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  • 7/23/2019 John MonteirMONTEIRO, John Manuel. Unidade, diversidade, e a inveno dos ndios: entre Gabriel Soares de Sousa e Francisco Adolfo de Varnhagen. Revista de Histria, 149

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    Resumo

    Abstract

    Palavras-Chave

    Keywords

    UNIDADE, DIVERSIDADE E A INVENO DOS NDIOS:ENTRE GABRIEL SOARES DE SOUSA E

    FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN*

    John Manuel MonteiroDepartamento de Antropologia - IFCH-Unicamp

    *Uma verso anterior deste texto foi publicada naHispanic American Historical Review, 80:4, nov. 2000,pp. 697-719, com o ttulo The Heathen Castes of Sixteenth-Century Portuguese America: Unity, Diversity,and the Invention of the Brazilian Indians. Trechos da primeira parte foram publicadas no texto de divulga-o A Descoberta dos ndios,D. O. Leitura, So Paulo, Ano 17, no. 1, maio de 1999, suplemento 500

    Anos de Brasil, pp. 6-7. Agradeo a Manuela Carneiro da Cunha e Stuart Schwartz, que comentaram a ver-so preliminar que foi apresentada na reunio anual da American Historical Association, janeiro de 2000.

    Este artigo analisa a descrio dos ndios feita por Gabriel Soares de Sousa em doiscontextos distintos: o do perodo no qual foi escrito (dcada de 1580) e o do perodo

    em que foi editado integralmente pela primeira vez por F. A. Varnhagen (meados dosc.XIX). O texto procura mostrar a maneira pela qual as descries detalhadas e asclassificaes esquematizadas do autor quinhentista foram incorporadas enquantofatos etnogrficos pelas primeiras geraes de historiadores nacionais.

    This article analizes Gabriel Soares de Sousas description of Indians in twodistinct contexts: that of the period in which he wrote his work (1580s) and thatof the period in which the first complete edition was published by F. A. Varnhagen

    (mid-nineteenth century). The author seeks to show how Sousas detaileddescriptions and schematic classifications became incorporated as ethnographicfacts by the first generation of historians in Brazil after it became a nation.

    Gabriel Soares de Sousa Francisco Adolfo de Varnhagen ndios Tupinambs

    Gabriel Soares de Sousa Francisco Adolfo de Varnhagen Tupinamb Indians

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    s portugueses alcanaram o litoral sul-americano pela primeira vez em abril de1500, porm foi apenas no ltimo quartel do sculo XVI que comearam a produzirrelatos sistemticos com o intuito de descrever e classificar as populaes indgenas.Excetuando-se a sumriaHistria da provncia de Santa Cruz, de Pero MagalhesGndavo, impressa em Lisboa em 1576, e algumas cartas jesuticas amplamentedisseminadas na Europa em diversas lnguas, os textos portugueses mais signi-ficativos permaneceram inditos por sculos1. Tanto o rico tratado descritivo deGabriel Soares de Sousa, considerado por muitos como o mais importante dos relatosquinhentistas, quanto os escritos do jesuta Ferno Cardim circularam apenas emcpias manuscritas e, provavelmente, s comearam a ter um grande impacto a partirdo sculo XIX. Ainda assim, o Tratado Descritivo ttulo posteriormente atribudo obra, na verdade constituda por dois textos distintos de Soares de Sousa, bemcomo os Tratados da Terra e Gente do Brasil, uma compilao da obra de Cardim,

    proporcionam claros indcios das percepes e imagens acumuladas ao longo dosculo XVI pelos portugueses no que diz respeito a um universo indgena que seapresentava to vasto e variado quanto incompreensvel2.

    Este artigo enfoca os escritos de Gabriel Soares de Sousa em dois momentosdistintos: primeiro, dentro do contexto histrico do final do sculo XVI e, segundo,

    O

    1Ao que consta, Gndavo era gramtico, tendo publicado um manual de ortografia em 1574. No sesabe muito sobre a sua estada no Brasil alguns autores duvidam que ele tenha mesmo colocado op na Amrica. SuaHistria da Provncia de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil,im-pressa por Antonio Gonalves com dedicatria de Cames, foi republicado junto com um manuscri-to anterior, denominado Tratado da Terra do Brasil (Gndavo 1980 [1576]).2A obra do padre Cardim, Tratados da Terra e da Gente do Brasil , ttulo esse atribudo no sculoXX, na verdade compreende trs textos distintos:Do Clima e Terra do Brasil e de algumas coisas

    notveis que se acham na terra como no mar(uma descrio da flora e fauna),Do Princpio e Ori-gem dos ndios do Brasil e de seus costumes, adorao e cerimnias(descrevendo os costumes e adiversidade dos ndios), e aNarrativa Epistolar de uma Viagem e Misso Jesutica(um registro daprolongada viagem do visitador jesuta Cristvo de Gouveia pelo Brasil entre 1583 e 1590). Osprimeiros dois textos foram publicados em ingls por Samuel Purchas em 1625, porm a autoria foiatribuda erroneamente a um outro jesuta. Sobre Cardim, ver a introduo e notas de Ana Maria deAzevedo edio mais recente (Cardim 1997 [1583-90]), bem como o excelente estudo de Charlottede Castelnau-LEstoile (2000).

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    no contexto historiogrfico do sculo XIX, quando suas descries detalhadas e suasclassificaes esquematizadas foram absorvidas na qualidade de fatos etnogrficospelas primeiras geraes de historiadores nacionais. Um dos problemas que issoapresenta reside na tendncia dos historiadores projetarem para a data emblemticade 1500 s vsperas do descobrimento um retrato da diversidade indgena e dasrelaes intertnicas que na verdade se consolidou mais tarde, j refletindo as pro-fundas transformaes que atingiram muitas das sociedades ao longo do litoral.

    Ainda assim, a semelhana de outras tradies historiogrficas nas Amricas, tantoos relatos em si quanto a sua interpretao posterior pelos historiadores buscavamestabelecer uma imagem esttica de sociedades prstinas, como se no tivessem sidoatingidos pelo contato com os europeus. Ademais, esta abordagem tende a elidir opapel de atores e de unidades polticas indgenas em resposta expanso europia,papel esse que foi de suma importncia para a articulao das configuraes tnicasque na bibliografia convencional sempre aparecem como povos originais, atem-porais e imutveis, pelo menos at que o contato com os europeus levou sua dila-pidao e, em muitos casos, sua destruio por completo. Avanos recentes nosestudos etno-histricos, no entanto, vm minando estas perspectivas arraigadas desdeh muito, introduzindo uma nova conjugao entre pesquisa documental e perspec-tivas antropolgicas para produzir um renovado retrato das respostas ativas e criativasdos atores indgenas que, apesar de todas as foras contrrias, conseguiram forjar

    espaos significativos na histria colonial, de modo que no mais admissvel omiti-los do registro histrico3.

    Gabriel Soares de Sousa, Etngrafo

    Em 1587, o senhor de engenho e sertanista portugus Gabriel Soares de Sousaempreendeu a longa viagem de Salvador a Madri, com o intuito de granjear o apoio

    3Uma tima discusso desta questo com respeito ao Caribe encontra-se em Sued Badillo (1995).Veja-se, tambm, Sider (1994), Boccara (1999) e Whitehead (1993a e 1993b), todos enfocando ocontexto de transformao nas primeiras relaes entre europeus e indgenas em diferentes partesdas Amricas. Especificamente no que diz respeito ao Brasil, as novas perspectivas esto represen-tadas em Carneiro da Cunha (1992).

