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1 JOÃO ESCOTO ERIÚGENA Os cinco modos de ser e não-ser e a natureza comum «Mestre Pensando muitas vezes e estudando com a maior diligência que posso a primeira e suprema divisão de todas as coisas que, ou estão ao alcance de nossa mente, ou a superam as coisas que são e as que não são , veio-me à mente, como termo geral para designá-las, o grego physis e o latim natura. […] M Ficamos então de acordo que o nome de natureza é o nome geral tanto para as coisas que são como para as que não são? D Sim, pois nada pode apresentar-se ao nosso pensamento a que não possa aplicar-se este nome. MJá que estamos de acordo que este termo é geral, diz-me, te rogo, como se faz a divisão em espécies e por diferenças: ou, se preferes, procurarei eu fazer tal divisão e tu darás depois tua opinião a respeito. […] M Penso que a divisão da natureza se faz por quatro diferenças em quatro espécies: a primeira é a divisão em natureza que cria e não é criada; a segunda, na que é criada e cria; a terceira, na que é criada e não cria; a quarta, na que não cria e não é criada. Mas nestas quatro há dois pares de opostos: a terceira se opõe à primeira, e a quarta à segunda; porém, a quarta fica relegada ao mundo dos impossíveis, visto que é de sua essência o não poder ser [sed quarta inter impossibilia ponitur, cuius esse est non posse esse]. […] D Percebo-as claramente. Porém, deixa-me muito perplexo a quarta espécie que introduziste. Das outras três não me atreveria a apresentar qualquer dúvida, já que na primeira está designada, se não me engano, a causa de tudo quanto existe e de que não existe; na segunda, as causas primordiais; na terceira, aquelas coisas que se manifestam através de geração no tempo e no espaço. Por isso, penso que é necessário partir para uma discussão mais detalhada de cada espécie. […] M Que assim seja. Antes, porém, creio que devemos dizer umas palavras a respeito desta que chamamos a divisão suprema e principal de todas, a saber, a divisão entre as coisas que são e as que não são. […] M Pois bem, esta diferença fundamental que separa todas as coisas requer cinco modos de interpretação. O primeiro parece ser aquele pelo qual a razão nos persuade de que todas as coisas que caem sob a percepção dos sentidos corporais ou da inteligência se dizem com verdade e racionalmente que são e, ao contrário, as que pela excelência de sua natureza escapam à percepção não só de todo o sentido, mas de todo entendimento e razão, parecem com razão que não são, o que não tem recta interpretação senão só em Deus e nas razões e essências de todas as coisas por ele criadas. E com razão, pois, como diz Dionísio Areopagita, aquele, que é o único que verdadeiramente é, é a essência de todas as coisas, “pois – diz ele o ser de todas as coisas é a divindade que está sobre o ser”.[…] Seja o segundo modo de ser e não-ser o que se percebe nas ordens e diferenças das naturezas criadas. Por um maravilhoso modo de entender as coisas, cada ordem, incluindo a que ocupa o grau ínfimo que é o dos corpos, no qual chega a seu termo toda a divisão pode-se dizer que é e que não é. Com efeito a afirmação do inferior é a negação do superior e, do mesmo modo, a negação do inferior é a afirmação do superior e vice-versa, a afirmação do superior é a negação do inferior, e a negação do superior é a afirmação do inferior. E assim a afirmação do homem, ainda mortal, é a negação do anjo, e a negação do homem é a afirmação do anjo, e vice-versa. […] O terceiro modo pode justamente ser visto nas coisas que constituem a plenitude deste mundo visível, e nas causas que as precedem no seio [sinibus] mais secreto da natureza. Com efeito, a tudo o que se conhece como procedendo destas causas por via de geração na matéria e na forma, no tempo e no lugar, chama-se “ser”, em virtude de uma convenção da linguagem humana. Em contrapartida, a tudo o que está ainda pré-contido nesse seio da natureza e que não aparece, nem na forma ou matéria, nem no lugar ou tempo, nem em nenhum dos outros acidentes, chama-se, em virtude da mesma convenção de linguagem humana, “não ser”. […] O quarto modo é o que, com grande verossimilhança no pensar dos filósofos, declara que tão somente são, no sentido verdadeiro, as coisas que são compreendidas só pelo entendimento, enquanto que aquelas que sofrem mudanças na geração, se unem e se separam através das expansões e contrações da matéria e dos intervalos de espaço e tempo, diz-se que não são em sentido verdadeiro, como é o caso de todos os corpos que estão sujeitos ao nascer e ao perecer. O quinto modo é o que a razão contempla somente na natureza humana, a qual, ao abandonar pelo pecado a dignidade da imagem divina em que com toda propriedade subsistiu, merecidamente perdei o ser, e por isso se diz que não é; enquanto que, uma vez restaurada pela graça do unigénito de Deus, foi reconduzida ao estado primitivo de sua substância, na qual foi criada à imagem de Deus, começou a ser e inicia a vida no referido estado […].» JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, De divisione naturae I, 441a-445c (adaptação nossa da tradução de DE BONI, Luis Alberto, “A Divisão da Natureza”, Filosofia Medieval Textos, Porto Alegre Edipucrs, 2000, p. 75-83, pp. 72-76).

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JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

Os cinco modos de ser e não-ser e a natureza comum «Mestre – Pensando muitas vezes e estudando com a maior diligência que posso a primeira e suprema

divisão de todas as coisas que, ou estão ao alcance de nossa mente, ou a superam – as coisas que são e as

que não são –, veio-me à mente, como termo geral para designá-las, o grego physis e o latim natura. […]

M – Ficamos então de acordo que o nome de natureza é o nome geral tanto para as coisas que são como

para as que não são?

D – Sim, pois nada pode apresentar-se ao nosso pensamento a que não possa aplicar-se este nome.

M– Já que estamos de acordo que este termo é geral, diz-me, te rogo, como se faz a divisão em espécies e

por diferenças: ou, se preferes, procurarei eu fazer tal divisão e tu darás depois tua opinião a respeito. […]

M – Penso que a divisão da natureza se faz por quatro diferenças em quatro espécies: a primeira é a divisão

em natureza que cria e não é criada; a segunda, na que é criada e cria; a terceira, na que é criada e não cria;

a quarta, na que não cria e não é criada. Mas nestas quatro há dois pares de opostos: a terceira se opõe à

primeira, e a quarta à segunda; porém, a quarta fica relegada ao mundo dos impossíveis, visto que é de sua

essência o não poder ser [sed quarta inter impossibilia ponitur, cuius esse est non posse esse]. […]

D – Percebo-as claramente. Porém, deixa-me muito perplexo a quarta espécie que introduziste. Das outras

três não me atreveria a apresentar qualquer dúvida, já que na primeira está designada, se não me engano, a

causa de tudo quanto existe e de que não existe; na segunda, as causas primordiais; na terceira, aquelas

coisas que se manifestam através de geração no tempo e no espaço. Por isso, penso que é necessário partir

para uma discussão mais detalhada de cada espécie. […]

M – Que assim seja. Antes, porém, creio que devemos dizer umas palavras a respeito desta que chamamos

a divisão suprema e principal de todas, a saber, a divisão entre as coisas que são e as que não são. […]

M – Pois bem, esta diferença fundamental que separa todas as coisas requer cinco modos de interpretação.

O primeiro parece ser aquele pelo qual a razão nos persuade de que todas as coisas que caem sob a percepção

dos sentidos corporais ou da inteligência se dizem com verdade e racionalmente que são e, ao contrário, as

que pela excelência de sua natureza escapam à percepção não só de todo o sentido, mas de todo

entendimento e razão, parecem com razão que não são, o que não tem recta interpretação senão só em Deus

e nas razões e essências de todas as coisas por ele criadas. E com razão, pois, como diz Dionísio Areopagita,

aquele, que é o único que verdadeiramente é, é a essência de todas as coisas, “pois – diz ele – o ser de todas

as coisas é a divindade que está sobre o ser”.[…]

Seja o segundo modo de ser e não-ser o que se percebe nas ordens e diferenças das naturezas criadas. Por

um maravilhoso modo de entender as coisas, cada ordem, incluindo a que ocupa o grau ínfimo – que é o

dos corpos, no qual chega a seu termo toda a divisão – pode-se dizer que é e que não é. Com efeito a

afirmação do inferior é a negação do superior e, do mesmo modo, a negação do inferior é a afirmação do

superior e vice-versa, a afirmação do superior é a negação do inferior, e a negação do superior é a afirmação

do inferior. E assim a afirmação do homem, ainda mortal, é a negação do anjo, e a negação do homem é a

afirmação do anjo, e vice-versa. […]

O terceiro modo pode justamente ser visto nas coisas que constituem a plenitude deste mundo visível, e nas

causas que as precedem no seio [sinibus] mais secreto da natureza. Com efeito, a tudo o que se conhece

como procedendo destas causas por via de geração na matéria e na forma, no tempo e no lugar, chama-se

“ser”, em virtude de uma convenção da linguagem humana. Em contrapartida, a tudo o que está ainda

pré-contido nesse seio da natureza e que não aparece, nem na forma ou matéria, nem no lugar ou tempo,

nem em nenhum dos outros acidentes, chama-se, em virtude da mesma convenção de linguagem humana,

“não ser”. […]

O quarto modo é o que, com grande verossimilhança no pensar dos filósofos, declara que tão somente são,

no sentido verdadeiro, as coisas que são compreendidas só pelo entendimento, enquanto que aquelas que

sofrem mudanças na geração, se unem e se separam através das expansões e contrações da matéria e dos

intervalos de espaço e tempo, diz-se que não são em sentido verdadeiro, como é o caso de todos os corpos

que estão sujeitos ao nascer e ao perecer.

