da equipe, já que viabilizava que os

sujeitos, independentemente da formação e função no projeto, pudessem rapidamente visualizar,

experimentar, avaliar seu funcionamento e prever sua utilização no contexto educacional. Já, o

ciclo de vida em espiral, estabeleceu a marca necessária de flexibilidade para se reverem

179

conceitos, resultados e até objetivos, a partir da avaliação da equipe e do estudo com

estudantes de graduação em medicina e de outras áreas, conforme Relatório de 1998 (DT-REL3).

Quanto ao contexto da elaboração da interface gráfica, design visual das telas e a comunicação

usuário-sistema, destacamos a abordagem adotada:

A análise da definição da interface gráfica para o sistema “Cem Bilhões de Neurônios” baseou-se no enfoque de Hodges e Sasnett (1993). Estes autores utilizam o enfoque da 'análise fílmica' para conceituar os elementos e definir as características e atributos principais das interfaces gráficas de um sistema hipermídia ... É a combinação e a transição destes contextos que correspondem à montagem na teoria fílmica. No caso do sistema “Cem Bilhões de Neurônios”, que é um sistema cuja proposta apresenta complexidade na estruturação do conteúdo, vários contextos de informação foram definidos. (EP-MO3, 1998)

A abordagem multidisciplinar foi uma característica do processo em análise, influenciando as

interações e a integração das equipes e, portanto, uma tarefa complexa, que mesmo sendo

permeada por regras sistemáticas de trabalho como as descritas na questão 2, esteve sujeita a

tensões/contradições e negociações a partir das diferentes visões e valores dos participantes sobre

este processo. Um exemplo de “tensão” que se estabeleceu nesta atividade, a partir das diferentes

experiências e expectativas que povoam processos multidisciplinares se encontra em uma troca

de emails (DT-EM, 1998) entre os coordenadores do projeto:

Coord. TE – Estou com algumas dúvidas sobre as suas hipóteses de trabalho em relação a elaboração deste material: você se importaria de refletir e esclarecer um pouco mais sobre isso? Pensei em enviar um email para você responder por escrito!? Coord. NEURO – Não entendo a necessidade desta formalidade. Não seria suficiente conversarmos pessoalmente sobre o assunto? Coord. TE – Não se trata de formalidade e sim de formalização. Ao conceber um material de ensino o especialista coloca uma série de pressupostos sobre o conteúdo em si, sobre a sua visão sobre como se aprende melhor esta disciplina etc. Ter as suas idéias registradas de alguma maneira parece importante para derivarmos indicadores para avaliação [...] (DT-EM, 1998)

Pode-se constatar, portanto, dois campos de tensão/negociação no contexto da atividade em

análise: (1) aquele que se estabeleceu entre a visão dos sujeitos envolvidos na elaboração do

conteúdo e na proposta do material educativo em formato digital e (2) aqueles no interior da

equipe de TE, especialmente motivados por interdependências operacionais.

180

Em relação à equipe de TE, além do compartilhamento das concepções do projeto, a

consecução de uma etapa de produção é dependente de outras. Neste sentido, o livro-diário (DT-

LD1) parece ter sido uma ferramenta integradora e facilitadora do fluxo das informações e da

produção. Um total de 98 registros dos estudantes no período de 5 de maio de 1997 e 5 de agosto

de 1997, indicando a fase mais intensa de produção do protótipo. Um exemplo do tipo de

mensagem “operacional” é o seguinte:

Fiz o que foi possível para o protótipo: capa, página das áreas de interesse, menu principal e página de Sistema Nervoso Central [...] o arquivo final é c:\trabalho\neuro\new2.tbk) (aluno de informática, 14/05/2007, 22:30h, DT-LD1, pag. 2)

Assim, partir desta indicação, o trabalho realizado podia ser avaliado e continuado. É fato que as

habilidades e competências individuais são de extrema importância na formação dessas equipes,

sobretudo pela noção de complementaridade que possibilitou uma integração real dos sujeitos

envolvidos a partir de suas expertises. Mas embora a formação acadêmica individual possa

fornecer competências e habilidades que, somadas, tendem a potencializar o trabalho

multidisciplinar, muitas vezes a multiplicidade de perspectivas pode dificultar a tomada de

decisões, criando desafios ao andamento das tarefas como um todo. Dentre as atividades

realizadas, ainda na Fase de Planejamento, segundo o Relatório (DT-REL3), um conjunto de

“Oficinas de Integração Multidisciplinar” (pag. 5), cujo objetivo foi incorporar a grande

variedade de formações e experiências profissionais envolvidas, sob um objetivo comum.

Assim, a construção do CEMBI mostrou alguns limites e possibilidades de uma atividade social,

permeada por “tensões/contradições”, que movimentaram a dinâmica de trabalho e certamente

transformaram os sujeitos envolvidos no processo.