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    rgio a seu projeto de devassar o vasto serto em busca de minas de prata. Para secredenciar junto coroa, apresentou trs manuscritos ao Dom Cristvo de Moura,oferecendo informaes preciosas e perspicazes sobre a terra, a gente e a histriadas colnias portuguesas que brotavam na Amrica4. O primeiro texto, intituladoRoteiro Geral, com largas informaes de toda a costa do Brasil, proporcionou umadescrio sucinta do litoral desde a terra dos Caribes, ao norte do rio Amazonas,at o esturio do Prata. O segundo e seguramente o mais importante texto o

    Memorial e Declarao das Grandezas da Bahia de Todos os Santos, de suafertilidade e das notveis partes que tem, uma descrio pormenorizada da topo-grafia, das plantas, da fauna e das populaes nativas da Bahia, um texto to rico eevocativo em seus detalhes que considerado por muitos como a maior obra sobreo Brasil escrita no sculo XVI5. Finalmente, o terceiro texto constituiu-se numapesada invectiva contra os jesutas da Bahia, no qual se criticava os missionriosno apenas pelas suas atividades supostamente gananciosas, mas tambm e sobre-tudo pela interferncia dos padres no que tocava mo-de-obra indgena. Bastantecontrastante em relao aos outros textos, este ataque aos jesutas proporciona umaviso mais clara dos contextos histrico e poltico nos quais Gabriel Soares de Sousaconstruiu as suas impresses dos Tupinamb6.

    Se os relatos de Soares de Sousa tm sido amplamente utilizados desde o sculoXIX na consolidao de uma tradio de estudos tupis no Brasil, so relativamente

    poucos os estudos sobre o autor propriamente dito ou sobre as condies nas quaisele conduziu as suas observaes. A bem da verdade, pouco se sabe da vida do autor

    4De acordo com Dauril Alden (1996: 87-88, 480), D. Cristvo de Moura (1538-1613) teve um papelde relevo nesta fase inicial da Unio Ibrica, como an ignoble Portuguese quisling in Philips pay.5Por exemplo, Rodrigues (1979: 439) refere-se aos textos como a enciclopdia do sculo XVI, omaior livro que se escreveu sobre o Brasil dos quinhentos.6Serafim Leite, S.J., o mais importante historiador jesuta do Brasil, desenterrou uma cpia destedocumentos no arquivo da ordem em Roma e a publicou sob o ttulo Captulos de Gabriel Soaresde Sousa contra os Padres da Companhia de Jesus que residem no Brasil (Soares de Sousa 1940[1587]), seguindo o conselho do historiador Srgio Buarque de Holanda. Leite, no entanto, editoueste documento um pouco a contragosto, conforme se pode inferir do prefcio, onde ele rotula otexto como o documento mais antijesutico que se escreveu sobre o Brasil. Deve-se observar, ain-da, que o exemplar do Arquivo do Jesutas no o original, sendo uma cpia alis enriquecida pelasrespostas escritas por uma comisso de padres a cada captulo e intercaladas ao texto.

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    alm daquilo que se encontra em seus escritos, acrescidos do testamento que eleredigiu em 1584, posteriormente reproduzido por Francisco Adolfo de Varnhagenem sua edio crtica do texto7. Nascido em Portugal em data ignorada pelos histo-riadores, Gabriel Soares de Sousa partiu para o alm-mar no incio de 1569, possi-velmente com destino s cobiadas minas de Monomotapa, na frica Oriental, inte-grando a poderosa frota comandada por Francisco Barreto, antigo governador dandia, que pretendia expulsar os muulmanos daquela regio e tomar posse das

    minas8. No se sabe exatamente porque resolveu desembarcar em Salvador quandoa frota fez escala, ao invs de seguir para o Estado da ndia, destino de outros escri-tores de talento contemporneos seus. Junto com seu irmo Joo Coelho de Sousa,Gabriel Soares de Sousa se radicou no Brasil, estabelecendo um engenho no rioJiquiri, prximo a Jaguaripe, uma zona aucareira em franca expanso ao sul doRecncavo. Depois de receber algumas cartas geogrficas junto com amostras depedras preciosas provenientes do serto, objetos estes legados pelo seu falecidoirmo, Gabriel Soares resolveu partir para a corte filipina em 1586 em busca de favo-res e mercs. Enquanto aguardava audincia, concluiu os textos sobre o Brasil, osquais certamente ajudaram ele a atingir seu objetivo principal de assegurarconcesses para procurar e eventualmente explorar minas de prata no serto, rece-bendo em 1590 a nomeao de Capito-mor e Governador da Conquista eDescobrimento do Rio So Francisco. Ao assumir este novo cargo, voltou Amrica

    na urca flamenga Abrao, que buscava uma carga de acar e pau brasil. A embar-cao naufragou na barra do rio Vazabarris, no Sergipe, e grande parte dos equipa-mentos foi perdida no desastre. Ao chegar em Salvador aps uma boa caminhada,Soares de Sousa reorganizou a expedio graas ao patrocnio do governador D.Francisco de Sousa e logo partiu para o serto do So Francisco. Contudo, as minasque j haviam se mostrado to inatingveis para seu irmo e outros exploradores

    7Utilizo aqui a edio de 1971, com o texto estabelecido e anotado por Francisco Adolfo de Varnhagen.Foi esta baseada na edio de 1851, considerada como a mais correta. Vale dizer que esta obra seressente de uma nova edio crtica, algo na linha do bom trabalho executado por Ana Maria deAzevedo com os textos de Cardim.8Sobre a expedio de Barreto, ver Newitt (1995: 56-57).

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    no foram alcanadas. Gabriel Soares de Sousa faleceu pouco depois da partida daexpedio, quando o grupo j se encontrava fundo no serto, junto s cabeceiras dorio Paraguau. A sua ossada foi remetida a Salvador para ser enterrada na igrejabeneditina sob uma lpide que rezava Aqui jaz um pecador.

    As verses relatando a morte de Soares de Sousa so discrepantes, porm apon-tam para a convergncia entre fato e fantasia, o que ajuda a entender o contexto queinformava o texto que ele escreveu sobre os ndios da Bahia. De acordo com o frei

    Vicente do Salvador, Soares de Sousa faleceu prximo ao lugar onde havia morridoseu irmo, aps cair doente por as guas serem ruins e os mantimentos piores, queeram cobras e lagartos (Salvador 1982 [1627]: 262-263). Outro escritor, PedroBarbosa Leal, forneceu uma verso alternativa, sublinhando outros perigos do serto.Certa noite, eclodiu uma grande pendncia entre o gentio manso e o do serto,recm introduzido ao acampamento. Procurando apaziguar as partes, Soares deSousa saiu de sua barraca e a golpes de espada, maltratou a uns e a outros, o queredundou na fuga de todos os ndios da expedio, deixando os exploradores semeira nem beira no miolo daquele deserto. Todos teriam morrido, salvo um mineiroprtico, Marcos Ferreira, que contou a histria9.

    Sem entrar no mrito de sua veracidade, pode-se afirmar que este relato revelao sentido duplo da expedio, que aliava interesses mineradores e escravizadores,o que iria permanecer como uma das principais caractersticas das expedies para

    o serto por muitos anos10

    . Assim, a economia aucareira, o sertanismo e a escravidoindgena proporcionaram o contexto para a elaborao doRoteiroe doMemorialde Gabriel Soares de Sousa. Com certeza, estes textos refletem a longa convivnciaentre o autor e os ndios, durante as suas experincias de senhor de engenho e desertanista, atividades complementares nesta poca em que a base do trabalho escravoera composta de ndios egressos dos sertes circunvizinhos11. Gabriel Soares tambmconhecia os integrantes nativos dos aldeamentos do Recncavo, que figuravam entre

    9Estas verses so resumidas em Franco (1954: 397-398).10Sobre estas expedies, ver Monteiro (1994), sobretudo captulo 2.11O contexto histrico deste perodo vem muito bem detalhado e documentado em Schwartz (1988:captulos 2 e 3).

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    os auxiliares que acompanhavam este portugus em suas jornadas para o serto eque proporcionavam uma fonte de mo-de-obra na faina aucareira. Neste sentido,as informaes histricas e descritivas apresentadas neste relato foram produzidasneste contexto colonial, sendo que os prprios informantes do autor eram ndioscoloniais, por assim dizer. O autor tomou o cuidado de explicitar isto, baseando-se nas informaes que se tm tomado dos ndios muito antigos... (Soares de Sousa1971 [1587]: 299).

