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1 FRANCISCO ADOLFO VARNHAGEN HISTÓRIA GERAL DO BRASIL LEITURA BÁSICA Antonio Paim (organizador) CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB) 2011

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FRANCISCO ADOLFO VARNHAGEN

HISTÓRIA GERAL DO BRASIL

LEITURA BÁSICA

Antonio Paim (organizador)

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO

PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB)

2011

2

SUMÁRIO

Introdução: Varnhagen e os alicerces da historiografia

brasileira – Antonio Paim

Indicações sobre a transcrição –Antonio Paim

PRIMEIRO SÉCULO (século XVI)

Texto de Varnhagen

SEGUNDO SÉCULO (século XVII)

Nota introdutória - Antonio Paim

Texto de Varnhagen

TERCEIRO SÉCULO (século XVIII)

Texto de Varnhagen

INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Texto de Varnhagen

3

FRANCISCO ADOLFO DE

VARNHAGEN

H I S T Ó R I A G E R A L D O B R A S I L

LEITURA BÁSICA

Antonio Paim (organizador)

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CENTRO DE COCUMENTAÇÃO

DO PENSAMENTO BRASILEIRO –

CDPB

2011

INTRODUÇÃO: Varnhagen e os

alicerces da historiografia brasileira

Antonio Paim

Francisco Adolfo de Varnhagen (1816/1878) era filho de

Frederico Guilherme de Varnhagen (1782/1842), alemão de

nascimento. Seu pai veio para o Brasil contratado como diretor da

fundição organizada em São João de Ipanema, São Paulo, com a

denominação de Fábrica de Ferro de Ipanema. Tratava-se de

iniciativa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, chefe do primeiro

governo organizado no Brasil pelo futuro D. João VI. D. Rodrigo

buscava ciosamente alternativas econômicas. Criou ainda uma outra

fundição em Minas Gerais.

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Embora a de Ipanema funcionasse desde 1810, considera-se

que somente na gestão de Varnhagen (1815 a 1821) é que ocorreria

a superação da precariedade do material ali produzido.

Francisco Adolfo de Varnhagen nasceria no segundo ano

(1816) de permanência do seu pai no Brasil. Presentemente a

localidade de São João de Ipanema denomina-se Iperó,

municipalidade resultante dos desmembramentos de Sorocaba.

Tradicionalmente Varnhagen é dado como tendo nascido nesta

última cidade. Ele próprio tinha-se nessa conta. Como nutria a

aspiração de que seus restos mortais viessem a ser enterrados no

local de seu nascimento, a consumação dessa aspiração teve lugar em

Sorocaba, como parte das comemorações do primeiro centenário de

sua morte, ocorrido em 1978.

Frederico Guilherme de Varnhagen demitiu-se da fundição

em 1821. Acredita-se que esse gesto deveu-se a desentendimento

com as autoridades a que se achava subordinado. Formalmente

anunciou que pretendia assegurar a boa educação do filho, então com

cinco anos, razão pela qual regressaria à Europa. Radicou-se em

Portugal, certamente pelo fato de que se casara com portuguesa ( D.

Maria Flávia de Sá Magalhães) e esta, é de presumir-se, desejaria

viver junto de sua família. Assinala-se este fato na medida em que

explica a afeição que o jovem Francisco Adolfo iria revelar pela

pátria de origem de um dos ramos de seus ancestrais.

Francisco Adolfo de Varnhagen estudou no Real Colégio

Militar da Luz, em Lisboa. Quando se dá a transferência de seu pai

para Portugal (1821), ali recém iniciara, com a Revolução do Porto,

a transição da monarquia absoluta para a constitucional. Esse

processo acabaria paralisando o país e levando-o, por fim, à guerra

civil, que durou de 1828 a 1834.

Como se sabe, esses acontecimentos tiveram amplo reflexo

no Brasil, notadamente pelo fato de que, durante o seu transcurso, em

1826, ocorre o falecimento de D. João VI o que torna D. Pedro I

herdeiro do trono da nação de que nos dissociaramos, reabrindo a

discussão em torno da Independência. Acontece que o falecimento

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do Rei explicita a divergência entre os dois filhos, D. Miguel

disposto a preservar a monarquia absoluta e D. Pedro a monarquia

constitucional. Agastado com a emergência de setores hostis à sua

permanência no trono, D. Pedro opta, em 1831, por assumir a

liderança anti-miguelista na guerra civil a que nos referimos,

abdicando da condição de Imperador do Brasil. Talvez essa

circunstância haja decidido o jovem Varnhagen a participar da luta,

na tropa liderada por D. Pedro. Em 1834, quando se dá o seu

desfecho, tinha 18 anos de idade. Como parte dessa carreira militar

então iniciada, Varnhagen freqüentou a Real Academia de

Fortificação, concluindo o curso de engenharia militar em 1939, aos

23 anos de idade.

Ainda naquela década revelaria a sua verdadeira vocação e o

tema a que se dedicaria. Entre 1835 e 1838, ocupa-se do texto que

submeteu à Academia das Ciências de Lisboa, dedicado a Gabriel

Soares de Sousa, que se tornaria o principal documento relativo ao

primeiro século da colonização portuguesa no Brasil, cuja autoria

seria justamente estabelecida por nosso autor. Graças a essa primeira

contribuição à nossa historiografia, tornou-se sócio correspondente

da instituição. Para que se tenha, desde logo, idéia da relevância da

iniciativa, basta por agora indicar que a própria Academia o havia

publicado, em 1825, sem qualquer alusão ao autor. Por sua

relevância, voltaremos a considera-lo da forma pormenorizada que

merece.

Justamente essa vocação é que o levaria a regressar ao Brasil,

em 1840. Logo ingressa no Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, criado em 1838, passando a integrar o seu núcleo

dirigente ao assumir o cargo de primeiro secretário. Em 1844, obtém

a nacionalidade brasileira, sendo admitido no corpo diplomático.

Como diplomata, serviu em Lisboa e Madrid, nas décadas de

quarenta e cinquenta, condição de que se valeu para institucionalizar

o levantamento sistemático da documentação apta a orientar a

reconstituição de nossa história, atividade que se coroa com a

primeira versão da História geral do Brasil (1854/57). Em tópico

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autônomo, iremos considerar mais detidamente como atuou para

sedimentar tais procedimentos, essenciais à constituição da

historiografia brasileira, verificada ainda no século XIX.

Entre 1858 e 1867, Varnhagen serviu em alguns países da

América do Sul, ocupando-se basicamente da questão dos limites do

Brasil com seus vizinhos. Atuou, respectivamente, no Paraguai

(1858/1861), seguindo-se uma curta estada na Venezuela (agosto a

dezembro, 1861); Equador (dezembro, 1861/abril, 1863); Venezuela

(abril-setembro, 1863); Peru (outubro-dezembro, 1863); breve estada

no Chile, entre janeiro e maio de 1864, ocasião em que contrai

matrimônio com a chilena Carmen Ovalle; volta breve ao Peru

(junho-setembro, 1864); retorno ao Chile (outubro a dezembro,

1865) e, por fim, nova e prolongada estada no Peru (dezembro, 1865

a agosto, 1867).

Os relatórios que encaminhou ao Itamaraty, dando conta da

atividade desenvolvida nesses países foram tornados públicos no

livro Francisco Adolfo Varnhagen. Correspondência ativa,

coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa (Rio de Janeiro,

Instituto Nacional do Livro, 1961, págs. 424-503). Notícia do seu

conteúdo consta da obra Varnhagen. Subsídios para uma

bibliografia (São Paulo: Editoras Reunidas, 1982, págs. 364-413)

da autoria de Hans Juerguem Wilhelm Horsh.

Encerrou a carreira diplomática como nosso representante em

Viena, Áustria, onde faleceu (1878), aos 62 anos de idade.

O sentido que deu à sua investigação

No livro que de certa forma coroa os diversos estudos que

mereceram a obra de Varnhagen --Estado, História, Memória;

Varnhagen e a construção da identidade nacional (1999)-- Arno

Wehling indica que a influência intelectual mais importante nas

origens do Instituto Histórico seria o historicismo. Naturalmente

essa vertente teórica tem uma longa trajetória em que revelaria as

suas sucessivas facetas. Não caberia, nesta oportunidade, cuidar de

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sua reconstituição, sobretudo tendo em vista que o próprio Arno

Wehling desincumbiu-se dessa tarefa em outros de seus livros, em

especial em A invenção da história. Estudos sobre o historicismo

(1994)

Creio que não seria simplificação grosseira, assinalar que o

eixo central da nova visão da história, conhecida com a indicada

denominação, seria superar a visão escatológica, segundo a qual

obedeceria a um desígnio da providência, sendo ademais passível de

previsão. A superação em apreço deu origem à importante linhagem

que remonta a Giambatista Vico (1668/1744), apropriada pelos

alemães, a partir de Johann Gottfried Herder (1744/1803). Sua obra

básica --Idéias para a filosofia da história humana--, publicada em

quatro volumes entre 1784 e 1791-- iria influenciar grandemente a

historiografia do ciclo subseqüente, marcado pelo apogeu dos

grandes filósofos Kant e Hegel. A estrela que despontaria sobretudo

na década de trinta, quando Varnhagen forma o seu espírito, seria

Leopold Von Ranke (1796/1886), a quem coube a tarefa de difundir

a idéia de que era preciso documentar as afirmações acerca dos

acontecimentos históricos.

A medida em que esse ambiente marcou o espírito de

Varnhagen pode ser aquilatado a partir da verdadeira fixação com

que cuida de demonstrar a seus pares, a partir de exemplos práticos,

que a reconstituição da história do Brasil passa obrigatoriamente pela

busca obsessiva do documento.

O trabalho que desenvolveu para estabelecer a autoria do

relato sobre o Brasil, em fins do primeiro século, de Gabriel Soares

de Sousa serviu para fixar-lhe não só o estilo de investigação que

adotaria como, igualmente, apontando as lacunas a preencher. Nesse

documento, a que deu o título Tratado Descritivo do Brasil em

1587, seu autor está mais voltado para os aspectos físico-geográficos,

bem como em fixar os contornos do litoral desde a foz do Amazonas.

Saltava às vistas a necessidade de reconstituir os aspectos

institucionais, isto é, formas de organização governamental adotadas,

procedimentos para a ocupação do território, disputas com potencias

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estrangeiras. Enfim, o que pesava na história da nação independente

recém constituída era precisamente os três séculos da colonização

portuguesa. No estabelecimento daqueles marcos que iriam,

progressivamente, facultar-nos uma visão de conjunto, o papel de

Varnhagen seria decisivo. Neste tópico vamos nos limitar ao que nos

pareceu essencial na fase que precedeu o aparecimento dos dois

volumes da História Geral do Brasil, publicados, respectivamente,

em 1854 e 1857.

O próprio Varnhagen limitou este período inicial ao ano de

1850, ao fazer uma relação de suas publicações que colocaria à venda

e que Hans Horch considera como uma autêntica bibliografia.

Tomando isoladamente os de cunho estritamente historiográfico

(nesse período ocupou-se também da poesia brasileira e da

arquitetura portuguesa) mereceriam maior destaque aqueles referidos

a seguir.

“Diário da navegação da armada que foi à terra do Brasil em

1530, sob a capitania mor de Martim Afonso de Sousa, escrita por

seu irmão Pero Lopes de Sousa” (Lisboa, 1839). Coube a Varnhagen

estabelecer o significado da estada no Brasil, entre 1530 e 1532, do

fidalgo português Martim Afonso de Sousa (1500/1564). Compunha-

se sua frota de cinco navios, transportando cerca de 400 pessoas,

tripulantes e passageiros. Entre os últimos muitos nobre ilustres que

tiveram participação no povoamento do país. O objeto do relato,

tornado público por Varnhagen, corresponde às atividades

desenvolvidas pela expedição.

Martim Afonso percorreu toda a costa, desde a foz do

Amazonas até a bacia do Prata e concebeu uma estratégia de

ocupação que posteriormente seria generalizada, com a fundação de

São Vicente. Consistia na escolha de um local abrigado para

construir vila e erigir fortificações, disseminando atividade agrícola

nas proximidades, mediante doação de terras (denominadas

sesmarias) a pessoas capazes de explorá-las. Em seguida ao regresso

de Martim Afonso a Portugal foi o país dividido em capitanias

hereditárias, entregues a nobres portugueses que deveriam mobilizar

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os recursos exigidos por sua exploração. Esse sistema durou mais ou

menos vinte anos, sendo em parte revogado ao criar-se um governo

geral no Brasil e capitanias reais (1549).

No seu primeiro ano de estada no Brasil (1840), editou em

livro --pela Tipografia J. Villeperva, do Rio de Janeiro-- a serie de

artigos publicados em Panorama, que se editava na capital

portuguesa, dedicados ao Descobrimento do Brasil.

Em Lisboa, no ano de 1847, saiu pela Imprensa Nacional “A

narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica pela Bahia,

Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, S.

Vicente (São Paulo), etc., desde o ano de 1583 ao de 1590, indo por

visitador o padre Cristovam de Gouveia”. Escrita em duas cartas ao

Provincial em Portugal pelo padre Fernão Cardim, ministro do

Colégio da Companhia em Évora. Segundo indicação de Varnhagen,

o manuscrito (“defeituoso”) encontrava-se na Biblioteca de Évora,

em Portugal. Além das atividades da companhia, fornece

informações que complementam o texto anterior, relativas ao

primeiro século.

Nesse mesmo ano (1847), no Rio de Janeiro foram editadas

as Memórias para a história da Capitania de São Vicente (1797),

de Frei Gaspar da Madre de Deus, prefaciada por Varnhagen.

Completa-se a enumeração pelas “Vidas, elogios ou

biografias de grandes e várias personagens que muito avultam na

história do Brasil.” Esses artigos apareceram sobretudo na revista

portuguesa Panorama, no período indicado, sendo intenção do autor

reuni-las numa publicação autônoma, pretensão que não chegou a

efetivar-se.

Praticamente em todos os números da Revista do Instituto

Histórico, da década de quarenta e início da seguinte, consta

colaboração de Varnhagen. Com exceção da lista de brasileiros ou

colonos estabelecidos no Brasil, condenados pela Inquisição nas

primeiras décadas do século XVIII, e de algumas das biografias antes

referidas, consistem de documentos com os quais se foi deparando e

entendeu que devia copiá-los para guarda da instituição. São de teor

11

muito variado. No número do primeiro trimestre de 1850, por

exemplo, figura aquele que foi denominado de “Compêndio histórico

cronológico das notícias da capitania de Mato Grosso”, entre 1778 e

1817.

Pelas indicações precedentes acredito haver demonstrado que

Varnhagen achava-se empenhado em convencer o grupo que assumiu

o encargo de estruturar o Instituto Histórico que todos os esforços

deveriam ser direcionados para a pesquisa das fontes documentais

disponíveis. Naturalmente esse trabalho deveria complementar-se por

sua sistematização, de que daria exemplo com a publicação da

História geral do Brasil.

O estilo de trabalho de Varnhagen

Ao dar conta, ao Instituto Histórico, do trabalho que

desenvolvera em busca do original de Gabriel Soares de Sousa,

datado de março de 1851, e das razões que o levava a tê-lo por

acabado, vê-se como atuou de modo obstinado no estabelecimento

das fontes documentais imprescindíveis à estruturação de nossa

historiografia.

Começa por indicar que “que foi o desejo de ver o exemplar

da Biblioteca de Paris o que mais me levou a essa Capital do mundo

literário em 1847. Não há dúvida de que, além deste códice, tive eu

ocasião de examinar uns vinte mais. Vi três na Biblioteca Eborense,

mais três na Portuense e outro na das Necessidades em Lisboa. Vi

mais de dois exemplares existentes em Madrid; outro mais que

pertenceu ao convento da Congregação das Missões e três da

Academia de Lisboa, um dos quais serviu para o prelo, outro se

guarda no seu arquivo e, o terceiro na Livraria Conventual de Jesus.

Igualmente vi três cópias de menos valor que há no Rio de Janeiro

(uma das quais chegou a estar licenciada para impressão); a avulsa da

coleção de Pinheiro na Torre do Tombo, e uma que em Neuwied me

mostrou o velho príncipe Maximiliano, a quem na Bahia fora dado

de presente. Na Inglaterra deve seguramente existir, pelo menos o

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códice que possui Southey, mas foram inúteis as buscas que aí fiz

após ele, e no Museu Britânico nem sequer encontrei notícia de

algum exemplar.” Conclui: “nenhum daqueles códices porém é --a

meu ver-- o original e baldados foram todos os meus esforços para

descobrir este, seguindo indicações de Nicolau Antonio, de Barbosa,

de Leon Pinelo e de seu adicionador Barcia.”

Diz ainda que “algumas dessas cópias foram tão mal tiradas

que disso proveio que o nome do autor ficasse esgarrado, o título se

trocasse e até na data se cometessem enganos”

A existência de tantas cópias não deixa de ser expressivo

indicador do sucesso que alcançou em seu tempo e também da

curiosidade e falta de informação sobre o Brasil.

Comparando essas diversas cópias, Varnhagen pode

estabelecer qual delas conteria menos omissões. Na cuidadosa edição

que preparou do mencionado Tratado Descritivo, numerou as

diversas seções, de modo a introduzir as correções, em forma de

apêndice, muitas das quais dizem respeito a denominações que

caíram em desuso.

O texto de Gabriel Soares de Sousa registra a descoberta do

Brasil por Pedro Álvares Cabral mas não refere documentos. Comete

aqui muitos erros históricos, a exemplo da suposição de que o

Tratado de Tordesilhas (1494) tivesse sido negociado por D. João III,

cujo reinado inicia-se em 1521. Varnhagen os corrige no Apêndice

(intitulado Breves Comentários) mas soube valorizar as preciosas

informações sobre o estado da civilização ao longo do litoral, que

conhecia por ter visitado. Sobretudo esse texto há de ter-lhe indicado

as lacunas a preencher.

A descrição em apreço seciona-se do seguinte modo: parte do

rio Amazonas --dando notícia do que sabia sobre incursões que se

tenham efetivado em seu leito-- e segue até o Maranhão. São

registros sucintos, assinalando distâncias percorridas (em léguas),

entre os cursos d´água existentes, e ainda as respectivas coordenadas

geográficas. O trecho seguinte, partindo desse ponto, vai até o Rio

Jaguaribe (Ceará). E assim, por diante, até o extremo Sul

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É interessante destacar que onde o sistema das capitanias

logrou avanços no processo de colonização, Gabriel Soares de Sousa

detém-se na sua descrição. Tomo o exemplo do Espírito Santo.

Assinala que o donatário, Vasco Fernandes Coutinho, “a foi povoar

em pessoa”. Apresenta as informações que pode recolher de sua

biografia, registra os embates com os indígenas, etc. Enfim, busca

estabelecer a sua história.

A essa parcela da obra denominou de Primeira Parte. A

segunda é certamente mais interessante. Começa com o que chamou

de “História da Colonização da Bahia”, a que se segue minuciosa

descrição dos acidentes geográficos, da flora e da fauna. Igualmente

detalhada é a intitulada “notícia etnográfica do gentio Tupinambá

que povoava a Bahia”. Em complemento apresenta informações

“acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como Tupinarés,

Aimorés, Amoipiras, Ubirajaras, etc.”

Deste modo, inclusive pelas omissões, o Tratado descritivo

do Brasil em 1587 insere um primeiro esboço do caminho a

percorrer em matéria historiográfica. Varnhagen saberá valoriza-lo

devidamente, na medida em que há de ter-lhe permitido atuar a partir

do que se poderia chamar de “plano de trabalho”. A averiguação de

como se deu a opção por determinado modelo de colonização o terá

levado a localizar o material que permitiu estabelecer o papel

desempenhado pela missão de Martim Afonso de Sousa, entre 1530 e

1532. E, também, de dar-se conta de que os relatórios do Governo

Geral seriam a fonte privilegiada para a reconstituição da história das

diversas capitanias.

Louvo-me das indicações deixadas pelo próprio Varnhagen

acerca do valor que atribuía ao trabalho dos que o precederam. A

propósito da edição do livro de Gabriel Soares de Sousa, pela

Academia de Ciências de Lisboa, escreveria o seguinte: “Em 1825

realizou a tarefa da primeira edição completa a Academia de Lisboa;

mas o códice de que teve de valer-se foi infelizmente pouco fiel, e o

revisor não entendido na nomenclatura das coisas de nossa terra.

Ainda assim muito devemos a essa primeira edição; ela deu

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publicamente importância ao trabalho de Soares, e sem ela não

teríamos tido ocasião de fazer sobre a obra os estudos que hoje nos

fornecem a edição que proponho, a qual, mais que a mim, a deveis à

corporação vossa irmã, a Academia Real das Ciências de Lisboa”.

Esse trecho consta do documento que encaminhou ao Instituto

Histórico em 1851

A correspondência de Varnhagen, que se preservou e foi

publicada, fornece outras elementos para definir o que batizamos de

seu “estilo de trabalho”, servindo de exemplo o que se refere a

seguir.

Na década de quarenta, como foi referido, serviu na

embaixada de Portugal. Em 1846, foi-lhe dada, pelo governo

imperial, a incumbência de verificar na Espanha a existência de

documentação relacionada aos limites do Brasil com as Guianas.

Aliás, no decênio em que serviu em embaixadas da América do Sul

(1858/1867) também tinha por encargo documentar as bases para a

definitiva fixação de nossas fronteiras com os vizinhos (contribuição

que seria assinalada pelo Barão de Rio Branco, a quem coube a tarefa

de levá-la a bom termo).

Veja-se como, sem embargo no zelo no cumprimento das

mencionadas disposições, não o abandonava a preocupação com o

preenchimento de outras lacunas documentais relacionadas à história

do país. Escreve nessa carta (de dezembro de 1846), endereçada ao

Embaixador do Brasil em Portugal (Antonio Vasconcelos Drumond):

“Partindo desta capital (Lisboa) pelo primeiro paquete imediato

àquela data, aproveitei da minha estada em Cadiz para me

desenganar de não existirem ali papeis manuscritos que nos

interessassem. Percorri também as lojas de livros, em geral nessa

cidade mais abastecidas do que nas outras de Espanha, de obras

sobre a América, e disso resultou a compra do Dicionário

geográfico da América, do Coronel Salcedo, feita com

recomendação minha e autorização de V. Excia., por D. José Esteves

Gómez.” E, prossegue: “Em Sevilha, para onde prossegui no

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primeiro vapor, tive mais de dois meses de persistência examinando

o Arquivo das Índias, que era o principal fim de minha missão.”

Como se vê, dedicou toda a existência adulta ao que caberia

referir como a constituição de sólidos fundamentos para a

historiografia brasileira.

A responsabilidade com que encarava essa tarefa explica que,

ao publicar, dois anos antes de falecer, em 1876, a segunda edição

da História Geral do Brasil não a considerava obra acabada, tendo

deixado as indicações da forma pela qual deveria ser

complementada. Encontraria na pessoa de Rodolfo Garcia

(1873/1949) a pessoa que dedicou àquele mister vários anos de sua

vida.

Depois da publicação da primeira versão da História geral

do Brasil, nos meados da década de cinqüenta, ocupou-se dos temas

de que dá conta nas edições adiante relacionadas.

A continuidade da pesquisa

Em 1858, publica em Paris indicações iniciais sobre Américo

Vespuci --navegador considerado adventício que, entretanto, daria

nome à América--, texto que retomaria em outra ocasião, isto é, em

1864, quando se encontrava em Lima, e o amplia. Em Viena, em

1878 (último ano de vida), edita e comenta as cartas em que esse

personagem descreve suas três viagens ao Brasil.

Ainda em 1858, aparece em Madrid, pelas “Ediciones Cultura

Hispânica”, a tradução ao espanhol da obra de Gabriel Soares de

Sousa.

Em 1863, em Berlim, tem lugar a edição em francês de sua

História da literatura brasileira, iniciativa que se supõe fizesse

parte de seu empenho de tornar conhecido o Brasil nos meios cultos

da Europa.

Em 1871, publica-se em Viena a História das lutas com os

holandeses no Brasil (desde 1624 a 1654). No ano seguinte teria

lugar a impressão desse texto em Portugal (Tipografia de Castro

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Irmão, Lisboa), com reedição em 1874. A edição brasileira somente

se daria em 1945.

Em 1872, em Viena, publica estudo bibliográfico dos autores

que contribuíram para tornar usual a denominação de América.

Nesse mesmo ano, no Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional publica

textos de sua autoria sobre a Prosopopéia, de Bento Teixeira Pinto e

sobre o livro Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira

(1652/1753), sucessivamente reeditado no século XVIII; e, em

Lisboa, pela Tipografia de Castro Irmão, Estudo biográfico de

Salvador Corrêa de Sá e Benevides.

Em 1874, em Viena, texto descritivo do Maranhão.

Em 1878, aparece no Rio de Janeiro, a Biografia de Santa

Rita Durão, como introdução ao seu poema épico “Caramuru”.

No período indicado, preparou a História da Independência

do Brasil, somente publicada em 1916, na Revista do Instituo

Histórico, sendo editada pela Imprensa Nacional, no ano seguinte.

Em que pese essa edição autônoma, na verdade se constitui no tópico

final da História geral, como bem entendeu Rodolfo Garcia.

Merece os comentários que se seguem na medida em que

comprova como era escrupuloso, no tocante às responsabilidades do

historiador.

Na correspondência de Varnhagen com o Imperador Pedro II,

comentada por Hélio Viana (1908/1972) --na apresentação da obra

antes mencionada--, em começos da década de cinqüenta, quando

ultimava a publicação da História geral do Brasil, explica as

razões pelas quais estava em dúvida quanto aos eventos com os quais

a concluiria. Segundo indica, imaginava que seria o ano de 1825,

para “compreender a Constituição; o reconhecimento da Mãe-Pátria

e o nascimento de V.M.I, mas não me foi possível. Tão espinhosa é

por enquanto a tarefa de imparcial marcação desse período,

sobretudo para um nacional. Daqui a anos não será” (No texto

publicado está “não o serei”, que não concorda com o teor da

oração).

Pelo que foi indicado, optou finalmente por 1822.

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Compreende-se a dificuldade de Varnhagen, quando se vivia

pouco mais de uma década na busca dos caminhos para estabelecer o

que foi batizado de “conciliação nacional” e não se sabia se, desta

vez, o país iria alcançar o normal funcionamento das instituições

governamentais. No ciclo em apreço, não devia haver o necessário

distanciamento para escolher os documentos que pudessem dar uma

idéia do que Octávio Tarquínio chamou de “lutas tão ásperas” para

caracterizar os dois decênios que se seguiram à Independência. É

fácil dar-se conta da consistência de seus argumentos se tivermos

presente a incapacidade dos republicanos de valorizar a nossa

primeira experiência de governo representativo, vale dizer do

Segundo Reinado, persistindo no tom planfetário do período em que

se tratava de popularizar a idéia do novo regime, o que até hoje

dificulta conceber instituições capazes de reproduzir o meio século

de estabilidade política que nos proporcionou aquela primeira

experiência.

A opção por levar a História Geral até a Independência terá

tardado tanto muito provavelmente porque se tratava, como era de

seu parecer, empreendimento de “grande responsabilidade não só

com o Brasil como para com Portugal”. A decisão de enfrentá-lo, é

ainda Varnhagen quem esclarece, prende-se a “fatos novos e novas

apreciações (que) se nos apresentaram em vista de novos documentos

e informações fidedignas por nós recolhidas, às vezes inteiramente

em oposição às que se encontram admitidas pelos escritores que nos

têm precedido...”

Aproveita o ensejo para explicitar um dos princípios que,

entende, devem nortear a ação de quem se proponha dedicar-se a

esse tipo de estudo. Escreve: “O historiógrafo não pode adivinhar a

existência de documentos que não são de domínio público e não

encontra, e cumpre com o seu dever quando, com critério e boa fé e

imparcialidade, dá, como em um jurado, mui conscienciosamente o

seu veredictum, cotejando os documentos e as informações orais

apuradas com o maior escrúpulo que, à custa do seu ardor em

investigar a verdade, conseguiu ajuntar”.

18

A História da Independência corresponde a um verdadeiro

primor em matéria de utilização da documentação disponível. Assim,

por exemplo, a convicção (ou talvez sobretudo a esperança) da

entourrage de D. João VI, diante da Revolução do Porto, era a de que

não conseguiria sustentar-se. Essa evidência, contudo, é transmitida

através de sucessivos documentos e acaba por saltar às vistas do

leitor pela simples apresentação da correspondência daquelas

autoridades --e do próprio Rei-- com as Cortes de Lisboa, que

acabaram sendo divulgadas. O Ministério da época --ao qual um

partidário da monarquia constitucional como Palmella não conseguiu

ajustar-se, terminando por pedir demissão--, com a anuência de D.

João VI, obviamente tratava de ganhar tempo. Conclui-se que

estavam empenhados na preservação da monarquia absoluta, sem que

essa tese seja alardeada.

Deste modo, a ascensão de Silvestre Pinheiro Ferreira ao

governo sugere que D. João VI convencera-se de que seria obrigado

a negociar. Sua escolha para chefiar o governo correspondia a

acontecimento inusitado no contexto, a ponto de que o próprio, não

tendo tomado conhecimento de dois chamados anteriores do Rei,

acabou sendo conduzido preso a palácio. Silvestre Pinheiro Ferreira

tivera oportunidade de indicar ao Rei a necessidade de antecipar-se à

transição, de modo a trilhá-la de forma pacífica.

Diante da intransigência das Cortes, fracassada a tentativa de

negociação empreendida por Silvestre Pinheiro Ferreira, tornando

impossível a convivência tanto com o Rei como com a nova

liderança emergente no Brasil, não lhe restava outro caminho senão o

de exilar-se na França.

Cito estes fatos para mostrar como o tratamento escrupuloso,

do material histórico disponível, pode facultar nova luz na

compreensão do processo em seu conjunto.

Do que precede acredito ter tornado patente que Varnhagen

estava imbuído dos princípios que, no século XIX, lançaram as bases

das novas regras de estabelecimento da objetividade histórica.

19

Indique-se, adicionalmente, que na História geral do Brasil

menciona expressamente cada um dos historiadores que o

antecederam, prestando-lhes o devido tributo.

No tópico subseqüente tentaremos destacar as regras que

Varnhagen procurou estabelecer para a história geral do país, regras

essas que, preservadas sem revestir-se de tom dogmático ou

impositivo, permitiram a gerações posteriores de historiadores

revisitar muitos dos temas então abordados, aprimorando o seu

conhecimento, sem embargo do que se indicará acerca do quadro

atual.

A concepção do formato adequado

ao caráter geral da obra

Como se sabe, quando os instituidores do Instituto Histórico

discutiam o formato de que deveria revestir-se uma História do

Brasil, tinha-se dúvida inclusive de onde começar, cogitando-se

mesmo da hipótese de fazê-lo a partir de 1808. É nesse ambiente que

sobressai a contribuição de Varnhagen, estabelecido o consenso de

que se partiria do descobrimento.

Na época, a questão das fronteiras ainda era sensível, na

medida em que faltava acertar detalhes onde as divergências eram, a

bem dizer, inevitáveis, cabendo soluciona-las de forma a não deixar

seqüelas, feito notável alcançado pelo Barão do Rio Branco.

Prudentemente, não cita as coordenadas geográficas,

passando diretamente às razões prováveis da escolha do nome,

acidentes geográficos, clima, fauna, etc. Tudo indica que o fez

deliberadamente, na medida em que se ocupara especificamente do

tema quando do exercício de funções diplomáticas nos países

vizinhos. Com o passar do tempo, a lacuna seria preenchida, cabendo

registrar, na matéria, a dedicação com que Max Guedes reconstituiu

a história da cartografia dedicada ao país. Os outros aspectos físicos

também vieram a ser fartamente ilustrados, mencionados em nota por

Rodolfo Garcia.

20

Seguem-se a reunião das informações que se preservaram

sobre os aborígines e do contexto histórico em que se dá o

descobrimento.

Quanto aos indígenas, considero que a informação reunida

por Varnhagen deve ser preferida à dos jesuítas que se ocuparam dos

primeiros passos da catequese. Sem embargo do papel que

desempenharam no estabelecimento das bases de um dos elementos-

chave da unidade nacional --a religião cristã--, deram preferência

àqueles aspectos da cultura aborígine que poderiam facilitar a

transmissão de sua mensagem. Outras fontes a que recorreu

Varnhagen, a exemplo de Gabriel Soares de Sousa, a descreveram

sem segundas intenções sendo talvez mais fidedignas. A verdade é

que o convívio com os portugueses tornou cada vez mais difícil

apreendê-la em sua pureza original, como se pode comprovar dos

percalços experimentados por Couto de Magalhães (1837/1898),

nesse mister, conforme se pode ver dos resultados de suas pesquisas,

sistematizadas em O selvagem (1876).

No caso, à historiografia competiria dar conta dos seus

valores originários, incumbência que não abrange avaliações. Não se

trata também de evitar que sejam efetivadas mas apenas de precisar

que tal deve dar-se em lugar próprio.

Ainda quanto a esse aspecto, na época de Varnhagen

acreditava-se ser possível estabelecer, em bases científicas, a sua

origem. Embora se haja detido nesse aspecto em outro lugar --

L´origine touraniene des Americans Tupi-Caribes et des anciens

Egyptiens indiqueée par la Philologie comparée et notice d`une

emigration em Amerique effetuée à través l´Atlantique siécles

avant notre era.Vienne, 1876--, tudo indica que o interesse por esse

tipo de especulação haja desaparecido. De todos os modos, não faz

muito sentido, na História do Brasil, deter-se na reconstituição desse

debate.

No que respeita ao descobrimento, Varnhagen procurou

escrupulosamente registrar não só o contexto da época como as

conquistas da navegação portuguesa e o fato de que, no período em

21

que Cabral aporta a Porto Seguro, outros navegadores registraram a

existência dessa parte do continente.

Entendo que a abordagem clássica e definitiva sobre o tema

coube a Capistrano de Abreu (1853/1927) no ensaio com esse título

que, acrescido de “O Brasil no século XVI”, constitui a tese de

concurso a que se submeteu no Pedro II (1881). Desde então tornou-

se praxe publicá-los em conjunto. Publicação autônoma do primeiro

ensaio pode ser acessado em www.cdpb.org.br/leiturabasica

Começa deste modo: “Três nações da Europa disputaram a

glória de ter descoberto o Brasil: a França, a Espanha e Portugal.

Vejamos em que se assentam essas pretensões”. Consegui dar à

pendência solução magistral.

O elemento unificador dos três primeiros séculos corresponde

ao estabelecimento e efetivação da política portuguesa de

colonização. Parece tautológico mas assim não foi entendido pelos

desbravadores de nossa historiografia. Tenha-se presente o exemplo

de Southey, que fixou como a chave da compreensão do processo a

disputa entre potências estrangeiras e a comunidade de destino

histórico entre o Brasil e os países limítrofes.

Varnhagen, por sua vez, foi logo ao ponto. Reconstitui

minuciosamente os percalços da definição da mencionada política e

enfatiza o papel de Martim Afonso de Sousa. A expedição desse

nobre português mereceria o devido destaque, não só descrevendo-a

como detendo-se no que colheu da própria expedição bem como o

sumário de seus resultados imediatos. Tais aspectos mereceram nada

menos que três capítulos.

Seguindo o alvitre de Gabriel Soares de Sousa trata, em

seguida, das “seis capitanias, cuja colonização vingou”. Nesse

particular, vale transcrever a referência ao açúcar.

Escreve: “Foi igualmente essa capitania (São Vicente) a

primeira que apresentou um engenho de açúcar moente e corrente,

havendo para esse fim o donatário feito sociedade com alguns

estrangeiros entendidos nesse ramo, como os Venistes, Erasmos e

Adornos, sem dúvida no Brasil mestres e propagadores de tal

22

indústria, que primeiro permitiu que o país se pudesse reger e pagar

seus funcionários, sem sobrecarregar o tesouro da metrópole. Se

alguns destes não eram já vindos das ilhas da Madeira e São Tomé,

não há dúvida que muitos dos principais operários daí vieram, não só

para o Brasil, como para as colônias tropicais da América espanhola,

onde ainda são portugueses muitos nomes nos engenhos, como

safra, chumaceira, etc.”

É interessante frisar o fato de que tivesse desde logo

assinalado qual o significado do que, mais tarde, seria batizado de

“modelo agro-exportador”. Este é que permitiu ao Brasil, naquele

tempo, “pagar as contas”, como de resto tem ocorrido ao longo do

tempo, embora contestado em toda a nossa história, mesmo em

momentos de grandes riscos para a nossa sobrevivência como na

transição do trabalho escravo para o livre, até hoje satanizada por

expressivos segmentos da intelectualidade.

Varnhagen dedica capítulo autônomo à vida dos primeiros

colonos e suas relações com os índios, logo consignando que

começaram por adotar muitos de seus usos habituais, enumerando-

os. Dizem respeito basicamente a espécies vegetais incorporadas à

alimentação, palavras, etc. Parece-lhe contudo que, no tocante ao

trabalho --que se revelou uma questão essencial, cabe enfatizar--

deixaram de atentar para o hábito que tinham de trabalhar poucas

horas, evitando fazê-lo na parte mais quente do dia. Vista à distância,

mais parece uma ilusão, certamente acalentada pelo desconforto que

revela, no capítulo seguinte, em relação à alternativa adotada

(trabalho escravo). A exemplo do comum dos conservadores

brasileiros da época, tinha presente os riscos que enfrentava o país

no imperativo da transição para o trabalho livre. Se não fosse

encontrada uma saída --como veio a ocorrer com a invenção do

original sistema de parceria (que combinava trabalho remunerado

com atividade empresarial autônoma)-- iríamos enfrentar uma crise

da qual ninguém sabe qual seria o desfecho.

Duas inferências podem ser efetivadas da circunstância

descrita. Primeira: mesmo um historiador escrupuloso como

23

Varnhagen pode deixar-se influir, na análise de determinado evento,

por uma preocupação ocasional. Segunda: a importância para a

normal sobrevivência do país de que se revestia, na segunda metade

do século XIX, a eliminação do trabalho escravo de modo a

assegurar a manutenção do modelo agro-exportador. O mínimo que

se pode dizer dos que, ainda hoje, nutrem a convicção de que a

pequena propriedade, conduzida por colonos estrangeiros, poderia

desempenhar tal papel é que não sabem fazer contas.

Depois de descrever os aspectos enumerados --que, sem

dúvida proporcionam uma idéia (estática) do Brasil como um todo,

no ciclo subseqüente à descoberta--, no formato idealizado por

Varnhagen a fim de reconstituir a sua história, chega-se ao

estabelecimento do governo geral (Capítulo XV). Completa o que, na

sua visão, seria o essencial: a política portuguesa de colonização,

elemento constitutivo daquilo que viemos a ser nos três primeiros

séculos.

A organização do governo geral deu-se em 1549,

praticamente meio século após a descoberta. No período

transcorrido, evidenciaram-se duas questões prioritárias: a defesa e a

organização de uma atividade produtiva que pudesse, como foi

referido, “pagar as contas”, sem embargo de que teria

prosseguimento a pesquisa de riqueza mineral, basicamente ouro e

diamantes. No registro do evento, Varnhagen chama a atenção para

um outro aspecto.

Eis como o assinala: “Resolvido o governo da metrópole a

delegar parte de sua autoridade em todo o Estado do Brasil num

governador geral, que pudesse coibir os abusos e desmandos dos

capitães-mores donatários, ou de seus locotenentes ouvidores, que

acudisse às capitanias apartadas em casos de guerras dos inimigos ou

de quaisquer arbítrios, autorizando que fiscalizasse enfim os direitos

da coroa, conciliando ao mesmo tempo os dos capitães e os dos

colonos, determinou fixar a sede do governo geral na Bahia, por ser o

ponto mais central, com respeito a todas as capitanias.”

24

A questão nova para a qual chama a atenção --a necessidade

de assegurar-se a Lei e a Ordem-- viria a merecer aprofundamento na

obra de Oliveira Viana (1883/1951), sobretudo em Populações

meridionais do Brasil (1920). O aprofundamento em causa repousa

na análise da forma de que se revestiu a organização da atividade

produtiva central (grandes fazendas e engenhos), assumindo ao fim

dos três primeiros séculos a feição de autênticos clãs. O país corria o

risco da anarquia que certamente resultaria se diante dos chefes

desses clãs não se tivesse erguido a autoridade do que denomina de

capitães gerais (autoridades fixadas nas capitanias onde as

populações foram se deslocando para o interior ou somente neste se

localizassem, a exemplo de São Paulo e Minas Gerais) para

distinguir dos capitães-mores, denominação que lhe parecia deveria

ser usada por referência a esse tipo de autoridade que logo foi

instituída nos núcleos populacionais do litoral.

A tese de Oliveira Viana, que nos parece bastante consistente,

tem o mérito de bem precisar o papel da aristocracia rural no

povoamento do país, sem idealizá-la, ao mesmo tempo em que fixa

com propriedade o papel do Estado. Enterra a simplificação que seria

popularizada, segundo a qual o país “não tinha povo, só Estado”.

Ainda no que respeita ao tema da colonização, cumpre

consignar a contribuição definitiva de Capistrano de Abreu ao

detalhar devidamente o que chamou de “caminhos antigos e

povoamento”. Embora Hélio Viana, na qualidade de um dos

principais estudiosos de sua obra, considere que os Capítulos de

História Colonial formam um todo que deve ser lido (ou estudado)

em conjunto, o próprio Capistrano reuniu outros ensaios dando-lhe o

título antes referido, que é justamente uma síntese extraordinária do

papel da iniciativa privada na ocupação do interior do país.

Enfim, bem fixadas as características da política portuguesa

de colonização, para Varnhagen os acontecimentos passariam a ser

descritos em períodos históricos com certa homogeneidade. No

primeiro século, toma por base, exclusivamente, os governos gerais -

-talvez para fazer sobressair o seu entendimento de que, com a sua

25

criação ganhamos fonte documental primorosa--, detendo-se na

década de oitenta para a introdução de uma espécie de balanço geral,

data escolhida mais para homenagear os estudiosos precedentes

como Cardim, Gandavo ou Gabriel Soares de Souza do que registrar

o início do período filipino. Nas centúrias subseqüentes, com tantos

eventos extraordinários como as guerras holandesas, no segundo, e o

Tratado de Madrid e a mudança radical da coroa portuguesa de

subserviência à Igreja Católica, com a ascensão de Pombal, a

subdivisão teria que refletir a nova realidade.

Rodolfo Garcia assinala que “a História do Brasil relativa ao

século XVIII...é obra exclusiva de Varnhagen, o primeiro a escrevê-

la integralmente, como bem observou Capistrano de Abreu. Para o

tempo em que foi escrita, pode considerar-se completa ou quase

completa”. Faz em seguida uma ponderação que pode ser

considerada como adequada formulação de outro princípio que rege a

historiografia, enriquecendo o legado de Varnhagen nessa matéria.

Vejamos de que se trata.

Escreve: “Mas a verdade é que aquele período histórico, que

abarca os descobrimentos das minas, os movimentos

emancipacionistas, as lutas com os espanhóis no Sul, que testemunha

o povoamento insólito do Brasil, sua maior expansão territorial, sua

mais acentuada importância política e administrativa: aquele período

tem sido, depois de Varnhagen, objeto de pesquisas mais acuradas,

de estudos mais aprofundados, à medida que os depósitos de

documentos se tornam mais acessíveis, e à medida também que

forem surgido monografias especiais elucidativas de fatos nele

enquadrados.”

Esse precisamente o entendimento que cabe preservar do

significado do trabalho desenvolvido pelos que criaram a

historiografia nacional, entre os quais Varnhagen ocupa lugar dos

mais proeminentes.

A esse propósito não poderia deixar de registrar aqui a visão

renovada que tem sido proporcionada do mencionado século XVIII,

justamente seguindo uma das pistas abertas pelo insigne mestre.

26

Como antes se referiu, Varnhagen registra a atuação da

Inquisição no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XVIII, a

fim de destacar o caráter odioso da instituição.

O significado da presença do Santo Ofício, em nossa história,

corresponde a um dos aspectos mais enriquecidos pela investigação

subseqüente. Assinalo o que me parece essencial.

Omer Mont´Alegre (1913/1989) havia correlacionado a

intensificação da atividade inquisitorial, no período mencionado, isto

é, primeira metade do século XVIII, ao desmantelamento do

empreendimento açucareiro --na obra Açúcar e capital (Rio de

Janeiro, Instituto do Açucar e do Álcool (IAA), 1974). De fornecedor

praticamente monopolista no século XVII e início do seguinte, chega

à condição de participante marginal, nesse mercado, no fim da

centúria (13,7% das exportações mundiais em 1796).

Louva-se da freqüência com que se encontram senhores de

engenho e outros ligados àquela atividade, nos dados então

conhecidos sobre os autos-de-fé, bem como na denúncia efetivada,

nesse sentido, por D. Luís da Cunha (1662/1749) em documentos

dirigidos ao Rei e outras autoridades que, ainda que tudo indique

tivessem sido do conhecimento de setores da elite, quando de sua

elaboração, somente no início da transição para a monarquia

constitucional, devida à Revolução do Porto (1820), vieram a ser

divulgados com o título de Testamento político, obra posteriormente

reeditada em diversas oportunidades, a partir de sua inclusão nas

Obras inéditas de D. Luís da Cunha (Lisboa, Imprensa nacional,

1821). Nas indicações apresentadas ao Rei encarece a necessidade de

ser proibido o confisco dos bens dos senhores de engenho, a que se

dedicava a Inquisição, nada indicando que haja sido atendido.

A confirmação definitiva dessa hipótese resultaria do

extraordinário trabalho de pesquisa desenvolvido pela professora da

USP, Anita Novinski. Conseguiu identificar a profissão de parcela

representativa dos processados pela Inquisição no mencionado

período, permitindo concluir que cerca de 70% eram pessoas

abastadas, entre estes senhores de engenho e outros personagens

27

ligados ao açúcar. A sistematização desses estudos constam de Rol

dos culpados. Fontes para a história do Brasil --século XVIII (Rio

de Janeiro, Expressão e Cultura) e Inquisição.prisioneiros do

Brasil. Séculos XVI a XIX (São Paulo, Perspectiva, 2009).

A intensificação da atividade do Santo Ofício, na primeira

metade do século XVIII, no governo de D. João V, sendo inquisidor

o cardeal D. Nuno da Cunha, acha-se igualmente documentada por

Francisco Bethencourt (História das Inquisições --Portugal,

Espanha e Itália, Lisboa, 1987).

De minha parte, efetivei a periodização da Inquisição em

Portugal (Momentos decisivos da história do Brasil --Martins

Fontes, 2000).

Tivemos oportunidade de referir os escrúpulos de Varnhagen

no tocante à abrangência da História Geral do Brasil, optando por

encerrá-la ordenando a vasta documentação que conseguiu reunir

acerca da Independência.

O imperativo de preservarmos a

herança cultural de nossos antepassados

Com a capacidade ordenadora do real (para usar uma

expressão kantiana) que sempre tem demonstrado, Arno Wehling

conseguiu bem situar tanto o papel formativo da obra de Varnhagen

como os aspectos de que se ocuparam os que a consideraram desse

ângulo. Seriam os seguintes: a) estudos biobibliográficos

(incompletos os do século XIX e parciais os do século XX); b) a

crítica cientificista (Capistrano, Silvio Romero e Pedro Lessa,

reivindicando uma visão sociológica da história); c) crítica erudita,

apologéticos ou buscando defeitos, embora proclamando qualidades;

e d) reavaliações contemporâneas.

A crítica cientificista era parte de movimento renovador da

cultura brasileira, que teve desdobramentos positivos e negativos do

ponto de vista de nossas tradições culturais. Abriu novos caminhos --

a exemplo do culturalismo de Tobias Barreto-- mas também reforçou

28

o cientificismo com efeitos catastróficos para a historiografia,

presentes sobretudo no que Arno Wehling denomina de

“reavaliações contemporâneas” e iremos referir.

A tradição historiográfica digna do nome, mesmo quando não

registra especificamente a Varnhagen, soube preservar os princípios

que, de fato, eram consensuais aos criadores da historiografia

brasileira. Arno Wehling refere o caso de Oliveira Viana que, como

diz “implicitamente condenou a visão de Varnhagen através de um

eloqüente silêncio”, não obstante o que, muitas das “teses por ele

defendidas já se encontravam em Varnhagen”. Outros historiadores,

que enumera, “se identificaram com o seu espírito”.

A reavaliação contemporânea, desde as décadas de sessenta e

setenta, notadamente por influência francesa, consiste, como diz,

“num assalto às posições de Varnhagen... sobretudo com base em

posições marxistas e naquelas vinculadas ao movimento dos Annales

e da Nouvelle Histoire.” Essas posições, assinala, refletiram-se sobre

o ensino de primeiro e segundo graus, adiantando que, “no ensino

universitário e na pesquisa, inspiradores do ensino primário e

secundário, a rejeição foi completa”.

De minha parte, entendo que a rejeição não atinge apenas

Varnhagen mas o conjunto da historiografia e às diversas linhas de

pesquisa dedicadas á cultura brasileira, de um modo geral.

Essa avassaladora ocupação da praça representa

empobrecimento cultural de tal magnitude que exige uma reação à

altura.

O Brasil jamais ultrapassará o subdesenvolvimento --que

longe está de limitar-se à economia-- se não for capaz de avaliar com

propriedade as contribuições daqueles que nos precederam. Graças à

simples comemoração dos quinhentos anos --que parece ter sido

esquecida quando transcorreu apenas uma década-- perdemos o

direito de continuarmos nos conformando com o atraso, reconhecido

em análise isenta de qualquer domínio do conhecimento, a pretexto

de que seríamos “um país jovem”.

29

Encontrar as formas de permitir que as novas gerações

tenham acesso às mencionadas contribuições é um dever de que não

podemos nos furtar.

ANEXOS

Nota sobre o modelo historiográfico de Southey

Justifico nesta nota a afirmativa de que o trabalho pioneiro de

crítica à obra de Gabriel Soares de Sousa é que terá inspirado

Varnhagen na concepção do modelo que adotou na sua História

Geral do Brasil. Como a edição da mencionada obra, ocorrida em

1825, havia sido precedida pela publicação da História do Brasil de

Robert Southey (1774/1843), três volumes em inglês, efetivada em

Londres entre 1810 e 1819 (a tradução portuguesa somente ocorreria

em 1862, a cargo da Livraria Garnier, Rio de Janeiro), o mais

plausível seria admitir que adviria desta o modelo em causa,

notadamente por abranger o período colonial em sua quase totalidade

enquanto o livro de Gabriel Soares de Souza apenas o primeiro

século. Lembro aqui que traça as características físico-geográficas,

descreve os aborígenes, destaca o significado da Expedição de

Martim Afonso, em matéria de fixação da política colonial

portuguesa e, talvez o que seria mais relevante, estabelece distinção

entre as capitanias, ocupando-se das que considerava bem sucedidas

por tê-las visto de perto. Essa distinção é que iria permitir reconhecer

que, nesta fase inicial lançam-se as bases da próspera civilização

implantada na Zona da Mata de Pernambuco e no Recôncavo Baiano,

anteriores ao surto minerador. Naturalmente insere omissões e erros,

conforme foi assinalado.

A questão magna que interessa a Southey corresponde à

disputa pela posse do Brasil. Registra a presença francesa mas de

fato ocupou-se mais vivamente daquela que atribui à Espanha.

Numa primeira aproximação, esse tipo de preocupação decorreria da

existência do período filipino, quando de fato se estabelece o

30

domínio espanhol (que batiza de “usurpação”). Mas a razão talvez

tivesse sido outra e até a insinua, como iremos referir. O certo

entretanto é que não há um texto contínuo sobre o Brasil mas

entremeado pela história de países vizinhos. Vejamos alguns

exemplos.

No primeiro volume, depois de indicar as viagens ao Brasil e

registrar a de Cabral, embora a detalhe, logo a mistura com as de

Américo Vespuci e passa ao capítulo II onde o tema é a descoberta

do Rio da Prata. Embora neste figure a referência à subdivisão do

Brasil em capitanias, não dá qualquer indicação de seu significado,

em termos de política portuguesa de colonização. Nem parece ter-se

dado conta de que proviria da Expedição de Martim Afonso de

Sousa. A par disto, o relato acha-se entremeado por indicações

relativas à disputa entre europeus pela posse do território. Cito: “Por

estes mesmos tempos se formou outra capitania, a de Pernambuco.

Um navio de Marselha ali havia estabelecido uma feitoria, deixando

nela setenta homens, pensando em manter a possessão. Mas o navio

foi apresado na volta, e sabendo-se assim em Lisboa do ocorrido

imediatamente se tomam medidas, para reaver o lugar.”

Não satisfeito com esta forma de apresentar a sua História do

Brasil, o capítulo III está dedicado à fundação de Buenos Aires. No

capítulo IV, que se segue, supostamente volta ao Brasil, desta vez

dedicando-se ao Maranhão. Mas o projeto de ocupação de que se

trata diz respeito a súdito de Espanha e explicita tratar-se do

“privilégio de conservar as suas possessões na Nova Espanha”.

Somente na parte final alude-se ao fracasso desta tentativa espanhola

de colonização mas à portuguesa, que a sucedeu, dedica umas poucas

linhas à presença do donatário, acrescentando “do qual não se teve

mais notícia”.

No capítulo seguinte (V) o tema é o Prata, com ênfase no

Paraguai passando a ênfase, no capítulo VI, ao Peru. No VII, volta ao

Brasil mas para se ocupar de Hans Staden.

Estamos num terço do volume I, quando se chega ao governo

geral.

31

Qual a imagem que nos transmite da área descoberta há

poucos séculos? Primeiro, no que se refere especificamente à

América do Sul, não haveria distinções a assinalar entre as partes

componentes. A potência que destaca não é Portugal mas a Espanha.

No que respeita propriamente ao Brasil, sobressaem as disputas por

sua posse enquanto o domínio na parcela restante (Nova Espanha)

parece inconteste. Não se apercebeu da mudança estabelecida na

política portuguesa de colonização em decorrência da expedição de

Martim Afonso de Sousa.

No restante deste primeiro volume, como de resto nos dois

subseqüentes (o último, terceiro, chega a Pombal, à expulsão dos

jesuítas e ao que chama de “progresso no correr do século XVIII e

seu estado ao tempo de passar ali a sede do governo”), a tônica não é

diversa: disputa pela posse e integração ao conjunto. Em relação ao

seu propósito há uma indicação esclarecedora no III volume (pág.

1428 da edição do Senado). Transcrevo-a: “Se os ministros ingleses

tivessem previsto quão depressa iam ver-se envolvidos, numa guerra

com a Espanha, teriam logo tomado parte na justa contenda do Rei

de Portugal, a respeito de Nova Guiana, em vez de lhe excitarem

ressentimento e a má vontade, intervindo unicamente para emplastar

a desavença teriam encontrado na América poderoso aliado”.

Cumpre esclarecer que estas indicações dizem respeito

apenas à questão do modelo adotado por Southey --contrastando-o

com o que preside à História geral do Brasil-- e nem de longe por

em causa os méritos de sua obra. Prestou-nos enorme serviço, dando

a conhecer aos ingleses algo acerca do Brasil. Há de ter contribuído

para torná-los nosso aliado, quando passamos a carecer do

reconhecimento internacional à vista da Independência.

Nota sobre o livro História da Colonização Portuguesa do

Brasil

Em sucessivas oportunidades o nome de Varnhagen tem sido

associado à obra em epígrafe. Levando em conta esse fato, pareceu-

32

me que seria adequado proporcionar ao leitor uma breve notícia de

seu conteúdo. Ver-se-á que a associação em apreço prende-se

sobretudo ao fato de que, tratando-se de documentar o feito

considerado, a grande autoridade que os autores invocam é a do

fundador da nossa historiografia. Com efeito, os documentos que

permitiram fazer-nos uma idéia dos percalços experimentados por

aquela maravilhosa aventura, praticamente em sua totalidade,

tornaram-se acessíveis graças à dedicação daquele mestre, como tem

sido apontado e pode-se ver do seu livro básico.

A referência é a seguinte: História da Colonização

Portuguesa do Brasil. Edição comemorativa do primeiro centenário

da Independência do Brasil. Coordenação de Carlos Malheiros Dias.

Porto: Litografia Nacional, 1921-1924, 3 vols. A obra acha-se

fartamente ilustrada e tem estas dimensões: 37 x 28 cm.

Indique-se que a publicação intitula-se, merecidamente, sem

qualquer dúvida, de “monumental”.

Na ilustração de abertura constam estas notas: Planisfério de

Jerônimo Marini (1511), onde pela primeira vez aparece a América

do Sul com a denominação de Brasil. O volume I inclui a carta de

Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, versão em linguagem

atual, com anotações da doutora D. Carolina Michaelis de

Vasconcelos, professora de Filologia, na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra, v. 2., p. 86-99.

Os documentos inseridos nos diversos volumes, geralmente

localizados por Varnhagen, são transcritos em fac-símile e, por

vezes, acompanhados da impressão do seu conteúdo com a ortografia

da data da edição. A presença de Varnhagen é assinalada logo no

início ao ser transcrito o fac-simile das recomendações que levaram

Cabral a afastar-se da costa. A esse propósito teria oportunidade de

esclarecer na História geral do Brasil: “Nas instruçõesescritas que

recebeu e das quais chegaram providencialmente às nossas mãos

alguns fragmentos da maior importância, foi-lhe recomendado que na

altura de Guiné se afastasse quanto pudesse da África, para evitar

suas morosas e doentias calmas.Obediente a essas instruções, que

33

haviam sido redigidas pelas insinuações de Gama, Cabral se foi

amarando da África, e naturalmente ajudado a levar pelas correntes

oceânicas ou pelágicas, quando se achava com mais de quarenta dias

de viagem, aos 22 de abril, avistou a Oeste terra desconhecida” Em

nota indica que “o fac-simile ou borrão da primeira folha do

rascunho ou borrão dessas instruções, por nós encontrada e mandada

gravar” foi oferecido à Torre do Tombo.

A atribuição a Vasco da Gama --de responsabilidade de

Varnhagen-- veio a ser confirmada pelos eruditos portugueses que

prepararam a obra que estamos considerando, apenas com a precisão,

efetivada por Antonio Baião, de que seriam notas tomadas pelo

secretário de Estado Alcaçova Carneiro, ouvido o parecer de Vasco

da Gama como perito na viagem”

O primeiro volume está intitulado “Os precursores de Cabral”

e inicia-se, como foi indicado, pelo fac-simile das instruções

recebidas por Pedro Álvares Cabral. Tem como propósito atestar que,

“a partir de certo ponto abandonou-se a circunavegação costa a costa,

aventurando-se em alto mar.” A tese pretende justificar a transcrição

de documentos que, no entender dos compiladores, permitiram

deduzir da intencionalidade da descoberta. É apresentado o inteiro

teor do Tratado de Tordesilhas.

Além dos documentos --todos antecedidos por longas

introduções--, este primeiro volume contém a caracterização da Era

Manuelina, devida a Júlio Dantas ( capítulo I); da “arte de navegação

dos portugueses” --Prof. Luciano Pereira da Silva ( capítulo II); “Dos

falsos precursores de Álvares Cabral” --Prof. Duarte Leite (capítulo

III); e de Duarte Pacheco Pereira, intitulado “Precursores de Cabral”

(capítulo IV). Ao todo o volume tem 226 páginas, em grande número

ocupadas por ilustrações.

O volume II intitula-se “A epopéia dos litorais”, achando-se

composto apenas por ensaios de eruditos portugueses, a saber: A

expedição de Cabral --Jaime Cortezão (capítulo V); De Restelo a

Vera Cruz --H. Lopes Mendonça (capítulo VI); A semana de Vera

Cruz --C. Malheiro Dias (capítulo VII); A expedição de 1501 --C.

34

Malheiro Dias (capítulo VIII); O mais antigo mapa do Brasil --Prof.

Duarte Leite (capítulo IX); A expedição de 1503 --C. Malheiro Dias

(capítulo X); O comércio do Pau Brasil --Antonio Baião (capítulo

XI); e O descobrimento do Rio da Prata --F. Esteves Pereira

(capítulo XII). O volume abrange das páginas 227 a 458.

O terceiro e último volume saiu a lume em 1924 e intitula-se

“A Idade Média Brasileira” (1521-1580). Quer marcar a mudança de

orientação, em seguida à morte de D. Manuel I (fins de 1521). Na

Introdução, escreve Malheiro Dias: “A Índia dos esplendores

inesperadamente aparecia transformada em sugadouro de cabedais e

de vidas.” A seu ver, iria dar lugar “à reação do organismo nacional

contra os males de um aparente gigantismo, que produziu a obra

criadora de colonização do Brasil.”

O volume III segue o modelo do antecedente, isto é, compõe-

se de ensaios eruditos (desta vez com a participação brasileira),

adiante relacionados. Assinale-se que o livro obedeceu a numeração

autônoma das páginas, o mesmo acontecendo com os capítulos.

Segue-se a enumeração:

Capítulo I --A Metrópole e suas conquistas nos reinados de

D. João III, D. Sebastião e

Cardeal Henrique –C. Malheiro Dias (p. 2-58)

Capítulo II --A expedição de Cristovam Jacques –Antonio

Baião e C. Malheiro Dias .

(p.59-96)

Capítulo III –A expedição de Martim Afonso de Sousa --

Jordão de Freitas (p.97-166)

Capítulo IV –A solução tradicional da colonização do Brasil -

-Prof. Paulo Meréa

(p. 167-193)

Capítulo V --Os primeiros donatários --Pedro Azevedo (p.

194-220)

Capítulo VI --O regime feudal das donatarias --C. Malheiro

Dias (p. 221-258)

Apêndice de documentos ( p. 259-286)

35

Capítulo VII --A nova Lusitânia --Oliveira Lima ( p. 287-

326)

Capítulo VIII --A instituição do governo geral --Pedro

Azevedo p. 327-344

Apêndice de documentos ( p. 350-383)

Indicações sobre a transcrição

Antonio Paim

Consta da História Geral do Brasil este subtítulo: “Antes de

sua separação e Independência do Brasil”.

Subdivide-se em cinco tomos, que totalizam 1.795 páginas,

aos quais foi acrescida a História da Independência do Brasil (365

p.). Essa separação prende-se ao fato de que Varnhagen a publicou

depois de dar ao prelo os cinco tomos precedentes. Acertadamente,

entendeu Rodolfo Garcia que corresponde à parte final da História

Geral. De sorte que, o comum das reedições mantém esse formato,

sem embargo de que em nada prejudica o conjunto sua publicação

em separado.

Varnhagen adotou a denominação de secção, ao invés de

capítulo.

Por razões que transcendem o objetivo central da transcrição

(dar uma idéia do conjunto da obra), optamos por inserir de forma

36

autônoma --e logo no início-- a informação de que dispunha da

atuação da Inquisição, no Rio de Janeiro, no século XVIII, razões

essas que aponto na breve nota introdutória que a antecede..

No tomo primeiro, não chega a completar-se o relato

dedicado ao primeiro século, a que se refere a transcrição

subsequente, merecendo entretanto breves comentários.

Na transcrição em causa, cujo propósito consiste em facilitar

o conhecimento do magistral trabalho desenvolvido por Varnhagen,

no estabelecimento dos marcos essenciais, a limitamos aos capítulos

que fixam os rumos que seriam seguidos para assegurar a ocupação

do território, dada a circunstância de não ter sido localizada riqueza

mineral, de imediato, ao tempo em que a posse era disputada por

potências européias concorrentes.

Pareceu-nos que o mencionado objetivo seria alcançado pela

apresentação das secções VII; VIII e IX, dedicadas à expedição de

Martim Afonso (1530) e seus resultados imediatos. Para definir o

caminho a seguir, incumbiu seu irmão de fazer uma viagem

exploratória, de que deu conta em documento localizado por

Varnhagen. Concebeu uma estratégia de ocupação que depois seria

generalizada. Segue-se a secção XV, em que aborda a criação do

governo central na Bahia (1549). Por fim, no que respeita ainda ao

século XVI, transcreve-se a Secção XIII (com que se inicia o Tomo

Segundo) que insere uma espécie de balanço. Intitula-se “O Brasil

em 1584”, e tem o propósito de render homenagem a Gabriel Soares

de Sousa, autor do Tratado Descritivo do Brasil. A publicação do

que chamaríamos de “edição crítica” desse texto seria o primeiro

trabalho historiográfico desenvolvido por Varnhagen e muito

influenciaria no rumo que adotou e empreendeu. Não conseguiu

determinar a data em que teria sido escrito (na edição de que se

incumbiu havia adotado 1587), questão a que Rodolfo Garcia

dedicou uma de suas notas.

A parte restante desse tomo segundo contém indicações sobre

a colonização do Norte e

37

as guerras holandesas. A estas acham-se dedicadas as últimas

secções, a saber:

XVII -Perda e recuperação da Bahia, acrescida de

notícia da marcha da

colonização

XVIII –Desde a invasão de Pernambuco até chegar

Nassau

XXIX –Governo de Nassau até levantar o sítio da Bahia

XXX –Desde o sítio da Bahia até a partida de Nassau

O assunto tem seguimento no tomo terceiro, deste modo:

XXXI –Revolução de Pernambuco até a primeira ação

dos Guararapes

XXXII –Desde a recuperação de Angola até o fim da

guerra

Varnhagen reuniu ampla documentação sobre o assunto

indicado que, subsequentemente, tem sido muito estudado. Não nos

pareceu que fosse o caso de transcrevê-los em parte, não tendo

cabimento fazê-lo no todo.

A parte restante do tomo terceiro compreende o fim do

período filipino, com a aclamação de D. João IV rei de Portugal.

Conforme declara Varnhagen, tem agora as atenções voltadas para o

novo ordenamento institucional do pais, com a divisão em dois

Estados. No tocante ao recente Estado do Maranhão, dá grande

importância aos atritos com os jesuítas, a propósito de sua utilização

dos índios como mão de obra, vetada ao comum dos colonos. Como

conduziu ao desfecho dado por Pombal --a sua expulsão--e talvez por

isto escreve que “os padres jesuítas não se conduziram, nesse assunto

melindroso, com a prudência que as circunstâncias recomendavam.”

A esse propósito transcreve trecho de uma representação

encaminhada aos governantes, transcrita na Revista do Instituto

38

Histórico, onde se diz o seguinte: “Os verdadeiros missionários

foram os Apóstolos de Cristo e são aqueles que não têm terras, nem

rendas, nem propriedades, nem outros bens, alguns aonde assistem, e

não aqueles que, com título de serviço de Deus e bem das almas,

andam procurando terras e mais terras, com o pretexto de que são

para os índios. O título é santo: o intuito é diabólico: porque com o

seu nome se procuram as terras e os índios, para se servirem deles

como escravos, para todas as suas lavouras, comércios, negócios e

granjeiros.”

A situação descrita provocou atritos dos mais sérios na região

abrangida pelo Estado do Maranhão, notadamente no Pará, onde os

moradores chegaram a levantar-se em armas para expulsar os

jesuítas, consumada em sucessivas oportunidades e em várias

localidades. Manifestações contra a Ordem tiveram lugar mesmo em

São Luís, tendo se mobilizado em, favor dos colonos portugueses, os

órgãos que então eram os autênticos institutos da representação

popular, as Câmaras Municipais.

Varnhagen tinha conhecimento da Crônica da Missão dos

Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, de

autoria do padre jesuíta João Filipe Bettendorff, considerado como o

depoimento mais confiável do mencionado conflito. Nessa obra há

mais de um “livro” (partes em que o autor a subdividiu) com o título

de “Levantamento do povo do Maranhão e do Pará contra os padres

da Companhia de Jesus”. O período abrangido pela Crônica

compreende a segunda metade do século XVII (o segundo da

colonização). O Senado Federal editou, em 2010, a versão integral

desse documento, que tem nada menos que 803 páginas.

As razões do conflito eram claras. Varnhagen refere que os

jesuítas dispunham de “22 grandes fazendas de gado e engenhos de

açúcar” na mencionada região. Posteriormente passou-se a dispor de

levantamentos circunstanciados desse patrimônio, com base nos

registros efetivados quando se deu a sua expulsão, decretada por

Pombal. Ficou estabelecido, por exemplo, que as fazendas que

haviam criado na ilha de Marajó contavam com mais de cem mil

39

cabeças de gado. A fazenda de Santa Cruz (no Rio de Janeiro) era

considerada a maior em todo o Centro-Sul. Sendo os índios a mão de

obra empregada, qual a natureza desse vínculo? Varnhagen formulou

essa questão que não foi respondida pelos que saíram em defesa dos

jesuítas, argumentando com o papel que desempenharam na

disseminação da religião, que ninguém contesta, nem tampouco a

importância de que se revestiu na preservação da unidade nacional.

Entendo ser suficiente o que se referiu, sendo desnecessária a

transcrição de textos do autor, dando preferência a outros eventos.

Entre estes, aqueles em que chama a atenção para a ação do

Santo Ofício na primeira metade do século XVIII. Antecedo-a de

uma nota em que destaco ter resultado na desorganização do

empreendimento açucareiro, de onde proveio a maior parcela da

receita de nossas exportações nos três primeiros séculos.

Varnhagen referiu mas não deu maior desenvolvimento às

bandeiras, que desempenharam papel destacado na disseminação do

povoamento. Capistrano é que feriu o tema, inclusive mostrando

como a pecuária resultou de sua atuação. Contudo, é fora de dúvida

que o bandeirantismo nunca recebeu de nossa parte a atenção e

destaque que merecia. Seria um grande tema para o cinema, a

exemplo da exploração que Hollywood deu à Marcha para o Oeste

nos Estados Unidos.

Em compensação, deteve-se nos incidentes que seriam a

origem da disputa, que se tornaria secular, em torno do controle do

acesso à bacia do Prata. Como era de seu estilo, mobilizou a

documentação disponível. Teria amplos desdobramentos, a exemplo

do Tratado de Madrid, nesse terceiro século; a opção pela separação

do Uruguai, logo no início da Independência –e mesmo o desfecho

colossal que seria a Guerra do Paraguai--, não pareceu-nos essencial

quando nos propomos apenas a manter viva a presença de Varnhagen

e assegurar a possibilidade de que as novas gerações tenham dela

notícia.

No que respeita ao tomo quarto, dão uma idéia do

desenvolvimento da obra as seções XLV –D. José I e Pombal.

40

Administração Josefina. Letras; e, XLVII -Idéias e conluios em

favor da Independência em Minas. Adicionalmente, permitem situar

a espécie de conservadorismo da elite que logrou facultar-nos uma

experiência bem sucedida de governo representativo, a que pertencia

Varnhagen.

A transcrição se conclui com textos da parte dedicada à

Independência. O propósito é dar uma idéia do volume da

documentação que mobilizou para concluí-los.

PRIMEIRO SÉCULO (século XVI)

SECÇÃO VII

(III da I edição)

ATENDE-SE MAIS AO BRASIL. PENSAMENTO

DE COLONIZÁ-LO EM MAIOR ESCALA

Os Portugueses na Ásia. Os Franceses no Brasil,

Recursos do foro e da diplomacia. Ango. Roger. Jacques.

Igaraçu e Pernambuco. Diego Garcia e Cabot. D. Rodrigo de

Acuña. Porto de D. Rodrigo. Baixos de D. Rodrigo. Suas

peregrinações. D. Rodrigo em Pernambuco. Cristóvão Jacques

e os Franceses. Antônio Ribeiro. Idéia de colonização. Diogo

de Gouveia. Méritos de Gouveia. Resolve-se a colonização do

41

Brasil. Henrique Montes. Martim Afonso de Sousa. Poderes

que trazia. Pero Lopes de Sousa. Reclamações de França.

Negociações diplomáticas importantes.

Vimos na secção precedente como já no reinado de D.

Manuel e pelo menos desde 1516, haviam sido dadas algumas

providências em favor da colonização e cultura do Brasil.

Sabemos, além disso, que depois o mesmo rei, ou pelo menos

o seu sucessor apenas começou a reinar, criou no Brasil

algumas pequenas capitanias; e que de uma delas foi capitão

um Pero Capico, o qual chegou a juntar algum cabedal.

Igualmente sabemos que os produtos, que iam então do Brasil

ao reino, pagavam de direitos, na casa da Índia, o quarto e

vintena dos respectivos valores, e que, no número desses

produtos entravam não só alguns escravos, como, em 1526,

algum açúcar “de Pernambuco e Tamaracá”.

Decorriam, porém, os anos, e o Brasil seguia com o seu

imenso litoral à mercê de qualquer navio que o procurava. –

Não há por que fazer censuras. Os esforços e os capitais

empregados na Ásia produziam maior e mais imediato

interesse, nessa época de crise comercial, em que se efetuava

em favor da Europa um grande saque das riquezas empatadas

no Oriente. Além de que, ainda sem considerar a questão sob

miras econômicas, é certo que Portugal, forçando os turcos a

levar a guerra à Ásia, aliviou por algum tempo a Europa do

seu peso ameaçador, e sustentando o comércio da especiaria

por mar, consumou o pensamento de Lull de empobrecer

bastante o Egito. Ora, não fora possível durante essa luta

distrair muitos navios e forças para outro continente. Os

adustos campos das então recentes glórias portuguesas, a

própria África, onde filhos de reis iam armar-se cavaleiros,

começou a ser descuidada. E ainda supondo que já então

tivesse ocorrido a idéia que depois (nesse mesmo século)

ocorreu (1), de que no Brasil poderia vir a organizar-se um

42

grande império, a metrópole aguardava acaso para isso melhor

ocasião. A glória que Portugal adquiriu na Ásia custou-lhe,

entretanto, a perda de muita da sua população, e o perverter

em parte a índole dos seus habitantes, com tantas piratarias e

crueldades. Em virtude delas, o têm coberto de baldões, como

se as crueldades e as piratarias não tivessem em todos os

tempos sido apanágio das conquistas. Esses heróis da

antiguidade, que, em geral, só contemplamos pelo aspecto

maravilhoso, também praticaram muitas crueldades e muitas

injustiças; porém como aos panegiristas, que nos transmitiram

seus feitos, não faltou manhoso artifício para no-lo contarem a

seu modo, ocultando tudo quanto lhes não servia ao

panegírico, e nem todos os que lêem são pensadores, sucede

que muitos, inconseqüentemente, louvam e admiram na

história como heroicidades feitos idênticos aos que em outra

época, ou em outro país, condenam como misérias e

pequenezas desta ou daquela geração. Se de todas as

conquistas dos Gregos e dos Romanos tivéssemos histórias

escritas pelos seus inimigos ou rivais, talvez que não

admirasse o mundo tantas proezas, nem tantos heróis.

Enquanto, porém, Portugal se via a braços com grande

número de inimigos no litoral e mares da Ásia, onde, em 1521,

a sua armada constava nada menos que de uns oitenta e tantos

vasos (Doc. da Torre do Tombo), muitos armadores da

Bretanha e Normandia, já avezados à navegação das costas de

Guiné e da Malagueta, passavam não só a alguns excessos de

pirataria com os galeões que vinham da Índia, como a traficar

nas terras do Brasil; onde adquiriam quase de graça gêneros,

que nos mercados europeus obtinham grandes valores, e os

quais lhes deviam produzir maiores vantagens do que aos

contratadores portugueses; por isso mesmo que não tinham,

como estes, de indenizar a coroa pela faculdade de

comerciarem. – Debalde havia Portugal proibido com duras

penas aos seus “mestres de cartas de marear’ o fazerem pomas

43

ou esferas terrestres, e o marcarem nos mapas as terras ao

suldo rio de Manicongo e das ilhas de São Tomé e Príncipe

(Alov. de 13 de Nov. de 1504, na Torre do Tombo). Debalde

proibia que aceitassem seus pilotos e marinheiros (Ordenações

Manuelinas, liv. V, tít. 98, § 2; tít. 88, § 11) o serviço de mar

de outras nações, pensando talvez com isso obstar à propagação

dos conhecimentos náuticos pela Europa. Os ousados

navegadores de Honfleur e de Dieppe freqüentavam cada dia

Mais os portos do Brasil. As guerras da França não faziam

diminuir o ardor e a atividade dos seus homens do mar,

estimulados por tantos lucros. Em 1516 haviam chegado a

Portugal tais notícias de suas navegações no Brasil, que el-rei D.

Manuel mandava por seus agentes representar contra elas à corte

de França (2). E digamos desde já que tão poderosos se tinham

feito alguns armadores, que nem o mesmo governo francês podia

sujeitá-los, e que Portugal, depois de haver exaurido na França,

perante os tribunais, os parlamentos e a própria coroa, todos os

recursos do foro e da diplomacia, se viu obrigado a transigir e a

negociar com os mais notáveis corsários, que eram João Afonso e

o célebre João Ango, ao depois visconde de Dieppe (3). Todos

estes acontecimentos merecem uma história especial que não

duvidamos se escreverá algum dia; pois sobram para ela os

documentos, dos quais somente aproveitaremos agora o que mais

de perto nos interesse. Sabemos que, já em vida de el-rei D.

Manuel, fora o seu subdito Jácome Monteiro nomeado

embaixador junto a Francisco I, com instruções para representar

acerca das tomadias e das invasões nas suas conquistas,

efetuadas umas e outras por franceses. A Monteiro sucedeu João

da Silveira mandado por D. João III, apenas subiu ao trono, com

especial recomendação para que ponderasse quão triste era que

se estivessem hostilizando no mar os súditos, de dois reis e de

duas nações que se diziam amigos (4). Apesar das reclamações

que faziam, como levamos dito, os agentes portugueses,

empreendera Hugues Roger com felicidade em 1521 uma viagem

44

à nossa costa, e havia notícia de que se preparavam outros

navios. Por fim, em 11 de Fevereiro de 1526, escrevia o

embaixador João da Silveira, como em França se armavam dez

navios para virem apoderar-se das embarcações que

encontrassem.

Tal aviso, a nosso ver, decidiu Portugal a mandar ao

Brasil de guarda-costa, neste mesmo ano, uma esquadrilha

composta de uma nau e cinco caravelas, a qual findo certo

prazo devia ser rendida por outra. Vinha por capitão-mor

Cristóvão Jaques(I), e trazia de chefes subalternos Diogo

Leite, com seu irmão Gonçalo Leite, e Gaspar Correia. O

mesmo Jaques era portador de um alvará, passado em

Almeirim por Jorge Rodrigues, a 5 de Julho de 1526,

autorizando a Pero Capico a retirar-se. Esse alvará era

concedido nos seguintes termos: “Eu Elrei Faço saber a vós

Christovão Jacques, que ora envio por Governador às partes do

Brasil, que Pero Capico, Capitan de uma das capitanias (5) do

dito Brasil, me enviou dizer que lhe era acabado o tempo da

sua capitania, e que queria vir para este Reyno, e trazer

comsigo todas as peças de escravos e mais fazendas que

tivesse, Hey por bem e me praz que, na primeira caravela ou

navio que vier das ditas partes, o deixeis vir, com todas as suas

peças de escravos e mais fazendas; comtanto que virão

diretamente à casa da India, para nella pagarem os direitos de

quarto e vintena, e o mais que a isso forem obrigados, na

fórma que costumam pagar todas as fazendas que vêm das

sobreditas partes” (6).

Jaques alcançou a costa do Brasil no fim do dito ano; e

fundeando no canal que separa do continente a ilha de

Itamaracá, deu ali princípio a uma casa da feitoria no sítio, que

se chamou “dos Marcos”, em virtude dos que aí depois se

colocaram para termos de demarcação, no próprio continente,

quase em frente da entrada do sul do mesmo canal, e da antiga

vila da Conceição, situada a cavaleiro, na própria ilha. Esta

45

feitoria, ou outra a par desta, passou ao que parece a ser

estabelecida pelo mesmo Jaques no porto de Pernambuco ou

antes Paranámbuko, nome que significa furo do mar, segundo

alguns; mas que parece antes dever derivar-se de duas palavras

equivalentes a “mar largo”; visto haver no litoral mais algum

Paranambuco, sem nenhum furo ou ria (7).

Deixando fundada essa feitoria, passou Jaques a correr

a costa até o Rio da Prata, onde pouco tempo se demorou,

regressando outra vez para o norte, a cometer feitos que não

tardaremos em comemorar. Primeiro, nos cumpre dizer como

por este mesmo tempo estacionavam ou navegavam nas águas

do nosso litoral duas frotas, ambas de Castela. De uma, que

constava de três naus, era chefe Diego Garcia (8). Mandava a

outra, com igual número de redondos e mais uma caravela,

Sebastião Cabot, filho do navegador de igual apelido, que

descobrira por Inglaterra as costas do Norte deste grande

continente. Estas duas frotas haviam deixado a Europa um

pouco antes que Jaques. Diego Garcia, que partira primeiro,

aportou em São Vicente; e tantos meses aí se demorou que

parecia se esquecer do seu destino, que era subir o Rio da

Prata. Por meio da relação que de sua viagem nos transmitiu,

não se nos recomenda como homem verdadeiro, nem polido,

nem superior à mesquinha inveja, e deve ler-se com precaução.

Cabot era mandato às Molucas por este lado, reforçando outra

armada maior que havia partido um ano antes, e da qual em

breve daremos notícia. Aportou Cabot em Pernambuco(II),

onde já encontrou a feitoria portuguesa, e seguindo a

navegação para o sul, só avistou de novo terra nas alturas da

ilha, a que então pôs o nome de Santa Catarina. Aí fundeou

Cabot, e logo de um porto vizinho da parte do sul vieram

visitá-lo muitos castelhanos, dos quais uns ali viviam desde

muitos anos (9), e outros desde mui pouco tempo, não havendo

querido seguir a D. Rodrigo, de quem passaremos a tratar.

Era D. Rodrigo de Acuña o comandante da nau São

46

Gabriel pertencente a uma armada (10) que, às ordens do

comendador Fr. Garcia Jofre de Loaysa, partira, antes de

Cabot e de Diego Garcia, com direção às Molucas, seguindo

derrota pelo ocidente. Essa armada, largando da Corunha em

24 de Julho de 1525, avistara em princípios de Dezembro a

costa do Brasil, ao sul do cabo de São Tomé, e fora, pela

maior parte, desbaratar-se junto ao Estreito de Magalhães. Não

é de nosso propósito contar esse desbarato, ao qual pouco

depois se seguiu a morte de Loaysa e do seu imediato Del

Cano; e contentemo-nos de saber que D. Rodrigo achou

refúgio em um porto, ao sul da ilha de Santa Catarina, e

encontrou vários companheiros de Solis que, abastecendo-o de

água, lenha e mantimentos, deram da terra tais informes que

muitos da tripulação, alborotando-se, se determinaram a ficar

nela, em vez de exporem-se a novos perigos de mar. As

exortações de D. Rodrigo apenas puderam atrair-lhe alguns

poucos dos alborotadores.

Daqui proveio a este porto o nome de Porto de D.

Rodrigo, com que por muito tempo foi conhecido nos mapas e

roteiros. Acaso seria o mesmo a que Solis, dez anos antes,

chamara Baía dos Perdidos, talvez em virtude dos

mencionados seus companheiros que aí lhe fugiram ou se

perderam; se é que esses indivíduos não houvessem

efetivamente ficado por aí, voluntariamente ou desgarrados, já

desde alguns anos antes.

Com trinta e dois homens menos de tripulação, fez-se

por fim D. Rodrigo de vela para o Rio de Janeiro. Neste porto

convocou a sua gente a conselho: e nele foi resolvido que a

nau em vez de seguir para as Molucas, voltasse à Espanha,

com alguma carregação de pau-brasil. Dirigiu, pois, D.

Rodrigo o rumo para o norte e entrou na Bahia. – Aí a

tripulação se lhe diminuiu de nove homens que, indo à terra, lá

ficaram devorados pelos selvagens, segundo se julgou.

Saindo da Bahia para o norte, pela muita água que fazia

47

a nau, tratou de arribar, e deu-se a casualidade de que, meado

Outubro, fosse entrar justamente num porto próximo do rio de

São Francisco, no qual se achavam carregando de brasil suas

naus e um galeão de França (11). Os capitães franceses ao

princípio ofereceram proteção a D. Rodrigo, mandando-lhe até

dois calafetes; e quando, passados oito dias, se achava a nau

espanhola virada de crena, e impossibilitada de navegar,

caíram na fraqueza de ir acometê-la, intimando a D. Rodrigo

que se rendesse. Vendo este que a resistência era impossível,

meteu-se no batel, foi ter com os franceses, e conseguiu deles

tréguas, ficando de lhes dar vinhos e azeite que diziam

carecer. Enquanto, porém, se negociavam estas tréguas, e os

franceses tendo o capitão castelhano em refém, se

descuidavam da nau agredida, ela conseguia, não só surgir

boiante, como picar as amarras, e fazer-se de vela. Quando os

franceses despertaram do seu descuido, já a nau espanhola ia

barra fora, sem o capitão, nem os marinheiros que o haviam

acompanhado. Em vão D. Rodrigo lhes bradava e fazia sinais,

em vão os seguia em um batel à vela. A nau São Gabriel já

nem nas promessas do seu próprio capitão confiava, que tanta

desconfiança levam os desenganos das promessas não

cumpridas.

Seguiu D. Rodrigo no batel todo aquele dia e parte do

imediato. Porém... baldados esforços! a nau tinha desaparecido

no horizonte, e o seu legítimo comandante e fiéis romeiros,

exaustos de forças, emproavam para terra e iam varar à costa,

a umas dez léguas para o norte do porto donde haviam partido:

- naturalmente na paragem que se ficou até hoje chamando os

Baisios de D. Rodrigo, quase defronte do rio Cururipe. Daí se

dirigiram por terra, bastante expostos aos selvagens, ao porto

que acabavam de deixar.

Já tinham dele partido as duas naus francesas, e só

ficara o galeão. Neste se alojaram os tristes por mais de um

mês; mas acabando o mesmo galeão de carregar, fez-se de

48

vela, desamparando os míseros em um batel, sem mantimento

algum!

Não havia, porém, soado a hora final aos pobres

desamparados. Entregues à providência, seguiram pelos mares

durante vinte dias, nutrindo-se apenas de algum marisco e de

pouca fruta que acertavam de colher pela costa, até que na ilha

de Santo Aleixo lhes deparou Deus porto, onde puderam

refazer-se. Nessa ilha tiveram a fortuna de encontrar alguma

farinha de trigo, uma pipa de bolacha molhada, um forno, e

anzóis com que apanharam muito peixe (12). De Santo Aleixo

passaram à feitoria de Pernambuco (13).

Cristóvão Jaques se negou a dar-lhes passagem para a

Europa, primeiro em uma nau que enviava carregada de brasi l,

e na qual mui provavelmente se embarcou, com seus haveres

Pero Capico, e depois numa caravela que igualmente mandou

regressar ao reino. Pela primeira escreveu D. Rodrigo ao bispo

d’Osma; porém a carta, em vez de seguir ao seu destino, foi

apreendida, e ainda hoje se guarda no arquivo público em

Portugal (14). Dez meses depois escreve3u outras, uma das

quais para el-rei D. João III; e estas chegaram a Lisboa, pela

mencionada caravela, ao mando do capitão Gonçalo Leite. As

que eram para Castela foram remetidas pelo embaixador em

Lisboa (15) Lope Hurtado. Os da nau São Gabriel, depois de

eleger por capitão ao piloto Juan de Pilola, não podendo

montar o Cabo de santo Agostinho, retrocederam à Bahia, para

querenar; porém, inquietados aí por outra nau francesa,

passaram ao Cabo Frio e, deste, a um porto mais ao sul, do

qual se fizeram afinal de vela para a Europa, chegando a

Bayona de Galiza aos 28 de Maio de 1527 (16).

Quando a nau espanhola São Gabriel, ao querenar,

sofria as bombardadas dos três navios franceses, navegava elos

mares brasílicos, por aquela altura, a armada de Sebastião

Cabot, que deixara Pernambuco no mês anterior. – E ai dos

aleivosos, se nessa ocasião se aproximara da costa a esquadra

49

espanhola! – Porém Cabot seguia de largo, e só foi de novo

avistar terra na ilha de Santa Catarina, como antes dissemos.

As informações que a Cabot deram os castelhanos, que

nesta ilha encontrou, das riquezas do rio da Prata, o induziram,

a pretexto de não poder empreender maior viagem por se haver

perdido a capitânia, a subir pelo mesmo rio da Prata, em vez

de prosseguir para as Molucas (17).

Deixando, porém, os mais sucessos desta armada, bem

como os outros da sua contemporânea castelhana ao mando de

Diego Garcia (18), e que não pertencem à nossa história,

sigamos a Cristóvão Jaques em seus feitos. Vimos como,

julgando que lhe bastava ter consigo as cinco caravelas latinas,

mandara para o reino a nau, com carga de brasil. Logo depois,

andando a correr a costa, com quatro das ditas caravelas,

travou peleja com três navios de mercadores bretões, dois

deles de cento e quarenta toneladas. Combateu um dia inteiro,

e, saindo vencedor, levou para Pernambuco os prisioneiros em

número de trezentos. Segundo nos consta por tradição, este

combate teve lugar num recôncavo, pelo rio Paraguaçu acima,

junto à ilha ainda chamada dos Franceses. Sabendo, porém,

positivamente, por outro lado, que as hostilidades começaram

de parte dos navios franceses contra uma das caravelas, pelos

tempos contrários esgarrada das outras, que depois acudiram,

só teria o combate lugar nessa paragem, se acaso a ela se

foram refugiar os mesmos navios, depois de começadas as

hostilidades. As queixas do atribulado D. Rodrigo de Acuña,

os informes de Gonçalo Leite, que se nos denuncia como

pouco afeiçoado ao chefe, e uma carta de Diogo Leite, em que

parece censurar quanto no Brasil se fazia, decidiram o governo

em apressar-se a dar por acabada a comissão de Jaques. Para

lhe suceder foi escolhido Antônio Ribeiro. E Jaques recolheu

ao Reino, com os trezentos prisioneiros estrangeiros que tinha

consigo na feitoria. Neste número entrou talvez Acuña, em

favor de quem se empenharia o mencionado embaixador

50

espanhol Lope Furtado (19).