CAPÍTULO V – DISCUSSÃO

Neste capítulo estaremos elaborando uma discussão sobre os resultados recolhidos por esta

dissertação. A proposta é que estes resultados possam contribuir na discussão sobre modelos de

desenvolvimento de materiais educacionais, sobretudo nas mídias estudadas. Para tal, estaremos

discutindo o processo de desenvolvimento das mídias, os fundamentos teóricos encontrados, suas

principais características de produção, etc.

SÍNTESE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DAS MÍDIAS

A análise dos resultados acima produzidos nos permite tirar algumas conclusões do processo de

desenvolvimento dos materiais produzidos pelo projeto “Cem Bi”. Visto que se trata de um

mesmo conteúdo, ou disciplina, mas elaborada sob diferentes meios de comunicação, de um

modo geral se destaca, de antemão, os objetivos plenamente distintos que se apresentam.

Se de um lado o desenvolvimento do livro-texto tinha a pretensão de apresentar o conteúdo de

Neurociência de forma integrada e multidisciplinar, o cd-rom, por sua vez, tinha por objetivo

mais fundamental desenvolver um material educativo em diversas formas de representação

(textos, fotos, ilustrações, vídeos), e que possibilitaria a aplicação do conhecimento em diferentes

contextos (experimentos e simulações de casos clínicos), oferecendo aos seus usuários liberdade

e autonomia para explorar as informações de acordo com seus estilos, preferências e ritmos de

aprendizagem. O BV-Neuro, indo ainda mais adiante, possibilita que cada professor (ainda que

com a utilização da ferramenta Constructore) elabore seu próprio material multimídia, levando

182

em conta suas necessidades imediatas em sala de aula. As considerações aqui levantadas não

pretendem, em hipótese alguma, ressaltar as potencialidades de um material em detrimento de

outros. O que se deve concluir aqui é a abrangência do projeto “Cem Bilhões de Neurônios”,

sobretudo do ponto de visto do enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem na área de

ciências e saúde.

Quanto aos “sujeitos” envolvidos no processo de elaboração de cada mídia, tratam-se dos

mesmos profissionais em cada atividade, fora os profissionais de informática cuja necessidade é

óbvia. Mas é preciso destacar aqui que o processo de desenvolvimento do livro-texto foi

conduzido de forma multidisciplinar por vontade própria do autor. Conforme já explicitado nos

parágrafos anteriores o desenvolvimento de um livro-texto pode ser realizado, se assim desejado,

por um número bastante restrito de profissionais.

A respeito das “Ferramentas” utilizadas no processo de desenvolvimento de cada material,

acredito que seja mais interessante analisar as ”Ferramentas” conceituais, como a concepção de

“ferramentas cognitivas”, por exemplo. Esta concepção veio a permear a concepção de todos os

materiais produzidos pelo projeto “Cem Bi”. "Ferramentas cognitivas" ou "Mindtools", como já

discutido ao longo desta dissertação, são todas as tecnologias ou aplicações que, numa

perspectiva construtivista da aprendizagem, facilitam o pensamento crítico, permitem uma

aprendizagem significativa e envolvem ativamente os alunos na construção do conhecimento, na

reflexão (Jonassen, 1996).

É lugar comum a concepção de que estudantes costumam a aprender mais facilmente quando

encorajados a tentar re-apresentar aquilo que lhes foi ensinado. Pensar é o marco central no

desenvolvimento destes materiais, do ponto de vista de “ferramenta cognitiva”, por isso são

183

considerados “ferramentas”, e não tutores. Esta concepção propicia o tão almejado

pensamento crítico. As ferramentas cognitivas estimulam o aluno na criação, concepção e

compreensão do conhecimento ao invés de apenas apresentar objetivamente a informação.

No caso do CD-ROM, especificamente, o conceito de PBL (Problem-Based Learning) poderia

ser plenamente concebido não fosse a escassez de recursos para a finalização do material. Por

contar com a possibilidade de aplicação do conteúdo por carreira específica em casos simulados,

a proposta de ensino baseada em problema encorajaria os estudantes a um processo de ensino

focado sobre si mesmos. Baseados nesta perspectiva os estudantes são encorajados a tomar a

responsabilidade sobre a atividade, organizando e direcionando o aprendizado sobre um

problema específico.

No caso do livro, por exemplo, destaco todo estudo e discussão realizada em função da

diagramação do livro. O desenho das páginas significa muito mais do que apenas dispor textos e

fotos (ilustrações) no papel. É preciso construir e estruturar os elementos que irão compor uma

mensagem, e deve ser trabalhada conscientemente. Ao contrário do que parece, a estética não é o

mais importante num material impresso. É necessário que se entenda muito bem o objeto de

comunicação que se faz presente, para que a partir daí, se possa aliar as ilustrações à tipologia,

dando a cada conceito a valorização necessária.

