itamaraty - governo do brasil

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ITAMARATY A ARQUITETURA DA DIPLOMACIA

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ITAMARATYA ARQUITETURA DA DIPLOMACIA

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textos Eduardo Pierrotti ROSSETTI e Graça RAMOS

fotografia Graça SELIGMAN

ITAMARATYPalácio a arquitetura da diplomacia

coleção memória

Brasília, 2017

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ISBN

realização:

patrocínio: textos Eduardo Pierrotti ROSSETTI e Graça RAMOS

fotografia Graça SELIGMAN

ITAMARATYPalácio a arquitetura da diplomacia

coleção memória

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Ao longo de sua história de 155 anos, a CAIXA consolidou uma imagem de empresa de sucesso estando presente em todos os municípios brasileiros com mais de 60 mil pontos de atendimento.

A participação efetiva da CAIXA no desenvolvimento das nossas cidades e sua presença na vida de cada cidadão deste país consolidam-se por meio de projetos de financiamento da infraestrutura e do saneamento básico dos municípios brasileiros; da execução e administração de programas sociais do Governo Federal; da concessão de créditos a juros acessíveis a todos e do financiamento habitacional a sociedade.

Atuar na promoção da cidadania e do desenvolvimento sustentável do país como instituição financeira, agente de políticas públicas e parceira estratégica do estado brasileiro, é também a missão desta empresa pública cuja história visita três séculos da vida brasileira.

Foi no transcurso desta vitoriosa existência que a CAIXA consolidou sua imagem de grande apoiadora da nossa cultura com seus espaços culturais que, atualmente, impulsionam a vida cultural de sete capitais brasileiras, promovendo e fomentando a produção artística do país e contribuindo de maneira decisiva para a difusão e valorização da cultura brasileira. Com o patrocínio desta publicação da Coleção Memória, a CAIXA reafirma sua política cultural e sua vocação social com o fortalecimento artístico brasileiro e a ampliação das oportunidades de desenvolvimento cultural do nosso povo e de manutenção de suas instituições públicas.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

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Índice

11 A memória em primeiro plano

13 Introdução

19 I Parte – ARQUITETURA 21 Itamaraty: a arquitetura da diplomacia1

83 II Parte – ACERVO DE ARTE85 Escolhas do esteta pragmático

167 Linha do Tempo – Rio de Janeiro e Brasília

172 Itamaraty – The architecture of diplomacy

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A memória em primeiro planoO Instituto Terceiro Setor - ITS, organização não governamental sediada em Brasília, vem apresentar ao público a Coleção Memória, de registro histórico, iconográfico, material e imaterial, do patrimônio arquitetônico de Brasília.

Por mais que se tenha publicado documentos, análises, ensaios, livros e revistas, há ainda esta lacuna, especialmente para as novas gerações: o inventário dos espaços arquitetônicos da nova cidade moderna concebida por Lucio Costa e Oscar Niemeyer nos anos em que o presidente Juscelino Kubitschek mobiliza toda a nação para sua criação e construção.

A salvaguarda de bens culturais, tangíveis e intangíveis, hoje tem a mesma dimensão e representa um único e plural desafio. Com esta Coleção Memória, o ITS vem estrategicamente mapear os principais prédios monumentais, simbolicamente políticos, arquitetonicamente surpreendentes, culturalmente vivos.

O primeiro dos livros saiu em 2004. Em 2011, reeditamos os três primeiros volumes e acrescentamos os que tratam da história do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada. Hoje prosseguimos com a série editando o livro Palácio Itamaraty.

Os livros da Coleção Memória são para estudiosos, estudantes, pesquisadores, moradores de Brasília e visitantes que buscam detalhes sobre a paisagem urbana. Novos sentidos para o pensamento e a descoberta, apresentando às novas gerações o sentido de localização e conhecimento concreto da memória.

ITS - Instituto Terceiro Setor

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INTRODUÇÃO EDUARDO PIERROTTI ROSSETTI e GRAÇA RAMOS

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“...quando o nosso palácio fica pronto?”

(Wladimir Murtinho)

A indagação do embaixador Wladimir Murtinho ao arquiteto Oscar Niemeyer revela em parte o interesse do Ministério das Relações Exteriores em ter seu novo Palácio Itamaraty projetado e construído em Brasília. Mais do que um novo ministério na Esplanada, a nova sede do Itamaraty deveria desempenhar suas funções simbólicas e representativas na nova Capital Federal a fim de legitimar sua existência plena, consagrando o longo processo de sua consolidação.

Dentro da chancelaria brasileira, os debates em torno de Brasília como nova capital eram um assunto constante, especialmente após a contribuição do diplomata José Osvaldo de Meira Penna com a publicação do livro “Quando mudam as capitais”, em 1958. E a mudança do Itamaraty demandaria tanto empenho, logística e vontades políticas quanto à da própria capital da beira do Oceano Atlântico para o cerrado do planalto central do Brasil.

É certo que, em razão da elevada organização da carreira diplomática, houve uma preparação prévia dessa mudança, desde a constituição da Comissão de Estudos e Planejamento para tratar da transferência do Ministério. Contudo, entre 1960 e 1970, ou seja, entre a inauguração de Brasília e a inauguração definitiva do Palácio Itamaraty, longos dez anos transcorrem, com muitas estórias, acontecimentos e percalços. Hoje, tomados a distância, tais fatos podem parecer menores, contudo uma verdadeira cruzada foi exercitada no dinâmico tabuleiro diplomático do Itamaraty para cumprir essa missão.

A presença do Itamaraty no Rio de Janeiro remonta aos tempos do Império, quando o atual palácio foi usado para uma recepção do Conde D’Eu, sendo finalmente transformado em sede do Ministério no início da República, já em 1897. Por 70 anos, o mesmo edifício que recebeu o Imperador D. Pedro II foi o palco para a atuação extraordinária do Barão do Rio Branco, para festas e recepções de presidentes, autoridades estrangeiras e muitos eventos sociais que movimentavam a vida social da capital.

