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1 PAIOL j. marcos b. bandeira. Olá!

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PAIOL

j. marcos b. bandeira.

Olá!

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Você deve estar se perguntando qual a temática reunida que resultou na elaboração desse compêndio. Não precisei de nenhuma fórmula apurada para dar corpo à matéria que apresento. PAIOL é um coquetel de lembranças extraídas do seio de uma família juvenil, de 1957 a 1973. Essas lembranças foram reunidas em uma taça. Os ingredientes diluídos compuseram aplicativos que não me permitem definir e enquadrar com equidade sua classificação literária. O maior componente nesse PAIOL está explícito: é o amor. Amor por entes que passaram por aqui, tão queridos e sempre lembrados. Serão eternos. Amor por pessoas que direta e indiretamente formaram e fizeram parte dessa história verdadeira. Sob o estigma de uma tragédia. – A explosão dos Paióis do Exército, ocorrido em 1958 em Deodoro, subúrbio do Rio de Janeiro, me fez fomentar seus horrores. – Depredei a submissão na divulgação e o silêncio das autoridades. Faltou severidade na apuração. Faltou o pecúlio social e material. Transcendi meus medos para relatar minha orfandade e busquei em minha própria família o enredo ideal para discorrer as adversidades pelas quais passei e passamos. Esse PAIOL também me fez romper uma peculiaridade: o dogma de que só o belo pode ser expresso e reproduzido. Escrevi usando a gramática coloquial. Estabeleci essa dinâmica nos diálogos, com expressões verdadeiras, extraídas dos personagens, sem absorver o feio, o impróprio e até o irrelevante. Um grande amigo, escritor, poeta, autor dentre outras obras o épico “Revoadas”, escreveu: “Deus é uma reunião de oportunidades”. – Tirando proveito desse pensamento concluo que, obtive abraçar essa oportunidade para agradecer ao elenco de personagens que, no espelhar das suas passagens, deram vida a minha vida. Ninguém é imortal. Eternos, sim, haveremos de ser. Boa leitura. O Autor.

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IMPORTANTE!

Na visão do Autor, a obra estimula a autoestima e orienta a formação educacional.

Exalta valores inerentes ás expctativas e superações nos estreitos interpessoais e de relações sociais. – A sapiência é um dom, de quem externa e difundi suas referências.

Os fatos e notícias reproduzidos que enriquecem o texto foram pesquisados e extraídos dos informativos da época. Críticas e opiniões expressas pelos personagens podem não condizer com a opinião do autor.

Colaboradores;

Arildo Stroeder / Roberto Reis / Alceu G. Pires / Professor Leo Ricino.

“A adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas”. (Horácio)

Introdução

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Terça-feira, 16 de outubro. O jantar está sendo servido na casa da família Castor. Uma casa bem estilizada, moderna e de grande dimensão. Com a família reunida, Castor anuncia a venda do imóvel e sua intenção de até 31 de dezembro, mudar para sua cidade natal, Belém do Pará. Não houve nenhuma contestação a sua decisão. – Todos sabiam da sua vontade em retornar para Belém. – Nunca escondeu a paixão pela terra que havia deixado em 1928, depois de trancar matrícula no primeiro ano de medicina na universidade local, se viu obrigado, por não poder conciliar o curso com o emprego no Loyd Brasileiro. Foi durante sua adolescência, arrimo de família, suas cinco irmãs, Carmelita, Camélia, Hilda, Lídia e Maria Santana, enquanto solteiras, dependiam economicamente dele. ─ Hoje o compadre João me apresentou o Nóbrega, dono do hotel e das lanchonetes em frente ao aeroporto, e ele topou o negócio. Vendi a casa. Vamos preparar nossa mudança. – Você, meu filho, já é maior de idade, está trabalhando, emancipado pode se virar sozinho, você vai ficar. Castor participava a todos, falando pausadamente com a fisionomia carrancuda e sisuda de um homem pragmático, metódico e sucinto nas decisões, não admitia divergências. Logo após o jantar, Zé Marcos foi aguar o bonito jardim e aproveitar para dar uns tragos no cigarro. – Tina e Biinha vieram se juntar a ele. As duas denegriam a cidade para onde Castor queria levá-las. Falavam; “Onde já se viu, retroagirmos aos tempos primórdios. Vamos dançar a dança do Pajé quando adoecermos. Nossa moda será animalesca, nossa lei será primata até que o Gorila-Mor ajuíze nossas condutas”. – Evidente que o comentário grotesco só expressava indgnação. Suas irmãs já haviam estado em Belém e sabiam que a cidade crescia de forma ordenada e progressista, não faltava nada. Ele assistia e não esboçava opinião contraditória. – Em seu consciente, achava a atitude do tio egoísta, mas tinha lá suas razões estava aposentado fazia um ano. – Queria estar próximo das irmãs. Mostrava-se insatisfeito com a degradação que irrompia contra os servidores da Receita Federal. – O País se tornara obscuro diante do Regime de Exceção, pairava a insegurança. Também usava o método da persuasão, dizia aos íntimos; “Minha morte se aproxima, quero morrer na minha Belém querida”. – Ditando regras recebia dos seus a aprovação que precisava. Nem mesmo Zirô tinha o poder de contrariá-lo.

