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1 “Mulher, grande é a tua fé” João Wesley Dornellas Uma homenagem às mulheres no Dia Internacional da Mulher 2006

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“Mulher, grande é a tua fé”João Wesley Dornellas

Uma homenagem às mulheres noDia Internacional da Mulher

2006

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“Mulher, grande é a tua fé”João Wesley Dornellas

Dedicatória:

Este livrinho, que fala de mulheres de fé, é uma homenagem especi-al, neste Dia Internacional da Mulher, a todas as mulheres e, especi-almente, às duas mulheres mais importantes da minha vida: Cilana,minha mãe, e Alice, que tem sido companheira e amiga nestes 50anos de casados, mãe amorosa de meus dois filhos, Wesley Jr. e LuizOtávio. Para elas, duas poesias escritas em momentos especiais:

A minha mãe

A minha mãe queridaé o segredo de toda a minha vida.Ela me ensinou a orarpara as delícias do amor de Deus gozar.

A minha mãe queridaé o segredo de toda a minha vida.Ela me criou, ela de mim cuidou,ela é uma bênção que Jesus mandou.

(Poesia escrita em 13 de maio de 1945, Dia dasMães, quando eu ainda não tinha 12 anos e estavadistante dela)

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Meu anjo protetor

Nunca fui muito de acreditar em anjos.Tirando a beleza de algumas narrativas bíblicas,todas relacionadas com o nascimento de Jesus,em que os anjos aparecem e dão o seu recado,nas outras vezes eles me pareciamseres bem contraditórios.

As tendências ao esoterismoque têm surgido ultimamente,talvez porque as religiões tenham falhadoem sua missão de ensinar a verdade da Bíblia,trouxeram à moda a figura dos anjos.

Não são, contudo, os anjos bíblicosmas uma série de “anjos da guarda”que, sob certas condições, aí estãopara atender nossos mínimos desejose nos proteger nos caminhos da vida.

Ou seja, um bando de anjos falsosque ajudam a vender livros e, assim,encher o bolso de seus espertos autores.

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O incrível, porém, aconteceu.De uns tempos para cá,por ter acompanhado pessoalmente,minuto após minuto, hora após hora,durante muitos dias e muitas noites,a ação de um anjo em minha vida,fui praticamente obrigado a acreditarque os anjos existem.

Um deles transformou-se, de repente,em meu anjo da guarda.Presente ao meu lado em todos os momentos,cuidando de mim com carinho especial,tem-me ajudado a transpor, sem maiores problemas,obstáculos terríveis que ameaçavam minha vida.É isto! Eu tenho hoje o meu anjo da guardae me sinto muito feliz.Ele é especial, apesar de exigentee não deixar que eu faça aquilo que desejo.

Anjos normalmente têm nome.Na Bíblia, Gabriel e muitos outros.Nesses livros esotéricos, são tantosque não dá para guardar.

Esse anjo que apareceu na minha vida,cuidando de mim mais até do que preciso– e do que possa eventualmente merecer –também tem nome, um lindo nome:Alice.

(Janeiro de 1996, menos de um mês depois daminha cirurgia no coração.)

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Primeira IntroduçãoOs feministas da família

Papai feminista

Quando meu pai namorava minha mãe, ele estudava Teologiaem Juiz de Fora, preparando-se para ser pastor, e ela vivia em Paraíbado Sul. Namoravam muito por cartas. Tenho guardadas todas as car-tas que trocaram, mais de duzentas. As cartas do meu pai eram bemmais longas e, muitas vezes, ele gastava papel e tinta para falar desuas idéias, de comentar alguns sermões que havia pregado ou ouvi-do e até fazer alguma reflexão religiosa. Meu pai era tão espiritual,tão entregue à carreira para a qual foi chamado, que até nas cartasde amor ele mostrava isto.

A que transcrevo abaixo, escrita em 31 de maio de 1932, éum exemplo. A valorização da mulher é uma tônica dessa carta.Muito antes do movimento feminista, papai o viveu intensamente.Papai, como pastor e como pessoa, nunca discriminou as mulheres.Como de resto, nunca teve preconceito algum de sexo, cor, idade oucondição social.

“Minha muito amada Cilana,

“Quero enviar-te por estas linhas uma parte da dor que flagelameu coração numa saudade interminável e infinita, pelo tempo queparece longo, nesta pequena ausência de ti. E quisera eu, bem me-lhor me fora, que nunca jamais estivesses longe dos meus olhos paraeu ver os teus que brilham na pureza de tua alma santa que os sãosprincípios de educação moral e religiosa dada por teus pais. Elesrefletem a dignidade e a beleza do teu coração tão grande.

A bênção de um coração nobre e virtuoso é maior do que agrandeza que nós humanos podemos pensar. Quando Jesus ensina agrandeza de coração, e a exige de seus seguidores, é porque o caráterde Deus não permite outra coisa de cada indivíduo. Lendo as bem-aventuranças de Jesus em Mateus, podemos aquilatar a beleza dosensinamentos de Jesus, que são proferidos com naturalidade extra-ordinária mas revelando com exatidão o que o próprio Deus é, emostrando o que deve ser o homem.

E eu não me canso de pensar na beleza dos ensinos de Jesus.Pensando neles, tenho vergonha de mim mesmo, por não poder nemao menos corresponder àquilo que eu acho que Deus exige de mim.

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Tirando o homem de uma posição desprezível, Jesus o colo-cou em condições de filho de Deus, a quem ama como Pai. No entan-to, Jesus demonstrou que o dever supremo do homem é servir aoSenhor. O homem que não tem como motivo de sua vida servir aoSenhor é um desgraçado, cuja existência perdeu a razão de ser.

Jesus não enfatizou as cerimônias e ritos como sendo a parteprincipal da religião. Para ele, a religião é coisa vital. É o coração doindivíduo que precisa andar em harmonia com a vontade de Deus. Esó o homem em comunhão vital com Deus é que pode obter garantia.Porque não há força, senão Deus, capaz de dirigir os pensamentos doindivíduo.

Jesus ensinou o homem a ser humilde. O que se exalta seráhumilhado, o que se humilha será exaltado. Mas a humildade que eleensina é a humildade que leva o homem a desejar servir a Deus. É ahumildade que leva o homem a se colocar diante de Deus como um servofiel. Essa humildade requer amor, amor que busca o perdão para o próxi-mo. Amor que procura servir sem esperança de recompensa nenhuma.

Essa humildade requer sinceridade. Jesus maltratou os fariseusporque eram hipócritas. Deus é sincero nas suas obras e exige since-ridade dos que o querem servir. O hipócrita, o desleal, não têmcomunhão com Deus porque Deus é verdade, Deus é luz. Deus exigesinceridade. ‘Seja o vosso falar sim, sim, não, não’. O homem queprecisa fazer um juramento para ser acreditado, não é sincero, estáfugindo da comunhão com Deus. Deus é verdade e exige do homemverdade. A mentira, nem por brinquedo, é do caráter de Deus. Deusnão é mentiroso. O mentiroso mente a si mesmo e não a Deus.

Às vezes, Cilana, eu me esqueço que estou te escrevendouma carta e vou discutindo assuntos que talvez não te interessammuito mas a teólogos e pensadores. Não a ti que andas preocupadacom os afazeres domésticos e familiares. No entanto, é bom que dequando em vez vás pensando nestas coisas transcendentais. Houvetempo em que a mulher era considerada como escrava, e falava-sede mulher como de objeto qualquer.

Hoje não, tudo mudou. A mulher hoje tem igualdade de direi-tos e tem-se provado capaz de enfrentar os mesmos problemas e asmesmas lutas dos homens. A mulher é capaz de penetrar nos assuntosmais intrincados dos pensamentos e cogitações e resolvê-los com amesma argúcia e perícia do homem. À mulher está confiada grandeparte da regeneração da humanidade. Homens e mulheres são iguais.

Eu vejo que assim é. É tempo de entregarmos à mulher granderesponsabilidade na vida. Ela precisa ser um fator na regeneração mo-

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ral e espiritual da sociedade. Uma mulher santa e de princípios intangí-veis, pode ser uma bênção para o mundo. Desse modo, precisamosiniciar a mulher da Igreja no estudo dos problemas sociais e religiosos.Precisamos fazê-la pensar além dos problemas domésticos.

Hoje tivemos uma boa aula sobre a coragem de Jesus e seusensinamentos sobre ela. Foi estupenda a aula. Corajoso não é quemprocura vencer os mais fracos pela força, pelas armas. Corajoso éaquele que, desejando fazer a vontade de Deus, enfrenta até o sofri-mento. Corajoso é quem enfrenta as questões sociais e morais doshomens com o desejo de fazer alguma coisa para o bem dos outros.Aquele que quer vencer para o seu próprio proveito, sem olhar para anecessidade de seu vizinho, é um egoísta e não merece a mínimaconsideração. Para Jesus, ter coragem é dar a sua vida em resgate demuitos. Deus não pode perdoar o homem que vive em luxúria, go-zando a vida, enquanto seu irmão chora e morre de fome, antes queele tenha feito tudo em seu auxílio. A vida feliz é a vida em harmoniacom a vontade de Deus.

Chega! Sempre me esqueço que estou te escrevendo uma car-ta, minha santa e boa noivinha. Sei que gostaria antes de ler outrascoisas. Neste tempo, quando há tanto trabalho e tantas lutas, convémque a gente passeie um pouco pela região dos sonhos. Sonhar é tãobom!... Mas o melhor é sonhar acordado. Vale a pena a gente sonharnum mundo bem pequeno, onde não haja ninguém para perturbar agente. Um lugar onde haja muita flor, muita música, alguns doces.Mas em que a gente não fique sozinho.

Deus está por cima e nos dará o privilégio de um mundopequeno, nosso lar. Home, Sweet Home, lar, doce lar. Eu desejo quequando Ele nos der a ventura de um doce lar, que o mesmo sejaconstruído sobre a vontade de Deus. Eu não quero ser egoísta imagi-nando que a nossa casa será fechada para os outros. Não. Eu queroser feliz. Quero fazer-te feliz, tanto quanto estiver em mim fazê-lo.Mas quero que a nossa felicidade seja repartida com os outros. Nossacasa deve ser nossa mas dos outros também. Isto é verdade porquea nossa vida não pertence a nós mas a Deus”.

Filho (também) feminista

Tendo pais como eu tive, não poderia ser de outra forma.Sempre fui feminista. Muitas vezes dei cursos para mulheres executi-vas objetivando motivá-las a ocupar o lugar que mereciam nas em-

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presas em que trabalhavam. Sobre isto fiz, num encontro nacional desecretárias, uma palestra para quase 5.000 delas, reunidas noAnhembi, em São Paulo. Sou testemunha de muitas discriminaçõesfeitas às mulheres, mesmo em organizadíssimas empresasmultinacionais. Também tenho escrito em revistas técnicas de admi-nistração e marketing artigos a respeito.

Num deles, eu falava da “Síndrome de Yentl”, expressão criadapor uma médica americana ao comentar a discriminação das mulheres.“Yentl” é o título de um filme estrelado por Barbra Streisand. Na história,Yentl era uma moça do século XIX que se faz passar por homem parapoder estudar o Talmude numa escola de rabinos, coisa que era proibidaàs mulheres. Para conseguir o que desejava, Yentl teve que pagar umpreço bem alto, o mesmo que tem sido pago por mulheres de todo omundo para obter a plena igualdade em relação aos homens.

Muitas críticas eu recebi, do lado dos homens, é claro, porquecoloquei abaixo do título do artigo, em destaque, uma frase de CharlotteWhitton: “das mulheres, exige-se que façam o dobro dos homens, nametade do tempo e sem reconhecimento. Felizmente, não é difícil”.Em outro artigo, cujo título era “A Supremacia das Mulheres”, recebiigualmente algumas críticas bem fortes por parte dos homens.

É claro que a categoria é gente, não homens e mulheres,sendo um absurdo classificar gente pelo sexo já que o mais impor-tante são as diferenças individuais. No “Pigmaleão”, de George BernardShaw, que foi filmado como “My Fair LadY”, o professor Higgins la-menta por que as mulheres não podem ser como os homens. Narealidade, a grande força das mulheres baseia-se justamente em nãoser como um homem.

Da mesma forma, tenho tentado ajudar a diminuir o proble-ma que também ocorre em nossa Igreja. Fui um dos votos favoráveise entusiásticos, no Concílio Geral de 1971, à admissão, com todos osdireitos, das mulheres no ministério pastoral. E, é claro, por via deconseqüência, no próprio episcopado.

Essa discriminação, que vemos em muitas páginas da Bíblia,tem merecido rancores veementes de muitas mulheres, sem muitarazão, ao apóstolo Paulo. Sua frase em Gálatas 3:26, “Não pode ha-ver judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nemmulher; pois todos vós sois um em Cristo Jesus” mostra, ao lado deoutras atitudes suas, a injustiça daqueles rancores. Apesar de tudo,houve uma época em que era grande o preconceito, com afirmativas,

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que felizmente ficaram no passado, de que as mulheres só deveriamcuidar de criança, cozinha e crença (igreja), expressão que veio doalemão kinder, küche, kirche.

