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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS
JAILMA MARIA DA SILVA
AS FUNÇÕES SEMÂNTICO-DISCURSIVAS DA
METÁFORA CONCEPTUAL EM PROPAGANDAS
VEICULADAS EM OUTDOORS
JOÃO PESSOA/ 2006
1
JAILMA MARIA DA SILVA
AS FUNÇÕES SEMÂNTICO-DISCURSIVAS DA
METÁFORA CONCEPTUAL EM PROPAGANDAS
VEICULADAS EM OUTDOORS
Dissertação submetida à Universidade Federal
da Paraíba, para obtenção do grau de Mestre em
Letras, área de concentração em Língua
Portuguesa e Lingüística, pelo Programa de Pós-
Graduação em Letras.
Orientadora: Profª Drª Lucienne C. Espíndola
JOÃO PESSOA /2006
2
AS FUNÇÕES SEMÂNTICO-DISCURSIVAS DA
METÁFORA CONCEPTUAL EM PROPAGANDAS
VEICULADAS EM OUTDOORS
BANCA ORIENTADORA: _____________________________________ Profª Drª Lucienne C. Espíndola MEMBROS DA BANCA: _____________________________________
Profª Drª Eliane Ferraz Alves
_____________________________________________ Profº Drº Edmilson de Albuquerque Borborema Filho
João Pessoa-PB, 09 de novembro de 2006.
3
Dedico este trabalho:
A minha mãe (in memoriam), que, pela lembrança e saudade, é
presente em minha vida;
Ao meu pai, pelo exemplo de perseverança e fé, de vida.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à Profª Drª Lucienne Espíndola, orientadora e
amiga, que acompanhou todo o meu percurso acadêmico, estimulando-me à
pesquisa e à produção cientìfica;
A minha irmã Joseli, que sempre ao meu lado participou das discussões
na construção desta pesquisa e de momentos reflexivos que se fizeram
ímpares;
A Rubem e Natália, sobrinhos queridos, que, algumas vezes, sentidos
com a falta de atenção, sempre pontuavam:” — Vocês só falam de coisa da
universidade...”;
A Joselma, a Vítor, sobrinho querido que sempre atendia ao meus
afobados telefonemas para sua mãe e sempre dizia:” — Oi, tia!”
A Jailma Souto, Waléria, Paula Roberta, Sibely, Cássio, Ana Catarina,
pelo companheirismo e grande colaboração nesta pesquisa;
Ao amigo Erivaldo por sua generosidade e disponibilidade nos
momentos em que o procurei;
Aos companheiros, amigos e professores, da Faculdade de Timbaúba e
da Escola Municipal de Santa Rita Carlos Arnóbio Maroja Di Pace;
Enfim, a todos os meus amigos que, além de entenderem minhas
ausências, justificadas, incentivaram-me para a realização deste trabalho;
Aos professores Edmilson Borborema e Eliane Ferraz pela gentileza e
delicadeza com que trataram o desenvolvimento deste trabalho;
Ao Programa de Pós-Graduação de Letras e Lingüística da Universidade
Federal da Paraíba;
A Deus.
5
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................... i
ABSTRACT ................................................................................................................. ii
INTRODUÇÃO................................................................................................... 09
1 – A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO...................................................................... 12
1.1 Frase X Enunciado — Significação X Sentido ............................................ 12
1.2 Princípios e etapas de desenvolvimento da teoria .................................... 16
1.3 Argumentação e a Teoria Polifônica da Enunciação ............................... 24
1.3.1 A polifonia de enunciadores............................................................. 26
1.3.1.1 Recursos lingüístico-discursivos da polifonia de
enunciadores....................................................................................... 27
1.3.2 Polifonia de locutores...................................................................... 31
1.3.2.1 Recursos lingüístico-discursivos da polifonia de locutores. 32
1 ─ A METÁFORA: REFERENCIALISMO, DESCRITIVISMO E
CONCEPTUALISMO ......................................................................................... 35
2.1 Um breve percurso: do paradigma objetivista ao paradigma
cognitivista .................................................................................................. 36
2.2 As visões referencialistas e descritivistas da metáfora do século XX.. 38
2.3 A metáfora conceptual segundo Lakoff e Johnson ................................ 40
6
2.3.1 Metáforas conceptuais estruturais................................................... 43
2.3.2 Metáforas conceptuais orientacionais ............................................. 44
2.3.3 Metáforas conceptuais ontológicas ................................................. 45
2.3.3.1 A personificação........................................................................ 48
2.3.4 O processo metonímico............................................................... 50
3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO.................................................................................... 54
3.1 Procedimentos metodológicos ................................................................. 54
3.2 Corpus e método....................................................................................... 54
3.3 Metáfora, gênero e argumentação:um liame a ser discutido ................. 55
3.4 Levantamento das metáforas e discussão .............................................. 58
3.5 Metáforas ontológicas ............................................................................... 58
3.5.1 A personificação ................................................................................. 62
3.6 Metáforas orientacionais ........................................................................... 83
3.7 Metáforas estruturais................................................................................. 89
3.8 Discussão e resultados ............................................................................ 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 96
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 98
7
RESUMO
Neste trabalho busca-se verificar a presença da metáfora conceptual e suas
funções semântico-discursivas em propagandas de outdoors. Utilizamos como
alicerce teórico a Teoria da Argumentação e a abordagem cognitivista a partir
da qual pode ser estudada a metáfora conceptual. A hipótese que norteou
nossa pesquisa foi a de que as metáforas conceptuais funcionariam como
estratégia argumentativa em propagandas veiculadas em outdoors. O corpus
foi constituído de 40 propagandas, das quais 34 outdoors foram coletados via
internet e o restante in loco. O resultado da pesquisa não só demonstrou a
confirmação da hipótese levantada como também identificou a metáfora
conceptual enquanto recurso argumentativo recorrente no referido corpus, e
apontou ainda o emprego da metáfora conceptual ontológica (a personificação)
como um recurso de aproximação entre locutor e interlocutor, promovendo o
objetivo principal de alguns outdoors – propagandas, analisadas no corpus em
questão.
Palavras-chave: Metáfora;Argumentação;Propaganda.
8
ABSTRACT
In this research it was analyzed the conceptual metaphor, its presence and
discursive-semantic functions in billboard advertisements. We used two main
theories: the cognitive approach about conceptual metaphor and the Theory of
Argumentation. The basic hypothesis of this research is that the conceptual
metaphors work as argumentative strategies upon the billboard advertisements.
The corpus was composed by 40 billboards advertisements collected in loco or
on the internet. The research results not only confirm the basic hypothesis but
also identify the ontological conceptual metaphor as commonly present in the
corpus. It also shows that the ontological metaphor (personification) is used as
a resource to connect or approximate the locutor and the interlocutor. It
constitutes the main objective of some billboards – advertisements – analyzed
in the corpus
Metaphor
Key-words: Argumentation; Metaphor; Advertisement.
9
INTRODUÇÃO
A maior fonte de evidência provém
da língua – dos sentidos das palavras
e das frases e da maneira como os
humanos atribuem sentido às suas
experiências. (LAKOFF & JOHNSON,
2002, p. 205)
Tendo como referência trabalho já iniciado no LASPRAT1, quando o
gênero propaganda nos outdoors foi analisado na perspectiva da Teoria da
Argumentação, postulada por Oswald Ducrot (1983), esta pesquisa, de caráter
qualitativo, vinculada ao projeto maior MGDA2, tem como ponto norteador o
estudo da metáfora, antes vista na tradição retórica como ornamento
lingüístico, e atualmente, à luz da Lingüística, a partir do seu valor cognitivo.
Partimos da hipótese de que a metáfora é um recurso lingüístico
recorrente, utilizado em propagandas veiculadas em outdoors, e que a maior
ou menor recorrência desse recurso é influenciada pelas características
semântico-discursivas intrínsecas ao gênero discursivo em estudo.
Buscar descrever as funções semântico-discursivas da metáfora
conceptual e investigar seu funcionamento como estratégia argumentativa
recorrente em propagandas veiculadas em outdoors são propósitos que
compõem nosso objetivo principal.
1 LASPRAT- Laboratório Semântico Pragmático de Textos –coordenado pela Profª Drª Lucienne C. Espíndola vinculado à PPGL e ao DLCV/UFPB. 2 Metáfora, Gênero Discursivo e Argumentação - Projeto integrado ao LASPRAT e coordenado pela Profª Drª Lucienne C. Espíndola.
10
Para o desenvolvimento deste trabalho, tomaremos pelo menos duas
perspectivas como alicerce teórico basilar. Sobre a metáfora, a abordagem
cognitivista de Lakoff e Johnson (2002), para quem a metáfora é uma operação
cognitiva fundamental, e outros estudos pertinentes sobre a teoria, como os
apresentados por Antônio Barcelona (2003).
Acreditamos que em toda sociedade há determinados conceitos que a
regem; conceitos que são formados a partir da interação entre nossas
experiências de vida, nosso pensamento e intelecto; isto é, há um dado
referencial que serve como ponto norteador, direcionando nossos pontos de
vista, ações e atividades das mais simples às mais complexas. A nossa
linguagem cotidiana deixa transparecer, através de expressões lingüísticas,
metáforas que desvendam e estruturam nosso discurso.
Nosso outro alicerce, A Teoria da Argumentação, tem como precursor o
estudioso Oswald Ducrot (1987) – para quem a argumentação é intrínseca à
língua – e demais pesquisadores que contribuíram para o aperfeiçoamento de
tal teoria. A argumentação passa a ser vista no nosso trabalho a partir de tal
perspectiva, a cujo conceito, fazemos um adendo e acrescentamos que a
argumentação não está presente apenas na natureza própria da língua, mas,
segundo Espíndola (2003), também em seus usos.
Nesta pesquisa não nos deteremos na classificação do gênero em
estudo, por não ser o cerne do nosso trabalho. Durante o desenvolvimento
deste estudo, faremos menção à questão sobre o gênero com o objetivo
específico de delimitar sua utilização em nosso estudo. Para esse fim,
tomaremos como base os estudos apresentados por Bakhtin (1992), que define
os gêneros discursivos como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (p.
279), e Marcuschi (2003) para quem o outdoor é concebido como um suporte e
não como um gênero.
Para a composição de nosso corpus, nos utilizamos de meios como a
internet e a fotografia in loco. Alguns outdoors foram coletados via internet nos
sites www.outdooronline.com.br e www.startoutdoor.com.br e outros foram
coletados in loco. Para essa seleção, determinamos como critério a presença
imprescindível de texto verbal, mesmo que a este venha associado algum texto
não-verbal, o que não impossibilitará sua apreciação.
11
Quanto à organização estrutural, este trabalho desenvolveu-se da
seguinte forma: uma parte introdutória, cujo objetivo é o de apresentar um
panorama sobre as quatro seções que compõem nosso trabalho; a seção
primária 1 apresenta um esboço sobre a Teoria da Argumentação e suas
etapas de desenvolvimento como também a Teoria da Polifonia e seus
recursos lingüístico-discursivos ativantes; na seção primária 2, discorremos
sobre a metáfora e seu percurso, desde as primeiras concepções,
apresentando as correntes de estudo que fizeram parte da Tradição Clássica –
o referencialismo e o descritivismo (cujos estudos ainda são desenvolvidos),
até a concepção cognitivista, objeto de nosso trabalho.
Na seção primária 3, apresentamos a discussão e os resultados sobre a
relação entre metáfora, gênero e argumentação assim como os procedimentos
metodológicos utilizados para a análise e apreciação do corpus, cuja
composição se deu numa quantidade de 40 (quarenta) outdoors.
Na última seção apresentamos as considerações finais a cerca da nossa
pesquisa, reconhecendo a possibilidade de sua expansão de forma mais
profunda e enriquecedora.
12
1 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
1.1 Frase X Enunciado - Significação X Sentido
As concepções sobre o sentido e o valor argumentativo dos enunciados
são o ponto de partida para expormos os princípios que fundamentam a Teoria
da Argumentação. Sobre essas noções Oswald Ducrot (1988) ressalta algumas
distinções entre a concepção tradicional e a concepção proposta na Teoria da
Argumentação. Tendo em vista essas noções, faremos um pequeno esboço
para alicerçarmos nossa exposição a respeito da teoria em questão e, também,
pela importância das concepções de sentido e significação.
A concepção de sentido apresentada por Ducrot (1988,p. 49) opõe-se à
concepção tradicional. Nesta o enunciado distingue-se por três tipos de
indicações: as objetivas que “consiten en una representación de la realidad”1;
as subjetivas “que indican la actitud del locutor frente a la realidad”2; e as
intersubjetivas, que “se refieren a las relaciones del locutor con las personas a
quienes se dirige”3 (Idem, ibidem).
Segundo esse lingüista, essas três indicações tornam-se mais claras nos
trabalhos apresentados por Karl Bülher (In:Ducrot, 1988, p. 49). Este dizia que
há três funções principais na língua: a de representar a realidade; a de
expressar as atitudes do locutor e, por último, a de expressar a ação do locutor
sobre o alocutário, o que equivaleria ao que foi considerado como
intersubjetividade, “es decir, en un sentido muy general, el llamado del locutor
al alocutário o más aún, acción del primero sobre el segundo, lo que
corresponde a lo que he llamado intersubjetividad”4 (DUCROT, 1988, p.49)
1 Trad.:Consiste em uma representação da realidade; 2 Trad.:Indicam a atitude do locutor frente à realidade; 3 Trad.:Refere-se as relações do locutor com as pessoas a quem se dirige. 4 Trad.: quer dizer, num sentido muito geral, o chamado do locutor ao alocutário, o que corresponde ao que tenho chamado intersubjetividade.
13
Essas relações de objetividade e subjetividade correspondem à
concepção tradicional de sentido – reconhecidas, respectivamente, como
denotação e conotação. Porém, para Ducrot (Ibidem), a linguagem não possui
um lado objetivo e os enunciados não mantêm uma relação direta com a
realidade, esta seria descrita através dos aspectos subjetivo e intersubjetivo.
Por exemplo, no enunciado (1) Pedro es inteligente, há um aspecto
objetivo por se fazer uma descrição de Pedro; há um aspecto subjetivo por
haver uma certa admiração do locutor pelo destinatário5, ou melhor, pela
inteligência de Pedro; e há um aspecto intersubjetivo por haver a condição de o
locutor pedir ao seu destinatário que o mesmo possa assumir uma certa
posição em relação a Pedro, ter, por exemplo, confiança, ou não.
Portanto, o aspecto objetivo – a descrição –, para Ducrot (1988,p.51), se
dá por meio “de la expresión de una actitud y a través también de un llamado
que el locutor hace al interlocutor”6. Essa é a primeira razão apresentada pelo
lingüista para opor-se à distinção entre a definição tradicional dos aspectos
objetivos e subjetivos anteriormente expostos; a segunda razão consiste em
considerar que os aspectos subjetivos e intersubjetivos consistem, para Ducrot,
no valor argumentativo dos enunciados, pois este “es por definición la
orientación que esa palabra da al discurso”7 (Idem,ibidem). Entender-se-ia que
o emprego de uma palavra determinaria as possibilidades ou impossibilidades
da continuação discursiva. Se dissermos “Pedro es inteligente”8, não seria
adequado continuarmos nosso discurso dizendo “...luego no podrá resolver ese
problema”9, mas poderíamos continuá-lo dizendo “...Pedro es inteligente, luego
podrá resolver esse problema”10. Se pensamos que Pedro é incapaz de
solucionar o problema, não utilizaremos a palavra luego (logo), mas a palavra
pero (mas). Isso nos faz entender que o valor argumentativo de uma palavra
”es el papel que pueda desempenar en el discurso”11(DUCROT, 1988, P.51).
Para apresentar tais explicitações, Ducrot apresenta o seguinte esquema:
5 Termo utilizado por Ducrot para designar o interlocutor. 6 Trad.:Da expressão de uma atitude e através também de um chamado que o locutor faz ao interlocutor. 7 Trad.:É por definição a orientação que a palavra dá ao discurso. 8 Trad.:Pedro é inteligente. 9 Trad.:Logo não poderá resolver esse problema. 10 Trad.:Pedro é inteligente, logo poderá resolver esse problema. 11 Trad.:É o papel que possa desempenhar no discurso.
14
aspecto subjetivo
(DUCROT, 1988, p. 52)
O sentido, então, na Teoria da Argumentação, envolve mais que aspectos
objetivos e subjetivos; envolve, por outro lado, a significação e a direção que é
dada ao discurso, isto é, o valor argumentativo.
Esta seria a primeira distinção do sentido na concepção tradicional e na
Teoria da Argumentação. No entanto, torna-se evidente que outras noções
também são questionáveis a partir das já apresentadas e distintas, o que nos
permite perguntar, por exemplo, qual seria, então, à luz da Teoria da
Argumentação, a distinção entre frase e enunciado e entre significação e
sentido?
O enunciado para Ducrot é considerado “una de las múltiples
realizaciones posibles de una frase”12 (1988,p.53) e a frase “Es una
construcción del linguista que le sirve para explicar la infinidad de
enunciados”13 (idem, ibidem). Esses conceitos são exemplificadas, por Ducrot,
a partir da frase (2) “hace buen tiempo”14 dita por alguém por pelo menos três
vezes seguidamente. A frase, então, pode ser a mesma, mas há sua realização
em momentos diferentes, isto é, há enunciados sucessivos de uma mesma
frase. Isso significa dizer que a frase é uma entidade teórica e o enunciado é
uma realidade empírica.
12 Trad.:Uma das múltiplas realizações possíveis de uma frase. 13 Trad.:É uma construção do lingüista que lhe serve para explicar a infinidade de enunciados. 14 Trad.:Faz bom tempo
Valor argumentativo
Aspecto descritivo
aspecto intersubjetivo
15
É importante ressaltar que, para Ducrot (1988,p.53), uma sucessão de
enunciados constitui o discurso e este pode ser fragmentado em vários
enunciados: E1, E2, E3 etc. Porém, “cómo segmentar el discurso em
enunciados”15?. Através de uma pequena regra, Ducrot (Ibidem), diz que: se
temos um discurso constituído por dois segmentos S1 e S2 e, se o S1 tem
sentido somente a partir do segmento S2, então temos apenas um enunciado.
Para essa exemplificação é tomado um enunciado com valor argumentativo: (3)
“Hace calor afuera, vamos a pasear.”16
Considerando a possibilidade de esse enunciado ser proferido em um
lugar de clima frio, haveria uma razão para se passear: o calor. É concebível,
então, que no enunciado (3) haja dois segmentos: S1 “hace calor afuera” e S2
“vamos a pasear” e que o primeiro segmento é um argumento para o segundo.
Isto significa dizer que apenas os dois segmentos juntos são suficientes para
enunciarem uma informação completa e, portanto, constituem apenas um
enunciado e não dois, já que apenas um segmento não seria suficiente para
dar essa informação completa.
O sentido para Ducrot (Ibidem,p.57) é “o valor semántico del enunciado”17
e a significação é definida como “al valor semántico de la frase”18. Sobre esses
dois conceitos, o autor assinala que há uma sobredeterminação do sentido do
enunciado sobre a significação da frase. O primeiro “dice mucho más que la
frase que realiza” (Idem, ibidem), pois, quando dizemos ‘Faz bom tempo’,
considera-se quando e onde estamos. Informações não contidas na frase, mas
no enunciado. A significação da frase nos dá as diretrizes para que possamos
interpretar os enunciados.
Os conceitos apresentados nos subsidiam para que possamos discorrer
sobre o percurso científico realizado por Jean-Claude Asnscombre e Oswald
Ducrot para formularem a Teoria da Argumentação e sua tese norteadora. E é
sobre isso que trataremos no tópico a seguir.
