ix seminÁrio nacional de estudos e pesquisas … · ideias influenciaram o papel da mulher na...

21
IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 3199 A FUNÇÃO DA MULHER NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MÃE OU PROFESSORA? Djanira Ribeiro Santana djanira[email protected] (UESB) Resumo O presente artigo resulta de uma pesquisa bibliográfica que teve como referência o estudo da LDB Nº 9.394/96, do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998) e a leitura de autores relevantes para o tema em estudo como: Áries (1981), Arce (2002), Aranha (1996), Kuhlman Júnior (2010), Kramer (2011), Louro (2003), Tanuri (2000), dentre outros. O seu objetivo é apresentar uma breve análise histórica da concepção de Mulher e Infância na Sociedade Ocidental e de como ambas tem influenciado a História da Educação Infantil Brasileira desde sua gênese no Brasil colonial até os dias atuais. Inicialmente foi abordada a influência da religião judaicocristã na formação e definição do modelo de mulher ocidental, submissa ao homem, dedicada à família e responsável pela educação da primeira infância. Quanto á concepção de infância, esta passou por uma mutação no decorrer do tempo. Primeiro pela inexistência do sentimento de infância na Idade Média, depois a criança passou a ser má, vista como fruto do pecado na visão de Santo Agostinho, posteriormente, a partir do século XVIII, os percussores da Educação Infantil (Rousseau, Pestalozzi e Froebel) inauguraram uma nova concepção de criança como um ser naturalmente bom. Outro aspecto relevante a ser abordado é a polêmica função de mãe e professora que a mulher tem desenvolvido ao longo do tempo na Educação Infantil. Almejase que a temática apresentada contribua para promover o debate acerca do papel da mulher na Educação Infantil e da importância de sua formação e valorização profissional. Palavraschave: Educação Infantil. Concepção de Infância. Formação de Professores. A Mulher na Educação. Introdução Atualmente a mulher e a criança estão a cada dia conquistando legalmente sua cidadania e ocupando lugar de destaque na sociedade ocidental. No entanto, nem sempre foi assim, por muitos séculos ambas estiveram às margens da História da humanidade, como se dela não fizessem parte. A história relatada nos livros tem sido predominantemente masculina e adultocêntrica, na qual não havia espaço para elas. Entretanto, um novo panorama foi e está sendo redesenhado em torno da história das mulheres e crianças ocidentais. No Brasil, elas tem dado início às suas conquistas no campo político, jurídico, social e educacional, dentre outros, desde o século passado. Mas ainda é preciso haver uma constante mobilização social para que seus direitos já conquistados sejam de fato efetivados. Nesta perspectiva, a Educação Infantil tem sido pauta frequente nos debates que abordam os direitos da criança menor de seis anos no cenário educacional brasileiro. Percebese que desde as duas últimas décadas do século passado que há uma efervescência no campo

Upload: buikhanh

Post on 08-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3199 

A FUNÇÃO DA MULHER NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MÃE OU PROFESSORA?  

Djanira Ribeiro Santana djanira‐[email protected] 

(UESB)  

Resumo  O presente artigo resulta de uma pesquisa bibliográfica que teve como referência o estudo da LDB Nº 9.394/96, do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998) e a  leitura de autores relevantes para o tema em estudo como: Áries (1981), Arce (2002), Aranha (1996), Kuhlman Júnior (2010), Kramer (2011), Louro (2003), Tanuri (2000), dentre  outros.  O  seu  objetivo  é  apresentar  uma  breve  análise  histórica  da  concepção  de Mulher  e  Infância  na Sociedade Ocidental e de como ambas tem influenciado a História da Educação Infantil Brasileira desde sua gênese no Brasil  colonial  até  os  dias  atuais.  Inicialmente  foi  abordada  a  influência  da  religião  judaico‐cristã  na  formação  e definição do modelo de mulher ocidental,  submissa ao homem, dedicada à  família e  responsável pela educação da primeira  infância. Quanto á concepção de  infância, esta passou por uma mutação no decorrer do  tempo. Primeiro pela  inexistência do  sentimento de  infância na  Idade Média, depois a criança passou a  ser má, vista como  fruto do pecado na visão de Santo Agostinho, posteriormente, a partir do  século XVIII, os percussores da Educação  Infantil (Rousseau, Pestalozzi e Froebel) inauguraram uma nova concepção de criança como um ser naturalmente bom. Outro aspecto relevante a ser abordado é a polêmica função de mãe e professora que a mulher tem desenvolvido ao longo do tempo na Educação Infantil. Almeja‐se que a temática apresentada contribua para promover o debate acerca do papel da mulher na Educação Infantil e da importância de sua formação e valorização profissional.   Palavras‐chave: Educação Infantil. Concepção de Infância. Formação de Professores. A Mulher na Educação.   Introdução 

 

Atualmente a mulher e a criança estão a cada dia conquistando legalmente sua cidadania 

e ocupando  lugar de destaque na  sociedade ocidental. No entanto, nem  sempre  foi assim, por 

muitos  séculos  ambas  estiveram  às  margens  da  História  da  humanidade,  como  se  dela  não 

fizessem  parte.  A  história  relatada  nos  livros  tem  sido  predominantemente  masculina  e 

adultocêntrica, na qual não havia espaço para elas.    Entretanto, um novo panorama  foi e está 

sendo  redesenhado em  torno da história das mulheres e crianças ocidentais. No Brasil, elas  tem 

dado  início às  suas  conquistas no  campo político,  jurídico,  social e educacional, dentre outros, 

desde o  século passado. Mas  ainda é preciso haver uma  constante mobilização  social para que 

seus direitos já conquistados sejam de fato efetivados.  

Nesta  perspectiva,  a  Educação  Infantil  tem  sido  pauta  frequente  nos  debates  que 

abordam os direitos da criança menor de seis anos no cenário educacional brasileiro. Percebe‐se 

que  desde  as  duas  últimas  décadas  do  século  passado  que  há  uma  efervescência  no  campo 

Page 2: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3200 

político  e  social  em  prol  do  direito  à  educação  em  creches  e  pré‐escolas  para  as  crianças 

pequenas, oriundas das camadas populares.  

O presente artigo tem por finalidade realizar uma abordagem histórica acerca da função 

exercida pela mulher (mãe/professora) na Educação Infantil, focando as concepções de mulher e 

criança  na  sociedade  ocidental  e  a  história  da  formação  de  professores  (as)  para  atuar  na 

Educação Infantil no Brasil.  

Este trabalho resulta de uma pesquisa bibliográfica sobre a História Social da Criança e da 

Mulher  na  Sociedade  Ocidental  e  a  História  da  Educação  Infantil  Brasileira.  Para  isso  foram 

realizadas  leituras  de  autores  importantes  na  área  da  História  da Mulher,  da  Infância  e  da 

Educação Infantil, bem como o estudo de documentos referentes à Educação Infantil como a LDB 

Nº 9.394/96 e o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998).   

Inicialmente  será  apresentada  uma  síntese  sobre  o  espaço  ocupado  pela mulher  e  a 

criança na civilização ocidental judaico‐cristã e o modo como ambas eram tratadas pelos homens. 

Nesse contexto, será traçado um breve panorama histórico sobre a sociedade medieval e o papel 

destinado  às  mulheres  e  crianças,  bem  como  o  surgimento  do  sentimento  de  infância  na 

sociedade burguesa europeia.  

Em seguida, o texto aborda resumidamente a história da Educação Infantil no Brasil e da 

formação de seus professores, desde a criação das primeiras instituições para atender à infância 

brasileira, pobre e abandonada no Brasil colonial, até a educação infantil tornar‐se um direito das 

crianças de zero a seis anos com a promulgação da Constituição de 1988 e a efetivação desses 

direitos através da promulgação LDB 9394/96.  