Quanto a Ribeiro, nenhuma notícia encontramos dos

seus feitos em nossos mares (20). Naturalmente abandonou

pouco depois a costa com a esquadrilha, chamada talvez a

outro serviço. O certo é que, ficando a feitoria desprotegida,

caiu sobre ela um galeão de França, que a saqueou,

conseguindo apenas o feitor Diogo Dias escapar-se em uma

caravela, que ali então passava com destino para Sofala.

Cristóvão Jaques, que havia tido ocasião de estudar o

país e de avaliar a sua riqueza, e que conhecia o estado

florescente a que já nesse tempo tinham chegado as colônias

portuguesas da Madeira, dos Açores e de São Tomé, onde

possuíam importantes solares vários senhores donatários, cujos

avós apenas eram conhecidos, propôs-se a ser também

donatário no Brasil, oferecendo-se a levar consigo mil

colonos.

Achava-se então em Lisboa Diogo de Gouveia, um dos

portugueses mais ilustrados daqueles tempos, estabelecido em

Paris, onde dirigia o colégio de Santa Bárbara, do qual saíram

para o mundo literário não poucos alunos, que lhe deram

glória. Gouveia, que desde 1513 prestava em França nos

negócios das tomadias valiosos serviços, empenhou-se com el-

rei D. João III para que levasse avante os intentos de Cristóvão

Jaques (III). Parece, porém, que ainda então não estava a corte

resolvida a seguir o seu parecer, como depois seguiu, apenas o

tempo começou a deixar que se principiassem a realizar as

previsões do profundo pensador, porventura antes tratado,

como sucede ordinariamente, de sonhador e de utopista, pelos

que não pensam, ou pelos que não chegam a lobrigar o que ele

vê às claras. Digamos desde já que o de que tratamos é o

mesmo doutor (ou mestre) Diogo de Gouveia, que depois

(1537) foi eleito regente da Universidade de Bordéus e, nesta,

lente de teologia, enquanto não passou a Coimbra com muitos

outros professores que foi encarregado de ajustar (21).

51

Antes de prosseguir, cumpre-nos dizer que os

interessados (22) nos três navios apresados por Cristóvão

Jaques, requereram a Francisco I, por intermédio do conde de

Laval, governador de Bretanha, cartas de marca que se

indenizarem de suas perdas, que orçavam em sessenta mil

cruzados. mandou Francisco I a Portugal para agenciar essas

indenizações o rei d’armas Helice Alesge de Angoulême.

Chegou este a Lisboa em Janeiro de 1529; deu conta da

missão, porém, não sendo despachado durante mais de dois

meses, regressou a França; e poucos dias depois assinava

Francisco I uma carta patente de corso, em favor do célebre

Ango, contra Portugal. Vendo-se, porém, mui necessitado de

dinheiro, inclusivamente para pagar o resgate de seus filhos ao

vencedor Carlos V, mandou o mestre Pedro de la Garde de

embaixador a D. João III, oferecendo-se a cassar as cartas de

corso, e pedindo-lhe trezentos mil cruzados emprestados.

Respondeu o monarca português (com muitas desculpas e

incumbindo de encarecê-las em França o seu embaixador João

da Silveira) que por obsequiá-lo lhe emprestaria cem mil

cruzados em dinheiro; e que o mais, que passava e muito de

trezentos mil cruzados, lhe cedia também de empréstimo, se

ele quisesse fazer justiça, obrigando muitos dos seus vassalos

a restituir as tomadias ilegitimamente feitas. João da Silveira

era autorizado, inclusivamente, a agenciar estes negócios,

concedendo aos indivíduos que assentassem “algum proveito

secreto” (23). A este mesmo intento foram de embaixada os

desembargadores Lourenço Garcez e Gaspar Vaz.

Entretanto, reconhecera-se que eram insuficientes as

pequenas capitanias, antes fundadas no Brasil, e que as

simples armadas de guarda-costa, além de muito dispendiosas,

não prometiam toda a segurança; sem uma forte colônia

nalgum porto vizinho, a que elas se pudessem recolher para

refazer-se, não só de mantimento, como de gente, em caso de

necessidade. Ao mesmo tempo a colônia, desenvolvendo-se e

52

crescendo, poderia com seus próprios recursos sustentar tal

armada, sem sobrecarregar o tesouro da mãe-pátria.

A idéia de fundar, pois, no Brasil uma colônia vigorosa

começava a triunfar, quando se recebia em Lisboa uma carta

escrita (IV) de Sevilha por um Dr. Simão Afonso, dizendo

como acabando Sebastião Cabot de chegar mui derrotado do

rio Paraná, o haviam mandado ali prender, e de como pensava

ele doutor que Espanha não tentaria para aquelas bandas novas

empresas.

O plano vago da fundação de uma povoação forte no

aquém-mar se fixou então justamente sobre essa paragem de

clima temperado, e de tantas apregoadas riquezas, que os

castelhanos escarmentados iam porventura desamparar de

todo: sobre as margens do rio da Prata. Aprontou-se com mais

rapidez a frota composta de duas naus, um galeão e duas

caravelas. Além das competentes guarnições e tripulações,

embarcaram-se nela famílias inteiras... “Vão para o rio da

Prata!”... E bastava esta voz para não faltar quem quisesse

alistar-se... Ao todo contam-se nas cinco velas (24),

quatrocentas pessoas. Muitas destas diziam adeus à pátria, no

momento em que porventura sonhavam que dentro de pouco

volveriam a ela com grossos cabedais – com rios de prata.

Henrique Montes, que estivera com Cabot e que tinha passado

a Portugal, regressava na armada (V) feito cavaleiro da casa, e

agraciado com o ofício de provedor dos mantimentos, assim na

viagem, como ao depois, “em terra, em qualquer lugar onde

assentassem” os que iam na armada, uns por obediência às

soberanas ordens, outros por curiosidade, ou por ambição ou

sede de riquezas, e alguns até por sua infelicidade – seus

vícios e crimes.

Para comandante fora escolhido Martim Afonso de

Sousa, que ao depois se fez célebre na Ásia, obrando prodígios

de valor (VI). Contava então apenas trinta anos; mas já, por

seu bom juízo, havia merecido a honra de fazer parte dos

53

conselhos do rei. A amizade e o parentesco que com ele tinha

o vedor da Fazenda D. Antônio de Ataíde, depois conde de

Castanheira, deviam contribuir muito para a escolha; mas

quem, como nós, teve ocasião de conhecer tão cabalmente o

dito castanheira, por toda a sua correspondência privada e de

ofício, incluindo a que ao depois por anos entreteve com o

mesmo Martim Afonso, no serviço na Ásia, não pode por um

só instante suspeitar que, no animo do conde, a amizade

preponderasse ao zelo pelo Estado, tratando-se de um

empregado deste, além de que: não era o conde da Castanheira

exclusivo no conselho – e não se atreveria a fazer ao soberano

qualquer recomendação, quando não tivesse o apoio de

Antônio Carneiro, que era também secretário, mui influente na

governação do estado. Demais: o êxito desta expedição e a

sucessiva carreira de serviços de Martim Afonso justificam

cabalmente a proposta que dele fez o seu primo e amigo a Sua

Alteza – que tal era o tratamento que se dava ainda ao rei.

Vinha Martim Afonso munido de poderes extraor-

dinários, tanto para o mar, como para reger a colônia que

fundasse; e até autorizado com alçada e com mero e misto

império no cível e no crime, até morte natural inclusive;

exceto quanto aos fidalgos que, se delinqüissem, deveria

enviar para Portugal. Trazia autorização para tomar posse de

todo o território situado até à linha meridiana demarcadora;

para fazer lavrar autos, e pôr os marcos necessários; para dar

terras de sesmaria a quem as pedisse, e até para criar tabeliães,

oficiais de justiça e outros cargos. As sesmarias (25), deviam

ser dadas em uma só vida, o que não parece coerente com o

pensamento de ligar a terra à geração perpetuada de pais a

filhos. Não sabemos que a política ou que miras envolvia esta

disposição, que logo depois se modificou, com melhor

conselho.

Com Martim Afonso vinha também nesta armada seu

irmão Pero Lopes de Sousa, moço honrado e de grandes brios

54

e valor, e igualmente muito bem conceituado perante o mesmo

conde da Castanheira (26). À pena de Pero Lopes devemos

hoje tudo quanto de mais averiguado sabemos dessa

expedição, que se apresentou diante do Cabo de Santo

Agostinho no último de Janeiro de 1531, depois de haver tido

alguns dias de demora, para se refazer de mais mantimentos,

na Ribeira Grande, porto da cidade capital do arquipélago de

Cabo Verde.

Para não interrompermos dentro de pouco a narração

que vai seguir-se digamos já que, complicando-se as

negociações em França, e havendo probabilidade de que mais

se complicariam com alguns feitos da nova armada, foi lá de

embaixador, em Maio de 1531, o próprio vedor da Fazenda D.

Antônio d’Ataíde. E à presença nesse reino, durante poucos

meses, deste prudente estadista, a quem por certo não se faz

geralmente a devida justiça, atribuímos não só as capitulações

celebradas com Ango, mas também as boas disposições da

parte do almirante de França (VII) e outros, para os acordos

depois tomados, em virtude dos quais, em 1537, se instalaram

em Irun e Fuenterrábia comissões mistas de Portugal e França,

para atenderem às reclamações de presas e tomadias, dos

queixosos duma e outra parte. O próprio João Afonso, de

apelido Francês, prático do Brasil (27) (e que antes de fugir de

Portugal fora mestre de um navio de Duarte de Paz), recebeu

del-rei carta de seguro de que não seria demandado, nem

perseguido (28), por incurso nas penas dos naturais que

aceitavam serviço do mar das outras nações, ou iam às

conquistas sem licença (VIII).

NOTAS EM NUMEROS ARÁBICOS

(1) A D. Pedro da Cunha, quando Portugal passou a domínio da

Espanha, como se verá adiante, na secção XXI. Nos Diálogos das grandezas

do Brasil, diál. 1º, lê-se que, ao chegar a notícia do descobrimento a

55

Portugal, um astrólogo “levantara uma figura e achara que a terra descoberta

havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo de gente portuguesa”. –

(C.).

(2) C. de P. Correia, de Bruxelas, em 5 de Fev. 1517, na Torre do

Tombo Corp. Cron. I, 21, 24. – (A.).

(3) Ferdinand Denis, Génie de la Navigation, págs. 113-115. – (A.).

– Equívoco do Autor. F. Denis declara não dar crédito a essa absurda tradição

de Dieppe. (Nota do Barão do Rio-Branco, no exemplar da 1ª ed. desta

História, que se conserva na Biblioteca do Itamarati). – (G.)

(4) As instruções dadas a João da Silveira acerca de tomadias de

naus feitas pelos franceses, têm a data de 5 de Fevereiro de 1522. – Alguns

documentos da Torre do Tombo, p. 459. – João da Silveira faleceu em 1530;

Palha, A carta de marca de João Ango. 13. – (C.).

(5) Prova que havia mais de uma. – (A.). – Haveria mais de uma

capitania, sem dúvida; é, porém, duvidoso se a capitania era de terra ou de

navio. Esta última hipótese parece a mais aceitável, sem embarco da carta de

D. João III, extratada na secção seguinte. Pero Capico, ou outro de igual

nome, apareceu depois na capitania de São Vicente como escrivão, sob o

governo de Martim Afonso de Sousa. – Azevedo Marques, Apontamentos

históricos, 2, 169, Rio 1879. – (C.).

(6) Liv. das Reformações da Casa da Índia, fls. 25. Pública-forma de

uma certidão em 23 de Janeiro de 1755. – (A.).

(7) Pará-ná, rio tantas vezes, ou mar, e bog furo; ou antes pucu,

largo, transformado em mbuku para a composição, segundo Montoya, Arte,

cap. 22. – (A.).

Nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 8, 1880-1881,

págs. 215-219, Baptista Caetano e Vale Cabral colecionaram as diversas

etimologias de Pernambuco, que se encontram nos autores. Acham-se aí nada

menos de onze interpretações, inclusive a de Varnhagen; mas Baptista

Caetano opina por paraná-puka, arrebentação do mar ou rio grande, alusão

quiçá ao recife. – (G.).

(8) Diego Garcia era português, e fora ao rio da Prata em companhia

de Solis, no ano de 1516. Tornando pela terceira vez a esse r io em companhia

de D. Pedro de Mendonça, faleceu na ilha de Gomera nos últimos dias de

56

Setembro de 1535. Medina, J. D. de Solis, CCCXXXI. Não é, portanto, o

mesmo Diego Garcia que em 1538 comandou um navio da expedição de

Hernando Soto e descobriu a ilha de Diego Garcia nos mares índios. Harisse,

com razão, defende sua memória contra os entusiastas de Sebastião Caboto,

que a deprimem. – (C.).

(9) Talvez em virtude de algum naufrágio, na ponta da barra do Sul,

que ainda hoje se chama dos “Naufragados”. – (A.).

Eram os companheiros restantes de Solis; deles já faz menção a carta

de Çuñiga de 27 de Julho de 1524, citada na nota I no final desta secção.

(C.).

(10) Veja Herrera, Dec. III; 7º,; 5, 6 e 7. – Veja também Gav. 2, 10,

20, a C. de Antônio Ribeiro, de 28 de Fev. 1525, da Corunha, e a relação da

viagem de Fr. Garcia de Mendoza, Tom. 5º. – (A.).

(11) Eram “el galeon de Mosliense y Lomaria de la dicha villa, é otro

navio de Normandia del rio de la Sena”. – Navarrete, Colección de los viajes,

5, 321. – (C.).

(12) Segundo Oviedo houve, por esse tempo aproximadamente, uma

feitoria de franceses em Santo Aleixo, o que repete La Roncière.

Os companheiros de D. Rodrigo, que ainda em 2 de Novembro de

1728 existiam na feitoria de Pernambuco, chamavam-se Jorge de Catan (ou

Catorico), Marchin Vizcaino, Bartholomé Vizcaino, Geronimo Ginovez,

Alfonso de Napoles, Pascual de Negro (ou Negron) e Esteban Gomez. –

Navarrete, Col. cit., 5,314,321 – (C.).

(13) Em 30 de Abril de 1528 diz D. Rodrigo que havia 18 meses que

ali estava, e em 15 de Junho de 1527 diz que havia 7 meses. – (A.).

(14) G. 18, 5, 20; Navarrete, 5, 238; Varn. Prim. Neg. Diplomáticas,

pag. 128. [Revista do Instituto, 65, 432]. (A.).

(15) Of. do dito embaixador (em Simancas) M. 368. fol. 5. – Torre

do Tombo, P. 1, 39, 133 e G. 15, 10, 30. – (A.).

(16) Nav., 5, 173 e 233: quanto ao dito porto ao sul de Cabo Frio, ao

qual na relação se chama Rio do Extremo, pode supor-se que fora a Angra

dos Reis ou a baía de Guaratiba, em vista do lugar que lhe assina a carta de

Diogo Ribeiro (1529). – (A.).

57

(17) Henrique Montes e Melchior Ramirez apenas confirmaram as

notícias colhidas na feitoria de Pernambuco. Como evidencia Harisse no livro

citado supra, Caboto já levava desde então a idéia de ir ao Prata. – (C.). –

Conf. Henry Harisse, John Caboto, the discoverer of North America, and

Sebastian his son, pág. 205, London, 1896. – As notícias teriam sido levadas

a Pernambuco por Cristóvão Jaques. No Islario de Alonso de Santa Cruz lê-

se: “Al austro de estas ay otras islas dichas de Christoval Jaques, que era un

Portuguez llamado asi, que las descubrio veniendo a este rio por captan de

una caravale desde la costa del Brasil a fama del oro, que se dezia aver en

el”. – Franz R. von Wieser, Die Karten von America in dem Islario General

de Alonso de Santa Cruz, pág. 56, Innsbruck, 1908. – (G.).

(18) Conf. J. Toribio Medina, Juan Diaz de Solis, II págs. 186-188,

Santiago de Chile, 1897. – (G.).

(19) De muitos fatos narrados aquí pelo autor sao desconhecidas as

fontes: no que vagamente chama tradição parece referir-se a Gabriel Soares,

Tratado descritivo do Brasil. 16. – (C.).

(20) Antônio Ribeiro, capitão-mor da armada, estava em Pernambuco

em Novembro de 1528, quando despachava a petição de D. Rodrigo de

Acuña. – Conf. Navarrete, Colección de los viages y descubrimientos, V,

págs. 313-314, Madrid, 1837. – (G.).

(21) Barbosa e Mariz enganam-se, atribuindo alguns de seus atos a

André de Gouveia. Diogo faleceu, com mais de 90 anos, de cônego em

Lisboa, em 1557. – (A.).

(22) Yvon de Coctugar, François Guerret, Mathurin de

Tournemouche, Jean Burcau e Jean Jamet. A tradução portuguesa da carta de

Francisco I, de 6 de Setembro de 1528, ao rei d’armas de Angoulême, para

que reclamasse justiça de D. João III pelos atentados sofridos, existe na Torre

do Tombo, Corpo Cronológico, I, 43, 25, e está publicaa na História da

Colonização Porruguesa do Brasil, vol. III, págs. 74-76. – A um “monseor

Qualcougar”, por certo o mesmo Coctugar, refere-se a uma carta de D. João

III ao Conde de Castanheira, de 21 de Setembro de 1533, sobre o concerto

que com ele fizera, por intermédio de Guilherme Camier, bretão; recomenda

que se lavre escritura pública do concerto para ficar muito seguro, que se dê

30 cruzados ao procurador para o caminho, com todas as boas palavras para

que vá contente, e um pode de vinho ao seu serviço. – J. D. M. Ford, Letters

58

of Joh III, King of Portugal – 1521-1557, págs. 135-136, Cambridge

(Massachusetts), 1931. – (G.).

(23) C. R. a João da Silveira, de 16 de Janeiro de 1530; e sup. ao

Arm. 26, m. 2º, n. 31. – (A.). – Navarrete, Col. de viajes, 5, 236. – (C.).

(24) Em uma destas voltava ao Brasil o mesmo Diogo Leite, que

estivera às ordens de Cristóvão Jaques. – (A.). – A armada, como se vê do

Diário de Pero Lopes, constava da nau maior capitânia, de dois galeões: um

chamado São Miguel, comandado por Heitor de Sousa, outro São Vicente,

comandado por Pero Lobo Pinheiro, e duas caravelas: Princesa, comandada

por Baltasar Gonçalves, e Rosa, comandada por Diogo Leite. – Fr. Luís de

Sousa, An. de D. João III, 283, dá a armada como composta de três naus e

quatro caravelas. – (C.).

(25) “Sesmarias são as dadas de terras... que foram ou são de alguns

senhorios”, etc. Ord. Man. IV, 67; e Filip. IV 43. – (A.).

(26) A Martin Afonso escrevia de Pero Lopes o C. da Castanheira,

em 1538: “Pêro Lopes, vosso irmão, está feito um homem muito honrado, e

outra vez vos afirmo muito honrado. E digo vô-lo assim porque pode ser que

por sua pouca idade vos pareça que terá bons princípios, mas que não será

ainda de todo bem assentado nisso, como vô-lo eu aqui digo que é ainda

menos do que o que dele cuido”. – (A.).

A data 1538 não deve estar certa, pois não combina com o fato de

Pero Lopes já ser então pai de família e donatário de uma capitania de juro e

herdade. Será 1528? Em todo caso, será posterior a 1521, reinado de D. João

III. – (C.).

O Dr. Jordão de Freitas, História da Colonização Portuguesa do

Brasil, vol. III, pág. 120, nota 161, diz que não parece aceitável a data de

1528, tanto mais que nessa época Martim Afonso de Sousa estava na corte,

com o futuro conte da Castanheira. Se há erro de algarismo – acrescenta –

possível será que em vez de 1538 deva ler-se 1335, ano em que Martim

Afonso de Sousa já se achava na Índia, como capitão-mor do mar. Martim

Afonso era parente do Conde da Castanheira. Em carta a este, do primeiro de

Fevereiro de 1533, D. João III escreve: - “Vy a carta que me escrevestes

sobre a vynda de Pero Lopes de Sousa, e o muyto prazer e cõtentamento que

tendes das boas novas que elle trouxe. Vos agradeço muito, porque allem da

Rezam que tendes de folgar tanto pelo parentesco que tendes com Martinho

Afonso e Pero Lopes, também sam [sou] certo que a principall parte he por

serem cousas tanto de meu serviço”. – J. D. M. Ford, Letters of John III,

59

citadas, pág. 81. – (G.).

(27) “Joannis Alfonsi Francez, qui erat expertus in viagiis ad

brasiliarias insulas”. – (A.). – O documento citado, escreve Sousa Viterbo, se

acha no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, num maço de libelos

apresentados pelo Dr. Jorge Nunes aos juízes comissários, delegados para a

divisão das presas feitas no mar entre Portugueses e Franceses (Gav. 15,

maço 24, doc. 3, libelo 16). No segundo libelo, logo em princípio, também se

fez referências a João Afonso: “adversus Rogerium Bansa Magistrum unius

navigiis qui erant de conserva Joannis Alfonsi Francez cognomento et contra

Giles Philippes capitaneum navis aut navium dictae Joannis Alfonsi et contra

Joannem Ango vicinos de Anna Frol...” – (C.).

(28) Casa da Coroa, Arm. 26, 3, 10. – (A.). – Publicado pelo autor

em Amerigo Vespucci, 115-116, Lima, 1865, e reproduzido por Sousa

Viterbo, Trabalhos náuticos dos Portugueses nos séculos XVI e XVII, 1, 16-

17, Lisboa, 1898. – (C.).

60

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

Do Nobiliário ou Coleção de Títulos de diversas Famílias, por José

Freire Montarroio Mascarenhas, códice da Biblioteca Nacional de Lisboa,

resumiu o Sr. F. M. Esteves Pereira, História da Colonização Portuguesa do

Brasil, vol. II, págs. 361-364, várias notícias acerca de Cristóvão Jaques, da

procedência de sua família e da sua descendência, como também de suas

expedições ao Brasil.

Os Jaques, segundo essas notícias, eram originários do reino de

Aragão. Huillelm Jaques, com seu filho Diogo Gil Jaques, passou a Portugal

ao tempo da menoridade de D. Afonso V, quando governou o reino D. Pedro,

duque de Coimbra, que lhe fez mercvê de terras no Algarve. Pero Jaques,

filho de Diogo Gil, foi como seu pai fidalgo da casa real, teve as mesmas

terras e morgado, e foi feito por D. Afonso V comendador de Bouças. Esse

Pero Jaques foi o pai de Cristóvão Jaques, filho segundo, bastardo, porque os

comendadores então não podiam casas, havido em Beatriz Afonso, mulher

solteira, filha de lavrador honrado. Por carta de D. João II, datada de

Montemor-Novo, a 31 de Janeiro de 1495, Cristóvão Jaques foi legitimado;

como na mesma carta o rei diga: “querendo fazer graça e mercê a Cristóvão,

filho de Pêro Jaques”, observa o Sr. Esteves Pereira, ib., 363, que “na data da

legitimação Cristóvão Jaques devia ser mancebo de cerca de quinze anos,

tendo nascido pelos anos de 1480”.

Não se casou no Algarve com D. Isabel de Paiva, filha de Gil Anes

de Magalhães, o cavaleiro, e D. Isabel de Paiva, sua mulher, conforme se tem

escrito; mas com uma filha de Francisco Porto Carreiro, da qual houve três

filhos, dois homens e uma mulher: Manuel Jaques Porto Carreiro, talvez o

mesmo Manuel Jaques referido em outra nota; Francisco Porto Carreiro e

Catarina Jaques, que foi casada com seu tio Henrique Jaques.

Das mesmas notícias consta que D. Manuel, sendo Cristóvão Jaques

fidalgo de sua casa, o mandou ao Brasil, dando-lhe cem mil reais para armar

dois navios. Por outro mandado sabe-se que veio ao Brasil e “gastou na

viagem dois anos, quatro (aliás dez) meses e dezoito dias, que começaram em

21 de Junho de 1516 e acabaram em 9 de Maio de 1519, com o ordenado de

dezoito quintais de pau-brasil por ano... e recebeu de Pedro Cardoso, feitor

das almandravas do reino do Algarve e cavaleiro da casa do rei, cento e vinte

e cinco mil e quinhentos reais, além do que cobrou depois os cem mil reais

que lhe havia prometido”, ib., 363. Dessa última quantia passou-se alvará, em

2 de Setembro de 1521, para lhe ser paga pelo tesoureiro Fernão Álvares;

mas é possível que houvesse delongas no pagamento.

61

Foi nessa viagem, cujas instruções deviam ser contra os castelhanos,

que Cristóvão Jaques, depois de fundar uma feitoria em Pernambuco,

encontrou ao sul, em um porto de Santa Catarina, nove dos companheiros de

Solis, e navegou até o Rio da Prata, conforme, baseado na carta de Luís

Ramirez, presumiu Capistrano de Abreu (Livros I e II da História do Brasil

de Frei Vicente do Salvador, pág. 35, nota, Rio, 1887; prefácio da História

Topográfica e Bélica da Nova Colónia do Sacramento , págs. XLIII-XLIV,

nota B, Rio, 1900) e agora, como justamente reconhece o Sr. Esteves Pereira,

vêm confirmar as notícias de Montarroio Mascarenhas.

A essa viagem devem referir-se as palavras do embaixador João da

Silveira a D. João III, em carta de Paris de 24 de Dezembro de 1527, Alguns

documentos da Torre do Tombo, pág. 490, avisando-o da partida projetada de

navios franceses “hum grão rrio na costa do Brasil... creo que he o que achou

Christovão Jacques”.

De uma carta ao imperador Carlos V, escrita pelo sem embaixador

em Portugal, Juan de Çuñiga, datada de Évora, 27 de Julho de 1524, tem-se

deduzido outra viagem de Cristóvão Jaques ao Brasil e ao rio da Prata em

1521. O embaixador diz ter atraído à sua pousada, uns quinze dias antes, um

homem que não nomeia, e que, confiando em sua palavra, embora com

grandes medos, lhe disse “que agora três años, el Rey don Manuel le dió

licencia que fuese á descubrir por aquella costa, prometiéndole grades

mercedes si hallase cobre y otras cosas que él deseaba, y dice que se fué

derecho al Brasil com dos carabelas, y que siguió la costa del dicho Brasil

por el sudueste setecientas leguas de donde ellos toman el Brasil, y que halló

à las CCC leguas, poco más ó ménos, nueve hombr4es de los que fueron com

um Juan de Solís á descubrir, y habló com ellos, y están casados alli, y

quisieran que él se los truxera, porque él no osó por ser astellano, y porque él

sabia que al Rey le habia pesado de lo que iba á descubrir el dicho Juan de

Solís, porque les prometió que si Dios alli le tornase, que los traeria. Dice

que en la tierra que aquellos están no hay cosa de provecho, y que seguió su

costa otras CCCL leguas, que son las DCC dichas, y que halló um rio de agua

dulce, maravilloso, de anchura de cuatorce leguas, y que subió por el rio doce

leguas y vió muy hermosos campos á todas partes, y que surgió alli y tomó

lengua de la tierra, y que dijeron que aquel río no sabian de donde venia sino

que era de muy lejos…” Esse homem, diz em começo de sua carta o

embaixador, “andaba com el Rey (de Portugal) en demandas y respuestas ára

que le pagase su trabajo, ayudandole par que pudiese volver allá, a vista de lo

que habia descubierto…” Medina, Juan Diaz de Solis, CCCXII-CCCXVI.

Do exposto vê-se que a expedição descrita se efetuou três anos antes

de 1524, isto é, em 1521; que era castelhano quem a empreendeu; que se

compunha de duas caravelas; que a trezentas léguas, pouco mais ou menos do

62

lugar onde os Portugueses tomavam pau-brasil, isto é, de Pernambuco,

seguindo para o sul, achou os nove homens da armada de Solis, em Santa

Catarina, e, continuando a navegar, foi ter a um rio maravilhoso , de quatorze

léguas de largura, pelo qual seguiu doze léguas. Vê-se também que, excluídas

as duas primeiras circunstâncias, as demais se ajustam perfeitamente à

armada de Cristóvão Jaques, de 1516 a 1519; por outro lado, não se conhece

nenhuma expedição portuguesa que no último ano do reinado de D. Manuel

viesse ao Brasil e ao Rio da Prata. Pode-se, portanto, admitir seja ele o

homem a quem Çuñiga se refere, embora contra essa hipótese militem as

duas circunstâncias apontadas: o tempo que o embaixador assinala para a

navegação e a qualidade de castelhano que atribui ao navegador. Quanto à

primeira, é possível engano de Çuñiga, ou do próprio Cristóvão Jaques,

dizendo três años, em vez de seis años, o que datia 1518 ou 1519, para termo

da viagem; quanto à segunda, é provável que Cristóvão Jaques, talvez

desgostoso pela demora das recompensas prometidas, ou por não ter

comissão nos primeiros anos do reinado de D. João III, pusesse seus serviços

à disposição da coroa de Castela e se dissesse castelhano para vê-los melhor

aceitos.

Parece, pois, que se deve eliminar a expedição de 1521, fundida com

a primeira de 1516 a 1519, sobre a qual não pairam dúvidas.

Da segunda viagem sabe-se por Frei Luís de Sousa, Annaes de elrei

Dom João Terceiro, pág. 178, Lisboa, 1844, que: “No mesmo (ano de 1526)

despachou El Rey a primeyra Armada que foy em seu tempo ao Brasil;

Capitão-mór Christovão Jaques. Foy correr aquella costa, e alimpalla de

corsarios, que com teyma a continuavão pollo proveito do pau Brasil. E erão

os mais dos portos de França do Mar Oceano.” Era uma armada de Guarda-

costa e destinava-se especialmente a impedir que os Franceses continuassem

a forragear em nosso litoral. Além de Cristóvão Jaques, que comandava a

nau capitânia, vinham como capitães de três caravelas Diogo Leire, Gonçalo

Leite e Gaspar Correia; mas não se conhece o número exato dos navios que

compunham a esquadrilha.

Uma carta do embaixador João da Silveira, datada de Paris a 11 de

Fevereiro de 1526, referida no texto, denunciava ao rei que se estavam

armando nos portos de França dez navios para o corso no Brasil, e essa seria

a razão decisiva para o apresto da armada. A data da saída de Portugal não

consta de documento algum conhecido. Da carta de Diogo Leite, de 30 de

Abril de 1528, Revista do Instituto Histórico, 6,pág. 222, deduz-se que o

tempo da armada era limitado a dois anos, “des o dya que chegamos a esta

costa”, e já estava terminado; portanto, acrescentando -se àquele tempo, pelo

menos, cinqüenta dias, que comportava a travessia oceânica, ter -se-ia para a

partida os dez primeiros dias e Março de 1526. Mas, com essa suputação não

63

concorda o fato de trazer o capitão-mor um alvará passado a 5 de Julho

daquele ano, que vem transcrito no texto, sobre a retirada de Pero Capico,

além de que, se foi a carta de João da Silveira uma das causas determinantes

da expedição, como parece, não é possível conceber que em tão angusto

prazo – de 11 de Fevereiro a 10 de Março – sem contar o tempo que levaria a

missiva do embaixador para chegar às mãos do rei, fosse ela aprestada. O

mais certo é que tenha zarpado em Setembro ou Outubro, que era a monção

preferida, para alcançar em Dezembro a costa do Brasil, como diz o autor. Do

modo por que foi cumprida a missão existem documentos vários que

certificam sobretudo da guerra sem tréguas feitas aos Franceses.

Reclamações e queixas chegaram à presença de D. João III e por isso talvez

Cristóvão Jaques tivesse sido substituído no cargo por Antônio Ribeiro, que

na feitoria de Pernambuco despachava a 26 de Outubro de 1528 uma petição

de D. Rodrigo de Acuña, para que se tomassem as declarações de alguns

marinheiros da nau São Gabriel sobre os desgraçados sucessos que

experimentaram desde sua separação da armada de Loaysa, Navarrete,

Colección de los viajes, 5, 313-321. Depois o nome de Cristóvão Jaques

ainda aparece em uma proposta, talvez de 1530, para povoar o Brasil,

introduzindo mil colonos, como consta de uma carta de Diogo de Gouveia,

datada de Ruão, 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532, a D. João III.

“Entretanto, - observa Capistrano de Abreu, Livros I e II da História

de Frei Vicente do Salvador, cits., - o seu oferecimento não foi aceito, nem

seu nome figura entre os dois donatários, ou porque não parecesse

satisfatório o seu desempenho de comissão, sobre o qual há muitas queixas,

fundadas ou não, ou por qualquer outro motivo não conhecido, e que teria

antes valor biográfico do que histórico.”

Veja-se sobre Cristóvão Jaques: - F. M. Esteves Pereira, História da

Colonização Portuguesa do Brasil, Vol. II, págs. 361-364; Antônio Baião e

C. Malheiro Dias, ibidem, vol. III, págs. 59-94. – (G.).

(II)

Sebastião Caboto chegou a Pernambuco em 4 de Junho de 1526, por

conseguinte um mês antes da nomeação de Cristóvão Jaques. Já encontrou

fundada a feitoria e nela notícias das riquezas do rio da Prata, que o

desviaram da projetada expedição às Molucas. É mais uma prova da viagem

de Cristóvão Jaques sob o reinado de D. Manuel, e de logo daquela vez ter

sido fundada a feitoria. Nada autoriza a crer que tivesse mudado de lugar.

Pernambuco parece ter sido primitivamente o nome do canal que separa

Itamaracá do continente. De um trecho do membro da expedição Alonso de

S. Cruz que Harisse publicou em John Cabot, the discoverer of North

64

America, etc., pág. 409, London, 1896, pode concluir-se que Itamaracá era

chamada naquele tempo ilha da Ascensão.

Em Pernambuco a primeira pessoa que se dirigiu para a nau capitânia

foi João ou Jorge Gomes, que estava desterrado e daí se incorporou à armada.

Medina, J. D. de Solis, CCXCIII. O feitor chamava-se Manuel de Braga,

como se vê no citado livro de Harrisse. – João de Melo da Câmara descreve

esses colonos como homens que se contentam “com terem quatro indias por

mancebas e comerem do mantimento da terra”, ao contrário dos que ele

queria introduzir, “homens de muita sustancia e pessôas mui abastadas, que

podem consigo levar muitas eguas, cavallos e gados, e todalas outras cousas

necessarias para o frutificamente da terra.” – (C.). – Manuel de Braga obteve

carta de mercê “dos officios de feitor e almoxarifado da capitania dos

bytygares que Pero Lopes tem no Brasil”, os quais por seu falecimento

passaram a João Gonçalves, criado de Pero Lopes, por carta de mercê feita

em 8 de Fevereiro de 1538. – Liv. 49, fls. 30 v. da Chancelaria de D. João III,

cit. pelo dr. Jordão de Freitas, na Lusitânia, vol. III, fasc. IX, pág. 324.

Em Dezembro de 1530, quando a feitoria foi saqueada por um galeão

de França, o feitor era Diogo Dias, que Martim Afonso foi encontrar na

Bahia. É possível que Manuel de Braga tivesse o cargo pela segunda vez, e

desta com a carta de mercê a que se refere o documento supracitado. – (G.).

(III)

Consta isso do seguinte trecho da carta que de Ruão escreveu a D.

João III Diogo de Gouveia, a 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532: “A

verdade era dar, Senhor, as terras a vossos vassallos, que tres annos ha que si

a Vossa Alteza dera aos dois que vos falei, a saber do irmão do Capitão da

ilha de S. Miguel, que queria ir com dois mil moradores la a povoar, e de

Christovão Jaques com mil, já agora houvera quatro ou cinco mil crianças

nascidas e outros moradores da terra casados com os nossos, e é certo que

após estes houveram de ir outros moradores e si vos, Senhor, estorvaram por

dizerem que enriqueciam muito. Quando vossos vassallos forem ricos, os

reinos non se perdem por isso, mas se ganham... porque quando la houver

sete ou oito povoações estes serão abastantes pera defenderem aos da terra

que não vendam o brasil a ninguem e non o vendendo as naus não hão de

querer la ir pera virem de vasio.

“Depois disto aproveitarão a terra, na qual non se sabe si ha minas de

metaes como deve haver, e converterão a gente á fé, que é o principal intento

que deve de ser de Vossa Alteza, e non teremos pendença com esta gente

nem outra...” – Varnhagen, Primeiras negociações, 135. [Revista do

Instituto, 65, 438].

65

O irmão do capitão da ilha de São Miguel chamava-se João de Melo

da Câmara: dele possuímos uma carta a D. João III, sem data, mas de 29 ou

30, como se vê do trecho acima de Gouveia, em que alude à sua proposta,

Melo da Câmara assim se refere a Christóvão Jaques: “... dá-me muita paixão

darem pessôas informações a Vossa Alteza como querem, por onde o fazem

assi estar perdendo tempo, e non tomar em nem uma cousa concrusão. E non

sei, Senhor, quem lh’as dá, porque lhe non dizem que dê as terras que

temperdidas a seus vasalos e naturaes, que lhas ganhem e povôem, pagando-

lhe aquelles direitos que Vossa Alteza ordenar e forem resão, e não buscarem

lhe cousas em que gaste dinheiro sem proveito, como agora me certificaram

que dizia Christóvão Jaques que lhe mandara Vossa Alteza dizer que nã fazia

nada desta terra sem seu parecer, o que lhe havia de mandar ou mandara já

por apontamentos. E que este meio buscara por terceira pessoa, que o

dissesse como de si a Vossa Alteza, que eu nã sei que parecer pode ser o seu,

pois que Vossa Alteza tem por experincia nisto quanto foi. E diz que buscou

este meio pera lhe dizer que nã dê sinã a tal parte a tal e que o mais guarde

pera si pelo muito ouro, e prata, e metaes que ahi havia e que pera aqui havia

de dar-me Vossa Alteza que o fizesse; mas até aqui não temos visto esta

somma de metaes, nem quem vos visse, sinã dizerem que um homem viu

outro... (falta) que fosse assi porque eu e os mais amigos nossos portuguezes

e naturaes somos e leaes, e nã castelhanos nem francezes, e tudo como é

servido de Vossa Alteza. E com isto diz que com estas cousas se ha de vingar

dos que lhe pedem o seu, e que os ha de fazer ficar nas mõtanhas e serranias

pera que se percam, porque elle crê que toda esta terra lhe pertence de

direito, e que nã ha lá de mandar Vossa Alteza outrem sinã a elle, e assi o

anda dizendo, que eu affirmo a Vossa Alteza que lhe o ouvi, e eu, Senhor, lhe

digo pera que saiba a verdade e a tenção e fundamento deste homem, e dahi

pode fazer o que mais seu serviço for. E si Vossa Alteza quizer mais

verdadeira informação da terra, aqui andam homens que o sabem tão bem

como elle, porque foram nella mais vezes, e que lhe darão verdadeiramente,

porque nã são partes no caso.” – Sousa Vitervo, Trabalhos náuticos dos

Portugueses nos séculos XVI e XVII, 1, 216-217, Lisboa, 1898. – (C.).

(IV)

Nota 26, da 1ª edição desta História, suprimida nas outras edições.

“Carta de Simão Affonso, de Sevilha: - Sñr. eu estou nesta cidade de

sevilha esperãdo requado de Vossa Alteza para daqui hir á corte do

emperador pedir execução cõtra João frz. de crasto e seus bes se V. A. asi

houver por seu serviço por que aqui ja esta detreminado q. se não ha de fazer

sem o dº conselho vir por especial mãdado ás justiças desta cidade que a

66

fação segundo tenho escrito a V. A., e per não vir mãdado de V. A. não sam

ja partydo porque sua justiça se perde é esto se dilatar mãdeme V. A. o que

for seu serviço porque não espero outra cousa.

Esta semana chegou aqui hu piloto e capitão que era hydo a

descobrir terra o quoal se chama gabote piloto mor destes reinos e he ho que

mãdou o navio que veo ter a lisboa agora ha dous anos que trazia nova de hua

terra descuberta polo rio Pereuái que dezião ser de muito ouro e prata, elle

veo muy desbaratado e pobre por q. dizer qué não traz ouro né prata né cousa

algua de proveito aos armadores e de duzétos homes que leuou não traz vyte

que todos los outros dyzé que la ficão mortos hús de trabalho e fome outros

de guera q. cos mouros tiverão porq. as frechadas dizé mataraõ muitos deles e

lhe desfizerão hua fortaleza de madeyra que la tinhaõ feyta, de maneira que

eles vem mal cõtétes, e o piloto está preso e dizé que quere mãdar á corte ver

o q. mãndoõ que se dele faça, o que disto pude saber e se aqui pobrica ayda

que mui paso que na terra que dezião ter descuberto não deixaõ nenhum

requado salvo a géte morta e o gasto perdido, dizé com tudo estes homes que

vierão que a terra he de muita prata e ouro e a causa pesq. não traze nada he

segundo dizé per que o capitão os não quis deixar tratar e taobem perque os

mouros os eganaraõ e se levantaraõ cõtraeles disto podera V. A. crer o que

lhe parecer, da terra ficar deserta não tenho duvida o rio dizé que he muito

grande e alto e muito largo, na étrada se V. A. ouver por seu serviço mãdar la

agora o podera fazer, porq. esta géte apartase donde não ve drº, e se acergua

disto poder ao diãte saber mais particularidades escreverei a V. A., nosso snr,

a vida e real estado de V. A. cõserve a acrecéte per muitos anos, de sevilha

ha ij dagosto de 1530. – Simão, doctor.” (Torre do Tombo, Conf. Cron., I, 45,

90). – Conf. Henry Harisse, John Cabot, the discoverer of Nort-America, and

Sebastian his son, citado, págs. 196. 427-428. – (G.).

(V)

Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, liv. 56, fls. 130 v. –

(A.). Da volta de Henrique Montes dá notícia Herrera, Dec. IV, 1. X, c. 6. –

(C.). – Henrique Montes era português: Harrisse, John Cabot, the discoverer

of Nort-America, and Sebastian his son, citado, pág. 239; Medina, El

veneciano Sebastian Caboto al servicio de España, Santiago de Chile, 1908,

t. I, pág. 261, citando a declaração de mestre Juan, ibidem, t. II, pág. 238.

Teria quatorze ou quinze anos de idade, quando acompanhou a expedição de

Solis ao rio da Prata. De volta, em 1516, naufragou o galeão em que vinha

com dez companheiros, nas vizinhanças do porto dos Patos, e ficou entre os

índios até regressar à Espanha na armada de Cabot. Nesse intervalo prestou

bons serviços a D. Rodrigo de Acuña, o comandante da São Gabriel, quando,

67

depois de abandonar a esquadra de Loaysa, tocou naquele porto.

Montes levou consigo para a Espanha duas índias forras, suas

mulheres; com uma delas passou a Portugal, a outra ficou em Cantillana.

Embarcou de novo na armada de Martim Afonso de Sousa, como

consta de Herrera, no lugar citado em princípio desta nota.

Melchior Ramirez, natural de lepe, era com Montes derrelito da

armada de Solis, em que tinha a graduação de alferes. Voltou à Espanha com

Diego Garcia, que passou pelo porto de Patos pouco depois de Cabot.

Sobre Montes há abundantes informações nos livros de Harrisse e

Medina, citados supra, como também no deste último – Juan Diaz de Solis,

vol. I, onde à pág. CCCXXXVIII se encontra o fac-símile de sua assinatura.

Veja-se ainda a carta de Luís Ramirez, na Rev. do Inst. Hist., t. 15, 1853,

págs. 14-41. – (G.).

(VI)

“Era Martim Afonso de Sousa um fidalgo principal e de alta

linhagem, neto de Pedro de Sousa, senhor do Prado, e filho de Lopo de

Sousa, senhor do Prado, Pavia e Baltar, alcaide-mor de Bragança, e aio do

duque de Bragança. D. Jaime. O próprio Martim Afonso de Sousa foi na sua

primeira mocidade criado dos duques, passando depois para o serviço de

príncipe herdeiro, D. João. Ele e seu primo co-irmão, D. Antônio de Ataíde,

foram os dois grandes validos e privados de D. João, chegando a tal este

valimento que ofuscou o ânimo cioso del-rei D. Manuel, o qual tratou de

arredar os dois jovens fidalgos da companhia de seu filho... Martim Afonso

de Sousa era “fantesioso e opiniatigo”, e ressentiu-se tanto desta intervenção

do rei, e da fraca resistência oferecida pelo príncipe às determinações de seu

pai, que se retirou para Castela. Visitou então Salamanca, e residiu mesmo

durante algum tempo naquela cidade, vindo a casar ali com D. Ana Pimentel,

filha de Aryas Maldonado, regedor de Salamanca e Talavera, e pertencendo a

uma das mais nobres famílias daquela província.

“Quando el-rei D. Manuel faleceu, ainda Martim Afonso se

conservava em Espanha e ali se deteve até que o novo rei o mandou chamar;

o que este não fez nem tão prontamente nem de tão boa vontade quando ele

esperava e desejava. No ânimo fraco e volúvel de D. João III estava já tanto

apagada a memória da antiga amizade, “a privança era resfriada”. Dominava -

o além disso a influência do outro valido, Antônio de Ataíde, que depois foi

conde da Castanheira, vedor de sua fazenda, e já então era, como continuava

a ser, o seu principal e mais intimo conselheiro. Dados os hábitos da corte de

então, podemos crer que Antônio de Ataíde receasse a presença do seu antigo

amigo e rival, e desejaria conservá-lo arredado da pessoa do rei. Por isso

68

vemos Martim Afonso encarregado depois de altas e honrosas, mas

longínquas comissões.” – Ficalho, Garcia da Orta e o seu tempo, 65-66,

Lisboa, 1886. – (C.).

(VII)

João Ango obteve duas cartas de marca. Uma, de 27 de Junho de

1530, autorizava-o a apresar bens de súditos portugueses no valor de

duzentos e cinqüenta mil ducados. D. Antônio de Ataíde, conde da

Castanheira, conseguiu reavê-la, pagando a Filipe de Chabot, conde de

Charny, a quantia de 10.000 francos, e a João Ango, nos prazos que se

fixassem, a quantia de 50.000. Em documento passado em Ruão a 29 de

Fevereiro de 1531 (sic) João Ango reconhece juntamente com os consórcios

ter recebido do conde da Castanheira e Gaspar Vaz a quantia convencionada.

Este dinheiro, aliás, não lhe deu fortuna. Morel, um dos sócios, promoveu

contra o grande armador uma ação que, iniciada em 1548, terminou em 1604,

condenando os herdeiros de Ango a pagarem aos de Morel a quantia de

30.000 ducados, com o juro de 14% a partir de 1531.

A primeira carta de marca nada tem com o Brasil. A segunda,

concedida em 3 de Fevereiro de 1543, refere-se a um navio tomado em 1531,

segundo parece, e pode relacionar-se com a expedição de Martim Afonso.

Ango alega que seu navio La Michelle, tendo de carregar na costa do Brasil

em certa abra chamada Aster – nome evidentemente deturpado, porque não é

europeu nem americano -, capitães e súditos portugueses tomaram-no, e

levaram-no a Portugal, onde ficou a serviço do dito rei. Da gente do La

Michelle, parte refugiou-se entre os índios, parte foi levada para o reino, e lá

conservada presa. Na longa detenção morreram alguns dos aprisionados.

A data desse sucesso não é positivamente declarada, mas não tendo

entrado na primeira carta de marca, outorgada em 1530, e referindo-se a

segunda carta, em seguida ao sucesso do La Michelli logo outro de 1532

(quiçá 1533), naturalmente foi nesse meio tempo, durante a assistência de

Martim Afonso no Brasil, que isso passou.

A expedição de Martim Afonso, como veremos na seção seguinte,

tomou duas naus francesas a 31 de Janeiro de 1531: a gente de uma fugiu

para terra; sobre a tomada da outra nem uma particularidade oferece o Diário

de Pero Lopes. Terceiro navio tomou a 3 de Fevereiro depois de grande

resistência. Antes de deixar Pernambuco, Martim Afonso queimou um dos

navios, outro mandou para Portugal por João de Sousa, no último batizado

Nossa Senhora das Candeias, seguiu Pero Lopes para o Sul. La Michelli

podia ser tanto o navio de João de Sousa, como o de Pero Lopes, ambos

aproveitados no serviço real. Pode-se consultar sobre o assunto, F. Palha. A

69

carta de marca de João Ango, Lisboa, 1882, que trata só da primeira, e Eug.

Guénin, Ango et ses pilotes, Paris, 1901, que publica ambos os documentos. –

(C.).

(VIII)

Ordenações Manuelinas, liv. V. títs. 98 e 112. Veja-se também n. 11

do maço 1º das leis sem data. A respeito da naturalidade de João Afonso,

posta em dúvida pelo douto D’Avezac, vejam nos esclarecimentos que

publicamos no escrito – Amerigo Vespucci, etc. – (A.).

Em carta de Gaspar Palha, de Paris, 1 de Maio de 1531, lê-se:

“Depois de ler esta carta, fui topar com um homem de Rochella que chegava

então della, e me comecei informar delle, sem que me este conhecesse, das

novas que lá havia; entre outras coisas lhe perguntei que era feito de João

Afonso, aquelle piloto portuguez que ahi estava. Disse-me que andava

homesiado, porque quando se perdera com tormenta na costa da Bretanha,

que houvera razões com um filho que tinha já homem, e que o matara, e que

por este caso andava agora homesiado, que non ousava parecer.” – Raccolta

Colombiana, parte V, vol. II, pág. 296. Uma carta de Gaspar Vaz para D.

João III, escrita de Honfleur em 19 de Outubro de 1531 e extratada por

Santarém, Quadro elementar, III, 244, confirma a nacionalidade portuguesa

de João Afonso, do mesmo modo que um documento de 3 de Fevereiro de

1533, citado em Fr. Luís de Sousa, Anais de D. João III, 377. Contudo, Sousa

Viterbo, Trabalhos náuticos, s. v., acha a questão duvidosa. – (C.).

70

SECÇÃO VIII

RESULTADOS DA EXPEDIÇÃO DE MARTIM

AFONSO

Seus feitos. Os Franceses. O Maranhão, A Bahia. Combate naval

dos índios. Martim Afonso na Bahia e no Rio. Ilha da Cananéia. Oitenta

homens ao sertão. Padrões da Cananéia. Naufrágio de Martim Afonso.

Pero Lopes sobe o Paraná. Martim Afonso fica na costa. Escolha do porto

de São Vicente. Sua descrição. Estabelecimento da colônia. João

Ramalho. Etimologia do nome Piratininga. Piracemas. Vilas de São

Vicente e de Piratininga. Concelhos das duas vilas. Sesmarias. Direitos

dos colonos. Jurisdição eclesiástica primitiva.

Acabava Martim Afonso de avistar a costa de

Pernambuco, quando descobriu ao longe uma nau francesa.

Pouco lhe custou dar-lhe caça, e rendê-la; fugindo no batel

para terra toda a tripulação, menos um só homem. Seguiu-se a

esta presa a de outras duas naus, também francesas, e

carregadas, como estava também a primeira, de brasil. De uma

delas coube o apresamento a Pero Lopes, que depois de a

haver seguido com duas caravelas, e combatido um dia todo,

conseguiu rendê-la.

Feliz com tão boa estréia, dirigiu-se Martim Afonso ao

próximo porto de Pernambuco; e daí resolveu mandar a

Portugal uma das naus apresadas, com a notícia do sucedido

(I), levando outra consigo, caminho do rio da Prata, e

queimando a terceira por incapaz (II). Igualmente resolveu,

talvez em virtude de ordens que tinha, mandar as duas

caravelas para as bandas do Maranhão, a fim de fazer explorar

por aí a costa, e de colocar nela padrões em sinal de posse.

71

Diogo Leite foi o capitão a quem Martin Afonso confiou o

mando dessas duas caravelas. Sabemos que este chefe,

percorrendo o litoral de leste-oeste, chegou pelo menos até a

baía de Gurupi, que por algum tempo se denominou “abra de

Diogo Leite”; – nome este que já se lê em um mapa em

pergaminho de toda a costa, feito por Gaspar Viegas em 1534

(1).

Da nau francesa mandada a Portugal foi capitão João de

Sousa, Além de umas setenta toneladas de brasil, levou trinta e

tantos dos prisioneiros, e em fins de Julho estava a dita nau

fundeada em Vila Nova de Portimão, no Algarve, onde se

procedeu à venda da sua carga de brasil, à razão de 800 a 900

réis o quintal (2).

De Pernambuco seguiram os outros navios para o sul, e

foram entrar na baía de Todos os Santos, descoberta em 1501.

Aqui se apresentou ao capitão-mor o português Diogo Álvares,

que em terra vivera entre os índios os vinte e dois anos

anteriores, e que aí tinha muitos filhos, havendo-se aliado a

uma índia, cujo nome primitivo corre haver sido Paraguaçu,

Catarina o da pia batismal (3).

Por intervenção do mesmo Diogo Álvares, vieram todos

os principais visitar ao capitão-mor, trazendo-lhe manti-

mentos, que foram retribuídos com as dádivas de costume.

Admirou Pero Lopes na baia a alvura da gente, a boa

disposição dos homens, e a formosura das mulheres, que não

achou inferiores às mais belas de Lisboa.

Reservando-nos a tratar, mais ao diante, do colono

Diogo Álvares e desta baía, nos limitaremos agora a dizer que,

durante os quatro dias que fundeada se demorou a armada,

tiveram os nautas ocasião de presenciar um combate naval

72

travado dentro do recôncavo; naturalmente entre os da ilha de

Itaparica, e os do lado do norte que senhoreavam as terras

onde se assentou depois a cidade do Salvador. Cada

esquadrilha constava de cinqüenta canoas, guarnecidas

algumas destas de sessenta homens, todos escudados de

paveses de cores, semelhantes aos que usavam então os

guerreiros marítimos portugueses. O combate durou desde o

meio-dia até o sol posto; – os da armada européia

conservaram-se impassíveis espectadores desta naumaquia

entretrópica, e viram com gosto decidir-se o triunfo pelos que

combatiam do lado em que eles estavam surtos. Muitos dos

vencidos caíram prisioneiros; e com estes praticaram os

vencedores o costumado uso de os matarem, com grandes

cerimônias, e de lhe tragarem depois – oh, asqueroso horror! –

as carnes.

Martim Afonso, deixando com Diogo Álvares dois

homens e muitas sementes, para saber-se por experiência o que

a terra (que segundo doze anos antes publicara Enciso (4) era

de pouco proveito) poderia melhor produzir, velejava com sua

pequena frota para o sul, quando, ao cabo de alguns dias, foi

obrigado a arribar. Entrando na mesma baía, em 26 de março

(1531), encontrou agora aí fundeada a caravela que, com

destino a Sofala, passara por Pernambuco, e recebera a bordo a

Diogo Dias, feitor do estabelecimento ou feitoria, que o galeão

francês havia, meses antes, saqueado (5). Martim Afonso,

vendo que esta caravela lhe podia servir, decidiu-se a levá-la

consigo. No dia imediato levantaram de novo âncoras todos os

navios da armada, e seguiram navegando para o sul até que

entraram, em 30 de Abril, no porto ou baía já então conhecida

pelo impróprio nome de “Rio de Janeiro” (6). Para não

73

deixarmos de aproveitar a mínima eventualidade no pouco que

sabemos do que então se passou nesta paragem, cujas menores

circunstâncias hoje interessam a todo o país, transcreveremos

fielmente quanto nos transmitiu um dos nautas, que logo

veremos donatário de Itamaracá, Santo Amaro e Santa

Catarina. É Pero Lopes quem prossegue, em seu estilo, tão

ingênuo como pitoresco: “Como fomos dentro (da baía de

Janeiro) mandou o capitão I. (Martim Afonso) fazer uma casa

forte com cerca por derredor; e mandou sair a gente em terra, e

pôr em ordem a ferraria, para fazermos coisas de que tínhamos

necessidade. Daqui mandou o capitão I. (Martim Afonso)

quatro homens pela terra dentro: e foram e vieram em dois

meses; e andaram pela terra cento e quinze léguas, e as

sessenta e cinco delas foram por montanhas mui grandes; e as

cinqüenta foram por um campo mui grande; e foram até darem,

com um grande rei, senhor de todos aqueles campos; e lhes fez

muita honra, e veio com eles até os entregar ao capitão; e lhe

trouxe muito cristal, e deu novas como no rio de Paraguai

havia muito ouro e prata (7). O capitão I. lhe fez muita honra,

e lhe deu muitas dádivas, e o mandou tornar para as suas

terras. A gente deste rio é como a da baía de Todos os Santos;

senão quanto é mais gentil gente. Toda a terra deste rio é de

montanhas e serras mui altas. A melhores águas há neste rio

que podem ser. Aqui estivemos três meses tomando

mantimentos para um ano, para quatrocentos homens que

trazíamos, e fizemos dois bergantins de quinze bancos”.

Cumpre aqui acrescentar que o mencionado

estabelecimento de Martim Afonso, nesta baía, deve ter tido

lugar na enseada em que desemboca o rio Comprido; e em uma

74

paragem que, ainda meio século depois, de denominava “porto

de Martim Afonso” (G. Soares, I, cap. 52).

Deixando o Rio de Janeiro foram os navios, ao cabo de

doze dias de navegação, ancorar da banda de dentro da ilha

chamada “do Abrigo”, junto do porto da Cananéia. Por este

último, cujas águas, com o nome de “Mar pequeno”, se

estendem terra dentro (desde o rio de Iguape até o sul da barra

de Ararapira, onde acaba a ilha que ora chamam do Cardoso) e

quase a comunicam com a baía de Paranaguá, mandou Martim

Afonso ao piloto Pedro Anes, entendido na língua dos índios,

que fosse, em um bergantim, haver fala dos que ali houvesse.

Este piloto voltou cinco dias depois, conduzindo a bordo do

bergantim um bacharel português, que havia trinta anos que ali

estava, isto é, como vimos, desde a primitiva exploração da

costa em 1502, um tal Francisco de Chaves, e vários

castelhanos.

Este Francisco de Chaves, naturalmente, era algum dos

aventureiros que antes haviam chegado até as terras do Inca. O

certo é que, pelas informações que deu e promessas que fez de

trazer, dentro de dez meses, quatrocentos escravos carregados

de prata e ouro, Martim Afonso acedeu a mandá-lo seguir de

oitenta homens armados, metade de arcabuzes, e outra metade

de bestas, da sorte dos quais adiante trataremos.

Quarenta e quatro dias se demorou a esquadra junto da

Cananéia, durante os quais esteve sempre encoberto o sol,

circunstância pouco para admirar aos que saibam que ainda

hoje raras vezes ele se mostra radiante aos habitantes desses

contornos.

Também no ancoradouro se romperam muitas amarras e

perderam-se várias âncoras, o que sucede ainda agora nesse

75

porto, cujo fundo tem rato, como dizem os mareantes, daqueles

que rompem as amarras, quando não são de elos de ferro.

Defronte da ilha da Cananéia sai da terra para o mar um

pontal de pedra, que se chama hoje de Itaquaruçá, onde ainda

existem três padrões de mármore sacaróide, do que se encontra

nas formações vulcânicas das imediações de Lisboa, os quais,

com toda a probabilidade, foram ali postos durante estes

quarenta e quatro dias, apesar do silêncio que a tal respeito

guarda o (tantas vezes desesperantemente omisso) escritor dos

feitos desta expedição, que merece desculpa, porque não se

propunha ele a ser cronista, mas somente a consignar por

escrito o seu roteiro ou diário marítimo. Os padrões da

Cananéia que examinamos pessoalmente, são de quatro palmos

de comprido, dois de largura e um de grossura; e têm

esculpidas as quinas portuguesas, sem a esfera manuelina, nem

castelos; e nenhuma data se lê em suas faces (8).

Com o pensamento sempre na colonização do rio da

Prata, seguiu Martim Afonso para o Sul, e daí a dias, a 26 de

Setembro, experimentou tão grande temporal que a capitânia

deu à costa, junto ao riacho de Chuí, na atual fronteira

meridional do Brasil; do que resultou perecerem sete pessoas.

Reunidos de novo todos os navios, excetuando um

bergantim também naufragado, chamou Martim Afonso a

conselho todos os que para isso eram, e neste foi assentado

que, em virtude, não só da falta de mantimentos, originada da

perda da capitânia, como do mau estado das outras duas naus,

que se não poderiam expor aos temporais do rio da Prata

naquela estação (naturalmente os conhecidos pampeiros), se

desistisse da empresa de ir colonizá-lo.

76

Apesar desta resolução, julgou Martim Afonso que,

estando tão perto desse tio, não devia deixar para mais tarde o

ato da posse dele, por meio dos padrões que levava. Julgando

ser para isso suficiente um bergantim com trinta homens,

encarregou o comando deste, e a comissão de pôr os mesmos

padrões, a seu irmão Pero Lopes (9), que se fez de vela em

companhia de Pero de Góis, ao depois donatário da capitania

de São Tomé ou Campos de Guaitacases. – Desempenhou Pero

Lopes o mandato, subindo pelo Paraná e Uruguai, e achando-

se de volta, decorrido pouco mais de um mês. Desta

exploração do rio da Prata é que seu chefe Pero Lopes, a quem

ela deu tantos trabalhos, se compraz de nos transmitir

informações muito mais minuciosas do que costuma. Ainda

mal, são justamente todas alheias à nossa história, e mais

poderão interessar à dos estados limítrofes do Brasil pelo sul.

Muito provável é que no entremeio de tantos dias, em

que Pero Lopes demarcava o Rio da Prata, não estivessem

ociosos os pilotos que haviam ficado na costa com Martim

Afonso. Em terra tiveram ocasião de fazer freqüentes

observações astronômicas (10) sobre a latitude e longitude do

lugar e isso lhes daria a convicção, e ao capitão-mor, de que

aquela costa e, com mais razão, todo o rio da Prata, já se

achavam fora, isto é, mais a oeste, da raia até onde se estendia,

pelo tratado de Tordesilhas, o domínio português naquelas

paragens. Ao conhecimento deste fato em Portugal devemos

atribuir o não prosseguirem em Madri as reclamações acerca

desse rio; e o desistir aquele reino de mandar mais frotas às

suas águas; e até o não doar, quando doou outras terras, as que

ficaram além das de Sant’Ana, ou da Laguna, onde terminava

a courela que de direito ainda por aí lhe tocava.

77

Talvez também pelo conhecimento desse fato, mais que

por serem aí as terras (no litoral) sáfias e areentas, é que

Martim Afonso não se deixou ficar nas plagas da atual

província do Rio Grande, onde o lançara de si o próprio mar, e

decidiu retroceder mais para o norte, a buscar outro local onde

fixar-se de preferência. Entrando no porto de São Vicente, o

bom abrigo que nele encontrou para as naus, a excelência das

águas, a abundância do arvoredo, encantador principalmente

aos que acabavam de viver nos areentos planos do Chuí, a

amenidade do clima, por certo mui preferível ao do vizinho

porto da Cananéia, onde nunca se vira o sol durante quarenta e

quatro dias, e talvez, mais que todas estas razões, a presença

de um colono português, por nome João Ramalho, que ali

contava já mais de vinte anos de residência e que,

naturalmente avisado pelos índios, apareceu dando razão da

terra e de como toda ela pelo interior era de campos e clima

semelhantes aos amenos de Coimbra onde nascera – tudo

concorreria a predispor o ânimo do capitão-mor em favor desta

paragem para fundar nela, como fundou, a primeira colônia

regular européia no Brasil. E dizemos a primeira, porque não

podemos chamar colônias regulares às pequenas feitorias

provisórias fundadas antes, nenhuma das quais vingou até

chegar a ter as honras de povoação e de vila.

É o porto de São Vicente por assim dizer formado em

um canal que, convenientemente, se afeiçoa entre duas ilhas de

mediana extensão conchegadas à terra firme. Mais metida por

esta adentro fica a que se diz de São Vicente, cuja planta

apresenta alguma semelhança ao perfil de uma cabeça humana,

vista pela face direita (11), Um pouco para o norte, se

prolonga a vizinha ilha de Santo Amaro que, nesse rumo, vai

78

fenecer na barra do canal chamado da Bertioga, corrupção de

Buriqui-oca, que quer dizer covil de bugios; o que prova que

aí devia de haver muitos; pois eram os Tupis sinceros em tais

denominações (III). Assim à dita ilha de Santo Amaro

chamaram eles do Guaimbé (12), planta deste nome, que nela

dava como verdadeira praga. A ilha de São Vicente chamavam

Orpion ou Morpion (13), nome que somente podemos explicar

como uma contração de Morubi-nhum, isto é, “campo dos

trabalhadores ou lidadores”. O nome de São Vicente lhe

proveio da povoação nela construída, que o recebeu, em

virtude de ser o que já tinha o porto.

O local desta última ilha, escolhido para assento da

colônia, foi uma quase insensível eminência fronteira à barra e

à ilha de Santo Amaro, mui lavada de ares, e situada no meio

do istmo para um farelhão ou promontório, em que ela remata

por este lado. Os morros deste promontório alimentariam os

mananciais de água para a povoação; e dariam no princípio

pedra para as obras; e os matos, que ainda hoje os cobrem,

forneceriam com a maior comodidade a necessária lenha. Um

pequeno regato, essencial para muito em qualquer povoação,

corre para o lado da barra, e vai desaguar na deliciosa praia

que segue contornando a ilha. – Para o rumo oposto, a quase

igual distância, havia outra vez água, um mar pequeno, com

beiras mui a propósito para porto e varadouro das canoas.

Finalmente, do local preferido se descobria, pela barra, o mar

até perder-se no horizonte, o que permitiria aos moradores,

sem atalaias de aviso, juntarem-se a tempo para acudir a

qualquer rebate de pirata inimigo. O viajante que percorresse a

ilha de São Vicente, em busca da melhor paragem para uma

povoação, sobretudo no mês de Janeiro, em que a praia de

79

Embaré, fronteira à barra, está alagada, ainda hoje não

indicara outra mais adequada, se o porto de São Vicente

pudesse competir com o de Santos, aliás abafadiço e tristonho

(14).

Martim Afonso não quis, porém, limitar-se a fundar

uma só vila. À vista das informações que lhe deu João

Ramalho, assentou de reforçar esta, contra qualquer tentativa

de inimigo marítimo, com outra povoação sertaneja, que ao

mesmo tempo servisse de guarda avançada para as futuras

conquistas da civilização. As duas vilas irmãs fiariam assim no

caso de prestarem apoio uma à outra, segundo lhes viesse do

mar ou da terra o inimigo, ao passo que a marítima receberia,

ao mesmo tempo, socorros das naus do reino, a quem por seu

turno socorreria.

De São Vicente para o interior, a umas três léguas, se

levanta o continente, apresentando para o mar um paredão, em

forma de serra, às vezes elevada de mais de dois mil pés. Do

cimo manam vários riachos, dos quais um se despenha com tal

fúria que de longe se vê branquejar a espuma de seus ferventes

cachões. Chamavam-lhe os índicos Itu-tinga ou cachoeira

branca. As águas desses riachos, promiscuindo-se com as

salgadas do mar, recortam todas as planícies debaixo, por tal

forma em esteiros que, vistas estas dos altos ao longe, mais

parecem marinhas de sal, que braços de mar ou de rios. – À

serra denominavam os índicos, como nós hoje, paraná-

piacaba, o que quer dizer “de onde se vê o mar” (15).

Desde aquelesw cimos elevadíssimos, as águas baixam

com o terreno para o interior, quase insensivelmente; pois este

se reduz na essência a uma extensa chapa ou chapada, que para

o sertão se ramifica em vários sentidos até mui longe. A zona

80

vizinha ao mar, o paredão de serra para o lado dele, reforçado

por muitos espigões ainda o primeiro par de léguas para o

interior, são vestidos de vegetação vigorosa de mato-virgem,

que alcança até um linde que chamam “Borda do Campo”; pois

que daí por diante a terra não é de matos e, apenas de quando

em quando, povoada de reboleiras e de pequenas boscagens,

algumas delas de pinheiros curis ou araucários, que os índios

muito apreciavam, pelo alimento que lhes forneciam seus

grandes pinhões (16).

A algumas léguas da Borda do Campo, e próximo de

uma ribeira, cujas margens não deixam de recordar as

coimbrãs do plácido Mondego, era a aldeia em que

principalmente vivera João Ramalho, com a sua família, já

numerosa, como se pode imaginar, sabendo que vinte anos

passara livremente entre aquela gente, à lei da natureza.

Chamavam-se, tanto a aldeia como a ribeira, de Pira-tininga

ou do Peixe-seco (17). nome que em outros lugares do Brasil

se pronunciava Pira-sinunga, e queria dizer o mesmo. A

origem do nome explica a causa por onde se fundara aí a

aldeia: provinha aquela das freqüentes pira-cemas ou invasões

do peixe, pelas margens principalmente do chamado saguairu,

isto é, de certos enxurros e desenxurros, digamos assim,

demasiado rápidos, a que era, e é ainda, sujeita a dita ribeira;

em virtude dos quais o peixe ficava em seco pelas margens, o

que dava aos moradores destas grande fartura; como sucede

aos povos do litoral quando, com os temporais, dão certos

peixes à costa. O fenômeno das pira-cemas é freqüente em

vários rios do império, sobretudo nas proximidades de sua foz,

donde se pode imaginar que vem tal fenômeno a ser como uma

pequena pororoca, causada pelo desempate de suas águas com

81

as do monte do outro rio, em que aflui o da piracema. Foi a

aldeia de Piratininga que Martim Afonso escolheu para fundar

a colônia ou vila sertaneja, cujo governo militar confiou a João

Ramalho, com o pomposo título de guarda-mor do campo. Eis

a origem européia da atual cidade de São Paulo.

Ouçamos agora o que nos diz Pero Lopes de Sousa,

testemunha de vista, durante os primeiros quatro meses de vida

das ditas duas colônias: “Repartiu o capitã-mor a gente nestas

duas vilas, e fez nelas oficiais; e pôs tudo em boa ordem de

justiça; do que a gente toda tomou muita consolação, com

verem povoar vilas, e ter leis e sacrifícios, celebrar

matrimónios e viver em comunicação das artes; a ser cada um

senhor do seu; e investir as injúrias particulares; e ter todos

outros bens da vida segura e conversável”.

Nestas poucas palavras se encerram os pontos capitais

respectivos a qualquer sociedade constituída. Vemos as

colônias e as suas competentes autoridades; vemos o

reconhecimento das leis; vemos as práticas, assim do que

respeita às consciências, pelas cerimônias dos sacrifícios

religiosos, como ao estado social pela celebração dos

matrimônios; vemos garantida a segurança individual e a

propriedade, e sem valhacouto as tropelias e injúrias. Para

nada faltar, como bem essencial na vida “segura e

conversável”, diz-nos Pero Lopes que já viviam os colonos em

“comunicação das artes”.

Tal era o estado florescente das duas colônias, quando

Pero Lopes, por ordem de seu irmão, as deixou, fazendo-se de

vela aos 12 de Maio de 1532.

Enfim Martim Afonso não se descuidou da empresa

confiada à sua solicitude, e que mais no-lo recomenda, e o há-

82

de recomendar à posteridade, que todos os outros seus feitos

militares (apesar de mui brilhantes, de mais perecedoura

memória) praticados nesse Oriente por que tanto se afanava.

Enquanto no Brasil, não dava ele nem um dia de féria a seu

cuidado. A Igreja, a casa da câmara, o estaleiro, as sesmarias,

o tombo competente para estas, tudo o trazia ocupado – a tudo

acudia. Nem lhe consentiu o dever, nem talvez tampouco a

curiosidade, própria da sua idade, o deixar de empreender uma

jornada a Piratininga: e sesmarias chegaram até nós que ele aí

assinou. De falta de atividade nem sequer na velhice foi

acusado. O seu caráter, se tinha defeito, era antes o da viveza

afanosa, e de alguma violência.

Várias terras de São Vicente e de Piratininga destinou

ele desde logo, como era natural, para rocios e logradouros dos

dois concelhos, aos quais fixou os termos que julgou razoáveis

(18). – Escusamos dizer que estas vilas foram fundadas sem

diferença alguma do que se passaria, tratando-se da instalação

de qualquer colônia, em uma paragem menos povoada de

Portugal. Subentendeu-se que, em legislação e em tudo, os

novos moradores e os descendentes destas teriam, em relação à

metrópole, os foros de naturais; e seriam governados pelas

mesmas leis vigentes, das quais nos ocuparemos mais ao

diante.

Quanto à jurisdição eclesiástica, vimos que em 1514

fora o Brasil considerado sujeito à mitra do Funchal. Cumpre

acrescentar que assim continuou ao declarar-se, em 1534,

metropolitana a sua sé, tendo por sufragâneos os bispados de

Angra, Cabo Verde, São Tomé e Goa, então criados por

Clemente VII; o que mais evidentemente se consignou na bula

83

– Romani Pontificis – de 8 de Julho de 1539, que reformou a

anterior (19).

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Mais a oeste se vê designada a baía de São João. Chegaria a

ela Diogo Leite, no dia deste santo (24 de Junho), depois de haver

entrada, a 19 de março, na baía de São José, e a 25 de Abril na de São

Marcos: se é que estes nomes não haviam sido anteriormente dados por

Diego Lepe, em 1500. (A.).

Em 1537, estamdo Diogo Leite, cavaleiro da casa real, com uma

armada de cinco caravelas pousado sobre âncoras no porto da ilha do

Corvo à espera de uma nau da Índia, cinco navios franceses deram sobre

elas, e as tomaram e levaram com toda a artilharia, segundo uma carta de

D. João III a Rui Fernandes, de que existe cópia no Instituto Histórico.

Será o mesmo? – (C.).

(2) Veja (no Arm. 25, maç. 9, nº 5 do interior da Casa da Coroa

na Torre do Tombo) um livro rubricado por Diogo Toscano, almoxarife e

juiz da alfândega da dita vila. Consta desse livro que Lourenço Fernandes

viera por mestre da nau francesa de que João de Sousa viera por capitão,

sendo marinheiros Rodrigo Eanes e Afonso Vaz, e bombardeiro Aleixo

Pinto. Parece que eram no todo 927 quintais de brasil, dos quais 17 foram

dados de quebra. – (A.). – Cópia na Bibl. Nacional. – (C.).

(3) Frei Vicente do Salvador, que ainda a alcançou, “viúva mui

honrada, amiga de fazer esmolas aos pobres e outras obras de piedade”,

chama-lhe Luísa na Hist. do Brasil, livro III, cap. 1º (Pág, 150, da ed.

paulista de 1918). – (C.).

(4) Martin Fernández de Enciso, Suma de Geographia , Sevilha,

1519, § Índias ocidentales (sem núm. de fols.): ... “desde el [rio] de Sant

Frãcisco fasta ala baya de todos sanctos ay setenta leguas esta Baya al

sudueste: quarta al sur, en XIIj grados, queda en el medio puerto real que es

84

buen puerto, i tiene buenos rios i la de todos Sanctos tiene dentro unos ileos

pequeños, en esta entra dos rios buenos, i nel paraje desta costa es la tierra

algo baxa, la gente desnuda i comun pan de rayses: es tierra de povo

provecho…”. – (G.).

(5) Em 17 de Fevbereiro de 1531 havia dois meses que o galeão

francês saqueara a feitoria de Pernambuco: Diário de pero Lopes, Revista

do Instituto Histórico, 24, 1861, págs. 20-21; edições de Engênio de

Castro, págs. 128-132, e 131-135. Esse galeão não podia ser o que depois

foi tomado nas costas da Andaluzia pelas caravelas portuguesas que

andavam na armada do Estreito; arregava brasil e foi levado para Lisboa:

carta de D. João III para Martim Afonso de Sousa, de Lisboa, 28 de

Setembro de 1532, incluída na secção seguinte. – (G.).

(6) O nome de rio de Janeiro, já conhecido no tempo de

Magalhães, Notícias para a história e geografia das nações ultramarinas ,

4, n. 2, Lisboa, 1826, Raccolta Colombiana, parte 3ª, I, pág. 273, Roma,

1893, figura em mapas anteriores a 1530. Esses testemunhos bastariam a

provar que não foi Martim Afonso de Sousa quem deu o nome de rio de

Janeiro, se já não o soubéssemos pelo Diário de Pero Lopes. – (C.). – O

nome figura nas Declaraciones que algunos marineros de la nao San

Gabriel dieron en Pernambuco á 2 de noviembre de 1528 sobre los

sucesos desgraciados que experimentaron despues de sua separacion de

la armada de Loaísa en la entrada, del estrecho de Magalhanes , -

Navarrete, Coleccion de los viages, citada, V, pág. 318: “E asi venimos

hasta el rio de Janero...”. – (G.).

(7) Orville A. Derby, Revista do Inst. Hist. e Geogr. de S. Paulo ,

e José Luís Baptista, Primeiro Congr. de Hist. Nacional , in Rev. do Inst.

Histórico, tomo especial, 2, 1914, pensam que podiam estes emissários ter

chegado a Minas Gerais. Parece preferível admitir que tenham ido a terras

de São Paulo, pois só nestas havia conhecimento das riquezas do rio

Paraguai. – (C.).

(8) Como asseverou o meritíssimo Cazal, I, págs. 227 e 228. –

Veja Fr. Gaspar pág. 32. Anais da Marinha, pág. 401. – Soares, I, cap. 65

e também Varnhagen, na Rev. do Instit. Hist., 12, págs. 374 e 375.

Convém aqui notar que já no século passado (XVIII) Afonso Botelho,

visitando esses marcos, ou antes o que está visível em cima, diz “que lhe

85

não aparece letreiro algum”. Veja a Descrição da comarca de Paranaguá,

Ms. na Bib. do Porto, 437. – (A.).

Um desses marcos, com o respectivo tenente ou testemunha, foi

em 1866 recolhido ao museu do Instituto Histórico, por iniciativa do Dr.

Guilherme Schüch de Capanema, depois barão de Capanema. Na Revista,

tomo 49, parte 2ª, págs. 261-265, ocorre notícia a respeito por Moreira de

Azevedo. – (G.).

(9) O piloto Francisco Fernández, espanhol, em Maro de 1800,

explorando a ilha de Maldonado, achou “uma piedra que pesaria três

quintales con un escudo grande de Portugal y encima outro pequeño

atravesado con uma cruz...”. Segundo P. Groussac, Anales de la

Biblioteca, 4, pág. 315, Buenos Aires, 1905, trata-se evidentemente de

sinais deixados pela expedição de Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes.

Sobre este e pontos conexos, veja-se o Diário de Pero Lopes, na edição de

Eugênio de Castro, Rio, 1927. – (G.).

(10) Assim no-lo confirma o matemático Pedro Nunes, em uma de

suas obras. – (A.). – Que ele (Martin Afonso) possuía um alto valor

intelectual é fato sobre que também não pode haver dúvida. Todos os

escritores do tempo, amigos como inimigos, se referem ao seu engenho

agudo e sutil, à sua razão clara e à prudência do seu conselho. Reunia aos

dotes naturais do espírito uma instrução pouco vulgar. Era -lhe familiar a

língua latina como se fosse a sua própria e materna. Passava na Índia as

raras horas de ócio em graves leituras de história. Era como D. João de

Castro perito nas questões de navegação e cosmografia. Quando voltou do

Brasil deu a Pedro Nunes miúda relação da sua derrota, “contou-lhe com

quanto diligência e por quantas maneiras tomara a altura dos lugares em

que se achara e verificara as rotas por que fazia seus caminhos”. e expôs -

lhe algumas dúvidas que tivera durante a navegação, as quais o grande

geômetra tomou em tanta conta que expressamente compôs um tratado

para as resolver. (Tratado que o doutor Pedro Nunes fez sobre certas

dúvidas de navegação, dirigido a El-Rei Nosso Senhor. – Anda anexo ao

Tratado da sphera, Lisboa, 1537). Escreveu as suas memórias, - um

Epítome da sua vida -, que provavelmente se perderam, mas ainda foram

vistas pelo erudito investigador conde da Ericeira. – Ficalho, Garcia da

Orta e o seu tempo , págs. 69-70. – (C.). – D. João III, em carta ao conde

da Castanheira, de 3 de Março de 1536, remetia -lhe o capítulo que Martim

Afonso escrevera sobre a navegação que as naus da armada, que iam para

a Índia, deviam fazer. Queria o rei que a matéria fosse examinada pelo

86

conde em prática com os pilotos que para isso eram, e do que se

assentasse se lhe chegou à Índia, e conclui assim: “Não se espante Vosa

Alteza de vos falar soltamente nas cousas de nagevaçam, porque eu cuydo

que tendes poucos em Portugal que a entendam milhor que eu; e mais

trabalho muyto pola saber, pois he pera vos servir con yso”. – J. D. M.

Ford, Letters of John III, citadas, págs. 254-256. – (G.).

(11) A boca se representa no Outerinho; Monserrate no lugar de

olho direito; Santos sobre o cavalete do nariz; a praia de Embaré na

papada, etc. – (A.). – Na secção XII o autor emprega imagem semelhante

para a ilha do Maranhão. – (C.).

(12) Gaibé escreve o jesuíta Simão de Vasconcelos; Guaybea diz

Tomás Grigs, em Hackluyt, 3, 704 e 706. – (A.). – 4, pág. 203, da

reedição de 1811. – (C.).

(13) Veja Thevet e Abbeville [Léry? Cf. C. Mendes de Almeida,

Rev. do Inst. Hist., t. 40, parte 2ª, 1877, pág. 237, nota, e 330. – (C.)] –

Staden diz Orbioneme, Orbion-ém, ou Orpion mà e na colecção Purchas

(5, 1242) há quem a denomine Warapisumama. Este último nome iludiria

aos guarás, que ali se matavam. – (A.).

O nome Urbioneme transmitido pro Staden, repara Teodoro

Sampaio em nota à tradução do livro de Hans Staden comemorativa do

quarto centenário do descobrimento do Brasil, deve estar alterado, se é

que o devemos ter como de língua tupi como se deve inferi r das próprias

palavras do narrador. Muito se tem discutido a propósito deste vocábulo

adulterado, parece-nos que ele não é senão corruptela de Upau-nema,

denominação tupi, que quer dizer – ilha imprestável ou ruim, talvez em

alusão a ser ela baixa em sua máxima extensão, lamacenta, alagada e

coberta de mangues. – (C.).

(14) É (São Vicente) situada em uma ilha que tira seis milhas em

largo e nove em circuito, antigamente era porto de mar e nele entrou

Martin Afonso a primeira vez com sua frota, mas depois com a corrente

das águas de terra do monte se tem fechado o canal, nem podem chegar as

embarcações por causa dos baixos e arrecifes. – Anchieta, Informações e

fragmentos históricos, 44. – (C.).

87

(15) Ruiz de Montoya. Conq. Espiritual del Paraguay, fol. 45 f.;

se bem que “ver” se diga (Dic Bras. pág. 78) Cepiaca. – (A.). – Na edição

da Conquista Espiritual, de Bilbao, 1892, à pág. 143. – (C.).

(16) O apreço do fruto ainda mais tarde, entre os moradores de

língua européia, poe deduzir-se do fato que, ao tempo do padre Belchior

de Pontos (1644-1719) pinhão servia para designar outono. – Fonseca.

Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes, pág. 98. Lisboa, 1752. –

(C.).

(17) Tining, “secar”. Veja Dic. Bras. no voc. “Seca” e “Murchar”.

Porventura a trodução literal seria “seca do peixe”. – (A.). – Segundo

Teodoro Sampaio. O Tupi na Geografia Nacional, pág. 147, São Paulo,

1901, Pirassununga, corruptela de piracyninga, significa peixe roncando,

ou ronca peixe. – (C.).

(18) O autor aproveita-se nesta secção do Diário de Pero Lopes,

que publicou em Lisboa no ano de 1839 e depois reimprimiu na Rev. do

Inst. Hist., t. 24, 1861, e avulso. A autenticidade deste documento foi

contestada por João Mendes de Almeida em uma memória. A Capitania de

S. Vicente-S. Paulo. Sua origem: legenda histórica, São Paulo, 1887,

reproduzida na Rev. do Inst. Hist., t. 53, parte 1ª, 1890. Sua tese é:

“Manifestamente esse Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa com

referência à expedição de 1530-1535, é um documento apócrifo, ou sem

fundamento algum de autenticidade, podendo, porém, ser o Diário da

navegação de Martim Afonso de Sousa para a Índia em 1533-1534,

mudados para 1530-1531. com enxerto em forma complementar da

navegação de Pero Lopes de Sousa para o rio da Prata e do seu regresso

para Portugal em 1531-1532”. – A argumentação de Mendes de Almeid

dificilmente convencerá a quem ler o Diário, confirmado por tantos

outros testemunhos independentes. Na Série Eduardo Prado está-se

imprimindo a 5ª edição do Diário de pero Lopes, anotado por Eugênio de

Castro, da Marinha Nacional. Por este terão de ser aferidas todas as

questões relativas à expedição de Martim Afonso. – (C.).

Além dessa edição já citada (nota 9 desta secção), há outra, a 6ª,

da Comissão Brasileira dos Centenários Portugueses, Rio de Janeiro,

1940, adiante descrita. – (G.).

(19) Provas da Hist. Gen., II, n. 122, pág. 728. – Nesta bula se

diz em latim terras de brasil, e terrarum de Brasil, em vez de Brasiliae,

88

como hoje, e como já se preferira escrever no hemisfério de J. SAchoener

(1520). – (A.).

89

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

A Portugal a notícia do sucedido chegou meado Maio, como se vê

da seguinte carta de D. João III ao conde da Castanheira, publicada por

Fernando Palha, na Carta de marca de João Ango, 56-57:

“D. Antonio amigo. Eu el Rei vos envio muito saudar. Aqui se

diz, e não porem por via nenhuma certa nem autentica que M. A. de Sousa

topou com algumas naus francezas carregadas de brasil que as tomou: e,

porem, porque isto M. Af. me não escreve nem disso sei mais que dizer-

se, não o tenho por certo. E todavia me pareceu necessario, por que la

pode ir ter a mesma nova, dar-vos aviso disso, pera que se vos nisso

apontar alguem e la se disser isto mesmo, que vós digaes que o não

credes, por que si assi fosse eu volo escreveria, que eu não tenho

mandado tal nova, e como pessoa que totalmente haveis esta por falsa

respondereis a quem vos nisso falar, sem vir a outra resão emquanto la na

materia se não falar sinão como incerta. E porem, si apertarem mais

comvosco e a nova for la per outra via e a tiverem por certa e disso

fizerem caso, vós todavia direis que o não credes, nem vos parece que

sendo assi eu o podera leixar deo saber e de outro volo escrever, e

tambem que vós não credes que Francezes fossem aquella parte, e porem,

si alguma cousa foi, que poderia mui bem ser que os Francezes fariam o

que não deviam em algumas de minhas feitorias que eu la tenho muitas,

ou tambem elles seriam os acomettedores, como se acontece, e que por

certo tender que M. Af. nem meus capitães não haviam de fazer nem uma

cousa sinão com muita rezão e de que possam dar boa conta a todo tempo

e logar, e que vós sabeis mui bem quão apertadas levam as commissões

todas minhas armadas e capitães que pelo mundo navegam pera nunca

poderem erras guardando o que lhe por mim é mandado; e que, assi como

isso tendes por certo, assi não duvidaes nada que si elles alguma cousa

fizeram como não deviam e passaram meu mandado, que sabendo eu

quem errou não passará sem castigo, mas que percima de tudo vos não

parece que pode ser verdade, e si a for que ha de ser muito differente do

que dizem, e meus capitães e gentes mui sem culpa. E como acima vai

apontando podeis tocar em camanho trato e quantas casas de feitorias eu

tenho em todos aquelles mares, como em par tes mui proprias minhas, e

que de tantos atraz achadas, ganhadas e possuidas por mim e por a coroa

destes reinos, onde ha tambem muita fazenda minha, e muita guarda assi

90

do mar como da terra, como é resão que haja, e que não é maravilha quem

destes logares e guardas e tratos tem cuidado não querer consentir nem-

uma torvação nelles. E tudo isto, porem, direis e apontareis aos tempos e

nos logares e com as pessoas que vos parecer conveniente, mais e menos

segundo vos nisso falarem, e segundo o caso tambem que vos disso

fizerem mais ou menos grave, que eu confio que vós mui bem sabereis

fazer e dizer, e todas estas diferenças e ensejos sabereis mui bem guardar,

e porisso nesta carta não é necessario vos dizer mais. – Jorge Rodrigues o

fez em Montemor-o-novo – a 17 de Maio de 1531.” – (C.).

(II)

Só em Novembro chegou a propagar-se em França, em meio de

grandes Queixas e alaridos, a notícia dos três navios apresados, com a

circunstância, não sabemos se verdadeira, de haver Martim Afonso

mandado enforcar o piloto Pedro Serpa, que encontrou em um deles.

Sendo certo que já então (principalmente desde a criação, em 2 de Agosto

de 1525, do ofício do Correio-mor em Portugal, ofício em que foi provido

Luís Homem, que veio a ter à sua morte, por sucessor Luís Afonso em 13

de Janeiro de 1533), havia correio público cada oito dias de Lisboa a

Burgos, e cada quinze dias de Burgos a Flandres, devemos crer que os

prisioneiros franceses estiveram incomunicáveis em Portugal por algum

tempo. Gouveia parecia assustado com a notíc ia, porém o embaixador

Gaspar Vaz era de parecer que por fim o resultado seria favorável a

Portugal; não querendo outros expor-se ao que acabava de suceder a

tantos. – (A.).

O trecho da carta de Diogo de Gouveia (cópia no Instituto

Histórico), escrita de Ruão a 17-18 de Novembro de 1531, é o seguinte:

“Eu me achei aqui hoje 17 de Novembro e o Almirante era vindo

aqui... e fui ver o Almirante para lhe fazer a reverencia. Ele me mandou

mostrar uma carta que no mesmo porto de sua chegada viera de Lisboa

desses Francezes que la foram presos no Brasil por Martin Affonso de

Sousa. E depois de elle aqui ser chegado as mulheres e parentes se foram

lançar diante delle e lhe pedir justiça e principalmente a mulher de um

piloto ou mestre que chamava Pedro Serpa. Elle me disse que rogava que

visse este negocio e escrevesse a Vossa Alteza que os mandasse soltar. Eu

non sei o porque elles som presos porem sei que deste negocio não ha...

(roto) provento. Si assi é como na carta diz, que o Capitão maor mandou

enfocar este Pedro Serpa, e que catou todo o navio para ver se achava

alguma cousa afora bresil, e dizem que non achou nada, eu por o que devo

91

a Deus e a V. A., e ao proveito deste reino queria ver todas estas cousas

postas em outro rumo e que se levassem por outra manha .” – (C.).