Este é um dos aspectos marcantes e amplamente difundidos sobre a atuação do Ministério. Ao mesmo tempo, seus diplomatas devem saber negociar e exercitar o amplo conhecimento

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sobre geopolítica, economia, história e cultura para representar o Brasil. Para a crescente atividade do Itamaraty, o conjunto arquitetônico que hoje define o palácio no Rio de Janeiro foi sendo ampliando, reconstruído e acrescido de novos edifícios ao longo deste período em que ele foi sede da chancelaria.

Assim, diante da possibilidade de construção de uma nova sede, na nova Capital Federal, o Palácio Itamaraty em Brasília se configurou como uma oportunidade única de modernização institucional, bem como de revigorar a atuação do Brasil no mundo. A nova sede poderia ser um palácio a mais na Esplanada, mas seria pouco para uma instituição secular que integra todo o processo histórico de construção da nação.

Ao elevado caráter simbólico da nova sede não poderia deixar de haver uma extraordinária capacidade de operação, uma enorme agilidade em promover acontecimentos e fatos históricos novos, diante da perspectiva generosa e emancipadora que se abria com a inauguração de Brasília. Por tudo isso, a preocupação do embaixador Wladimir Murtinho é bastante justificável.

Além de um edifício de arquitetura espetacular, que pudesse se destacar na Esplanada e se integrar ao conjunto de palácios extraordinários já construídos, o novo Itamaraty deveria funcionar ainda melhor que a sede carioca. Para tanto, o novo palácio deveria ser equipado com o melhor do mobiliário brasileiro e dotado de obras de arte da maior qualidade, a fim de fazer com que a chancelaria instalada em Brasília fosse notória em sua qualidade espacial e institucional.

É certo que muitas histórias podem vir a ser narradas sobre esse palácio em Brasília, mas aqui nos interessa contar sobre como a arquitetura do Itamaraty foi sendo elaborada, como arquitetos, artistas e diplomatas colaboraram com esse processo. Os fatos da dinâmica política nacional definiram a existência de Brasília e também permeiam a existência do atual complexo arquitetônico do Itamaraty em Brasília, com suas obras de arte, seus jardins, os tapetes e o mobiliário de design moderno ou as peças históricas, criando uma atmosfera palaciana magistral e arrebatadora para consolidar as relações externas do Brasil com o mundo. Afinal, o Itamaraty sabe o que faz!

Eduardo Pierrotti Rossetti Graça Ramos

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ARQUITETURA EDUARDO PIERROTTI ROSSETTI

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Itamaraty: a arquitetura da diplomacia1

Brasília é sempre lembrada por seus eixos viários generosos, por seus setores, pelo imenso céu e por sua arquitetura monumental. Com imagens difundidas há décadas, a cidade sempre é mostrada por meio dos espaços amplos do gramado da Esplanada, pelo edifício do Congresso Nacional e por outros palácios: o Planalto, o Supremo e o Alvorada. Mas dentre os edifícios de caráter representativo, o Itamaraty se destaca como o palácio que se insere na paisagem monumental da Esplanada com carga simbólica e expressiva.

A nova sede do Ministério das Relações Exteriores em Brasília começa a ser notável desde a predefinição do lugar do palácio nos desenhos de Lucio Costa para o Plano Piloto, que em 1957 ganhou o concurso do plano urbano para a nova capital. Aquele singelo quadrado no limite da Esplanada passou a ser um problema de muitas pranchetas, num longo processo para vir a ser o palácio vigoroso que hoje flutua em meio a um jardim de Burle Marx e legitimar o efetivo sentido de capital para Brasília.

Aqui, nesta parte do livro, interessa justamente explorar a arquitetura do palácio. Para tanto, vale especular sobre como a obra de arquitetura é concebida e como o projeto se desenvolve para se transformar em uma obra-prima da arquitetura brasileira. A autoria inegável de Oscar Niemeyer é complementada pela participação e colaboração sistemática de muitos outros profissionais para consecução primorosa do palácio. Construir esta narrativa sobre a história de uma arquitetura é uma tarefa complexa. Valerá explorar os desenhos das etapas de desenvolvimento do projeto, os croquis, as soluções construtivas e um repertório iconográfico com fotografias da construção até seu estado atual. Some-se a isso tudo, a história da própria instituição que o edifício abriga. No caso do Itamaraty, além

1 NOTA DO AUTOR: este texto tem como base e reproduz trechos do artigo “Palácio do Itamaraty: questões de história, projeto e documentação (1959-70)”, publicado em 2009 no Portal de Arquitetura Vitruvius: h t t p : / / w w w . v i t r u v i u s .c o m . b r / r e v i s t a s / r e a d /arquitextos/09.106/65

“Brasília foi, sem dúvida, grande oportunidade na minha vida profissional...” (Oscar Niemeyer)

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disso, tornam-se igualmente pertinentes os depoimentos de jornalistas e diplomatas, que poderão relativizar o discurso de Niemeyer.

A documentação sobre a arquitetura do Palácio Itamaraty em Brasília está dispersa em arquivos dentro do próprio palácio — sejam desenhos do projeto, sejam documentos diplomáticos —, mas também pode ser encontrada no Arquivo Público do Distrito Federal, por meio de depoimentos e fotografias. Sobre Oscar Niemeyer existe uma infinidade de livros, teses, artigos, trabalhos acadêmicos e publicações variadas em que o palácio aparece com maior ou menor importância. Assim, fazer uma história desta arquitetura é poder organizar uma maneira de entender e pensar sobre a invenção do palácio, sobre sua construção e sobre sua ambientação com jardins, obras de arte e um mobiliário moderno que vai conviver com móveis coloniais, tapeçaria e tapetes, conjugando, ao seu modo, tradição e modernidade.