Na sequência será discutida a polêmica  função de mãe e professora atribuída à mulher 

desde a gênese das instituições de educação infantil na Europa e que chegou ao Brasil através da 

difusão  das  ideias  de  precursores  (Rousseau,  Pestalozzi  e  Froebel)  da  Educação  Infantil.  Estas 

ideias  influenciaram  o  papel  da  mulher  na  Educação  Infantil  Brasileira  dificultando  o  seu 

reconhecimento social, sua valorização profissional e salarial.  

Espera‐se que a socialização dessa temática contribua para fomentar o debate acerca do 

papel  desenvolvido  pela  mulher  como  professora  da  educação  infantil.  Essa  reflexão  é  de 

fundamental importância para conscientizar a sociedade de que a função da mulher na educação 

Page 3: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3201 

das  crianças pequenas não pode  ser  reduzida  aos  cuidados maternais. Apesar do  trabalho  com 

crianças  na  faixa  etária  de  zero  a  cinco  anos  necessitar  de  alguns  cuidados  semelhantes  aos 

desenvolvidos pela mãe,  isso não  significa  restringir a  formação e o papel da mulher enquanto 

profissional de educação.    

 

O papel da mulher e a concepção de infância na sociedade ocidental  

 

No  decorrer  da  História  da  humanidade,  em  muitas  civilizações  antigas,  a  mulher 

desempenhava  função  importante na  sociedade.  Ela era divinizada e,  às  vezes,  cultuada  como 

Deusa‐mãe,  uma  referência  às  forças  da  natureza,  atribuída  a  ela  pela  comunidade  que  a 

considerava  sagrada  devido  à maternidade.  Nessas  civilizações  homens  e mulheres  possuíam 

direitos iguais e se respeitavam mutualmente.   

O mundo ocidental judaico‐cristão, no entanto, inaugurou uma nova concepção do papel 

da mulher na sociedade,  fundamentada na  religião e no modelo de sociedade patriarcal. Neste 

novo contexto social, o homem é o provedor da  família e exerce soberania sobre a mulher que 

passa a ser  inferiorizada e subjugada à sua vontade. Cabe a ela apenas o papel de esposa  fiel e 

mãe cuidadosa dos filhos.   

Nessa  representação  religiosa, a mulher passou a  ter significado duplo, ora é diabólica, 

ora  santificada.  Por  um  lado,  a  imagem  da  mulher  passou  a  estar  diretamente  associada  a 

tentação, ao pecado cometido por Eva que desobedeceu a Deus e conduziu o homem  (Adão) à 

iniquidade  (Gen.  3,  6‐7).  Esse momento marcou  a  entrada da mulher  para  a  história  como  a 

representação  do Mal.  Por  outro  lado,  com  o  advento  e  expansão  do  Cristianismo o  ideal  de 

mulher  pura,  santa,  casta e  boa  passou  a  ser  representado  pela Virgem Maria que  se  tornou 

coadjuvante no plano de salvação da humanidade ao dar a luz ao filho de Deus e, por isso, deveria 

ser  imitada por  todas as mulheres que desejassem alcançar a santidade e afastar‐se do pecado 

original.    

No período  compreendido entre os  séculos V e XV  a  Europa Ocidental  viveu o que os 

historiadores chamam de Idade Média. Nessa época houve uma grande expansão do Cristianismo 

Page 4: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3202 

e  uma  supervalorização  da  fé  em  detrimento  da  razão,  por  isso  alguns  filósofos  iluministas  a 

nomearam equivocadamente de “idade das trevas”.  

A  sociedade medieval,  de  acordo  com  Aranha  (1996)  era  predominantemente  rural  e 

composta por clero e nobreza que ocupavam o  topo da pirâmide social; senhores  feudais,  reis, 

condes,  duques,  cavaleiros,  artesãos  e  os  servos  que  eram  presos  aos  senhores  feudais  por 

juramentos  de  fidelidade.  O  poder  político  encontrava‐se  fragmentado  devido  ao 

enfraquecimento  do  poder  do  rei  perante  aos  senhores  feudais.  A  economia  era  tipicamente 

agrária, cuja fonte de riqueza era a terra.  

Naquela época  a  instituição  social mais poderosa era  a  Igreja Católica. A  influência do 

Cristianismo  estava  presente  em  todas  as  esferas  da  vida  privada  e  social  das  pessoas.  Ela 

determinava valores, fundamentava princípios morais, estabelecia regras para a vida matrimonial 

e familiar, controlava a educação, exercia influência direta nas questões políticas e jurídicas. Deus 

era colocado no centro do universo, é o que os historiadores denominam de Teocentrismo.  

Neste  contexto,  Arce  (2002)  aponta  outro  modelo  de  mulher  idealizado  no  período 

medieval  que  se  tornou  padrão  feminino  a  ser  seguido:  Sara,  a  esposa  de  Abraão,  mulher 

submissa  em  tudo  ao  marido,  aos  sogros  e  dedicada  à  prole,  a  quem  ela  deveria  amar 

incondicionalmente e preocupar‐se com sua salvação e  felicidade. Dessa  forma, a  Igreja exercia 

um imenso controle sobre a mulher, seu corpo, seu comportamento moral, seus pensamentos e 

sentimentos, qualquer  tipo de vaidade era considerado pecado. Às mulheres não era permitido 

exercer  atividade  de  liderança  na  comunidade.  Ela  estava  destinada  ao  casamento  e  a 

maternidade era a  sua principal  função,  além de  ser  a única  responsável pela educação que  as 

crianças recebiam na primeira infância.  

Longe  da  ciência  e  presa  ao misticismo  religioso,  a mulher  ia moldando  seus comportamentos,  adequando‐os  às  exigências  morais,  alienando‐se  da  vida pública  e  ligando‐se  cada  vez  mais  ao  cotidiano  que  envolvia  os  afazeres domésticos e os cuidados com os filhos na primeira infância (ARCE, 2002, p. 81).    

Nesta perspectiva, a mulher durante séculos foi (com raríssimas exceções) dominada pelo 

homem e marginalizada pela sociedade que menosprezou sua capacidade intelectual, julgando‐a 

incapaz de  contribuir para  a  construção da  sociedade atuando  ao  lado do homem nas diversas 

esferas  sociais  (política,  cultural,  religiosa,  econômica  e  outras).  Durante  a  Idade  Média  as 

Page 5: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3203 

mulheres  que  possuíam  algum  conhecimento  relacionado  ao  poder  das  plantas medicinais  e 

usavam  esses  saberes  para  curar  os  doentes  foram  perseguidas  pelo  Tribunal  de  Inquisição, 

presas, acusadas de bruxaria, julgadas e condenadas à morte na fogueira. Assim, o Cristianismo se 

impunha como religião tipicamente machista, na qual não havia espaço para as mulheres em uma 

sociedade predominantemente masculina.   

Quanto ao espaço  reservado à criança na  Idade Média, ela não ocupava lugar especial, 

mesmo  porque  havia  um  alto  índice  de mortalidade  infantil  e  eram  poucas  as  crianças  que 

sobreviviam,  a estas estava destinado desde  cedo o  trabalho  junto aos  adultos.  Segundo Áries 

(1981) não existia na sociedade medieval o sentimento infância como há hoje. As crianças eram 

consideradas uma espécie de adulto em miniatura, sendo tratadas apenas como descendentes do 

ser  humano  e  dependentes  dos  adultos  até  adquirir  independência  física,  depois  disso  se 

misturavam a eles no trabalho. De acordo com o autor, essa ausência de sentimento de infância 

pode  ser explicada  como escassez de  amabilidade no  tratamento dispensado  às  crianças pelos 

adultos.  Para  eles  a  infância  era  apenas  uma  forma  de  reconhecer  as  características  que 

diferenciavam a criança do adulto.   