Sobre as “ferramentas” conceituais do banco virtual de objetos de aprendizagem, por sua vez,

ganha importância significativa neste contexto, sem dúvida, o conceito de “metadado”, intrínseco

aos objetos de aprendizagem, e intimamente ligado a outra concepção: a de “reusabilidade”. O

“metadado” de um objeto educacional descreve características relevantes que são utilizadas para

sua catalogação em repositórios de objetos educacionais reusutilizáveis, que poderão, portanto,

184

ser recuperados posteriormente através de sistemas de busca e utilizados através de sistemas

como a Ferramenta Construtore, por exemplo.

Além da reusabilidade dos objetos de aprendizagem do BV-Neuro, o que vem possibilitando que

eles sejam incorporados em múltiplas aplicações e com diferentes perspectivas, dependendo do

das características do docente que utilizá-la, destacam-se também, segundo Tarouco (2003),

outros benefícios a partir da catalogação de objetos educacionais, como a acessibilidade, visto

que é possível acessar recursos educacionais de um local remoto e usá-los em muitos outros

locais; a interoperabilidade, que permite utilizar componentes desenvolvidos em um local, com

algum conjunto de ferramentas ou plataformas, em outros locais com outras ferramentas e

plataformas; e a durabilidade, onde os recursos continuam a ser utilizados mesmo quando a base

tecnológica muda, sem reprojeto ou recodificação.

Diante de tudo o que foi dito aqui, talvez o maior desafio esteja na própria produção destes

objetos de aprendizagem. Enquanto o tipo de atividades conduzido em sala de aula, na maioria

das vezes, reforçar a transmissão do conteúdo em detrimento de situações onde o aluno tenha que

exercitar o uso do conhecimento recém adquirido em situações reais ou simulações destas,

teremos como reflexo deste comportamento uma maioria esmagadora de empresas e

universidades que produzirão objetos de aprendizagem estáticos, de transmissão de conteúdo e

não objetos interativos de manipulação e uso do conhecimento em situações abertas de ensino.

De um modo geral, é este vácuo que o Projeto “Cem Bilhões de Neurônios”, em sua vertente

digital, mais precisamente, o BV-Neuro, pretende preencher.

Do ponto de vista da regras, implícitas ou explícitas, da cada atividade, é importante dizer que a

idéia central era levantar o conjunto de regras e normas específicas desta atividade. O que quero

185

explicitar aqui é o fato de que já existia um conjunto de regras e normas vigentes e que

obedecem ao conjunto de comportamentos e obrigações frutos da hierarquia institucional.

Quando discuti a possibilidade de se levantar esse conjunto de regras e regulações é imperativo

que se entenda que a proposta é conhecer o conjunto de regras e normas específicas da atividade

em questão. O que tento dizer aqui é que existiu uma especificidade própria ao projeto “Cem Bi”,

e é esta situação ímpar que escolhi ressaltar.

Por conseguinte, do ponto de vista dos três materiais desenvolvidos, é interessante refletir sobre

as diferenças por conta da natureza específica de cada material. Se no caso do livro-texto, por se

tratar de uma mídia tradicional, o professor Roberto Lent foi capaz de trazer o seu produto

praticamente finalizado, isto é, sua estrutura, conteúdo e forma, o mesmo não se repetiu quando

se tratou do cd-rom, e mais tarde, menos ainda com o desenvolvimento do BV-Neuro. Este

aspecto deve ser levado em consideração sobretudo pela questão da representação do material a

ser desenvolvido.

No caso do livro-texto esta representação possibilitou que o material já fosse plenamente pré-

concebido. No caso do cd-rom e do banco de objetos de aprendizagem este movimento não se

repetiu principalmente por conta da natureza original das mídias digitais, sobretudo na ocasião de

seu desenvolvimento. O fato do pesquisador Roberto Lent não possuir um “saber-fazer” quando

se trata de materiais baseados nas NTICs, é inegavelmente umas das razões mais justificáveis ao

comportamento instituído e acima descrito. E não estamos tratando apenas das questões técnicas

envolvendo o desenvolvimento destes materiais, mas sim a forma como os materiais eram pré-

concebidos pelo autor da proposta. O fato preponderante é que o autor do livro-texto não

186

conseguiu exercer sobre o material digital a mesma influência que exerceu sobre o processo

de desenvolvimento do livro-texto.

Enquanto que no processo de desenvolvimento do livro-texto era o profissional de neurociência

quem ditava o andamento e ritmo da produção, orientando todos os envolvidos no projeto de

acordo com as necessidades que julgava necessárias, na produção do CD-ROM e do BV-NEURO

este comportamento não se repetiu. Segundo entrevista com a coordenadora do projeto “Cem

Bilhões de Neurônios”, esta mudança de atitude se deu sobretudo por conta do desaparecimento

gradativo da estrutura dos materiais. Se no caso do livro-texto a estrutura clássica que se repete

ao longo de séculos é preponderante em seu processo de desenvolvimento, no caso do CD-ROM,

além de contar com uma estrutura inovadora, deve ser levado em consideração o fato de que a

estrutura é produzida de modo que possa ser percorrida de diferentes maneiras, e no caso do BV-

NEURO esta estrutura se encontra totalmente fragmentada, sendo “dada” da maneira que o

professor desejar.