    Isto significativo quando se considera que grande parte do relato sobre os ndiosTupinamb foi escrito em tom de memria, como se a integridade e a independnciadeste povo fossem algo j do passado. De fato, um dos principais objetivos discur-sivos do autor foi exatamente o de justificar a dominao portuguesa, colocando-anuma sequncia histrica de ciclos de conquista, a comear pela mais antiga castade gentio, os Tapuia. Num passado remoto, os Tapuia foram lanados fora da terrada Bahia e da vizinhana do mar por outro gentio seu contrrio, um grupo tupichamado Tupina, que desceu do serto, fama da fartura da terra e mar desta pro-vncia. Aps muitas geraes, chegando notcia dos tupinambs a grossura efertilidade desta terra, este novo grupo invadiu as terras dos Tupina, destrundo-lhes suas aldeias e roas, matando aos que lhe faziam rosto, sem perdoarem a nin-gum, at que os lanaram fora das vizinhanas do mar. Ao concluir este captulodoMemorial, Soares de Sousa observou: [A]ssim foram [os tupinambs] possui-

    dores desta provncia da Bahia muitos anos, fazendo guerra a seus contrrios commuito esforo, at a vinda dos portugueses a ela; dos quais tupinambs e tupinasse tm tomado esta informao, em cuja memria andam estas histrias de geraoem gerao (Soares de Sousa 1971 [1587]: 299-300). Derrotados, parecia restaraos Tupinambs a memria de sua antiga grandeza12.

    12Pode-se dizer, claro, que Gabriel Soares buscava apenas elaborar uma sequncia histrica de con-quistas na qual a dominao portuguesa se encaixava de modo harmonioso. Mas a ascenso dos Tupinambno litoral baiano na verdade proporciona um dos eventos mais significativos da histria pr-colonial doBrasil, ao coincidir com a emergncia de outros grupos tupis e guaranis ao longo do litoral atlntico. Sobrea expanso ou migrao tupi, debate alis antigo na etnologia e arqueologia brasileiras, ver o artigode Francisco Noelli (1996), com comentrios de Eduardo Viveiros de Castro e Greg Urban.

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    Ao tratar dos ndios em seu texto, a primeira tarefa que enfrentava Gabriel Soaresde Sousa foi o de conferir algum sentido intrigante sociodiversidade que tornavao litoral brasileiro to difcil para descrever13. A exemplo de vrios outros autoresquinhentistas, Soares de Sousa estabeleceu de incio uma grande diviso entre duascategorias maiores, a de Tupi e Tapuia. Se os Tupinamb da Bahia, descritos emdetalhes por vezes saborosos, proporcionaram o modelo bsico para a discusso dasociedade tupi, mostrava-se bem mais vaga a caracterizao dos Tapuia. Como os

    tapuias so tantos e esto to divididos em bandos, costumes e linguagem, para sepoder dizer deles muito, era de propsito e devagar tomar grandes informaes desuas divises, vida e costumes; mas, pois ao presente no possvel... (Soares deSousa 1971 [1587]: 338). Fiando-se basicamente naquilo que seus informantes tupislhes passavam, escritores coloniais como Gabriel Soares costumavam projetar osgrupos tapuias como a anttese da sociedade tupinamb, portanto descrevendo-osquase sempre em termos negativos.

    Ainda assim, em sua descrio dos Aimor noRoteiro geral, o autor introduziuuma variante interessante, sugerindo que as diferenas bsicas na vida e nos costumesdesses ndios possuam fundamentos histricos:

    Descendem estes aimors de outros gentios a que chamam tapuias, dos quais nostempos de atrs se ausentaram certos casais, e foram-se para umas serras mui s-peras, fugindo a um desbarate, em que os puseram seus contrrios, onde residiram

    muitos anos sem verem outra gente; e os que destes descenderam, vieram a perdera linguagem e fizeram outra nova que se no entende de nenhuma outra nao dogentio de todo este Estado do Brasil (Soares de Sousa 1971 [1587]: 78-79).

    Se o autor foi bem sucedido ao montar uma descrio bastante detalhada doscostumes brbaros dos Aimor, Soares de Sousa reconhecia as limitaes de suaapresentao, inclusive deslizando prximo classificao destes ndios como no

    13Este dilema foi compartilhado pelo Gabriel Soares de Sousa com vrios outros escritores quinhen-tistas, que buscavam conciliar aquilo que de fato testemunharam com as imagens dos povos do NovoMundo que circulavam nos textos e gravuras da poca. Veja-se a discusso em Carneiro da Cunha(1990), oferecendo um estimulante contraste entre as vises francesa e portuguesa.

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    humanos, uma vez que [c]omem estes selvagens carne humana por mantimento, oque no tem o outro gentio que a no com seno por vingana de suas brigas eantiguidade de seus dios. Concluindo, o autor sublinhava a diferena desta castadas demais, por serem to esquivos inimigos de todo o gnero humano (Soaresde Sousa 1971 [1587]: 79-80).

    Ao estabelecer categorias bsicas para diferentes segmentos da populao in-dgena, Gabriel Soares buscou vrias referncias distintas. A principal abordagem

    residia no contraste com as instituies europias, descrevendo as sociedades ind-genas a partir daquilo que lhes faltava. Lanando mo de uma frase amplamentedisseminada pelo gramtico Pero de Magalhes Gndavo na dcada anterior, GabrielSoares apresentava uma variante para o ditado sem f, sem lei, sem rei. Apesar deimpressionado pela graa da lngua tupi, o autor observou que faltam-lhes trsletras do ABC, que so F, L, R grande ou dobrado. A primeira letra, f, referia-se f, indicando que os Tupinamb no possuam religio alguma e, pior ainda, nemos nascidos entre os cristos e doutrinados pelos padres da Companhia tm f emDeus Nosso Senhor. Continuando, Soares de Sousa explicou que eles no pronun-ciavam a letra l porque no tem lei alguma que guardar e que cada um faz leia seu modo e ao som da sua vontade. Finalmente, a ausncia da letra r denotavaa falta de um rei que os reja e que no obedecem a ningum, nem ao pai o filho,nem o filho ao pai (Soares de Sousa 1971 [1587]: 302). Oscilando entre a incons-

    tncia e a insubordinao, os ndios de Gabriel Soares de Sousa mostravam-se poucopromissores enquanto sditos, apesar de que, paradoxalmente, era nessa condioque a maioria dos ndios que ele conheceu vivia14.

    Para alm do binmio Tupi-Tapuia, surgiram outros pares de oposio com afuno de introduzir alguma ordem numa situao s vezes confusa e imprevisvel.O contexto colonial produziu outras distines importantes, como a oposio entrepovoado e serto, o que representava mais do que uma referncia espacial pois, na

    verdade, delimitava dois universos distintos, um ordenado pela lei e pelo governo,o outro livre de tais constrangimentos sem f, nem lei, nem rei, enfim. Pode-se

    14Uma reinterpretao bastante criativa da inconstncia, vista como muito mais do que uma sim-ples projeo europia, encontra-se em Viveiros de Castro (1992).

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    vislumbrar um bom exemplo desta diferena na experincia dos sertanistasmamelucos, que transitavam entre a ordem rgida do povoado colonial e a liberdadedesenfreada do serto15. A distino entre ndios cristos e gentios proporcionavauma outra diviso crucial, ainda que eivada de implicaes ambguas. Para alm desuas origens bblicas, o termo gentio, com efeito, ganhou fora como uma categoriaintermediria no campo da diversidade religiosa que adquiria novos contornos coma expanso europia. Os portugueses quinhentistas usavam este termo tanto para

    descrever hindustas no subcontinente asitico, com suas elaboradas tradies reli-giosas, quanto para designar populaes africanas e sul-americanas, consideradascomo destitudas de qualquer religio. Aps um certo tempo, no entanto, o contextosemntico passou a sublinhar a distino entre nativos convertidos para o catolicismoe aqueles no convertidos gentios neste caso seriam convertidos potenciais, porassim dizer. Em seuRoteiro geral, Gabriel Soares de Sousa expressou esta distino,apesar de se mostrar um tanto ctico quanto eficcia da converso. No captulo sobreGarcia dvila, o autor fez meno da aldeia jesutica de Santo Antnio, habitada porndios forros tupinambs que, a despeito da sua converso, este gentio to brbaroque at hoje no h nenhum que viva como cristo (Soares de Sousa 1971 [1587]: 70).