O quinto modo é o que a razão contempla somente na natureza humana, a qual, ao abandonar pelo pecado

a dignidade da imagem divina em que com toda propriedade subsistiu, merecidamente perdei o ser, e por

isso se diz que não é; enquanto que, uma vez restaurada pela graça do unigénito de Deus, foi reconduzida

ao estado primitivo de sua substância, na qual foi criada à imagem de Deus, começou a ser e inicia a vida

no referido estado […].» JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, De divisione naturae I, 441a-445c (adaptação

nossa da tradução de DE BONI, Luis Alberto, “A Divisão da Natureza”, Filosofia Medieval – Textos, Porto

Alegre Edipucrs, 2000, p. 75-83, pp. 72-76).

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JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

A DIALÉCTICA A disciplina da dialéctica está dividida em duas partes: a e a A possui

o poder da divisão, divide, de cima para baixo, a unidade dos géneros superiores até chegar às espécies

individuais, que põem termo a essa divisão. Encontradas as divisões das partes, a , pelo

contrário, começando pelos indivíduos que recolhe e unifica, ascende pelos mesmos patamares que a

desceu, reconduzindo tudo à unidade dos géneros mais superiores. Por isso, diz-se redutiva ou

restitutiva. JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, Expositiones in Ierarchiam Coelestem, 184c-185a.

JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

A UNIDADE DA 1ª E DA 4ª NATUREZA «Mestre: Estabelecemos já a divisão quadriforme da natureza universal, que compreende Deus e a criatura.

A primeira espécie [species] da natureza universal é aquela que considera e distingue a natureza criadora e

não criada, a segunda é aquela que considera e distingue a natureza criada e criadora, a terceira é aquela

que considera e distingue a natureza criada e não criadora, e a quarta é aquela que considera e distingue a

natureza que nem é criada nem criadora. A primeira e a quarta formas podem apenas ser predicadas de

Deus; não que a sua natureza possa ser dividida, visto que é simples e mais do que simples; mas pode ser

entendida segundo dois modos de contemplação. Pois, quando considero que esta mesma natureza divina

é o princípio e a causa de todas as coisas, a verdadeira razão convence-me de que a essência ou a substância

divina, a bondade, a virtude, a sabedoria e as outras coisas que se podem predicar de Deus não foram criadas

por ninguém, porque nada de superior precede a natureza divina; mas, todas as coisas – aquelas que são e

aquelas que não são – foram criadas a partir dela, por ela, nela e para ela. Quando, no entanto, considero

essa mesma natureza como fim e término intransponível de todas as coisas, pela qual todas as coisas têm

apetite [appetunt] e na qual todas as coisas encontram o limite do seu movimento natural, percebo que essa

natureza divina, nem é criada, nem criadora. Com efeito, esta natureza, que é de si própria [a seipsa], não

pode ser criada por ninguém, nem cria coisa alguma. Na verdade, quando todas as coisas que procederam

[processerunt] da natureza divina por geração inteligível ou sensível, regressarem a ela por uma

regeneração miraculosa e inefável, e todas as coisas tenham encontrado repouso nela, então, nada de ulterior

fluirá a partir [profluet] dela por geração, diz-se então que nada criará. Com efeito, que criará a natureza

divina, quando a própria natureza divina for tudo em todas as coisas e em nenhuma das coisas aparecer

senão ela própria.» JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, De divisione naturae V, 1019a-1019c.

JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

A UNIDADE DA NATUREZA CRIADORA E CRIADA Ora, se Deus e a criatura são dois, eles devem proceder necessariamente de um. Mas, se Deus não procede

de nenhum princípio, enquanto que a criatura procede de Deus, um provirá de outro, e eles não serão iguais

entre si. Pois, uma unidade não pode gerar outra unidade igual a si. Mas, se a criatura procede de Deus,

Deus será então a causa e a criatura será o efeito. Se, no entanto, o efeito não é senão a sua causa criada,

podemos, então, deduzir que Deus se cria nos seus efeitos. Ora, nada do que procede da causa nos seus

efeitos pode ser estranho a esta causa, tal como no calor e na luz nada mais irrompe do que a própria força

ígnea. JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, De divisione naturae III, 687c.

Segue-se que não devemos entender Deus e a criatura como duas realidades distintas uma da outra, mas

como uma e a mesma. Pois, a criatura subsiste em Deus e Deus cria-se na criatura de um modo maravilhoso

e inefável, manifestando-se a si próprio; o Deus invisível torna-se, então, visível e o Deus incompreensível

torna-se compreensível, o abscôndito revelado, o incognoscível cognoscível, o desprovido de forma e de

espécie torna-se formoso e especioso, o supra-essencial essencial, o sobrenatural natural, o simples

composto, o desprovido de acidentes torna-se sujeito de acidentes e no próprio acidente, o infinito finito, o

incircunscrito circunscrito, o supra-temporal temporal, o Deus que subsiste para lá do lugar torna-se local,

o Deus criador de todas as coisas torna-se criado em todas as coisas, e o Deus que faz todas as coisas torna-

se feito em todas as coisas, e o eterno começa a existir, e o imóvel começa a mover-se e todas as coisas, e

Deus torna-se tudo em tudo. JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, De divisione naturae III, 678c.

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JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

Os cinco modos de ser e não-ser

Modos ser não-ser

1º O inteligível e o sensível O que escapa à inteligência e aos

sentidos

2º O próprio A alteridade

3º Acto Potência

4º Inteligível Sensível

5º Natureza humana perfeita Imperfeição da natureza humana

JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

As divisões da natureza

NÃO CRIADA

CRIADA

CRIADORA

1. Natureza que cria e

não é criada.

DEUS

(CAUSA EFICIENTE)

2. Natureza que cria e é

criada.

CAUSAS

PRIMORDIAIS

NÃO CRIADORA

4. Natureza que não cria

e não é criada

DEUS

(CAUSA FINAL)

3. Natureza que não cria e

é criada.

CRIAÇÃO

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JOÃO ESCOTO ERIÚGENA

O círculo neoplatónico da processão-retorno

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INTRODUÇÃO

João Escoto Eriúgena nasceu na Irlanda (Eire, daí Erígena ou Eriúgena), entre 800

e 810. Em 846-7 entra para a corte, itinerante, de Carlos o Calvo, onde tem

funções de mestre de artes liberais na escola palatina.

Tradutor de padres gregos, entre 862 e 866: corpus completo de Dionísio pseudo-

Areopagita, Ambigua eQuestiones ad Thalassium de Máximo o Confessor, De

hominis opificio de Gergório de Nissa.

Compõe o Periphyseon (também conhecido como De divisione naturae) entre 864

e 866. Trata-se de um vasto tratado em cinco livros de diálogo entre um Mestre

(Nutritor) e o seu discípulo (Alumnus). A obra é considerada o primeiro grande

sistema metafísico escrito na Idade Média latina.

Schopenhauer e Hegel haverão de demonstrar profundo entusiasmo pela filosofia

de Eriúgena. A edição em 1838 na Alemanha de De divisione naturae conduz a

uma forte disseminação do seu pensamento.

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COMENTÁRIO DE TEXTO

IDEALISMO

«Mestre – Pensando muitas vezes e estudando com a maior diligência que

posso a primeira e suprema divisão de todas as coisas que, ou estão ao alcance de

nossa mente, ou a superam – as coisas que são e as que não são –, veio-me à

mente, como termo geral para designá-las, o grego physis e o latim natura. […]

Eriúgena parece aqui subordinar o ser ao pensamento.

A divisão entre ser e não ser funda-se apenas nas capacidades da mente

[animus] humana:

- ser: o que a mente alcança;

- não ser: o que a mente não alcança.

Para Eriúgena, o a dialéctica do ser e não ser é compreendida nos termos da

dialéctica do conhecimento e da ignorância.