Quanto a “Divisão do Trabalho”, foi possível verificar que esta ficou fortemente atrelada as

características mais fundamentais de cada mídia, à sua natureza. Enquanto que no livro-texto a

cadeia de desenvolvimento partia sempre do pesquisador de neurociência, no outro extremo, o

BV-NEURO, configurou-se uma situação totalmente distinta, onde os pesquisadores do núcleo de

tecnologia educacional encabeçavam o processo, fazendo somente as necessárias requisições de

conteúdo aos pesquisadores de neurociência.

Colocadas estas discussões, em síntese e como já exposto nos capítulos precedentes, o CD-ROM

hipermídia foi parcialmente desenvolvido tendo como resultado final um protótipo contendo

capítulos iniciais e testado com alunos da área de ciências e saúde. Seu processo de

187

desenvolvimento foi suspenso, segundo a coordenadora do projeto e do Laboratório de

Tecnologias Cognitivas, por falta de recursos financeiros. Segundo a coordenadora, materiais

deste gênero requerem grandes investimentos e, até então, grande parte das iniciativas financeiras

partiam dos próprios laboratórios, o que dificultou sua continuidade em longo prazo.

Para uma efetiva condução do processo de desenvolvimento deste material, reuniram-se

profissionais das mais distintas áreas do conhecimento como educadores, profissionais de

informática, pesquisadores de neurociência e estudantes de design. Os indivíduos que

participavam na produção do sistema eram selecionados e divididos de acordo com sua

“expertise” e mantendo sempre uma relação de troca das informações. Os sujeitos participavam,

na medida do possível, de mais de uma etapa da produção. Tal concepção vem ao encontro das

mais recentes pesquisas no âmbito do design de materiais educacionais. A divisão das tarefas em

equipes especificas permitiu que cada equipe, com suas característica próprias, trabalhe com seu

conjunto de ações próprio, fluxo de trabalho diferente das demais, mas sempre consciente de que

uma equipe por si só não se justifica e nem se sustenta isoladamente.

O funcionamento de cada uma fica permanentemente atrelado a uma dinâmica, na qual um

conjunto de ações, específicas ou não, depende do funcionamento adequado de todos, ou seja, o

cumprimento normal do trabalho de uma equipe necessariamente compromete a qualidade e o

funcionamento de outra, e vice-versa. É necessário, pois, uma interação, uma troca de

experiências, um diálogo permanente, para a consolidação das metas propostas pelo programa. O

entrosamento da equipe depende da conexão entre os indivíduos que, atuando em funções

diferentes, se inter-relacionam e se ligam constantemente para o produção de seus trabalhos e

enriquecimento de todo o processo.

188

Nas reuniões eram discutidas as evoluções e problemas do software, o ritmo de trabalho da

equipe, as responsabilidades e atribuições de cada indivíduo da equipe, o cronograma, entre

outras coisas (balanço do material já desenvolvido, padronização da linguagem utilizada no

sistema). Estas reuniões foram de fundamental importância também para integração da equipe de

trabalho. Dessa forma, entre outros resultados, as reuniões contribuíram para tornar influentes,

informados e integrados todos os indivíduos da equipe de trabalho; possibilitou aos indivíduos

um conhecimento das transformações e tomadas de decisão ocorridas no processo de produção do

CD-ROM; facilitou a integração dos laboratórios envolvidos, deixando sempre claro à equipe de

desenvolvimento os objetivos do projeto. Assim, a dinâmica estabelecida no projeto “Cem

Bilhões”, mostrou, em inúmeras ocasiões, os limites e as grandes possibilidades de uma prática

pedagógica efetivamente multidisciplinar.

O BV-NEURO, por sua vez, encontra-se plenamente desenvolvido e vem sendo utilizado como

ferramenta de apoio à Constructore ou podendo ser utilizada separadamente, conforme já

explicado nos parágrafos anteriores. O Constructore tem como finalidade oferecer a professores e

especialistas em diferentes campos do conhecimento, facilidades para implementação e

acompanhamento de atividades educativas à distância. O BVOA, onde se encontra o BV-Neuro,

oferece aos educadores interessados uma grande oportunidade de desenvolverem um banco de

objetos educativos próprio e específico de sua área docente. Conforme já explicitado, as duas

ferramentas podem ser utilizadas tanto de forma independente, como integrada, na medida em

que professores e interessados podem utilizar os objetos cadastrados no BV-Neuro na construção

de suas atividades educativas, a partir da ferramenta Constructore.

189

Segundo Wiley (2003), a maioria dos autores que discutem o desenvolvimento e a aplicação

dos objetos de aprendizagem (OA) se apóia em métodos e abordagens instrucionais muito

similares ao corpo teórico vigente na década de 80, sobretudo os que trabalhavam com os

paradigmas instrucionais behavioristas ou cognitivistas. De um modo geral os questionamentos

de Wiley (2003) argumentam, com certa propriedade, que o desenvolvimento e a aplicação de

modelos baseados nos OA precisam estar aliados aos atuais avanços das pesquisas em torno dos

processos de aprendizagem, sobretudo fundamentadas no modelo construtivismo. E dessa forma,

oferecer a oportunidade de desenvolvimento de ambientes educativos baseados em conceitos

como "construção social do conhecimento", "aprendizagem ativa", "significativa" e

"contextualizada".