Se, por um lado, a história da arquitetura é um assunto para especialistas, por outro lado é possível recompor esse processo a fim de delimitar um contexto histórico e cultural em que a obra e a ação do arquiteto e de todos os colaboradores que participaram na consecução do palácio podem ser estudadas. O processo de construção do palácio Itamaraty em Brasília se estende entre 1959 e 1970, considerando a primeira manifestação da solução para o palácio até sua inauguração definitiva.

A este processo inicial de onze anos se desdobram muitas transformações e ampliações nas instalações do palácio, incluindo a construção do Anexo II, em meados dos anos 1980, e a atual previsão de expansão com um Anexo III— ambos com projeto arquitetônico feito no escritório de Oscar Niemeyer. Contudo, o funcionamento do palácio para as atividades diplomáticas continua sendo plenamente desempenhado, tornando-o a sede definitiva da diplomacia brasileira.

Rio-Brasília — Inicialmente batizada de Palácio dos Arcos, enquanto Oscar Niemeyer projetava outros palácios para a inauguração de Brasília, a sede do Ministério das Relações Exteriores passou a utilizar a denominação com que a chancelaria brasileira é reconhecida internacionalmente: Itamaraty. Mas, na condição de cidade-capital moderna, Brasília precisava possuir uma chancelaria igualmente moderna, complementando a lógica institucional que define o edifício do palacete do Barão de Itamaraty como a base para o funcionamento e desempenho da chancelaria brasileira, especialmente após a atuação do Barão do Rio Branco como chanceler.

Assim, desde o início, o problema da arquitetura da nova sede implica em reconhecer o valor do palácio do Rio de Janeiro para elaborar sua nova versão na nova capital. Com maior ou menor intensidade, as tensões entre modernidade e tradição são recolocadas para serem equacionadas na prancheta. O novo palácio deveria continuar representando a mesma instituição que funcionava no palacete eclético da antiga Rua Larga de São Joaquim, próximo à estação da Central do Brasil e ao Ministério da Guerra —atual Palácio Duque de Caxias.

O palacete que se tornou sede da chancelaria brasileira resulta de uma obra conduzida pelo segundo Barão de Itamaraty, com projeto do arquiteto José Maria Jacinto Rabelo.2

Sucessivas obras ampliaram a dimensão e as alas do palácio, que é reconhecido por sua sóbria fachada, marcada por pilastras e cornijas, com balcões de ferro fundido, que abrem suas salas frontais para o espaço da rua e para a cidade. A importância deste palácio neo-clássico de filiação francesa é tanta que ele foi até mesmo publicado no livro Brazil Builds3 — obra que divulgou a arquitetura moderna brasileira mundo afora em 1943.

2 Professor da Academia de Belas Artes e discípulo do arquiteto francês Auguste Grandjean de Montigny, que veio para o Brasil como membro da Missão Francesa, em 1816.

3 GOODWIN. Brazil Builds: architecture new and old. 1652-1942. p.28-29. Trata-se do catálogo da exposição ocorrida no MoMA, em Nova York, em 1943.

Fachada da antiga sede da chancelaria, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro

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Sob o comando do Barão do Rio Branco —que, além de inteligente e preparado para o cargo, era o que hoje se denomina workaholic— o Itamaraty atingiu outro patamar de excelência em suas atividades e foi se convertendo no local apropriado para o Brasil se fazer representar ao mundo. Assim, mais do que uma sala de visitas, o próprio palácio se tornou o símbolo da política exterior. A arquitetura e a função pública do palácio se identificam de maneira recíproca ao longo dos mais de 70 anos em que esse palácio abrigou a sede da chancelaria brasileira.

O palácio do Rio de Janeiro possui uma planta simétrica, com salões e gabinetes dispostos em duas alas laterais, com destaque para os salões de baile e de jantar no centro da planta, articulados por imponentes escadarias. Em que pese a farta decoração dos interiores e os móveis de estilo, as salas e salões são organizados de maneira contígua, proporcionando articulações entre espaços sociais, gabinetes e demais espaços de trabalho. Ainda hoje, no conjunto arquitetônico do palácio, são marcantes o jardim com palmeiras imperiais e um grande espelho d’água.

Ao longo de sua história, um conjunto de edifícios foi sendo anexado ao palacete para configurar o palácio Itamaraty num edifício importante na então capital do país. No fim dos anos 1950, o Itamaraty era um edifício remanescente do século XIX, com arcada imponente, salas e salões, jardins, mobiliário e obras de arte de diversos momentos históricos, mas dominado por referências à história republicana do país. Todo este universo simbólico passaria a ser revisto criticamente no novo palácio que seria edificado na Esplanada dos Ministérios da nova capital, Brasília.

Destaca-se que a consolidação de Brasília estava condicionada à transferência do Itamaraty. Mais do que um ministério transplantado, o novo palácio deveria corresponder às expectativas e perspectivas políticas da diplomacia brasileira, abrigando as funções de uma instituição nacional, e que agora deveria contribuir para a consolidação da Capital com todo o seu capital simbólico4. A força institucional da “Casa”5 transcende em muito as funções comuns da diplomacia —representar, negociar e informar—, pois a história de sua primeira sede no Rio de Janeiro se confunde com a própria consolidação da República.

O novo palácio em Brasília representa uma oportunidade efetiva de modernizar o Itamaraty, além de corresponder à expansão administrativa em curso.6 Nesse sentido, Wladimir Murtinho afirma que “...estamos não apenas transferindo um Ministério, mas provocando uma revolução administrativa...”7 Ainda em setembro de 1960, a pedra fundamental é lançada pelo Presidente JK, na presença de muitas autoridades, em meio à terra vermelha do canteiro de obras, inaugurando uma cruzada construtiva que perduraria dez anos para arrancar o Itamaraty do Rio de Janeiro e implantá-lo em definitivo no cerrado de Brasília.