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Passava das dez da noite quando Zé Marcos se recolheu. Estava cansado tinha tido um dia atribulado no trabalho e agora aquela abrupta separação, mais uma. Ia levá-lo para uma nova cisão. O dormitório que utilizava era tido como o quarto de hóspedes. Um mobiliário completo, cama de casal, guarda-roupa de seis portas, cômoda e no fundo uma velha penteadeira circundada por um espelho raso e já com sinais de desbotamento. Um mistério cercava a relação de Zé Marcos com essa penteadeira. Havia uma identificação de dubiedade. Sentado na cama e meditando à luz de um abajur, acabou por se olhar no espelho da penteadeira conversando com sua própria imagem e trocando confidências. – Isso ocorria sempre que se envolvia em algumas situações de aperreios. ─ Zé Marcos! Por que essa tristeza estampada aí no seu rosto. Esses olhos cansados e com desejos de compreensão. Conta pra mim. Como posso ajudá-lo? – É, Zequinha, parece que foi ontem. A vida vive nos pregando surpresas. Você sabia? – Vão nos separar novamente. Dessa vez acredito pra sempre. O menino tinha um amigo no interior do quarto. O espelho da penteadeira. Como uma figura emblemática, ouvia-o com paciência dava conselhos e também repreendas. Zé Marcos conversava sempre e longamente com Zequinha. Nunca se confundiu com o reflexo espelhado que o remetia a suspeição; “Eu sou você, você sou eu”. ─ Zé Marcos! Por que não vemos o lado bom desse teu desapontamento? Podia reunir passagens da tua vida e contá-las na forma de um compêndio. Abrir o Paiol de lembranças aí nesse consciente e extrair tudo que esteja armazenado. Vamos lá! – Eu te ajudo. A exaltação a tua gente vai te fazer bem. – Convencido, topou relatar fatos pregressos dos últimos dezesseis anos, com realismo tanto na ventura como na adversidade. Na noite seguinte, depois de um dia de trabalho, se deparou com um clima carregado de pessimismo. – Sua tia e suas irmãs estavam contrariadas. Não houve interpelação, só o silêncio. Depois de comer salada de frutas, foi ao encontro do seu espelho para o resgate das lembranças e escrever sua história. ─ E aí, Zequinha! Como foi seu dia? ─ Um dia estudioso. – Memorizei passagens, batizei nossa gente com nomes fictícios, pesquisei até a exaustão os locais e caminhos por onde passamos. Estou pronto e muito ansioso.