Alguns anos atrás, numa campanha promocional que minhaempresa, uma agência de publicidade, criou para a Linha de Produ-tos Ginecológicos de importante laboratório farmacêutico, o tema damesma era a “luta pelos direitos da mulher”. Planejamos reproduzirno material promocional, para lastrear a campanha, os “direitos” damulher. Apesar de ter havido um ano dedicado pela ONU às mulhe-res, esses direitos não estavam reunidos num só documento. O jeitofoi, então, escrevê-lo. Foi um sucesso, apesar de bem simples e atémesmo óbvio, o texto que eu escrevi. A campanha ganhou diversosprêmios e um pôster colorido com os direitos teve mais de 60.000cópias distribuídas em todo o Brasil. Eu o vi exposto em muitos con-sultórios médicos, mesmo anos depois de sua distribuição. A ilustra-ção mostrava a tradicional deusa do Direito, Temis, com sua balançae espada mas com a faixa que tradicionalmente tapa os dois olhosmantendo um bem aberto. Os “direitos” que “criei” são os seguintes:

Os sagrados Direitos da Mulher

I A mulher tem direito de ter saúde como mulher.

II A mulher tem direito à maternidade e ao aleitamento de seusfilhos.

III A mulher tem direito à educação e ao pleno desenvolvimentode todas as suas potencialidades.

IV A mulher tem direito de iguais oportunidades de trabalho e àmesma remuneração dos homens.

V A mulher tem direito de ser respeitada em todas as suas opini-ões.

VI A mulher tem direito à liberdade e à autodeterminação.

VII A mulher tem direito de dizer não.

Segunda (e última) Introdução

Sou apaixonado pela vida e obra de muitas mulheres. Tenhoescrito artigos e falado muito a respeito delas. E também, como não

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poderia deixar de ser, tenho sido crítico de algumas, inclusive da Bíblia.O texto que se seguirá é um comentário sobre algumas mulheres deminha apreciação. Nas páginas do Antigo Testamento, pincei algumasdessas figuras que me comovem, como Sara, a mulher de Abraão, Ra-quel, Tamar, viúva de Er e de Onan, filhos de Judá, que era bisneto deAbraão, Noemi e sua nora Rute. No Novo Testamento, a doce VirgemMaria, mãe de Jesus, as duas grandes mulheres sem nome, a samaritanae a siro-fenícia, e as irmãs Marta e Maria.

Na história da Igreja Metodista, meus destaques são SuzanaWesley, a mãe de João Wesley, Bárbara Heck, a chamada mãe doMetodismo nos Estados Unidos e no Canadá, e Mary (Marta) Walkerque, de certa maneira, também poderia ser chamada de mãe doMetodismo brasileiro. Com relação à Igreja Metodista de Vila Isabel, eugostaria de homenagear algumas mulheres que ajudaram a construirsua rica história, especialmente Ana Gonzaga, a mulher que foi fiel nomuito. Para terminar, “last but not least”, “por último e não menos impor-tante”, como dizem os americanos, uma homenagem à minha mãe, umamulher realmente excepcional, cristã como nunca conheci outra, queviveu para servir.

Se Deus me der tempo e disposição, futuramente incluirei nomeu texto outras mulheres que também acho muito importantes. NaBíblia, Débora, a primeira juíza, Ana, a mãe de Samuel, Maria Madalenae Lóide e Eunice. Na história de nossa Igreja na Inglaterra, MaryBosanquet, mulher de John Fletcher, e Hanna Ball, a criadora da Es-cola Dominical. No Brasil, Eunice Weaver, Layonna Glenn, uma Ame-ricana que trabalhou 50 anos no Brasil, e Eula Kennedy Long, histori-adora metodista e autora de muitos livros.

Apesar da incapacidade do autor, este texto foi escrito commuito amor e carinho. Espero que gostem. E gostaria muito de rece-ber comentários e sugestões para aperfeiçoá-lo nas próximas edi-ções.

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Mulheres do Antigo Testamento

Sara, a mulher de Abraão

Os comentaristas bíblicos não dão muita importância à pessoade Sara, a não ser para dizer que era a mulher de Abraão. Nas poucasvezes em que aparece, especialmente em alguns capítulos do livro deGênesis, muito pouca coisa se sabe dela. Era a mulher de Abraão e,parece, sua meia irmã, isto é, seu pai também era o pai de Abraão.Também se sabe, pela Bíblia, especialmente no capítulo 12 de Gênesis,que era muito bonita. Razão pela qual, ao entrar no Egito, Abraãorecomenda a Sarai, para proteção dele, que ela não informasse a con-dição de esposa mas de irmã. Isto gerou, por parte do Faraó, a vonta-de de tê-la como mulher, levando-a para sua casa. Em virtude disto,Abraão foi muito bem tratado no Egito. Quando foi descoberto, emvirtude de pragas que caíram sobre ele, que ela era esposa de Abraão,o Faraó lhe devolve Sarai e manda que todos saiam do Egito.

Episódio parecido ocorre mais tarde em Gerar. Ao sabê-la irmãde Abraão, Abimeleque, o rei de Gerar, mandou buscá-la. Outra vezrevelada a verdade, Abrão foi instado a deixar o lugar. Por duasvezes, portanto, quase que Sarai, apesar de esposa de Abraão, acabacaindo em mãos estranhas.

Deus havia feito uma promessa a Abraão, de que em suadescendência seriam benditas todas nações da terra. Só que Sara,por ser estéril, não dava sequer um filho a Abraão. Decidiu ela então,como se precisasse, resolver, ela mesma, a promessa ainda não cum-prida por Deus. No versículo 2 de Gênesis 16, ela diz ao marido que oSenhor a tem “impedido” de dar à luz filhos. Assim, oferece sua servaegípcia Hagar para que, através dela, fosse permitido a Deus cumprirsua promessa. Assim, nasceu Ismael. Isto não constituiu nenhumasolução mas, ao contrário, um grande problema. De início, por terdado um filho a Abraão, Hagar, como seria muito natural na luta pelopoder, começou a fazer pouco de sua senhora. Ela tinha o grandetrunfo de ter dado um filho varão a Abraão.

Esse não era, contudo, o plano de Deus. Assim, Deus prome-te a Abraão que sua esposa Sarai, cujo nome Ele mudou para Sara,ficaria grávida e lhe daria um filho, que se chamaria Isaque. Ele, enão Ismael, seria o filho da promessa. Mostrando Abraão preocupa-ção com seu filho Ismael, Deus o tranqüiliza dizendo que ele tambémseria abençoado e pai de uma grande nação, reforçando, ao mesmo

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tempo, que a Sua aliança seria estabelecida com Isaque, filho deSara. A promessa é realizada e, mais tarde, quando o filho da escra-va caçoava de seu pequeno irmão Isaque, Sara intervém e pede aomarido que Hagar e seu filho fossem expulsos dali, dizendo “porqueo filho dessa escrava não será herdeiro com Isaque, meu filho”. Hagare Ismael saíram errantes pelo deserto de Berseba. Os dois irmãos sóse viram novamente no sepultamento do pai.

Tudo o que foi dito acima justifica, sem dúvida, a pouca im-portância que a Bíblia e os seus comentaristas dão à figura de Sara,que era certamente uma mulher rancorosa e com muitos defeitos.Voltemos, no entanto, a promessa de que Deus lhe permitira ficargrávida aos 90 anos de idade.

É justamente nesse episódio que se manifesta o caráter e apersonalidade de Sara. A princípio, ela duvidou e riu da situação para opróprio Deus e este chegou a perguntar a Abraão o porquê do riso. Épreciso, agora, fazer um intervalo para dizer que os fatos até agoranarrados foram transmitidos oralmente de pais para filhos e destes paraos netos durante mais de 500 anos, quando a Bíblia começou a serescrita. É realmente um milagre a narrativa tão coerente da Bíblia, cujosfatos foram retransmitidos de maneira tão precária. Havia, é claro, arecomendação de Deus feita em Deuteronômio, capítulo 6, versículos 6a 9: “Estas palavras que hoje te ordeno, estarão no teu coração; tu asinculcarás a teus filhos, falarás delas assentado em tua casa, e andandopelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te. Também a atarás comosinal na tua mão e te serão como frontal entre teus olhos. E as escreve-rás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas”. E parece que elas forammuito bem seguidas.

Relembrando Sara que ela e Abraão eram velhos, avançadosem idade e que já lhe havia cessado o “costume das mulheres”, ex-pressão poética para definir a menstruação, ela riu-se, pois, no seuíntimo, dizia para consigo mesma: “depois de velha, e velho também omeu senhor, terei ainda prazer?”. O que estava no seu íntimo, ossentimentos profundos de sua alma sofrida, acabaram sendo reparti-dos com alguém, que o texto bíblico não identifica , que foram transmi-tidos, no decorrer de mais de quatro séculos, por pais a filhos e porfilhos a netos, até que fossem eternizados no texto definitivo da Bíblia.

É essa pérola do pensamento íntimo de Sara que a faz ser umagrande mulher, digna das maiores homenagens, especialmente no Dia

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Internacional da Mulher. Porque ela foi uma grande mulher. Para Adão eEva, a ordem de Deus era apenas “crescer e se multiplicar, ser uma sócarne”. Para Sara, é muito mais do que isto. O “crescer e multiplicar”passa a ter um novo significado que acaba caracterizando a espéciehumana, o amor – espiritual e também físico – entre um homem e umamulher. Pela primeira vez na Bíblia, fala-se do prazer que caracteriza asrelações homem-mulher. Ele foi criado por Deus mas, até hoje, pareceque se tem vergonha dele. É Sara quem lhe dá a relevância máxima naBíblia. Os homens, parece que em todo o decorrer da história humana,foram quase sempre machistas e egoístas, nunca dando muita bola paraa satisfação da mulher.

Um filho não se gera somente com a união no útero de umespermatozóide e um óvulo, que se transformam em ovo. Não! Milvezes não! Isto é coisa só para animais ou pessoas que se compor-tam como se fossem. É muito mais do que isto. Um filho tem que sergerado por amor, com desejo e prazer. Com romantismo. Somenteassim, por serem desejados, podem ser amados e bem criados. ABíblia não revela a resposta à indagação de Sara mas o sucesso detudo nos faz crer, sem sombra de dúvidas, que ela é positiva. Numaépoca mercantilizada como a de hoje, de mulheres que se transfor-mam em objetos ou são assim transformadas pelos homens, a liçãode Sara é de uma verdadeira humanista, um ser humano integral,que a absolve, pelas lições que o seu pensamento mais íntimo revela,de tudo o que possa ter feito de errado em sua vida. Mais do quehumanista, no entanto, podemos dizer que a visão íntima de Sara éhumanizante. O de que o mundo necessita é de seres humanos quesejam realmente humanizantes, que ajudem a melhorar esse nossopobre planeta.

Raquel – uma mulher que sofreu de amor

Nenhuma mulher na Bíblia foi tão amada como Raquel e pou-cas foram tão bonitas como ela. Foi ela certamente, no entanto, entretantas histórias de mulheres que a Bíblia narra, uma das que maissofreram do mal de amor.

Depois de brigar com seu irmão pelo direito de primogeniturae por uma bênção especial de seu pai Isaque, Jacó sabe, por inter-médio de sua mãe Rebeca, que Esaú planejava matá-lo. Atendendoaos conselhos da mãe, Jacó foge e se dirige às terras de seu avô

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Betuel e de seu tio Labão, irmão dela. Em sua caminhada, dormindonum travesseiro de pedra, Jacó teve a visão da escada repleta deanjos e recebeu grandes promessas do Senhor. Acordando, pegou apedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre aqual derramou azeite. Ao lugar onde essas coisas aconteceram, queoutrora se chamava Luz, ele deu o nome de Betel, que significa “casade Deus”.

Saindo dali, Jacó foi na direção de Harã, terra de Betuel eLabão. Já bem perto do seu destino, ele se encontra com rebanhosde ovelhas e seus pastores, que lhes davam água retirada de umpoço. Pediu informações e, ao saber que eram de Harã, perguntousobre Labão e soube que sua filha mais nova Raquel vinha vindo comovelhas de seu pai para dar-lhes de beber.

Esse texto do capítulo 29 de Gênesis nos revela que Jacóbeijou a Raquel e, erguendo a voz, chorou, contando-lhe que erafilho de Rebeca, irmã de seu pai. Ela o levou a Labão que recebeumuito bem o viajante e o hospedou por um mês em sua casa. Nesseperíodo, Jacó se apaixonou por Raquel, que era “formosa de porte ede semblante”. Como Labão não queria que seu sobrinho trabalhassepara ele de graça, pediu-lhe que declarasse o salário pretendido. Jacófaz então sua proposta, que era, na verdade, um pedido da mão deRaquel, como se dizia antigamente. E propôs servi-lo por sete anospara casar-se com sua filha Raquel. E assim foi feito. Apesar dolongo tempo, a Bíblia nos diz que, para Jacó, os sete anos pareceramcomo poucos dias pelo muito que a amava.

Ao fim dos sete anos, Jacó pede então para finalmente casar-se com sua amada. Dissimuladamente, Labão convidou muitas pes-soas para o banquete de casamento. Finda a festa, enganosamenteLabão conduziu sua filha Lia a Jacó, que coabitou com ela. Só pelamanhã é que Jacó percebeu que fora enganado, possivelmente pelocostume de a noiva permanecer toda a festa coberta por um véu.