A cosmologia eriugeniana vê-se assim confinada à perspectiva humana: tese

profundamente inovadora e ousada para o seu tempo.

A sua metafísica acolhe assim um carácter idealista que preconiza o pensamento

hegeliano.

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SER E NÃO SER

Pensando muitas vezes e estudando com a maior diligência que posso a primeira e

suprema divisão de todas as coisas que, ou estão ao alcance de nossa mente, ou

a superam – as coisas que são e as que não são […].

M – Que assim seja. Antes, porém, creio que devemos dizer umas palavras a

respeito desta que chamamos a divisão suprema e principal de todas, a saber, a

divisão entre as coisas que são e as que não são. […]

Eriúgena ocupa-se não apenas de uma ontologia (ciência do ente: particípio

presente do verbo ser), mas de uma ontologia a par de uma meontologia (me: não

em grego).

Eriúgena não só acolhe o não ser como alvo do seu pensamento, transbordando

assim os limites da ontologia,

… como torna a distinção entre ser e não ser relativa de diversas perspectivas.

O ser não é por conseguinte o fundamento (ou o elemento base) da sua

metafísica.

M – Pois bem, esta diferença fundamental que separa todas as coisas [as que são

das que nãos são ] requer cinco modos de interpretação [interpretationis modos].

Eriúgena oferece várias vias de ler a distinção entre o ser e o não ser, às quais

chama modi, modo de ser e não ser.

________

O primeiro parece ser aquele pelo qual a razão nos persuade de que todas as

coisas que caem sob a percepção dos sentidos corporais ou da inteligência se

dizem com verdade e racionalmente que são e, ao contrário, as que pela excelência

de sua natureza escapam à percepção não só de todo o sentido, mas de todo

entendimento e razão, parecem com razão que não são, o que não tem recta

interpretação senão só em Deus e nas razões e essências de todas as coisas por ele

criadas. E com razão, pois, como diz Dionísio Areopagita, aquele, que é o único

que verdadeiramente é, é a essência de todas as coisas, “pois – diz ele – o ser de

todas as coisas é a divindade que está sobre o ser”.[…]

Primeiro modo. Este modo distingue ser e não ser, como as coisas que são

compreensíveis para os sentidos e para o intelecto, e as coisas que estão para lá de

todo o entendimento humano.

Ser - aquilo que é percebido pelos sentidos corpóreos ou pela inteligência: como

tudo quanto é criado.

Não ser – aquilo que está para lá de todos os sentidos, ou inteligência

(entendimento e razão): como Deus e as essências.

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As próprias essências das coisas são não ser porque escapam à razão. Escapam

à razão porque são o próprio Divino: Deus é a essência de todas as coisas.

(Pseudo-Dionísio).

Não ser não significa aqui privação de ser mas superioridade (ou excelência)

relativamente ao ser ou às capacidades cognitivas humanas: aquilo que “pela

excelência de sua natureza escapam à percepção”.

Esta distinção assenta uma vez mais na razão: “a própria mente persuade que

algo é e que algo não é” .

Denota-se aqui uma primazia do que é percebido pela percepção humana:

Ser: o que a razão humana percebe.

Não ser: o que a razão humana não alcança.

O ser é portanto determinado por um critério epistemológico.

Este modo de distinção alinha-se com o espírito do neoplatonismo:

- Aquilo que é é alcançável pelo pensamento.

- Deus não é alcançável pelo pensamento e portanto não é.

“O mesmo é ser e pensar” O fr. 3 de Parménides é apropriado por Plotino e legado

a toda a linhagem do Neoplatonismo.

________

Seja o segundo modo de ser e não-ser o que se percebe nas ordens e diferenças

das naturezas criadas. Por um maravilhoso modo de entender as coisas, cada

ordem, incluindo a que ocupa o grau ínfimo – que é o dos corpos, no qual chega

a seu termo toda a divisão – pode-se dizer que é e que não é. Com efeito a

afirmação do inferior é a negação do superior e, do mesmo modo, a negação do

inferior é a afirmação do superior e vice-versa, a afirmação do superior é a negação

do inferior, e a negação do superior é a afirmação do inferior. E assim a afirmação

do homem, ainda mortal, é a negação do anjo, e a negação do homem é a afirmação

do anjo, e vice-versa. […] Esta é, pois, outra razão, pela qual toda a ordem racional

ou intelectual se diz que é e que não é: é, enquanto é conhecida pelas ordens

superiores ou por si mesma: não é, enquanto não se deixa compreender pelas

inferiores.

O segundo modo de ser e não ser deixa-se ver “nas ordens e diferenças das

naturezas criadas”.

Este modo de divisão, supõe uma visão hierarquizada do cosmos (compartilhada

com o neoplatonismo).

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O cosmos neoplatónico organiza-se segundo graus ontológicos (do corpo ao

anjo).

Se de um dos graus ontológicos se diz que é, dos superiores e dos inferiores diz-

se que não são.

Este modo de divisão aplica-se apenas ao ser criado. Ser e não ser aplica-se no

âmbito das ordens hierárquicas do cosmos criado.

O universo criado comporta assim ser e não ser. Tudo é e não é. Tudo é aquilo

que é e não é aquilo que não é.

Esta tese traz consigo a relatividade (ou perspectivismo) do ser. Uma coisa é e

não é dependendo do ponto de vista ou perspectiva dentro da escala ontológica que

se adopta: ou seja, cada ordem do ser é e não é, dependendo do grau ontológico a

partir do qual se perspectiva.

E neste sentido o totalmente nada (omnino nihil) ou Deus pode dizer-se para além

do ser e do não ser.

Este modo de divisão é tipicamente neoplatónico: pois parte de uma concepção

hierarquizada dos cosmos, ordenada do mais elevado ao mais ínfimo grau.

No entanto, a hierarquia eriugeniana distancia-se da hierarquia neoplatónica

onde cada grau contém e produz o grau imediatamente inferior. Neste caso, o

grau superior é sempre mais real do que o inferior (e o grau inferior não negaria o

grau superior mas afirmá-lo-ia). Ora, neste contexto específico da filosofia

eriugeniana, o grau inferior (quando afirmado) nega o superior. O que Eriúgena

faz é estender o procedimento da teologia negativa a todo o cosmos (não

apenas a Deus).

A hierarquia eriugeniana em vez de sublinhar o encadeamento de todos os

seres (à maneira neoplatónica) parece aqui sublinhar a diferença radical de um

por oposição a todos os outros, desenvolvendo-se assim numa dinâmica

dialéctica de ser e não-ser.

Uma vez mais, o ser é relativo do ser conhecido: a ontologia torna-se

dependente do enquadramento epistemológico daquele que assume a

perspectiva.

________

O terceiro modo pode justamente ser visto nas coisas que constituem a plenitude

deste mundo visível, e nas causas que as precedem no seio [sinibus] mais secreto

da natureza. Com efeito, a tudo o que se conhece como procedendo destas causas

por via de geração na matéria e na forma, no tempo e no lugar, chama-se “ser”,

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em virtude de uma convenção da linguagem humana. Em contrapartida, a tudo o

que está ainda pré-contido nesse seio da natureza e que não aparece, nem na

forma ou matéria, nem no lugar ou tempo, nem em nenhum dos outros acidentes,

chama-se, em virtude da mesma convenção de linguagem humana, “não ser”. […]

O terceiro modo de divisão do ser e do não ser fundamenta-se na distinção entre

acto (ou coisa em acto) e potência (coisa em potência).

Ser – coisas em acto, as coisas que existem são, a natureza visível, o que aparece;

Não ser – coisas em potência, as coisas que ainda não existem não são, as causas

da natureza, o que está ainda escondido na sua causa, o que ainda não aparece.

Esta divisão assenta numa convenção humana (humana consuetudine)

Sinus (in secretis sinibus naturae). Sinus (sinuosidade): a dobra a partir da qual

se desdobra o ser. (o seio – sinuosidade, curva – ventre, coração, o lugar

recôndito, mas fecundo de onde emerge tudo quanto é).

O que está nesse seio, não é (potência).

O efeito que a causa não produziu, está em potência na causa (no seio da causa)

e ainda não é.

As causas, neste contexto, parecem não existir. Apenas o que procede no tempo

e no espaço, na forma e na matéria, existe: logo, apenas a natureza sensível

existe.

A natureza humana, se não se materializar no tempo e no espaço, não existe.

Existir é manifestar-se (aparecer).

A causa que não procede no tempo e no espaço não existe.

________

O quarto modo é o que, com grande verossimilhança no pensar dos filósofos,

declara que tão somente são, no sentido verdadeiro, as coisas que são

compreendidas só pelo entendimento, enquanto que aquelas que sofrem

mudanças na geração, se unem e se separam através das expansões e contrações

da matéria e dos intervalos de espaço e tempo, diz-se que não são em sentido

verdadeiro, como é o caso de todos os corpos que estão sujeitos ao nascer e ao

perecer.

