iv congresso sergipano de histÓria & iv ... respeitado num estado democrático de direito e de...
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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
Cinqüenta anos após o carnaval de torturas
Vanderlan Oliveira Ramos1
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de destacar a importância do documentário Operação
cajueiro: um carnaval de torturas (2014) no combate a uma perda silenciosa que é a
nossa falta de memória e de conhecimento sobre o nosso passado, que a juventude não
se dá conta, qual seja o cinqüentenário do Golpe de 1964. As narrativas contam sobre as
pressões, os choques elétricos, até as violações sexuais vivenciadas nas mãos de
soldados do “glorioso exercito brasileiro”. O curta traz personagens como Rosalvo
Alexandre Goes, Jackson Barreto e Wellington Mangueira, entre outros, para
testemunharem sobre os anos sombrios da ditadura em solo sergipano. A reflexão sobre
esse período permite entender o atraso de vinte anos imposto ao país pelo regime
autoritário, impedindo reformas estruturantes nas áreas política, educacional, agrária,
tributária, com impactos diretos na sociedade brasileira.
Palavras-chaves: Ditadura Militar; Operação Cajueiro; Sergipe.
Sergipe acaba de ser contemplado por um importante documentário que possui o
sugestivo título de Operação cajueiro: um carnaval de torturas do diretor sergipano
Fábio Rogério. O vídeo-documentário baseia-se em entrevistas com pessoas que foram
presas e torturadas durante esta operação que marcou tragicamente a história de Sergipe.
Essa importantíssima produção genuinamente sergipana narra que em março daquele
fatídico ano os militares, com o apoio dos tecnocratas burgueses, da parte conservadora
da igreja e da elite dominante do nosso território aniquilaram e suprimiram os anseios
1 Professor de História das redes municipal e estadual, licenciado em história pela UFS,
Pós-graduando no IFS.
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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
da nossa população por reformas de base. O filme foi produzido com patrocínio do
Governo de Sergipe, e com o apoio cultural do Sindicato dos Servidores do Poder
Judiciário de Sergipe (SINDIJUS).
Seja na educação, seja na estrutura fundiária, seja na carga tributária ou política.
Sim, sonhávamos com um país mais justo e democrático, ansiávamos por igualdade de
condições para o nosso povo e lutávamos por justiça social. Tudo bem medido e pesado
no crivo do campo das ideias. Fazíamos política nas ruas porque o povo merece e deve
ser respeitado num Estado democrático de Direito e de fato e não como muitos
defendem que vivíamos uma desordem social.
Ao olharmos para o nosso Brasil atual encontraremos diversas mazelas que
revoltam nossa população como uma estrutura de saúde deficitária e com graves
problemas operacionais. Temos uma educação ainda excludente, com índices
vergonhosos e clientela mal assistida e vitimada ao lado de abnegados educadores e
educadoras. Mesmo contemplados por mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados,
cidadãos e cidadãs ainda moram em palafitas e barracos sem qualquer saneamento
básico e dignidade humana, sem contar aqueles que não possuem sequer um misero
pedaço de terra para plantar e prover suas famílias.
Temos também um sistema judiciário que ainda pune negros, analfabetos e
pobres que superlotam a estrutura carcerária, enquanto que a elite dispõe de privilégios
e prerrogativas visíveis e inegáveis. Nossa carga tributária penaliza os trabalhadores e
faz vistas grossas aos que mais acumulam capitais, tornando-se também desigual e
injusta a distribuição de renda para com nosso povo. Nosso pluripartidarismo não
ultrapassou ainda o bipartidarismo outrora defendido no passado, continuamos com
currais eleitorais, voto de cabresto, favorecimentos e compras de votos que só o
judiciário brasileiro não percebe ou faz que não enxerga. Nossa grande mídia continua
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alienando nosso povo e promovendo uma cultura de massa em detrimento de uma
cultura popular riquíssima e diversificada. A alienação favorece somente aos poderosos!