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Zé Marcos sentou-se na banqueta e, olhando fixamente para o espelho já com lápis e papel na mão, deu ouvidos à narrativa. – Antes, passou sobre a lâmina uma esponja umedecida com água sanitária e álcool. – E aí se abriu para surpresa dele próprio, um Paiol rico e memorável. ─ Nasci no subúrbio. – Bairro de Marechal Hermes na cidade do Rio de Janeiro. – Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca foi o oitavo presidente da República do Brasil. – Governou no período de 1910 a 1914. Era gaúcho de São Gabriel, município do Estado do Rio Grande do Sul. O bairro foi o terceiro distrito operário planejado. – Situa-se na Zona Norte da capital fluminense e foi fundado em 01 de maio de 1913, pelo então Presidente. Marechal Hermes está na extensão da Estrada de Ferro Central do Brasil, circundado pelos bairros de Guadalupe, Deodoro, Bento Ribeiro, Honório Gurgel, Osvaldo Cruz e Madureira. Por sua proximidade com Bangu, por onde passa o Trópico de Capricórnio, o bairro só não é mais agradável devido às condições climáticas: sol escaldante no verão e clima quente nas demais estações. Possui moderada infraestrutura para um bairro de classe média baixa. Comércio pequeno, escolas públicas e privadas, teatro e cinema. – Mesmo com pouca malha viária de acesso, tem o melhor hospital num raio de vinte quilômetros, o Hospital Carlos Chagas. – Também está disposto lá a Base Aérea do Campo dos Afonsos, área militar destinada ao treinamento da esquadra aeronáutica e de paraquedismo. Dois notórios clubes se distinguem. – O Maram Tênis Clube, que, em 1966 se notabílizou com a eleição da Miss Guanabara e posteriormente Miss Brasil. E o União de Marechal Hermes Futebol Clube, que se associou à marca Botafogo de Futebol e Regatas, mantenedor da escola-base da formação de atletas. Nossa história começa aqui. Zequinha foi interrompida. – Zé Marcos queria saber se Marechal Hermes era todo esse paraíso. – “pelo menos da forma que você narrou, foi o que pareceu”, disse. ─ Claro que não. Nossa história remonta 1957. – O Brasil sofria com a falta de infraestrutura. Mas, tínhamos um Presidente visionário, Juscelino Kubitschek, o homem que dizia, fará em cinco anos o que os opositores não fariam nem em cinquenta, lembra? – O lazer do proletariádo além do futebol era apostar nos bichos do Drummond. Mesmo sendo proibida sua prática a capital estava infestada de contraventores que organizados burlavam a lei e sedimentavam seus negócios.

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─ Zequinha, qualquer história que se conte precisa de uma introdução, suas origens e raízes. – Se não for assim passa longe do entendimento. ─ Muito bem lembrado. Vamos lá então! – Sampaio e Bia são meus pais. Migraram do Norte para o Rio de Janeiro em 1937. Não vieram sozinhos. Boa parte da família do meu pai já estava no Rio. A família da minha mãe pegou mesmo o ita do norte. Vieram meus avós, Joá e Etel, e meus tios Raí, Zirô, Meira e Roberto. – Meus pais logo se casaram. Já se conheciam desde Castanhal, município distante 65 quilômetros de Belém do Pará. – Até 1957, já formavam uma família com quatro filhos: Tinho, Bíli, Tina e eu. Sampaio, um homem de corpo esguio, pele clara, olhos castanhos. Químico farmacêutico trabalhava numa multinacional. – Bia, acreana, muito bonita, de cabelos lisos e curtos, olhos castanhos, do lar, costurava pra pouca e seleta clientela que proporcionava ajuda financeira no orçamento doméstico. Eles formavam um belo casal. Dos meus irmãos, Tinho é o mais velho. Um loirinho apelidado de “Russinho”. Bíli, moreno de cabelos lisinhos, inteligente e genioso, gostava de uma peraltice, dava muito trabalho pros meus pais. – Tina, a única mulher, chegou em 1950. Loirinha, tinha os traços muito parecidos com os de Sampaio. Por último eu. Desde pequenino muito problemático. Franzino, com saúde sempre debilitada, espasmos durante o sono, convulsões e um leve estrabismo. Eram quatro filhos até então. – Ana que não conheci, morreu ainda neném vitimidada por pneumonia. ─ Zequinha? – Vamos pra mais uma rodada de água com álcool? ─ Vamos sim! Estou aguçado e você precisa descansar. Amanhã vamos ter um longo dia. – Percebeu que nem fumei durante essa primeira narrativa? – Vou ao quintal dar uma pitada e depois lavar o rosto pra descansar. Amanhã, quando chegar você reinicia com o primeiro capítulo. ─ Positivo então! ─ respondeu Zequinha.