O lugar do Palácio na Esplanada — Os [Ministérios] das Relações Exteriores e Justiça ocupando os cantos inferiores, contíguos ao edifício do Congresso e com enquadramento condigno... (Lucio Costa)

É importante destacar que o lugar do Itamaraty na Esplanada estava definido há muito tempo. Já em 1957, em seu Relatório para o Plano Piloto de Brasília, Lucio Costa evidencia a distinção que o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça teriam em relação aos demais blocos ministeriais. A sua maneira, a proposta urbana de Lucio Costa promove uma diferenciação do Ministério das Relações Exteriores quando resolve implantar a futura sede da diplomacia na cabeceira da Esplanada dos Ministérios.

4 RIBEIRO. Os bastidores da di-plomacia: o bife de zinco e outras histórias. p.36. O autor ainda afirma que “Graças à excelência dos quadros do Itamaraty, a diplo-macia brasileira se posiciona entre as melhores e mais respeitadas do mundo.”

5 RIBEIRO. Os bastidores da diplomacia: o bife de zinco e outras histórias. p.12; “a Casa” se refere à casa que sediava as atividade do Barão do Rio Branco, o patrono-mor da diplomacia nacional.

6 Revista Manchete nº.373, 13/junho/1957. p.66-69. A repor-tagem aponta a expectativa do Itamaraty de ampliar seus qua-dros, modernizando-se para tornar-se menos burocratiza-do. Seu quadro formado então por “menos de 500 diplomatas de carreira” se ampliaria para consolidar a criação de futuras missões diplomáticas em dife-rentes lugares: Tunísia, Marro-cos, Tailândia, Arábia Saudita e Alemanha.

7 Murtinho, em 06/junho/1968, apud MENDES. O cerrado de Casaca. p.81.

Fachada posterior, espelho d’água e jardins

da antiga sede da chancelaria brasileira,

Rio de Janeiro

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O novo palácio é demarcado em um lugar privilegiado no conjunto monumental a fim de manter o conceito de “unidade arquitetônica” postulado por próprio Niemeyer para articulá-lo com os demais palácios junto da Praça dos Três Poderes. Trata-se de uma solução estratégica na disposição dos palácios, a fim de correlacionar o palácio Itamaraty com os demais palácios, construindo uma hierarquia dos poderes na Esplanada. As arcadas do novo palácio da diplomacia estruturam também esta correlação simbólica,

formando um conjunto arquitetônico que valoriza suas diferenças. Para tanto, Niemeyer destaca a arcada como fator de diálogo do Itamaraty com as colunatas dos demais palácios da Praça e subverte a brancura dos mármores com uma potente estrutura de concreto armado aparente.

Ao ser implantado no arremate da sequência dos blocos padronizados para os ministérios, o Itamaraty adquire um sentido próprio de monumentalidade, resguardando a autonomia da instituição que representa e, ao mesmo tempo, pode estruturar a transição entre o núcleo central da espacialização do poder, definida pela Praça dos Três Poderes.

O palácio antes das arcadas — Quando o palácio do Ministério das Relações Exteriores começou a ser concebido por Oscar Niemeyer, ele não possuía arcos, nem poderia ter o nome de batismo que recebeu: Palácio dos Arcos. As pesquisas recentes ainda em curso já encontraram três versões do projeto arquitetônico para o palácio, que pelo material estudado podem ser cronologicamente assim organizadas: primeira versão em 1959; segunda versão em 1960 e terceira versão em 1963.

Localização do Palácio Itamaraty e do Palácio da Justiça na Esplanada dos

Ministérios, enfatizando a transição simbólica entre

a Esplanada e a Praça dos Três Poderes, articulada

pelo Congresso Nacional. Foto: Acervo ArPDF

O horizonte do cerrado e o Congresso vistos da varanda

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A primeira versão (1959) corresponde à proposta materializada na maquete que foi publi-cada em junho na revista Brasília nº 30. Planta quadrada, recuo da Esplanada, superestru-tura de cobertura com aberturas, colunas sem expressão plástica, edifício-anexo já fazendo parte da concepção para distribuir o programa. Mesmo sem ter visto desenhos no acervo do Setor de Arquitetura, foram encontrados desenhos (sem autoria) na correspondência diplomática que se reportam ao projeto arquitetônico, com indicações de tratativas para promover a expansão do número de pavimentos do anexo em mais três andares, o que mudaria toda a inserção da obra na paisagem urbana.

A segunda versão (1960) corresponde à proposta contida nos oito desenhos em cópia heliográfica, com texto anexo elencando os espaços. Trata-se de uma caixa de vidro pura, configurada formalmente por uma caixilharia idêntica à do Congresso Nacional, ou seja, com aberturas alternadas. É surpreendente encontrar uma solução tão purista. A planta é definida em um quadrado, sem recuos nem estrutura de colunas ou arcos. Destacam-se a organização dos espaços internos de salas, salões, cozinha, auditório, uma escada monumental que articula os níveis no centro da planta e promove um vazio em seu miolo. Destacam-se as duas rampas de automóveis que cruzam o edifício.

Da planta quadrada não há marcação de acessos ao edifício-anexo. Não há plantas deste edifício-anexo, mas há um desenho esquemático de implantação com o bloco ministerial mais próximo (bloco 11, Saúde) e outra indicação de projeção de bloco paralela ao Eixo Mo-numental. A nomenclatura dos espaços internos vai sendo definida de modo menos genérica —Hall, saleta, salão nobre, banquetes e já aparece “Salão dos tratados”. Nota-se que no carimbo da folha de desenhos, datada de junho e julho de 1960, na indicação “projeto” está assinalada “O.N.”, o que atesta a autoria oficial do projeto, ainda que o desenho não tenha outros sinais de comprovação, como assinatura ou visto. Vale ressaltar que tal projeto não era do conheci-mento do Setor de Arquitetura e que estava arquivado junto com o diário de obras.