1.2 Princípios e etapas de desenvolvimento da teoria
15 Trad.:Como segmentar o discurso em enunciados. 16 Trad.:Faz calor lá fora, vamos passear. 17 Trad.:O valor semântico do enunciado. 18 Trad.:O valor semântico da frase
16
Haveria pelo menos três implicações conceituais, baseadas na tradição
retórica, à que a Teoria da Argumentação se opôs. Seriam: 1º) que a língua
seria “um conjunto de estructuras y reglas independientes de toda enunciación
y contexto” 19 (ANSCOMBRE; DUCROT,1994, pág.8); 2º) que a língua teria
“como función principal representar la realidad”20 (Idem, pág. 9); e 3º) que a
significação das frases “tiene per se un valor de verdad”21 (Idem, ibidem).
A Teoria da Argumentação proposta por Jean-Claude Anscombre e
Oswald Ducrot centra-se no compromisso estruturalista de descrever a língua
como um meio de construir discursos e não de informar sobre o mundo
(1994,p.193).
As pesquisas desenvolvidas pelos autores sobre a argumentação
percorreram um caminho evolutivo que pode ser observado em pelo menos
quatro fases22: 1ª fase ─ Descritivismo Radical; 2ª fase ─ Descritivismo
Pressuposicional; 3ª fase ─ Argumentação como Constituinte da Significação e
a 4ª e última etapa nomeada de Argumentatividade Radical.
Na primeira fase – o Descritivismo Radical –, a língua e a
argumentatividade eram vistas separadamente de acordo com a tradição
retórica da época. Os fatos apresentados pelos enunciados efetivariam os
encadeamentos argumentativos. Como exemplo dessa assertiva, Ducrot e
Anscombre (1994) dizem que:
Si, en um discurso, um enunciado E favorece la conclusión C, es
porque E señala um hecho F y porque, además, ciertas leyes
reconocidas por los interlocutores autorizam a creer C desde el
momento en que se tiene F.23 (p.195)
Se os fatos conduzem aos argumentos, segundo os autores, em outros
vários casos estudados na perspectiva da nova retórica, não é o fato o que
conduz à conclusão, mas a questão do locutor que, ao proferir o enunciado,
19 Trad.:Um conjunto de estruturas e regras independentes de toda enunciação e contexto. 20 Trad.:Como função principal representar a realidade. 21 Trad.:Tem por si um valor de verdade. 22 A Teoria dos Blocos que ele desenvolve na mais recente e última fase não será aqui abordada. 23 Trad.:Se, em um discurso, um enunciado E favorece a conclusão C, é porque E assinala um fato F e porque, também, certas leis reconhecidas pelos interlocutores autorizam a crer C desde o momento em que se tem F.
17
teve interesse em assinalar tal fato. Nesses parâmetros, a língua teria uma
dupla função: a estrutura lingüística da frase P favoreceria a possibilidade para
E de assinalar F, embora, nessa contribuição da língua, não houvesse
exatamente um aspecto argumentativo, pois referia-se, apenas, à condição que
as palavras teriam de descrever fatos; e a outra função da língua seria marcar
a existência de encadeamentos argumentativos a partir de conectores como
donc, par conséquent, car24 etc., os quais, colocados entre enunciados,
indicariam que os fatos mencionados por um devem se fazer admitir pelo outro.
Segundo os autores algumas teses são implicadas nessa fase do
descritivismo radical:
1ª ─ Os fatos conduzidos pelos enunciados fundamentam os
encadeamentos argumentativos do discurso;
2ª – As frases têm como função fundamental a descrição dos fatos.
3ª – São dos valores semânticos das frases (valor informativo) e da
aplicação eventual a este valor de leis discursivas que dizem respeito à
transmissão da informação que se derivam as informações contidas nos
enunciados.
Na segunda fase, nomeada de Descritivismo Pressuposicional, os
encadeamentos argumentativos, apesar de serem considerados de origem
factual, não são fundamentados em todos os fatos, mas apenas em alguns
deles. Considerou-se que a seleção desses encadeamentos estaria
determinada por propriedades de frases contidas nelas mesmas. As frases
passaram a ter valor posto e pressuposto. As informações, pelo menos nesse
momento, podem estar postas ou pressupostas; os encadeamentos
argumentativos consistem apenas nos valores postos. Portanto, admitir que as
informações podem estar em nível do posto ou pressuposto corresponde a
sugerir que esses valores – postos e pressupostos – correspondem a duas
atitudes do locutor com relação às informações veiculadas, processo que,
conseqüentemente, também implica relacionar a argumentação aos atos
ilocutórios.
24 Trad.:Logo (então); por conseguinte; pois, porque.
18
Para o lingüista (...) “pressupor não é dizer o que o ouvinte sabe ou o que
se pensa que ele sabe ou deveria saber, mas situar o diálogo na hipótese de
que ele já soubesse.” (DUCROT, 1977, p.77)
Faz-se necessária, então, a distinção entre posto/pressuposto a fim de se
definir sua função nos encadeamentos dos enunciados, já que, nessa fase, a
argumentação ainda é construída de fato a fato e consiste apenas nos fatos
postos (afirmados).
Sob essa perspectiva Anscombre e Ducrot (1988) utilizam-se da distinção
entre as expressões poco e un poco25 com a função de distribuir de maneira
diferente o posto e o pressuposto. São utilizados, como exemplos para essa
distinção, os enunciados (1) Pedro há trabajado poco26 e (2) Pedro há
trabajado un poco27.
Para os autores, no primeiro enunciado, haveria um pressuposto que
Pedro trabalhou e um posto que A quantidade do trabalho que Pedro realizou é
pouca. No segundo, um posto que Pedro realizou certa quantidade de trabalho
e um pressuposto que Se houve trabalho, sua quantidade foi pouca. Foi
observado, a partir dessa verificação, que, se considerarmos a incidência da
argumentação apenas nos conteúdos postos, os encadeamentos possíveis a
(1) apenas serão concernentes somente à pouca quantidade do trabalho de
Pedro; e a (2), apenas a conclusões referentes ao fato de Pedro ter trabalhado.
Considerando que, na primeira etapa, a argumentação foi vista em termos
quantitativos, a solução acima, descrita nessa segunda etapa, é vista por
Anscombre e Ducrot (1994, p.201) como uma vantagem, pois não só evita que
se postule uma diferença quantitativa entre as duas expressões – pouco um
pouco – como também é suficiente no que diz respeito às suas potencialidades
argumentativas opostas.
O conceito de que a argumentação é construída de fato a fato ainda
reside nessa segunda fase, embora se tenha a idéia de que não se trata de
todos os fatos, mas apenas em nível do posto (afirmado).
Com efeito, percebemos que nesse estágio houve a introdução do
conceito sobre o processo de pressuposição, porém será mais cabível
25 Trad.: pouco e um pouco. 26 Trad.:Pedro trabalhou pouco. 27 Trad.:Pedro tem trabalhou um pouco.
19
discutirmos tal fenômeno em subtópico posterior, considerando o caráter
valoroso, e, portanto, relevante, por ser este processo uma das formas do
fenômeno da polifonia.
Nomeada pelos autores como Argumentação como um Constituinte da
Significação, a terceira fase consiste, essencialmente, em trabalhos reunidos
em L’argumentation dans la langue. É a partir dessa terceira fase que os
valores argumentativos são introduzidos na língua.
Nessa fase são encontradas algumas dificuldades relativas aos problemas
detectados em relação à pressuposição, como por exemplo, na descrição do
posto e pressuposto em exemplos de enunciados formulados com as
expressões pouco e um pouco.
Para a identificação de um pressuposto, os critérios de análise de um
enunciado eram habitualmente baseados na interrogação e na negação. Esses
critérios passam a ser colocados em questão a partir da análise das
expressões pouco e um pouco, já que, para o reconhecimento de uma
informação pressuposta, fazia-se necessária sua permanência na interrogação
e na negação do enunciado. A dificuldade surge quando o pressuposto se
revela resistente a tais critérios ao utilizar-se a expressão um pouco..
Retomando o enunciado (2) Pedro há trabajado un poco28, Anscombre e
Ducrot (1994, p. 203) assinalam que un poco ativa o pressuposto Se houve
trabalho realizado, sua quantidade é pouca, baixa. Mas esse pressuposto pode
não ser apontado no enunciado (2), se considerarmos que tal enunciado seja
dirigido a um interlocutor que ignore totalmente o trabalho de Pedro.
Considerando essa hipótese, é válido, segundo os lingüistas, que o
pressuposto seja situado a partir da interrogação ?Pedro tiene trabajado un
poco?29. Esta assertiva conduz o autor a utilizar-se também do critério da
afirmação e concluir que não se pode dizer, portanto, que o pressuposto
permaneça respectivamente na afirmação e na interrogação. Apenas que, se o
encontrarmos no enunciado afirmativo e voltarmos a percebê-lo no enunciado
interrogativo, então devemos reconhecê-lo como um pressuposto.
Uma outra dificuldade é colocada pelos estudiosos quanto à condição de
haver certa ambigüidade das formulações relativas aos conteúdos factuais
28 Trad.:Pedro tem trabalhado um pouco. 29 Trad.:Pedro tem trabalhado um pouco?
20
postos e pressupostos. Essa seria uma maneira de simular valores
argumentativos.
Para apontar o posto A quantidade de trabalho realizado é baixa, no
exemplo (1) Pedro há trabajado poco30, foi necessário recorrer ao conceito de
quantidade pouca, baixa. Mas, como considerar uma quantidade determinada,
se esta é indicada a partir de certo limite cuja frase admite sua existência, mas
não sua natureza? Isto é, a frase pode admitir o valor concreto da quantidade,
mas não indica a natureza (valor) dessa quantidade. Esta estaria determinada,
segundo Anscombre e Ducrot (1994,p.204), pelo contexto. Mas, o que dizer da
importância do trabalho de Pedro, se há menção sobre o limite superior, mas
não sobre o inferior? A expressão pouco não indica o limite inferior e, portanto,
não há como ter uma conclusão que se fundamenta no aspecto importante
dessa quantidade. Entretanto, a partir do enunciado
(1’) Pedro há trabajado bastante poco.31
contempla-se uma quantidade superior e inferior em relação a (1) Pedro há
trabajado poco que se projeta no mesmo contexto. Para o lingüista essa
afirmação poderia ser argumentativamente ambígua, se aplicada também para
poco. Porém, o estudioso diz não ser o caso, pois (1’) permite apenas
conclusões fundamentadas na insuficiência do trabalho de Pedro. No entanto,
é visto que se o enunciado (1) não permite tais conclusões, não é porque a
quantidade indicada esteja sob esse limite, mas o enunciado conduz a um
entendimento a partir desse limite. Neste momento poco e bastante poco
podem ser vistos sob um ponto de vista que desvaloriza a quantidade em
questão.
É a partir desse ponto que emanam as construções argumentativas e que
podemos conceber, então, nessa fase de estudos, a introdução de valores
argumentativos na língua e, nesse mesmo sentido, que as diferenças factuais
não são suficientes para deduzirem as diferenças argumentativas.
Podemos dizer que, nessa fase, os estudiosos chegam à conclusão de
que “las frases imponen que sus enunciados sean utilizados
30 Trad.:Pedro trabalhou poco. 31 Trad.:Pedro trabalhou bastante pouco.
21
argumentativamente y que lo sean en una dirección determinada”32
(ANSCOMBRE & DUCROT, 1994, p. 206). O emprego de uma palavra
(conector, operador) determinaria as possibilidades ou impossibilidades na
continuação do discurso, e seu valor argumentativo é exatamente esse
conjunto de possibilidades e impossibilidades; então, nesse caso, “el valor
argumentativo de una palabra es el papel que pueda desempeñar en el
discurso” 33 (DUCROT,1988, p. 51).
Para exemplificar esse conceito, Ducrot (Idem, ibidem) utiliza-se dos
conectores pero e luego nos enunciados: “Pedro es inteligente, pero no pódrá
resolver ese problema“34. Segundo sua concepção, se pensássemos que
Pedro é inteligente e capaz de resolver o problema, não utilizaríamos a palavra
luego (logo), e sim a palavra pero (mas). Portanto, a palavra pero tem seu
valor argumentativo a partir do papel que desempenhou, dando uma orientação
ao discurso, construindo, assim, o sentido.
Nessa perspectiva, Ducrot nomeia algumas “expressões da língua que
impõem um valor argumentativo aos enunciados” (ESPÍNDOLA,2004,p.26)
como sendo as expressões argumentativas. Pertenceriam a essa classe:
“palavras cheias ou lexicais (adjetivos, substantivos e verbos) e operadores de
frase” (Idem, ibidem). Esses operadores de frases foram divididos, num
primeiro momento, em conectores argumentativos – “aqueles que articulam
enunciados, determinando (instruindo) a orientação argumentativa” (Idem,
ibidem) e os operadores argumentativos – “que têm a função de introduzir a
argumentatividade na estrutura semântica das frases” (Idem, ibidem).
Para os autores, nesse momento da pesquisa, seria necessáio descobrir
quais seriam as marcas argumentativas, ou não, impostas aos enunciados
pelas expressões onde elas figuram. Foi verificado que, para se chegar a
determinadas expressões argumentativas, seria preciso encontrar uma
conclusão que fosse atribuída ao enunciado através de tais expressões, e que,
também, essa conclusão não fosse atribuída a um enunciado que não
32 Trad.:As frases impõem que seus enunciados sejam utilizados argumentativamente e que o sejam em uma direção determinada. 33 Trad.:O valor argumentativo de uma palavra é o papel que ela pode desempenhar no discurso. 34 Trad.:Pedro é inteligente, mas não poderá resolver esse problema.
22
contivesse a mesma expressão. Mas, esse critério tornou-se impossível de ser
estabelecido.
Para essa explicação o autor utilizou-se das expressões casi (quase) e
apenas (apenas). Considerando os enunciados,
(5) Son casi las ocho.35
(6) Apenas son las ocho.36
De acordo com os exemplos dados pelo lingüista, não haveria mudança
de conclusão se acrescentássemos, ou não, o operador argumentativo quase
ou apenas. Com o primeiro, a conclusão seria a mesma: É tarde (São quase
oito horas, é tarde); e com o segundo também seria a mesma conclusão: É
cedo (São apenas oito horas, é cedo).
As expressões argumentativas não poderiam ser descritas considerando o
critério de conclusão ─ este serviria apenas para identificar tais expressões na
língua, e as possíveis conclusões não estão determinadas pela língua, senão
pelo valor argumentativo contido no valor semântico dos enunciados, isto é, no
sentido. Outro dado importante é que outras conclusões seriam possíveis se
fossem apreciadas as intenções do locutor e o contexto a partir do emprego
dessas expressões.
Na quarta e última fase dos estudos de Jean-Claude Anscombre e Oswald
Ducrot ─ A Argumentatividade Radical ─ a argumentação passa a ser vista
como inserida na língua e é introduzida a noção de topos para explicar a noção
de direção argumentativa.
Nesta fase, segundo Ducrot (1994),
(...) los operadores argumentativos no introducen la argumentación:
ésta ya está presente en las frases de partida, bajo la forma de los
topoi que constituyen la significación de los predicados. Los
operadores tienem por función, más modestamente, especificar el
tipo de utilización que se debe hacer de los topoi. (p.213)(Grifo dos
autores)
35 Trad.:São quase oito horas. 36 Trad.:São apenas oito horas.
23
O termo topos para Ducrot (1988) significa “un principio argumentativo y
no un conjunto cualquiera de argumentos, (...) una garante que asegura el paso
del argumento a la conclusión” 37(passim)
Essencialmente, nessa fase, os autores se propõem a reformular a tese,
postulada na forma standard e construir a forma recente da teoria. Na primeira
forma, a argumentação, inicialmente, seria determinada pelas frases, por uma
concatenação - o argumento e a conclusão, entre os segmentos do discurso.
Um conjunto de enunciados-conclusões possíveis constituiria o potencial
argumentativo de um enunciado. Esta primeira concepção da argumentação foi
considerada por Ducrot (1988) ingênua, tradicional. Conceito que foi
posteriormente reformulado a partir da teoria da L’argumentación dans la
langue – publicada em 1983 e que contempla a forma reciente. A
argumentação passa a ser tida como inscrita na língua e o conceito de topos é
apresentado.
O conceito de operadores argumentativos é modificado; eles não mais
são considerados como introdutores da argumentação na língua, mas “servirão
para especificar (instruir) que forma tópica atualizar, que força argumentativa
terá o enunciado, no momento da enunciação” (ESPÍNDOLA, 2004, p.30).
O ponto essencial da Teoria da Argumentação diz respeito exatamente ao
fato de considerar a argumentação intrínseca à língua. E, sobre essa
concepção, acrescente-se o postulado de Espíndola (2004):
Filio-me à tese de Anscombre e Ducrot − a língua é
fundamentalmente argumentativa – à qual faço um adendo: o uso
também é argumentativo. Dessa forma reescrevo a tese original dos
referidos lingüistas – língua e o seu uso são fundamentalmente
argumentativos.(pp.13-14)
Essa concepção nos permite entender que elementos extralingüísticos,
como o contexto, passam a ser entendidos como integrantes da argumentação
na atividade discursiva, o que torna a Teoria da Argumentação uma teoria de
uso da língua a partir dos referidos elementos, pois, segundo Ducrot (1988),
37 Trad.:Um princípio argumentativo e não um conjunto qualquer de argumentos, (...) uma garantia que assegura a passagem do argumento à conclusão.
24
“Hablar es construir y tratar de imponer a los otros uma espécie de aprehensión
argumentativa de la realidad”38 (p.14)
Até então, nosso propósito, nessa seção, foi o de demonstrar o
desenvolvimento e as bases de análise em que se fundamentam a teoria em
questão.
Faz-se necessário, que passemos, a apresentar a Teoria Polifônica da
Enunciação postulada por Ducrot e quais os recursos lingüístico-discursivos, na
referida teoria, que funcionam como marcas da argumentatividade no discurso.
1.3 Argumentação e A Teoria Polifônica da Enunciação
No decorrer do processo investigativo da Teoria da Argumentação
consideramos necessário evidenciarmos uma outra discussão corroborada por
Oswald Ducrot. O lingüista coloca em questão a autoria dos enunciados, ou
melhor, a unicidade do sujeito falante. Para ele o “autor de um enunciado “(...)
no se expresa nunca directamente, sino que pone en escena en el mismo
enunciado um cierto número de personajes”39 (DUCROT, 1988, p.16)
Sobre esse questionamento, o estudioso introduz o conceito de polifonia e
mostra como essa noção, utilizada nos universo literário e musical, pode ser
utilizada na lingüística.
A Teoria Polifônica da Enunciação foi postulada por Oswald Ducrot ao
questionar a unicidade do sujeito falante, isto é, retorquir que haveria apenas
um autor para cada enunciado.
Segundo Ducrot (1987), para Bakhtin, o melhor exemplo de literatura
polifônica40 é a obra de Dostóievski, pois haveria uma categoria de textos, e,
dentre esses textos, os literários, “para os quais é necessário reconhecer que
várias vozes falam simultaneamente.” (DUCROT,1987,p.161), embora
38 Falar é construir e tratar de impor aos outros uma espécie de apreensão argumentativa da realidade. 39 (...) não se expressa nunca diretamente, senão que põe em cena no mesmo enunciado um certo número de personagens. 40 Michael Bakhtin considerava como literatura popular ou carnavalesca ou ainda mascarada, por entender que ”o autor assume uma série de máscaras diferentes”. (Ducrot, 1987, p.161) O termo polifonia foi originado no universo musical para denominar um tipo de composição musical em que se sobrepõem várias vozes.