Da mesma maneira, Ritland et al. (apud Giannella, 2002) discutem que embora os modelos

baseados em objetos de aprendizagem de fato propiciem um enorme potencial de viabilizar

ambientes de aprendizagem que levem em conta a natureza intencional e ativa do processo

educativo, e dessa forma, possibilitando que os estudantes associem os recursos educativos de

acordo com seus conhecimentos e experiências prévias, não foram muitos os estudos realizados

no sentido de buscar formas de implementar estes pressupostos construtivistas. Neste sentido, o

desenvolvimento do BV-Neuro foi norteado por uma visão construtivista da aprendizagem,

procurando disponibilizar em seus modelos oportunidades para os professores criarem estratégias

diversas de ensino-aprendizagem, de acordo com suas práticas, seus conhecimentos e com a

natureza de sua disciplina.

A tecnologia é, sem dúvida, um agente de mudança que com suas inovações vem transformando

algumas realidades educacionais, provocando mudanças de paradigmas no modo como as

190

pessoas aprendem e são ensinadas (Tarouco et al, 2006). Dessa forma, uma mudança

importante também pode estar surgindo na maneira com que os materiais educacionais são

projetados, desenvolvidos e apresentados para aqueles que desejam aprender (Wiley, 2002). O

desenvolvimento destes materiais, referidos como objetos educacionais não são diferentes e

devem levar em conta tanto aspectos inerentes a teorias de aprendizagem como combinar o

conhecimento de outras áreas, enfim, demanda um complexo arranjo de habilidades

multidisciplinares.

Não é exagero dizer que o processo de desenvolvimento de objetos de aprendizagem deve ser

cuidadosamente planejado e, sem dúvida, metodicamente desenvolvido. Segundo Tarouco

(2006), é preciso:

conhecer a temática que se deseja trabalhar;

determinar a abordagem pedagógica que norteará sua concepção e uso;

saber utilizar ferramentas de autoria para sua construção e;

trabalhar de forma coerente com os princípios de projeto educacional.

Portanto, produzir este tipo de conteúdo educacional é uma tarefa que consome tempo (Tarouco

et al, 2006). Em pesquisa realizada a fim de apurar quanto tempo pode demorar o

desenvolvimento de um objeto de aprendizagem, Tarouco (2006) evidenciou as vantagens em

envolver no projeto e desenvolvimento dos AO, especialistas do conteúdo a ser abordado por

estes, ou seja, os próprios professores. Embora não seja esperado que professores transformem

em especialistas em projeto instrucional e uso de ferramentas de autoria, segundo Tarouco

(2006), não é exagero acreditar nos benefícios derivados de esforços de capacitação dos

191

professores para participação em atividades de projeto e desenvolvimento de objetos de

aprendizagem. Vale lembrar que o desenvolvimento do banco virtual de objetos de aprendizagem

sempre contou com a participação de profissionais especializados na área de conhecimento onde

se inserem.

É verdade que o termo “objetos de aprendizagem”, ou "learning objects”, em inglês, vem sendo

usado extensivamente nos últimos anos, entretanto, o fato de haver grande quantidade de material

disponível na Web não significa que este conteúdo educacional seja de alta qualidade, o que

contribui, segundo Nunes, para o surgimento e disseminação do termo. Segundo o autor:

[...] buscas na Web resultam em números astronômicos de respostas sendo que destas apenas uma minoria satisfaz critérios mínimos de qualidade e viabilidade de uso para fins educacionais. Daí a necessidade da criação de um vocabulário próprio para a criação, busca e utilização de material educacional na Web. (disponível em http://64.233.169.104/search?q=cache:dCCMH3HiaqsJ:www.moodle.ufba.br/file.php/67/nunescapituloLOCesar.doc+buscas+na+Web+resultam+em+n%C3%BAmeros+astron%C3%B4micos+de+respostas+sendo+que+destas+apenas+uma+minoria+satisfaz&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&client=firefox-a)

Diante da insuficiência de recursos financeiros que pudessem sustentar o desenvolvimento do

CD-ROM hipermídia, a produção do livro-texto foi levada adiante, concluída e publicada ao final

do ano de 2001. Segundo Lemt o livro nasceu do desejo de aliar, em uma única publicação,

divulgação científica e ensino, em um livro de nível intermediário que atingisse o grande público.

Segundo o autor, em entrevista para a revista “Ciência Hoje”: “minha intenção foi passar a

estrutura dos conceitos da neurociência para que leigos com formação universitária também

pudessem compreender". Embora existam livros segmentados sobre os ramos da neurociência,

’Cem Bi’ é a primeira tentativa de um brasileiro de reunir todas as disciplinas ligadas ao

funcionamento do sistema nervoso em um só livro.