(III)

A esse respeito escreve Teodoro Sampaio, em nota a Hans Staden:

“Em nenhum documento antigo se encontra o nome do canal entre a ilha

de Santo Amaro e a terra firme com a grafia Brikioka. O primeiro k foi

erroneamente substituído a um t. Examinando-se a estampa da página 28

(da edição de São Paulo, 1900), vê-se que o nome escrito por sobre a

figura no alto e à esquerda, tanto pode ser lido Brikioka como Britioka,

sendo até mais admissível a segunda hipótese, que de fato é a mais

próxima da verdade.

“Frei Gaspar da Madre de Deus, que de certo conheceu a obra de

Staden, donde tirou Enguaguaçu por Iguaguaçupe (Iwawassupe), colheu

também Brikioka, como Britioka, e sobre esse nome alterado pelos

copistas ou tradutores fez a lenda dos macacos bur iquis, dizendo-nos que

o nome foi primeiro aplicado ao monte fronteiro ao forte, cuja mata era de

contínuo visitada por essa espécie de símios vermelhos. Não discutiremos

a autenticidade do documento indicado, nem a lenda que depois se

formou. O que está averiguado é que o nome Bertioga, Britioka, Bartioga ,

sempre se aplica ao canal que separa do continente a ilha de Santo Amaro,

lendo-se sempre nos roteiros, cartas da costa e relações de viagens, assim

como nas crônicas, canal de Bertioga, variando às vezes para Bartioga.

“Evidente é que o nome Bertioga ou Bartioga é corruptela do

tupi, não sendo difícil a sua restauração, uma vez conhecida a lei,

segundo a qual em todas as línguas os vocábulos evoluem e se alteram.

Bertioga é, de fato, corruptela de Birati-oca, ou melhor de Pirati-oca, que

quer dizer paradeiro das tainhas, pelas muitas que nesse canal se

encontravam naqueles tempos remotos.” – (C.).

_ Artur Neiva, em seus magistrais Estudos da Língua Nacional ,

págs. 112-141, São Paulo, 1940, discute longamente o vocábulo para

fixar-lhe etimologia diversa das propostas até agora, a qual, pelos

fundamentos apresentados, deve prevalecer. Neiva, com observação in-

loco, contesta não somente a ocorrência de macacos buriquis na

localidade da Bertioga, o que daria Buriquioca – casa dos buriquis para

Frei Gaspar da Madre de Deus, como também dos cardumes de tainhas,

parati ou pirati, a desovar nas águas mansas do canal, originando daí a

denominação Parati-óca ou Pirati-óca, casa do parati, viveiro das

tainhas, fixada finalmente em Bertioga.

92

Para Neiva mais natural seria que o nome provenha de

mbariguioca, do mosquito barigui ou birigui, pequeno díptero

hematófago do gênero Flebotomus, abundante na região, e oca, por

alterações de forma até beriqui-oca, que facilmente, pela queda do

primeiro i e a mudança do q em t, chegou a Bertioca, que sem nenhum

esforço se transformou em Bertioga.

As considerações do eminente e saudoso sábio brasileiro são

dignas da ponderação dos entendidos. – (G.).

93

SECÇÃO IX

SUCESSOS IMEDIATOS À EXPEDIÇÃO

E MARTIM AFONSO

Tomada de uma fortaleza e uma nau de França. Resolve -se a

partição do Brasil em capitanias. Carta régia a Martim Afonso. Volta de

Martim Afonso à Europa. Doze donatários. Quinze quinhões. Irmão s

Sousa. Pero de Góis. Vasco Fernandes. Pero do Campo. Jorge de

Figueiredo. Francisco Pereira, Duarte Coelho. Pero Lopes.

Fernand’Álvares. Aires da Cunha. João de Barros. Antônio Cardoso de

Barros. Poucos competidores. Extensão das diferentes capitanias.

Demasiada terra a cada donatário. Paralelo com a colonização da Madeira

e Açores. Vantagens que se propunha salvar Portugal desta colonização.

Deixemos, porém, por algum tempo a nascente colônia

brasileira, e vejamos o que, entretanto, se passa no resto do

Brasil, ou se decide a seu respeito no além-mar, isto é, na

metrópole.

Doloroso é ter que mencionar a sorte dos que da

Cananéia partiram pela terra adentro com Francisco de

Chaves. Seguindo na direção do sudoeste, talvez a buscar o rio

Paraguai, para naturalmente depois passarem aos estados do

Inca, haviam chegado às margens do Iguaçu (Herrera, dec.

VII, 2, 9) quando foram todos traiçoeiramente assassinados

pelos índios. Ignoramos ao justo em que época chegaria a São

Vicente a triste nova deste sucesso, presente ainda na memória

de seus habitantes, daí a meio século (Fr. Gaspar, pág. 8), e

transmitido além disso até nós pelo adiantado Cabeza de Vaca,

94

que por esses campos passava, mais prevenido contra os

índios, dez anos depois (1).

Enquanto Martim Afonso navegava pelo Sul, fora ter a

Pernambuco uma nau de Marselha (2), com dezoito peças e

cento e vinte homens, denominada La Pélerine, e armada à

custa do Barão de St. Blancard (3). Em lugar da feitoria

portuguesa, de seis homens, que aí havia ficado, fez o capitão

da Pélerine, Jean Duperet, construir uma fortaleza provisória,

que deixou guarnecida de trinta homens; e regressara à Europa

com uma carga que (segundo as reclamações posteriores dos

interessados, às quais nos cumpre dar algum desconto)

montava a cinco mil quintais de brasil, trezentos de algodão

(bombicis), seiscentos papagaios, três mil peles de animais,

grande número de macacos e muita bugiarias.

Tanto a nau como a fortaleza francesa tinham de ser

mui mal afortunadas. A primeira, entrando no Mediterrâneo, se

viu necessitada de arribar a Málaga; e, quando deste porto

saía, foi apresada pela armada de guarda-costa, que Portugal

mantinha à boca do estreito de Gibraltar, e que, pela

mencionada arribada da nau, soubera que vinha ela do Brasil.

A fortaleza galo-pernambucana (4), ou porque Pero Lopes teve

conhecimento da sua existência, ou porque necessitava ir no

porto em que ela estava a fazer aguada, antes de atravessar o

Atlântico, foi por tal forma pelo intrépido capitão combatida,

durante dezoito dias consecutivos (I), que se lhe rendeu (II).

Então Pero Lopes, deixando a mesma fortaleza

guarnecida de gente sua, às ordens de um Paulos Nunes, fez-se

de vela para Portugal, levando consigo duas naus francesas

que tomara, alguns índios, e trinta e tantos prisioneiros. No

princípio do ano imediato aportou em Faro; e desta cidade do

95

Algarve, seguiu logo para Évora, onde então estava a corte, e

aí chegou, ao que parece, a 20 de Janeiro de 1533 (5). Suas

naus se mandaram recolher com os franceses a Lisboa; e

quatro principais da terra, que o soberano chegou a distinguir

dando-lhes o nome de reis, foram por ordem régia vestidos de

seda.

Já havia meses que, pelos da mencionada nau apresada

no Estreito, soubera o governo de como ela havia deixado em

Pernambuco um forte com numerosa guarnição; e mandara

ordens à costa da malagueta a fim de que Duarte Coelho,

capitão-mor de uma esquadrilha aí estacionada, passasse a

Pernambuco para desalojar os intrusos (6). Com a chegada de

Pero Lopes, foi ordenado que a mesma esquadrilha, em lugar

de ir ao Brasil, ficasse cruzando na altura dos Açores (7), e

para Pernambuco foi, segundo entendemos (Vol. II, fls. 208 da

Col. de cartas do conde da Castanheira) despachada (depois de

23 de Janeiro de 1534) uma caravela, ao mando de Vicente

Martins, com ordens para Paulos Nunes (III).

Pouco antes, o governo português, instado ainda de

França pelo Dr. Diogo de Gouveia, e receoso do demasiado

desenvolvimento que os franceses iam dando ao seu comércio

com o Brasil, viu-se obrigado a adotar o plano de colonizar,

pelo simples meio de ceder essas terras a uma espécie de

novos senhores feudais, que, por seus próprios esforços, as

guardassem e cultivassem, povoando-as de colonos europeus,

com a condição de prestarem preito e homenagem à Coroa.

Providências análogas tinham adotado, com proveito, os reinos

da Europa, para se povoarem com a necessária disciplina,

sobretudo nos lugares fronteiriços aos inimigos em que, para

fugir da perigosa fraqueza, era necessária toda a união e a

96

maior subordinação; e para convocar colonizadores com

alguns capitais, era indispensável conceder-lhes, sobre os

colonos, que eles contratavam e levavam à sua custa, certo

ascendente (8).

Foi, pois, resolvido que o Brasil se dividisse (9) em

grandes capitanias, contando para cada uma, sobre a costa,

cinqüenta ou mais léguas; o que el-rei participou logo a

Martim Afonso, na resposta às cartas que o mesmo Martim

Afonso escrevera de Pernambuco, dando conta da tomada das

naus francesas. Embora seja essa resposta bastante conhecida ,

por andar reproduzida em muitos livros, julgamo-la de tal

importância que não nos é possível deixar de inclui-la também

neste lugar. Diz assim:

“Martim Afonso, amigo: Eu el-rei vos envio muito

saudar.

“Vi as cartas que me escrevestes por João de Sousa; e

por elle soube da vossa chegada a essa terra do Brasil, e como

ieis correndo a costa, caminho do Rio da Prata; e assim do que

passastes com as naus francesas, dos cossairos que tomastes, e

tudo o que nisso fizestes vos agradeço muito; e foi tão bem

feito como se de vós esperava; e sou certo qual a vontade que

tendes para me servir.

“A nau que cá mandastes quizera que ficára antes lá,

com todos os que nella vinham. Daqui em diante, quando

outras taes naus de requeriam capitanias de cincoenta leguas

cada uma; e segundo se requerem, parece que se dará a maior

parte da costa; e todos fazem obrigações de levarem gente e

navios à sua custa, em tempo certo, como vos o Conde mais

largamente escreverá; porque elle tem cuidado de me requerer

vossas cousas, e eu lhe mandei que vos escrevesse.

97

“Na costa da Andaluzia foi tomada agora pelas minhas

caravelas, que andavam na armada do Estreito, uma nau

franceza carregada de brasil, e trazida a esta cidade; a qual foi

de Marselha a Pernambuco, e desembarco gente em terra, a

qual desfaz uma feitoria minha que ahi estava, e deixou lá

trinta (10) homens, com tenção de povoarem a terra e de se

defenderem. E o que eu tenho mandado que se nisso faça

mandei ao Conde que vo-lo escrevesse, para serdes informado

de tudo o que passa, e se há-de fazer; e pareceu necessario

fazer-vo-lo saber, para serdes avisado disso, e terdes tal vigia

nessas partes, por onde andaes, que vos não possa acontecer

nenhum mau recado: e que qualquer força ou fortaleza que

tiverdes feita, quando nella não estiverdes, deixeis pessoa de

quem confieis, que a tenha a bom recado; ainda que eu creio

que elles não tornarão lá mais a fazer outra tal; pois lhe esta

não succedeu como cuidavam.

“E mui declaradamente me avisai de tudo o que

fizerdes; e me mandai novas de vosso irmão, e de toda a gente

que levastes; porque com toda a boa que me enviardes,

receberei muito prazer” (11).

A recepção desta carta (12) devia apressar a partida do

capitão-mor para a Europa. Vê-se dela que o rei, com o seu

conselheiro, o Conde da Castanheira, ansiava primeiro ouvir

os votos de pessoas práticas, como o capitão-mor do Brasil,

para não ir tanto às cegas, na doação das suas terras. Assim o

entendeu também Martim Afonso; e deixando por seu lugar-

tenente, com os poderes que podia delegar, a Gonçalo

Monteiro (Rev. do Inst. Hist. 9, 160) na colônia de São

Vicente, partiu para Portugal, onde chegou naturalmente antes

do meado do ano de 1533 (13).

98

Bem que, como se vê da carta acima transcrita, a

resolução de se dividir o Brasil por donatários foi tomada em

1532, e já então se fizeram alvarás de lembrança por algumas

doações, só em Março de 1534, mês em que partia (14) Martim

Afonso para a Índia, é que se começaram a passar as cartas ou

diplomas aos agraciados, que gozariam, de juro e herdade, do

título e mando de governadores das suas terras, as quais

tinham pela costa mais ou menos extensão; e por conseguinte

eram maiores ou menores os quinhões, segundo o favor de que

gozavam e talvez os meios de que podiam dispor.

Compreendiam-se nas doações as ilhas que se achassem até à

distância de dez léguas da costa continental. As raias entre

capitania e capitania se fixaram por linhas geográficas tiradas

de um lugar da mesma costa, em direção a oeste. Assim o

território ficou verdadeiramente dividido em zonas paralelas,

porém umas mais largas que outras. Este meio de linhas retas

divisórias imaginárias, que ainda com os mais exatos

instrumentos num terreno muito conhecido seriam quase

impossíveis de traçar, era o único de que se podia lançar mão,

pelo quase nenhum conhecimento corográfico que havia do

país, além do seu litoral. Em algumas doações, nem foi

possível declarar o ponto em que principiavam ou acabavam.

Incluía-se apenas a extensão da fronteira marítima, e

designavam-se os nomes dos dois donatários limítrofes.

Manifesta é a insuficiência de uma tal demarcação que,

para algumas capitanias, veio a dar origem a leitos que

duraram mais de um século.

Doze foram os donatários: mas verdadeiramente quinze

os quinhões, visto que os dois irmãos Sousa tinham só para si

cento e oitenta léguas, distribuídas em cinco porções

99

separadas, e não em duas inteiriças. Com razão deviam eles de

ser, pelos serviços importantes que acabavam de prestar no

próprio Brasil, os mais atendidos na partilha.

A Martim Afonso, a quem a carta régia acima fazia

terminantemente a promessa, foram adjudicadas, naturalmente

por sua própria escolha, as terras da colônia de São Vicente, e

por conseguinte com ela os gastos já feitos pelo Estado para

fundá-la. O não se mencionar esta cláusula fez que, em virtude

da letra da carta de doação, se entendesse tempos depois

pertencer esta vila aos herdeiros de Pero Lopes, cuja doação

começava do lado do norte da barra grande de São Vicente. Os

dois quinhões de Martim Afonso compreendiam as terras que

correm desde a barra de São Vicente até doze léguas mais ao

sul da ilha da Cananéia, ou proximamente até uma das barras

de Paranaguá; e para o lado oposto, as que vão desde o Rio

Juquiriqueré até treze léguas ao norte do Cabo Frio, que depois

se fixou pela barra de Macaé; ficando por conseguinte suas as

magníficas terras de Angra dos Reis, as da soberba baía de

Janeiro, e do Cabo Frio. Eram nada menos que cem léguas

contadas sobre o litoral; mas em virtude do rumo, que durante

essa extensão toma a costa, vieram a produzir, na totalidade,

em léguas quadradas, alguns milhares de menos do que a

vários dos outros, como se verá.

A extensão do Juquiriqueré até a barra de São Vicente,

e a de Paranaguá para o sul até as imediações da Laguna, que

chamavam terras de Sant’Ana (15), foi doada a Pero Lopes

que, além destas porções, que perfaziam cinqüenta léguas

sobre o litoral, recebeu, desde a ilha de Itamaracá inclusive

para o orte, trinta léguas mais, como abaixo diremos, quando,

costeando como vamos, o Brasil de sul a norte, chegarmos,

100

com a nossa resenha, à paragem onde delas se encontram.

Com a porção mais setentrional de Martim Afonso

entestavam as trinta léguas doadas a Pero de Góis, e que iam

terminar no baixo dos Pargos, ou antes de Itapemirim

proximamente. Pero de Góis prestara também importantes

serviços na armada de Martim Afonso, a cuja família devia ser

mui afeiçoado, e até foi ele quem se encarregou de escrever

por sua letra o diário de Pero Lopes, cujo original entregamos,

em 1839, pela primeira vez, à imprensa (16). Essa afeição não

deixaria de ser tomada em conta no repartimento da terra para

evitar as demandas e pleitos que pudessem acaso resultar da

falta irremediável da precisão nas demarcações laterais.

Contíguo a Pero de Góis, cinqüenta léguas sobre a

costa, as quais alcançavam até o rio Mocuri, veio a ficar Vasco

Fernandes Coutinho, também fidalgo da casa real; e que

havendo servido em Goa, em Malaca e na China, às ordens de

Affonso d’Albuquerque (17), conforme recordam as historias

da Ásia, depois de juntar algum cabedal se havia retirado a

Alenquer (vila situada, como sabemos, a algumas léguas de

Lisboa, perto de Tejo) para aí desfrutar, com a ajuda da

moradia, de uma tença que recebia do Estado. Naturalmente

nessa vila, por intermédio de algum agente do conde da

Castanheira, proprietário vizinho seu, se recomendaria para

entrar no número dos da partilha.

Do Mocuri para o norte vinha a capitania de Porto

Seguro, com outras cinqüenta léguas concedidas a Pero do

Campo Tourinho, rico proprietário de Viana do Minho.

Seguiam-se os Ilhéus, nas cinqüenta léguas até a barra

da Bahia, doadas a Jorge de Figueiredo Correia, também

fidalgo da casa real, e que exercia na corte o cargo de escrivão

101

da Fazenda, o qual lhe daria lugar a estar informado do que se

passava, e a pedir para si o que tão generosamente via

conceder a outros. A raia entre esta capitania e a precedente

não se indicava.

Tudo quanto se estende desde a barra da Bahia à foz do

rio de São Francisco obteve para si Francisco Pereira

Coutinho, excetuando-se, porém, o mesmo rio que devia ficar

exclusivamente a Duarte Coelho; e, segundo se diz na própria

doação, foi-lhe conferida tal graça, em atenção aos muitos

serviços que ele havia prestado, assim em Portugal, como “nas

partes da Índia, onde servira muito tempo com o Conde

Almirante (18) e com o Vice-Rei D. Francisco de Almeida, e

com Affonso d’Albuquerque, e em todos feitos e cousas que os

ditos capitães nas ditas partes fizeram, nos quaes dera sempre

de si mui boa conta”.

As Alagoas e parte do atual território da província de

Pernambuco tocaram, na extensão de sessenta léguas, a Duarte

Coelho, valente capitão que muito se distinguira por feitos no

Oriente, em cujos fastos achamos mais de uma vez consignado

honrosamente o seu nome, em missões ao reino de Sião e à

China, no descobrimento da Cochinchina, no recontro que reve

com duas armadas, conseguindo fazer vinte e tantas presas, e

em outras ações ilustres (19). Havia sete anos que voltara do

Oriente, e se casara com D. Brites, irmã de Jerônimo d’

Albuquerque. Como, por ocasião da primitiva repartição das

terras, lhe haviam ido ordens para navegar até Pernambuco (da

costa da Malagueta, onse de achava cruzando), a fim de

destruir a feitoria deixada pela nau de Marselha, é natural que

daí proviesse o ser preferido para esta parte da costa, de que

porventura chegaria a ter conhecimento prévio.

102

Um pouco ao norte da foz do rio Igaraçu ficava a

extrema do domínio de Coelho. À margem esquerda da foz

deste rio, no canal de Itamaracá, fora levantada a feitoria de

Cristóvão Jaques. A cinqüenta passos ao norte dela, onde se

diz “Os Marcos”, em virtude dos que aí se postaram, era o

ponto donde partia designadamente a raia setentrional da

mesma capitania. Para o norte se contavam as restantes trinta

léguas da pertença do donatário Pero Lopes, as quais

alcançavam a baía da Traição, compreendendo parte da atual

província da Paraíba, e incluindo a fértil ilha de Itamaracá.

A extensão d litoral daí para diante, o resto da atual

Paraíba e Rio Grande do Norte, coube a João de Barros e a

Aires da Cunha, de parceria; contando-se-lhes cem léguas

além da baía da Traição. Seguiam-se sobre o Ceará quarenta

léguas para o cavaleiro fidalgo Antônio Cardoso de Barros

(20), e depois de mediarem setenta e cinco para Fernando

Álvares de Andrade, e que vinham a incluir parte da costa do

Piauí e Maranhão atual “desde o cabo de Todos os Santos, a

leste do rio Maranhão, até junto ao rio da Cruz (IV)”,

competiam outra vez àqueles dois donatários associados,

Barros e Cunha, cinqüenta léguas mais, começando a contá-las

de loeste “desde a abra de Diogo Leite até o dito cabo de

Todos os Santos”.

Fernando Álvares de Andrade, do conselho do rei, era

então tesoureiro-mor do Reino (Barros, Déc. I, VI, 1º). –

Enquanto viveu, diz-nos o conde da Castanheira, foi

solicitador acérrimo em favor de providências a bem do Brasil.

Aires da Cunha era um valente nauta que se distinguira

como capitão-mor do mar em Malaca (Barros, Déc. III, liv. 10,

c. 6. – IV, liv. 1º, cs. 9, 10 e 11. – Couto, IV, liv. 1º, c. 6; liv.

103

2º, cs. 2 e 3). Recolhendo dos Açores, onde se achava com

uma esquadrilha de caravelas de guarda-costa e onde prestara

serviços importantes, em Setembro de 1533 (21), chegara a

Lisboa, comandando um galeão, com o qual se oferecera a

destruir a feitoria que em Pernambuco fundara a nau de

Marselha La Pélerine, comissão que não lhe foi incumbida,

por chegar pouco depois Pelo Lopes, deixando concluída essa

empresa.

Quanto ao donatário João de Barros, escusado é dizer

que se trata do que viria a ser historiados da Índia, com tanta

glória para a nação, e fortuna para a língua, em que ele tão

vigorosamente escrevia. Louve-se muito embora, nos

historiadores portugueses, a crítica de Brandão, o colorido de

Brito, o fraseado de Sousa, de Lucena, ou de Mendes Pinto,

sempre haverá que conceder a Barros toda a pureza na

linguagem, muita propriedade na frase, e um estilo elegante,

principalmente quando descreve ou pinta certas paragens,

ostentando as muitas noções que tinha das coisas do Oriente,

como quem, aproveitando-se do seu ofício de feitor da casa da

Índia, não praticava em outro assunto com os que de lá

chegavam. Bem alheias vereis sempre as Décadas da Ásia,

assim dos soporíferos contos de Castanheda e de Azurara,

como das pregações homéricas do velho Fernão Lopes; e por

isso mereceram elas a glória de ser o livro português que mais

folheou o imortal cantor do Gama. O conde da Castanheira

tinha o erudito feitos da Casa da Índia em tão boa conta que a

seu respeito dizia num relatório (22) ou exposição ao monarca:

“O feitor hei eu por tão fiel em seu officio que casi me

parece que ainda que furtar fôra virtude elle o não fizera:

entende o negocio muito bem, ha mister mais favor que

104

sofreadas. Não fôra mau para o negocio da cada (23) não ser

elle incrinado a outros, os quaes, não somente não são illicitos,

mas muito proveitosos à terra”. Estes outros negócios lícitos,

úteis à terra, a que se mostrava inclinado o pobre feitor, eram

naturalmente as ocupações de sua pena, que tanta glória dão ao

país, e que revertem em quem assim o protegia, para escrever

suas obras, e colonizar a pátria e o orbe com as suas criações.

No número destas contaríamos hoje uma crônica do Brasil até

o seu tempo, se havendo vivido mais anos, houvesse ele

podido realizar (24) os seus intentos.

Resta-nos unicamente tratar do cavaleiro fidalgo

Antônio Cardoso de Barros, cuja capitania, computada em

quarenta léguas de costa, se estendia, aquém da de Fernando

Álvares, desde o rio da Cruz, em dois graus e um terço,

correndo para leste, até a Angra dos Negros, em dois graus

(25). Esta capitania tinha apenas seis léguas de espaço de

latitude, pois seguia de dois graus a dois graus e um terço. –

Dos precedentes deste donatário não encontramos notícias. –

Segundo certos indícios de ruínas de pedra e cal, encontradas

depois na Tutóia (26), aí pretendeu estabelecer uma colônia,

que se viu obrigado a desamparar; e mais tarde aceitou da

coroa um cargo de fazenda para a Bahia, e ao recolher-se ao

Reino naufragou, e foi barbaramente assassinado pelos índios.

Por certas expressões, que lemos no relatório

mencionado do conde da Castanheira, deduzimos que não

houve, entre os poderosos da corte, grande concorrência, como

dá a entender a carta régia a Martim Afonso, para alcançar tais

capitanias, que nem sabiam alguns dos agraciados que coisa

eram. Reconhece o conde que a distribuição não tinha dado

ainda tantos resultados como se esperava, e desculpa-se de que

105

a tal respeito não se pôde fazer mais, por o não consentirem os

que queriam ir, “e serem poucos os que sobre isso

competiam”.

Embora pareça que nada há que opor a estas reflexões,

porque a necessidade era a lei, e porque urgia o estímulo aos

empreendedores, que naturalmente imporiam as condições, não

podemos dissimular que, em nosso entender, o governo andou

precipitado em distribuir logo a terra, de juro e herdade:

reconhecemos a necessidade que havia de colônias por toda a

extensão da costa; mas talvez estas se houveram da mesma

sorte obtido e outras muitas após elas, se as doações se

houvessem limitado, por então, a doze ou mais quinhões

muito mais pequenos; e que constassem de algumas léguas

quadradas, próximas aos portos principais da costa, já então

conhecidos e freqüentados. A colonização não se teria

disseminado tanto (chegando às vezes a perder-se), e houvera

sido mais profícua, e dado resultados mais prontos; e o

governo poderia ter guardado um novo cofre de graças, para

recompensar os serviços feitos pelos abastados do comércio

que aspirassem a satisfazer a tendência existente no coração

humano de vincular, para sucessores, as fortunas adquiridas. –

Com doações pequenas, a colonização se teria feito com mais

gente, e naturalmente o Brasil estaria hoje mais povoado –

talvez – do que os Estados Unidos: sua povoação seria

porventura homogênea, e teriam entre si as províncias menos

rivalidades que, se ainda existem, procedem, em parte, das tais

grandes capitanias. Pois é possível crer que esses poucos que

competiam para ser donatários, como diz o conde da

Castanheira, se não contentassem sem a idéia do domínio de

muita terra embora inútil, e sobre que nem sequer podiam

106

saciar com os olhos, mas só com a imaginação, sua cobiça,

quando na maior parte eram de sertão, onde não poderiam ir,

nem foram, em sua vida? O mal foi fazer-se tudo às pressas” E

o caso é que isso, por ser mal feito, não se expulsaram de

nossos mares os navios franceses, que era o resultado principal

que se pretendia obter.

É certo que a mania de muita terra acompanhou sempre

pelo tempo adiante os sesmeiros, e acompanha ainda os nossos

fazendeiros, que se regalam de ter matos e campos em tal

extensão que levem dias a percorrer-se, bem que às vezes só a

décima parte esteja aproveitada; mas se tivesse havido alguma

resistência em dar o mais, não faltaria quem se fosse

apresentando a buscar o menos. Anos antes tinham aparecido

colonizadores para os Açores, com muito mais pequenas

doações de terras; e os Açores e a Madeira têm hoje,

proporcionalmente mais povoação que os distritos de Portugal,

naturalmente porque foram as doações mais pequenas e em

maior número: e apesar de haverem sido muitos dos colonos

estrangeiros, como os que levou Hürter para o Fayal e Bugres

para a ilha Terceira, nem por isso a colônia, formada de

flamengos, ficou flamenga, nem falando flamengo.

Na distribuição primitiva das terras, sem dúvida se

deram muito notáveis desigualdades, não tanto no avaliar as

doações pelo maior ou menor número de léguas sobre a costa,

que esse foi em geral de cinqüenta; bem que por exceção se

estendesse a oitenta ou a cem, ou se restringisse a trinta. As

maiores e mais caprichosas desigualdades se encontram,

quando hoje vamos sobre o terreno apurar até onde chegavam,

pelo serão a dentro, os direitos senhoriais concedidos; e

medimos aproximadamente os milhares de léguas quadradas

107

que, segundo a correspondente carta de doação, tocava a cada

um destes Estados, geralmente com maior extensão de

território do que a mãe-pátria; extremando de loeste, pela

meridiana da raia que estabelecemos (27), na suposição de se

contarem as léguas como de dezesseis graus e dois terços.

Procedendo a esta apuração, fácil será conhecer que as

doações, em milhares de léguas quadradas, vinham a guardar,

pouco mais ou menos, as proporções seguintes:

1º - Duarte Coelho, doze milhares;

2º - Pero Lopes, sete milhares e meio;

3º - Francisco Pereira, sete milhares;

4º - Figueiredo, quase o mesmo;

5º - Tourinho, seis milhares e meio;

6º e 7º - Barros e Cunha, quase o mesmo cada um;

8º - Vasco Fernandes, cinco milhares e meio;

9º - Martin Afonso, pouco mais de dois e meio;

10º - Pero de Góis, menos de dois;

11º - Fernando Álvares, menos de milhar e meio;

12º - Antônio Cardoso, pouco mais de seiscentas

léguas.

Deste modo a capitania de Martim Afonso, que talvez o

doador pensou fazer maior que as outras, saiu das mais

pequenas. Ainda nos nossos tempos há exemplos de

disposições legislativas em que da ignorância de princípios

científicos procedem resultados absurdos, ou contrários à

mente dos legisladores.

Em todo caso, por meio do estabelecimento destas

capitanias, pensou o governo de D. João III, sem lesar

diretamente o tesouro da nação, não só assegurar esta grande

108

extensão de terra que a fortuna lhe outorgara, como, com o

tempo, recolher, por meio da cultura dela, maiores vantagens.

– Não há dúvida que por muito entraria no ânimo do soberano

o pensamento de propagar o evangelho; mas ele o faria,

faltando aos seus deveres, se o executasse empobrecendo, em

gente e em recursos, o povo que regia, sem esperanças de

retribuição. Uma colônia, diz um publicista que se ocupou

profissionalmente do assunto, “é o resultado da emigração de

indivíduos de que a metrópole se priva, com a esperança de

poder indenizar-se mais tarde dos sacrifícios que faz; sem o

que, os estabelecimentos que fizesse só lhe causariam dano”.

Pelo que, o simples fato do estabelecimento de uma colônia

por qualquer nação, que a funda com os seus filhos, “a defende

com as suas armas e a mantém por suas leis, como diz

Montesquieu, reclama a compensação nas vantagens do seu

comércio, com exclusão de todas as outras nações, segundo o

direito europeu ainda praticado em nossos dias por alguns”.

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Também desse infausto sucesso trata Oviedo, no Liv. 23, cap.

10 (T. 2º, pág. 188). – (A.). – Sobre o caminho seguido por Cabeça de

Vaca, interpretação de modos tão diferentes, consulte-se Rio Branco,

Exposição, etc., II, págs. 224-225. – (C.). – A expedição, composta de

quarenta besteiros e outros tantos espingardeiros, comandada por Pero

Lobo, um dos capitães de Martim Afonso, e guada por Francisco de

Chaves, partiu de Cananéia, no primeiro dia de Sertembro de 1531, -

Diário de Pero Lopes, I, págs. 206-207, da edição de Eugênio de Castro.

Entranhando-se pelo sertão, rumo do sudoeste, em busca de metais

preciosos, dos expedicionários não houve mais notícias senão a que, dez

anos depois, transmitiu o adiantado Alvar Nuñez Cabela de Vaca:

109

“Llegados que fueron al rio Yguaçu fu[e informado de los índios naturales

que el dicho rio entra en el rio del Parana, que asi mismo se llama el rio

de la Plata. Y que entre este rio del Parana y el rio de Yguaçu mataron los

índios a los Portugueses que Martim Afonso de Sousa ambio a descubrir

aquela tierra; al tiempo que pasavam el rio en canoas dieron los índios en

ellos y los mataron; algunos destes de la del Parana que ai mataron a los

Portugueses, le avisaron al governador (Cabeça de Vaca) que los índios

del rio del Pequeri, que era mala gente, enemigos nuestros, y que estavon

aguardando para acometerlis y matarlos en el passo del rio...”. –

Comentarios de Alvar Nuñez Cabeça de Vaca, adelantado y governador

de la provincia del rio de la Plata. Scriptos por Pero Hernández, scrivan

y secretario de la provincia, y dirigidos al Serenisimo, muy alto y muy

poderoso Señor el Infante Don Carlos, N. S.”, fls. LXVIII v., Valladolid,

1555. – Dos termos do itinerário de Cabeça de Vaca, Rio Branco (op. et

loc. cit.) deduziu elementos de prova de que naquela região, cuja posse a

República Argentina disputava ao Brasil, os Portugueses precederam de

dez anos aos Espanhóis no descobrimento. – (G.).

(2) D. Martinho de Portugal, em carta de 19 de Abril de 1532, “dá

conta de huma nau de Franceses de Marselha, que tomou Antonio Correa

com grande valor; e foy de importancia por vir do Brasil; que se tornara a

salvamento á sua terra, se ouverão de armar outras muytas logo em

Marselha e por toda a Italia”. – Frei Luís de Sousa, Anais de D. João III ,

pág. 377, Lisboa, 1844. – (G.).

(3) “Géneral des armées navales” – diz F. Denis, em seu

interessante trabalho Le Génie de la Navigation, pág. 33. Também se

escrevia Blanquart. – (A.). – Bertrand d’Ornessan era o nome do barão de

Saint-Blancard. – (G.).

(4) Cremos que essa fortaleza seria em um dos morros de Olinda,

nome que Duarte Coelho veio a substituir ao indígena de Marim, que

tinha no tempo dos franceses e de Paulos Nunes.

(5) No dia seguinte, 21 de Janeiro de 1533, é datada a carta de D.

João III ao conde da Castanheira, avisando-o da chegada de Pero de

Sousa, que vinha do Brasil, “quall, antre boas novas que trouxe, foy que,

vymdo elle do Rio da Prata, correndo a custa do Brasil, veyo teer a

Pernambuco, ôde achou os Franceses, que tinham feyto fortalezza; e lha

tomou, e os tomou a elles, e ficou pacificamente e poder dos Portugueses

110

sem nenhua contradiçam. E porque pareçe que, por esta obra ser feyta,

non sera necessario ir Duarte Coelho com a sua armada há dita costa do

Brasyll, e que seja muyto mais meu servyço ir esperar as naoos que

Antonio Vaaz de Lacerda diz que se aviam de ir ajuntar, pera seguirem

d’y sua viajem em cõserva até a India, que deve de ser na costa de Ginee

ou perto da costa de mallageta, omde o dito Duarte Coelho estaa”. – J. D.

M. Ford, Letters of Joh III, citadas, pág. 69. – (G.).

(6) Carta del-rei ao conde da Castanheira, de 25 de Janeiro de

1533. – (A.). – Publicada por J. D. M. Ford, Letters of John III, citadas,

págs. 73-75. – (G.).

(7) Duarte Coelho havia de andar na costa da Malagueta até 10 ou

15 de Abril; Parece que quando o aviso chegou, já seria Maio, tempo

necessário para ir às ilhas, ibidem, pág. 82. – (G.).

(8) Para promover a colonização dos países, aonde ela não ia

espontaneamente, não havia então, e nem talvez haja ainda hoje, outro

meio; bem que se possam aperfeiçoar cada vez mais as condições, sempre

em harmonia, com o sistema da enfiteuse romana. Somente certos direitos

sobre o colono podem estabelecer igualdade em contratos, onde um

homem, sem fiador, faz promessas, em virtude das quais unicamente o

donatário abona o custo de seu transporte e outras despesas. – (A.).

(9) Esse sistema foi também seguido pelos Holandeses quando,

em 1630, colonizaram nos Estados Unidos, no Delaware, Hudson, etc. –

(A.).

(10) “Setenta” se lê nas cópias. Parece, porém, ter havido engano

de algum copista, pois “trinta” se lê no processo autêntico de St.

Blancard. – (A.).

(11) Segue: “Pero Anriques a fez em Lisboa aos 28 de Setembro

de 1532 annos-REI”. – (A.). – Santarém, Quadro elementar, 3 , 241,

equivoca-se, dando-a como escrita por Martin Afonso a D. João III. –

(C.).

(12) Esta carta parece autêntica: entretanto, o final dá que pensar.

Significará que el-rei tinha tanta confiança nas medidas tomadas que de

111

antemão já cantava vitória? Conterá referência a algum fato de que não

temos outra notícia? – (C.).

(13) Martim Afonso estava ainda em São Vicente a 4 de Março de

1533, segundo Tanques, na Rev. do Inst., 9, (1847), pág. 146. Reuniu-se a

Duarte Coelho na ilha Terceira, e naturalmente voltou com ele para

Lisboa, depois de Julho do mesmo ano, como se vê de Fr. Luís de Sousa,

Anais de D. João III, pág. 378. Parece que primeiro governou como seu

locotenente Pero de Góis, que teve com os espanhóis de Iguape um

conflito, a que o autor se refere na secção XI. – (C.).

(14) A doação a Duarte Coelho é de 10 de Março (1534) e teve

apostila em 25 de Set., concedendo-lhe metade da dízima do pescado, que

pertencia de direito à Ordem de Cristo. – (A.).

(15) “Em altura de vinte e oito graus e um terço”. (Carta de

doaç.). – (A.).

(16) Se a letra é de Pero de Góis, segundo o autor afirma também

na Revista do Instituto, 24, (1861), pág. 5, a cópia foi extraída alguns

anos depois dos sucessos narrados, porque Pero de Góis ainda ficou no

Brasil, como se vê do seguinte trecho de sua carta de doação passada a 28

de Janeiro de 1536: “havendo respeito aos serviços que me tem feito

Pedro de Góis, fidalgo de minha casa, assim na armada que Martim

Affonso de Sousa foi por capitão-mor na dita costa do Brasil como em

alguns descobrimentos que o dito Martim Affonso fez no tempo em que lá

andou, e em todas as mais cousas de meu serviço e a que se o dito Pedro

de Góes achou, assim como o dito Martim Affonso como sem elle, depois

de sua vinda por ficar lá”. – Silva Lisboa, Anais do Rio de Janeiro, 1,

pág. 351. Rio, 1834. – (C.). – Conf. nota V, no fim da secção XII.

(17) Liv. 7, de D. João III, fls. 113 e 187. – (A.). – O que se

encontra em João de Barros (Déc. II liv. VI, cap. IV) sobre os feitos de

Vasco Fernandes Coutinho compendiou Silva Lisboa, Anais do Rio de

Janeiro, 1, 333 d segs. – (C.). – Em Fernão Cardim, Tratados da Terra e

Gete do Brasil, Rio, 1925, pag. 342, há referência “àquele Vasco

Fernandes Coutinho, que fez as maravilhas em Malaca, detendo o elefante

que trazia a espada na tromba”. – (G.).

(18) Vasco da Gama. – (A.).

112

(19) Barros, III, passim, e Couto, IV, passim. Veja também o t. V,

das obras poéticas de Dinis, págs. 142 a 144, donde se colige como a essa

família veio a entroncar-se um homem célebre. – (A.). – O marquês de

Pombal. Duarte Coelho passou à Índia em 1509, na armada em que foi por

capitão-mor D. Fernando Coutinho: esteve na China, primeiro europeu

que isto fez em navios europeus, em 1516-1517; em 1529 foi encarregado

de ver com dois engenheiros os portos em África que deviam ser

fortificados. em 1531 foi à França, de onde voltou pouco depois de lá ter

chegado o conde da Castanheira [Fernando Palha, La lettre de marque de

Jean Ango, pág. 49, et passim, Rouen, 1890]. Frei Luís de Sousa, Anais

de Dom João Terceiro, 378, dá breve notícia dos seus serviços no Oriente.

Quando ao parentesco com o marquês de Pombal, veja -se a nota da secção

XXV. – (C.).

Duarte Coelho era filho de Gonçalo Coelho, emissário de D. João

II ao príncipe de Jalofo, capitão-mor da armada de 1503 e escrivão da

fazenda real. Veja-se História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.

II, págs. 301-308. – (G.).

(20) Por carta de 19 de Novembro de 1535, atendendo aos

serviços que Antônio Cardoso de Barros, cavaleiro fidalgo, tem feito

assim no Reino como em África, etc., el -rei lhe fez mercê de quarenta

léguas de costa do Brasil, que começarão da angra dos Negros, que está

na banda do Leste em altura de 2º, e acabam no rio da Cruz, da banda de

Loeste, que está em altura de 2º 1/s. – Livro 21 das Doações de D. João

III, fls. 187. No dia seguinte (20 de Novembro) foi feito o foral. – Livro

22 das Doações, fls. 108. A carta de doação nunca foi impressa. O foral

foi impresso pelo Barão de Stuart, in Revista do Instituto do Ceará , tomo

XXIII (1909), págs. 11-16. – (G.).

(21) Se, como se lê à pág. 159, já em janeiro de 1533 Pero Lopes

chegava à Europa depois de tomada a fortaleza galo -pernambucana, como

ainda em Setembro do mesmo ano poderia Aires da Cunha se oferecer

para desempenhar essa comissão? Evidentemente, onde está 1533, deve -se

ler 1532. – (C.).

(22) Este relatório será oportunamente dado à luz. – (A.). – Esta

promessa, já feita na 1ª edição, 1, 68, nunca foi realizada pelo autor; o

paradeiro do documento é desconhecido. – (C.).

113

(23) Da Índia, entende-se. – (A.).

(24) Varn. na Rev. do Inst., 13, 396. Barros servira também,

interinamente, de tesoureiro da Casa da Índica, no 1º de Maio de 1525 a

fins de 1528. Rib. Diss. Cr., Tom. 2º, pág. 265. Recebeu quitação em 20

de Out. de 1563. – (A.).

(25) Doaç. de Évora, em 19 de Nov. de 1535. – (A.).

(26) Na entrada tinha umas ruínas de pedra e cal, como que em

algum tempo houvesse sido povoada de gente da Europa – lê-se na

Jornada do Maranhão , pág. 185. Este trecho não implica, porém, que de

Antônio Cardoso de Barros procedessem tais ruínas. – (C.).

(27) A raia que o autor deduz da interpretação do tratado de

Tordesilhas. – (C.).

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

Processo do barão de Saint-Blancard contra Pero Lopes, na nota

32 da 1ª edição desta História, e na 3ª e 4ª do Diário de Pero Lopes. –

(A.). – Veja-se na Lusitânia, vol. III, fascículo IX, págs. 315-327, Lisboa,

1926, o erudito artigo do dr. Jordão de Freitas sobre o achado na Torre do

Tombo (Corpo cronológico, I, 65, 13) de peças desse processo, que

encerram “interessantes e valiosos elementos de informação não só

relativamente às condições da vida social, comercial, religiosa e militar

dos habitantes da feitoria portuguesa de Pernambuco em 1532, quando ali

aportou a nau marselhesa Pélerine (antiga nau portuguesa Sam-Thomé a

estirada, roubada pelos franceses a um André Afonso, da cidade do

Porto), mas ainda acerca do assalto, destruição, roubos e mortes que os

franceses ali fizeram então, bem como a respeito dos sucessos ocorridos

após a chegada de Pero Lopes de Sousa a Pernambuco no mesmo referido

ano”.

Além de Pero Lopes de Sousa, Antônio Correia e o arcebispo D.

Martinho de Portugal, mencionados no documento que o autor publicou

na primeira edição deste livro e em duas sucessivas do Diário de Pero

Lopes, reproduzido por Gaffarel, Histoire du Brésil Français , 366-372 –

114

foram também acusados pelo barão de Saint -Blancard mais três capitães

portugueses: Gonçalo Leite, Bartolomeu Ferraz e Gaspar Palha, que

figuram nas pelas do processo ultimamente encontradas.

O tribunal, que já funcionava em Baiona em 10 de Outubro de

1537, era constituído por dois juízes, deputados ou comissários fran ceses,

dois portugueses e, em caso de empate, elegia -se um quarto juiz. A carta

citatória (informa Jordão de Freitas) havia sido trazida por um procurador

do autor do processo, sendo o assunto tratado em audiência da correição

do civil da corte, presidida pelo licenciado Men de Sá e realizada no dia

16 de Junho de 1538. O Instituto Histórico possui cópias fotográficas

destes documentos, impressos no Diário de Pero Lopes, de Eugênio de

Castro. – (G.).

(II)

“Pernambuco onde achou os Francezes que tinham fei to fortaleza

e lha tomou a elles, e ficou pacificamente em poder dos Portuguezes”. –

Primeira carta de el-rei ao conde da Castanheira, de 21 de Janeiro de

1533. Cópia ms. na Cor. do autor. – (A.). – Essa carta, conforme averigou

o Dr. Jordão de Freitas, História da Colonização Portuguesa do Brasil ,

vol. III, pág. 117, nota 133, é de Évora, 20 de Janeiro de 1533; há outra

de 21, relativa à “vinda de pero lopes de sousa eu veyo do brasil”, mas

não é nesta, e sim na primeira, que se contém o trecho apontado. – (G.). –

Frei Luís de Sousa, Anais de Dom João Terceiro, pág. 377, escreve:

“Consta por carta delRey ao conde da Castanheira, de 21 de Janeyro de

1533, que Martim Afonso de Sousa tomou na sua viagem (parece que foy

do Brasil) duas naos de Francezes com trinta e tantos homens de França e

quatro índios do Brasil, que chama Reys: manda el -Rey que os Francezes

venhão presos ao limoeyro, e os navios a Lisboa; e os que chama Reys

sejão bem tratados, e vestidos de seda.” – (C.). – Jordão de Freitas, ub

supra, encontrou duplo equívoco por parte do cronista, quanto à data da

carta, conforme já se viu, e quanto ao nome de Martim Afonso de Sousa

em lugar de Pero Lopes de Sousa, que no Borrador arquivado na

Biblioteca da Ajuda vem mencionado quatro vezes.

As cartas de D. João III ao conde da Castanheira vêm anexas ao

estudo do dr. Jordão de Freitas sobre a Expedição de Martim Afonso de

Souza, no citado vol. da História da Colonização . – (G.).

(III)

115

Consta de uma certidão passada a 15 de Junho de 1535, por Heitor

de Barros, escrivão da feitoria de Pernambuco, sobre os serviços do

bombardeiro Diogo Vaz, que “chegando a pernambuquo do Ryo da prata

domde vynha foy necesariho ho dyto Dº Vaz fyquar é o dyto

pernambuquo para serviço delRey nosso sõr ho quoall pº lopes mãdou e

fez fyquar por cõdestabre da fortaleza que se fez de q. Vte. miz [Martins]

feReyRa [Ferreira] hera quapitã e quomesou a servyr no dyto

pernambuquo aos trynta dyas do mês doutubro da era de myll e qujñetos e

trynta e dos años [até] q. chegou palus nniz [Paulos Nunes] na qaRavela

espeRa pera ser quapitã do dyto pernambuquo quomo ho foy e fez

cõdetabre da fortaleza a xpº franq e ho dyto Dº Vaz servya de

bombardeyRO do primeiRo de mayo da era de trynta e três años esta de

mjll e qujn~etos e trynta e cinquo e q . estamos q. aquj chegou Duarte

qoelho a esta fortaleza a nove dyas do mês de março da dyta era e q. lhe

foy entregue a duta fortaleza e lhe deu lycensa pera q. se qujzesse jr pera

ho Reyno”. – Doc. da Torre do Tombo, Corpo Cronológico, II, 202,

citado pelo dr. Jordão de Freitas, Lusitânia, vol. III. fascículo IX, pág.

326. – em carta de D. João III ao Conde da Castanheira, de 8 de Fevereiro

de 1533, determina o rei que da armada de Duarte Coelho, que estava na

costa da Malagueta, se mandasse ao Brasil, por to de Pernambuco, uma

caravela com sessenta homens, e que nela fosse Paulos Nunes, “o quall

estee por capitão da gente que llaa lleyxou Pero Llopez de Sousa...” – J.

D. M. Ford, Letters of John III, citadas, pág. 91. – Outra carta de 16 dos

mesmos mês e amo, o rei aprovava o regimento que Paulos Nunes devia

levar; escrevia que Pero Lopes lhe dera conta do que era necessário sobre

Manuel de Braga e Vicente Martins, piloto, e que logo mandava as

competentes provisões, ibidem, pág. 99. – (G.).

(IV)

“Afirma o gentio que nasce este rio de uma lagoa, ou de junto

dela, onde também se criam pérolas e chama-se este rio da Cruz, porque

se metem nele perto do mar dois riachos em direito um do outro, com que

fica a água em Cruz.” – Gabriel Soares, Tratado descritivo , 23. – O nome

do rio da Cruz (rio donde se halló uma crus) já se encontra no mapa de

Juan de la Cosa; é o atual Camocim, como afirma Pimentel em 1712. –

(C.).

O pouco que sabemos a respeito da capitania de João de Barros e

seus sócios, condensou Capistrano de Abreu nos prolegômenos à História

do Brasil de Fr. Vicente do Salvador, págs. 78 e 79:

116

“Sobre João de Barros, Fernando Álvares de Andrade e Aires da

Cunha quase só conhecemos o que contam documentos castelhanos. A

armada fortemente organizada zarpou em fins de 35. Parece ter seguido

para Pernambuco, donde parte desgarrou para as Antilhas e foi presa,

Medina (Diego Garcia de Moguer, pág. 62): parte navegou para o Rio

Grande, onde não demorou, porque a grande preocupação era o ouro, isto

é, as terras do Peru, já então invadidas por Pizarro e Almagro. A morte de

Aires da Cunha não desanimou a expedição, que subiu por um rio e seu

afluente “durante duzentas e cinqüenta léguas até não poderem ir mais

adiante por causa da água ser pouca e o rio se ir estreitando de maneira

que não podiam já por ele caber as embarcações”, informa Gandavo,

História da Província de Santa Cruz , cap. 2. Um manuscrito espanhol

contemporâneo (cópia na Bibl. Nac.), reduz as léguas a cento e cinqüenta,

diz que fizeram uma fortaleza na ilha em que ainda hoje está a capital do

Maranhão, outra na confluência de dois rios, outra finalmente no último

ponto do rio vindo da esquerda que puderam alcançar; este deve ser o

Pindaré, mas o autor, dá-lhe o nome de Maranhão. Antônio Baião acaba

de publicar no Bol. da Ac. das Ciências de Lisboa, muitos documentos

sobre João de Barros, que contêm ligeiras referências ao Brasil.” Deles

resulta que os filhos de João de Barros vieram depois de Aires da Cunha,

mais ou menos no tempo de Luís de Melo. – (G.).

117

SECÇÃO XXIII

O BRASIL EM 1584 – MISERICÓRDIA.

LITERATURA CONTEMPORÂNEA.

O Brasil e Gandavo e Camões. Gabriel Soares. Fernão Cardim.

Seus serviços. Situação das Capitanias. Itamaracá. Pernambuco.

Engenhos, riqueza, luxo, etc. A Bahia. População. Edifícios. Trato.

Riqueza. Ilhéus. Porto Seguro. Duque d’Aveiro. Espírito Santo. Rio de

Janeiro. Seu adiantamento. São Vicente e Santo Amaro. Atraso das

capitanias do Sul. Suas vilas. São Paulo. Seus habitantes. Produção total

do açúcar. Importações. Riqueza, Misericórdias e irmandades. Leis

absurdas. Camões e seus contemporâneos. Góis e Sá de Miranda. Pedro

Nunes. O sol dos trópicos.

É tempo de pararmos um pouco a contemplar os

progressos feitos durante meio século de colonização. Antes,

porém, cumpre que dediquemos algumas linhas para dar a

conhecer dois escritores contemporâneos, que nos vão servir

de guias, e que fazem já honra ao Brasil-colônia, onde muitos

anos viveram, e onde faleceram.

As obras de Gabriel Soares e de Fernão Cardim não só

se devem considerar como produções literárias de primeira

ordem no século XVI, mas também, principalmente com

relação ao nosso fim, como verdadeiros monumentos histó-

ricos, que nos ministram toda a luz para avaliarmos o estado

da colonização do nosso país, na época em que escreveram, o

primeiro em 1584 e o segundo um ano antes (1).

118

Como produção literária, a obra de Soares é

seguramente o escrito mais produto do próprio exame,

observação e pensar, e até diremos mais enciclopédico da

literatura portuguesa nesse período. Nos assuntos de que trata,

apenas fora precedido uns dez anos pela obra (I) muito mais

lacônica, mas que lhe serviu de estímulo, do gramático Pero de

Magalhães de Gandavo, autor que publicou o primeiro livro

em português acerca do Brasil, e que ainda mais estimamos,

por haver sido amigo de Camões, e por haver, por assim dizer,

posto em contacto com nosso país o grande poeta, quando este

escreveu em verso a epístola oferecendo-a a D. Lioniz Pereira,

antigo governador de Malaca.

A breve história sua que ilustrasse

A terra Santa Cruz pouco sabida (2)

Nos Lusíadas apenas Camões se lembrou do Brasil,

escrevendo uma vez este nome, e outro o de Santa Cruz (3);

nunca o de América.

Seja embora rude, primitivo, e pouco castigado o estilo

de Soares, confessamos que ainda hoje nos encanta o seu modo

de dizer; e ao comparar as descrições com a realidade, quase

nos abismamos ante a profunda observação que não cansava,

nem se distraía, variando de assunto (II).

Como corógrafo, o mesmo é seguir o roteiro de Soares

que o do Pimentel ou de Roussin; em topografia ninguém

melhor do que ele se ocupou da Bahia; como fitólogo faltam-

lhe naturalmente os princípios da ciência botânica; mas

Dioscórides ou Plínio não explicam melhor as plantas do velho

mundo que Soares as do novo, que desejava fazer conhecidas.

119

A obra contemporânea que o jesuíta José de Acosta publicou

em Sevilha em 1590 (4), com o título de História Natural e

Moral das Índias, e que tanta celebridade chegou a adquirir,

bem que pela forma e assuntos se possa comparar à de Soares,

é-lhe muito inferior quanto à originalidade e cópia de doutrina.

O mesmo dizemos das de Francisco Lopez de Gomara (5) e de

Gonçalo Fernández de Oviedo (6). O grande Azara (7), com o

talento natural que todos lhe reconhecem, não tratou

instintivamente, no fim do século XVIII, da zoologia austro-

americana melhor que o seu predecessor português; e numa

etnografia geral dos povos bárbaros, nenhumas páginas

poderão ter mais cabida pelo que respeita ao Brasil, que as que

nos legou o senhor de engenho das vizinhanças do Jequiriçá.

Causa pasmo como a atenção de um só homem pôde ocupar-se

em tantas cousas “que juntas se vêem raramente”, - como as

que se contêm na sua obra, que trata a um tempo, em relação

ao Brasil, de geografia, de história, de topografia, de

hidrografia, de agricultura entretrópica, de horticultura

brasileira, de matéria médica indígena, das madeiras de

construções e de marcenaria, da zoologia em todos os seus

ramos, de economia administrativa e até de mineralogia (8).

Pouco depois de haver o Brasil passado ao domínio do

rei de Espanha, avisava profeticamente ao governo da

metrópole o dito Grabriel Soares:

“Vivem os moradores tão atemorizados, que estão

sempre com o fato entrouxado para se recolherem para o mato,

como fazem com a vista de qualquer não grande, temendo

serem corsarios: a cuja affronta S. M. deve mandar acudir com

muita brevidade; pois ha perigo na tardança, o que não convem

que haja; porque, se os estrangeiros se apoderarem desta terra,

120

custará muito lança-los fóra della, pelo grande apparelho que

têm para nella se fortificarem; com o que se inquietará toda a

Espanha, e custará a vida de muitos capitães e soldados, e

muitos milhões do ouro em armadas, e no apparelho dellas, ao

que agora se pode atalhar acudindo-lhe com a prestesa devida”

(9).

A obra de Fernão Cardim, que só viu a luz em Lisboa,

em 1847, com o título posto pelo editor (o próprio autor desta

história) de Narrativa epistolar, por constar verdadeiramente

de duas cartas que dirigiu ao provincial da Companhia em

Portugal, é seguramente mais insignificante e destituída de

mérito científico que a precedente; entretanto, recomenda-se

pelo estilo natural e fluente, e pela verdade da pintura feita

com os objetos à vista, e as impressões, ainda de fresco

recebidas dos encantos virgens que regalavam os olhos de

quem acabava de deixar a Europa nos fins do Inverno. –

Cardim, que havia chegado ao Brasil com o governador Teles

Barreto em 1583, prestou depois à Companhia, da qual foi

mais tarde eleito provincial no Brasil (cargo que exerceu ainda

muitos anos do século seguinte), serviços importantes, no

número dos quais devemos incluir o haver a ela atraído tão

valente campeão como veio a ser o Padre Antônio Vieira (III).

Passemos, porém, a aproveitar do conteúdo destas

obras, para oferecer aos olhos do leitor um quadro do estado

em que se achavam então as várias capitanias existentes no

Brasil.

A Paraíba, acabada de fundar, tinha um engenho em

construção por conta da fazenda (10). Começava esta nova

capitania a render ao Estado quarenta mil cruzados, que em

tanto se arrendou o seu contrato do pau-brasil.

121

Na ilha de Itamaracá, do mesmo donatário que Santo

Amaro, seguia prosperando a pequena vila da Conceição,

situada no seu extremo meridional; e nos rios ou córregos

imediatos moíam três engenhos (11).

Passemos a Pernambuco, que era então sem duvida a

capitania mais adiantada e rendosa, e de todo o Brasil a única

em que realmente havia já luxo e trato cortesão. Contava-se

nesta capitania mais de dois mil colonos e outros tantos mil

escravos: daqueles mais de cem teriam passante de cinco mil

cruzados de renda, e alguns de oito e dez mil. E dava-se na

terra a circunstância de serem todos gastadores, de modo que

ainda com tais rendas, que eram enormes para aquele século,

havia muitas dívidas, em virtude dos escravos de Guiné, que

morriam em grande número. – Eram freqüentes as festas e os

jantares; trajavam os homens veludos, damascos e sedas, e

despendiam briosamente com cavalos de preço, com sedas da

roupa. Para o complemento do luxo de hoje só faltariam

carruagens, que em Pernambuco e outras terras do Brasil nem

tinham ainda entrado, segundo parece, no tempo de Vieira

(12). – Além dos cavalos, havia cadeirinhas, ou palanquins,

introduzidas da Ásia, e as serpentinas ou tipóias, que eram

como liteiras ou padiolas, feitas de uma rede e levadas por

dois homens. Só em vinhos se consumiam anualmente em

Pernambuco muitos mil cruzados. Filhos da vila de Viana

eram a melhor parte dos ricaços da terra; e a tal ponto tinham

ali influência que diz o jesuíta, talvez por graça, que em lugar

de aqui del-rei se gritava aqui de Viana” (13). Admirava-se o

padre visitador (14) dos leitos de damasco carmesim, franjados

de ouro, das ricas colchas da Índia, que lhe ofereciam na cama

de dormir, e dos presentes, visitas e convites que recebia.

122

Segundo o testemunho de Cardim, havia então na capitania

sessenta e seis engenhos, que lavravam por ano duzentas mil

arrobas de açúcar, de modo que eram necessários quarenta ou

mais navios para o levar (15). Possuía Olinda uma boa igreja

matriz, quase acabada, de três naves, e muitas capelas, um

colégio da Companhia, com lições de casos, de latim e de

primeiras letras, e boa casaria de pedra e cal. Em Pernambuco,

exclamava Cardim, se encontra mais vaidade que em Lisboa!

As senhoras também ostentavam luxo, e gostavam mais de

festas que de devoções. No recife apenas havia um começo de

povoado com alguns armazéns, e uma ermida com a invocação

do Corpo Santo. O pau-brasil estava arrendado, por dez anos,

em vinte mil cruzados cada ano; e o dízimo dos engenhos em

dezenove mil (16). O donatário Jorge de Albuquerque cobrava

para si uns dez mil cruzados do tributo do pescado, redízima e

outras rendas. No sul da capitania, para as bandas de Porto

Calvo, se ia estabelecer Cristóvão Linz, que chegou a possuir

sete engenhos (17).

Quanto à Bahia, capitania da coroa, mais conhecida que

as outras a deixamos pelo seguimento da nossa história: havia

então nesta capitania também uns dois mil colonos, quatro mil

escravos africanos, e seis mil índios cristianizados. Exportava

anualmente para cima de cento e vinte mil arrobas de açúcar (o

melhor de toda a costa) de seus trinta e seis engenhos; donde

resultava que o termo médio do produto de cada engenho

regulava por três mil e trezentas arrobas. Contava dezesseis

freguesias, um colégio dos padres, um mosteiro de São Bento

(18) e outro de Capuchos (19), além de mais quarenta igrejas e

capelas. Os barcos e canoas de remo, só no Recôncavo,

avaliavam-se em mil e quatrocentos. – Tinha já a cidade do

123

Salvador bons edifícios, porém a sé estava, como a de

Pernambuco, por concluir. Havia nela cinco dignidades, seis

cônegos, dois meios-cônegos, quatro capelães, um cura e

coadjutor, quatro moços de coro e mestre-de-capela, dos quais

muitos não eram sacerdotes, em geral mais mal pagos que os

capelães dos engenhos, cujos lugares os eclesiásticos

preferiam. O edifício do colégio era grande, bem acabado; e

havia nele aulas de teologia, de casos, duas de humanidades,

um curso d’artes, além das primeiras letras. Tinha de renda

três mil cruzados, e sustentava de ordinário uns sessenta

discípulos. Entre os habitantes notava-se igualmente muita

abundância e rico trato, se bem que menos luxo que em

Pernambuco. Nas casas havia bons serviços de prata. As

senhoras tinham bastantes jóias. Também se viam cavalos bem

ajaezados, e até os peões trajavam de cetim e damasco, e suas

mulheres vasquinhas e gibões das mesmas telas. E pois que

nesta capitania as comunicações se faziam principalmente por

água, eram os jovens baianos menos amigos de montar a

cavalo que os pernambucanos. – A capital contava apenas

oitocentos moradores livres, e as casas não passavam ainda

fora das portas de São Bento e do Colégio, ou sé atual. As

rendas da câmara não excediam de cem mil réis anuais.

Seguem as três capitanias dos Ilhéus, Porto Seguro e

espírito Santo, que apesar de seu fecundo solo, e dos muitos

rios que as retalham, e dos freqüentes portos que oferecem ao

comércio, havia progredido mui pouco, como seguiu

sucedendo até hoje. – Tão nociva lhes foi a influência da falta

de uma colonização simultânea, que pudesse absorver os

selvagens, em vez de se deixar por eles tragar.

A capitania dos Ilhéis achava-se reduzida à vila de São

124

Jorge, apenas com uns cinqüenta colonos, em vez de

quatrocentos ou quinhentos que tivera; e unicamente contava

três engenhos, de oito ou nove que possuíra (20) e algumas

roças de algodão e mantimento. Para casa lado da vila, os

habitantes não se estendiam mais de duas ou três léguas, pela

ourela da costa, e apenas meia légua para o sertão.

Não era mais lisonjeiro o estado da capitania de Porto

Seguro; se bem que nesta havia, além da vila capital, com

quarenta colonos, a de Santa Cruz, e duas aldeias de índios, a

de São Mateus e a de Santo André, A gente era pobre: havia

um só engenho de açúcar (21); o gado vacum morria de certo

capim mata-pasto (22) mas em troco os jumentos e cavalos

cresciam em tal quantidade que daqueles havia bravos pelos

matos. As árvores de espinho eram sem conta, e os habitantes

fabricavam, para exportar, água de flor de laranja. Era

donatário o primeiro duque de Aveiro D. João d”Alencastre,

por contrato que, segundo dissemos (23), fizera com a terceira

donatária D. Leonor do Campo.

Um tanto melhor se achava a capitania do Espírito

Santo: contava sobre cento e cinqüenta vizinhos, que possuíam

seis engenhos de açúcar, muito gato e algodões. A Companhia

tinha também seu colégio e igreja regular, e várias aldeias que

administrava (24). Havia aqui mais gentio manso que em

nenhuma outra parte; e os colonos serviam-se muito dele, de

modo que apenas existia escravatura africana. Era desta

capitania segundo donatário Vasco Fernandes, filho do outro

de igual nome, de quem já tratamos; mas pouco depois faleceu,

ficando governadora D. Luísa Grinalda, sua mulher, que fez

antes de muito entrega ao quarto donatário Francisco de

Aguiar Coutinho.

125

A capitania do Rio de Janeiro, bem que apenas contava

vinte anos desde fundada, tinha cento e cinqüenta colonos e

três engenhos, trabalhados principalmente pelos índios. Havia

um colégio da Companhia, em que se ensinava o latim, e que

recebia das rendas públicas dois mil cruzados. Igualmente

seguiam subsistindo a casa de misericórdia e o hospital, quase

no próprio sítio em que ainda hoje estão. Abundava a fruta e a

hortaliça, e era tanto o pescado que valia o de escama a quatro

réis, e o de pele a rea e meio a libra. Ainda então vivia Martim

Afonso, Ararigbóia, comendados de Cristo, índio antigo,

abaeté e moçacara, (Mboçácára, o que é muito honrado,

Montoya, Tesoro, fls. 215) que servira muito aos colonos na

conquista desta paragem. Os três engenhos de que fizemos

menção, eram: um de Cristóvão de Barros, de água; outro do

próprio governador, na sua ilha, movido por bois; e finalmente

um terceiro, começado por Salema e por concluir, do

patrimônio real (25).

“Está tão mística a capitania de São Vicente com a de

Santo Amaro (dizia um dos escritores contemporâneos que nos

vão guiando) que se não foram de dois irmãos, amanharam-se

muito mal os moradores delas” (26). – Já então na prática se

começavam a realizar os temores de Gabriel Soares, e

principiavam a germinar as questões, que pouco depois foram

levadas ao julgamento dos tribunais. Reservando para o diante

o tratarmos de qual era verdadeira linha de raia, nos

limitaremos aqui a consignar que, falecido o primeiro

donatário em 1571, e morto o segundo, seu filho, nos campos

africanos de Alcácer-Kebir, era já, por confirmação régia,

Lopo de Sousa, neto do primeiro, o possuidor da capitania de

São Vicente. A de Santo Amaro, por morte de Pero Lopes,

126

passara sucessivamente a dois de seus filhos, e por falecimento

destes recaíra em uma irmã deles, D. Jerônima, já viúva de D.

Antônio de Lima, de quem tivera D. Isabel de Lima, que veio a

ser a quinta donatária (27).

Apesar, porém, de haver nas terras chamadas de São

Vicente duas capitanias e dois donatários, na realidade quase

que se imaginavam uma só; e inclusivamente tinha um só

provedor, contador e alcaide-mor, que era o velho (28) Brás

Cubas (29); se bem que as sesmarias, nas terras julgadas do

neto de Martim Afonso, eram unicamente concedidas pelo seu

lugar-tenente Jerônimo Leitão, e as da neta de Pero Lopes pelo

governador Salvador Correia, seu bastante procurador para

isso. Entretanto, para a resenha que vamos fazendo, as

consideraremos uma única, e nos ocuparemos indistintamente

das vilas e povoações de ambas.

É necessário confessar que por este lado, principal -

mente perto da costa, o Brasil se tinha porventura atrasado em

vez de melhorar. Vimos que quarenta anos antes havia já aí

seis engenhos e uns seiscentos vizinhos. A colonização do Rio

de Janeiro, e os maiores atrativos de prosperidade na Bahia e

Pernambuco, e a bondade do clima de Piratininga tinham

privado São Vicente de muitos moradores, e a escassez de

navios de comércio para ali, e a presença dos últimos piratas,

haviam-na despojado de muita da sua riqueza. Bem que em

pior estado, as duas capitanias sustinham, entretanto, ainda os

mesmos engenhos.

A vila de São Vicente se empobrecera de um modo

sensível; e estava reduzida a uns oitenta colonos, além dos

padres do colégio da Companhia que, a pedido da gente de

Santos, o visitador Cristóvão de Gouveia ordenava agora que

127

para esse porto se transferisse (30). Eram apenas seis, os quais

ali “estão como eremitas, por toda a semana não haver gente, e

aos domingos pouca” (31).

Menos habitantes colonos, e mais pobres, contava a vila

da Conceição de Itanhaém, dez léguas pela praia, caminho da

foz do Rio de Iguape.

Poucos mais moradores que São Vicente tinha Santos:

em uma e outra vila escasseavam os braços; e pouco antes

haviam ambas dirigido uma súplica a Jerônimo Leitão para

proceder contra os índios, que tanto mal haviam feito à

capitania (32). Naturalmente menos população que todas teria

a vila de Santo Amaro, junto da qual possuía um engenho

Francisco de Barros. Ao norte da Ilha de Santo Amaro havia

bem guarnecidas as duas fortalezas de São Filipe e de

Santiago, à boca da barra da Bertioga; e da banda do sul, à

entrada de São Vicente, e nas terras que haviam sido de

Estêvão da Costa (33), havia (no forte que pouco antes se

fizera) uma guarnição de cem soldados, com capitão e alcaide

(33bis).

São Paulo de Piratininga era a terra mais povoada do

distrito, e continha tanto e meio dos colonos da de Santos ou

de São Vicente. Já seus habitantes se mostram naquele tempo

amigos de cavalgar e fazer “escaramuçar e correr seus

ginetes”. – Os paulistas “do meio daquele sertão e cabo do

mundo”, vestiam-se ainda à moda antiga “de burel e pelotes

pardos e azuis, de petrinas compridas...” e iam nos domingos à

igreja “com roupões ou bornéus de cacheira, sem capa” (34).

Não tinham na vila pároco (35), e seis ou sete padres da

Companhia eram os seus únicos eclesiásticos. Havia muito

gado, e muitas vinhas, de cuja uva se fazia certo vinho que se

128

bebia “antes de ferver de todo”. Igualmente abundavam, entre

as árvores da Europa, os marmeleiros, e se fazia muita

marmelada. O trigo e cevada produziam bem, se os semeavam

(36); escassos eram, porém, os vestuários pelo pouco trato do

comércio. O fabrico do tal vinho cessou acaso com as

proibições, que depois se fizeram em favor do comércio de

Portugal (37). Os habitantes eram servidos pela escravaria da

terra, e nas vizinhanças havia, entre outras aldeias, a da

Conceição dos Pinheiros (38).

Tratando da principal produção do Brasil naquela

época, a do açúcar, contavam-se em Pernambuco sessenta e

seis engenhos; na Bahia trinta e seis, e nas outras capitanias

juntas metade deste número. Total dos engenhos cento e vinte.

Referimos o número dos engenhos, porque cremos este o

melhor meio de dar uma idéia do estado de prosperidade e

riqueza do país. Um engenho por si é ainda hoje equivalente a

uma grande povoação, e representa não só muitos braços,

como as necessárias terras de canaviais, de mato, de pasto e de

mantimentos. Com efeito, além da casa do engenho, da de

moradia, senzalas e enfermarias, havia que contar com uns

cem colonos ou escravos, para trabalharem umas mil e

duzentas tarefas (39) de massapé (a novecentas braças

quadradas por tarefa), além dos pastos, cercas, vasilhames,

utensílios, ferro e cobre, juntas de bois, e outros animais.

Anualmente produziam os ditos engenhos uns

setecentos mil quintais de açúcar ou setenta mil caixas,

número igual ao dos mil cruzados que pagava o mesmo açúcar

de direito de saída, na razão de cruzado por caixa de dez

quintais.

O consumo no Brasil de gêneros estrangeiros vindos do

129

Reino, avaliava-se em quatrocentos mil cruzados, e portanto

em oitenta mil a renda que produzia às alfândegas de Portugal

o não estarem os nossos portos abertos ao comércio das outras

nações.

As fortunas eram geralmente, sobretudo em

Pernambuco, na Bahia e no Rio, isto é, nas terras que já

recebiam escravaria africana (40), bastante desiguais; e um dos

meios com que mais dinheiro se juntava era o tráfico dos

pretos. Às vezes associavam-se alguns senhores de engenho, e

mandavam navios por escravos africanos, que lhes saíam assim

muito mais em conta do que comprando-os aos traficantes, os

quais, principalmente a prazos, efectuavam as vendas com

muita usura.

Os pobres encontravam já, em algumas povoações,

apoio eficaz numa instituição pia introduzida em Portugal no

século anterior, a fim não só de recolher os peregrinos, como

as antigas albergarias, mas de curar os enfermos, de enterrar

os mortos, de educar e dotar as desvalidas órfãs, e de praticar

as obras de misericórdia. Pelo que o estabelecimento, onde em

cada povoação isso era adotado, se chamou Santa Casa de

Misericórdia ou simplesmente A Misericórdia ou A Santa

Casa, como entre nós se diz muito (41). – A primeira casa de

misericórdia em Portugal foi a de Lisboa, instituída pela

Rainha D. Leonor, em Agosto de 1498; – bem que

recomendada a instituição às outras cidades e vilas do reino,

pela C. R. de 14 de Março de 1499, como... “uma confraria

para se as obras de misericórdia haverem de cumprir,

especialmente acerca dos presos pobres e desamparados... e

assim em muitas obras piedosas” (42), etc. Em Santos foi a

instituição introduzida em 1543 por Brás Cubas, e não nos

130

consta de povoação brasileira que antes a tivesse. – Nas

cidades do Salvador e de São Sebastião foram elas erigidas

contemporaneamente com as mesmas cidades (43); e tanto a

elas, como às de outras cidades do Brasil, os reis não tardaram

em conceder privilégios análogos aos de que gozava no Reino

a de Lisboa. Além das Misericórdias para os pobres

desamparados, havia também irmandades, ou comunidades, em

que sob a invocação de algum santo, e com certas práticas

devotas, os irmãos se obrigavam, por compromissos, a se

prestarem vários auxílios. – Dessas irmandades, as ordens

terceiras, que depois se estenderam tanto, anexas a ordens

religiosas ou delas derivadas, produziram, e produzem ainda,

com seus hospitais, benefícios incalculáveis.

O Brasil se podia considerar a mais importante das

possessões portuguesas que Filipe II havia agregado à sua

coroa, pois que as colônias da Ásia iam em manifesta

decadência, e o comércio do Oriente, desde o princípio, longe

de criar raízes em Lisboa, não serviu senão a dar maior

importância ao mercado de Amsterdam, e a fazer levantar a

Holanda (44). – Portugal se locupletara, sim, com as primeiras

riquezas da Ásia; mas por outro lado perdera a sua

prosperidade real, desprezando a agricultura e a indústria; de

modo que, apenas lhe faltou a força, não pôde nutrir o

comércio do Oriente, que passou a mãos estranhas, onde

estavam os capitais, que algumas providências absurdas faziam

desviar do reino e possessões. Nesse número se devem contar

a perseguição impoliticamente exercida, contra os judeus e

cristãos-novos (45), a inquisição, e talvez não menos, uma lei

proibindo que se cobrassem juros ao dinheiro (46). Por lei de

30 de Junho de 1567, provisão de 2 de Junho e alvará de 2 de

131

Julho de 1573, foi proibido passarem os cristãos-novos às

colônias. Estas disposições foram revogadas pelo alvará de 21

de Maio de 1577 (47).

O domínio da maior parte dos litorais da Ásia que,

segundo alguns, concorrera à desmoralização dos Portugueses,

produziu por outro lado nos ânimo tal energia que, além da

glória marítima e militar que a nação adquiriu (e que será

perdurável para sempre nos fastos da História universal e nos

do progresso do espírito humano) talvez que a essa energia

deveu o grande desenvolvimento que então tiveram a sua

literatura e língua. Os escritores quinhentistas, isto é, do

século XVI, são ainda os mais lidos e preferidos pelos

melhores puristas. Desta época é o primeiro escritor português,

chamado príncipe dos poetas de toda a Espanha – o grande

Camões. O argumento capital de sua epopéia é a navegação do

Oriente; e Camões não houvera produzido tal poema, no juízo

de Humboldt, uma das primeiras obras do engenho humano em

relação à vida marítima, se não tivesse peregrinado até a China

“novos perigos vendo e novos danos”. As Décadas de Barros

(depois prosseguidas por Couto) são em prosa a história dos

feitos portugueses na Ásia, ilustrada também pela descritiva

pena de Lucena, na conquista espiritual, e pelas admiráveis, e

às vezes fantásticas, pinturas das maravilhas da Ásia, que

devemos ao livro das Peregrinações de Fernão Mendes Pintos.

Às obras destes escritores deve a língua portuguesa muito.

Como autores de crônicas se assinalavam Damião de Góis,

escrevendo as de D. João II e D. Manuel (que o bispo Osório

depois magistralmente latinava), e Francisco de Andrade a de

D. João III. Entre os poetas contemporâneos de Camões,

recomendam-se o filósofo e moralista Francisco de Sá de

132

Miranda, o suavíssimo Bernardes, cantor do rio Lima, e o

douto Ferreira (48), autor da primeira tragédia sobre Inês de

Castro. Góis e Sá de Miranda interessam mais que os outros ao

Brasil, como irmãos que eram um do donatário das terras de

Campos Pero de Góis (49), e outro do terceiro governador do

Estado, Men de Sá. Poetas conhecidos foram também Jerônimo

Corte Real e Vasco Mousinho. Como prosadores recomen-

dáveis mencionaremos Jorge Ferreira de Vasconcelos, autor de

uma novela de cavalarias acerca das proezas de uma segunda

Távola Redonda (50), e de mais três novelas-comédias,

intituladas Eufrosina, Ulyssipo e Aulegrafia; e contentar-nos-

emos em citar os Diálogos de Heitor Pinto e de Amador

Arrais, pois fora divergir de nosso intento tratar deles por

extenso. Com mais razão devemos ser desculpados se não

tratarmos de outros de menos nomeada, e se não fizermos

dissertações acerca da literatura castelhana desta época, que

alguma voga, especialmente a dramática, veio a ter no Brasil.

Nas ciências as maiores ilustrações como que se

desenvolviam no Oriente. O grande matemático Pedro Nunes

(51), o seu discípulo D. João de Castro, o médico observador

Garcia da Orta (52), - todos talvez deveram ao sol dos trópicos

o reflexo da sua glória: sendo certo que concorre muito a

fecundar o gênio a contemplação da natureza, em o maior

número de paragens da terra, diversas em clima e em produtos

naturais; bem como o trato dos homens e a vista dos objetos

d’arte contribuem a apurar o gosto e a formar o artista; quer

este maneje o pincel, o escopro, ou o compasso; quer possua o

segredo de fundir em palavras ou sons articulados, quer em

sons músicos, os seus pensamentos, isto é, quer seja pintor ou

escultor e arquiteto, quer poeta ou músico. Para nós é certo

133

que (ocupando-nos só da poesia) Camões não houvera sido o

que foi e o que é, se não tivesse tido tanto trato com diferentes

povos, e se com as cenas novas e originais de que contínuo lhe

deviam proporcionar as terras, os mares e as cidades da Ásia,

não houvesse tanto enriquecido a fantasia.

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) A estes dois autores deve-se acrescentar Anchieta, cujas

Informações e fragmentos históricos completam, a mais de um respeito,

Gabriel Soares e Fernão Cardim. Fundado nelas, Rio Branco avalia a

população das colônias portuguesas no Brasil em cerca de 57.000

habitantes, dos quais 25.000 brancos, 18.500 índios mansos e 14.000

escravos africanos: Lé Brésil en 1889, 116. – (C.). – Essa população vem

assim distribuída, op. et loc. cit.: brancos – 250 em Itamaracá, 8.000 em

Pernambuco, 12.000 na Bahia, 750 em cada uma das capitanias de Ilhéus,

Porto Seguro, Espírito Santo e Rio de Janeiro, 1.500 na de São Vicente ;

índios mansos – 2.000 em Pernambuco, 8.000 na Bahia, 4.500 no Espírito

Santo, 3.000 no Rio, 1.000 na capitania de São Vicente; escravos

africanos – 10.000 em Pernambuco, 3 a 4.000 na Bahia, 100 no Rio de

Janeiro. – Anchieta, para algumas capitanias, dá os algarismos da

população; para outras dá apenas o número de fogos (vizinhos). O cálculo

de Rio Branco é de cinco pessoas por fogo. Veja Informação do último de

Dezembro de 1585, Informações e fragmentos históricos , págs. 31/56,

Rio, 1886. – (G.).

(2) Camões: dedicatória da História de Gandavo. – (A.).

(3) “De Santa Cruz o nome lhe poreis” – (Lusíadas, 10, 140).

Referência directa ao nome do Brasil encontra-se no canto 10,

estr. 63, quando fala de Martim Afonso de Sousa:

“... que já será ilustrado

no Brasil com vencer e castigar

O pirata francês ao mar usado.”

Outras alusões: cantos 2, 45; 5, 4; e 7, 14. – (A. e G.).

134

(4) A primeira edição da obra de Acosta saiu em Salamanca,

1589, em latim. Vertida em castelhano na edição citada no texto (História

/ Natural / y Moral delas / Índias / en que se tratan las cosas / notables

del cielo, y elementos, metales, plantas, y ani - / males dellas: y los ritos,

y ceremonias, leys y / gobierno, y guerras de los índios, etc.) Sevilla en

casa de Iuan de Leon, 1590, in – 4º - Logo no ano seguinte teve outra na

mesma cidade e ainda em barcelona. Existem dela traduções em línguas

italiana, francesa, holandesa, alemã e inglesa. – Acosta foi provincial dos

jesuítas no Peru, onde residiu dezessete anos; nasceu em Medina del

Campo em 1539 e faleceu em Salamanca em 1600. – (G.).

(5) Primera y segunda parte de la his / toria general de las Indias

com todo el descubrimiento y cosas nota / bles que han acaecido dende

que ganaron ata el año de 1551. Com la cóquista de / México y de la

nueva España. Em Çaragoça, 1553, in-fol. – Outra edição: Conquista de

Mexico / Segunda parte de la / Chronica generald e las Indias, que trata

de la / Conquista de Mexico. – Medina del Campo, 1553, in-fol. peq. –

Mais outra edição em Anvers, 1554, in-12; outras edições modernas. –

Gomara nasceu em Sevilha, em 1510. – (G.).

(6) La historia general delas Indias, Primera parte de la historia

y gene ; ral de las Indias, yslas y tierra firme del mar oceano... Sevilha,

1535, in-fol. pág. …. – Há outra edição, Valadolid, 1537, in-fol., e a

edição clássica da Real Academia de la Historia de Madrid, 1851, 4 vols.

in-fol. – (G.).

(7) Viaggi nell‟America Meridionale fatti tra il 1781 e il 1801. –

Milano, 1807, 2 vols. in 16º - A edição francesa de C. A. Walckenaer,

Voyages dans l‟Amérique Méridionale: publiés les manuscrits de

l‟auteur, Paris, Dentu, 1809, 4 tomos, in-8º, é mais pedestre. – Há outras

ediçoes em castelhano e alemão. – (G.).

(8) A primeira edição começou-se na Tipografia do Arco do Cego,

in-fol.; mas não se concluiu, nem se expôs ao público: realizou-se a

publicação pela primeira vez nas Memórias da Academia de Lisboa em

1825, no tomo III das do Ultramar. Os primeiros 29 capítulos se deram de

novo à luz pelos ms. da Bibl. R. de Paris, no jornal O Patriota Brasileiro,

Paris, 1830. Porém a edição mais correta é a do Rio de Janeiro, 1851

(Revista do Instituto , tomo XIV), com os comentários que lhe juntou o A.

da presente história, quando primeiro secretário do Instituto, Soares partiu

135

para Europa em 1584 (Carta de Cristóvão de Barros, de Agosto de 1584),

depois de haver feito testamento na Bahia em 10 de Agosto deste ano,

aprovado em 21 do mesmo mês. – (A.).

(9) Tratado descriptivo do Brasil em 1587 , 14-15. Linhas antes

escrevia Gabriel Soares ainda mais profeticamente:

“Em reparo e accrescentamento estará bem empregado todo

cuidado que sua Magestade mandar ter deste novo reino; pois está capaz

para se edificar nelle um grande imperio, o qual com pouca despesa destes

reinos se fará tão soberano, que seja um dos estados do mundo...”.

Ibidem, 13. – (G.).

(10) Ao levantamento do primeiro engenho na Paraíba fa \z

menção Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, São Paulo-Rio, 1918,

324: “... e no fim do mez de Janeiro de 1587 se foi (Martim Leitão) ao rio

Tibiri, duas leguas acima da cidade, ao longo da várzea da Parahiba, fazer

um forte pera o engenho de assucar de el -rei, que já estava começado e

para defender a aldeia do Assento de Passaro e mais fronteiras...”

A seguir diz ainda Fr. Vicente do Salvador, ibidem, 343, 3ª ed.

1931: “Ficando a capitania da Parahiba, na fórma que dissemos...

entregue ao capitão João Tavares, começou logo a fazer um engenho não

longe do de el-rei, com que corria um Diogo Correia Nunes, e plo

conseguinte aos moradores muii contentes começaram logo a plantar as

cannas que nelle se haviam de moer...”

Esses dois engenhos tomaram os nomes de Tibiri de Cima e Tibiri

de Baixo, que vieram ter às mãos de Fernandes Vieira e sua mulher D.

Maria César, que os houveram dos herdeiros de Jorge Homem Pinto e do

dr. Luís Sanches de Baena; em 17 de Janeiro de 1967 possuía -os José

Cardoso Moreno, conforme a escritura pública, saída à luz na Revista do

Instituto Arqueológico Pernambucano, 6, n. 42, 302/307.

O engenho real era possivelmente o Tibiri de Cima, mais perto do

forte, e que era ainda moente e corrente por ocasião daquela escritura, ao

passo que o outro já estava de fogo morto. – (G.).

(11) Os engenhos da ilha de Itamaracá eram os do Obu, de

Araripe de Bairo e de Araripe de Cima, mencionados no Sommier

discours ouer den staet vande vier geconquesteerde Pernambuco

Itamarica, Paraiba en Rio Grande, inde Noorderdeelen van Brasil

(Arquivo de Hilten.. Utrecht, 1879. – Dos últimos um era propriedade de

Filipe Cavalcanti. – (G.).

136

(12) Sermões, VIII, 436. – (A.).

(13) Conf. Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil ,

Rio, 1925, 335. – (G.).

(14) Cristóvão de Gouveia – (C.). – A visita a Pernambuco durou

três meses, de 14 de Julho a 16 de Outubro de 1584. – Fernão Cardim, op.

ct., 327/336. – (G.).

(15) Quando Cardim estava em Pernambuco faleceu a viúva do

velho Duarte Coelho, D. Brites de Albuquerque, conf. tomo I desta

História, 296/297. Em suas exéquias, pomposamente realizadas no

colégio de Olinda, fez-lhe a oração fúnebre o bispo D. Antônio Barreiros,

que antes fora prior de Ávis, como informa Fr. Vicente do Salvador, que

foi seu vigário-geral, História do Brasil, 3ª ed., 1931, 220. (G).

(16) O contratador dos dízimos reais era Bento Dias de Santiago,

tomo I, 462/463. – (G).

(17) Conf. tomo I desta História, 387. – (G).

(18) De notícia de Gabriel Soares, Tratado descritivo, pág. 123,

infere-se que os frades de São Bento chegaram à cidade do Salvador, com

licença de Sua Majestade para fundar seu mosteiro, em 1586. Nesse ano,

aos 16 de Junho, Martim Afonso, o Condestável, e sua mulher Maria

Carneira, faziam doação aos mesmos frades, para assento do mosteiro, do

terreno junto à ermida de São Sebastião naquela cidade. – Conf. Livro

Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento da Cidade do Salvador , págs.

400/410, Bahia, 1945. (G.).

(19) O mosteiro de Capuchos foi estabelecido mais tarde. – (C.).

(20) “... a qual capitania [dos ilhéus] Jeronimo de Alarcão, filho

segundo de Jorge de Figueiredo, com licença de S. A. vendeu a Lucas

Giraldes, que nella metteu grande cabedal com que a engrandeceu de

maneira que veio a ter oito ou nove engenhos. Mas deu nesta terra esta

praga dos Aimorés, de feição que não ficaram ali mais que seis engenhos,

e estes não fazem assucar, nem ha morador que ouse plantar cann as,

porque em indo os escravos ou homens ao Campo não escapam a estes

137

alarves, com medo dos quaes foge a tente dos ilhéos para a Bahia, e tem a

terra quase despovoada...” – Gabriel Soares, Tratado descritivo , pág. 57.

– (G.).

(21) Gabriel Soares, op. cit. , págs. 61/62, menciona em Porto

Seguro dois engenhos de açúcar, pertencentes a Manuel Rodrigues

Magalhães e a Gonçalo Pires, além de dois outros extintos, um de João da

Rocha e o que esteve na ponto do Curumbabo. – (G.).

(22) Com esse nome conhecem-se diversas espécies do gênero

Sassia, família das Leguminosas, As folhas e vagens do mata -pasto

vermelho (Cassia stipulata) são tidas como tóxicas. – (G.).

(23) Veja secção XVIII, 307. – (A.).

(24) Anchieta, Informações e fragmentos históricos, págs. 40/41.

A Companhia não tinha Colégio no Espírito Santo, apenas casa, onde

residiam de ordinário oito – cinco padres e três irmãos; essa casa era

subordinada ao Colégio do Rio de Janeiro. – (G.).

(25) Conf. tomo I desta História, 346 e 370, Gabriel Soares,

Tratado descritivo, 91. – (G.).

(26) Gabriel Soares, loc. cit., 97. – (G.).

(27) Esta D. Isabel, apesar de casar-se, não deixou descendentes.

Segundo a História Genealógica [tomo XII, parte II, pág. 1113], a

desposou Francisco Barreto [de Lima]; e segundo um documento que

recolheu Taques. Revista do Instituto Histórico , 9, pág. 163, um André de

Albuquerque, que vivia em Setúbal. Naturalmente casou-se duas vezes.

Em tal caso da segunda vez foi com Francisco Barreto. – (A.). – André de

Albuquerque era o donatário em 1584, como assegura Anchieta,

Informações e fragmentos historicos , 32. – (C.).

(28) Brás Cubas teria então uns oitenta anos, pois faleceu, com

oitenta e cinco, em 1592, como se colige de seu epitáfio no presbitério da

hoje matriz de Santos, que consigna os seus principais feitos, que

explanará a sua biografia melhor do que esta história o pudera aqui tentar.

