jogos eletrÔnicos e ensino de histÓria: history … · do ensino básico a “adentrarem” a...

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1 JOGOS ELETRÔNICOS E ENSINO DE HISTÓRIA: History Games como possibilidade de construção do conhecimento histórico. GUILHERME DA COSTA NUNES * INTRODUÇÃO É perceptível o impacto que as mídias têm promovido atualmente, pois são poderosas ferramentas de divulgação de informações. A geração de crianças, adolescentes e jovens do século XXI, especialmente, cresceu sob a influência da sociedade da informação, de forma que sua relação com a construção do conhecimento passa, certamente, em suas relações proporcionado pelo avanço tecnológico. Nesta perspectiva, compreende-se, portanto, que os games se constituem em importante produto cultural deste tempo, podendo ser, nessa perspectiva, apropriado pelo professor de História como fonte para construção do conhecimento histórico, podendo auxiliar os estudantes do ensino básico a “adentrarem” a História, pois tais jogos trazem consigo visões e interpretações de determinado acontecimento histórico que constituem rico material a ser problematizado em sala de aula, tal como afirma Selva Fonseca: A formação do aluno/cidadão se inicia e se processa ao longo de toda a sua vida nos diversos espaços de vivência. Logo, todas as linguagens, todos os veículos e materiais, frutos de múltiplas experiências culturais, contribuem com a produção/difusão de saberes históricos, responsáveis pela formação do pensamento. (FONSECA, 2012:164). Compreende que o pensamento histórico dos jovens pode ser influenciado pelos games, verificasse importante desafio aos docentes em promover o uso dessas novas linguagens, na sala de aula, de maneira crítica. Numa contemporaneidade escolar em que há enorme dificuldade em conquistar a atenção do aluno, e muitas queixas estão voltadas ao distanciamento existente entre o cotidiano vivido pelos discentes e o conteúdo histórico estudado na escola, a interatividade entre professor, alunos e games, pode gerar diversas * Graduando em História pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP. A pesquisa conta com financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) - Reitoria. Sob orientação do Prof. Dr. Ronaldo Cardoso Alves.

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JOGOS ELETRÔNICOS E ENSINO DE HISTÓRIA: History Games como

possibilidade de construção do conhecimento histórico.

GUILHERME DA COSTA NUNES*

INTRODUÇÃO

É perceptível o impacto que as mídias têm promovido atualmente, pois são poderosas

ferramentas de divulgação de informações. A geração de crianças, adolescentes e jovens do

século XXI, especialmente, cresceu sob a influência da sociedade da informação, de forma que

sua relação com a construção do conhecimento passa, certamente, em suas relações

proporcionado pelo avanço tecnológico.

Nesta perspectiva, compreende-se, portanto, que os games se constituem em importante

produto cultural deste tempo, podendo ser, nessa perspectiva, apropriado pelo professor de

História como fonte para construção do conhecimento histórico, podendo auxiliar os estudantes

do ensino básico a “adentrarem” a História, pois tais jogos trazem consigo visões e

interpretações de determinado acontecimento histórico que constituem rico material a ser

problematizado em sala de aula, tal como afirma Selva Fonseca:

A formação do aluno/cidadão se inicia e se processa ao longo de toda a sua vida nos

diversos espaços de vivência. Logo, todas as linguagens, todos os veículos e

materiais, frutos de múltiplas experiências culturais, contribuem com a

produção/difusão de saberes históricos, responsáveis pela formação do pensamento.

(FONSECA, 2012:164).

Compreende que o pensamento histórico dos jovens pode ser influenciado pelos games,

verificasse importante desafio aos docentes em promover o uso dessas novas linguagens, na

sala de aula, de maneira crítica. Numa contemporaneidade escolar em que há enorme

dificuldade em conquistar a atenção do aluno, e muitas queixas estão voltadas ao

distanciamento existente entre o cotidiano vivido pelos discentes e o conteúdo histórico

estudado na escola, a interatividade entre professor, alunos e games, pode gerar diversas

* Graduando em História pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP. A pesquisa conta com financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) - Reitoria. Sob orientação do Prof. Dr. Ronaldo Cardoso Alves.

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possibilidades de inovação no espaço escolar. Logo, pretende-se analisar a possiblidade da

construção do conhecimento histórico, por meio dos games, nas aulas de História.