Na visão  teológica de Santo Agostinho a criança era  imperfeita e má por natureza, pois 

ela herdava dos pais o pecado original e por isso era considerada um símbolo do mal. Apenas uma 

criança era  importante e deveria servir de modelo de infância, devido sua pureza, sinceridade e 

santidade, o menino Jesus. Tal posição reforçava teorias, como a de Montaigne e outros, que se 

contrapunham  ao  sentimento de  paparicação da  criança  por  acreditar  que  os mimos  dos  pais 

estragariam  as  crianças  tornando‐as  mal‐educadas.  Esta  posição  agostiniana  contribui  para  a 

desvalorização dessa importante fase do desenvolvimento do ser humano.  

Percebe‐se então que na Idade Média tanto a mulher quanto a criança foram eliminadas 

da  participação  na  vida  social  e  consideradas  seres  inferiores  ao  homem,  portanto, devia‐lhes 

obediência.  Na  religião,  ambas  eram  consideradas  más,  símbolo  do  pecado  e  da  corrupção 

humana. Em se tratando de educação, conforme Aranha (1996) as mulheres não tinham direito à 

educação  formal,  a mulher nobre  estudava  em  seu  próprio  castelo música,  religião  e  afazeres 

femininos; quanto à mulher pobre permanecia analfabeta trabalhando junto ao marido.  

Page 6: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3204 

Essa  realidade  só  começou  a  mudar  a  partir  dos  séculos  XV,  XVI  e  XVII  com  o 

Renascimento,  o  advento  e  fortalecimento  da  Idade  Moderna,  períodos  marcados  por  uma 

verdadeira  revolução  do pensamento  humano  em  contraposição  aos  valores medievais. Nesta 

época,  houve  diversas modificações  na  sociedade  europeia.  Culturalmente  houve  o  retorno  à 

antiguidade clássica greco‐romana; no campo político, a consolidação do absolutismo; na religião, 

o Teocentrismo foi substituído pelo Antropocentrismo, na economia surge o capitalismo e junto a 

ele a ascensão de uma nova classe social, a burguesia.  

De acordo com Kramer (2011) no século XVI com as descobertas científicas advindas do 

Renascimento  houve  uma  grande  redução  no  índice  de  mortalidade  infantil  nas  classes 

dominantes.  Este  aumento  da  perspectiva  de  vida  foi  um  dos  fatores  que  contribuiu  para  o 

surgimento do  sentimento de  infância. Paralelo  a ele ocorreram outras  transformações  sociais, 

culturais, políticas e econômicas sucedidas com o declínio da sociedade medieval e o advento das 

ideias  iluministas. Essas mudanças, segundo Arce  (2002) colaboraram para estabelecer um novo 

paradigma  de  família,  religião  e  educação,  no  qual  o  divórcio  tornou‐se  permitido,  a  moral 

religiosa foi limitada e a educação ganhou papel relevante ao se tornar responsável pela formação 

do novo cidadão.   

Neste contexto, emerge o que Áries  (1981) denomina de sentimento de “paparicação”, 

no qual a criança passa a ser vista como engraçada, ingênua atraindo assim a atenção, o carinho e 

o  cuidado  especial  dos  adultos.  Já  para  Kramer,  “Não  é  a  família  que  é  nova,  mas,  sim,  o 

sentimento de  família  que  surge  no  século  XVI  e  XVII,  inseparável do  sentimento  de  infância” 

(KRAMER, 2011, p. 18).  Em  contraposição a este  sentimento  surge uma  ideia da  criança  como 

imperfeita, necessitando ser educada e moralizada pelo adulto.   A partir daí, conforme a autora 

emana o  sentimento de  infância  alicerçado na proteção da  inocência da  criança, bem  como no 

fortalecimento  de  sua  razão.  Ele  nasce  da  fusão  entre  os  sentimentos  de  paparicação  e 

moralização da criança.  

Neste  sentido,  o  conceito  de  infância  é  abstrato  e  universal  para  todas  as  crianças, 

independentemente de sua condição sociocultural. Esse conceito de infância é fundamentado em 

uma concepção de natureza infantil, esta, porém, não considera a condição social em que vive a 

Page 7: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3205 

criança. Logo, é altamente excludente, pois só corresponde à realidade da criança burguesa, que 

passa a ser cuidada, educada e preparada para o futuro papel que desempenhará na sociedade.  

No  século  XVIII  o  filósofo  iluminista  Rousseau  contribui  significativamente  para  o 

surgimento de novas concepções de infância ao consagrar a criança como um ser naturalmente 

bom e reconhecer a infância como uma fase de grande importância na vida do ser humano, pois é 

nela que se dá o aprendizado de como ser no  futuro um  grande homem. O autor publicou em 

(1762)  seu  romance  Emílio  ou  Da  Educação,  no  qual  defendia  uma  concepção  de  infância 

naturalista,  na  qual  a  criança  tem  suas  peculiaridades  e  o  adulto  não  deve  impor  a  ela  suas 

maneiras de pensar, de ver e sentir. Para ele em sua natureza original a criança era naturalmente 

boa, a sociedade é quem a corrompia.   

Assim como Rousseau, Pestalozzi e Froebel  também consideram a criança como um ser 

naturalmente  bom,  portadora  do  que  há  de melhor  no  ser  humano.  Ambos  consideravam  a 

infância como uma  fase de grande importância para a  formação cidadã da criança. Por  isso, era 

importante  respeitar  sua  liberdade, preservar  sua  inocência e  garantir  às  crianças o direito de 

brincar e ser verdadeiramente crianças. Outro ponto abordado pelos  três autores em  relação à 

educação da primeira  infância é o  irrefutável papel exercido pela mulher/mãe  considerada por 

eles  como  educadora  nata  por  excelência.  Arce  (2002)  salienta  que  os  atributos  angelicais 

direcionados  à mulher  e  à  criança  naturalizando  a  relação  entre  ambas  tinham  por  objetivo 

naturalizar e mascarar as desigualdades sociais presentes na sociedade burguesa.  

A difusão da ideia de natureza infantil e imagem abstrata da criança presente no conceito 

de  infância  que  universaliza  as  crianças  são  totalmente  prejudiciais  para  elas,  sobretudo,  no 

campo pedagógico, onde as pedagogias tradicional e nova negam o significado social da infância. 

Percebe‐se aí, que esse conceito de infância “supostamente universalizador de crianças” contribui 

para ocultar as desigualdades socioeconômicas e culturais existentes na sociedade capitalista ao 

desconsiderar a condição social das crianças oriundas das classes populares.  

Essa dissimulação ocorre quer na pedagogia “tradicional”, quer na “nova”, onde o fato  social  é  restringido  a  uma  problemática  de  natureza  humana  e  de  sua corrupção. As desigualdades sociais reais existentes entre crianças são deixadas à margem pelo pensamento pedagógico.  Enfim, a um conceito de criança abstrato, e  de  “cunho  humanista”,  contrapõe‐se  um  conceito  de  criança  único, pretensamente científico,  ficando estabelecida uma falsa dicotomia. Falsa porque 

Page 8: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3206 

em ambas as perspectivas a criança é encarada como se fosse a‐histórica e como se seu papel social e seu desenvolvimento independessem das condições de vida, da classe social e do meio cultural de sua família (KRAMER, 2011, p. 23).   