    Esta observao ganhou um reforo mais agudo nos Captulos contra os Padres.Se os primeiros missionrios tiveram um xito fenomenal na converso, batizandoaos milhares cada dia, este xito se mostrou ilusrio, uma vez que assim com

    facilidade se faziam cristos, com ela mesma se tornavam a suas gentilidades, e seforam todos para o serto, fugindo da sua doutrina (Soares de Sousa 1940 [1587]:370). Embora no tenha feito meno explcita no texto, possvel que GabrielSoares estivesse se referindo aos movimentos sociorreligiosos organizados por ndiosTupinamb egressos das aldeias missionrias ou fugidos dos empreendimentos colo-niais, com destaque para a Santidade que grassava na poca nos arredores de Jagua-ripe, prxima portanto ao engenho do prprio Gabriel Soares16. Mas o autor certa-

    15Veja-se, por exemplo, as declaraes do mameluco Tomacana perante o visitador do Santo Of-cio, em Vainfas (1997). O mesmo autor traz uma abordagem bastante inovadora dos mamelucos emobra anterior (Vainfas: 1995, captulo 6).16Vainfas (1995) proporciona a anlise mais penetrante deste movimento, que tambm o objeto deum artigo recente (Metcalf 1999), cujo objetivo inserir a santidade num contexto mais amplo de ca-tolicismofolkmessinico.

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    mente tambm conhecia outras formas de resistncia o que ele considerava umapropriedade natural dos ndios e no algo vinculado condio colonial inclusiveas migraes em massa tais como aquela descrita por Anchieta na mesma dcadade 1580, registrada mediante a fala de um principal:

    Vamo-nos, vamo-nos antes que venham estes portugueses (...) no fugimos daIgreja nem de tua companhia porque, se tu quiseres ir conosco, viveremos con-

    tigo no meio desse mato ou serto ... Mas estes portugueses no nos deixam estarquietos, e se tu vs que to poucos que aqui andam entre ns tomam nossos ir-mos, que podemos esperar, quando os mais vierem, seno que a ns, e as mu-lheres e filhos faro escravos? (Carta de Anchieta apud Fernandes 1948: 36).

    Se os Tupinamb representavam, at certo ponto, uma categoria unificadora doponto de vista lingustica e cultural, coube aos escritores quinhentistas explicar aspronunciadas disputas entre diferentes segmentos dos Tupi. Ao introduzir os PotiguarnoRoteiro geral, Gabriel Soares encontrou dificuldades em traar alguma distinoentre eles e os Tupinamb: Falam a lngua dos tupinambs e caets; tm os mesmoscostumes e gentilidades ... Cantam, bailam, comem e bebem pela ordem dos tupinam-bs (Soares de Sousa 1971 [1587]: 54-55). Mais adiante, ao diferenciar os Tupiniquimdos Tupinamb, o autor introduziu um interessante paralelo: E ainda que so contrriosos tupiniquins dos tupinambs, no h entre eles na lngua e costumes mais diferena

    da que tm os moradores de Lisboa dos da Beira (Soares de Sousa 1971 [1587]: 88).J noMemorial, ao retomar a descrio dos Tupina, Gabriel Soares acrescentou umaligeira alterao no paralelo, declarando que a lngua deles era to diferente da dosTupinamb quanto a diferena entre Douro e Minho e Lisboa, ou seja, os Tupinambfalavam um dialeto mais polido. Ao aprofundar sua explicao deste paradoxo deafinidade e diferena, o autor especulou que pelo nome to semelhante destas duascastas de gentio se parece bem claro que antigamente foi esta gente toda uma, como

    dizem os ndios antigos desta nao [Tupinamb]. O motivo da diviso que tm-sepor to contrrios uns dos outros que se comem aos bocados, e no cansam de se mataremem guerras, que continuamente tm (Soares de Sousa 1971 [1587]: 332-333).

    Cabe um breve comentrio sobre o uso do termo casta para descrever os dife-rentes grupos indgenas. Vrios textos quinhentistas classificavam as populaesdo litoral sul-americano como castas distintas, uma apropriao direta da termi-

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    nologia empregada ao longo da costa sul-asitica e amplamente disseminada atravsde relatos to antigos quanto os de Duarte Barbosa e Tom Pires17. Ao que parece,esta literatura oriental no era estranha a Soares de Sousa, mesmo porque em certaaltura ele estabelece uma comparao explcita entre o uso do fumo entre os ame-rndios e o hbito de mascar folhas de btula na ndia (Soares de Sousa 1971 [1587]:317). Se vrios escritores portugueses referiam-se explicitamente s varnashindusao discutir a casta, o termo adquiriu um sentido bem mais genrico, servindo para

    identificar sociedades ou segmentos sociais enquanto unidades discretas, cada qualpossundo marcadores culturais prprios, frequentemente enfeixados na noo de usose costumes18. No interior do espao colonial, contudo, os limites e as caractersticasespecficas dessas unidades distintas e, muitas vezes, endogmicas enfrentaram oconstante desafio da prpria expanso europia, medida que soldados, comerciantes,colonos e funcionrios do estado se envolveram cada vez mais com as sociedadesnativas, seja atravs de alianas matrimoniais ou de arranjos menos formais.

    Escrito numa conjuntura de transformaes rpidas e decisivas, as quais afetaramde modo particular as populaes indgenas mais prximas aos estabelecimentoscoloniais, o relato de Gabriel Soares de Sousa sobre os Tupinamb justaps imagensda grandeza pr-colonial com aquelas da decomposio ps-conquista19. Estribadasnos relatos de ndios aldeados, escravizados e cristianizados, as descries nos for-necem uma auto-imagem dos Tupinamb atravs da lente da situao colonial que

    os oprimia e, lentamente, os destrua. Ainda assim, estabelecendo um exemplo queseria seguido por etngrafos num futuro distante, o texto doMemorial buscava abs-

    17Sobre estas fontes, veja-se a obra erudita de Lach (1965) e o excelente ensaio de Curto (1997).18A origem e a variabilidade do termo casta constituem aspectos de um longo debate na antropo-logia e historiografia referentes a ndia. Assim como os modernos, os antigos escritores portugueses

    geralmente oscilavam entre duas concepes distintas para a organizao social hindusta. O con-ceito de varna, estabelecido em vrios textos sagrados, divide a sociedade em quatro grandes gru-pos, ordenados hierarquicamente: brmanes (sacerdotes), kshatriyas (guerreiros), vaishyas (comer-ciantes) e shudras (trabalhadores). O conceito dejati, por outro lado, refere-se a grupos de filiao,abrangendo um sem-nmero de castas (definidas por categorias de ofcio, de grupos tribais e tni-cos, entre outras) que, com o advento dos muulmanos e dos europeus se tornaram cada vez maisfechadas e imveis. Ver, entre outros, Bayly (1999), sobretudo captulos 1 e 3, e Perez (1997).19Apresento uma discusso mais detalhada destas transformaes em Monteiro (1999).

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    trair os Tupinamb deste contexto, como se os europeus no os tivessem encontrado.Entretanto, o relato contm muitos elementos que sugerem que este modo de serdos Tupinamb, apesar de reafirmar tradies e estruturas pr-coloniais, tambmtinha algo a ver com as condies concretas da expanso colonial. Assim, a descrioda vida e dos costumes dos ndios foi o produto de construes coloniais no apenasdos portugueses como tambm dos Tupinamb. Em certo sentido, oMemorialdes-toava de outros relatos que buscavam projetar a situao de primeiro contato, situao

    essa que, segundo Neil Whitehead, tinha mais a ver com a auto-representao dosdescobridores ou conquistadores do que com a efetiva interao envolvendo oautor-observador e seus objetos nativos20. Se verdade que Soares de Sousa se apre-sentava como descobridor de sertes desconhecidos e da almejada riqueza mineraldo mesmo interior, seus objetos nativos configuravam, antes de tudo, ndios que jhaviam experimentado o contato com os Europeus por um bom tempo.