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1957

Na divisa de Marechal Hermes com Bento Ribeiro, Rua Catumbi, 17, uma edícula, com sala, quarto, cozinha, banheiro e tanque externo, abrigava o casal Sampaio e seus quatro filhos. Humilde e rudimentar desde o mobiliário a casa transmetia a imagem de penúria e dificuldades que passava a família. – Sampaio, um assalariádo. Enveredava pela cartilha marxista, dizia-se comunista nato vivia nos botequins com os camaradas enfatizando a laboriosa classe trabalhadora e suas desigualdades. Bia fazia o que podia. – Envolta a decepções e agruras com o marido buscava recursos para abastecer sua despensa. – Diversas vezes no almoço e no jantar a família se servia de café e angu doce. Os filhos adolescentes Tinho e Bíli, se acordaram e resolveram ajudar os pais praticando pequenos biscates, recebiam uns poucos trocados. – Tinho precisou

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sair da escola fazia entregas de roupas para uma lavanderia. Bíli não saiu da escola, mas, fazia em meio período pequenas tarefas como, carpir terrenos baldios, limpar valas e ajudar em reparos caseiros. Tina, com sete anos recebia atenções redobradas. – Os irmãos revezavam-se para levá-la e buscá-la na escola. Por duas vezes foi mandada para São Paulo, onde morava o casal Castor e Zirô, seus tios e Etel sua avó, para passar a temporada de férias escolares. Castor era o que se podia dizer um homem completo e culto. Muito trabalhador e responsável. – Quando residiu no Rio prestou concurso para o Serviço Público Federal. Aprovado, foi alocado em São Paulo em 1954. Ele gostava de uma boa prosa, tinha como hobby a fotografia, ouvia música clássica, exímio dançarino, apreciador de um bom uísque. – Um homem de gostos apurados. Sua irmã Maria Santana, era a que mais o acompanhava no quesito intelectualidade. Ela também deixou Belém para tentar uma melhor sorte. Engajou-se em movimentos religiosos e trabalhou como assistente social em São Paulo. – Casada com Jorge, tinha uma menina, Helen. – Tia Santa como a chamavam, era geniosa e de opinião forte. Esse contraste criava animosidades e a fazia divergir constantemente do irmão. As outras irmãs ficaram em Belém. Elas eram modestas e muito religiosas, abdicaram do luxo material. Castor as visitava no final de cada ano. Amável e carinhoso com sua mulher era comum vê-lo envolvido com problemas da família dela. – Contava que se casou por procuração porque estava a serviço do Loyd Brasileiro, no alto do Xingu. – Quando se transferiu, trouxe sua sogra, Dona Etel, para morar com ele e sua mulher em São Paulo. Zirô, a soma de consensos. Mulher de apaziguar, proteger, amenizar as crises. Religiosa, sempre tinha um espaço no coração onde cabiam sábias soluções. O casal não teve filhos. Seus próximos diziam que ele era estéril. Ainda solteiro e em constantes viagens contraiu varicocele. Nunca ninguém procurou saber mais sobre o assunto. – Foi devido à ausência de filhos que o casal comungou em trazer de Belém uma dama de companhia. Nandinha. Uma menina prestativa e atenciosa, que ajudava nos trabalhos domésticos e que também assistia Dona Etel. ─ Zequinha! – Estou esperando visitas, venha tomar banho. – Bia chamava o filho, que brincava sentado no chão. ─ Meu filho! – O que é que você tem? – Reparou que pelas bordas do calção do menino saíam lombrigas. De imediato as eliminou. Jogava pelo ralo. Depois de

