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Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Marco Aurélio, do Egrégio Supremo Tribunal Federal Autos nº 4694 JAIR MESSIAS BOLSONARO, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados (doc. 01), em atenção à r. decisão de fls. 213/215, apresentar, tempestivamente, RESPOSTA À ACUSAÇÃO, nos termos do artigo 4º, da Lei Federal 8.038/90. I. SÍNTESE DA ACUSAÇÃO A D. Procuradoria-Geral da República imputa ao DEFENDENTE a prática do delito previsto no artigo 20, caput, da Lei Federal 7.716/1989, em razão de afirmações supostamente discriminatórias e preconceituosas feitas em face de quilombolas, estrangeiros e indígenas, durante palestra realizada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, na data de 03 de abril de 2017.

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Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Marco Aurélio, do Egrégio Supremo

Tribunal Federal

Autos nº 4694

JAIR MESSIAS BOLSONARO, devidamente qualificado nos

autos em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por

seus advogados (doc. 01), em atenção à r. decisão de fls. 213/215, apresentar,

tempestivamente, RESPOSTA À ACUSAÇÃO, nos termos do artigo 4º, da Lei

Federal 8.038/90.

I. SÍNTESE DA ACUSAÇÃO

A D. Procuradoria-Geral da República imputa ao

DEFENDENTE a prática do delito previsto no artigo 20, caput, da Lei Federal

7.716/1989, em razão de afirmações supostamente discriminatórias e

preconceituosas feitas em face de quilombolas, estrangeiros e indígenas,

durante palestra realizada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, na data de 03

de abril de 2017.

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As declarações formuladas contra os quilombolas, que

teriam conteúdo ilícito, são as seguintes:

37:121: “Aqui apenas são as reservas indígenas no Brasil. Onde

tem uma reserva indígena, tem uma riqueza embaixo dela.

Temos que mudar isso daí. Mas nós não temos, hoje em dia,

mais autonomia para mudar isso daí. Entregou-se tanto a nossa

nação que chegamos a esse ponto, mas dá pra mudar nosso

país. Isso aqui é só reserva indígena, tá faltando quilombolas,

que é outra brincadeira. Eu fui em um quilombola em El

Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá

pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para

procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por

ano gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em

implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você

compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por

metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que?

Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada

com nada. "

48:13: "Nós não temos 12 milhões de desempregados, nós temos

40 milhões, porque eles consideram quem tem bolsa-família

como empregado. Só aí, só aí nós temos praticamente 1/4 da

população brasileira vivendo às custas de quem trabalha.

Alguém já viu um japonês pedindo esmola por aí? Porque é

uma raça que tem vergonha na cara. Não é igual essa raça que

tá aí embaixo ou como uma minoria tá ruminando aqui do

lado. "

49:25: "Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro pra ONG, esses

inúteis vão ter que trabalhar. [...] Não vai ter um centímetro

demarcado pra reserva indígena ou pra quilombola."

Contra os estrangeiros, as declarações ditas

criminosas seriam as expostas a seguir:

1 Numeração do minuto do vídeo em que as afirmações são feitas, conforme mídia de fls. 87 que

contém a íntegra da palestra.

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16:00: "A área mais rica do mundo está exatamente demarcada

como terra indígena, uma área maior que a região do Sudeste é

demarcada como terra indígena. Tive em Roraima. Uma das

acusações que recebo é 'Xenófobo!'. [...] E eu sou contra

estrangeiros aqui dentro. "

17:16: "Dentro de Roraima, os senhores acham aqui tudo que

existe na tabela periódica [...], além de demarcação como terra

indígena, o que que eles fizeram lá? O único rio lá que se

poderia fazer três hidrelétricas, o pessoal encheu de índio.

Hoje você não pode fazer uma hidrelétrica."

56:44: "O que que a Venezuela tá fazendo? Tá enchendo as suas

ambulâncias e carros com pessoal idoso ou doença de alta

complexidade e desovando nos hotéis, nos hospitais e postos de

saúde de Roraima. E o que o governo brasileiro faz? Não faz

nada. Tem que fazer alguma coisa. Se aceita, vamos criar

campos de refugiados. Se aceita... Se não aceita, devolve. O

Brasil não pode se transformar na casa da mãe Joana. Não

pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma

indiscriminada. Não tem problema vir pra cá quem quer que

seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento da vida

pregressa dessas pessoas. "

58:05: “Não sabemos ainda o nosso futuro, dada a quantidade

de estrangeiro que estão aqui dentro. Lógico, eu não generalizo.

Mas dentre esses uma minoria que pode fazer um estrago

muito maior do que nós enfrentamos, em especial de 66 a 73,

numa luta armada e na guerra e guerrilha dentro do nosso

Brasil. "

Segundo a peça acusatória, por meio dessas

afirmações, o DEFENDENTE teria praticado discriminação e preconceito contra

quilombolas e estrangeiros, além de incitado e induzido os presentes na

palestra a praticar tal ilícito penal.

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Ademais, em relação às comunidades indígenas, teria

sido proferido “discurso de ódio”, em decorrência dos seguintes dizeres:

“Dentro de Roraima os senhores acham aqui tudo que existe na

tabela periódica [...], além de demarcação como terra indígena,

o que eles fizeram lá? O único rio lá que se poderia fazer três

hidrelétricas, o pessoal encheu de índio. Hoje você não pode

fazer uma hidrelétrica”.

Importante destacar que esses são os trechos do

discurso do DEFENDENTE que teriam, em tese, contornos de ilícito. Além

deles, a D. Procuradoria-Geral da República transcreve, em sua peça

inaugural, excertos da palestra que dizem respeito a temas alheios aos que são

tratados na presente denúncia criminal. Cita-se, como exemplo, as afirmações

feitas sobre a comunidade LGBT, união homoafetiva e mulheres.

Tais dizeres, porém, conforme admitido pela própria D.

Procuradora Geral da República, além de não serem criminalizados2 pela

legislação pátria, somente traduzem a opinião política do parlamentar sobre

assuntos que, ainda que polêmicos, importam à pauta nacional.

Por essa razão, a presente defesa se restringe a

demonstrar, além dos vícios processuais materializados na r. denúncia, que as

afirmações em tese discriminatórias e preconceituosas feitas pelo DEFENDENTE

em face da comunidade quilombola, dos indígenas e dos estrangeiros não

se adequam aos contornos do tipo penal indicado pela acusação.

Pelo contrário: longe de configurarem crimes, tais

excertos expressam tão somente a opinião política do DEFENDENTE, na

qualidade de parlamentar no exercício da sua função, em diálogo mantido com

o seu eleitorado.

É o que se passa a expor.

2 Isso porque a Lei Federal nº 7.716/1989 criminaliza somente condutas de “discriminação ou

preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

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II. DA ACUSAÇÃO GENÉRICA

Em verdade, no preâmbulo da defesa, cumpre destacar

que o DEFENDENTE se surpreendeu com o oferecimento precipitado da

acusação pública, pois prestou esclarecimentos sobre os fatos, mostrou a

inexistência de intenção de perpetrar infração penal e aclarou o contexto de

seu discurso como parlamentar, mediante petição endereçada à D.

Procuradoria Geral da República (doc. 02).

Tal petição foi, como se percebe, desconsiderada. E, se

havia dúvidas quanto a elementos objetivos ou subjetivos a serem dirimidos,

natural seria a requisição de inquérito policial (art. 5º, II, do CPP), para apurar

suposta materialidade do fato e potencial tipicidade de crime.

Preferiu, todavia, o acusador, o caminho fácil de

ofertar denúncia, com certo oportunismo diante da campanha eleitoral que se

avizinhava.

Ora, a denúncia é a base do processo penal. Além de

ser a materialização do ato público de acusar3, ela traz, em seu conteúdo, a

delimitação da premissa acusatória que será colocada à prova no curso da

instrução processual.

Por essa razão, a legislação federal determina que a

proposta acusatória contenha “a exposição do fato criminoso, com todas as

suas circunstâncias” (art. 41, do Código de Processo Penal), para possibilitar

plena compreensão da conduta típica em tese adotada pelo acusado.