Para a realização desse projeto, foi trabalhado com a linha de investigação da

aprendizagem histórica denominada Didática da História. O historiador e filósofo alemão Jörn

Rüsen, ao discorrer a respeito dessa linha de pesquisa que hoje encontra eco em vários países,

tais como Alemanha, Inglaterra, Canadá, Portugal, Grécia, Argentina, Brasil, dentre outros, a

caracteriza da seguinte forma:

“[…] A didática da história analisa […] todas as formas e funções do raciocínio e

conhecimento histórico na vida cotidiana, prática. Isso inclui o papel da história na

opinião pública e as representações nos meios de comunicação de massa; ela

considera as possibilidades e limites das representações históricas visuais em museus

e explora diversos campos onde os historiadores equipados com essa visão podem

trabalhar (RÜSEN, 2010:31-2).

Nesse sentido, os alunos já chegam às salas de aula com interpretações de seu cotidiano

e com uma consciência histórica já existente, baseadas em suas vivências e experiências, aliadas

ao que a mídia e as novas tecnologias lhes proporcionam. Portanto, não podem ser

compreendidos como folhas em branco a serem preenchidas. Compete à escola, nesse contexto,

esforçar-se para interpretar os alunos contemporâneos utilizando, em sala de aula, a diversidade

da produção cultural atual, problematizando-a, no caso da História, enquanto fonte histórica.

Os jogos eletrônicos compõem esse escopo e podem ser fonte importante de construção do

conhecimento histórico, bem como promover a relação deste saber com a vida prática, como

consciência histórica. Assim, os estudantes construiriam sua própria visão de mundo,

relacionando o conhecimento do seu cotidiano com o que a escola pode oferecer.

Atualmente a indústria de jogos eletrônicos cresce a cada dia e atinge uma infinidade de

crianças e adolescentes no mundo todo. E é neste contexto, que o objetivo deste estudo é utilizar

essa nova abordagem, ou seja, os jogos eletrônicos, a serviço da educação, mais precisamente

do Ensino de História. A pesquisa tem como foco principal analisar como é possível contribuir

para a construção de conhecimento histórico em adolescentes do Ensino Fundamental II,

realizado na prática, analisando de fato como é possível estabelecer essa conexão entre games

e ensino.

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A pesquisa foi realizada em uma das escolas públicas estaduais do município de Assis.

Para levantamento de dados, foi utilizado um questionário de construção do perfil

socioeconômico e cultural dos alunos da turma pesquisada. A investigação da construção do

conhecimento histórico por meio do trabalho com games será realizado com a elaboração e

aplicação de um questionário que remeta à análise do game como fonte histórica. A ideia é

refletir, subsidiado pelo repertório epistemológico da pesquisa, em que medida os alunos

recorrem a operações inerentes ao pensar histórico, por meio da contextualização espaço-

temporal e interpretação do jogo eletrônico, bem como a relação desse processo cognitivo com

o cotidiano vivido. Por fim, todo esse processo foi mediado por fundamentação teórica que

discute principalmente a formação do pensamento histórico e sua importância para a orientação

temporal e construção de identidade das pessoas na contemporaneidade.

REFERÊNCIAS TEÓRICAS

A Didática da História investiga quaisquer formas de construção do conhecimento

histórico, tanto na escola, como em espaços extraescolares. Os jogos eletrônicos, ao apresentar

representações históricas a seus utentes, possibilita sua investigação utilizando a epistemologia

de pesquisa da Didática da História. Nessa perspectiva de investigação, destacam-se os

trabalhos de Jörn Rüsen (2001; 2010) e Reinhart Koselleck (2006). A partir de suas análises é

possível compreender a consciência histórica como a relação do pensamento histórico com a

vida. Nessa perspectiva a consciência histórica é a “[...] suma das operações mentais com as

quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si

mesmos de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo

(RÜSEN, 2001, p.57). Dessa forma, as diversas e inúmeras situações em que o ser humano

experimenta, passa pelo crivo do pensamento histórico, pois carregam significados e

interpretações dotadas de historicidade, realizadas sempre ao seu tempo. Destarte, “[…] Numa

perspectiva de progresso da sociedade, o passado fornece lições ao presente que servirão para

a orientação no tempo e, consequentemente, como prospecção do futuro.” (ALVES, 2011, p.