– (A.). – Desta biografia anunciada aqui pelo Autor, ignora -se o

paradeiro. – (C.). – Na Revista do Instituto Histórico de São Paulo, tomos

138

13, 241/249, e 18, 13/36 e 37/43, ocorrem bons subsídios de Eugênio

Egas, F. C. de Almeida Morais e Benedito Calixto sobre o fundador de

Santos. O epitáfio supra mencionado diz assim:

Sª DE BRAZ CUBAS

CAVALLEIRO FIDALGO DA CAZA D’EL-REY

FVNDOV E FEZ ESTA VILLA SENDO CA

PITAN E CAZA DE MISERICORDIA

ANNO 1543

DESCVBRIO OVRO E METAES

ANNO 60

FEZ FORTALEZA POR MANDO D’EL-REY

D. JVAN III

FALLECEV NO ANNO DE 1592 A.

A História da Colonização Portuguesa do Brasil, III, 260/261,

insere três documentos importantes sobre Brás Cubas. – (G.).

(29) Brás Cubas foi provido nos ofícios de provedor e contador

das rendas e direitos da capitania de São Vicente por provisão de D. João

III, dada em Almerim, a 18 de Junho de 1551. Esses ofícios, por um

alvará de lembrança, pertenceram a Pedro Henriques, escrivão da Câmara

real; por seu falecimento, em apostilha, o rei fez deles mercê a Leonor da

Costa, viúva de Pedro Henriques; porque Leonor se metesse freira em

convento, passaram os ditos ofícios à sua filha Beatriz da Costa, para que

seu avô Ambrósio Rodrigues os pudesse vender a pessoa apta, o que foi

feito a Brás Cubas, com licença real e notificação a Tomé de Sousa,

governador-geral, para metê-lo na posse daqueles cargos, que devia servir

em dias de sua vida. – Documentos Históricos, XXXV, págs. 146/148. –

(G.).

(30) Azevedo Marques, Apontamentos, I, pág. 97, dá a escritura

da doação do terreno para o Colégio. – (C.).

(31) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil , pág.

358. – (G.).

(32) Arq. da Câm. de São Paulo, L. 1585-1586, fls. 13 v. e 14. –

(A.). – Actas da Câmara da Vila de São Paulo, I, 275/279, São Paulo,

1914. A súplica ou requerimento tem a data de 10 de Abril de 1585. –

(G.).

139

(33) Sobre as terras de Estêvão Costa, veja tomo I, 169. (G.).

(33bis) Por provisão de 16 de Fevereiro de 1553, fez saber o

provedor-mor da fazenda, Antônio Cardoso de Barros, o Brás Cubas,

provedor das capitanias de São Vicente e Santo Amaro, que Sua Alteza

lhe ordenara em seu regimento que, quando corresse as capitanias desta

costa, mandasse fazer em cada uma delas casa para alfândega e contos;

que por ver que na de São Vicente era preciso havê-la pela muita

necessidade que disso se tinha, a mandasse fazer na vila do porto de

Santos, no lugar e sítio onde estava, o que então servia para o efeito. As

alfândegas e construir seriam por esta maneira: duas casas por baixo de

30 palmos de largo e 40 de comprido cada uma; do mesmo comprimento e

largura seriam também as outras duas, por cima assobradadas, cobertas de

telhas, e bem emadeiradas, de pedra e cal, com um tabuleiro entre elas e o

mar, da compridão das mesmas casas à maneira de cais, onde, se fosse

necessário, pôr-se-ia artilharia, se se pudesse fazer; haveria uma varanda

coberta sobre o tabuleiro, para que ficasse a artilharia ao abrigo da água e

do sol; que se contratassem os pedreiros à sua avença, e a delas e não em

pregão, e que o pagamento das obras se fizesse pelas rendas de sua

Alteza, etc. – Documentos Históricos, XXXVIII, págs. 239/240. – (G.).

(34) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, págs.

355/356; Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, 382, 3ª ed., 1931,

diz que os “homens e mulheres se vestiam de pano de algodão tinto e, se

havia alguma capa de baeta e manto de sarge, se emprestava aos noivos e

noivas para irem à porta de igreja; porém, depois que chegou D. Francisco

de Sousa e viram suas galas e de seus criados e criadas, houve logo tantas

librés, tantos periquitos e mantos de soprilhos que já parecia outra coisa”.

– (G.).

(35) Por primeiro vigário foi mandado, alguns anos depois, o

padre Lourenço Dias Machado, Revista do Instituto Histórico, 2, 435. –

(A.). – Esse vigário devia ter sido nomeado em 1593, quando o

administrador das partes do Sul esteve em visita a São Paulo; dois anos

depois, por provisão datada da Bahia, em 8 de Outubro de 1595, D.

Francisco de Sousa mandou dar-lhe a côngrua que percebiam os vigários

de São Vicente e Santos, Ibidem. – (G.).

(36) Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, pág.

108. – (G.).

140

(37) No tempo de Cardim, já se começava a fazer vinhos, ainda

com muito trabalho para conservá-los, “porque em madeira fura-lha a

broca logo, e talhas de barro não nas têm...” – Tratados, 108. – (G.).

(38) Havia ainda a aldeia de São Miguel, como refere Anchieta,

Informações e fragmentos históricos. 45. – (C.).

(39) A tarefa, como medida agrária equivalente a 30 braças em

quadro, ou 4.356m2 é peculiar à Bahia, destinada à cultura da cana-de-

açúcar. Uma tarefa, no ato de plantar, consome ordinariamente cinco

carros de semente, se a plantação é feita a enxada, ou seis, se por arado. A

esta chama-se tarefa de soca, quando a cana já foi cortada uma ou mais

vezes e cujos brotos se vão sucedendo anualmente. A moagem de uma

tarefa de cana, em bom engenho movido por água, pode ser exe cutada em

24 horas, produzindo pelo menos oito meladuras, o que se chama tarefa

redonda. – Conf. Morais, Dicionário, e Beaurepaire Rohan, Dicionário de

Vocábulos Brasileiros, s. v. – Massapé é uma argila compacta, anegrada e

extremamente fértil. Na Bahia essa espécie de terreno é produzida pela

decomposição de quistos cretáceos e em outros Estados pela

decomposição de rochas graníticas. Em Pernambuco se diz massapê. –

Conf. Rodolfo Garcia, Dicionário de Brasileirismos. s. v. – (G.).

(40) No Rio de Janeiro, em 1583, lavrou-se um auto de avença,

que Salvador Correia de Sá, como governador e provedor da fazenda real,

fez com João Gutierres Valério, obrigando-se este a pagar certa quantia

por escravo que de África conduzisse em seu navio. – Revista do Instituto

Histórico, 1, 161. Foi o primeiro contrato para a importação de africanos

no Rio de Janeiro – Rio Branco, Lé Brésil en 1889, 117. – “Os traficantes

de negros – informa J. B. de Almeida Prado, Pernambuco e as Capitanias

do Norte do Brasil, I, pág. 270, São Paulo, 1939 – costumavam carregar

os navios de Janeiro a Março, estação mais favorável nas costas da

África, onde aportavam com mercadorias europeias”. Estes mesmos

navios (continua, citando a Relação de Antônio Dinis sobre o comércio de

Angola) se lhes pagam em escravos, como digo, e os carregam para o

Brasil, outros para as Índias (Espanholas). Os resgatados nessa quadra

custavam, pela terra dentro, 10$000, ficando na costa para o mercador em

22$000, se era peça das Índias. Quando iam para o Brasil pagavam uma

taxa de 3$600 e 400 réis de avanços, e para as possessões espanholas

7$000”. – (G.).

141

(41) Destes assuntos tem-se ocupado Vítor Ribeiro, autor de uma

história da casa de Misericórdia de Lisboa e de estudos publicados no

Instituto de Coimbra. – (C.).

(42) O seu compromisso foi confirmado por alvará régio de 4 de

Julho de 1564, reformado em 10 de Maio de 1618. O compromisso dado à

dita misericórdia de Lisboa se declarou extensivo à do Espírito Santo por

Alv. de 1 de Julho de 1605; à de Olinda por reso lução régia de 26 de

Janeiro de 1606, e à de Itamaracá por dita de 8 de Abril de 1611. – O Alv.

de 18 de Out. de 1806 o fez extensivo a todas as misericórdias que não

tivessem outro. A Ordem terceira de São Francisco da Penitência do Rio

data de 1622. – (A.).

(43) Há quem date a Casa da Misericórdia no Rio de Janeiro da

era de 1540, antes de povoada a cidade! Vejam-se os trabalhos de

Francisco de Sá e Félix Ferreira. Atribuem outros a criação a José de

Anchieta por ocasião de aportar a gente de Diogo Flores. Da relação de

Sarmiento, que chama os Jesuítas de Teatinos, como os chamava D.

Cristóvão de Moura, nada consta a respeito. – (C.). – Na Sumaria

Relación de Pedro Sarmiento de Gamboa, Gobernador y Capitán general

del estrecho de Magallanes,in Colección de documentos inéditos del

Archivo de Índias, 5, pág. 306, Madrid, 1866, - vem a referência aos

Teatinos, ordem de clérigos regulares, que Sarmiento confundiu com a

dos Jesuítas. Nessa mesma Sumaria Relación trata-se (pág. 303) da

chegada da armada de Diogo Flores de Valdez ao porto do Rio de Janeiro,

a 24 de Março de 1582, onde invernou até fins de Novembro do mesmo

ano. Nesse tempo morreram muitos da tripulação, “que veniam enfermos

de la mar, y enfermaron muchos otros de nuevo, de un mal del seso, que

es peste de aquella tierra, que es fácil de curar, entendiendo-se, ysi no se

entiende e no se cura, pasados dos o tres dias sin remediarlo, es incurable,

y mata con bascas; llámanle el mal de la tierra. En estas enfermedades los

portugueses de la ciudad de San Sebastián se oferecieron de curar los

enfermos, pidiento á Diego Flores algun socorro de limosna, de la

hacienda real, que V. M. enviaba para semejantes y otras necessidades; y

Diego Flores dio una vez algunos reles, pocos, que no llegaron o no

pasaron de ciento, para más de doscientos enfermos. Y haciendo de su

parte el gobernador, Salvador Correa, y los vecinos del pueblo lo que era

en su posible, siendo pobrísimos, nunca más Diego Flores los proveyó ni

aun de ración ordinaria de sanos, y asi murieron más de ciento y

142

cincuenta, y otros viendo esto, se huyeron. Pedro Sarmiento, viendo el

peligro en la mano, hizo alojar los pobladores por las casas de los vecinos

de la tierra, donde fueron recreados y curados, y no murieron cuatro; y

para los oficiales de fortificación hizo casas de ramada de palma

arrimadas, á las casas de su morada, donde los alojó, y visitaba y

medicinaba todas las horas, con que á Gloria de Dios fueron guarecidos,

que no murió sino uno, de ciento cincuenta y tantos que eran”. – (G.).

(44) Conf. Zimmermann, Die Kolonialpolitik Portugals und

Spaniens. I, págs. 11/116, Berlim, 1896. – (C.).

(45) Declarados de novo em vigor por leis de 18 de janeiro de

1580 e 26 de Janeiro de 1587. Essa proibição foi levantada em 31 de

Julho de 1601, estando a Corte em Valadolid, mediante 200.000 cruzados

oferecidos pelos judeus, acrescentando-se em 24 de Novembro desse

mesmo ano, que ninguém lhes chamasse “cristãos-novos, confessos,

marranos ou judeus”. Foi isso outra vez revogado em 13 de Março de

1610, voltando tudo ao ordenado em 1587. Tornou em 17 de Novembro de

1629 a proteção de 1601; porém uma consulta de 29 de Abril de 1630

opinava que se devia revogar na parte em que se lhes consentia passar à

colônias. (Regs. Reais, IV, 72 e 73; V, 23; VI, 25). – (A.).

(46) Além desta lei de 16 de Junho de 1570, contrária a toda

economia política, dessa que já se conhecia antes de ter tal nome,

promulgou nesse mesmo ano D. Sebastião outra mais absurda, em 28 de

Abril, na qual ordenou que “pessoa alguma não pudera comer nem dar a

comer à sua mesa mais que um assado e um cozido, e um picado ou

“desfeito”, ou arroz ou cuscuz, e nenhum doce, como manjar branco,

bolos de rodilha, ovos mexidos, etc.”. – (A.).

(47) Algumas dessas leis estão notadas em Figueiredo, Sinopse

cronológica, 2. – (C.).

(48) “Que por modos diversos

Ou deu versos às leis ou leis aos versos.” – Dinis. – (A.).

(49) O fato não parece muito certo; pelo menos tem sido

ultimamente contestado. – (C.). – Pedro de Azevedo, História da

Colonização Portuguesa do Brasil, III, 212/213, não admite mais dúvida

a respeito. – (G.).

143

(50) Veja a nossa publicação – Da Literatura dos Livros de

Cavalarias, com o respectivo aditamento [Viena, 1872]. – (A.).

(51) Está hoje verificado que Pedro Nunes, a matemático, não

esteve na Índia, como afirmou o Autor, em nota à primeira edição desta

História, 1, 467/468. Conf. Luciano Pereira da Silva, Revista da

Universidade de Coimbra , 2, 246/253, 532/539, Coimbra, 1913. – Além

de outras obras de matemática Pedro Nunes escreveu o Tratado da Sphera

com a Theorica do sol e da Lua , etc., Lisboa, 1537 – obra de universal

celebridade e raríssima, ao ponto de não existirem mais de dez

exemplares conhecidos em todo o mundo. Maggs Bros., em sua

Bibliotheca Brasiliensis, Lodnres, 1930, enumeram nove exemplares: 2

nos Estados Unidos, 1 no Brasil (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro),

e 6 na Europa. Como aquela Biblioteca possua duplicata do Tratado, o

número de Maggs Bros. fica acrescido de mais um. – (G.).

(52) Coloquios [dos simples e drogas] da India. Veja-se a 2ª

edição publicada, página por página, conforme á 1ª de Goa em 1563, pelo

Autor desta História em 1872. – (A.). Reeditados admiravelmente pelo

conde de Ficalho [Lisboa, 1891/1892, em dois volumes], que além disso

consagrou uma erudita monografia do ilustre médico português. – (C.). –

Garcia da Orta e o seu tempo , Lisboa, 1886. Referindo-se à edilão de

1872, escreveu o conde de Ficalho nessa monografia, pág. 389: “Esta

edição foi, como todos sabem, dirigida por F. A. Varnhagen, vi sconde de

Porto Seguro. Não seria difícil apontar alguns dos seus numerosos erros e

incorrecções, muitos deles reconhecidos e emendados pelo zeloso e

erudito editor no Post Editum, datado de Viena de Áustria; e devidos a

circunstâncias independentes da sua vontade e da sua notória

competência. É-nos porém muito mais agradável dizer que a edição, tal

qual está, é ainda assim um excelente serviço prestado às letras

portuguesas. Pôs a leitura dos Coloquios ao alcance de muitas pessoas,

que nem teriam ensejo de encontrar algum dos raros exemplares da edição

de Goa, nem disporiam da paciência suficiente para penetrar naquelas

páginas, crivadas de erros de ortografia e de pontuação”.

Dos Coloquios há tradução inglesa por Sir Clemente R. Markham,

Londres, 1913, edição limitada, da qual possui um exemplar, talvez o

único existente no Rio, o ilustre bibliófilo e camonista Prof. Simões

Correia. – (G.).

144

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

História da província de sãcta Cruz, a qu‟ vulgarmete chamamos

Brasil: feita por Pero de Magalhães de Gandavo, dirigida ao muito Ils.

sñor Don Lionis Pª governador que foy de Malaca & das mais partes do

Sul da India [Armas dos Pereiras] In-fine: Impresso em Lisboa, na

officina de Antonio Gonsaluez. Anno de 1576 . In-4º, de 48 ff. n8um. no

verso, com 2 estampas intercaladas no texto.

A História de Gandavo foi concomitantemente reeditada em 1858

na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 21, e na

Colecção de Opúsculos reimpressos relativos à História das navegações,

viagens e conquistas dos Portugueses , pela Academia Real das Ciências

de Lisboa, tomo 1, n. 3. A essas publicações procedeu, porém, a edição

francesa de Ternaux-Compans, na coleção intitulada Voyages, relations et

mémoires pour servir à l‟histoire de la découverte de l1Amérique, tomo

II, Paris, Arthus Bertrand, 1837, in 8º.

Para a reimpressão da Revista do Instituto utilizou-se o texto da

primeira edição pelo exemplar que se conserva na Biblioteca Nacional do

Rio de Janeiro, coleção Barbosa Machado: à dos Opúsculos serviu cópia

manuscrita existente na Biblioteca da Academia: reputa -se a primeira

mais fiel do que a outra.

Pertence também à autoria de Gandavo o Tratado da Terra do

Brasil, no qual se contém a informação das cousas que há nestas partes ,

que só veio a lume em 1826, na Colecção de Notícias para a História e

Geografia das Nações Ultramarinas, que vivem nos Domínios

Portugueses, ou lhes são vizinhas: publicada pela Academia Real das

Ciências de Lisboa, tomo IV, n. IV. Na Revista do Instituto Histórico,

tomo 2, 1840, págs. 425-426, saiu a Introdução a esse Tratado, a qual não

é da lavra de Gandavo.

O Tratado deve ter sido escrito antes da História, antes mesmo de

1573, porque não se refere à divisão do Brasil em dois governos, de que

aquele já faz menção: que o fosse antes de 1570 não é de estranhar,

porque uma nota marginal que se lê em cópia adiante citada, da Biblioteca

Pública Municipal do Porto, aumenta de 23 para 60, em 1587, os

engenhos de açúcar da capitania de Pernambuco.

A obra complexiva de Gandavo conta duas reimpressões

modernas:

145

I – Na coleção – Documents and Narratives concernings the

Discovery and Conquest of Latin America , editada pela Cortez Society,

New York, 1922, 2 vols., compreendendo a História, em fac-símile e com

tradução inglesa, introdução e notas por John B. Stetson, Jr., e o Tratado,

igualmente traduzido para o inglês, sendo aproveitado o texto da

Colecção de Notícias para a História e Geografia das Nações

Ultramarinas. É o n. 5 dessa importante coleção americana.

II – Na coleção Clássicos Brasileiros, edição do Anuário do

Brasil, Rio, 1924, com uma Advertência de Afrânio Peixoto, Nota

bibliográfica de quem escreve estas linhas e uma Introdução de

Capistrano de Abreu. Aí vem em primeiro lugar o Tratado, por cópia do

apógrafo existente na Biblioteca do Porto, mais completo do que o

impresso na citada Colecção de Notícias, e a seguir a História, conforme

as publicações do Instituto Histórico e da Academia de Ciências,

colacionadas com o exemplar da Biblioteca Nacional.

Do autor bem pouco se sabe: era natural de Braga, descendia de

flamengos, como seu nome indica – Gandavo, diz Capistrano de Abreu na

Introducção referida, corresponde a Gantois, morador ou filho de Gand.

Sua estada no Brasil deve ter coincidido com o governo de Mem de Sá

(1558-1572) – conjetura ainda o mestre. – A um Pero de Magalhães, que

bem pode ser o Gandavo, refere-se esta alvará de D. João III, de 29 de

Agosto de 1576:

“Eu el-Rei faço saber aos que este meu alvará virem que avendo

Eu respeito a Pero de Magalhães, meu moço da Câmara servir na Torre do

Tombo em trasladar alguns livros e papeis de meu serviço, e por confiar

delle que no que o encarregar servirá bem e fielmente, hei por bem por

lhe fazer mercê que elle sirva de provedor de minha fazenda na Capitania

da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos nas partes do Brasil

por tempo de seis anos, não sendo primeiro provida a pessoa que tem o

dito cargo, ou não mandando Eu no dito tempo o contrario, o qual cargo

servirá conforme ao Regimento dos provedores da dita Capitania, e

haverá com elle de ordenado em cada um anno trinta mil réis, pelo que

mando ao Governador das ditas pares, e ao provedor mor dellas, que lhe

deem posse do dito cargo e lho deixem servir e haver o dito mantimento,

o qual lhe pagará o almoxarife da dita Capitania, etc. 29 de Agosto de

1576.” – Cópia no Instituto Histórico, Conselho Ultramarino, Registros ,

tomo I, fls. 68-68 v.

Humanista insigne e excelente latino, publicou Gandavo as

Regras que ensinão a maneira de escrever a Orthographia da lingua

Portugueza, com um Dialogo que adiante segue em defensão da mesma

146

Lingoa, Lisboa, por Antônio Gonsalvez, 1574, in 4º, que tiveram mais de

uma edição. Teve cadeira pública de Latim entre Douto e Minho, onde foi

casado. Era amigo de Camões, que lhe dedicou os tercetos célebres e o

soneto, que servem de pórtico à primeira História do Brasil. – (G.).

(II)

Zeferino Cândido consagrou um capítulo inteiro de seu livro

Brasil à demonstração de que Gabriel Soares não foi o verdadeiro autor

do Tratado descritivo. Seus argumentos são em resumo:

1º) Barbosa machado, em quem Varnhagen se apoiou para afirmar

a identidade, condimenta suas afirmações de tantos erros que suas

palavras não inspiram confiança;

2º) Varnhagen, ora afirmando que nada se sabe de Gabriel Soares,

ora traçando-lhe uma biografia completa, mostra a pouca segurança de

suas convicções;

3º) Ferdinand Denis, em 1837, disse poder demonstrar que o

Tratado tinha por autor Francisco da Cunha;

4º) O autor falando de si na primeira pessoa e de Gabriel Soares

na terceira, mostra bem que se trata de pessoas diferentes;

5º) As interpolações do Tratado não permitem aceitar-se a data de

1584, fixada por Varnhagen para a composição do livro.

A força desta argumentação é só aparente:

1º) Antes de Barbosa Machado, já Pedro de Mariz tinha citado e

extratado o livro de Gabriel Soares, e o aditador de Pinelo assinalado sua

existência na biblioteca do conde de Vimioso. Os erros da Biblioteca

Lusitana, incontestáveis, e diga-se também inevitáveis, porque eram

desconhecidos os documentos e desde 1624 Simão Estácio da Silveira

começara a confundir os fatos, não podem ter efeito retroativo.

2º) Varnhagen, no que escreveu antes de 1858, afirmou ignorar -se

tudo a respeito do autor do Tratado. Em 1858 João Francisco Lisboa

encontrou vários documentos na Torre do Tombo, mais um capítulo da

obra de Fr. Vicente, e deu-se pressa em communicá-los ao autor da

História Geral, que logo os publicou na Revista do Instituto Histórico

[tomo 21, 455-468]. Que culpa tem ele de Zeferino Cândido considerar

simultâneas publicações separadas por vinte anos, e de atribuir -lhe

contradições que não existem na realidade?

3º) Se em 1837 Ferdinand Denis atribuiu o Tratado a Francisco da

Cunha, vinte e sete anos mais tarde, em 1864, escreveu: “ Il est reconnu

aujourd’hui que ce livre si remarquable, composé em 1587, par Gabriel

147

Soares...” – Yves d’Évreux, Voyage dans le Nord du Brésil, 418, Leipzig,

1864.

4º) Barredo, nos Anais históricos do Maranhão, § 19, escreve:

“defensas exteriores a que já tinha dado princípio o governador Pereira de

Berredo...”; e logo no § 20 lê-se: “por ser tirado dos meus próprios exames,

quando governei aquele Estado”. Seria lícito concluir daí que Berredo não é o

autor dos Anais, porque na mesma página fala de si na primeira e na terceira

pessoa? Gabriel Soares fala de si na terceira quando quer dar uma noção

geográfica, como na descrição dos engenhos, na viagem de Adorno, etc.

5º) É impossível evitar interpolações em manuscritos, e a nota

marginal com o tempo incorpora-se fatalmente ao texto. Admira que tão

poucas interpolações existam no Tratado descritivo, e isto só se explica

pelo fato de terem vindo poucas cópias, e só tarde, ao Brasil.

Passemos a examinar outra questão em que Zeferino Cândido

também tocou: qual o ano da composição do Tratado descritivo?

Varnhagen, atendendo ao momento em que Gabriel Soares deixa as

guerras da Paraíba, fixa a data em 1584, até certo ponto com razão, pois

agora sabemos por Pedro Sarmiento [Documentos inéditos del Archivo de

Indias, 5, 402] que em Setembro daquele ano Gabriel Soares aportou a

Pernambuco, de viagem para a Europa. Entretanto, o prólogo escrito em

Madrid em alguns códices traz 1587, em outros 1589. Ambas as datas são

possíveis.

Uma obra como o Tratado pedia anos. – (C.).

Conf., supra, nota 8. – Varnhagen, editando a obra de Gabriel

Soares na Revista do Instituto Histórico , tomo XIV, 1851, outorgou-lhe o

título de Tratado descritivo do Brasil em 1587 , que muito bem a definiu.

Entretanto, tem-se verificado que fatos e descrições contidos no livro são

evidentemente anteriores àquela data. Jaqime Cortesão, em sua sábia

monografia Cabral e as Origens do Brasil (Ensaio de tipografia

histórica), págs. 25-26, Rio de Janeiro, 1944, opina que o livro deve ter

sido coligido e composto até o mês de Agosto de 1584, em que seu autor

embarcou na Bahia para Portugal. Wanderley Pinho, no prefácio com que

iluminou o Livro Velho do Tombo da Bahia , págs. XVII-XVIII, Bahia,

1945, confere com documentos ali transcritos a chegada dos frades de São

Bento à cidade do Salvador em 1580, com o tópico em que Gabriel Soares

(Tratado, pág. 123), declara que “haverá tres annos que foram a esta

cidade [os Beneditinos] com licença de S. Magestade fundar este

mosteiro, que lhes os moradores della fizeram á sua custo com grande

fervor e alvoroço”. De onde se infere haver Gabriel Soares composto,

pelo menos a descrição da cidade, em 1583, recuando-se assim de quatro

anos a data que Varnhagen assinalara para a terminação do Tratado.

148

A edição de 1851 foi reproduzida na mesma Revista em 1879,

com defeituosa revisão, e alcançou outra na Brasiliana da Companhia

Editora Nacional, São Paulo, 1939. Sua última edição, com o título de

Notícia do Brasil, saiu na Bibiloteca Histórica Brasileira da Livraria

Martins Editora, São Paulo, s/d (1945), 2 tomos, dirigida pelo sábio

Professor Pirajá da Silva, que a opulentou com exaustiva introdução e

eruditos comentários e notas, tudo relacionado com a história dos

primeiros povoadores, sua genealogia, a etnografia, a corografia, a

agricultura, flora, fauna e mineralogia do Brasil quinhentista. São lições

de mestre, que tornam o livro do senhor de engenho do Recôncavo ainda

mais valioso e, para tudo dizer, insuprível em qualquer biblioteca

brasileira. – (G.).

(III)

Fernão Cardim era natural de Viana de Alvito, arcebispado de

Évora, filho de Gaspar Clemente e sua mulher D. Inês Cardim, de família

antiga e importante em Portugal. Nasceu cerca de 1548 e entrou para a

Companhia de Jesus em 9 de Fevereiro de 1566. Já era professo dos

quatro votos e ministro do Colégio de Évora, quando foi designado, em

1582, para companheiro do visitador Cristóvão de Gouveia; passou a

Lisboa em princípios de Outubro daquele ano e ali esteve cinco meses, até

que, a 5 de Março de 1583, com o governador Manuel Teles Barreto, o

visitador e outros padres e irmãos, embarcou para o Brasil na nau Chagas

de São Francisco, chegando à Bahia a 9 de Maio seguinte. Acabada a

visita, em que esteve na Bahia, nos Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco,

Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, uma e mais vezes, foi reitor

dos colégios da Bahia e do Rio de Janeiro, onde por algum tempo lhe fez

companhia Josef de Anchieta, antes de ir morrer em Reritiba, no Espírito

Santo, a 7 de Junho de 1597. Em 1598 foi eleito na congregação

provincial para procurador da Província do Brasil em Roma; regressava

dessa missão, em 1601, com o padre João Madureira, que vinha por

visitador, quando foi tomado por corsários ingleses. Madureira morreu no

mar, Cardim chegou à Inglaterra, onde ficou até ser resga tado. Foi então

despojado dos papéis que conduzia – um tratado sobre o clima e as

produções naturais, outro sobre os índios do Brasil, mais tarde, com

tradução inglesa, publicados na famosa coleção Purchas his Pilgrimes ,

vol. IV (Londres, 1625), págs. 1289-1320, sob o título – A Treatise of

Brazil written a by a Portugall wich had long lived there.

Em 1604 tornou ao Brasil com o cargo de provincial, que exerceu

149

até 1609, e foi em seguida reitor, pela segunda vez, do Colégio da Bahia e

vice-provincial. Faleceu na aldeia do Espírito Santo, depois Abrantes,

onde se refugiara da fúria dos invasores holandeses, a 27 de Março de

1625, no mesmo ano em que saíam à luz em Londres os seus escritos.

Dos tratados de Cardim o que primeiro foi divulgado na própria

língua e com autoria declarada, foi a Narrativa epistolar de uma viagem e

missão jesuíta, etc., por Varnhagen, que lhe deu esse título, em Lisboa,

1847. Os outros, antes citados, só o foram no Rio de Janeiro, 1881 e 1885,

pelo meritório Capistrano de Abreu, que confrontando cópias da

Biblioteca de Évora com as publicações de Purchas, chegou à feliz

conclusão de tratar-se de idênticos escritos e de pertencerem à lavra de

Cardim.

A obra integral desse notável jesuíta pode ser lida nos Tratados

da Terra e Gente do Brasil, editores J. Leite & Cia, Rio, 1925, - onde se

encontra mais completa notícia bio-bibliográfica. – Segunda edição na

Brasiliana da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1939. – (G.).

150

TEXTOS DE VARNHAGEN

TERCEIRO SÉCULO

(século XVIII)

151

SECÇÃO XLV

D. JOSÉ I E POMBAL. ADMINISTRAÇÃO

JOSEFINA. LETRAS.

Elogio de José I. Grandes dotes de Pombal. Incorporação de todas

as capitanias na coroa. Serviços ao Brasil na instrução pública. No

comércio. Juntas e companhias. Tabaco. Favor ao Maranhão. Anil, café,

arroz, etc. Indústrias. Navegação. Canal do Arapapaí. Nova capitania do

Maranhão e Piauí, independente da do Pará. Joaquim de Melo e Póvoas,

seu capitão-general. Instruções notáveis que recebeu de Pombal. Rendas

públicas, Contratos e monopólios. Cronista do Brasil. Coleção especial

legislativa. Regulamento de Lippe. Legislação. Relação do Rio. Juntas de

justiça. Leis filantrópicas. Caboucolos. Casamentos com índias. Diretório

dos índios. Cristãos novos e velhos. Retrato de José I. Caráter de Pombal,

segundo Ratton. Sua economia: O outro do Brasil. Considerações

conciliadoras. Peias que tinham os governadores do Brasil. Chegaram às

vezes a ser um mal. Corretores de ofícios. Rio Negro. Governadores.

Lavradio. Sua política. Cultura do anil, do café e planta da cochonilha.

Conde de Valadares em Minas. Conde de São Miguel em Goiás, Trajes.

Brasileiros favorecidos. Poetas. Estatísticas. Vários escritores durante

este reinado, etc.

Antes de passar adiante, cumpre-nos fazer uma pequena

parada, e contemplar de relance, mas com reconhecimento, os

muitos serviços que prestou ao Brasil o reinado de vinte e seis

anos de D. José I, com a administração do seu hábil e poderoso

ministro Sebastião José de Carvalho, conde de Oeiras e

152

marquês de Pombal (1). – E quando a evidência dos fatos fale

por um e outro, os seus detratores poderão condenar alguns

erros, que eles cometessem, como homens que eram; acaso

perderão sua autoridade desde que intentem infamá-los, o que

aliás não causará admiração aos que saibam que não faltam

católicos que nem sequer respeitam a memória do sábio

pontífice Clemente XIV (2), - só pelo fato de haver abolido a

Companhia de Jesus, - levado por exigências a que acaso

qualquer outro não houvera talvez tão pouco resistido.

Possuía el-rei D. José grandes dotes para rei,

começando pelo amor do país, da glória e da virtude. Era

benigno, verdadeiro e probo. De sua firmeza de caráter,

qualidade primeira nos que governam, não necessitamos mais

prova que a do modo como soube empatar tantas e tão

diferentes intrigas que lhe armaram contra o seu ministro

Pombal; e isso apesar de que era, com compleição, um pouco

timorato.

Flagelado pela Providência, com um terremoto,

acometido por um atentado de alguns de seus vassalos,

palpado pela guerra estrangeira, - a nada se abalou o seu

grande ânimo para deixar de conservar à frente da

administração o homem que, em meio de seus defeitos,

desejava a todo transe despertar a apatia da nação, restaurando

a sua dignidade e independência; - e que, quando nos

perigosos momentos do célebre terremoto em Lisboa, outros

ministros fugiam ou se escondiam, ordenava “prontas e bem

entendidas providências no meio da calamidade geral” (3), e,

segundo certa frase proverbial, ia a el-rei pedir as ordens, para

“enterrar os mortos e cuidar dos vivos”.

E não só dos vivos, como também dos vindouros cuidou

153

e muito nos anos (perto de vinte e dois) que, ainda depois do

mesmo terremoto, foi ministro até o falecimento do rei. Ainda

hoje estamos desfrutando dos benefícios que nos legou a

ciência desse grande estadista; isto apesar que algumas leis

teve ele mesmo que reformar ou revogar, e apesar da reação

imprudente que distinguiu o reinado seguinte, e das tendências

tão excessivamente inovadoras do século. Assim, cremos que

todo brasileiro que for a Lisboa verá com gosto a memória de

el-rei D. José, com o busto do sábio ministro restituído ao seu

pedestal, por justo decreto do primeiro imperador do Brasil

(4). E começaremos por dizer que as leis josefinas não ficavam

em letras mortas: eram logo cumpridas, pois tinha D. José um

ministro, que, sabendo aproveitar os homens, escolhia logo

quem as havia de executar, sendo que não apresentava à

sanção a lei, senão depois de haver preparado o seu

recebimento no país, à maneira do bom agricultor que sabe de

antemão adubar a terra, em que tem de lançar a semente, para

que dê sazonados frutos. – Com magistrados e fiscais das leis,

corruptos ou covardes, não há leis que valham, nem povo que

se melhores, nem patriotismo que se acrisole: nem a

constituição mais bela do mundo felicitará jamais qualquer

poro, quando ele não esteja preparado, por meio de virtudes

domésticas, para não sofismar os seus mais sagrados dogmas.

Começaremos por fazer menção da empresa, talvez

mais importante, levada avante nesse reinado, a favor da

nacionalidade brasileira: - a de haver incorporado de todo no

Estado, resgatando-as por meio de indenizações convencio-

nadas com os interessados, e que consistiam em títulos e

pensões ou padrões de juros (de 600$000 a 2:000$000), todas

as capitanias que ainda tinham donatários, e eram umas onze,

154

pelo menos, a saber: as de Cametá (5), ilha de Joanes (6), de

Caité (7), de Cumá (8), de Itamaracá (9), do Recôncavo da

Bahia (10), de Itaparica (11), dos Ilhéus (12), de Porto Seguro

(13), Campos de Goitacazes (14) (sem dúvida as duas reunidas

já em uma só) e São Vicente (15).

No militar sabido é como ao reinado del-rei D. José e

ao conde de Lippe remonta a base da organização do nosso

exército, começando pelo seu regulamento. Em todas as

capitanias se aumentaram as forças da tropa de linha, e em

virtude das guerras do Sul, regimentos inteiros vieram de

Portugal. Em Minas, São Paulo e Rio Grande se organizaram

companhias de dragões, combatendo a pé e a cavalo, e por

conseguinte apropriados a prestar, em seus vastos campos,

apoio à autoridade. – O aumento dos terços de auxiliares de

cavalaria e corpos de ordenança mereceu também muito

especiais atenções do governo. Para quase todas as vilas foram

nomeados capitães-mores, e freqüentemente os que come-

çavam servindo nos auxiliares e ordenanças, quando se

distinguiam por serviços importantes, eram passados em seus

mesmos postos para a primeira linha.

Na instrução e obras públicas, no comércio, lavoura e

indústria, na navegação, na arrecadação da Fazenda e na

governação do Estado, na organização militar, em úteis

reformas judiciais, em providências benéficas e caritativas, o

dedo gigânteo de Pombal ficou assinalado neste país.

Benefícios legítimos do reinado de José I experimentou

também o Brasil na instrução pública, em primeiro lugar pela

admirável reforma da Universidade de Coimbra, que levou a

cabo, pondo-a, como se vê dos seus Estatutos, especialmente

nas faculdades de direito, filosofia e matemáticas, a par das

155

primeiras do seu tempo. A esta reforma, em que trabalharam

muito dois beneméritos brasileiros, o bispo conde reformador

D. Francisco de Lemos e seu irmão João Pereira Ramos,

deveram depois outros brasileiros a ilustração, com que

serviram com tanta distinção nesse reinado, que muito os

protegia, e com que ainda nos últimos tempos puderam bem

servir o seu País. Para realizá-la o ministro Pombal não

hesitou, como patriota superior a prevenções, de fazer vir até

de fora capitais de inteligência e de atividade, nas pessoas dos

Vandellis, Francinis, Dallabellas, Blascos e outros. – Não foi

menor o benefício que resultou da reforma dos estudos das

escolas menores, o restabelecimento do colégio dos Nobres,

tudo debaixo da inspeção da Mesa Censória, tribunal

encarregado da censura dos livros, que ficaram isentos de

passar pelas três censuras, da inquisição, do desembarbo do

paço e do ordinário. para a manutenção destas escolas foi

estabelecido o imposto do subsídio literário para o reino e

conquistas (16), em vez dos parciais, que foram abolidos. Os

edifícios monumentais da cidade do Pará, levantados desde

que ideou, em 1761, preparar aí um refúgio, em caso de

necessidade, ao trono da casa de Bragança, recomendam a sua

previsão (17). Pela maior parte foram delineados pelo

arquiteto Antônio José Landi, que para esse fim despachou

(18). O palácio, hoje ocupado pela presidência da província,

com quinze janelas de frente, três das quais no corpo do meio,

é um dos mais esplêndidos do Brasil. A sé e as igrejas de São

João e Santa Ana são idênticos testemunhos do favor real que

presidiu à sua ereção.

O comércio em geral deveu ao reinado de José I o

estabelecimento de uma aula de comércio, em Lisboa, para

156

guarda-livros e praticantes, da ereção de um tribunal, ou Junta

do Comércio, para o animar e proteger, em utilidade do bem

comum dos seus domínios, tendo em geral as atribuições e

privilégios da antiga Companhia do comércio. A instituição

em 1755, da companhia do Grão-Pará e Maranhão (19), com o

fundo e capital de um milhão e duzentos mil cruzados, fez

surgir estas duas capitanias do definhamento em que jaziam.

Outro tanto sucedera ao vizinho distrito de Venezuela desde o

estabelecimento, em 1730, de uma companhia semelhante (20).

O Maranhão principalmente, cujos produtos antes se achavam

empatados, e que parecia condenado a volver outra vez à

barbárie, levantou cabeça, e começou a rivalizar com as

províncias mais opulentas (21). O algodão e o arroz especial -

mente prosperaram muito, favorecendo ao primeiro a

introdução das máquinas nas fábricas, e ao segundo as guerras

dos Estados Unidos, etc. Menos feliz foi acaso o monopólio,

quatro anos depois concedido (22), a outra semelhante

Companhia de Pernambuco e Paraíba (reunidos poucos anos

antes em uma só capitania) com o fundo de três milhões e

quatrocentos mil cruzados. Ambas foram extintas no seguinte

reinado. Se a primeira delas, tendo por emblema a estrela

sobre uma âncora, foi civilizadora, pelos capitais que adiantou

aos ovos, que deles tanto careciam, é certo que a última, não

compreendeu ao mote ut luceat omnibus, que adotou, em seu

selo, ao redor de outra estrela (23). O com´percio do açúcar e

do tabaco (24), apesar de sujeitado por meio de preços

impostos para a venda no Brasil e para os transportes nos

navios (25), e apesar de alguma opressão que chegou a causar

aos lavradores o estabelecimento de Mesas ou casas de

inspeção (26) para o qualificar, cobrou grande desenvol-

157

vimento. As casas de inspeção eram quatro, a saber: no Rio,

Bahia, Pernambuco e Maranhão. Compunham-se de um

magistrado, de um lavrador eleito pelas câmaras da capitania,

e de um negociante indicado pelo corpo do comércio da praça

do porto de embarque. O tabaco devia ser classificado como de

primeira qualidade ou escolha de Holanda, ou como de

segunda folha; o máximo dos direitos em Portugal era de 1689

1/4 réis por arroba, regulando o custo desta aos lavradores por

l$200, sendo de primeira folha (27). O tabaco inferior não se

podia exportar para a Europa: porém sim para África, quando

se não consumisse no país (28). – A Bahia deveu a Pombal, no

tabaco, a introdução da cura seca, própria para os charutos,

enviando aí à Cachoeira, cuidar da preparação do tabaco em

folha, um André Moreno, o qual havia chegado em 1757 (I).

Pouco depois já um Manuel da Silva Pimentel remetia dali, a

João Francisco da Cruz, uns maços de folhas, apertadas e

ligadas, e outros de manocas ligadas em volumes separados.

Em 17 de Dezembro, remetia mais algum, feito em manojos,

como no Maranhão, com muito trabalho e impertinência. –

Antes (pelo Reg. de 18 de Outubro 1702) o tabaco do Brasil

pagava de entrada em Portugal l$600, e o do Maranhão 800

réis (29).

O favor concedido pela corte à agricultura do Maranhão

(30), se fez agora extensivo ao anil, que foi por dez anos

isento de todos os direitos de entrada e saída, sendo que em

1762 já, sem esta providência, se haviam do mesmo Maranhão

exportado quarenta e duas libras dele.

Também já então se exportava daí porção de café (31),

além de algum cacau, gengibre, algodão, mais de vinte mil

couros, e duas mil oitocentas e quarenta e sete arrobas de arroz

158

(32). A cultura deste último produto no Brasil foi muito

animada com a isenção, por duas vezes concedida por dez

anos, à fábrica de descascar arroz de Manuel Luís Vieira e

Domingos Lopes Loureiro, no Rio de Janeiro (33). – Esta

proteção dada então ao arroz veio a tempo, pois havendo a

companhia do comércio do Maranhão introduzido a semente

do da Carolina, e tendo estabelecido em 1766 uma fábrica de

soque, com o do Brasil se chegou em parte a suprir a falta do

verdadeiro carolino, ocasionada pela guerra nos Estados

Unidos (34). – Recebeu igualmente a régia proteção uma

fábrica de curtumes no Rio, ordenando-se para esta a economia

dos mangues não descascados; e para proteger o uso da aduela

indígena, tirada do pau da canela e tapinhoã, proibiu o

governo, no Brasil, a importação da da Europa, impedindo-se

por outro lado em Portugal (35) a entrada de toda goma-copal

estrangeira, para proteger a de jatubá ou jutaicica do Brasil,

da qual em 1769 haviam sido remetidas a Lisboa 14 arrobas

colhidas no Turiaçu. Foi também consentido o estabelecimento

de uma fábrica de lonas na Bahia, o que não deve admirar

quando já alguns anos antes, em 1750, se chegara a ordenar o

estabelecimento no Pará de fábricas de chitas, trazendo-se para

isso tecelões da costa de Coromandel (36). Como favorável à

nossa lavoura devemos também considerar o alvará de 14 de

Outubro de 1751 (37), que proibiu a saída de pretos, do Brasil

para os domínios estrangeiros, bem como o de 10 de Janeiro de

1757 (38), que permutou o contrato do tabaco que se

estabelecera no Rio de Janeiro, por um equivalente de 800 réis

em cada escravo que entrasse, 1$000 em cada pipa de jerebita

que ali se fabricasse, e 3$000 em cada pipa de azeite de peixe

que se consumisse.

159

Em 1775 foi criada a nova capitania do Maranhão, com

o Piauí, independente da do Pará, e dela foi nomeado capitão-

general Joaquim de Melo e Póvoas (39), que antes tivera o

governo subalterno do Rio Negro e depois o do Maranhão

(desde 1761); havendo nesta ocasião recebido do primeiro

ministro uma notável carta, contendo instruções e

recomendações, ainda digníssimas de ser estudadas e

meditadas por quem tenha o espinhoso encargo de governar

povos. Nessa carta, hoje divulgada pela imprensa (40),

recomenda-lhe Pombal toda a justiça e possível piedade e

benevolência, o devido comedimento nas palavras, a

necessária serenidade em todos os atos, o essencial desprezo

dos aduladores e esteliões, a concessão de fáceis audiências

aos queixosos, protegendo aos pobres e humildes; o não dever

jamais valer-se da jurisdição real que lhe era conferida em

satisfação das suas paixões; porque, diz, “é injúria do poder

usar da espada da justiça fora dos casos dela”. Prudência para

deliberar, informando-se bem da verdade, destreza para dispor,

preparando o terreno, e perseverança para executar, vencendo

os obstáculos, tais seriam suas máximas. Nem lhe esqueceu a

advertência de deverem ser leais e de todo seus, os criados que

tivesse de portas a dentro.

Quanto a providências favoráveis à navegação do

Brasil, limitar-nos-emos a citar a preferência dada para a

mesma aos navios fabricados neste Estado, a permissão para se

navegar sem ser em frotas (41), e a provisão de 10 de Junho de

1766 (42) para virem cada ano duas fragatas de guerra, uma

em Abril, outra em Outubro, ao Rio de Janeiro, a fim de

poderem ser por elas mandados os valores com mais

segurança. No Maranhão se ativaram então os trabalhos do

160

furo de Arapapaí projetado em 1742, comunicando, sem os

perigos do passo do Boqueirão, as águas da Bacanga com as

do Arapapaí (43); ao mesmo tempo que se abria (em 1754) a

importante estrada da Estiva, que oferece a mais fácil e natural

comunicação da ilha com o continente (44).

As rendas públicas eram rematadas no Conselho

Ultramarino, geralmente por três anos; e feitas as arrema-

tações, se publicavam logo os contratos. – De uma coleção

destes (impressos avulsamente) (45), que conseguimos reunir,

demos em outro lugar (II) um resumo que, por sua pouca

amenidade nos dispensaremos de reproduzir de novo.

Como providências essenciais à governação do prin-

cipado do Brasil propriamente dito, devemos contemplar a

nomeação de um cronista especial na pessoa de Inácio Barbosa

Machado, irmão do erudito abade de Sever; e não menos a

provisão de 28 de Março de 1754, que mandou reunir uma

coleção completa de todas as leis e ordens expedidas para o

Brasil (46) – coleção que se chegou a completar até o ano de

1757, em 39 volumes, e ainda, ultimamente se viu em Londres

(47). Também é digno de notar-se o alvará (48) que regulou a

sucessão na falta dos governadores, conferindo-a a uma junta

composta das três primeiras autoridades militar, eclesiástica e

de justiça. Igualmente pertence a esse reinado a idéia da

fundação da praça de Macapá, na Guiana brasileira, à custa da

de Mazagão, em Marrocos, cujas muralhas se fizeram voar

(49).

Desse mesmo reinado são, principalmente no Norte do

Brasil, todos esses nomes de terras idênticos a outros de

Portugal: Oeiras, Borba, Santarém, etc. (50).

Deixaremos sem menção as muitas reformas, amplia-

161

ções e interpretações feitas às ordenações do reino, e muitas

providências legislativas, que mais que à nossa história civil

em geral, pertencem à especial do direito pátrio.

Com aplicação especial à justiça no Brasil,

mencionaremos, primeiro: o estabelecimento da Relação do

Rio de Janeiro em 1751 (51). Essa criação havia sido já antes

proposta, e até ordenada (52); porém dessa primeira vez fora

deixada em trespasso. – Para a nova relação (53) tomou-se por

base o regimento da da Bahia, donde até passaram para a

instalação da nova dois dos desembargadores, que consigo

trouxeram cópia do livro dourado (54) que nela havia. A

relação passou a contar, incluindo o chanceler, de dez

desembargadores, sendo cinco agravistas, um ouvidor-geral do

crime, e outro do cível, um juiz dos feitos da coroa e fazenda e

outro procurador da coroa e fazenda (55). Abrangeria as treze

comarcas do Sul, incluindo as de Minas e a do Cuiabá (56). –

O capitão-general do Rio ficou pelo regimento declarado

governador da Relação (57), da qual foi nomeado chanceler

João Pacheco Pereira de Vasconcelos, que, deixando-a

instalada, regressou à Europa em 1755 (58). Em segundo lugar

mencionaremos o alvará com força de lei de 18 de Janeiro de

1765 (59), que fez extensiva a todas as terras do Brasil onde

houvesse ouvidores a instituição das Juntas de Justiça, ou

pequenos tribunais para sentenciar sumariamente, já em

prática em Pernambuco e no Maranhão e no Pará (60),

compostas do dito ouvidor, com dois letrados adjuntos, as

quais foram autorizadas a deferir os recursos contra as

violências dos juízes eclesiásticos, devendo os provimentos

que nelas se tomassem ser cumpridos logo, e sem esperar-se

pela decisão última da respectiva Relação ou do Desembargo

162

do Paço.

Das miras caridosas e filantrópicas do legislador nos

deixaram evidentes provas:

1º) Os alvarás de 19 de Setembro de 1761 e 16 de

Janeiro de 1773 (61), pelos quais foram declarados forros não

só os escravos que desembarcassem em Portugal, como os aí

nascidos de ventre escravo, mas cujo cativeiro viesse já das

bisavós, ficando logo hábeis “para todos os ofícios, honras e

dignidades, sem a nota distintiva de libertos, que a superstição

dos Romanos estabeleceu nos seus costumes”.

2º) O alvará de lei de 4 de Abril de 1755, favorecendo

os casamentos com as raças dos índios, e proibindo tratar a

estes com o nome de caboucolos (62).

3º) As leis (63), revalidando as antigas, em favor da

liberdade dos índios; e a aprovação dada ao conhecido

Diretório (64) para estes; o que tudo descobre intentos mais

que filantrópicos, embora, em nossa opinião, foi esta parte da

legislação a que menos aplicação pôde ter; por isso mesmo que

quase toda ela se reduziu a teóricos tratados de moral, – a

conselhos; visto que meros conselhos são as leis não

acompanhadas de penas; e estas tanto mais severas quanto

mais brutal está o homem para quem são feitas. Os diretores,

privados de direitos coercivos sobre os índios, deixaram a

estes entregues à sua reconhecida indolência e devassidão,

conforme veio anos depois a provar, em uma luminosa e larga

exposição repleta de notícias e de profundas considerações, o

Dr. Antônio José Pestana e Silva (65), pondo em contribuição

a própria experiência que tivera como ouvidor e intendente

geral dos índios na capitania do Rio Negro, subordinada à do

Pará.

163

4º) O aviso de 15 de Maio de 1756, permitindo que os

ciganos (66) fossem empregados em obras públicas, dando-se

mestres a seus filhos.

5º) Finalmente a carta de lei, constituição geral e edito

perpétuo de 25 de Maio de 1773 (67), mandando acabar para

sempre com as frases distintivas de cristãos novos e velhos, de

que tanto havia inclusivamente abusado, com escândalo e

contra as doutrinas do Evangelho, o tribunal da Inquisição; e o

alvará de lei (do 1º de Setembro de 1774) aprovando um novo

regimento para este tribunal (68), cujos poderes D. José I

sopeou muito, fazendo as sentenças dependentes da

confirmação régia, sendo para lamentar que não ousasse

(talvez por isso mesmo que estava já lutando contra tantos

inimigos) aniquilá-lo de todo.

Em elogio de el-rei D. José, limitar-nos-emos a

transcrever aqui os seguintes períodos do que, em suas

exéquias na Bahia, proferou (69) o exímio pregador baiano Fr.

Antônio de Sampaio: “O Brasil pode sem dúvida (disse o

orador) gloriar-se de ter merecido a predileção do seu real

ânimo... A veneração com que ele recordava a memória desses

antigos povoadores do Brasil, de quem nós agora

descendemos, induzia-o a olhar com carinho para a nobreza

deste novo Estado; a colocar sobre os nossos compatriotas as

mitras de Pernambuco (70), Rio de Janeiro (71), Coimbra (72)

e outras. Com esta consideração honrou os nossos jurisperitos

com togas honoríficas, ocupou-os nos governos, intendências e

magistraturas. Essa foi a verdadeira ocasião de tantos

privilégios com que honrou as nossas cidades, com que

amplificou e enriqueceu os nossos territórios”.

“Política do Brasil! Tu mereceste ao glorioso príncipe

164

essas leis benéficas, que tanto promovem nestes domínios a

tranqüilidade pública: conseguiste da sua magnificência

tribunais amplíssimos, intendências, administrações esten-

didas, que prometem a esta preciosa porção da América a

população de um império. Que descobrimentos não fizemos?

Que progressos não conseguimos, no Pará, no Maranhão, no

Mato Grosso? Que desvelos não foram os do monarca para

fazer culto e feliz o estendido país das minas do ouro?...” “O

Brasil floresce hoje na posse de todos os cômodos e

ornamentos das nações mais cultas... As nossas esperanças

animadas com tantos benefícios iam criando asas para voar à

glória que nos mereceu a ascendência que nos prezamos trazer

dos Correias Sás, Sousas Coutinhos, Pires, Costas, Azeredos,

Pereiras e outros antigos celebérrimos argonautas, que por

glória da nação, por aumento da fé, por novo esplendor destas

colônias, deixaram o ninho da sua amada pátria, para virem

disputar a estes homens semi-feras a posse destas regiões bem-

aventuradas.”

Acerca da pessoa de Pombal atrevemo-nos a transcrever

aqui o que dele nos informa um francês que muito o conheceu

e tratou (73): - “O conde de Oeiras [Pombal] possuía muitas

qualidades para ser, como foi, um grande ministro.

Empregando todo o tempo da semana no serviço de seu amo,

reservava as manhãs dos domingos para os negócios de sua

casa, nos quais se ajuntavam todos os almoxarifes, feitores e

mestres de obras, no quarto de sua contadoria, metodicamente

escriturada com livros em partes dobradas; e ali conferia com

eles, recebia e pagava, à boca de cofre, as entradas e despesas

da semana precedente. E era extremamente reservado com sua

família e amigos, a respeito dos negócios do Estado; de modo

165

que ninguém podia descobrir, da sua conversação, gestos ou

maneiras, os negócios que o ocupavam, e que se deviam

conservar em segredo. Ouvia as partes, sem lhes interromper

as suas falas, e as respostas eram graves, breves e terminantes,

revestidas sempre da autoridade do soberano, e não do seu

motu próprio. Não consta que se enfadasse e descompusesse as

partes que o buscavam, por mais que estas se desmedissem em

palavras, nem que em sua casa aparecesse pessoa alguma, que

fosse recebida debaixo do mais estreito cerimonial. Sabia

assim conciliar o recíproco respeito que o público deve ter aos

ministros do soberano, e estes ao público. Possuía mais o

conde de Oeiras um arranjo metódico, tanto na distribuição do

tempo, como nas matérias de que se achava encarregado; e foi

por efeito deste arranjo metódico que ele pôde dirigir bem

todas as repartições do Estado, a ponto de o fazer prosperar

tanto que, apesar da reedificação da cidade, extinção dos

jesuítas, estabelecimentos de inumeráveis fábricas, escolas

públicas, reforma dos estudos, e guerras que ocorreram no seu

tempo, deixou, quando saiu do ministério, 48 milhões de

cruzados no erário régio, e 30, segundo ouvi, nos cofres das

décimas: riqueza que jamais se tinha ajuntado desde a

descoberta das minas. Esse espírito metódico se mostra bem no

arranjo econômico da sua própria casa, o qual confirma o

axioma de que “quem não sabe bem governar a sua casa não

presta para governar o Estado”.

“Foi por efeito da sua estrita economia (continua

ponderando acerca de Pombal o mesmo escritor) que ele pôde

fazer a sua grande casa, e não à custa do Estado, como alguns

terão pensado, regulando-se unicamente pelas aparências. O

conde de Oeiras viveu sempre... sem fausto, nem aparato;

166

servindo-se ele, e seus irmãos da mesma cozinha. Sua mesa,

bem que farta, não era delicada; sua cavalheirice era mui

pouco dispendiosa. ainda nos anos de 1764 a 1766 andava por

Lisboa na mesma carruagem de jornada em que tinha vindo de

Viena d’Áustria”...

Acusam-no de haver usado demasiado rigor com alguns

que haviam sido seus colegas no ministério, como Diogo de

Mendonça Corte Real, demitido em 1756 (74), Tomé Joaquim

da Costa, em 1760, e José de Seabra (75), seu antigo

confidente nos assuntos contra os jesuítas, demitido em 1774;

o primeiro dos quais foi desterrado para Mazagão, e este

último para Vizeu e Porto e por fim para Angola. Mas os que

assim pensam pretendem que há mais de um século se

pensasse como hoje, e esquecem-se de que deviam ser quase

crimes de lesa-majestade o haver, o primeiro revelado os

projetos de casamento da herdeira do trono com um infante de

Espanha e o último nada menos do que certos planos de el -rei

de fazer passar a sucessão da coroa a seu neto o príncipe D.

José, em detrimento da princesa do Brasil, sua mãe.

É igualmente acusada a memória do dito primeiro

ministro Pombal, pelas irregularidades ou faltas de clareza que

se notam em quanto foi publicado acerca da condenação dos

réus implicados na tentativa de assassinato do rei em 1758

(III). Essa acusação desaparecerá, cremos nós, quando venha a

ser integralmente dado à luz todo o processo, que nos

asseguram existir em Portugal (76). Mas, pelo que já sabemos,

na falta de publicação do mesmo processo íntegro, deu o dito

primeiro ministro mais um aprova de abnegação, expondo até

a sua reputação, em serviço e dedicação pelo rei. Ele próprio o

disse na sua célebre “Justificação”, ainda inédita, por estas

167

palavras: “A necessidade pública que fez preciso um

melindroso segredo de Estado a respeito de alguns fatos que se

contêm nos Processos”. E em outro lugar: “Não havendo

confiado o dito monarca o segredo daquele delicadíssimo

negócio senão aos três secretários de Estado, ... logo que pôde

passar do leito para o gabinete, no dia 9 de Dezembro” (77).

Reduzia-se o segredo a que o próprio rei fora o acusador,

apenas toda a trama lhe foi revelada pela sua favorita, a jovem

Távora, na primeira visita que lhe fez, depois do atentado.

Cumpre-nos acrescentar que (pois a sentença acerca das

consciências compete exclusivamente ao supremo e

sempiterno Juiz) todos os homens que se ocupam de governo,

quanto mais estudam a administração de Pombal, mais

sinceramente a admiram, chegando até a crer que, sem ela ,

Portugal se houvera acaso submergido, “no gosto da cobiça e

na rudeza”.

Graças ainda ao auxílio indireto dos capitais e ouro do

Brasil, para não mencionar um pingue donativo de três milhões

de cruzados (78) em trinta anos, ou quarenta contos em cada

ano (79), com que, convidadas pela carta régia de 16 de

Dezembro de 1755 (80), todas as capitanias deste Estado

puderam, depois do terremoto do 1º de Novembro de 1755,

socorrer a capital, a ova Lisboa se levantou como por encanto.

– Pelo que se o Brasil, pelos nomes das famílias e pela língua

vernácula, há de testemunhar sempre qual foi o tutor europeu

que lhe encaminhou os passos, na infância da sua civilização,

também Portugal não se esquecerá jamais dos socorros que lhe

ministrou o seu rico pupilo americano, enquanto existir uma

pedra no enorme aqueduto de Alcântara, no pomposo

monumento de Mafra, ou nas suas regularissimamente

168

alinhadas da baixa da antiga Ulíssipo. Esta é a verdade, por

mais que (nem que apostados a evitar justas, políticas e

convenientes conciliações) defendam partidos opostos as

opiniões extremas, acerca de quem deve ou é devedor. Não

cremos razoável, nem generoso, nem nobre, nem animador da

colonização européia de que tanto carecemos, lembrar de parte

a parte só o que há de queixa, sem pôr ao lado o muito que

pede louvor e gratidão. – Do lado da metrópole, e mais ainda

dos agentes dela, sabemos que houve muitas vezes despotismo,

injustiças, incoerências, ignorância, e por conseguinte maus

governo. Mas, não é menos verdade que a corte mostrava

sempre desejos de caminhar com o possível acerto, e não

deixava de repreender e de castigar o procedimento dos

governadores menos observantes das leis. A própria

independência que concedia aos magistrados, às câmaras, aos

bispos e às ordens religiosas e que foram causa de tantas

desordens, eram, para essas corporações e para os povos,

verdadeiras garantias de liberdade, que não existiriam em

governos propriamente despóticos.

Além de que, as faculdades dos mesmos governadores,

não deixavam de estar sopeadas pela independência do poder

judicial, exercido pelas relações, ouvidores e juízes, pelas

garantias dos empregados do fisco, e pela autoridade de certas

juntas e até das câmaras ou municipalidades. Não faltaram, é

verdade, governadores, em geral saídos da classe militar,

ignorantes dos mais triviais princípios do governo político,

que se entremetessem a alterar as formas dos processos, que se

envolvessem nas questões de propriedade, dando sesmarias já

concedidas a outros, que fossem menos observantes das leis,

que à vezes até ignoravam; mas alguns se poderão citar que

169

administravam admiravelmente, ou que, nos próprios ofícios à

corte e nas instruções por escrito que deixaram a seus

sucessores, mostraram especial conhecimento dos assuntos

mais importantes da capitania, e grande ciência de governo, e

muito juízo prudencial. – Os governadores não podiam

comerciar por si, nem por outrem, nem lançar nos bens que

iam à praça; nem mandar fazer seqüestros; nem receber

presentes; nem aceitar cessões de dívidas; nem consentir que

as aceitassem seus criados. Igualmente não podiam mandar

tirar devassas; nem prender sem culpa formada; nem dar

auxílios ara prisões, senão por ordens das justiças dos

distritos; nem podiam conceder ajudas de custo; nem abrir

cartas particulares, ainda a pretexto de averiguar descaminhos

da fazenda; nem proibir os descobrimentos em terra incultas. –

Não podiam, nem tampouco os ouvidores e juízes de fora,

contratar casamento no círculo de suas jurisdições. Deviam os

governadores além disso evitar eficazmente que os oficiais da

justiça e fazenda levassem às partes emolumentos excessivos,

cuidando que os ministros observassem o regimento de seus

salários, e não faltassem às suas obrigações. Também eram

obrigados a mandar logo aos ministros as cartas do serviço

recebidas para eles; a fazer que as eleições dos juízes dos

órfãos tivessem lugar ao mesmo tempo em que as das mais

justiças; e a não consentir que os ouvidores passassem

provimento aos oficiais que serviam com eles. Era-lhes

proibido arbitrar salários aos ministros, ou passar-lhes

atestados durante o tempo em que exerciam lugares. Não

podiam convocar a palácio as câmaras, sem necessidade

urgente, a benefício delas ou do serviço público; nem permitir

que elas lançassem fintas. E só das mesmas câmaras podiam

170

receber por aposentadoria casas e camas, para si e suas

comitivas: aos oficiais das mesmas não podiam obrigar a que

os fossem visitar em corpo de câmara. Não deviam intrometer-

se nas eleições dos oficiais de ordenanças, nem criar novos

postos. Nos preenchimentos das vagas deviam justificar estas

com documentos, e atender às propostas das câmaras. Também

lhes era proibido ter criados com praça de soldados;

providência esta que se fez extensiva acerca dos ministros.

Tantas peias tinham os governadores pela lei, que acaso

algumas vezes não poderiam eles ter a necessária autoridade

para governar na distância a que se achavam da metrópole, se

as tendências naturais do instinto de conservação e de mando

lhes não fizessem propender para o arbítrio. – Em vista das

ditas peias, que expusemos, pudéramos desconfiar que a

administração devia principalmente ressentir-se de falta de

centralização tão encomiada pelo ilustre Timon da França (81),

quando chegou, no tratado especial acerca da mesma

centralização, a afirmar que “quanto mais se concentra a

autoridade, menos pesa sobre os governados; e quanto mais se

divide e desce, também mais se apresenta com o caráter das

humanas paixões”. E com efeito, já nesse tempo a própria

experiência provava que, sobretudo nos sertões menos

habitados, não era pelo excesso de autoridade dos

governadores que mais pecava a boa administração da justiça;

pois o influxo deles era em geral benéfico aos povos, contra as

demasias e prepotências dos capitães-mores locais, que

alguém, não sem malícia nem sem razão, se lembrou de

comparar a certos potentados de nossos dias, revestidos com a

fita de juiz de paz ou as dragonas de comandante superior da

guarda nacional. Desgraçadamente, a experiência prova que os

171

países menos povoados passam sempre uma época com

tendências feudais, seja qualquer o nome que se dê aos

suseranos, que acabrunham os pequenos, quando, aliás, na

cabeça do Estado e nas cidades populosas a administração da

justiça corre com a maior regularidade. Felizmente, as estradas

de ferro, e os vapores acabarão essas tendências, esta-

belecendo a polícia mais rigorosa, equilibrando a população, e

melhorando-a pelos dois grandes meios civilizadores: a

indústria que subministra ao homem os maiores cômodos da

vida; e a observância da religião, que o beneficia moralmente.

Depois dos capitães-mores, eram, mais que os

governadores, causas de imoralidade e arbítrios os empregados

subalternos, tanto da justiça, como da fazenda; pois que,

dando-se a princípio de preferência os ofícios aos que

ofereciam para as urgências do Estado maiores quantias, veio

isso a degenerar em abuso, a tal ponto que havia na corte

agentes ou corretores deles, e às vezes recaíam em indivíduos

de procedimento menos regular. A esses abusos pôs cobro el -

rei D. José, que, por carta régia de 20 de Abril de 1758,

mandou às capitanias do Brasil Antônio de Azevedo Coutinho,

do Conselho Ultramarino, a fim de proceder nelas à

arrematação dos mesmos ofícios, entre os indivíduos dignos de

os exercer (82).

Como delegados de el-rei D. José na administração das

capitanias do Brasil prestara serviços mais importantes, além

do conde de Bobadela e da Cunha, o vice-rei marquês de

Lavradio.

Em seu largo vice-reinado de dez anos e cinco meses, o

marquês de Lavradio, que antes governava na Bahia, em meio

dos cuidados em que se viu com as hostilidades e guerras no

172

Sul, com o maior zelo e inteligência, a todos os ramos da

administração. Ao passo que se entregava à organização da

milícia, animava os estudos, protegia os estudiosos e cuidava

do aformoseamento da capital, que ainda à sua memória dedica

o nome de uma de suas ruas. Ao mesmo tempo se dedicava,

com o maior empenho, a favorecer o desenvolvimento das

indústrias agrícolas no país, e com especialidade as do anil,

cochonilha, queijos e manteigas (83). E todos sabem que no

seu tempo nasceram e floriram, em uma chácara de

Mataporcos, do holandês João Hopman, as plantas de café que

deram as sementes para todo o Sul do Brasil (84).

Quanto ao seu caráter, preferimos deixar que nos dê

dele idéia um eloqüente frade, seu contemporâneo (85), no

sermão que, depois do seu falecimento, recitou na catedral do

Rio de Janeiro: ouçamo-lo:

“... homem singular, em quem o contágio da dignidade,

e da grandeza não tinha feito mudar o aspecto, nem corromper

o coração. Não o cercou nunca aquela nuvem medonha, que,

escondendo a autoridade de que necessitam os povos, deixa

com tudo aparecer uma soberba que os aterra (86). Brilharam

sempre do redor de sua presença os sinais mais evidentes de

seu amor para convosco, e vós sois testemunhas daquela

candura que pintava em seu rosto e seus afetos. Viu-se na sua

pessoa aquela união prodigiosa que poucas vezes faz o poder

com a ternura e a justiça com a humanidade Despendeu

liberalmente convosco aquele tesouro de talentos preciosos

que tinha recolhido em sua alma, e fez da vossa felicidade o

unido objeto dos seus cuidados.”

Do seu grande tino governativo pode-se fazer perfeita

idéia, em presença das explicações por ele próprio dadas ao

173

seu jovem sucessor acerca do modo como alcançara apaziguar

muito os turbulentos habitantes do distrito de Campos. Ei -las

(87): “... como aquelas gentes ainda estão com as idéias muito

frestas da má criação que tiveram, é necessário, enquanto não

passam mais anos, não dar a nenhum deles um poder e

autoridade que, enchendo-os de vaidade, possa vir a dar um

cuidado que traga consigo maiores conseqüências. Eu tenho

seguido o sistema de dar ali muitas sesmarias, de facilitar às

pessoas desta capital que se vão para ali estabelecer. Tenho

mandado vir a muitos para lhes falar; tenho-os aqui

conservado por algum tempo, para os costumar a ver como os

povos vivem sujeitos; e que vejam o modo com que se respeita

e obedece aos diversos magistrados, e às pessoas que mais

representam: e em todo o tempo que aqui estão, procuro que

estejam muito dependentes; e por fim os mando retirar,

fazendo-lhes sempre algum benefício. Por este modo se tem

ido sujeitando de sorte que já hoje não acontecem aquelas

horrorosas desordens, que todos os dias inquietavam os

governadores desta capitania. É preciso ter um grandíssimo

cuidado em não consentir que para ali se vão estabelecer

letrados rábulas ou outras pessoas de espíritos inquietos;

porque, como aqueles povos tiveram uma má criação, em

aparecendo lá um desses, que falando-lhes uma linguagem

mais agradável ao seu paladar, convidando-os para alguma

insolência, eles prontamente se esquecem do que devem, se

seguem as bandeiras daqueles. No meu tempo assim sucedeu,

por causa de um advogado chamado José Pereira, que

parecendo-me homem manso e de boas circunstâncias, o fiz

juiz das sesmarias daquele distrito, o qual fez tais desordens

que até se fomentou um levantamento, e se naquela ocasião eu

174

seguisse os meios ordinários, e não tomasse uma resolução

extraordinária, ficariam de todo arruinados os utensílios e

excelentes estabelecimentos, que ali estão hoje adiantados. Eu

mandei buscar este homem e aqueles que com ele mais

procuravam representar, tive-os por muitos meses reduzidos a

uma aspérrima prisão; mascarei-os até o último ponto; e, com

este meu procedimento, se intimidaram todos os outros, e

depois de estar tudo sossegado, tornei a permitir -lhes que

voltassem para que pudessem contar o que lhes tinha sucedido;

e lhes disse que a primeira notícia que eu tivesse de alguma

inquietação por aquelas partes, eles seriam os primeiros que

me fossem responsáveis de todas aquelas desordens. Com isso

consegui o serem eles os primeiros, quando voltaram, que

procuravam a quietação de todos, de sorte que hoje tudo se

conserva na maior tranqüilidade”.

Além dos condes de Bobadela e da Cunha e do marquês

de Lavradio, distinguiram-se também neste reinado, D.

Antônio Rolim de Moura, conde de Azambuja, pela sua

atividade nos governos de Mato Grosso, Bahia e Rio, e D.

Álvaro Xavier Botelho, conde de São Miguel, pelas

prevaricações escandalosas que lhe foram provadas em seu

governo de Goiás, de 1755 a 1759 (88), embora ele se

chegasse a queixar que haviam passado três anos sem receber

nenhuma comunicação da metrópole.

Em Minas, fez-se muito notável o governador (1768-

1773) conde de Valadares, D. José Luís de Menezes, que,

apesar de sua pouca idade, sendo menor de vinte e cinco anos

(89), quando tomou posse do bastão, soube fazer respeitar a

autoridade (90), perseguindo os malfeitores, e reduzindo o

numeroso quilombo do Bateeiro na comarca do Rio das

175

Mortes.

Pelo que respeita à sua integridade, formamos dela

desfavorável idéia desde que tivemos conhecimento do notável

fato que passamos a narrar (91). Oito dias depois de seu

regresso de Minas, procurou-o o marquês de Pombal, e lhe

pediu emprestados noventa mil cruzados. Entregou-lhos o

conde, em 12 de Março de 1768; e nesse mesmo dia mandou

Pombal que se desse entrada desta soma no erário, e

efetivamente se abriu sobre ela assento a fls. 122 v. do livro 2º

dos ofícios da fazenda; declarando serem dela, cinqüenta, por

um ofício conferido a José Rodrigues do Amaral, de Mariana,

e quarenta, de outro dado a Bento José Gomes, de Vila Rica. –

Em Maio de 1778, vendo Valadares a grande reação contra

Pombal, foi queixar-se à rainha da dívida em que lhe estava o

dito ex-ministro. Sendo este ouvido, respondeu, em 14 de

Maio, ser verdade haver recebido os noventa mil cruzados, e

citando a folha do livro do erário em que se achavam lançados,

e a razão por quê, acrescentando porém que, apesar disso,

entregaria a mencionada soma ao conde, se a rainha o

ordenasse.

Acerca dos trajes no Brasil (92) baste-nos dizer que se

iam seguindo à risca as modas da metrópole, que por sua parte

seguia as do resto da Europa. Estavam em voga, até para os

soldados, as cabeleiras com rabicho, os chapéus à Frederica, as

fardas desabotoadas, redondas, nas abas, as camisas de folhos,

e os calções com fivelas, sapatos e polainas.

A administração de Pombal, apesar de tão votada a

promover os interesses materiais do país, não deixou de ser

muito propícia às letras, e aos brasileiros que nestas se

distinguiram. – O favor que durante ela receberam os dois já

176

mencionados fluminenses, irmãos, reformadores da

Universidade, bispo-conde D. Francisco de Lemos, e João

Pereira Ramos, procurador da coroa e guarda-mor da Torre do

Tombo, se estendeu a outros muitos brasileiros. O modesto

autor da História Eclesiástica Lusitana , D. Tomás da

Encarnação (93) e o franciscano Fr. Antônio de Santa Maria

Jaboatão (94) deixaram-nos obras que ainda os recomendam. –

Também foi obra desse reinado a Etiópia resgatada, que deu à

luz em 1758 o padre Manuel Ribeiro da Rocha, na qual já este

filantropo autor propõe a idéia de ser o tráfico declarado

pirataria, e de poderem os escravos resgatar a sua liberdade ao

cabo de cinco anos de cativeiro. – O distinto mineiro, autor do

poema épico Uraguai, José Basílioda Gama, foi honrado com a

confiança do ministro, que o escolheu para seu oficial de

gabinete, com carta, foros e escudo de nobreza. Igualmente

não deixaram de encontrar favor em Pombal os nossos poetas

Cláudio Manuel da Costa, Manuel Inácio da Silva Alvarenga,

Inácio José de Alvarenga Peixoto, e até já o próprio Domingos

Caldes Barbosa. O fluminense Feliciano Joaquim de Sousa,

deixou-nos, entre outros escritos, a sua Política Brasílica (95).

O bispo do Pará D. Fr. João de São José legou-nos o seu

Diário (1762-1763) (96), sento também valiosos, acerca das

terras do Amazonas, os escritos do vigário-geral do Rio Negro

José Monteiro de Noronha (97) e do ouvidor Francisco Xavier

Ribeiro de Sampaio (98); João da Silva Santos viajava em

1764 (99) pelo Jequitinhonha, e o governador de São Paulo

Luís Antônio de Sousa Explorava, pouco depois (1768),

pessoalmente, os rios Tibagi e Ubaí (100).

Pouco diremos das três associações literárias que

contou o Brasil durante este reinado. A dos Seletos, no Rio de

177

Janeiro, em 1752, de que foi secretário um ex-ouvidor de

Paranaguá, Manuel Tavares de Sequeira e Sá, teve

principalmente em vista um certame em favor do governador,

e as suas produções foram publicadas na coleção Júbilos da

América (101).

A dos Renascidos, que se instalou na Bahia em 1759,

debaixo dos mais favoráveis auspícios (IV), com quarenta

acadêmicos de número (todos residentes na Bahia) e oitenta e

três supranumerários, com estatutos bem pensados, e que

chegou durante vários meses a ter sessões regulares duas vezes

por mês, e viu-se dissolvida pela misteriosa prisão do seu

diretor ou presidente (V), o conselheiro José Mascarenhas

Pacheco (o qual, comprometido na questão dos jesuítas, foi

remetido preso à corte em 1760, e não veio a sair solto senão

em 1777) produziu um interessante livro, ainda manuscrito, a

História Militar do Brasil de 1547 a 1562, pelo sócio tenente-

coronel José Mirales (VI).

A Científica foi instituída no Rio de Janeiro em

Fevereiro de 1772, pelo médico do vice-rei Lavradio, José

Henriques Ferreira, que foi dela o presidente (VII).

Entretanto, no reinado de D. José, no Brasil, não eram

tanto os escritos de literatura amena, como os que continham

informes estatísticos do país, os que mais fomentava o

governo, e que efetivamente se escreviam. Ainda hoje se

guardam em Lisboa, nos arquivos do Conselho Ultramarino,

maços e maços, contendo muitos de tais informes, que

esperamos hão-de um dia ser dados ao prelo (102). De uma

dessas estatísticas acerca da capitania de Pernambuco e suas

subalternas, Ceará, Rio Grande, Paraíba e Alagoas, em 1774,

temos cópia, e dela aproveitaremos os seguintes fatos (103).

178

Contava o Ceará mais de 34 mil almas, o Rio Grande passante

de 21 mil, a Paraíba de 30 mil, e Pernambuco 175 mil,

incluindo as comarcas das Alagoas e do Penedo, relacionadas

pelas listas das desobrigas das freguesias. No Ceará contavam-

se 972 fazendas; no Rio Grande 283; na Paraíba 869; em

Pernambuco 516. Havia nas oito comarcas de Pernambuco 360

engenhos e na Paraíba 37. O sobrante das rendas públicas

montava em Pernambuco acima de 14 contos (104); na Paraíba

perto de 13; no Rio Grande a mais de 5; e no Ceará (produto

dos dízimos) a mais de 11. - Os tributos, fontes dessa receita,

eram além dos dízimos, o subsídio do açúcar e das carnes e do

tabaco, donativo da alfândega, novos direitos dos ofícios e

cartas de seguro, direito de caixas, passagem de alguns rios,

pensão dos engenhos, pesqueiros do mar, etc.

Acerca da Bahia o seu termo escrevera em 1757 uma

estatística o medidor da cidade Manuel de Oliveira Mendes

(VIII). Havia 17 freguesias; mas o autor só designa os fogos e

almas de 14; subindo aqueles a 8.026 e estas a 46.455. – Em

São Paulo, a renda provincial em 1776 montava a 47:900$599,

e a despesa ordinária subia a 49:429$869; havendo portanto

um excesso de 2:339$270; isto sem contar os enormes gastos

com as tropas da capitania estacionadas no Sul, os quais

corriam à conta do vice-reinado. A respeito de Minas

preparava o desembargador José João Teixeira Coelho uma

mui importante notícia estatística, hoje impressa (105), e da

qual trataremos, com mais extensão, na secção seguinte. Da

Estatística do Ceará se ocupava o coronel Antônio José

Vitoriano Borges da Fonseca, autor da Nobiliarquia

Pernambucana (106), que ali estivera dezesseis anos de

capitão-mor. Do Rio de Janeiro, em fins de Janeiro e

179

princípios de Fevereiro de 1751, nos deixou uma idéia o

matemático La Caille (107), que então aqui esteve, morando

na rua do Rosário. A população da cidade se avaliava em

cinqüenta mil almas. Nas janelas e portas viam-se urupemas.

Nas esquinas havia nichos diante dos quais se rezava o terço. –

No largo do Paço se construía o chafariz (108).

Das relações contemporâneas de festas públicas nos é

dado coligir algumas notícias curiosas acerca do estado das

artes (109). – Pelo que respeita à Bahia, muito minuciosas

notícias nos dá uma relação escrita (1761) por Francisco

Calmon, sócio dos Renascidos (110), acerca das festas

celebradas pelos desposórios da princesa, depois D. Maria I

(111). – A um bando, em que saíram a cavalo o porteiro da

câmara e meirinhos, vestidos à cortesã, ao som de atabales e

mais instrumentos, seguiram-se danças, fogos e comédias. –

Entre as danças, distinguiram-se não só as dos mesteres; v. gr.

a dos cutileiros e carpinteiros, com farsas mouriscas, a dos

alfaiates, a dos sapateiros e correeiros, como a dos Congos,

que muito agaloados, anunciavam a vinda de um rei negro, o

qual depois aparecia com a sua corte e sovas, dançando as

talheiras e quicumbis, ao som de seus instrumentos: seguiam-

se índios emplumados e de arco e flechas, saindo de ciladas. E

por fim houve canas, escaramuças e argolinhas, e se

representaram a comédia Porfiar amando e a ópera Anfitrião,

muito provavelmente a de Antônio José (112). – Mais curiosa

que esta, de notícias verdadeiramente interessantes para as

artes, é outra anterior acerca dos festejos com que Pernambuco

celebrou a aclamação de el-rei D. José, publicada pelo oficial

maior da secretaria do governo da capitania, Filipe Néri

Correia (113). Nela se descrevem minuciosamente os artefatos

180

do teatro, devidos ao artilheiro Miguel Álvares Teixeira; nela

se diz que a música foi obra do compositor mestre de capela da

sé, o padre Mestre Antônio da Silva Alcântara; dela finalmente

se vê que as comédias La sciencia de reinar, Cueba y costillo

de amor e La piedra filosofal, que se representaram nos dias

14, 16 e 18 de Fevereiro de 1752, foram ensaiadas pelo

compositor dramático Francisco de Sales Silva. Das artes do

Rio nos oferece algumas notícias uma Epanáfora festiva

acerca do nascimento do príncipe real em 1763 (114). Nessa

última festa não somente se correram touros e praticaram

escaramuças, com argolinha, alcanzias e canas, como saíram

também à rua danças de ciganas, dos cajadinhos, com gaitas

de foles, dos cavaleiros, além das dos alfaiates, carpinteiros e

pedreiros, e das dos marceneiros e sapateiros, cada uma destas

últimas com seu carro. Concluiu a festa com índios caçando,

com pardos e congos divertindo-se, e afinal com um castelo e

navio de fogo, que arderam, etc.

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Conde de Oeiras em 6 de Junho de 1759; marquês de Pombal

em 17 de Setembro de 1770. – Filho de Manuel Carvalho de Ataíde, que

servira nas armadas da costa e fora capitão de cavalos, e de uma senhora

que descendia dos morgados de Souto de El -rei; nasceu em Lisboa a 13 de

Maio de 1699 e faleceu em 8 de Agosto de 1782. Sua genealogia não se

insere, como se pretendeu, no trono pernambucano de D. Paulo de Morai,

filho do governador D. Filipe de Moura e de D. Genebra Cavalcanti. –

Conf. Pedro A. de Azevedo, Os Antepassados do Marquês de Pombal , in

Arquivo Histórico Português, 3, 231/331. – Veja a nota II, secção XXV,

tomo segundo desta História, pág. 123. – (G.).

181

(2) Aqui podemos repetir com o sábio Augusto Theiner, na

História de Clemente XIV: “Cada vez que lançamos os olhos sobre

quaisquer inúmeras obras publicadas de oitenta anos a esta parte, com

nomes dos autores ou sem eles, pelos jesuítas ou pelos seus amigos... um

sentimento de dor e de tristeza se apodera de nós... vendo a pouca justiça

e caridade com que nelas se trata não só de Clemente XIV, como de

outros personagens célebres, que, embora não isentos de alguma fraqueza,

não deveram ser tratados inclusivamente com infâmia”. – (A.). – A obra

de Theiner, mais vulgar na tradução francesa, intitulou-se – Histoire du

Pontificat de Clément XIV , Paris, 1852. – (G.).

(3) Embaixador de França, conde de Baschi, of ício de 11 de

Novembro de 1755, Santarém [Quadro Elementar], 6, 70/71. – (A.). – E

acrescentava que “a abundância reinava na cidade sem carestia”. – (G.).

(4) A estátua de D. José noc entro da praça do Comércio, em

Lisboa, terreiro do Poço antes do terremoto foi inaugurada a 6 de Junho

de 1775. O escultor foi Joaquim Machado de Castro e o fundidor

Bartolomeu da Costa, que conseguiu fundi -la de um só jacto. No pedestal

figurava a efígie do marquês de Pombal. Quando o ministro caiu em

desgraça, em uma note de Abril de 1777, foi sua efígie arrancada do lugar

e substituída pelas armas da cidade. Bartolomeu da Costa escondeu -a no

arsenal de guerra, onde, passados tempos, foi encontrada e restituída ao

monumento, por um decreto de D. Pedro, duque de Bragança, de 10 de

Outubro de 1833. – Conf. John Smith, Memoirs of the marquis of Pombal ,

2, 291/294, Londres, 1843. – (G.).

(5) De Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho: 1:200$000.

– (A.). – A capitania foi mandada incorporar à coroa pela carta régia de 1

de Junho de 1752, Revista do Instituto Histórico, 69, parte 1ª, 192. – (G.).

(6) Título de visconde de Mesquitela e 1:200$000 de pensão. –

(A.). – Da Gazeta de Lisboa, de 9 de Maio de 1754: “Foy S. M.

fidelissima servida de reunir á sua Real Corôa a Ilha grande de Joanne,

sita na boca do Rio das Amazonas, de que o Senhor Rey D. Affonso VI

fez mercê de juro e herdade fóra da Ley mental a Antonio de Sousa de

Macedo (sexto neto sempre por varonia do famoso Martim Gonçalo de

Macedo, que na batalha de Aljibarrota salvou a vida ao Senhor Rey D.

Joam I, de cujo acçam se conserva a memoria, nam só nas historias do

Reyno, mas no braço armado com huma massa na mão, que serve de

182

timbre ao escudo de suas armas), em remuneração aos relevantes serviços

que tinha feito a esta Corôa, sendo Embaixador na Republica de Hollanda,

e na Côrte da Inglaterra; dando em satisfaçam a seu bisneto Luis de Sousa

de Macedo, terceiro Maram da dita Ilha grande, o senhoria da Villa de

Misquitela, na Província da Beira, com toda a jurisdicçam civi l, mudando-

lhe o título de Baram em Bisconde de Misquetela, alem de 30.000

cruzados de renda cada anno, tudo de juro e herdade, tres vezes fóra da

Ley Mental”. – A renda dada ao donatário pelo equivalente da Ilha

Grande, foi apenas de tres mil cruzados, e não de trinta mil, conforme

retificou a Gazeta seguinte, de 16 de Maio. – Conf. tomo terceiro desta

História, págs. 199 e 213, nota II. – (G.).

(7) Porteiro-mor José de Melo Sousa; pensão de 600$000. – (A.).

– José de Sousa e Melo chamava-se o porteiro-mor, que faleceu em

Lisboa, a 27 de Fevereiro de 1750, com setenta e oito anos de idade. A

transação da capitania foi feita com seu filho e sucessor Manuel Antônio

de Sousa e Melo, como noticiou a Gazeta de Lisboa, de 15 de Novembro

de 1753: “Havendo S. Mag. Fidelissima resolvido reunir á sua Real Coroa

todos os dominios ultramarinos, doados por mercê dos Senhores Reys

seus predecessores a alguns Senhores particulares, por meyo de

subrogaçoens, se assinou em 8 do corrente a Escritura celebrada com o

Porteiro mór Manuel Antonio de Dousa e Mello, que cede a Sua

Magestade o Senhorio da Capitania de Cayté no Estado do Maranham,

pela mercê da Villa de Anciões, de juro e herdade, dispensada três vezes a

Ley mental, com a data de todos os Officios, e nomearam de Ouvidor, e

de 600$000 de juro cada anno, pagos pelos effeitos do Conselho

Ultramarino, com todas as mais circunstancias, e regalias da mercê da

capitania cedida”. – (G.).

(8) Estava unida à primeira [de Cametá]. – (A.). – Conf. o tomo

terceiro desta História, pág. 151, nota 5, - (G.).

(9) Comprada aos marqueses de Loriçal, herdeiros do de Cascais.

– (A.). – D. Luís José Tomás de Castro Noronha Ataíde e Sousa, nono

donatário dessa capitania, faleceu a 14 de Março de 1745, sem geração.

Passou a donataria ao marquês de Louriçal, que a vendeu à coroa. –

Capistrano de Abreu, nota a Frei Vicente do Salvador, História do Brasil,

109, Rio, 1887. – (G.).

183

(10) Do armador-mor [aliás armeiro-mor] José da Costa e Sousa:

pensão 64$000. – (A.). – A capitania do Recôncavo originou-se da

sesmaria dada pelo segundo governador-geral D. Duarte da Costa, em

Janeiro de 1557, a seu filho D. Álvaro, abrangendo da narra do Paraguaçu

da parte do sul, até a barra do Jaguaripe, quatro léguas de costa, pouco

mais ou menos, e para o sertão, pelo dito rio acima dez léguas. Essa

sesmaria teve confirmação régia a 12 de Março de 1562; a 29 de Março de

1566 foi elevada a capitania, com a mesma extensão de costa, mas sendo a

largura das dez léguas para o sertão a que houvesse entre os dois rios

Jaguaripe e Paraguaçu. D. Álvaro da Costa faleceu por 1578, porque a 8

de Abril Pedro Carreiro concedeu uma sesmaria em seu nome e como seu

procurador, e a 16 de Julho Cristóvão de Barros pediu outra a Sebastião

Álvares, mas como procurador de D. Leonor de Sousa, sua viúva, e de seu

filho menor D. Duarte da Costa. Este foi o segundo donatário; seguiram-

se outros, sendo nono e último D. José da Costa, que faleceu sem

sucessão a 10 de Março de 1766. Dele foi que passou a capitania para a

coroa. – Conf. Capistrano de Abreu. op. cit., 107/108. – (G.).

(11) Como a quinta [de Itamaracá]. – (A.). – Essa capitania tem

origem na sesmaria dada em Abril de 1552 por Tomé de Sousa a D.

Antônio de Ataíde, conde da Castanheira, confirmada pelo rei em 10 de

Maio de 1556 e convertida em capitania, compreendendo as ilhas de

Itaparica e Tamarandiva, a 10 de Novembro do mesmo ano. Por morte do

conde, sucedeu-lhe seu filho, segundo conde da Castanheira; o terceiro

donatário foi D. Manuel de Ataíde, seguindo-se outros condes da

Castanheira, até o segundo marquês de Cascais, neto do terceiro conde da

Castanheira, ao qual coube grande parte de sua casa, inclusive a capitania,

que assim passou a ter os mesmos donatários que a de Itamaracá. – Conf.