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dar um bom banho, colocou-o para dormir. – Enquanto dormia e com Tina na escola, atendeu suas freguesas. – Mais tarde, ia levá-lo para que Raí o examinasse. Raí, seu irmão mais velho, era chefe de enfermaria de um hospital da Rede Pública Estadual. – Casado com Belinha e pai de Beto, um homem metódico, torcedor do Botafogo se proclamava Getulista. – Esse, o maior motivo das críticas em família. – Pesava mais de cem quilos, tinha quase dois metros, voz grave, um coração bondoso e grande. – Bia depositava nele muita confiança e tinha certeza de que daria um jeito de eliminar os vermes expelidos pelo filho. De noitinha, quando Sampaio chegou, tentou dizer o que havia se passado com Zequinha. Ele deu pouca importância estava compenetrado no rádio, ouvia a “Voz do Brasil”, noticiário político transmitido em rede nacional. Resquício da ditadura Vargas. – A única coisa que prestava nesse noticiário o prefixo músical de Carlos Gomes, “O Guarani”. – Um informativo que para a maioria da população não representava nada. – Bia falava para os seus parentes que esse hábito do marido era para que tivesse argumentos nas conversas de botequins com os camaradas. Depois da janta, com suas crianças foi ao encontro do irmão em Bento Ribeiro. – Enquanto Tina brincava na copa com tia Belinha, Raí prontamente atendia o sobrinho no quarto. Procurava distrair o menino enquanto o examinava. – Não demorou em indicar uma fórmula caseira de combate às losnas. – Pediu que pela manhã, o colocasse pra fazer cocô e depois o sentasse numa bacia com água e vinagre. – Garantiu que esse procedimento ia melhorar, mas não eliminar o problema. ─ O que falta mesmo pro seu menino, é alimentação balanceada com proteínas e cálcios. – Terminou dando a irmã uma amostra grátis de um laxante. Depois de mandar Zequinha brincar com Tina, ela continuou a conversar. Falou da desconfiança com Sampaio. – O dinheiro que ganhava não chegava inteiro em casa. Dizia saber que parte ficava nas contas dos botequins. Mas, agora tinha uma desconfiança maior. – Sampaio andava de caso com Zezé, a madrinha de Zequinha. – Não os viu juntos, mas ás vezes ele balbucía o nome dela enquanto dorme. ─ Minha irmã! – Gosto muito do Sampaio. – Se me intrometer num assunto desses, desconfio que brigue comigo. Não acredito que seja capaz de fazer isso, é muito inteligente pra se deixar envolver. Vou falar com ele, mas com jeito, tá? – E Bia continuava. Contou que andava nervosa com tudo isso que se passava na família. Insegurança no casamento, os meninos adolescentes desassestidos, as crianças sem o básico.

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Agora pairavam dúvidas quanto às regras, estavam atrasadas. Você enlouqueceu? – Está grávida? – Com tantos problemas? – Quatro filhos e mais um? – O que é isso, Bia? – É fogo? – Raí a advertia em voz baixa. – Com 39 anos esqueceu o risco? – Quatro crianças passando dificuldades extremas. Fico desapontado minha irmã. Vocês são irresponsáveis. Bia, sem graça, só pedia que não comentasse com ninguém e a ajudasse a procurar um médico. – Demonstrando aborrecimento, ele pediu que no dia seguinte o procurasse no Instituto que pediria a um médico que a atendesse. Nervosa, se despediu do irmão e da cunhada e saiu de mãos dadas com os filhos. – Estava bem assustada. Caminhava pra casa com vagos pensamentos. Como faria pra conversar com Sampaio? – Preferiu abdicar da ideia e primeiro ouvir do médico uma confirmação. Dizia; “graças a Deus este dia terminou!”. Na manhã seguinte, a rotina dos Sampaio não foi quebrada. Fez com o filho tudo que o irmão recomendou. – O garoto tinha reação tempestiva ralhava e gritava. Mediante promessa de que a acompanharia ao médico à tarde, se aquietou. – Melindres só quando Tina apontava para o vermelhão do seu pintinho chamando-o de sabia de papo vermelho. Só uma irritação na pele devido ao vinagre. Já no consultório do instituto em Madureira, Bia aguardava o resultado do exame. – Até que o Dr. Brenno proferiu seu parecer. – Dona Bia! – A senhora está grávida. – Vou pedir mais alguns exames, para assim, iniciarmos o pré-natal. – Veja! – Vai ter seu filho com 39 anos. Considero a idade avançada para uma sexta gestação. Só vou ter problema se não me ajudar nas recomendações. Vai me obedecer? No trajeto para casa tentava se distrair e conversar com o filho, mas não tinha ânimo. – Ele não a entendia era criança. Naquela mesma noite surpreenderia Sampaio com a notícia, difícil saber a sua reação. Dava preferência de conversar sobre o assunto com suas irmãs. A mente feminina é mais ponderada, pensava. – Mas com quem falar? – No Rio, só tinha Meira e Belinha, sua cunhada. Ao chegar Sampaio já a esperava. Saíra mais cedo do laboratório ficou surpreso com sua ausência. – O que aconteceu? Chego e não te encontro. A Tina está sozinha e você na rua batendo pernas. ─ Que é isso! – Fui ao médico por recomendação do Raí. Levei Zequinha pra me fazer companhia, mas deixei tudo pronto pra ela. ─ Não sabia que seu irmão é mais importante que eu e nossos filhos.