O  conceito  de  infância  nasceu  ideologicamente  impregnado  dos  valores  da  classe 

burguesa,  no  qual  a  criança  se  relaciona  com  o  adulto  e  com  a  sociedade  na  condição  de 

dependente. Esta relação de dependência é justificada como sendo natural, ou seja, faz parte da 

natureza  infantil. Porém, essa  ideia de naturalidade  tem  como  função o disfarce  ideológico da 

relação  autoritária  existente  entre  adulto  –  criança  e  criança  –  sociedade.  Em  ambos  os 

relacionamentos a autoridade exercida ora pelo adulto, ora pela sociedade para com a criança é 

de cunho social, e não natural.  

Sendo assim, pode‐se  afirmar que este  conceito burguês de  infância oprime a  criança, 

sobretudo, aquela proveniente da classe dominada, visto que dela é retirada dissimuladamente o 

direito  a  uma  educação  de  qualidade  que  considere  sua  condição  socioeconômica  e  cultural, 

assegurando‐lhes a possibilidade de  ter uma educação que lhes permita  transformar a  realidade 

em que vive.  

Numa  sociedade  ocidental  predominantemente  masculina,  fundamentada 

ideologicamente na  religião e no patriarcalismo  judaico‐cristão,  tanto a mulher quanto a criança 

tiveram  sua  trajetória  marcada  pela  marginalização  social.  Foram  confinadas  ao  ambiente 

doméstico, consideradas  frágeis, débeis, submissas e  intelectualmente incapazes. Contudo, esse 

cenário vem sendo modificado paulatinamente ao longo do tempo e as mulheres e crianças tem 

conquistado muitos direitos, embora o lugar ocupado por elas na sociedade contemporânea ainda 

continua  sendo  estigmatizado  pelo  preconceito  e  a  dominação  masculina.  Portanto,  faz‐se 

necessário dá  continuidade  à  luta para que os direitos  já  conquistados por elas  sejam de  fato 

efetivados e respeitados de forma que  novas conquistas sejam alcançadas.    

 

História da Educação Infantil e da Formação de seus Professores no Brasil  

 

Quando os portugueses  chegaram  ao Brasil,  século XV, e deram  início  ao processo de 

colonização,  eles  trouxeram  as  concepções  de mulher  e  infância  vigentes  naquela  época  em 

Page 9: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3207 

Portugal e na Europa Medieval. A visão de mulher era permeada pela doutrina cristã que impunha 

a ela o paradigma determinado pela Igreja consentindo ao homem coloca‐se como o seu “senhor”. 

Quanto  à  concepção  de  infância  era  a  de  criança  santificada  que  tinha  como  exemplo  a  ser 

seguido o menino Jesus, paralelo a esta concepção, havia outra na qual, segundo Farias (2005), a 

alma  infantil  era  considerada  um  “papel  em  branco”,  uma  “tabula  rasa”,  uma  “cera  virgem”, 

facilmente moldável, na qual qualquer coisa poderia ser escrita. Ambas fundamentavam o sistema 

dualista de educação jesuítica implantado no Brasil em 1549.  

A sociedade colonial brasileira era organizada tendo por base o modelo familiar patriarcal 

e  o  regime  econômico  escravocrata  apoiado na  agricultura.  Culturalmente,  era dominada  pela 

igreja que interferia em todos os setores da vida social e particular das pessoas. Neste contexto, 

não  havia  escolas  para  as  crianças menores  de  sete  anos.  A  única  educação  oferecida  era  a 

jesuítica  que  estava  destinada  à  criança  branca,  os  curumins  passavam  por  um  processo  de 

aculturação sob o disfarce de educação e quanto às crianças negras eram  totalmente excluídas 

desse primeiro sistema educacional.  

Assim,  as primeiras  instituições que  surgiram para  atender  à  criança possuíam  caráter 

exclusivamente caridoso visando apenas salvar a vida das crianças enjeitadas. A primeira forma de 

auxílio prestado às crianças abandonadas  foi através dos criadores ou amas‐de‐leite e era pago 

pelas câmaras municipais. Em seguida foi criada a Casa ou Roda dos Expostos, a primeira fundada 

na Bahia em 1726, cujo papel era segundo Farias (2005), acolher os bebês rejeitados oriundos de 

mães brancas, negras e mestiças. Para o exercício da tal função não era exigido nenhum tipo de 

formação intelectual dessas mulheres.  

Posteriormente, os pioneiros a se preocupar com a  infância brasileira  foram os médicos 

higienistas sensibilizados pelo altíssimo  índice de mortalidade  infantil. A partir de então, eles se 

organizaram e  iniciaram um árduo  trabalho em prol da saúde da  infância, de modo especial da 

infância pobre e sua família. Esse trabalho foi desenvolvido através de campanhas de aleitamento 

materno e hábitos higiênicos;  atendimento  às  grávidas e  conscientização das mães  acerca dos 

cuidados que deveriam ter com os recém‐nascidos; campanhas de vacinação; criação de hospitais 

infantis e  creches  vinculadas a estes que  funcionariam  como  laboratórios médicos. Kuhlman  Jr. 

Page 10: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3208 

(2010)  salienta que os médicos higienistas  contavam  com o  apoio de  suas esposas e da  classe 

burguesa feminina que atuava como educadoras junto às mães da classe popular. 

Embora creches e jardins‐de‐infância tenham surgido na Europa desde os séculos XVIII e 

XIX. De  acordo  com Kramer  (2011) e Kuhlman  Jr.  (2010), no Brasil  as primeiras  instituições de 

educação  infantil só  foram criadas a partir do século XX. Elas nasceram elitizadas, de um  lado o 

Jardim de  Infância  inspirado nas  ideias educacionais de  Froebel atendia às  crianças brancas, do 

sexo masculino e da classe alta onde lhes era ensinado, matemática, leitura, música, ginástica.  

 Do  outro  lado,  as  creches  assistiam  socialmente  às  crianças  oriundas  das  camadas 

populares,  para  que  suas mães  pudessem  trabalhar  como  domésticas.  Em  1908,  foi  criada  a 

primeira creche para os  filhos de operários no Rio de  Janeiro, em 1919 Moncorvo Filho criou o 

Departamento da Criança no Brasil,  instituição que prestava  atendimento à  criança e  à mulher 

grávida, dentre outras  funções que  lhes eram  atribuídas. No entanto,  apesar de  sua  relevância 

social,  esse  órgão  não  recebeu  apoio  do  Estado,  sendo  sustentado  por  seu  fundador.  Assim, 

evidencia‐se o quanto o poder público tem sido descomprometido com seu dever de assegurar ao 

povo, direitos  inerentes  ao  ser humano,  como, o direito  à  vida, à  saúde e  à educação, dentre 

outros que lhes eram negados.  

Essas  instituições  prestavam  apenas  atendimento  nas  áreas  de  saúde, alimentação  e  segurança  física  visando  suprir  a  carência  econômica  da  família, reduzir o alto índice de mortalidade infantil e oferecer proteção à infância pobre e moralmente  abandonada.  [...]  eram  mantidos  por  entidades  religiosas, associações das  senhoras de  caridade e pelo movimento médico‐higienista que viam neles um meio eficaz de além de evitar a mortalidade infantil e permitir que suas mães trabalhassem, ainda tinha outro importante papel social que era evitar que essas crianças se tornassem futuros delinquentes (SANTANA, 2011, p. 04).  