A terceira versão (1963) corresponde aos desenhos à mão livre, feitos com lápis grafite e alguns traços coloridos, assinados por Oscar Niemeyer e que compõem o acervo particular dos herdeiros do arquiteto Milton Ramos. Trata-se de um conjunto com mais de 15 folhas em papel vegetal —datadas de julho— denominado “originais dos croquis iniciais do projeto do palácio Itamaraty elaborados por Oscar Niemeyer”, que contém plantas, cortes, elevações e alguns pormenores.

É inegável a correspondência do projeto final construído com as soluções previamente lançadas nesses desenhos, que se justificam como sendo a “diretriz ao projeto executivo”. Impressiona constatar que tais desenhos já definem o partido de organização da planta em 3 partes com um grande átrio sinuoso e escada helicoidal monumental na parte central; re-solvem o sistema de modulação estrutural das colunas, apresentam a prédefinição da mo-dulação de toda a planta em 6x6m —denominada “matriz”, que inclui as caixas de circu-lação vertical. As plantas revelam a prédefinição do auditório com paredes soltas e algum tratamento diferenciado, há indicação de vidro com lápis azul no corte, há prédefinição do jardim no “terraço” do último pavimento, cujo arranjo de salões em L está préfixado.

O Itamaraty ainda em obras com a estrutura da arcada já completa. Foto: Acervo ArPDF

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As rampas de entrada de automóveis permanecem presentes. Os cortes indicam as alturas da arcada e dos pavimentos, bem como a dimensão do arco em 6m, precedida de desenhos que apontavam para comedidos 4m. Destaca-se a prédefinição do desenho da arcada e de sua expressão construtiva com linhas no concreto, incluindo a prédefinição do pilar que sustentará o arco. Somam-se a este conjunto precioso de desenhos as fotografias da maquete e fotos da construção feitas pelo próprio Milton Ramos.

Será, de fato, a partir desses desenhos, que um volumoso conjunto de desenhos será elaborado como projeto executivo, incluindo uma gama de detalhamentos e ajustes, mas que sempre seguirão as diretrizes definidas por esses croquis. Ou seja, a partir de 1963, é que a versão do palácio construído passa a existir com suas notáveis arcadas.

Projeto: autoria e a equipe de colaboradores — É justamente num complexo contexto histórico entre o fim dos anos JK e 1970 que o projeto arquitetônico se desenvolve e que o edifício é construído e inaugurado. Ou seja, a construção do palácio atravessa as crises políticas de 1961 e 1964, atravessa as tensões do governo de Costa e Silva com o AI-5 até ser aberto oficialmente no governo Médici. No entanto, a transferência do Itamaraty para o Planalto Central é tratada dentro da casa desde 1958 com a criação de uma comissão para estudar e resolver o assunto, pois a instalação do Ministério das Relações Exteriores sempre foi estratégica para consolidar a nova capital.

Se a autoria do projeto não pode ser negada a Oscar Niemeyer, é possível relativizar seu empenho pessoal em acompanhar o processo, pois, em meio à turbulência política, ocorre o afastamento temporário de Niemeyer do Brasil e de Brasília, devido às mesmas circunstâncias políticas em que, justamente, o palácio foi construído e inaugurado.

Neste contexto, é fundamental recobrar os “agentes” ou “vetores” que participaram ativa-mente neste processo de construção do projeto arquitetônico do Itamaraty em Brasília. Des-taca-se o diplomata Wladimir Murtinho, que formou uma tríade com Luiz Brun de Almei-da Souza e Rubens Antonio Barbosa para atuarem junto das autoridades locais, fazendárias e do Executivo para garantir a consecução das obras do palácio. A equipe de colaboradores pode ser ampliada, incluindo Olavo Redig de Campos, arquiteto-chefe do Patrimônio do MRE, cuja equipe era formada pelos arquitetos Jayme Zettel, Roberto Scorzelly, Blandina Fialho, Carlos Camargo, Rubens Richter e Maria Clara Redig de Campos.Olavo Redig de Campos

e Wladimir Murtinho no Palácio Itamaraty.

Foto: Acervo IMS

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Milton Ramos era arquiteto da Construtora Pederneiras, que foi responsável pelo desenvolvimento do projeto arquitetônico. Representando o próprio Niemeyer na obra de Brasília, atuava com desenvoltura e empenho para corresponder ao cargo que lhe fora investido. Como em outras obras, o engenheiro Joaquim Cardozo é o chefe do escritório de cálculos estruturais, que também tiveram a colaboração de Samuel Rawet.

Depreende-se a seguinte organização: o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer foi desenvolvido por Milton Ramos, vinculado à construtora; Olavo Redig de Campos cuidava dos arranjos internos da planta e da definição dos materiais e acabamentos do palácio; Luiz Brun atuava junto da imprensa, para atiçar a curiosidade e acelerar a consecução do projeto arquitetônico; Wladimir Murtinho é o grande responsável pela empreitada dentro da própria instituição, articulando-se com outros diplomatas para cumprir a missão de transferir o Itamaraty para Brasília. Destaca-se sua atuação para mobiliar e equipar o palácio com móveis antigos e modernos, valorizando o design brasileiro e com obras de arte de relevante renome, contribuindo para modernizar a instituição e deixar o palácio apto a funcionar e representar muito bem o Brasil.

Para tanto, Murtinho articulou o convite a Roberto Burle Marx para elaborar os projetos de paisagismo para os jardins externos e internos do palácio. Além dos jardins, Burle Marx desenhou uma tapeçaria para a Sala Brasília que se integra ao conjunto de grandes obras de arte. Wladimir Murtinho também foi responsável por escalar artistas e escolher obras que organizariam os novos espaços palacianos. Em afinidade com as soluções de Olavo, comandando toda a instalação e a colocação das obras de arte, mobiliário e tapetes para deixar o palácio impecável.

A equipe de colaboradores não seria completa se não fosse acrescentada e destacada a participação de Athos Bulcão, com trabalhos em diferentes suportes e expressões e que re-solve a paginação do piso, faz baixo-relevo, treliça, desenha azulejos para o palácio. Maria Martins, Mary Vieira, Bruno Giorgi e Alfredo Volpi também possuem obras de grande destaque nos espaços nobres do palácio, revigorando a correlação arte/arquitetura. Con-tudo, dentre todos os artistas que brilham no palácio, é Athos Bulcão que realiza melhor esta síntese das artes.