25
nenhuma dessas vozes seja preponderante e faça juízo das demais. Essa
assertiva é colocada por Ducrot (1987) como apenas situada em nível de
textos, mas não em nível de enunciado. É a partir dessa questão e da
concepção bakhtiniana que Ducrot (1987) discute a unicidade do sujeito falante
em enunciados.
E, ao contestar esse postulado, o autor se utiliza do termo polifonia para
demonstrar como, num mesmo enunciado (manifestação particular ou
“ocorrência hic et nunc de uma frase” (DUCROT,1987,p164), podem perpassar
pontos de vista com quem o locutor poderá ou não se identificar, isto é, assumir
ou não os valores que estão no enunciado.
Adaptando à lingüística, Ducrot (1987) utiliza-se do conceito e do termo
polifonia propondo a Teoria Polifônica da Enunciação.
A enunciação é definida pelo autor como “o acontecimento constituído
pelo aparecimento de um enunciado” (Idem, ibidem, p.168), reconhecida como
um momento histórico, único e não mais repetido. Conceito que, segundo
Ducrot (Idem, ibidem) não deve ser confundido com o ato de alguém realizar
um enunciado.
Necessário se faz explicitar como o lingüista define o que seja locutor (L),
enunciador (E) e sujeito empírico (SE). O primeiro é definido como o
responsável pelo enunciado que pode ser identificado no texto pelas marcas de
primeira pessoa; o segundo, o enunciador, é aquele que se responsabiliza
pelos pontos de vista contidos no enunciado; e, por último, o sujeito empírico, é
definido como aquele que produz o enunciado.
Nessa teoria, é considerado que a apresentação dos pontos de vista dos
enunciadores e a posição do locutor em relação àqueles são, respectivamente,
o primeiro e o segundo elementos do sentido.
O sujeito da enunciação poderá assumir posições diferentes em relação a
esses enunciadores. Como o próprio Ducrot (1987) diz:
26
De estas posibles posiciones distingo três. El locutor puede en
primer lugar identificarse con uno de los enunciadores (...); Una
segunda actitud posible consiste en dar la aprobación a un
enunciador (...); La tercera actitud posible del locutor frente al
enunciador es la de oponerse a este enunciador, es decir la de
rechazar su punto de vista.(...).41 (pp. 66-67)
Um dos fundamentos da Teoria Polifônica da Enunciação é revelar como
“o enunciado assinala, em sua enunciação, a superposição de diversas vozes”
(DUCROT, 1987, p. 172). Esse processo configura-se em dois tipos de
polifonia: a polifonia de enunciadores e a polifonia de locutores.
1.3.1 A polifonia de enunciadores
A polifonia de enunciadores ocorre quando, no mesmo enunciado, são
colocados em cena pontos de vista diferentes (enunciadores), com os quais o
locutor poderá assumir pelo menos três posições conforme exposto na citação
anterior.
A asserção é vista como um dos exemplos para a posição do locutor
frente ao enunciador. Através do enunciado Pedro vino42, é visto que o locutor
apresenta e assume o ponto de vista de que Pedro virá. A identificação do
locutor com o enunciador se dá pelo fato de o primeiro ter como objetivo a
imposição do ponto de vista desse enunciador. Ter-se-á de reconhecer o
interesse do locutor em admitir a vinda de Pedro.
Alguns recursos lingüístico-discursivos como a pressuposição, a ironia, o
humor, a negação, os enunciados formulados com masPA e a autoridade
polifônica – uma das formas da argumentação por autoridade – são exemplos
da polifonia de enunciadores, que demonstram, então, qual a posição
assumida pelo locutor frente ao enunciador.
41Trad.:Destas possíveis posições distingo três: o locutor pode em primeiro lugar identificar-se com um dos enunciadores (...); Uma segunda atitude possível consiste em dá a aprovação a um enunciador(...); a terceira atitude possível do locutor frente ao enunciador é a de opor-se a este enunciador, quer dizer a de rechaçar seu ponto de vista. 42 Trad.:Pedro virá.
27
1.3.1.1 Recursos lingüístico-discursivos da polifonia de enunciadores
A pressuposição “ocorre quando inferimos informações em um enunciado
a partir de informações explícitas, e quando ambas as informações (inferidas e
explícitas) são relevantes para determinar o sentido desse enunciado”
(NASCIMENTO & SILVA, 2003, p. 70).
Há que fazermos uma diferenciação entre o que é inferido a partir da
enunciação das palavras (e por isto não pode ser colocado em questão) − o
pressuposto – e o ponto de vista que está situado no sentido literal das
palavras do enunciado (e que pode ser colocado em questão) – o posto.
Em citação a Vogt (1977), Koch (2002, p.72) salienta que a pressuposição
lingüística
... pode ser considerada como constitutiva de uma “espécie de
tópico, de lugar da argumentação”, mas um lugar privilegiado,
uma vez que, guardando a natureza do implícito, ela se apresenta
com a força de uma imposição explícita, criando para o alocutário
obrigações cuja necessidade parece justificar-se pelo próprio direito
de falar.
A pressuposição é um recurso utilizado por Ducrot para exemplificar a
posição do locutor com um enunciador, mesmo que o enunciado não tenha
como objetivo admitir o ponto de vista desse enunciador. Essa seria a segunda
posição assumida pelo locutor em relação ao enunciador.
No enunciado (7) Pedro dejó de fumar 43 residem duas indicações. A
primeira, um pressuposto: Pedro fumaba antes44; a segunda, o posto, Pedro no
fuma ahora45. Apresentam-se, então, dois enunciadores: E1 e E2. O primeiro
apresenta a idéia de que Pedro fumava antes; e E2, a idéia de que Pedro não
fuma atualmente. A noção de pressuposição é dada através da aprovação de L
com E1, e a asserção consiste em dizer que L se identifica com E2. A
identificação do locutor por E2 comprova a noção de pressuposição, a qual o
locutor aprova identificando-se, apenas com o posto.
43 Trad.:Pedro deixou de fumar. 44 Trad.:Pedro fumava antes. 45 Trad.:Pedro não fuma atualmente.
28
A negação e o humor são recursos da polifonia de enunciadores que
exemplificam a terceira possível posição assumida pelo locutor, frente ao
enunciador, de rechaçar ponto de vista do primeiro – o locutor.
No texto humorístico, o locutor apresenta um ponto de vista absurdo e o
rechaça sem nenhum outro ponto de vista suficiente que seja suscetível de
modificar o anterior. Porém, é observado por Ducrot (1988) que um enunciado
não é somente humorístico, senão irônico, se o ponto de vista absurdo é
atribuído ao interlocutor.
A possibilidade de oposição do locutor frente a um enunciador também
pode ser exemplificada através do enunciado utilizado pelo próprio Ducrot
(1988), considerando o contexto de alguém ser convidado a passear, por conta
de o dia estar ‘lindo’ e responder a esse convite com a proposição
(9) Si, hace buen tiempo pero me duelen los pies.46
Verifica-se que há, nesse contexto, pelo menos quatro enunciadores:
E1 – faz bom tempo;
E2 – que justifica o convite ao passeio a partir do bom tempo;
E3 – a dor dos pés;
E4 – que conclui,a partir da dor nos pés, não ir ao passeio.
Em relação ao enunciador E1, o locutor o aprova, mesmo não tendo como
fim enunciar o bom tempo; com E2, o enunciador concorda favoravelmente
com o passeio, mas o locutor tem a atitude de rechaçá-lo; E3 apresenta o
ponto de vista (a dor nos pés) que L quer fazer admitir ao seu interlocutor; e,
finalmente, L identifica-se com E4. A posição tomada pelo locutor é de
rechaçar o convite ao passeio. Esta conclusão faz com que Ducrot (1987)
considere que um enunciado, em sua totalidade, sirva para realizar um ato de
rechaço.
O locutor também pode assumir outras posições nos enunciados
formulados com masPA.
46 Trad.:Sim, faz bom tempo mas me doem os pés.
29
Para Ducrot e Vogt (1980), a palavra mas tem sua origem no advérbio
magis do latim, que poderia ter função argumentativa, quando funcionava como
comparativo; ou poderia ter a função de retificador, quando exercia função
adversativa. Considerando sua origem latina, os lingüistas consideraram o mas
com função retificadora de masSN.
Utilizando-se do exemplo
(10) Ela não é nadadora, mas atleta.
Guimarães (1987, p.61) ressalta que o elemento mas, neste caso, “funciona
com função de correção de algo suposta ou realmente dito antes”. É, ainda
observada, a ausência do verbo ser no segundo segmento. Para Nascimento
(2005, p.48)47 sua presença seria, pois, suficiente para a transformação do
masSN em masPA , visto que, funcionaria não mais com função de retificador,
mas com função argumentativa.
A partir desse conector, Ducrot (1988, p. 71) demonstra as várias
posições que o locutor pode assumir frente aos enunciadores, como foi visto
anteriormente no exemplo (9) e como podemos observar agora no próximo
exemplo.
(11) Creo que vamos a tener éxito, pero nada hay seguro en la
vida.48
O autor identifica pelo menos quatro enunciadores. Através da enunciação
o locutor mostra seu otimismo, o que o faz identificar-se com E1(Creo que
vamos a tener êxito), que demonstra crença no êxito. O enunciador E2, que
conclui, a partir do êxito, haver um otimismo absoluto, é rechaçado pelo locutor.
O ponto de vista de E3 é observado como um elemento da sabedoria universal:
a incerteza sobre as coisas da vida. O locutor não se identifica com E3, mas
47O autor cita em seu trabalho a colaboração da professora Leci Barbisan durante a apresentação do trabalho “Operadores Argumentativos na sala de aula: A conjunção mas em gramáticas escolares” no II ECLAE (Encontro Nacional de Ciências da Linguagem aplicadas ao Ensino) – João Pessoa, 7 a 10 de setembro de 2003. 48 Trad.: Creio que vamos ter êxito,mas nada é seguro na vida.
30
aprova-o, e, finalmente, o locutor identifica-se com o ponto de vista de E4. Este
conclui, por conta da falta de certeza, que o otimismo não deve ser absoluto.
Em citação a Vogt e a Ducrot (1980), Nascimento (2005, p.48) diz que
o conectivo masPA, de função argumentativa, não exige
necessariamente que a proposição anterior p seja negativa. Para
esses lingüistas, sua função é introduzir uma proposição q que
orienta para uma conclusão não-r oposta a uma conclusão r para a
qual p poderia conduzir. Trata-se, portanto, de um indicador de
polifonia.
O autor (Ibidem, p. 50) acrescenta que a distinção básica entre o masPA
e o masSN é que, com o primeiro, trata-se de um retificador e, com o segundo,
trata-se de um elemento que funciona argumentativamente no discurso, como
indicador de polifonia.
Passando a mais um exemplo da polifonia de enunciadores, como citado
anteriormente, a autoridade polifônica – uma das formas da argumentação por
autoridade – também é considerada como um dos recursos da polifonia de
enunciadores e, segundo Ducrot (1987, p. 143), “parece diretamente inscrita na
língua”.
Sobre esse mecanismo é visto que
L mostra um enunciador E1 asseverando uma certa proposição, ou
seja, “ele introduz em seu discurso uma voz que não é forçosamente
a sua – responsável pela asserção de P. L apóia em E1 (a primeira
asserção) uma segunda asserção E2, identificando-se com E2”
(NASCIMENTO, 2005, p.51)
Para sua exemplificação Ducrot (1987, p.146) apresenta o seguinte
enunciado:
(12) Parece que vai fazer bom tempo: nós deveríamos sair.
Nesse enunciado, vê-se um locutor L – responsável pelo dito – que
apresenta dois enunciadores. O enunciador E1, Parece que vai fazer bom
tempo, trazido por L para o discurso; e um segundo enunciador E2, que seria o
31
responsável pelo segundo segmento: nós deveríamos sair, que se identifica
com L. Nesse caso, para que se admita E2, é preciso admitir E1. O enunciador
E1 é, então, uma autoridade colocada por L para se fazer admitir E2. Para
Ducrot (1987, p. 146),
È isto que permite falar de argumentação por autoridade: o
enunciador de P desempenha o papel de autoridade no sentido de
que seu dizer é suficiente para justificar que L, por sua vez, se torna
um enunciador de Q, fundamentando-se no fato de que a verdade de
P implica ou torna provável a de Q.
O sentido do enunciado está agora relacionado com a presença dos
enunciadores, e isto é o mais relevante para o lingüista, ao dizer:
E sua posição própria pode se manifestar seja porque ele se assimila
a este ou aquele dos enunciadores, tomando-o como representante
(o enunciador é então atualizado), seja simplesmente porque
escolheu fazê-los aparecer, e que sua aparição mantém-se
significativa, mesmo que ele não se assimile a eles. (DUCROT,
1987,p 193)
Diferentemente da polifonia de enunciadores, na polifonia de locutores
são encontrados, pelo menos, dois locutores distintos. É sobre esse
mecanismo que passaremos a dissertar.
1.3.2 Polifonia de locutores
Na polifonia de locutores, nós podemos encontrar pelo menos dois
locutores no mesmo enunciado; logo, pode-se dizer que se refere a uma
pluralidade de responsáveis pelo discurso “dados como distintos e irredutíveis”.
(DUCROT, 1987, p. 182). O autor ainda acrescenta:
32
Por definição, entendo por locutor um ser que é no próprio sentido do
enunciado, apresentado como seu responsável, ou seja, como
alguém a quem se deve imputar a responsabilidade deste
enunciado. (DUCROT, 1987, p.182)
1.3.2.1 Recursos lingüístico-discursivos da polifonia de locutores
As citações, referências, aspas, o arrazoado por autoridade – uma outra
forma de argumentação por autoridade –, o discurso relatado nos estilos direto
e indireto etc, são exemplos da polifonia de locutores.
Tomaremos como exemplos mais relevantes para nosso trabalho os
estilos direto e indireto e o arrazoado por autoridade.
Nos enunciados que comportam o estilo direto, há uma multiplicidade de
responsáveis. Veja-se o exemplo:
(13) João Antônio me disse: eu quero ir.
Nesse tipo de enunciado, podemos encontrar duas marcas de 1ª pessoa,
conferidas a dois locutores distintos. A palavra me reporta a um locutor, aquele
que é responsável pelo discurso, e a palavra eu a um outro locutor. Nesse
caso, a enunciação é considerada dupla, ou seja, “o próprio sentido do
enunciado atribuiria à enunciação dois locutores distintos, eventualmente
subordinados” (DUCROT, 1987, p. 186).
Nesse caso, observando o exemplo (1), há dois locutores distintos: o
primeiro locutor (L 1), identificado pelo me, seria o responsável pelo enunciado;
e o segundo (L2), seria o eu, quem desempenha a ação do relato “Eu quero ir”.
Temos, em Nascimento (2005), um exemplo de discurso direto que não é
marcado por aspas ou travessão, mas pelo verbo dicendi dizer:
O presidenciável do PSDB, José Serra, convidou ontem a primeira
dama Ruth Cardoso para fazer parte de um eventual governo seu
como ministra de alguma área social. “Eu queria ver a Ruth em
frente de um ministério social.Tenho direito de explicitar este meu
desejo”, disse o candidato, em cima de um palanque ao lado da
primeira dama. (In: NASCIMENTO, 2005, p. 120).
33
É possível identificar-se o locutor responsável pelo discurso (L1)
apresentando o ponto de vista segundo o qual José Serra (L2) convidou a
primeira dama Ruth Cardoso para fazer parte de sua equipe de governo.
Podemos também introduzir um terceiro locutor (L3), Ruth Cardoso, com a
continuidade do trecho acima exposto:
Sobre o convite, Ruth se limitou a dizer na saída: “Foi uma brincadeira”. (idem,
ibidem)
Como exemplo do discurso relatado indireto, tomemos o trecho abaixo
citado por Nascimento (2005, p.40),
Por isso, Lula queria ser o último a encontrar FHC e, se possível, ser
recebido em dia diferente. O petista desejava ver a repercussão dos
encontros e mapear melhor as intenções do presidente. Disse que
não podia comparecer amanhã, primeira data cogitada pelo
Planalto. Mas FHC mudou a agenda para segunda, o dia em que
Lula disse estar livre.
É verificado, pelo autor, que não há o uso de aspas, ou travessão, para
marcar a mudança de locutor L1 (o jornalista responsável pelo discurso) para
L2 (o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva). O relato é trazido
através do verbo dicendi ‘diz’ para ser incorporado ao próprio discurso de L1 –
o jornalista. É também observado pelo estudioso, que
“embora ocorra a incorporação do relato, é possível distinguir o
segundo locutor do primeiro (L2=Lula) bem como distinguir o
discurso ou relato que é atribuído ao segundo locutor, assinado pela
presença do verbo dicendi” (p.41).
Segundo Ducrot (1987), a diferença entre o estilo direto e o estilo indireto
não está ligada, respectivamente, a que o primeiro visasse só o conteúdo e o
segundo a forma. “O estilo direto pode também visar só o conteúdo, mas para
fazer saber qual é o conteúdo, escolhe dar a conhecer uma fala (ou seja, uma
seqüência de palavras, imputada a um locutor) (DUCROT, 1987, P. 187).
34
Isso nos autoriza a dizer que o discurso relatado, tanto no estilo direto,
como no indireto, é um dos ativadores da polifonia de locutores, recurso da
argumentatividade.
Como um dos recursos da polifonia de locutores, o arrazoado por
autoridade é uma das formas da argumentação por autoridade. Esta
conceituada por Ducrot (1987, p.139) como um “mecanismo argumentativo
freqüentemente utilizado no discurso”.
Ducrot (Ibidem, p.148) simplifica o arrazoado por autoridade através da
formulação “L assevera que há uma asserção de P por X”.
Vejamos um trecho do exemplo trazido por Nascimento (2005, p. 45),
retirado do jornal O estado de São Paulo, para exemplificar tal recurso
lingüístico, destacado da notícia sobre a repercussão do primeiro debate
realizado pela TV Bandeirantes entre os presidenciáveis Lula e Ciro Gomes.
(14) Segundo o diretor da UP e especialista em marketing político,
Sidney Kuntz, a margem de erro da pesquisa é de 4,5% para mais e para
menos.
Segundo o autor, o locutor (L1), responsável pela notícia, apresenta
dados de uma pesquisa de opinião pública sobre a posição dos candidatos no
debate. Para a análise de tais dados, traz o depoimento de um outro locutor
(L2) Sidney Kuntz, especialista em marketing político e diretor de um instituto
de pesquisa. Esse segundo locutor, considerado uma autoridade constituída
socialmente por ser especialista no assunto e poder emitir juízo de valor sobre
os dados da pesquisa, constitui-se em uma prova para o que assevera L1, no
seu texto.
É visto que o locutor L1 traz para o seu discurso o discurso de outro
locutor, L2, para que seu discurso traduza o ponto de vista de L1 e sirva de
argumento às suas intenções.
Nossa intenção, nessa primeira seção, foi a de expor a Teoria da
Argumentação e seus estágios de desenvolvimento como também a Teoria da
Polifonia e seus recursos lingüístico-discursivos ativantes, a fim de que a
metáfora conceptual seja observada enquanto um recurso argumentativo em
propagandas veiculadas em outdoors.
35
2 A METÁFORA: REFERENCIALISMO, DESCRITIVISMO E
CONCEPTUALISMO
Introdução
Para entendermos a concepção de metáfora advinda da retórica clássica,
faz-se necessário voltarmos também à concepção de linguagem enquanto
espelho da realidade objetiva. A metáfora entendida naquele momento também
era concebida como uma figura de linguagem e que deveria ser evitada. A
linguagem seria permeada pelos aspectos literais e figurativos e vista apenas a
partir desta perspectiva.
