joão catarino

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Post on 11-Aug-2015

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Category:

Entertainment & Humor


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  1. 1. Depois da enorme volta por Angola, que na escala do mapa afinal se completa com meia dzia de polegadas, chegada a Maputo durante a longa espera do vo para Quelimane desenhei o mapa de Moambique. Nada como desenhar para decorar o recorte geogrfico, ter a noo real do caminho a percorrer e inteirar-nos da verdadeira escala de um pas. Logo cedo me apercebi que tambm ali tal era to vasto o territrio, que a longa viagem que se adivinhava pelas margens do Zambeze entre o Zumbo e Quelimane no mapa pouca expresso tinha.
  2. 2. Chego a Quelimane no dia dos meus anos, comemore-se ou no sempre um dia de alguma introspeo, mais ainda se torna quando se est longe da famlia e dos amigos mais prximos. Na frente da Catedral Velha, abandonada ainda durante o tempo colonial, corre conforme as mars ora para jusante ora para montante o Rio Qu-qua ou Rio dos "Bons Sinais" como lhe chamou Vasco da Gama, porque parece que foi na sua foz que o descobridor cerca de 400 anos antes de Capelo e Ivens terem ali chegado mas dessa vez por terra, tenha recebido informaes sobre o piloto que o poderia guiar at ndia. A maresia doce do ndico que o rio transporta durante a enchente chega a Quelimane bem diferente da to nossa conhecida do atlntico , assim como, tambm a luz a humidade e as prprias gentes.
  3. 3. Enquanto o cmera Plcido e o realizador lvaro afinavam os planos, tentava viva fora aproveitar as poucas sobras de tempo para desenhar, sob pena de chegar a Portugal com mais metros de "takes" repetidos do que pginas de caderno com desenhos apressados.
  4. 4. H bicicletas por todo o lado em Moambique, vm do oriente especialmente da ndia onde este modelo "pasteleira" idntico s conhecidas em Portugal, fabricadas na j extinta indstria de gueda, copia prefeita do design e dos materiais das famosas bicicletas inglesas "Raleigh" difundidas especialmente por todo imprio britnico desde o incio do sc. XX. Curiosamente, em Angola praticamente no se viam bicicletas, talvez o terreno minado tenha afastado uma gerao dos hbitos do pedal, as poucas existentes so agora essencialmente para fins recreativos ou utilizadas para pequenos trajetos restritos ao meio urbano e os modelos so idnticos aos que se encontram nas grandes superfcies sem "pedigree" nem interesse documental. Este um modelo marca Hrcules de roda 28 toda em ferro indestrutvel de fabrico Ingls, marca que, apenas hoje sobrevive e exporta a partir da ndia que fica logo ali do lado de l do ndico.
  5. 5. De quem seria esta casa? " uma casa portuguesa com certeza, com certeza uma casa portuguesa", no cheguei humildemente a bater porta porque teria tambm de bater porta a tantas outras inabitadas, abandonadas, degradadas, desventradas mas tambm conservadas como esta, ainda dos anos 40 num estilo "portugus suave", com pequenos "tiques" modernistas. Quem viveu ali? no sei precisar a rua de Quelimane mas se algum atravs deste blog souber que o diga e conte aqui a sua histria. Nunca vivi em frica mas enquanto esta casa se ia fazendo no papel fui tambm fazendo a minha histria: o pai trabalhava nos caminhos de ferro era funcionrio pblico ia almoar a casa: a me, de 3 filhos, domstica, da janela da sala chamava os midos que brincavam na rua em frente quando o almoo estava na mesa: a empregada abria sempre mesma hora o porto que lhe dava pela cintura para que o patro pudesse pr o carro debaixo do alpendre do quintal: o patro tinha um Datsun creme com o qual regressava ao trabalho aps a sesta do almoo. Agora como antes, tenho a certeza que se humildemente batesse porta, sentavame mesa com quem quer que ali viva ou tivesse vivido.
  6. 6. Os quilmetros so muitos e o tempo pouco, por isso as paragens contam-se ao minuto, mas essas que no esto no guio, imprevistas, sem expectativas prvias, que acontecem em lugar nenhum de beira de estrada como esta, so as que se gravam na memria com maior profundidade.
  7. 7. O desenho anterior fez juntar uma pequena multido de crianas curiosas; desenhar tem o efeito magntico de atrair pessoas e de as juntar no fascnio e na surpresa de ver quem descobre primeiro as formas que de uma maneira quase mgica se vo revelando. Queriam ficar todas no boneco, acotovelavam-se para caberem na dupla pgina do pequeno formato do caderno, no fim fui eu quem pousou para uma delas.
  8. 8. Sim este sou eu! Foi o melhor que o Eliseu (segundo a contar da esquerda no desenho anterior) conseguiu depois de lhe ter passado o meu caderno com a caneta de pincel e ficar bem quietinho a posar para ele. Uma simples paragem para matar a sede e comer uma conserva numa cantina de beira da estrada valeu inesperadamente um dos momentos mais espontneos e interessantes do documentrio de Angola Contra Costa.