192

Vale lembrar que o autor contou com a ajuda de neurocientistas conceituados no país.

Segundo a revista “Ciência Hoje”, toda vez que concluía um texto, Lent o enviava aos colegas

para revisão. Desta forma, a partir de críticas e comentários pode-se reduzir erros de informação e

conteúdo. A revista afirma ainda que colaboradores redigiram partes específicas do conteúdo do

livro, sobretudo em função da proximidade do trabalho de cada um com o assunto do capítulo em

questão. De um modo geral a estrutura do livro reflete a metodologia e a organização do autor.

Os capítulos foram definidos em ordem crescente de complexidade, e ainda oferecem, ao final,

um glossário e sugestões bibliográficas.

As ilustrações utilizadas no livro, por sua vez, ajudam a elucidar eventuais dúvidas e tornam a

leitura dinâmica e prazerosa, indo ao encontro da premissa de que o livro se dirigia também aos

leigos, conforme sugeriu o próprio autor. É bem verdade que nos habituamos a pensar nas

imagens como “ilustrações” do sentido de qualquer coisa, e dessa forma reduzido-as a um "por

exemplo", como bem afirmou Bruzzo (2004), o que nos leva a conferir-lhes um estatuto inferior

como meio de conhecimento e expressão. Para a autora, não é de hoje que as formulações de

teorias e a elaboração de conceitos científicos fazem-se pela forma escrita e oral, donde decorre a

“assunção de que as imagens não se prestam a estas abstrações e, talvez, a nenhuma forma de

conhecimento” (Bruzzo, 2004, pág 1361).

Entretanto, a presença de figuras e imagens é marcante em livros didáticos, sobretudo no ensino

de ciências e saúde, e não foi diferente no livro desenvolvido pelo Projeto “Cem Bi”. Segundo

Bruzzo (2004), as pessoas que se dedicam à produção de ilustrações científicas defendem as

qualidades da imagem visual, além disso há nesta área uma particular predileção pelo desenho.

Para Bruzzo:

193

[...] uma adequada representação gráfica pode substituir páginas de texto, tornando-se parte vívida e memorável da informação. Além de fornecer uma descrição sucinta, o desenho acrescenta vigor à apresentação oral ou escrita. (pág 1362)

Tocando outro tema também importante ao tema em questão, é a forma como os livros didáticos

são utilizados. É fato que o professor não pode abdicar do privilégio de projetar os caminhos a

serem trilhados juntamente com os alunos, conformando-se aos oferecidos pelo livro didático,

ainda que de boa qualidade, como no caso do livro “Cem Bi”. Este comportamento também foi

observado por Soares (2004):

[...] já não se remete ao professor, como anteriormente, a responsabilidade e a tarefa de formular exercícios e propor questões: o autor do livro didático assume, ele mesmo, essa responsabilidade e essa tarefa que os próprios professores passam a esperar dele. (disponível em http://www.unb.br/abralin/index.php?id=8&boletim=25&tema=13)

Esta forma freqüente de utilização dos livros, que consideramos inadequada, superestima o papel

dos mesmos em relação a outros instrumentos para o trabalho pedagógico, conduzindo à escolha,

por parte dos professores, daqueles que oferecem mais “facilidades” (Machado, 1996). É

necessário repensar, pois, o papel do livro didático, mantendo seu caráter necessário, mas

redimensionando-se sua importância relativa. Segundo Machado (1996):

Ao assumir a responsabilidade de determinar os rumos de suas aulas, articulando múltiplos materiais didáticos, diminuirão naturalmente as exigências relativas ao livro, tornando aceitáveis como coadjuvantes muitos textos que seriam reprovados como protagonistas dos trabalhos em classe. (disponível em: http://www.emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1036/938)

De um modo geral, o livro didático e o seu desenvolvimento são um tema candente, que envolve

um sem número de questões complexas, e para as quais, em muitos casos, observam-se respostas

excessivamente simplificadas. Em síntese, é preciso destacar, sobretudo, que todos os materiais

194

foram concebidos de forma que fossem levadas a cabo as mais fundamentais premissas de

Vygostky e Piaget, principais teóricos da corrente construtivista.

Segundo Jonassen (1999), as concepções objetivistas de ensino e aprendizagem pregam que todo

e qualquer conhecimento pode ser transferido a partir dos professores ou transmitidos por uma

tecnologia qualquer, portanto, tendem a destacar suas reflexões sobre “médium” do processo

educacional, o professor ou a tecnologia. Ambientes construtivistas como o adotado pelo CD-

ROM hipermídia do projeto “Cem Bi”, por sua vez, assumem que o conhecimento é

individualmente construído e socialmente “co-construído” pelos alunos baseados em suas

interpretações de mundo. Sob este prisma, toda reflexão sobre o processo educativo deve se ater

na potencialização de experiências que possam facilitar a construção subjetiva de conhecimentos

(Jonassen, 1999).