327)

Segundo Koselleck (2006), o passado sempre tem a nos ensinar, para possíveis

projeções futuras, e dessa concepção resulta o espaço de experiência e o horizonte de

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expectativa. As experiências liberam os prognósticos que os orientam. Os prognósticos são

determinados pela necessidade de esperar algo, liberando expectativas que se misturam com

temor e esperança. Sendo assim, o horizonte de expectativa está estritamente relacionado com

o espaço de experiência e este conceito relaciona-se com o Ensino de História na medida que

busca orientar a vida prática dos estudos, buscando dar sentido aquilo que lhes é apresentado.

Quanto mais conhecemos e compreendemos o passado e suas ações no presente, tem-se a

possiblidade de expansão do horizonte de expectativas.

Rusen (2001), dialoga com Koselleck na medida em que crê ser necessário e essencial

que a história oriente e tenha sentido na vida prática das pessoas. Para isso, Rusen comenta que

a teoria da história deve-se ocupar da matriz disciplinar. A matriz disciplinar é um conjunto

sistêmico entre a passagem da vida prática para a ciência histórica e vice-versa, composta de

cinco elementos essenciais: Interesses (carência de orientação temporal.), Ideias (hipóteses),

Método científico (reguladores do pensamento histórico, ou seja, o caminho para a construção

do conhecimento), Formas (narrativas) e Funções. Todos esses cincos fatores estão interligados

de maneira cíclica, fazendo com que a história tenha função de orientação na vida prática.

É perceptível que os jovens da contemporaneidade passam mais tempo na frente da tela

de um computador ou vídeo game que no ambiente escolar. Algumas pessoas creem que só

porque as crianças jogam, tal atividade é trivial e sem importância, entretanto, do ponto de vista

de muitos cientistas, é o contrário, brincar tem uma importante função biológica na evolução,

que tem a ver especificamente com a aprendizagem (PRENSKY, 2012).

Podemos definir o termo narrativa como a arte de contar uma história. Murray (2003),

afirma que a narrativa é um dos primeiros mecanismos cognitivos para compreensão do mundo.

Discutindo as narrativas presentes nos jogos digitais, Alves, Neves e Martins (2009), comentam

que a nova roupagem dos jogos eletrônicos contribuiu para uma mudança em sua elaboração,

pois agora além de entretenimento, servem para desenvolver habilidades, raciocínio lógico,

sendo artefatos culturais híbridos utilizados por faixas etárias distintas. Nesta perspectiva,

Jenkins (2009), comenta sobre a complexidade da natureza dos videogames, analisando como

estes conseguem estabelecer diálogos múltiplos com outras formas de linguagem dentro de sua

narrativa.

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De acordo com Neves, Alves, Fuentes e Flores (S/D) os History games são os jogos que

adotam em suas narrativas acontecimentos históricos, como temática central ou apenas pano de

fundo para construção do enredo, combinando ficção aos fatos. Entende-se que existem dois

tipos de History games digitais: os desenvolvidos sem nenhuma finalidade pedagógica, voltado

exclusivamente para o mercado comercial, e os idealizados e desenvolvidos para educação,

chamados de serious games.

Sousa e Pereira (S/D) debatem a respeito da utilização de jogos eletrônicos no processo

de ensino-aprendizagem durante as aulas de História, através do game Valiant Hearts,

ambientado na Primeira Guerra Mundial. O que na visão dos autores tem um resultado

satisfatório, pois, os alunos puderam trabalhar em equipe para solucionar as missões do jogo,

conheceram os aspectos fundamentais da Primeira Guerra e produziram seu próprio

conhecimento na medida em que elaboraram uma carta de guerra relatando suas experiencias.

Azevedo Júnior (2015), discorre sobre videogames e Consciência Histórica, utilizando

o game Bioshock (2007). O autor compreende que o jogo eletrônico, enquanto mídia popular,

favorece o exercício da consciência histórica nos indivíduos, na medida em que o jogador entra

em contato com manifestações temporais presentes nos jogos. De acordo com Rusen, a

consciência histórica é inerente aos seres humanos, nesta perspectiva:

“A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar

suas intenções de agir conformes com a experiencia do tempo. Esse trabalho é

efetuado na forma de interpretações das experiencias do tempo. Estas são

interpretadas em função do que se tenciona para além das condições e circunstâncias

dadas da vida” (Rusen, 2001:59)

DESENVOLVIMENTO

O projeto foi desenvolvido na escola de Programa de Ensino Integral José Augusto

Ribeiro, que está localizada numa área periférica da cidade de Assis. As escolas de tempo

integral no Estado de São Paulo, em geral, têm como objetivo oferecer aos jovens uma jornada

ampliada de estudos divididas entre as aulas regulares, as atividades esportivas e culturais e as

eletivas que são escolhidas pelos professores a partir de seus objetivos. Na escola em questão,

o projeto pedagógico divide a matriz curricular em dois temas: as disciplinas obrigatórias e a

parte diversificada.