O objetivismo que abrangia os estudos filosóficos, e, por que não dizer?,
também lingüísticos, da época, era o ponto de partida para os conceitos
formulados, que deveriam herdar a verdade absoluta como algo imprescindível.
No século XVIII, o filósofo italiano Giambatista Vico, um precursor do
paradigma cognitivista da metáfora, por já nessa época a considerar como uma
figura do pensamento, alegava que “tanto os mitos quanto as metáforas
representam maneiras de dar forma à experiência” 49. A metáfora seria a mais
relevante figura de linguagem − tanto quanto as outras figuras de linguagem e
os mitos, fazia parte da ‘sabedoria poética’. A sabedoria poética fazia
“referência ao conjunto de operações cognitivas que levariam à construção do
real” (Idem, ibidem).
O paradigma do objetivismo é rompido em 1970; é proposto, então, o
paradigma do cognitivismo, que tem em sua idéia central a cognição como ”o
resultado de uma construção mental” (Idem , ibidem).
49 Citação retirada da introdução do livro Metáforas da vida cotidiana, Johnson, T & Lakoff,J, (Coordenação da tradução Mara Sofia Zanotto) São Paulo: EDUC, 2002.
36
O paradigma do cognitivismo é a orientação que será dada a este
trabalho, partindo das concepções sobre metáfora apresentadas por Lakoff &
Johnson.
Para esses autores, a metáfora nasce no ambiente cognitivo e não no
lingüístico; portanto, o processo metafórico seria uma questão do pensamento
e não da linguagem. Os nossos conceitos seriam sedimentados na nossa
experiência corpórea e a metáfora seria parte importante nesse processo.
2.1 Um breve percurso: do paradigma objetivista ao paradigma
cognitivista
Os estudos sobre a metáfora percorreram um longo caminho desde a
tradição clássica, através de filósofos da época como Aristóteles, e,
posteriormente, seus sucessores como Cícero e Quintiliano.
Algumas abordagens teóricas sobre a metáfora perpassaram esse
momento da tradição clássica, como o referencialismo e o descritivismo até
chegarmos à abordagem cognitiva.
Sobre essa visão referencialista, Cícero, Quintiliano e outros filósofos
retóricos concebiam a metáfora como uma questão entre referentes, isto é,
havia uma semelhança entre os referentes envolvidos nas expressões.
Sobre o referencialismo, ainda há autores que defendem essa visão,
como Henle (1958), Mooji (1976) e Fogelin (1988) (Cf. LEEZENBERG, 2003. p.
71).
Na abordagem descritivista, há uma exclusão do referente e uma
descrição das palavras. O sentido e a intenção, ou também a informação
descritiva ligada ao significado, determinariam qual a interpretação adequada
para aquela metáfora.
Na tradição retórica, a metáfora era vista como uma figura de linguagem
colocada apenas no nível de ornamento lingüístico. O sentido literal da
linguagem deveria permanecer, a fim de espelhar o mundo real e objetivo, e as
figuras de linguagem deveriam ser evitadas, pois serviam como um instrumento
de ilusão.
37
O discurso científico deveria se utilizar apenas da linguagem objetiva,
clara e precisa e, por isso, a metáfora não era tida como um recurso adequado
para esse tipo de discurso, que pretendia ser objetivo.
A visão cartesiana concebia a metáfora também como uma figura de
linguagem, conforme Lakoff e Johnson (2002, p.13):
Dentre as assunções que, segundo Pollio, Smith e Pollio (1990),
sofrem uma revisão está a visão cartesiana segundo a qual a
metáfora, assim como outras formas de linguagem figurada, “não é
conceptualmente útil: quando usada, isso acontece com o objetivo
de enganar o pensamento racional ou de ornamentar idéias
prosaicas”(p.142).
É visto que o objetivismo era o aceitável pelo fato de, através dele, ser
possível o acesso a verdades absolutas e incondicionais. Esse fundamento é
colocado em questão e, a partir do século XX, inicia-se a quebra desse
paradigma objetivista, colocando em cheque seus fundamentos e dando
espaço para o desenvolvimento de uma nova perspectiva:o cognitivismo.
O paradigma cognitivista tem como ponto norteador a cognição como um
resultado de uma construção mental (Idem, ibidem). A metáfora, nesse
momento, passa então a ser concebida como uma operação cognitiva
fundamental, ocupando um espaço maior e mais importante no âmbito dos
estudos lingüísticos e da psicologia cognitiva, entre outros.
Honeck (1980), citado por Lakoff e Johnson (2002,p. 14), diz que, em
1970, as questões empíricas relacionadas às figuras de linguagem passaram,
então, a ter uma maior relevância, pois acreditava-se que os novos estudos
poderiam abrir espaço para uma compreensão mais geral sobre os problemas
constituídos pelas figuras de linguagem, em detrimento das teorias de
compreensão, o que, para Johnson (1980), em Lakoff e Johnson (Idem,
ibidem), seria, sobretudo, uma vertente para desmistificar o caráter
epistemológico da metáfora.
Em 1980, há a publicação de Metaphors we live by, dos autores Lakoff e
Johnson, representando um marco nas pesquisas sobre a metáfora. Os
estudiosos conceberam a existência de um “sistema conceptual metafórico
38
subjacente à linguagem, que influencia nosso pensamento e nossa ação”
(Idem, p. 15).
2.2 As visões referencialistas e descritivistas da metáfora do século
XX
Para os descritivistas não é a referência, mas outro aspecto do significado
da expressão aplicada metaforicamente, para “humorizar” seu sentido ou
intenção, que determina a interpretação (LEEZENBERG, 2001, p. 78). Já os
referencialistas postulam uma semelhança entre os referentes das expressões.
Para Leezenberg (Idem, ibidem) a distinção mais evidente entre os dois
conceitos é que para os descritivistas:
… that what happens in metaphorical interpretation occurs at another
level of meaning than referencialists claim: for them, it is the level of
sense rather than that of extension that plays the mains role in
interpretation. 50
Conforme a exposição do autor acima (Idem, p. 69), Cícero e Quintiliano
defendem um conceito aproximado da visão referencialista. Cícero inverte a
classificação aristotélica de símile como uma subespécie da metáfora. Para
ele, a metáfora é originada a partir de uma necessidade de expressar algo
cujas palavras não são suficientes. O que se tornaria evidente é a semelhança
entre os objetos indicados: o uso figurativo da palavra alteraria o teor de
propriedade ‘desconhecida’ para o de uma propriedade clara, compreensível.
Seria a semelhança entre os referentes que garantiria a interpretação correta
da palavra usada metaforicamente (LEEZENBERG,2001, p. 70). Segundo
Leezenberg (Idem, ibidem), Cícero define a metáfora como “a condensação de
uma símile em uma única palavra, que é colocada em um lugar estranho”. Na
expressão lingüística uma colheita rica, não há uma palavra que garanta o
sentido de abundância aplicada à colheita, o que faz com que haja um
50 Trad.:o que acontece na interpretação metafórica ocorre em outro nível de pensamento que referencialistas reividicam: para eles é o nível do sentido mais do que a extensão que representa o principal papel na interpretação”.
39
empréstimo de uma palavra localizada na esfera econômica. Para ele não
haveria restrições entre o domínio fonte e o domínio alvo de uma metáfora: os
nomes advindos de âmbitos lingüísticos diversos podem ser relacionados.
Entretanto, segundo Leezenberg (Ibidem), é visto que o filósofo não deixa
claro de que forma uma metáfora é exatamente baseada em uma similaridade,
contudo, não é do nosso interesse nos aprofundarmos em tal estudo.
Nas visões descritivistas, o aspecto do significado, associado à
informação descritivista, determinaria a interpretação. Ou seja, segundo
Leezenberg (2001, p. 78),
In other words, on a descriptivist view metaphorical interpretation
does not involve the properties that actually aplly to the objects
referred to, as much as the properties that are associated with the
word, and held to apply to the objects by the average member of a
speech community.51
Nas abordagens descritivistas, a metáfora envolve uma mudança não
apenas na referência, mas no significado ou sentido de pelo menos uma
expressão. Ao utilizar-se da expressão o homem é um lobo, Leezenberg (2001,
p. 78) diz não poder ser o sentido literal da expressão lobo que determinaria a
interpretação, mas levaria a uma falsa afirmação; contrariamente, é adquirido
um outro sentido metafórico através do seu contexto verbal específico. De
acordo com Black seria o enquadre e, segundo Beardsley, seria uma
seqüência metafórica.
Um outro aspecto importante a respeito das visões descritivistas e da
visão conceptualista é a ausência de um enfoque na similaridade como uma
noção explícita. A não-similaridade é reconhecida como parte essencial na
interpretação metafórica.
O processo da similaridade ocupa posições distintas nas visões
descritivistas e referencialistas. Na visão referencialista, ela se torna essencial
para a interpretação; entretanto, na visão descritivista, o que garante o
51 Trad.: Em outras palavras, em uma visão descritivista, a interpretação metafórica não envolve as propriedades que atualmente se aplicam aos objetos referidos, tanto quanto as propriedades que são associadas com a palavra, e tomadas para aplicar aos objetos pelo membro comum da comunidade de fala”. (Grifo do autor)
40
processo metafórico é a falta de similaridade expressa como uma ‘oposição
lógica’ ou ‘conflito semântico’ entre as palavras.
De acordo com o exemplo o homem é um lobo, temos o sentido literal de
que homens não são lobos e isso serve como um indicador de que poderemos
interpretar tal expressão através do sentido não-literal. A interpretação consiste
na transferência de alguns elementos significativos da expressão lobo,
utilizados metaforicamente em relação ao seu ‘contexto literal’ homem.
No âmbito descritivista, a transferência do significado é parte essencial
para a interpretação da metáfora. Seu reconhecimento consiste na mudança
semântica no nível do significado literal. Entretanto, algumas críticas são
colocadas sobre essa visão por ser entendido que um choque lógico não seria
nem uma condição nem suficiente para a interpretação de uma metáfora.
Ao falarmos sobre as posições descritivistas, torna-se eventual
pontuarmos que não apenas a símile, mas a metonímia e a ironia são alguns
dos processos que foram inclusos no mais amplo sentido da metáfora.
Diferentemente das visões referencialistas e descritivistas, na perspectiva
cognitivista, “muitas das similaridades que percebemos são resultado de
metáforas convencionais que são parte de nosso sistema conceptual”
(LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.245).
É sobre essa perspectiva, fundamento do nosso trabalho, que
passaremos a discorrer.
2.3 A metáfora conceptual segundo Lakoff e Johnson
Há um processo de significação que se manifesta através do pensamento
construído, isto é, há uma certa concepção sobre aquilo que é expresso, o que
se pode denominar de metáfora conceptual. A metáfora, para Lakoff e Johnson
(Ibidem, p.48), “consiste em compreender e experenciar uma coisa em termos
de outra” (Idem, ibidem).
Segundo Lakoff & Johnson (Ibidem, p.46), “o que experienciamos e o que
fazemos todos os dias são uma questão de metáfora”. Esta faz parte do nosso
sistema conceptual: “A metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente
na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema
41
conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos mas também
agimos, é fundamentalmente metafórico por natureza” (Ibidem, p.45).
Acreditamos que o nosso sistema conceptual é delineado por uma
atividade cognoscitiva e a nossa linguagem cotidiana deixa transparecer,
através de expressões lingüísticas, metáforas que desvendam e estruturam o
nosso discurso, como afirmam os referidos autores (Ibidem,p.48): “afirmamos
que o sistema conceptual humano é metaforicamente estruturado e definido.
As metáforas como expressões lingüísticas são possíveis precisamente por
existirem metáforas no sistema conceptual de cada um de nós.”
Na realização cognoscitiva da metáfora, nós podemos observar que “o
domínio conceptual alvo é estruturado parcialmente com base noutro domínio
conceptual origem” (BORBOREMA, 2005, p.69). Como exemplo desse
conceito observamos que na metáfora AMOR É UMA VIAGEM o domínio alvo
AMOR é estruturado parcialmente com base no domínio conceptual VIAGEM.
Esse processo metafórico pode ser observado quando utilizamos as
expressões lingüísticas Nosso amor chegou ao fim ou o sinal está fechado para
nós. Neste caso, conceituamos o amor como se ele “partisse” de um certo
ponto, “percorresse” uma determinada distância e tivesse “chegado” ao fim do
trajeto; na segunda expressão lingüística, subentende-se a presença ou
existência de um semáforo cujo sinal indicasse uma “parada”, uma “brecagem”,
como se esse amor não estivesse percorrendo o caminho desejado ou
esperado.
Em citação a Lakoff e Johnson, Kövecses (In: Barcelona, 2003, p. 79) diz
que,
out that there is a good reason why a single target concept is
understood via several source concepts: one source just cannot do
the job because our concepts have a number of distinct aspects to
them and the metaphors address these distinct aspects 52.
52 Trad.: há uma boa razão pela qual um único conceito alvo são compreendidos vários conceitos fonte: uma fonte não pode simplesmente desempenhar um papel porque nossos conceitos têm um número de aspectos distintos em relação a esses conceitos e as metáforas endereçam esses aspectos distintos.
42
Tomando como exemplo o conceito de guerra, o autor salienta que este
pode ser aplicado não só à discussão mas também ao conceito de construção,
amor, edificação etc. Isso quer dizer que um domínio fonte, ou sua maioria,
caracteriza não apenas um conceito alvo, mas vários.
Kövecses (In: Barcelona, 2003, p. 80) levanta uma questão: “How many
and what kind of target domains does a single source concept apply to?”53 Esse
problema é denominado pelo estudioso de “the scope of metaphor”54 (Idem,
ibidem). O autor define tal conceito como “the full range of cases, that is, all the
possible target domains, to wich a given specific source concept (such as war,
bilding, fire) applies”55(Idem, ibidem).
Essa explicação pode ser representada através do domínio fonte de
edifícios que se aplica a vários alvos. Como exemplo,
• THEORIES ARE BUILDINGS56
Expressão lingüística: The truth is that standard economic models
constructed on the evidence of past experience are of little use57.
• RELATIONSHIPS ARE BUILDING58
Expressão lingüística: Since then the two have built a solid
relationship59.
Entendemos, então, que o significado é construído a partir das nossas
experiências cotidianas, das interações físicas. Dessas experiências
depreendemos esquemas imagéticos e são esses esquemas que dão
significado às nossas construções lingüísticas, constituindo, então, o nosso
sistema conceptual metafórico subjacente à linguagem.
De acordo com Lakoff e Johnson (2002), as metáforas conceptuais podem
ser colocadas em três categorias: as estruturais, as orientacionais e as
ontológicas. Passemos, então, a apresentá-las.
53 Trad.: A quantos e que tipos de domínios alvo um único conceito fonte se aplica? 54 Trad.: O âmbito da metáfora. 55 Trad.: a ‘gama complexa’ de casos, quer dizer, todos os domínios alvos possíveis para os quais um dado conceito fonte específico (tais como guerra, edifício, construção, fogo) se aplica. 56 TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES. 57 A verdade é que modelos econômicos padrões construídos sobre a evidência da experiência passada são de pouco uso. 58 RELAÇÕES SÃO CONSTRUÇÕES. 59 Desde então os dois têm construído uma relação sólida.
43
2.3.1 Metáforas conceptuais estruturais
Tais metáforas “(...) nos permitem usar um conceito detalhadamente
estruturado e delineado de maneira clara para estruturar um outro conceito”
(LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.135). A metáfora DISCUSSÃO É GUERRA é
atualizada através das expressões lingüísticas: Seus argumentos são
indefensáveis; Jamais ganhei uma discussão com ele (Ibidem, p. 46); Estou
apenas me defendendo (exemplo nosso).
No primeiro exemplo – Seus argumentos são indefensáveis –,
concebemos argumentos como se fossem um instrumento bélico; no segundo
exemplo, usamos ganhei uma discussão, como se a discussão fosse uma
guerra com ganhadores e perdedores, e, no último exemplo, falamos de nossa
defesa como se estivéssemos num confronto físico, sendo atacados por algo
destruidor ou ameaçador.
Tais expressões são comuns na nossa cultura e, por serem tão comuns,
às vezes, não são percebidas. Porém, é importante ressaltar que no mundo
dos animais irracionais algumas táticas são desempenhadas, como a
intimidação, o estabelecimento de defesas e ataques e de territórios etc. O
nosso diferencial é que nos utilizamos de táticas verbais para obtermos nossos
propósitos, apesar de que, às vezes, infelizmente, as discussões tomam o
âmbito da violência física. No entanto, também delimitamos nosso território,
argumentamos sobre nosso ponto de vista. Embora não tenhamos
experenciado um combate físico, fundamentamos nossas discussões a partir
da metáfora DISCUSSÃO É GUERRA, porque este processo metafórico está
construído no nosso sistema conceptual da cultura na qual vivemos.
Segundo Lakoff e Jonhson (2002), nossas discussões, consideradas
racionais, pelo menos as concebidas em termos de DISCUSSÃO RACIONAL,
não são concebidas em termos de guerra, mas a maioria contém, mesmo que
de maneira subjacente, as táticas “irracionais” e “desleais” que as discussões
racionais não deveriam ter em sua forma ideal. Como exemplo desta assertiva,
vejamos algumas das expressões apresentadas pelos autores ativadoras
desse processo:
44
1. É plausível assumir que (intimidação);
2. Como Descartes mostrou (apelo à autoridade);
3. Sua posição é correta até certo ponto (negociação).
É importante verificar que essas expressões não só traduzem nossas
experiências físicas e culturais como também fundamentam nossas
experiências e ações.
2.3.2 Metáforas conceptuais orientacionais
Essas metáforas organizam “todo um conceito em relação a um outro“
(LAKOFF E JOHNSON, 2002, p. 59) e são criadas a partir da orientação
espacial que experenciamos. As expressões lingüísticas Eu estou me sentindo
para cima; Eu caí em depressão são expressões lingüísticas que concretizam
as metáforas FELIZ É PARA CIMA, TRISTE É PARA BAIXO (Idem, ibidem).
Nas orientacionais, diferentemente das estruturais, a formação dos
conceitos é motivada a partir das nossas experiências corpóreas. Há uma
influência cultural e espacial na conceituação dessas metáforas, e, portanto,
não podemos dissociar a questão espacial da questão cultural. É importante
observar que a questão cultural é elemento de variação na conceituação de
uma metáfora, já que certos conceitos mudam de cultura para cultura.
Quando falamos Hoje eu estou pra baixo, sabemos que a expressão pra
baixo quer dizer que a pessoa não está bem, já que temos como metáfora
conceptual de base FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É PARA BAIXO. Porém, é
possível não encontrarmos, em outras culturas, essa mesma metáfora de base.
Nossos conceitos podem decorrer de experiências não físicas em termos
de experiências físicas. Essa fundamentação conceptual nos leva a perceber
que construímos um conceito, não exatamente delimitado, em termos de um
outro, mais explícito, inequívoco.