A presença de Milton Ramos é tão fundamental, que Murtinho assinala: “Milton Ramos, fez um trabalho admirável (...) ele dedicou corpo e alma à execução do prédio, à construção . Não há um

detalhe que não tenha sido desenhado, pensado e feito.”(sic)8 E Murtinho reconhece que Niemeyer “... teve um admirável arquiteto para desenvolver e assistir a execução do projeto, que era Milton Ramos (...) Tínhamos uma série de arquitetos do Itamaraty, que faziam a parte de complementação, explicações, desenvolvimento, especialmente da parte de decoração. Então o principal deles era o Olavo Redig de Campos”.9 Deste modo, Murtinho também diferencia as incumbências dos arquitetos e colaboradores, indicando maior participação de Olavo na qualificação dos espaços internos e nas soluções dos salões sociais, considerando que sua formação em Roma lhe diferenciava. Para Murtinho, Olavo “...tinha portanto um conhecimento do que são salões, do que é espaço (...) do que é luxo”.10

Para desenvolver o projeto arquitetônico da nova sede, o Itamaraty, mais preocupados com os aspectos formais, os diplomatas estavam empolgados com a oportunidade de moderni-zação institucional decorrente da transferência. Assim, os novos gabinetes e os novos es-paços de trabalho deveriam adquirir qualidades que já não eram possíveis na sede carioca, em que as ampliações e os anexos realizados ao longo dos anos 1920 e 1930 no palacete do século XIX já não comportavam as demandas de atuação e expansão do ministério.

Dentre os documentos de origem diplomática e que podem lançar novas questões para as soluções arquitetônicas —mas que ainda não foi localizado nas pesquisas—, é preciso apontar a existência do mítico “dossiê” sobre as demandas para o futuro palácio que teria sido elaborado por Murtinho e outros colaboradores para orientar os trabalhos de arquitetura e organizar as demandas de funcionamento do palácio. Há depoimentos que assinalam que Niemeyer teria recebido tal dossiê e ignorado e/ou perdido.

O fato é que os diplomatas estavam discutindo as soluções arquitetônicas constantemente, seja como Milton Ramos, seja com Olavo Redig. Não foram encontradas cartas de Nie-meyer, mas é notória a troca de informações registradas em planta sobre o detalhamento do vidro da cabine de tradução do auditório, o que demonstra que Niemeyer, onde quer que ele estivesse —Rio, Paris, Beirute—, estava acompanhando o canteiro do palácio. Em todas as instâncias do projeto, nota-se um respeito incondicional dos colaboradores a Nie-meyer, cujo distanciamento do canteiro de obras —seja por motivos profissionais, seja por políticos— não comprometeu a execução do projeto de acordo com o rigor de seu traço.

8 MURTINHO. Op. cit., p.18

9 Idem. Op. cit., p.06

10 Ibidem. Op. cit., p.06

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Além da forma, da função e do programa arquitetônico — A solução arquitetônica final do projeto do palácio articula o edifício representativo e o administrativo, sem pretender abarcar todo o programa arquitetônico em único edifício. Essa articulação entre os dois edifícios existe desde sua gênese, não se tratando meramente de um bloco secundário acoplado ao magnífico palácio. Ou seja, o palácio sempre possuiu um bloco horizontal que define um fundo, contra o qual se destacam a superestrutura com as arcadas. Para constatar a total conexão entre os blocos, basta percorrer os subsolos do Ministério, para entender a organização das muitas funções complementares ao funcionamento do Ministério pois garagens, oficinas, serviço médico, almoxarifado, a adega, dentre outros serviços, estão nesses espaços.

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Como é comum em Brasília, o bloco administrativo é denominado Anexo I, abrigando gabinetes, sub-secretarias, departamentos e as divisões do Ministério. Nesse sentido, Murtinho afirma que “...o palácio é extremamente funcional, tem essa interligação da parte administrativa, com a parte representativa, que funciona muito bem.”11 Diferentemente da ideal neutralidade simbólica dos programas arquitetônicos modernistas, um palácio se apresenta como um problema cuja natureza é ser representativo e manifestar um caráter atemporal.

A valorização da carga simbólica nos projetos para Brasília corresponde à ênfase pertinente aos edifícios representativos da cidade-capital. Colunas e arcadas não serão retomadas em futuras obras de Niemeyer, resguardando aos palácios de Brasília sua singularidade. Embora a carga simbólica do Palácio Itamaraty seja muito densa, os usos de suas dependências precisam ser muito flexíveis, tratando-se de um programa arquitetônico mais complexo que os demais ministérios-tipo que Niemeyer já havia projetado.

A experiência com o programa arquitetônico do Itamaraty é reforçada pelo próprio Wladimir Murtinho, que recobra que tal complexidade já havia sido experimentada por décadas, apontando o palácio carioca como a matriz inequívoca para os novos espaços 11 MURTINHO. Op. cit., p.16

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da sede da nova chancelaria quando afirma: “Na realidade, embora não pareça, o ministério é extremamente inspirado no palácio que nós temos no Rio de Janeiro”. 12

No Itamaraty, a função do diplomata é representar, negociar e informar, empreendendo um conjunto de ações que ratifiquem a presença ou compromisso do Estado em nome do qual se atua. Ou seja, as atividades profissionais implicam em despachar, fazer reuniões, condecorar, homenagear, assinar atos, conceder entrevistas ou fazer pronunciamentos. Além disso, organizar e participar de recepções, coquetéis, almoços, jantares e banquetes também são parte da rotina do trabalho diplomático. Desse modo, o novo deveria qualificar a organização das atividades diplomáticas demandadas ao funcionamento da política internacional.