Em Sergipe, menor estado da federação, porém um dos maiores produtores de
petróleo, cana de açúcar e laranja do país e com acentuada concentração de terras nas
mãos de poucos, qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência, o
Documentário Operação cajueiro: um carnaval de torturas aponta personagens como
Rosalvo Alexandre Goes, Jackson Barreto e Wellington Mangueira, entre outros para
testemunharem sobre os anos sombrios da ditadura em solo sergipano.
Torturas físicas e psicológicas vivenciadas por esses personagens políticos que
defendiam no campo das ideias um país mais justo e igualitário. As narrativas contam
sobre as pressões, os choques elétricos, até as violações sexuais vivenciadas nas mãos
de soldados do “glorioso exercito brasileiro”. Uma tropa que deveria estar a serviço da
população, servindo e não a serviço do capitalismo imoral e excludente estabelecido no
país. Nas “palavras de Wellington Mangueira, que tanto sofreu com a ditadura
brasileira, emocionado: “Aqueles que me torturaram não eram homens, mas, monstros
que usavam fardas”. O professor de História foi forçado a sair do país e deixar sua
História de vida para trás.Família, alunos, amigos e sobretudo o que mais amava, seu
povo e suas ideias por um sociedade mais fraterna e igualitária.
Ao lado desses abnegados personagens sergipanos, não podemos deixar de citar
outros brasileiros como Mariguela que foi morto dentro de um veículo popular com
diversos tiros de metralhadoras, simplesmente por constituir um dos quadros políticos
do partido comunista no Brasil e discutir no campo da ideias um lugar mais justo para
as futuras gerações, apenas um homem que acreditava nas transformações e que deixou
viúva e família por conta de uma ação desastrosa e truculenta dos militares.
Esses não foram os únicos crimes que a Ditadura cometeu. Podemos ainda
apontar o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog, encontrado morto nas celas das
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dependências do DOE-CODE enforcado quase que de joelhos, sendo que a versão seria
de suicídio. Criticar o regime, por pior que ele fosse e o era, seria ter, na morte o
galardão por lutar por justiça.Vale lembrar que estudantes e sindicalistas nunca foram
tão perseguidos, torturados e mortos em nossa trajetória histórica quanto naqueles
anos.Daí a importância dessa produção visual e histórica.
O que foi trabalhado no documentário sergipano corrobora com a obra de
Antonio Misério, fundamentando-se com Ibaré Dantas, no livro Uma História do povo
de Sergipe. Assim descreve o historiador sobre o período : “...o AI-5 significou
perseguições e prisões... a repressão abateu-se sobre estudantes através de prisões
,indiciamentos e tentativas de desligamento do ensino... No judiciário, juízes foram
punidos com cassação e tentou-se até afastar vários desembargadores. A Assembléia
Legislativa foi fechada enquanto que determinados prefeitos, deputados e vereadores
tinham seus mandatos cassados e direitos políticos suspensos... Entre os ligados ao
PCB, alguns foram para a URSS.Os que retornaram foram presos, torturados e alguns
sofreram sérios riscos de morte (RISÉRIO:2010: 566-67).
Cabe salientar que, foi na ocasião do golpe que o Governador Seixas Dórea foi
preso e despachado para o quartel da 6ª Região Militar, em Salvador e posteriormente
para a Ilha de Fernando de Noronha junto com o também governador de Pernambuco
Miguel Arraes, sendo que estes, tal qual outros políticos foram empossados nos cargos
através do sufrágio,ou seja,a democracia estaria levando um duro golpe.
Se nos reportarmos à Carta Magna de 1988, em seu Artigo 1º, temos como
fundamentos a Cidadania, Pluralismo Político, Dignidade da pessoa humana, entre
outros, grafados com letras maiúscula e utilizados com grafia minúscula pelas forças
reacionárias que após um sessão de torturas provocou a cegueira total em um dos
personagens entrevistados no documentário. Algo inimaginável para atribuirmos as
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nossas forças armadas. Exemplo de barbárie que a juventude brasileira e sergipana em
sua maioria não conhece e que a partir desse registro histórico passa a vislumbrar.