 Nesta perspectiva, não havia necessidade de preocupar‐se com a  formação profissional 

das mulheres que  trabalhavam nessas  instituições, pois  sua  tarefa era  a de  cuidar das  crianças 

guardando‐as em segurança enquanto suas  famílias  trabalhavam. Durante séculos a  imagem da 

professora de educação  infantil esteve  associada  à mãe,  a  tia  à  “professorinha de  crianças”,  à 

“jardineira que cuida com carinho das plantinhas”. Enfim havia uma visão romântica/maternal em 

relação às crianças e professoras das instituições de educação infantil. Tanto o jardim‐de‐infância, 

quanto as creches e pré‐escolas eram consideradas um prolongamento da família.  

Page 11: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3209 

Neste  contexto,  as  crianças menores  de  sete  anos não  eram  consideradas  cidadãs  de 

direito, nem elas, nem suas famílias que viam as creches e pré‐escolas ora como um benefício do 

governo, ora como um ato caridoso das pessoas de bem, ao invés de um direito do cidadão. No 

que tange à formação profissional das professoras de educação infantil, esta tem sido no decorrer 

da História da  Educação Brasileira  tratada  com descaso pelo poder público.  Fato este que  tem 

prejudicado o desempenho dessas professoras  junto às crianças pequenas devido à ausência de 

conhecimentos  sobre o  seu desenvolvimento biológico,  cognitivo,  afetivo, psicológico e  sobre  a 

construção da criança enquanto sujeito histórico e sociocultural.   

Esta  realidade  só  começou a  ser modificada a partir das décadas 70 e 80  com  as  lutas 

empreendidas pela sociedade civil organizada em prol da  redemocratização política do Brasil, e 

pela reconquista de direitos essenciais ao ser humano que estavam sendo violados pela ditadura 

militar implantada no país pelo golpe de 1964. Neste período a História do Brasil foi marcada por 

grandes  transformações políticas, sociais e econômicas. No campo econômico: o país abriu suas 

portas  ao  capital  estrangeiro  e  acelerou  o  processo  de  industrialização  contribuindo  para  a 

entrada  em massa  da mulher  no mercado  de  trabalho. Nas  esferas,  social  e  política,  o  Brasil 

assistiu a uma efervescência de movimentos de diferentes setores da sociedade, dentre eles, “o 

Movimento  de  Luta  por  Creches,  reivindicando  a  participação  do  Estado  na  criação  e  na 

manutenção dessa instituição” (CARVALHO, 2003, p. 63).   

Tais movimentos  sociais  culminaram  com  a  promulgação  da  Constituição  Federal  de 

1988, na qual as crianças de zero a seis anos conquistaram sua cidadania e o direito à educação. 

Entretanto, seus direitos só se efetivaram em 1996, com a promulgação da LDB Nº 9.394/96 ‐ Lei 

de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação Nacional  que  em  seu  (capítulo  II,  artigo  29)  reconheceu  a 

Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica. A partir daí, a Educação Infantil tem 

ocupado  lugar  de  destaque  no  cenário  educacional  brasileiro,  no  qual  leis,  referenciais, 

documentos e pareceres, diretrizes curriculares e políticas em defesa dos direitos da criança de 

zero a cinco anos à educação, foram e estão sendo criadas.   

Dentre essas leis destaca‐se a Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006 que estabelece o 

Ensino Fundamental de Nove Anos. Sua implementação altera a LDB ao ampliar a oferta de Ensino 

Fundamental  para  as  crianças  de  seis  anos.  Todavia,  as  crianças  de  zero  a  cinco  anos 

Page 12: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3210 

permaneceram excluídas da obrigatoriedade do ensino público e gratuito. De acordo com a LDB 

em seu Art. 32, que garante a obrigatoriedade apenas para o Ensino Fundamental e Médio.  Dessa 

forma,  fica  evidente que  a  Educação  Infantil  ainda  não  foi de  fato  efetivada  como  direito  das 

crianças pequenas no Brasil.  

Em  se  tratando  da  formação  de  professores  para  atuar  na  Educação  Infantil  a  LDB 

9394/96, foi a primeira na História da Educação Brasileira que determinou uma formação mínima 

para o exercício do magistério na Educação Infantil. Conforme o Art. 62 da Lei 9.394/96, alterado pelo 

Decreto nº 3.554, de 2000.  

A  formação  em  nível  superior  de  professores  para  a  atuação multidisciplinar, destinada  ao  magistério  na  educação  infantil  e  nos  anos  iniciais  do  ensino fundamental, far‐se‐á, preferencialmente, em cursos normais superiores (BRASIL, 1996).  

Ao  se  utilizar  do  termo  “preferencialmente” no  Decreto  supracitado,  a  LDB  abre uma 

lacuna para professores que não possuem  formação em nível  superior  continuem atuando nas 

classes de Educação Infantil. Tal permissão configura‐se num descaso com a educação das crianças 

pequenas,  pois  revela  a  inexistência  de  um  compromisso  com  a  qualidade  da  formação 

profissional  desses  docentes.  Logo,  a  LDB  está  contrapondo‐se  a  documentos  emitidos  pelo 

próprio MEC,  como, por exemplo,  ao Referencial Curricular Nacional da  Educação  Infantil, que 

afirma ser necessário a esse profissional ter um conhecimento amplo de outras áreas que estudam 

a criança e podem subsidiá‐lo pedagogicamente.   

O  trabalho  direto  com  crianças  pequenas  exige  que  o  professor  tenha  uma competência polivalente. Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com  conteúdo  de  naturezas  diversas  que  abrangem  desde  cuidados  básicos essenciais  até  conhecimentos  específicos  provenientes  das  diversas  áreas  do conhecimento.  Este  caráter  polivalente  demanda,  por  sua  vez,  uma  formação bastante  ampla  do  profissional  que  deve  torna‐se  também,  um  aprendiz, refletindo constantemente sua prática [...] (BRASIL, 1998a, p. 41).  

Tendo em  vista  as orientações  feitas pelo Referencial Curricular Nacional da  Educação 

Infantil em relação à competência polivalente que o professor de Educação Infantil precisa ter e a 

brecha  deixada  pela  LDB  9394/96  na  formação  desse  profissional,  cabem  aqui  os  seguintes 

questionamentos: Como os professores de educação infantil vão construir os conhecimentos que 

lhes  fornecerão  a  competência  necessária  para  exercer  a  sua profissão  se  essencialmente  não 

Page 13: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3211 

tiverem acesso a uma  formação ampla? Será que a  formação que vem sendo oferecida a esses 

profissionais é suficiente para garantir‐lhes o conhecimento das diversas ciências que estudam e 

compreendem as especificidades que envolvem a criança de zero a cinco anos?     

Diante do exposto, pode‐se comprovar a ausência de uma politica de educação nacional 

séria e comprometida com a formação dos (as) professores (as) que atuam na educação infantil. É 

historicamente visível no Brasil essa contradição entre as leis sancionadas e a realidade em todas 

as esferas da política nacional, como aponta Campos (2008):  

O divórcio entre a legislação e a realidade, no Brasil, não é de hoje. Nossa tradição cultural  e  política  sempre  foi marcada  por  essa  distância  e,  até mesmo,  pela oposição entre aquilo que gostamos de colocar no papel e o que de fato fazemos na  realidade.  Em  todos os  aspectos da  vida  nacional  é  possível  observar  esses contrastes: na  legislação sobre a criança e o adolescente, quando as rebeliões e cenas de extrema  violência na  vigência de uma  lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente‐ECA, [...] na legislação de proteção ao meio ambiente, em que vemos reservas  ambientais  delineadas  no  mapa  e  a  realidade  do  desmatamento, especulação  imobiliária e predação dos nossos mais  lindos patrimônios naturais; nas definições dos direitos na Constituição  [...]; na  legislação educacional, desde 1971,  quando  foram  definidos  oito  anos  de  escolaridade  obrigatória, descumpridos até bem pouco tempo [...] (CAMPOS, 2008, p. 27).     