Há muito a doutrina disserta sobre os impactos que o

descumprimento dessa norma tem sobre as diversas garantias constitucionais

e processuais penais. RENATO BRASILEIRO DE LIMA destaca que a adequada

imputação do fato delituoso é requisito essencial da peça acusatória “já que

3 ANTONIO SCARANCE leciona que “a materialização do ato inicial de acusar expressa-se pela denúncia

ou pela queixa, que correspondem à petição inicial do processo civil”. Fernandes, Antonio Scarance.

Reação defensiva à imputação/Antonio Scarance Fernandes. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 153

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resguarda princípios basilares do processo penal: contraditório, ampla defesa e

correlação entre acusação e sentença 4.

Por esse motivo ADA PELLEGRINI GRINOVER, em obra

referência no tema das nulidades, concluiu que “a narração deficiente ou

omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade

absoluta, não podendo ser sanada, pois infringe os princípios

constitucionais”5. Afinal, se o réu não sabe de qual conduta é acusado,

também não saberá do que se defender, e o exercício do contraditório e ampla

defesa restará prejudicado (art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal).

Assim, ao expor o fato criminoso, deve o Parquet (art.

129, inc. I, da Constituição Federal) se atentar à indicação da conduta

considerada delituosa em todas as suas circunstâncias. Essa narrativa deve

ser feita, ensina a doutrina, “com dados fáticos da realidade, não bastando a

simples repetição da descrição típica”6.

Esse dever ganha especial relevância nos denominados

crimes plurinucleares, nos quais, para incidência da norma, basta que o

agente pratique uma das condutas previstas pelo tipo penal. Em relação a

essa espécie de delito, para que haja plena compreensão da acusação

formulada, mostra-se necessário que o órgão acusador indique em qual das

ações típicas o agente incorreu.

No mesmo sentido, no caso de imputar ao agente a

prática de mais de um dos verbos típicos (ou todos eles), deve o acusador

indicar qual ação do acusado se subsumiu a cada um dos núcleos da

norma incriminadora. Nesse contexto, a mera narrativa fática histórica,

seguida da repetição do enunciado do tipo penal, será considerada incompleta,

4 E o autor continua “Tendo conhecimento com precisão dos limites do fato delituoso a ele imputado,

poderá o acusado se contrapor a pretensão acusatória o mais amplamente possível. Lado outro, a

escorreita delimitação da imputação também viabiliza a própria aplicação da lei penal, porquanto permite ao órgão jurisdicional dar ao fato narrado a correta e justa correspondência normativa, fazendo o juízo de subsunção do fato imputado à normal penal incriminadora”. Lima, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal/ Renato Brasileiro de Lima. – Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 255.

5 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães.

As nulidades no processo penal, p. 95.

6 LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal/ Renato Brasileiro de Lima. – Niterói, RJ:

Impetus, 2013, p. 252.

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já que impedirá o acusado de se defender da imputação que lhe é dirigida (art.

5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal).

Essa é exatamente a hipótese dos autos.

A denúncia formulada pela D. Procuradora-Geral da

República imputa ao DEFENDENTE a prática de todas as condutas previstas nos

verbos nucleares do crime do artigo 20, caput, da Lei Federal 7.716/1989, que

é de ação múltipla, mas não indica como ele teria incorrido em cada uma

delas.

Ao contrário, limita-se a descrever os trechos do seu

discurso que teriam, em tese, cunho delituoso, repetindo ipsis literis a

descrição típica sem delimitar quais verbos ali contidos estariam configurados

na espécie e, muito menos, associá-los de maneira direta a qualquer das falas

do DEFENDENTE. Vejamos:

“Especificamente quanto aos trechos 37:12, 48:13 e 49:25 da fala

do parlamentar no Clube Hebraica, em 3 de abril de 2017,

extrai-se que o denunciado, de maneira livre e consciente,

também praticou, induziu e incitou discriminação e

preconceito contra comunidades quilombolas”.

(...)

“Já nos trechos 16:00, 17:16, 56:44 e, principalmente, aos 58:05

do vídeo, JAIR BOLSONARO incita a discriminação entre seus

ouvintes em relação aos estrangeiros, principalmente ao

sustentar situações de envolvimento destes com práticas de

guerrilha e luta armada, conforme se extrai do seguinte trecho,

já acima transcrito no contexto integral da fala do denunciado:

'Mas dentre esses uma minoria que pode fazer um estrago muito

maior do que nós enfrentamos, em especial de 66 a 73, numa luta

armada e na guerra e guerrilha dentro do nosso Brasil'.

Estas manifestações feitas pelo acusado, de incitação a

comportamento e sentimento xenofóbico, reforça atitudes de

violência e discriminação que são vedadas pela Constituição e

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pela lei penal, notadamente em face de estrangeiros ou

imigrantes, como se pode aferir (...)”.

E, ao final, conclui que:

“Ao assim agir, JAIR MESSIAS BOLSONARO praticou a

conduta ilícita tipificada no art. 20, caput da Lei 7.716/89, vez

que, em seu discurso tratou os quilombolas como seres

inferiores, igualando-os a mercadoria (discriminação) e ainda

reputou-os inúteis, preguiçosos (preconceito) e também incitou

a discriminação em relação aos estrangeiros, estimulando os

presentes no Clube Hebraica, um público de cerca de trezentas

pessoas, além de outras pessoas que tiveram acesso a vídeos

divulgados do evento, a pensarem e agirem de igual forma

(induzimento e/ou incitação)”.

Percebe-se, desse modo, que a D. Procuradora-Geral

da República exerceu a função constitucional de acusadora pública, mas o fez

em desacordo às exigências legais. Não cuidou de especificar de que modo o

DEFENDENTE praticou, induziu e/ou incitou, a discriminação e/ou preconceito

contra a comunidade quilombola e estrangeiros.

Afinal, os verbos nucleares criminalizados pela Lei

Federal nº 7.716/1989 vedam a prática de condutas diferentes: praticar é

realizar materialmente o ato – ou seja, fazer algo você mesmo7; incitar, por

sua vez, traduz a ação de estimular, encorajar (alguém) a fazer determinada

coisa8, criando “uma ideia, até então inexistente, na cabeça de alguém”9; por

fim, induzir, de acordo com a dogmática penal, tem sido interpretado como

7 PRADO, Luiz Regis. Leis penais especiais: parte I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,

p. 31.

8 Dicionário Houaiss da língua portuguesa / Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado pelo

Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. 1 ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1065.

9 RANGEL, Paulo; BACILA, Carlos Roberto. Lei de Drogas: Comentários Penais e Processuais. São

Paulo: Editora Atlas S.a, 2015. 107 p.

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“inspirar, incutir, sugerir, persuadir” 10 alguém à prática de ideia já

preexistente11.

São, como é possível perceber, condutas diversas que

exigem atos distintos entre si para sua consumação. Alguns dos verbos

nucleares chegam até a ser contraditórios entre si, como incitar e induzir, já

que o primeiro é o estímulo de opinião já existente, enquanto o segundo

depende da criação de ideia até aquele momento inexistente na mente do

influenciado.

E mais, não é qualquer incitação ou induzimento que

permite a incidência da norma penal. Conforme será abordado adiante (v.

tópico III.1), somente o estímulo à prática de condutas criminosas é que se

mostra do interesse do Direito Penal (art. 31, do Código Penal), razão pela

qual cabia ao órgão acusador indicar qual ação criminosa teria sido

estimulada pelo discurso do acusado.

A mesma situação ocorre com os objetos dos verbos

nucleares. Afinal, o DEFENDENTE praticou/induziu/incitou a discriminação, o

preconceito ou os dois? Contra quilombolas e/ou estrangeiros? Cumpre

indagar, porque da peça acusatória não é possível depreender qual da

afirmação supostamente delituosa teria configurado cada uma das condutas

ora tipificadas.