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O quarto modo de divisão entre ser e não ser é profundamente platónico. De facto

Eriúgena associa-o ao “pensamento dos filósofos”.

Ser – apenas as coisas compreendidas pelo entendimento (portanto, as coisas

inteligíveis), coisas imutáveis.

Não ser – as coisas que envolvem mudança (ou talvez aquelas que seja apenas

acessíveis através dos sentidos), aquelas que são, por conseguinte, temporais.

Nesta cisão entre o mundo temporal e o mundo eterno, denota-se um pendor

agostiniano.

Este modo inverte o primeiro modo: Deus é, o mundo não é.

Denota-se aqui o idealismo eriugeniano: o ser é chamado ideias, ou o que é

contemplado pelo entendimento.

Segundo este modo, pois, o ser das coisas é ser conhecido pelo entendimento.

________

O quinto modo é o que a razão contempla somente na natureza humana, a qual,

ao abandonar pelo pecado a dignidade da imagem divina em que com toda

propriedade subsistiu, merecidamente perde o ser, e por isso se diz que não é;

enquanto que, uma vez restaurada pela graça do unigénito de Deus, foi

reconduzida ao estado primitivo de sua substância, na qual foi criada à imagem de

Deus, começou a ser e inicia a vida no referido estado […].»

O quinto modo de divisão entre o ser e o não ser parece obedecer mais a um

critério moral ou teológico do que propriamente a um critério ontológico.

Este modo encontra um enquadramento agostiniano: apenas o bem-estar ou o

ser em estado de graça (ser é ser imagem de Deus, conforme a Deus) pode dizer-

se que é, enquanto a natureza caída ou entes machados pelo pecado não são:

Ser – o que está em estado de graça.

Não ser – o que está em pecado.

Esta divisão aplica-se apenas aos seres humanos (e anjos).

Ser – natureza perfeita, graça

Não ser – natureza presente, natureza imperfeita.A imperfeição não é um

atributo que se adiciona ao ser, mas uma deficiência de ser: tese neoplatónica por

excelência do mal: a negatividade do mal.

A imperfeição do homem não é, é uma ausência de ser. Resposta ao

maniqueísmo.

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________

OUTROS MODOS POSSÍVEIS DE DIVISÃO ENTRE SER E NÃO-SER

- Deus que possui todos os seres (ser) e as criaturas (como mero nada)

- Substância (ser) acidentes (não ser). Cunho aristotélico.

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IDEALISMO ERIUGENIANO

Eriúgena parece aqui subordinar o ser ao pensamento.

A divisão entre ser e não ser funda-se apenas nas capacidades da mente [animus]

humana:

- ser: o que a mente alcança;

- não ser: o que a mente não alcança.

Para Eriúgena, o a dialéctica do ser e não ser é compreendida nos termos da dialéctica

do conhecimento e da ignorância.

A cosmologia eriugeniana vê-se assim confinada à perspectiva humana: tese

profundamente inovadora e ousada para o seu tempo.

A sua metafísica acolhe assim um carácter idealista que preconiza o pensamento

hegeliano.

FILOSOFIA COMO PHYSIOLOGIA: A NATUREZA PARA LÁ DO SER

«Mestre – Pensando muitas vezes e estudando com a maior diligência que posso a

primeira e suprema divisão de todas as coisas que, ou estão ao alcance de nossa

mente, ou a superam – as coisas que são e as que não são –, veio-me à mente,

como termo geral para designá-las, o grego physis e o latim natura. […]

M – Ficamos então de acordo que o nome de natureza é o nome geral tanto para

as coisas que são como para as que não são?

D – Sim, pois nada pode apresentar-se ao nosso pensamento a que não possa

aplicar-se este nome.

O SER E O NÃO SER

Nas linhas inaugurais do Periphyseon, João Escoto Eriúgena lavra, no seio do

conceito de natureza, uma primeira cisão que precede ainda a famosa divisão em

quatro espécies. Essa distinção primeira, principal e suprema na voz de Eriúgena,

assentaria no par ser/não-ser1*.

FILOSOFIA MAXIMAMENTE INCLUSIVA

Em nome de uma filosofia maximamente inclusiva, que não exclui portanto

nenhuma coisa do seu âmbito de investigação, o pensamento eriugeniano

assentará, não sobre o conceito de ser (excedido pelo conceito de não-ser), mas

sobre o conceito de natureza que inclui ser e não ser, distinguidos a partir da

fronteira da mente. É por isso que a ontologia (ou ciência do ser) do autor irlandês

1 “Saepe mihi cogitanti, diligentiusque quantum vires suppetunt inquerenti, rerum omnium, quae vel animo

percipi possunt, vel intentionem ejus superant, primam summamque divisione esse in ea quae sunt, et ine

ea quae non sunt, horum omnium generale vocabulum occurrit, quod graece φύσις´, latinevero natura

vocicatur.” (Periphyseon, 441a)

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se deixa configurar antes como uma physiologia (ou ciência da natureza),

cativando, na sua esfera de perscrutação, o próprio não-ser, a par do ser2.

ONTOLOGIA E MEONTOLOGIA

Eriúgena ocupa-se não apenas de uma ontologia (ciência do ente: particípio

presente do verbo ser), mas de uma ontologia a par de uma meontologia (me: não

em grego).

Eriúgena acolhe também o não ser como alvo do seu pensamento, transbordando

assim os limites da ontologia.

NÃO ONTOLOGIA MAS FISIOLOGIA

O ser não é por conseguinte o fundamento (ou o elemento base) da sua metafísica.

PERSPECTIVISMO DO SER

Eriúgena torna a distinção entre ser e não ser relativa de diversas perspectivas.

Esta relatividade do ser impede Eriúgena de tomar o ser como o objecto da sua

indagação.

A mente determina a natureza que se dá ou se apresenta, em rigor, no seu interior:

“veio-me à mente, como termo geral para designá-las, o grego physis e o latim

natura”.

.

2 Periphyseon IV, 741c.

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AS DIVISÕES DA NATUREZA

A ARTE DA DIALÉCTICA VS A ARTE DA DEFINIÇÃO

IMPOSSIBILIDADE DA DEFINIÇÃO

Perante a extensão absoluta do conceito de natureza, a fisiologia não encontra na

definição o seu método de abordagem.

O QUE É A DEFINIÇÃO

Isto porque a definição necessariamente pergunta pelo género maior no qual a

natureza se pode subsumir (atendendo ao que Aristóteles determina como o

procedimento próprio da definição3), ou pelo lugar que o circunscreve o conceito

de natureza (atendendo ao que Eriúgena concebe como o procedimento próprio da

definição a partir da análise que faz da categoria aristotélica de lugar)4.

DIALÉCTICA EM VEZ DE DEFINIÇÃO

Esquivando-se, pois, ao exercício filosófico da definição, o conceito de natureza

não poderá deixar-se sondar senão pelo exercício dialéctico da divisão e análise.

Duae quippe partes sunt dialecticae disciplinae,

quarum una , altera

nuncupatur. Etquidem

diuisionis uim possidet; diuidit namque

maximorum generum unitatem a summo usque

deorsum, donec ad individuas species perueniat,

inque iis diuisionis terminum ponat; vero ex aduerso sibi positae partis diuisiones ab

indiuiduis sursum uersus incipiens, perque eosdem

gradus, quibus illa descendit, ascendens, cumuoluit

et colligit, easdemque in unitatem maximorum

generum reducit; ideoque reductiua dicitur seu

reditiua.

A disciplina da dialéctica está dividida em duas

partes: a e a A possui o poder da divisão, divide,

de cima para baixo, a unidade dos géneros

superiores até chegar às espécies individuais, que

põem termo a essa divisão. Encontradas as

divisões das partes, a , pelo contrário,

começando pelos indivíduos que recolhe e unifica,

ascende pelos mesmos patamares que a

desceu, reconduzindo tudo à unidade

dos géneros mais superiores. Por isso, redutiva

pode também dizer-se restitutiva.

JOÃO ESCOTO ERIÚGENA, Expositiones in Ierarchiam Coelestem, 184c-185a.

3 DEFINIÇÃO EM ARISTÓTELES. 4 CITAÇÃO SOBRE O LUGAR COMO DEFINIÇÃO. Sobre o problema da definição da natureza em João

Escoto Eriúgena, cf. OTTEN, Willemien, The Anthropology of Johannes Scottus Eriugena, pp. 13-16.