Capistrano de Abreu, op. cit., 106/107. – (G.).

(12) Título de conde de Resende, e pensão de dois contos de réis.

– (A.). – O oitavo e último donatário foi D. Antônio José de Castro, que

vendeu a capitania à coroa, sendo em compensação criado conde de

Resende, de juro e herdade, dispensado três vezes na Lei mental em 10 de

Junho de 1754. Na mesma forma de juro e herdade, com a mesma

dispensa na Lei mental, concedeu-lhe D. José I o ofício de almirante do

Reino, e cinco mil cruzados de renda. – Conf. Capistrano de Abreu, op.

cit., 106; Memórias Históricas, 2, 420/421, 2ª edição; secção XL desta

História, nota 98. – (G.).

184

(13) Confiscada à casa de Aveiro, herdada pelos marqueses de

Gouveia, em 1749, a poder de muita proteção de que dispunham na corte

de D. João V. a Capitania, depois de ter saído duas vezes da casa de

Aveiro para um filho segundo, entrara nela de novo (em 1637), pela

herança do duque de Torres Novas. Depois uma sentença a adjudicou à

coroa; porém, em 1724, foi adjudicada a D. Gabriel de Alencastro Ponde

de Leon [duque de Banhos, D. Gabriel Pereira de Leon Lencastro]. – Veja

as Alegações Jurídicas, do Dr. Francisco Velasco de Gouveia, Lisboa,

1637; Manuel Lopes de Oliveira, ibidem, 1666; Padre Bibiano Pinto da

Silva, Ibidem, 1666; Miguel Lopes de Leão, Lisboa Ocidental, 1719, (em

casa do conde de Unhão, em magnífico papel); e Sebastião Martinez de

Cabezon, Madri, 1 vol. de 1223 págs. in-fol. – (A.). – Por morte do duque

de Banhos, em 1745, foi seu sucessor por sentença de 1749, o marquês de

Gouveia. A esse, executado a 13 de janeiro de 1759 como regicida, foi

confiscada a capitania e definitivamente incorporada à coroa. – Conf.

Capistrano de Abreu, op. cit., 105. – (G.).

(14) Aos viscondes de Asseca, padrão de 1:600$000. – (A.). –

Veja a nota IX da secção XL. – Conf. Alberto Lamego, A Terra Goitacá,

2, 455/457. – (G.).

(15) Ao conde da Ilha do Príncipe, pelo título de Linhares [aliás

Lumiares] e um padrão de 1:600$000 de juro. – (A.). – O undécimo

donatário foi Carlos Carneiro de Sousa, quinto conde da Ilha do Príncipe,

que vendeu a capitania a D. José I, obtendo em compensação, por decreto

de 29 de Outubro de 1753, o título de conde de Lumiares, com diversos

privilégios e favores, Capistrano de Abreu, op. cit., 101. – (G.).

(16) Lei de 10 de Novembro de 1774 (Delgado, Coleção da

Legislação Portuguesa, 2, 617/619). – O subsídio literário cobrava-se na

carne e licores. Ainda em 1831 se orçava a sua renda em todo o império

do Brasil em uns 157 contos. – (A.).

(17) J. Lúcio de Azevedo, Novas Epanáforas, 23, Lisboa, 1932,

encontra pouco fundamento histórico neste asserto do autor. – Conf.

terceiro tomo desta História, p[ag. 200. – (G.).

(18) Antônio José Landi, italiano, de Bolonha, nasceu em 1708.

Era professor de arquitetura e perspectiva no Instituto de Ciências

daquela cidade, quando passou a Portugal, contratado por D. João V,

185

como arquitecto. Nomeado para a comissão de limites organizados em

execução do tratado de 1750, e designado para a divisão do Norte,

embarcou em Lisboa a 2 de Junho e chegou ao Pará a 19 de Julho de

1753. Esteve em Barcelos como comissário principal Francisco Xavier de

Mendonça Furtado. Encerrados os trabalhos de demarcação, voltou ao

Pará em 1761, e aí casou com uma filha do sargento-mor de Sousa de

Azevedo. Por patente de 6 de Maio de 1768 foi nomeado capitã o do

segundo terço de infantaria auxiliar. Em Belém trabalhava em

levantamento de plantas e construção de edifícios públicos e particulares

(palácio do governo, igreja de Santa Ana, etc.), quando foi de novo

mandado servir na comissão de limites, decorrente do tratado de 1777,

servindo com João Pereira Caldas. Por ter sido atacado de paralisia em

1787, voltou a Belém, onde veio a falecer em 1790. – Conf. Manuel

Barata, Apontamentos para as Efemérides Paraenses, 48/49, Rio, 1925. –

(G.).

(19) A Companhia Geral do Comé4rcio do Grão-Pará e Maranhão

foi requerida em 1754 e confirmada pelo alvará de 7 de Junho do ano

seguinte, Delgado, Coleção da Legislação Portuguesa, „, 376/391,

391/392. A concessão foi de vinte anos a contar da saída do primeiro

navio do porto de Lisboa, o que se realizou a 26 de Abril de 1756. O

alvará de 6 de Fevereiro de 1757 ampliou os privilégios da Companhia,

Coleção citada, 1, 490/492. Foi extinta pela resolução régia de 25 de

Fevereiro de 1778; mas a liqüidação das contas durou m uitos anos. A

empresa poderia ter sido útil ao Maranhão; que não o foi ao Pará,

demonstrou J. Lúcio do Azevedo, Estudos Paraenses, Pará, 1893. – (G.).

(20) Notícias historicas praticas de los sucessos y

adelantamientos (de esta Compañia), Madri, 1765. – (A.).

(21) Gaioso [Raimundo Jose de Sousa], Compêndio Histórico-

político [dos princípios da lavoura do Maranhão, etc., Paris, 1818], pág.

XXI. – Baena, Compêndio das Eras, 294. – “A idade do ouro da lavoura

desta província (Maranhão) data do estabelecimento da Companhia do

Comércio”, etc. – Cruz Machado, Relatório [do Presidente da Província],

de 1856, pág. 74. – (A.).

(22) Por alvará de confirmação de 13 de Agosto de 1759,

precedido do requerimento de sua instituição pelos homens de negócio

186

das praças de Lisboa, Porto e Pernambuco, em 30 de Julho do mesmo ano,

Delgado, Coleção citada, 1, 695/713. – (G.).

(23) Deste modo temos a idéia da esfera del -rei DS. Manuel

adotada pela Companhia do Brasil em 1649, e a das estrelas para as

províncias, muito antes dos Estados Unidos. – (A.).

(24) Regimento de 16 de Fevereiro [aliás Janeiro] de 1751. –

Decreto de 17 [aliás 27] do dito. – Delgado, Colecção, 1, 32/38, 38/40. –

(A.).

(25) Alvará de 29 de Abril e resolução de consulta de 12 de Maio

de 1766, Delgado, Coleção, 2, 243/244 e 245. – (A.).

(26) Regimento das casas de inspeção, de 1 de Abril de 1751,

Delgado, Coleção, 1, 54/59. – (A.).

(27) Veja o Regimento de 16 de Janeiro de 1751 e [alvará de 15

de Julho de 1775. – (A.). – Delgado, Coleção, 1, 32/38, e 3, 50/59. – (G.).

(28) Sistema ou Coleção dos Regimentos Reais, 4, 84/91. – (A.).

(29) Ibidem, 16/35. – (G.).

(30) Alvará de 9 de Julho de 1764. – Delgado, Coleção, 2,

122/123. – (A.).

(31) Veja a lei de 29 de Novembro de 1753. – Regimentos Reais,

4, 99/102. – (A.). – Delgado, Coleção, 1, 172/175. – Do Pará e Maranhão

se exportava cacau, café, salsaparilha, cravo, algodão e couros. –

Regimentos reais, citados, 101; Coleção, citada. 174. – (G.).

(32) Acerca da exportação de 1760 a 1771, veja o mapa primeiro

de Gaioso. – (A.). – Compêndio Histórico-político, citado, fls. 179. –

(G.).

(33) Por alvará de 8 de Outubro de 1766 foi prorrogado por mais

dez anos o privilégio exclusivo que já tinha a fábrica de descascar arroz

de que eram proprietários e diretores Manuel Luis Vieira e Domingos

Lopes Loureiro, Delgado, Coleção citada, 2, 279/281. – (G.).

187

(34) Um bando do governador do Maranhão Joaquim de Melo e

Póvoas cominava penas de multa, cadeia, calceta e surra (açoites),

segundo a qualidade das pessoas, aos que continuassem na cultura do

arroz vermelho da terra, em vez do arroz branco da Carolina, único

permitido, J. Francisco Lisboa, Obras, 3, 433. – Conf. Memória sobre a

Introdução do arroz branco no Estado do Grão-Pará, in Revista do

Instituto Histórico, 48, parte 1ª 79/84, e Manuel Barata, A antiga

produção e exportação do Pará, 13, Pará, 1915. – (G.).

(35) Alvará de 10 de Dezembro de 1770. – (A.). – Delgado,

Coleção, citada, 2, 519/520. – Concedia-se à Real Fábrica das Sedas o

privilégio exclusivo do comércio da resina chamada jutaicica, ou seja,

goma-copal, que por diligência dos diretores da mesma fábrica havia sido

descoberta nos domínios da América Portuguesa. – (G.).

(36) Accioli [Memórias Históricas] 1, 187. – (A.). – Segunda

edição, 2, 179/181. – (G.).

(37) Delgado, Coleção, citada, 1, 119/120. – (G.).

(38) Ibidem, 482/483. – (G.).

(39) Joaquim de Melo e Póvoas tomou posse do novo governo a

29 de Julho de 1775, Revista do Instituto Histórico , XVI, pág; 388.

Residiu por algum tempo em Oeiras. De seu governo escreveu frei

Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, Poranbuba Maranhense, in

Revista citada, LIV, parte 1ª, págs. 107/108: - “Ainda hoje se suspira por

este verdadeiro criador da capitania; elle só cuidava em augmenta -la,

promovendo a lavoura e o commercio. Não faltando ás obrigações de seu

governo, edificava os povos frequentando os templos, pois para tudo

temos tempo, quando temos vontade. Porém ainda que era tão religioso,

não faltava á justiça; e por isso para castigar os assassinos passou ao

certão; fez seu quartel general na vila Moxa (hoje cidade de Oeiras) e dali

os castigou, já com penas ultima (mandando matar os que não queriam

entregar-se), já com degredo ou galés; de sorte que foi o terror do certão.

Fundou algumas povoações, pondo-lhes nomes portugueses, segundo a

ordem que para isso teve. Mandou fazer o palacio dos governadores, que

hoje existe, e deu outras providencias, que adiante se verão. Finalmente, o

estado de opulencia, em que se acha hoje o maranhão, deve -se a Melo e

188

Póvoas e á Companhia Geral do Commercio”. – Conf. F. A. Pereira da

Costa, Cronologia Histórica do Estado do Piauí , pág. 94, Pernambuco,

1909. – (G.).

(40) Reproduzida pelo Dr. César Augusto marques, Dicionário

Histórico e Geográfico da Província do maranhão , págs. 276/278, 2ª

edição. – (A.).

(41) Alvará de 10 de Setembro de 1765. – (A.). – Abolindo as

frotas e esquadras para o Brasil, e declarando livre a navegação, Delgado,

Coleção, citada, 2, 221/222. – (G.).

(42) Ibidem, 251/252. – (G.).

(43) Veja o Relatório da província do Maranhão desse ano pelo

Sr. Cruz Machado, pág. 42. – (A.).

(44) Ibidem, pág. 47. – (A.).

(45) Uns por Miguel Manescal e Miguel Rodrigues, e outros por

Antônio Pedroso Galrão, Pedro Ferreira e Francisco L. Ameno. – (A.).

(46) Da Gazeta de Lisboa, de 8 de Novembro de 1753: “Foi Sua

Magestade Fidelissima servida de nomear por seu Real Decreto assinado

em Bellem a 18 do mez de Outubro passado, do Dezembargador Ignacio

Barbosa Machado chronista de Ultramar para fazer uma Collecçam de

todas as Leys, Regimentos, Resoluçõens que se tem expedido para a

administração da justiça nos seus Dominios Ultramarinos”. – (G.).

(47) Conf. do A. Sucinta indicação de alguns manuscritos

importantes, respectivos ao Brasil e a Portugal, existentes no Museu

Britânico, e não compreendidos no Catálogo – Figanière, etc., pág. 8,

Habana, 1863. – (G.).

(48) De 12 de Dezembro de 1770. – (A.). – Delgado, Coleção

citada, 2, 521/522. – (G.).

(49) Veja O Estabelecimento de Mazagão do Grão-Pará, com a

relação completa das famílias transportadas da praça africana para a que

189

ia ser fundada, que publicou quem escreve esta linha na Regista do

Instituto Histórico, 84, 609/695. – (G.).

(50) Cartas régias de 29 de Julho de 1758 e 19 de Junho de 1761.

– (A.). – Antes da primeira dessas cartas régias já tinham sido erectas em

vila, pelo governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado: Borba,

antiga aldeia do Trocano do Rio madeira, em 1 de Janeiro de 1756, Baena,

Compêndio das Eras, 244; Oeiras, antiga aldeia de Araticu, em 20 de

Janeiro de 1758; e Santarém, antiga aldeia de Tapajós, em 14 de Março do

mesmo ano, Correspondência do Governador do Grão-Pará, 1752-1777,

no Instituto Histórico. – Seguiram-se Alenquer, Óbidos, Almeirim,

Pombal, Faro, etc. – (G.)

(51) Da Gazeta de Lisboa, de 7 de Março de 1754: “Os Povos das

Províncias do Rio de Janeiro, e Minas Geraes, considerando as grandes

despesas de dinheiro, e tempo, que lhes custava encaminhar as suas

appellaçõens judiciaes ao Tribunal da Relaçam desta Corte, pediram ao

Rey nosso Senhor, quizesse servir-se de mandar estabelecer outro na

cidade de S. Sebastiam, offerecendo-se logo a fazerem a despesa á sua

custa; porém Sua Magestade Fidelissima atendendo ás suas

representaçõens nam só lhes concedeu o estabelecimento do Tribunal que

deprecavam, mas com a sua incomparavel magnanimidade ordenou, que

toda a despesa se fizesse por conta da sua Real fazenda. Com efeito

nomeou Sua Magestade os Ministros de que elle se devia compôr, que

chegaram á Cidade de S. Sebastiam em 16 de Junho de 1752, e

principiárão o seu despacho em 15 de Julho seguinte, e o continuárão com

geral aplauso dos mesmos Povos, que ficárão summamente satisfeitos de

haver Sua Magestade escolhido para Chanceler, e Governador Delle a

Joam Pacheco Pereira de Vasconcelos, pela fama que havia da grande

rectidam, e desinteresse com que administrou as justiças, e reformou os

salarios, sendo Ouvidor das Minas. Festejou-se esta mercê de sua

Magestade logo no dia seguinte ao primeiro despacho: houve Missa e

Sermam na Igreja do Convento do Carmo, e se cantou no fim delle o Te

Deum laudamus. Houve tres noytes de luminárias, e festas publicas de

Touros, e Cavalhadas; publicando todos esta grande mercê que Sua

Magestade fez áquelles seus vassalos lhe fôra positivamente inspirada por

Deos”. – Gomes Freire de Andrada, em carta datada da Colônia do

Saramento, 10 de Fevereiro de 1753, para o secretário de Estado da

Marinha e Ultramar. Diogo de Mendonça Corte-Real, diz haver dado

cumprimento ao decreto do rei para que na cidade de São Sebastião se

190

erigisse um Relação, e que o governador daquela capitania fosse o

regedor, para evitar o prejuízo que em seus litígios tinham os moradores

dela acudir à Relação da Bahia, pela muita distância. Pedia que lhe

declarasse como devia nomear-se quanto assistisse a despachar naquele

Tribunal. – Anais da Biblioteca Nacional, LII (Documentos sobre o

Tratado de 1750, II) págs. 178/179. – (G.).

(52) 8 [aliás 3] de Julho de 1734. – (A.). – Veja a nota 88 da

secção XL, desta História. – (G.).

(53) Veja o Regimento de 13 de Outubro de 1751, Sistema ou

Coleção dos Regimentos Reais, 4, 484/502. – (A.). – Reproduzido por C.

Mendes de Almeida, Auxiliar Jurídico, 19/27, Rio, 1869. – (G.).

(54) Existe dele cópia na Biblioteca Pública de Évora [Catálogo

dos Manuscritos da Biblioteca Pública Eborense, 1, 148/159, de J. H. da

Cunha Rivara]. – (A.).

(55) Um desses ministros foi o desembargador João Luís Cardoso

Pinheiro, de quem tratou a Gazeta de Lisboa, de 15 de Outubro de 1753: -

“Com o ultimo aviso chegado da Bahia de Todos os Santos, se recebeu a

noticia, de que havendo S. Magestade provido na propriedade da vara de

Ouvidor geral, com vezes de Corregedor do Crime da Côrte da Relaçam

da Cidade do Salvador, ao Dezembargador Joam Cardoso Pinheiro, que

nella servira o lugar de Decano de agravos, e de Procurador da Corôa, e

Fazenda Real, foi tal o contentamento daquelles moradores, que fizeram

armar magnifica, e custosamente toda a Caza da mesma Relaçam, e a sua

escada, até a rua no dia em que tomou posse deste novo lugar;

alcatifandolhe de flores todo o caminho desde a Caza da moeda, donde

sahiu; e de noyte o obsequio de o divertirem com hum concerto de

Musica, e hum outeiro de primorozas Poezias. Este Ministro tinha servido

dous annos o cargo de Provedor mór da fazenda Real, o de Conservador

dos moedeiros, e o de Superintendente dos Tabacos, antes de se erigir a

nova Caza da Inspecçam, e em todos grangeou pelo seu procedimento

estes referidos obsequios”. – (G.).

(56) O distrito da Relação era todo o território que ficava ao sul

do Estado do Brasil, em que se compreendiam treze comarcas, a saber:

Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Rio das Mortes, Sabará, Rio das

Velhas, Serro do Frio, Goiases, Paranaguá, Espírito Santo, Itacases

191

(Campos dos Goitacases), e ilha de Santa Catarina, incluindo todas as

judicaturas, ouvidorias e capitanias, que existissem ou que de novo se

criassem no âmbito do mesmo distrito, inteiramente separado do distrito e

jurisdição da Relação da Bahia. – (G.).

(57) AO estabelecimentod a Relação se associou a publicação de

três alvarás, fixando os salários, assinaturas e mais próis e percalços dos

desembargadores e dos ouvidores e juízes, os quais ainda ultimamente

estavam (ao menos em parte) em vigor. – (A.).

(58) Gazeta de Lisboa, de 27 de Março [de 1755]. – Aí se lê: -

“Na nau de guerra ultimament4e chegada do Rio de Janeiro, voltou ao

Reyno Joam Pacheco Pereira de Vasconcellos, Fidalgo da Casa Real, e do

Conselho de Sua Magestade Fidelissima, por cuja ordem tinha ido criar

com o título de Chanceler mór o novo Tribunal da Relaçam, que foi

servido mandar estabelecer naquella Província. Logo depois de

desembarcado teve a honra de beijar a mão de Suas Magestades, e

Altezas, e no dia seguinte recebeu por hum Decreto de Sua Magestade a

mercê de o mandar exercitar no Tribunal do Desembargo do Paço o lugar

de que já tinha tomado posse antes de sua partida, atendendo a grande

rectidam com que no discurso de 40 annos tem servido vários lugares de

letras”. – A nau de guerra Nossa Senhora da Natividade , do comando do

capitão de mar e guerra Gonçalo Xavier de Barros e Alvim, entrou no

porto de Lisboa com noventa e seis dias de viagem pouco antes de 20 de

Março, Gazeta de Lisboa desta data. – (G.).

(59) Delgado, Coleção citada, 2, 141/142. – (G.).

(60) Pelas cartas régias de 28 de Agosto e 20 de Outubro de 1758

e 18 de Junho de 1761, J. Francisco Lisboa, Obras, 3, 370/371. – (G.).

(61) Delgado, Coleção citada, 1, 811/812, e 2, 639/640. – (G.).

(61) Da Gazeta de Lisboa, de 21 de Agosto de 1755: -

“Considerando S. Mag. Fidelissima quanto convém, que os seus reaes

dominios da America se povôem, e que para este fim pode concorrer

muito a communicação com os Índios por meyo de casamentos, foi

servido declarar, que os seus vassalos assim os nacidos neste Reyno,

como na America, nam ficam com infamia alguma, antes de faram dignos

da sua real atençam, e nas terras em que se estabelecerem seram preferids

192

para os lugares e ocupaçõens que couberem na graduaçam das suas

pessôas; e que seus filhos e descendentes seram habeis, e capazes p ara

qualquer emprego, honra, e dignidade, sem carecerem de dispensa alguma

por estas alianças, em que se comprehenderám as que já se acharem feitas

antes desta sua declaraçam, e que o mesmo se praticará a respeito das

Portuguezas que casarem com Índios; impondo às pessôas de qualquer

qualidade que sejam, que os tratarem com o nome de Cabowclos (sic), ou

outro semelhante, injurioso, a pena de sahirem desterrados da comarca em

que viverem, dentro de hum mez até mercê de Sua Mag., o que

recommenda aos Ouvidores das Comarcas, e manda ao Vice Rey do

Brasil, aos mais governadores do mesmo Estado, e do Maranham, e Pará,

que assim façam cumprir, por Alvará de Ley assinado pela sua Real mão,

publicado e registrado na Chancelaria mór do Reyno”. – Veja Delgado,

Coleção citada, 1, 271/272. – Por portaria de 6 de Agosto de 1771, o vice -

rei do Estado do Brasil mandou dar baixa de capitão -mor a um indio,

porque, sem atenção às distintas mercês com que pelo alvará acima citado

el-rei os havia honrado, se mostrara de tão baixos sentimentos que casou

com uma preta, manchando o seu sangue com essa aliança e tornando -se

assim indigno de exercer o referido posto, J. Francisco Lisboa, Obras, 3,

384. – (G.).

(63) De 6 de Junho de 1755 e 17 de Agosto de 1758. – (A.). –

Delgado, Coleção citada, 1, 369/376 e 634/635. – (G.).

(64) Abolido pela carta régia de 12 de Maio de 1798. – (A.). – Por

proposta do governador do Pará D. Francisco Maurício de Sousa

Coutinho. – (G.).

(65) Intitula-se essa exposição: Meios de dirigir o governo

temporal dos Índios, e foi impressa por Melo Morais, Corografia

histórica, 4, 122/185. Foi escrita no reino: não traz data, mas de seu

contexto pode inferir-se que é de 1788. – (G.).

(66) A respeito das perseguições desses imigrantes em toda a

Europa pode consultar-se a obra Origine e Vicende dei Zingari, impressa

em Milão, 1841; a parte que respeita a Portugal é, porém, omissa. Quanto

respeita à Espanha se encontra mais extensamente tratado na Historia de

los Gitanos, impressa em Barcelona, 1832. – (A.). – Veja Arquivo do

Distrito Federal, 3, 138/144, 191/196, erudito artigo de Adolfo Coelho. –

Dos ciganos do Brasil dizem os governadores interinos Gonçalo Xavier de

193

Brito e Alvim e José Carvalho de Andrade, em carta datada da Bahia, em

5 de Outubro de 1761, para o conde de Oeiras: - “Os ciganos vêm vindo

bastantes a querer tomar vida regulada, porque por todas as partes so

prendião, pelas ordens que para isso se passárão para todas as Capitanias,

dirigidas aos Capitães móres, ouvidores, juízes de fóra e ordinarios. Os

casados entregão os filhos solteiros aos oficiaes mecanicos se são de

idade competente, e os adultos alguns assentárão graça, mas muito raros,

por não aparecerem, ou porque esta gente casa logo nestas terras de mui

pouca idade. Os mais vão arrendando terras, occupando-se com suas

mulheres em lavoiras, e em abrir terras de novo; deixando totalmente o

illicito commercio, e o modo libertino, que tinhão de vida...” – Anais da

Biblioteca Nacional, 31, 482. – (G.).

(67) Extinguia definitivamente a separação de cristãos-velhos e

cristãos-novos, e declarava estes últimos aptos para quaisquer postos e

honras, como os demais portugueses; proibia que se usasse em público ou

particular a designação depreciativa, em referência às pessoas de origem

hebraica: pena de açoite e degredo aos contraventores sendo peões; perda

de empregos ou pensões, quando nobres; extermínio do reino, se fossem

eclesiásticos. – Conf. Delgado, Coleção citada, 2, 672/678. – Outra lei, de

15 de Dezembro de 1774, ibidem, 849/852, veio ampliar a precedente com

a abolição da infâmia, até aí atribuída aos que prevaricavam na fé; por

essa disposição, os apóstatas que, confessando o delito, eram recon -

ciliados no Santo Ofício, não ficavam com mácula nem inábeis para as

dignidades e ofícios, e muito menos seus descendentes. A infâmia

abrangia somente os condenados à morte, impenitentes, sobre os quais

unicamente recaía a pena de confiscação. – Conf. J. Lucio de Azevedo,

História dos Cristãos Novos Portugueses, 351/352, Lisboa, 1922. – (G.).

(68) Ibidem, 352/253. – (G.).

(69) Impresso em Lisboa, na Oficina Régia, em 1781, págs 30/33.

– (A.). – Elogio fúnebre pronunciado na Bahia por ocasião das exéquias

de D. José I, é o título desse sermão. – (G.).

(70) D. Francisco de Assunção e Brito, natural de Mariana, Minas

Gerais; nomeado, não tomou posse do bispado; e D. Tomás da Encarnação

Costa e Lima, natural da Bahia. – (G.).

194

(71) D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco,

natural do Rio de Janeiro. – (G.).

(72) D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, também

natural do Rio de Janeiro. – (G.).

(73) Memórias [Recordaçoens] de Jácome Ratton, impressas em

Londres, em 1813 – (A.). – Págs. 185/187. – (G.).

(74) Conf. Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua

época, 152/154, 2ª ed. – (G.).

(75) Ibidem, 378/379. – (G.).

(76) Em poder, diz-se, de S. M. El-rei D. Luís. – (A.). – O

original do processo dos Távoras acha-se na secção histórica do Arquivo

nacional do Rio de Janeiro. Fazia parte de uma coleção de documentos

encontrada nos palácios do imperador D. Pedro II, quando foi proclamada

a república, e deu entrada no Arquivo em 1891. Compõe-se de seis

grossos volumes: I – Processo; II – Idem; - III – Inquirição de

testemunhas (Inquirição ad perpetuam rei memoriam , facultada pela

Rainha, nossa Senhora, ao Marquez de Alorna, como procurador da

Marqueza sua mulher e filhos); IV – Manifesto da Innocencia dos Tavoras

e Ataídes, e resposta á obrepção e sobrepção com que se embargou o

progresso da Revista concedida nos autos, e sentença em que foram

condemnados. – Lisboa: Anno de 1787; V – Segunda parte; VI –

Continuação desta. – Parte do processo dos Távoras foi impressa nas

Publicações da Biblioteca Nacional de Lisboa, por Pedro A. de Azevedo,

Lisboa, 1921, 1 vol. in-4º, de 34, 226 págs.; sendo aquelas não

numeradas. – (G.).

(77) Justificação de Pombal, Museu Britânico, Ms. Adicionais,

15.593-15.596, tomo 3º, fls. 860/900. – O fato das revelações feitas pela

jovem Távora é contado em um bilhete do secretário da Legação de

Espanha Lardizabal, que vimos na Biblioteca de Fernan-Nuñez, em Madri.

Passados meses o ministério francês fazia a tal respeito muitas e

significativas perguntas ao seu cônsul Saint -Julien, às quais ele não soube

responder. – Santarém [Quadro Elementar], 6, 168/169. – (A.). – Conf. J.

Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal, citado, 174/189. – (G.).

195

(78) Só a Pernambuco (ofício do governador de 2 de Maio de

1756) foram impostos 900 mil cruzados, em todas as fazendas que

pagavam dízimas, com a condição de que cessariam estes apenas se

prefizesse essa quantia. – A Paraíba prestou-se a dar 100 mil cruzados

dentro dos seis anos primeiros, e aproveitou a ocasião para pedir o ficar

independente de Pernambuco. – (G.).

(79) Findos os trinta anos o tributo seguiu igual, até depois da

independência, e figurava ainda na receita em 1831, com uma verba de

56:500$000. – Segundo Bougainville, no Rio, realizou-se esse donativo,

cobrando-se na alfândega mais 2 1/2% além da décima ordinária. – (A.). –

Conf. Voyage autour du Monde, 1, 108, Neucharel, 1772. – (G.).

(80) Veja o ofício do vice-rei conde dos Arcos para Diogo de

Mendonça Corte-Real, de 14 de Maio de 1756, que se refere à carta de 16

de Dezembro do ano anterior, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 140/142.

– (G.).

(81) Cormenin. – (A.). – Louis-Marie Lahaye, visconde de

Cormenin (1788-1868), escritor, parlamentar e jurisconsulto francês,

notável pelos seus panfletos políticos, em que se assinava Timon. – (G.).

(82) A carta régia, ordenando que partisse para a Bahia o

conselheiro do Conselho Ultramarino Antônio de Azevedo Coutinho,

escrita de Belém na data acima, vem em ementa dos Anais da Biblioteca

Nacional, 31, 274. Na mesma data comunicava a Azevedo Coutinho o

ministro de Ultramar as instruções acerca da comissão que ia

desempenhar na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, ibidem. Uma carta

particular do conselheiro para Filipte José da Gama, datada de Braço de

Prata, 23 de Abril de 1758, participava-lhe que sua mulher se chamava D.

Marcelina Perpétua de França Córdoba e Faro, ibidem, 275. Em 13 de

Setembro do mesmo ano já devia estar na Bahia o conselheiro, como se

infere do ofício daquela data do vice-rei conde dos Arcos para o ministro

Tomé Joaquim da Costa Corte-Real, em que lhe dizia ficar ciente da

ordem régia que lhe mandava prestar todo o auxilio e cooperação ao

conselheiro Antônio de Azevedo Coutinho, na comissão que viera

desempenhar no Brasil, ibidem, 289. – (G.).

(83) Ofício de Martinho de Melo [e Castro], de 24 de Novembro

de 1774, Revista do Instituto Histórico, 31, parte 1ª, 325/329. – (A.).

196

(84) Conf. nota 127 secção XL desta História. – (G.).

(85) Fr. Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, Oração fúnebre [à

memória do Ilustríssimo e excelentíssimo Marquês de Lavradio, recitada

na Catedral do Rio de Janeiro, nas exéquias, que lhe consagraram os

Cidadãos da mesma Cidade]. Lisboa, Tip. Nunesiana, 1791, in-4º - (A.). –

Pág. 18. – (G.).

(86) Alusão evidente ao vice-rei conde de Resende. – (A.).

(87) Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de

Janeiro, entregando o governo a Luís de Vasconcelos e Sousa, que o

sucedeu no vice-reinado, Revista do Instituto Histórico, 4, 422/423. –

(G.).

(88) A prevaricações do conde de São Miguel, como governador e

capitão-general da capitania de Goiás, refere-se a instrução dada a José de

Almeida e Vasconcelos por Martinho de Melo e Castro, em 1 de Outubro

de 1771, Goiás – Documentos vários – 1743 a 1786, n. 31, na Biblioteca

Nacional. O conde, ao assumir o governo da capitania, encontrou -a em

grande desordem, a fazenda real padecendo enormes prejuízos, os índios

das aldeias desertando, a religião aniquilando-se; de tudo deu repetidas e

documentadas provas ao rei e ao Conselho Ultramarino, sem qualquer

solução durante mais de dois anos e meio. A carta ao rei, datada de Vila

Boa, 25 de Abril de 1758, em que alude a tais desconcertos, Revista do

Instituto Histórico, 84, 51/59, parece inocentá-lo das acusações de

prevaricador, que vieram depois a recair sobre ele. – (G.).

(89) Nascera a 5 de Dezembro de 1743. – (A.).

(90) Sobre Valadares e seu procedimento com o arrematador João

Fernandes de Oliveira, veja J. Felício dos Santos, Memórias do Distrito

Diamantino, 148/151, Rio, 1868. – (G.).

(91) O fato narrado pelo A. é contestado com bons fundamentos

por J. Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a Sua Época, 357/358,

nota da 2ª edição. O conde de Valadares governou Minas Gerais de 1768 a

1773; saiu de Lisboa a 4 de Fevereiro do primeiro daqueles anos, em uma

nau que trazia mais três governadores para outros distritos do Brasil. A 31

197

de Agosto escrevia de Vila Rica ao cardeal Paulo da Cunha, dando parte

da chegada à sede de seu governo. Não podia, portanto, dar dinheiro a

Pombal em 12 de Março, quando estava em viagem. Só regressou cinco

anos depois. Tudo isso, pondera J. Lúcio de Azevedo, inquina de

falsidade o documento divulgado na desordenada compilação das Cartas e

Outras Obras Seletas do Marquês de Pombal , em que alguns mais são

apócrifos. – (G).

(92) Sobre os trajes do tempo, veja J. Felício dos Santos,

Memórias citadas, 77/79. – (G.).

(93) D. Tomás da Encarnação da Costa e Lima, 10º bispo de

Olinda. Sua História Ecclesiae Lusitanae foi impressa em Coimbra, 1759,

4 tomos, in-4º. – (G.).

(94) Escreveu: Orbe Seráfico Novo Brasílico , etc., primeira parte,

Lisboa, 1761; Novo Orbe Seráfico Brasílico, Rio de Janeiro, 1858-1861, 3

vols., in-4º, compreendendo a parte já impressa e a que se conserva

inédita no Convento de São Francisco da Bahia, reimpressão feita por

ordem do Instituto Histórico. Escreveu mais: Catálogo genealógico das

principais Famílias, que procederam de Albuquerque, e Cavalcantes de

Pernambuco, e Caramurus da Bahia, publicado na Revista do Instituto

Histórico, 52, parte 1ª. – Foi membro da Academia Brasília dos

Renascidos. – (G.).

(95) Feliciano Joaquim de Sousa Nunes chamava-se, e sua obra –

Discursos Políticos-Morais, comprovados com vasta erudição das

Divinas, e humanas Letras, a fim de desterrar do mundo os vícios mais

inveterados, e dissimulados, etc. A obra, de que saiu à luz apenas o

primeiro tomo. Lisboa, na Oficina de Miguel Manescal da Costa, 1758,

era dedicada a Sebastião José de Carvalho e Melo. A oferenda não foi

bem recebida pelo ministro, que repreendeu o autor por lhe haver

dedicado o livro sem sua prévia licença, e fossem queimados todos os

exemplares. Desses salvaram-se três apenas, dois que estão na Biblioteca

Nacional, e o terceiro que pertence ao grande poeta Alberto de Oliveira.

Com erudito prefácio desse acadêmico, a Academia Brasileira de Letras

reeditou os Discursos Político-Morais, Rio, 1931. Sousa Nunes nasceu

nesta cidade, cerca de 1734 e faleceu talvez em 1808. Dele conhecem-se

ainda os seguintes escritos: - Demonstração do maior jubilo que no fausto

dia 12 de Março de 1769, em que se celebrárão os felicissimos annos do

198

Ilmo, e Exmo. Senhor Conde de Azambuja sendo Vice-rei e Capitão

General de Mar e Terra do Estado do Brasil, expoz e offereceu, etc. –

Lisboa, na Oficina de Manuel Rodrigues, 1771, in -8º de 19 págs. –

Venturosos annuncios na chegada do Illustrissimo, e Excellentissimo

Senhor Marquez de Lavradio... á Cidade do Rio de Janeiro, por Vice-rei e

Capitão Geral de Mar e Terra do Estado do Brasil, expostos, e

offerecidos por, etc. – Lisboa, 1771, in-8º de 29 págs. – Oração no fausto

dia em que celebrava annos a Ilma, e exma. Marqueza de Lavradio,

exposta ao Ilmo. e Exmo. Marquez do mesmo título, Vice -rei, etc. –

Lisboa, 1771, in-8º de 15 págs. – Este último folheto é absolutamente

raro, desconhecido dos bibliógrafos, como Inocêncio, Sacramento Blake e

J. Carlos Rodrigues. – (G.).

(96) Viagem e visita do sertão em o Bispado do Grão-Pará em

1762 e 1767, escrita pelo bispo D. Frei João de São José [Queirós],

Revista do Instituto Histórico, 9, 43/107, 179/227, 328/375 e 476/548, da

2ª ed. – As Memórias do mesmo bispo foram publicadas, com introdução e

notas, por Camilo Castelo Branco, Porto, 1868. – (G.).

(97) Roteiro da Viagem da Cidade do Pará athé as ultimas

Colonias dos Dominios Portuguezes em os rios Amazonas e Negro.

Illustrado com algumas Notícias que podem interessar á curiosidade dos

Navegantes e dar mais claro conhecimento das duas Capitanias do Pará, e

de São José do Rio Negro. – Publicado pela primeira, sem nome do autor,

por diligência de Filipe Alberto Patroni martins Maciel Parente, no Jornal

de Coimbra, n. LXXXVII, parte 1ª, pela segunda vez, na Coleção de

Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas , tomo VI,

n. I; e por último, em separado, no Pará, Tipografia de Santos & Irmãos,

1862, in-4º. – Na Revista do Instituto Histórico, 67, parte 1ª, 281/289,

saiu impressa parte do Roteiro, sem declaração de autor. – (G.).

(98) Diario da Viagem que em visita, e correição das povoações

da Capitania de S. José do Rio Negro fez o Ouvidor e Intendente Geral da

mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775 ;

etc. – Lisboa: na Tipografia da Academia, 1825. – Publicado pela

Academia Real das Ciências de Lisboa. – Na Coleção das Notícias para a

História e Geografia das Nações Ultramarinas , tomo VI, n. II, Lisboa,

1856, saiu o Apendice ao Diario da Viagem, do Ouvidor-Geral Ribeiro de

Sampaio. – Joaquim Nabuco, Question de limites soumise á l‟arbitrage de

S. M. le Roi d‟Italie par le Brésil et la Grande Bretagne , Annexes du

199

Prémier Memoire, vol. IV, págs. 3/98, reproduz em versão francesa o

Diário e o Apêndice. – Na Revista do Instituto Histórico, 1,109/122 (2ª

ed.) vem um extrato do Diário, parágrafo CVIII a CXLVII, na parte em

que refuta a opinião de La Condamine sobre os limites das colônias

portuguesas no rio Amazonas. – De Ribeiro de Sampaio é também a

Relação Geográfica e Histórica do Rio Branco da América Portuguesa,

reproduzida em francês por Joaquim Nabuco, op. cit., 1/55, com outra

numeração de páginas. – (G.).

(99) Há engano. João da Silva Santos, capitão -mor de Porto

Seguro, viajou pelo Rio Grande de Belmonte, ou Jequitinhonha, em

princípios do século XIX, no governo de Francisco da Cunha Menezes.

Da sua Descripção diaria do Rio Grande de Belmonte desde o Porto

grande desta Villa [Porto Seguro] até o fim delle, ou divisão de Villa-

Rica... cuja expedição e embarque foi no dia 1º de Outubro de 1804,

existe cópia no Instituto Histórico. – (G.).

(100) As explorações foram ordenadas por esse governador, mas

dirigidas pessoalmente pelo seu ajudante de ordens, o tenente -coronel e

coronel de infantaria da praça de Santos Afonso Botelho de S. Paio e

Sousa, de 1768 a 1774. De suas notícias, roteiros e mais papéis existem

cópias na Biblioteca Nacional, cód. I -5, 3, 15. – (G.).

(101) Jubilos da América, na gloriosa exaltação, e promoção do

Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Gomes Freire de Andrade –

Colleção das obras da Academia dos Selectos, que a Cidade do Rio de

Janeiro se celebrou em obsequio, e applauso do dito excellentissimo

Heróe. – Dedicada, e offerecida ao Senhor José Antonio Freire de

Andrada... pelo Doutor Manuel Tavares de Sequeira e Sá. – Lisboa, na

Of. do Dr. Manuel Álvares Solano, 1754, in-4º. – (G.).

(102) Os documentos do conselho Ultramarino, recolhidos ao

Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboa, na parte referente ao Brasil,

têm sido inventariados e os respectivos verbetes publicados nos Anais da

Biblioteca Nacional, vols. 31, 32, 34, 36, 37 e 39, os cinco primeiros

concernentes à Bahia, e o último ao Rio de Janeiro. É publicação de

grande utilidade, que deverá continuar nos próximos volumes dos Anais. –

(G.).

200

(103) Idéa da população da Capitania de Pernambuco, e das suas

annexas, extensão de suas Costas, Rios, e Povoações notaveis.

Agricultura, numero dos Engenhos, Contractos, e Rendimentos Reaes,

augmento que estes têm tido, &, &, desde o anno de 1774, em que tomou

posse do Governo das mesmas Capitanias o Governador e Capitam

General José Cezar de Meneses, – impressa nos Anais da Biblioteca

Nacional, 40, 1/111. – (G.).

(104) Em 1776 foi a receita 144:397$953, e a despesa

131:003$520, sobrando 13:394$433. – Em 1791 havia subido a receita a

308:226$633, e a despesa a 261:934$234, sobrando 24:269$096. – (A.).

(105) José João Teixeira, Instrução para o Governo da Capitania

de Minas Gerais, in Revista do Instituto Histórico, 15, 257/496,

reproduzida na Revista do Arquivo Público Mineiro, 8, 397/581. –

Teixeira Coelho foi desembargador da Relação do Porto. – (G.).

(106) Ainda inédita: 4 volumes, de 517, 585, 633 e 559 págs. ou

fólios. – (A.). – O manuscrito foi legado ao Mosteiro de São Bento de

Olinda e posteriormente passou ao Instituto Arqueológico Pernambucano,

em cuja Revista foi começado a publicar. Além da Estatística da

Capitania do Ceará , Borges da Fonseca escreveu uma Cronologia da

mesma capitania; quer de uma, quer de outra, perderam-se os originais.

Borges da Fonseca nasceu no Recife a 26 de Fevereiro de 1718 e faleceu a

9 de Abril de 1786. – Foi sócio extranumerário da Academia Brasília dos

Renascidos. – Conf. tomo III, secção XXXIX, nota 56. – (G.).

(107) Journal historique [du voyage fait au Cap de Bonne-

Espérance], Paris, 1763. – (A.). – Veja Vieira Fazenda, Um Sábio no Rio

de Janeiro, in Revista do Instituto Histórico, 86, 192/198. – (G.).

(108) A carta régia de 2 de Maio de 1747 ordenou os fundos para

a obra do chafariz do largo do Paço, que a Câmara havia solicitado. Veio

o mármore de Lisboa, já preparado, e, principiada a obra, ficou concluída

em 1750. Depois, para aformosear a praça e deixá-la livre às manobras

militares, o vice-rei Luís de Vasconcelos resolveu remover o chafariz do

centro da praça e mandou preparar outro à face do mar, com pedra do

país, sendo encarregado do desenho e direção da obra o mestre Valentim

da Fonseca e Silva. Esse chafariz ficou concluído em 1789. Por estar à

beira-mar era nele que os marinheiros vinham fazer aguada: os aterros e

201

obras do cais afastaram-no tanto do mar que pode dizer-se regressou de

novo para o centro da praça. – Conf. Moreira de Azevedo, O Rio de

Janeiro, 1, 445/446, Rio, 1877. – (G.).

(109) Sobre as festas públicas no Brasil, conf, Ramiz Galvão,

Diogo barbosa Machado – Catálogo de suas Coleções, in Anais da

Biblioteca Nacional, 2, ns. 84, 85, 110/112, 269, 270; 3, ns. 481, 508/511;

8, n. 851. – (G.).

(110) Foi sócio extranumerário; era fidalgo da casa real. – (G.).

(111) Relação das faustíssimas Festas, que celebrou a Câmara da

Villa de N. Senhora da Purificação, e Santo Amaro da Comarca da Bahia,

pelos Augustissimos Desposorios da Serenissima Senhora D. Maria,

Princeza do Brasil, com o Serenissimo Senhor D. Pedro, Infante de

Portugal, dedicada ao Senhor Sebastião Borges de Barros... por

Francisco Calmon... – Lisboa, na Oficina de Miguel Manescal da Costa.

Ano de 1762. – Com todas as licenças necessárias, in-4º de 3 fls. – 16

págs. – (G.).

(112) Sobre o mesmo assunto existe ainda a Narração

panegyrico-historica das festividades com que a Cidade da Bahia

solemnizou os felicissimos desposorios da Princeza Nossa Senhora com o

Serenissimo Senhor Infante D. Pedro, offerecida a El-Rei Nosso Senhor

por seu Author o Reverendo P. Manuel de Cerqueira Torres, Bahiense,

etc., que acompanhou o ofício do chanceler governador Tomás Robi de

Barros Barreio, de 12 de Novembro de 1760, para Francisco Xavier de

Mendonça Furtado. Essa Narração lê-se nos Anais da Biblioteca

Nacional, 31, 408/424. As festas se celebraram nos três dias que

começaram em 23 de Setembro de 1760, durante os quais, por ordem do

governador, sob pena de graves penas aos que a transgredissem, todos os

moradores iluminaram suas janelas com brilhantes e vistosas luminárias.

– (G.).

(113) Relação das festas que se fizeram em Pernambuco pela feliz

acclamação do muito alto, e poderoso rey de Portugal D. Joseph I nosso

Senhor, do anno de 1751 para o de 1752, sendo Governador e Capitão

General das Capitanias o illustrissimo, e excellentissimo Sen hor Luis

Joseph Correa de Sá, do Conselho de Sua Magestade &c. – Por Felippe

Neri Correa, Official Mayor da Secretaria do Governo, e Secretario

202

particular do mesmo illustrissimo e excellentissimo Senhor Governador. –

Lisboa, na Oficina de Manuel Soares. Ano MDCCLIII. In-4º, de 22 págs.

– (G.).

(114)Epanáfora Festiva, ou relação summaria das festas, com

que na cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil, se celebrou o feliz

nascimento do... príncipe da Beira. – Lisboa, da Oficina de Miguel

Rodrigues, MDCCLXIII; - In-4º, de 20 págs. – (G.).

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

Ofício de D. Marcos de Noronha [conde dos Arcos], de 11 de

Maio de 1757. – (A.). – Datado da Bahia e dirigido a Sebastião de

Carvalho e Melo, sobre a cultura e preparação do tabaco na Bahia, e as

novas experiências que se iam fazer no distrito da vila da Cachoeira. Diz

o seguinte:

“Nas cartas que dessa Côrte chegarão a esta Cidade no mez de

Fevereiro, vindas pela frota de Pernambuco, recebeu Joaquim Ignácio da

Cruz a noticia de que lembrava o projecto de hum novo modo de plantar e

colher tabaco: communicando-me este negocio, de que já tinha alguma

noticia adquirida por huma pouca de especulação, mostrei -lhe o methodo,

que se observa em Virginia, Mariland e Olanda, a respeito da cultura e

preparação dos tabacos e as advertencias que os Fracezes desejavão ver

praticadas pelos nossos lavradores, para que os tabacos do Brasil

pudessem servir ao seu uso, o qual hoje se tem reduzido quase

universalmente ao tabaco rapé, que elles inventárão e têm communicado

ás mais nações.

Com hum destes papeis mandou Joaquim Ignacio da Cruz

consultar no distrito da Villa da Cachoeira a Manuel da Silva Pimentel e

na minha presença foi consultado também Diogo Alvares Campos, ambos

lavradores de tabaco e summamente praticos na sua cultura: nenhum deles

duvidou que sem embargo do differente clima poderia o tabaco do Brasil

ser igual ou ainda muito melhor do que he o das mais nações, porem toda

duvida consiste a respeito do preço por que este poderá vender -se,

attendendo aos maiores gastos e aos muitos desperdicios, que

necessariamente ha de haver com este novo methodo, porque julgão que

só aproveitarão as primeiras e segundas folhas, ficando sendo de muito

203

pouco ou nenhum proveito para o lavrador todas as mais de que se

utilizão, fazendo-se o tabaco ao modo do Brasil; mas como em se fazer

alguma experiencia se não perdia nada mais do que o trabalho, forão

encarregados ambos estes homens de fazerem as amostras, que podessem,

para que remettendo-se a essa CÔrte, haver de se fazer nellas algum

genero de exame, se bem que não poderá ser por agora todo o de que se

necessita, por terem chegado estas noticias tão fora de tempo, que já os

lavradores tinhão as suas fabricas quase nos termos de se não poder

laborar nellas; mas como na de Manuel da Silva Pimentel, ainda que

muito casualmente, poderão fazer-se 5 barricas, que nesta mesma Náu de

licença se remettem a José Francisco da Cruz: dellas humas são de folhas

encamadas e apertadas em tal ou qual empresa e outras de manocas

ligadas e apertadas em volumes separados, para que vendo-se o estado em

que se chegão a essa Côrte pode saber-se qual deste dous modos será o

mais proveitoso para se continuarem semelhantes remessas. Estando neste

negocio nos termos, que deixo dito, chegou a Náu de licença do Contrato

do tabaco, em que veyo João Lopes Rosa, irmão do Contratador actual do

tabaco, Duarte Lopes Rosa, por elle fui entregue da carta de V. Ex. de 30

de Janeiro deste anno, em que me participa, que este homem passava ao

Brasil a associar-se com Joaquim Ignacio da Cruz em hum negocio, que

podia ser muito util ao Real serviço e muito vantajoso a este Estado no

aumento da navegação do comercio do tabaco.

Sabendo eu que na sua Companhia, tinha chegado André Moreno,

que vem encarregado de plantar e colher tabacos para ver se pode no

Brasil pôr em pratica este novo methodo, procurei primeiro ouvillo

discorrer sobre a materia; mas como este he inteiramente alheya da minha

profissão, para me onstruir nella quanto bastasse, mandei vir a esta

Cidade o Juiz de Fóra da Villa da Cachoeira e a Manuel da Silva Pimentel

e ouvindo todos o que disse João Lopes Rosa e vendo-se juntamente as

instruções que havia recebido Joaquim Ignacio da Cruz, foi tambem

ouvido André Moreno, que concluio dizendo que para as primeiras

experiencias necessitava de terra, em que pudesse plantar athé 300

arrobas de tabaco, o que logo se lhe franqueou, como tambem o haver se

de lhe pôr prompto tudo o mais que dissesse lhe era precizo, para o que

lhe passaria Joaquim Ignacio da Cruz todas as ordens, que lhe podessem

ser necessarias e que tanto da minha parte, como da do Juiz de Fóra da

Cachoeira se lhe faria promptamente todo o auxilio de que necessitasse.

Resolveu-se finalmente a que André Moreno passasse logo para a

Villa da Cachoeira para ver e examinar as terras e escolhendo dellas a que

lhe parecesse mais a propósito para pelo seu methodo poder fazer as

204

plantas, e todos os mais beneficios de que necessitar o tabaco. Em carta

de 2 de Maio, escrita a Joaquim Ignacio da Cruz, avisa André Moreno que

tinha visto e examinado varios sitios de terra, que lhe parecerão muito

bons para fazer o que pretendia, tanto pela qualidade da mesma terra

como pela sua extensão e todas as mais circumstancias necessarias e

ultimamente conclue que tinha escolhido o terreno que possa produzir

athé 300 arrobas de tabacos ou mais e que como a planta estava em bom

estado, que dentro em 15 dias poderia ter dado principio a

transplantalla...”

- Anais da Biblioteca Nacional, 31, 164/165.

O mesmo vice-rei conde dos Arcos, em outro ofício a Sebastião

José de Carvalho, de 14 de Setembro do mesmo ano, comunica ter sido

enviado para Lisboa por Joaquim Inácio da Cruz uma porção de tabaco

cultivado no distrito da vila da Cachoeira por André Moreno, e por ele

preparado à imitação do que se fabricava na Havana acrescentando:

“... Pelo que affirma o mesmo André Moreno, não se póde duvidar

que, assim as terras, como o clima, têm qualidades requisitas para o

estabelecimento desta fabrica: só póde occorrer duvida se o pr eço do

primeiro fará conta para a extracção pela grande differença que faz o

rendimento do tabaco de corda ao de folha, de sorte que se entende que

as folhas poderão bastar para fazer duas arrobas de tabaco de corda,

apenas farão uma arroba do de folha e por esta razão se julga, que não

diminuirão o seu primeiro custo de 1.600 réis por arroba, porém a este

respeito se ficão fazendo as mais exactas averiguações que couberem no

possível para inteiro conhecimento da verdade, e com a que puder

alcançar renderei conta a V. Ex.”.

- Ibidem, 252/253.

Um ano justo depois, a 14 de Setembro de 1758, o conde dos

Arcos, em ofício para Tomé Joaquim da Costa Corte Real, acerca da

cultura do tabaco e novo processo de preparação, das experiências de

empacotamento, etc., enaltece os serviços prestados por Joaquim Inácio

da Cruz, e propõe que em recompensa lhe seja dado o hábito da Ordem de

Cristo.

- Ibidem, 289 – (G.).

(II)

Veja pág 283 do vol. II da 1ª ed. desta História. – (A.). – Para que

205

se possa ter idéia das rendas do país em geral, aqui fica o resumo a que o

A. se refere:

“Em 23 de Dezembro de 1752 rematou José Machado Pinto, por

158.000 cruzados livres, os dízimos da Bahia. Estavam por 120.075

cruzados.

“Em 10 de Abril de 1753 tomou Antônio José Dinis a Passagem

do Rio Grande em Minas por 1:525$000; e em 10 de Maio seguinte João

de Sequeira Lima a de Goiases por 365$000; e em 15 de Maio Domingos

José de Campos a do Rio Verde por 85$000, tudo em cada ano.

“Em 1753 se rematou em 8.000 cruzados e 25$000 o rendimento

de dez tostões de entrada na Bahia por cada escravo, para manter em

África o forte de Ajudá; e em 18.000 cruzados e 120$000 o de 3$500 de

direitos por cabeça.

“Em Março de 1756 foi contratado o rendimento do subsídio dos

molhados de novo imposto de Santos por 1:520$000; e o dons registros de

Viamão e Curitiba em 34.000 cruzados e 15 réis. O subsídio da

aguardente do reino, no Rio, desde 1757, foi dado por ano em 5:255$000;

e a dízima da chancelaria da cidade em 2:420$000; o rendimento da

aguardente e vinhos de mel da Bahia em 15.000 e tantos cruzados por

ano. Os dízimos das capitanias do Sul (São Paulo, Santa Catarina e Rio

Grande) foram rematados em 27$000 e 145$000; os de Cuiabá em

2:800$000; os das passagens para Goiás em 2:410$000, e os das entradas

de Minas em 344:005$000. OS dízimos de Goiás foram contratados, em

21 de Agosto de 1764, por 19:005$000”. – (G.).

(III)

Da Gazeta de Lisboa, de 18 de Janeiro de 1759:

“Do fatal da noite de 3 para 4 de Setembro, que a todos os seculos

será memoravel, com a duração da infamia de seus autores, se teve logo a

prozumpção dos que o forão; como o fazia duvidosa a consideração, de

haverem elles recebido, e estarem recebendo actualmente, muitas mercês

do nosso Amado Monarca; não se fazia crivel, que cobrindo com a sua

soberba ingratidão, se cegassem de maneira, que não vissem o

despenhadeiro, e cahissem no precipicio; e assim não quis a recta justiça

do Ministério, proceder ao castigo, sem huma exacta averiguação da

verdade, porém feita esta com a mais admiravel prodencia , e sagacidade,

forão reconhecidos incontestavelmente por agressores daquelle execrando

crime, o Duque de Aveiro, o Marquez de Tavora, sua mulher, dous filhos

seus, e seu genro o Conde de Athouguia, e assim forão sentenciados pela

206

Junta da inconfidencia, composta de Ministros incorruptos, a ser

degredados da immunidade das ordens, de que erão Commendadores,

exautorados dos lugares, e titulos que tinhão, desnaturalizados do Reyno,

e tidos por peregrinos, e vagabundos; ordenandose que Leonor Tomazia,

que se intitulou Marqueza de tavora, fosse degolada, e que José

Mascaranhas, que se chamou Duque de Aveiro, Francisco de Assis, que se

dizia Marquez de Tavora, Luis Bernardo, que tinha o mesmo título, José

Maria, que foi ajudante da Sala de seu Pae, quando era General, e

Jeronimo de Ataíde, nomeado Conde de Athouguia, depois de lhe

quebrarem as canas dos braços, e pernas, e os peitos com huma grossa

maça de ferro fossem todos agarrotados, queimados os seus corpos,

juntamente com o da dita Leonor Tomazia, e lançadas no mar as suas

cinzas. As casas em que viviam demolidas, e salgadas. Todas as suas

Terras, Senhorios, Alcaydarias mores, Comendas, Prazos, e Morgados,

sem clausula confiscados para a Câmara Real.

“Executou-se com effeito esta sentença no dia 13 do corrente, no

largo, que há entre o Cays de Bellem, e o Palacio que foi do Conde de

Aveyras. No mesmo dia, e no mesmo lugar padeceram garrote Manuel

Alves Ferreira, guarda roupa de José Mascaranhas, e Braz José Romeiro,

guarda roupa de Francisco de Assis, e João Miguel, homem de

acompanhar, cujos corpos forão queimados com a estatua de José

Policarpo de Azevedo (que escapou de o prenderem, e se prometem

10.000 cruzados de premio a quem o entregar á justiça), e lançadas as

suas cinzas ao Mar, com as de Antonio Alvares Ferreira, guarda roupa de

José Mascaranhas, que no mesmo lugar, e dia foy queimado vivo.” – (G.).

(IV)

Revista do Instituto Histórico, 1, 79/97 [2ª ed.] – Catálogo de

Évora [J. H. da Cunha Rivara, Catálogo dos Manuscritos da Biblioteca

Eborense, 1, 147] – (A.).

- Veja Fernandes Pinheiro, Revista do Instituto citada, 32, parte

2ª. 53/70. – Os Estatutos da Academia lêem-se ainda na mesma Revista,

45, parte 1ª, 49/67, reproduzidos nas Memórias Historicas de Accioli, 2,

2ª edição, 436/446.

A primeira reunião para a constituição da Academia Brasílica dos

Renascidos efetuou-se na casa da residência do conselheiro José

Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo, em 19 de Maio de 1759,

presentes os seguintes convidados:

1 – Padre Dr. Amaro Ferreira Paiva, advogado nos auditórios da

207

Bahia.

2 – Dr. Antônio Ferreira Gil, juiz comissário das execuções da

fazenda real.

3 – Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco, sargento -mor do terço

de auxiliares do Recôncavo.

4 – Padrre Dr. Antônio Gonçalves Pereira, desembargador da

Relação Eclesiástica, e acadêmico que foi da Academia dos Esquecidos.

5 – Antônio Joaquim de Araújo Velasco Leite Molina.

6 – Antônio José de Sousa Portugal, sargento-mor de um dos

regimentos de infantaria da guarnição da Bahia.

7 – Padre Antônio de Oliveira, acadêmico que foi da Academia

dos esquecidos.

8 – Frei Antônio de Santa maria Jaboatão, cronista -mor da

Seráfica Província de Santo Antônio de Brasil.

9 – Bernardino Marques de Almeida e Arnisan, capitão de

auxiliares.

10 – Dr. Bernardo Germano de Almeida, cônego da Sé e

desembargador da Relação Eclesiástica.

11 – Bernardo José Jordão, capitão engenheiro.

12 – Frei Calixto de São Caetano, monge beneditino.

13 – Francisco Gomes de Abreu Lima, provedor da Saúde.

14 – Francisco Xavier de Araújo Lassos, bacharel formado pela

Universidade de Coimbra e provedor da Misericórdia.

15 – Frei Frutuoso Ferreira do Rosário, religioso carmelitano.

16 – Frei Inácio de Sá e Nazaré, reitor do Colégio de Nossa

Senhora do Pilar.

17 – Dr. João Borges de Barros, primeiro desembargador

numerário da Relação Eclesiástica e tesoureiro -mor da Catedral.

18 – Dr. João Ferreira Bittencourt e Sá, juiz de fora da Bahia.

19 – Dr. João Pedro Henrique da Silva, desembargador dos

agravos na Relação da Bahia.

20 – José Álvares da Silva Lisboa, homem de negócios.

21 – José Antônio Caldas, capitão engenheiro e aadêmico da

Academia Militar.

22 – Padre José Antônio Sarre, mestre em artes.

23 – Dr. José Félix de Morais, médico do partido de Sua

Majestade.

24 – D. José de Mirales, tenente-coronel de um dos regimentos de

infantaria e acadêmico, que foi, da Academia dos Esquecidos.

25 – Frei José da Natividade Figueiredo, monge beneditino.

208

26 – Dr. José Pires de Carvalho e Albuquerque, alcaide-mor de

Maragogipe e secretário de Estado e Guerra do Bras il.

27 – Frei José dos Santos Cosme e Damião, examinador do

arcebispado da Bahia e bispado de Pernambuco.

28 – Dr. José Luís de Cheves, ex-físico-mor na Índia.

29 – Padre Lopo Gomes de Abreu Lima.

30 – Desembargador Luís Rebelo Quintela, procurador da coroa

na Bahia.

31 – Padre Manuel Ferreira Neves.

32 – Frei Manuel de Jesus Maria Pereira de Sousa, religioso dos

carmelitas descalços do Brasil e cronista -mor da sua religião.

33 – Manuel Matos Pegado Serpa, provedor da fazenda.

34 – Frei Manuel Pinto de Jesus Maria, religioso dos carmelitas

descalços.

35 – Frei Pascoal da Ressurreição, monge beneditino.

36 – Rodrigo de Argolo Vargas Cirne de Menezes, coronel de um

dos regimentos de cavalaria do Recôncavo.

37 – Rodrigo da Costa Almeida, provedor da alfândega.

38 – Tomás Robi de Barros Barreto, chanceler da Relação.

39 – Dr. Venceslau Pinto de Magalhães Fonseca, desembargador

da Relação Eclesiástica e vigário da igreja de Nossa Senhora da

Conceição da Praia.

40 – Conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de

Melo, do conselho de sua Majestade e do Ultramarino, deputado da Mesa

de Consciência e Ordens, juiz executor da real fazenda da Bula da Santa

Cruzada, acadêmico de número da Academia Real de Esapnha, e da

Geografia e Matemática de Cavaleiros de Valhadolid e Salamanca, doutor

em leis pela Universidade de Coimbra.

Nessa primeira asembléia, José Mascarenhas propôs que desde

logo fosse criada a Academia Brasília dos Renascidos; a proposta foi

sustentada elo padre Sarre, e posta a votos, quatro dos present es se

manifestaram contra a criação imediata, opinando que a Academia só

fosse instituída depois do decreto régio, que lhe desse o título de real.

Aprovada a proposta de José Mascarenhas, retiraram-se do recinto o

chanceler Tomás Robi, o procurador da coroa Luís Quintela e o provedor

da fazenda Pegado Serpa; o outro voto divergente foi o do sargento -mor

Ferrão Castelo Branco, que, entretanto, se sujeitou à deliberação da

maioria.

Ficou assim a academia composta de trinta e sete acadêmicos,

sendo trinta e dois de número e cinco supranumerários. Na mesma sessão

209

foram eleitos: presidente, José Mascarenhas; censores: Borges de Barros,

Bittencourt e Sá, Carvalho e Albuquerque e Frei Inácio de Sá; secretário:

Ferrão Castelo Branco, e vice-secretário: Almeida e Arnizan. Para redigir

os estatutos foi escolhido o presidente.

Na segunda sessão preparatória estiveram presentes os trinta e

sete acadêmicos que votaram pela criação da academia. Para completar o

quadro social foram efeitos nessa sessão:

1 – Frei Antôniod e Santa Eufrásia Barbosa, carmelita descalço.

2 – João de Couros Carneiro, escrivão da Câmara da cidade.

3 – Frei João de São Bento, carmelita descalço.

4 – Padre Dr. José Correia da Costa, advogado nos auditórios da

Bahia.

5 – João Lopes Ferreira, inspetor da Mesa de Inspeção.

6 – Dr. José de Oliveira Beça, cônego da Sé da Bahia.

7 – Dr. José Teles de Menezes, cônego da Sé da Bahia.

8 – Silvestre de Oliveira Serpa.

Lidos os nomes de cinqüenta e três acadêmicos supranumerários,

inclusive os dos cinco fundadores, foram nessa ocasião eleitos mais três:

Frei José dos Santos, carmelita, tenente-coronel Manuel Xavier Ala e Dr.

Mateus Saraiva, físico-mor no Rio de Janeiro.

Mais tarde a lista dos supranumerários chegou a elevar -se a cento

e quinze nomes, dentre os quais ficam aqui os de maior relevo: Antônio

José Vitoriano Borges da Fonseca, o linhagista pernambucano; D.

Domingos de Loreto Couto, o autor dos Desagravos do Brasil e Glórias

de Pernambuco; Francisco Calmon, Frei Gaspar de madre de Deus, Dr.

Inácio Barbosa Machado, Cláudio Manuel da Costa, João Manuel de

Melo, governador de Goiás; capitão-mor João Teixeira de Mendonça,

Pedro Dias Pais Leme, alcaide-mor da Bahia; Pedro Leolino Mariz,

intendente das Minas Novas do Araçuaí; Eleonor Cicile Goujon Disiers,

oficial da esquadra francesa que estava na Bahia; Frei Francisco Xavier

Feijó, depois acadêmico de número na vaga do Dr. José Félix de Morais,

riscado por indigno, e muitos outros.

Para seu protetor a academia elegeu o rei, e para seu Mecenas o

ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. Por empresa escolheu a

Fênix, citando o céu, e a letra: Multiplicabo dies.

A academia foi instalada solenemente no dia 6 de Junho seguinte,

na capela-mor da igreja dos carmelitas descalços; a sessão começou às 3

horas da tarde e terminou às 4 da madrugada!

- Conf. Alberto Lamego, A Academia Brasílica dos Renascidos,

210

sua fundação e trabalhos inéditos , Bruxelas, 1923. – (G.).

(V)

O marquês de Pombal explicou a prisão do conselheiro José

Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo pelo procedimento que

tivera quando à Bahia aportaram uma esquadra inglesa e outra francesa,

desvelando-se com os franceses em atenções que não dispensava aos

outros, sempre em rivalidades com a França, e além disso aliados de

Portugal. Os ingleses, dando-se por ofendidos, destacaram um barco, que

levou ao reino a queixa daquele procedimento, o que determinou, por

parte de D. José I, para dar satisfação ao governo britânico, mandar

prender o conselheiro, conservando-lhe, entretanto, os ordenados. J. Lúcio

de Azevedo, O Marquês de Pombal e sua época, 380, 2ª ed. Que há nisso

algum fundamento, prova-o um ofício do vice-rei conde dos Arcos, datado

da Bahia a 23 Julho de 1759, para o ministro da marinha Tomé Joaquim

da Costa Corte Real, informando acerca de um empréstimo que o

comandante Marnier pretendia fazer para abastecimento dos navios da

esquadra francesa, referindo-se à parcialidade do conselheiro José

Mascarenhas a favor do mesmo comandante, e narrando incidentes

provocados pela permanência no porto da Bahia das naus inglesas ali

refugiadas, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 351.

Filiar a prisão de José Mascarenhas a modo escandaloso e cruel

por que se houve no Porto, em 1757, quando escrivão da alçada

sanguinaria que puniu os implicados na revolta dos borrachos contra a

Companhia Geral dos Vinhos do Alto Douro, como se tem insinuado, é

ignorar os prêmios com que, logo em seguida, foi favorecido; tão pouco

sustentável é atribui-la à atitude simpática aos Jesuítas, em conluio com o

arcebispo da Bahia. Não foi remetido preso à corte, como se lê no texto;

da cidade do Salvador veio solto para o Rio de Janeiro, e daqui foi

mandado para Santa Catarina, onde passou os longos anos de prisão na

fortaleza de Anhatomirim; os documentos a respeito publicou João

Gualberto, Revista do Instituto Histórico, 70, parte 1ª, 169/208.

À corte de Lisboa só chegou depois de reinar D. Maria I, e não só

visitou Pombal, grato pelo que lhe fizera antes da prisão, como desistiu da

causa que pleiteava sobre a quinta de Santoro, em poder do marquês, por

saber o gosto que ele tinha nessa propriedade, J. Lúcio de Azevedo, op.

et. loc. cit.

Para a vida e obras dessa pouco atraente personagem, veja

Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, 4, 216/217.

211

A Biblioteca Nacional possui um exemplar da História

Genealógica da Casa Real Portuguesa, de D. Antônio Caetano de Sousa,

que pertenceu a José Mascarenhas, cujo extenso nome e por extenso se vê

na página de rosto de cada um dos volumes. – (G.).

(VI)

D. José de Mirales nasceu em Xatira, Valência, na Espanha, filho

de D. Márcio Mirales e D. Josefa Pastor; casou-se em Cairu, na Bahia,

com Josefa Ramos, filha de Domingos Gonçalves Ramos e de Maria da

Guerra Botelho: é o que Pedro Calmon (a quem deve o anotador estes

informes) viu no Livro de Registro dos Irmãos da Misericórdia da Bahia,

registro de 6 de Abril de 1727.

Não se sabe por que passou a Portugal e veio a servir na Bahia,

onde já estava em 1724, como tenente-coronel de um dos regimentos da

cidade; nesse mesmo ano foi um dos fundadores da Academia Brasílica

dos Esquecidos. Em 1759, fez parte, como acadêmico de número, da

Academia dos Renascidos, e teve o cargo de escrever a História Militar

do Brasil, desde o anno de 1549, em que teve princípio a fundação da

cidade de S. Salvador da Bahia de Todos os Santos. Em 20 de Julho de

1761 escrevia ao conde de Oeiras, rogando se interessasse pelo

requerimento que dirigira ao rei, para que lhe fizesse mercê da patente de

coronel honorário, e referindo-se à História Militar do Brasil que dizia

ter começado a escrever, Anais da Biblioteca Nacional, 31, 436. Em 26 de

Setembro do mesmo ano o governo interino (exercido pelo chanceler da

Relação Tomás Robi, por morte do primeiro marquês de Lavradio) em

ofício ao conde de Oeiras, refere-se à licença superiormente concedida a

D. José de Mirales para consultar os livros da Vedoria e deles extrair os

elementos que desejasse para a História Militar, que estava elaborando,

ibidem, 470. Em ofício para Francisco Xavier de Mendonça Furtado,

datado da Bahia, 5 de Maio de 1768, o segundo marquês de Lavradio,

informando sobre os militares da capitania, escreveu a respeito de

Mirales: “O Tenente Coronel D. José de Mirales, que he do Regimento de

Gonçalo Xavier, tem de idade 82 annos. S. Magestade o honrou no anno

de 760 com a patente de Coronel com exercício de Tenente Coronel, que

elle não póde ter pelos seus annos e algumas queixas que padece; ouvi

que servia muito bem; elle não está tonto, aqui me veio falar que me

pareceu ter juízo e instrucção na nossa arte”, Anais citados, 32, 197.

Mirales faleceu antes de Agosto de 1777, porque em ofício de 1

desse mês do conde de Povolide para Martinho de Melo e Castro,

212

propunha aquele governador para o posto de tentente -coronel da infantaria

da Bahia, vago por sua morte, Antônio José de Sousa Portugal, sargento-

mor do segundo regimento, ibidem, 245.

A História Militar do Brasil, que felizmente concluiu, obra de

investigação fidedigna, só foi publicada em 1900, nos Anais da Biblioteca

Nacional, 22, 1/238. – (G.).

(VII)

A Academia Científica foi instituída no Rio de Janeiro pelo vice -

rei marquês de Lavradio, por proposta de seu médico, Dr. José Henriques

Ferreira, que lhe fazia ver a necessidade que havia, para o interesse do

Brasil, de conferir com pessoas ilustradas as matérias de Histó ria Natural,

de Física e Química, Agricultura, Medicina, Cirurgia e Farmácia.

A 18 de Fevereiro de 1772 celebrou-se a sessão inaugural, no

palácio do vice-rei, na presença deste e das pessoas notáveis da capitania.

Nessa sessão foram eleitos presidente da academia o Dr. Ferreira e

secretário o cirurgião Luís Borges Salgado. Além desses, os primeiros

associados foram os médidos Gonçalo José Muzzi e Antônio Freire

Ribeiro; os cirurgiões Maurício da Costa, Ildefonso José da Costa Abreu e

Antôinio mestre; os boticários Antônio Ribeiro de Paiva e Manuel

Joaquim Henriques de Paiva; o curioso de agricultura Antônio José

Castrioto. A esses associaram-se depois muitos outros, tanto nacionais,

como estrangeiros, entre os quais, como sócios correspondentes, os Drs.

Pedro Wargentin e Pedro Jonas Bergius, da Academia Real das Ciências

da Suécia.

Do Dr. José Henriques Ferreira conhece-se o Sumário da História

do Descobrimento da Cochonilha no Brasil, e das Observações que sobre

ela fez no Rio de Janeiro, impresso no Patriota, terceira subscrição, n. 1,

págs. 3/13, Rio, 1814.

Manuel Joaquim Henriques de Paiva é autor das Memórias de

História Natural, de Química, de Agricultura, Artes, e Medicina, Lisboa,

1790, - onde se trata da jalapa, da fava purgativa, feijão peruano, ou

mucuná, no Brasil, guaxima, etc.

Os estudos da Academia Científica muito concorreram para tornar

conhecidas na Europa certas plantas do Brasil. A cultura do anil, cacau,

cochonilha e outros produtos foi incentivada, graças à iniciativa de seus

associados. – (G.).

(VIII)

213

Manuel Cardoso de Saldanha, em carta para Francisco Xavier de

Mendonça Furtado, datada da Bahia, 30 de Julho de 1761, pedindo

dispensa do emprego de engenheiro, que ali exercia, indicava para

substitui-lo o capitão José Antônio Caldas, seu discípulo na Academia

Militar, “o qual ainda que bem instruído na Teoria, principia a praticar

só”, e acrescenta: “Tenho outro discípulo chamado Manuel de Oliveira

Mendes, soldado infante no Regimento de que he Coronel Manuel Xavier

Ala, que depois de graduado em Philosofia, dispensado para os postos

subalternos, vivendo com muita honra, foi á minha aula, e escreveu todas

as materias que ditei instructivas para um perfeito official engenheiro, e

com inteligencia dellas, risca sofrivelmente as plantas; mas nas praticas

de conhecer as obras e seus materiaes, nas medições conforme a

geometria pratica ensina, em fazer as contas dos seus valores, em avaliar

projectos e os edificios já construidos, como verificaram as avaliações

que fez no inventario das fazendas dos Padres denominados da

Companhia, o julgo perfeitissimo; por exerce o emprego de medidor das

obras do Senado da Câmara desta Cidade. A este homem póde V. M.

prover no posto de ajudante de Infantaria...”, Anais da Biblioteca

Nacional, 31, 438/439.

Por carta patente de 10 de julho de 1773, o governador conde de

Povolide nomeou capitão agregado do regimento de artilharia a Manuel de

Oliveira Mendes, que devia ter falecido antes de 5 de Setembro de 1796,

quando seu filho Luís Manuel de Oliveira Mendes pediu justificação dos

serviços por ele prestados, à qual juntou duas certidões dos que se

referiam à organização do tombo dos bens pertencentes à fazenda real e à

inventariação e seqüestro dos bens dos jesuítas proscritos, Anais citados,

36,364.

Quanto a José Antônio Caldas, sabe-se que escreveu a Noticia

Geral de toda esta Capitania da Bahia, desde o seu descobrimento até o

presente anno de 1759, somente agora publicada na Revista do Instituto

Geográfico e Histórico da Bahia , n. 57 (1931), págs. 7/444, sem as vistas

e plantas que acompanham o manuscrito original. Era capitão engenheiro

e acadêmico da Academia Militar da Bahia; foi, como se lê antes, da

Academia Brasília dos Renascidos. Faleceu antes de 10 de Maio de 1786,

como sargento-mor engenheiro, Anais citados, 34, 15; deixou muitas

cartas de diversas partes do Brasil, que o marquês de Valença comprou

em leilão, Anais citados, 36, 243. – (G.).

214

(Transcrito do tomo quarto, págs. 234-266).

SECÇÃO XLVII

IDÉIAS E CONLUIOS EM FAVOR DA

INDEPENDÊNCIA EM MINAS.

Clube em Coimbra. Conferência de Maia com Jefferson. Projeto

do conde de Aranda sobre o Brasil. Domingos Vidal Barbosa. Cartas

Chilenas. Dr. José Álvares Maciel. Visconde de Barbacena. Cláudio,

Alvarenga Peixoto e o Tiradentes. Inocência de Gonzaga de todo

comprovada. Freire de Andrada. Padres Correia e Oliveira Rolim. Abreu

Vieira. Biografia do Tiradentes. Conventículos. Parte o Tiradentes para o

Rio de Janeiro. Outros cúmplices. Denunciantes. O governador revoga a

derrama. Hesitações. Gonzaga com o governador. Primeiras prisões.

Suicida-se o poeta Cláudio. Efetua-se no Rio de Janeiro a prisão do

Tiradentes. Devassas. Revelações. Penas infligidas aos réus.

Considerações acerca do malogro da revolução. Resignação aos altos

decretos da Providência. Barbacena é repreendido pela corte, quanto

esperava recompensa.

215

O aumento da facilidade das comunicações, que

acompanha o desenvolvimento da civilização, irmana de tal

modo em sentimentos, assim os povos da mesma nação, como

os de nações diferentes, que não é raro em política que os ecos

de uma grande revolução se repercutam em paragens muito

distantes, mediando só o tempo necessário para se propagar a

notícia. Memorável exemplo do que levamos dito nos oferece

a bem lograda revolução feita pelas colônias inglesas do Norte

da América, para se declararem nação independente da mãe

pátria. Como era natural, cada uma das outras colônias

americanas, ou ao menos a sua gente mais ilustrada,

reconheceu a analogia de situação. – Em Coimbra doze

estudantes brasileiros, combinando entre si a possibilidade de

se declarar o Brasil independente, se comprometeram a levar

avante a idéia, quando isso fosse possível. Em França, onde

tanto entusiasmo havia pela revolução norte-americana,

deviam os Brasileiros encontrar nesse mesmo entusiasmo

incentivos e estímulos, para imitarem o primeiro povo da

América colonizada e cristã, que se emancipou, proclamando

sua nacionalidade. – Ventilou-se, pois, a questão em

Montpellier em 1786, entre alguns jovens brasileiros (talvez

algum ido ali de Coimbra) que estudavam Medicina, contando-

se nesse número Domingos Vidal Barbosa, natural de Minas,

isto é, da freguesia da Conceição, hoje Queluz; José Mariano

Leal, do Rio de Janeiro, e José Joaquim da Maia, também do

Rio de Janeiro, filho de um pedreiro da rua da Ajud. – Este

último, movido de ambição, e segundo sua própria narrativa,

aspirando a exorbitar da esfera em que nascera (1), decidiu -se,

com menos rebuço do que os seus companheiros e colegas, a

216

escrever em Outubro desse ano ao célebre Tomás Jefferson,

que estava de plenipotenciário dos Estados Unidos em Paris,

dizendo-lhe como ele e outro patrício seu eram ali vindos do

Brasil, para tratarem da independência deste Estado da

América, e desejavam saber até que ponto, para uma tal

empresa, poderiam contar com o apoio dos Estados Unidos.

Respondeu Jefferson muito pontualmente; mas, guardando as

formas que a sua posição oficial lhe recomendava, disse que

apenas os brasileiros por si próprios conquistassem a

independência, não teria a sua nação dúvida em negociar o

provê-los; porém que antes disso nada podia fazer, pois que

estava em paz com Portugal, e em seus portos recebiam os

cidadãos dos Estados Unidos benigno acolhimento. Conclui

noticiando-lhe que contava ir passar o próximo inverno em

Aix, e que faria uma volta por Nimes, a fim de ver as suas

antiguidades, e aí poderia Maia avistar-se com ele. –

Estiveram ambos os americanos, o do Norte e o do Sul,

pontuais no encontro em Nimes: Maia expôs então todo o seu

plano: pintou as forças viris do Brasil e os seus muitos

recursos para constitui-se em nação, e o pouco receio que

devia haver de forças vindas de Portugal ou das colônias

espanholas, sobretudo quanto o porto do Rio e o sertão de

Minas eram por si muito defensáveis, quando os literatos do

país eram favoráveis à independência, e quando grande parte

do clero e da mesma tropa do Brasil constava de brasileiros. –

Jefferson ouviu com atenção o seu interlocutor: tornou a dizer -

lhe que a revolução deveria em todo caso ser primeiro efetuada

pelos próprios Brasileiros, e que depois, uns por desejo de

ganho, outros por ambição, não deixariam de passar a levar -

lhes bacalhau, etc., e a ajudá-los. Maia não saiu muito

217

satisfeito dessa conferência, e julgou que o ilustre enviado

tivera em pouco o plano dele improvisado negociador, ao

tratá-lo, - ao presenciar-lhe a casca, segundo a sua expressão.

Entretanto, não era assim: o fino diplomata o que fez foi

disfarçar bem, ante o jovem inexperiente, o seu entusiasmo,

em presença de tais idéias, pois, em 4 de Maio desse mesmo

ano (1787), escrevia de Marselha a J. Jay, dando-lhe conta de

quanto passara, e ficou sempre pensando em tais planos (2).

Entretanto, por outra parte, o conde de Aranda,

embaixador espánhol em Paris, nem que o seu coração

pressagiasse tudo quanto se passava a respeito dessa

insurreição, meditava não só um plano da independência do

Brasil todo, instituindo nele uma monarquia regida pela casa

de Bragança, como até do engrandecimento de uma tal

monarquia, inclusivamente até as beiras do Pacífico, unindo-

lhe o Peru e o Chile, uma vez que a família Bragança

abdicasse os seus direitos às províncias continentais européias

de Portugal, e que estas se agregassem à Espanha. O conde de

Aranda chegou a formular esse pensamento, em uma carta

escrita ao ministro Florida-Blanca, em 1786 (3), acrescentando

a idéia de formar de Buenos Aires e terras de Magalhães outra

monarquia em favor de um infante espanhol. – “Não falo

(prossegue Aranda, desenvolvendo sua proposta) de reter

Buenos Aires para Espanha, porque ficando cortado por ambos

os mares pelo Brasil e Peru, mais nos serviria de cuidado que

de proveito, e o vizinho pela mesma razão se tentaria a

alargar-se. Não prefiro tão pouco agregar ao Brasil toda a

extensão até o cabo de Horn, e reter o Peru, ou destinar este ao

infante; porque a posição de um príncipe da mesma casa de

Espanha, colhendo em meio ao dono do Brasil e Peru, serviria

218

para conter a este pelos dois lados:”... “... se tenho tanto na

cabeça que a América Meridional se nos irá das mãos, e que,

se tem de suceder, melhor seria uma troca do que nada, não me

faço projetista, nem profeta; ... porque a natureza das coisas o

trará, e a diferença não consistirá senão em anos antes ou

depois. Se eu fora português aceitaria a troca, porque lá grão-

senhor e sem os riscos do de cá, também, mais dia menos dia,

seria maior que no canto da Lusitânia; e sendo, como sou, bom

vassalo da coroa, prefiro e preferirei sempre a reunião a ela de

Portugal, embora pareça que se lhes dava em troca um mundo

(I)”.

Em parte a providência veio pouco antes a realizar, em

favor do Brasil e da casa de Bragança, o que não soube

realizar a política. Pelo que toca ao Peru e a Portugal, nada

diremos, pois melhor compete decidir se houveram sido mais

ou menos felizes. Quanto ao império americano, que grande

nação seria ele hoje!

Maia, quando se propunha recolher ao Brasil, faleceu

em Lisboa; mas Domingos Vidal Barbosa voltou à pátria, e

chegou a Minas, doutorado em Medicina na faculdade de

Bordéus, quando essa capitania sofria ainda dos insultos com

que, por perto de cinco anos, a avexara o governador Luís da

Cunha de Menezes, cujo desgoverno um dos poetas mais

notáveis da mesma capitania satiricamente pintara nas

chamadas Cartas Chilenas (II): não devendo admirar que já aí

existisse quem pensasse em independência, quando, segundo

vimos, esta se resolvera em Coimbra, entre o apostolado dos

estudantes; e destes, três, segundo se disse, estavam agora em

Minas. Quase ao mesmo tempo, chegava da Europa,

igualmente doutorado, José Álvares Maciel, filho do capitão-

219

mor de Vila Rica, e que, depois de formar-se em Filosofia em

Coimbra (onde talvez fora do número dos doze), passara à

Inglaterra, e aí se aplicara muito às artes e manufaturas,

proposta a introduzi-las no Brasil.

Os seus conhecimentos em Mineralogia (4) foram,

desde logo, para ele uma grande recomendação perante o

governador e capitão-general Visconde de Barbacena, que

tomara posse em 11 de Julho de 1788, e que, igualmente era

afeiçoado (5) a tais estudos (aos quais porventura devia até o

haver sido preferido para governar esta capitania), chegou a

oferecer hospedagem, na sua casa de campo da Cachoeira, ao

mencionado doutor, filho do capitão-mor.

Esse regresso ao Brasil do dito Dr. Maciel, veio, quanto

a nós, dar alento à idéia (6) de ser possível efetuar na

província de Minas, e com bom êxito, um levante, se o dito

governador intentasse executar as ordens que trazia da corte

para fazer cobrar, por meio de uma derrama geral, grandes

impostos devidos do tributo do ouro, levante em que, além

dele Dr. Maciel, e (muito ao depois) do mencionado Dr. Vidal

Barbosa, vieram a figurar entre os cúmplices os conhecidos

poetas Cláudio Manuel da Costa (7) e Inácio José de

Alvarenga (Peixoto) (8); sendo também acusado o

desembargador Tomás Antônio Gonzaga (9), autor da muito

conhecida Marília de Dirceu; e, aparecendo em cena como

principal vulto, pelo seu grande entusiasmo, pela sua muita

expansão e indiscrição, e, afinal, até pelo seu martírio, o

alferes de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, alcunhado o

Tiradentes.

Repelindo aqui, com a devida energia, a injusta

acusação de havermos sido contraditórios na sucinta narração

220

deste sucesso, contida nas páginas da primeira edição desta

obra (10), narração pela maior parte escrita, não pela ouvida

das tradições, mas especialmente em presença das informações

oficiais enviadas à corte pelo próprio governador em ofício de

11 de Julho de 1789 (11), que alguns têm citado sem o ter

visto (dando-o até com a data errada de um ano), começaremos

por declarar que a publicação efetuada, embora interpolada e

menos corretamente, do teor do processo, nos permitirá,

cingindo-os aos depoimentos, interpretados com o devido

critério, dar atualmente a esta secção um pouco mais de

desenvolvimento, esmerando-nos, como temos feito nas

demais, em ser concisos e exatos, sem nos emaranharmos em

pormenores que se contradizem, que escapam apenas lidos e

que nada aproveitam à história, pois (não nos cansaremos em

repeti-lo), não consiste o bom critério desta em juntar muitos

fatos, nem muitas autoridades, mas sim em apreciá-los

devidamente, apurando deles e delas a verdade.

Em primeiro lugar diremos que hoje temos a convicção

de que o poeta desembargador Gonzaga não chegou jamais a

associar-se aos tais ou quais planos aéreos de se efetuar na

província uma insurreição.

Resulta essa nossa convicção do estudo profundo de

toda a devassa, analisada com a devida imparcialidade, ante a

luz da crítica, que não se deve guiar pelo dito de uma ou outra

testemunha apaixonada, ou interessada; mas unicamente pela

essência que ressumbra do conjunto dos depoimentos,

manifestamente mais sinceros, e de todos os fatos apurados.

Cremos, sim, que, em geral, chegou o mesmo Gonzaga a

conversar, antes de se pensar em semelhante insurreição,

acerca da “possibilidade e naturalidade de vir um dia o Brasil

221

a separar-se de Portugal” (12) e que mais tarde ouviria

vagamente os clamores gerais contra a idéia da derrama, e os

perigos que havia de poder ela vir a causar uma grande

perturbação e sublevação na província; mas a prova de que

sinceramente não desejava que estalasse um rompimento, se

deduz dos esforços que, primeiro com o intendente Dr.

Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, e por fim ante o

próprio governador, fez para não levar avante a idéia da

mesma derrama, com a desistência da qual caíram por terra

todos os pretextos para um tumulto. Não há dúvida que um

grande inimigo seu (13) o acusou “de ser um dos

conspiradores, indicado até para chefe, e encarregado de

fabricar as novas leis, e de ser autor da idéia de se dever cortar

a cabeça ao governador”. Mas, quando é que se viu a acusação

de inimigos encarniçados ser recebida como prova? – E isso,

quando foram demonstrados evidentemente de falsos outros

testemunhos do mesmo denunciante? Mas, acrescente-se,

também vários, não inimigos seus, serviram-se do seu nome, e

alguns dos seus próprios amigos o acusaram. Responderemos

que os que eram interessados (14) em valer-se do seu nome,

tão respeitado na província, não podem tampouco fazer

autoridade; nem podem merecer mais créditos do que quando

esses mesmos ou seus sócios citaram entidades imaginárias

(15), como já de acordo com eles: e, quanto aos amigos, tudo

induz a crer que chegaram candidamente a persuadir-se de que,

associando a si na cumplicidade um nome tão respeitável, nada

menos que um desembargador, colega dos seus juízes,

conseguiriam salvar-se, à maneira dos que, vendo-se em perigo

de afogar-se, não duvidam, pensando escapar, agarrar-se

tenazmente aos seus que encontram próximos, resultando, de

222

ordinário, o levarem também consigo ao pego essas novas

vítimas, – às vezes até a mulher ou os filhos. Mas, a verdade é

que não se prova que Gonzaga fosse conspirador, nem

assistisse a nenhuma das reuniões em que se tratou da idéia da

revolta, depois de essa idéia nascer. Assim, pois, cremo-nos

hoje com todo o fundamento autorizados, em defesa da

probidade do autor de Marília, a proclamar que ele não mentiu

à posteridade, quando em seus versos lhe deixou dito que era

calúnia vil e insolente a acusação com que “se ultrajava o seu

nome, com o suposto delito”; acrescentando, na célebre lira

em que se figura na presença da deusa Astréia, razões em

prova de como tais planos eram então utopias impossíveis, e

incluindo até aquele conhecido verso: “Daqui nem ouro quero”

(16).