Cabia ao D. Parquet Federal, para acusar o

DEFENDENTE, indicar dentre os trechos do seu discurso qual caracterizou cada

um dos verbos nucleares e, além disso, em prejuízo de qual de seus objetos.

Isto é, qual configurou a prática, incitação ou induzimento, se de

discriminação ou de preconceito e, por fim, contra quem.

Essa deficiência torna a r. denúncia genérica e

impossibilita a compreensão dos limites da acusação formulada. Peças

inaugurais tais como essa já foram objeto de apreciação por esse E. Supremo

Tribunal Federal que assim decidiu:

10 PRADO, Luiz Regis. Leis penais especiais: parte I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,

p. 31.

11 JESUS, Damásio de. Lei Antidrogas. São Paulo: Saraiva, 2010. 138 p.

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“denúncia imprecisa, genérica e vaga, além de traduzir

persecução criminal injusta, é incompatível com o princípio

da dignidade humana e com o postulado do direito à defesa e

ao contraditório.

Ou seja, a denúncia deve projetar todos os elementos –

essenciais e acidentais – da figura típica ao caso concreto,

descrevendo as circunstâncias dessa projeção”12.

Não se pode olvidar que a mera existência de

imputação penal traz ônus ao acusado, ainda mais em se tratando de

representante popular, acusado de crime de tamanha gravidade, imprescritível

e inafiançável (artigo 5º, inc. XLII, da Constituição Federal). Por isso é que se

exige rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas

ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

A descrição deficiente da conduta criminosa também

impacta diretamente no exercício do contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc.

LV e LVI, da Constituição Federal) do DEFENDENTE que, diante dessa situação,

vê-se com ônus de se defender de todos os cenários possíveis que

exsurgem da combinação de todas as condutas descritas no tipo com

todos objetos indicados, contra sujeitos diferentes: quilombolas,

estrangeiros e indígenas.

Ora Excelências, a acusação necessita de ser certa,

pois, conforme bem lembrado pela doutrina, ao tratar do direito do réu de ser

bem acusado:

“ainda que a denúncia ou acusação possam ser sucintas, não se

pode esquecer que o acusado se defende dos fatos a ele

imputados (com precisão e coerência), ou seja, ele se defende

não do universo de fatos eventualmente constantes dos autos,

12 Inq 3.752/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 22/10/14

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mas dos fatos que, desse universo, o órgão acusador resolver,

com precisão, destacar e imputar-lhe a autoria”13.

Ante o exposto, considerando que a inicial acusatória

falha no atendimento das formas essenciais ao ato, constantes no artigo 41,

do Código de Processo Penal, bem como por afrontar os princípios da ampla

defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal), deve

a denúncia oferecida ser rejeitada, nos termos do artigo 395, inciso I, do

Código de Processo Penal.

III. ATIPICIDADE DOS FATOS

O D. Órgão acusador sustenta que trechos da palestra

do DEFENDENTE se amoldariam às condutas previstas no crime do artigo 20,

caput, da Lei Federal 7.716/1989. Contudo, diferentemente do quanto

exposto, as declarações do parlamentar não configuram a prática,

incitação e induzimento de discriminação e preconceito.

É o que será demonstrado a seguir.

III.1. Inexistência de incitação e induzimento a discriminação e

preconceito

Acusa-se o DEFENDENTE de ter incitado e induzido a

prática de discriminação e preconceito. No entanto, na inicial acusatória, não

há descrição de nenhuma conduta do autor que visasse estimular a prática de

ação delituosa por parte dos supostos influenciados, o que inviabiliza a

tentativa de criminalização do comportamento narrado.

Explica-se.

O conteúdo semântico dos verbos incitar e induzir

correspondem à ação do agente de estimular comportamentos alheios.

13 https://www.conjur.com.br/2014-set-08/constituicao-poder-direito-bem-acusado-ou-nem-tudo-

numa-acusacao. Acesso em 28.05.2018, às 17h00.

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Logo, no caso do crime do artigo 20, da Lei Federal

7.716/1989, a tipicidade da conduta de incitação ou induzimento depende do

estímulo à prática de ações discriminatórias e/ou preconceituosas que

tenham conteúdo delitivo. Caso contrário, estar-se-á excitando outrem a

conduta desinteressante ao Direito Penal e que jamais poderá ser punida.

Pois bem. Em nosso ordenamento jurídico, a legislação

responsável por definir os crimes de cunho discriminatório e preconceituoso é

a própria Lei Federal 7.716/1989.

Essa conclusão é alcançada a partir da leitura do

preâmbulo de tal diploma legal, no qual se estabelece que ele “define os

crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”. Também seu artigo

1º, alterado no ano de 1997 para ampliar seu escopo e abarcar as condutas

discriminatórias, dispõe que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes

resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou

procedência nacional”.

Conclui-se, pois, que, para que sejam passíveis de

punição, as condutas de incitar e induzir previstas no mencionado artigo

20 devem ter como objeto um dos comportamentos tipificados nos

demais artigos da Lei Federal 7.716/1989 (art. 3º a 14). Afinal, o estímulo

a qualquer conduta que não esteja criminalizada impedirá a incidência da

norma penal.

Por esse motivo se conclui que a acusação, no caso

sub examinem, não descreveu nenhuma incitação ou induzimento a ações

discriminatórias e/ou preconceituosas que configurem crime.

Os crimes definidos pela Lei Federal 7.716/1989

tipificam condutas específicas, voltadas a negar acesso a cargos, empregos,

estabelecimentos (de ensino, comerciais, hotéis), uso de transportes etc., em

decorrência da condição da vítima. Trata-se, pois, de condutas ativas que

culminam em empecilhos empiricamente verificáveis àquele que é vítima da

discriminação ou preconceito.

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A punição do comportamento incitador depende, pois,

intimamente, da tipicidade da conduta estimulada. O texto legal é expresso a

esse respeito e não deixa espaço para dúvidas. Não existe, pois, na conduta

do DEFENDENTE, nenhum ato que possa caracterizar as situações de

induzimento e incitação passíveis de punição pela norma penal.

Basta ler as transcrições de fls. 03/05 para perceber

que o DEFENDENTE não trata sobre política de admissão de cidadãos a cargos

ou empregos, públicos ou particulares, nem de ingresso de estudantes ao

sistema educacional, muito menos acerca da restrição de acesso a

estabelecimentos comerciais.

Essa circunstância é reconhecida pelo órgão acusador

no único momento da denúncia no qual tentou, sem sucesso, delimitar a

suposta incitação atribuída ao DEFENDENTE. A instigação criminalizada seria a:

(...) discriminação entre seus ouvintes em relação aos

estrangeiros, principalmente ao sustentar situações de

envolvimento destes com práticas de guerrilha e luta armada,

conforme se extrai do seguinte trecho, já acima transcrito no

contexto integral da fala do denunciado: 'Mas dentre esses

uma minoria que pode fazer um estrago muito maior do que nós

enfrentamos, em especial de 66 a 73, numa luta armada e na

guerra e guerrilha dentro do nosso Brasil'.

O trecho acima transcrito não descreve estímulo à

prática de nenhuma conduta criminosa. Por mais que a discriminação de

estrangeiros, por si só, possa ser comportamento moral e socialmente

reprovável – o que, conforme será demonstrado adiante, também não ocorreu

(v. tópico III.2.b) – jamais poderá configurar crime, porque não se subsome a

nenhum dos comportamentos previstos nos demais tipos penais da legislação.

Ademais, não se pode deixar de destacar que as

afirmações feitas pelo DEFENDENTE estão longe de caracterizar as situações de

induzimento e instigação a qualquer comportamento. Assim, além de não

terem por objeto condutas criminosas, a própria fala do parlamentar não teve

caráter estimulador de terceiros.

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Ora, o simples fato das falas reproduzidas na

denúncia terem sido proferidas em discurso para público alvo de 300

(trezentas) pessoas não possui o condão de atribuir caráter ilícito ao ato.

Caso contrário, qualquer pronunciamento público sobre assuntos polêmicos

poderia se subsumir às hipóteses legais.