Reclamando a Labão, este alegou que não poderia dar “amais nova antes da primogênita”. E exigiu, para dar-lhe Raquel, queJacó lhe servisse por mais sete anos.

Uma das poesias mais bonitas da língua portuguesa é, semdúvida, o célebre soneto de Luiz de Camões, de quem gosto mais dolírico dos sonetos de amor do que do épico de “Os Lusíadas”, quenarra a história de Jacó, que reproduzo aqui:

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“Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel, serrana bela;Mas não servia ao pai, servia a ela,E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,Passava, contentando-se com vê-la;Porém o pai, usando de cautela,Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganosLhe fora assim negada a sua pastora,Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,Dizendo: - Mais servira, se não foraPara tão longo amor tão curta a vida!”

Esperar tanto tempo para a realização do seu sonho de amor foicertamente uma dura provação para o casal de apaixonados. ParaRaquel, a provação foi muito maior. Ela parecia ser estéril, não po-dendo pois realizar o sonho de toda a mulher que se casa por amor,ter filhos. Por outro lado, Lia, a irmã mais velha ia tendo, um apósoutro. Raquel, desesperada, toma sua serva Bila e a entrega ao ma-rido para que a fecundasse e, de maneira indireta, lhe desse o filhosonhado. E acabou lhe dando dois. A reação de Lia, que já não coa-bitava com Jacó, como o texto bíblico indica, foi idêntica à de Raquel,dando sua serva Zilpa a Jacó para que a fecundasse em seu lugar.Assim, ela lhe deu mais dois filhos.

Num episódio que pode parecer inexplicável, Raquel “empresta”seu marido à irmã em troca de mandrágoras, que eram plantas comefeitos afrodisíacos, colhidas por Rubens, filho de Lia. A Bíblia nos falaque à tarde, quando Jacó vinha do campo, Lia vai ao seu encontro eexige o cumprimento do trato feito com Raquel: “esta noite me possui-rás, pois eu te aluguei pelas mandrágoras de meu filho”. E assim se fez,como nos diz a Bíblia, e Lia concebeu seu quinto filho e, a seguir, não sesabe também o porquê, o sexto e uma filha.

Aí o texto bíblico fala que Deus “se lembrou” de Raquel e lhefez fecunda. Nasceu então José, que tem, como todos sabem, papelimportante na história daquela família e de todo o povo. Algum tem-po depois, quando a família toda vinha de Harã, passaram em Betel,erigiram um altar e caminharam em direção à Efrata. A pequena distân-

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cia dela, Raquel, grávida outra vez, deu a luz a outro filho, cujo nas-cimento, diz a Bíblia, “lhe foi a ela penoso” e ela morreu. Esse filho, ocaçula de Jacó, chamou-se Benjamim.

Pode-se imaginar, pelo que foi narrado aqui, o amor sofridode Raquel por seu marido, tendo sido obrigada (é claro que eramcostumes da época) a “repartir” seu marido e não ter tido tempo paracurtir os filhos do grande amor a Jacó. Felizmente, no entanto, comsua morte prematura, ela não sofreu com a ausência de José que foivendido como escravo por seus irmãos invejosos.

Ao final de sua vida, reunido com todo o seu clã, ao despedir-se, Jacó relembra Raquel e fala do grande pesar que sentiu ao sepultá-la “ali no caminho de Efrata, que é Belém”.

O poeta tinha toda a razão em seu soneto: “mais servira senão fora para tão longo amor tão curta a vida”.

Tamar, a mulher que foi à luta

Aqui temos uma história bíblica em que o sexo é usado deforma diferente daquela visão de Sara, contudo, não menos válida. Ahistória de Tamar e do seu relacionamento com seu sogro Judá e osfilhos dele está no capítulo 38 do livro de Gênesis.. A narrativa bíblicaé simples e compacta. Não dá muitos detalhes, a não ser os princi-pais. Vale a pena ler, no entanto, a narrativa que está no volumeterceiro (“José, o Provedor) da tetralogia de Thomas Mann, o grandeescritor alemão, que tem o título geral de “José e seus Irmãos”.

Em sua narrativa – e vale a pena ler os quatro romances quecompõem a tetralogia – Thomas Mann, com sua imaginação ecriatividade, coloca um relacionamento entre ela e Jacó, em cujasconversas ele lhe mostra a história do seu povo, as narrativas docomeço da Bíblia, o conhecimento de Jeová e, de ambas as partes,um possível desejo de relacionamento amoroso entre um velho viúvoe uma jovem que bem poderia ser sua neta. Da mesma forma, aambiciosa jovem pensava em Judá. Todavia, como narra Thomas Mann,“seu amor-ambição se dera fora de tempo e de lugar”.

Voltou então seus olhos para o primogênito de Judá, um jovemchamado Er, pedindo o apoio a Jacó para obter o que queria, isto é,influenciando Judá a dar-lhe o filho em casamento. Pouco tempo de-pois da união, “porque era perverso, o Senhor o fez morrer”. Viúva,jovem, sem descendência e sem herança, longe de dedicar-se ao lutopela separação tão trágica, esforça-se para que os costumes dos ju-

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deus fossem devidamente respeitados. Isto significaria que o seu cu-nhado Onan, para suscitar descendência a seu irmão, tinha que secasar com ela. Mesmo contrariado, houve o casamento. Thomas Mannfala que ele “se sentiu irritado vendo-se impelido a ser esposo substitu-to e fundar uma descendência que não iria ser sua, mas de seu irmão”.A Bíblia relata simplesmente que ele a possuía mas lançava sua semen-te na terra, justamente para não gerar os filhos que seriam a garantiapara Tamar receber a herança. Como castigo, Onan também morre.

Tamar, voluntariosa e sem perder o sonho de receber suaherança, quer então, para manter o costume, casar-se com o filhomais novo de Judá, Selá, que tinha apenas 16 anos. Coisa com a qualnão concordaram nem Jacó, o avô, nem Judá, seu sogro. Com artifí-cios, o quase adolescente Selá foi enviado para viver longe com al-guns parentes. Judá pensava que, assim que o tempo passasse, elase esqueceria da pretensão. Crescendo Selá, já um homem como diza Bíblia, ela não lhe fora dada por esposa.

Informada que Judá estava seguindo para Timna para tosqui-ar suas ovelhas, Tamar despiu as vestes de sua viuvez e, cobrindo-secom um véu, se disfarçou e se assentou à entrada de Enaim, nocaminho de Timna. Vendo-a Judá, segundo a narrativa bíblica, teve-a por meretriz, pois ela havia coberto o rosto. Judá quis então possuí-la. Ela lhe pergunta o que ele lhe daria em troca do favor e ele res-pondeu que um cabrito do seu rebanho. Como o cabrito não estavacom ele, ela exigiu um penhor até recebê-lo, justamente o seu selo(um anel com seu sinete), o seu cordão e o seu cajado. Ele entregouos objetos, a possuiu e ela concebeu dele. Logo depois, ela tirou desobre si o véu e tornou às vestes de sua viuvez. Mandando que umempregado fosse levar o cabrito prometido, ele não a achou e todoscontestavam que houvesse por ali alguma prostituta cultual.

Passados três meses, foram informar a Judá que sua noraestava grávida e Judá dá a ordem para que ela fosse trazida para forade casa para ser queimada, como era do hábito dessa época. Sómuito mais tarde, com Moisés, a pena dos adúlteros seria alterada.Tamar manda dizer ao seu sogro que ela havia concebido do homemde quem eram as coisas que tinha em mãos, o selo, o cordão e ocajado. Reconheceu-os Judá e disse (versículo 26): “mais justa é elado que eu, porque não a dei a Selá, meu filho. E nunca mais a pos-suiu”.

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Tamar deu à luz dois gêmeos, que foram chamados de Zera ePerez. Na genealogia de Jesus, de acordo com Mateus, estão menci-onados os nomes de Tamar e de seu filho Perez.

“O que esta mulher está fazendo aqui?”, justamente nagenealogia de Jesus. Vale a pena ler o livro que tem como título apergunta sublinhada. Ele contém artigos escritos por diversas pesso-as. A teóloga metodista Nancy Cardoso Pereira, autora do artigo quedá nome ao livro, nos diz que Tamar “é uma mulher incômoda, nomínimo irreverente. Ela não tem medo dos costumes e tradições; elanão teme as leis e as instituições. Arranca justiça com seu corpo demulher oprimida. Denuncia com seu corpo prostituído a prostituiçãodo patriarca e seus mecanismos de dominação”.

“Mas o que esta mulher está fazendo aqui? O que o capítulo38 acrescenta a esta discussão? É que Tamar tem denúncias maisprecisas e concretas contra Judá. Se a casa de Judá convive com opoder e com a opressão dos irmãos é porque ele quebrou os precei-tos e práticas que sustentavam a família como unidade produtora ereprodutora livre. Judá não somente vendeu e escravizou os irmãosdas outras famílias... Judá rompeu com a solidariedade dentro de suaprópria casa. Para estabelecer o seu poder hegemônico, para susten-tar a monarquia, Judá teve que romper com os direitos da mulherdentro da Família. É justamente sobre isso que Tamar quer falar. E,para isso, ela vai expor o seu corpo... porque foi o corpo da mulherque foi violentado pelo patriarca”. Não sei o livro ainda está à venda.Foi editado pela Editeo, casa publicadora de nossa Faculdade de Teo-logia. No mesmo livro, há um outro artigo muito bom, “Em Deus nãohá macho nem fêmea”, de autoria do saudoso Rev. Duncan AlexanderReily, no qual o autor faz importantes considerações sobre “o Deusque é pai e é mãe”, citando o grande teólogo Jürgen Moltmann quedizia que Deus “não é meramente um pai no sentido masculino. Ele éum pai maternal também... Ele tem que ser compreendido como oPai materno do único filho que Ele pariu e, ao mesmo tempo, Mãepaterna do único Filho que gerou...”

Assim, rendendo as homenagens a Tamar, a pioneira da lutafeminista na Bíblia, podemos reconhecer a justiça de sua inclusão nagenealogia de Jesus. Dela só fazem parte quatro mulheres, Tamar, aque simulou ser prostituta, Raabe, que era prostituta mesmo, e teveseu nome incluído na galeria dos heróis da Fé da carta aos Hebreus,

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Bate-seba, a mãe de Salomão, identificada apenas como mulher deUrias, que foi atraída ao palácio por Davi que a viu tomando banho, ede Rute, cuja história de fidelidade à sua sogra e ao Deus dela é umexemplo para todos nós.

Noemi e Ruth, sogra e nora que se amavam

Que a Bíblia é um livro escrito por homens, todo o mundosabe. Por isto, com alguma justiça, ela carrega o mal de ser considera-do um livro machista. Luiz Otávio, meu filho mais novo, conta num dosseus romances, “A Visita”, que um anjo, uma mulher parecida com aatriz Sharon Stone, faz uma visita ao seu personagem Elliot. Ele duvi-da que ela seja realmente um anjo porque, normalmente, os anjos daBíblia são homens. Sharon, esse também era o nome da “anja”, con-testa dizendo que essa impressão era normal por serem os autores daBíblia homens e machistas. Como argumento, ela diz que o anjo queanunciou a Maria que ela tinha sido escolhida para conceber o Filho deDeus, era uma mulher. O argumento era muito convincente: “Vocêacha que ela receberia uma notícia daquelas de um homem? Era umassunto muito delicado e íntimo, próprio de mulheres”. Os dois livrosda Bíblia que levam o nome de mulheres, Ester e Rute, padecem domesmo mal, tudo leva a crer que foram escritos por homens. O deRute conta a história dessa mulher que também faz parte da genealogiade Jesus.

“No tempo em que julgavam os juízes, houve fome na terra”,assim começa o livro de Ruth. Um homem chamado Elimeleque, suaesposa Noemi e seus filhos Malom e Quiliom, todos efrateus de Belémde Judá, emigraram para a terra de Moab. Morrendo o marido, Noemie seus filhos ficaram por ali. Eles acabaram se casando com duasmoabitas, Orfa, com Quiliom, e Rute, com Malom, e assim se passa-ram dez anos. Os dois irmãos morrem também e Noemi decide vol-tar a sua terra e aconselha as duas noras para que voltem ao seio desuas próprias famílias. A princípio, as duas resolveram seguir a sograem sua caminhada de regresso à terra de Judá, onde a fome tinhaacabado e havia fartura de pão. Novamente, com palavras de deses-pero e acreditando estar dando o melhor conselho, Noemi apela paraque as noras fiquem. Desta vez, Orfa a beijou, despedindo-se dela evoltando para casa. Noemi pede a Rute que também voltasse ao seupovo e aos seus deuses.

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A Bíblia nos diz que Rute se apegou a Noemi e, assim, pormais que a sogra insistisse, Rute continuou caminhando com Noemino rumo de Belém de Judá. Ela havia conhecido um novo Deus noconvívio com Noemi e não queria abandonar nenhum dos dois. Suaresposta a Noemi é uma das passagens mais lindas da Bíblia, relata-da no capítulo 1º de Rute: “Não me instes para que te deixe, e meobrigues a não seguir-te; porque aonde quer que fores, irei eu, eonde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, oteu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu, e aíserei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outracoisa que não seja a morte me separar de ti”.