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Utilizando a parte diversificada, foi proposto um clube para os alunos que se

interessassem pelo tema. Entretanto, pela escassez de computadores, só foi possível

disponibilizar uma sala com no máximo 20 alunos. Todas as vagas foram preenchidas e as aulas

foram ministradas uma vez por semana, na sala de informática, de março a junho de 2018.

Dos 20 alunos participantes da pesquisa, 16 foram homens e apenas 4 mulheres,

demostrando um maior interesse do gênero masculino pelos jogos eletrônicos. Utilizando o

questionário sociocultural, foi perceptível que todos os alunos já haviam tido contato com

diferentes games, seja através de computadores, consoles e celulares. Nesse sentido, os alunos

já chegam às salas de aula com interpretações de seu cotidiano e com suas representações

sociais já existente, baseadas em suas vivências e experiências, aliadas ao que a mídia e as

novas tecnologias lhes proporcionam (MOSCOVICI, 2001). Trabalhou-se então com a ideia de

aula-oficina, onde o aluno é o agente de sua formação e detém conhecimentos prévios e

experiências diversas, enquanto o professor tem o papel de investigador social e organizador de

atividades problematizadoras, procurando interpretar o mundo conceptual dos seus alunos, não

para de imediato o classificar como certo ou errado, mas para que esta sua compreensão o ajude

a modificar positivamente a concepção dos alunos (BARCA, 2004).

Búzios - Ecos da Liberdade (2010), foi o game selecionado em busca de construir o

conhecimento histórico. O jogo eletrônico foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa

Comunidades Virtuais, com o financiamento da FAPESB e apoio da UNEB.

Búzios é um game 2D, no estilo adventure. O personagem principal do enredo se chama

Francisco Vilar, um jovem negro que acaba de concluir sua Faculdade de Direito em Lisboa,

retornando assim para sua cidade natal, Salvador- Bahia. Nota-se que naquele período um

jovem negro com recursos para estudar fora era algo raro, portanto, Francisco é classificado

pelos desenvolvedores do jogo como pertencendo a camada social da pequena burguesia., onde

seu pai era dono de um armazém na capital. Búzios é um History Game da classificação serious

games, portanto, com enredo histórico com uma finalidade pedagógica. Seu enredo é aliado ao

conteúdo histórico da Revolta dos Alfaiates (1798-1799) emergindo o jogador a atmosfera de

Salvador do século XVIII, tratando de escravidão, contexto econômico, político e social, além

de lutas pela liberdade e cotidiano e imaginário social. Alguns personagens do jogo, são

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baseados em sujeitos históricos bastante conhecidos e que foram marcantes em sua época, como

Cipriano Barata, Lucas Dantas, Manuel Faustino e Luiz Gonzaga.

INTERPRETAÇÕES

A análise será baseada na relação entre a concepção de Consciência Histórica, proposta

por Rusen e Koselleck, aliada ao conceito de Explicação Histórica, proposta por Isabel Barca,

portanto, construiremos uma crítica que permita verificar diferentes níveis de explicação

histórica a partir das narrativas dos alunos. Nesta perspectiva, os critérios de análise das

narrativas, será norteado pelos tipos de consciência histórica. Essas tipologias avaliam a

experiência do tempo, as formas de significação histórica, orientação na vida exterior,

orientação da vida interior, relação com os valores morais e a relação com o raciocínio moral,

e resultam em quatro classificações diferentes sendo: tradicional, exemplar, crítica e genérica

(RUSEN, 2010).

A respeito da explicação histórica, Cardoso (2012) afirma que ela é fundamentada numa

epistemologia que relaciona as propostas teórico-metodológicas da Didática da História alemã

às ideias da History Education (educação histórica) inglesa. Peter Lee (2001) baseia seu

trabalho nos “conceitos substantivos”, esses conceitos estão intrinsecamente relacionados ao

conteúdo histórico, como Revolução, democracia, capitalismo, entre outros. Trata-se, portanto,

de conceitos que são submetidos as operações mentais do pensamento histórico, esses conceitos

são chamados de “conceitos de segunda ordem”, também conhecidos como “meta-históricos”,

sendo a explicação histórica um desses conceitos que compõem as operações mentais do

pensamento histórico.