Como exemplo dessa assertiva, Lakoff e Johnson (2002, p. 131)
consideraram os seguintes exemplos:
45
1. Harry está na cozinha;
2. Harry está no Elks (clube);
3. Harry está em estado de amor/Harry está amando.
Observa-se que há, respectivamente, pelo menos três domínios da
experiência que, nestes casos, são considerados igualmente básicos: espacial,
social e emocional. Entretanto, há uma diferença referente à estruturação
conceptual. O primeiro exemplo advém, de maneira clara, de uma experiência
espacial; os demais são considerados pelos autores como instâncias de
conceitos metafóricos. O segundo é considerado uma instância da metáfora
GRUPOS SOCIAIS SÃO RECIPIENTES, “em termos da qual o conceito de
grupo social é estruturado” (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p. 131). Percebe-se
que o conceito de grupo social está baseado na noção de espaço. Segundo os
estudiosos, teríamos “um conceito emergente DENTRO DE, uma palavra para
ele, e dois conceitos metafóricos que parcialmente definem grupos sociais e
estados emocionais” (Idem , Ibidem).
O mais relevante dessa observação é o fato de haver semelhanças entre
os tipos básicos de experiências, mesmo resultando em conceptualizações não
tão igualmente básicas.
2.3.3 Metáforas conceptuais ontológicas
Concebidas pelos autores como “formas de conceber eventos, atividades,
emoções, idéias etc. como entidades e substâncias” (Ibidem,p.76). INFLAÇÃO
É UMA ENTIDADE é um exemplo dessa metáfora, atualizada através dos
enunciados: Precisamos combater a inflação; Se houver muito mais inflação,
nós nunca sobreviveremos (Ibidem, p.76).
Compreendermos e experenciarmos uma emoção, uma idéia, um evento,
leva-nos a tratá-los como entidades e substâncias, ou seja, esses conceitos
passam a ser metaforicamente estruturados. Por exemplo, quando dizemos
Hoje minha mente não funciona mais, constata-se um conceito
metaforicamente subjacente: MENTE É UMA MÁQUINA.
46
As metáforas MENTE É UMA MÁQUINA e MENTE É UM OBJETO
QUEBRADIÇO são exemplos utilizados por Lakoff e Johnson para observarem
que “essas metáforas não focalizam exatamente o mesmo aspecto da
experiência mental” (2002, p.80). Essa assertiva é verificada quando
entendemos que, caso uma máquina quebre, ela pára. Quando algum objeto
frágil quebra, suas partes ficam espalhadas. Mas, quando alguém toma
repentinamente alguma atitude agressiva e/ou violenta, nós dizemos “Ela
explodiu” (Idem, ibidem). Mas, caso a pessoa não tome nenhuma atitude por
razões emocionais ou psicológicas, geralmente se diz “Ela pifou” (Idem,
ibidem), isto é, não teve nenhuma reação.
Essa explicação apresentada pelos autores nos faz rever se, na Língua
Portuguesa, existiria uma expressão para nos referirmos a tal comportamento
letárgico nos utilizando da expressão “Ela pifou”. Acreditamos que, diante de
tais circunstâncias, a expressão mais adequada e utilizável seria “Ela parou” e
não “Ela pifou”. Talvez essa designação esteja relacionada com questões
culturais do indivíduo.
Nossa assertiva pode ser justificada de acordo com o ponto de vista
apresentado por Antônio Barcelona (2003) a respeito da Teoria Cognitiva da
Metáfora e da Metonímia (CTMM)60. Sobre o ponto de vista de Barcelona
(Ibidem, p.8),
Something else that the CTMM still has to do is compile a systematic
typology of the major metaphors and metonymies in English and
other languages with a specification of their systematic connections
with each other and their hierarchical relationships.61
Há algumas metáforas que se tornam tão naturais e recorrentes na nossa
linguagem e no nosso pensamento que se tornam evidentes por si mesmas e
descrevem diretamente nossos conceitos mentais.
Para Lakoff e Johnson, as metáforas ontológicas servem a diversos fins
como “(...) quantificar, identificar um aspecto particular dela, vê-la como uma
60 Cognitive Teory of Metaphor and Metonymy. 61 Trad.: Uma outra coisa que a CTMM ainda deve fazer é compilar uma tipologia sistemática das principais metáforas e metonímias em Inglês e outras línguas com uma especificação de suas conexões sistemáticas reciprocamente com cada um de seus relacionamentos hierárquicos.
47
causa, agir em relação a ela, e talvez, até mesmo, acreditar que nós a
compreendemos” (2002, p. 77).
A noção de recipiente, por exemplo, poder ser reconhecida como presente
nas zonas territoriais delimitadas em nossa mente, pois temos o conceito
orientacional dentro-fora como algo pertinente nas nossas ações e
experiências cotidianas. Quando estamos em um espaço físico com vários
ambientes, nos deslocamos para fora ou para dentro de um outro.
As substâncias também são reconhecidas como recipientes. Um exemplo
desse conceito é quando estamos na praia e dizemos: Ele está na água. O que
nos faz perceber que assim como o mar, a água também é vista como
recipiente. Embora o primeiro seja um espaço naturalmente delimitado ─ o que
nos faz também entender que concebemos o meio ambiente como recipiente, a
água é concebida como uma substância recipiente.
Os eventos, ações, atividades e estados também são compreendidos por
nós através das metáforas ontológicas. Conceptualizamos metaforicamente
eventos e ações como objetos, estados como recipientes e atividades como
substâncias. Um jogo desportivo pode ser considerado como evento, entendido
como um OBJETO RECIPIENTE, cujos participantes (objetos) estão ‘dentro’, o
evento seria o início e o fim (objetos metafóricos) e a atividade de jogar,
entendida como uma substância metafórica. Então dizemos:
• Você vai estar no jogo? (Jogo como OBJETO RECIPIENTE)
• Você viu o jogo? (jogo como OBJETO)
• O fim do jogo foi maravilhoso. (fim como EVENTO OBJETO
dentro de OBJETO RECIPIENTE)
Entretanto, segundo Lakoff e Johnson (2002, p. 87), as metáforas
ontológicas em que os objetos físicos são concebidos como pessoas, talvez
sejam as mais óbvias. Esse processo metafórico foi nomeado de
personificação.
48
2.3.3.1 A personificação
Um aspecto importante da metáfora ontológica é o fato de atribuirmos
características humanas a seres não-humanos, a objetos. Concebermos
entidades ou eventos como pessoas, assim objetos físicos. Nestes casos
constata-se, então, um processo de personificação. Para Lakoff e Jonhson
(2002, p.88) “a personificação é uma categoria geral que cobre uma enorme
gama de metáforas, (...) o que todas têm em comum é o fato de serem
extensões de metáforas ontológicas”. Quando se diz Hoje meu computador
está de mal-humor, está-se tratando um objeto, um ser inanimado como algo,
aliás, como um ser humano, provido de emoções e sentimentos. Atribuem-se
características humanas a um ser inanimado, não-humano.
Os mesmos autores se utilizam de algumas expressões para
exemplificar que “cada personificação difere em termos dos aspectos humanos
que são selecionados” (Idem, ibidem). Vejamos alguns dos exemplos
apresentados pelos autores:
• A inflação roubou as minhas economias;
• O nosso maior inimigo agora é a inflação;
• A inflação atacou os alicerces da nossa economia.
A metáfora, INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO, neste caso, seria mais
específica do que INFLAÇÃO É UMA PESSOA. Além de uma maneira de
pensar sobre inflação, seria uma forma de reagir em relação a ela. Poderíamos
concebê-la, assim, como um adversário capaz de nos ferir, ludibriar etc. Sendo
um adversário, a inflação induz o governo a declarar-lhe guerra, ter reações e
ações econômicas, políticas etc.
Os autores citados consideram tais processos metafóricos como
personificação, entretanto, outras colaborações a respeito desses conceitos
apresentam-se como relevantes. Acrescentaremos o que diz Espíndola (2005,
no prelo), sobre tais verificações.
Segundo a autora (Idem, ibidem), é necessário distinguirmos dois tipos de
metáforas ontológicas. A primeira distinção é colocada quando
49
“uma experiência ou objeto físico é concebido como uma entidade
animada (uso de características ou ações próprias de um ser vivo).
Ou seja, tomamos características do domínio origem (um
determinado ser animado) e as projetamos para o domínio alvo (a
experiência sobre a qual estamos fazendo referência)” (ESPÍNDOLA,
2005, no prelo).
Essa observação é feita com base no exemplo apresentado por Lakoff e
Johnson (2002, p. 88) ─ A inflação está devorando nossos lucros, que
concretiza a metáfora A INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO.
Esse processo caracterizaria uma animação, pois estaríamos atribuindo a
uma experiência traços de um ser vivo. Entretanto, a pesquisadora chama a
atenção para o fato de que a ação de devorar não é propriamente uma
característica do ser humano, mas dos animais.
Outra assertiva apontada pela autora baseia-se no fato de que alguns
exemplos de metáfora ontológica não são considerados como sendo uma
personificação. Trata-se da concepção, na nossa cultura, de INFLAÇÃO
COMO UMA DOENÇA que precisa ser combatida, atacada, erradicada. É o
que se pode ver, por exemplo, no enunciado, coletado do discurso do ex-
ministro Antônio Palloci quando se referia à inflação, materializando a metáfora
citada acima, através da expressão lingüística A inflação precisa ser combatida
com a vacina certa.
Segundo Espíndola (2006, no prelo), “Esse exemplo de metáfora
ontológica também não pode ser considerado como sendo uma personificação,
mas como a animação desse processo, no sentido de algo com vida, mas não
humano”.
Essa constatação parte da análise de enunciados coletados em
publicidades veiculadas em vários suportes. Entre esses enunciados
apresentados pela autora, vejamos dois, retirados de publicidades veiculadas
pela Revista Veja:
• Está nascendo o novo sabão em pó da Assolan.
• Sede de verdade a gente doma é no laço.
50
Foi verificado, por Espíndola (ibidem), que houve um processo
semelhante ao da personificação, embora haja uma diferença básica. Nos dois
enunciados houve um processo de animação do processo e do objeto. Os dois
─ o sabão e a sede ─ não são tratados como uma pessoa, mas como um ser
vivo.
A humanização poderia ser realmente constatada no caso de metáforas
ontológicas que personificam experiências, isto é, concebem experiências
como pessoas ou lhes são atribuídas características humanas. A lingüista cita
como exemplo a metáfora apresentada por Lakoff e Johnson (2002, p. 87) A
INFLAÇÃO É UM ADVERSÁRIO, atualizada através da expressão lingüística A
inflação ludibriou as melhores mentes econômicas de nosso país.
Há também um outro dado relevante apresentado por Espíndola (2006,
no prelo), com base em Barcelona (2003). Vejamos a expressão, retirada da
revista Veja, utilizada como exemplo pela autora:
• A embratel acaba de ter uma grande idéia.
Nesse exemplo, foi verificado inicialmente um processo metonímico,
entretanto, a empresa – Embratel – é personificada, pois lhe são atribuídas
ações, comportamentos próprios de um ser humano. Segundo a estudiosa, a
empresa é personificada, “caracterizando uma metáfora com base metonímica;
uma metonímia que, por sua vez é personificada” (Idem, ibidem).
Neste ponto do nosso trabalho, acreditamos que se faça necessário
fazermos esclarecimentos sobre o conceito de metonímia, já que adentramos
no âmbito da discussão sobre tal processo.
2.3.4 O processo metonímico
Assim como a metáfora, a metonímia também é reconhecida por Lakoff e
Johnson (2002, p. 91) como fazendo parte da maneira como pensamos agimos
e falamos no nosso cotidiano. O exemplo dado pelos autores refere-se à
situação de alguém se referir à determinada pessoa como sanduíche de
presunto. Casos como esses, não podem ser identificados como um processo
51
de personificação, pois não estamos atribuindo qualidades humanas ao
sanduíche de presunto. Neste caso, uma entidade está sendo usada para se
referir à outra.
Segundo os autores “A metonímia tem, pelo menos em parte, o mesmo
uso que a metáfora, mas ela nos permite focalizar mais especificamente certos
aspectos da entidade a que estamos nos referindo” (Ibidem,p. 93).
No nosso sistema conceptual, o caso da metonímia PARTE PELO TODO,
seria o que chamamos de ROSTO PELA PESSOA. Por exemplo, No seriado
Malhação da rede Globo só há carinhas bonitas.
Os conceitos metonímicos são, segundo os estudiosos, sistemáticos, pois
“não são ocorrências casuais ou aleatórias para serem tratadas como
exemplos isolados” (Idem, ibidem, p.94). O que nos faz relembrar, a ocorrência
do verbo pifar, e, novamente, nossa citação sobre o ponto de vista de
Barcelona (2003, p. 8) colocada no item 2.3.3, quando autor propõe compilar
uma tipologia sistemática das principais metáforas e metonímias em inglês e
outras línguas.
Entretanto, vamos expor alguns exemplos considerados pelos autores
como representativos, presentes em nossa cultura:
PARTE PELO TODO
• Ponha seu traseiro aqui!
PRODUTOR PELO PRODUTO
• Ela comprou um Ford.
OBJETO PELO USUÁRIO
• Os ônibus estão em greve.
INSTITUIÇÃO PELOS RESPONSÁVEIS
• Eu não aprovo os atos do governo.
É importante ressaltar que os conceitos metonímicos nos permitem
conceituar alguma coisa por sua relação com outra. Se pensamos num Ford,
não estamos pensando apenas em um carro, estamos pensando no seu
52
modelo, desempenho, versatilidade, aceitação comercial no mercado etc. O
que conduz a pensarmos que a metonímia de PRODUTOR PELO PRODUTO,
diz respeito ao nosso pensamento e a nossa ação.
De acordo com Lakoff e Johnson (2002, p. 97), semelhantemente,
“quando uma garçonete refere-se a uma pessoa como “O sanduíche de
presunto” ela não está interessada na pessoa como pessoa, mas apenas como
freguês”. O uso dessa metonímia, neste caso, é considerado como
desumanizador.
Na definição de Barcelona (2003, p.4),
“Metonymy is a conceptual projection whereby one experiential
domain (the target) is partially unsderstood in terms of another
experiential domain (the source) inclued in the same common
experiential domains”.62
Em citação a Langacker (1987, p. 85-386) Barcelona (2003, p. 4) diz que
a metonímia é um caso especial de ativação. A ativação do domínio alvo é
causada pelo mapeamento metonímico (In: Kövecses e Radden, 1998, p.30),
freqüentemente com um objetivo discursivo limitado (In:Lakoff 1987, p. 78-80).
Como exemplos desse processo, citaremos dois dos apresentados pelo autor.
• She’s just a pretty face – FACE FOR PERSON63
• John has a long face ─ DROPING FACIAL MUSCLES FOR
SADNESS)(EFECT FOR CAUSE)64
No primeiro exemplo, é visto que a face é mapeada em relação à pessoa.
Seria um processo metonímico da parte pelo todo. No segundo exemplo, o
domínio comum é o da tristeza, que tem como partes a emoção-causa e seus
efeitos.
62 Trad.: A metonímia é uma projeção conceitual em que um domínio experencial (o alvo) é parcialmente compreendido em termos de outro domínio experencial (a fonte), incluída no mesmo domínio experencial comum. 63 Ela é apenas uma face bonita . FACE POR PESSOA. 64 John tem uma face longa. (MÚSCULOS FACIAIS CAÍDOS PARA TRISTEZA) (EFEITO DA
CAUSA)
53
Faz-se importante observarmos enfaticamente que, embora nos
processos metafóricos e metonímicos os domínios alvos sejam parcialmente
mapeados em termos do domínio origem, há um dado marcante : na metáfora,
os domínios experenciais são distintos; na metonímia, os domínios
experenciais são comuns.
Vemos que a metonímia, assim como a metáfora, ocupa seu lugar na
nossa linguagem, no nosso pensamento e nas nossas ações.
54
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO
3.1 Procedimentos metodológicos
A nossa pesquisa foi realizada com base nas perspectivas da Teoria da
Argumentação e na Semântica Cognitiva. A partir das premissas da Semântica
Cognitiva, tivemos como subsídio teórico os trabalhos apresentados por
George Lakoff e Mark Johnson (2002) e demais colaboradores, como Michiel
Leezenberg (2001) e Antônio Barcelona (2003). Acerca da Teoria da
Argumentação, nos subsidiaram os estudos desenvolvidos por Jean-Claude
Anscombre e Oswald Ducrot (1988,1994), para quem a argumentação é
intrínseca à língua, e outros estudiosos, como Espíndola (2004), que trabalham
a partir de um mesmo ponto de vista.
Sobre o conceito de gênero, não pretendemos defini-lo nem tão pouco
sugerir uma nova abordagem. Nosso limite delineia a verificação dos efeitos e
funções semântico-discursivas que as metáforas conceptuais, mais
especificamente as ontológicas, imprimem nas propagandas veiculadas em
outdoors.
3.2 Corpus e método
O corpus da nossa pesquisa foi coletado de duas maneiras: 34 (trinta e
quatro) outdoors via internet, através dos sites www.outdooronline.com.br e
www.startoutdoor.com.br, e 06 (seis) in loco, resultando em 40 (quarenta)
exemplares.
55
Para a organização deste corpus, selecionamos outdoors que
contivessem texto verbal.
Sobre o texto não-verbal, por tratar-se do gênero abordado – a
propaganda –, poderá tornar-se recorrente, embora não seja dispensada sua
apreciação, mesmo que não esteja na mesma direção conclusiva de alguma
análise.
É importante deixarmos claro que não tomamos como referência
quaisquer critérios de ordem propagandista/publicitária, por não serem
considerados, neste trabalho, como determinantes para a investigação
proposta.
Todos os outdoors coletados no site www.outdooronline.com.br foram
premiados nos anos de 2004 e 2005, em diferentes categorias estabelecidas
pela empresa responsável, Central de Outdoor. Tais categorias seriam:
estudantil, especial, inovação padrão e aplique. Dentre essas categorias, a
premiação varia entre ouro seccional ou nacional e bronze nacional. No site
www.startoutdoor.com.br os outdoors compunham uma coletânea para
exposição de propagandas já comercializadas e divulgadas.
Os outdoors in loco foram coletados espontaneamente e selecionados a
partir de uma verificação prévia da presença de elementos que pudessem
comprovar a ativação de metáforas conceptuais, de forma a compor o material
de análise para este trabalho.
Acrescentamos, ainda, que esta pesquisa é de caráter qualitativo, logo
não tem como pretensão uma análise quantitativa do corpus.
3.3 Metáfora, gênero e argumentação: um liame a ser discutido
Estudar a metáfora enquanto recurso lingüístico no gênero abordado é,
antes de tudo, buscar as possíveis interferências culturais e da nossa própria
experiência cotidiana que poderão ser percebidas através da linguagem
utilizada; é desvendar as possíveis relações semânticas que revelam a
linguagem não apenas enquanto pensamento mas também enquanto ação, isto
é, enquanto argumentação.
56
Para tanto, se faz necessária a localização do texto outdoor em meio às
definições apresentadas sobre gênero e suporte que permeiam nosso campo
de estudo. A relação entre gênero e suporte é mais um ponto a ser investigado.
Tomamos o conceito de gêneros como “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (BAKHTIN, 1992, p. 279), concedendo à propaganda a nomeação
de gênero.
Marcuschi (2003, p.10) apresenta duas importantes definições: a primeira,
sobre o outdoor, definido como “um suporte que em geral contém um gênero
de cada vez e revela uma certa especialização em relação ao gênero
suportado”; e a segunda, sobre o suporte como “um locus físico ou virtual com
formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero
materializado como texto” (Idem, ibidem, p. 11) (Grifo do autor). A fixação do
texto e sua acessibilidade seria o principal objetivo do suporte.