As relações de sogra e nora, muitas vezes conflituosas, nor-malmente por ciúmes mútuos, por serem muito comuns, já fazemparte até do anedotário. Nos tempos bíblicos, a ordem de Deus eraseguida à risca. Uma mulher, ao casar-se, deixava sua família e eraabsorvida por outra. Nos tempos modernos, a coisa ficou diferente.Muitos casamentos se tornaram infelizes, ou mesmo terminaram, emvirtude da falta de entendimento entre sogra e nora. Mais raramente,entre sogra e genro. Entre nora e sogra, mesmo nas famílias religio-sas, nós encontramos, mesmo que seja quase imperceptível, algumtipo de conflito.

Não foi isto o que aconteceu nas relações entre Noemi e suasnoras. Certamente, não se pode criticar a decisão de Orfa de tentar,em sua própria terra, construir uma nova vida. Nem poderíamos cri-ticar Rute, apesar do seu afeto a Noemi, se ela tivesse tomado idên-tica decisão. O afeto que ligou de maneira indelével as duas mulhe-res certamente foi devido ao Deus de Noemi. Apesar das reclama-ções que Noemi faz a Deus a respeito do seu sofrimento, tentandoaté mudar seu nome para Mara, “porque grande amargura me temdado o Todo-poderoso”, o certo é que o Deus que ela apresentou aRute era um Deus de amor e de misericórdia. E Rute aprendera aconfiar nEle.

O romance de Boaz, meio parente de Elimeleque, com Ruth,com pleno apoio – e até com o ensino, por parte de Noemi, de algu-mas artimanhas próprias das mulheres – foi, segundo narra a Bíblia,muito bonito. Nunca faltou nada às duas mulheres, pela bondade deBoaz, que começara a gostar dela, e pelo caráter de Rute, confomeele se expressa para ela: “toda a cidade do meu povo sabe que és

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mulher virtuosa”.A antiga propriedade da família foi resgatada porBoaz e eles se casaram.

Rute, uma estrangeira que havia adotado, pelo testemunhode sua sogra, o Deus verdadeiro, passa a fazer parte da história dopovo escolhido. Todo o povo, inclusive os anciãos, disseram de ma-neira muito clara a Boaz: “somos testemunhas; o Senhor faça a estamulher, que entra na tua casa, como a Raquel e a Lia, que ambasedificaram a casa de Israel; e tu, Boaz, há-te valorosamente em Efrata,e faze-te nome afamado em Belém. Seja a tua casa como a casa dePerez, que Tamar teve de Judá, pela prole que o Senhor te der destajovem”. Esse reconhecimento da importância de Tamar como parteimportante do povo de Israel justifica bem o que está contido nocapítulo anterior.

Rute concebeu e a chegada de seu filho Obede trouxe muitaalegria. As mulheres diziam a Noemi: “ele será o restaurador da tuavida e o consolador da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deuà luz, e ela te é melhor do que sete filhos”.

Melhor ainda, Rute tomou o menino e o pôs no regaço de suasogra e ela começou a cuidar dele. Não era a avó carnal do meninomas o ato de amor de sua nora era, sem dúvida a alegria que voltavaà vida daquela mulher. Ela ajudaria a criar o seu neto pelo amor, e eleseria o pai de Jessé e o avô de Davi, que se tornou rei de Israel.

Pode-se dizer que o relacionamento de Noemi e Ruth constituinum belíssimo exemplo de vida, válido até nos dias de hoje, quandotanta coisa mudou neste mundo, da possibilidade real – para não dizernecessidade – de amizade, confiança e intimidade nas relações entresogra e nora, que serão cada vez melhores se elas estiverem com Deus,como disse Ruth: “o teu Deus será o meu Deus”.

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Mulheres do Novo Testamento

Maria, a doce mãe de Jesus

Quando a querida Zel, minha nora, aproximou-se nossa família nocomeço do seu namoro com Luiz Otávio, uma das coisas que ela medisse, em nossa primeira conversa sobre religião, é que ela fora cria-da no catolicismo, tendo estudado em colégio de freiras, e que nãogostava muito dos protestantes porque eles não gostavam da VirgemMaria. O que lhe respondi, antes de muitas explicações, foi simples-mente: “pois eu gosto muito”.

E ela tinha um pouco de razão. Pela ênfase que os católicosdão a Nossa Senhora, por alguns dogmas da Igreja de Roma, pelo“pede à mãe que o filho atende”, plástico aplicado em muitos carros,etc., etc., os protestantes acabam colocando a figura da mãe de Je-sus num plano inferior. Alguns anos atrás, a Voz Missionária publicouum artigo sobre grandes mulheres da Bíblia, no qual ficou faltando amulher mais importante de todas, justamente a mãe de Jesus. Mui-tas pessoas ficam escandalizadas comigo quando digo que posso per-feitamente saudar Maria com os católicos dizendo “Ave Maria, cheiade graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres ebendito o fruto do vosso ventre, Jesus”. O que não faço é orar “San-ta Maria, mãe de Deus, perdoai os nossos pecados, agora e na horade nossa morte”.

Também já escandalizei muita gente ao dizer, em pleno ser-mão, apesar das ressalvas de que nós não oramos à Virgem Maria,porque nosso intercessor é Cristo, que, na minha opinião, uma daspoesias mais lindas da língua portuguesa é de Manoel Bandeira: “Euvi minha mãe rezando/ aos pés da Virgem Maria./ Era uma santaescutando/ o que outra santa dizia”.

A doce Virgem Maria é a mulher mais importante da Bíbliapois o anjo lhe disse que ela havia achado graça diante de Deus e queDeus a convocava para uma grande missão, ser a mãe de Jesus, olibertador da humanidade. Ela era, como acontecia naqueles tempo,uma jovenzinha, recém saída da adolescência. A resposta de Maria,simples mas significando uma entrega total à missão que lhe seriaconfiada, foi: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mimconforme a tua palavra”.

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No chamado Cântico de Maria, uma poesia linda e cheia designificados, ela diz coisas de profunda transcendência: “A minha almaengrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meuSalvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois agoratodas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Pode-roso me fez grandes coisas, Santo é o seu nome. A sua misericórdiavai de geração em geração sobre os que o temem. Agiu com seubraço valorosamente; dispersou os que no coração alimentavam pen-samentos soberbos. Derrubou dos seus tronos os poderosos e exal-tou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios osricos. Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua mise-ricórdia, a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre,conforme prometera aos nossos pais”.

Depois dos sacrifícios da viagem de Nazaré a Belém para o re-censeamento, da necessidade de ter o seu filho numa simples estrebaria,porque não havia lugar para eles na estalagem, e ter que colocá-lo numamanjedoura, ela viu surpresa a visita dos pastores e mais surpresa aindaficou com o relato das coisas que aconteceram nas campinas de Belém,como o anúncio do anjo e do coral composto da milícia celestial quecantava “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre oshomens a quem ele quer bem”. Ouvindo isto tudo, Maria “guardavatodas estas palavras, meditando-as em seu coração”.

Como guardou certamente os problemas do exílio no Egito,as dificuldades da criação do menino, a responsabilidade que tinhade educá-lo no verdadeiro caminho e os 30 anos de luta até que seufilho Jesus começasse a sua missão. Esteve sempre presente na vidade Jesus. Estava com ele nos momentos alegres do casamento emCaná, onde fez o seu primeiro milagre. E estava também nos momen-tos de perseguição e dor. Como presente estava, angustiada, nosmomentos cruciais de sua prisão, de seu julgamento, de sua conde-nação. Aos pés da cruz onde Jesus estava dando a vida por nós,assistiu todo o seu suplício e ajudou a recolher o seu corpo sem vida.

Por tudo isto, e até pela preocupação que Jesus teve com elajá pregado na cruz, nomeando João para que se tornasse seu filho,isto é, cuidasse dela em sua ausência, e, ao mesmo tempo, transfor-mando-a em mãe do seu discípulo amado, provavelmente o maisjovem de todos, Maria é a mulher mais importante da história humana.A Bíblia não revela muitos dos cuidados que ela tinha com Jesus alongo de sua vida. Conhecendo o seu caráter, porém, bem podemos

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imaginar. E nem os grandes pintores e escultores da história humana,nem os que lidam com as palavras, puderam descrever bem o queaquela mulher sofreu no desempenho de uma missão que recebera doAltíssimo quando ainda tão jovem. Por isto tudo, ela é chamada de“mater dolorosa”. Nada, no entanto, a despiu da condição que elaexpressou no seu cântico de ser bem-aventurada. A maior das mulhe-res, a maior das mães, aquela que dignificou o papel da mulher na vidahumana, elo entre o divino e o humano, a que possibilitou que os Paisda Igreja pudessem afirmar, para todo o sempre, que “Jesus é verda-deiramente Deus e verdadeiramente homem”, é realmente o padrãode mulher cristã e o Senhor sempre esteve com ela.

Mulher, grande é a tua fé

O encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia, narrada pelosevangelistas Mateus e Marcos, é um episódio crucial da vida de Jesuse tem sérias implicações em sua missão e na missão que ele deu aosseus seguidores. No diálogo, áspero, conflitante e até mal educado,Jesus nos mostra uma outra visão de sua personalidade.

Antes de mais nada, vamos situar aquela mulher. Marcos dizque ela era grega, de origem siro-fenícia. Mateus, por sua vez, dizque ela era cananéia, isto, fazia parte do povo que foi expulso porJosué da terra prometida. Ou seja, havia ódio entre os judeus e oscananeus. Ela tinha uma filha que tinha sérios problemas mentais.Na Bíblia, porque não conheciam nada da doença, era mais fácil dizerque pessoas assim eram endemoninhadas ou eram possuídas de es-pírito imundo ou demônios.

Cansado de sua labuta, Jesus retirou-se para os lados de Tiroe Sidon para descansar. Ouvindo falar de seus milagres, as multidõesnão o deixavam em paz. Esta foi possivelmente a única vez que Je-sus, tirando o seu exílio no Egito, para fugir de Herodes, esteve emterras estrangeiras e, além de tudo, composta de pessoas que eraminimigas dos judeus. Mesmo assim, Jesus não encontrou descanso epaz, nem pôde se ocultar. Jesus nasceu como judeu e se desenvolveuaté a maturidade num lar judeu e numa cultura e numa religião judai-cas. Num certo sentido, a universalidade do Evangelho de Jesus e daprópria missão de levá-lo aos gentios, marcas fundamentais da histó-ria da igreja primitiva, começaram nesse episódio.

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O relacionamento de Jesus com as mulheres era muito bom.Ele as aceitava, gostava delas e reconhecia que elas eram capazes deentender as coisas revolucionárias que pregava e ensinava. Conver-sas longas entre Jesus e as mulheres não são muito comuns. É certoque, por estar freqüentemente no lar de Betânia, com Lázaro, Martae Maria, ele conversava muito com as duas irmãs. No caso da mortede Lázaro, ele teve com Marta discussões teológicas muito sérias,como se verá em capítulo mais à frente.

As duas conversas mais longas de Jesus com mulheres fo-ram, por paradoxal que seja, com as estrangeiras, a mulher cananéiae a mulher samaritana com quem se encontrou junto ao poço deJacó, as duas heroínas sem nome. A mais tempestuosa conversa, emque Jesus se mostrou ríspido, até mesmo grosseiro, preconceituoso eum pouco mal educado, foi justamente com a mulher cananéia. Elea tratou de uma forma cruel, parecida com a maneira com que trata-va, nos limites de sua terra, os escribas e fariseus. Uma teólogaamericana, ao comentar esse texto, diz que “parece que Jesus deixousua condição de Messias no lado palestino da fronteira e, também,sua compaixão e sensibilidade”.

Apesar de saber de todas as questões dessa centenária incom-patibilidade ente os judeus e os cananeus, aquela mulher, cujo únicodesejo na vida era a cura de sua filha, e cuja única certeza era de quesó Jesus poderia curá-la, assumiu todos os riscos desse encontro. Elaestava disposta a não sair dali sem beneficiar-se do poder de Jesus. Elapercebeu, também, que chamar a atenção de Jesus, exigiria uma atitu-de toda especial para sobrepujar a barreira que os discípulos dele fazi-am para protegê-lo. Ela clamou, isto é, falou alto, gritou, “Senhor, filhode Davi, tem compaixão de mim!”. O texto de Mateus diz que Jesusficou indiferente aos seus apelos, “não lhe respondeu palavra”. Inco-modados com a insistência da mulher, os próprios discípulos rogaram aJesus para que a despedisse, isto é, que atendesse os seus apelos,curasse a menina para que ela fosse embora.

Nesse momento, começou o diálogo de Jesus com ela mas foiuma conversa muito hostil, apesar de que ela clamava respeitosamen-te, usando para Jesus os títulos corretos, como Senhor e Filho de Davi.Disse-lhe Jesus, como a desculpar-se por não poder curar sua filha:“Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Face àface com uma grande necessidade humana, a resposta de Jesus nãofoi realmente uma resposta. Jesus não tinha argumentos para convencê-

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la. Porque, ao levar esse fora, ela veio e o adorou dizendo e pediu a suacompaixão: “Senhor, socorre-me!”.