A instigação delitiva, porém, não se caracteriza pelo

local em que o agente faz suas afirmações, mas pelo teor da sua fala. Para

configurar crime, necessário que o parlamentar tivesse induzido, sugerido,

persuadido, ou incitado14 a audiência a apresentar comportamento

discriminatório ou preconceituoso. E da audição atenta dos mais de 60

(sessenta) minutos de palestra, verifica-se inexistir qualquer afirmação nesse

sentido.

Todo o dito ali não passou da exposição de opiniões

do DEFENDENTE, que em momento algum convidou aqueles que assistiam à

palestra a aderirem à sua visão pessoal acerca de estrangeiros e quilombolas.

Mais importante: muito menos estimulou o DEFENDENTE que os ouvintes de

seu discurso adotassem comportamentos prejudiciais a quaisquer dos

grupos aos quais fez referência. E, sem que haja esse estímulo à ação

proibida por lei, se está diante de verdadeira tentativa de criminalizar opiniões,

o que, por si só, é vedado pela Constituição Federal (artigo 5º, IV, da

Constituição Federal).

Há um ponto relevante, também, a ser observado. O

discurso, caso ato de expressão de pensamento, ou ato de comunicação,

também, deve ser avaliado com a perspectiva de quem o via e escutaria. Não

existia a mínima possibilidade de o DEFENDENTE perpetrar tais crimes, porque

a plateia era composta de pessoas com nível intelectual e discernimento, as

quais entenderam de plano o sentido crítico e jocoso da mensagem.

Não bastasse, surge no mínimo estranho querer ver,

num discurso político, realizado em clube de comunidade judaica carioca, a

intenção de incitar tal público à discriminação. Afinal, pós Segunda Guerra

14 Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Negib Slaibi Filho e Priscila Pereira

Vasques Gomes – 31. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 743 e 759.

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15

Mundial, ninguém mais do que os judeus sabem o dessabor do preconceito,

mostrando-se impermeáveis, como sabia o orador, ao ódio de raça e cor.

Para que não restem dúvidas, cumpre apontar o

que ocorre na denúncia ora ofertada: busca-se criminalizar o pensamento

do DEFENDENTE que, muito embora possa causar incômodo àqueles que

dele não compartilham, não encontram vedação legal, sendo-lhe, ao

contrário, resguardado seu direito de expressá-lo. Ao insinuar que, ao

expressar suas opiniões, o DEFENDENTE está a instigar os delitos descritos

na Lei 7.716/1989, a D. Procuradora-Geral da República intenta silenciar

vozes que, ainda que polêmicas, nada têm de ilegais.

Nesse contexto, outra solução não resta a esse E.

Supremo Tribunal Federal, que não absolver sumariamente o DEFENDENTE da

acusação de suposta prática de incitação e induzimento a discriminação e

preconceito contra quilombolas e estrangeiros, ante a atipicidade da conduta

narrada, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.

III.2. Inexistência de afirmações discriminatórias e preconceituosas

Passemos, agora, a análise da parte da r. denúncia

que acusa o DEFENDENTE de ter praticado a discriminação e o preconceito

contra quilombolas e estrangeiros, em razão dos trechos da palestra

reproduzidos na peça inaugural.

De antemão, cumpre destacar que a forma como o

Parquet Federal construiu a premissa acusatória impede a compreensão dos

limites da acusação, porque falha em definir o que seriam condutas

discriminatórias e preconceituosas.

É valido relembrar que discriminação e preconceito não

são características do ato que estão à mercê da interpretação valorativa pelos

operadores do Direito. Pelo contrário, são conceitos técnicos que delimitam os

contornos ilícitos das condutas praticadas.

Até porque, se assim não fosse, a conclusão sobre o

caráter preconceituoso ou discriminatório de cada conduta dependeria da

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16

opinião subjetiva dos Magistrados, e não da adequação do fato aos limites do

tipo penal, em ofensa ao princípio da legalidade (art. 5º, inc. XXXIX, da

Constituição Federal e art. 1º, do Código Penal).

Dessa forma, a Lei Federal 7.716/1989 se apresenta

como norma penal em branco, vez que incorpora em seu conteúdo conceitos

técnicos que precisam ser definidos em lei específica a fim de viabilizar a

compreensão do caráter proibitivo da conduta15.

No entanto, apesar do legislador ter feito uso da

técnica legislativa da remissão, incluindo esse conceito técnico como um dos

elementos do tipo penal, falhou em trazer, no mesmo diploma legal, a sua

definição.

E nem se diga que essa falha legislativa poderia ser

suprida importando-se à Lei Federal 7.716/1989 o conceito de discriminação

racial exposto no Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal 12.288/2010).

Em primeiro, porque tais diplomas possuem objetos

diversos. O Estatuto da Igualdade Racial instituiu normas voltadas a “garantir

à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos

direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às

demais formas de intolerância étnica” (art. 1º), ao passo que a norma de

natureza penal em questão (Lei Federal 7.716/1989) tipifica crimes

resultantes de tratamento diferenciado em decorrência de “raça, cor, etnia,

religião ou procedência nacional”.

Mesmo que assim não fosse, o Estatuto da Igualdade

Racial é expresso ao restringir que tais conceitos devem ser utilizados

somente à finalidade daquela própria lei (art. 1º, parág. único) e o direito

penal, dada a sua natureza, opera sob o regime da interpretação restritiva da

norma.

15 A esse respeito, Frederico Horta disserta: "um elemento normativo só será também um elemento em

branco da lei penal, independentemente do escalão da norma que o defina, quando seu sentido venha a ser especificamente conferido por um imperativo, isto é, quando por meio dele a lei se referir ao próprio preceito ou a parte do preceito cuja inobservância se pune" Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do dolo: Da natureza do erro sobre o dever extrapenal em branco. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2016. Coleção Direito Penal & Criminologia, p. 93.

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Portanto, o exercício da defesa ao caso é, mais uma

vez, prejudicado (art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal), já que não se sabe,

tecnicamente, quais condutas o legislador considera discriminatórias e

preconceituosas, a fim de legitimar futura restrição da liberdade do indivíduo

(art. 5º, da Constituição Federal), e, ao acusar, não cuidou o D. Parquet

Federal de suprir essa imprecisão legislativa.

Contudo, mesmo diante dessa falha, o DEFENDENTE, a

fim de demonstrar que jamais se pronunciou de forma criminosa, e que em

suas palestras não houve qualquer tipo de afirmação discriminatória ou

preconceituosa, adota por base as explicações aos conceitos encontradas na

doutrina.

RICARDO ANTONIO ANDREUCCI16, ao tratar de crimes

raciais, explica que a discriminação "expressa a quebra do princípio da

igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça,

cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas", enquanto o

preconceito "indica opinião ou sentimento, quer favorável, quer desfavorável,

concebido sem exame crítico, ou ainda atitude, sentimento ou parecer insensato,

assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência

pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.”.

Ou seja, enquanto o preconceito é a mera opinião

intolerante, a discriminação exige do agente a efetiva ação de tratamento

diferenciado. E, conforme será analisado adiante, nenhuma das afirmações

pronunciadas pelo DEFENDENTE apresenta conteúdo discriminatório ou

preconceituoso.

III.2.a. Sobre as afirmações direcionadas às comunidades quilombola

Equivoca-se a D. Procuradoria-Geral da República ao

dizer que o DEFENDENTE teria se pronunciado de forma discriminatória e

preconceituosa sobre as comunidades quilombolas, nos minutos 37:12, 48:13

e 49:25 da palestra.

16 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. 437 p.

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Os trechos transcritos na inicial acusatória foram

reproduzidos fora de contexto, o que prejudica a compreensão do conteúdo

das afirmações.

A própria teoria da comunicação destaca que os efeitos

cognitivos das mensagens dependem dos significados que lhe são atribuídos,

também pela cultura e contexto de quem está a comunicar17. Por isso é que

toda fala deve ser interpretada em conjunto com todos os seus elementos “pois

eles se influenciam reciprocamente, e tal dependência é fundamental no

momento das decisões e atitudes que seguem as relações de comunicação” 18.