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NATUREZA E CRIAÇÃO

M – Penso que a divisão da natureza se faz por quatro diferenças em quatro

espécies: a primeira é a divisão em natureza que cria e não é criada; a segunda, na

que é criada e cria; a terceira, na que é criada e não cria; a quarta, na que não cria

e não é criada. Mas nestas quatro há dois pares de opostos: a terceira se opõe à

primeira, e a quarta à segunda; porém, a quarta fica relegada ao mundo dos

impossíveis, visto que é de sua essência o não poder ser. […]

D – Percebo-as claramente. Porém, deixa-me muito perplexo a quarta espécie que

introduziste. Das outras três não me atreveria a apresentar qualquer dúvida, já que

na primeira está designada, se não me engano, a causa de tudo quanto existe e de

que não existe; na segunda, as causas primordiais; na terceira, aquelas coisas que

se manifestam através de geração no tempo e no espaço. Por isso, penso que é

necessário partir para uma discussão mais detalhada de cada espécie. […]

A categoria da criação parece presidir ao processo de divisão da natureza.

Com efeito, Eriúgena entende o termo physis de um modo extremamente fecundo,

diferenciado da concepção reificante da metafísica latina que a distingue da

operação divina e a coloca como o resultado da operação divina.

O conceito de natureza eriugeniano herda a concepção de natureza do

Neoplatonismo grego cristão, que preserva, por seu turno, o significado de

natureza encontrado na filosofia grega antiga, tal como Heidegger a expôs

(Introdução à metafísica): natureza não significava aí a ideia limitada de

substância ou essência.

Physis significa antes o processo de esconder e aparecer, oculto e manifesto. A

natureza tem assim o mesmo sentido de verdade enquanto aletheia

(desvelamento). Por natureza, os gregos entenderam o manifesto e o oculto. A

natureza é o vir-á-luz. Physis é "o que emerge espontaneamente (p.ex., o emergir

de uma rosa), o desdobramento que abre a si mesmo, brotando na aparência em

tal desdobramento, e persistindo e permanecendo na aparência, em suma,

emergente-subsistente na prevalência [das aufgehend-verweilende Walten]"

(Introdução à Metafísica, 11/1 ls. Cf. GXXIX, 38ss).

Natura: será a tradução latina de physis – o particípio futuro do verbo nascor, ter

nascido: natura: o que há-de nascer: ura imprime na palavra a ideia de

movimento (como escritura).

Também Eriúgena entende physis como a estrutura da revelação e do

ocultamento, do abscôndito e do manifesto.

(A grande diferença é que, enquanto os gregos pensaram a natureza sob o domínio

do peras (limite), Eriúgena entende-a como infinita (apeiron) e intemporal).

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Pellicer (Natura: Etude sémantique et historique du mot latin) desvela vários

sentidos de natureza :

- O princípio material ou vital de uma coisa, o seu carácter inato e as suas

qualidades: o seu ser;

- a lei natural, universal ou moral, o poder ou força criadora, a ordem das

coisas, ou o universo entendido como totalidade.

- Como Boécio (Contra Eutychen et Nestorium I, 25-26), pode também significar

o princípio de crescimento ou nutrição (aquilo que age ou pode sofre a acção de

outro)

Marciano Capella (De nuptiis): natureza é a mãe da geração de todas as coisas

(generationem omnium mater)

Máximo o Confessor descreve a natureza como saída ou processão (proodos) a

partir da substância (ousia), através de estágios, e a reconversão (epistrophé) de

todos os entes individuais na ousia principial. Eriúgena manter-se-á fiel a esta

definição.

Eriúgena adopta o sentido grego de natureza como processo dinâmico que

emerge das trevas da infinitude divina para a multiplicidade de criaturas e formas,

e que regressa a essas trevas depois de um período na dimensão da espácio-

temporalidade.

________

Criação significa para Eriúgena, auto-manifestação, auto- exteriorização, auto-

revelação.

Esta ideia dinâmica subjaz à divisão quadriforme da natureza.

Eriúgena associa a divisão da natureza ao acto de criação.

Eriúgena pretende que esta divisão apareça como lógico, sistemática e exaustiva.

Nesse sentido aplica-lhe o quadrado da oposição aristotélico.

Portanto, as quatro divisões da natureza constituem uma articulação lógica da

relação entre criar e ser criado.

As quatro divisões:

NÃO CRIADA CRIADA

CRIADORA

1. Natureza que cria e

não é criada.

DEUS (CAUSA

EFICIENTE)

2. Natureza que é criada e

cria.

CAUSAS

PRIMORDIAIS

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NÃO CRIADORA

4. Natureza que não cria

e não é criada

DEUS (CAUSA FINAL)

3. Natureza que é criada e

não cria.

(CRIAÇÃO)

A divisão tem ressonâncias da teoria pitagórica dos números de Fílon de

Alexandria: De Opificio Mundi, 99-100: Alguns números geram sem terem sido

gerados, outros geram e são gerados, outros são gerados e não geram, outros nem

geram, nem são gerados.

________

O QUADRADO DAS NATUREZAS

O QUADRADO ARISTOTÉLICO DA OPOSIÇÃO

Tal como Dermot Moran assinala, as quatro espécies de natureza que nestes

termos se distinguem parecem distribuir-se de forma lógica sobre um quadrado

aristotélico de oposição que confere a esta estrutura quadrífida um carácter

sistemático e exaustivo.

Recurso indirecto à Física Aristóteles

Move e não é movido

Move e é movido

Não move e é movido

Não move e não é movido

M: Penso que a divisão da natureza se faz por quatro diferenças em quatro espécies:

a primeira é a divisão em natureza que cria e não é criada; a segunda, na que é criada

e cria; a terceira, na que é criada e não cria; a quarta, na que não cria e não é criada.

Mas nestas quatro há dois pares de opostos: a terceira se opõe à primeira, e a quarta

à segunda; porém, a quarta fica relegada ao mundo dos impossíveis, visto que é de

sua essência o não poder ser. […]

DA ESTRUTURA LÓGICA A UMA SIMPLES PROJECÇÃO LÓGICA

Afinal, a divisão quadripartida da natureza parece conjugar-se, não com uma

descrição factual da natureza ela própria, mas com uma aplicação subjectiva das

estruturas próprias da inteligibilidade à natureza.

Idealismo na divisão da natureza: “Penso que a divisão da natureza se faz por

quatro diferenças em quatro espécies”

A divisão da natureza não é para ser entendida como um conjunto fixo de níveis

metafísicos ou graus de realidade, mas antes como conjunto de theoriae, ou

actos mentais de contemplação intelectual, que autoriza a subjectividade

humana a entrar na infinitude do subjectividade divina e no nada divino.

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A quatro divisões da natureza existem apenas enquanto percebidas pelo

entendimento e traduzem como actos do entendimento.

Eriúgena está interessado nestas divisões da natureza porque elas oferecem uma

estrutura ou um paradigma pelo qual o entendimento entende o jogo anárquico

da natureza infinita nas suas múltiplas manifestações, que continuam

eternamente e, de facto, constituem o sentido da vida eterna.

Assim sendo, a natureza pode apenas ser compreendida através do conceito de

entendimento.

Portanto, a hierarquia não significa apenas uma série de graus ontológicos, mas

uma ciência mental.

IDENTIFICAÇÃO DAS NATUREZAS

1ª) a natureza criadora não criada (ou seja, Deus como a causa de todas as coisas);

2ª) a natureza criadora criada (ou seja, as causas primordiais, ou protótipos criados

em Deus por Deus, como ideias divinas, as quais, por sua vez, criam em si

próprias o mundo);

3ª) a natureza não criadora criada (isto é, a criação ou os efeitos sensíveis e

inteligíveis das causas primordiais);

4ª) a natureza não criadora nem criada (sed quarta inter impossibilia ponitur, cuius

esse est non posse esse. Deus como causa final)5.

1ª NATUREZA: NATUREZA QUE CRIA E NÃO É CRIADA

A natureza que cria e não é criada identifica-se com Deus, a causa incausada que

cria todas as coisas.

1ª natureza como anarchos

Deus transcende todas as criaturas para as criar

A essência de Deus é incognoscível em si, mas o homem obtém algum

conhecimento de Deus através de uma tripla teologia:

5 Múltiplos são os lugares de Periphyseon, nos quais a divisão quadripartida da natureza desponta. Na sua

primeira ocorrência, contudo, não está ainda consumada a clarificação da 4ª natureza enquanto Deus na sua

dimensão de causa final. Cf. 441b-442b. Cf. ainda sobre a divisão quadriforme da natureza: 523d-528c;

1019a-10-20b. Devemos esta explicitação à sistematização de Erismann: ERISMANN, Cristophe,

L’homme commum. La genèse du réalisme ontologique durant le haut Moyen Âge, Paris, Vrin, 2011, p.

204.

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- Teologia negativa: Deus é descrito negativamente negando dele todas as coisas

que são.