Já o Artigo 5º garante: Todos são iguais perante a lei e ninguém será submetido
a tortura nem a tratamento desumano ou degradante , todavia ,o documentário
demonstra , não obstante, que essa igualdade e tais garantias não foram observados pelo
regime.De certa forma, o Ato Institucional nº 05 ,suprimiu a todos cidadãos e cidadãs
os princípios democráticos, sobretudo aos personagens reais elencados em 30 minutos
de provocações e reflexões acerca de uma página triste de nossa história.
O documentário toma o depoimento do atual governador do Estado, Jackson
Barreto, na época Deputado Estadual, que foi preso nas dependências da AL e que,
segundo ele, pediu a intervenção do Presidente da casa também membro das forças
armadas, onde na oportunidade afirmou nada pode fazer. Ou seja, os reacionários
interferiam nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como se eles fossem a única
força capaz de criar leis, julgar e condenar quem quer que fosse contrario ao regime.
Parafraseando Montesquieu, na obra Do espírito das leis encontramos descrito ip si
litere: ...na monarquia, o príncipe é a fonte de todo poder político e civil, poder-se-ia
dizer que em nossa ditadura as forças armadas eram a fonte perene de todo e qualquer
poder político e civil.
O historiador Raymundo Faoro, na obra Os donos do poder, narrativa acerca da
formação do patrimonialismo e a estruturação da classe política brasileira, talvez possa
explicar em parte o porquê de tantas atrocidades e desmandos em nosso país,porém ,
nem de perto chegaria a exemplificar o tamanho do retrocesso econômico-social e
político que o Brasil sofreu com o regime militar.O que se quer hoje é o que se pedia a
cinqüentaanos. Reforma política, educacional, reforma agrária, tributária, enfim,
moralizar o país.
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Destarte, somos ainda um Estado arcaico. Somos clientelistas ao extremo nas
concepções políticas, persiste a visão patrimonialista de máquina burocrática em favor
daqueles que se identificam como donos do poder em detrimento da grande massa da
população. O preconceito e o racismo assombra ainda a alma do nosso povo, entretanto,
com uma educação de qualidade, seriedade nas atitudes políticas e registros históricos
como o documentário Operação cajueiro: Um carnaval de torturas poderemos
acreditar que as próximas gerações tenham um país e, por conseguinte, um Sergipe com
mais justiça social. Menos soldados armados, menos prisões e mais estudantes
refletindo e agindo em favor da coletividade e não tão somente de uma Elite
privilegiada.
Cinqüenta anos depois o nosso país continua perdendo! Perdemos esse ano dois
grandes nomes de nossa literatura e ferrenhos críticos da sociedade brasileira
contemporânea, o grande e genial Ariano Suassuna e o monstro literário João Ubaldo.
Muito embora essas perdas tenham ocorrido em meio às incertezas políticas de nosso
Brasil, existe uma perda silenciosa e não menos relevante do que nossa falta de
memória e de conhecimento sobre o nosso passado que a juventude não se dá conta,
qual seja o cinqüentenário do Golpe de 1964.
Referencial Bibliográfico
IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
CARNELUTTI, Freancesco. As Miserias do Processo Penal. CL EDIJUR, 2011.
MONTESQUIEU. Do espírito das leis.Martin Claret:São Paulo, 2003.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Editora Globo: São Paulo, 2004.
RISÉRIO, Antonio. Uma história do povo de Sergipe. Aracaju/SEPLAN, 2010.
ROGÉRIO, Fábio; DIAS, Vaneide; TAVARES, Werden. Operação Cajueiro: Um
Carnaval de Torturas. Governo de Sergipe, 2014, 15 mim.