No mesmo sentido, aqueles que trabalham com as

mensagens devem fidelidade às comunicações: “É um compromisso com a

mensagem transmitida que não pode chegar ao receptor de forma distorcida,

senão, não cumprirá seu objetivo primeiro, que é comunicar”.

Por essa razão é que qualquer excerto retirado de

seu contexto pode ser completamente ressignificado pelo autor do seu

recorte. O entendimento íntegro da mensagem transmitida só é plenamente

assegurado quando determinado trecho é interpretado em seu contexto

original.

Pois bem.

Na palestra proferida no Clube Hebraica, o DEFENDENTE

tratou sobre diversos temas políticos, criticando alguns projetos de Governo e

elogiando outros – sempre em consonância com as pautas às quais se filia.

Dentre outros assuntos, sustentou a impropriedade de determinadas reservas

indígenas e quilombos, à luz do prejuízo que trazem ao desenvolvimento

econômico do Brasil e do emprego racional dos escassos recursos públicos

federais.

17 Sousa, Jorge Pedro. Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Medias. 2ª ed. rev. e

ampl., p. 22. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-elementos-teoria-pequisa-comunicacao-media.pdf. Acesso em 30.05.2018, às 10h01min. 18 Hadad, Carla Thereza dos Santos. Ruído: Presença, interferência e consequência. Disponível em:

http://carlahadad.blogspot.com/2011/06/ruido-presenca-interferencia-e.html. Acesso em 30.05.2018, às 10h09min.

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As falas apontadas como ofensivas aos quilombolas

integravam, pois, crítica ampla e genérica à política de demarcação de terras e

os impedimentos que podem trazer à geração de riqueza e emprego.

O uso da unidade de medida “arroba19” (37:12) para se

referir ao peso dos quilombolas, cumpre esclarecer, não se deu para

desumanizá-los ou equipará-los a animais, como sugeriu o órgão acusador.

Trata-se, tão-somente, de uma hipérbole, voltada a enfatizar o discurso, e não

a menosprezar ou discriminar.

Aliás, a associação de tal unidade de medida –

utilizada para incontáveis outros fins que não a pesagem de animais - exsurge

fruto da visão parcial do D. Órgão Acusatório em relação ao DEFENDENTE, que,

em sua fala, nenhum indício deu de que selecionou o termo “arroba” com o fim

de associar quaisquer seres humanos a animais.

Portanto, a interpretação feita pelo Parquet, de que o

emprego da unidade de medida “arroba” se deu com o intuito de menosprezar

a comunidade quilombola, não passa de mero exercício interpretativo-

criativo sobre as frases isoladas do seu contexto original.

A mesma sorte recai sobre o comentário feito pelo

DEFENDENTE de que os quilombolas “não fazem nada”, o qual não foi proferido

com a intenção de depreciá-los “apenas por sua condição pessoal”, como expõe

a D. Procuradoria-Geral da República. Pelo contrário, foi utilizado como forma

de expressão em contexto no qual destacava os aspectos negativos observados

da visita feita à comunidade de Eldorado Paulista, em especial a postura

assistencialista adotada pelo Governo em relação aos membros de tal

comunidade.

Nesse momento da palestra, o DEFENDENTE discorria

sobre os prejuízos que a demarcação das terras indígenas e quilombolas

trazem ao Governo Federal. Criticou, com isso, o gasto de vultuosas quantias

financeiras para preservação das comunidades e seus integrantes (“Mais de

um bilhão de reais por ano gastado”), ao passo que o mesmo local poderia ser

utilizado para construção de obras rentáveis, tal como as hidrelétricas.

19 Unidade de medida de peso que equivale a 15kg.

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O caráter crítico do discurso do DEFENDENTE exsurge

do próprio conteúdo da palestra, principalmente dos temas tratados após o

minuto 37:15 – convenientemente transcrito fora de contexto pelo órgão

acusador.

Após repreender a política de demarcação de terras

das comunidades quilombolas, o DEFENDENTE segue tratando de assuntos

contemporâneos de interesse popular. Discorre, assim, acerca da luta de

classes no Brasil (38:46), da falta de medidas de educação eficazes (39:32), da

desvalorização dos professores na rede pública e privada (40:14), dos temas

priorizados no currículo pedagógico (41:00; 42:37; 43:30), bem como do

ambiente agressivo que se instalou nas escolas, também por conta do uso de

drogas (41:39).

Após se pronunciar sobre todos esses temas, o

DEFENDENTE tratou sobre a desigualdade social, criticando, de forma

construtiva, o “Bolsa-Família” – política de governo que divide a opinião dos

brasileiros20. Censurou a forma como o programa atrapalha, por exemplo, o

cálculo sobre os índices de desempregados no Brasil, ao dizer que “nós não

temos 12 milhões de desempregados, nós temos 40 milhões, por que eles

consideram quem tem bolsa-família como empregado” (48:13).

Foi nesse contexto – e não o de crítica às comunidades

quilombolas, sobre quem o DEFENDENTE havia falado 12 minutos antes na

palestra – que ele tratou sobre a postura àqueles que se encontram em

desvantagem econômica no Brasil, falando, por exemplo, daqueles que pedem

esmolas em faróis (48:13). Não há qualquer caráter discriminatório ou

preconceituoso em se manifestar sobre o assunto!

E, seguindo no debate sobre temas polêmicos – afinal,

outra postura não se espera dos representantes do povo senão discutir

questões que importam à pauta nacional, ainda que sejam desagradáveis – o

DEFENDENTE criticou o repasse de valores às Organizações Não

20 Como se extrai da pesquisa feita pela Universidade Estadual de Campinas (SP):

https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/op/article/view/8641334/9157. Acesso em 29.05.2018, às 16h10.

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Governamentais, e repetiu sua opinião sobre as demarcações de terra para

comunidades indígenas e quilombolas (49:25).

Curioso observar como a inicial acusatória distorce o

contexto em que proferidos os trechos destacados. Isso porque, após dizer que

[se for eleito presidente da república] “não vai ter um centímetro demarcado pra

reserva indígena ou pra quilombola”, posicionando-se quanto à impropriedade

de determinadas reservas indígenas e quilombos, o DEFENDENTE disse “com

parcerias nós vamos resgatar esse Brasil”.

Ou seja, da análise contextualizada das falas do

DEFENDENTE, se percebe que as afirmações destacadas pelo órgão acusador

não constituíram discurso discriminatório ou preconceituoso. Em sentido

contrário, suas exposições são verdadeiras críticas às políticas públicas

brasileiras, expostas na r. denúncia totalmente fora de contexto.

III.2.b. Sobre as afirmações direcionadas aos estrangeiros

De igual maneira, também é prematura a conclusão

alcançada pela D. Procuradoria-Geral da República de que o DEFENDENTE teria

se pronunciado de forma discriminatória e preconceituosa sobre os

estrangeiros, nos minutos 16:00, 17:16, 56:44 e 58:05 do vídeo.

Trata-se, mais uma vez, de manifestações políticas,

que foram retiradas de contexto e assim impedem a compreensão do real

conteúdo veiculado pelo DEFENDENTE em sua palestra.

Conforme exposto anteriormente, no discurso feito em

03 de abril de 2017, o parlamentar abordou diversos temas polêmicos

pertinentes ao desenvolvimento nacional. Após se manifestar sobre a

demarcação das terras quilombolas, desigualdade social, “Bolsa-Família”,

segurança pública, educação, drogas, etc., o DEFENDENTE tratou sobre os

refugiados abrigados pelo Brasil, principalmente no Estado de Roraima.

Em seu discurso, opinou sobre o grande fluxo de

imigrantes que chegam no referido Estado vindos da Venezuela, mostrando-se

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desfavorável ao recebimento indisciplinado de refugiados, que impactam social

e economicamente a região, conforme ressaltam os economistas21.