Liquidado este ponto, passaremos a ocupar-nos do

assunto.

Da acareação, por nós pausada e refletidamente feita, de

todos os depoimentos, resulta que, verdadeiramente, entre os

vários que se conluiaram, só um chegou a entusiasmar-se pela

idéia da revolução: foi o mencionado alferes Silva Xavier,

nascido em Pombal, perto de São João del-Rei (17). Desde que

na alma lhe caiu a primeira centelha a favor da idéia de

independência, lavrou o incêndio por tal forma que não se

pôde mais apagar. A esse único pensamento, que o abrasava,

subordinava tudo quanto via e ouvia; e, com uma leviandade e

audácia inauditas, para aquele tempo, a todos se propunha

converter e angariar, inclusivamente inventando para isso,

como ainda hoje vemos nos partidos políticos, que havia

esperanças de socorros estrangeiros, e partidários e conjurados

decididos, em outras paragens. Assim, foi ele que

223

atrevidamente começou por abordar o seu próprio

comandante, jovem de trinta e dois anos, o tenente-coronel

Francisco de Paula Freire de Andrada (18), dizendo-lhe que no

Rio de Janeiro, donde regressava, se ia fazer a revolução. Foi

ele que tentou inutilmente aliciar a Cláudio; chegando, porém,

a converter o poeta Alvarenga, dizendo-lhe que “era pena de

uns países tão ricos... se achassem reduzidos à maior miséria,

só porque a Europa, como esponja, lhes estivesse chupando

toda a subsistência; e os excelentíssimos generais de três em

três anos traziam uma quadrilha, a que chamavam criados, os

quais, depois de comerem a honra, a fazenda e os ofícios, que

deviam ser dos habitantes, saíam rindo-se deles” (10). Foi

ainda ele quem contribuiu a angariar o padre Carlos Correia de

Toledo e Melo, paulista, filho de Taubaté, e vigário de São

José do Rio das Mortes, e o irmão do distinto pregador

Rodovalho (20), o opulento padre José da Silva de Oliveira

Rolim; e ao depois, atacando a cada qual pelo respectivo lado

fraco, não só brasileiros natos, então alcunhados pelos filhos

de Portugal de mazombos (21), mas até portugueses natos,

começando pelo seu compadre, o venerando Domingos de

Abreu Vieira.

No auge do entusiasmo, obedecia o mesmo alferes, não

só aos impulsos do patriotismo, como também aos da ambição.

Havendo começado por aplicar-se à profissão de dentista, em

que chegou a ser hábil, do que lhe proveio o ser denominado

Tiradentes, lançou-se também a mascatear em Minas Novas;

mas saiu-se mal, e resolveu-se a sentar praça na cavalaria.

Muito pontual nos seus deveres, foi seguido os postos

inferiores, e como rebentassem guerras no Sul, e o seu corpo

chegou a marchar para o Rio de Janeiro, conseguiu ser

224

promovido a alferes; mas de alferes não passou. Vendo-se por

vezes preterido, o que ele candidamente acreditava provir de

falta de proteção, e devemos antes hoje atribuir à

“desrecomendação” que seria para ele o geral conceito de ser

um hábil tiradentes, pretendeu votar-se à mineração; mas saiu-

se de novo mal, e tornou ao serviço; e contava já de idade mais

de quarenta anos (22), quando, achando-se no Rio de Janeiro,

com esperança de melhorar de fortuna em umas empresas de

estabelecimento de trapiches e encanamentos, para suprir de

mais águas a capital (23), empresas para que não conseguiu

encontrar sócios, nem fundos, aí travou conhecimento do dito

Dr. Maciel, quando regressava da Europa, e dele recebeu as

primeiras inspirações para se lançar, com afinco, na nova

empresa, de que viria a ser a vítima principal.

Cumpre acrescentar que para alguns dos malogros do

mesmo alferes em suas pretensões, além da circunstância de

ser tiradentes, devia também contribuir o seu físico. – Era

bastante alto e muito espaduado, de figura antipática, e “feio e

espantado”.

Pelo que respeita à sua heróica empresa, não a

denominaremos conjuração. Custa-nos até o dar-lhe o nome de

conspiração; embora concedamos que fosse ele verdadei ro

conspirador. Não houve, porém, conjurados ou conspiradores

ajuramentados em regra; não foi a resolução precedida de

conciliábulos tenebrosos, conluiados em forma: as reuniões

faziam-se quase a portas e janelas abertas, sendo apenas o

assunto, que servia nelas de tema, conversação reservada,

interrompida com a entrada de qualquer profano, que vinha de

visita. Assim sucedeu até na única reunião, em casa do

tenente-coronel Andrada, em fins de 1788 ou princípios de

225

1789, que teve um pouco mais aparência do verdadeiro

conventículo, ou conluio, e na qual se cruzaram e ventilaram

mais fixamente algumas espécies revolucionárias. Assistiram a

essa reunião, além do dono da casa e do seu alferes, os padres

Toledo e Rolim, o Dr. Maciel, e, por fim, o poeta Alvarenga,

calando-se todos, segundo depôs o Tiradentes, ao chegar

Gonzaga de visita, prova evidente de que não era este dos do

conluio (24).

Não há dúvida que, nessa ocasião, se tratou da

conveniência, se tivesse lugar um levante, de não se esperar

pelo rompimento do Rio de Janeiro; da necessidade de que,

para o haver, se contasse com segurança com a província de

São Paulo; da vantagem de ser feito, começando pelo povo, e

fraternizando depois a tropa; e isso com o menor

derramamento de sangue possível, respeitando-se a pessoa do

governador, e mandando-o escoltado até a fronteira, no

registro da Paraibuna. Por essa ocasião foi, pelos que estavam

presentes, aplaudida a idéia do Tiradentes, mui devoto do

mistério da Santíssima Trindade, de tomar-se por armas um

triângulo, representando o mistério, à imitação de Portugal,

que tinha as Chagas de Cristo (25); e também, sem se votar

pelas que seriam preferidas, pela de Alvarenga, de um gênio

quebrando os grilhões, com uma legenda em latim a isso

alusiva (26). – Mas, repetimo-lo, tudo isso não passou de

conversação hipotética: não houve decididas resoluções, a que

se devesse começar a dar cumprimento. Nem sequer se

assentou em quem deveria ser o chefe. De todos o que tomou o

negócio mais a sério, constituindo-se verdadeiro cabeça de

motim, foi ainda o Tiradentes, que já não pensava em outra

coisa; e quando muito, depois dele, também o vigário Toledo.

226

– Os demais, especialmente Alvarenga e o tenente-coronel,

pareceram antes, pouco depois, arrependidos de se haverem

deixado levar tanto adiante. Quase todos trataram sem demora

de se ausentar de Vila Rica; o tenente-coronel logo, com

licença para a sua fazenda de Caldeirões, com projetos de

obter outra, a fim de passar dentro de poucos meses ao Rio de

Janeiro, à Bahia, e até a Portugal.

O alferes Silva Xavier, porém, à custa de algum

sacrifício, pedindo até dinheiro emprestado, resolveu seguir

para o Rio de Janeiro. As recomendações que solicitou para

militares dessa praça, as exclamações que desde logo começou

a proferir (27) diante dos da tropa, depois de chegar a esta

vice-corte, nos autorizam a crer que não voltara só com

intenções de sair ao encontro do seu requerimento, acerca das

empresas dos trapiches e das águas, mas sim de aqui adquirir,

tão indiscretamente como em Minas, e com a mesma

perseverança, partido em favor da independência da pátria.

Infeliz! Não tinha obtido mais do que conseguir fazer, livre de

algemas, até o sítio do seu martírio, a jornada que os demais

companheiros, menos culpados e até inocentes, haviam de

fazer, pouco depois, acorrentados!

O número dos cúmplices foi crescendo, sendo uns

estimulados pelo amor da pátria ou por simples ambição, e

outros pelo desejo de se libertarem do pagamento da derrama;

unindo-se-lhes muitos, que se viram comprometidos, já pela

maldade dos denunciantes, já pela deferência com os primeiros

conluiados, já pela indiscrição deles, ou pelos seus apuros,

quando acusados, já finalmente pela própria fatalidade. Entre

todos, devemos fazer menção, por haverem sido julgados mais

comprometidos, de Luís Vaz de Toledo Piza, de Taubaté,

227

irmão do mencionado vigário, Francisco Antônio de Oliveira

Lopes, os dois José de Resende Costa, pai e filho, um infeliz

aprendiz de cirurgia, de nome Salvador Carvalho do Amaral

Gurgel, que se limitou a escrever duas linhas, recomendando o

Tiradentes (28), um ilustrado cônego e exímio pregador de

Mariana, Luís Vieira da Silva, só porque simpatizara com os

Estados Unidos, e muitos outros, incluindo o Dr. Maciel e

mais três miseráveis, que vieram a converter-se em primeiros

denunciantes, seguindo-os depois, nesse exemplo, vários

outros, pensando obter a impunidade por meio de tardias e

incompletas delações. Foi o primeiro, em 15 de Março,

Joaquim Silvério dos Reis, natural de Leiria, coronel de um

regimento de auxiliares, mandado extinguir, homem

geralmente tido por orgulhoso, de mau coração e gênio altivo,

que contava muitos inimigos, por haver abusado das

protecções que desfrutara, e que agora se vira apertado para o

pagamento das somas, em que ficara alcançado, do contrato

das entradas, que tivera por sua conta de 1782 a 1784 (29); –

somas que talvez pensava remir com a traição, – que ao

mesmo tempo lhe servisse de se desafrontar de seus

perseguidores, em cujo número contava o desembargador

Gonzaga. A esse denunciante seguiram-se depois, com

denúncias escritas, como por cautela exigira já do primeiro o

governador, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do

Lago (natural de Ponte de Lima), e o mestre de campo Inácio

Correia Pamplona, ilhéu (natural da Terceira).

O visconde de Barbacena, achava-se no sítio da

Cachoeira do Campo a três léguas da capital, na casa de campo

dos governadores, onde ele preferia fixar a residência, quando,

aos 15 de Março de 1789 (30), se lhe apresentou o primeiro

228

denunciante a fazer as suas pérfidas revelações. Conhecendo-

lhe o caráter, e não deixando de imaginar que poderia na

denúncia andar espírito de intriga e de calúnia (31), assentou,

entretanto, como lhe cumpria em caso tão arriscado, caminhar

mais pelo seguro, precavendo-se como se tudo quanto ele dizia

fora certo. Recomendou ao denunciante o maior segredo,

ordenou-lhe que seguisse, traiçoeiramente, metendo-se com os

revoltosos (e outro tanto praticou com os outros dois

denunciantes), regressou à capital, e sem se dar em nada por

entendido, limitou-se a dirigir logo às diferentes câmaras da

província uma circular concebida nos seguintes termos (32):

“A considerável diminuição que tem tido a quota das

cem arrobas de ouro que esta capitania paga anualmente de

quinto a Sua Majestade, pede as mais eficazes averiguações e

providências. A primeira de todas deveria ser a derrama, tanto

em observância da lei, como pela severidade com que a mesma

Senhora foi servida estranhar o esquecimento dela; porém,

conhecendo eu as diversas circunstâncias, em que hoje se acha

esta capitania, e que este ramo da Real Fazenda é suscetível de

melhoramento, não só em benefício do Régio Erário, mas dos

povos, cuja conservação e prosperidade é o objeto principal do

iluminado governo da Rainha Nossa Senhora; e não tanto pela

afeição particular com que me ocupo em procurar aos desta

capitania toda sorte de felicidade, que sempre preferiria à

minha própria, como pela confiança que devemos ter na

piedade e grandeza de Sua Majestade, que é bem notória,

tomei sobre mim suspender o lançamento da derrama que a

junta da administração e arrecadação da Real Fazenda é

obrigada a promover até chegar a decisão da conta que terei a

honra de pôr na augusta presença de Sua Majestade, sobre os

229

meios que me parecerem mais proporcionados ao bem da

mesma administração nesta parte, e ao dos seus leais vassalos.

E para me haver com o conhecimento e acerto que desejo, e

me é necessário neste importante negócio, recomendo a V.

Mcês. que hajam de fazer sobre ele, com toda a brevidade, as

mais sérias reflexões e exames, e me enviem por seus

procuradores até meado de Junho os seus requerimentos,

informação e parecer; e com isto espero também que V. Mcês.

concorram comigo, entretanto, assim pelo reconhecimento a

que ficam obrigados, como por conveniência própria, para o

descobrimento e extirpação dos contrabandistas e

extraviadores, que são e têm sido a principal causa da referida

diminuição. Deus guarde a V. Mcês. – Vila Rica, vinte e três

de Março de mil setecentos e oitenta e nove. – Visconde de

Barbacena. – Senhor juiz de fora e oficiais da Câmara de...”

Essa resolução do governador ia de acordo com o

parágrafo da sua Instrução (de 29 de Janeiro de 1788), redigida

talvez em virtude das sugestões do desembargador J. J.

Teixeira, em que, depois de contar-lhe as revoluções anteriores

em Minas, acrescentava: ...”sempre se faz indispensavelmente

necessário que V. Sª, sem mostrar no exterior a menos

desconfiança, tenha toda a vigilância em que os mesmos

habitantes se conservem na devida obediência e sujeição a S.

M., – e que à vista dos acontecimentos anteriores... tome V. Sª

sempre as providentes medidas, não só para ocorrer aos

incidentes que possam sobrevir de presente, mas para acautelar

os futuros (33)”.

Logo ordenou o mesmo governador ao primeiro dos

denunciantes que seguisse imediatamente para o Rio de

Janeiro, a espiar os passos do alferes; e alcançando-o ainda em

230

caminho, e perguntando-lhe para onde ia, lhe respondeu o

mesmo alferes: “Cá vou para o Rio de Janeiro para tratar de

você”.

O simples fato da expedição da dita circular

desconcertou bastante os cúmplices, que dela tiveram notícia, -

e a não ser a muita manha e dissimulação com que seguiu

conduzindo-se o governador, houveram conhecido estar seu

plano descoberto. Em todo caso esmoreceram, ao ver que se

desviava de relance a ocasião que tão favorável se apresentava

à realização de seus desejos, deixando estranha a eles a

maioria do povo, que teria mais dificuldade de mover-se por

motivos políticos, que não compreendia, do que pelo interesse

imediato de ser aliviada por novos governantes, de pagar

tributos com que não podia, e aos quais pretendiam obrigar os

mandantes de direito.

Entretanto, Alvarenga, com muito bom senso, indicou

que se devia tentar o golpe, pois que, uma vez que disso se

tratara, era necessário levar avante, sob pena de saber-se, e

serem todos considerados tão culpados como se o intentassem.

Mas, por outra parte, ou então ou pouco mais tarde, esse poeta

da adulação, para se recomendar, empreendia escrever uma

ode, cujo começo se encontrou entre os seus papéis, contendo

duas estrofes (a 5ª e a 6ª) que parecem um verdadeiro elogio

ao governador, que, vendo a tempestade, salvara (com esta

resolução) o perigo, e tornara feliz o povo, que se via

miserável, bem que rodeado de minas de ouro.

Assim, enquanto Barbacena tratava de colher novas

informações, enquanto se prevenia com mais tropa, e enquanto

participava reservadamente para o vice-rei Vasconcelos o que

fora revelado, e lhe recomendava que fizesse espiar e seguir o

231

alferes Silva Xavier, o desembargador Gonzaga ia visitar o

mesmo governador à Cachoeira, para onde havia regressado, e

lhe dizia que mal sabia o serviço que havia feito ao Estado,

suspendendo a derrama, que o povo lhe podia, por ele, levantar

uma estátua, que só faltavam cabeças para se realizarem certos

planos, que a corte devia ter aquela capitania na menina dos

seus olhos, etc.

Todas estas frases no ânimo do governador, prevenido

pelas caluniosas denúncias do grande inimigo de Gonzaga,

Silvério dos Reis, produziam um efeito análogo ao das carícias

de Desdêmona no coração atribulado de Otelo. Esmerou-se,

porém, o mesmo governador por aparentar que dava a tudo

pouca importância, pois, não desejando inculcar suspeita,

continuamente se fazia desentendido e mudava de

conversação; e pode-se fazer idéia de que não poucos

tormentos passaria, para não arriscar palavra que

comprometesse o êxito das disposições que estava dando, nem

mostrar-se suspeitoso ou bem informado ou tímido; receando

com isso, segundo ele, precipitar o rompimento, ou pelo menos

aconselhar a fuga de muitos réus. Gonzaga, sem haver podido

notar da parte de Barbacena a menos suspeita, e vendo que era

já muito tarde, retirou-se.

Enquanto o governador seguia procedendo com tanto

excesso de disfarce e manha, ou levando nisso tanto tempo que

pudera acaso revelar-se o fato da denúncia, e estalar uma

sublevação, embora ainda não de vez, foi prevenido pelo vice-

Rei Vasconcelos como do Rio se escapara, com muitas armas e

sem passaportes, o alferes Silva Xavier, o que não era verdade;

pois que o mesmo alferes, por uma série de fatalidades, veio a

ser encontrado depois, no sótão de uma casa da rua dos

232

Latoreiros (34), em 10 de Maio de 1789. Com aquela notícia,

mandou Barbacena executar as ordens para as prisões já

prevenidas (35), guardando ainda nestas muita cautela, a fim

de que fossem feitas pouco a pouco, sem alarmar nem causar

escândalo, e até dando a entender que se efetuavam por

motivos alheios à suposta conjuração.

Foram em primeiro lugar presoso o desembargador

Gonzaga, o poeta Alvarenga e o vigário Toledo. Gonzaga sabia

já, na véspera do dia em que foi preso, que havia contra ele

denúncia; mas tão tranqüila tinha a consciência que declarou a

seus amigos que ia ainda nessa noite compor uma ode, antes de

se deitar (36). No dia seguinte estava em ferros! Seguiram-se

depois as prisões de Cláudio Manuel da Costa e outros

denunciados por Joaquim Silvério; e o governador, por sua

conta, mandou igualmente prender a Oliveira Lopes e ao

tenente-coronel Andrada, por haverem ambos, quando

souberam das prisões, procurado justificar-se, indo fazer-he

denúncias tardias e diminutas; e, além deles, o velho português

Abreu Vieira, por haver hospedado em sua casa um dos

conjurados mais conhecidos, o padre Rolim... E justamente

foram esses três presos e o alferes Xavier os que então mais

descobriram toda a trama da oposição! Foram também presos

Maciel, Vidal Barbosa, os dois Rezendes, o irmão do vigário,

o cônego Luís Vieira e outros acusados. José de Sá e

Bittencourt, bacharel em filosofia por Coimbra, que, ao acabar

os seus estudos, viajara pela França e Inglaterra, em 1777, e

vivia no Caité, foi também buscado, como suspeito; mas

conseguiu escapar-se para os sertões da Bahia, foi preso pelo

ouvidor dos Ilhéus, remetido à Bahia, e daí ao Rio de Janeiro,

onde conseguiu sair absolvido (37).

233

Coadjuvaram o governador, em suas diligências, o

ajudante de ordens Francisco Antônio Rebelo (encarregado,

depois de feitas as prisões, de levar os ofícios à corte), e o

novo ouvidor Pedro José Araújo de Saldanha, sendo nomeado

escrivão da devassa o ouvidor do Sabará José Caetano César

Manitti, até que chegaram do Rio de Janeiro, mandados pelo

vice-rei para a mesma devassa, o desembargador José Pedro

Machado Coelho Torres e o ouvidor do Rio de Janeiro

Marcelino Pereira Cleto. – Outras devassas se tiraram no Rio,

onde, em fins de 1790, se instaurou a alçada para julgar os

réus, que foram todos levados ante ela. Desta alçada fazia

parte o desembargador Dinis, conhecido pelo seu poema herói -

cômico e por suas odes pindáricas (38). A ela vieram a

responder todos os presos mandados de Minas, aos poucos, em

sete remessas, alguns deles em ferros, entrando neste número

os poetas Gonzaga e Alvarenga.

Gonzaga alegou, em seu favor, razões mui

convincentes, sem acusar a ninguém. Outro tanto fez o

honrado cônego Luís da Silva, que não era mais culpado que

ele; pois toda culpa, se a havia, se reduzia a serem ambos

muito ilustrados, verem claro o que se passava no mundo, e

preverem os sucessos que, segundo a ordem natural, tinham de

acontecer um dia.

Cláudio, já então com sessenta anos de idade feitos,

uma só vez interrogado, em 2 de Julho de 1789 (39),

acovardou-se excessivamente: atribui a sua desgraça a castigo

da justiça divina, declarou que pedia perdão ao governador,

protestou que não estava em nenhum plano de conspiração,

nem acreditava nela. O estado, porém, de alucinação em que se

achava o seu espírito fez avultar o alcance de conversações

234

íntimas que tivera com seus amigos, ou revelações que estes

lhe haviam feito, depois das idéias lançadas pelo Dr. Maciel e

o Tiradentes, e muito os veio a comprometer. Dois dias depois,

foi encontrado no cárcere, suspendido de um armário,

havendo-se enforcado com uma liga (40). Alvarenga, Maciel e

Vidal Barbosa revelaram quanto sabiam, e o mesmo fez

religiosamente o Tiradentes (depois de haver tudo negado a

princípio) quando se persuadiu, devoto como era, que estava

de Deus que tudo ficasse sabido. Os seus depoimentos últimos

merecem, pois, o conceito de um relato muito verdadeiro de

quanto se passou.

Gonzaga procurou disfarçar as largas horas nas

masmorras, retocando muitas das suas liras, e compondo

outras novas, em que, apesar de amorosas, chegou a incutir a

impressão medonha sob que eram inspiradas. Alvarenga, o

pindárico vate, de novo procurou recomendar-se por meio de

uma poesia, adulando na prisão, a um tempo, a rainha, o vice-

rei e o próprio governador Barbacena. A sublime ode (41)

imprecando a soberana para visitar o Brasil, bem que não

serviria de recomendação aos juízes, em virtude da

consagração dos princípios de americanismo, que nela

dominam, excedeu à que antes compusera ao nascimento do

filho do conde de Cavaleiros, fazendo votos para que o recém-

nascido viesse um dia a empunhar o bastão de governador na

sua pátria (42).

Aos 18 de Abril de 1792, proferiu a dita alçada o

acórdão, e na conformidade das leis eram condenados à morte,

enforcados com infâmia, o Tiradentes, Alvarenga, Freire de

Andrada, o Dr. Maciel, Abreu Vieira, Vaz de Toledo, Oliveira

Lopes, Vidal Barbosa, os dois Rezendes, e o Amaral Gurgel,

235

ficando-lhes infamados os filhos e netos, e sendo confiscados

os seus bens, Dos sete primeiros, deviam ser cortadas as

cabeças, levadas a seus distritos, e aí pregadas em postes altos

até que o tempo as consumisse. De alguns as casas seriam

derribadas e os chãos delas salgados. O Tiradentes seria, além

disso, esquartejado. Lida a sentença, Rezende pai exclamou:

“Senhor! eu tenho credores e muitas dívidas!”, e ficou mudo

(43). Abraçou-se com ele o filho e, entre muitas lágrimas,

pareceram ambos resignar-se. Igualmente se abraçara

Domingos de Abreu com um seu escravo que muito o amava.

Procurava Maciel consolar a Oliveira Lopes. Mais feliz foi

Vidal Barbosa, que desatou em uma gargalhada, pois de uma

conversação que ouvira aos juízes do cárcere, via chegada a

hora do perdão...

Felizmente, não tinha para todos de executar-se a dura

sentença. Ocupava o trono uma piedosa rainha, que havia com

tempo prevenido contra a severidade do código criminal do

país, o livro quinto das Ordenações Filipinas. Por carta régia

de 15 de Outubro de 1790 (44), dirigida ao chanceler, juiz da

alçada, fora ordenado que, aos próprios chefes da facção, a

pena ficasse limitada a degredo; exceto quando fosse isso

absolutamente impossível, pela atrocidade e escandalosa

publicidade de seu crime, revestido de tais e tão agravantes

circunstâncias que fizessem a comiseração impossível.

Esse só ato da boa alma da primeira testa coroada, que

veio em pessoa com o diadema ao novo mundo, fará todos os

brasileiros bendizer a memória desta ínclita herdeira da

piedosa Santa Isabel, da talentosa rainha D. Catarina (mulher

de D. João III) e da intrépida esposa do primeiro rei

bragantino...

236

“Este perdão, diz Fr. Raimundo de Penaforte, firmou

muito mais o direito de vassalagem nos corações, do que a

justiça, ainda eu revestida da clara luz do meio-dia, que

castigasse delito semelhante (45).”

A leitura desse decreto apresentou-se nos mais trágicos

momentos, produzindo uma verdadeira catástrofe dramática.

Alvarenga prorrompeu em exclamações quase de alienado.

O alferes Silva Xavier foi o único declarado como

cabeça (46). Julgando os juízes necessário para o escarmento

público algum exemplo, votaram para que fosse ao patíbulo,

cumprindo-se inteiramente, a seu respeito, a dura e cruel

sentença.

Alvarenga foi degredado para Ambaca, Maciel para

Maçangano, Freire de Andrada para as Pedras de Ancoche, e

Gonzaga para Moçambique, donde naturalmente enviaria, para

ser dado ao prelo, o seu célebre cancioneiro, que intitulou

Marília de Dirceu (47), sendo o nome Dirceu o que ele adotara

como árcade. Com estes, foram condenados, para outros

presídios mortíferos da África, e por maior ou menor número

de anos, mais quatorze infelizes (48).

Do alferes Silva Xavier sabemos que ouvira a sentença

com toda a serenidade; e que, com a maior abnegação de si,

chegou a dizer quanto estimava vir a pagar as culpas daqueles

que ele havia comprometido. Por essa forma ele se adiantou a

aceitar para si a responsabilidade desta nobre tentativa e as

glórias do martírio que hoje lhe confere a posteridade.

O dia 21 de Abril veio a ser o designado para o do seu

suplício no Rio de Janeiro. Teve ele lugar depois das onze da

manhã, na praça então denominada de Lampadosa, junto à

atual da Constituição (49). Toda a tropa estava em armas, e

237

postada pelas ruas com cartucheiras providas. O

acompanhamento foi aparatoso, e a população curiosa se

apinhava pelas ruas e praças. Ao pedir o carrasco perdão ao

réu, quando lhe vestia a alva, exclamou ele: “Oh meu amigo!

Deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés: também o nosso

Redentor morreu por nós”. Marchou depois sereno ao suplício,

pediu por três vezes ao carrasco que abreviasse a execução, e

com os olhos pregados no Crucifixo, subiu ao patíbulo...

Os degredados para Angola e Moçambique partiram

todos do Rio de Janeiro, aos 22 de Maio seguinte (50); e por lá

vieram a morrer, sem que até hoje almas patrióticas tenham

procurado fazer que voltem seus ossos a abrigar-se na terra da

pátria (51). O martírio do patíbulo conferiu ao alferes Silva

Xavier, apesar de “pobre, sem respeito e louco”, como dele diz

Gonzaga, a glória toda de semelhante aspiração prematura em

favor da independência do Brasil.

Lamentando, como devemos, as vítimas que causou esta

mal denominada conspiração, que tantas simpatias inspira a

todas as almas generosas, cremos que o seu êxito, ainda

quando a revolução chegasse a realizar-se, não podia ser

diferente do que foi; e que, portanto, quase parece ter sido um

bem que ela não estalasse, para não comprometer muito mais

gente, e induzir a província em uma guerra civil, que

devastasse essas povoações, que começavam a medrar.

Na apatia em que estava o governador, gozando das

delícias da sua Cápua, nada mais fácil do que os primeiros

triunfos, se tivesse tido resolução e vontade o tenente-coronel

Freire de Andrada. Mas depois?

Os paulistas, que não consta haverem sido ouvidos,

estavam satisfeitos com seu governador, Bernardo José de

238

Lorena (52), não temiam ser vexados com a derrama, e

começavam já a aborrecer-se do ócio em que viviam, depois da

paz com Espanha. Não seria difícil ao vice-rei Luís de

Vasconcelos, ainda quando o Rio de Janeiro se declarasse com

os republicanos (o que não era provável, pois não vigoravam

aí tais idéias (53), – refugiar-se para Santa Catarina ou Rio

Grande, e enviar dali forças, por São Paulo, enquanto fizessem

bloquear o porto do Rio, empório da província de Minas. As

forças da capitania do Rio de Janeiro constavam então de

quinze terços de auxiliares (cinco destes na cidade), ao todo

com mais de nove mil praças; a tropa de linha, compreendendo

a que estava no Rio Grande e Santa Catarina, acercava-se a

sete mil homens. Os socorros dos Estados Unidos ou da

França, com que se faziam ilusões os que suspiravam pelo

movimento, só poderiam vir, se é que com eles deviam contar

(no que pomos tanta dúvida como na possibilidade do êxito

então de uma revolução de independência), se a mesma

revolução começasse a mostrar algumas aparências de

duração, o que não era provável, não se lhe unindo São Paulo,

como dissemos (54), e neste caso a guerra civil podia estar

terminada, ainda antes de se haver feito constar na Europa a

sua existência. De Pernambuco, cujo governador era então um

hábil militar, e ode havia bastante tropa, poderiam estas ter

sido mandadas: enfim a guerra civil teria estalado, e os

resultados não se pode crer que fossem em favor dos Mineiros.

E supondo ainda que no fim de uma encarniçada guerra civil,

que já por si só seria um flagelo, triunfasse a revolução,

estaria hoje o Brasil em melhor estado? Essa pequena

república, encravada no meio do majestoso império de Santa

Cruz, não teria sido um mal? Não teria alguma nação poderosa

239

procurado um pretexto de guerra para buscar ter nesse

território uma Guiana? Não teria ainda nele também outra

Guiana o próprio Portugal? Curvemos a cabeça ao decreto da

Providência, que, à custa do próprio sangue dos mártires do

patriotismo, veio a conduzir-nos à única situação, em que

podemos, sem novos ensaios, procurar ser felizes, e fazer -nos

respeitar como nação.

Pelo que respeita ao visconde de Barbacena, quando

esperava haver bem merecido grande galardão da rainha pelo

seu bom serviço, encontrou-se ele, ao cabo de mais de um ano

de dar a notícia, com um aviso (55) do sisudo e honesto

ministro Martinho de melo, increpando-lhe uma grande parte

da responsabilidade de quanto sucedera, e levando-lhe ate a

quase a mal o haver mandado fazer tantas prisões, quando os

verdadeiros culpados eram em pequeno número; e por fim

ordenando-lhe que deixasse de ter a sua residência habitual no

campo, e passasse a morar na capital da província, para bem

das partes, e para poder atender a qualquer desordem. Não

cremos impossível que, tanto para esta repreensão, como para

a concessão do perdão, concorressem muito as informações

verbais dadas pelo vice-rei, amigo do Brasil, Luís de

Vasconcelos e Sousa, que justamente por esse tempo deixara o

posto, e partira para a corte, muito queixoso do mesmo

Barbacena (56).

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Todos esses fatos constam do auto sumário fei to aos presos,

em 7 de Julho de 1789, são admiravelmente confirmados pela carta do

próprio Jefferson a J. Jay, extratada na Revista do Instituto Histórico, 3,

240

208/216. – (A.). – Conf. citada Revista, 47, parte 1ª, 123/132, onde se

encontra a correspondência trocada entre Jefferson e Vendek, pseudônimo

de José Joaquim da Maia, que escrevia de Montpellier. – Essas cartas, em

número de quatro, são vertidas do mau francês em que foram lançadas

para o português, e abarcam o período de 2 de Outubro de 1786 a 5 de

Janeiro de 1787. Encontra-se também a carta de Jefferson a John Jay, de 4

de Maio daquele último ano, mais completa do que a que vem transcrita

na mesma Revista, 3, 209/213. – Autos de devassa da Inconfidência

Mineira (Publicação autorizada pelo Decreto n. 756ª, artigo 3º, de 21 de

Abril de 1936). Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1936-1938, 7

volumes. – O Auto sumario de testemunhas, a que mandou proceder o

Illustrissimo Senhor Visconde de Barbacena, Governador, e Capitão

General desta Capitania de Minas Geraes, nesta Villa Rica de Nossa

Senhora do Pilar, supra referido, vem nos mesmos Autos de devassa, II,

págs. 81/95. – Das cartas de José Joaquim da Maia, que era estudante em

Montpellier, e se ocultava sob o pseudônimo de Vendek, e de Tomás

Jefferson, ministro dos Estados Unidos em França, existem cópias

autênticas dos originais em língua francesa, na secção de manuscritos da

Biblioteca Nacional, por certidão obtida pelo Dr. José Carlos Rodrigues: -

“Department of State. Bureau of Rolls and Library, Washington, April 11,

1883. – I certify that the papers hereto attached, viz: - A letter to Th.

Jefferson from one “Vendek”, dated October 2, 1786. – Ditto, dated

November 2, 1786. – Ditto, dated January 5, 1787; and a letter from Th.

Jefferson to monsieur Vendek dated Paris, Dec. 26, 1786 – Are true

copies, made from their originals in files of this Department – Theodore

F. Dwigth, Chief of Bureau of Rolls and Library”. – Seguem-se as cópias

dos documentos. Na segunda carta de Vendek acusa-se a recepção de uma

carta de Jefferson, de 16 de Outubro, que não consta da certidão, e da

qual o Dr. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência Mineira – Papel de

Tiradentes na Inconfidência, pág. 101, São Paulo, 1927, supre a falta em

bom extrato. – (G.).

(2) O Visconde de Barbacena, por certo impressionado com o fato

das relações de um dos estudantes de Montpellier com o ministro

americano em Paris, do que teve conhecimento pelas referências do

coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Autos de devassa II, pag.

55, ordenou que a respeito se fizesse em separado auto sumário de

testemunhas, ibidem, págs. 81/95, que já foi referido. – (G.).

(3) Documento de Simancas, transcrito na Historia del reinado de

241

Carlos III [en España, Madrid, 1856, 4 vols.], pelo nosso esclarecido

amigo, o finado D. Antônio Ferrer del Rio, liv. V, cap. 4º. – (A.). – Vol.

III, págs. 406/407. – Conf. nota I no final desta secção. – (G.).

(4) Veja nota 48 desta secção. – (G.).

(5) Veja Bartasat da Silva Lisboa, Discurso historico, politico, e

econômico [citado], pág. 14, que dá conta dos mármores descobertos pelo

dito visconde, nos arredores de Coimbra. – (A.). – “... desdobrio muitos

marmores nobres, e várias minas de ferro nos contornos de Coimbra”, -

escreveu Lisboa, loc. cit. – O visconde de Barbacena era secretário da

Academia Real das Ciências de Lisboa, quando foi nomeado governador e

capitão-general de Minas Gerais. – Conf. S. J. da Luz Soriano, História

da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em

Portugal, I, 324, Liboa, 1866. – (G.).

(6) “... foi o primeiro que suscitou esta espécie, com a lembrança

da Inglaterra...”. – Depoimento de Cláudio, 2 de Julh de 1789. – (A.). –

Revista do Instituto Histórico, 53, parte 1ª, 158. – (G.).

(7) Cláudio Manuel da Costa nasceu em 5 de Junho de 1729, no

bispado de Mariana, de João Gonçalves da Costa e D. Teresa Ribeiro de

Alvarenga. Seus primeiros estudos fez em Vila Rica; passou depois ao

Rio de Janeiro, onde cursou Filosofia no Colégio dos Jesuítas; em 1749

seguiu para Lisboa e daí para Coimbra, em cuja Universidade se formou

em Cânones; e, 1753 ou 1754 voltou ao Brasil e passou a residir em Vila

Rica com o exercício da advocacia. – (G.).

(8) Inácio José de Alvarenga Peixoto nasceu no Rio de Janeiro em

fins de 1743 ou princípios de 1744, porquanto em auto de perguntas a que

respondeu em 11 de Novembro de 1789 declarou ser da idade de quarenta

e cinco anos, Autos de devassa, IV, págs. 127/128. Era filho de Simão de

Alvarenga Braga e de D. Angela Micaela da Cunha. Fez seus primeiros

estudos no Colégio dos Jesuítas e formou-se em Leis na Universidade de

Coimbra em 1769. Ficou em Portugal até 1776, como juiz de fora de

Sintra, cargo que ocupou por um triênio; foi depois despachado ouvidor

da comarca do Rio das Mortes (São João d’El -Rei), na capitania de Minas

Gerais. Deixando a magistratura recebeu a nomeação de coronel do

Primeiro Regimento de Cavalaria da Campanha do Rio Verde, onde era

abastado proprietário territorial. Em 1778 contraiu matrimônio com D.

242

Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira, poetisa de renome. – (G.).

(9) Tomás Antônio Gonzaga nasceu na freguesia de Miragaia, rua

dos Cobertos, na cidde do Porto, em 11 de Agosto de 1744, filho do

licenciado João Bernardo Gonzaga, natural do Rio de Janeiro, e de D.

Tomásia Isabel Gonzaga, filha de John Clark, inglês, negociante ali

estabelecido. – Conf. José Pereira de Sampaio (Bruno), Portuenses

Illustres, I, págs. 297/302, Porto, 1907. – (G.).

(10) Tomo II, págs. 269/281. – (G.).

(11) Uma cópia desse ofício é atualmente oferecida pelo A. ao

Instituto Histórico. – (A.). – Impresso em sua Revista, XL, parte 1ª, págs.

157/175. – (G.).

(12) Se isso fosse crime, tinha já sido grande criminoso o conde

de Aranda, escrevendo o mesmo nada menos do que a um ministro de

Estado, como vimos. – (A.).

(13) Joaquim Silvério: Veja o Processo no Brasil Histórico [de

Melo Morais], 1, n. 51. – (A.). – Rio de Janeiro, 1854. – Veja Autos de

devassa, I, págs. 6/8. – (G.).

(14) Neste número entrou o vigário Toledo, que depois confessou

ter disso escrúpulos. Também depuseram não ser Gonzaga cúmplice, com

a maior efusão, o honrado e venerando Domingos de Abreu Vieira; e (com

o assento de verdade religiosa que respira no seu depoimento, desde que

julgou que estava do Céu que tudo se viesse a saber) o alferes Sil va

Xavier, nos dias 18 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1790. Naquele dia

declarou que “absolutamente não sabia que ele (Gonzaga) fosse entrado, e

nunca ele respondente lhe falou em tal, pelo temer; ... e não tinha razão

nenhuma de o favorecer, porque sabe que o dito desembargador era seu

inimigo”; no segundo acrescentou: “É verdade que Joaquim Silvério nesta

cidade disse... que o dito... Gonzaga era entrado, do que ele respondente

se admirou, e ainda hoje mesmo se não capacita ; e é certo que nem o

encobre por amizade, porque era seu inimigo, nem pelo respeito, porque,

a ser isso, encobriria o seu tenente-coronel”. – (A.).

(15) Tais como as de um doutor meio-clérigo, de um doutor

pequenino do Sabará, e outras. – (A.).

243

(16) Veja-se o nosso Florilégio da Poesia Brasileira, tomo II,

págs. 416 e segs., quando, instintivamente, estávamos possuídos das

mesmas idéias que hoje, das quais, na 1ª edição desta História Geral, nos

desviaram os ofícios de Barbacena, mas a que de novo temos de voltar

pelo estudo crítico do teor do processo todo. – (A.). – Florilégio, II,págs.

53/81, da edição da Academia Brasileira. – (G.).

(17) Nasceu a 12 de Novembro de 1746, filho de Domingos da

Silva Santos e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier; foi fatizado

na capela de São Sebastião do Rio-Abaixo (filial da paróquia de São João

del-Rei), sendo celebrante o capelão padre João Gonçalves Chaves e

padrinho João Ferreira Leitão, e “não teve madrinha”. Conf. Lúcio José

dos Santos, A Inconfidência Mineira, págs. 117/118. – (G.).

(18) Escrevemos assim este apelido, e não Andrade, porque o

tenente-coronel era filho (natural) do governador José Antônio Freire de

Andrada, irmão de Gomes Freire. Demais, parece que ele próprio assinava

correto. – Veja o Brasil Histórico [de Melo Morais], 2, n. 56. – (A.). 0

Rio de Janeiro, 1865. – (G.).

(19) Depoimento em 14 [aliás 18] de Junho de 1790. – (A.). –

Melo Morais, Brasil Histórico, I, 2ª série, págs. 5 e 6. – Veja Autos de

devassa, IV, pág. 47. Aí diferem os termos do depoimento dos do texto

supra: “... porque poderia assim succeder que esta terra se fizesse uma

República, e ficasse livre dos governos que só vêm cá ensopar -se em

riquezas de tres em tres annos, e quando elles são desinteressados sempre

têm uns criados que são uns ladrões...” – (G.).

(20) Frei Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, no século Antônio

de Melo Freitas, filho de Timóteo Correia de Toledo e de D. Úrsula Isabel

de Melo; nasceu em Taubaté, capitania de São Paulo, a 1 de Novembro de

1762 e faleceu a 2 de Dezembro de 1817. Foi religioso Franciscano da

Província da Conceição do Rio de Janeiro, professo no convento de São

Paulo. Notável pregador, dele existem impressos alguns sermões.

Escreveu um Tratado de Filosofia, que não chegou a ser publicado. –

(G.).

(21) Não teve esta palavra para nenhum dos do conluio, a mínima

referência à de maçon, como pensou um contemporâneo. – Veja o

244

Dicionário de Morais. – (A.). – “...qui ad Europaeis parentibus, patre

atque matre, hic natus est, appellatur Mazombo”. – explica Marcgrav,

Historiae Rerum Naturalium Brasiliae, 268, Amsterdam, 1648. – (G.).

(22) Quarenta e quatro contava quando foi morto. – (A.). –

Quarenta e cinco anos cinco meses e nova dias, segundo se apurou de seu

assento de batismo. – Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência

Mineira citada, 119. – (G.).

(23) Em 19 de Junho de 1788 foi registrada no Senado da Câmara

do Rio de Janeiro uma petição do alferes Joaquim José da Silva Xavier,

para que lhe fosse concedida a faculdade de poder tirar água do córrego

Catete ou Lajanreiras, e do rio Andaraí ou Maracanã, para moinhos que

pretendia edificar onde lhe fosse mais conveniente, conforme provisão

que tinha, Arquivo do Distrito Federal, 3, 511/512. – (G.).

(24) Depoimento de Tiradentes, em 18 de Janeiro de 1790, Melo

Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª série, n. 5. – Autos de devassa, IV, págs.

49/50. – (G.).

(25) Depoimento de Tiradentes, citado. – (G.).

(26) E não é para nós vem averiguado, por certa contradição que

se adverte nos depoimentos, se a verdadeira legenda de Alvarenga, por

todos preferida, foi a Libertas quae sera tamen , ou a de Libertas aut nihil,

que se atribuiu depois a Cláudio. – (A.).

(27) “De serem os cariocas uns bananas vis e covardes, porque

suportavam o jugo dos vice-reis”, etc. – (A.). – Eram outras as expressões

que a Sentença consignou: “... os cariocas americanos eram fracos, vis, e

de espiritos baixos, porque podiam passar sem o jugo que sofriam, e viver

independentes do reino, e o toleravam”, Revista do Instituto Histórico, 8,

319. – São diferentes as expressões constantes do interrogatório, aliás

contestadas pelo interrogado: “... que os cariocas eram uns patifes, vis,

que era bem feito que levassem com um bacalhau, visto que queriam

suportar o jugo, que tinham do governo da Europa, do qual se podiam

bem livrar, como fizeram os americanos ingleses...”, Autos de devassa,

IV, pág. 34. – Noutro passo do interrogatório os termos são estes: “... que

os cariocas eram uns vis, patifes e fracos, que estavam sofrendo o jugo da

Europa, podendo viver della idependentes...”, ibidem, pág. 39. – (G.).

245

(28) Veja o Processo, no Brasil Histórico [de Melo Morais], 2, n.

65 [Rio de Janeiro, 1865]. – É, pois, inexato o dizer-se que não lhe deu

nenhuma recomendação, quando foi justamente pela misteriosa que lhe

deu, que ele veio a ser contemplado entre os principais réus. – (A.).

(29) Ainda estava devendo 220:423$149 (Instrução a Barbacena,

parágrfo 123. – (A.) – Revista do Instituto Histórico, 6, 58. – (G.).

(30) Revista do Instituto Histórico, 8, 343. – (A.).

(31) Ofício do próprio Barbacena, de 11 de Julho de 1789. – (A.).

– Conf. nota 11 desta secção. – (G.)

(32) Documento inédito encontrado pelo A. em Portugal, em

1855, e por ele publicado pela primeira vez em 1857. – (A.) – Primeira

edição desta História, tomo segundo, págs. 274/275. – (G.).

(33) Parágrafo 38 da Instrução citada, Revista do Instituto

Histórico, 6, 18. – (G.).

(34) Assim chamada até 1865, quando passou a denominar -se rua

de Gonçalves Dias. – (G.).

(35) Ofício de Barbacena, de 11 de Julho de 1789. – (A.). – Conf.

nota 11 desta secção. – (G.).

(36) Depoimento de Gonzaga, em 17 de Novembro de 1789. –

(A.). – Melo Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª série, n. 19. – Autos de

devassa, IV, pág. 248. – (G.).

(37) Veja Revista do Instituto Histórico, 6 , 107/108. – O Dr. José

de Sá Bittencourt e Accioli fugira para a Bahia com o desígnio de

despedir-se dos pais e emigrar para os Estados Unidos; mas seu tio, o Dr.

João Ferreira de Bittencourt e Sá, convicto de sua inocência, o dissuadiu

do intento. Apenas constou ao governador da Bahia a presença do acusado

no distrito de sua jurisdição, ordenou ao ouvidor dos Ilhéus que o

prendesse. De fato, foi preso o Dr. José de Sá Bittencourt, recolhido à

cadeia de Camamu, transferido depois para a Bahia, e finalmente

remetido, para o Rio de Janeiro. Seu livramento, assegura -se, custou a

246

uma sua tia duas arrobas de ouro. – (G.).

(38) Elogiando muitos guerreiros portugueses, em cujo número

contamos o nosso governador Mem de Sá. A estada no Brasil deu a Dinis

a idéia de compor, acerca de assuntos americanos, várias fábulas ou

metamorfoses cujas formas excessivamente mitológicas as recomendam

pouco hoje em dia. – (A.) – Antônio Dinis da Cruz e Silva nasceu em

Lisboa a 4 de Julho de 1731, filho de João da Cruz Lisboa e Eugênia

Teresa da Silva. Estudou Humanidades nos Padres do Oratório, e Direito

na Universidade de Coimbra, onde se formou em 1753. Foi primeiramente

ouvidor em Castelo de Vide e depois auditor militar em Elvas, onde

compôs o Hissope, poema herói-cômico à maneira do Lutrin de Boileau,

que lhe deu mais fama. Chamado à presença do marquês de Pombal, por

queixa do bispo de elvas, D. Lourenço de Lencastre, que se considerava

ridicularizado na contenda com o deão Carlos de Lara, dizem que, à

leitura do poema e à vista do prelado, o ministro não pode guardar a

gravidade devida: contudo o poeta foi retirado de Elvas, mas promovido a

desembargador para o Rio de Janeiro, em 1778. Regressou a Portugal em

1787 e foi desembargador no Porto até 1790, quando pela carta régia de

17 de Julho desse ano passou com dois outros desembargadores ao Rio de

Janeiro para julgar os réus da Inconfidência Mineira. – Cruz e Silva

faleceu no Rio de Janeiro em 5 de Outubro de 1799, e foi sepultado na

igreja dos Capuchinhos do Morro do Castelo. – Na Arcádia, Cruz e Silva

foi Elpini Nonacriense. O Hissope só foi publicado em 1802, Paris,

embora se inscreva – Londres – no frontspício. As Odes Pindáricas e

Odes Anacreônticas, reunidas sob o título de Poesias..., foram editadas

em 6 tomos, Lisboa, 1807-1817. – (G.).

(39) Melo Morais, Brasil Histórico, 1, 2ª séria, n. 18. – (G.).

(40) Veja o auto de corpo de delito e exame do corpo do Dr.

Cláudio Manuel da Costa, em 4 de Julho de 1789, em Melo Morais, op.

etc, loc. cit., - (G.).

(41) Essa ode não estava feita antes de ser preso, como há quem

creia. E deve entender-se que anda geralmente impressa dividida em duas,

sendo uma só. Começa pelo Sonho, que se acha às págs. 385 e 386 do 2º

vol. do nosso Florilégio da Poesia Brasileira , e depois segue de págs. 369

a 372, constituindo os três últimos versos desta o final do Sonho. – (A.). –

Florilégio, II, págs. 30/31, da edição da Academia Brasileira. – (G.).

247

(42) Não “fosse convidado a reinar”, como disse um escritor, que

pelo nome não perca. – (A.). – Esse escritor foi Joaquim Norberto de

Sousa Silva, História da Conjuração Mineira, 121. – (G.).

(43) Frei Raimundo de Penaforte. – (A.). – Revista do Instituto

Histórico, 44, parte 1ª, 175. – (G.).

(44) Lê-se em melo Morais, Brasil Histórico, 2, 2ª série, pág.

125. – (G.).

(45) Últimos momentos (que felizmente não o foram para a maior

parte) dos Inconfidentes de 1789, no fim da Relação circunstanciada da

... Conjuração, etc. pelo mesmo autor. Ms. de 1792. – (A.). – O título

completo desse escrito é: “Últimos momentos dos Inconfidentes de 1789,

pelo frade que os assistiu de confissão. Foi publicado na Revista do

Instituto Histórico, 44, parte 1ª, 161/186, sem nome de autor, precedido

da Memória do êxito que teve a Conjuração de Minas e dos fatos

relativos a ela, acontecidos nesta cidade do Rio de Janeiro desde o dia 17

de Abril de 1792, págs. 140/160. – O passo indicado no texto lê-se à pág.

179, da citada Revista. – (G.).

(46) “... Sendo talvez por esta descomedida ousadia, com que

mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças e o respeito e

fidelidade devida à dita Senhora (Rainha), reputado por um herói entre os

conjurados”. – Sentença na Revista do Instituto Histórico, 8, 318. – Dizia

“que os cariocas americanos eram fracos, vis, e de espíritos baixos,

porque podiam passar sem o jugo que sofriam e viver independentes do

reino, e o toleravam”, etc., ibidem, 319. – (A.). – Edição mais fidedigna

da Sentença, de acordo com o original existente na Biblioteca Nacional,

vem na citada Revista, 64, parte 1ª, 109/152. – A sentença está impressa

nos Autos de devassa, VII, págs. 145/197. – Conf. nota 27. – (G.).

(47) Para a bibliografia de Gonzaga veja: Gonzagueana da

Biblioteca Nacional. Catálogo organizado pelo bibliotecário Emanuel

Eduardo Gaudie Ley, in Anais da Biblioteca Nacional, XLIX, págs.

417/492. – Osvaldo M. B. de Oliveira – As edições de Marília de Dirceu.

– Rio de Janeiro, 1930. – São aí descritas quarenta e sete edições em

português, nove edições em francês, italiano, latim, castelhano e alemão.

– “Nenhuma obra em português, a não ser o Camões, tem tido mais

248

edições neste século [XIX]”, escreveu o Autor, Revista do Instituto

Histórico, XII, pág. 123. – (G.).

(48) Veja a nota 50. – Sobre os que foram deportados para Angola

publicou o Rev. Padre Manuel Ruela Pombo, na edição ilustrada da

Revista Diogo Cão, de Luanda, fascículos 1 a 6, de 1932, preciosos

documentos que informam suficientemente das circunstâncias de vida

daqueles brasileiros nos presídios de maçangano, de Cambambe, de

Ambaca, de Muxima, de Ancoche ou Encoge, de Bié e de Mengue-a-

Nova. Merece destaque a ação do Dr. José Alvares Maciel, desterrado

para Maçangano, e encarregado depois pelo governo português de montar

uma fábrica de ferro em Angola. Dos documentos a respeito consta a

correspondência do governador de Angola, D. Miguel Antônio de Melo

com o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, bem como uma longa carta

de Maciel, de 2 de Maio de 1800, dando conta de seus trabalhos de

mineração. – (G.).

(49) No campo de São Domingos, diz a certidão do

desembargador Francico Luís Álvares da Rocha, escrivão da comissão

expedida contra os réus da conjuração formada em Minas Gerais, passada

no próprio dia da execução de Tiradentes, que transcreveu Rio Branco,

Efemérides Brasileiras, pág. 210, edição de 1946. – A esse tempo, o

campo assim chamado, se estendia da atual rua da Alfândega aos morros

da Conceição e Livramento. O campo da Lampadosa, segundo rio Branco,

op. cit., 247, já estava separado do de São Domingos pelos quarteirões

que demoram entre a rua da Alfândega e a da Constituição, com o seu

prolongamento no antigo largo do Rocio, depois praça da Constituição, e

hoje praça Tiradentes. – Miguel Lemos, em seu opúsculo Determinação

do lugar em que foi supliciado o Tiradentes, Rio, 1892, situou aquele

local entre as ruas Visconde do Rio Branco e da Constituição, onde

existia uma empresa funerária, hoje ocupada pela Escola Tiradentes. –

(G.).

(50) Revista do Instituto Histórico 13, 405. – (A.). – Aí, o A., em

Aditamento à biografia de Gonzaga, refere-se à partida dele na data

acima, no navio Nossa Senhora da Conceição Princesa de Portugal,

“nome que quase se poderia dizer maior que o barco”. Nesse navio, além

de Gonzaga, seguiram para Moçambique: Vicente da Mota, José Aires

Gomes, João da Costa Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes, Vitoriano

Veloso e Salvador Gurgel. Antes, a 5 de Maio, nas corvetas Nossa

249

Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora de Brota , embarcaram para

Angola: Inácio José de Alvarenga, Luís Vaz de Toledo, José Álvares

Maciel e Francisco Antônio de Oliveira Lopes. A 24 de Junho, na fragata

Golfinho, foram embarcados para Lisboa para dali serem transportados

para a África, os Rezende Costa, pai e filho, Domingos Vidal Barbosa e

João Dias da Mota. No dia 15 do mesmo mês, seguiram para Angola na

corveta Nossa Senhora da Conceição e Santa Rita: Francisco de Paula

Freire de Andrada e Domingos de Abreu Vieira. Ficou ainda na prisão, à

espera de navio para conduzi-lo a Benguela, o réu Fernando Ribeiro. –

Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência Mineira, 528. – (G.).

(51) No esclarecido governo do Presidente Getúlio Vargas e em

execução do decreto n. 756ª, de 21 de Abril de 1936 (artigo 1’o),

referendado pelos ministros Gustavo Capanema, da Educação, José Carlos

de Macedo Soares, das Relações Exteriores, e Henrique A. Guilhem, da

Marinha, foram trasladados para a terra pátria os restos dos Inconfidentes,

que ainda jaziam em solo africano. Pelo mesmo decreto (artigo 2º), à

cidade de Ouro Preto foi confiada a guarda desses despojos, que foram

depositados no Museu da Inconfidência, na mesma cidade, enquanto não

for erigido o monumento, que o citado decreto previu. O voto patriótico

do A. foi assim cumprido. – (G.).

(52) Sobre a depravação desse governador, veja J. Felício dos

Santos, Memória do Distrito Diamantino, 258, Rio, 1868. – (G.).

(53) Veja o opúsculo Observações que mostrarão [não só] o

crime de rebellião, que temeraria, e sacrilegamente intentarão alguns

moradores da Capitania de Minas [no Brasil, mas a legítima posse, que

tem os Senhores reis de Portugal daquellas Conquistas. Dedicadas a Sua

Alteza Real o Serenissimo Principe do Brasil], escrito pelo conhecido

Domingos Alves Branco Muniz Barreto, nesse tempo capitão de infantaria

[do Regimento de Extremos]. – (A.). – Datadas de Lisboa, 16 de

Novembro de 1793. – Cópia no Instituto Histórico.

(54) E como, com todo o fundamento, opinava o tenente -coronel

Freire de Andrada. – (A.). – Conf. Lúcio José dos Santos, A Inconfidência

Mineira, 208. – (G.).

(55) De 20 [aliás 29] de Setembro de 1790. – (A.). – Conf. Lúcio

José dos Santos, A Inconfidência Mineira, 549/550. Deste livro do

250

olustrado professor de Belo Horizonte, superiormente documentado,

pode-se dizer que esgota a matéria de que se ocupa. – (G.).

(56) Conf. a Correspondência do vice-rei Luís de Vasconcelos

com o ministro Martinho de Melo e Castro, em que há graves acusações

ao governador de Minas Gerais, Revista do Instituto Histórico, 30, parte

1ª, 190/208, e 32, parte 1ª, 263/284. – (G.).

NOTAS EM ALGARISMOS ROMANOS

(I)

O conde de Aranda acrescentava, qualificando seu plano de puro

sonho:

“Mi tema es que no podemos sustener el total de nuestra América,

ni por su extension ni por la disposicion de algunas partes de ella, como

Perú y Chile, tan distantes de nuestras fuerzas, ni por las tenta tivas que

potencias de Europa pueden emplear para llevársenos algun giron.

“Vaya, pues, de sueño. Portugal es lo que más nos convendria, y

solo él nos seria mas util que todo el continente de América, exceptuando

las islas. Yo soñaria el adquirir Portugal con el Perú, que por sus espaldas

se uniese con el Brasil, tomando por limite la embocadura del rio

Amazonas, siempre rio arria, hasta donde se pudiese tirar una linea que

fuese á parar á Paita, y aun, en necesidad, más arriba de Guayaquil.

“Estableceria un infante en Buenos Aires, dándole tambien el

Chile; y si solo dependiese en agregar este al Perú, para hacer declinar la

balanza á gusto de Portugal em favor de la idea, se lo diera igualmente,

reduciendo el infante á Buenos Aires y dependencias.

“No hablo de retener Buenos Aires para España, porque,

quedando cortado por ambos mares, por el Brasil y el Perú, más nos

serviria de enredo que de provecho. No prefiero tanpoco el agregar al

Brasil toda aquella extension hasta el cabo de Hornos, y retener el Perú ó

destinar este al infante, porque la posicion de un principe de la misma

casa de España, cogiendo al dueño del Brasil y Perú, serviria para

contener á este por dos lados. Quedaria á la España desde el Quito,

comprendido, hasta sus posesiones del Norte y las islas que posee al

Golfo de México, cuya parte llenaria bastante los objetos de la corona, y

podria esta dar por bien empleada la desmembracion de la parte

251

meridional por haber incorporado con otra solidez el reino de Portugal. - ¿

Pero, y el señor de los fidalgos queria buenamente prestarse? - ¿ Pero

cabria, aun queriendo que se hiciera del golpe y zumbido? - ¿ Pero, y

otras potencias de Europa, dejarian de influir ú obras en contrario? - ¿

Pero y cien peros; y yo diré que soñaba el ciego que veia y so ñaba lo que

queria…” – (Aranda á Florida-Blanca: 1786).

- Conf. D. Antonio Ferrer del Rio, Historia del reinado de Carlos

III, 3, 407/409, nota. – (G.).

(II)

Sem dúvida, segundo os nossos definitivos exames, o próprio

Cláudio Manuel da Costa. – Veja a nossa carta de 30 de Novembro de

1867 a esse respeito, impressa no Rio de Janeiro, para se anexar à edição

das mesmas Cartas Chilenas, do Sr. L. F. da Veiga. – (A.). – A carta ao

Sr. Dr. L. F., da Veiga acerca do autor das “Cartas Chilenas”, escrita

por F. A. Varnhagen, impressa no Rio de Janeiro, sem data, é documento

bastante raro, por isso, aqui fica transcrita integralmente:

“Ilmo Sr. Dr. Luís Francisco da Veiga. – Graças à minha recente

vinda a esta corte, acabo de estudar as Cartas Chilenas, valendo-me desta

vez da bela edição com que V. S. mimoseou as letras pátrias em 1863, e

da qual nem a notícia me tinha chegado além dos Andes, onde até os

nossos próprios jornais, começando pelo Diário Oficial, recebia sempre,

pelas irregularidades dos correios intermédios, com desesperantes

demoras e interrupções.

Creio que faltaria a um dever se, felicitando a V. S. pelo seu

valioso trabalho, não lhe agradecesse desde já a benévola distinção que

me fez ao contemplar no seu prólogo, de um modo para mim tão honroso,

o meu pobre nome.

Nem devia esperar de V. S. menos que ainda há sete anos, em

1860, deveu, em grande parte, a V. S. o obséquio de uma coleção de

folhetos raros, impressos entre nós desde 1808, com uma pequena porção

dos quais enriqueci em pecúlio, enviando outros (alguns até incompletos

ou roídos do bicho) ao Sr. Inocêncio Francisco da Silva, para serem por

ele contemplados no seu Dicionário Bibliográfico vários escritores ou

tradutores nossos, que não o houveram sido sem essa nobre generodiade

do Sr. João Pedro da Veiga e de seus dignos filhos.

Todos estes favores de V. S. obrigaram-me tanto, que tendo de

consignar quanto antes, por escrito, as impressões deixadas por

semelhante estudo em meu ânimo, prefiro fazê-lo por meio desta carta,

252

que poderá ser publicada, se nisso V. S. assentir.

Devo começar por confessar a V. S. que, se nunca acreditei que

fossem de Gonzaga as Cartas Chilenas (a que no Florilégio propus

déssemos o nome de Mineiras), ao lê-las agora de novo, sinto a este

respeito uma convicção inabalável, não só pelo modo como nelas se

nomeia mais de uma vez a Dirceu, em terceira pessoa (revelando até um

incidente que ele por certo não estimaria muito), mas principalmente

pelos pensamentos e pelo estilo, que desdizem completamente da

gravidade, resignação, suavidade e estro que todos reconhecemos no

cantos de Marília, já depois da época em que deve ter sido o poema

composto, época de que adiante me ocuparei.

Pelas mesmas razões não me é possível hoje admitir que fosse das

mesmas Cartas autor o coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto. Dele

como de terceira pessoa, se trata nas novas cartas com o nome de Alceu, e

os versos que também dele possuímos, posteriores à época do poema, na

prisão, antes e depois de conhecer que lhe fora comutada a sentença, têm

felizmente para o seu bom conceito de poeta, muito mais estro e nume.

Se em virtude da “facilidade da metrificação, naturalidade de

estilo e propriedade da linguagem” tive sempre, como V. S. sabe,

tendências para atribuir esta composição a Cláudio Manuel da Costa, hoje

que melhor o conheço, até pelos seus depoimentos no processo (*), sinto

em mim vencidas, pelos muitos argumentos a favor dele, as dúvidas que

abrigava para admiti-lo como verdadeiro autor.

Sem me ocupar, porém, agora da linguagem, castiça e de boa lei,

e do estilo natural, fácil, mas viciado pelo abuso das duplicações, os

novos argumentos são para mim deduzidos da falta de estro que se nota

nas Cartas, do pouco entusiasmo do autor pela sua “terra natal”, de certas

referências que lhe escaparam, e finalmente do próprio pseudônimo de

Critilo. Considerarei por parte cada um destes pontos.

Falta de estro. – Cláudio é o próprio que confessa que desde que

se vira em Minas, longe das Musas do Tejo e do Mondego, não podia mais

poetar; e prova patente dessa verdade a deu no prosaico poema que

intitulou Vila Rica por todos reconhecido como produção autêntica da sua

pena.

Pouco entusiasmo pela terra natal. – Também é confessado pelo

próprio Cláudio no prólogo do tomo de poesias que de Minas mandou

* No depoimento de Cláudio em Vila Rica, no dia 2 de Julho de 1789, ele é o

próprio que reconhece “o gênio gracejador que tinha”, e que confessa como fora

amigo da “maledicência”. (Nota do A.).

253

imprimir em Portugal. Bastante chamei sobre essas palavras a atenção,

transcrevendo-as pela primeira vez no Florilégio. Ora, que o autor das

cartas era filho de Minas, o revela ele claramente, quanto a mim, no fim

da carta 10ª..., dizendo:

“Talvez, prezado amigo, que nos hoje

Sintamos os castigos dos insultos

Que nossos pais fizerão...

...............................................................

Aqui os Europeos se divertão

Que muito pois de Deos levante o braço,

E puna os descendentes de uns tyrannos.”

Bem sabe V. S. que em Minas os poetas brasileiros, conhecidos e

célebres, com Critilo é declarado na epístola alheia que precede as cartas,

não eram por certo numerosos.

Referências que lhe escaparam. – Na pág. .... diz o autor:

“A minha, a minha Nise, está vestida

Da côr mimosa com que o céo se veste.”

.................................................................

A minha doce Nise, qual menino,

Os olhos nella fito cheios d’agua.

Logo depois (pág....) vê na fantasia um caduco Adônis que oferta

“A Nise uma das flores, e que Nise

Com ar risonho no peito a prega”,

e mais adiante, ao começar a carta 10ª, volta a comemorar a longa

ausência da sua bela, dizendo:

“Perdôa, minha Nise”, etc.

Agora bem: sabemos que Nise havia sido o nome da amada, ideal

ou verdadeira, - da deidade poética, a quem votara Cláudio os seus versos,

ao chegar da Europa; mas já não havia indiscrição em designá -lo, quando

tantos outros poetas versejavam pelo mesmo tempo a outras Nises; da

mesma forma que outros, sem ser Gonzaga, fariam coetaneamene com ele

versos a outras Marílias, e outros, sem ser Alvarenga, a outras Clauras.

Demais as Cartas não eram destinadas a ver a luz da imprensa. Escrevia -

as o autor a um amigo seu que estava na corte, e provavelmente teria bem

cuidado de dirigi-las, até o Rio de Janeiro pelo menos, em carta fechada e

254

por algum próprio de confiança; de modo que não corressem risco de cair

nas mãos dos mandões em Minas. Mas se chegassem a cair, não deveriam

elas comprometer a Cláudio, que já então poetava à sua Eulina. As sim,

com a lembrança da antiga Nise (alguma Inês provavelmente), dirigindo a

Doroteu, que talvez também tivesse dela notícia em Portugal, bem poderia

o poeta julgar que nenhuma revelação fazia; ao passo que, para com o seu

amigo, guardava a lei dos trovadores, ao ter, como os antigos cavalheiros

andantes, continuamente presente a sua Dulcinéia.

Nome de Critilo.- Neste nome era necessário maior disfarce, pois

que o de Galucestes devia ser mui conhecido. Destarte pela mesma razão

com que o poeta, por prudência, dissera Cartas Chilenas em vez de

Mineiras, Chile em vez de Minas, Santiago em vez de Vila Rica,

substituições todas como calculadas para poderem, a todo tempo, entrar

nos versos, sem prejuízo da metrificação, escreveu Critilo em vez de

Glaucestes, com igual disfarce. Um e outro nome entram no verso da

mesma forma.

Porventura, se Critilo fosse nome de Arcádia, há de por meio dele

revelar-se o autor, que em tudo o mais, para não chegar a comprometer -se

em caso de alguma violação do correio, buscava guardar tantos mistérios?

Cabe-me ainda para mais, acrescentar que alguma tradição deviam

haver recolhido a favor de Cláudio Manuel da Costa os redatores dos

Anais Fluminenses de 1822, quando, propondo-se a imprimir as Cartas no

Jornal Científico, Econômico e Literário, publicado por eles nesta corte

em 1826, não duvidaram associar a elas, desde logo, bem que

misteriosamente, o nome de Cláudio, publicando-o com as suas iniciais

deste modo: De C. M. da C.

Passando agora a tratar da época em que foram escritas as Cartas,

direi que, pela própria leitura delas, se reconhece que não se compuseram

de um jacto, mas sim sucessivamente, mediando largas interrupções.

Foram, ao que parece, escritas as primeiras enquanto ainda o Minésio

permanecia no governo, e por conseqüência talvez em 1784 ou 1785;

seguiram a 5ª e 6ª depois dos festejos pelos desposórios dos Infantes em

1786; e as seguintes à 7ª, que começa:

“Ha tempo, Dorotheo, que não prosigo

Do nosso Fanfarrão a longa historia...”

depois de partido, em 1788, o governador D. Luís da Cunha e

Menezes, a quem Cláudio não podia querer muito, quando não se vira por

ele tratado como no tempo de seus antecessores desde o conde de

Valadares.

255

Quanto ao Doroteu, que estava na corte, a quem eram dirigidas as

mesmas Cartas, e que deve ser dúvida ser o autor (não residente em

Minas, como dela se depreende) da apístola em resposta a elas, e que não

edição as precede, propendo a suspeitar, que seria ele o conselheiro

Teotônio Gomes de Carvalho, de idéias liberais, companheiro de Cláudio

em Coimbra, poeta como ele, e seu conhecido Mecenas, pela grande

influência de que gozava não só no tempo de Pombal, como junto dos

ministros de Maria I.

Penso, permitindo-me Deus, dedicar-me a estudar e esclarecer

este ponto; pois não me faltam motivos para suspeitar que era também

filho do Brasil o mesmo Teotônio Gomes de Carvalho, cuja naturalidade

declara ignorar o dito meu douto e prestante amigo Sr. Inocêncio F. da

Silva, no tom. 7º, pág. 313 do seu Dicionário Bibliográfico.

Seja como for, o que não há dúvida é que se as chamadas Cartas

Chilenas não têm grande mérito poético, não lhes falta o mérito literário,

e bem que em verso, são em todo caso um importantíssimo documento

histórico, não só para a monografia de Minas, como para a própria

história geral do país; visto que nelas se vê pintado o modelo de outros

governadores e capitães-generais tanto do Norte, como do Sul, e dos

sertões, – que nada valiam; pois como diz o autor da epístola a Critilo, na

pág. ....:

“Destro pintor, em um só quadro, a muitos

Soubeste descrever. Sim, que o teu chefe

As maldades de todos comprehende.”

Com efeito a crítica das Cartas Chilenas vinha servir a justificar

a consulta do Conselho Ultramarino, quando, mais de meio século antes,

em 11 de Março de 1712, referindo-se à vergonhosa rendição do Rio de

Janeiro a Duguay Trouin, dizia ao rei que “não era menos para considerar

a idade do governador, o qual não devia ser rapaz, ainda que de ilustre

sangue, porque dos poucos anos não se podia esperar muita prudência

nem muita experiência, antes pelo contrário muitas vezes, com dano da

honra dos vassalos, os quais irritados concebem ódio contra os

governadores e por conseqüência tumultuam contra eles”.

Aqui termino por hoje, repetindo a V. S. que todas as veras sou:

De Vossa Senhoria – Atento venerador e amigo – F. A. DE

VARNHAGEN.

- Rio de Janeiro, 30 de Novembro de 1867.”

As Cartas Chilenas constituíram um problema bibliográfico, que

256

por longo tempo desafiou a argúcia dos historiadores da literatura

nacional. O A., a princípio, chegou a atribuir a autoria delas a Alvarenga

Peixoto, mas logo depois, com os argumentos expedidos na carta supra,

decidiu-se por Cláudio Manuel da Costa. Por Alvarenga ficaram

Ferdinand Denis, Camilo Castelo Branco e Teófilo Braga, entre os

críticos alienígenas, e Sílvio Romero, entre os nacionais. Por Tomás

Antônio Gonzaga ficou a maioria: Francisco Luís Saturnino da Veiga,

Francisco das Chagas Ribeiro, Santiago Nunes Ribeiro, Luís Francisco da

Veiga, Joaquim Norberto, Pereira da Silva, José Veríssimo, T ito Lívio de

Castro, Alberto Faria, Artur Mota e ainda outros.

À fé do padrinho, de quem muito raras vezes, e reverentemente,

tem discrepado neste largo trabalho de anotações à sua História, aquele

que escreve esta linha ficou ao seu lado, quando teve de t ratar da matéria

na anterior edição. Fortalecia-o a opinião de Caio de Melo Franco, que

aabava de descobrir e publicar O Inconfidente Cláudio Manuel da Costa,

o Parnaso Obsequiso e as Cartas Chilenas (Rio de Janeiro, 1931); sua

crítica perfeitamente conduzida através de argumentos tirados do texto

das Cartas era de molde a convencer não só ao anotador em questão,

como a outros estudiosos mais autorizados da história literária brasileira,

como aconteceu com Ronald de Carvalho.

Entretanto, a pendência não se encerrava, e havia de ressurgir

mais uma vez para dar ganho de causa a Gonzaga, com os esclarecedores

estudos de Luís Camilo de Oliveira Neto, Manuel Bandeira, Afonso

Arinos de Melo Franco e Afonso Pena Júnior.

Luís Camilo, em notáveis artigos estampados no O Jornal

(Dezembro de 1939 e Janeiro de 1940), fez o cotejo de trechos das Cartas

Chilenas com outras de um ofício ou representação do ouvidor Antônio

Tomás Gonzaga à rainha D. Maria I, que descobriu nas eficientes

pesquisas que realizou em 1937 no Arquivo Histórico Colonial de Lisboa,

e chegou à conclusão que nesse documento se acham compendiadas as

violências e irregularidades atribuídas ao governador Luís da Cunha

Menezes, o Fanfarrão Minésio das Cartas, expostas e comentadas nas

mesmas. As expressões e conceitos são muitas vezes os mesmos, com a

tênue diferença que se pode notar entre a prosa corrente e o verso solto.

Portanto, quem escreveu uma, escreveu as outras: é a conclusão, que não

deixa de tirar quem quer que estude o assunto sem preconcebido

propósito.

Por seu lado Manuel Bandeira, em seu estudo – A autoria das

Cartas Chilenas, in Revista do Brasil, n. 22 (Abril de 1940), em

percuciente análise do problema, com elementos trazidos por Luís Camolo

257

e outros auridos das próprias Cartas, chegou a idêntico resultado, como

ainda o erudito Afonso Pena, decifrador número um de complicadas

charadas bibliográficas, em estudo publicado no referido O Jornal por

esse mesmo tempo.

A Afonso Arinos compete a mais extensa contribuição prestada à

solução do dissídio em causa, quando deu a lume a edição oficial das

Cartas Chilenas, organizada por iniciativa do ministro Gustavo Capanema

e publicada por autorização especial do presidente Getúlio Vargas, com

introdução e notas. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, – um livro

modelar, padrão de inteligência e de saber.

Na formosa introdução Arinos estuda todos os aspectos da

questão, – o estado econômico e social da capitania com o declínio da

produção do ouro e das pedras preciosas, que estranhamente não

complicou em decadência das artes e letras, como provaram os templos

magníficos e as obras públicas que ali se erigiram então, a par da

florescência da chamada “escola mineira”, formada por poetas e escritores

eminentes; examina a política dos sátrapas que vinham governar a terra,

seus desmandos e arbitrariedades, que foram a razão determinante da

sátira das Cartas Chilenas; da época em que teriam sido escritas, e de

seus vários apógrafos; discute as diversas opiniões sobre a autoria, afasta

a tese de colaboração nas mesmas e todas as mais questiúnculas

ocorrentes; e trata das relações de Luís da Cunha Menezes com Cláudio,

que eram boas, e com Gonzaga, que não eram das melhores, para concluir

“como tudo concorda em apontar, sem qualquer sombra de dúvida, para os

espíritos desapaixonados, um único autor para as Cartas Chilenas: Tomás

Antônio Gonzaga”. A Cláudio Manuel da Costa fica, na conclusão de

Arinos, a autoria da Epístola, que precede as Cartas, o que não pode ser

objeto de discussão.

Critilo, o pseudônimo usado por Gonzaga, em que se quis ver um

anagrama do nome Cláudio Manuel da Costa, foi tomado das obras do

padre Lourenço (ou Baltasar) Gracian y Morales, que se dividem em três

partes, das quais uma se intitula El Criticon, com dois personagens

principais: Critilo, ou o Crítico, o homem da razão, e Androgênio, o

homem da natureza. Note-se que o livro de Lourenço Graciam existia em

Vila Rica, contemporaneamente. Entre os que foram seqüestrados ao

inconfidente Cláudio vem ele mencionado, em dois termos, Autos de

devassa, V, pág. 264, provavelmente na edição Verdussem, Antuérpia,

1702, que possui a Biblioteca Nacional; mas tanto podia pertencer a

Cláudio, como a Gonzaga, dado o costume de empréstimos de livros,

principalmente entre colegas e amigos, como eram os dois magnos poetas.

258

Ainda a favor de Gonzaga, se mais fosse necessário juntar aos

autos, ocorre o depoimento de uma testemunha da devassa da

Inconfidência: o capitão José Lourenço Ferreira, comandante do distrito

da Igreja Nova, no caminho do Rio de Janeiro, o qual refere que o

governador mandaria sair da capitania o desembargador Tomás Antônio

Gonzaga, isso por conta ou de um casamento, ou de uns pasquins, que se

tinham feito públicos... – Autos de devassa, II, pág. 77.

Esses pasquins do capitão eram evidentemente as Cartas Chilenas

de Gonzaga. – (G.).

(Transcrito do tomo quatro, pág. 306-328)

INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Textos de Varnhagen

259

PREFÁCIO

Nunca nos passou pela mente a idéia da audaz empresa

de escrever uma História especial da Independência, e muito

menos ainda a de publicá-la em vida, depois de havermos, por

vários motivos, abandonado o projeto, que chegáramos a

conceber, de esboçar em grandes traços certa crônica que

devia abranger sua época (1).

Como, pois, – nos perguntarão, – se ninguém a isso

obriga nos lançarmos a tal empresa expondo-nos a

desassossegos, desgostos e trabalhos?

Responderemos francamente. Porque ela nos caiu em

cima. Obrigados pelo dever, para nós já sagrado, de legar ao

Brasil, onde nascemos, tão completa, quanto caiba em nossas

260

forças em sua maior virilidade, a História Geral da sua

civilização, até à nova era que começou com a proclamação do

Império, ao lançarmo-nos a redigir, mais pausadamente que

antes, as últimas seções, tantos fatos novos e novas

apreciações se nos apresentaram em vista dos novos

documentos e informações fidedignas por nós recolhidas e

apontadas, às vezes inteiramente em oposição às que se

encontram admitidas pelos escritores que nos têm precedido,

começando pelo último, o Sr. Conselheiro Pereira da Silva (2),

que julgamos não seria possível emitir, em resumo, na mesma

História Geral, certos juízos que nela devem caber, sem

primeiro os haver mais por extenso justificado ante o público,

competentemente explicados e documentados, provocando até

por este meio a que se nos corrija onde estejamos em erro, ou

se nos ouça de novo onde se duvide de nossas asserções, ou se

nos ministre mais algum esclarecimento onde se creia que

tenha havido omissão da nossa parte. O historiógrafo não pode

adivinhar a existência de documentos que não são do domínio

do público e não encontra, e cumpre com o seu dever quando,

com critério e boa-fé e imparcialidade, dá, como em um

jurado, mui conscienciosamente o seu veredicto, cotejando os

documentos e as informações orais apuradas com o maior

escrúpulo que, à custa do seu ardor em investigar a verdade,

conseguiu ajuntar.

Não desconhecemos que o simples título desta obra

revela tão grande responsabilidade, não só para com o Brasil

como para com Portugal, e que, escrita com o amor à verdade

que nela nos guiou, acima de todas as considerações humanas,

como deve ser escrita toda história que aspira a passar à

posteridade, não será provavelmente agora tão bem recebida,

261

como o seria uma espécie de novo memorando, justificando só

os direitos de uma das partes contendoras. O autor, porém,

propôs-se a escrever uma história e não a adular ou lisonjear

os sentimentos ou prevenções de uns, nem de outros, nem por

considerações com os descendentes vivos, embora poderosos,

de uma e outra parte, tratou de calar censuras, quando as

julgou cabidas e justas.

Tais memorandos, destinados a justificar a oportunidade

e os direitos da independência, já viriam hoje serôdios. Nem

mais se poderia acrescentar aos de La Beaumelle (3) e

Beauchamp (4), publicados em 1823 e 1824, sob as vistas do

ativo agente brasileiro Gameiro (Visconde de Itabaiana), no

intuito de dispor a opinião geral da Europa, e especialmente da

França legitimista e do seu Ministro Mr. de Villèle, em favor

da causa do Brasil. Seguiu-se a publicação, de 1827 a 1830,

dos três volumes do Visconde de Cairu (5), acompanhados de

um quarto, compreendendo as cartas de Pedro I a el -rei seu pai

e outros documentos (6), tudo quase exclusivamente só até fins

de 1822. Preciosos como são esses volumes pecam pela sua

insuficiência e falta quase total de redação e de critério; e,

mais que uma História, eram importantes apontamentos de

decretos e discursos conhecidos e até impressos, próprios para

serem depois, como foram, aproveitados e postos em estilo por

mais corrente pena, e com muitas adições inteiramente inéditas

o serão de novo por nós nesta História, em que nos

comprazemos de citar muitas vezes o consciencioso trabalho

do honrado e fecundo setuagenário baiano.

Apareceu depois o inglês John Armitage, publicando em

1836 (7) a sua interessante História desde a chegada da

família real em 1808 até à abdicação de Pedro I em 1831, a

262

qual, traduzida por Evaristo Ferreira da Veiga (8), foi

publicada no Rio de Janeiro em 1837, e goza ainda entre nós

de bastante autoridade, que a nova, chamada da Fundação do

Império Brasileiro, que começa, também como aquela, com a

chegada de el-rei, veio, em muitos pontos, contribuir e

aumentar.

Pelo que respeita a esta obra, esperamos que não pouca

novidade apresentará, especialmente pelas notícias de todas as

publicações, jornais e folhetos que foram sucessivamente

dirigindo a obra da Independência, e também pelas muitas

explicações até hoje omitidas acerca dos importantes sucessos

de 26 de Fevereiro, 21 de Março e 5 de Junho de 1821, dos de

9 e 11 de Janeiro e 29 e 30 de Outubro de 1822, dos de 17 de

Julho e 12 de Novembro de 1823, e finalmente de toda a

negociação para o reconhecimento em 1824 e 1825.

Não nos sendo possível estar em cada página citando as

provas do que afirmamos, nem invocando a atenção do leitor

para os fatos novos e apreciações, que se compreendem nesta

História, diferentes das que se encontram nas obras dos que

nos precederam, por certo menos noticiosas e minuciosas que

esta, contentar-nos-emos de indicar as principais daquelas em

que, segundo nossos exames,manifestamente se equivocou o

conhecido orador contemporâneo, e com as suas luzes e boa

vontade contamos para, reciprocamente, devolver igual serviço

a este livro, que, longe de sair a lume às atenças de elogios,

não fica para póstumo, em favor de nossa tranqüilidade e

maior descanso, porque, como já dissemos, além da mira de

justificar adiantadamente o resumo de parte delas na História

Geral, leva outra, não menos importante, – a de bater o campo

em busca ainda, se é possível, de novos subsídios e

263

esclarecimentos, enquanto há de alguns sucessos testemunhas

vivas ou possuidoras de documentos que, nos pontos em que,

ainda aqui, mostramos dúvidas, nos poderão melhor esclarecer,

se Deus nos conservar ainda alguns anos de vida, para deles

poder aproveitar, – como já aproveitamos, – não pouco de

muitas revelações e informações, cotejadas entre si, tanto de

estrangeiros insuspeitos, agentes no Rio de Janeiro de várias

cortes européias, com alguns dos quais eram bastante francos

os ministros, e cujas correspondências conseguimos em grande

parte ver (9), como de amigos e patrícios conhecidos, cujas

conversações, com a mira em outra obra, tínhamos o cuidado

de ir sempre, desde há quase trinta anos, notando e

protocolizando: começando por muitíssimas com o

Comendador Ataíde Moncorvo (10) e os Cônegos Geraldo (11)

e Januário (12), o jurisconsulto Silvestre Pinheiro (13), o

Patriarca Francisco de São Luís Saraiva (14), o Dr. Elias (da

Bahia) (15), e os Marqueses de Palma (16), de Paranaguá (17)

e de Monte Alegre (18); e seguindo-se algumas outras menos

frutuosas com os Viscondes de Pedra Branca (19) e

Maranguape (20), Marqueses de Valença (21), de Maricá (22)

e de Olinda (23), com os quais todos tivemos a fortuna de

tratar e de interrogá-los, às vezes até com alguma indiscrição;

– restando-nos agora o sentimento de não termos igualmente

podido pôr em contribuição, não só José Clemente (24), mas o

Marquês de Baependi (25), com quem ainda tratamos, como

especialmente Antônio Carlos e Martim Francisco, que

freqüentamos em 1840, antes de subirem ao Ministério, por

ocasião da Maioridade. Acerca de ambos e de seu irmão José

Bonifácio (então já falecido, mas cujo aspecto ainda temos

presente, havendo-o apenas visto, como dizemos em uma nota

264

do texto, na mais tenra infância), nos valemos especialmente

das informações que encontramos escritas, com ligeiras

retificações, do Conselheiro Drumond (26), amigo

dedicadíssimo dos mencionados três irmãos e todo feitura

deles.

Quando ao método adotado na exposição, foi a própria

experiência que no-lo aconselhou. Não escrevemos anais,

escrevemos uma História, e os saltos continuados a uma e

outra província, deixando interrompido o fio dos sucessos

importantes e capitais, produzia confusão e não permitia que

os próprios das províncias fossem convenientemente

explicados. Além de que, na época da Independência, a

unidade não existia: Bahia e Pernambuco algum tempo

marcharam sobre si, e o Maranhão e o Pará obedeciam a

Portugal, e a própria província de Minas chegou a estar por

meses emancipada. A mesma experiência convencerá aos

leitores da vantagem do método adotado, quando notem que

por meio dele se lhes gravam melhor os fatos narrados.

Nossos escrupulosos desejos de acertar são tais, que,

antes de dar por terminada a redação desta obra, nos dirigimos

por escrito aos Exmos. Marqueses de Sapucaí (27) e de

Resende (28), pedindo-lhes .... de alguns pontos duvidosos em

assuntos, ainda que de pouca importância, em que já um já

outro foram testemunhas presenciais (29).

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Trata-se, talvez, da Crônica do Rio de Janeiro , que em 1839

Francisco Adolfo de Varnhagen cuidava de imprimir em Lisboa, conforme

ofício de seu chefe, Ministro do Brasil em Portugal, Conselheiro Antônio

265

de Meneses Vasconcelos de Drummond, de 14 de Dezembro daquele ano,

dirigido ao então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Caetano Maria

Lopes Gama, cuja minuta encontra-se no Arquivo do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro. (H.V.).

(2) Refere-se à História da Fundação do Império Brasileiro, de

João Manuel Pereira da Silva, 7 vols. (Rio de Janeiro-Paris, 1864/1868),

daqui por diante citada apenas “Pereira da Silva” – VII, etc. (H.V.).

(3) M. V. Angliviel La Beaumelle – De l‟Empire du Brésil,

consideré sous ses rapports politiques et commerciaux (Paris, 1823).

Traduzido, no ano seguinte, no RJ, com correções e acréscimos, pelo

Padre Luís Gonçalves dos Santos (Padre Perereca). (H.V.).

(4) Alphonse de Beauchamp – L‟Indépendance de l‟Empire du

Brésil, presentée aux Monarques Européens (Paris, 1824). Obra divulgada

e comentada, no mesmo ano, no Rio de Janeiro, por José da Silva Lisboa,

depois 1º Barão e Visconde de Cairu, no folheto, dividido em três partes,

intitulado Independência do Brasil apresentada aos Monarcas Europeus

por M. Beauchamp. (Cf. Helio Vianna – Contribuição à História da

Imprensa Brasileira, 1812/1869 (Rio, 1945) p. 427) . (H.V.).

(5) José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu – História dos

Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil, parte X, seção I (Rio,

1827); idem, seção II (Rio, 1829); idem, seção III (Rio, 1830). Obra daqui

por diante citada apenas “Cairu” I, II, III, etc. (H.V.).

(6) José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu – Crônica Autêntica

da Regência do Brasil do Príncipe Real o Senhor D. Pedro de Alcântara

em série de Cartas a seu Augusto Pai o Senhor D. João VI e

Proclamações Autógrafas, Manifestos e Diplomas (Rio, 1829). Em nota

adiante incluída relacionaremos a várias edições das cartas de D. Pedro,

Príncipe-Regente e Imperador, a D. João VI, relativas à Independência do

Brasil. (H.V.).

(7) Smith & Elder, London, 1836. (A.). John Armitage – The

History of Brazil, from the period of the arrival of the Bragaza family in

1808, to the abdication of Don Pedro The First in 1831. Compiled from

State Documents and other Original Sources. Forming a continuation to

Southey’s History of that country; 2 vols. (Londres, Smith, Elder and Co.,

266

1836). (H.V.).

(8) A autoria da tradução da História de Armitage não cabe a

Evaristo da Veiga, como em carta de 9 de Novembro de 1860, guardada

na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a

Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo aventou José Joaquim

Machado de Oliveira. No Catálogo da Exposição de História do Brasil,

de 1881 (vol. IX dos Anais daquela Biblioteca), foi sugerido, no verbete

nº 5.370, que essa tradução coubesse a Joaquim Teixeira de Macedo. Com

novos elementos aceitou a hipótese o Sr. Eugênio Egas, ao preparar a 2ª

edição, de 1914, da História de Armitage. Também a acataram os

bibliógrafos Tancredo de Barros Paiva, em suas Achegas a um Dicionário

de Pseudônimos (Rio, 1929), nº 173; J. F. Velho Sobrinho, no Dicionário

Biobibliográfico Brasileiro , tomo I (Rio, 1937), p. 559; e Argeu

Guimarães, no Dicionário Bibliográfico Brasileiro de Diplomacia,

Política e Direito Internacional (Rio, 1938). Em seu livro sobre Evaristo

da Veiga (S. Paulo, 1939), outros argumentos apresentou o Sr. Otávio

Tarquínio de Sousa para demonstrar a impossibilidade da referida

tradução ter sido feita por seu biografado. Também aceitou a indicação de

Joaquim Teixeira de Macedo o Sr. Garcia Júnior, na 3ª ed. brasileira da

História de Armitage (Rio, 1943). (H.V.).