Jesus, para espanto dela, não só não a socorre, mas usa ago-ra um argumento injurioso e ofensivo: Não é bom tomar o pão dosfilhos e lançá-los aos cachorrinhos”. Os judeus chamavam os estran-geiros, os gentios, de cachorros. Num certo sentido, essa ofensa es-tava sendo repetida por Jesus àquela mulher. Ela tinha três coisasque eram normalmente desprezíveis para os judeus: era uma estran-geira, ou seja, pagã, sendo vista como impura; por isto, os judeusguardavam uma distância segura dos gentios. Era mulher, e as mu-lheres não mereciam nenhuma consideração por parte dos judeus.Os judeus eram proibidos de falar com elas a não ser na presença dosseus maridos. Se o pai da menina é que fosse pedir o milagre a Jesus,talvez fosse diferente. Havia uma terceira coisa a desgastar a ima-gem da mulher, ela era a mãe de uma menina endemoninhada, umalouca. Os judeus gostavam de atribuir as desgraças da saúde a peca-dos cometidos por pais ou outros antecessores. Quem sabe aquelamulher cananéia não teria alguma culpa no cartório?

Era o momento decisivo da conversa. Mesmo ofendida, per-cebendo muito bem aonde Jesus queria chegar, ela foi muito inteli-gente em sua fala, na qual começa concordando com Jesus: “Sim,Senhor!”. Mas, em seguida, para usar uma linguagem do jogo dexadrez, ela dá o cheque-mate em Jesus, a jogada definitiva: “porémos cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seusdonos”. É exatamente isto. Ela tinha a convicção que mesmo ínfimasparcelas da graça seriam suficientes para que sua filha fosse curada.

Então, é Mateus quem narra, Jesus lhe disse: “Ó mulher, grandeé a tua fé. Faça-se contigo como queres”. E desde aquele momento,sua filha ficou sã.

A partir dali, ninguém mais teve barrado o seu acesso a Deus,às bênçãos de Deus, em virtude de seus antepassados, da religiãoque herdou ou de sua cultura. Com sua atitude, a mulher cananéiaverdadeiramente estendeu a mesa do Senhor e, desde então, há pãoem abundância para todos, gentios, judeus, gregos, escravos, livres,homens, mulheres e crianças. E na grande comissão, texto de Mateus28:18-20, a ordem de Jesus é: “Toda a autoridade me foi dada nocéu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos em todas as nações,batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinan-

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do-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis queestou convosco todos os dias até à consumação do século”.

A mulher samaritana

Estamos falando do surpreendente encontro de Jesus com amulher samaritana à beira do poço de Jacó, em Samaria. Jesus eseus discípulos estavam caminhando da Judéia, ao Sul, para a Galiléia,ao Norte. Passaram por Samaria, território historicamente hostil aosjudeus, apenas para ganharem tempo. Se a tivessem evitado, gasta-riam seis dias e não três. Preferiam, portanto, o caminho mais curto.Numa bifurcação da estrada, perto de Sicar, está o que se conhecepelo nome de poço de Jacó. O local, que não lhes pertencia, tinha,contudo, muita importância histórica para os judeus. Ali havia terrasque foram compradas por Jacó (Gn 33:18-19). Em seu leito de mor-te, Jacó deixou aquelas terras para José (Gn 48:22). Depois de suamorte, o corpo de José foi levado para ser enterrado ali (Js 24:32). Opoço tinha cerca de 30 metros de profundidade.

O calor era forte e era meio dia, a hora sexta dos judeus.Enquanto os discípulos foram ao centro da cidade para comprar ali-mentos, Jesus pára à beira do poço para descansar. Uma mulhersamaritana aproximou-se do poço. Por que teria ela vindo àquelepoço? Provavelmente haveria um outro poço perto de sua casa. Tal-vez sua má reputação fazia com que fosse discriminada por outrasmulheres. O fato é que ela chega a um poço distante e na pior hora,a mais quente do dia, para apanhar água. Trazia certamente algocom que apanhar a água no fundo, possivelmente um saco feito decouro ao qual se amarrava uma corda. A água assim extraída eratransportada num cântaro para casa.

Jesus, com sede (e é possível que os discípulos tivessem leva-do consigo o saco de couro que certamente possuíam), pede à mu-lher que lhe desse de beber. A resposta da mulher foi muito clara:“Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim que sou mulhersamaritana?”. Porque os judeus e os samaritanos não se davam bem.E nos costumes dos dois povos, nenhum homem dirigia a palavra auma mulher. A resposta de Jesus aprofundou a conversa: “Se conhe-ceras o dom de Deus e quem é que te pede “dá-me de beber”, tu lhepedirias e ele te daria água viva”.Coisa curiosa é que essa conversação de Jesus com a samaritanasegue exatamente o mesmo esquema da conversa que ele tivera,algum tempo atrás, com Nicodemos. Jesus faz uma afirmação, que

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não é entendida e sim tomada num sentido incorreto. Jesus repete aafirmação de maneira mais clara mas não consegue ser interpretadocorretamente. Jesus então obriga a pessoa com quem está falando adescobrir e enfrentar a verdade por si mesma. Tal como Nicodemos,a mulher tomou as palavras de Jesus num sentido literal, sem conse-guir compreendê-las no plano espiritual.

Água viva, para as pessoas comuns, significava simplesmenteágua corrente, de um rio ou de uma fonte, não a água de um poço oude um pântano. É claro, a água viva era sempre melhor. E a mulherlhe pergunta, como lhe daria essa água se não tinha com que tirá-lado poço que era bem fundo. “Onde, pois, tens a água viva?” Elaagora lhe fala do patriarca Jacó e pergunta se o viajante era maior doque ele.

A resposta de Jesus não foi exatamente sobre o que ela per-guntou. Ele lhe disse: “Quem beber desta água, tornará a ter sede;aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terásede, para sempre; pelo contrário, a água que eu lhe der será neleuma fonte a jorrar pela vida eterna”.

E ela, ainda sem entender exatamente o que Jesus lhe queriadizer, pede que ele lhe dê dessa água, para nunca mais ter que virbuscá-la do poço.

Os samaritanos só aceitavam os cinco primeiros livros da Bí-blia, os chamados livros da Lei. Por isto, ela desconhecia todo o sig-nificado espiritual da expressão água viva. A promessa era que opovo escolhido tiraria com alegria as águas das fontes da salvação (Is12:3); o salmista falava de sua alma sedenta de Deus, do Deus vivo(Sl 42:1). A promessa de Deus era: “E eu derramarei águas sobre osedento” (Is 44:3). O chamado dizia que todo aquele que estivessesedento devia ir às águas e bebê-las gratuitamente (Is 55:1). Jeremiasse queixava de que o povo havia abandonado a Deus, fonte de águaviva, e cavara cisternas rotas, que não contêm as águas (Jr 2:13);Ezequiel teve a visão das águas purificadoras, o rio da vida (Ez 47: 1-12); Zacarias, por sua vez, dizia que o novo mundo abriria uma fontepara remover o pecado e a impureza (Zc 13:1) e que as águas vivasbrotariam de Jerusalém (Zc 14:8). “Não terão fome nem sede”, pro-clamava Isaías (Is 49:10); “Contigo está o manancial da vida”, excla-mava o salmista (Sl 36:9); e Isaías profetizava: “a areia embraseadase transformará em lagos, e a terra sedenta em mananciais de água(Is 35:7). Os rabinos antigos identificavam essa água viva com asabedoria de Deus. Outras vezes, a identificavam com o Espírito San-to de Deus.

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Essa idéia de que a sede da alma que só se poderia satisfazercom a água viva que era o dom de Deus não fazia parte da cultura eda experiência daquela mulher.

Jesus, incompreendido, muda o tom da conversa: “vai, cha-ma o teu marido e vem cá”. Isto foi um choque para a mulher porque,de repente, Jesus a estava chamando à realidade do seu dia-a-dia.Ela foi obrigada a confessar que não tinha marido. E Jesus, aindaincisivo, lhe diz que isto era verdade mas que ela tinha tido cincomaridos. Só aí a mulher percebeu que não estava falando com qual-quer um e lhe disse: “Senhor, vejo que és profeta”. Pega no seupecado, ela muda de assunto e pergunta a Jesus se Deus deve seradorado no Monte Gerizim, onde Abraão esteve perto de sacrificarIsaque, e era um local sagrado para os samaritanos, ou no monteSião, em Jerusalém, lugar sagrado pelos judeus.

A conversa vai chegando ao ponto que Jesus planejara. Dizen-do-lhe que os verdadeiros adoradores adoram em espírito e em verdade– e isto nada tem a haver com o local da adoração – porque são estesque o Pai procura para seus adoradores, a mulher, começando a com-preender as coisas, lhe diz: “eu sei que há de vir o Messias, chamadoCristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas”.

Finalmente, Jesus faz-lhe a declaração: “eu o sou, eu que falocontigo”. A mulher descobriu, atônita, que a declaração de Jesus nãoera um mero sonho mas a verdade mesma. E dali para a frente, tudoiria ser diferente. Nesse ponto, os discípulos chegam de volta e sesurpreendem, mesmo sem fazer nenhum comentário, de vê-lo con-versando com uma mulher.

Ela, deixando o seu cântaro, foi à cidade e anunciou aos ho-mens com quem se encontrou: “Vinde comigo, e vede um homemque me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cris-to?”. Os homens foram ter com Jesus e creram nele, em virtude dotestemunho daquela mulher. Pediram e Jesus permaneceu com elesdois dias. Muitos creram nele por causa de sua palavra e diziam àmulher: “já agora não é pelo que disseste que nós cremos; mas por-que nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeira-mente o Salvador do Mundo”.

A mulher samaritana, cujo nome será sempre desconhecido,se transformou, ao conhecer Jesus, numa verdadeira evangelista.Não só entregou a sua vida a Cristo, mudou de vida, mas imediata-mente levou outros a conhecê-lo. O primeiro instinto da mulhersamaritana foi repartir a sua experiência.. Barclay nos diz que a vida

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cristã se baseia em dois pilares gêmeos, o descobrimento e a comu-nicação. “Nenhum descobrimento é completo até que nossos cora-ções se encham do desejo de reparti-lo, mas não podemos comuni-car Cristo aos outros até que o tenhamos descoberto para nós mes-mos. Os dois grandes passos da vida cristã são, em primeiro lugar,encontrar a Cristo e, em segundo, falar dele”.

Como a samaritana, um homem pode esconder o seu pecadomas quando encontra a Jesus Cristo e o reconhece como seu Salvador,seu primeiro instinto è dizer aos outros: “Vede o que eu era e olhai parao que sou agora: é isto o que Cristo tem feito por mim”.

Assim era Jesus, um homem sem preconceitos, nem contraas mulheres e nem para com os estrangeiros, quaisquer que fossemos seus erros, que ele estava sempre disposto a perdoar e concedera chance de um novo nascimento.

Essa história nos mostra que a mulher samaritana, uma dasgrandes mulheres da Bíblia, é um exemplo de cristã. Precisamos to-dos, homens e mulheres, ser evangelistas como ela foi.

Marta e Maria – ambas escolheram a melhor parte

Lázaro e suas irmãs Marta e Maria viviam em Betânia. Muitasvezes Jesus os visitou. Aquela família era muito amiga de Jesus. Vamosno ater, porque esse é o objetivo deste texto somente às duas mulheres.O primeiro texto, de Lucas 10, narra uma daquelas visitas de Jesus.Maria ficou sentada aos pés de Jesus, escutando-lhe com atenção. Mar-ta, por sua vez, estava atarefada nas coisas da casa, como qualquermulher ao receber hóspede tão importante. Marta queixa-se a Jesus deque sua irmã não a estava ajudando. Jesus a repreende dizendo: “Mar-ta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto,pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu aboa parte e esta não lhe será tirada”.

A partir desse texto, criou-se um critério de valorizar Maria con-tra Marta. E poucos se lembram que esse texto vem logo depois daparábola do bom samaritano, na qual as obras de benignidade são nãoapenas elogiadas mas também recomendadas. O objetivo de Lucas nãoseria dizer que uma é melhor do que a outra mas, apenas, que uma édiferente da outra e cada uma delas tem o seu lugar de honra entre osdiscípulos de Jesus. Por isto, as mulheres desejam ser como Maria e nãocomo Marta e isto talvez reflita, de algum modo, uma certa revolta con-tra os trabalhos caseiros, que afadigam, são mal reconhecidos e que têmser repetidos a cada dia.

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Até Santo Agostinho vai nesse tom de crítica a Marta, por nãoreconhecer a natureza de Jesus. Para ele, em seu sermão 104, “Marta éuma imagem da posse; Maria a da Esperança”. France Quéré, em “Asmulheres do Evangelho”, diz que Marta, para espanto seu, vê a distânciarepentinamente estabelecida entre Maria, discípula, e ela, serva.