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─ Deixe de besteiras. Só não o avisei porque ultimamente dá pouca importância para o que faço. Você é um ausente! ─ Ausente porra nenhuma. – Pra não ter que aturar suas chatices é que chego tarde. Não pense que me eximo da responsabílidade de criar meus filhos. Mesmo com essa merda de salário que ganho. Nesse momento um silêncio tomou conta da sala. – Os dois se encaravam como se algo tivesse de contar um ao outro. ─ Estou doente Bia! – Uma úlcera nervosa suporou a parede do estômago, que está sangrando. – O médico recomendou cirurgia urgentíssima. – Faz tempo que não venho me sentindo bem. Faço extravagâncias e lá no laboratório fico doze horas com adrenalina no topo, irritado e nervoso. Vou operar na quinta. – Amanhã entro no regime alimentar e me interno à tardezinha. Bia estava muda e perplexa. – O que estaria acontecendo com sua família? Adversidades no relacionamento. Divergências, distúrbios e desconfianças. – Qual o risco dessa cirurgia? – Perguntou. ─ O médico disse que não tem nenhum. Quando muito vou ter uma cobra Albina na barriga. – Um quelóide. ─ Sampaio! – Eu estou grávida. – Ele ficou por um momento estático, perguntou se tinha ouvido direito. ─ Estive no médico, e ele me confirmou a gravidez, onde comiam seis, vão comer sete. – Riscos? – Vou correr todos. Minha idade, a falta de recursos, de conforto e compreensão. – Bia começou a chorar, foi para o quarto e deitou-se. – Em sua cama e comprimindo no travesseiro os soluços do choro, teve o consolo de Sampaio. – Não sabia o que dizer. No semblante expressava um ar de conformidade, agnóstico, estava indiferente e ao mesmo tempo preocupado. ─ Muito bem. Não vamos falar sobre isso agora. Também ainda é muito cedo. – Quando voltar do hospital vamos nos planejar. Tina e Zequinha brincavam no portão os filhos mais velhos ouviram aquela conversa e o aguardavam na sala. – Queriam explorar um pouco mais a maternidade anunciada. ─ Pai! – Posso baixar um pouco esse rádio? – Preciso falar. – Uma breve pausa e Tinho começou conversar com seu pai – Tenho andado lá pelos lados do Muquiço. Outro dia fui entregar umas roupas na casa da Dona Laudiceia. Soube que estão alugando a casa. Ela se separou há pouco tempo. É freguesa de costuras da mamãe. Tem um irmão deficiente, o Saulinho. ─ Meu filho, por que me perguntas?