(9) Da Espanha, de Casa Flores; da França, do Coronel Maller e

do Conde de Gestas, que lhe sucedeu em Novembro de 1823; da Áustria,

do Barão de Marschall; e da Inglaterra, de Chamberlain, Não pudemos ver

as poucas que haverá do agente de Portugal, Carlos Matias Pereira, que,

antes de ser acreditado 1º encarregado de negócios em 1826, estivera no

Rio de Janeiro em 1823, regressando pelo mesmo paquete em que viera;

mas não cremos ter perdido muito, – não tanto porque serão apaixonados,

que fácil seria dar-lhes o desconto, – mas porque nunca alcançou a achar-

se bastante bem relacionado como os outros. (A.). Tobias Monteiro, na

introdução à sua História do Império – A Elaboração da Independência

(Rio, 1927), p. 281, salientou não ter Varnhagen conhecido, de acordo

com esta nota, a correspondência daqui enviada pelo Barão Bartolomeu

von Stürmer, Ministro da Áustria no Rio de Janeiro em 1820/1821, que se

guarda em Viena. Antes de Tobias dela já se servira Oliveira Lima, em O

Movimento da Independência, 1821-1822 (S. Paulo, 1922). (H.V.).

(10) José Domingues de Ataíde Moncorvo. (H.V.).

267

(11) Cônego Geraldo Leite Bastos. (H.V.).

(12) Cônego Januário da Cunha Barbosa. (H.V.).

(13) Silvestre Pinheiro Ferreira. (H.V.).

(14) D. Frei Francisco de São Luís, beneditino, no século

Francisco Justiniano Saraiva, Reitor da Universidad e, depois Bispo de

Coimbra, Conde de Arganil, Cardeal Saraiva e Patriarca de Lisboa.

(H.V.).

(15) Francisco Elias Rodrigues da Silveira. (H.V.).

(16) D. Francisco de Assis Mascarenhas, Conde de Palma, título

português, de 1810; Marquês de São João da Palma, no Brasil, 1825.

(H.V.).

(17) Francisco Vilela Barbosa, 1º Visconde e 1º Marquês desse

titulo. (H.V.).

(18) José da Costa Carvalho, 1º Barão, Visconde e Marquês desse

título. (H.V.).

(19) Domingos Borges de Barros. (H.V.).

(20) Caetano Maria Lopes Gama. (H.V.).

(21) Estêvao Ribeiro de Resende. (H.V.).

(22) Mariano José Pereira da Fonseca. (H.V.).

(23) Pedro de Araújo Lima. (H.V.).

(24) José Clemente Pereira. (H.V.).

(25) Manuel Jacinto Nogueira da Gama. (H.V.).

(26) Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond. (H.V.).

(27) Cândido José de Araújo Viana. (H.V.).

268

(28) Antônio Teles da Silva Caminha e Meneses. (H.V.).

(29) Além das personalidades citadas, Varnhagen também

consultou, por escrito, para a elaboração desta História, o Conde de

Baependi, filho do Marquês do mesmo título, e Benjamim Franklin de

Ramiz Galvão, depois Barão de Ramiz, quando Diretor da Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro, em 1875. As respectivas respostas foram, sem

real proveito, transcritas em notas das duas edições anteriores, do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (H.V.).

OBS.: Notas com a indicação (H.V.) são de Helio Viana e as com

indicação (R. B.) do Barão do Rio Branco.

(Transcrito da edição da Itatiaia, publicaa com o título que se

indica, que dá início a nova numeração, págs. 11 a 15)

A Observação e a indicação precedente são válidos para os

capítulos subsequentes.

269

CAPÍTULO I

Desde a revolução constitucional até ao regresso

de Dom João VI para Lisboa

Não encabeçaremos esta História, contando como o

Brasil foi achado, nos fins do século XV, habitado

escassamente por selvagens, quase todos da mesma estirpe,

mas em estado de hordas ou famílias, algumas das quais

admitiam a antropofagia por vingança; como deveu ser

colonizado pelos portugueses, com auxílio sempre crescente de

escravos africanos; como se fundaram nele as primeiras

feitorias e as primeiras vilas, e como foi organizado em um só

Estado, com um governador-geral e um bispado, em meado do

século imediato (XVI). Nem falaremos de suas vicissitudes e

invasões por várias nações estranhas, nem dos pasmosos

descobrimentos dos sertões, nem da fecundação neles de

grandes povoados pelos próprios moradores já nascidos na

terra, em busca de índios e de mina de ouro; nem do sucessivo

desenvolvimento de toda esta região e fundação de novas

cidades, a ponto de contar já em si, em princípios deste século

(1), um arcebispado, seis bispados e duas prelazias e dezoito

províncias ou capitanias, entre gerais e particulares (2),

governadas por uma legislação análoga à da metrópole, bem

que com mais abusos. Todos esses fatos são por nós

extensamente tratados em outra obra, a que votamos o melhor

270

dos nossos dias, – obra que é a um tempo, história do Brasil e

de parte de Portugal também.

Sabemos que, desde 1645, começara a intitular-se

Príncipe do Brasil o herdeiro da coroa portuguesa; que, em

1808, esta região, abrindo seus portos a todas as nações

amigas, passou a sede do trono português, em virtude da

invasão de Portugal pelos exércitos do César do século, filho

da Córsega, – primeiro passo para fomentar a união da ação

futura, pois que só desde então começaram os moradores do

antigo Estado do aranhão a acostumar-se a receber as ordens

vindas não já da Europa, mas dos confins do Brasil.

Sabemos também como, em 1815, foi toda a região, do

Amazonas ao Prata, elevada à categoria de reino, e incluída no

próprio ditado do monarca, – fato que, acolhido com

entusiasmo por todos, veio a ser o segundo passo dado para

formar das capitanias dos dois antigos Estados uma só nação.

Assim, em meado de 1820, era já esta região a sede de

1820, era já toda esta região a sede de um Império maior que

os dois romanos, o qual estendia o seu poderia pelas cinco

partes do globo terrestre, tendo no Portugal hispânico uma

simples regência subordinada à influência do chefe do

exército, o inglês Marechal Beresford, Marquês de Campo

Maior.

Esta situação da heróica metrópole convertida pela

forma das circunstâncias em humilhada colônia, quase

despotizada, e obrigada a receber ordens de uma distância

proximamente de duas mil léguas, em cuja viagem redonda,

em navios de vela, únicos que então nela se empregavam, se

não gastava menos de quatro a cinco meses, foi suportada

enquanto durou a guerra que se seguiu à invasão. Porém,

271

conseguida apenas a paz em 1814, começaram as queixas e as

intrigas, apoiadas até pela diplomacia britânica, e, o que é

mais, pelos próprios agentes diplomáticos portugueses, menos

lealmente, por cento, a fim de que el-rei recolhesse a Lisboa.

A todos os argumentos e insinuações resistia, porém, o bom

rei, que se encontrava mais feliz na sua quinta de São

Cristóvão, nos arrabaldes do Rio de Janeiro, e que se achava

mui querido por todo o povo desta nova capital, onde, desde

que nela desembarcara, vira a sua autoridade real mais acatada

do que nunca antes havia sido.

Intentou a Maçonaria em Portugal, no ano de 1817, uma

primeira conspiração, para o aclamar rei constitucional e atrai -

lo a si, a Portugal; mas foi denunciada ao Marechal Beresford,

e tanto o hábil General Gomes Freire de Andrade como outros

conspiradores foram levados ao patíbulo, antes que ao próprio

rei fosse a sentença submetida.

Era D. João VI talhado de molde para um bom rei

constitucional. Em nossa opinião, fazem-lhe grande injustiça

alguns escritores que ajuízam de seu caráter menos

favoravelmente. A sua correspondência íntima com o seu

primeiro Ministro Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, hoje

impressa (3), no-lo apresenta como homem bastante tino e

circunspeção, justo, desejoso de acertar, de muita consciência

e bastante aplicado aos negócios. Uma vez, em 22 de Fevereiro

de 1820, lhe escrevia da Ilha do Governador: “Remeto três

pastas... despachadas; tive demora, porque tenho tido muito

que ler: agora recebi o resultado da conferência que teve com

o Conde dos Arcos. Desejarei muito que o tempo amanhã

permita vir a este sítio, pois de boca se fala melhor que por

escrito”. Em 9 de Março do mesmo ano, escrevia de novo ao

272

dito seu ministro: “Louvo-lhe... a muita atividade que tem tido

no meu serviço, julgo que não tenho ficado atrás”. O Ministro

Tomás Antônio tinha então 62 anos (4). Nascera em Tomar aos

18 de Setembro de 1755, e, tendo-se feito conhecido por uns

trabalhos conscienciosos publicados pela Academia Real das

Ciências acerca de jurisprudência dos morgados, preferência

dos mercados às feiras, descrição de alguns distritos de

Portugal, etc., estava de corregedor de Vila Viçosa, quando aí

o conheceu el-rei, ainda então príncipe-regente, e o apreciou

muito por encontrar sempre maduros os frutos dos seus juízos.

Regressando o mesmo príncipe para Lisboa, mandou chamar à

Corte o dito corregedor e pouco depois o despachou

Desembargador da Relação do Porto com o exercício na de

Lisboa, e logo Desembargador do Paço, pelos serviços que

prestou no Erário, ajudando o incapaz presidente dele, Conde

de Vila Verde. Por intrigas palacianas, chegou algum tempo a

estar separado do soberano; passou, porém, com ele ao Brasil,

e, sendo o único Desembargador do Paço que emigrara, foi aí

feito chanceler-mor do Brasil, e era de contínuo consultado

pelo regente, até que, por falecimento do Conde da Barca,

Antônio de Araújo, em 21 de junho, passou, em 24 de junho de

1817, a ocupar a pasta do Reino, ficando considerado com o

título de assistente ao despacho, sendo a da Fazenda confiada a

João Paulo Bezerra (desanexada da do Reino), a da Marinha ao

Conde dos Arcos, e a da Guerra e Estrangeiros a Palmela (5),

que continuou na Europa, e só veio a tomar posse em 23 de

Dezembro de 1820.

Nenhum destes ministros, nem dos anteriores, chegou a

merecer como Tomás Antônio tão completa confiança do

soberano. Em prova dessa confiança e da consideração e

273

amizade com que era tratado o ministro, limitar-nos-emos a

transcrever este bilhete que lhe dirigia el-rei em 27 de

Fevereiro de 1818: “Remeto a assinatura e o decreto dos

Índios: me parece muito bom. O de João Ferreira assinei, pois

estou certo que está bom como feito por mão inteligente.

Flaning esteve esta manhã comigo, oferecendo-se para servir

na legação austríaca; respondi-lhe com palavras gerais; agora

diga-me, se vier outra vez e me tornar a falar, o que lhe devo

responder. Estimo que continue com alívio, para continuarmos

com o nosso trabalho”.

Pouco depois começaram a chegar notícias mais ou

menos assustadores de Portugal, agravadas pela

desinteligência entre D. Miguel Pereira Forjaz e o Marechal

Beresford. Quis el-rei ouvir os seus dois ministros: propôs o

Conde dos Arcos, em 4 de Maio, alguns remédios, que não

foram adotados. Chegou pouco depois de Portugal o próprio

Beresford, Marechal-General. Opinou Tomás Antônio que, não

havendo dois generais, era necessário conservar o que havia,

separando a Forjaz, mais fácil de ser substituído, nomeando-se

novo governador, e, além dele, um presidente para

amortização do papel-moeda, um regedor das justiças e um

animador da alfândega. Além disso, atribuindo à miséria e

fome parte das queixas, assentou de propor à régia assinatura o

Alvará de 30 de Maio, com a supressão de vários direitos e

impostos para contentar as classes do povo e a dos lavradores

e negociantes (6); e sustentou a proposta em uma carta de 6 de

Junho, dizendo que pedia, polícia e mais polícia, e que, postos

fora de Lisboa e Porto os curiosos e separados alguns oficiais,

sem se lhes fazer mal, tudo se arranjaria. Quis ainda el -rei

ouvir, acerca do mesmo alvará, o parecer do Conde dos Arcos:

274

aprovou-o ele em carta de 5, mas achou que era insuficiente,

pois, além de só dever começar a ter efeito no princípio do ano

seguinte, julgava que, sendo o mal urgente, eram necessários

remédios prontos e heróicos, restituindo-se às leis “a força que

o tempo, a relaxação dos seus aplicadores lhes tinham

roubado”, e concluía: “liberalidade que espante e justiça por

sistema inabalável são os únicos antídotos contra o veneno da

revolução”.

Todas essas providências tinham de ser insuficientes e

tardias, pois, ainda antes que chegasse a Portugal a simples

notícia delas, a 24 de agosto desse mesmo ano estalava a

anunciada revolução na cidade do Porto, contando sem dúvida

com o apoio moral (7) que deveria receber das instituições

idênticas, então em voga na Espanha, e, aproveitando-se da

ausência do Marechal-General Beresford, que viera ao Rio de

Janeiro solicitar maiores poderes, ausência que sem dúvida

facilitaria o aliciamento dos principais chefes das tropas do

Minho.

Deixando que as histórias (8) de cada um dos reinos

peninsulares ocupem dos seus cidadãos, que influíram para se

efetuarem essas revoluções, e narrem por menor a marcha

desses acontecimentos que mais lhes pertencem, - contentemo-

nos aqui de consignar os fatos consumados, que influíram na

sorte do Brasil, propondo-nos desde já a demorar-nos mais em

Lisboa, quando aí venham a ser debatidos os interesses e a

sorte do novo reino austro-americano.

A 17 de Outubro chegaram ao Rio, com o brigue

Providência, partido de Lisboa em princípios de setembro, as

primeiras notícias do movimento revolucionário do Porto, e as

providências tomadas pela Junta do Governo de Portugal, para

275

procurar frustrá-lo, capitulando por sua parte com as idéias em

voga e convocando as antigas Cortes da monarquia.

Não tomou de sobressalto a notícia da revolução a el-rei

nem aos ministros, mas sim a idéia da regência de pactuar com

a revolução, convocando, por conselho de Palmela, as Cortes,

sem ter ara isso autorização. Davam os governadores do reino

disso conta em ofícios de 2 e 10 de Setembro. Quis el -rei

ouvir, acerca dos mesmos, o voto dos seus ministros e outros

conselheiros, incluindo nesse número João Severiano (9),

Monsenhor Almeida (10) e o Desembargador Veloso (11),

filho de São Paulo. Dois opinaram por que se prometesse o

regresso de el-rei, quatro ou cinco pelo do príncipe real (12), e

dois, sendo o Desembargador Veloso um deles, pelo do Infante

D. Miguel; assentando todos que, embora ilegalmente

convocadas as Cortes, convinha confirmá-las e dirigi-las.

Propôs, pois, Tomás Antônio, no dia 21, que, no ofício a

Portugal, se dissesse que, em caso de ser conveniente a

Constituição que fizesse as Cortes, iria para lá el -rei ou pessoa

real, e que se insistisse nisto, fazendo-se que a dita carta régia

se expedisse nos seguintes têrmos (13):

“Governadores do Reino de Portugal. Amigos. Eu el-rei

vos envio muito saudar, como àqueles que prezo. Tendo

chegado à minha real presença os vossos ofícios de 2 e 10 de

Setembro, com a cópia do assento que tomastes para a

convocação das Cortes do Reino, não pode deixar de ser

havida por excessiva esta ilegal resolução, quando esta

prerrogativa, inseparável do reinado, só podia ser emanada

imediatamente de mim, sem que baste o motivo que destes de

ser a unânime vontade dos povos, porquanto as câmaras do

reino vo-la não tinham comunicado, como meio legítimo de

276

chegar ao meu real conhecimento, e tão-somente se havia

manifestado entre alguns sediciosos, que, pretendendo assumir

autoridades, por fatos criminosos, iludiram algumas das

minhas tropas, que desapercebidamente tomaram abusos

parciais de administração por erros imputados à constituição

monárquica. Nem tampouco podia ser fundado o receio que se

publicou da subversão da monarquia, devendo lembrar as

vezes que tem sido arrancada de mãos usurpadoras e

estrangeiras e restaurada pela fidelidade portuguesa na mesma

dinastia, que a criou, e aonde se conserva. Querendo, porém, ir

conforme ao que me tenho proposto, de cuidar da prosperidade

da monarquia portuguesa e fazer felizes os meus fiéis vassalos,

em vastos Estados dela: considerando que ao melhor sistema

de administração sempre com o correr dos tempos se lhe faz

necessária alguma emenda; e que, devendo esperar me

proponham coisas muito importantes, para que essas propostas

das Cortes não cheguem à minha real presença com a

ilegalidade sobredita: eu as autorizo para que, em vista dos

assentos das Cortes anteriores, sancionadas pelos reis, meus

predecessores, me representem as emendas, alterações ou

disposições, que acharem úteis para o esplendor e

prosperidade da monarquia portuguesa, que vós enviareis

imediatamente à minha real presença, para que eu legalize as

propostas das Câmaras com a minha real sanção, como

convier, segundo os usos, costumes e leis fundamentais da

monarquia. Assegurando aos meus vassalos do reino de

Portugal e Algarves, que, concluídos estes trabalhos, de forma

que satisfaçam às minhas paternais vistas, com a dignidade

devida, terão na Europa para os governar a minha real pessoa,

ou um de meus filhos ou descendentes, assim como também

277

outro no Brasil, para a consolidação, união e vantagens

recíprocas do reino unido, que mutuamente se aumenta e se

defende.

“E, querendo usar da minha paternal piedade e natural

clemência, vos ordeno que, no meu real nome, concedais

anistia a todos os meus vassalos, que, esquecidos dos seus

mais sagrados deveres, motivaram ou tiveram parte na sedição,

que se manifestou na cidade do Porto, e alguns lugares por ela

contagiados; devendo entender-se a dita anistia tão-somente a

favor dos que se retirarem dos corpos, ou civis ou militares,

que se acham em sublevação, e daqueles que obedecerem ao

legítimo governo e autoridades por mim estabelecidas. E vos

mando que façais imprimir e publicar esta minha carta régia,

para ser constante a todos, enviareis os exemplares às câmaras

e aos tribunais. Escrita, etc., 27 de Outubro de 1820”.

Insistiu principalmente Tomás Antônio com el-rei em

que não prometesse claramente o seu regresso, e com este o

dele ou de um dos seus filhos, para obrigar deste modo a

concluírem as mesmas Cortes, com dignidade e em bem, o que

não alcançaria, se a concessão perdesse o penhor de sua volta,

ou do príncipe real, já assegurada, reduzindo-se como a dizer:

“Se vos conservais na obediência ao rei, irei”, acrescentando:

“mas sempre estará também uma pessoa real no Brasil, pois

bem vêem que o Brasil não há de já agora ser colônia, e

desconfiarão sempre que se deixava o menos pelo mais; e, para

sossegarem, é preciso que contem com a união do reino do

Brasil”.

Logoa crescentava: “Como não é prudente ir para uma

casa que está incendiada, faz-se depender a partida de notícias

que cheguem, de maior tranqüilidade, - e isto mesmo para

278

incentivo de se tranqüilizarem”.

A 29 do mesmo Outubro voltou o brigue Providência

para Portugal, com a dita carta régia, acompanhada de um

ofício. Ainda à última hora, no momento da assinatura, teve el -

rei certo escrúpulo se havia certa contradição entre o teor da

dita carta régia e do ofício, ao que acudiu Tomás Antônio: -

“Senhor. Não pode haver contradição: pois na carta régia se

estabeleceu a promessa, para sempre, de estar uma pessoa real

em Portugal e outra no Brasil, desde que as Cortes terminarem

dignamente, como é o voto de Monsenhor Almeida e outros.

No ofício se trata de agora, e que vai pessoa real, como diz a

carta régia, e segundo o interesse permitir, mas na esperança

de virem notícias mais agradáveis. Eu entenderia melhor não

se aumenta mais nada, nem especificar um ou outro dos

senhores príncipes: pois V. M. o penhor que tem, para

conservar o reino é a sua pessoa e a sucessão real; e, por este

penhor, é que os pode obrigar a acomodarem-se. Por isto não

tem que prometer francamente, porque perde a força dos meios

que tem. Eles pedirão de lá, que é melhor três mercês do que

uma. Veloso pensa bem. Digne-se V. M. assinar a carta régia e

não mandar acrescentar o ofício, pois não há coisa melhor a

seguir, no que pode ficar certo, Espero, pois, a decisão de V.

M., para mandar desembaraçar o Laje (14) e o comandante,

que estão à espera na Secretaria. Aos reais pés, etc.”.

Revogava-se, pois, a patente de 29 de Julho desse

mesmo ano, com que despachara do Rio o Marechal Beresford,

constituído quase chefe do governo do reino, sob uma forma

inteiramente militar (15), com a qual se pensava sufocar as

tendências da situação. Mas todas essas providências eram

inúteis, quando chegavam, visto que já nessa época (desde 15

279

do precedente mês) Lisboa havia aderido à revolução, e uma

nova Junta se organizara em governo quase soberano, bem que

em nome de el-rei, e nem permitiu o desembarque de

Beresford, nem teve que dar execução às ordens trazidas pelo

Providência, já impossíveis de ser executadas, em virtude dos

novos fatos consumados.

Esta revolução triunfante marcava uma nova era para o

Brasil: se não adere a ela, fica separado em Estado

independente; se adere e consegue proclamar também as novas

instituições, era mais que seguro que não se havia de dar ao

trabalho de se libertar do jugo do antigo sistema de governo,

par voltar ao jugo maior e mais humilhante do estado colonial,

de que alias já se libertara com a vida da Corte.

Somente mais de três semanas depois da primeira

notícia, a 11 de Novembro, chegaram ao Rio as notícias desse

triunfo completo da revolução em Portugal.

El-rei achava-se na lagoa de Rodrigo de Freitas, quando

avistou fora da barra o correio, e voltou logo para a cidade,

onde recebeu a notícia à entrada da noite. Não tardaram a vir

aportando outros navios, portadores de cartas e de jornais e

impressos, repassados de sentimentos exaltados, e que eram

lidos com avidez, especialmente pelos oficiais da tropa, então

em número na capital, onde desde pouco se achava parte da

divisão de “Voluntários de El-Rei” (16).

No próprio mês de Novembro receberam-se também

noticias da Bahia que faziam recear alguma manifestação de

parte da tropa dessa capital. Propôs Tomás Antônio que se

mandasse desde logo, para substituir ali o Capitão-General

Conde de Palma, um militar de prestígio e de confiança da

tropa, e foi aprovada por el-rei a proposta do Conde de Vila

280

Flor (17), e assim foi participado ao próprio Conde de Palma,

que, com a notícia, ficou não só descontente, como

desprestigiado, o que fazia ser de todo urgente a partida

imediata do seu sucessor. Empatou, porém, esta, o Conde dos

Arcos, e por fim se opôs até abertamente a ela. Quis el -rei

ouvir de novo a Tomás Antônio, e este lhe dirigiu, em 9 de

Dezembro, a sua opinião, nos seguintes termos:

“Torno a restituir à real presença de V. M. os papéis

que me fez a honra de mandar com o voto do Conde dos

Arcos. Ele nada diz de razões: diz que não, porque entende

que não, e contenta-se com impugnar. Portanto, o que V. M.

tem decidido, de ir o Conde de Vila Flor, é muito justo e

acertado; e, se o não fizer, expõe-se a perder a Bahia, e

principiar a revolução no Brasil. É conhecida de V. M. a

manobra da Bahia; todo o mundo conhece e teme, e pergunta

porque não se dá providência. Precisa, pois, dar as

providências já ponderadas, - e não perder tempo, porque eles

não o perdem, e ainda não há notícias do batalhão 12.

“V. M. bem vê que entre um parecer que não diz nada,

nem tem nada que dizer; - e entre outro que se funda na

opinião pública, e que desvia o perigo, deve sguir este, para

ficar tranqüilo na sua consciência. Eu descarrego a minha:

entendo ser necessário, e necessário absolutamente e logo. É

necessário um governador soldado, e não um como Aires Pinto

(18), que se deixou surpreender. É necessário quem desmanche

a combinação dos maçons (19), apresentando outro gênio,

outras inclinações, etc., para terem de firmar novos aproxes.

Enfim, é necessário que aqui haja um presidente, pois o

tribunal está feito um café neutral.

“Não se deixe V. M. iludir: agora é injuriar ao Vila Flor

281

e ao Palma; desanima a todos, e apressa mais a ruína. Se fosse,

devia ser antes de se lhe dizer; agora, é dobrar o mal, tornar a

desfazer o que está feito. Deus nos acuda. Aos reais pés”, etc.

Pediu Vila Flor instruções: deu-lhas Tomás Antônio, em

Janeiro, nos seguintes termos (20):

“Ilmo. e Exmo. Sr. – Havendo V. Exa. de ir exercer o

governo da província da Bahia, na forma das ordens de S.

Majestade, recomenda o mesmo Senhor a V. Exa. em primeiro

lugar a tranqüilidade pública, pois que, nas difíceis

circunstâncias atuais é necessária toda a vigilância, para que o

desvario de alguns não cause a desgraça de todos.

“A respeito de Portugal se comunicação a V. Exa. as

resoluções, que tomar S. Majestade; porque, sendo certo que a

maioria da nação é fiel ao mesmo Senhor, que os soldados

confessam que foram iludidos pelo grito de viva el-rei, e viva

a religião, que não entendiam o que era Constituição, e não

sabiam o que viram depois, que havia um partido que queria

ocupar o governo, desobedecendo a el-rei, e que este partido

apareceu, composto de pessoas que não tinham a aceitação

pública: tudo tem concorrido para que S. Majestade espere as

propostas que lhe fizerem as Cortes, sobre as mudanças, ou

emendas, que acharem convenientes na administração; porque

então dará as suas resoluções, como pai, que, ainda nos

desvarios de seus filhos, procura sempre o bem.

“Por esse motivo, não embarace V. Exa. a remessa do

Tabaco e dos gêneros coloniais para Portugal; procurará,

porém, que não haja remessas de numerário, pois não fazem o

uso digno que devem; não embarace a qualquer que para lá

queira ir pelos seus particulares interesses; porém, cuidará

muito em evitar correspondências suspeitosas, e em não

282

admitir emigrados, sem certeza de que não são emissários,

fazendo-os observar pela política e expelindo-os ou

castigando-os, se forem compreendidos em culpa.

“Havendo tumultos, ou otins, tenha V. Exa. o cuidado

de que se façam aos réus processos judiciais, para não vir a

embaraçar-se o ânimo dos juízes, na imposição das penas.

Mas, quando for necessário preveni-los, ou no flagrante,

proceda militarmente, na forma do regimento dos

governadores, pois a conservação do Estado é superior

consideração.

“Para as províncias vizinhas, haja V. Exa. de ter as

correspondências que forem convenientes; e acudirá a

qualquer que a precise, como o permitir a segurança da sua

própria, assim como dela exigirá os auxílios que lhe forem

necessários, quando os precisar.

“Não permita V. Exa, que os oficiais da tropa estejam

fora de seus postos, nem se demorem os que pertencem a

outras províncias. A administração da justiça é muito

recomendada a V. Exa., e dê parte de qualquer contravenção,

ainda sem esperar as informações secretas anuais; pois são

estes objetos dos que precisam providências prontas de S.

majestade. E na administração da fazenda, e com muita

especialidade da alfândega, onde o descaminho de gêneros

extraviados é muito grande, conduzindo os gêneros

escondidamente para os trapiches, e deixando outros por fora

da cidade, antes de darem entrada; - tenha V. Exa. toda a

vigilância, dando as participações necessárias, para S.

majestade prover s lugares, que o precisarem, preenchendo-os

com pessoas de integridade.

“E como V. Exa. há de achar naquela província amplas

283

instruções, V. Exa, com a sua inteligência e conhecimentos, e

com o grande zelo que emprega no real serviço, as observará

como convém ao serviço de sua Majestade, com inteiro

cumprimento.

“Deus guarde a V. Exa. – Paço, 3 de Janeiro de 1821. –

Tomás Antônio de Vila Nova Portugal. – Sr. Conde de Vila

Flor.”

Desejou, porém, Vila Flor, talvez inspirado pelo próprio

Conde dos Arcos, saber qual seria o seu procedimento no caso

de haver já a Bahia, à sua chegada, proclamado a Constituição,

e para esse fim dirigiu, em 9 do mesmo mês, a seguinte carta a

el-rei:

“Senhor. – Havendo-me V. Majestade, por efeito da sua

natural bondade e graça especial para comigo, permitido a

honra de levar à augusta presença de V. Majestade as

reflexões, que me ocorrem relativamente ao meu

comportamento, nas atuais circunstâncias, como governador e

capitão-general da Bahia, assim como os pontos, sobre os

quais devo ser esclarecido, com ordens e providências

terminantes dadas por V. Majestade; eu, cumprindo com a

determinação de V. Majestade a este respeito, e dirigido pelos

desejos de acertar e de marchar sempre conforme com as

régias intenções de V. Majestade, ofereço à sábia contem-

plação de V. Majestade as seguintes reflexões, em que

somente influi o zelo e interesse, que tenho pela glória e pelo

bem do serviço de V. Majestade.

“1º) Se, ao tempo da minha chegada àquela capitania , se

tiver já declarado algum ato de desobediência da parte dos mal

intencionados, devo regressar para esta Corte, ou desembarcar,

esperando novas ordens de V. Majestade.

284

“2º) Se, no caso de desembarcar, qual deve ser o meu

comportamento para com os rebeldes; enquanto me não

chegam ordens da Corte.

3º) Se, depois de eu haver já tomado posse do governo,

se manifestar algum ato de desobediência e rebelião (o que eu

não espero), deverei retirar-me para a Corte, ou continuar a

persistir ali, até receber novas ordens de V. Majestade.

“4º) Se, apesar de toda a minha vigilância e esforços, se

verificar um tão horrendo atentado, deverei protestar contra os

atos emanados de qualquer governo, que de novo se

estabeleça, ou reduzir-me a uma perfeita nulidade.

“Permita-me V. Majestade, ainda, que eu pondere muito

humildemente que, no estado de expectação, em que devem

ficar aqueles povos pela mudança de governador a respeito do

comportamento, que terei para com eles, é muito conveniente

que V. Majestade se digne dar-me tais instruções, que eu possa

desde logo conceituar-me bem na opinião pública, por meio de

atos, que os possam desviar de quaisquer projetos, que tenham

concebido; porque de me conceituar bem logo ao princípio

dependerá muito a segurança daquela capitania, e a

continuação de sua obediência para com a sagrada pessoa de

V. Majestade, e que eu procurei sempre fazer conservar, à

custa mesmo da minha vida.

“Lembra-me que uma destas instruções seja

relativamente à comissão da alçada, que ali se acha, de

qualquer maneira que V. Majestade digne de considerá-la;

assim como relativamente à tropa, para serem pontualmente

pagos dos seus soldos e mais vencimentos, e fazerem-se

promoções para os corpos, a fim de serem promovidos os

oficiais beneméritos.

285

“Julgo também convir muito que a tropa seja entretida

com repetidos exercícios e distraída, quanto possa ser, de

quaisquer relações que lhe possam ser prejudiciais.

“Estes meios, reunidos a outros, que forem mais do

agrado de V. Majestade, e que chamem a atenção do povo por

uma exata administração de justiça, e uma prudente, porém,

vigilante polícia, darão desde logo uma melhor direção ao

espírito público, ele terá confiança no governo, e, reco-

nhecendo-se em todas estas providências a augusta e benfazeja

mão de V. Majestade, para felicitar os seus vassalos, eles

amarão um governo paternal, que tantos bens lhes confere.

“Deus guarde a preciosa vida de V. Majestade. – Rio de

Janeiro, 9 de Janeiro de 1821.

“Senhor – De V. Majestade o mais fiel vassalo. – Conde

de Vila Flor.”

O certo é que, no dia 30, nada ainda se havia resolvido,

segundo escrevia Tomás Antônio a el-rei: - “Aqui veio o

Conde de Vila Flor, que está amofinado, por não se

desembaraçar para ir ao seu destino: o meu voto é que se

aproveite este intervalo de sossego, - pois já ontem tive notícia

que se tornava a falar no primeiro dia de mostra, e que a falta

de dinheiro de um chefe é que impediu o tumulto na passada.

Um dos meios de o impedir é sair o Vila Flor, e o embaraçá-lo

de ir entrar nos cálculos da facção”.

Devia contribuir para não partir o Conde a falta de

resposta aos quesitos que pusera a el-rei, em carta do dia 9,

acerca do que deveria fazer em determinadas circunstâncias.

Assim, por falta de resoluções decididas, se foi Ficando Vila

Flor, até que, a 17 de Fevereiro seguinte, chegou a notícia da

286

sublevação militar na Bahia, a qual talvez se não houvesse

efetuado, se a tempo houvesse partido o mesmo Vila Flor.

Desde que era tão notável a divergência no ministério,

explica-se a hesitação de el-rei, que tinha o maior escrúpulo de

tomar providências, das quais pudesse resultar derramamento

de sangue.

Em vez, pois, das providências políticas, que eram tão

urgentes, limitou-se o ministério àquelas em que não havia

divergência.

No 1º de Dezembro, a pretexto de não pesar tanto ao

Tesouro da metrópole, foi promulgado um decreto, desligando

do Exército de Portugal a divisão de “Voluntários Reais”,

deixando-a por esse fato descontente, apesar de conceder que

seguissem todos sem diminuição nos vencimentos. No dia

seguinte, deu providências a respeito da maior vigilância e

rigor nos passaportes dos que viessem da Europa; e no dia 16

promulgou um decreto, criando 12 lugares de pensionistas na

freqüência da Academia Médico-Cirúrgia do Rio de Janeiro...

Quanto à revolução de Portugal, o Ministro Tomás

Antônio julgava, e talvez não sem fundamento, que ela por si

mesmo se gastaria, e concluiria por uma contra-revolução,

restabelecendo a situação antiga. Opunha-se-lhe também, nesta

parte, primeiro o Conde dos Arcos, opinando ser da maior

urgência a imediata partida para a Europa do príncipe, o qual

só desde então começou a ocupar-se da política, freqüentando

assiduamente a casa do mesmo Conde dos Arcos (21).

Destarte, a própria apatia do governo incitava a atividade do

príncipe e a do público. Eram freqüentes as reuniões para se

tratar de política, e alguns clubes amiudavam, com o mesmo

fim, as suas sessões.

287

A principal questão, que se ventilava, era a da ficada ou

regresso a Portugal de toda a real família. Era esta (este

regresso) mui calorosamente recomendada de Portugal por

todos os liberais, em suas cartas, e até positivamente prescrita

pelo Grande Oriente da metrópole. Inclinavam-se, como era

natural, os brasileiros a que el-rei não partisse, continuando a

Corte do Brasil, idéia por que, desde anos antes, pugnava em

Londres Hipólito José da Costa (22), que ainda em Abril desse

mesmo ano de 1820 havia dito: “Todo o sistema de

administração está hoje arranjado por tal maneira que Portugal

e o Brasil são dois Estados diversos, mas sujeitos ao mesmo

rei; assim a residência do soberano em um deles será sempre

motivo de sentimento para o outro, a não se fazer mais alguma

coisa. Nestes termos, a mudança de el-rei para a Europa trará

consigo a mudança do lugar dos queixosos, mas não remédio

dos males...”.

Pugnava o partido português pelo regresso de el -rei,

encontrando para isso apoio na legação inglesa, cujo governo

já nesse mesmo sentido trabalhava desde 1814 (23).

No Brasil, os brasileiros mais conciliadores começavam

a propender ao partido de que partisse tão-somente para

Portugal o príncipe real, ficando el-rei, e, vice-versa, os

portugueses menos exigentes se contentavam com a partida de

el-rei, ficando o príncipe regente no Brasil. Os mais exaltados

de uma e outra parte queriam, cada qual para seu país, a

família real toda.

Entretanto, em Dezembro, chegava ao Rio de Janeiro,

partido de Lisboa a 6 de Outubro, o Conde de Palmela, para

tomar posse do Ministério dos Estrangeiros e Guerra, para que

fora nomeado três anos antes. Havia conferenciado com Frei

288

Francisco de S. Luís, membro da Regência em Portugal, e

começou desde logo a insistir com el-rei pela necessidade

urgente de providências, que ele conceituava de francas e

decisivas, mas que foram os seus conselhos dados tão

habilmente que não deixassem no ânimo de el-rei a impressão

de que o mesmo Conde, mais do que a causa da monarquia

(24), advogava a sua própria, e que todo o seu empenho, em

suas tendências anglômanas, era obter uma carta

constitucional, como a de Luís XVIII, onde ele e os seus

parentes viessem a figurar como lordes ou pares hereditários.

Desde logo no voto que, neste sentido, deu por escrito (25),

em 5 de Janeiro (1821), tratando-se de responder aos ofícios

do governo instaurado em Lisboa, começou por assentar uma

proposição, que Tomás Antônio provou de falsa, a de que S.

M. “necessitava de ser rei de Portugal, para conservar o

Brasil”, - Enviou el-rei no dia 6 o parecer de Palmela a Tomás

Antônio, e este ofereceu a el-rei, logo a 7, as seguintes

reflexões:

“Senhor. – Li com a maior seriedade o parecer do

Conde de Palmela; mas nem posso mudar dos princípios com

que já expus a minha opinião, nem me posso convencer dos

fundamentos, ainda que eles são otimamente explicados.

“O parecer em substância é que anuncie V. M. já uma

carta constitucional, e que vá o príncipe real, para presidir as

Cortes, ou governar e fazer cumprir a Constituição dada.

“Minha opinião é diametralmente contrária, porque V.

M. não se deve sujeitar aos revolucionários; - não deve largar

o cetro da mão. Compete-lhe conservar a herança de seus pais

até à última extremidade: não lhe convém aprovar a revolução,

e desanimar todo o partido realista; não lhe é decente seguir os

289

malvados e desamparar os honrados. Eu jurei isto na

aclamação, e já agora hei de morrer fiel ao meu juramento.

Sinto não poder condescender, mas este negócio não é de

condescendências.

Na segunda parte do parecer de ir o príncipe real,

também já tenho dito a minha opinião: a vantagem que V. M.

tem é o estar aqui a salvo toda a família real; portanto, não se

deve conceder, enquanto não voltarem à obediência.

“Estou, portanto, persuadido que se precisa ir

conseqüente com o que se anunciou na carta régia de 28 de

Outubro de 1820, isto é, que V. M. autorizava umas Cortes

consultivas, e que, terminadas elas, iria uma pessoa real a

governá-los.

“Não duvido que no decreto se explique mais essa

alternativa, de estar uma pessoa real no Brasil e outra em

Portugal, que se diga que, para a segurança das pessoas,

apontem se precisa algum aditamento a Ord. liv. 5º, tit. 119,

assim como, para a segurança das propriedades, se o precisa, a

lei da Ord. liv 4º, tit. 4º, II. E que as propostas das Cortes de

mandarão examinar aqui por pessoas dignas, das capitanias e

províncias do Brasil, para se conhecer por V. M. se são

aplicáveis e úteis as inovações que se propuserem.

“Mas sempre é preciso que V. M. conserve a autoridade

de rei, que tem de seus avós, e se, deixa rasgar o véu, se deixa

publicar que os seus ministros votam em Constituição, se

mostrar qualquer dubiedade que se perca o primeiro respeito,

está tudo perdido: desanimam-se os realistas e atrevem-se mais

os revolucionários, que por toda parte têm observadores. V. M.

sabe que logo ontem se disse que V. M. tinha aprovado (26)

uma Constituição; e sabe a comoção que isto fez.

290

“Disse acima que me não convenciam os fundamentos,

e vou dar a razão.

“O primeiro é ser o exemplo das outras nações, e por

isso precisa medidas diversas; porém, o que se tem visto nas

outras nações é que, vencido o ponto de terem Constituição,

passarem a formar-se conjurações contra os soberanos; e assim

parece de temer; pois, vencido o ataque contra a autoridade,

segue-se o atacar a pessoa. Logo, é um mal adiantar-lhe, de

moto próprio, um fim, do qual se não segue o sossego; mas

então é que principiam os perigos.

“O que fez Luís XVIII, de oferecer a Carta, não é

paridade, pois ele a deu como graça, estando os exércitos

aliados subjugando a França. Mas, neste caso, é oferecida aos

revolucionários, que estão governando Portugal; é temos , não

é graça. Com esta medida vai perder-se a esperança do

sistema, que poderão tomar a favor da autoridade real, as

nações da Europa. Vai perder-se a esperança da contra-

revolução da Espanha, e vai perder-se a esperança da

obediência de Portugal, quando os atuais intrusos perderem a

popularidade. Logo, a pressa é mais um mal do que um bem.

“O outro fundamento de que o Brasil depende de

Portugal, e que dali se pode conservar, - não me convence;

porque o Brasil é independente, nenhuma potência da Europa o

pode atacar com vantagem. E bem se vê que a maior ânsia dos

revolucionários é incendiar o Brasil; porque, se ele se separa e

rompe a comunicação, Portugal tem de cair. Ele precisa ser

considerado como Hanover a respeito da Grã-Bretanha.

“O fundamento de que a ida de S. A. R. há de conter os

revolucionários nos seus limites, é somente de boa esperança;

mas não tem garantia, nem segurança; e não é possível dizer

291

que uma pessoa real se deve ir expor a ultrajes, e que seja

decoroso ir por incertezas estar à discreção dos

revolucionários, ou ir ser chefe de partido e não regente.

“Estou, pois, no mesmo parecer em que estava. V. M.

deixe-se estar no seu trono; e nem falar em Constituição.

Prometa todos os bens e as mudanças de leis que forem

prudentes ou úteis; escreva-se aos povos de Portugal, nomeie

desses mesmos do governo intruso alguns, e espere os

sucessos. A vertigem revolucionária não pode durar muito

tempo, para que, quando ela passar, o achem rei, e não

presidente. Aos reais pés”, etc.

Desta forma, Tomás Antônio sustentava o teor da carta

régia de 28 de Outubro, insistindo não dever el -rei prescindir

de duas coisas: - 1ª) Declarar expressamente que as Cortes

seriam consultivas, na conformidade das leis do reino; 2ª)

Exigir que as propostas, reformas e mudanças viessem à sua

presença, para as mandar examinar “por pessoas de províncias

do Brasil”.

Travou-se, então, no seio do gabinete, uma luta franca

entre Tomás Antônio e Palmela, para cujo lado se inclinava o

Conde dos Arcos, lutando, porém, às escondidas, aliciando-se

o príncipe real, a rainha e alguns chefes portugueses, com os

quais também por fim se comunicou Palmela.

Quis el-rei ouvir também, acerca desta questão, o voto

por escrito de João Severiano, e, tardando este, assim o

advertia, no dia 14 do mesmo Janeiro, a Tomás Antônio, que

lhe respondia: - “Sem dúvida é necessária toda pressa em

tomar resolução: mas bem vê V. M. que ela vai seguindo seu

caminho e não aproveitava nada mandar-se dizer que V. M.

cede nenhum ápice da sua real autoridade. Se cede, para

292

repartir com a nobreza, virá a perder-se toda, tirando o povo

tudo: o meio de conservar-se a nobreza é conservar-se os usos

do reino; e o soberano é que a defende. Mas o mais necessário

é para tranqüilizar p Brasil; mas este não se tranqüiliza por V.

M. ceder da autoridade, mas sim por declarar que quer

emendar abusos” (27).

Insistiu Palmela em suas idéias, nos dia 16, 26 e 27 de

Janeiro, oferecendo até um projeto de manifesto (28) aos

povos de Portugal, e respondeu Tomás Antônio a 29 (29):

“Senhor. – Não concordo de modo nenhum no voto do

Conde de Palmela, enquanto diz – Que vá o príncipe-regente

nosso senhor – Que vão declaradas as concessões da Nova

Constituição.

“Já expus as razões, e estou firme que, uma vez

encetada a autoridade real, toda vai perdida, e mais se não

pode suspender a torrente. Modifico, porém, o meu voto: 1º)

Que se declare a nulidade da convocação, e, sem se falar nisso,

somente se inste em que venham as propostas e requerimentos

das Cortes à aprovação real; 2º) Que, muito embora se não

nomeiem nenhuns governadores de fora, - mas somente dos

que estão governando de fato; 3º) Que para procurador régio,

nas Cortes, seja nomeado o Arcebispo de Évora.

“Com estas mudanças, voto que vá a carta régia ao povo

de Portugal, que apontei com o decreto da nomeação do

governo, e a carta régia de 28 de outubro, que é conseqüente

com isto.

“Este plano admite ainda mais instâncias sobre a réplica

que fizerem: e como V. Majestade está no Brasil, e precisa

conhecer a vantagem da sua posição, é quanto penso, o meio

melhor de escolher, e não dar-se já por vencido, não sabendo

293

ainda o que há de tecer a favor dos tronos; Há de despojar -se,

para que o não despojem!

“V. M. tem na sua real presença os votos todos; digne-

se escolher o que lhe parecer melhor.

“E, decidido este ponto, se passe a tratar dos

melhoramentos do Brasil. Aos reais pés de V. Majestade. –

Tomás Antônio de Vila Nova Portugal. – 28 de Janeiro de

1821.”

Decidiu-se então el-rei a cansar antes a Palmela com

evasivas, segundo costumava (30). E, por sua parte, Tomás

Antônio começava a não contar muito com Portugal; e até, por

decretos de 4 de Janeiro (1821) fazia converter em pensões,

pagas pelos cofres de Pernambuco e do Maranhão, as

comendas lucrativas em Portugal, com que antes haviam sido

agraciados, em recompensa dos seus relevantes serviços, os

Capitães-Generais de Pernambuco e Maranhão, Luís do Rego e

Bernardo da Silveira (31).

Neste comenos, apareceu, clandestinamente impresso, e

em francês, depois do meado de fevereiro, e começou a correr

por toda a cidade, um escrito anônimo acerca da questão:

Devem, nas presentes circunstâncias, el-rei e a família real de

Bragança voltar para Portugal, ou ficar no Brasil? (32).

Sustentava o folheto que a família de Bragança não

devia deixar o Brasil, e alegava para isso umas seis poderosas

razões: Que Portugal não podia naquele momento passar sem

o Brasil, ao passo que este não tirava nenhumas vantagens da

união; que a partida da família real seria o prelúdio da

Independência; que el-rei poderia conservar íntegra a sua

autoridade no Brasil, fundando aqui um Império de bastante

peso na política do mundo; que o vôo revolucionário de

294

Portugal se afrouxaria, ficando el-rei, ao passo que não se

conteria, tendo os revoltados o rei em suas mãos; que a melhor

posição de el-rei, em presença dos fabricantes da Constituição,

era aquela mesma em que a Providência o colocara, desviado

do foco da sedição e senhor da parte mais florescente e

importante do Império; que em todo caso, el-rei estaria sempre

no caso de poder dar, a todo tempo, esse passo da viagem à

Europa.

Atribuíram então alguns este escrito, impresso

inquestionavelmente no Rio, a João Severiano; mas a opinião

mais geral o julgou obra do publicista Silvestre Pinheiro (por

ter sido escrito em francês, língua em que então, entre os

nacionais que estavam no Rio, só ele se abalançaria a escrever

para a imprensa). A alusão ao mesmo Silvestre Pinheiro é bem

manifesta em uma passagem da resposta ou Exame analítico-

crítico do mesmo escrito, que logo, nesse menos ano, se

publicou na Bahia (33), para destruir a impressão causada ao

partido português, que desejava o regresso do rei.

Entretanto, na correspondência de Tomás Antônio

aparece como escrito por um tal Caille, e mandado imprimir

por Tomás Antônio por conta do próprio Erário; mas não seria

impossível que, se existia algum indivíduo deste nome, não

seria mais que testa de ferro, pois, a ser tão grande pensador

como o escrito mostra, se houvera denunciado por outras obras

(34). Também acreditou haver tido parte no folheto o dito João

Severiano (35), que sustentou tais idéias, e estava então mui

chegado aos conselhos do rei e do dito Tomás Antônio.

Foi tanta a impressão que produziu em Portugal a

simples aparição deste folheto, que, logo uns três meses depois

(Abril de 1821), foi publicado em resposta outro folheto,

295

combatendo a idéia de ficar el-rei no Brasil, com o título de

Considerações sobre a integridade da monarquia portuguesa.

Bem que anônimo, sabe-se (36) que foi escrito pelo Dr.

Francisco Soares Franco, médico distinto, que veio a tomar,

como deputado, assento nas Constituintes.

Ainda um mês depois, em lugar de resoluções de

natureza política por que todos ansiavam, apareceu publicado

o alvará com força de lei de 6 de Fevereiro de 1821, criando

um Tribunal de Relação na vila do Recife de Pernambuco. Foi

organizado em tudo análogo ao que sete anos antes fora

decretado para o Maranhão, servindo-lhe até o mesmo

regimento, ficando, porém, do distrito da nova Relação a

província do Ceará, bem como as do Rio Grande e Paraíba e a

nova comarca do Rio de São Francisco.

Em nosso entender, têm vários escritores sido mui

injustos com Tomás Antônio, apresentando-o até como escasso

de luzes. Fazemos dele mui diferente opinião: se não obrou

como constitucional cremos que obrou como leal, e temos para

nós que, de acordo com os princípios que havia jurado, um

hábil Metternich não houvera procedido melhor. Não é pelos

resultados, em que influíram até menos lealmente os seus

próprios colegas, nem pelas idéias que vieram a triunfar e a

estar em voga, que ele deve ser julgado: é pela sã razão.

Cedendo cada um dos votantes de parte de suas

opiniões, assentou-se, no dia 30, em que partisse o príncipe

real, e no dia seguinte escrevia Tomás Antônio a el-rei que

falasse ao mesmo príncipe. Eis o teor da carta:

“Senhor. – Muito tenho pensado neste negócio; agora

mesmo o tenho estado a conferir com Paulo Fernandes (37); e

não pode haver dúvida, sendo como se conveio na conferência,

296

isto é, ir o príncipe real a ouvir, saber as queixas, remediar o

que for, segundo as leis, e propor a V. Majestade as emendas

ou reformas – e, segunda parte, nada falar de Constituição, e

tudo de melhoramentos, e conservar a autoridade real toda

inteira para V. Majestade e seus sucessores.

“Como nisto cada um cedeu de metade da sua opinião, e

está concordado, está em termos de V. Majestade assim o

decidir.

“Segue-se, pois, falar V. Majestade ao príncipe real: por

muitos motivos – para V. Majestade ouvir o imediato sucessor,

antes de decidir – para que ele diga se voluntariamente quer

fazer esta ação, que é de grandes conseqüências – e em

terceiro lugar, porque é ação de amizade e de confidência V.

majestade e ele.

“Pode V. Majestade ter a certeza que, em falar-lhe, faz

a coisa, que será para ele mais lisonjeira, e para o reino todo é

o mais saudável ser esta medida ajustada entre V. Majestade e

o príncipe.

“Só pode repugnar a ir sem a princesa, e nisso se pode

ceder, pois o ponto principal para o sossego do Brasil, e para

conservar o respeito da monarquia na Europa, é ficar no Rio de

Janeiro o trono, que é V. Majestade, e a sucessão direta da

coroa; e por isso, em ficando os netos de V. Majestade, ou dos

dois, um que há, outro que se espera (38), o que for o sucessor,

é o que basta para o essencial.

“Pelo que, não pode haver dúvida em V. Majestade lhe

falar: dizendo-lhe que ontem, discutindo-se as opiniões, cada

um cedeu parte da sua, e se concordou em ir por aquele modo

S. A. Real; mas que era bom consultar a sua vontade, pois lhe

pertencia tanto o negócio, como pessoa, e como herdeiro do

297

reino.

“Ele responderá a V. Majestade o que entende: e V.

Majestade pode decidir com ele sobre o que digo de ir só, ou

acompanhado, criados, que leve, tempo e modo de ir, etc.

“Esta conferência, que V. majestade tiver, será muito

gloriosa para V. Majestade, e mostrará ao mundo que a

vontade de V. Majestade é toda o bem dos seus vassalos.

“Aos reais pés de V. Majestade”, etc.

Respondeu o príncipe, prontificando-se para partir:

comunicou el-rei no dia 4 de Fevereiro a sua resposta a Tomás

Antônio, que lhe agradecia da forma seguinte:

“Senhor. – Dignando-se V. Majestade fazer-me a honra

de eu saber a resposta e voto de S. A. Real, o sereníssimo Sr.

Príncipe Real, não posso deixar, primeiro que tudo, de beijar a

real mão de V. Majestade, pela penetração de pensar, pelo

ânimo cheio de heroísmo e pela fidelidade, que reluz no

parecer a resposta do mesmo senhor.

“Estando, pois, decidido o mesmo senhor a partir, me

parece uma lembrança feliz o ir com o título de Condestável,

pois leva com ele toda a autoridade militar e toda a

preponderância civil, e é um título português que certamente

dará grande peso, neste caso de umas Cortes, que é necessário

obrigar a que sejam portuguesas.

“É sem dúvida necessário o manifesto ou carta régia aos

povos; e não pode haver dúvida, antes é absolutamente

essencial, que nele se declare o que diz S. A. Real: - Que as

Cortes se devam convocar, conforme os usos e costumes da

nação, e que elas, assim convocadas, deliberem as reformas

que convierem, - mas as bases sejam as da Constituição

portuguesa; sem discutir por hoje outras, para ir bem conforme

298

a estas palavras da opinião de S. A. Real; para não perder

nenhum fruto de uma tão grande ação, como é a ida do

príncipe sucessor da coroa, que pela sua presença e respeito os

fará comedir a não exigirem formas estrangeiras, que sejam

coartadoras da real autoridade; e para não obrigar de uma vez

as inteligências que sejam anti-monárquicas. A presença de S.

A. Real pode ir diminuindo a efervescência dos espíritos; o

tempo que for passando dá lugar a melhorar-se o espírito de

obediência e do obséquio e acatamento ao mesmo Senhor; e o

mesmo intervalo, que pede a realeza, de virem as propostas

das reformas, logo que alguma delas está discutida, a receber a

aprovação e sanção real, pode ir melhorando cada dia mais.

“É pois, de toda justiça e política que sejam ouvidos

representantes do Brasil, porém vindo as propostas à presença

de V. Majestade e aqui mandando-os ouvir. Porque não se hão

de imitar as Cortes de Cádiz, e, demais, há de ser estranho que

os representantes do Brasil não venham aonde V. Majestade

está, e sejam mandados para as opiniões perigosas de Portugal;

porém, sendo ouvidos aqui, segue-se exatamente o espírito de

opinião de S. A. Real deles deverem gozar dos mesmos

direitos, sem o inconveniente de os separar da presença do rei;

e, entretanto, estão as Cortes permanentes.

“E, se é licito adiantar parecer, podiam nomear-se dois

procuradores de V. Majestade em Cortes: um, algum dos

bispos de Portugal; e outro, um desembargador do Paço do

Brasil, João Severiano Maciel da Costa, o que parece ser

conforme ao espírito desta observação que faz S. A. Real”.

“Aos reais pés...”

A pedido de Palmela, demorou-se a partida do correio, a

fim de que a ida do príncipe não fosse prevenida; mas, por

299

vim, se deixou partir depois do dia 11, pelas instâncias do

Conde dos Arcos, que já talvez maquinava em que el-rei e não

o mesmo príncipe devia ir para Portugal.

Chegou a estar até indicado o pessoal que devia

acompanhar o príncipe, que só esperava pelo bom sucesso da

princesa real para partir, quando no dia 17 chegou uma notícia

de maior transcendência.

Havendo, porém, já, entretanto, lavrado através dos

mares a revolução constitucional, passando à Madeira, a quase

todo o arquipélago dos Açores, e por fim, no dia 1º de Janeiro

de 1821, ao Pará, e, no dia 10 de Fevereiro, à própria Bahia, a

notícia, que então chegava desta última cidade, vinha alarmar

a todos no Rio de Janeiro.

Par não estarmos interrompendo a cada passo o fio da

narração com os fatos parciais de cada província, faremos

apenas aqui, nesta parte da nossa narrativa, menção

unicamente dos fatos que com ela se ligarem, reservando os

pormenores de quanto se passou em cada província para outra

seção, em que historiaremos mais por miúdo os sucessos em

cada uma delas ocorridos.

A maior distância do Pará fez que primeiro chegasse ao

Rio de Janeiro, no dia 17 de Fevereiro, a notícia da

proclamação constitucional da Bahia, donde regressariam à

Corte o Capitão-General Conde de Palma e o Marechal-de-

Campo, comandante das armas, Felisberto Caldeira Brant (39),

na fragata inglesa “Icarus”.

Foi a legação inglesa a primeira a ser informada,

comunicando o Ministro Thornton (40) a notícia a Palmela e

enviando-lhe a própria carta do cônsul inglês na Bahia,

participando o ocorrido. Transmitiu Palmela a tradução desta a

300

el-rei, acompanhando-a da insistência de providências prontas

e eficazes, incluindo a da imediata convocação de um conselho

de seus ministros e pessoas de maior confiança. Teve este

lugar no dia 18, e assistiram a ele, além dos ministros. os

Marqueses de Alegrete e Valada, os dois Capitães-Generais

então na Corte, Condes da Figueira e Vila Flor, Paulo

Fernandes, João Severiano e outros. Confirmou-se nele a

resolução da viagem do príncipe real, encarregando-se Palmela

de apresenta um projeto de manifesto aos povos de Portugal e

de umas bases constitucionais, que enviou a el-rei no dia 21,

insistindo na necessidade da publicação do manifesto e

também de um decreto contendo as ditas bases constitucionais,

que era servido outorgar (41).

Reduziram-se as bases, à divisão de poderes: igualdade

de direitos, liberdade de imprensa, segurança individual e de

propriedade, responsabilidade dos ministros, contendo um

período acerca da convocação de uma Junta de Cortes no

Brasil, composta dos procuradores das Câmaras.

Consultou el-rei ao príncipe acerca da proposta

publicação das bases, e, recebendo dela a competente resposta,

comunicou-a a Tomás Antônio, e este assentou que, sem mais

consulta, podia mandar publicar o decreto, sem falar em tais

bases. A resposta do príncipe, confirmada no despacho a que

assistiu no próprio dia 22, foi concebida nos seguintes termos

(42):

“Senhor. – Lei nenhuma terá vigor, sem ser proposta

pelo rei, em Cortes, as quais devem ser consultivas, quero

dizer, terem o direito de discutir a proposta real, a qual,

decidida pela pluralidade de votos, será sancionada pelo rei.

“Mandar as bases da Constituição, é reconhecer a

301

convocação destas Cortes; reconhecida aí, está reconhecido o

governo, e é indecoroso a V. Majestade. O reconhecimento é

uma vergonha certa, e ser ou não ser admitida uma

probabilidade e incerto; portanto, neste caso, o melhor é ir

pelo incerto do que não pelo certo. – Pedro.”

Ainda neste mesmo dia 22 apresentou-se Palmela a

Tomás Antônio, com outra minuta de bases.

Ponderou-lhe Tomás Antônio que, à vista da resolução

do príncipe, por ele ratificada de novo nesse mesmo dia,

estava resolvido que elas se não deviam publicar. Notando,

porém, os desejos de el-rei por não contrariar a Palmela,

enviou-lhe à assinatura o decreto pelo que devia respeitar ao

Brasil e acrescentou que mandasse o Conde lavrar o alvará,

com as bases, que a ele competia o referendar, e acrescentava

a el-rei: - “Ele (Palmela) mandou dizer aos regimentos que V.

M. dama uma Constituição inglesa e quer por força que se

publiquem as bases. Decida V. M. isto, porque eu não o posso

fazer. Publique ele as bases para Portugal, como lhe parecer

bem; mas não se embarace com o que é preciso no Brasil: aqui

não dá por contrato; é em Portugal: e faça para lá outro

diploma. É o que entendo, e assim farei a comunicação. E V.

M. mande-me a decisão, pois, depois de as haver com seu

filho, não há, quanto a mim, mais que hesitar”.

À vista desta insistência, resolveu-se el-rei a assinar o

decreto; mas não deixava de advertir ainda ao seu ministro: -

“Tomás Antônio veria as gazetas que me mandou a força com

que falam em Constituição, chegando a dizer que esperam que

todo o Brasil as siga: igualmente a força com que fala o Conde

(de Palmela) a ponto de pedir a sua demissão. Remeto o

decreto assinado, autorizando-o para o mandar publicar, no

302

caso que tudo que lhe digo não fizer obstáculo. Julgo que

seria conveniente fazer alguma comunicação ao Conde, antes

de se publicar. A única coisa que me faz alguma força é que

diz o Conde que melhor é o dar espontaneamente do que por

contrato”.

Tomás Antônio, sem fazer esta comunicação a Palmela,

recomendada por el-rei, talvez porque temia dele receber outro

projeto de decreto, que não era de seu gosto, mandou-o

imprimir, dizendo a el-rei que não havia que comunicar, por

ser parte do outro que já fora comunicado, de modo que

Palmela só veio a ter dele conhecimento depois de publicado.

Já no dia 22 o Intendente da Polícia instava com Tomás

Antônio pela publicação do decreto, acrescentando, segundo

este dizia a el-rei, que o voto geral ia sendo que se falasse

alguma palavra mais expressa, - de que o que houvesse de

adotar-se haja de ser Constituição dada a Portugal, - e que

querem se fale em Constituição. – “Isto é mais do que ontem

se dizia (acrescentava Tomás Antônio) na conferência, porém

é preciso estar-se por isso; pois cada dia vai sendo pior, a

demora a fazer desconfiança”.

O decreto apresentado à régia assinatura no dia 23, com

data de 18, dia da reunião do conselho (bem que só fosse

impresso a 23), declarou que o príncipe real iria a Portugal

(43) “para ouvir as representações e queixas dos povos e para

estabelecer as reformas, melhoramentos e leis que possam

consolidar a Constituição portuguesa, e tendo sempre por base

a justiça e o bem da monarquia, procurar a estabilidade e

prosperidade do reino unido”; devendo ser-lhe transmitida

pelo mesmo príncipe real a Constituição, “a fim de receber,

sendo aprovada, a real sanção”. Acrescentava, porém, o

303

decreto que, não podendo a Constituição que se houvesse de

estabelecer para Portugal, “ser igualmente adotável e

conveniente em todos os seus artigos e pontos essenciais à

povoação, localidade e mais circunstâncias do Brasil, ordenava

a convocação de outras Cortes no Rio de Janeiro”. Para

preparar os trabalhos deste congresso, criava pelo mesmo

decreto uma comissão, cujos membros, vinte em número,

foram nomeados por outro decreto datado de 23, publicado só

no dia 25, e foram escolhidos quase todos entre os brasileiros

natos.

Por esta resolução se formariam duas constituições e

duas capitais, habitadas estas alternativamente pelo soberano e

herdeiro da Coroa.

Tais idéias, que eram também as do Conde dos Arcos,

aceitas pelo príncipe real, eram as que já grassavam em

Portugal em fins de 1820; e não era muito que, mais de mês e

meio depois, já se tivessem espalhado por toda a cidade do Rio

de Janeiro. Ainda em fins de 1820 se imprimira em Lisboa

(44), para ser, como foi, distribuído no 1º de Janeiro, um novo

periódico (45), cujo primeiro número continha um longo artigo

de nove páginas com o título de “Considerações sobre a união

de Portugal com o Brasil”, o qual concluía por esta forma: -

“Temos jurado por nosso rei constitucional a D. João VI, por

ele erguemos o grito de independência; assim, cumpre que ele

se recolha a Portugal, ou nos envie seu augusto filho. Ou ele

venha ou mande seu filho, por ambos os modos a

independência dos governos parece-nos indispensável. É de

crer que el-rei tenha uma vez idéias políticas, ao menos por

vantajosas à sua pessoa: nesse caso, os vastos domínios do

Brasil formarão a sua monarquia, a que dará uma Constituição

304

livre; e no que não deve andar dormido, pois que ninguém

afiançará felizes resultados ou pacíficos procedimentos em

uma revolução suscitada nesses países: enviar-nos-á para

nosso rei constitucional a seu augusto filho; e, compostas

assim ambas as partes, um tratado que assente em bases de

comum interesse e recíproca utilidade ligará estes dois reinos

independentes, com um vínculo mais apertado e consistente

que esse que até aqui tem existido”.

Desta época deve ter sido um trabalho que Luís Antônio

Rebelo da Silva disse depois nas Cortes (46) haver escrito

“para informar a el-rei sobre os riscos que corria a integridade

da monarquia, se ele não viesse sem perda de tempo para

Portugal, e não adotasse a forma de governo pelo qual se tinha

declarado o espírito geral da Europa”.

Se as resoluções tomadas se houvessem promulgado

logo à chegada das primeiras notícias do movimento em

Portugal, e antes que os planos de conjuração tivessem tomado

tanto incremento e que a Bahia se houvesse pronunciado, é

mais que provável que a independência do Brasil se teria desde

então feito pacífica e progressivamente, e que Portugal teria

concluído por pactuar com o rei, a não preferir aclamar o

Duque de Cadaval ou unir-se à Espanha, recurso que Manuel

Borges Carneiro não tinha tido dúvida em assoalhar (47), mas

que encontraria contra si a liga das potências da Europa, e que

não poderia vingar.

Mas, depois das ocorrências da Bahia, principalmente, o

plano do novo regime era perigoso, e ameaçava o

fracionamento do Brasil, confederando-se a Portugal algumas

províncias, para entrarem no gozo de mais direitos

constitucionais do que os que lhe eram oferecidos por Tomás

305

Antônio. Do que ocorria, ia Tomás Antônio dando parte a el -

rei nos termos seguintes: - “Senhor. – Mandei para a

impressão o decreto, pois o que está decidido não precisa

demorar-se, e o publicar bases ou não, instalada a Junta, se faz

mui bem, baixando à Junta. E, assim como vai, é melhor, sem

dúvida nenhuma; mas sempre desejo que V. M. aprove. Agora

podem já publicar-se os da Junta; e V. M. digne-se a ver a lista

que mando inclusa, que pode também imprimir-se amanha...”.

Aprovou el-rei a publicação do decreto, acrescentando

que, quanto à lista para os membros da nova Junta, encontrava

nela alguns que não seriam bem vistos, sendo aliás necessário

que todos contassem em seu favor com a opinião pública.

Impresso o decreto, remeteu-o Tomás Antônio a el-rei,

dizendo: “Chega impresso o decreto, que remeto; mas é

necessário o outro da Junta, para não dizerem que é para

enganar. E, em vindo assinado, se pode imprimir hoje. Agora

podem-se mandar quaisquer bases, ou inovações, que parecer à

mesma Junta, para se discutir. Os nomeados, os estive

conferindo, como V. M. sabe”.

Respondeu el-rei: - “Remeto assinado o decreto: quanto

aos membros, José de Oliveira Barbosa (48) me parece pouca

coisa. Se houvesse algum que não fosse conhecido e capaz,

seria bom, para não parecer paixão, mas só desejo de acertar.

Responda-me, para mandar expedir”.

Replicou Tomás Antônio que pouco importava Oliveira

Barbosa, que eliminava; propondo, porém, José Caetano

Gomes, Antônio José da Costa Ferreira e também o Mosqueira

(49), como procurador da Coroa. Pedia pelo decreto assinado,

“pois a tropa esperava Constituição inglesa”; e acrescentava:

“não se meta barulho de que o outro foi para enganar”. Quanto

306

na tarde de 23 esta instância chegou ao paço, el-rei se havia

recostado, e só despertou às 9 horas, “bem aflito pela demora”.

Lembrou ainda para a lista Monsenhor Almeida (50), visto não

haver nela nenhum eclesiástico, João José de Mendonça, que

fora corregedor de Évora, e Camilo Maria Tonnelet; e que se

lembra-se de mais “dois negociantes do Porto, que achasse

bons”.

Logo depois de publicado o primeiro decreto

convocando a Junta, no próprio dia 23 escrevia el -rei: -

“Tomás Antônio. – Agora acaba de falar-me o comandante da

polícia, dizendo-me que o Decreto foi mal recebido, e que já

se fala descaradamente que o que querem é a Constituição de

Portugal: como hoje se deve publicar o decreto da Junta, seria

melhor ver se nele se dava a esperança de que se devia aceitar

a dita Constituição, com as mudanças adotáveis ao país, ou dar

as bases. – João Carlos”.

Entre os papéis de Tomás Antônio se encontrou a

seguinte minuta, com data de 23, que atribuímos a projeto de

Palmela: - “Tendo estabelecido uma Junta de Cortes, para se

tratar da aplicação que poderá ter ao Brasil a Constituição que

se está discutindo e organizando nas Cortes de Lisboa, para vir

à minha real sanção, para se facilitarem mais os exames e

trabalhos da sobredita Junta: hei por bem declarar que seja

admitida a sobredita Constituição de Portugal, com as

modificações e aplicações próprias ao Brasil, e sobre esta base

continuará os seus exames a mesma Junta, a qual assim o terá

entendido e executará nesta conformidade”.

O certo é que desagradou também a Palmela a

publicação do decreto, e no dia 24 dirigia a el-rei a seguinte

carta (51), pedindo a sua demissão:

307

“Senhor. – Suplico a V. Majestade que se digne

dispensar-me hoje de ir ao despacho; acho-me com uma grande

dor de cabeça, e sumamente transtornado pela publicação que

vi ontem, e pelo modo com que V. Majestade tomou esta

resolução.

“O que é certo, Senhor, é que, se algum meio resta

ainda de servir a V. Majestade, e de lhe evitar a desgraça e a

humilhação de receber a lei, que lhe quiserem impor, como a

recebeu o Sr. D. Fernando VII, é o adotar V. Majestade um

sistema claro, e segui-lo com lisura. Pra conseguir este fim, é

necessário que V. Majestade tenha plena confiança naqueles a

quem faz o honra de escolher para seus ministros, e que os

seus ministros coincidam todos num mesmo modo de pensar e

de obrar.

“Meias medidas são, na minha opinião, ainda mais

nocivas do que uma total inação, porque, em lugar de

satisfazerem, irritam os ânimos, e dão uma prova de falta de

meios de resistência, e ao mesmo tempo de falta de vontade de

conceder. É de advertir, além disso, que as concessões, que

ontem teriam sido suficientes, talvez para evitar uma comoção

no Rio de Janeiro, hoje, ou amanhã, já o não serão!

“Lanço-me, portanto, aos régios pés de V. Majestade,

para lhe pedir que se digne dispensar-me do ministério, de que

não posso dar conta, nem como utilidade do serviço de V.

Majestade, nem com honra minha. Protesto, porém, que, sendo

bem alheia do meu caráter a idéia de aumentar os embaraços,

em que V. Majestade se acha (se é possível que a falta de um

indivíduo insignificante, como e, tenha esse resultado), e ainda

mais o desejo de adquirir uma aura de popularidade, que

sacrificarei sempre gostoso ao serviço de V. Majestade e ao

308

cumprimento do meu dever; guardarei, enquanto V. Majestade

me não ordenar o contrário, o mais profundo silencio sobre a

humilde súplica que agora lhe dirijo, e, continuarei mesmo, se

V. Majestade assim o quiser, a ocupar-me, em casa, do

expediente ordinário dos negócios destas repartições, até que

V. Majestade destine a pessoa a quem deverei entregar a pasta .

“Permita V. Majestade que, na maior agitação, por me

atrever a levar uma tal petição à presença do augusto soberano,

a quem tenho consagrado, a sua real mão. – Conde de Palmela.

– Rio de Janeiro, 24 de Fevereiro de 1821”.

Afligiu-se el-rei e ordenou a Tomás Antônio que fosse

conferenciar com o mesmo Conde, dizendo fazê-lo da parte de

el-rei, mui sentido do seu incômodo.

Cumpriu Tomás Antônio pontualmente as ordens de seu

augusto amo, e nesse mesmo dia 24 lhe dava disso conta na

seguinte carta:

“Senhor. – Fui conferir com o Conde, e ele falou com

toda a boa-fé, assim como eu com ele. Depois de discorrer na

matéria assentamos que ele mandaria chamar esta tarde, dos

nomeados, e de foram – Saraiva, Carretti, João de Sousa e

Manuel Jacinto (52), aqueles para que assegurassem os

batalhões de que não se fazia engano, - e ele me avisava para

amanhã, pelas 10 ou 11 horas, mandar chamar toda a nossa

Junta nomeada, na sua casa, onde eu irei. – e ouvi-la sobre os

dois projetos, ou o das bases da Constituição para Portugal e

Brasil, ou o de reconhecer já a Constituição de Lisboa, que

vem a ser a de Espanha.

“Entende, e eu também, que este é o último caso, e por

isso se ao deve já fazer, pois que dele se não pode passar

adiante: diz que melhor será dar as bases.

309

“Ele lembra, além dos nomeados, o João de Sousa: e

não me parece mal.

“É, portanto, o seu desejo, que V. Majestade lhe mande

dizer alguma palavra, de que continue a servir, e que não está

pela desculpa.

“Parece-me, pois, fazer-se assim, e, como se tomam

estas medidas, acho que não tem perigo: como, porém, diz o

intendente (53) que o sinal são as girândolas, pode muito bem

não se mandarem deitar, se o bom sucesso for hoje ou amanhã.

“Eu vou fazer os avisos de prevenção para chamar a

Junta.

“Aos reais pés de V. Majestade. – Tomás Antônio de

Vila Nova Portugal.”

Desta comunicação resulta, com a maior evidência, que

já então Palmela se achava relacionado com alguns dos

Portugueses, chefes militares da sublevação, Saraiva (da Costa

Refoios), Caretti e João de Sousa. Resulta igualmente que a

demissão de Palmela não se fez efetiva; pois que se prestou a

assistir como ministro à primeira, e única, sessão da Junta

nomeada, que teve lugar (54) em uma casa na Rua do Conde

(Catumbi) (55), na manhã de 25. Nessa reunião insistiu

Palmela em apresentar e fazer adotar as suas bases; havendo,

porém, quem levantasse a voz, tratando de rebeldes e

revolucionários os de Portugal, acrescentando que não

convinha com eles transigir dessa maneira, separaram-se

todos, sem nada haver resolvido.

Desesperaram-se com isto as tropas portuguesas, e

julgaram chegada a sua vez de obrar, e por certo que, se

Palmela não as animou, tampouco, despeitado como se achada,

as conteria. Assim, só à resolução da Junta cabe, e não a el -rei,

310

nem a Tomás Antônio, a responsabilidade da revolução que

teve lugar no dia seguinte.

Havia-se formado, desde algum tempo, um pequeno

conclui (56), para promover a proclamação da Constituição

portuguesa. Eram membros ajuramentados dele o bacharel

Padre marcelino José Alves Macamboa, o Padre Francisco

Romão de Góis e outros portugueses estranhos aos interesses

do Brasil e nele não domiciliários (57). Celebravam suas

reuniões todas as tardes em casa do dito Padre Macamboa, e

por influência até da rainha que desejava que el -rei fosse

obrigado a retirar-se para Portugal, chegaram a pôr-se em

inteligência com o príncipe real, vendo-o até em palácio, na

sala do seu guarda-roupa, por baixo da sala chamada dos

Pássaros. Reconhecera ademais o príncipe que, proclamada já

a Constituição na Bahia, era intempestiva e perigosa a

tentativa aconselhada por Tomás Antônio e prometera que

chegando o caso, auxiliaria um movimento constitucional.

Haviam os ditos Macamboa e Góis associado a si o

Major Antônio de Pádua da Costa e Almeida, adido ao estado-

maior do exército do Brasil, os Majores graduados Antônio

Duarte Pimenta e Manuel dos Santos Portugal, da cavalaria da

polícia da Corte, o Tenente de artífices engenheiros Cipriano

José Soares, o Tenente de caçadores Luís de Sousa da Gama e

três outros menos nomeados.

Encarregou-se o Major Costa e Almeida de contribuir

para o pronunciamento do regimento 2º de infantaria e da

artilharia da Corte, entendendo-se com o Major Comandante

José Maria da Costa e a oficialidade do primeiro e com o

Major graduado, comandante da artilharia, Francisco de Paula

e Vasconcelos.

311

O Tenente Gama incumbiu-se por sua parte, de aliciar

os oficiais do seu regimento e de falar ao Tenente-Ajudante do

regimento de infantaria n. 3, João Henriques de Amorim, no

que teve o êxito a que se propunha.

O Major Pimenta tomara a si o seduzir o regimento de

cavalaria da Corte, o qual, entretanto, como vários dos outros

corpos não convidados para a sublevação, só se pronunciou

depois que viu postada no Rocio a respeitável força sublevada.

Para ajudar o suborno das tropas, reuniu-se avultada soma na

loja de um alugador de cavalos, por nome Leal, perto do Lago

de São Francisco de Paula (58)

Combinou-se para a simultânea saída dos quartéis a

hora do tiro de peça do navio registro no porto; e, como se

achava então grávida no último mês a princesa real, assentou-

se, à mesma hora, iria à quinta de S. Cristóvão o Padre Góis,

para prevenir ao príncipe o que ia suceder, e porventura

também para o convidar a vir colocar-se à frente do

movimento.

Chegando o Padre Góis a S. Cristóvão, ainda dormiam o

príncipe e a princesa. Estava já, porém, levantado el-rei, que

acabava de ser informado da marcha da artilharia montada da

Corte e do batalhão de caçadores 3º, pelo comandante deste

corpo, o Tenente-Coronel Tomás Joaquim Pereira Valente

(59), e pelo Alferes Francisco Avelino, que não haviam

querido acompanhar o mesmo corpo revoltado.

Conduzira o batalhão 3º de caçadores o Major Antão

Garcez Pinto de Madureira, sendo este batalhão e uma bateria

de seis peças, sob o mando do Capitão João Carlos Pardal, os

primeiros que se apresentaram no Rocio (60).

Ainda toda a tropa se não achava reunida, quando se

312

apresentou o Brigadeiro Francisco Joaquim Carretti, a quem

desde logo foi oferecido o mando. Logo depois chegou o

príncipe (61) e, entrando no quadrado formado pelas tropas,

com um papel exclamou: - “Está tudo feito. A tropa pode já ir

a quartéis, e os oficiais a beijar a mão a meu Augusto Pai”.

Passou então a ler um decreto revogando o de 18, ao que o

Bacharel Macamboa observou a S. A. R. que, ainda com o

mesmo deceto, não ficavam satisfeitos os votos da tropa e do

povo, que pediam se dignasse el-rei e a Corte jurar a

Constituição que se estaria fazendo em Portugal, demitindo ao

mesmo tempo os indivíduos que ocupavam os grandes cargos

do Estado e sento cometido o governo aos de uma lista de doze

nomes que apresentou, com o fim de que constituíssem uma

Junta de Governo.

Voltou o príncipe a São Cristóvão, sendo, entretanto,

convocada a reunião, na sala do vizinho teatro, do Senado da

Câmara, e convidado também a assistir a ela, para tomar os

juramentos, o bispo capelão-mor (62). Ainda no paço, valeu a

el-rei a dedicação e serenidade de ânimo de Tomás Antônio:

aconselhou-lhe que aceitasse todos os da lista, distribuindo

entre eles os ministérios e os principais cargos do Estado.

Pelas 7 horas, voltou o príncipe de S. Cristóvão,

trazendo, além do decreto de revogação, com a data de 24 em

vez de 26, a lista dos doze novos ministros e altos

funcionários, que entre aplausos foi recebida pela multidão.

Foram, pois, nomeados: o Vice-Almirante Inácio da

Costa Quintela para a pasta do Reino; o Vice-Almirante

Joaquim José Monteiro Torres para a da Marinha; Silvestre

Pinheiro Ferreira para a dos Estrangeiros e Guerra; o Conde de

Louzã, D. Diogo de Meneses, para Presidente do Erário. O

313

bispo capelão-mor era feito Presidente da Mesa da

Consciência; Antônio Luís Pereira da Cunha (63), Intendente-

Geral da Polícia; José Caetano Gomes, Tesoureiro-Mor (64); o

velho e íntegro Desembargador Sebastião Luís Tinoco (65),

Fiscal do Erário; Jose da Silva Lisboa, Inspetor-Geral dos

estabelecimentos literários; João Rodrigues Pereira de

Almeida (66), Diretor do Bando pela Fazenda Real; o velho

José de Oliveira Barbosa, Comandante da Polícia; o Visconde

de Asseca, Presidente da Junta do Comércio. Faltava substituir

o general das armas, e Silvestre Pinheiro Ferreira lembrando o

nome do seu amigo Carlos Frederico de Caula, em lugar do

“Grão-de-bico” (67), foi este aceito por todos.

Eis o teor do decreto trazido pelo príncipe, escrito por

sua própria letra:

- “Havendo eu dado todas as providências para ligar a

Constituição que se está fazendo em Lisboa com o que é

conveniente ao Brasil, e tendo chegado ao meu conhecimento

que o maior bem que posso fazer aos meus povos é desde já

aprovar essa mesma Constituição, e sendo todos os meus

cuidados, como é bem constante, procurar-lhes todo o

descanso e felicidade: hei por bem desde já aprovar a

Constituição que ali se está fazendo, e recebê-la no meu reino

do Brasil e nos mais domínios da minha coroa. Os meus

ministros e secretários de Estado, a quem este vai dirigido, o

façam assim constar, expedindo aos tribunais e capitães-

generais as ordens competentes. – Palácio do Rio de Janeiro,

24 de Fevereiro de 1821”.

A circunstância da antedata, num decreto arrancado à

majestade naquele mesmo instante, pareceu a alguns, e talvez

não sem razão, digna de censura. Em seguida, foi convocada a

314

municipalidade ao vizinho edifício do teatro, onde o príncipe,

seu irmão D. Miguel e os militares e povo passaram a prestar

juramento; o que também depois executou el-rei, a quem o

príncipe real foi pessoalmente rogar que viesse com ele ao

Rocio, donde logo se viu conduzido ao paço da cidade, em

meio de entusiásticos tumultos, para ele estranhos e pouco

agradáveis.

Como era de esperar, foi desde logo sucessivamente

começando a ser seguidos o exemplo de el-rei e da Corte em

todas as paragens do Brasil, em que a Constituição ainda não

fora proclamada, à proporção que a elas chegava a notícia do

ocorrido na capital, isso em meio de maiores ou menores

turbulências, que guardamos para historiar depois, em cada

província mui separadamente, sendo certo que a sua sorte

ficou desde logo dependente do resultado da grande luta que

veio a travar-se entre os governos centrais de Lisboa e do Rio

de Janeiro.

Cumpre advertir que, no dia 25, depois de publicados os

decretos com data de 18 e 23, partiu um barco que s levou

oficialmente à Bahia, à Junta, que os recebeu dentro de poucos

dias. Alarmou-se a Junta: convocou o Chanceler da Relação,

José Joaquim Nabuco (68), a Antônio Carlos (69), que aí

estava, anteriormente preso pelos acontecimentos de 1817, e a

mais outros cidadãos, e todos clamaram que os mencionados

decretos eram uma verdadeira cilada, a que cumpria resistir. A

Junta transmitiu deles logo cópia para as Cortes, assegurando

que não daria execução, e instando por que de Portugal lhe

fossem enviadas as tropas que havia requerido desde a sua

manifestação. Mal sabia que tanto mal lhe viriam depois a

causar esses auxílios! Encarregou-se Antônio Carlos de redigir

315

logo uma impugnação dos novos decretos, o que ele fez

imediatamente, publicando sob o pseudônimo de

Filagiosotero, um folheto em onze páginas, impresso neste

comenos na tipografia da Viúva Serva e Carvalho, sob o título

de Reflexões sobre o Decreto de 18 de Fevereiro deste ao (70).

Aí tratava de excitar contra os ditos decretos toda a oposição

dos baianos, já sob o domínio das Cortes convocadas em

Portugal; combatida a idéia (que depois veio a abraçar) de dois

congressos na mesma monarquia, toda de igual nacionalidade e

mesma religião, argumentando que de Lisboa se deviam

esperar novas instituições mais liberais, ao passo que as Cortes

convocadas por el-rei no Rio de Janeiro, a conselho de Tomás

Antônio, prometiam ser, segundo o teor do próprio decreto,

puramente consultivas.

Se tais eram as idéias dominantes na Bahia, se o decreto

de Tomás Antônio não ia ser aí obedecido, e a mesma Bahia,

já revolucionada, preferia unir-se a Lisboa, é claro que a

conspiração de Macamboa, com a idéia de servir só a Portugal,

tinha providencialmente livrado o Brasil do maior perigo que

devia temer: o obter novas instituições à custa do seu

fracionamento, como sucedera aos povos seus limítrofes das

antigas colônias da Espanha.

Logo depois começou a correr a notícia que el-rei

deixaria o Brasil com toda a sua família; e parece que chegou

isso a ser decidido por maioria em conselho, sendo indubitável

que assim o participou Silvestre Pinheiro ao governo de

Portugal, em ofício de 28, levado pela corveta Maria da

Glória (71).

Temos, porém, como certo que no ânimo de el-rei esta

resolução não foi considerada como definitiva, e que lhe não

316

seriam estranhas as hesitações e maquinações que ainda se

foram seguindo e que deram causa à prisão, na Ilha das

Cobras, no dia 3 [de Março], do Vice-Almirante Rodrigo Pito

Guedes e dos Desembargadores do Paço João Severiano e Luís

José de Carvalho e Melo (72), - prisão que este último sofreu

com menos serenidade de ânimo do que os dois primeiros,

conforme já lhe sucedera em 1817, quando dado por suspeito

de simpatizar com a causa dos sublevados de Pernambuco.

Aos 7 de Março havia sido recebido um ofício das

Cortes de 15 de Janeiro, pedindo a el-rei que regressasse a

Lisboa, e manifestando vivo dissabor de não verem também no

seu seio os representantes do Brasil. Resolveu, pois, promulgar

el-rei um decreto, revolvendo sua partida, ficando o príncipe

como regente do Brasil todo: terceira grande resolução em

favor da futura unidade nacional. Na mesma data era decretada

a convocação, por todo o Brasil, dos deputados às Cortes de

Lisboa, adotando-se para a marcha das eleições vários artigos

da Constituição espanhola, que já haviam sido adotados para

as eleições em Portugal. No Conselho de Estado, a respeito da

partida de el-rei, fora Silvestre Pinheiro o único que votara

contra, do que resultou dirigir-se no fim el-rei para o mesmo

conselheiro, dizendo-lhe: - “Que remédio, Silvestre Pinheiro!

Fomos vencidos!” (73). Honra muito a este publicista a

lealdade do seu voto, especialmente havendo ele, segundo

propendemos a acreditar, tido parte no escrito em francês, que

meses antes se espalhara pela capital, segundo dissemos (74).

O Marechal Felisberto Caldeira Brant e o Desem-

bargador Maciel da Costa foram, sob certos pretextos,

despachados por el-rei para a Europa. Este último, a título de

encarregado de uma missão em Roma, devia tratar de

317

informar-se da situação de Portugal, na época em que aí

poderia chegar el-rei, para o prevenir no caminho, se não fosse

prudente a sua entrada em Lisboa. Felisberto dirigiu-se à

Inglaterra.

Para afagar a oficialidade da guarnição, publicou-se na

mesma data um decreto, igualando os vencimentos do exército

do Brasil aos mesmos que percebia o exército de Portugal

(75).

E, ou porque com o mesmo decreto os oficiais

reconheceram a dependência que havia deles e se mostraram

ainda pouco satisfeitos, ou porque assim o supuseram alguns, é

certo que começou a correr que a mesma tropa estava ainda

descontente e se preparava a uma revolução. Este boato

provocou da parte de muitos oficiais uma espécie de protesto,

em forma de representação a el-rei, em data de 13 de Março,

protestando-lhe a maior fidelidade, lembrando a conveniência

de se mandar proibir os conventículos, que poderiam ser fatais

ao sossego público, e dizendo expressamente saberem que

“homens inquietos e amigos de novidades, sem refletirem no

mal que daí poderia resultar, projetavam reformas, inventavam

governos provisórios e outros delírios desta natureza” (76).

Levou o Senado da Câmara à presença de el-rei, em 26

de março, três memórias, em uma das quais insistia pedindo a

el-rei que não se ausentasse do Rio de Janeiro (77).

Agradeceu, por el-rei, o Ministro do Reino, Quintela, em data

de 28, dizendo ao Presidente do Senado que S. M. ficava

penetrado dos puros sentimentos de amor, de lealdade e de

respeito do seu povo, porém que a situação dos negócios

políticos e o interesse bem entendido e geral da monarquia lhe

não permitiam aceder aos seus desejos, prolongando por mais

318

tempo a estada nesta Corte. Em data de 31, agradeceu

igualmente Quintela, em nome de el-rei, e representação dos

negociantes e proprietários da cidade (78).

Havendo resultado do balanço do Banco [do Brasil],

feito a 23 de Março, que a fazenda pública era ao mesmo

Banco devedora de 4.799:415$717, incluindo 165:230$855,

que devia o Teatro de S. João, 102:800$ à polícia e

168:356$433 à Praça do Comércio, - por um decreto dessa

mesma data, que faz honra ao seu referendatário Conde de

Louzã, foi reconhecido como dívida nacional o desembolso do

Banco do Brasil nos adiantamentos feitos ao governo,

ordenando-se à diretoria-geral dos diamantes que fizesse

imediatamente entrar no cofre do mesmo Banco todos os

brilhantes lapidados do Erário, bem como os não lapidados,

não precisos para se entreter o trabalho da lapidaria deles,

então existente; mandando igualmente pôr em depósito no

Banco todos os objetos de prata, ouro e pedras preciosas, que

se pudessem dispensar do uso e decoro da coroa. Para ajudar a

suster o Banco, foi este autorizado, com a garantia das rendas

do Brasil e hipoteca da Alfândega do Rio de Janeiro, a

levantar na Europa um empréstimo de 2.400:000$000.

Uma provisão do Desembargo do Paço, de 10 de Abril,

reconheceu à Câmara do Rio de Janeiro o seu antigo direito de

senhorio dos solares da cidade, anulando e cassando o acórdão

do Juízo dos Feitos da Fazenda, de 28 de Junho de 1812,

contrário à mesma Câmara. Outro decreto melhorou o sistema

da percepção dos dízimos em todo o Brasil, dispondo-se que

vigorasse este novo sistema durante três anos, a título de

ensaio, ficando dependente de nova decisão o prosseguir daí

em diante ou adotar-se de novo o anterior, se a experiência o

319

demonstrasse preferível (79).

Em Portugal, nem todos eram partidários das doutrinas

defendidas por Soares Franco. Dois escritos especialmente se

distinguiram, sustentando pelo mesmo tempo a conveniência

de ficar no Brasil a futura Corte e capital do Reino Unido. Um

deles, anônimo, foi publicado no periódico Astro da Lusitânia

(nos

39 e segs.), sob o título de “Breve discurso sobre o lugar

onde el-rei deve ter a sua Corte”, e não só fez grande

sensação, como chegou a ser origem de mui acres polêmicas

(80).