As narrativas construídas pelos alunos apresentam interpretações a respeito da

Conjuração Baiana, tema de enfoque do game Búzios (2010), trabalhado com os estudantes,

onde mobiliza as operações mentais do pensamento histórico. Utilizando perguntas que

buscassem uma relação do game com as aulas ministradas, foram apresentadas 5 questões para

os alunos (disponíveis em apêndice), onde se buscava compreender: Identificação dos

Personagens; contextualização do fato histórico, as relações de poder, o processo histórico e a

relação com o presente. Para tal, será analisado o conjunto das 5 questões para avaliar as

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narrativas, buscando a percepção dos diferentes níveis dos conceitos meta-históricos

trabalhados pelos estudantes.

Para interpretação das narrativas, será tomado como base os critérios e categorias

utilizados por Ronaldo Alves (2012). O autor enumera 3 critérios para a análise e 4 padrões de

resposta que surgem desta crítica. Nesta perspectiva, a primeira categoria é a que se relaciona

ao tipo de resposta dada, ou seja, se existe tentativa de justificar a resposta, pois, respostas desse

tipo apenas se preocupam em descrever o fato e não de explica-lo, portanto, o estudante entende

que houve o fato histórico e utiliza fragmentos descritivos em sua explicação. Já a segunda

categoria se norteia pela maneira em que o aluno elabora sua resposta, se elenca motivas,

causas, sujeitos, temporalidade, entre outros. Já o terceiro critério avalia a elaboração da

explicação aliada a importância da explicação a partir das causas que compõem o conteúdo

histórico. Nesta perspectiva, os quatro padrões de análise são: fragmentos descritivos;

explicação simples; explicação emergente; e explicação densa.

Dos 20 alunos que iniciaram a pesquisa, 4 desistiram e 2 não realizaram o instrumento

de narrativa, que visa compreender em que medida os alunos recorrem a operações inerentes

ao pensar histórico, por meio da contextualização espaço-temporal e interpretação do jogo

eletrônico, bem como a relação desse processo cognitivo com o cotidiano vivido. Foram

recolhidas ao todo 14 narrativas.

Das narrativas recolhidas, 8 delas se caracterizam no nível analítico dos fragmentos

descritivos, Alves (2012) comenta que nesse primeiro nível analítico os estudantes variam

simplesmente da reprodução de informações retiradas dos textos ou das próprias questões e

respostas completamente desconexas, compreendendo que existe um sentido, mas respondendo

de forma definitiva, utilizando pouca reflexão para responder as questões propostas. Por

exemplo: “Ele era filho do dono do armazém e trouxe a ideia da revolução francesa. (Rafael,

13)”; “Para participar ele precisava do juramento e ir atrás de membros. Participaram ricos e

pobres. (João, 13)”; “Não, eles libertaram alguns escravos e outros foram mortos. (Carlos, 14)”.

Notamos nessas respostas, que muitos alunos não se preocupam em explicar o contexto,

apenas reproduzem o que foi questionado, muitas das vezes relacionando as informações de

seus conhecimentos prévios, entretanto, de maneira desconexa e fragmentada. Percebe-se

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também que os estudantes desse nível analítico confundem a ficção do jogo com o processo

histórico, como por exemplo na questão 2, onde o aluno explica os objetivos da Conjura da

seguinte maneira “era libertar os escravos e dar remédio para sua mãe” (Jesiel, 13).

Duas das narrativas se classificam no segundo nível analítico, a explicação simples,

Alves (2012) afirma que o segundo nível apresenta respostas do conteúdo monocausal, ou seja,

um único fator se torna determinante para determinar os acontecimentos. Contudo, o que

interessa para o aluno é apresentar o motivo, sem preocupações com o contexto que

determinaram aquela situação. O grupo de respostas abaixo remete a esse tipo de explicação

histórica: “A Conjuração Baiana é basicamente a revolta dos alfaiates e um dos objetivos era

conquistar a liberdade.” (Pedro, 14); “Ele cumpre vários desafios para fazer parte da reunião

secreta e quem participava desse movimento foram os alfaiates.” (Eduardo, 13)

Notamos nesse grupo de respostas que os alunos determinam sua explicação em uma

única causa ou sujeito histórico. Quando perguntado sobre a origem de Francisco, o aluno

apenas cita sua condição financeira, ou no segundo caso em que apresenta sinônimos para

explicar a Conjuração e relaciona apenas um objetivo para a realização daquela revolta. No

terceiro exemplo, buscando compreender as relações de poder e os grupos sociais que

participaram da revolta, o aluno apenas classificou a classe dos alfaiates, ignorando todos os

outros sujeitos históricos presentes naquele contexto.