Nesse sentido, a idéia de elaborar um material baseado na teoria de “ferramentas cognitivas” vem

ao encontro da concepção supracitada. Materiais baseadas nesta perspectiva são considerados

construtores e facilitadores do conhecimento, e podem ser aplicadas a variados gêneros de

conteúdo. Segundo Jonassen (1994), estas ferramentas têm por objetivo facilitar o aprendizado,

não funcionado como um “transmissor” de conhecimento, mas funcionando como um parceiro

intelectual para que o aluno alcance um pensamento crítico e profundo sobre qualquer conteúdo,

sem jamais controlar o processo de aquisição e construção deste conhecimento.

É lugar comum a concepção de que estudantes costumam a aprender mais facilmente quando

encorajados a tentar re-apresentar aquilo que lhes foi ensinado. Pensar é o marco central no

desenvolvimento destes materiais, do ponto de vista de “ferramenta cognitiva”, por isso são

considerados “ferramentas”, e não tutores. Esta concepção propicia o tão almejado pensamento

195

crítico. As ferramentas cognitivas estimulam o aluno na criação, concepção e compreensão do

conhecimento ao invés de apenas apresentar objetivamente a informação.

A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DA ATIVIDADE PARA ESTA PESQUISA

Um levantamento como o proposto nesta dissertação carece de uma sistemática de organização

de todo o material levantado que permita destacar os principais elementos do projeto objeto de

estudo, em articulação positiva e negativa. Ou seja, mais do que elencar elementos de um projeto,

como um rol de coisas acompanhadas de descrição, é preciso focar quais são os elementos

relevantes e através de um esquema mentor, por estes elementos em articulação, evidenciando

sinergias e contradições.

A Teoria da Atividade nos ofereceu um modelo de análise que responde a estes requisitos,

determinando que componentes de um projeto, no caso o "Cem Bilhões de Neurônios", devem

ser identificados, e como os mesmos se articulam em tríades que explicam a dinâmica do projeto.

Ao mesmo tempo, pelas questões que o modelo propõe, podem ser analisadas as eventuais

contradições, assim como identificadas combinações sinergéticas que promovem os resultados

planejados.

A TA partilha com outras abordagens de modelagem de projetos sócio-técnicos um interesse

pelas condições materiais concretas da atividade humana. Mas, enquanto outras abordagens não

enfatizam as motivações das ações construtivas do projeto, a TA defende uma análise hierárquica

196

da atividade humana, onde se evidenciam meios e fins, de modo não seqüencial e linear,

como se dá no fluxo de tempo normal do projeto.

O modelo da TA, desenvolvido por Engeström, possibilita ainda a análise das atividades de um

projeto, singularizando ações e interações com artefatos, dentro de um contexto histórico e

cultural. Engeström não pretende oferecer técnicas e procedimentos para pesquisa; sua proposta é

de um instrumento conceitual. Instrumentos conceituais, como este, devem ser adaptados à

natureza específica da situação em estudo, como se tentou realizar nesta dissertação, ressaltando

três princípios defendidos por Engeström: fazer do sistema de atividade coletivo, que conduziu o

projeto, a unidade de análise; buscar articulação entre os elementos do modelo de análise, através

das questões, evidenciando eventuais contradições, perturbações e sinergias; analisar a atividade

e seus componentes e ações historicamente.

Embora consagrada como "teoria" da atividade, não se trata propriamente de uma teoria no

sentido científico. Seria mais correto compreendê-la como um instrumento heurístico, no sentido

de estratégia e método de abordagem e de análise de uma atividade humana, no caso um projeto.

A TA provê um conjunto de princípios básicos que oferecem um enquadramento conceitual

amplo através do qual é possível compreender um projeto, enquanto atividade orientada-por-

objetivo e social e culturalmente influenciada. Tomando a atividade como unidade básica de

análise, a TA ressalta as necessidades humanas que conduzem atividades, na consecução de

propósitos, se valendo sempre da mediação de artefatos, físicos ou simbólicos.

O projeto "Cem Bilhões de Neurônios" poderia ser contemplado segundo diferentes perspectivas

e abordagens analíticas, mas seguramente, a TA se mostrou em sua aplicação neste caso,

ordenadora de seu levantamento histórico e promissora quanto as análises propiciadas.

CAPÍTULO VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo, gostaria de esclarecer primeiramente que o objetivo desta dissertação de mestrado

nunca foi o de ditar todas as perspectivas possíveis para abordagem de um projeto de tal

magnitude, dada a grandeza de sua questão. Tenho consciência de que essa revisão não foi

exaurida, tendo em vista que o projeto ainda se encontra em andamento. E, porque também seria

impraticável apresentar todas as sendas viáveis de se enveredar para a discussão sobre o

desenvolvimento de materiais educacionais, mesmo tendo um recorte muito próprio, que é o

processo de produção destes materiais em três mídias distintas: um material hipermídia, um livro-

texto e um banco de objetos de aprendizagem.