É notável a discrepância entre teoria e prática na aplicação das leis no Brasil, bem como o 

histórico descaso para com a educação das crianças pequenas e a qualidade da formação de seus 

professores. Embora a Educação Infantil e consequentemente a formação dos (as) professores (as) 

que nela atuam tenham ocupado lugar de destaque no panorama nacional de educação, a mesma 

ainda não  se  configurou de  fato  como direito  das  crianças  de  zero  a  cinco  anos.  Visto  que  a 

formação em nível  superior e  a  valorização profissional e  salarial de  seus professores não  são 

tratadas com a prioridade devida pelo poder público.  

Considerando  as batalhas  até  aqui empreendidas pela  sociedade e de modo particular 

pelos movimentos organizados por mães, professores (as), pesquisadores (as) da Educação Infantil 

e demais profissionais dessa área em prol dos direitos das crianças de zero a cinco anos a uma 

educação  pública  de  qualidade,  que  considere  a  criança  em  suas  dimensões,  biológicas, 

psicológicas,  intelectuais,  afetivas  e  sócio‐histórico‐culturais,  não  se  pode  admitir  que  as 

conquistas  alcançadas  se  detenham  nas  lacunas  da  LDB  9394/96  ao  priorizar  o  Ensino 

Fundamental em detrimento da Educação Infantil. Para tanto, faz‐se necessário que comunidade, 

Page 14: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3212 

pais e professores reivindiquem junto ao poder público tanto o cumprimento da Constituição de 

1988  que  assegura  à  criança  pequena  o  direito  à  educação, quanto o  direito  dos  professores 

(assegurados pela própria LDB) de ter formação profissional de qualidade (inicial e continuada) e 

serem bem remunerados e valorizados profissionalmente.  

   

O papel da mulher na história da Educação Infantil Brasileira 

 

Desde  sua  gênese  na  Europa,  século  XVIII,  inspirada  nas  ideias  de  seus  precursores 

Rousseau  (1712  –  1778),  Pestalozzi  (1746  –  1827)  e  Froebel  (1728  –  1852),  o  criador  do 

Kindergarten (jardim‐de‐infância) na Alemanha, que a Educação Infantil tinha como uma de suas 

principais  características  a presença unânime da mulher na  condição de educadora nata.  Estes 

autores  viam  na mulher/mãe  todas  as  qualidades  necessárias  para  educar  as  crianças,  aliás, 

segundo eles, somente ela estava apta para atuar eficazmente na educação da primeira infância.  

No Brasil as primeiras instituições criadas para prestar atendimento às crianças menores 

de  sete  anos  estavam  vinculadas  a  obras  de  caridade,  sendo  destinadas  às  crianças  rejeitadas 

visando apenas salvá‐las. Posteriormente, sob uma direção assistencialista e filantrópica surgiram 

as primeiras creches destinadas a atender as crianças provenientes das camadas populares, cujas 

mães trabalhavam como domésticas necessitando de um ambiente seguro para deixar seus filhos. 

Em  ambos os  espaços  as  crianças  ficavam  sob  a  vigilância  exclusiva  das mulheres  que  apenas 

cuidavam  delas  provendo  suas  necessidades  vitais.  Não  havia  cunho  educativo  no  trabalho 

desenvolvido por elas.   

Nesta perspectiva, durante séculos a concepção de professora de educação  infantil que 

vigorou no Brasil  foi  fundamentada na  ideia de mulher como “mãe‐educadora” Carvalho  (2003). 

Assim, não era necessária  formação profissional para essas mulheres, elas apenas cuidavam das 

crianças “substituindo o papel da família”. Para isso, o fato de serem mulheres era suficiente, pois 

as mesmas, na visão de Pestalozzi, já possuíam todos os atributos indispensáveis para o êxito na 

realização do trabalho pedagógico. Na visão de Froebel a mãe possui uma sabedoria natural para 

cuidar  e  educar  a  criança,  por  isso,  no  decorrer  de  sua  obra  o  autor  convoca  as mulheres  a 

assumirem a educação da primeira infância, Arce (2002).  

Page 15: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3213 

Esses  dois  educadores  viveram  em  uma  sociedade  dominada  pela  ideologia  burguesa 

capitalista que  reduzia  a mulher e  a  criança  á  vida doméstica, privada e  religiosa excluindo‐as 

completamente da vida pública. Neste ambiente impregnado por um ideal de sociedade alienador 

do ser humano, no qual as pessoas eram convencidas de que elas eram culpadas pelo fracasso ou 

pelo sucesso em suas vidas profissionais ou pessoais, a educação cumpria o papel de naturalizar 

esse processo alienante. Foi nesse contexto, imbuídos por esse pensamento capitalista permeado 

pelo protestantismo que Froebel e Pestalozzi formularam suas ideias educacionais.  

Sob a  influência desse  ideal de sociedade marcada pela  ideologia burguesa‐protestante, 

ambos os educadores, escreveram  romances nos quais exortaram as mulheres a agradecerem a 

Deus pela missão dele recebida de serem mães e a se ostentarem enquanto educadoras naturais 

das  crianças pequenas  sendo divulgadoras da moral  cristã,  conforme Arce  (2002). No  romance 

Leonardo e Gertrudes, Pestalozzi exalta o papel da mãe na educação dos  filhos ao denominá‐la 

como a rainha do lar e a única capaz para educar as crianças.   

[...]  Como  se  viu,  a  figura  de  Gertrudes  representa  muito  bem  o  ideal  de mulher/mãe preconizado pela  burguesia,  adaptado à  situação  das  classes mais pobres. Gertrudes possui muitas funções, mas as principais residem na de esposa de moral inabalável e de mãe educadora perspicaz e nata para a primeira infância, sendo  o  amor  angelical/maternal  e  a  temperança  os  alicerces  de  sua personalidade.  [...]  A  criança  também aparece  como um  ser  importante,  e  sua educação,  o  centro  da  vida  do  casal,  principalmente  da  mulher  que,  aqui, efetivamente  se  ocupa  da  educação  da  primeira  infância.  A  criança  também representa o antídoto à  corrupção do  ser humano, quando educada dentro de princípios morais e religiosos (ARCE, 2002, p. 115).  

Embora  a  profissão  docente  tenha  surgido  nas  congregações  religiosas  europeias  do 

século XVI baseada nos valores cristãos, sob o controle de padres e religiosos, sendo assim, uma 

profissão predominantemente masculina, conforme Nóvoa  (1995), e chegado ao Brasil em 1549 

com os padres  jesuítas que criaram aqui as primeiras escolas, paulatinamente a partir do século 

XIX, a docência brasileira foi se transformando numa profissão tipicamente feminina, em especial 

na primeira  infância. Tanuri  (2000) aponta dois  fatores que contribuíram significativamente para 

esse processo de feminização do magistério, primeiro por ser a única profissão que a mulher podia 

conciliar  com os  afazeres domésticos e  segundo devido  à baixa  remuneração da profissão que 

estava afastando os homens do magistério. A autora salienta que:  

Page 16: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3214 

Já  se  delineava  nos  últimos  anos  do  regime monárquico  a  participação  que  a mulher iria ter no ensino brasileiro. A ideia de que a educação da infância deveria ser‐lhe atribuída, uma  vez que era o prolongamento de  seu papel de mãe e da atividade  educadora  que  já  exercia  em  casa,  começava  a  ser  defendida  por pensadores e políticos (TANURI, 2000, p. 66).   