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─ Ora, pai! – Por que precisamos de uma casa maior, mais confortável. Mamãe e Tina precisam de mais privacidade, são nossas mulheres. Depois, vamos ganhar um irmão ou quem sabe, mais uma irmã. – A mãe o poupa de muitas contrariedades que passa nesse quintal. Outro dia caiu uma pipa e os garotos da Rua entraram. –Zequinha se atracou com um deles e a Tina acabou por dar uma pedrada no moleque. – Esse caso quase deu polícia. Mamãe envolvida, vizinhos envolvidos, um pererê. O senhor paga um alto aluguel. – Acho que até por pouco menos podemos alugar um imóvel melhor. Eu e o Bíli podemos ajudar. ─ Meu filho! – Amanhã vou me internar, mas você ou seu irmão podem procurar sim. – Especulem por aí valores e vejam as condições dos imóveis. Quando voltar, resolvemos. – E não digam nada a sua mãe, por enquanto. Meira, pela manhã, acompanhada do filho Luca, apareceu. Informada da gravidez veio confortá-la. – Ríspida, não poupou o casal de criticas. Não sabia conjugar o verbo “Confortar”. – Ao saber da cirurgia de Sampaio, colocou-a em pavorosa com a dúvida “E se ele morrer?”. – Meira tinha muito disso. Sampaio e seus filhos não se permitiam ouvir esses desaforados comentários e agouros, chamava de piti na vida alheia, um prato cheio de merda para a discórdia. – Ele, que não fora trabalhar, ia se internar à tarde, mesmo assim foi fazer um fiado na bodega do seu Mário. – Comprou um quilo de carne para que sua mulher no almoço tivesse o que servir às suas visitas. Luca sempre amolava o primo mais novo com suas brincadeiras rasteiras e sem graça. – Dizia da feiura do primo, além de gozá-lo pelos trejeitos. Esses comentários não eram apreciados por Tinho e Bíli. O irmão mais novo era ingênuo. ─ Esse menino nasceu à noite né? Trovejava e relampejava. Benza a Deus tia, ele é muito feio. – Zequinha também gostava de mexer com Luca. ─ Sapo velho! – Lavou esse pinto direito hoje? A réplica foi ouvida por todos à mesa. – De pronto, Bia se interpôs ao filho, repreendendo-o. – Parecia não se importar. Fazia todo tipo de careta, pressionava os lábios com ar e imitava ruídos de peido para o primo, que ria muito. – Foi nesse clima de infantil hostilidade que o almoço transcorreu. Enquanto Bíli foi buscar na loja do Largo, pijamas que o pai comprou pra vestir no hospital, Sampaio quis saber de Meira por onde andava o compadre. ─ Deve estar pelos mares do Caribe. Disse-me da última vez que vai estar por aqui até o final do mês. – Sabe? – Santos, é um homem muito bom, não deixa faltar nada, nem pros filhos. – Vivemos modestamente, mas muito bem.