De um modo geral o objetivo deste trabalho foi revistar o processo de desenvolvimento de

materiais educativos, cuja finalidade era contribuir para mudanças qualitativas no processo

educacional em Neurociência. Procurou-se compreender os princípios norteadores, os acordos e

procedimentos estabelecidos e a organização do trabalho, assumidos por uma equipe

multidisciplinar, composta por professores, alunos e técnicos especializados em diferentes áreas,

reunidos pelo interesse comum no avanço do conhecimento no contexto de uma universidade.

Sendo esta uma atividade sócio-técnica, o aporte da Teoria da Atividade (ENGENSTRÖM, 1987)

e o modelo proposto por Mwanza (2001) foram as ferramentas de análise que possibilitaram

desvendar a dinâmica deste processo. A TA ofereceu um conjunto de princípios básicos para um

enquadramento conceitual por meio do qual foi possível compreender um projeto, enquanto

atividade orientada-por-objetivo, social e culturalmente influenciada, singularizando ações e

interações dos sujeitos entre si e entre artefatos. O modelo da TA de Engeström (1987) não

pretende oferecer técnicas e procedimentos para pesquisa, sua proposta é de um instrumento

198

conceitual, que deve ser adaptado à natureza específica da situação em estudo, como se tentou

realizar nesta pesquisa.

É nesta perspectiva que compreendemos a inserção deste trabalho no campo das Tecnologias de

Informação e Comunicação no Ensino de Ciências, assumindo a singularidade dos processos de

planejamento e intervenção educacional, pautados pelo contexto e por suas condições de

desenvolvimento, ao contrário dos modelos prescritivos regidos por procedimentos rígidos e

lineares.

Assim é que, a partir da análise dos documentos gerados na atividade de interesse deste estudo,

foi possível constatar a coerência entre os princípios e as teorias educacionais, assumidas pelos

sujeitos do estudo, na criação de um modelo de material educacional de abordagem construtivista

e de seus desdobramentos conceituais (VYGOTSKY, 1979). Mesmo constatando que estas

premissas não tenham sido formuladas por todos os envolvidos, foi possível identificar as

diferentes estratégias de integração e as normas e procedimentos estabelecidos para compartilhar

esta abordagem e facilitar sua a apropriação pelos sujeitos nas diferentes etapas do processo.

Sendo uma proposta multidisciplinar, o andamento do projeto ficou constantemente atrelado a

inter-relação das equipes envolvidas, e por conta disso a produção do CEMBI esteve sempre

comprometida com o funcionamento da dinâmica negociada, mesmo sendo esta permeada por

tensões/contradições e, por vezes, submetida a questionamentos e revisões. Segundo Roth (2004),

são as contradições que alavancam mudanças no sistema, por conseguinte, a evolução da

atividade.

Alguns elementos importantes também podem ser apreendidos a partir da divisão de trabalho

estabelecida neste projeto. Por se tratar de um projeto de pesquisa envolvendo sujeitos de

diversas áreas de conhecimento, foi possível analisar e situar a participação e a formas de

199

colaboração e a influência entre sujeitos de backgrounds tão distintos trabalhando sob um

mesmo objetivo, bem como a forma como desempenharam seus papéis a partir de suas expertises

e interesses pessoais no projeto. Desta forma os sujeitos não apenas geraram sub-produtos, que

foram compartilhados, mas também, neste processo, “se produziram e se reproduziram a si

próprios”, como membros de uma comunidade. “Isto é, esta participação na atividade também

produz e reproduz a estrutura da comunidade na qual o indivíduo é parte constitutiva” (ROTH,

2004, p.4).

Quanto ao conjunto de dados utilizados por esta pesquisa, ressaltamos primeiramente a

dificuldade de se reunir e organizar todos os documentos disponíveis, visto que muitos deles se

encontravam dispersos entre a documentação de outros projetos. Foi relevante a organização

sistemática de todo o material visando destacar os principais elementos do projeto e nortear quais

e como os dados poderiam ser trabalhados. Assim, a partir de toda documentação levantada, mais

do que identificar elementos de um projeto, era preciso, por meio de um roteiro orientador

(MWANZA, 2001), pôr estes elementos em articulação, evidenciando suas características e

importância. Mesmo apresentando limitações para algumas questões, a documentação disponível

revelou ser uma rica fonte de dados de pesquisa sobre um processo complexo.

A TA enfatiza as condições materiais concretas da atividade humana. Mas, enquanto outras

abordagens não enfatizam as motivações das ações construtivas do projeto, a TA defende uma

análise hierárquica da atividade humana, onde se evidenciam meios e fins, de modo não

seqüencial e não linear, como se dá no fluxo de tempo normal do projeto. Tomando a atividade

de desenvolvimento do CEMBI como unidade básica de análise, a TA ressaltou as necessidades

humanas que conduziram a atividade, na consecução de seus objetivos. A TA se mostrou, em sua

aplicação neste caso, ordenadora de seu levantamento histórico e, sem dúvida, promissora para

200

análises deste gênero.

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