Esse é o contexto no qual o DEFENDENTE disse ser

“contra estrangeiros aqui dentro” (16:00): durante o necessário debate sobre a

questão humanitária que é o abrigo de refugiados pelo Brasil.

A mera opinião contrária à aceitação indiscriminada de

refugiados e imigrantes dentro do território nacional não é criminalizada pela

Lei Federal 7.716/1989, também porque esbarraria na garantia constitucional

à liberdade de expressão (art. 5º, inc. IX, da Constituição Federal).

Para caracterizar as condutas vedadas pelo tipo penal,

exige-se que o agente pratique conduta segregacionista (discriminação), ou

faça juízo de valor previamente concebido a partir da condição de forasteiro do

sujeito (preconceito), circunstâncias estas que extrapolariam a manifestação

pública da opinião. Nenhum dos dois se mostra configurado in casu.

Nesse mesmo contexto, seguindo na crítica à postura

adotada pelo atual Governo Federal sobre o recebimento de refugiados no

Estado de Roraima, o DEFENDENTE destacou a necessidade de políticas

públicas e definição de critérios para recepcionar os estrangeiros:

“se aceita, vamos criar campos de refugiados. Se não aceita,

devolve. O Brasil não pode se transformar na casa da mãe

Joana. Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo

de forma indiscriminada. Não tem problema vir pra cá quem

quer que seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento

da vida pregressa dessas pessoas” (56:44).

Observa-se que, apesar de se definir como nacionalista,

cuidou o DEFENDENTE de destacar aos ouvintes não ser contra o

acolhimento dos refugiados no Brasil. Disse, de maneira expressa, ser a

favor da criação de políticas públicas direcionadas à sua recepção para

21 https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/02/26/internas_economia,940110/a-crise-

dos-refugiados-em-roraima-e-a-imigracao-em-massa-para-a-europa.shtml. Acesso em 29.05.2018, às 18h14min.

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minimizar os impactos na vida dos cidadãos brasileiros. Esse é o verdadeiro

contexto no qual as declarações foram feitas, e não para discriminar

indivíduos de procedência estrangeira.

Destaca-se também que não são atingidos pela norma

incriminadora os trechos em que o DEFENDENTE cita as graves consequências

que o acolhimento indiscriminado de estrangeiros pode trazer ao País, em

referência à época do regime militar (58:05).

Não se pode esquecer que, apesar de o abrigo de

refugiados ser uma questão humanitária, o aumento exponencial da

população nos Estados se reflete na qualidade dos serviços básicos como

saúde, moradia, educação e emprego, principalmente na vida daqueles que

dependem exclusivamente do serviço público para subsistência.

Portanto, deduzir que o parlamentar incita

comportamento e sentimento xenofóbico, somente por mencionar período

histórico com “práticas de guerrilha e luta arma”, conforme sugeriu o D.

Parquet Federal, é mais um recurso utilizado pela acusação para fazer

conjecturas sobre trechos do seu discurso retirados de contexto.

Até porque, importante relembrar, o discurso do

parlamentar foi feito no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, local de reunião da

comunidade judaica, que sofreu com a perseguição do seu povo e o

antissemitismo desde a antiguidade até o nazismo. Por essa razão, beira o

absurdo argumentar que o DEFENDENTE, futuro candidato à Presidência da

República, iria estimular a xenofobia justamente neste ambiente e ser tão bem

recepcionado.

Por todas essas razões é que não há conteúdo

discriminatório ou preconceituoso contra os estrangeiros no discurso do

DEFENDENTE.

III.2.c. Das afirmações direcionadas aos indígenas

Do mesmo modo, também fogem aos contornos do

ilícito penal apontado na denúncia as críticas feitas à forte presença da

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comunidade indígena no Estado de Roraima, seguidas da afirmação de “hoje

você não pode fazer uma hidrelétrica” (17:16).

Novamente, o contexto em que proferidas as

afirmações demonstra que o DEFENDENTE discorria sobre os abundantes

recursos minerais presentes na região, que poderiam ser convertidos em

benefício do Estado (como ouro, bauxita e diamante, citados aos 17:2622), caso

permitida a exploração da região ocupada pela comunidade indígena.

Ora, não há nada de discriminação ou preconceito em

criticar as políticas públicas adotadas pelos governantes atuais, ainda que os

destinatários de tal política sejam minorias!

Ir contra decisões de governo que beneficiam

determinado grupo de cidadãos não denota preconceito ou discriminação,

mas, tão-somente, opinião política, sem qualquer juízo pessoal quanto aos

indivíduos que o integram.

A demarcação das terras indígenas é sabidamente

tema polêmico, altamente discutido pela população brasileira e pelo Congresso

Nacional, na busca de soluções para o melhor emprego dos insuficientes

recursos públicos federais.

Ante todo o exposto e, em virtude da inexistência

de afirmações discriminatórias e preconceituosas nos atos atribuídos ao

DEFENDENTE, contra quilombolas, estrangeiros e indígenas, verifica-se que

a conduta descrita na denúncia não se amolda aos limites do tipo penal

em questão, razão pela qual deve ser absolvido sumariamente, nos termos

do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.

IV. IMUNIDADE PARLAMENTAR

Caso Vossas Excelências não concluam pela

inadequação das afirmações destacadas pelo órgão acusador aos limites do

22 "é um pedaço de terra riquíssimo (...), dentro de Roraima os senhores acham aqui tudo que existe na

tabela períodica, tudo, A a Z, minerais lá, (palavra ininteligível), ouro, bauxita, diamante, tudo (...)".

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tipo penal do artigo 20, caput, da Lei Federal 7.716/1989, ainda assim os

pronunciamentos do DEFENDENTE não apresentam contornos de ilícito,

porquanto proferidos por agente parlamentar no exercício da sua função.

Os parlamentares são as vozes dos cidadãos dentro do

Congresso Nacional. Representam, dessa forma, a materialização do Estado

Democrático de Direito, assegurado por meio do voto popular. MIGUEL REALE,

catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, fez

importante observação sobre o assunto:

O Congresso, que é o órgão por excelência do processo

legislativo, é a imagem do povo que o elegeu. Muito embora

possa ser uma imagem que nos desaponte a todos, nem por

isso deixará ele de ser o espelho das opiniões dominantes, de

tal modo que um eleitorado desapontado com os seus

representantes está, no fundo, desapontado consigo mesmo.

(destacamos)23.

Dada a sua importância, historicamente foram

concebidas algumas garantias aos ocupantes de cargos públicos, a fim de

assegurar o pleno exercício da atividade política, em amparo à instituição – e

não ao seu ocupante.

A imunidade material é um dos mecanismos previstos

na Constituição Federal (art. 53, caput, da CF), que assegura a inviolabilidade

civil e penal dos parlamentares, "por quaisquer de suas opiniões, palavras e

votos", em proteção à vontade e soberania popular (art. 1º, inc. I, da CF), a fim

de evitar a ingerência de outros Poderes na atividade política24. FLÁVIA

PIOVESAN, ex-Secretária de Direitos Humanos, e GUILHERME FIGUEIREDO LEITE

GONÇALVES, em artigo escrito a respeito do tema destacaram que:

A imunidade parlamentar traz à tona a existência de um direito

reflexo: a reprodução da liberdade do indivíduo no âmbito

23 Reforma constitucional. Revista de Direito Público RDP 8/7 abr.-jun./1969.

24 A imunidade parlamentara no Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Constitucional e

Internacional, vol. 42/2003, jan-mar/2003, p. 190/206.

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estatal. O laissez faire dependia do não condicionamento político

e da ausência de amarras no exercício do mandato parlamentar.

É, portanto, instituto idealizado e aplicado para

garantir aos parlamentares liberdade em suas manifestações, para que o

exercício da atividade política não possa, de maneira alguma, ser ameaçado

pelo receio de que os pronunciamentos dos representantes do povo se voltem

contra eles.

Por objetivar a proteção da atividade política, é que as

manifestações alcançadas pelo manto da imunidade material devem guardar

relação com o exercício do mandato legislativo do parlamentar.