    O prprio autor, visivelmente constrangido ao tratar da presena de muitosmamelucos entre os Tupinamb, acabou reconhecendo que ainda que parea fora depropsito o que se contm neste captulo, pareceu decente escrever aqui o que nele secontm, para se melhor entender a natureza e condio dos tupinambs... (Soares deSousa 1971 [1587]: 331). Uma leitura mais atenta deste mesmo captulo, no entanto,evoca um constante receio que os escritores coloniais cultivavam no que diz respeito mestiagem: Gabriel Soares parece ter se preocupado menos com o impacto que os

    brancos e seus descendentes mestios poderiam ter sobre os Tupinamb e mais coma terrvel possibilidade de que os brancos tambm podiam tornar-se selvagens.Ao buscar, deste modo, melhor entender a natureza e condio dos Tupinamb,

    Gabriel Soares implicitamente captou a necessidade de se reconhecer que associedades indgenas encontravam-se imbricadas numa trama histrica, na qual adeterminao de identidades especficas se mostrava to flexvel quanto varivel

    21.

    Os Potiguar, Tupiniquim, Tememin e Tupina todos eram Tupinamb num certo

    20Sobre a questo da representao destes pristine contacts with unspoiled indigenes, ver Whitehead(1995: 55). interessante observar que este tipo de representao permaneceu como tema constantena literatura e iconografia do contato nos sculos a seguir.21Sobre o contexto colonial para a formao das identidades, ver o artigo instigante de Sider (1994).

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    sentido, porm no contexto colonial, nitidamente no o eram. Neste sentido, para seentender este Brasil indgena, preciso antes rever a tendncia seguida por sucessivasgeraes de historiadores e de antroplogos que buscaram isolar, essencializar econgelar populaes indgenas em etnias fixas, como se o quadro de diferenas tnicasque se conhece hoje existisse antes do descobrimento ou da inveno dos ndios.

    To demorado quanto intrincado, o processo inicial de inveno de um Brasil in-dgena envolveu a criao de um amplo repertrio de nomes tnicos e de categorias

    sociais que buscava classificar e tornar compreensvel o rico caleidoscpio de lnguase culturas antes desconhecidas pelos europeus. Mais do que isso, o quadro produzidopassou a condicionar as prprias relaes polticas entre europeus e nativos, no ape-nas na medida em que fornecia a base para a elaborao de uma legislao indige-nista, mas tambm porque esboava um conjunto de representaes e de expectativassobre as quais se pautavam estas relaes. Neste sentido, as novas denominaesespelhavam no apenas os desejos e as projees dos europeus, como tambm osajustes e as aspiraes de diferentes populaes nativas que buscavam lidar cadaqual sua maneira com os novos desafios postos pelo avano do domnio colonial.

    A Reinveno dos Tupi: Gabriel Soares de Sousa no Sculo XIX

    Apesar do grande interesse que poderia ter suscitado na poca em que foi ela-borada, a obra de Gabriel Soares de Sousa permaneceu indita por mais de duzentos

    anos. Ainda assim, a exemplo de tantos outros tratados descritivos e histricos es-critos em portugus sobre o Brasil durante o perodo colonial, os textos de Soaresde Sousa circularam em cpias manuscritas, sendo que diferentes trechos foram para-fraseados ou mesmo plagiados por escritores que o sucederam. Ao preparar a ediodefinitiva desta obra no sculo XIX, Francisco Adolfo de Varnhagen chegou a iden-tificar 17 cpias distintas em vrias bibliotecas e arquivos na Europa, em acervospblicos e privados22. De fato, para alm dos relatos publicados em vrias lnguas

    europias orientados para um pblico no lusfono, a nica obra sobre o Brasil a

    22De acordo com Varnhagen, dentre os vrios autores que utilizaram partes do relato de Gabriel Soarespara elaborar suas prprias obras, encontram-se Pedro de Mariz, Frei Vicente do Salvador, Simo deVasconcelos, S.J. e Frei Antnio Jaboato (Soares de Sousa 1971 [1587]: 13).

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    ser editada em portugus durante o sculo XVI foi aHistria da provncia de SantaCruz, de Pero Magalhes Gndavo, impressa em 1576. Esta ausncia de publicaesdestoava de outras situaes coloniais, como a da Amrica Espanhola ou mesmo ados portugueses na sia, que haviam disponibilizado aos leitores europeus umaquantidade considervel de obras impressas, englobando narrativas de conquista ecrnicas polticas, bem como descries minuciosas dos povos e costumes do Oriente.

    Relegada ao esquecimento, a obra de Soares de Sousa reapareceu nos primeiros

    anos do sculo XIX, inicialmente como parte da vasta e ecltica coleo de obrasraras e inditas, organizada pelo frei Veloso e impressa na famosa casa editorial doArco do Cego em Lisboa. Incompleta, esta primeira edio tambm deixou de atri-buir a autoria a Gabriel Soares. A primeira edio completa de uma cpia dos manus-critos existentes apareceu em 1825, publicada pela Real Academia das Cincias deLisboa, como parte de seu projeto ambicioso de compilar narrativas de viagem eoutros relatos numa ampla coleo sobre as posses ultramarinas portuguesas, in-

    clusive aquela recm separada da metrpole. Adotando o ttulo deNotcias do Brasil,a edio da Academia foi to mal feita que moveu o ento jovem historiador paulistaFrancisco Adolfo de Varnhagen a escrever um longo e pioneiro exerccio de crticahistrica, o que no apenas confirmou a autoria de Gabriel Soares como tambmapontou para a premente necessidade de uma nova edio crtica e anotada, cotejandocriteriosamente as diferentes cpias manuscritas existentes23.

    O interesse de Varnhagen pelos textos de Gabriel Soares foi muito alm dessemero exerccio acadmico. Como membro de destaque do Instituto Histrico e Geo-grfico Brasileiro, fundado em 1838, Varnhagen situava-se na linha de frente de umagerao de intelectuais e estadistas que enfrentava a tarefa de inaugurar uma tradiohistrica nacional. Como parte deste ambicioso projeto coletivo, aRevista Trimestraldo Instituto trazia muitos relatos coloniais inditos, com certa nfase nas descriesde populaes indgenas, sobretudo os Tupi da Costa

    24.

    23Este exerccio pioneiro foi publicado pela Academia de Cincias de Lisboa em 1839 com o ttulodeReflexes Crticas sobre o Escrito do Sculo XIV [i.e. XVI] impresso com o ttulo de Notcias do

    Brasil...Cf. Rodrigues (1979: 436).24Na verdade, alguns dos documentos coloniais constituram exemplos de forjicao escritos noprprio sculo XIX, como no caso do relato supostamente elaborado por Miguel Ayres de Maldonado,desmascarado pelo trabalho detetivesco de Jos de Souza Martins (1996).

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    Com certeza, um dos mais rduos desafios residia na descoberta, recuperao eedio de textos que esboavam um pano de fundo histrico e etnogrfico para osprimrdios da civilizao brasileira, textos estes em sua maioria soterrados em baixode camadas de papis e de poeira em instituies situadas na Europa. Com o intuitode reverter a pesada imagem de uma sociedade escravista atrasada, precariamentecivilizada e profundamente miscigenada, os membros do Instituto buscaram conciliaras origens americanas com os princpios civilizadores que guiavam os estados-nao

    do sculo XIX25. Na falta de runas espetaculares de antigas civilizaes problemaque foi debatido em algumas das reunies do Instituto e enfrentando um conflito acir-rado com as populaes indgenas contemporneas, a gerao das elites que atingia amaioridade junto com o prprio Imperador comeou a esboar uma mitografia nacionalque colocava os nobres, valentes e, sobretudo, extintos Tupi no centro do palco.