- teologia afirmativa: Deus é descrito positivamente afirmando dele todas as coisas

que são

- Teologia superlativa, dizendo que os atributos que se lhe aplicam existem nele

de uma forma superior.

2ª NATUREZA: NATUREZA QUE CRIA E É CRIADA

De Deus, que não é criado mas cria, procede a natureza que é criada e cria.

Esta espécie da natureza identifica a natureza com as causas, Ideias, predestinações

ou protótipos.

As causas primordiais são as causas exemplares de todas as coisas.

Foram criadas por Deus em Deus (pelo Pai no Filho).

Como em Deus não há tempo, as causas primordiais são coeternas com Deus.

3ª NATUREZA: NATUREZA QUE NÃO CRIA E É CRIADA

Das causas primordiais procede a natureza que é criada mas não cria.

Este é o mundo dos anjos, dos homens e dos corpos.

Para descrever a criação do mundo, Eriúgena usa uma variedade de metáforas,

todas as analogias para a emanação. Exemplo, o mundo deriva de Deus como a

água da fonte.

A criação é a auto-manifestação ou revelação de Deus (teofania).

Portanto, ao fazer o mundo, Deus cria-se a si próprio.

4ª NATUREZA: NATUREZA QUE NÃO CRIA E NÃO É CRIADA

A quarta divisão da natureza (a natureza que não cria e não é criada) refere novamente

Deus.

Mas enquanto que a primeira divisão se referia a Deus como a fonte de todas as coisas,

Deus é agora entendido como o fim último ao qual todas as coisas regressam.

Descrito como deficação, este retorno não comporta a obliteração da distinção de todas

as distinções entre Deus e as criaturas.

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Ainda que a matéria mutável desapareça, nem o homem nem Deus se tornam idênticos a

Deus.

O DINAMISMO DA NATUREZA

A divisão quadripartida da natureza é uma representação estática de um universo que

mais propriamente deve ser descrito dinamicamente, em termos de interrelações do

que em termos de partes.

O movimento da natureza universal que está suposto na filosofia de Eriúgena é descrito

pela tríade Neoplatónica da mone, proodos, epistrophe (permanência, processão e

retorno).

O Periphyseon está organizado por este padrão.

PERMANÊNCIA A permanência de Deus é descrita na natureza que não é

criada e cria, mostrando que nenhuma das categorias aristotélicas se aplicam com

propriedade a Deus. Deus está portando para lá do entendimento e no entanto

Eriúgena aventura-se na sua criação para o entender.

PROCESSÃO Fiel à tradição Platónica transmitida por Agostinho e os Cristãos

Gregos, Eriúgena vê a processão das coisas criadas desde a permanência de Deus

em Dois estádios: a criação de um mundo inteligível (a 2ª natureza), e depois a

criação das coisas perceptíveis sensivelmente ( a 3ª natureza)

RETORNO O terceiro termo da tríade neoplatónica (conversão) é representado

estaticamente pela quarta divisão da natureza, visto que Deus enquanto causa

final, aquilo para o qual todas as coisas regressam, é aquilo que não cria nem é

criado.

A estrutura do universo que Escoto Eriúgena descreve de acordo com este esquema é

baseado na especulação neoplatónica.

DO QUADRADO DAS OPOSIÇÕES AO CÍRCULO DA PROCESSÃO-RETORNO

DO QUADRADO AO CÍRCULO (PONTO DE VISTA METAFÍSICO)

Agora, se observarmos de perto as quatro espécies de natureza que a anterior divisão

salientou, não sob o ponto de vista lógico, mas sob o ponto de vista metafísico,

vemos que elas se deixam representar, menos pela figura do quadrado, do que pela

figura do círculo*.

COINCIDÊNCIA DE PRINCÍPIO E FIM

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Com a real coincidência de princípio e fim, a relacionalidade entre as quarto

divisões forma uma circularidade dinâmica. de tipo neoplatónico: processão e

retorno (proódos e epistrophé).

PROCESSÃO E CONVERSÃO

As primeiras três formas representam Deus desdobrando-se na criação, enquanto a

quarta conclui o movimento de retorno da natureza.

TOTALIDADE E DESENVOLVIMENTO

A natureza não representa apenas um todo cosmológico, mas também uma linha

de desenvolvimento.

O FIM NÃO É O INÍCIO

Ao distinguir, mentalmente, o fim do princípio eriúgena recusa, porém, uma ideia

de movimento cíclico (ou de eterno retorno): o fim é não criador: é unidade

diferenciada da unidade principial por via do próprio processo da difusão e da

integração do múltiplo.

CÍRCULO DA PROCESSÃO/RETORNO

A estrutura quadrífida implica, em rigor, um compasso quaternário recondutível

ao círculo da processão/retorno, onde a processão se deixa retratar pelo

dinamismo que atravessa as três primeiras formas da natureza (de Deus às causas

primordiais e das causas primordiais à totalidade dos efeitos visíveis e inteligíveis),

e onde o retorno se deixa consagrar na quarta natureza ou na Divindade, para a

qual todas as criaturas tendem e na qual todas as criaturas encontram o seu

repouso6.

6 Cf. Periphyseon, 1019a-1019c.

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CIRCULO DA PROCESSÃO-RETORNO E/OU CÍRCULO DA DIALÉCTICA

PROCESSÃO/RETORNO E DIVISÃO/ANÁLISE

Poderíamos, é certo, vislumbrar no coração do dinamismo processão/retorno a

simples tradução ou projecção na natureza do pensamento dialéctico, no seu

processo binário de divisão e análise.

DIALÉCTICA COMO MÉTODO E COMO QUADRO DE ACOMODAÇÃO

A dialéctica que caracteriza um específico método lógico do trabalho filosófico

parece, assim, fornecer não apenas a estratégia de inquirição da totalidade das

coisas que são e que não são, mas também o quadro mental a partir do qual esta

totalidade se organiza, isto é, segundo o movimento divisor de desdobramento

da unidade divina na multiplicidade criada (representado nas três primeiras

formas de natureza: criadoras e/ou criadas), e segundo o movimento analítico ou

resolutório da conversão da multiplicidade criada na unidade divina (representado na quarta forma de natureza, aquela que não cria, nem é criada)7.

(É importante notar que, para Eriúgena, a dialéctica não designa apenas um método

de investigação filosófica (uma arte) que procede por divisão dos géneros em

espécies e resolução das espécies nos seus géneros…

… mas a estrutura da própria natureza da processão (divisão) e retorno

(resolução).

Há pois um paralelismo óbvio e necessário entre o método dialéctico da

investigação eriugeniana e a estrutura dialéctica da natureza. De tal modo que, a

estrutura dialéctica da natureza exige um pensamento dialéctico e o pensamento

dialéctico imprime no real uma estrutura dialéctica.

IDEALISMO DIALÉCTICO?

NATUREZA DIALECTICAMENTE PENSADA PORQUE DIALÉCTICA

Ainda que esta leitura permitisse alicerçar, em definitivo, o conceito de natureza

sobre a perspectiva exclusiva da mente que a indaga, Eriúgena adverte, no

entanto, que a razão pela qual a própria natureza se deixa pensar dialecticamente

deriva do facto de a própria estrutura da natureza ser, em si, dialéctica.

A PROVENIÊNCIA DIVINA DA DIALÉCTICA E CONFIGURAÇÃO

DIALÉCTICA DO DIVINO

Afinal, é de Deus que procede a arte da dialéctica e não o inverso, pese embora o

papel que a arte da dialéctica desempenha na perscrutação do Divino e na sua

configuração mental8.

ARTE MENTAL OBJECTIVADA NA NATUREZA

Neste ponto, a arte da dialéctica, que depreende da natureza o círculo da

processão/conversão, objectiva-se na lei que ritma a própria natureza.

A DIALÉCTICA TRANS-MENTAL E INTRA-MENTAL

7 INSERIR CITAÇÃO SOBRE A DIALÉCTICA COMO MÉTODO DE PESQUISA. 8 INSERIR CITAÇÃO SOBRE A ASCENDÊNCIA DIVINA DA DIALÉCTICA.

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A dialéctica desvenda-se e alcança validade, para lá dos confins da mente

humana, como estrutura inerente à própria natureza.

DIALÉCTICA: MÉTODO DE PENSAMENTO E PADRÃO COSMOLÓGICO

proclama, pelo seu carácter dual (de método de pensamento e de padrão

cosmológico) a estreita afinidade entre ontologia e inteligibilidade, na qual a

filosofia eriugeniana se instala9.