O próprio Douto Ministro desse E. Supremo Tribunal,

Celso de Melo, já destacou que esse instituto não representa uma proteção

ilimitada ao parlamentar, restringindo sua incidência aos atos relacionados ao

ofício congressual:

Isso, no entanto, não significa que a imunidade material, hoje,

em face do texto constitucional vigente, tenha se elastecido a tal

ponto que abranja e proteja o congressista na prática de atos

qualquer, ainda que desvinculados do exercício do oficio

congressual. É evidente que somente serão passíveis dessa

tutela institucional, dessa especial proteção jurídico-

constitucional, os atos cuja prática seja, em verdade, imutável ao

exercício do mandato legislativo, havendo, pois, de identificar a

necessária existência de um nexo de causalidade entre a prática

do ato e o exercício da atividade legislativa”25.

Por outro lado, é consenso tanto na doutrina quanto

na jurisprudência que o parlamentar goza de suas prerrogativas sempre que

estiver no exercício do mandato e não somente quando estiver fisicamente

dentro das dependências do Congresso Nacional26.

25 Inq. n. 510-0/143, RTJ 135/512.

26 Jurisprudência a respeito: "QUEIXA CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. SUPOSTA

OFENSA PROFERIDA POR MÍDIA SOCIAL. DEPUTADO FEDERAL. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ART. 53, CAPUT, CF. ABRANGÊNCIA. OFENSA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO. REJEIÇÃO.

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As garantias, portanto, seguem o seu possuidor em

todos os locais em que a atividade política se fizer presente.

Daí é que se percebe que as falas do DEFENDENTE

tratadas neste caso foram pronunciadas por parlamentar no exercício da sua

função, e, caso venham a ser consideradas típicas, ainda assim estão

protegidas pela imunidade material.

Não há dúvida que a palestra realizada no Clube

Hebraica do Rio de Janeiro, aos 03 de abril de 2017, constituiu exercício de

atividade política. O DEFENDENTE estava no local na condição de Deputado

Federal, para falar sobre assuntos políticos. Veja-se, como exemplo, o convite

da Palestra, necessário ao ingresso no evento:

O Presidente do Clube afirmou, em declaração

fornecida, que “o Exmo Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro foi convidado

pela HEBRAICA-RIO para evento particular em nossas dependências, restrito a

1. A inviolabilidade parlamentar abrange as manifestações realizadas fora do Congresso Nacional, inclusive quando realizadas por meio de mídia social, desde que presente o nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar. Precedentes. 2. Supostas expressões

ofensivas não direcionadas à querelante. 3. Ausência de vontade direta e inequívoca, por parte do querelado, de injuriar ou difamar. 4. Queixa rejeitada." Pet 5956, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 09-04-2018 PUBLIC 10-04-2018. E doutrina: "(...) De outra parte, assentou-se, igualmente, que a “a

imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade” MENDES, Gilmar Ferreira;

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. 962 p.

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convidados, na qualidade de parlamentar, a fim de palestrar sobre sua

visão geopolítica e econômica do nosso Brasil e de suas experiências

vividas em recente visita a Israel” (doc. 03).

Ressalta-se: ele estava lá como parlamentar, para

falar sobre as políticas nacionais. Até porque, não se pode esquecer, o

DEFENDENTE exerce, atualmente, o quarto mandato como Deputado Federal

do Rio de Janeiro e foi o candidato mais votado nas eleições ao contar com

o apoio de mais de 464 mil eleitores.

Fez-se presente, portanto, na qualidade de

representante do povo, palestrando sobre assuntos de relevância nacional,

para o seu próprio eleitorado!

Ao longo dos mais de 60 (sessenta) minutos de

palestra, o DEFENDENTE tratou sobre a política de demarcação das terras

quilombolas, desigualdade social, “Bolsa-Família”, segurança pública,

educação, drogas, refugiados, etc. Falou, também, sobre quais projetos

merecem destaque em contexto nacional e devem ser priorizados – como

permitir porte de arma aos cidadãos – ao passo que, no seu entender, outros

não merecem a destinação de tantos recursos estatais – como projetos sociais

e ONGs, por exemplo.

Todos os assuntos importam à população brasileira e

precisam ser discutidos e uma das funções do parlamentar é justamente fazer

a ponte entre o eleitorado e a pauta de assuntos em discussão no Congresso

Nacional. Por esse motivo, é tão comum que congressistas retornem aos

Estados que representam para interagir com a população e se inteirar das

demandas dos cidadãos.

É de conhecimento público que parte da agenda dos

parlamentares é realizada em Brasília, mas a outra parte é junto àqueles que

representa. Bem por isso é que existe uma gama de verbas acessórias

destinadas aos Deputados e Senadores, como suporte para que o

representante popular possa se deslocar e, se atualizando das demandas

locais e participando ativamente das discussões e votações na Casa

Legislativa.

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É o caso, por exemplo, do auxílio moradia, CEAP (cota

para o exercício da atividade parlamentar), e verbas destinadas ao custeio das

viagens e missões oficiais.27

Graças a esse suporte, não apenas o DEFENDENTE,

mas tantos outros Deputados e Senadores, de diversos partidos eleitorais,

retornam às suas cidades para palestras e comícios populares, em

continuidade ao exercício da atividade política. Marco Feliciano, Deputado

Federal de São Paulo, esteve em abril do ano corrente na Câmara Municipal de

Mairiporã/SP; Marcelo Nilo, Deputado Federal da Bahia, esteve em colégio em

Feira de Santana/BA, em setembro de 2015; e Marcelo Freixo em palestra na

Escola de Serviço Social da UFRJ, em novembro de 201728.

É também natural que cada parlamentar tenha sua

maneira de se expressar. O DEFENDENTE é conhecido pelo estilo de fala

espontânea e informal, por vezes até jocosa, para se aproximar de seus

eleitores. Também é famoso por seu discurso intenso e constante debate de

assuntos desagradáveis – mas importantes – com os eleitores.

Ora Excelências, os recursos de linguagem utilizados

pelo DEFENDENTE para se expressar no exercício da atividade política são

próprios do seu estilo de discurso e não se aproximam dos excessos

penalmente puníveis. E, a respeito da intensidade das declarações públicas, e

como elas também estão protegidas pela imunidade material, MIGUEL REALE29

bem pontua:

Não resta dúvida que a imunidade se torna imprescindível na

medida e enquanto ampara a ação do parlamentar, que não

pode ser aferida como a de um particular no plano das relações

27http://www2.camara.leg.br/comunicacao/camara-noticias/camara-destaca/55a-

legislatura/gabinete-parlamentar/copy_of_resumo-de-verbas-e-cotas-parlamentares-3 e

http://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/viagens-em-missoes-oficiais. Acesso em 16/06/2018, às 10h02min. 28 http://www.cfch.ufrj.br/index.php/27-noticias/854-ess-ufrj-promove-debate-com-marcelo-freixo,

http://felicianofilho.com.br/novo/feliciano-palestra-hoje-em-mairipora e http://www.jornalgrandebahia.com.br/2015/09/alba-deputado-marcelo-nilo-visita-colegio-nobre-e-apresenta-palestra-referente-ao-projeto-legislativo-nas-escolas/. Acesso em 16/06/2018, às

10h11min.

29 Reforma constitucional. Revista de Direito Público RDP 8/7 abr.-jun./1969.

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privadas. Certa veemência na crítica, certa audácia nas

afirmações, qualificáveis como atos de difamação ou de

injúria, justificam-se quando o que as suscita é a aspiração do

bem público: e elas seriam impossíveis, nos choques com os

potentados das finanças, as artimanhas do juridicismo caviloso

e a força nua dos órgãos governamentais, se o deputado ou o

senador não tivessem, a protegê-los, o instituto da imunidade,

que lhes assegura a palavra livre e franca, e lhes preserva a

liberdade pessoal. (destacamos).

É por isso que as afirmações pronunciadas pelo

DEFENDENTE, ainda que dotadas de recurso de linguagem voltados a

intensificar o discurso, também constituem exercício da atividade política, em

particular quando direcionadas ao debate de temas polêmicos.