No entanto, por que nos utilizamos da palavra “veiculados” no título do
nosso trabalho? Porque o outdoor “é um suporte para vários gêneros, com
preferência para publicidades, anúncios, propagandas, comunicados, convites,
declarações, editais” (MARCUSCHI, 2003. P. 13). De uma certa forma, o
suporte veicula vários gêneros, não podendo ser confundido com um canal,
demonstrando uma sutil peculiaridade entre os gêneros suportados. É visto que
o suporte outdoor atende primeiramente a gêneros que tenham como objetivo
principal sua grande circulação e divulgação, como a publicidade e/ou a
propaganda. Mas, não pretendemos nos aprofundar sobre tal discussão.
Entretanto, qual seria então a definição do conceito de propaganda? Tal
conceito é ainda discutido entre os profissionais da comunicação. Para
Sandman (2001) há diferenças de compreensão entre algumas línguas, mas
Em português publicidade é usado para a venda de produtos ou
serviços e propaganda tanto para a propagação de idéias como no
sentido de publicidade. Propaganda é, portanto, o termo mais
abrangente e o que pode ser usado em todos os sentidos.(p. 10)
Para Sampaio (1999, p. 25) a propaganda é “a manifestação planejada da
comunicação visando, pela persuasão, promover comportamentos em
benefício do anunciante que a utiliza”;
57
Este autor apresenta três termos da língua inglesa que possam definir a
propaganda: Advertising, Publicity e Propaganda. O primeiro, seria definido
como:
anúncio comercial, propaganda que visa divulgar e promover o
consumo de bens (mercadorias serviços); assim como a propaganda
que objetiva promover comportamentos e ações comunitariamente
úteis (SAMPAIO, 1999, p.25.).
O segundo termo, Publicity, é entendido como:
Informação disseminada editorialmente com o objetivo de divulgar
informações sobre pessoas, empresas, produtos, entidades, idéias,
eventos, etc. sem que para isso o anunciante pague pelo espaço ou
tempo utilizado na divulgação da informação (Idem, ibidem).
E o último termo seria entendido como uma “propaganda de caráter
político, religioso ou ideológico, que tem como objetivo disseminar idéias dessa
natureza” (Idem, ibidem).
Esses três termos são verticalizados em uma mesma direção e
entendidos na Língua Portuguesa com o mesmo valor conceitual de
propaganda e publicidade.
Essa distinção ainda não é bem demarcada nos meios de comunicação.
Alguns autores ainda atendem ao conceito de publicidade como um serviço
apenas de divulgação sem méritos financeiros; e à propaganda, como uma
divulgação que objetiva um retorno econômico ao seu anunciante.
Entendemos que a linguagem da propaganda, ou publicitária, se reveste
de mecanismos argumentativos que funcionam com o objetivo de
persuadir/convencer o publico leitor sobre algo.
58
3.4 Levantamento das metáforas e discussão Para que possamos apresentar o levantamento e a discussão sobre
nosso corpus, verificaremos, nesta seção, a predominância e a recorrência das
metáforas (ontológicas, orientacionais e estruturais), de forma mais específica
e detalhada, o que nos permitirá tecermos considerações acerca de suas
funções semântico-discursivas, e possivelmente argumentativas, em
propagandas veiculadas em outdoors.
3.5 Metáforas Ontológicas
Utilizamos as metáforas ontológicas a fim de compreendermos atividades,
estados, ações e eventos. “A nossa experiência com substâncias e objetos
físicos propicia uma outra base para a compreensão – uma base que vai além
da simples orientação”(LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.75).
São nossas experiências cotidianas que nos dão a base para nos
referirmos a entidades, substâncias, eventos, emoções etc., motivando nosso
sistema conceptual e, conseqüentemente, provocando, a partir de um processo
cognitivo, a construção lingüística de metáforas ontológicas.
Com base no raciocínio acima, verificamos nos outdoors a seguir algumas
dessas construções metafóricas.
OUTDOOR 01
XIII PRÊMIO/2004 – BRONZE NACIONAL – CATEGORIA APLIQUE Seccional Piauí Agência: CJFLASH Anunciante: Cacique Pneus
59
OUTDOOR 02
XIV PRÊMIO/2005 – OURO NACIONAL – CATEGORIA APLIQUE Seccional Piauí Agência: CJ Flash Anunciante: Cacique Pneus
O conceito de segurança como um objeto pode ser verificado nos
outdoors 01 e 02.
No primeiro, através do uso da expressão lingüística não esqueça a
segurança é observado que tal conceito dá origem a um outro, estruturando o
conceito de segurança como um objeto que pode ser transportado, atualizando,
portanto, a metáfora SEGURANÇA É UM OBJETO.
O locutor – Cacique Pneus – faz uso de metáfora de base ontológica para
atentar o leitor, no caso, o usuário dos pneus, para as boas condições desses
últimos, com o intuito de garantir a satisfação do cliente, logo favorecer o
sucesso de suas férias, a partir da observância dos critérios de segurança e
lazer, claramente expostos na propaganda (observem-se no outdoor as placas
da esquerda e da direita).
O processo metafórico é utilizado a fim de convencer o público leitor de
que o serviço oferecido pela empresa pode lhes garantir segurança, em suas
atividades de lazer, em se tratando da manutenção das peças automobilísticas
em divulgação – pneus – promovendo-lhes condições previsíveis de
segurança.
No outdoor de número 02 a mesma metáfora – SEGURANÇA É UM
OBJETO – pode ser atualizada através da expressão Recheado de segurança.
Tratando-se de um pneu, vemos que a segurança torna-se sua principal
característica, já que ele se encontra recheado, cheio. Essa assertiva promove
60
o entendimento de que, neste caso, o pneu, recheado de segurança, torna-se
um produto confiável que possa desempenhar velocidade, capacidade de
carga etc., e, portanto, deve ser adquirido pelos possíveis consumidores.
OUTDOOR 03
Empresa: Exiba Publicidade e Eventos Ltda Anunciante: Aguardente Sapupara In loco –Janeiro/2006 – João Pessoa/PB
A alegria, neste outdoor, é conceituada como algo a ser transportado para
outro lugar, como um objeto. A expressão Leve alegria no carnaval nos faz
entender que podemos levar a alegria conosco à algum lugar ou evento, neste
caso o Carnaval. Essa verificação nos permite identificar a concretização da
metáfora SENTIMENTOS (ALEGRIA) SÃO OBJETOS que podem ser
transportados.
Lembrando que o texto, veiculado no outdoor, faz referência a uma
festividade carnavalesca que tem como traço principal a alegria e, portanto,
esta deve ser algo presente. É importante verificar que, por se tratar de uma
propaganda de aguardente, bebida alcoólica que geralmente altera
rapidamente as condições emocionais do seu consumidor, está vinculada à
emoção de alegria, que segundo o locutor deve ser levada.
61
OUTDOOR 04
XIV PRÊMIO/2005 - OURO SECCIONAL – CATEGORIA INOVAÇÃO
Seccional Pernambuco Agência: Talk Comunicação Anunciante: Cia da Montagem
A expressão lingüística Para quem anda cheia de idéias na cabeça
atualiza a metáfora MENTE É UM RECIPIENTE, neste caso, visto como um
receptáculo capaz de guardar, arquivar, segregar, enfim armazenar algo – as
idéias, tidas como um conceito concreto, logo capaz de ocupar um espaço real.
A assertiva “Compreender nossas experiências em termos de objetos ou
substâncias” (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p.75) pode ser verificada na leitura
desse outdoor, cuja análise acima desenvolvida, também nos permite
compreender nossa mente como um repositório habilitado para salvaguardar
essas experiências, construídas no nosso cotidiano a partir das nossas
orientações espaciais.
A metáfora MENTE É UM RECIPIENTE é utilizada como recurso para
convencer o leitor de que é possível criar objetos reais e concretos a partir de
imagens criativas fecundadas e arquivadas em nossa mente para serem postas
em uso quando de nossa necessidade.
62
3.5.1 A personificação
Definida por Lakoff e Johnson (2002, p. 87) como uma “categoria geral
que cobre uma enorme gama de metáforas, cada uma selecionando aspectos
diferentes de uma pessoa ou modos diferentes de considerá-la”, a
personificação é vista como um tipo de metáfora ontológica. Esse processo
metafórico nos permite entender algumas características, objetivos e ações em
termos humanos. Concebemos alguns objetos físicos como pessoas nos
permitindo “compreender uma grande variedade de experiências concernentes
a entidades não-humanas em termos de motivações, características e
atividades humanas” (Idem, ibidem).
Podemos verificar a presença desse processo em algumas propagandas a
seguir.
OUTDOOR 05
XIII PRÊMIO/2004 - OURO SECCIONAL – CATEGORIA AÇÃO SOCIAL Seccional Rio Grande do Sul Agência: Escala Comunicação Anunciante: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul
Quando dizemos adeus, geralmente, estamos nos despedindo de alguém,
embora também possamos usar essa expressão quando nos “despedimos” de
algum objeto, como uma casa, um carro ou até mesmo uma situação. Mas, no
texto acima, temos a expressão lingüística Adeus, gripe, corroborada pelo texto
imagético que alude a uma situação real de despedida entre pessoas,
geralmente numa condição de uma longa ausência.
63
Concebemos a gripe, uma doença, como uma pessoa, isto é, a gripe com
características de um ser humano. Esse processo se estabelece, se
analisarmos no outdoor a expressão apresentada e o texto não-verbal
mostrando um gesto de despedida, inclusive com um aceno. Portanto, vemos
que é dada a uma doença características de um ser vivo mais humano, uma
pessoa. Tal processo caracteriza-se como ativador da metáfora ontológica
GRIPE É UMA PESSOA. São características do domínio origem (um ser
humano) projetadas para o domínio alvo (a gripe). Mas, apesar de a doença –
a gripe – ser considerada como uma entidade, lhes são concedidas
características de um ser humano, condensando tal processo em uma
personificação
Tratando-se de um fato de saúde pública, a vacinação dos idosos contra a
gripe, acreditamos que esse processo metafórico foi utilizado pelo locutor do
texto – a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul – com a intenção de
estimular e convencer a população, especialmente os idosos com mais de 60
anos, a ficar imune de tal doença, a “se despedir” da gripe.
OUTDOOR 06
XIII PRÊMIO/2004 - OURO NACIONAL – CATEGORIA MERCADO Seccional Espírito Santo Agência: MP Publicidade Anunciante: HORTIFRUTI
64
OUTDOOR 07
XIV PRÊMIO/2005 - BRONZE NACIONAL –CATEGORIA PADRÃO
Seccional Espírito Santo Agência: MP Publicidade Anunciante: HORTIFRUTI
Nos outdoors 06 e 07 há dois casos semelhantes de personificação
ativados respectivamente pelas expressões Se eu não for pra hortifruti, me jogo
e Limão desabafa:”Já passei muito aperto na minha vida”.
No outdoor 06, verifica-se que a referida expressão chama a atenção pelo
emprego do verbo jogar, cujo uso se configura em atitudes que são
características de seres humanos, pessoas. Primeiramente, o fato de ser
entendido como uma ameaça de vida; em segundo lugar, o ato de se jogar ser
uma atitude de um ser vivo; o desejo de participar de um evento comercial – a
feira de hortifruti e também o fato de se expressar verbalmente, “falar”. As
ações de ameaçar, de se jogar e de falar e o sentimento de desejo são
características de um ser humano atribuídas a uma fruta, ser menos humano e
inanimado. A metáfora ontológica FRUTAS SÃO PESSOAS é caracterizada
pela projeção de ações e características humanas do domínio origem
(pessoas) para o domínio alvo (frutas).
A personificação, neste caso a humanização clara e evidente da fruta, é
um recurso utilizado pelo locutor, a Hortifrutti, com o fim de não só valorizar e
divulgar o evento, a feira, mas também para atender a fins comerciais.
No outdoor 07, o mesmo processo metafórico pode ser observado. As
características humanas são atribuídas à fruta, o limão.
Podemos perceber nos enunciados Limão desabafa:Já passei muita
aperto na minha vida que as expressões desabafa, passei aperto e minha
65
vida ativam esse processo de metafórico. Tratando-se de uma fruta, os atos de
desabafar e passar aperto e de conceber uma possível vida direcionam nossa
compreensão para o entendimento de que foram atribuídas características
humanas a um ser inanimado e menos humano. Desabafar é falar algo que
estava suprimido; a expressão “passar aperto” indica passar por uma situação
constrangedora e, inclusive, na vida. Constata-se que, por tratar-se de uma
fruta, não são características possíveis de serem reais. Há a atualização da
mesma metáfora ontológica FRUTAS SÃO PESSOAS e do mesmo processo
de personificação nos outdoors 06 e 07.
OUTDOOR 08
( A GENTE FALA E O PÚBLICO APARECE) XIV PRÊMIO/2005 – OURO NACIONAL – CATEGORIA APLIQUE Seccional Santa Catarina Agência: Tatticas Publicidade Anunciante: Tatticas Publicidade
66
OUTDOOR 09
Site: www.startoutdoor.com.br
Até então verificamos processos de personificação constatados a partir
de seres menos humanos e inanimados. No caso dos outdoors 08 e 09, o
processo de personificação pode ser observado. Nos dois exemplares foram
atribuídas características humanas a seres não-humanos – os cães.
No primeiro outdoor, a expressão A gente fala e o público agradece e, no
outdoor 09, o enunciado Até quem não lê, lê são ratificadas pelo texto não
verbal, as imagens dos animais. É importante verificar que, no primeiro caso, a
expressão público e aparece não são utilizadas em relação a pessoas, mas a
animais. Eles formam o público “ouvinte” e “aparecem”.
Tal perspectiva também é verificada no outdoor 09 em vista de o animal –
o cachorro – ser considerado como alguém que, apesar de não ser racional –
não ter a competência de ler – é colocado como leitor65. Nos dois casos, as
características humanas são atributos projetados em seres vivos, mas não-
humanos. A metáfora ANIMAIS SÃO PESSOAS pode ser atualizada a partir
dos enunciados analisados.
65 Neste caso, também pode ser verificada a possibilidade de que a expressão Até quem não lê, lê refere-se a um público leitor formado por pessoas que conseguem ler apenas o texto não-verbal – o cachorro. Contribuição da banca examinadora — Profª Eliane Ferraz.
67
OUTDOOR 10
www.startoutdoor.com.br
Neste outdoor são conferidas ao recurso mineral, a água, traços de um
ser humano. Esses traços podem ser elencados a partir da expressão jogar na
sua cara. Ora, a ação de jogar não é comum a um objeto, muito menos à água.
Essa assertiva nos faz perceber a atualização da metáfora RECURSOS
MINERAIS (ÁGUA) SÃO PESSOAS.
Na expressão utilizada no outdoor, o verbo jogar é utilizado com pelo
menos dois sentidos: o primeiro, de falar agressivamente alguma coisa para
alguém; e o segundo, o de atirar violentamente algum objeto. Percebemos que,
tanto para o primeiro como para o segundo sentido da palavra jogar, só
poderíamos conceber a água como um ser humano, uma pessoa. A
personificação é marcada pelo uso do verbo jogar apresentado no outdoor. À
água são atribuídas, pelo locutor do texto, características humanas, como, por
exemplo, o sentimento de revolta de devolver o que lhe é “jogado”. Com o
intuito de convencer a sociedade sobre a proteção do meio ambiente, o
processo de personificação torna-se marcante no texto analisado.
68
OUTDOOR 11
XII PREMIO/ 2002 - OURO SECCIONAL – CATEGORIA MERCADO Seccional Paraíba Agência: ZAE Comunicação Anunciante: Água Platina
Neste outro outdoor, a natureza é colocada como um ser racional, uma
pessoa que goza de uma posição profissional favorecida, haja vista o emprego
da expressão químico responsável; a característica de ser responsável não se
estabelece com base numa adjetivação positiva, como desempenho de uma
conduta bem vista aos olhos da sociedade. Nesse contexto, o termo
responsável diz do compromisso assumido pela mãe natureza, de forma a se
cobrar dela, e somente dela, quaisquer resultados em sua utilização. Não
podemos deixar de observar, então, que A NATUREZA É UMA PESSOA.
Metáfora concretizada através do uso do enunciado Químico responsável: mãe
natureza.
Com base na figura da mãe, é possível fazer-se uma leitura construída a
partir de valores irrefutáveis, na maioria das vezes, como indivíduo que porta
generosidade, doação, dedicação, compromisso.
Entendemos que tal processo foi utilizado pelo locutor do texto – água
Platina – para transmitir ao consumidor uma certa confiabilidade quanto ao
produto comercializado – a água, cuja qualidade indiscutível é ratificada pela
figura de uma mãe que, se por si só já é vista como uma autoridade quase
infalível, ainda vem acompanhada do termo natureza. Como duvidar desse
fornecedor ou desse produto?
69
Conferida através da palavra responsável e a condição de mãe,
característica estritamente específica de um ser humano do sexo feminino, a
personificação é estabelecida pelo fato de atribuir-se à natureza tais
características e posições apenas ocupadas por humanos.
O fato de ser conferido à natureza essas posições e características faz
com que também percebamos a idéia de alguém que fala sobre o assunto –
água – com conhecimento sobre. Caracteriza-se, portanto, um processo de
argumentação por autoridade, pois a natureza, colocada como responsável
pela qualidade da água, é reconhecida como tal.
OUTDOOR 12
XIV PRÊMIO/2005 – OURO SECCIONAL – CATEGORIA ESPECIAL Seccional Goiás Agência: Cannes Publicidade Anunciante: Cannes Publicidade
O processo de personificação pode ser reconhecido através do enunciado
ativador: Quarentona enxuta que faz seu negócio crescer.
A expressão quarentona enxuta, de caráter popular, é utilizada pelo
locutor, a agência Cannes de publicidade em referência à empresa. Vê-se que
a expressão faz seu negócio crescer é utilizada polissemicamente. Um primeiro
sentido que podemos recuperar é o da referência a uma mulher de meia idade,
período da vida em que, comumente, não se espera mais manifestação da
sexualidade, viés feminino ligado à juventude, neste caso, no entanto, a
quarentona apresenta atributos físicos capazes de seduzir um homem e levá-lo
a um estado sexual de ereção, idéia marcada, inclusive, pela imagem – o
batom aberto, de cor vermelha, possivelmente sugerindo uma representação
fálica –, o que esboça virilidade, um dos aspectos da vaidade masculina;
70
Um outro sentido, o que prevalece, é o de se referir realmente à empresa,
neste caso, à Cannes Publicidade, e esta desempenhar ou melhor, fazer com
que uma empresa, que faça uso de seus serviços, seja propagada por ela,
possa crescer, isto é, possa desenvolver-se social e economicamente. Em
suma, o locutor utiliza-se do poder de sedução da mulher para ativar a
virilidade do homem e associando esses sentidos ao seu potencial
mercadológico no mundo a propaganda, numa atitude de auto-promoção.
Conclui-se que, à empresa, são conferidos traços de um ser mais humano e
animado, caracterizando um processo de personificação: A EMPRESA É UMA
PESSOA.
OUTDOOR 13
XIV PRÊMIO/2005 – OURO SECCIONAL – CATEGORIA ESPECIAL Seccional Goiás Agência: Cannes Publicidade Anunciante: Cannes Publicidade
Neste caso, as duas expressões ativadoras do processo de
personificação são bate um bolão e está na seleção. Popularmente
reconhecida, a primeira expressão chama a atenção para uma capacidade e/ou
desempenho físicos não esperados, levando-se em consideração a idade e o
tipo de esporte divulgado na imagem – o futebol.
Reforçando a idéia de que estar em plenas condições físicas. O locutor
usa a segunda expressão e está na seleção, contrariando mais uma vez o
sumariamente previsto pelo contexto futebolístico.