No terceiro nível analítico, o de explicação emergente, Alves (2012) explica que os

estudantes já conseguem relacionar as causas, razoes e eventos que geraram o fato histórico.

Aqui, notamos que os alunos desse nível analítico já relacionam as questões com maior

reflexão, compreendo a posição social do protagonista, os objetivos e causas da Conjuração, as

relações de poder, o processo histórico, assim como a relação com o presente. Por exemplo:

“Francisco tem descendente escravo e veio para a Bahia com o pensamento da Revolução

Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Júlia,13); “Para entrar no movimento era

necessário provar sua lealdade de alguma forma. Participaram do movimento o clero, a elite, o

povo e a maçonaria”. (Richard,13); “Não, pois a elite parou com o movimento separatista por

causa da abolição., quando a elite parou de apoiar a coroa sufocou e capturou os participantes

do movimento.” (Guilherme,13)

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Neste grupo, notamos maior reflexão e articulação nas respostas geradas. Quando

perguntado sobre a origem do protagonista, a aluna consegue notar sua cor negra, entretanto,

ainda não relaciona esse aspecto como um fator determinante de seu regresso com os ideais da

Revolução. Percebe-se também maior clareza em identificar as classes sociais que participaram

do movimento, contudo, não aponta os principais sujeitos históricos que fizeram parte desses

grupos. Por fim, notamos que o aluno conseguiu relacionar a falta de apoio da elite com o

sufocamento da revolta, relacionando o fator da abolição da escravatura. Se comparadas com

as produções dos níveis anteriores, que geralmente citam apenas uma causa ou motivação para

ocorrência do fato histórico, fica claro a utilização de mais de um motivo e da identificação da

maioria dos grupos sociais participantes.

Por fim, outras duas narrativas encontram-se no nível analítico da explicação densa,

onde de acordo com Alves (2012), a explicação densa acontece na medida em que os alunos

conseguem relacionar causas e consequências para defender ou rejeitar hipóteses, citam os

principais nomes que participar do processo histórico, usam marcadores temporais e espaciais

para afirmar sua explicação, e geram respostas de maneira reflexiva de acordo com as hipóteses

apresentadas. Essas explicações seguem um padrão de narrativa, com introdução do assunto,

desenvolvimento do argumento e conclusão das ideias. (Tabela explicativa em apêndice B).

Neste grupo, percebe-se uma continuação nas respostas, elencando todas suas hipóteses

com explicações, utilizando marcadores temporais e mais de uma motivação para defender seus

argumentos. Na primeira questão, ambos alunos situam Francisco a partir de sua cor de pele, e

mesmo negro, trata-se de um pequeno burguês que teve condições de estudar fora do país. Aqui,

eles utilizam sua cor como um fator determinante de seu regresso com as ideias da Revolução

Francesa para ajudar seu povo em busca de uma sociedade mais justa, demonstrando assim sua

carência de orientação temporal. Na segunda questão, utilizam marcadores temporais para

situar historicamente o assunto, citam dois objetivos claros da Conjura, seu caráter separatista,

além de explicar sua insatisfação e pertencimento a Portugal, fato que nenhum dos outros níveis

havia menciona. Na terceira questão, apresentam as relações de poder situando os personagens

históricos que aparecem no jogo as suas classes sociais, percebendo a participação do povo

negro, como Manuel Faustino e João de Deus, além de compreender a importância do apoio da

maçonaria para o fortalecimento da revolta. Na quarta questão, cita que apenas os líderes foram

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enforcados, e compreendem que o movimento foi sufocado quando a elite parou de apoiar a

revolta, porque a população lutava pela abolição da escravatura. Na última questão, nota-se um

aprofundamento das respostas em relação a sua relevância, se valendo da empatia histórica,

dando importância para fatos como a luta do povo negro em busca de sua liberdade, além de

compreender a revolta como uma luta por uma sociedade mais justa e democrática, que

promoveria importantes mudanças políticas e sociais, assim como a difusão da cultura negra e

baiana no Brasil.