Como resultado, ainda que se considerem típicas as

falas do DEFENDENTE, elas estão protegidas pela imunidade material e são

invioláveis civil e penalmente, nos termos da Constituição Federal (art.

53, caput).

É certo que a doutrina não é unânime quanto à

classificação da imunidade material – se cláusula de excludente de ilicitude,

como RENÉ ARIEL DOTTI30, ou excludente de punibilidade, como LUIZ RÉGIS

PRADO31 – mas é consenso quanto ao seu resultado: a impossibilidade de

adequação típica da conduta e aplicação de qualquer punição ao

parlamentar.

Por fim, ressalta-se que, acerca da possibilidade de

punição dos representantes do povo pelos eventuais excessos no exercício da

atividade política, existem doutrinadores que avançam na discussão e

defendem que a única possibilidade de julgamento dessas ações é pelos seus

30 “Entendo, porém, que a cláusula de imunidade parlamentar, assim como está posta em nossa lei

fundamental, tem caráter absoluto e excludente geral de ilicitude. Muito mais que o exercício regular de

um direito, as opiniões, as palavras e os votos do representante popular caracterizam o estrito cumprimento de dever legal ( CF (LGL\1988\3) art. 53, c/c o art. 23, III, primeira parte, do CP (LGL\1940\2)).” Imunidade parlamentar. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 22/1998 | p. 277 - 285 | Abr - Jun / 1998

31 "(...) A imunidade material ou inviolabilidade constitui causa pessoal de isenção de pena, 44isto é,

"exclui da incidência penal determinadas pessoas, retirando-lhes a qualidade de destinatários da lei criminal" (...)" Apontamentos sobre a punibilidade e suas condicionantes positiva e negativa. Revista

dos Tribunais, vol. 776/2000, p. 440/452.

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próprios semelhantes: integrantes do Congresso Nacional, representantes do

povo. Um deles é RENE DOTTI32 que, ao comentar o famoso caso do Senador

Roberto Requião33, disse:

A única hipótese de responsabilidade do parlamentar pelos

abusos que possa vir a cometer no desempenho do mandato é

a de natureza regimental. Essa conclusão, aliás, se harmoniza

com a histórica e secular carta: Bill of rights. Só o Parlamento

poderá exercer o seu poder de punição quanto aos excessos de

linguagem cometidos pelos seus membros.

É, aliás, o que a sabedoria centenária das Declarações de

Direitos já o demonstrou de forma insuperável com a cláusula

de proteção de 13.02.1689: “Que a liberdade de palavra e os debates

ou processos parlamentares não devem ser submetidos a acusação ou

apreciação em nenhum tribunal ou em qualquer lugar que não seja o

próprio Parlamento” (9.ª).

Ante todo o exposto, caso consideradas típicas as

afirmações feitas pelo DEFENDENTE, ainda assim não poderão ser punidas por

terem sido proferidas no exercício da atividade política e estarem abrangidas

pela imunidade parlamentar contida no artigo 53, caput, da Constituição

Federal.

Como consequência, requer-se, subsidiariamente, a

absolvição sumária do DEFENDENTE, nos termos do artigo 397, incisos I ou

II, do Código de Processo Penal.

32 “Entendo, porém, que a cláusula de imunidade parlamentar, assim como está posta em nossa lei

fundamental, tem caráter absoluto e excludente geral de ilicitude. Muito mais que o exercício regular de um direito, as opiniões, as palavras e os votos do representante popular caracterizam o estrito cumprimento de dever legal ( CF (LGL\1988\3) art. 53, c/c o art. 23, III, primeira parte, do CP (LGL\1940\2)).” Imunidade parlamentar. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 22/1998 | p.

277 - 285 | Abr - Jun / 1998

33 Acusado de crime de difamação cometido nas eleições de 1998, pois, em entrevista concedida à

Rádio Colméia, de Cascavel, no Paraná, em junho de 1998, teria ofendido a honra do governador, à época, Jaime Lerner, imputando-lhe a responsabilidade pela “quebra” do Banestado e querer fechar a

metade de suas agências e vende-lo “para os ladrões que roubaram o banco e querem comprá-lo com dinheiro do próprio banco”. Fonte:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=59741. Acesso em 16/06/2018, às 10h28.

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V. PEDIDO

Em face de todo o exposto, requer-se:

(i) A rejeição da denúncia em razão das acusações genéricas formuladas pela

D. Procuradoria-Geral da República em face do DEFENDENTE, em

descumprimento ao art. 5º, inc. LV e LVI, da Constituição Federal e art. 41, do

Código de Processo Penal, nos termos do artigo 395, inciso I, do Código de

Processo Penal;

(ii) A absolvição sumária do DEFENDENTE, pela atipicidade da conduta a ele

atribuída, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal;

(iii) Subsidiariamente, caso não haja acolhimento das demais teses

defensivas, o reconhecimento de que os atos praticados estão protegidos pela

imunidade parlamentar, com a absolvição sumária do DEFENDENTE nos

termos do artigo 397, incisos I ou II, do Código de Processo Penal.

Na remota hipótese de a presente ação penal ter

prosseguimento, requer-se a intimação e oitiva das pessoas abaixo

qualificadas como testemunhas de defesa.

Termos em que

Pede deferimento.

Brasília, 21 de junho de 2018.

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo

OAB/SP 124.516

Flávia Mortari Lotfi Juliana de Castro Sabadell

OAB/SP 246.694 OAB/SP 357.634

ROL DE TESTEMUNHAS

1) ONYX LORENZONI (DEPUTADO FEDERAL)

Endereço: Praça dos Três Poderes – Câmara dos Deputados, Gabinete: Anexo

IV, 8.º andar, gabinete 828, cep. 70160-900, Brasília, DF

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E-mail: [email protected]

2) PAULO CHAGAS

Identidade 0154953715 (MD/EB) | CPF/MF – 154.355.200-53

Endereço: Rua 24 Norte, Lote 2, Bloco B, apto. 2602, Águas Claras, Brasília-

DF, CEP 71916-750

3) JORGE LUIZ CARDOSO

Identidade nº 020936112-0 (MD/EB) | CPF/MF nº 499.133.797-68

Endereço Rua das Tulipas nº 267, apto. 604, Vila Valqueire, Rio de Janeiro-

RJ, CEP 21330-400

4) CELSO MORAIS LUIZ

Identidade nº 04979524-8 (IFP/RJ) | CPF/MF nº 636.188.857-68

Endereço: Rua Fernandes da Cunha nº 1375, Jardim América, Rio de Janeiro-

RJ, CEP 21241-470

5) HELIO FERNANDO BARBOSA LOPES

Identidade nº 041996584-23 (MD/EB) | CPF/MF nº 008.917.437-23

Endereço: Rua Arambipe nº 135, Austin, Nova Iguaçu-RJ, CEP 26088-255

6) MARCELO LUIZ NOGUEIRA DOS SANTOS

Identidade nº 09.423.880-5 (Detran/RJ) | CPF/MF nº 018.175.817-24

Endereço: Rua das Corticeiras nº 343, apto. 103, Cidade da Alegria, Resende-

RJ - CEP 27525-350

7) ROSANE HOLENDER MENIUK DE ARAÚJO BARBOSA

Identidade nº 87.621 (OAB/RJ) | CPF/MF nº 042.961.307-57

Endereço: Praia de Botafogo nº 148, apto. 301, Botafogo, Rio de Janeiro-RJ,

CEP 22250-145

(fls. 33 da resposta à acusação de JAIR MESSIAS BOLSONARO nos autos nº 4694)

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8) RENATA BUZAK

Identidade nº 06329616-4 (Detran/RJ) | CPF/MF nº 810.314.837-72

Endereço: Rua Caning nº 6, apto. 301, Ipanema, Rio de Janeiro-RJ, CEP

22081-040

(fls. 34 da resposta à acusação de JAIR MESSIAS BOLSONARO nos autos nº 4694)