Para tanto, o palácio deve possuir espaços para que o Brasil exercite sua habilidade diplomática entre as demais nações, com espaços para consagrar as trocas simbólicas, mediante a encenação protocolar de sua praxe, conforme a observação do próprio Murtinho: “...o Ministério das Relações Exteriores é extremamente encenado...” Ou seja, faz parte da concepção do programa do palácio “... permitir a pompa e fazer com que isto seja o elemento que, talvez, caracterize o palácio”.13

No desdobramento dessas cerimônias e eventos sociais, diferentes graus de formalidade são demandados, fazendo com que o uso do Palácio Itamaraty seja intermediado pelos códigos culturais e comportamentais daqueles que vivenciam e se apropriam desses espaços sociais. Através da arquitetura, Niemeyer assegura que deve haver condições simbólico-espaciais singulares para o exercício das atividades diplomáticas. Esses espaços do palácio se correlacionam através de ambientes com diferentes graduações de acesso e permanência, de tal modo que os vestíbulos, os salões, o jardim e a varanda possuem escalas de intimidade e formalidade que se transformam não somente pelo cerimonial, mas, sobretudo, pelo comportamento dos anfitriões e convidados.

Arcadas da diplomacia — O clássico e o moderno se harmonizam, numa façanha inédita. (Revista Manchete)

Embora Oscar Niemeyer afirme que “...não se faz o novo inspirando-se no antigo...”14, a análise de Yves Bruand defende a hipótese de um “partido grego” como a referên-cia de Niemeyer nas soluções dos diferentes palácios governamentais. Para Bruand,

o Itamaraty seria “...uma realização tipicamente contemporânea, tanto técnica, quanto esteti-camente...”15, pois nele o concreto adquiriu uma “nobreza e delicadeza sem igual”. Assim, a inovação não é o material, mas está no fato de que a rudeza do concreto foi sublimada. Ou seja, parafraseando Nuno Ramos, a matéria passou por uma metamorfose, tenden-do ao limite de seu possível reconhecimento.

Mais do que a caixa de vidro, destaca-se a estrutura, denominada por Bruand de “colunata” para sustentar o “partido grego”, antes enunciado. A colunata é uma das estratégias projetuais pertinentes à formação do repertório de Niemeyer desde o Palácio da Alvorada, fato que também não escapa à grande imprensa, como a reportagem da revista Manchete destaca.16 Contudo, é mais preciso denominar a estrutura do Itamaraty de “arcada”, uma vez que sua configuração final é definida por uma sucessão ritmada de arcos plenos.17 O próprio Niemeyer fornece a senha desta precisão ao comentar a estrutura do Palácio dos Doges, em Veneza: “...com suas esplêndidas arcadas (...) destinadas a criar um contraste violento com as paredes planas e pesadas dos andares superiores.”18

Embora a arcada não tenha uma função estrutural exclusiva de sustentar as lajes e todos os pavimentos do palácio, a arcada possui sim, a função de sustentar toda a carga simbólica do palácio. A superestrutura da arcada define a força imagética do palácio na Esplanada dos Ministérios. A arcada mantém a referência da velha sede, sem retomar sua linguagem neoclássica legítima como um elemento de fácil apreensão. Ao mesmo tempo, o uso da referência clássica reforça a função comunicativa da arquitetura, de acordo com Argan: “Os monumentos urbanos uma razão não apenas comemorativa, mas também didática: comunicavam a história das cidades, mas comunicavam-na em uma perspectiva ideológica...” 19

O controle da estrutura se faz pela modulação dos vãos da arcada, constituída por uma sucessão de 12 arcos plenos com raios idênticos (R=2,80m), arrematados por dois arcos diferenciados —que são ligeiramente menores (R=2,497m)— em cada uma das faces de suas extremidades, totalizando 14 arcos em cada uma de suas quatro faces. A arcada define uma trama geométrica com módulo (M) de 6m entre seus eixos, que balizará as plantas inseridas nesta trama de 6x6m. Assim, a extensão da arcada corresponde 14M acrescidos da diferença dos arcos da extremidade. A trama destes é ligeiramente maior e, em vez de estarem contidos num retângulo ideal de 6x14m, possuem 1m a mais, ou seja, 7x14m.

12 MURTINHO. Op. cit., p.02

‘3 MURTINHO. Op. cit., p.18

14 Niemeyer apud PETIT. Niemeyer poeta da arquitetura. p.419.

15 BRUAND. Op. cit., p.200

16 Revista Manchete, edições de 13/junho/1957, 28/mar-ço/1970 e 25/abril/1970.14 MURTINHO. Op. cit., p.18

17 Para as definições de arcada e colunata: ARGAN. De Miche-langelo ao futurismo. p.462 e 440, respectivamente.

18 NIEMEYER in XAVIER. Depoimentos de uma geração. p.246. O artigo “Contradição em arquitetura” foi publicado por-tanto no mesmo ano em que ele estava revendo o projeto.

19 ARGAN. Op. cit., p.244

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Cada lado da arcada tem o comprimento de 86m, delimitando uma planta rigorosamente quadrada de 86x86m. Os 14 arcos correspondem ao dobro dos arcos da fachada da velha sede, cuja frontaria alinhada ao logradouro está na razão 1:2:1. No novo palácio, essa proporção é reestabelecida pelo sistema estrutural dos pilares internos que perpassam a laje e se solidarizam com a superestrutura da arcada, definindo espaçamentos na razão de 3:6:3, ou seja, a mesma razão 1:2:1 da antiga sede. Para valorizar essa razão compositiva, os pilares internos possuem revestimento em madeira.

Tal qual Fídias ao projetar o Parthenon, Milton Ramos foi responsável por resolver o desenho do arco e ajustar estas relações construtivas e ópticas entre os arcos plenos e os arcos das extremidades, através da correção visual. Esta correção visual redefine a percepção dos arcos sem romper com o ritmo dos vazios da própria arcada.20 Trata-se de recursos construtivos e ópticos que influem na percepção da arcada para fortalecer a própria forma do palácio, ratificando o cuidado de Niemeyer e seus colaboradores na construção e na adoção de um procedimento de caráter clássico inconteste.