    ARevistado Instituto no foi o nico rgo impresso a empreender esta tarefa,pois muitos relatos copiados em arquivos e bibliotecas em Lisboa, vora, Madri,

    Viena e Paris encontraram vazo nas vrias revistas literrias e polticas que agitavama vida intelectual da jovem nao. Neste mesmo perodo, o desenvolvimento de umconhecimento etnogrfico acompanhava uma emergente literatura voltada para temasfundacionais: assim, poetas e romancistas ancoravam sua obra indianista numa fami-liaridade com a etnografia, ao mesmo tempo em que ecoavam as percepes e temasaprofundados por historiadores e outros estudiosos. A bem da verdade, vrios es-critores transitavam entre os diferentes gneros ficcionais e acadmicos; bastarecordar que os principais poetas indianistas tambm se destacaram como historia-dores e etngrafos. Esta mesma preocupao com uma base documental slida tor-nava-se evidente na obra pioneira de Varnhagen, aHistria Geral do Brasil, cujaedio em mltiplos volumes comeou em 185426.

    Se aHistria Geralrepresentava o primeiro grande compndio em portugussobre a histria do pas, ela teve precedentes estrangeiros significativos, sobretudo

    aHistory of Brazilde Robert Southey e as obras de Ferdinand Denis. Ambos esses

    25Sobre as origens do Instituto e o projeto historiogrfico coletivo daquela gerao, ver o excelenteartigo de Manoel Lus Salgado Guimares (1988) e o livro de Schwarcz (1993), sobretudo pp. 91-117.26Sobre Varnhagen, ver Rodrigues (1988: 13-27); Odlia (1997); Reis (1997); e, sobretudo, Oliveira (2000).

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    autores utilizaram diferentes verses manuscritas da descrio que Gabriel Soaresde Sousa elaborou a respeito dos Tupinamb, embora nenhum deles tenha identifi-cado corretamente o autor27. Nestas obras, os antigos Tupinamb cresceram em es-tatura e passaram a demarcar um forte contraste entre os ndios que ocupavam olitoral sul-americano na gnese da nacionalidade brasileira e aqueles contemporneosque atrapalhavam a marcha da civilizao.

    Na obra de Varnhagen, o papel que os ndios desempenhariam nesse projeto

    estava claramente delimitado desde o incio, uma vez que este autor assimilava ex-plicitamente a postura pessimista que Carl Friedrich von Martius propagava. Em1847, um ensaio escrito por von Martius venceu um concurso promovido pelo Ins-tituto Histrico e Geogrfico em torno do tema de Como se deve escrever a histriado Brasil. Simptico s teorias setecentistas referentes decadncia e decrepitudedo homem americano, von Martius considerava as populaes indgenas do Brasilcomo povos que deixariam de existir num futuro bem prximo28. [O] triste e penvel

    quadro, escrevia ele, que nos oferece o atual indgena brasileiro, no seno oresduo de uma muito antiga, posto que perdida histria (Martius 1982 [1845]: 91-92). Este pessimismo se mostrou ainda mais explcito num texto anterior, onde feza seguinte previso: no h dvida: o americano est prestes a desaparecer. Outrospovos vivero quando aqueles infelizes do Novo Mundo j dormirem o seu sonoeterno (Martius 1982 [1838]: 70).

    Adotando estes pressupostos, Varnhagen desenvolveu uma profunda aversos populaes brasileiras (palavras de seu arquiinimigo Joo Francisco Lisboa), oque alis no se limitava s populaes indgenas como tambm se estendia a todasas camadas populares da Amrica portuguesa. Se esta averso certamente alguma

    27

    Robert Southey (1810-19) utilizou uma cpia manuscrita do (ento) annimo Notcias do Brasil,transcrito por um tio de um exemplar em Portugal. Sobre a obra de Southey, ver o clssico estudo deDias (1974); j Ferdinand Denis (1837), em sua obra geral que faz um resumo de estudos anteriores,possivelmente lanou mo tanto da cpia manuscrita existente na Bibliothque Nationale de Parisquanto das primeiras edies portuguesas. Sobre Denis, ver o cuidadoso estudo de Rouanet (1991).28Inscrito no concurso em 1843, o texto de von Martius foi publicado naRevista Trimensalem 1845e recebeu o prmio em 1847. Uma excelente anlise da contribuio de Martius historiografia eetnologia no Brasil encontra-se em Lisboa (1997).

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    coisa devia s preferncias tericas do autor, ela pode igualmente ser atribuda experincia pessoal de Varnhagen ou mesmo situao poltica do Imprio em mea-dos do sculo XIX, quando vrias provncias conduziam guerras no declaradascontra povos indgenas. provvel que Varnhagen j alimentasse sentimentos de-preciativos referentes aos ndios quando empreendeu uma viagem para o sul da Pro-vncia de So Paulo em 1840, porm aps presenciar de perto o estado de conflitoe de medo que predominava na regio, consolidou o seu ponto de vista marcadamente

    negativo. Confesso, escreveu ele alguns anos mais tarde, que desde ento umaprofunda mgoa e at um certo vexame se apoderou de mim, ao considerar que apesarde ter o Brasil um governo regular, em tantos lugares do seu territrio achavam-se(e acham-se ainda) um grande nmero de cidados brasileiros merc de seme-lhantes cfilas de canibais (Varnhagen 1867: 38). De maneira bastante consciente,Varnhagen inscreveu esta averso aos ndios em suaHistria Geral do Brasil, naqual a sua descrio dos antigos Tupi foi capaz apenas de captar, no triste e degra-

    dante estado da anarquia selvagem, uma idia do seu estado, no podemos dizer decivilizao, mas de barbrie e de atraso. De tais povos na infncia no h histria:h s etnografia (Varnhagen 1981 [1854] I:30)29.

    Se esta perspectiva negativa encontrou um lugar seguro na raiz dos estudos his-tricos brasileiros, ela no constituiu a nica perspectiva. De fato, um intenso debateem torno dos ndios agitava os crculos intelectuais e polticos do sculo XIX, ondevozes agressivas como a de Varnhagen encontravam a oposio de tendncias maisfilantrpicas, sobretudo aquela inspirada em Jos Bonifcio de Andrada e Silva30.At certo ponto, desde os primrdios do perodo colonial, o conflito de interessesentre diferentes agentes coloniais criou tenses entre as polticas que buscavam ouassimilar ou excluir as populaes indgenas. As mudanas institucionais da dcadade 1840, que delegaram s provncias a gesto da poltica indigenista e promoveramo estabelecimento de novas misses capuchinhas, introduziram um novo perodo

    29Suas observaes referentes viagem para o sul aparecem em Varnhagen (1867: 36-37). Ver, tam-bm, Oliveira (2000: 47-48).30Sobre a influncia de Jos Bonifcios sobre o pensamento indigenista no Brasil, ver sobretudoCarneiro da Cunha (1986); Boehrer (1960); e Hemming (1987).

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    de tenso. Fosse nos confortveis recintos das academias ou nas rudes condiesdo serto, acirrava-se a disputa entre aqueles que defendiam a civilizao ecatequese dos ndios e aqueles parciais ao afastamento ou mesmo extermnio depopulaes nativas31. No restava dvida quanto posio de Varnhagen nesteconflito, posio essa que buscava sustentao nas evidncias histricas, inclusiveno relato de Gabriel Soares de Sousa.

    Em suas leituras de fontes quinhentistas, uma das primeiras operaes

    empreendidas pelos historiadores do Imprio foi a de reconfigurar a dicotomia Tupi-Tapuia, acrescentando um novo eixo temporal anlise. Como vimos, este binmiotornava o problema da diversidade lingustica e tnica mais fcil de administrar, tantopara os escritores coloniais quanto para as autoridades da coroa. No contexto dosculo XIX, ganhou uma nova feio. Os Tupi foram relegados a um passado remoto,quando contriburam de maneira herica consolidao da presena portuguesaatravs das alianas polticas e matrimoniais. Mas as geraes subsequentes cederam

    o lugar para a civilizao superior, deixando algumas marcas para a posteridade,inscritas nos topnimos, nos descendentes mestios e na persistncia da lngua geralque, no sculo XIX, ainda vigorava entre algumas populaes regionais e eracultivada por setores das elites imperiais como a autntica lngua nacional. Nessatica do Oitocentos, os Tupi do litoral pareciam ter perecido por completo desde hmuito, sendo retratados cada vez mais em tons romnticos e nostlgicos, como noquadro emblemtico de Rodolfo Amoedo, O ltimo Tamoio, que mostra umTupinamb literalmente morrendo na praia e recebendo a extrema uno de um padrecapucho, antes de ser levado pelo mar para sempre32.