Em João 11:2, é narrado que Maria, imã de Lázaro, haviaungido os pés de Jesus com perfume e os enxugou com os seuscabelos, o que dá , como disse Donald English, “um toque comoventeà afeição de Jesus por todos daquela família”. Aquele capítulo, até oversículo 46, acaba redimindo Marta das acusações que se lhe faziame mostra de maneira bem clara não só a sua grande fé mas o conhe-cimento da Escritura e da missão de Jesus É o texto que se encontraem João que comprova isto.

Na realidade, não se pode colocar uma irmã sobre a outra.“Marta mostra vontade e opinião. Maria mostra emoção”, nos dizDonald English. É como se João nos quisesse mostrar que, sozinhas,nenhuma das irmãs seria capaz da afirmação integral que Jesus es-perava mas que, juntas, conseguiram.

A tentação de Maria em aproveitar o máximo possível da con-versa com Jesus, como indicado no texto de Lucas, tem muito paren-tesco com a reação de João, Tiago e Pedro por ocasião da Transfigu-ração de Jesus. Eles já queriam arranjar tendas para Jesus, Moisés eElyas e aproveitar, com muita atenção, as conversas entre Jesus eeles. Isto era uma tentação porque a missão estava no vale, ondemoravam as pessoas, que careciam do amor de Deus, e não naquelemonte. No episódio da morte de Lázaro, Marta foi esperar por Jesusno caminho e Maria quedou-se em casa. Disse, pois Marta a Jesus,“Senhor, se estiveras aqui não teria morrido o meu irmão. Mas tam-bém sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus toconcederá”. Esta foi uma afirmação de fé, de muita fé. E provocouuma resposta de Jesus que é fundamental para o entendimento dequem ele era e de sua promessa de amor: “Eu sou a ressurreição e avida, quem crê em mim, ainda que morra, viverá”. Jesus lhe perguntase ela cria nisso e sua resposta mostra sua fé: “Eu tenho crido que tués o Cristo, o filho de Deus”.

De qualquer forma, sem que se discuta a superioridade de umasobre a outra, porque todos temos diferentes dons, diferentes talentos,diferentes temperamentos e até diferentes personalidades, nós tambémsomos chamados a ser amigos de Jesus. Elas são, cada uma à suamaneira, por terem sido sempre amigas de Jesus, um exemplo para nós.

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Mulheres do Movimento Metodista

Suzana, a mãe de João Wesley

A mãe de João Wesley teveuma importância grande em sua vida.Casou-se, com 20 anos, com SamuelWesley, em 1689, no mesmo ano emque ele foi ordenado ministro da Igre-ja Anglicana. Seu pai, o Dr. SamuelAnnesley, era um dos mais importan-tes líderes do grupo não-conformis-ta. Apesar de toda a herança não-conformista, Samuel Wesley eSusanna optaram pela igreja oficial.Depois de servir em Londres por umano e de ter sido, também duranteum ano, capelão a bordo de um na-vio, Samuel recebeu a paróquia deEpworth, no condado de Lincolshire, na qual ficou até morrer.

Susanna teve dezenove filhos mas a maioria deles morreu aonascer ou logo depois. Quando João nasceu, o segundo menino, seusirmãos vivos eram Samuel e as meninas Emília, Susana, Mary e Mehetabel.Era hábito de Susana, no dia em que os filhos completavam cinco anos,ensinar-lhes o alfabeto e, em seguida, utilizando a Bíblia, a ler.

Um dos acontecimentos que, sem dúvida, marcaram a vidade João Wesley e sua grande ligação com a mãe, foi o incêndio dacasa pastoral, que ocorreu no dia 9 de fevereiro de 1709, quandoWesley ainda não tinha seis anos. O fato é que alguns paroquianos,insatisfeitos com o pastor, colocaram fogo no prédio enquanto a famí-lia dormia. Quando todos já se encontravam fora da casa, notou-sea falta do pequeno Jack – era assim que família lhe chamava – quedormia no segundo andar. Tentaram resgatá-lo mas era impossívelpois a escada de madeira já estava em chamas. Samuel pediu aosque estavam ali para ajoelhar-se e pedir a Deus para que recebesseem seu seio a alma de seu filho. De repente, ouvem o choro domenino que, subindo numa cômoda, chegava à janela do seu quarto.Fizeram então uma escada humana, um homem nos ombros de umoutro, e salvaram o menino. Logo em seguida, o teto caiu em chamaspara dentro de casa.

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Esse episódio deu a Susana, que via no salvamento do filhoalgum objetivo de Deus em relação a ele, uma preocupação maiorcom a educação de João Wesley. Em oração que escreveu logo de-pois do incêndio, ela dizia: “pretendo ser particularmente cuidadosa,como nunca antes, com a alma desta criança, que tu tens cuidadotão misericordiosamente, para que eu possa inculcar em sua menteos princípios da verdadeira religião e virtude”.

Além dos seus afazeres como mãe de tantos filhos, ela tinhauma preocupação muito grande com a Igreja. Pregava muito bem, oque aborrecia seu marido. Chegava a reunir na sua casa mais de 200mulheres. Samuel ordenou-lhe que parasse e ela exigiu uma ordemformal, para que a responsabilidade perante Deus caísse sobre a ca-beça dele e não dela. Ela continuou pregando...

Quando João Wesley se formou, ainda não tinha definido queprofissão escolher. A sua posição de lente lhe permitia escolher entreas mais importantes da época, o Direito, a Medicina ou a Igreja. AIgreja foi para ele inevitável e ele foi ordenado diácono no dia 19 desetembro de 1725. Pregou o seu primeiro sermão em South Leigh,pequena vila na vizinhança de Whitney. Em 1726, foi nomeado pro-fessor de grego e presidente das classes. Grande parte desse ano elepassou em Epworth ajudando seu pai na Igreja. Era sonho de Samueltransmitir-lhe por “herança” a sua pequena paróquia. Wesley, contu-do, volta a Oxford, onde recebeu o grau de Mestre em artes em 1727.

Ao tomar sua decisão pelo ministério pastoral, Susanna lheaconselhou: “o verdadeiro fim da pregação é endireitar a vida doshomens e não entulhar as suas cabeças com especulação inútil”.

Em agosto de 1727, volta a Epworth, onde passa dois anosajudando seu pai. Anos depois, em avaliação do seu trabalho naque-le período, ele dizia com sinceridade : “preguei muito, mas vi poucofruto do meu trabalho. Nem podia ser de outra forma, pois eu nemfirmava as bases do arrependimento nem a fé no Evangelho, julgan-do que aqueles a quem eu pregava fossem todos crentes, e quemuitos deles não necessitassem de arrependimento”.

Iniciado o movimento metodista, logo depois da morte deSamuel, Suzana foi uma grande colaboradora de seus filhos João eCarlos. De uma certa forma, ela foi responsável por uma das grandesnovidades do metodismo, responsável por seu grande crescimento,ou seja, a pregação dos leigos. Pregação era coisa de ministrosordenados e não de leigos. Wesley também pensava assim. No prin-cípio, só os pastores ordenados é que participavam das atividades da

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pregação. O problema é que o número de sociedades e de fiéis cresciamais do que o de pastores ordenados pela Igreja da Inglaterra. Comoo Movimento Metodista não era uma igreja legalmente constituída, sóeram utilizados os pastores daquela igreja que tivessem aderido a ele.Não eram muitos. Além de sua mãe Susanna, que ensinava e pregava,apareceu, logo no início, um jovem que pregava muito bem. Seu nomeera Thomas Maxfield, pedreiro de profissão. Wesley havia feito umalonga viagem. Quando soube que havia um homem sem ordenaçãoeclesiástica pregando na Fundição, ele mudou seus planos e, de Bristol,voltou incontinente para Londres para pôr fim a tal desordem. Quemevitou o atrito foi Susanna, mãe de Wesley, que lhe deu um sábioconselho: “Tem cuidado, João, com o que vai fazer daquele jovem,pois ele é certamente tão chamado para pregar como tu. Examinaquais os frutos de sua pregação e, então, ouve-o tu mesmo”.

Aceitando o conselho, ouviu Maxfield e afirmou: “É do Senhor,faça Ele como lhe aprouver” A partir daí, os leigos foram admitidos nassociedades como pregadores. Cinco anos depois, ou seja, em 1744, jáeram mais de quarenta os pregadores leigos que Wesley usava. En-quanto ele e Carlos viajavam de um lado para outro da Inglaterra, ospregadores leigos cuidavam das sociedades e pregavam a Palavra.

O amor que Wesley dedicava a sua mãe era muito grande. Mui-tas vezes ele disse que gostaria de morrer antes dela, para não ter osofrimento de perdê-la. Suzana faleceu com 73 anos no ano de 1742,logo no princípio do Movimento Metodista. Mesmo assim, com seu exem-plo e dedicação, ela é considerada uma das mulheres mais importantesdo Metodismo. Vale a pena conhecer a sua história e as suas realizações.

Bárbara Heck – a mãe do metodismo americano

Precisamos conhecer um poucomelhor a história da Igreja Metodista emterritório americano. Ela começou, ainda nostempos de João Wesley, quando a Américaainda era uma colônia inglesa e tinha umterritório bem menor do que os EstadosUnidos têm hoje. Bárbara Heck fazia partede um grande grupo de imigrantes alemãesque foram para a Irlanda fugindo de perse-guições religiosas. Essas pessoas eram cha-madas na Irlanda de os “palatinos”. Elasmoravam no condado de Limerick.

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Em 1758, João Wesley passou por Limerick e foram muitos osconvertidos por sua instrumentalidade. Entre eles, Bárbara Heck (so-brenome alemão original Hescht), seu irmão Paulo e seu primo PhilipEmbury. Este, instruído por Wesley, acabou sendo pregador leigometodista. Por volta de 1760, eles emigraram para a América, indoresidir em Nova York, naquela época uma cidade de pouco mais de20.000 habitantes. Como não havia igreja, sua fé ficou estagnada. Nofundo, Philip Embury, como Bárbara, tinham saudades da Irlanda,onde haviam conhecido um pouco de felicidade ao participarem dasemoções do grande despertamento religioso que os irmãos Wesleyhaviam provocado na Inglaterra. Mas, apesar de ler constantementea sua Bíblia, o que lhe importava agora?.

As famílias, mesmo sem vida religiosa, continuaram unidas, aamizade e os encontros acontecendo normalmente. Numa noite, Bár-bara dirigiu-se à casa de seu irmão Paulo para visitá-lo. Ela ouviu,vindo de dentro da casa, o barulho de vozes que se elevavam em tomirritado. Então a porta e se abriu e ela viu a silhueta de seu irmão, queestava à volta de uma mesa com outros homens. Ali estavam cartas debaralho voltadas para baixo e dinheiro espalhado no centro da mesa.Aquele dinheiro era justamente o dinheiro que tinham trazido parainstalar-se com suas esposas e filhos naquela terra estranha. Era umdinheiro que poderia significar a possibilidade de um lar decente emcontraste com a triste situação moral em que se encontravam.

Os olhos de Bárbara tinham um brilho diferente. Ela permane-ceu, surpresa com o que via, em pé, mas por poucos segundos, otempo suficiente para que eles homens percebessem o seu estado deespírito. Então, com um movimento irreprimível, ela varreu as cartasde baralho de sobre a mesa e as atirou no fogo da lareira.

– “Então seus fracassados!”, rompeu ela afinal.”Vocês se quei-xam das durezas da vida aqui e dissipam no jogo o seu tempo e o seudinheiro durante a noite? Foi esta a razão porque vocês deixaram aIrlanda? A casa de meu irmão é um antro onde os maridos de minhasamigas e parentas vêm se arruinar a si mesmos! Eu pensei que eramhomens e não jogadores que vieram da Irlanda”. Os homens aindaestavam assustados quando ela os deixou e bateu a porta violenta-mente e deixou aquela casa. Dali foi para a casa de seu primo PhilipEmbury. Bateu a porta insistentemente e foi atendida por ele, umcarpinteiro, que não entendia o porquê de todo o seu nervosismo.

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Ela o explicou narrando que tinha vindo da casa de seu irmãoPaulo, onde ele e seus amigos desbaratavam a noite no jogo. E elafala de sua decisão: “Resolvi, irmão, que já não podemos continuarmais sem orientação espiritual”. Philip, já acostumado com o tempe-ramento impetuoso de Bárbara, apenas esboçou um sorriso.

– Está certo, irmã Heck, mas por que se dirige a mim?Os olhos de Bárbara chamejaram ainda mais:– E por que não? Por que razão você se converteu na Irlanda?

Com que finalidade você era guia de classe entre os fiéis de nossasociedade? Que motivos o impulsionaram a tornar-se pregador localmetodista antes de virmos para a América?

Não deixando que Philip sequer se desculpasse, ela insistiu:– Você deve pregar para nós, do contrário todos iremos para o

inferno e Deus requererá o nosso sangue das mãos de você.Philip Embury, constrangido com aquelas palavras tão duras,

lhe perguntou, meio aborrecido: “Como poderei pregar? Não tenhocasa nem congregação”. A resposta de Bárbara foi incisiva: “Pregueem sua própria casa, a princípio para os seus somente”. No outonode 1766, reuniu-se a primeira congregação metodista em Nova York,na casa alugada por Philip, no nº 10 das Rua Augustus, nas proximi-dades da rua do Quartel, onde havia um destacamento inglês. Ape-nas sete pessoas participaram do primeiro culto, Philip, sua mulher,Paulo, Bárbara, John Lawrence, Betty e um escravo negro.