Assim, o locutor reconhece as limitações físicas de um homem de meia
idade desempenhando tais atividades, mas as utiliza para fazer valer o “longo”
71
tempo de sua existência como empresa para demonstrar o que se espera
nessa idade: experiência, maturidade, enfim capacidade plena de atuação e
sucesso, já que está na “seleção”.
Mais uma vez se percebe a presença do processo da personificação –
A EMPRESA É UMA PESSOA.
OUTDOOR 14
XIV PRÊMIO/2005 - BRONZE NACIONAL – CATEGORIA PADRÃO
Seccional Amapá Agência: Mendes Publicidade Anunciante: TIM
Fazer questão é opinar incisivamente sobre algo, procedimento
concebido como uma atitude cognitiva de um ser humano. No outdoor 14, a
expressão fazer questão é conferida a um outro ser, a água, recurso mineral,
indicando uma possível atitude tomada pelo rio Amazonas. Essa verificação
nos faz entender que a metáfora RECURSOS MINERAIS (ÁGUA) SÃO UMA
PESSOA é mais uma vez atualizada, como visto no outdoor 14.
Nossa atenção foca também o emprego da palavra até, indicando que
não apenas o rio Amazonas decide por tal percurso – a cidade de Macapá –,
mas outros seres ou objetos também têm a mesma atitude de decidir por tal
percurso, isto é, também fazem questão de passar por lá.
A construção da argumentação consiste no emprego do processo de
personificação. A empresa TIM, neste caso locutor, utiliza-se de tal processo
para evidenciar a cobertura do sistema móvel digital e a viabilidade de se
possuir um aparelho celular de tal marca, pois, assim como o rio Amazonas a
72
empresa também passa por lá, ou melhor, a telefonia celular digital oferecida
pela empresa também chega a esse lugar.
OUTDOOR 15
XIII PRÊMIO/2004- OURO SECCIONAL – CATEGORIA AÇÃO SOCIAL Seccional Rio de Janeiro Agência: Agência 3 Anunciante: Secretaria da Saúde do Rio de Janeiro
A expressão sombra e água fresca é utilizada neste outdoor em
referência a um inseto, o Aedes aegypit. Mas, observa-se o emprego da
palavra também, indicando que não é apenas o mosquito, mas outros seres,
talvez humanos, também gostem e se beneficiem de tais condições. Vemos
que essas condições igualmente podem ser apreciadas por outros animais,
mais ou menos humanos, porém, seu emprego, neste caso, indica uma certa
ironia. O fato do inseto gostar de sombra e água fresca não quer dizer que ele
se utilize desse benefício apenas para seu próprio bem, mas, para, a partir
desse benefício ter condições para se proliferar e, conseqüentemente,
transmitir a doença, a dengue.
É importante verificar que, nesse caso, houve um processo de
personificação, mas não humanizando um ser inanimado, mas humanizando
um ser vivo menos humano, mais animado.
A Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro – o locutor do texto – faz uso
do recurso da personificação, possivelmente, para aproximar o público leitor da
idéia veiculada no outdoor, pois a expressão ele também gosta de água fresca
nos induz a entendermos que o inseto também aprecia algumas condições de
bem estar desejadas e desfrutadas por seres humanos. Não queremos dizer
que tal condição seja apreciada apenas por humanos, alguns animais
73
irracionais também fazem uso de tal conforto, mas nos chama atenção o fato
de o locutor identificar tal condição de lazer como algo comum, tornando-a
mais próxima do público leitor, tentando através dessa aproximação e do
processo de personificação atrair o leitor fazendo valer tal idéia, ou melhor,
fazendo com que não haja esse possível lazer do inseto e com isso
inviabilizando sua proliferação e, conseqüentemente, a doença.
OUTDOORS 16, 17, 18 e 19
XIV PRÊMIO/2005 – CATEGORIA ESPECIAL ─ OURO SECCIONAL Seccional Bahia Agência: Layout Propaganda Anunciante: Prefeitura Municipal da Bahia
74
Ao veicular-se a expressão Vire o jogo contra a dengue, entendemos que
estamos encarando a dengue como um jogador, uma pessoa, isto é, estamos
jogando e conseqüentemente “competindo” com a doença, cuja disputa
resultará em ganhadores e perdedores. Neste caso, a doença é vista como
algo a ser derrotado, eliminado. É verificável que para desempenhar
determinada posição de jogador é necessário que haja um processo mental de
cognição, característica apenas de seres humanos.
Tais assertivas nos levam a admitir o caráter cognitivo atribuído à doença,
fazendo com que a percebamos como um ser vivo, um ser humano e a
entendamos como uma pessoa – A DOENÇA (DENGUE) É UMA PESSOA.
Entendemos que a personificação foi uma estratégia utilizada pela
Prefeitura Municipal da Bahia, o locutor, com o objetivo não apenas de chamar
a atenção do público leitor mas também de fazer com que haja adesão à idéia
veiculada, qual seja, a de acabar com a doença.
O termo virar o jogo pode ser entendido de duas formas: primeiramente, a
população colocar-se como um adversário; e, também, de virar, emborcar
recipientes como vaso, garrafa, balde e pneu que possam servir para acumular
água, resultando na proliferação do inseto aedys aegypti.
OUTDOOR 20
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No outdoor 20, percebemos a utilização da expressão já vem com sopro.
O uso da palavra sopro referindo-se ao produto, isto é, a um objeto físico, um
ser inanimado e não-humano indica que conceituamos, ou melhor, atribuímos
75
características de seres humanos a objetos. Observa-se um processo
metafórico, pois a expressão já vem com o sopro, referindo-se possivelmente a
pessoas que sopram quando há um ferimento em outra, nos revela que
concebemos metaforicamente o produto merthiolate como uma entidade, isto
é, utilizou-se a experiência corpórea de um ser humano – o ato de soprar - em
uma entidade não-humana, a embalagem contendo o medicamento. O
processo de personificação revela-se enquanto um processo metafórico,
quando concebemos um objeto físico com características de um ser humano,
isto é, OBJETOS SÃO PESSOAS.
Vemos que neste caso a personificação foi utilizada pelos responsáveis
pela propaganda − o laboratório farmacêutico Lilly − como um recurso com o
intuito de demonstrar a praticidade do medicamento, convencer o público de
sua utilização e com isso vendê-lo.
OUTDOOR 21
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Na análise do outdoor 21, verifica-se uma idéia de cunho religioso.
Parte-se do conceito genérico de uma “oportunidade de voltar à vida após a
morte”, em um outro corpo diferente daquele vivido anteriormente.
Nesse outdoor, o uso da expressão reencarnação utilizada em
referência ao veículo – o fusca −, nos faz entender que o carro reencarnou, isto
é, voltou a ser fabricado com a mesma “alma”, porém em outro “corpo”, outra
“matéria”. Neste sentido entendemos que o carro está sendo fabricado com
mais aprimoramento, como se nessa “nova vida” houvesse a oportunidade de
76
se fabricar o carro buscando a perfeição do que anteriormente não era tão
bom, ou não foi tão aceitável.
O responsável pelo texto, no caso a empresa Wolkswagen, afirma que o
processo de reencarnação é algo certo. Para isso, fez uso da expressão
confirmado sem colocar em questão essa crença. São características humanas
atribuídas a um objeto, como se o carro já tivesse encarnado e agora
“reencarnasse”. Vemos que, além de atribuírem-se características humanas a
um ser não-animado e não-humano, também lhe são acrescentados traços de
um ser vivo. Não seria, portanto, qualquer carro, pois teve o mérito de
“reencarnar”.
Tais considerações nos levam a entender que há, neste caso, a
atualização da metáfora O CARRO É UMA PESSOA.
OUTDOOR 22
Empresa: Bandeirantes Anunciante: Universidade Potiguar In loco – Dezembro/2005 – João Pessoa/PB
É visto que nesse outdoor um evento – o curso de pós-graduação – por
ter nome e sobrenome é considerado como uma pessoa, aliás um cidadão.
Em nosso país, segundo a Constituição Federal, é necessário que haja o
registro civil constando de nosso nome e sobrenome, para sermos
reconhecidos legalmente como integrantes da nação. Considerando que, o uso
de um sobrenome serve como referência ou até status social, ratificando uma
posição por vezes reconhecida e que às vezes exige-se um tratamento
diferenciado pelos demais indivíduos. Essa condição, de assegurar um certo
respeito a alguém que tenha um sobrenome socialmente reconhecido, é
77
utilizada pelo anunciante do texto acima – a Universidade Potiguar – para
fazer valer o reconhecimento do curso divulgado, fazendo com que ele seja
identificado, por ter sobrenome, como melhor dos que os outros cursos, que
são apenas nomeados, mas sem sobrenome.
OUTDOOR 23
XIV PRÊMIO/2005 – OURO NACIONAL – CATEGORIA APLIQUE Seccional Pará Agência: DC3/Unicom Anunciante: Sist. Ens. Universo
Nesse outdoor, nós podemos perceber que, assim como à educação é
dada a condição de gerar algo, neste caso, aos sonhos é dada a condição de
vida. No entanto, o fato de dá vida, não implica dizer que tal ato configure-se
em um nascimento de um ser humano, mas apenas de um ser vivo,
provavelmente, um ser vivo menos humano, se analisarmos a imagem que
sugere um inseto, uma borboleta.
É importante aludirmos ao fato de que o ato de dar vida faz com que haja
uma concretização do que antes era apenas um sonho, um desejo. Tal
condição pode ser reconhecida através do processo metafórico de
personificação, pois foram atribuídas características de seres vivos a seres
inanimados, a educação é o sonho.
78
OUTDOOR 24 e 25
XIII PRÊMIO/2004 – BRONZE NACIONAL – APLIQUE Seccional Maranhão Agência: AB Propaganda Anunciante: Alex Brasil
O responsável pelo discurso veiculado no outdoor, o locutor Alex Brasil,
vale-se da expressão Alimento para a alma concretizando o processo de
personificação, ao considerar a alma um ser vivo com necessidades mentais a
serem satisfeitas, a exemplo do organismo animal. O produto aqui divulgado,
representado por um livro (Antologia Poética), representa, justamente, o
provedor dessas necessidades orgânicas.
Observando com mais atenção, verificamos a ocorrência de pelo menos
dois processos metafóricos: a) a alma com necessidades a serem satisfeitas (a
personificação); b) o livro como alimento capaz de saciar essas necessidades.
79
OUTDOOR 26
Empresa: Exiba Publicidade e Eventos Ltda Anunciante: Secretaria de Educação – Governo do Estado da Paraíba In loco – Janeiro/2006 – João Pessoa/PB OUTDOOR 27
XIV PRÊMIO/2005 – OURO NACIONAL CATEGORIA APLIQUE Seccional Espírito Santo Agência: MP Publicidade Anunciante: Banestes
Processos metafóricos semelhantes podem ser verificados nos outdoors
26 e 27.
No outdoor 26, o Governo, uma instituição pública, é conceituado como
um indivíduo desempenhando a ação de convocar, haja vista verbo no
imperativo, a população a efetuar matrícula em escolas da rede estadual de
ensino. A instituição, neste caso, é personificada, cuja metáfora é construída
com base metonímica – A INSTITUIÇÃO É UMA PESSOA.
A personificação é utilizada, possivelmente, para aproximar o público da
instituição governo, que faz uso de sua autoridade para atuar sobre o
comportamento da comunidade-alvo.
80
No outdoor 27, a eventual possibilidade de uma empresa precisar de
uma injeção de ânimo traduz a mesma metáfora de base metonímica
personificada, do outdoor anterior – A EMPRESA É UMA PESSOA, que, neste
último representa que a empresa carece de algo: a revitalização do ânimo.
A noção do verbo chamar para que se atenda a um determinado convite
ou convocação (outdoor 26) assim como a expressão idiomática injeção de
ânimo, comumente utilizada, para restabelecer a auto-confiança e o
desempenho (outdoor 27) – traços tipicamente humanos –, traduzem a
metáfora acima citada.
O processo metafórico – metonímia personificada – funciona, então,
como recurso utilizado pelos locutores, o Governo do Estado da Paraíba e o
Banco Banestes, respectivamente: a) o primeiro, para fazer-se presente na
vida escolar da comunidade; b) o segundo, sugerindo aplicação financeira
.para captar clientes.
OUTDOOR 28
XIV PRÊMIO/2005 - BRONZE NACIONAL
CATEGORIA PADRÃO Seccional Maranhão Agência: Mendes Publicidade Anunciante: TIM
81
OUTDOOR 29
(HÁ 20 ANOS JOÃO PESSOA, SONHA, CANTA E BRINCA COM VOCÊ) Empresa :STAMPA Anunciante: Prefeitura Municipal de João Pessoa In loco – Fevereiro/2006 – João Pessoa/PB
Nos outdoors 28 e 29, observa-se o mesmo processo metonímico
personificado já constatado nos outdoors 26 e 27. Há que se considerar, no
entanto, que a atualização da metáfora A CIDADE É UMA PESSOA consiste
no uso das expressões Você faz como São Luís: conquista o mundo sem sair
do lugar e Há 20 anos João Pessoa, sonha, canta e brinca com você.
Faz-se mister também se verificar o processo de personificação, ou seja,
traços humanos atribuídos às cidades (no outdoor 28, veja-se a expressão
conquistar; no outdoor 29, cantar, brincar e sonhar).
82
OUTDOOR 30
Site: www.startoutdoor.com.br
Em relação ao outdoor 30, o que se faz evidente é a palavra predator em
propaganda de uma chuteira. Segundo o Minidicionário Ruth Rocha, predator
significa “sm 1 o ser que mata, destrói outro com violência. Adj e sm 2 Diz-se
de, ou animal, que destrói devasta” (1996, p.490).
No mesmo outdoor, o texto não-verbal mostra jogadores de futebol
protegendo a região genital, já que estão em posição técnica de “barreira”,
portanto vulneráveis a um possível “ataque”.
Entendemos que a empresa Adidas – responsável pelo que está sendo
veiculado – atribui características de um ser vivo, de um animal, porém não-
humano, ao objeto – a chuteira. Quer-se veicular, portanto, a idéia de que a
chuteira é forte, “feroz”, e provavelmente causa medo. O fato de “causar” todas
essas reações traduz a concepção de que a chuteira é realmente um bom
produto. Outro fato importante é que para matar, ser devastador o ser – a
chuteira, neste caso −, teria algo a devorar, possivelmente um ser − a genitália
−, mais frágil e menor. Tentou-se passar a idéia de que tanto o ser vivo
devorado, quanto o devorador, fazem parte de um mesmo campo, o do ser
vivo, mas não humano.
83
Segundo Espíndola (2005, no prelo), “Esse exemplo de metáfora
ontológica não pode ser considerado como sendo uma personificação
(humanização de um processo), mas como a animação desse processo, no
sentido de algo com vida, mas não humano”.
3.6 Metáforas Orientacionais Sobre as metáforas orientacionais, Lakoff e Johnson (2202) exemplificam
como nossas experiências físicas e culturais influenciam nossos conceitos
metafóricos. Como exemplo dessa assertiva, podemos observar na nossa
linguagem cotidiana o uso de expressões como Levante a cabeça, tenha ânimo
e Hoje ele está para cima, que concretizam as metáforas TRISTE É PARA
BAIXO e FELIZ É PARA CIMA. Assim, nossa postura inclinada para baixo
indicaria tristeza, inclinada para cima indicaria um estado emocional positivo.
Alguns processos metafóricos orientacionais foram verificados em nosso
corpus.
OUTDOORS 31 E 32
XIII PRÊMIO/2004 - OURO SECCIONAL – CATEGORIA AÇÃO SOCIAL Seccional Bahia Agência: Publivendas / Moryá Anunciante: Asilo São Lázaro
84
O Top of Mind é um prêmio, e também um selo, instituídos pelo INBRAP
(Instituto Brasileiro de Pesquisa de Opinião) concedidos anualmente àquelas
empresas, entidades e profissionais que aderiram e se submeteram a
procedimentos de análises estatísticas e mercadológicas e que por suas
posturas, estão ativos na memória imediata de seus clientes. O evento tem
como objetivo reconhecer, distinguir e premiar a gestão de empresas e
instituições que se destacam no mercado brasileiro, cuja excelência na
qualidade de seus produtos ou serviços contribui efetivamente para o
desenvolvimento socioeconômico do país, valorizando, sobretudo, a pessoa
humana e os princípios éticos que devem reger a sociedade brasileira.
É visto que o locutor, o asilo de idosos São Lázaro, responsável pelo
que é veiculado nos outdoors 31 e 32, utiliza-se da expressão lingüística de
fora, para marcar, ratificar a exclusão social sofrida pela instituição e,
conseqüentemente, pelos idosos, já que se trata de um asilo.
Podemos chegar a tal entendimento, primeiramente, analisando a
exclusão da instituição referente ao prêmio e selo Top of Mind, isto é, a
instituição e, conseqüentemente, os idosos, provavelmente, não foram
lembrados pela sociedade. Essa assertiva pode ser ratificada a partir da
atualização das metáforas DENTRO É POSITIVO e FORA É NEGATIVO
através do texto verbal – Ficamos de fora do top of mind. Significa dizer,
portanto, que ficar de fora é estar excluso, não lembrado, esquecido, indicando
um valor negativo.66
A metáfora é construída com base na nossa experiência espacial, mas
nos leva a uma estruturação conceptual de base emocional, pois resvala no
ambiente do sentimento, das emoções, pois é perceptível a exclusão dos
idosos como um abandono ao ser humano, algo triste e negativo, de fora.
Constata-se que o processo metafórico foi um recurso utilizado pelo
locutor, para persuadir/convencer o público leitor do abandono sofrido pelos
ocupantes idosos do asilo.
66Ressalte-se que, a relação “dentro e fora”, mais do que todas as outras que dão idéia de espacialidade, de orientação, depende do contexto, mesmo em uma mesma cultura. Às vezes “ficar de fora” expressa um valor positivo.Ex.:Fora da guerra do Iraque;Dentro da guerra do Iraque. Contribuição da banca examinadora — Profª Drª Eliane Ferraz Alves.
85
OUTDOOR 33
XIV PRÊMIO/2005 – BRONZE NACIONAL – CATEGORIA AÇÃO SOCIAL Seccional Rio de Janeiro Agência: Contemporânea – Rio de Janeiro Anunciante: Fundação Brasileira para Conservação da Natureza Criação: João Bosco Franco, Alícia Osborne, Mauro Matos e José Guilherme Vereza. Mídia: Sílvia Machado Atendimento: Armando Strozenberg Produção: Mara Tsouroutsoglou Aprovação: Jairo Costa
As mesmas metáforas conceptuais – DENTRO É POSITIVO e FORA É
NEGATIVO – podem ser atualizadas no outdoor 33.
Podemos afirmar que o objetivo da campanha trata do desmatamento
florestal a partir dos modelos das ferramentas expostas através do texto
imagético, como também pelo anunciante da campanha, a Fundação Brasileira
para a Conservação da Natureza, considerado lingüisticamente, segundo a
Teoria da Argumentação, como o locutor do texto, pois é o responsável pela
divulgação da idéia veiculada no outdoor – a não devastação da natureza.
A possível adesão do leitor a tal campanha é buscada pela expressão
lingüística entre na campanha. Com este “apelo” o locutor sugere que, caso
você concorde com a idéia veiculada, você está dentro, caso não concorde,
você está fora, isto é, ficará excluído. Ficar à margem de alguma coisa,
entretanto, é algo negativo e, de um modo geral, ninguém quer ocupar essa
posição.