    Os Tapuia, por seu turno, situavam-se no plo oposto, apesar das abundantesevidncias histricas que mostravam uma realidade mais ambgua. Retratados nomais das vezes como inimigos e no como aliados dos portugueses, bem entendido

    31Sobre este assunto, ver Monteiro (1992). O contexto geral para este debate e suas implicaespara a poltica e legislao indigenista est minuciosamente exposto em Carneiro da Cunha (1992).32Exibido pela primeira vez num salon parisiense em 1883, Oltimo Tamoiofaz parte da coleo per-manente da Pinacoteca do Estado de So Paulo. Em sua anlise da literatura indianista, Graa (1998)defende a idia de que os poetas e romancistas desenvolveram uma espcie de potica do extermnio.

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    representavam o traioeiro selvagem, obstculo no caminho da civilizao, muitodistinto do nobre guerreiro que acabou se submetendo ao domnio colonial. Se estaltima opo teria custado os Tupi a sua existncia enquanto povo, a resistncia erecusa dos Tapuia acabaram garantindo a sua sobrevivncia em pleno sculo XIX,mesmo tendo enfrentado brutais polticas visando o seu extermnio. Varnhagen eoutros historiadores traduziam as lies da histria num discurso que condenava osgrupos indgenas contemporneos, sobretudo os Botocudos no leste, os Kaingang

    no sul e vrios grupos j do Brasil central. Desta feita, estes grupos adquiriram umduplo estigma: primeiro, como o anti-Tupi nos textos histricos e, segundo, comoobstculos civilizao pelos padres da poca.

    Se a tendncia predominante estabeleceu um ntido contraste entre o nobre Tupi,ancestrais primordiais dos modernos brasileiros, e os grupos indgenas contempo-rneos, representados em termos negativos, Varnhagen destoava um pouco ao traarsemelhanas entre os guerreiros tupinambs, com suas caractersticas traioeiras e

    vingativas, e sua contrapartida no-tupi do sculo XIX. Para tanto, sua leitura dostextos de Gabriel Soares de Sousa foi instrumental, como se pode perceber em seuscomentrios, que transitavam livremente entre o sculo XVI e o XIX. ParaVarnhagen, o relato de Gabriel Soares confirmava aquilo que considerava ser ocarter covarde de todos os povos indgenas, o que justificava as represlias violentaspor parte de colonos e de autoridades, poltica essa sancionada pelo historiador emvrias ocasies. Comprimindo as distncias no tempo e no espao, Varnhagen tomouo exemplo dos Tupinamb para lembrar aos leitores que [] o que ainda sucedecom os dos nossos sertes. Os bugres recebem presentes de ferrinhos que no anoseguinte enviam contra o benfeitor mui aguados, nas pontas de suas flechas; ouassassinam aqueles que, depois de lhes fazer presentes, neles confiam (Soares deSousa 1971 [1587]: 386, n. 246).

    Em suas notas ao texto de Gabriel Soares, Varnhagen oscilava entre as observa-

    es sbrias e neutras que se esperaria de um cientista da poca e os comentriostendenciosos de algum buscando desqualificar os ndios enquanto terrveis selva-gens. At certo ponto, esta oscilao refletia o prprio texto do autor quinhentistaque, em sua minuciosa disseco de todos os aspectos da sociedade tupinamb, tam-bm alternava entre uma profunda admirao e uma certa suspeio. Varnhagen tinhaplena conscincia da enorme contribuio que o texto trazia para a etnologia de sua

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    poca e chamou a ateno corretamente para vrias informaes importantes, comoaquelas constantes dos captulos sobre as prticas de nominao e as relaes deparentesco. Entretanto, o historiador dificilmente aceitava qualquer aspecto positivoo virtuoso da cultura tupinamb, sempre apontando para os leitores o seu cartertraioeiro, sombrio e ignorante. Por exemplo, ao comentar o captulo que Soares deSousa escreveu sobre a msica, acabou rebaixando mais uma vez os Tupinamb:Tal a magia da msica e da poesia que a apreciam at os povos sepultados na

    maior brutalidade (Soares de Sousa 1971 [1587]: 385, n. 236).Varnhagen afastou-se ainda mais de um padro cientfico em seus comentrios sobre

    a guerra e o canibalismo tupinamb, certamente aspectos dos mais intrigantes quefascinavam todos os autores do sculo XVI. Ao invs de fazer uma reflexo sobre asinformaes etnogrficas significativas que o texto de Gabriel Soares oferecia, Varnhagenoptou por sublinhar a carga negativa do canibalismo, deixando de lado a insistncia doautor doMemorialem apontar o contedo simblico das prticas tupis que, como vimos,

    seriam distintos das prticas dos Aimor, alis facilmente traduzidos em Botocudos dosculo XIX33. Ao desqualificar os Tupinamb e, por extenso, todos os outros ndios Varnhagen com efeito fornecia uma justificativa para a dominao portuguesa,justificativa essa muito distante da narrativa de conquista tecida por Gabriel Soares. Araa tpica, em sua opinio, estava to fracionada no incio do sculo XVI que, ano ter lugar a colonizao europia, a mesma raa devia perecer assassinada por suasprprias mos. A lio valia para o sculo XIX, pois arrematava Varnhagen: comoquase vai sucedendo nestes matos virgens, em que temos ndios bravos, fazendo-se unsaos outros crua guerra (Soares de Sousa 1971 [1587]: 382, n. 222).

    A idia de que os ndios estavam se matando no era, na verdade, muito original.Vrios missionrios e autoridades rgias avanaram argumentos semelhantes parajustificar suas aes e fazia parte da postura de intelectuais e polticos do Imprio como Varnhagen que promoviam uma poltica indigenista abertamente agressiva.

    34

    Mais uma vez em dilogo com o texto de Gabriel Soares, a histria e a poltica con-

    33Sobre o contraste entre o canibalismo tupi e aimor, veja-se Carneiro da Cunha (1990: 108-109).34Foi nesse sentido que Melo Morais atribuiu, na Revista da Exposio Antropolgicade 1882, aextino dos ndios s guerras intestinas (...) fazendo estacionar ou extinguir lentamente as raasindgenas do Brasil (Revista: 1882, 23-24).

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    fluram nos comentrios de Varnhagen, que vivamente recomendava a leitura do cap-tulo 160, sobre algumas habilidades e costumes dos tupinambs, aos que sustentamo pouco prstimo do nosso gentio, que por filantropia estamos deixando nos matostragando-se uns aos outros, e caando os nossos africanos (a que chamam de macacosdo cho s para os comer! (Soares de Sousa 1971 [1587]: 384, n. 235).

    Em sua leitura de Gabriel Soares, Varnhagen tambm contribui para o processode classificao de grupos indgenas em entidades fixas e atemporais, inclusive eli-

    dindo as interessantes explicaes histricas oferecidas pelo autor quinhentista noque diz respeito s diferenas entre os grupos tupis. Um bom exemplo desta discre-pncia o caso Amoipira, um grupo tupi que habitava o rio So Francisco na segundametade do sculo XVI. Gabriel Soares descreveu esse grupo como possuidor dosmesmos costumes e gentilidades dos Tupinamb, bem como a mesma lngua, emboraguardando algumas diferenas em alguns nomes prprios. Descendentes dosTupinamb, esse grupo afastou-se para o interior frente ao avano de seus inimigos e

    adotou o nome por seu principal se chamar Amoipira (Soares de Sousa 1971 [1587]:334-335). Em seu comentrio, Varnhagen discordou de Gabriel Soares, substituindoa credibilidade desse autor com uma outra espcie de autoridade etnogrfica que setornou muito popular no decorrer do sculo XIX: a etimologia tupi-guarani. De acordocom Varnhagen, ao desmembrar o termo em duas palavras constantes do Tesoro de lalengua guarani, do jesuta seiscentista Antonio Ruz de Montoya, Amoipira teria osignificado de parentes cruis (Soares de Sousa 1971 [1587]: 387, n. 254).