IDEALISMO TEMPERADO

O REALISMO (Ñ SOLIPCISMO, Ñ CEPTICISMO)

Quer isto dizer que uma leitura que trate de enraizar a fisiologia do nosso autor no

solo de uma perspectiva humana, não pode desembocar, nem num solipsismo

estéril – unicamente capaz de aferir da própria existência –, nem num cepticismo

cego – que negue a realidade trans-mental. Apesar do reconhecimento do poder da

mente para, por si própria, conferir estrutura à infinitude do ser e do não ser,

certo é que a mente requer, por sua vez, que a natureza que investiga se lhe

manifeste. Manifestação esta, cujo sentido, no final, procuraremos aclarar,

retomando o ponto inicial da nossa apresentação.

9 Sobre este assunto, cf. OTTEN, Willemien, The Anthropology of Johannes Scottus Eriugena, pp. 39-47.

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A UNIDADE DAS NATUREZAS: NÃO CRIADA CRIADORA E NÃO CRIADA

NÃO CRIADORA

A primeira e a quarta formas podem apenas ser predicadas de Deus; não que a sua

natureza possa ser dividida, visto que é simples e mais do que simples; mas pode

ser entendida segundo dois modos de contemplação. Pois, quando considero que

esta mesma natureza divina é o princípio e a causa de todas as coisas, a verdadeira

razão convence-me de que a essência ou a substância divina, a bondade, a virtude,

a sabedoria e as outras coisas que se podem predicar de Deus não foram criadas por

ninguém, porque nada de superior precede a natureza divina; mas, todas as coisas

– aquelas que são e aquelas que não são – foram criadas a partir dela, por ela, nela

e para ela. Quando, no entanto, considero essa mesma natureza como fim e término

intransponível de todas as coisas, pela qual todas as coisas têm apetite [appetunt] e

na qual todas as coisas encontram o limite do seu movimento natural, percebo que

essa natureza divina, nem é criada, nem criadora. Com efeito, esta natureza, que é

de si própria [a seipsa], não pode ser criada por ninguém, nem cria coisa alguma.

Na verdade, quando todas as coisas que procederam [processerunt] da natureza

divina por geração inteligível ou sensível, regressarem a ela por uma regeneração

miraculosa e inefável, e todas as coisas tenham encontrado repouso nela, então,

nada de ulterior fluirá a partir [profluet] dela por geração, diz-se então que nada

criará. Com efeito, que criará a natureza divina, quando a própria natureza divina

for tudo em todas as coisas e em nenhuma das coisas aparecer senão ela própria?

A UNIDADE DAS NATUREZAS: CRIADORA E CRIADA

Deus cria, auto-manifestando-se nas coisas.

A auto-criação de Deus é a criação de todas as coisas.

Deus, em certo sentido, cria-se a si próprio.

Esta auto-criação permite o movimento de um não-ser (oculto) para o ser

manifesto.

A criação ex nihilo é criação ex Deo. O Nada que se manifesta.

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O CARÁCTER IDEALISTA DAS 4 DIVISÕES DA NATUREZA

AS ETAPAS DO CÍRCULO COMO THEORIAE

O que, na teoria das quatro formas da natureza, vinca a dimensão idealista que lhe

subjaz10, é o facto de estas quatro formas ou etapas do círculo cósmico da

processão/retorno se deixarem entender e dizer, no seio de Periphyseon, como

theoriae ou contemplationes, ou ainda como considerationes. Deste modo,

preserva-se a essencial unidade da natureza, remetendo para a contemplação

daquele que a inquire a pluralidade que a sua divisão quadripartida faz emergir11.

O esquema hierárquico da natureza deve ser entendido não como um conjunto fixo

de graus metafísicos mas, antes, como um conjunto de theoriae, ou actos mentais

de contemplação intelectual, que permite à subjectividade humana entrar na

infinita subjectividade e nada divinos.

As quatro divisões da natureza existem apenas enquanto são vistas pela mente e

são resolvidas pela mente em actos do intelecto. Eriúgena está interessado nestas

divisões da natureza porque elas oferecem uma estrutura ou paradigma através do

qual a mente consegue entrar e atingir o jogo anárquico da natureza infinita nas suas

múltiplas manifestações.

O termo intentiones (intueor) é de difícil tradução. Pode traduzir-se por direcção

ou intencionalidade: termos que mantêm a raiz latina e comportam o sentido

fenomenológico de um direcionamento perpectivista para o objecto do acto da

consciência.

DEUS SIVE NATURA

Quando, então, Eriúgena traduz o real significado da quadríade, acima exposta,

por Deus, porém considerado, ora como princípio (natureza incriada criadora), ora

como meio (natureza criada criadora e natureza criada não criadora), ora como fim

(natureza incriada não criadora), não trata de multiplicar a própria essência

divina, reconduzindo antes à unidade divina uma tripla contemplação humana12.

Do mesmo modo que a pluralidade desvelada não implica uma real fragmentação

divina, o decurso de um deus que

1) se resguarda no seu segredo,

2) que de seguida se cria ou aparece na totalidade das coisas criadas,

3) para, por fim, se pôr como meta do movimento de todas as coisas aparentes,

NATUREZA IMUTÁVEL ENTREVISTA COMO PROCESSO

não pode gravar, sobre a própria Divindade, uma real mutação; pelo que também

deste decurso se deve fazer sujeito a mente que, considerando a imutável

natureza, a vislumbra como processo; processo este que é afinal o seu.

10 Pelo menos, à luz da interpretação de Stephen Gersh: 154. 11 Periphyseon II, 523d, 524d, 527b, 528a. 12 Periphyseon III, 527b, 688b.

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A REINTERPRETAÇÃO DO CÍRCULO DA PROCESSÃO RETORNO

A intimidade do processo/retorno

A processão (ou criação) entende-se como a auto-manifestação do divino. A

criação é, em rigor, auto-criação do Divino. O Divino que não é dá entrada, por

via da criação, na esfera do ser.

A noção de retorno deve ser considerada em conexão íntima com a noção de

processão, porque se a processão é auto-manifestação, o retorno é a plenitude

da manifestação do Divino no ser.

O fim ou a consumação do universo criado é apresentado como a plenitude

teofânica.

No fim, Deus será omnia in omnibus (tudo em todas as coisas)

Perante a ideia de um Deus que é tudo em todos, qualquer possibilidade de uma

analogia entis colapsa numa indiferenciada identitas entis.

Como fim, como tudo em todas as coisas, o infinito divino não se posiciona como

o negativo da criatura (do fenómeno), transcendendo toda a criação, mas como

o efectivo (o já positivo) e operando em tudo...

O nosso autor pensa dialecticamente a identidade como um fieri onde a

exterioridade, a diferença e a oposição, não são reduzidas, mas positivamente

integradas.

É o aparecer universal e inequívoco de Deus através de todas as coisas, ou, dito

de outro modo, é a realização e a plenitude teofânica das coisas que constitui o

fim.

Poder-se-ia dizer que a consummatio mundi é a reparação completa e definitiva

da fractura e da separação entre ser e aparecer: de algum modo, Deus apropria-

se da ordem da presença, ele não denega as coisas, mas afirma-se nelas e habita-

as, reina sobre elas. A sua realidade infinita não procura mais a distância

preservadora, mas a imanência do compromisso (ligação).

Se no princípio estava marcado pela predominância do nihil, agora, no fim, é o

omnia.

O fenómeno, longe de ser desprezado, é a consumação do ser: é necessário

conquistar o fenómeno.

O bem não pode permanecer abscôndito, ele procura naturalmente o brilho da

manifestação.

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O CARÁCTER IDEALISTA DA DIALÉCTICA DA NATUREZA

A distinção básica de Eriúgena entre transcendência e teofania implica um

contraste noético entre a incognoscibilidade da natureza divina subsistindo em si

própria e a sua cognoscibilidade nas suas manifestações expressivas.

O PROCESSO HUMANO DO NIHIL AO OMNIA IN OMNIBUS

Eriúgena diz-nos, de resto, que se no final do processo de retorno, Deus se torna

tudo em todas as coisas, ou, por outras palavras, Deus devém clara e

inequivocamente manifesto, isto não significa que no instante da criação Deus não

era já omnia in omnibus, mas apenas que só é como tal percebido pela mente

humana senão no final do seu movimento de retorno13.

HOMEM: CONVERSÃO

Todavia, a confirmação do homem, como protagonista da conversão última de

todas as coisas a Deus, não assegura ainda que a processão de todas as coisas, a

partir de Deus, possa também ela ser entrevista a partir de um puro ponto de vista

humano.

INVISÍVEL E VISÍVEL: E A IMUTABILIDADE DIVINA

Mas, a preservação dos atributos divinos de eternidade, simplicidade e

imutabilidade, obrigam a que Deus, desde sempre e para sempre, seja

simultaneamente invisível e visível, oculto e manifesto, compreensível e

incompreensível, treva e luz, nada e tudo, segredo e revelação.