Desde  o  surgimento  das  primeiras  instituições  para  atender  à  infância  brasileira 

(orfanatos, asilos, casa dos expostos, creches, jardins de infância) até a origem da pré‐escola como 

redentora do ensino fundamental, por meio de uma educação compensatória, que a imagem da 

professora  da  primeira  infância  encontra‐se  associada  à  imagem maternal. Um  exemplo  claro 

disso, encontra‐se nas  análises de  revistas de orientação pedagógica para o  Jardim da  Infância 

Caetano  de  Campos. O  primeiro  jardim‐de‐infância  público  criado  no  Brasil  em  1896,  em  São 

Paulo,  nele  Kuhlman  Jr  (2010)  encontrou o  seguinte  verso  de  uma música:  “Duas mamães  eu 

tenho, sei que ambas me  tem amor sem  fim, uma  lá em casa, hoje deixei, outra me espera no 

Jardim,  [...],  (Zalina Rolina, versos para a entrada)”  (KUHIMAN  JR, 2010, p. 108). De acordo com 

este  autor,  Froebel  convocava  as  mulheres  (a  quem  ela  denominava  de  jardineiras)  para 

ministrarem a educação da primeira infância.  

Dessa forma, o magistério passou a ser considerado como uma extensão do lar, uma vez 

que  a  professora  das  primeiras  letras  deveria  possuir  as  qualidades  próprias  da mulher/mãe 

honesta, amável, paciente, carinhosa e dedicada aos filhos e aos alunos.  

[...] se a maternidade é, de fato, o seu destino primordial, o magistério passa a ser representado  também  como  uma  forma  extensiva  da maternidade.  Em  outras palavras cada aluno ou aluna deveria ser visto como um filho ou filha espiritual. A docência  assim  não  subverteria  a  função  feminina  fundamental,  ao  contrário, poderia ampliá‐la ou sublimá‐la. O magistério precisava ser compreendido, então, como uma atividade de amor, de entrega e doação, para a qual acorreria quem tivesse vocação (LOURO, 2003, p. 78).   

Nota‐se  aí,  a existência de uma agregação entre a maternidade e o magistério que  se 

tornam prolongamento uma da outra. Embora a primeira seja uma função biológica e natural do 

ser  humano  e  a  segunda  seja  uma  construção  sociocultural,  ambas  foram  naturalizadas  e 

transformadas  em  funções  essencialmente  femininas.  Sendo  assim,  a  docência  na  educação 

infantil  tem  se  tornado  cada  vez mais  uma  profissão  feminina,  e por  isso,  desprestigiada  pela 

sociedade,  que  ainda  hoje  encara  as  instituições  de  educação  das  crianças  pequenas  como 

Page 17: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3215 

ambiente de cuidado e brincadeira, nos quais as crianças vão para serem assistidas socialmente e 

brincar  (creches)  ou  para  serem  preparadas  por meio  de  um  processo  de  escolarização  para 

adentrarem no ensino fundamental (pré‐escola).   

Em  sua  dissertação  de mestrado  intitulada,  Jardineira,  tia  e  professorinha,  Alessandra 

Arce analisou a construção da imagem da mulher como profissional de educação infantil no Brasil 

e constatou que: 

[...]  tem  sido  reforçada a  imagem  ideal da profissional para a educação  infantil como da mulher “naturalmente” educadora nata, passiva, paciente, amorosa, que sabe agir  com bom  senso,  é  guiada pelo  coração  em detrimento  da  formação profissional.  A  não  valorização  salarial,  a  inferioridade  perante  os  demais docentes, a vinculação do seu trabalho como doméstico, o privado, e a deficiência na  formação aparecem  como  resultado desta  imagem, que  traz na  sua base as determinações  de  gênero  e  a  divulgação  de  uma  figura  mitificada  deste profissional, que não consegue se desvincular dos mitos que interligam a mãe e a criança (ARCE, 2002, p. 02).  

 Dessa  forma,  o  papel da mulher na  educação  infantil  brasileira,  em  especial na  faixa 

etária de zero a três anos, na qual a criança é mais dependente dos cuidados do adulto, tem sido 

reduzida  à  função  maternal  de  cuidar  das  crianças  pequenas  provendo  suas  necessidades 

biológicas, materiais e afetivas, desconsiderando assim, suas dimensões cognitivas, psicológicas, 

sociais e histórico‐culturais. Percebe‐se então, que devido à semelhança existente entre o trabalho 

exercido  pelas  profissionais  de  educação  infantil,  de modo  particular  na  creche  e  as  funções 

maternas desenvolvidas pela mãe é que decorre a desvalorização social, profissional e salarial das 

professoras que trabalham nessas instituições.   

Esta  realidade  só  começou  a  ser modificada  com  a promulgação da  LDB 9394/96 que 

promoveu  uma  grande  mudança  na  Educação  Infantil  ao  integrá‐la  à  Educação  Básica 

desvinculando‐a  da  Secretaria  de  Assistência  Social  e  vinculando‐a  a  Secretaria  de  Educação, 

passando a exigir o magistério (em nível médio) como formação profissional mínima admitida para 

as (os) professoras (es) que atuavam nesta etapa da educação. A partir de então, iniciou‐se uma 

campanha nacional pela formação profissional dessa categoria, constituída em sua grande maioria 

por mulheres, que por não possuírem formação adequada, principalmente nas creches, recebem 

várias  denominações,  como:  professoras,  tias,  babás,  berçarista,  auxiliares,  monitoras, 

recreacionistas e outras. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil 

Page 18: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3216 

(1998) uma pequena parcela dessas profissionais que trabalham nas pré‐escolas é leiga, enquanto 

nas creches a situação é inversa.  

 Outra importante mudança implementada na Educação Infantil através da promulgação 

da Lei Nº 9.394/96 foi o Art. 29 que integrou a Educação Infantil à Educação Básica ao determinar 

que:  

A educação  infantil, primeira etapa da educação básica,  tem  como  finalidade o desenvolvimento  integral da  criança  até  seis  anos  de  idade,  em  seus aspectos físicos, psicológicos,  intelectual e social, complementando a ação da  família e da comunidade (BRASIL, 1996).   

A  partir  dessas mudanças,  a  Educação  Infantil  adquiriu  cunho  educativo  e  passou  a 

reconhecer  a  criança  como  um  ser  que  possui  dimensões  biológicas,  psicológicas,  cognitivas, 

intelectuais,  afetivas,  sociais e  culturais.  Em  seguida, ela passou  a  ter por  finalidade  integrar  as 

funções de cuidar e educar da criança de modo  indissociável. Para  isso,  faz‐se necessário que as 

professoras e demais profissionais que atuam nas  creches e pré‐escolas  sejam bem preparados 

por meio de uma formação profissional de qualidade que os levem a reconhecer a criança de zero 

a  cinco  anos  como  cidadã  de  direito,  considerando‐a  como  sujeito  histórico‐sociocultural  e 

respeitando seu direito e liberdade de brincar.  

Todavia,  é  preciso  que  cuidar  e  educar  caminhe  simultaneamente  e  de  modo 

indissociável,  promovendo  o  atendimento  integral  à  criança.  Ao  considerar  a pouca  idade  das 

crianças  e  a  constante  dependência  delas  em  relação  ao  adulto  para  sobreviverem  torna‐se 

indispensável a associação entre cuidar e educar no  interior das instituições de educação infantil, 

especialmente nas creches.  

Educar  significa,  portanto,  propiciar  situações  de  cuidado,  brincadeiras  e aprendizagens  orientadas  de  forma  integrada  e  que  possam  contribuir  para  o desenvolvimento das capacidades  infantis de relação  interpessoal, de ser e estar com  os  outros  em  uma  atitude  básica de  aceitação,  respeito  e  confiança,  e  o acesso  pelas  crianças,  aos  conhecimentos mais  amplos  da  realidade  social  e cultural (BRASIL, 1998a, p.23).  