    Seria um erro crasso, contudo, afirmar que este historiador do sculo XIX sim-plesmente ignorava a dimenso histrica do panorama etnogrfico que ele traavapara o Brasil do sculo XVI. Parcial aos postulados pessimistas de von Martius,que considerava os ndios como os descendentes degradados de alguma antiga civili-zao, a leitura que Varnhagen fez da diversidade tnica entre os Tupi, emborabaseada fundamentalmente no relato de Soares de Sousa, sugeria que o fraciona-

    mento tnico no era mais do que outro indcio do declnio, desintegrao edestruio de um grande povo anterior, processo esse desencadeado bem antes dachegada dos portugueses. Varnhagen apenas arranhou esta hiptese em seus comen-trios ao texto de Gabriel Soares, porm a desenvolveu mais plenamente naHistriaGerale, de maneira mais contundente, num de seus ltimos estudos, Loriginetourainienne des amricains tupi-caribes et des ancien gyptiens, obra publicada

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    em Viena em 1876. Um dos pontos mais controversos certamente foi aquele quedizia respeito s origens estrangeiras dos Tupi, o que distanciava este autor noapenas de Gabriel Soares de Sousa, como tambm de grande parte de seus contem-porneos. Para a maioria dos escritores oitocentistas, os Tupi representavam os bra-sileiros mais autnticos e originais, apesar da circulao de teorias sobre migraesintercontinentais que teriam ocorrido num passado to distante quanto nebuloso.Se Gabriel Soares mostrava-se um tanto impreciso quanto a esta questo, simples-

    mente afirmando que os Tupi iniciaram o seu movimento rumo ao litoral a partir dealgum lugar no remoto serto, Varnhagen buscou as origens dos Tupi fora mesmodas Amricas, chegando a caracteriz-los como um povo invasor. Levou esta idiaa seu ponto mximo emLorigine tourainienne. Exerccio meticuloso de filologiae etnologia comparada,Lorigine tourainiennebusca semelhanas explcitas naslnguas e na cultura material dos Tupi e dos antigos egpcios, os quais teriam sidoambos influenciados por uma civilizao centro-asitico anterior35. Ao invs de pro-

    curar, conforme alguns comentaristas tm sugerido, as origens arianas dos antigosTupi estratgia essa compartilhada por outros escritores latino-americanos no scu-lo XIX Varnhagen parece ter perseguido um propsito bem diferente36. De fato,ao invs de branquear os Tupi, Varnhagen procurou identificar uma remota civi-lizao no-ariana, a partir da qual os ndios brasileiros teriam iniciado o seu declnio,num longo processo de decadncia e degenerao.

    Poucos estudiosos parecem ter levado a srio a tese turaniana no Brasil, porma idia de Varnhagen de rebaixar e excluir os ndios da histria ptria permaneceufirme no pensamento histrico brasileiro por geraes e geraes. Ainda assim, vozesdissonantes surgiram to logo que saiu publicado aHistria Geral do Brasil; por

    35Oliveira (2000: 90-100) apresenta uma anlise bastante interessante desta obra. Odlia (1997: 98-

    103) tambm fornece uma discusso estimulante da abordagem comparativa do autor, enfocandomais especificamente suaHistria Geral.36Jos Vieira Couto de Magalhes, em seu captulo sobre As Lnguas Arianas da Amrica (1975[1876]: 51-54), refere-se ao estudioso argentino Fidel Lpez, cujos estudos comparados entre snscritoe quchua foram publicados em Paris no decorrer dos anos de 1860. Couto de Magalhes tambmespeculava sobre as possveis afinidades entre o snscrito e algumas lnguas indgenas no Brasil,sobretudo o guaicuru. De acordo com este autor, os antepassados centro-asiticos dos povos america-nos haviam se misturado com alguma raa ariana antes da migrao para o novo continente.

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    exemplo, o poeta indianista e historiador Domingos Jos Gonalves de Magalhesreagiu de modo virulento num longo ensaio publicado naRevista Trimensaldo Ins-tituto, buscando reabilitar o elemento indgena, como elemento fundamental nacomposio da populao brasileira (Magalhes 1860: 3). Do mesmo modo, j muito bem conhecida a polmica entre Varnhagen e Joo Francisco Lisboa, o liberalmaranhense cuja defesa da liberdade e dignidade dos ndios estava assentada emseus prprios estudos histricos (Janotti 1977 e Carvalho 1995). Mas para a maioria

    dos historiadores brasileiros, tornou-se corriqueiro o pressuposto de que o incioda histria do Brasil significava o fim dos ndios.

    Concluso

    Ao remodelar a descrio feita por Gabriel Soares de Sousa dos Tupinamb parasitu-la no contexto do sculo XIX, o historiador pioneiro Francisco Adolfo de Varnhagen

    afastou este grupo mais ainda do contexto histrico que produziu o mesmo relato. Maisimportante, Varnhagen praticamente consolidou o abismo que iria prevalecer nos estudossobre as populaes indgenas at um perodo bem recente, circunscrevendo os ndiosa uma distante e nebulosa pr-histria ou ao domnio exclusivo da antropologia. OsTupinamb de Gabriel Soares alcanariam novamente um lugar de destaque no sculoXX, quando o eminente americanista Alfred Mtraux os enfocou em seus estudos sobreas migraes, os movimentos profticos e a religio tupi-guarani, juntando os antigos

    relatos com registros etnogrficos modernos, sobretudo o importante estudo de CurtNimuendaju sobre a escatologia dos Apapocuva-Guarani37. No entanto foi FlorestanFernandes que transformou os Tupinamb numa referncia central etnologia brasileira,pois sua meticulosa reconstituio e anlise da organizao social e do complexo daguerra-sacrifcio-canibalismo entre os Tupinamb compe um dos mais sofisticadosexemplos de antropologia funcionalista em qualquer lngua38. Mas os historiadores

    37Mtraux (1927 e 1979 [1928]). O estudo de Nimuendaju (1987 [1914]) apareceu inicialmente emBerlim em 1914 naZeitschrift fr Ethnologie, sendo finalmente publicado em portugus em 1987,com uma introduo muito esclarecedora de Eduardo Viveiros de Castro.38Fernandes (1948 e 1980 [1952]). Quando elaborava seus estudos sobre os Tupinamb, Florestandesenvolveu uma tabela complexa que classificava os dados etnogrficos extrados das fontes dossculos XVI e XVII. Se verdade que esse autor retirou muitas observaes pontuais de seu contex-

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    continuaram a evitar os ndios, como se a sentena de Varnhagen que condenava os ndios etnografia perptua fosse ainda vlida39.Com efeito, ainda hoje a maioria dos historiadores parece acreditar que a histria

    dos ndios se resume crnica de sua extino. Esta perspectiva guarda um fundode verdade, claro, quando se considera o triste registro de guerras, epidemias,massacres e assassinatos que contriburam para a dizimao de populaes indgenasao longo dos ltimos cinco sculos. Para alm deste rol de iniquidades, contudo,

    mesmo uma rpida releitura de documentos coloniais como os de Gabriel Soaresde Sousa pode revelar uma histria muito mais complexa, interessante e significativado que aquela proposta pela tradio inaugurada por Varnhagen.

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    to histrico mais abrangente, Florestan no ignorava o valor e as armadilhas presentes na crtica dasfontes, o que acabou sendo sacrificado em funo de sua opo metodolgica (cf. Fernandes, 1975).39Mesmo na notvelHistria Geral da Civilizao Brasileira, iniciada em 1960 sob a coordenao deSrgio Buarque de Holanda, coube a Florestan Fernandes um captulo preliminar sobre os anteceden-tes indgenas. O captulo, no entanto, reproduziu o importante estudo sobre a reao tupi conquistaque, infelizmente, teve pouca repercusso nas discusses posteriores sobre a constituio da Colnia.

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