O trabalho cresceu, alguns soldados foram convertidos e mui-ta gente, pela operosidade de Philip Embury e de Bárbara Heck, seagregou ao grupo. Dois anos depois, em 1768, a igreja mudou-separa a Rua João. Até hoje, a Igreja Metodista da John Street é ummarco histórico da cidade de Nova York. Os maiores nomes dometodismo americano, como o Bispo Francis Asbury, pregaram noseu púlpito.

Anos mais tarde, Bárbara Heck e sua família se mudarampara o Canadá, onde ela também iniciou o movimento metodista,contando com a ajuda da família Embury que também se mudarapara lá. Bárbara Heck é considerada também a mãe do metodismocanadense. A Igreja Metodista do Canadá deixou de existir em 1925quando passou a fazer parte de uma nova igreja, a Igreja Unida deCristo. que foi criada, e existe até hoje, para juntar fiéis de váriasdenominações. Bárbara Heck morreu no Canadá em 1804.

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Martha Walker – a heroína brasileira

A história do metodismo brasileiro começa com a histórica via-gem do Rev. Fountain Pitts ao Brasil em 1835 para fazer um estudo dasituação. Logo depois, em 1836, chegou o Rev. Justin Spaulding, queestabeleceu a Missão Metodista, abrindo escola e criando a primeiraescola dominical do Brasil. Depois chegaram outros obreiros e o traba-lho prosseguia. Em 1841/42, em virtude dos problemas políticos e fi-nanceiros surgidos na Igreja Metodista dos Estados Unidos, o trabalhomissionário foi interrompido. Em 1841, Cynthia Kidder, esposa do mis-sionário Daniel P. Kidder, morreu de febre amarela, sendo sepultada nocemitério dos Ingleses na Gamboa. Logo a seguir, antecipando o fimda missão, Kidder e seu filho voltaram aos Estados Unidos.

A interrupção do trabalho metodista é, sem dúvida, um erro demuitos livros que contam a nossa história. Na realidade, interrompeu-se a missão, não o trabalho, que certamente continuou vivo na casa deMartha (Mary) Walker, mantendo acesa no Brasil a chama do metodismo.A verdade bíblica é que uma Igreja, para ser Igreja, não precisa detemplos nem de organização: precisa de gente disposta a ser igreja. Oapóstolo Paulo, em quatro ocasiões, faz referência à igreja que está nacasa de alguém. Em Rm 16:5 e I Co 16:19, ele se refere à igreja queestá na casa de Priscila e Áquila. No versículo 2 da carta a Filemon, elemenciona a igreja que está em sua casa e, da mesma forma, em Cl4:15, ele menciona a igreja que Ninfa hospeda em sua casa.

Não foi diferente o que ocorreu na casa dos Walker. Não sesabe o que ocorreu com o chefe da casa mas a história registra que,mais de 25 anos depois, a igreja que estava na casa de Mary Walkerse encontra com o novo pastor tão esperado por ela, que se tornouoficialmente, em 11 de agosto de 1873, membro nº 1 da IgrejaMetodista do Brasil, arrolando-se, por assunção de votos, ela que jápertencera à Igreja Metodista de sua pátria, a Inglaterra, na IgrejaMetodista do Catete, a primeira igreja do metodismo brasileiro.

Dando rédeas à minha imaginação, eu vejo, com os olhos daalma, aquela mulher, que mantinha a igreja em seu lar, firme naesperança da chegada de um novo pastor. Posso bem imaginar: acada vez que era anunciada a chegada de um navio procedente dosEstados unidos, Mary Walker arrumava-se toda e se dirigia à Praça doPaço Imperial, hoje Praça XV, onde se encontrava o porto do Rio deJaneiro, para dar as boas-vindas ao novo pastor. Com que ansiedadeela devia abordar os passageiros que desembarcavam, perguntando

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se entre eles havia um pastor metodista. Posso imaginar também suatristeza ao constatar, durante tantos anos e tantas idas e vindas, queseu sonho estava tardando em realizar-se. Passado, porém, cada de-sapontamento, a esperança se restabelecia e ela voltava ao cais doporto à espera de um novo pastor.

Além do mais, ela tinha outra preocupação, entregar ao novopastor uma Bíblia de Almeida, em português, que ela recebera doRev. Kidder para entregar ao pastor que viesse substituí-lo. Paracumprir essa tarefa, ela tinha que ser diligente, persistente e confian-te E ela o foi. Quando Junius Newman chegou ao Brasil em 1867,mais de um quarto de século depois, Mary, aquela que combateu obom combate, pôde desincumbir-se de sua missão e entregou a Bí-blia ao seu novo pastor. Essa Bíblia, que depois foi entregue porNewman ao Rev. Hugh C. Tucker, se encontra hoje no Museu danossa Faculdade de Teologia em São Paulo.

Mary Walker, que poderia ser considerada mãe do metodismobrasileiro, é o elo perdido entre as duas fases de nossa história. Deusseja louvado porque Mary Walker iniciou um caminho sobremodo exce-lente, que tem sido fielmente seguido por milhares de mulheres metodistasque estão no seu dia-a-dia, na igreja, no lar e em todas as trincheiras davida moderna, mantendo acesa, bem alta e forte, a chama do metodismo.

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Mulheres de Vila IsabelA história da Igreja Metodista de Vila Isabel, desde o seu

início, é o relato de homens e mulheres que consagraram suas vidasao trabalho de Cristo. O Bispo Sante Uberto Barbieri bem poderiaestar pensando neles ao escrever o texto que se segue: “Na verdade,não podemos entender o movimento metodista sem levar em consi-deração a obra efetiva de tantos que trabalharam em posições secun-dárias e sem ordenação eclesiástica de nenhuma espécie, mas quereceberam, sem dar margem à dúvida, a ordenação invisível do Espí-rito Santo. Porque levar a cabo a obra de Cristo não depende deordenação humana e sim de uma paixão por Cristo e seu Evangelho”.

Há mulheres muito importantes naquela história. Seria fasti-dioso citá-las todas, mesmo porque de muitas delas não ficaramregistros adequados. Elas amaram a igreja e dedicaram sua vida a elamas o tempo, e a falta de uma visão histórica e de registros, asdeixou no anonimato, da mesma forma como, na própria Bíblia, nãose encontra a história de muita gente que estava ao lado de Jesus emsuas peregrinações nos ásperos caminhos da Galiléia. Algumas, noentanto, a história registrou e vamos mencioná-las aqui como home-nagem neste Dia Internacional da Mulher.

A igreja começou na casa de Ana Pereira de Souza Duarte, nonúmero 96 do chamado Boulevard. Foi na sala da frente daquelesobradinho que, em 15 de junho de 1902, foi fundada a nossa igreja.Maria Gomes de Oliveira, a avó da saudosa Dona Ondina Franco, é umadaquelas valorosas mulheres. Foi dedicada e fiel e a primeira presidentede nossa Sociedade de Mulheres, fundada em 1902. De suas fundado-ras, só três nomes ficaram conhecidos, o dela e os de Rosa Soares,mulher de Antônio Soares, e Maria Gonçalves, respectivamente, mãesde Elyas Soares e Almeirinda Soares. Eram portanto as avós de Alice,minha mulher, e bisavós de meus filhos. Outras mulheres enriqueceramdepois essa galeria de verdadeiras heroínas da fé. Diná Dias Alves, mãede Pedro Américo e sogra de Alice Dias Alves, Filismina Bento, a evangelistaque convidou o casal Duarte, José e Isaura, pais da saudosa Alzira Duarte,para virem à igreja, isto no ano de 1917. Vieram, viram e gostaram eaqui ficaram até que Deus os chamasse ao lar.

Há uma história muito bonita que envolveu, no início dos anos20 do século passado as mulheres de nossa igreja. O sonho do novotemplo as envolveu em trabalhosas campanhas para angariar fundospara a construção. Elas faziam doces e salgadinhos que vinham vender,

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todos os dias, fizesse sol ou chuva, no local estratégico que era a calçadade nosso terreno. Algumas aventuravam-se a vendê-los na esquina de28 de Setembro com Souza Franco, que, na época, era chamada de“Ponto do Cem Réis”, isto é um ponto de seção, onde as pessoas, paraeconomizar um tostão, assim se chamada a moeda de cem réis, desciamdos bondes, mesmo quando iam para as proximidades da Praça Sete,hoje chamada Barão de Drummond, e completavam o percurso a pé.

A compra do nosso terreno, adquirido da Cia. de Carris, Luz eForça, a Light”, foi um verdadeira epopéia. Foi muita visão daquelegrupo de membros, pobres e humildes, mas que queriam o melhorpara a igreja. Pois bem, quando se planejavam os “finalmentes”, istoé, a construção do templo, a “Light” se arrependeu da venda e quiscomprar o terreno de volta. Ofereceu então “um negócio da China”,assim se chamavam os bons negócios na época. Ela receberia o seuterreno de volta, perdoaria o restante da dívida e, em troca, daria àigreja, numa rua lateral, na certa distante da 28 de Setembro, umtemplo pronto. Preocupados com a dívida, os anciãos da igreja esta-va quase topando o negócio. Que só não foi feito porque as mulheresnão deixaram e seu argumento foi decisivo. “O nosso sonho era terum templo na rua principal do bairro. Não se pode abrir mão de umsonho”. E o negócio não foi feito, graças à obstinação e visão dasmulheres de Vila Isabel. A história mostrou que elas estavam com arazão. O nosso templo foi inaugurado e consagrado em agosto de1922. Naquele tempo, para ser consagrado um novo templo, era pre-ciso que não restasse nenhuma dívida da construção.

Naqueles tempos difíceis, muita gente morava longe da Igre-ja e os deslocamentos não eram fáceis como hoje. E havia ainda afalta de recursos porque as pessoas eram muito pobres. Devemoscitar aqui, em homenagem às mulheres daquela geração, o sacrifícioque as que residiam em Vila Isabel faziam para receber com almoçoas pessoas que moravam longe e que assim, passavam a tarde naigreja ou em visitação para poderem participar do culto da noite e, sódepois dele, voltavam às suas casas. A saudosa Alzira Duarte relatavaesses almoços amorosos na casa de seus pais José e Isaura.

Gastaríamos páginas e mais páginas só para mencionar a le-gião de heroínas que nossa igreja teve. Vamos mencionar algumas,pedindo perdão pela omissão de outras já que as informações sãopoucas. Na nossa escola paroquial, destacamos sua primeira profes-sora, Amélia Anders, bem como Eunice Corrêa Dias, que foi sua diretoramuitos anos, e as professoras Ondina Franco, Cladyr Oliveira de Cas-

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tro, Nair Pinto, Maria Carolina de Araújo, Antônia e Adair Ventura.Uma das professoras, a única sobrevivente, foi Alice Dias Alves.

Outras mulheres se destacaram muito em nossa igreja, comoLaurinda Soares, nossa primeira organista, Araci Nery Gonçalves, LauraLobo Carneiro Monteiro, Wanda Torres, Nice Daltro Santos, LetíciaPantaleão, a criadora do Dia do Pastor Aposentado, Georgina Silveira,Santa Clara de Moraes, Albertina Pimenta, Celina, Ismênia Campante,Norma Nunes e muitas outras que merecem o nosso respeito e anossa gratidão.

Um capítulo especial reservamos para outra mulher de VilaIsabel, Ana da Conceição Gonzaga, aquela que foi fiel no muito edeixou uma obra imorredoura.

Anna da Conceição Gonzaga

Não se pode falar de Ana Gonzaga sem falar, ao mesmo tem-po, de sua amiga Layona Glenn, uma missionária da Igreja Metodistaamericana, aqui chegada no final do século XIX e que prestou rele-vantes serviços ao Brasil, tendo recebido do nosso Governo sua maisalta condecoração, a Ordem do Cruzeiro do Sul. Sobre a amizade quejuntou essas duas mulheres, a própria Layona Glenn testemunhou:“Raras vezes acontece que duas pessoas estranhas que se encontramnos anos avançados da vida, sintam-se mútua e irresistivelmente atra-ídas e formem uma amizade sincera, inabalável e duradoura”. Elafalava de seu primeiro encontro com Anna Gonzaga. Esta tinha 66anos e Layona, 61.

Um dos sonhos de Layona era um orfanato, uma instituiçãopara abrigar crianças órfãs ou carentes. Conseguindo aprovação desuas idéias, mas sem recurso financeiro de nenhuma espécie, coubea ela o encargo de liderar o projeto e arrecadar recursos para a obra.Isto ocorreu em 1927, quando ela dirigia a escola do Instituto Centraldo Povo, no Rio de Janeiro. Como ela mesmo declarou, “poucas pes-soas mostravam-se interessadas no projeto”. A primeira oferta foi doDr. Antenor Dias, dentista que trabalhou com muita dedicação, pormais de 30 anos, no Instituto Central do Povo. O valor dessa doaçãofoi de 500$000, isto é, na moeda da época, quinhentos mil réis.