Faz-se mister dizermos que, neste caso, há uma estruturação
conceptual diferente. Os conceitos das expressões DENTRO É POSITIVO e
FORA É NEGATIVO surgem exatamente da nossa experiência espacial;
porém, podemos observar que a expressão Entre na campanha é uma
86
instância da metáfora EVENTOS SÃO RECIPIENTES, em termos da qual o
conceito de campanha é estruturado (LAKOFF E JOHNSON, 2002, P. 131).
Como citado anteriormente, na seção terciária 2.3.3, pág. 38,
observamos a possibilidade de haver experiências semelhantes, embora com
conceptualizações um pouco diferentes.
Podemos entender que as metáforas atualizadas ─ FORA É NEGATIVO
e DENTRO É POSITIVO ─, através da expressão Entre na campanha do
desarmamento, funcionam estrategicamente com valor argumentativo a fim de
persuadir/convencer o público leitor a aderir à campanha de proteção da
natureza, já que, caso haja sua adesão ao evento, ele estará agindo
positivamente, isto é, estará entrando na campanha.
OUTDOOR 34
XIV PRÊMIO/2005 – OURO NACIONAL – CATEGORIA APLIQUE Seccional Espírito Santo Agência: MP Publicidade Anunciante: Banestes
Considerando que uma empresa deve gerar lucro, o fato de alguém
propor-se a ‘levantá-la’ nos faz entender que, no momento, ela não está “em
cima”, no “topo”, logo não deve estar gerando lucro ou satisfazendo às
exigências do mercado e, portanto, deve melhorar, deve ser ‘levantada’.
Verificando-se, então, a expressão dar uma levantada como atualizadora da
metáfora EM CIMA É POSITIVO, constatamos que esse processo metafórico é
utilizado argumentativamente para convencer o publico leitor de que o locutor ─
o Banco BANESTES ─ oferece condições para que uma possível empresa saia
87
da situação “inferior” em que se encontra e possa melhorar, gerar lucros, isto é,
ficar “em cima”.
OUTDOOR 35
Empresa: STAMPA Anunciante: Prefeitura Municipal de João Pessoa – SUDEMA In loco – Dezembro/2005 – João Pessoa/PB
No outdoor 35, percebe-se o uso da expressão educação lá em baixo
atualizando a metáfora orientacional PARA BAIXO É NEGATIVO.67
Neste caso, o fato de o som estar em volume alto caracterizaria uma má
postura do responsável pelo som, o que indicaria dizer que a ausência da
educação teria um valor negativo, para baixo. O processo lingüístico demonstra
que um conceito espacial – para baixo – é tomado como base na construção
da concepção metafórica de um valor moral, intelectual – a educação. Isso nos
faz verificar que a educação lá em baixo indica um valor negativo, para baixo.
A argumentação se faz presente a partir dessa concepção metafórica,
pois se verificarmos, o locutor tenta convencer o leitor de que, caso ele utilize
um aparelho de som em volume alto, proporcionalmente ele estará
demonstrando sua falta de educação, ou seja, a educação estará lá em baixo,
negativamente, condição que, provavelmente, algumas pessoas não
aceitariam, levando-as, possivelmente, a atender à informação que está
subliminar no texto: a boa educação diz que não se deve aumentar o volume
do som, considerando situações em que o barulho seja causa de incômodo ou
67 Em outros casos o som alto poderia ser algo positivo. As metáforas atualizadas seriam então PARA CIMA É POSITIVO e PARA BAIXO É NEGATIVO. Contribuição da banca examinadora – Profª Drª Eliane Ferraz Alves.
88
desconforto a quem quer que seja. A argumentação faz apelo à questão da
vida em sociedade, do benefício do coletivo em jogo, a influência de elementos
sonoros mal distribuídos ou mal utilizados comprometendo esse convívio social
pacífico e revelador do padrão de educação da comunidade.
OUTDOOR 36
(Quem é bom vai pro céu) Empresa: Exiba Publicidade e Eventos Ltda Anunciante: Mundial de Kitesurf
In loco – Setembro/2006 – João Pessoa/PB
Neste outdoor foi observada a expressão Quem é bom vai pro céu
funcionando como atualizadora da metáfora BOM É PARA CIMA.
Tal assertiva pode ser corroborada pela posição do rapaz, que se
encontra de mãos postas para o alto, retratado no texto não-verbal, indicando,
provavelmente, que gostaria de ir pra cima, isto é, ganhar o campeonato de
kitesurf. Outro ponto a ser analisado é o fato de que, em nossa cultura
religiosa, há o conceito de que quem é bom vai para o céu, para cima, e aquele
que não segue ou não corresponde a expectativas que conduzam à bondade,
generosidade, entre outras virtudes, geralmente não é merecedor do “reino dos
céus”, logo o lado negativo conduz para baixo, para o inferno, destino dos
maus, noção de prêmio e castigo apregoados pelo ideário religioso.
Observando que nossos conceitos metafóricos surgem de nossa
experiência física e cultural, podemos dizer que “Felicidade, saúde, vida e
controle – as coisas que especialmente caracterizam o que é bom para uma
pessoa – são todos PARA CIMA”(LAKOFF E JOHNSON, 2002, p, 63). Nossa
89
discussão nos remete, então, a entendermos que, no outdoor 06, há a
atualização da metáfora VIRTUDE É PARA CIMA.
3.7 Metáforas Estruturais
Para Lakoff e Johnson (2002, p. 46) “um conceito pode ser metafórico e
estruturar uma atividade cotidiana”. Exemplifiquemos esse conceito a partir da
expressão Ganhei muito tempo. Neste caso estamos utilizando nossas
habituais experiências com dinheiro para conceptualizarmos o tempo, ou
melhor, estamos concebendo o conceito de tempo em termos de algo valioso,
como dinheiro.
As metáforas conceptuais estruturais também se fazem presentes
em nossa análise, como podemos verificar a seguir.
OUTDOOR 37
XII PREMIO/ 2002 - OURO SECCIONAL- CATEGORIA MERCADO Seccional Mato Grosso do Sul Agência: Qualitas Assessoria, Marketing e Comunicação Anunciante: Tribunal Regional Eleitoral
A metáfora estrutural TEMPO É UM BEM VALIOSO (OBJETO) é
atualizada a partir da expressão Meu futuro eu não vendo68. Percebe-se que o
conceito de tempo, neste caso, o futuro, é estruturado metaforicamente com
base quantitativa, como algo que valha dinheiro e por isso poderá ter valor
68 As metáforas VER É ENTENDER/ENTENDER É VER e TEMPO É UMA ENTIDADE também podem ser ativadas através dessa expressão. Contribuição da banca examinadora – Profº Drº Edmilson de A. Borborema Filho.
90
financeiro, um objeto. A metáfora é utilizada argumentativamente a fim de
convencer o público leitor, neste caso, os eleitores que provavelmente poderão
votar em algum candidato a cargo político, a não negociar o tempo que está
por vir, o futuro, isto é, um tempo que é incerto.
A argumentação é construída a partir da metáfora TEMPO É UM BEM
VALIOSO e, por isso, não deverá ser negociado, principalmente a partir de
transações que sugerem ilegalidade, o que, de certa forma, já torna previsto o
que pode ser o amanhã: complicações de ordem sócio-política promovendo
situações que possam ter conseqüências desastrosas num futuro, às vezes
nem tão distante.
OUTDDOR 38
XIV PRÊMIO/ 2005 – CATEGORIA ESTUDANTIL – OURO SECCIONAL Seccional Mato Grosso Estudante: Davi Freitas Leal Faculdade: UNIC
O conceito de ética, conduta humana, é estruturado em termos de um
outro conceito, a ética, neste caso, é vista como um objeto. Trata-se de
estruturar um conceito abstrato – a ética – em termos de um outro conceito
concreto – um objeto – pelo menos utilizável concretamente.
O verbo usar empregado no texto, atualiza a metáfora CONCEITOS
MORAIS (ÉTICA) SÃO UM OBJETO. Entretanto, ética não é um objeto a ser
utilizado como instrumento, mas tendo valores e posturas comportamentais.
É visto que o locutor do texto se vale de tal conceito para apontar a falta
de “uso” da ética como algo a preceder uma sujeira, que, se não evitada a
tempo, precisa ser limpa.
91
Observamos que os conceitos de limpeza e sujeira estão sedimentados
em nossa cultura, respectivamente, como algo positivo e negativo,
configurando-se no texto analisado como quem faz uso da ética é limpo, quem
não o faz é sujo.
OUTDOOR 39
XIV PRÊMIO/2005 - CATEGORIA INOVAÇÃO - OURO SECCIONAL
Seccional Bahia Agência: Única Comunicação Anunciante: Clínica Delfin
O adjetivo transparente é utilizado, neste outdoor, indicando que a vida –
conceito abstrato – é colocada como algo concreto – um objeto. O conceito de
vida é estruturado em termos de um outro, atualizando a metáfora A VIDA É
UM OBJETO. Há a ativação de um conceito formado em nossas mentes e
cultura de que o que é claro, transparente é bom; mas, o que é escuro,
escondido ou fechado é ruim. O fato de o locutor utilizar-se do conceito de
clareza, transparência, faz com que haja uma adesão maior do público à idéia
que está sendo veiculada: o que é claro, transparente é bom e por isso deve
ser desfrutado, alcançado. O uso do adjetivo transparente ativa a idéia de que
a vida não é algo abstrato, mas concreto, palpável e, talvez, por isso tenhamos
mais domínio, pois trata-se de algo a ser manipulado como um objeto.
A força argumentativa se põe através da metáfora A VIDA É UM OBJETO
e do uso do adjetivo transparente utilizado com a intenção de convencer o
público sobre a idéia de que não existe nenhum mistério, nenhum segredo,
diante da vida, ela é transparente. Esse processo se mantém basicamente no
92
jogo entre o abstrato e o concreto, pois o que é abstrato não pode ser
transparente, apenas um objeto concreto pode ser transparente.
OUTDOOR 40
XIV PRÊMIO/2005 – OURO SECCIONAL – CATEGORIA ESPECIAL Seccional Goiás Agência: Cannes Publicidad Anunciante: Cannes Publicidade
Podemos perceber, pelo menos, três expressões suscetíveis à nossa
análise. A primeira expressão Não é tão nova. Mas é boa, a segunda E o
resultado é redondo, e a terceira idéias refrescantes.
No primeiro exemplo, planta-se a informação de que o que é novo é bom;
e, conseqüentemente, o que é velho é ruim. Essa informação nos leva a
deduzirmos que o é que novo é positivo, é bom; mas o que é velho é negativo,
é ruim.
Com a segunda expressão, verificamos que a palavra resultado é algo
abstrato, mas o que é redondo é algo concreto, como um objeto e que alude ao
fato de, por ser redondo torna-se completo, concluso, construído com
flexibilidade, ou seja, aparentemente sem obstáculos.
Na terceira expressão – idéias refrescantes – observamos que houve
uma inversão de sentido ao se utilizar tal palavra, concretizando-se pelo fato de
que às idéias, um processo mental, é atribuído um adjetivo diferentemente
utilizado no nosso cotidiano. Geralmente, dizemos que uma idéia é positiva,
boa quando é quente e não quando é refrescante, embora o sentido de algo
bom esteja presente nos dois casos.
93
Verifica-se também que as expressões idéias refrescantes e o resultado
é redondo ativam, respectivamente, as metáfora IDÉIAS (OU SENTIDOS) SÃO
OBJETOS e RESULTADOS SÃO OBJETOS.
Segundo exemplos apresentados por Lakoff e Johnson (2002, p. 17),
podemos concretizar a primeira metáfora – IDÉIAS (OU SENTIDOS) SÃO
OBJETOS – através de algumas expressões, como:
• Quem te deu essa idéia?
• Não consegui achar essa idéia em nenhum lugar do texto.
• Você encontrará idéias melhores que essa na biblioteca.
Como exemplo da segunda metáfora – RESULTADOS SÃO OBJETOS –
podemos nos reportar à expressão lingüística A cerveja que desce redondo
utilizada freqüentemente na mídia atual.
Nas expressões analisadas neste último outdoor, o locutor vale-se do
conceito positivo da bebida recuperando um produto já culturalmente aceito por
uma grande maioria de consumidores. Essa associação com o produto – a
cerveja – é utilizada pelo locutor, neste caso a empresa Cannes Publicidade,
com o intuito de favorecer sua divulgação e/ou conseqüente capitação de
clientes.
A partir de tal análise, podemos perceber que existem conceitos
metafóricos que permeiam nossa linguagem. Verifica-se, portanto, a intenção
de convencer, tentando provocar, neste caso, no interlocutor, a aceitação de
que o novo, assim como o refrescante, por ser agradável, é bom, como
também o é a idéia do que é redondo, recuperando, através das três
expressões, sensação de bem estar, ou seja, todas elas se mantém numa
mesma direção e com um mesmo sentido, o de positividade.
3.8 Discussão e Resultados
A partir de nossa análise, é possível apontarmos alguns traços que se
tornaram relevantes na nossa pesquisa sobre a propaganda em outdoors e
que, também, corroboram as idéias já postuladas por Espíndola (2005,2006),
em seus trabalhos apresentados, respectivamente, sobre a Metáfora ontológica
94
na publicidade e Gênero discursivo, metáfora e argumentação, quando de sua
pesquisa sobre propagandas em revistas.
Nossa pesquisa nos levou há pelo menos três relevantes considerações:
1) a metáfora conceptual apresenta-se, nas propagandas veiculadas em
outdoors, como um recurso polifônico;
Como visto na seção primária 1, deste trabalho, a polifonia é
caracterizada pela existência de uma superposição de vozes em um mesmo
enunciado. A polifonia de enunciadores, então, caracteriza-se pela colocação
de diferentes pontos de vista, ou seja, de enunciadores, em um enunciado.
Verificamos que o processo metafórico configura-se no fato de
compreendermos e experenciarmos uma coisa em termos de outra, ou seja,
um conceito é parcialmente entendido em termos de outro. Seriam, então,
características originadas no domínio fonte e assimiladas pelo domínio alvo o
que caracterizaria o processo metafórico enquanto polifônico. O domínio alvo
(E2) é entendido parcialmente em termos do domínio origem (E1).
Essas proposições nos permitem considerar a metáfora, primeiramente,
como um recurso da polifonia de enunciadores e pode ser inserida no rol de
recursos argumentativos.
Por seu objetivo principal de convencer o público leitor sobre alguma
idéia, prestação ou venda de um serviço ou compra de algum produto, a
propaganda utiliza-se muitas vezes de recursos lingüísticos para atingir tais
metas. Na nossa análise, podemos apreciar a metáfora como um desses
recursos lingüísticos que funcionam argumentativamente, para atingir os fins
pretendidos por tal gênero: persuadir o interlocutor, fazendo com que haja sua
adesão sobre o que é veiculado.
É possível, então, verificar que as metáforas conceptuais, principalmente
as ontológicas, funcionam como estratégia argumentativa para atender aos
objetivos do próprio gênero e do locutor do texto.
Outro dado que se faz importante diz respeito à função da personificação
como forma de aproximar o locutor do texto do público leitor. Este foi mais um
aspecto investigado e predominante em nosso estudo, o que vem a corroborar
a tese defendida por Espíndola (2005,2006, no prelo): “A presença da
personificação faz com que os produtos e serviços que estão sendo vendidos
sejam aproximados dos virtuais compradores, através da atribuição de
95
características ou ações (animação ou humanização), ao que está sendo
vendido (divulgado)”.
Abordamos, em nossa terceira e última discussão que, em nosso trabalho,
a maioria das metáforas, não apenas as ontológicas, pode figurar, nas
propagandas veiculadas em outdoors, sob o aspecto do ineditismo.Tal
investigação também ratifica tese desenvolvida e constatada por Espíndola
(2005,2006, no prelo) de que “[...] na publicidade, as metáforas são construídas
cuidadosamente para chamar a atenção do interlocutor; elas não são comuns,
são praticamente inéditas, levando-nos a acreditar que há um processo
minucioso e estratégico de criação, próprio desse gênero”.
Podemos, inclusive, observar que as metáforas podem não ser apenas
parte do nosso cotidiano como apontam Lakoff e Johnson (2002), mas podem
configurar-se também pelos seus aspectos inéditos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tratando-se do gênero propaganda, que tem como objetivos principais a
divulgação e a venda de produtos ou serviços, é possível verificarmos alguns
recursos discursivos que são articulados em prol da execução desses objetivos
a serem cumpridos.
Nossa hipótese de que a metáfora é um recurso lingüístico recorrente,
utilizado em propagandas veiculadas em outdoors, e que a maior ou menor
recorrência desse recurso é influenciada pelas características semântico-
discursivas intrínsecas ao gênero discursivo em estudo, é confirmada a partir
da presente análise, cujo corpus reflete a recorrência de processos metafóricos
ativados através de expressões lingüísticas utilizadas no gênero propaganda.
O que nos chama a atenção é o fato de que não só foram verificadas metáforas
que fazem parte do nosso discurso comum, mas também metáforas de caráter
inédito – tese já postulada por Espíndola (2005,2006) – funcionando como um
recurso argumentativo utilizado nas propagandas presentes em outdoors.
Ainda que nossa análise não seja de cunho quantitativo, não podemos
ignorar que, dentre os 40 outdoors analisados, a metáfora ontológica se fez
presente pelo menos em 29 (vinte e nove) exemplares. Desse número,
podemos considerar 25 (vinte e cinco) outdoors em que o processo de
personificação se fez presente.
Apresentamos, a seguir, de forma distributiva, os índices de recorrência
das metáforas analisadas em propagandas:
1º Metáforas estruturais: 05 (cinco)
2º Metáforas orientacionais: 06 (seis)
3º Metáforas ontológicas: 04 (quatro)
A personificação 25 (vinte e cinco)
97
De acordo com os dados apresentados podemos constatar no corpus
analisado que;
1) as metáforas conceptuais (orientacionais, estruturais e ontológicas)
configuram-se como recurso recorrente;
2) as ontológicas são metáforas mais recorrentes;
3) há a predominância de metáforas de personificação.
Ratificamos o postulado de Espíndola (2006) quando do funcionamento
das metáforas conceptuais como ativadores da polifonia como também
corroboramos sua tese de que, nas propagandas veiculadas no suporte revista
– no nosso caso, nas propagandas veiculadas em outdoors –, a recorrência do
processo de personificação se dá com o objetivo de o locutor tentar assegurar
uma proximidade maior com seus interlocutores, o público leitor, a fim de atingir
seus propósitos mercadológicos e sociais e cumprirem a função de
persuadir/convencer o interlocutor, devendo este aderir à idéia daquele, logo
adquirir o produto apresentado ou realizar o serviço oferecido;
Entendemos que o gênero propaganda tem função determinadora no uso
da metáfora, pois se tal gênero tem como função divulgar e convencer o
público sobre algo, a metáfora, como um mecanismo lingüístico é recurso
argumentativo utilizado para desempenhar tal procedimento semântico-
discursivo.
Partindo do conceito de que a argumentação, segundo Ducrot (1987), é
intrínseca à língua e de que esse processo argumentativo, para Espíndola
(2004), também se realiza nos usos da língua, entendemos que a metáfora é
um dos mecanismos argumentativos utilizado pelos locutores dos textos a fim
de atingirem seus propósitos de divulgação de idéias e venda de produtos ou
serviços, comprovando a hipótese de que a metáfora conceptual pode ser
definida como um dos alicerces argumentativos do gênero propaganda e que,
também, tais processos são construídos de acordo com o gênero.
Nosso intuito não é o de finalizar as observações aqui apresentadas, mas
de contribuir para o desenvolvimento das teorias científicas e aprimorá-las,
visando à integração entre homem e ciência, ou seja, entre o saber e o fazer.
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