O jogo cria um espaço de aprendizagem para o ensino da História, enfatizando a Revolta

dos Alfaiates, importante movimento baiano de cunho popular. Este fato histórico é considerado

o levante do fim do período colonial mais incisivo na defesa dos ideais de liberdade e igualdade

dos cidadãos propagados pela Revolução Francesa. O mais importante é que diferentes camadas

da sociedade participaram do movimento, principalmente representantes de classes mais pobres

e afro descendentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de história tem imensa importância para o conhecimento de nossas vidas,

devido aos acontecimentos que a sociedade sofreu ao longo do tempo e sua compreensão

presente. Entretanto, muitas vezes nas escolas, a disciplina é vista como algo chato, sem nexo,

pois os discentes encontram dificuldade de mensurar sua importância, assim como alguns

professores não conseguem fazer com que os alunos se interessem, principalmente pelo

distanciamento dos temas com a realidade vivenciada por eles. O Ensino de História é um

grande desafio, é necessário empenho e dedicação para constituir um grupo de alunos

conscientes do papel fundamental que a história tem dentro de nossas vidas.

Os jogos eletrônicos contemporâneos, geralmente, causam alguma aversão por parte de

pais e professores, devido a alguns temas e representações neles abordados. Entretanto, podem

se constituir em linguagem interessante para desenvolver habilidades históricas. Jogos como

Civilization, God of War, Medal of Honor, Assassin's Creed, entre outros, por se utilizarem de

temáticas e narrativas históricas, se constituem em veículos de saberes históricos, mesmo não

tendo, em seu objetivo inicial, funções didáticas. Obviamente, quando se analisa historicamente

tais games, verifica-se a presença de estereótipos e anacronismos. Contudo, com o auxílio do

12

professor, aliado a outras fontes, é possível desenvolver a capacidade narrativa, a autonomia e

o conhecimento da História por meio do trabalho com games em sala de aula.

13

REFERÊNCIAS:

ALVES, Ronaldo Cardoso. Da Consciência Histórica (pré) (pós?) moderna: reflexões a

partir do pensamento de Reinhart Koselleck. Saeculum. João Pessoa: UFPB, v. 30, p. 321-

339, 2014.

ALVES, Ronaldo Cardoso. A transferência da família real portuguesa para o Brasil: explicação

histórica em estudantes brasileiros e portugueses. Londrina: UEL, v. 5,n 10,p. 691-716, jul./dez,

2012.

AZEVEDO JUNIOR, Mariano. Videogames e Consciência Histórica: A experiência

narrativa das ficções históricas em Bioshock. IN: XXVIII Simpósio Nacional de História.

Florianópolis-SC, 2015.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projecto a avaliação. Universidade do Minho, 2004.

Búzios: Ecos da Liberdade. Grupo de Pesquisa Comunidades Virtuais (UNEB),2010.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História: experiências,

reflexões e aprendizados. 13a. ed. Campinas: Papirus, 2012.

JENKINS, Henry. Narrativas Transmediática: cultura da convergência. São Paulo. 2009.

LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: BARCA, I.

Perspectivas em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais de

Educação Histórica. 2001.

KOSELLECK, Reinhart. Da Consciência Histórica (pré) (pós?) moderna: reflexões a

partir do pensamento de Reinhart Koselleck. Saeculum. João Pessoa: UFPB, v. 30, p. 321-

339, 2014.

MOSCOVICI, Serge. Das representações coletivas às representações sociais: elementos

para uma história. In: JODELET, Denise. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ,

2001.

MURRAY, J. H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:

Itaú Cultural UNESP, 2003.

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NEVES, Isa Beatriz; MARTINS, Jodeilson; ALVES, Lynn. A CRESCENTE PRESENÇA

DA NARRATIVA NOS JOGOS ELETRÔNICOS. Disponível em: <

http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/buzios/publicacoes/sbgames2009/nevesmartinsalves.p

df > Acesso em: 30/07/2018

NEVES, Isa Beatriz; ALVES, Lynn; FUENTES, Lygia; FLORES, Glória. HISTÓRIA E

JOGOS DIGITAIS: possíveis diálogos com o passado através da simulação. Disponível

em: <

http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/buzios/publicacoes/sbgames2010/HISTORIA_JOGO

S_DIGITAIS_DIALOGOS.pdf > Acesso em 27/07/2018.

PRENSKY, Marc. Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Senac, 2012.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica.