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Essa ressalva o cunhado recebeu como carapuça. Sabia que a irmã de Bia não o suportava. – Diante da família Barros, da sua mulher, sempre foi muito criticado, não apontavam nele nenhum predicado. – Só Raí o entendia, o mais complacente, enérgico às vezes quando precisava cortar excessos. – Por isso, era um arredio. Não gostava e não participava de nenhuma reunião da família, fosse por qualquer motivo. Depois que Meira foi embora, arrumou sua mala despediu-se dos filhos e no portão deu um beijo terno em sua mulher. Pediu que o visitasse na sexta pela manhã. Estaria numa enfermaria, era proibido acompanhante. O Hospital General do Nascimento Vargas ficava em Bonsucesso, era o mais moderno na especialidade Gástrica, tinha sido entregue em 1948, no Governo Dutra. Ao entrar em casa, Bia uniu-se aos filhos e rezou pela recuperação dele. Nas orações pediu graças à saúde de todos inclusive ao da nova vida que concebeu e estava gerando. Ainda ensimesmada, achava que Sampaio não quisesse sua quinta criança. – Porra, mãe, que dia tivemos hoje hein? Ninguém merece tia Meira. A velhinha é tricoteira e não dá uma trégua. – Bíli, deitando-se para dormir. O dia amanheceu e já fizera o café para sua turma. Lavou algumas roupas. Pra se distrair criou alguns moldes e recortou alguns tecidos e foi pra máquina de costura, assim que gostava de espairar e extravasar sua ansiedade. – Mais tarde, enquanto tomava banho, Bíli chegou. – Cantava alto e assoviava, mexia nas panelas e procurava o que comer. Ia levar sua irmã pra escola. ─ O que é isso, menino? – Parece que já chega com carrapato no corpo? ─ Fala aí, minha bisteca. ─ Olha moleque, tu me respeita! ─ O que é isso, Dona Katita! – Não posso brincar mais? – Não adiantou a amenizada para conter a irresponsável brincadeira do filho. – Katita, na região Norte, é o nome que se dá a um roedor de rabo grande. Um rato minúsculo que invade o forno do fogão à procura de resto de pão e de assados. – Ele levou uma bofetada no rosto e foi chorar no quarto. – Logo, ela foi chorar junto. – Sempre assim, batia depois se arrependia e relevava. Na manhã seguinte foi ao encontro do marido no hospital. Num tailleur azul, que ela mesma havia feito. – Sapato alto, maquiagem discreta, com brilho somente no batom vermelho. Chamava a atenção dos filhos, que diziam gracejos por verem sua mãe tão bem arrumada, – “Cuidado! – Não vá fazer o velho ter um chilique, um tesão repentino”.

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Pra variar eram repreendidos com veemência. No hospital pouco falou. Cumprimentou Sampaio, que ainda estava cheio de tubos. Com olhar crítico verificou o curativo, o soro e a prancheta que indicava a medicação aplicada e o diagnóstico apontado. Conversou pouco com o médico que prestava informações às visitas na enfermaria, mas o que conseguiu saber em destaque foi do sucesso da cirurgia e que mais alguns dias seu marido ia receber alta. Enquanto isso, em sua casa o clima era de bagunça. – Bíli, aloprado, aloprava seus irmãos. – Não foi nem levou sua irmã para a escola. – Não lhes deu almoço. – Ligou o rádio no dial da “Nacional”, aumentou o volume e ficou na presepada ouvindo o programa de auditório de “Manoel Barcelos”. De bermuda e sem camisa, ficou no meio da sala com uma vassoura na mão como se portasse um microfone, dublava a música sucesso do momento “Conceição”, que Cauby Peixoto interpretava e fazia coro com a plateia. O patético em tudo é que Bíli fantasiou de bailarinos de palco, seus irmãos. O senhorio ainda reclamava por causa do barulho estarrecedor, quando Bia chegou trazendo consigo Tinho que chegava naquele momento. Ela não se conteve, pegou o filho pelas orelhas, deu-lhes algumas palmadas e safanões e o colocou por alguns minutos de castigo. Tinho levou o irmão para a Rua. – Deu-lhe conselhos, pediu que tomasse cuidado com os excessos. – Sua mãe estava grávida, precisavam amenizar as aprontadas. – Depois, não tinha mais idade para os despautérios, já devia ter consciência do que fazer na faixa etária dos quatorze anos. À tardezinha chegaram três senhoras em casa. Vieram provar vestidos e tirar moldes e medidas. Os irmãos ficavam ouriçados quando aconteciam esses encontros. Geralmente as freguesas ficavam à vontade, de anágua ou lingerie. – Eram senhoras esbeltas, os dois se entreolhavam e logo estavam trancados no banheiro se masturbando. No sábado, antes que fosse ao hospital, Raí passou em sua casa. Levou alguns mantimentos que dizia fazer bem a ela e as crianças. – Tina já havia despertado e foi sentar-se em seu colo recebeu muitos carinhos e afagos. Entre os goles de café, minimizava as aprontadas de Bíli a cada história contada pela irmã. – Dizia que pegava muito no pé do garoto e que isso trazia conseqüências, depressão e introvertimento. ─ Falei com a Zirô ontem. Telefonei contando o que se passava com você e o Sampaio. ─ Ah! Que bom. E como eles estão? – E a nossa mãe?