CRIAÇÃO MEDEIA INVISÍVEL / VISÍVEL

Ora, são precisamente estes os pares que o movimento da criação vem mediar,

pondo na visibilidade o invisível, na aparição o oculto, na teofania o θεός, etc.

CRIAÇÃO NÃO REGISTA TRÂNSITO DO DIVINO, MAS DA

CONTEMPLAÇÃO

Mas, se a acção criadora não regista um trânsito efectivo no Divino, ela denota

concretamente um trânsito ou desenvolvimento na contemplação do Divino.

ESTÁGIOS DA CONTEMPLAÇÃO

É, pois, a própria contemplação que, em diferentes estágios da sua história circular,

ora depreende Deus para lá dos limites da sua compreensão (como não-ser), ora

surpreende Deus em todas as coisas que compreende (como tudo em todas as

coisas).

A NOITE E O DIA

A imagem que Escoto Eriúgena nos oferece da sucessão da noite e do dia torna

nítido o que aqui tentamos explicitar. De facto, ninguém negará que noite e dia,

treva e luz, correspondem a dois momentos bem diferenciados e cronologicamente

consecutivos no circuito de um só dia. Contudo, “[…] é apenas em referência aos

habitantes da terra, que sofrem a alternância dos dias e das noites, que as luminárias

13 Aqui, com efeito, Eriúgena declara que Deus é tudo em todas as coisas no instante preciso da criação:

Periphyseon INSERIR REFERÊNCIA.

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celestes fazem intervir uma separação entre a luz e as trevas”14. As luminárias

celestes, essas, brilham, como Deus, sem intermitência, sem ocaso nem aurora. E a

sucessão do dia à noite, da luz à treva, implanta-se no ponto de vista do próprio

homem. Afinal, a treva que Deus é, nenhuma privação de luz conota e, nesse

sentido, nenhuma oposição real ela depõe contra a presença da luz. Pelo contrário,

a treva é, ela própria, luz, uma luz superluzente que excede, por ora, a visão humana.

A VISÃO MITOLÓGICA DA CRIAÇÃO

Não faltaria, certamente, quem, enredado numa visão mitológica do cosmos,

entrevisse, na alternância do dia e da noite, o nascimento e o crepúsculo reais do

astro luminoso15. De igual modo, não faltará quem, no movimento da difusão

cósmica (que dá conta do processo que origina a diversidade dos entes), entreveja

a real transformação da Divindade oculta na Divindade multiplamente manifesta

ou, pelo menos, a real sucessão das criaturas a Deus. Nestes moldes entendida, a

concepção de difusão, permanece, como Gustavo Piemonte aliás indicou,

submergida num plano mitológico16. Para que entendamos o sentido preciso que

João Escoto Eriúgena confere à noção de difusão, há que, no entanto, depurá-la da

sua ganga simbólica; porque o movimento, que a difusão implica, e a anterioridade

cronológica de Deus em relação à criação, que ela parece sugerir, não cabe na

imutabilidade e eternidade divinas.

CAUSA DO CONHECIMENTO DA CRIATURA EM VEZ DE CAUSA DO SER

Assim, e acompanhando de perto as palavras de Eriúgena (que acompanham de

perto, por sua vez, as de Máximo o Confessor), dir-se-ia que Deus não se move a si

próprio no movimento criador, senão que, nesse movimento, é o olhar das criaturas

que é movido para a percepção da luz que Deus, desde sempre, foi17.

A CRIAÇÃO DA CONTEMPLAÇÃO DA CRIATURA

O que Deus verdadeiramente causa, no acto da criação, é, pois, a difusão da própria

contemplação da criatura, razão pela qual, criar e aparecer (ou revelar-se) se

permutam, em perfeita sinonímia, no seio da escrita eriugeniana.

SEGREDO E REVELAÇÃO: SEM AFECÇÃO

Por essa razão também, quisemos nós aqui pensar o acto de criação nos termos de

um trajecto entre o segredo e a revelação. É que segredo e revelação em nada

afectam a verdade que nele se absconde e nela se expõe. Antes, se reportam à mente,

da qual a verdade se oculta e à qual a mesma verdade se manifesta.

LIMITES DO IDEALISMO ERIUGENIANO

14 “Terrenis itaque habitatoribus, quibus per vicissitudines dieis noctesque proveniunt, caelestia luminaria

lucem dividunt a tenebris” (Periphyseon III, 727c). 15 A língua portuguesa, como decerto muitas outras línguas modernas, continua aliás habitada por esta

mesma visão. 16 PIEMONTE, Gustavo, “Image et contenu intelligible”, Bregriff und Metapher. Sprachform des Denkens

bei Eriugena, Herausgegeben vib Werner Beierwaltes, Heidelberg, Carl Winter Universitätsverlag, 1990,

p. 93. 17 “Ubique enim in mundo este plena semper et integra, nullum locum deserens uel appetens praeter

portiunculam quandam inferioris huius aeris curca terram quam ad capuendam umbram telluris quae nox

dicitur reliquat. Omnium tamen animalium lumen sentire ualentium obtutus mouet et ad se ipsam attrahit

ut per eam aspiciant quantum aspicere possunt. Ideoque moveri putatur quia radios oculorum et ad se

moueantur permouet, hoc est oculorum motionis ad uidenum causa est.“ (Periphyseon I, 520d-521a).

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METAFÍSICA E/OU ANTROPOLOGIA

O intuito, em tudo isto, visado, não exige, porém, a diluição da metafísica

eriugeniana nos contornos antropológicos de uma ciência do conhecimento.

Procurámos, isso sim, sublinhar apenas a radicação da investigação filosófica

eriugeniana na perspectiva específica da criatura racional.

HOMEM COMO SUJEITO METAFÍSICO: ANTROPOCENTRISMO

Seria, certamente, necessário aguardar mais alguns séculos para que o homem se

sagrasse, em definitivo, como a medida de todas as coisas. Podemos, no entanto,

auscultar, no pensamento deste autor do século IX, a presença de um homem, que

não se quebranta perante a infinitude do seu campo de pesquisa, mas que confia

nas suas capacidades próprias para a ela se alçar.

CUIUS ESSE NON POSSO ESSE

Now, Eriugena’s conception of the fourth nature does resembles Aristotle’s

motionless prime mover, in some aspects. First, both are indisputably final causes. Both

are exempted of any remaining potentiality, and, thus, they are immutable and perfect. In

fact, in Periphyseon’s first presentation of the fourfold division of nature, the fourth

species of nature is being established not yet as God’s final causality rather it is settled as

impossibility: “quarta inter impossibilia ponitur cuius esse est non posse esse” [the fourth

is classed among the impossibles, for it is of its essence that it cannot be]. This particular

portrayal of the fourth is never again reinstated throughout Periphyseon, and it is often

dismissed by commentators while addressing the quaternary dialectics of nature. If one is

not willing to admit an evolutionist perspective within Periphyseon, on must coordinate

the labelling of the fourth nature as that whose being is non posse esse, with God as final

cause. Granted that the prefix “in-” in the word “impossible”, denies possibility, the term

impossible may then signify necessity. Necessity excludes possibility. Thus, that whose

being is non posse esse is actual being with no remaining potentiality: a portrayal which

would fit Aristotle’s prime mover, and, indeed, Eriugena’s concept of God as final cause

or end to which all creatures tend. In fact, the fourth nature is said not to create, in spite

of its identity with the uncreated creative nature. The uncreative character of the fourth

nature should point out to God’s and Man’s final perfection and immutability as pure act,

although the expression “pure act” or even “act” never really occurs throughout the fifth

book of Periphyseon where the fourth nature is addressed.

Instead, the final stage of the human soul is named endelecheia, which Eriugena

may have mixed up, either accidentally or voluntarily, with entelecheia. In fact, in his

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Annotations on Martianus Capella, while interpreting the name of Psyche’s mother,

Endelecheia, Eriugena renders it as Entelecheia, advancing its multiple meanings:

“perfect age”, according to Calcidius, “absolute perfection”, according to Aristotle,

“world’s soul”, according to Plato. At the same time, Eriugena recover endelecheia’s

etimology, endos lechia, as intimate age, in order to stress the spiritual, not corporeal

absolute perfection of entelecheia. This offers us a grasp of Eriugena’s distinction

between energeia and entelecheia, whether it remains faithful to Aristotle’s own concepts

or not, and helps us understand why the term energeia is removed from the explanation

of the fourth nature. Indeed, the fourth nature is repeatedly addressed to as plenitudo

aetatis, or perfecta aestas (plenitude of age or perfect age), which is tantamount with

Eriugena’s understanding of entelecheia. Energeia, on the other hand, is always

correlated to dunamis, and comprises a sense of motion, operation, of a work being done,

or of a potency being fulfilled, while entelecheia rejects any kind of motion, and

consequently, any kind of potentiality, designating the persisting being-at-an-end.