Tradução Estevão de Resende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

____________. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão.

Tradução: Marco Roberto Kusnick. Revisão: Luis Fernando Cerri. In. BARCA, Isabel;

MARTINS, Estevão de Rezende; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (orgs.). Jörn Rüsen e o

ensino de História. Curitiba: Editora UFPR, p. 23-40, 2010.

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APÊNDICES:

A) Instrumento de Narrativa:

INTRUMENTO DE PESQUISA: NARRATIVA

NOME:________________________________________________________________

_ANO:______

ESCOLA:______________________________________________________________

____________

IDADE: _______________ SEXO: ___________

Articulando o game Búzios: Ecos da Liberdade, com a Conjuração Baiana exposta pelo

professor, responda as questões abaixo:

1) No início do jogo, o personagem Francisco volta da Europa com novos ideais. Quem

é Francisco e quais ideais eram esses?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

2) Explique a Conjuração Baiana a partir do game “Búzios: Ecos da Liberdade”. Quais

eram seus objetivos?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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3) No jogo, Francisco realiza desafios para participar da reunião secreta. Levando em

consideração esses desafios, o que era necessário para participar do movimento?

Quais os grupos sociais participavam da Conjura?

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4) Levando em conta o desfecho do jogo, a Conjuração Baiana conseguiu alcançar seus

objetivos?

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5) Qual a relevância da Conjuração Baiana para os nossos dias? É possível relacionar

este fato histórico com o que vivemos na atualidade? Justifique.

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Muito obrigado por nos ajudar na pesquisa!

B) Tabela de respostas: nível analítico explicação densa.

Estudante (Diego, 14) (Daniela, 13)

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Identificação do

personagem

Francisco é um jovem

negro que estudou direito

em Portugal com o

dinheiro de seu pai, dono

de um armazém. Ele

trouxe os ideais da

revolução francesa, que

são os ideais de liberdade,

igualdade e fraternidade,

para ajudar a construir

uma sociedade mais justa

na Bahia.

Francisco é filho de um

dono de armazém em

Salvador que voltou

depois de terminar a

faculdade de direito em

Coimbra. Lá ele conheceu

os ideais de Liberdade,

Igualdade e Fraternidade

da Revolução Francesa.

Ele é negro e trouxe essas

ideias para ajudar seu

povo.

Contextualização A conjuração Baiana foi

um movimento separatista

que aconteceu em

Salvador em 1798. Seus

principais objetivos eram

conquistar a independência

do país, que pertencia a

Portugal e lutar pela

libertação dos escravos

Uma revolta contra a

exploração do governo

português e a escravidão.

Ocorreu em 1798 e tinha

como objetivo a libertação

dos escravos e a

independência da coroa.

Relações de poder Para participar era preciso

fazer desafios para ganhar

respeito e lealdade e ser

convidado. Os grupos

sociais eram da elite como

Cipriano Barata, da Igreja,

do povo, e da maçonaria,

que ajudou o movimento a

ganhar força. Os principais

líderes foram o médico

Cipriano Barata, o soldado

Luiz Gonzaga das Virgens

e os alfaiates Manuel

Faustino e Joao de Deus.

Era preciso ser convidado

e fazer desafios de

coragem e lealdade. Os

grupos foram a elite

(Cipriano Barata), a Igreja,

principalmente os alfaiates

(João de Deus e Manuel

Faustino) e a maçonaria

que deu força para a

revolta.

Processo histórico Não alcançou, alguns

membros do grupo foram

pegos e acabaram sendo

enforcados em praça

pública. O movimento não

foi para a frente porque a

população em geral queria

libertar os escravos, isso

causou um problema,

porque a elite não apoiava

Não. Por causa da abolição

da escravidão a elite parou

de apoiar o movimento,

por isso perdeu força e foi

sufocado pela coroa.

Muitas pessoas foram

presas e os líderes

enforcados.

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essa ideia, saindo do

movimento, fazendo

perder a força e ser

sufocado.

Relação com o tempo

presente

A revolta faz pensar em

uma sociedade justa e

democrática. Com esses

acontecimentos

entendemos a luta do povo

baiano e dos escravos em

busca de liberdade, e além

de conhecer a cultura

baiana.

Da para aprender sobre a

luta de Salvador para ter

liberdade e também sobre

a cultura como música e

roupas. Também foi

importante por defender

importantes mudanças

sociais e políticas, umas

das primeiras lutas por

igualdade no Brasil.