Sendo  assim, quando  a professora organiza um ambiente acolhedor para  realização de 

atividades de higiene com o corpo, como, por exemplo, tomar banho, escovar os dentes, lavar as 

mãos  antes  das  refeições,  ela  está  cuidando  e  educando  simultaneamente. Mas,  para  isso,  é 

Page 19: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3217 

preciso que os  cursos de  formação docente para atuar na Educação  Infantil  contemplem essas 

questões em seus currículos e que ambas também estejam presentes nas discussões pedagógicas 

ocorridas no  interior das creches. Por  isso, assim como a LDB, o Referencial Curricular Nacional 

para  a  Educação  Infantil  também  trata  desses  assuntos  de  educação  e  cuidado  de  maneira 

integrada.  

Dessa forma, vai se desconstruindo paralelamente na educação infantil essa ideia secular 

de dicotomia entre cuidar e educar e de integração entre o papel da professora e a função da mãe. 

A partir daí, a função da mulher como professora da Educação Infantil ganhará outra configuração, 

na qual ela conquistará o seu espaço como profissional de educação. Logo, essa profissional passa 

a tomar consciência de seus direitos e a assumir uma nova postura diante das questões políticas, 

históricas, culturais, sociais e salariais que envolvem sua vida profissional. Neste sentido, é preciso 

que  a  categoria  vá  à  luta  por  melhores  condições  de  trabalho,  pelo  direito  à  formação  e 

qualificação  profissional,  pela  sua  valorização  social  e  salarial,  e  para  que  seus  direitos 

conquistados na LDB 9394/96 e nos demais documentos que regem a Educação Infantil no Brasil 

sejam de fato efetivados.  

 

Considerações Finais  

 

No  decorrer  da  realização  desse  estudo  foi  possível  perceber  o  quanto  a mulher  e  a 

criança  ficaram  relegadas  ao último plano em uma  sociedade predominantemente masculina e 

marcada por uma  religião alienadora. Outro  aspecto  importante  revelado  foi o modo  como  as 

concepções  de  mulher  e  criança  sofreram  a  influência  das  mudanças  políticas,  econômicas, 

religiosas, sociais e culturais pelas quais passou a Europa.   

Essas  transformações ocorridas no  continente europeu duraram  séculos.  Elas  surgiram 

com o nascimento da burguesia e da ascensão do Capitalismo/Protestantismo cooperando para o 

surgimento do sentimento de infância.  A partir daí, uma nova concepção de criança foi elaborada 

por  aqueles  que  entraram  para  a  História  como  os  precursores  da  Educação  Infantil.  Eles 

consideravam a criança como um ser bom e  inocente por natureza,  logo precisava  ter direito à 

liberdade de brincar, se expressar e ser respeitada pelos adultos. 

Page 20: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3218 

Considerando  que o  Brasil  foi  colonizado  por  europeus  torna‐se  evidente  o  quanto  a 

formação da  sociedade brasileira  foi permeada em  todas  as esferas pelo pensamento,  valores, 

religião e cultura portuguesa. Nesse contexto, a Educação Brasileira em todos os seus níveis tem 

sido ao longo de sua trajetória influenciada pelos conceitos advindos de Portugal. Em especial, a 

educação infantil, que desde sua fundação no Brasil através das primeiras instituições de caráter 

caridoso, filantrópico e assistencialista, tem sido marcada pela presença da mulher desprovida de 

formação  intelectual e profissional,  responsável apenas pelo cuidado com as crianças pequenas 

em substituição à mãe. 

Neste  sentido,  a  situação  supracitada  torna‐se  compreensível partindo do pressuposto 

teórico  de  que  as  mulheres  eram  consideradas  educadoras  natas,  por  isso  não  havia  uma 

preocupação em qualificar profissionalmente as mulheres que cuidavam das crianças pequenas. 

Este problema perdurou no Brasil desde o período Colonial estendendo‐se até 1988, quando  foi 

promulgada a primeira Constituição  Federal do Brasil que  reconheceu  a  cidadania das  crianças 

menores  de  sete  anos.  Entretanto,  tais  direitos  só  se  efetivaram  legalmente  em  1996  com 

promulgação  da  LDB  9394/96  que  agregou  a  Educação  Infantil  à  Educação  Básica  e  exigiu 

formação de no mínimo magistério para as professoras que atuavam nessa etapa educacional.  

Todavia,  a  promulgação  dessas  duas  Leis  e  a  criação de  tantos  outros  documentos  e 

políticas  nacionais  voltadas  para  atender  à  criança  de  zero  a  cinco  anos  ainda  não  foram 

suficientes para resolver antigos problemas de ordem política e social que envolvem a mulher, a 

criança e a educação infantil.  

É lamentável que ainda persista no Brasil os ranços da histórica desvalorização da mulher 

enquanto professora de educação  infantil.  É  inaceitável que  ainda existam professoras  atuando 

neste nível sem a devida formação profissional, sem condições digna de trabalho, tendo seu papel 

de educadora reduzido ao cuidado e confundido com as funções maternais, sendo desvalorizadas 

social  e  profissionalmente  por  trabalhar  em  creches  e  pré‐escolas.  Faz‐se  necessário  que  a 

categoria  se  organize  em  unidade  com  as  famílias  das  crianças  e  reivindique  junto  ao  poder 

público o cumprimento das leis, políticas e documentos que regem a Educação Infantil Brasileira 

assegurando‐lhes tanto o direito das crianças a uma educação infantil pública de qualidade quanto 

Page 21: IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS … · ideias influenciaram o papel da mulher na Educação Infantil Brasileira dificultando o seu reconhecimento social, sua valorização

 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

3219 

o direito das professoras á formação de qualidade (inicial e continuada), à valorização profissional 

e salarial. 

 

Referências  

ARCE,  Alessandra.  A  Pedagogia  na  “era  das  revoluções”:  uma  análise  do  pensamento  de  Pestalozzi  e  Froebel. Campinas: Autores Associados, 2002.  ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Traduzido por Dora. Flaksman. Rio de Janeiro: LTC, 1981.   ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996.   BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.   _________. Ministério  da  Educação  e  do  Desporto.  Secretaria  de  Educação  Fundamental.  Referencial  curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.   CAMPOS, Maria Malta. A legislação, as políticas nacionais de educação infantil e a realidade: desencontros e desafios. In: MACHADO, Maria Lúcia de A.  (Org.). Encontros e desencontros em educação  infantil. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2008.  CARVALHO, Eronilda Maria Góis de. Educação infantil: percursos, percalços, dilemas e perspectivas. Ilhéus, BA: Editus, 2003.   FARIAS, Mabel. Infância e educação no Brasil nascente. In: VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos de (Org.). Educação da infância: história e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.    GÊNESE, Livro do Velho Testamento. A culpa original. Bíblia Sagrada. São Paulo: Ave‐Maria. 1996.   LOURO, G. L. Gênero e magistério:  identidade, história,  representação.  In: CATANI, D. B. et. alii.  (Orgs.). Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras, 2003.   KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 2010.   KRAMER, Sônia. A Política do Pré‐Escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 2011.  NÓVOA. A. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A (Org.).  Profissão Professor. 2. Ed. Porto, 1995.   SANTANA.  Djanira  Ribeiro.  Formação  de  Professores  para  atuar  na  Educação  Infantil:  um  olhar  sobre  a  Creche Suzigrey  Santos Morais.  2011. Disponível  em: www.educonufs.com.br/vcoloquio/Microsoft/formato.  Acessado  em: 05/04/2012.   TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, n. 14, maio‐agosto 2000, p. 61‐88.