Outro grande amigo do projeto era o Rev. Osório Caire, queera, pastor da Igreja Metodista de Vila Isabel. Quando em visita aoInstituto Central do Povo (ICP), Layona Glenn lhe falou da ofertarecebida, cujo valor era bem razoável. Entusiasmado, o Rev. Osório

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disse a Layona que gostaria de apresentar a ela uma senhora membrode sua igreja, que era crente fervorosa, caritativa e bem abastada.“Creio eu” – disse-lhe ele – “que ela será capaz de lhe dar outro tanto”.Combinaram então que, no dia seguinte, ele a acompanharia à casa deAnna da Conceição Gonzaga, que morava no bairro da Tijuca.

Caminhando para a visita, o Rev. Osório lhe aconselhou a nãofazer qualquer pedido direto mas que apenas lhe apresentasse osseus planos. Se ela fosse simpática à idéia, haveria de ofertar o quan-to quisesse. Sábio conselho aquele porque, nem de leve, ninguémpoderia sequer imaginar o tamanho do coração de Anna da Concei-ção Gonzaga.

Apesar de ser uma mulher de recursos, vivia simplesmenteno bairro da Tijuca, numa casa de vila que tinha um pequeno jardime, no muro, uma trepadeira corona regina, que cobria as pedras comuma profusão de flores cor de rosa. Como disse Layona Glenn, “vio-letas e amores-perfeitos ladeavam o caminho de cimento que ia doportão de entrada à porta da casa. As duas flores definiam certamen-te o caráter de Anna. A violeta, pela humildade, e o amor-perfeito,que era exatamente o tipo de amor que ela nutria pelas pessoas”.

Ao apresentar com muita singeleza os planos e mostrar umálbum de fotografias de alguns orfanatos da Igreja Metodista nos Esta-dos Unidos, os visitantes foram surpreendidos com uma pergunta feitapor Anna Gonzaga: “A senhora conhece minha fazenda em Inhoaíba?”A visitante respondeu que conhecia apenas de vista.

– “Pois bem” – continuou ela – “não acha que seria um bomlugar para um orfanato?”

Pensando que Dona Anna Gonzaga queria lhe vender a fazen-da para o estabelecimento do orfanato, Layona respondeu:

– “Sem dúvida, Dona Anna, seria muito apropriada mas nãopodemos nem sonhar com uma fazenda tão vasta e de preço tãoelevado”.

– “Não estou falando de preço” – insistiu Dona Anna – estoume referindo à localização”.

Sem poder sequer imaginar sua intenção e receando magoá-la, Layona Glenn lhe respondeu diplomaticamente:

– “Na verdade, Dona Anna, o lugar seria ideal mas nós nemde leve podemos considerar tal coisa, por estar muito além de nossaspossibilidades”.

– “Pois está muito bem” – continuou Anna com naturalidade –“Está muito bem! Vou doar a fazenda de Inhoaíba para o Orfanato”.

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Ao ouvir isto, Layona levou um susto, sem poder acreditar noque ouvira. A expressão do seu rosto era tão forte que Anna Gonzagariu muito e, “muito espontaneamente”, fê-la voltar à realidade com asseguintes palavras:

– Pode crer, Miss Glenn, estou falando sério! Vou doar aoOrfanato minha fazenda de Inhoaíba!”

Os diálogos acima fazem parte da narrativa de Miss Glenn,como era conhecida. O alvo inicial de sua campanha era arranjar 30contos de réis para adquirir um sítio modesto para dar início à obra. Apropriedade doada valia na época muito mais de 1.000 contos deréis, uma verdadeira fortuna.

Anna Gonzaga, que era solteira, estava há muito tempo pre-ocupada com o problema da disposição que deveria dar aos bens queherdara de seus pais. Pouco antes do encontro das duas, ela orandoà noite, ajoelhada, resolvera dar tudo o que possuía a Deus. Comodiz Miss Glenn, “ficou tão impressionada que, levantando-se dos joe-lhos, embora sozinha, exclamou em alta voz: ´Vou dar tudo a Deus,que tudo me deu!´. Continuando, ela declarou aos dois visitantesque estava certa de que era esta a oportunidade que Deus lhe apre-sentava para cumprir a promessa feita naquela noite”.

Apesar da generosa oferta de amor, não foi fácil transformaro sonho em realidade. A burocracia jurídica para a transferência dafazenda demorou muito. Foram necessários alguns anos para a regu-larização da propriedade. Finalmente, as obras começaram, a diretorafoi escolhida pela duas, a professora Amália Andrade, de Juiz de Fora,que deu mais de 20 anos de relevantes serviços à instituição. Final-mente, foi marcada a data da inauguração, 1º de maio de 1932.

Vamos ao relato de Layona Glenn escrito por ela em 1949: “asaúde de D. Anna não permitia que ela fosse a Inhoaíba para tomarparte ativa nos preparativos mas, de dois em dois dias, eu a visitava,relatava sobre os progressos feitos e consultava sobre os próximosplanos. Era interessante ver-se o seu vivo interesse sobre tudo o quese relacionava com o Orfanato. Tomava parte em todos os assuntos ediscutia-os animadamente. Ficou jubilosa quando lhe comunicamosque seria possível ter tudo pronto para a festa de inauguração no dia1º de maio. Ela se comprometia a estar presente às solenidades em-bora insistindo que sua parte no programa devia ser muito modesta,pois não gostava de salientar-se muito”.

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Os desígnios de Deus não são os nossos. Como Moisés, quenão conseguiu concluir a tarefa de levar o povo à Terra prometida,Anna Gonzaga também não viu a realização do seu sonho de amor.Na noite de 14 de março, estando sozinha em sua casa, ela caiu equebrou uma das pernas, ao tentar fechar a porta do seu quarto. Nãopodendo mover-se, gritou por socorro, mas sendo quase onze danoite, ninguém a ouviu. Afinal, batendo com um sapato no chão,uma vizinha ouviu o barulho e foi ver o que era. A demora no seuatendimento foi grande, não só porque não havia telefone como tam-bém porque já era tarde da noite. Finalmente, não se conseguindonenhum médico para atendê-la, foi chamado o Posto de Assistência epara ele foi levada pelas três da madrugada. Não havia médico deplantão e ela ficou deitada sobre uma mesa por muitas horas atéreceber atendimento. Só depois de amanhecer é que se pôde tomaralgumas providências. Depois, foi internada no Hospital Evangélico,onde faleceu depois de quinze dias de horrível sofrimento, exatamenteno dia 1º de abril. Na mesma tarde foi sepultada no cemitério de S.Francisco Xavier, no do Caju, no jazigo de seu pai.

Admitindo-se que seria de sua vontade não adiar a festa, em-bora sob tristeza geral, o Orfanato foi inaugurado no dia previsto, 1ºde maio de 1932 na presença de muitas autoridades da IgrejaMetodista. Em homenagem àquela que fora fiel no muito e que haviadado tudo o que tinha para a realização do seu sonho de amor, o seunome foi dado à instituição.

A exemplo de seu pai, Anna Gonzaga não gostava que tiras-sem o seu retrato. Uma vez, quando insistiram muito para que ela sedeixasse fotografar, ela disse: “o orfanato será o meu retrato”. OInstituto Metodista Ana Gonzaga, nome atual da instituição, é, pois, oretrato de sua grande benfeitora. Essa obra de amor precisa, depoisde 74 anos de preciosos serviços, manter-se afinada com o sonho deAnna da Conceição Gonzaga, para que o seu “retrato” continue claro,bonito, acolhedor, cumprindo bem as funções para as quais foi idea-lizado. Essa será, sem dúvida, a melhor homenagem que a IgrejaMetodista e nós, seus membros, podemos fazer em honra de AnnaGonzaga. Ela foi realmente a mulher que foi fiel no muito. Nossasatitudes, como cristãos e como igreja/instituição, devem aprimoraraquele retrato, embelezá-lo ainda mais, por ter sido uma doação degrande amor, e não manchá-lo, como muitas pessoas, que não aju-daram a erguer a instituição, estão fazendo.

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Presciliana (Cilana) Dornellas, minha mãe

Quase não se passa um só do-mingo em nossa igreja sem que alguémfale comigo em minha mãe. Mesmo pas-sados 12 anos de sua morte e quase 15de sua mudança, logo depois que papaimorreu, para um apartamento bem pró-ximo da Igreja do Catete, deixando deestar sempre presente no dia-a-dia deVila Isabel, ela continua sendo lembradae os testemunhos que ouço a respeitode sua vida exemplar e de seu amor pe-las pessoas me dão muitas saudades dela. Na realidade, sem ne-nhum exagero de minha parte, ela foi a pessoa mais querida que euconheci.

Algumas pessoas me revelam que estão na Igreja por causados seus amorosos chamados. Outros me falam de seus conselhos eme lembram de suas inspiradas falas. Suas visitas a pessoas enfer-mas e suas orações piedosas são lembradas até hoje. As mulheresme recordam sua atuação no Circulo Esperança de nossa sociedadede mulheres. A Sociedade de Mulheres era uma verdadeira paixãopara ela. Entrou como sócia com menos de 15 anos em Paraíba doSul, onde morava, porque lá não havia sociedade de jovens, muitomenos de juvenis, que só passou a existir muitos anos mais tarde.Foi sócia, portanto, por quase 70 anos. Fundou diversas sociedadesde mulheres e foi presidente de tantas outras. Presidente da Federa-ção por muitos anos, só deixou o cargo em virtude do acidente queteve em 1970. Quando se recuperou totalmente, alguns anos depois,recusou as propostas que muitas mulheres faziam por seu retorno àpresidência mas continuou ativa nos trabalhos da sociedade, sendosempre convidada a repartir suas experiências religiosas.

Minha mãe foi assim, uma verdadeira cristã, uma pessoa queamava ao próximo, mais até do que a si mesma. Foi uma mulher quecaminhou sempre, juntamente com meu pai, a segunda milha da fé.Tinha um coração grande e muito orgulho de ser Metodista. Mulherde pastor, colaborava xom ele em tudo e, mesmo de maneira discretae silenciosa, ajudou-o a resolver problemas difíceis que apareciam eque precisavam de uma mulher discreta, e de confiança e com muita

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sabedoria. E nunca reclamou das injustiças, das incompreensões davida de uma mulher de pastor. Ela ensinou a seus filhos a sacralidadedo trabalho do pai, que trabalhava diretamente para Deus e não paraos homens.

Sofreu muita em sua vida por causa de sua saúde. Ter chega-do aos 82 anos, que ninguém acreditava ser possível, já que elapassou, somando os tempos de internação, uns quatro anos de suavida em hospitais, foi uma bênção para nós. Nunca ninguém a ouviufazer qualquer reclamação. Atropelada por um ônibus, teve fraturasexpostas e teve que passar meses internada. No meio de tudo, duascirurgias sérias, que nada tinham a ver com o acidente. Quando al-guém lhe perguntava como ia, sua resposta, com aquele sorriso quesempre enfeitava o seu rosto, era a mesma: “Eu vou muito bem,graças a Deus”. Mesmo tendo ficado com uma perna mais curta doque a outra e ter usado bengala durante mais de 20 anos, nada tirousua alegria de viver. Porque ela tinha intimidade com Jesus, a verda-deira alegria dos homens.

Pregadora inspirada, professora de escola dominical, especi-almente para crianças, nunca vi outra igual. Conhecia a Bíblia comoninguém. Conhecia, só, não. Ela vivia a Bíblia em tudo o que fazia.Tinha um talento especial para preparar pessoas para a carreira dafé. Com relação à poesia que lhe fiz por ocasião de minha infância,posso dizer, dando graças a Deus por sua vida, que ela não foi umabênção só para mim mas para centenas de pessoas que foram aben-çoadas por sua fé, por sua dedicação, por seu amor a Cristo e àIgreja, e pelo amor que ela devotava a todos. Tem sido um privilégioter sido filho de mulher tão admirável. Tudo isto foi reconhecido pelaIgreja Metodista. Ela foi a primeira mulher, em nossa Região, a ter oseu nome incluído, juntamente com o papai, na Ordem do MéritoMetodista. Ela realmente mereceu porque viveu vitoriosamente, ten-do sido uma bênção maravilhosa na vida de muita gente.

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“Mulher, grande é a tua fé”

ÍNDICE PÁGINA

Dedicatória1

A minha mãe 1Meu anjo protetor 2

Primeira Introdução - os feministas da família 4

Papai feminista 4Filho também feminista 7Os direitos da mulher 8

Segunda (e última) introdução 8

Mulheres do Antigo Testamento 9Sara, a mulher de Abraão 9Raquel – uma mulher que sofreu de amor 12Tamar, a mulher que foi à luta 15Noemi e Ruth, sogra e nora que se amavam 17

Mulheres do Novo Testamento 20Maria, a doce mãe de Jesus 20Mulher, grande é a tua fé 22A mulher samaritana 25Marta e Maria, ambas escolheram a melhor parte 28

Mulheres do Movimento Metodista 30Suzana, a mãe de João Wesley 30Bárbara Heck, a mãe do metodismo americano 33Mary Walker – a heroína brasileira 35Mulheres de Vila Isabel 37Anna da Conceição Gonzaga 39Presciliana (Cilana) Dornellas, minha mãe 43