O outro, publicado em Coimbra, sob o título de Projeto

para o estabelecimento político do Reino Unido, etc., e de que

foi autor Antônio d’Oliva de Sousa Siqueira, Tenente de

infantaria e estudante do 4º ano de Matemática (81), veio a ter

grandes conseqüências, embora a princípio se apresentassem

também contra ele opositores acérrimos, e desde logo, do

próprio grêmio da Universidade, um estudante do 3º ano de

Leis, José Joaquim de Almeida Moura Coutinho, que, na

mesma imprensa da Universidade e no mesmo ano, publicou

uma Análise do dito projeto (82).

Como desentendendo-se ostensivamente das censuras,

ou, antes, dos nomes dos censores, voltou Oliva, nesse mesmo

ano de 1821, com uma 2ª edição do seu projeto, igualmente

impressa na tipografia da Universidade; mas acompanhou-a de

uma Adição ao Projeto muito mais volumosa que este, em que

se propôs a combater todas as objeções que se poderiam fazer

ou se tinham já feito contra as suas propostas.

Depois de provar que interessava a Portugal o seguir a

união com o Brasil, e aos brasileiros a união a Portugal, deduz

que a política dos portugueses da Europa, para susterem essa

320

união, devia ser a conservação da metrópole no Brasil, e, sob

estes princípios, apresenta o seu projeto em sete artigos, a

saber:

1º) Que se fizesse uma Constituição geral para o Reino

Unido, na qual se declarasse que ou o Rio de Janeiro ou a

Bahia fosse dele a capital;

2º) Que houvesse um congresso no Brasil, onde

mandassem representantes as possessões de Ásia e África, e

outro em Portugal, onde fossem recolhidos os deputados dos

Açores e Madeira;

3º) Que el-rei nomeasse para Portugal um vice-rei

regente, com todos os poderes, até para conceder títulos;

4º) Que este regente nunca seria o sucessor da coroa,

mas sim o imediato a este;

5º) Que então se evitasse o regresso do Brasil de el-rei e

do príncipe real, devendo ser nomeado logo o Infante D.

Miguel, vitalícia ou temporariamente, mas nunca por menos de

dez anos;

6º) Que os súditos residentes em um dos reinos não

seriam proprietários no outro;

7º) Finalmente, que se estabelecesse comércio livre

entre Portugal e o Brasil, devendo, porém, ser feito com

bandeira nacional.

Conclui o autor a Adição ao Projeto, a qual contém

nada menos de 56 páginas, quando a reimpressão do novo

Projeto não ocupa mais de 16, com algumas idéias a favor da

prosperidade do Brasil, que coordena em 14 artigos, contendo

providências tendentes a ir concluindo com a escravatura; ao

melhoramento da raça escrava e da indígena; à concessão de

privilégios aos colonos europeus, dando-se aos pobres terras e

321

meios, e aos proprietários a nacionalidade e recompensas

honoríficas; ao acabar-se de todo com os nomes de mulato,

crioulo, caboclo, etc. (83); ao promoverem-se os casamentos,

retirando-se até direitos políticos aos que não fossem casados

aos 25 anos; ao impetrar-se de Roma faculdade para casarem

os eclesiásticos; ao fomentar-se a dedicação do povo pela

agricultura, deixando de parte as minas de ouro, e explorando

antes as de ferro e platina; ao recrutar de preferência o Brasil

tropas estrangeiras; e finalmente ao descuidar as possessões da

Ásia, conservando-as apenas como “presídios de honra”, onde

se guardam as cinzas dos avós, e como canais, por onde

viessem a passar ao Brasil a cultivar-se nele todas as plantas

da Ásia.

O brasileiro mais patriota não poderá inspirar por certo

idéias mais fecundas, nem mais adequadas Pa situação do

Brasil. Assim não admira que viessem a frutificar no Brasil,

como veremos.

A resolução primeira de partir o príncipe havia

desagradado aos portugueses; a da próxima partida de el -rei

descontentou ao partido brasileiro, em cujo número entravam

muitos nascidos em Portugal. Esperançados uns e outros em

que tais resoluções não eram definitivas, todos faziam os

possíveis esforços por que fosse revogada, o que julgavam

tanto mais fácil quando sabiam positivamente ser essa a

vontade de el-rei: não partir. Os descontentes formulavam

queixas contra os novos membros do governo, dizendo que

nada haviam ganho com a mudança e que seguiam os arbítrios

pior que dantes. Gritavam contra a arbitrária prisão e soltura

do vice-almirante [Pinto Guedes] e dos dois desembargadores

{Maciel da Costa e Carvalho e Melo], e clamavam contra um

322

decreto, de 2 de Abril, estabelecendo para a imprensa uma

censura prévia, cuja responsabilidade devia principalmente

recair no inspetor-geral dos estabelecimentos literários

[Cairu], que logo se demitiu do cargo (84).

A conseqüência natural era que, em vez de publicações

em regra, se publicavam pasquins anônimos; e no dia 19

chegou a correr por toda a cidade uma proclamação

incendiária. Para esta grande oposição se davam as mãos os

amigos do governo caído, e com especialidade do Conde dos

Arcos, com os agitadores do dia 26, Macamboa ou outros,

vexados do modo como, graças à dedicação, habilidade e

sangue-frio de Tomás Antônio, se lhes havia feito evaporar o

projeto da sua Junta de Governo.

Informado el-rei desta agitação, e receando alguma

manifestação da parte da tropa que se devia reunir no sábado

de aleluia, 21 de Abril, para tributar as honras fúnebres a um

falecido oficial-general, mandou chamar, na sexta-feira santa,

ao governador das armas Caula e ao ouvidor da comarca

Joaquim José de Queiróz, resultando da conferência o

convocar o mesmo Caula no dia seguinte, às 10 horas da

manhã, toda a oficialidade de 1ª e 2ª linha ao Teatro Real,

fazer-lhes aí uma breve fala, convidando-os a reiterarem todos

o juramento do dia 26 de Fevereiro, ao que acederam, sendo

ele o primeiro a dar o exemplo; ao passo que, por sua parte, o

ouvidor resolveu mandar passar na própria sexta-feira à noite

os convites aos eleitores dos deputados já apurados na

conformidade do decreto de 7 de Março anterior, a fim de se

reunirem na Praça do Comércio, no dia seguinte, sábado de

aleluia, às 4 horas da tarde, e não no domingo 22, como estava

anunciado.

323

Não deixou de produzir sensação na cidade esta

repentina mudança do dia designado para a eleição dos

deputados; mas logo no sábado pela manhã se explicou pela

ansiedade, em que estava el-rei de conhecer a opinião pública

acerca das resoluções tomadas sobre a sua partida e sobre as

providências relativas à regência.

Ante esta perspectiva de irem a ter voto nas resoluções

do govêrno, exaltaram-se alguns dos eleitores, uns porque

ainda esperavam conseguir que el-rei não partisse, outros

porque meditaram levar agora avante, instados pela influência

do Padre Macamboa, a instalação da Junta que este havia

proposto no dia 26 [de Fevereiro].

Para melhor favorecer os planos de uns e outros,

lembrou-se imprudentemente Silvestre Pinheiro de dirigir um

aviso ao ouvidor presidente da Junta, comunicando-lhe as

resoluções de el-rei acerca da sua partida e o projeto das

instruções para a regência. Dir-se-ia que, desejoso de que el-

rei não partisse, ia tentar que viessem desta Junta objeções

tais, que os seus desejos se realizassem.

Às 4 horas da tarde de sábado 21 [de Abril] achava-se

reunido na Praça do Comércio muito povo e a maior parte dos

eleitores, cujo número veio a ser de uns 160, cada um dos

quais ao entrar entregava o seu diploma ao ouvidor presidente.

Nomeou este para secretário ao juiz de fora da Praia Grande,

José Clemente Pereira, e logo passou a ler o aviso de Silvestre

Pinheiro e o decreto de el-rei. E, antes de ler os documentos a

este anexos, acerca da nomeação dos secretários de Estado e

instruções que se dariam à regência, disseram alguns dos

extremos da sala não o terem ouvido, pelo que se ofereceu a

fazer a mesma leitura em voz mais alta e em dois sítios mais

324

proeminentes o Coronel José Manuel de Morais, que ao depois

veremos tomar grande parte em todos os sucessos da

Independência.

Lidos somente o aviso e o decreto, pois que os anexos

haviam ficado em mão do presidente, levantou-se entre o povo

das galerias grande alarido, declarando não quererem

semelhantes providências, mas antes de tudo a adoção da

Constituição da Espanha. É de notar que neste mesmo sentido

havia já tido lugar em Lisboa um motim no dia 11 de

Novembro, cujas resoluções poucos dias depois se haviam

anulado. Apresentaram-se como principais propugnadores

desta idéia um jovem das galerias, Luís Duprat, filho de um

alfaiate francês em Lisboa, e o Padre Macamboa, também das

galerias, os quais ambos se passaram para lugares

proeminentes entre os eleitores, para entre eles perorarem.

Duprat era criatura de Silvestre Pinheiro, e acabava de ser por

ele nomeado para adido à legação portuguesa nos Estados

Unidos. Também foram acusados de haver enunciado

propósitos sediciosos os eleitores José Nogueira Soares,

negociante, dono do navio Maria I, e João Pereira Ramos,

cirurgião, por alcunha o Cavaquinho. Anuiu o ouvidor a que

fosse eleita uma comissão para pedir a el-rei a promulgação da

Constituição espanhola. Procedendo-se à votação, convocou

para escrutinadores os eleitores Joaquim Gonçalves Ledo,

Oficial-Major da Contadoria do Arsenal do Exército, e o

Oficial da Contadoria do Conselho da Fazenda, Manuel José

de Sousa França, aos quais, para facilitar o trabalho, se

agregaram o Padre Januário da Cunha Barbosa e o Contador do

Erário, João José Rodrigues Vareiro. Apurados os eleitores,

ficou a comissão afinal composta do Desembargador do Paço,

325

Conselheiro Francisco Lopes de Sousa, do Padre Dr. Francisco

Aires da Gama, do Major de engenheiros, Lente de

Matemática, Antônio José do Amaral (85), negociante

Francisco José da Rocha (86), e do Desembargador Antônio

Rodrigues Veloso de Oliveira, que entrou em lugar de outro

que foi rejeitado.

Era já noite, quanto esta deputação deixava o edifício,

e, apesar da chuva que caía, e acompanhada de muito povo, e

de muitas lamúrias, se dirige a pé ao paço da cidade, onde

supunha estava el-rei. Foram recebidos pela rainha, que aí os

deteve algum tempo, enquanto se dava aviso para S. Cristóvão,

onde se mandavam reunir todos os ministros. Afinal partiram

em seges, sem o menor acompanhamento, no meio de uma

noite tenebrosa.

Em S. Cristóvão encontraram a el-rei já com os seus

ministros, e não tardaram a ser despachados, trazendo consigo

o decreto seguinte, pelo qual el-rei anuía ao que pediam:

_ “Havendo tomado em consideração o termo de

juramento, que os eleitores paroquiais desta comarca, a

instâncias e declaração unânime do povo dela, prestaram à

Constituição espanhola, e que fizeram subir à minha real

presença, para ficar valendo interinamente a dita Constituição

espanhola, desde a data do presente até a instalação da

Constituição em que trabalham as Cortes atuais de Lisboa, e

que eu houve por bem jurar com toda a minha corte, povo e

tropa, no dia vinte e seis de Fevereiro do ano corrente. Sou

servido ordenar que de hoje em diante se fique estrita e

literalmente observado neste reino do Brasil a mencionada

Constituição espanhola, até o momento em que se ache inteira

e definitivamente estabelecida a Constituição, deliberada e

326

decidida pelas Cortes de Lisboa. – Palácio da Boa Vista, aos

vinte e um de Abril de mil oitocentos e vinte e um”. Com a

rubrica de Sua Majestade.

Não haviam tido origem mais legal as resoluções de 26

de Fevereiro, e entretanto, ficaram válidas. E válido ficaria

também este novo decreto, até novos acontecimentos, se,

embriagada por uma vitória tão fácil, não se propusesse logo a

empregar o resto da noite ara pretender seguir ditando a lei, e

até já constituir-se em governo.

Tardando os da deputação em regressar, o que só

conseguiram efetuar pela volta da meia-noite, acharam a Junta

na maior agitação, por se ter espalhado que as tropas estavam

em armas nos quartéis, e outros fatos que seriam avultados

pelo próprio temos da consciência.

Entretanto, peroravam Macamboa e principalmente Luís

Doprat (87), que propôs ao povo que decretasse a ficada de el -

rei, com ordens às fortalezas, sob pena de morte, para que não

saísse nenhuma embarcação, desde sumaca até nau grande, o

que, sendo logo entusiasticamente aprovado, foram

incumbidos o velho General Joaquim Xavier Curado, então

com 78 anos de idade, filho do Arraial de Jaraguá, em Goiás

(depois Conde de S. João das Duas Barras), e o Coronel José

Manuel de Morais, de transmitir esta ordem às fortalezas, o

que eles passaram a cumprir, escoltados por seis populares,

encabeçados pelo oficial do Conselho Supremo Militar,

Joaquim Veríssimo Jardim, um dos corifeus do motim;

dirigindo-se todos, alta noite, em um escaler da ribeira, que aí

lhes foi dado pelo chefe de esquadra Francisco Antônio da

Silva Pacheco, a levar a ordem ao comandante da fortaleza de

Santa Cruz, Tibúrcio Valeriano Pegado, que se deu por

327

intimado.

No seio da Junta, ao regressar de S. Cristóvão a

deputação, desvaneceram-se todos os sustos, e resolveram

nomear outra deputação para agradecer a el-rei; e logo mais

outra para lhe levar a proposta de quatro outros indivíduos

para o seu ministério e mais 12 para formarem a Junta de

Governo, a cuja eleição logo se procedeu, por mais que os

eleitores mais sensatos, como Tinoco (88), Manuel Jacinto

(89), Fragoso (90) e outros argumentassem que, admitida a

Constituição espanhola, ficava livre ao rei a escolha dos seus

ministros.

Entretanto, constou no recinto da Junta que na cidade se

reuniam tropas. Propôs Duprat que fosse chamado o General

Caula; e, comparecendo este, interpelou-o acerca de tal

reunião, ao que ele respondeu não ter disso o menos

conhecimento.

Havia já partido para S. Cristóvão a nova comissão

apurada, composta do Desembargador do Paço José Albano

Fragoso, do Tenente-General José de Oliveira Barbosa e do

Coronel Joaquim José Pereira de Faro (91), e já se haviam

retirado a maior parte dos eleitores, pela volta das quatro da

madrugada, quando constou que o edifício se achava cercado

de tropa. O General Caula havia sido separado do governo das

armas, que havia sido confiado a Jorge de Avilez, o qual,

reunindo as tropas portuguesas no Largo do Paço e as do

Brasil no Rocio, ordenara ao Brigadeiro Carretti de ir com

algumas companhias contra a Praça do Comércio.

Retiraram-se desde logo, conforme puderam, a maior

parte dos eleitores que ainda se conservaram no edifício;

demoraram-se, porém, o Secretário José Clemente e os

328

escrutinadores e outros mais, quando uma companhia de

caçadores de Portugal, comandada pelo Major graduado

Peixoto, se apresentou à porta do edifício. Eram umas 40 ou

50 praças, a dois de fundo, que começaram por uma descarga,

com o principal fim de atemorizar, e seguindo logo à baioneta

calada contra os que se não retiravam. O lente Antônio José do

Amaral refugiou-se a muito custo em uma sumaca. O

Desembargador José da Cruz Ferreira salvou-se, atirando-se à

água e afastando-se da praia a nado. Miguel Feliciano de

Sousa, com armazéns de vinhos à Rua de S. Pedro, dos quais

havia mandado vir muitas garrafas e havia bebido bastante,

ferindo um soldado, foi logo morto. José Clemente Pereira,

então de 34 anos de idade, recebeu várias baionetas e um golpe

na cabeça, que o obrigou a tratar-se e a demorar até 30 de

Maio seguinte a posse do lugar de juiz de fora da capital, para

que por esse tempo foi transferido. Recebera assim José

Clemente o batismo de sangue, que apesar de nascido em

Portugal, lhe deu o passaporte de um dos chefes do partido

liberal brasileiro, como seguiu sendo, vindo a ser um dos

cidadãos que mais contribuíram para a proclamação da

Independência, e logo depois para a do Império (92).

O escaler que fora à fortaleza de Santa Cruz regressava

para a Laje, quando foi encontrado por um bote de quatro

remos, em que ia o Tenente de dragões do Rio Grande, Souto,

o qual, dando ao General Curado a ao Coronel Morais a voz de

prisão, por mandado do príncipe real e à ordem de el -rei, estes

se submeteram, e voltaram presos, com o Jardim e outros cinco

da escolta, para a mesma fortaleza de Santa Cruz, donde foram

mandados pôr em liberdade no dia 27.

Duprat e Macamboa foram presos na Ilha das Cobras, e

329

vieram a ser pronunciados na devassa a que, por ordem régia,

logo procedeu o Desembargador Lucas Antônio Monteiro de

Barros (93), e a qual, com os depoimentos de brasileiros dos

mais eminentes da Corte, os eleitores ao depois marqueses de

Baependi e Maricá, Visconde de Cairu, Desembargadores

Veloso e Fragoso, e General Curado, constitui hoje o mais

precioso documento histórico que possuímos acerca deste

extraordinário sucesso (94).

Deu-se a mesma devassa por conclusa em 5 de Maio

seguinte, e, em virtude do acórdão de 22 do mesmo mês, foi

dada ordem de prisão também para Nogueira Soares e Pereira

Ramos, os quais não foram encontrados em suas casas,

confirmando-se as de Duprat e Macamboa, na Ilha das Cobras.

Convindo que as ordens para ser dissolvida a

mencionada Junta, pela sua inqualificável conduta, foram

postas, e não duvidando admitir que provieram elas da

influência do príncipe real, só nos resta lamentar o modo

bárbaro como foram levadas à execução, e que contribuiu às

apreensões com que ficaram muitos liberais, especialmente nas

províncias, acerca dos sentimentos do mesmo príncipe. Na

Bahia, a Praça do Comércio chegou a cobrir-se de luto,

durante dois dias.

No dia 23, espalharam-se com essa mesma data pela

cidade duas proclamações de el-rei: uma aos habitantes e outra

ao corpo militar,lamentando o sucedido e apelando para o

patriotismo de todos (95). Ao mesmo tempo se publicavam

quatro (96) decretos com data de 22. Anulava o primeiro o da

aceitação da Constituição espanhola: mandava iutro proceder à

dita devassa; dispunha o terceiro acerca da forma e poderes da

regência do príncipe depois da partida de el-rei; o quarto

330

ampliava aos oficiais inferiores, soldados do exército do

Brasil, as regalias concedidas aos oficiais em 7 do mês

anterior, para vencerem prés e etapas como os do exército de

Portugal. Ficava o príncipe investido de plenos poderes para a

governação do Brasil, com direito de conferir cargos, postos e

condecorações, limitando-se a propor somente os bispos, e era

até autorizado, em caso urgente, a fazer a guerra ou admitir

tréguas. Deveria resolver os negócios em conselho, ficando,

porém, por estes responsáveis os ministros ou secretários, que

deveriam referendar os atos respectivos. Em caso de morte do

mesmo príncipe, governaria a princesa, com um conselho de

regência, composto de dois ministros de Estado, do presidente

do Desembargo do Paço, do regedor das Justiças e dos dois

secretários de Estado, da Guerra e da Marinha. De Ministro de

Estado ficavam os que já o eram de el-rei, o Conde dos Arcos,

nos negócios do Reino e Estrangeiros, e o Conde de Louzã,

nos da Fazenda; e de Secretários de Estado interinos, o

Marechal-de-Campo Caula na Guerra e o Major-General da

armada, Manuel Antônio Farinha (97), na Marinha. Esta

diferença no próprio seio do gabinete, de ficarem dois em

posição inferior, atribuída ao Conde dos Arcos, era já uma

origem de desunião, que deixava el-rei no governo.

No dia 24, achando-se p príncipe no seu quarto (98),

disse-lhe [o pai]: - “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja

para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses

aventureiros”.

A 26 de Abril deixava el-rei, com toda a sua comitiva, o

Rio de Janeiro. O sentimento de el-rei e da família real, de

deixarem o Brasil, se descobriu nas lágrimas de todos, exceto

a rainha. Constava a esquadra da nau D. João VI, duas fragatas

331

e várias charruas e transportes.

A própria esquadra que condizia el-rei era portadora de

muitas cartas dos maiores liberais do Rio de Janeiro,

despeitados ainda com os acontecimentos da madrugada de 22,

pedindo para Portugal a retirada do príncipe (99) e do seu

ministro Conde dos Arcos, acusando a um e outro de

tendências ao absolutismo.

Ao chegar à altura da Bahia, mostrou el-rei a Silvestre

Pinheiro desejos de ali entrar, a pretexto de deixar ordens para

que obedecessem ao governo, que deixava no Rio de Janeiro.

Contrariados como iam, um e outro, por se haverem visto

obrigados a sair do Brasil, não seria estranho que, ao assaltar -

lhes esse pensamento, lhes sorrisse a idéia de verem-se

obrigados pelos baianos a ficar entre eles. Palmela (100)

apresentou razões plausíveis, para não ser adotado semelhante

alvitre.

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Século XIX, em que escrevia Varnhagen. (H. V.).

(2) Capitanias subalternas, não “particulares”, categoria extinta

por sucessivos atos de autonomização, ocorridos durante a regência do

Príncipe D. João, a partir de 1799. Somente em 1821 as capitanias

brasileiras passaram a ter a denominação de províncias. (H. V.).

(3) As cartas de Tomás Antônio de Vila Nova Portugal a D. João

VI, e deste ao mesmo ministro, de 1816 a 1821, guardam-se na Seção de

Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Tiveram, no

Catálogo da Exposição de História do Brasil , de 1881, o n. 6.653. Foram

publicadas na revista Brasil Histórico, de A. J. de Melo Morais, 1ª série,

na “História dos Ministérios”, do n . 12, de 27 de Março de 1864, ao n. 35,

de 4 de Setembro do mesmo ano, com interrupções, em que aparecem

332

cartas a Tomás Antônio, de outros missivistas. (H. V.).

(4) Morreu em 1839, com 84 anos. (A.).

(5) D. Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmela. (H. V.).

(6) Carta de Tomás Antônio a D. João VI, de 6 de Junho de 1820,

publicada no Brasil Histórico, então denominado O Médico do Povo de

Santa Cruz, n. 15, de 17 de Abril de 1864. (H. V.).

(7) E a prova é que as instituições caíram em Portugal, logo

depois de caírem em Espanha. (A.).

(8) Pode consultar-se, acerca da revolução da Espanha, a mui bem

elaborada e pouco lida História de la vida y reinado de Fernando VII

(Madri, 1842); e acerca da de Portugal o opúsculo Revelações e Memórias

para a História da Revolução de 24 de Agosto , por J. M. Xavier de

Araújo. (A.).

A última obra indicada intitula-se, totalmente, Revelações e

Memórias para a História da Revolução de 24 de Agosto e de 15 de

Setembro do mesmo ano (Lisboa, 1846). (H. V.).

(9) João Severiano Maciel da Costa, depois 1º Visconde e

Marquês de Queluz. – Neste ponto o relator da Comissão do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, encarregada da preparação da 1ª ed.

desta História, colocou chamada para uma longa nota, que aqui não

resumimos, porque contém errôneas informações genealógicas sobre João

Severiano, devidas ao Visconde de Nogueira da Gama e ao seu desafeto

Barão do Rio da Prata. Foram contestadas pelo Sr. Salomão de

Vasconcelos em “Retalhos Históricos”, na Revista do Arquivo Público

Mineiro, ano XXV, 1º vol., de Julho de 1937 (Belo Horizonte, 1938), p.

470/473. (H. V.).

(10) Antônio José da Cunha Almeida e Carvalho, do Desembargo

do Paço, deputado da Mesa da Consciência e Ordens, chanceler das três

Ordens Militares. No “Índice Onomástico” da 2ª ed. desta História, p.

XVII, apareceu, errôneamente, como “Monsenhor Miranda e Almeida”,

em confusão com Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiro,

conforme nota 37 ao cap. II, adiante. (H. V.).

333

(11) Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira. (H. V.).

(12) D. Pedro de Alcântara, depois Imperador D. Pedro I. (H. V.).

(13) Publicada no Brasil Histórico, n. 32, de 14 de agosto de

1864. (H. V.).

(14) Camilo Martins Laje, oficial-maior da Secretaria de Estado

dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, a 12 de Abril de 1821 nomeado

ministro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves nos Estados

Unidos da América, missão que não pôde cumprir, conforme A

Malagueta, jornal de Luís Augusto May, n. 15, de 10 de Abril de 1822, p.

64. (H. V.).

(15) Borges Carneiro, Publicola, parábola VI, (A.). Manuel

Borges Carneiro – Parábola VI acrescentada ao Portugal Regenerado – A

necessidade de Constituições provada pela injustiça dos Cortesões

(Lisboa, 1821). p. 84: “transtornava -se pelos Regimentos de 21 de

Fevereiro de 1816 e pela novíssima Carta de 29 de Julho de 1820, a antiga

forma do Reino, dando-se-lhe uma toda militar”. (H. V.).

(16) Procedente da Banda Oriental, para onde havia partido em

1816. (H. V.).

(17) Antônio José de Sousa Manuel de Meneses Severim de

Noronha, depois Duque da Terceira. (H. V.).

(18) “Governador das justiças”, que no Porto não pôde impedir o

rompimento da revolução. (Cf. Rocha Martins – A Independência do

Brasil (Lisboa, 1922), p. 61/62. (H. V.).

(19) Como se vê, não era estranha a Tomás Antônio a

participação da maçonaria nos recentes acontecimentos portuguesas.

Conforme cópia que se guarda no Arquivo da Família Imperial do Brasil,

no Museu Imperial, de Petrópolis, da “Relação das Lojas Maçônicas,

publicada em Paris, em 26 de Novembro de 1821”, foram presidentes de

lojas portuguesas Álvares do Rio, Borges Carneiro, Fernandes Tomás,

Ferreira Borges, Domingos Monteiro, Ferreira de Moura, José da Silva

Carvalho, José Liberato – redator do Investigador – figuras eminentes das

ocorrências de 1820/1821. (Arq. cit., maço XVVI, doc. 2.112 do

334

“Inventário” de Alberto Rangel, nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio

de Janeiro, vol. LIV, de 1932 (Rio, 1939) . (H. V.).

(20) Publicados no Brasil Histórico, n. 30, de 31 de Julho de

1864. (H. V.).

(21) Apesar da indicação de Varnhagen ter sido, aqui – “Cairu –

Crônica da Independência , I, I”, a colocação desta dessa referência é:

Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos Políticos do

Império do Brasil, cit., parte X, seção I, p. 6. (H. V.).

(22) Correio Brasiliense ou Armazén Literário, revista de

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, de Londres, vol.

XXI, de Novembro de 1818,

(23) O Investigador Português em Inglaterra, revista de Londres;

vol. XIX, de agosto de 1817, seção “Política”, noticiário intitulado

“Reino do Brasil”, contendo nota de Lorde Strangford ao Ministro

Marquês de Aguiar e resposta deste, p. 209/215. (H. V.).

(24) De Plamela já se havia el-rei queixado, antes, de que com o

Investigador, pago pelo Erário régio, fazia mais política própria que do

seu rei. Veja as cartas de H. J. de Araújo Carneiro (Londres, 1821). (A.).

– Leliodoro Jacinto de Araújo Carneiro, encarregado de negócios na

Suíça, depois Visconde de Condeixa, na capital inglesa publicou, no

referido ano – Cartas dirigidas a S. M. El-Rei D. João VI desde 1817,

acerca do estado de Portugal e Brasil e outros mais documentos escritos .

(H. V.).

(25) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela .

Coligidos e publicados por J. J. dos Reis e Vasconcelos, 4 vols. (Lisboa,

1851/1869), vol. I, p. 144/149. (H. V.).

(26) Notícias que tinha espalhado um inglês, que, sem dúvida, as

obtivera da legação britânica, informada do parecer de Palmela. (A.).

(27) Publicado no Brasil Histórico, n. 31, de 7 de Agosto de

1864. (H. V.).

(28) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela, cit.,

335

vol. I, p. 161/164. (H. V.).

(29) Publicada no Brasil Histórico, n. 32, de 14 de Agosto de

1864. (H. V.).

(30) O próprio Palmela, conhecendo depois (1824) mais de perto

a el-rei, assim se expressava acerca do modo como não acedia às

pretensões do diplomata inglês A’Court: - “Nosso amo sabe cansar com

demoras evasivas esses ardores intempestivos, do que é prova o que

aconteceu ao Marechal (Beresford)”. (A.).

(31) Luís do Rego Marreto e Bernardo da Silveira Pinto da

Fonseca. (H. V.).

(32) Na Exposição de História do Brasil realizada em 1881, na

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, figurou, sob n. 6.703, conforme o

respectivo Catálogo (vol. IX dos Anais da instituição), exposta “por S. M.

o Imperador”, uma “Cópia do impresso que saiu da Impressão Régia do

Rio de Janeiro em 1820”, acompanhada da correspondente tradução e

intitulada: Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils, dans le

circonstances présentes, retourner en Portugal ou bien rester ao Brésil?

A tradução manuscrita em português, não a cópia do folheto em francês,

encontra-se hoje no Arquivo da Família Imperial do Brasil, no Museu

Imperial, de Petrópolis, no maço X, doc. n. 550 do Catálogo B, de

Manuscritos sem Data, do “Inventário” levantado por Alberto Rangel. Fê -

la certo José Maria de Andrade Cardoso, que ofereceu vender à Imperatriz

D. Leopoldina várias cópias de obras avulsas (Cat. cit., maço IX, doc. 482

do mesmo Arquivo), acrescentando, a propósito desta: “Tem junto a

tradução em português. Este impresso fêz-se tão raro que hoje não

aparece por se ter mandado recolher todos os exemplares que foram

impressos em língua francesa”.

Quanto à data de sua saída, não foi, como sugeriu Varnhagen,

“depois do meado de fevereiro” (de 1821), nem “em 1820”, como diz o

verbete da Exposição. Veremos, adiante, na nota 34, que a publicação

ocorreu depois de 14 de Janeiro de 1821. E, como observou Tobias

Monteiro, na História do Império – A Elaboração da Independência , p.

281 – já a 30 e 31 de Janeiro referiram-se ao folheto, na correspondência

para as respectivas Cortes, os Ministros austríaco, Sürmeer, e espanhol,

Conde de Casa Flores. (H. V.).

336

(33) Exame analítico-crítico da solução da questão..., 52 págs., 8º

pequeno. É obra de um filho de Portugal, publicada “com licença da

Comissão da Censura” na tipografia da Viúva Serva e Carvalho. Na pág.

17 se lê: “Até o senhor discursista (A. do tal escrito) teria que importar ao

Brasil, se quisesse cortar os seus pinheiros, e excusavam os americanos

de trazerem o precioso comércio do tabuado...” (A.). – É o seguinte o

título completo do folheto baiano, n. 6.704 do Catálogo da Esposição de

História do Brasil. cit.,: Exame Analítico-Crítico da Solução da questão:

O Rei, e a Família Real de Bragança devem, nas circunstâncias

presentes, voltar a Portugal ou ficar no Brasil? Publicada na Corte do

Rio de Janeiro, por um anônimo, em idioma Francês, nos últimos dias do

ano próximo passado (Bahia, s.d. [1821]). Há engano, como vimos na

nota anterior e veremos na seguinte, quanto à época exata da saída do

folheto que deu causa a este, existente na Divisão de Obras Raras da

Biblioteca Nacional. Começa a publicação baiana por uma “Observação

Prelimianr”, seguindo-se-lhe a “Memória” em apreço, com as seis

“Proposições” do folheto francês, acima resumidas por Barnhagen,

respondidas uma por uma. A p. 18 poder-se-ia ver nova alusão ao

Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira, quando diz o autor do folheto baiano

que “isto não é prova de grande conselheiro”. (H. V.).

(34) Realmente, na carta n. 84, que se guarda na Seção de

Manuscritos da Biblioteca Nacional e que foi publicada no Brasil

Histórico, então intitulado O Médico do Povo, n. 18, de 8 de Maio de

1864, escreveu Tomás Antônio a D. João VI: “O papel do Caolhe em

Francês merece imprimir-se; e dando V. Maj. licença, o faço imprimir

pelo Erário”. No mesmo papel, sob n. 85 do códice, autorizou o

rei:”quanto a Cailhe, como julga boa a sua obra, pode mandar imprimir”.

Fica assim comprovada a tentativa do ministro, de acordo com o rei, no

sentido de ser orientada a opinião pública tendo em vista a permanência

de D. João no Brasil.

Não teve razão Varnhagen em duvidar da existência de Cailhe ou

supô-lo apenas “testa deferro”, nem Tobias Monteiro em julgá -lo talvez

apenas “tradutor”, este na cit. História do Império – A Elaboração da

Independência, p. 281. Em D. João VI no Brasil, de 1908, aludiu Oliveira

Lima ao aventureiro bonapartista, como outros voluntariamente exilado

no Brasil, depois da Restauração: “o Coronel Cailhé, antigo soldado da

Revolução, depois oficial ao serviço de Portugal, agregado como

escudeiro à pessoa de Carlos IV d’Espanha após a abdicação deste rei, de

fato espião ao soldo de Napoleão e jogador de profissão, estabeleceu no

337

Rio uma roleta que teve de fechar diante das reclamações dos pais de

família, havendo-lhe contudo corrido tão proveitoso o negócio que ele e

seus associados ofereceram, em troca do privilégio da banca, mandar vir

de França e sustentar à sua custa um corpo de bombeiros” (op. cit., 2ª ed.,

vol. I, Rio, 1945, p. 273). Ainda sobre o aventureiro Caille acrescentouo

Sr. Mário de Lima Barbosa, em Les Français dans l‟Histoire du Brésil

(Rio-Paris, 1923, p. 245), que ele “finit assez misérablement une vie de

condottière”. O Sr. Otávio Tarquínio de Sousa, em A Vida de D. Pedro I

(Rio, 1952), vol. I, p. 156, aceitou a contribuição de Varnhagen, ao

declarar que o “presumido autor M. Cailhe (se não se trata de pseudônimo

de João Severiano Maciel da Costa) escreveu-o [o folheto] por encomenda

de Tomás Antônio”, etc.

Documentos ao Sr. Augusto de Lima Júnior adquiridos pela

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro esclarecem tratar -se do

Comendador e Coronel de cavalaria F. Cailhé de Geine, que a 12 de

novembro de 1820 apresentou ao governo de D. João uma “Nota relativa à

formação de uma Guarda Real”, e a 15 de Dezembro do mesmo ano um

“Projeto” mais audacioso, acompanhado de “Memória e Notas

Explicativas”, segundo o qual, para atender às circunstâncias então

vigentes para a monarquia luso-brasileira, deveria o rei outorgar uma

Carta Real, estabelecendo um Supremo Conselho e uma Junta de Governo,

de modo a reformar completamente sua política e administração. Além

desses três documentos, que mostram no autor um planejador de certos

recursos, guarda a Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional cinco

cartas do mesmo coronel francês ao intendente -geral da Polícia, Paulo

Fernandes Viana, quatro das quais contendo informações sobre os

recentes acontecimentos da Bahia. São datadas de 2 e 28 de Janeiro , 18,

22 e 23 de Fevereiro de 1821. A segunda é inicialmente dedicada à

repercussão que vinha obtendo a famosa “brochura francesa”: “J’ai eu

déjà l’honneur de faire à V. S. divers rapports de vive -voix sur l1effet que

produisait en ville la publication de la Brochure française. Cet effet va, à

chaque moment, croissant. Rien n’égale l’empressement que met le Corps

Diplomatique à se la procurer. Plusieurs exemplaires sont partir par le

Brick Espagnol Achilles, d’autres par um navire anglais qui a fait voile

hier pour Jersey. Le Paquet anglais qui part mardi en portera pour les

Pays de l’Europe. Les principaux personages de cette Capitale témoignent

le même empressemen6t qui s’étend à tout ce qu’il y a d’hommes de

quelque instruction s’occupant de matières poli tiques. – Les opinions se

prononcent. Les Brésiliens en général & même un grand nombre de

Portugais d’Europe abondent dans le sens de cet écrit. D’un autre côté

338

ceux qui le désapprouvent le font avec beaucoup d’emportement”. – As

linhas seguintes são dedicadas aos “revolucionários”, à provável atitude

das Cortes, às modificações que julga necessárias ao governo e que sugere

sejam anunciadas em “Proclamação” do Rei, que teria bom efeito. Trata -

se, como se vê, de velado elogio das idéias do missivista informa nte da

Polícia, já expostas no “Projeto”, “Memória e Notas” de 15 de Dezembro

de 1820. – A irônica parte final da carta do Cel. Cailhé de Geine importa

em verdadeira confissão de autoria do célebre folheto, deixando

inutilizadas as hipóteses a respeito formuladas por Varnhagen e Tobias

Monteiro: “Les conjectures qu’on fait sur l’auteur inconnu de cette

brochure française sont vraiment amusantes. On l’a d’abord attribuée a

Mr. de Stürmer, puis au dezembor. Maciel da Costa. D’autres on prétendu

qu’elle avait été faite & imprimiée en Europe; enfin Mr. Le Colonel

Maler, sans comparaison le plus furet du corps diplomatique, a fini dit -il

par decouvrir l’auteur qui est selon lui Mr. l’Amiral Pinto” (Rodrigo

Pinto Guedes, depois Barão do Rio da Prata) . (H. V.).

(35) Foi disso terminantemente acusado, em um artigo do

periódico Malagueta, pelo seu redator May, sem provocar a menor

reclamação. (A.).

(36) Inocêncio Francisco da Silva – Dicionário Bibliográfico

Português, tomos III e IX (Lisboa, 1859 e 1870). O folheto de Francisco

Soares Franco, deputado pela Estremadura, cit., de 22 p., foi publicado

sob anonimato em Lisboa, 1821. (H. V.).

(37) Paulo Fernandes Viana, brasileiro, intendente -geral da

Polícia. (H. V.).

(38) D. Maria da Glória, nascida no RJ, a 4 de Abr il de 1819,

futura Rainha D. Maria II de Portugal; D. João Carlos, Príncipe da Beira,

nascido a 6 de Março de 1821, falecido a 4 de Fevereiro de 1822, ambos

filhos de D. Pedro e D. Leopoldina. (H. H.).

(39) Depois 1º Visconde e Marquês de Barbacena. (H. V.).

(40) Edward Thornton. (H. V.).

(41) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela , cit., I,

339

p. 172/174. (H. V.).

(42) Publicada no Brasil Histórico, n. 38, de 25 de Setembro de

1864. (H. V.).

(43) Francisco Adolfo de Varnhagen – História Geral do Brasil,

1ª ed., tomo II (Rio de Janeiro-Madri, 1857), p. 400/401; Viscone de

Cairu – Crônica Autêntica, cit., “Suplemento ao Apêndice”, p. 104. (H.

V.).

(44) Na Nova Impressão da Viúva Neves & Filhos. (A.).

(45) Redigido por José Pinto Rebelo, Manuel Ferreira de Seabra e

Antônio Luís de Seabra (ao depois Visconde de Seabra). O periódico

intitulava-se... (A.) – A Comissão do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro completou a nota inacabada de Varnhagen assegurando, nas

duas edições anteriores desta História, tratar-se de O Cidadão Liberato,

“periódico de política e literatura”, quando é O Cidadão Literato,

conforme o Catálogo da Exposição de História do Brasil, cit., n. 6.702.

(H. V.).

(46) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos

Políticos do Império do Brasil, cit., seção I, “Apêndice”, p. 46. –

Realmente, Luís Antônio da Silva esteve no Rio de Janeiro em 1820,

conforme alusões de Luís Augusto May, nas Malaguetas de 11 de Maio e

5 de Junho de 1822, p. 100 e 130. Foi Deputado pela Estremadura. (H.

V.).

(47) Cf. Diálogo sobre o futuro destino de Portugal ou Parábola

VIII acrescentada ao Portugal Regenerado por D. C. N. Publícola

(deputado Manuel Borges Carneiro, não “Manuel Fernandes Tomás” como

por engano consta do texto manuscrito de Varnhagen e das duas edições

anteriores desta História), folheto publicado em Lisboa, 1821, no qual, à

p. 30/31, aparecem referências à possível união de Portugal e Espanha.

(H. V.).

(48) Militar, depois Barão do Passeio Público e Visconde do Rio

Comprido. (H. V.).

(49) José de Oliveira Pinto Botelho de Mosqueira, do

340

Desembartgo do Paço, chanceler da Casa da Suplicação, regedor das

Justiças e procurador da Real Coroa e Fazenda. (H. V.).

(50) Antônio José da Cunha Almeida e Carvalho. Cf. nota 10,

supra. (H. V.).

(51) Transcrevemo-la do próprio original, que dera Tomás

Antônio ao Conselheiro Drummond e foi publicado no Brasil Histórico, n.

38. Com insignificantes correções se lê no 1º vol. de Palmela, p. 180.

(A.). – Trata-se dos Despachos e Correspondência do Duque de Palmela,

cit. O Brasil Histórico n. 38 é de 25 de Setembro e 1864. (H. V.).

(52) Francisco Saraiva da Costa Refoios, Francisco Joaquim

Carretti, João de Sousa Mendonça Corte Real e Manuel Jacinto Nogueira

da Gama (Depois Marquês de Baependi), todos militares. (H. V.).

(53) O Intendente-Geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana. (H.

V.).

(54) Assim o assegura Cairu, que era um dos membros da Junta, e

o confirma uma relação impressa na Bahia, nesse mesmo ano, acerca dos

acontecimentos do dia 26. (A.). – Cf. Visconde de Cairu – História cit.,

seção I, p. 57; Relação dos Sucessos do dia 26 de fevereiro de 1821 na

Côrte do Rio de Janeiro . (Bahia, s.d. [1821]), n. 6.852 do Catálogo da

Exposição de História do Brasil , de 1881, cit. (H. V.).

(55) A Rua do Conde, assim denominada em homenagem ao vice -

rei Conde da Cunha, depois Rua do Conde d’Eu, hoje Frei Caneca, não

fica em Catumbi, mas conduz a esse bairro. (C. I. H. G. B. e H. V.).

(56) Relação impressa em 1821, e reproduzida no Brasil

Histórico, ns. 17 e seguintes. (A.). – Trata-se do folheto baiano citado na

nota 54, supra, sob o título “Revolução de 26 de Fevereiro de 1821 no Rio

de Janeiro” reproduzido na revista de Melo Morais, n. 17 (intitulada O

Médico do Povo), de 1º de Maio de 1864, e números 18, 19 e 20, de 8, 15

e 22 do mesmo mês e ano; depois também apareceu na História do Brasil-

Reino e Brasil-Império, do mesmo Melo Morais, tomo I (Rio, 1871), p.

53/57. (H. V.).

(57) Manuel Joaquim de Meneses – Exposição Histórica da

341

Maçonaria no Brasil, particularmente na Província do Rio de Janeiro, em

relação com a Independência e Integridade do Império (Rio, 1857), p. 13.

– Talvez algum deles teria vindo já da Bahia, visto que diz Paulo José de

Melo ter a Junta mandado dali emissários. (A. e H. V.). – A última obra

cit. pro Varnhagen é a Carta de um membro da pretérita Junta do

Governo Provisional da Província da Bahia (Paulo José de Melo Azevedo

e Brito) com um apêndice (Lisboa, 1822), 74 p., n 7.339 do cit Catálogo

da Exposição de História do Brasil . (H. V.).

(58) Informação verbal do meu colega Ribeiro da Silva, que foi

testemunha presencial, e mo contou em S. Petersburgo, em Agosto de

1872. (A.). – José Ribeiro da Silva foi, durante muitos anos, encarregado

de negócios e Ministro do Brasil na Rússia, onde se casou com uma

princesa. (H. V.).

(59) Depois Barão e Conde do Rio Pardo. (H. V.).

(60) Conforme o Suplemento à Gazeta do Rio de Janeiro n. 17, de

28 de Fevereiro de 1821, a referida bateria pertencia à Artilharia Montada

da Corte. (A. e H. V.).

(61) O Almanaque da Corte para 1823, mencionando do dias de

gala, consignou acera de 26 de Fevereiro: “Dia em que S. M. I. abraçou e

seu ao Brasil o sistema constitucional”. (A.).

(62) D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do RJ. (H. V.).

(63) Depois Visconde e Marquês de Inhambupe. (H. V.).

(64) Sobre sua ação no cargo, ver, adiante, a nota 79. (H. V.).

(65) Sebastião Luís Tinoco da Silva. (H. V.).

(66) Depois Barão de Ubá. (H. V.).

(67) “Grão-de-bico” era a alcunha do comandante das armas do

Rio de Janeiro, Tenente-General Vicente Antônio de Oliveira, conforme o

relato reproduzido no Brasil Histórico n. 17 (intitulado O Médido do

Povo), de 1º de Maio de 1864. (C. I. H. G. B. e H. V.).

342

(68) José Joaquim Nabuco de Araújo, depois 1º Barão de Itapoã .

(H. V.).

(69) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. (H.

V.).

(70) É o n. 6.821 do Catálogo da Exposição de História do

Brasil: - Bahia, 1821, tip. da Viúva Serva e Carvalho, in -4º, 11 p. (R. B.).

– O título completo do folheto é: Reflexões sobre o Decreto de 18 de

Fevereiro deste ano, oferecidas ao povo da Bahia por Filagiosotero . (H.

V.).

(71) Veja-se o teor deste ofício, que se acha até transcrito na

chamada “História das Constituições Políticas do Brasil de 1789 a 1825”,

de A. J. de Melo Morais, incluída em sua História do Brasil-Reino e

Brasil-Império, 2 tomos (Rio, 1871/1873). (A. e H. V.). – Na Exposição

de História do Brasil, de 1881, figurou, sob o n. 6.705 do respectivo

Catálogo, do Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira, o original, por ele

assinado, e em 3 fls. mss., de uma “Proposta autógrafa sobre o regresso da

Corte para Portugal e providências convenientes para prevenir a

Revolução e tomar a iniciativa na Reforma política” . (H. V.).

(72) Depois, respectivamente, Barão do Rio da Prata, Marquês de

Querluz e Visconde da Cachoeira, Também foi preso, nessa ocasião, o

Visconde de São Lourenço, Targini, ex-tesoureiro-mor. Os documentos

relativos a essas prisões tiveram o n. 19.654 no Catálogo da Exposição de

História do Brasil; foram publicados, em arte, na Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LI, parte I, de 1888, 76;

guardam-se na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro. (H. V.).

(73) Revelação feita pelo mesmo publicista. (A.). – Cf.

Varnhagen – História Geral do Brasil , cit., 1ª ed., tomo II (Madri, 1857),

p. 410, onde ocorre a seguinte nota: “Ouvi -o do próprio Silvestre em

1843”. – A atitude desse ministro, em toda a crise, foi por ele

posteriormente explicada nas “Memórias e Cartas Biográficas sobre a

revolução popular e o seu ministério no Rio de Janeiro desde 26 de

Fevereiro de 1821 até o regresso de Sua Majestade o Senhor D. João VI

com a Corte para Lisboa, e os votos dos homens d’Estado que

acompanharam a Sua Majestade”. O manuscrito autógrafo, de 95 fls., com

343

28 cartas, oferecido pela filha do publicista, Joana Carlota Leithold

Pinheiro Ferreira Pais Leme, à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi

publicado, com introdução de J. A. Teixeira de Melo, nos respectivos

Anais, vol. II, de 1876/1877 (Rio, 1877), p. 247/314, e vol. III, de

1877/1878 (Rio, 1877), p. 182/209; sob n. 6.696 figurou no Catálogo da

Exposição de História do Brasil , cit., de 1881. As referidas “Cartas” de

Silvestre foram também publicadas na Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, tomo LI, parte I, de 1888, vol… 76 (Rio, 1888), p.

239/332, sob o título “Cartas sobre a Revolução do Brasil”. Acomanham -

nas, aí, 18 documentos que faltam àquela publicação nos Anais, cit. (H.

V.).

(74) Cf. notas 32 e 34, infra. (H. V.).

(75) Também houve uma gratificação popular à tropa, que

alcançou o total de 36:600$000. Dela existe uma relação impressa, de 15

p., na Biblioteca Nacional, intitulada: Para uma gratificação a toda a

honrada e valerosíssima Tropa da primeira linha da Guarnição do Rio de

Janeiro, que tão subordinada como corajosamente deu o maior

brilhantismo nos Fastos da Nação do Di 26 de Fevereiro de 1821,

subscreveram mui fervorosa e espontaneamente as pessoas abaixo

nomeadas. Tem o n. 6.850 no Catálogo da Exposição de História do

Brasil. (H. V.).

(76) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos

Políticos do Império do Brasil, parte X, seção I, cap. “Protesto de

Fidelidade da Tropa a El-Rei”, p. 73/76. – A representação, datada de 11,

não de “13 de Março”, foi impressa em folheto de 9 p., sob o título:

Protesto da Tropa a Sua Majestade, existente na Biblioteca Nacional.

Assinou em primeiro lugar o Brigadeiro Carretti. É o n. 6.694 do

Catálogo da Exposição de História do Brasil . O exemplar remetido pelo

Príncipe D. Pedro “Para a Rainha minha Mãe e Senhora” encontra -se no

Arquivo da Família Imperial do Brasil, hoje no Museu Imperial, de

Petrópolis. No “Inventário dos inestimáveis documentos históricos do

Arquivo da Casa Imperial do Brasil, no Castel d’Eu, em França”,

organizado poe Alberto Rangel (Anais da Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro, vols. LIV e LV, de 1932 e 1933 (Rio, 1939), teve, no Catálogo

A, a indicação: maço XLVI, doc. 2.073. (H. V.).

(77) Visconde de Cairu – Crônica Autêntica, cit., p. 106.

344

Transcreve-se, aí, a resposta ao pedido do Senado da Câmara do Rio de

Janeiro para que D. João permanecesse no Brasil. (H. V.).

(78) Publicou A. J. de Melo Morais, na “História das

Constituições Políticas do Brasil de 1789 a 1825”, incluída na História do

Brasil-Reino e Brasil-Império, tomo I (Rio, 1871), p. 42/45, cópias desses

documentos relativos aos pedidos de permanência de D. João VI no

Brasil, as quais também figuram no Catálogo da Exposição de História do

Brasil, sob n. 6.695. Intitula-se o primeiro: Por via de Embargos ao

Venerando Decreto de 7 de Março de 1821, e em contrariedade do

Manifesto feito pelos Portugueses Europeus às Cortes Estrangeiras, com

toda a submissão dizem os Portugueses estabelecidos no Brasil por esta

ou por outra melhor forma e via de Direito. Em anexo, aparece a

Representação do Comércio ao Senado da Câmara para sustar o efeito do

Decreto de 7 de Março sobre a “partida d‟El-Rei”. (H. V.).

(79) A propósito publicou-se em 1821, no Rio de Janeiro, folheto

de 8 p., de que existe exemplar na Biblioteca Nacional, intitulado Cópia

da Carta que escreveu José Caetano Gomes, Tesoureiro-Mor do Erário

do Rio de Janeiro, ao Exmo. D. Manuel de Portugal e Castro,

Governador e Capitão-General da Província de Minas Gerais, sobre os

Dízimos e Miunças do Brasil. Em 1826 apareceu novo folheto, sob o

título: Exquisa (sic) sobre a Cobrança dos Dízimos feita na Província do

Rio de Janeiro, do ano de 1821 em diante, pelo método de José Caetano

Gomes, que se estendeu a todo o Brasil. Tem o n. 6.844 no Catálogo da

Exposição de História do Brasil. cit. (H. V.).

(80) Aludiu Varnhagen aos seguintes folhetos, todos mencionados

no Catálogo da Exposição de História d Brasil , de 1881:

N. 6.678 – Carta do Compadre do Rio de S. Francisco do Norte,

ao Filho do Compadre do Rio de Janeiro, na qual se lhe queixa do

paralelo que faz dos índios com os cavalos, de não conceder aos homens

pretos maior dignidade que a de Reis do Rosário, e de asseverar que o

Brasil ainda está engatinhando. E crê provar o contrário de tudo isso.

Por J. J. do C. M. (Rio, 1821), 10 p. Dubitativamente atribuída, pelo Sr.

Tancredo de Barros Paiva, em suas Achegas a um Dicionário de

Pseudônimos (Rio, 1929), p. 82, a Joaquim José da Costa de Macedo.

N. 6.679 – A Impostura Desmascarada ou Resposta que o Filho

do Compadre do Rio de Janeiro dá ao Compadre do Rio de S. Francisco

do Norte (Rio, 1821), 18 p. É de autoria do Padre Luís Gonçalves dos

345

Santos, mais conhecido por Padre Perereca.

N. 6.680 – Justa Retribuição dada ao Compadre de Lisboa em

desagravo aos brasileiros ofendidos por várias asserções que escreveu na

sua carta em resposta ao Compadre de Belém, elo Filho do Compadre do

Rio de Janeiro (Rio, 1821), 30 p. Teve este folheto do Padre Perereca 2ª

ed., aumentada, em 1822; é o n. 6.681 do referido Catálogo. Refere-se à

Carta do Compadre de Belém ao redator do “Astro da Lusitânia”, dada à

luz pelo Compadre de Lisboa, folheto Lisboeta de autoria do Deputado

Manuel Fernandes Tomás, conforme o Dicionário Bibliográfico

Português, de Inocêncio Francisco da Silva, tomo V (Lisboa, 1860), p.

422.

N. 6.682 – Carta, que em defesa dos brasileiros insultados

escreve ao Sacristão de Caraí o Estudante Constitucional, amigo do

Filho do Compadre do Rio de Janeiro (Rio, 1821), 22 p.

N. 6.683 – Discurso que, em desagravo dos Brasileiros ofendidos

pelo Compadre de Lisboa, na sua carta impolítica dirigida ao Compadre

de Belém, escreveu José Joaquim Lopes de Lima (Rio, 1821), 4 p. (H. V.).

(81) Antônio d’Oliva de Sousa Siqueira – Projeto para o

estabelecimento político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,

oferecido aos ilustres legisladores em Cortes Gerais e Extraordinárias

(Coimbra, 1821; reimpresso no Rio de Janeiro, no mesmo ano, 10 p.).

Tem o n. 6.689 no cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil. (H.

V.).

(82) José Joaquim de Almeida Moura Coutinho – Análise do

Projeto para o estabelecimento político do Reino Unido de Portugal,

Brasil e Algarves, de Antônio d‟Oliva de Sousa Siqueira (Coimbra, 1821),

16 p. É o n. 6.690 do cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil.

(H. V.).

(83) Digna de nota é essa preocupação, muito portuguesa, de

eliminação do preconceito de cor. (H. V.).

(84) Visconde de Cairu – História, cit., seção I, p. 63. – Silva

Lisboa criticando, aí, o decreto de criação da censura, declarou que o

remédio era pior que o mal, motivo pelo qual os censores (inclusive ele),

logo se escusaram de um “ofício danoso” . (H. V.).

(85) Depois redator do jornal Astréia e do humorístico Simplício.

346

(H. V.).

(86) Francisco José da Rocha Leão, depois 1º Barão de Itamarati.

(H. V.).

(87) Duprat foi depois estudar em Coimbra e aói se formou com

distinção, vindo a ser em Lisboa um excelente advogado e diretor do

Panorama, falecendo em 1843. Vej. no mesmo jornal, nesse ano, a p. 70,

um artigo de Alexandre Herculano. (A.).

(88) Sebastião Luís Tinoco da Silva. (H. V.).

(89) Manuel Jacinto Nogueira da Gama, depois Marquês de

Baependi. (H. V.).

(90) Desembargador José Albano Fragoso. (H. V.).

(91) Depois 1º Barão de Rio Bonito. (H. V.).

(92) Em uma espécie de projetada História da Independência,

encabeçada como biografia do Conselheiro Drommond e publicada no

Brasil Histórico, se diz, no n. 18, que José Clemente era Presidente da

Junta e se lhe atribuem injustamente planos menos l eais. São calúnias que

só se devem atribuir ao excesso de zelo de quem deu as informações (o

próprio Conselheiro Drummond), com o fim de enegrecer o belo caráter

de José Clemente, porque este foi adversário de José Bonifácio. (A.). – O

n. 18 do Brasil Histórico é de 8 de Maio de 1864. (H. V.).

(93) Depois 1º Barão e Visconde de Congonhas do Campo. (H.

V.).

(94) O “Processo da Revolta da Praça do Comércio do Rio de

Janeiro em 21 de Abril de 1821”, n. 6.854 do Catálogo da Exposição de

História do Brasil, guarda-se na Seção de Manuscritos da Biblioteca

Nacional. Foi incompletamente publicado na revista Brasil Histórico, do

n. 57, e 5 de Janeiro de 1865, ao n. 78, de 2 de Julho do mesmo ano. (H.

V.).

(95) El-Rei aos Habitantes do Rio de Janeiro , 1 fl., e El-Rei ao

Corpo Militar desta corte , 1 fl., ambas de 23 de Abril de 1821, números

347

6.699 e 6.700 do cit. Catálogo da Exposição de História do Brasil .

Existem na Bibliotca Nacional, em coletânea de publicações de 1821, da

Impressão Régia. A primeira foi publicada por A. J. de Melo Morais, na

História do Brasil-Reino e Brasil-Império, tomo I (Rio, 1871), p. 49. (H.

V.).

(96) Acham-se nas coleções vulgares da legislação brasileira, e,

alguns deles, em Cairu – História cit., seção I, p. 83/86, e em Pereira da

Silva – História da Fundação do Império Brasileiro , vol. V (Rio-Paris,

1865), p. 312/316. (A. e H. V.).

(97) Depois Almirante, Barão e Conde de Souzel. (H. V.).

(98) Não a bordo, como disse o Sr. Pereira da Silva. Vej. carta do

príncipe, de 19 de Junho de 1822. (A.). – Apesar da correção de

Varnhagen, quanto ao local e ao próprio texto, numerosos foram os

escritores e compendiógrafos que repetiram erros a respeito, inclusive

apresentando uma versão inteiramente fantasiosa da frase de D. João VI

ao filho e herdeiro, por este confirmada em carta muitas vezes publicada,

desde 1822. A versão errônea da famosa frase |(“Ponha a coroa sobre a

tua cabeça”, etc.) teve origem na História dos Principais Succesos

Politicos do Império do Brasil , cit., do Visconde de Cairu, parte X, seção

I, cap. XXI, “Recomendação na Despedida de El -Rei ao Herdeiro da

Coroa”, p. 87. (H. V.).

(99) José Clemente o confirmou no seu discurso de 9 de Janeiro

de 1822. E de Ledo disse a proclamação andradista de 29 de Outubro

desse último ano que celebra o Decreto de 29 de Setembro com uma festa

do seu rito. (A.).

(100) Despachos e Correspondência do Duque de Palmela , cit.,

tomo I, p. 190/192, parecer dado a Silvestre Pinheiro Ferreira, a 6 de

Maio de 1821, a bordo da fragata Princesa Real. O respectivo autógrafo

figurou na Exposição de História do Brasil, de 1881, tendo o n. 6.706 no

respectivo Catálogo. (H. V.).

(Transcrito da pág. 17 à 57).

348

CAPÍTULO III

As Cortes de Lisboa, depois da chegada

dos principais deputados do Brasil.

Notícia dos principais destes e impressão nelas

produzida pelos acontecimentos que

se associaram ao “Fico”.

O projeto para a supressão dos tribunais só foi

convertido em lei aos 12 de Janeiro de 1822 (1). Referendou-a

José da Silva Carvalho (2), recentemente chamado ao

ministério, que pediu logo depois às Cortes autorização para

dar por acabado o tempo a todos os magistrados no Brasil,

para poder substitui-los por outros de sua confiança; e, ainda

não satisfeito de abolir, chegou-se a espalhar que pretendia

suprimir as próprias academias estabelecidas no Rio de Janeiro

(3).

349

A Casa da Suplicação do Rio de Janeiro ficaria reduzida

a simples Relação provincial, estabelecendo-se nela uma mesa,

por onde se despachariam os assuntos que corriam pelas do

Desembargo do Paço e Consciência; ficando, portanto,

dependentes da metrópole quaisquer mercês que se houvessem

de fazer.

Em meados do mês de março era apresentado um

projeto de relações comerciais com o Brasil (4), que veio

assustar os deputados do Brasil e daí a dois meses excitou os

clamores do Brasil todo.

A comissão que o submeteu ao Congresso valeu-se do

trabalho, com dois artigos menos, apresentado pouco antes (25

de Janeiro) (5) por uma comissão criada no ano anterior (28 de

Agosto de 1821), à qual ele fora cometido em 14 de Janeiro.

O comércio entre os dois reinos seria considerado como

de entre províncias do mesmo continente, e só feito por navios

nacionais; estabelecia-se troca dos produtos com exclusão dos

similares dos demais países, com grande desvantagem do

Brasil, pela menor soma que exportaria; favoreciam-se nos

direitos de exportação de Lisboa os gêneros do Brasil, que aí

entrassem em depósito, para converter de novo Lisboa no

empório do comércio do Brasil. Desta sorte, sob aparências de

reciprocidade, volveria o comércio do Brasil quase ao mesmo

estado em que estava em 1808.

Para que se faça idéia da impressão que este projeto

faria aos deputados do Brasil, transcreveremos as próprias

expressões que encontramos em um documento assinado por

dois deles (6):

“Apresenta-se um projeto de relações comerciais entre

os dois reinos, no qual, ajuntando o escárnio à fraude, alcunha-

350

se de igualdade a mais descarada desigualdade, e quer-se

arteiramente soldar os já quebrados ferros do sistema colonial,

erigir de novo Portugal em depósito privativo dos gêneros do

Brasil, e fechar quase aquele reino à indústria estranha, por

proibições diretas ou por meio de restrições equivalentes a

proibições, sem se tomar em conta que um país inteiramente

agrícola, como o Brasil, tem interesses mui diversos dos de

Portugal, que quer à força ser manufatureiro, e que não pode

ser político, e menos justo, que uma parte do Império seja

sacrificada ao bem da outra, sem alguma compensação da

sacrificada, e até sem duradoura utilidade daquela a quem se

sacrifica.

“Um sistema de ilusão, só calculado para o horizonte da

rude Nigrícia, achou no primeiro dos abaixo-assinados a mais

atinada repulsa; passou, porém, pela decidida maioria dos

deputados de Portugal, numa conformidade de idéias

interessadas e inimigas do aumento e prosperidade do Brasil.”

Conforme antes dissemos, em fins de Agosto de 1821 se

haviam apresentado a tomar assento os deputados de Per-

nambuco; seguiram-se, em Setembro, alguns do Rio de

Janeiro; em 16 de Outubro, Vilela Barbosa, também do Rio de

Janeiro, como segundo substituto, que entrou em lugar do

Bispo de Coimbra; em Dezembro, vários da Bahia; e, em

Fevereiro de 1822, os principais de São Paulo, Antônio Carlos,

Vergueiro e Feijó (7).

Assim, de uns oitenta que devia dar o Brasil, apenas

estavam presentes uns trinta, em princípios de Março de 1822.

À frente de todos achava-se Antônio Carlos Ribeiro de

Andrada Machado, irmão de José Bonifácio. Tomando assento

a 11 de Fevereiro, e sendo a primeira vez em sua vida que

351

entrava em semelhantes lides, logo no dia seguinte se lançava

à discussão, como se fosse um consumado parlamentar, e a sua

grande resolução e energia e o seu talento fecundo de acudir

com alvitres na discussão, lhe granjearam, em poucos dias, a

posição de verdadeiro chefe e líder da parte da deputação

brasileira que pugnava por obter concessões a favor do novo

reino. Contava então pouco mais de quarenta e oito anos de

idade. Depois de formar-se em leis e tomar o grau de Bacharel

em Filosofia na Universidade de Coimbra, e de haver

colaborado na tradução de algumas obras para o estabe-

lecimento, sob a direção de Frei Veloso, no Arco do Cego, em

Lisboa (8), seguira Antônio Carlos a magistratura, e passara de

juiz de fora de Santos, sua pátria, a ouvidor em Olinda, quando

aí rebentou a revolução de 1817, na qual se envolveu, bem que

a sua cooperação para ela, segundo a sua própria confissão,

feita anos depois, espontaneamente (9), não passou de

tolerância passiva, sem chegar a ativa cooperação. Em todo

caso, vendida essa revolução, foi preso e remetido para a

Bahia, onde veio a ser solto em Fevereiro de 1821, por ocasião

da aclamação constitucional, ao cabo de perto de quatro anos

de reclusão, dos quais os dois primeiros, até chegar ao Rio

com licença o seu irmão José Bonifácio, em 1819, bastante

rigorosa.

Esses anos de reclusão forçada contribuíram mais para

acabar de formar o espírito e o caráter de Antônio Carlos do

que o seu curso em Coimbra. Durante eles, leu muito, meditou

não menos, e até se exercitou no foro, tomando a seu cargo a

defesa de muitos dos seus compatriotas, comprometidos com

ele, e alguns até seus companheiros na prisão, e também seus

discípulos. Mas, ao mesmo tempo, essa prisão agriou-lhe o

352

caráter, e porventura contribuiria a ver nos que se lhe opunham

inimigos em vez de antagonistas, e a tratar sempre de

combater em vez de tentar persuadir sem ofender.

Bem que mais parco de frases, mais moderado na forma

e menos brilhante e pomposo no dizer, não lhe cedia em

energia, coragem, honra e atividade, e era-lhe superior pela

prudência, e prometia já ser melhor estadista, o Deputado

fluminense Francisco Vilela Barbosa (10), que lhe levava

grande vantagem pela nobreza da figura e pela melhoria do

órgão da voz.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1769, passara a

Coimbra, e, já antes de aí se formar em matemáticas, o que

efetuou em 1796, publicada um volume de poesias. Em 1801

passara a reger uma cadeira de matemática na Academia de

Marinha de Lisboa, obtendo, ao mesmo tempo, segundo era

então freqüente, um posto em que ia tendo acesso, na Marinha,

donde passou depois para a Engenharia. Alcançou grandes

créditos como lente, e ilustrara, além disso, o magistério,

compondo um compêndio de Geometria ainda hoje muito

conceituado, que a própria Academia das Ciências de Lisboa,

de que era membro, se encarregara de publicar, e que o

secretário desta, José Bonifácio, no discurso da sessão pública

e solene de 1815, não duvidou de recomendar, não só por mui

conforme “com as regras da analogia e do método, na

exposição e demonstração das proposições”, mas também pela

“vantagem preciosa de simplificar a ciência, enriquecendo -a

ao mesmo tempo de idéias novas”. Da mesma Academia fora

Vilela eleito vice-secretário, e lhe coubera ainda o proferir na

sessão solene de 24 de Junho de 1821 o discurso histórico dos

trabalhos dela, quando lhe chegou a notícia de que os seus

353

comprovincianos o haviam eleito suplente ao Congresso, quase

ao mesmo tempo que ele, naquele discurso, a propósito de um

trabalho oferecido pelo então Tenente-Coronel Varnhagen (11)

acerca do Ipanema e Morro de Biraçoiaba, recordava a

expressão de Rocha Pita, que dizia deste “ter as entranhas de

ferro” (12), e prosseguia: - “Nem era de supor que a natureza,

liberal em tantas preciosidades para com aquele abençoado

país, só fosse escassa em conceder-lhe o mais útil de todos o

minerais, o ferro, tão necessário em tudo à vida, até nos usos

funestos que dele fez a perversidade humana, depois que o

ouro, seu tirânico irmão, filho do luxo e da terra, o estendeu

em algemas e grilhões, o aguçou em espadas e baionetas, e o

fundiu em balas e canhões, para instrumentos da tirania, de

crimes e da morte”.

Sendo segundo suplente, viera a caber-lhe tomar

assento no Congresso, no dia 16 de outubro, em virtude da

renúncia, feita providencialmente pelo seu antigo protetor na

Universidade de Coimbra, o fluminense Bispo-Conde D.

Francisco de Lemos, que se eximira de aceitar a deputação

“pela sua muita idade e achaques”.

Segundo o seu biógrafo, matemático também, o

ilustrado Cândido Batista de Oliveira (13), foi Vilela – de

espírito elevado, de ânimo oficioso, nobre e franco de caráter,

“legislador consciencioso” e “rígido observador dos seus

deveres, tanto como homem público, como nos hábitos

próprios da vida privada; e tão amigo se mostrava do

verdadeiro merecimento, como aborrecia e menosprezava a

impostura”. “Para ele o justo e o honesto eram termos que...

exprimiam as mesmas idéias”. Em presença de tal autoridade,

nem nos ocuparemos em declarar caluniosas as proposições de

354

algum seu gratuito inimigo, que pensando favorecer aos seus

protetores Andradas (14), chegou a assegurar que Vilela

regressara ao Brasil com intentos de favorecer o despotismo,

citando-se até frases de um seu discurso nas Cortes, em que,

como recurso oratório, para conseguir a retirada de Luís do

Rego, protestou, com Malaquias e Muniz Tavares (15), que o

Brasil não queria a Independência, asserção que aliás se

encontra também em escritos de José Bonifácio (16).

A par dos de Vilela, devemos colocar os serviços e a

respeitabilidade de caráter de Nicolau Pereira de Campos

Vergueiro. Nascido em Portugal, em 1778, e formado em

1804, em Coimbra, passara em 1805 a São Paulo, com intento

de aí exercer a advocacia. Casando-se nesta província,

preferira entregar-se à lavoura em Piracicaba, quando se viu

eleito deputado, em 1821. Passando a Lisboa, enquanto no

parlamento zelava pelos seus constituintes, fazia imprimir

(1822) uma conscienciosa memória histórica acerca da fábrica

e minas de ferro de Ipanema, que antes compusera, e passa à

posteridade como uma das melhores monografias que possui o

Brasil (17).

Bem que mais calado e retraído, não cedia a nenhum

dos três em firmeza de princípios, nem em coragem, o Padre

Diogo Antônio Feijó. Obrando por convicção, com a maior

independência e abnegação, sem aspirações políticas pessoais,

regulando os seus atos só em harmonia com a sua consciência

e o que julgava do seu dever, alheio até talvez a ambições de

glória, já nas poucas vezes que falou ou teve que justificar por

escrito atos seus, deixou entrever a respeitabilidade do seu

caráter impertérrito, de que ao depois deu tantas provas, vindo

a ser o verdadeiro salvador do Império, no começo do segundo

355

reinado, e associando o seu nome, em nossa opinião, mais do

que nenhum outro brasileiro, ao do fundador do mesmo

Império, que, segundo ele, não fora outrem, senão o próprio

Pedro I (18), conforme a posteridade imparcial já começa a

reconhecer.

Como caracteres graves e respeitáveis, gozavam

igualmente de muito bom conceito entre os seus compatriotas

o Padre Marcos [Antônio de Sousa], Vigário da Vitória, na

Bahia, os Deputados de São Paulo, Desembargadores Costa

Aguiar e Fernandes Pinheiro, paulistas, o primeiro da família

Andrada e o segundo mui ligado nas Cortes a Vilela Barbosa,

o Comendador Borges de Barros, escritor e poeta baiano, e o

pernambucano, doutor em cânones, Pedro de Araújo Lima. Por

grandes e vigorosos discursos se assinalaram também, depois

de Antônio Carlos, o médico José Lino Coutinho, autor de

alguns escritos médicos e já então membro da Academia de

Ciências, e Barata de Almeida (19), da Bahia, Muniz Tavares,

de Pernambuco, e, por fim, o Padre Alencar, do Ceará, que

somente chegou mais tarde. Gonçalves Ledo (20), deputado

fluminense, que fora dos primeiros a sair a campo em defesa

dos direitos do Brasil, eclipsou-se depois quase inteiramente.

O Bispo do Pará (21) e os deputados do Maranhão, que

chegaram mais tarde, votaram em geral com os deputados de

Portugal, e Martins Basto e Luís Paulino, eleitos aquele pelo

Rio de Janeiro e este pela Bahia, nem sempre se associaram

nas votações com os outros seus conterrâneos, nos primeiros

passos de armas, que foram providenciais para se estabelecer

uma espécie de harmonia entre os deputados de províncias

distantes, e quase sem nexo entre si [harmonia], que depois

veio a ser aproveitada em favor da integridade na declaração

356

da Independência.

Assim, os principais dos deputados brasileiros que mais

tarde tomaram nas discussões, já se achavam com assento nas

Cortes, quando a elas eram apresentadas as cartas dirigidas elo

príncipe [D. Pedro] a el-rei, seu pai, em 14 e 15 de Dezembro

(22), dando conta do alarma em que ficava o sul do Brasil com

a promulgação dos dois decretos de 29 de Setembro e a certeza

da imediata chegada do outro para a supressão dos tribunais.

Ainda um pouco antes, em sessão de 23 de fevereiro,

havia o Deputado Borges de Barros feito uma indicação

pedindo a revisão do artigo (capítulo I do título 6º) já votado...

a respeito das Juntas administrativas, antes que fosse

declarado de aplicação no Brasil (23). Era até doutrina que se

deduzia do teor das próprias bases, já então juradas. Foi,

porém, impugnada injustamente elos Deputados Moura (24) e

Borges Carneiro (25), a pretexto de que os deputados presentes

representavam toda a nação.

Um ofício do Senado na Câmara do Rio de Janeiro (26),

referindo-se às instruções (27), dadas pela Junta Provisória de

São Paulo aos deputados dessa província, como um manifesto

das necessidades do Brasil a bem da união, deu também a

conhecer as mesmas instruções que Antônio Carlos, apesar de

ponderar ser contra o espírito delas, tudo quanto as Cortes

haviam já deliberado, não duvidou entregar (28) à Comissão

de Constituição.

Estremeceram os portugueses mais cordatos. Modera-

ram-se muito os mais violentos. Começaram todos a reler, com

maior atenção, o projeto de Oliva (29), os artigos do Correio

Brasiliense, a respeito do modo único de ser possível levar-se

a cabo a união, e certas polêmicas acerca da preferência do

357

Brasil para sede da monarquia, que, no ano anterior, segundo

dissemos, tanta celeuma de injúrias havia levantado.

Em presença da aparente tolerância, resultante desta

nova situação, animou-se Vilela Barbosa a apresentar, em

sessão de 11 de Março, uma indicação para que os gover-

nadores das armas do Brasil fossem tirados do respectivo

exército e ficassem subordinados à autoridade das juntas

governativas. Já não foi rejeitada: ficou somente adiada.

Tinham abraçado as idéias de tolerância vários

jornalistas e os deputados mais cordatos, começando por

Trigoso (30) e Bento Pereira do Carmo (31), e, ainda mais que

ambos, o judicioso Correia de Seabra (32). Com o apoio eficaz

destes e alguns outros, chegou-se a nomear uma comissão

especial dos “negócios políticos do Brasil”. Resolveu -se que

fosse composta de doze membros, seis de cada reino. Saíram

votados aqueles dois primeiros, juntando-se-lhes os corifeus

exaltados, Borges Carneiro e Moura, e os médicos Guerreiro

(33) e Anes de Carvalho (34). Brasileiros, foram escolhidos

Antônio Carlos, Gonçalves Ledo, Almeida e Castro (de

Pernambuco), Granjeiro (das Alagoas), Belfort (do Maranhão)

e Bento de França (35).

Apresentou a mesma comissão um projeto no dia 18 de

Março (36), declarando-se vencidos vários dos seus membros.

Constava de doze artigos, precedidos de um relatório (37), em

que se procuravam justificar mui candidamente todos os atos

de arbítrio e violência, decretados contra o Brasil, no ano

anterior. Entretanto, concluíram apresentando um projeto, pelo

qual se admitia: que o príncipe seguisse no governo do Rio de

Janeiro e não se instalasse aí Junta enquanto se não fizesse a

organização geral do seu governo; que ficasse autorizado para

358

não abolir, senão progressivamente, os tribunais; que os

generais das armas e Juntas de Fazenda ficassem subordinados

às de governo em cada província; que se discutisse e votasse

logo o projeto, que acima analisamos, acera das relações

comerciais, o qual seria um dos mais fortes vínculos da união;

que se especificariam, em cada reino, os gastos próprios a cada

um, dos que deveriam ser de cada parte tirados para as

despesas gerais da união, como família real, corpo

diplomático, marinha e extraordinárias de guerra; que a dívida

transata do Brasil seria declarada nacional; que a dívida

contraída com o Banco do Brasil seria declarada pública (38),

assinando desde logo prestações para sustentar esse útil

estabelecimento; que se declarasse às províncias do Brasil que

o Congresso não tinha dúvida de conceder-lhes um ou dois

centros de delegação de governo executivo, se assim o

desejassem; que, finda a Constituição, se discutiriam os

artigos adicionais a ela, com todos os mais deputados

brasileiros, que ainda comparecessem: que as tropas por-

tuguesas que estavam no Brasil aí continuassem, enquanto o

governo, depois de ouvir as juntas governativas das

províncias, não ordenasse o seu regresso.

Tratava-se de discutir este projeto, quando chegaram ao

conhecimento das Cortes as cartas do príncipe, de 30 de

Dezembro e 2 de Janeiro, acompanhando esta a representação

da Junta de São Paulo. Foi logo ouvida acerca desta

representação a comissão especial dos negócios do Brasil, a

qual, no dia 22, apresentou um parecer, que se reduzia a que se

esperassem mais notícias do Brasil, dando, entretanto, ocasião

de ter lugar, nesse dia e no seguinte, um violento debate, onde

Fernandes Tomás (39) chegou a dizer não se poder duvidar

359

que o Brasil se havia de separar, e que a sua opinião era que o

fizesse desde já. Distinguiram-se também, por seus ataques

contra o Brasil, Ferreira Borges, Xavier Monteiro (40), Moura

e outros dos vinte e dois mais notáveis contra as idéias dos

brasileiros, que denominaram “Regimento 22” (41). Defendeu

Pereira do Carmo a prórroga reclamada pela comissão, para

dar tempo a que se viesse a conhecer melhor se a opinião da

Junta de São Paulo era geral, e proceder-se com moderação.

Acrescentou que não deviam as Cortes querer tomar a

responsabilidade de que por sua culpa se fizera em pedaços o

Império lusitano, que até elas se havia mantido íntegro, através

de tantas contrariedades.

NOTAS EM NÚMEROS ARÁBICOS

(1) Esta carta de lei tem a data de 13 (e não 12) de Janeiro. Foi

referendada por Filipe Ferreira de Araújo de Castro. Vej. Documentos

para a História das Cortes Gerais & tomo I, p. 263-265. (R. B.). – Note-

se que “tribunais”, à época, não eram apenas os órgãos judiciais, mas

quaisquer repartições públicas. (H. V.).

(2) Este ministro, que tanto se empenhou para que o Brasil fosse

dividido em governos separados e convertidos em pequenas colônias

dependentes em tudo da metrópole, que quis extinguir tribunais e

substituir todos os magistrados que serviam no Brasil, e suprimir escolas,

foi o protetor de um turbulento e exaltado guarda -livros, que converteu

por esse tempo em oficial de secretaria (1823), tomando -o para seu

auxiliar. Pouco depois, o improvisado oficial de secretaria, que aplaudiu

todas as medidas tendentes a escravizar o Brasil, teve de emigrar de

Lisboa, em conseqüência da contra-revolução (1823), e passou a

Pernambuco, onde entrou ao serviço da causa separatista, trabalhando aí,

embora obscuramente, pelo desmembramento da terra que não era sua e

que um ano antes quisera ver reduzida ao regime colonial anterior a 1808.

Refiro-me a Guilherme Tatcliffe. (R. B.).

360

(3) Em Pereira da Silva, História da Fundação do Império (tomo

V, p. 285), lê-se o seguinte: “Publicou (Silva Carvalho) dois avisos,

extingüindo as Academias de Marinha e Belas-Artes, fundadas no Rio de

Janeiro, e mandando recolher a Lisboa os seus professores (16 de

Fevereiro de 1822). Clamou energicamente Vilela Barbosa contra estes

atos ilegais do governo. Em que lei do Congresso achara autorização para

resolvê-los? Não via o depuTado fluminense incluídas aquelas academias

no decreto promulgado pelas Cortes, em 13 de Janeiro, relativo só às

secretarias e tribunais que extinguira. Requereu se mandassem sustar e

suspender os arbitrários avisos, mas não foram ouvidas as suas vozes e

nem aprovada a sua proposta (sessões de 1 e 4 de Março de 1822). (R.

B.).

(4) Vimos como em sessão de 25 de Abril do ano anterior fora

retirado outro de Alves do Rio, pela consideração de não estarem

presentes os deputados brasileiros. (A.).

(5) Reimpresso no Rio de Janeiro, na tipografia Moreira e Garcez,

1822. (A.). No mesmo ano publicou-se no Rio de Janeiro uma Refutação

do Projeto do Comércio de Portugal com o Brasil, 2 fls., n. 7.073 do

Catálogo de Exposição de História do Brasil, de 1881. (H. V.).

(6) Refere-se o autor a Antônio Carlos Ribeiro de Andrada

Machado e Silva e seu sobrinho José Ricardo da Costa Aguiar e Andrada.

No jornal carioca O Espelho, n. 128, de 7 de Fevereiro de 1823, apareceu,

como extrato da revista londrina Correio Brasiliense de Novembro de

1822, o “Protesto” desses dois “Deputados de São Paulo”, assinado em

Falmouth, a 20 de Outubro do mesmo ano. Foi reproduzido, também, na

História do Brasil-Reino e Brasil-Império, de A. J. de Melo Morais, tomo

I (Rio, 1871), p. 314/315. (H. V.).

(7) Apenas 46 deputados do Brasil, dentre 69 que foram eleitos,

tomaram assento nas Cortes Gerais. Eis as datas em que se foram

apresentando e tomando assento; a 29 de agosto, sete de Pernambuco; a

10 de Setembro, quatro do Rio de Janeiro, um dos quais faleceu dois dias

depois, e passou a ser substituído no dia 17 por um suplente, e o quinto

representante do Rio de Janeiro (suplente) tomou assento no dia 16 de

Outubro; a 8 de Novembro, dois do Maranhão; a 19 de Novembro, o

deputado de Santa Catarina; a 17 de Dezembro, oito da Bahia (o nono não

361

se apresentou) e os três de Alagoas. Assim, em fins de 1821, estavam

presentes 26 representantes do Brasil. Em 1822 foram chegando os

seguintes: a 4 de fevereiro, um da Paraíba; a 11 de Fevereiro, três de São

Paulo; a 25 de Fevereiro, um de São Paulo; a 1º de Abril, um do Pará; a

18 de Abril, o deputado do Espírito Santo e o de Goiás; a 27 de Abril, um

de São Paulo; a 9 de Maio, três do Ceará; a 10 de Maio, um do Ceará; a 2

de Julho, um do Pará e um de São Paulo; a 8 de Julho, um do Paiuí; a 15

de Julho, um da Paraíba; a 1º de Agosto, um do Piauí; a 16 de Agosto, um

de Pernambuco; a 29 de Agosto, um dos Rio Negro, suplente, que ocupou

o lugar do efetivo até à sua chegada, em Outubro. (R. B.).

(8) Traduziu do inglês: Considerações cândidas e imparciais

sobre a natureza do comércio do açúcar e a importância comparativa das

Índias Ocidentais, nas quais se estabelece o valor e conseqüências das

Ilhas de Santa Luzia e Granada, etc. (Lisboa, na Oficina da Casa Literária

do Arco do Cego, 1800), com dedicatória do tradutor ao príncipe -regente

D. João. (A. e H. V.).

(9) Carta escrita em Londres, em 9 de Novembro de 1822,

transcrita no Espelho, n. 128, de 7 de Fevereiro de 1823. (A.). – Trata-se

da “Declaração do Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, sobre o

que dele publicou em Lisboa o Astro da Lusitânia”. (H. V.).

(10) Depois 1º Visconde e 1º marquês de Paranaguá. (R. B. e H.

V.).

(11) Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, Diretor da Fábrica

de Ferro de São João de Ipanema, em Sorocaba, capitania de São Paulo,

onde nasceu seu filho Francisco Adolfo, depois Barão e Visconde de

Porto Seguro. (H. V.).

(12) Sebastião da Rocha Pita – História da América Portuguesa

(de 1730), 3ª ed. (Bahia, 1950), p. 27. (H. V.).

(13) Cândido Batista de Oliveira – “Marquês de Paranaguá”,

biografia, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , tomo

XI, de 1847 (Rio, 1847), p. 407/408. (A. e H. V.).

(14) Refere-se o autor ao Conselheiro Antônio de Meneses

Vasconcelos de Drummond, que nas “Anotações... à sua Biografia

362

publicada em 1836 na Biographie Universelle et Portative des

Contemporains”, incluídas nos Anais da Biblioteca Nacional do RI, vol.

XIII, de 1885-1886 (Rio, 1888), p. 71, baseado, não em palavras textuais,

mas no que declarava ser o seu sentido, fez exageradas acusações à certa

atitude de Vilela Barbosa nas Cortes de Lisboa. (C. I. H. G. B. e H. V.) .

(15) Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, depois 1º

Barão de Cimbres, e Francisco Muniz Tavares, Deputados por

Pernambuco. (H. V.).

(16) Estas, como outras manifestações, de brasileiros e do próprio

Príncipe D. Pedro, são anteriores à declaração do “Fico”, de 9 de janeiro

de 1822, que marcou o ponto capital do processo da separação do Brasil.

(H. V.).

(17) Nicolau Pereira de Campos Vergueiro – Memória histórica

sobre a fundação da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, na

Província de São Paulo (Lisboa, 1822). n. 13.084 do cit. Catálogo da

Exposição de História do Brasil . (H. V.).

(18) “Depois de confessar, com a última convicção, que o Brasil

devia a existência pública a V. M., seu assegurava que devia ainda a sua

prosperidade e glória ao desinterêsse, à liberalidade e à justiça de V. M.”

(Carta de Feijó a Pedro I, em 1823). (A.). Corrigimos, na citação, dois

enganos de cópia, não apurados nas edições anteriores desta História. (H.

V.).

(19) Cipriano José Barata de Almeida, depois famoso jornalista

de oposição, que estudamos em “Cipriano Barata e as Sentinelas da

Liberdade (1762-1838)”, cap. de nossa Contribuição à História da

Imprensa Brasileira (Rio, 1945), p. 447/502. (H. V.).

(20) Custódio Gonçalves Ledo, que não deve ser confundido com

seu irmão Joaquim Gonçalves ledo. (H. V.).

(21) D. Romualdo de Sousa Coelho. (H. V.).

(22) Mandadas publicar pelas Cortes, em folheto de 24 p.,

intitulado Cartas e mais peças oficiais dirigidas a Sua Majestade o

Senhor D. João VI pelo Príncipe Real o Senhor D. Pedro de Alcântara

363

(Lisboa, 1822). Teve o n. 6.984 no Catálogo da Exposição de História do

Brasil, de 1881, e contém quinze cartas, datadas de 8 de Junho de 1821 a

2 de Janeiro de 1822. (H. V.).

(23) Visconde de Cairu – História dos Principais Sucessos

Políticos do Império do Brasil, parte X, seção II (Rio, 1829), p. 134/136.

(A. e H. V.).

(24) José Joaquim Ferreira de Moura, Deputado pela Beira. (H.

V.).

(25) Manuel Borges Carneiro, Deputado pela Estremadura. (H.

V.).

(26) Ofício recebido pelas Cortes a 5 de Março de 1822. (R. B. e

H. V.).

(27) Lembranças e apontamentos do Governo Provisório (De São

Paulo) para os Srs. deputados da Província, Rio de Janeiro, na Tip.

Nacional, 1821, 11 p. in-folio. Impressas por ordem do príncipe-regente,

transmitidas em portaria do Ministro do Reino, Francisco José Vieira, de

3 de Novembro, a pedido feito por vários deputados de São Paulo, no Rio

de Janeiro, em 25 de Outubro. (A.).

(28) O leitor poderia ser induzido a engano, lendo Cairu (II, p.

142), quando diz simplesmente que Antônio Carlos “não quis” entregar

essas instruções. (A.). Cairu – História cit., seção II, p. 142. (H. V.).

(29) Mencionado na nota 81, ao capi. I. (H. V.).

(30) Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, Deputado pela

Beira. (H. V.).

(31) Deputado pela Estremadura. (H. V.).

(32) José Vaz Correia de Seabra da Silva Pereira, Deputado pela

Beira. (H. V.).

(33) José Antônio Guerreiro, Deputado pelo Minho. (H. V.).

364

(34) Joaquim Pereira Anes de Carvalho, Deputado substituto pela

Estremadura. (H. V.).

(35) Embora no original de Varnhagen, como nas duas edições

anteriores desta História da Independência apareça, aqui, o nome “Bento

da França”, trata-se do Marechal Luís Paulino Pinto de França, Deputado

pela Bahia. Bento era seu filho. (H. V.).

(36) Transcrito no Espelho, n. 49. (A.). De 7 de Maio de 1822.

(H. V.).

(37) Tudo se encontra transcrito no Espelho, n. 49. (A.).

(38) A este respeito, apresentava um dos membros da comissão

(Ledo) um projeto, em sessão do mesmo Março. (A.).

(39) Manuel Fernandes Tomás, Deputado pela Beira. (H. V.).

(40) Francisco Xavier Monteiro, Deputado pela Estremadura. (H.

V.).

(41) D. José d’Almeida Correia de Sá, Marquês de Lavradio, em

D. João VI e a Independência do Brasil – Últimos Anos do seu Reinado

(Lisboa, 1937), p. 46/47, citando Soriano (Simão José da Luz Soriano –

História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo parlamentar

em Portugal), diz que esse autor “considera verdadeiros promotores da

separação do Brasil os Deputados Fernandes Tomás, Ferreira de Moura,

Xavier Monteiro, Borges Carneiro, Pereira do Carmo e Teixeira Girão” .

(H. V.).

(Transcrito das págs. 67 a 74).

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