20 Este é o termo utilizado na planta, que não possui texto al-gum, deixando o desenho livre para ser virtualmente reconstru-ído para perceber a construção de sua geometria.

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A qualidade expressiva do concreto da arcada —que define a um só tempo a estrutura e a forma— é obtida a partir de um minucioso desenho das fôrmas21 de seu processo construtivo, qualificando a sua textura final. Para definir o desenho das fôrmas, Milton Ramos construiu inclusive uma sequência de três arcos em escala real para estudar e averiguar os efeitos de luz e sombra e os contrastes da luminosidade do cerrado, e então definir um arranjo padronizado das peças de madeira para imprimir no concreto a textura desenhada por Niemeyer.

A força da arcada está em dissolver o contraponto entre uma textura cuidadosa que não prejudica seu tônus estrutural, mas que também não se sobrepõe à função da forma. O desenho dessa textura é marcado por frisos horizontais estreitos ao longo de toda a coluna e do arco, sem interrupções, desde o arranque até o meio de sua curvatura, sendo simetricamente completado. Os frisos no concreto evocam o ponto central que gerou o desenho do arco pleno da arcada. Ou seja, a fôrma contribui para a força da forma.

A solução do palácio contrapõe a presumida rudeza do concreto aparente com uma solução brutalmente delicada. A esbelta dimensão das colunas dos arcos acentua esse contraste entre a solidez da estrutura e a leveza da forma. Seu caráter estático adquire um efeito mutante através das perspectivas que seus arcos abrem e fecham, com o deslocamento do ponto de vista do observador, tanto externa como internamente. Os arcos do Itamaraty adquirem e perdem espessura e peso, movendo-se dinamicamente de acordo com o olhar de quem vivencia seus espaços, ou para quem contempla a própria forma. Sua volumetria adquire uma força plástica ainda maior quando de seu espelhamento na superfície das águas, quando emerge como um palácio flutuante em pleno cerrado, como o Meteoro, de Bruno Giorgi.

Bruand destaca a cuidadosa coloração do palácio, assinalando que a cor ocre do concreto tem a capacidade de qualificar sua textura, dignificando o projeto.22 Nesse sentido, o estudo do traço do concreto foi fundamental para enfatizar uma particularidade cromática, tornando-o incomum, e no limite, exclusivo. Tal expressividade adveio dos testes realizados com cimentos variados e com agregados grosso e fino, para atingir uma cor que confere ao palácio uma carga latente de significado telúrico: como se metaforicamente a terra do cerrado estivesse impregnada na própria arcada.23 Em função da cor, a arcada adquire variados efeitos de douramento, tornando-se sublime quando iluminada pela luz solar ou artificialmente, o que revigora também sua inserção

21 Para maior precisão, é ne-cessário retomar o uso do cento diferencial para “fôrma” e “for-ma”.

22 BRUAND. Op. cit., p.197

23 Para maiores especificida-des sobre esse aspecto e deta-lhes construtivos e estruturais da construção do palácio, vide: SANTOS JÚNIOR. A estrutura do Palácio do Itamaraty.

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na paisagem noturna da Esplanada. O contraste com os alvos palácios da Praça dos Três Poderes é reinstaurado e Niemeyer amplia a percepção da potência formal da arcada do Palácio Itamaraty, redimensionando seu impacto formal e imagético, sem nada reduzir a qualidade de seus espaços.

A modulação estrutural e as soluções espaciais — A modulação estrutural estabelecida pela arcada é mantida na solução dos espaços internos, nas divisões e nos arranjos das plantas, funcionando como uma regra de projeto arquitetônico. No Palácio Itamaraty, o módulo (M) equivale a 6m. Ao usar a regra da operação com os módulos, é possível também subverter este rigor dimensional através de seus múltiplos e sub-múltiplos. Será operando esse módulo de 6m que as plantas e os espaços do palácio serão resolvidos.

O módulo de 6m define as dimensões do gabinete do ministro, os planos de parede dos salões sociais ou o Ponto de encontro, de Mary Vieira. Com rigor, Niemeyer concebe uma planta que organiza seu programa em três pavimentos, dispondo seus espaços em função da trama de 6x6m. As áreas são derivações destas dimensões, tais como: 3x6m, 6x4,5m, 6x9m, 12x30m, 18x18m até 30x54m. Esta organização da planta subordinada à modulação se faz notar na definição do vestíbulo do térreo, que tem uma dimensão equivalente a 5Mx9M, ou seja, 30mx54m, totalizando 1620m².

A dedução lógica das áreas sociais surpreende quando se compara suas dimensões com seu porte, qualificando a escala de um palácio. Esta precisão também está presente na solução da caixilharia, que é modulada em M, com 5 partes de 1,20m cada; ou ainda na caixilharia dos salões superiores em que cada porta pivotante mede ¼ M, ou seja, 1,50m. O controle que a equipe que desenvolve o projeto faz dessa precisão geométrica se traduz como a ordem de seu próprio tratado, em que a técnica deve potencializar a forma, como um recurso que define uma estrutura a ser apreendida também como imagem.

Esta variação de espaços proporcionados viabiliza diferentes usos dos salões sociais, adequados às diferentes possibilidades espaciais que as escalas dos eventos demandam. Assim, é possível fazer pequenas recepções ou grandes festas sem comprometer a escala da ambiência de convívio que tais ambientes devem assegurar para o exercício das atividades diplomáticas. Este flexível jogo de possibilidades permite usar combinadamente os diferentes salões e a varanda, com a continuidade espacial desejada para que o evento transcorra no mesmo lugar, afinal os espaços são relacionais.

Gabinete do ministro

A Sala Portinari abrindo-se para a varanda e seu jardim através dos painéis pivotantes

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Ao tensionar monumentalidade e intimismo também são reestabelecidas as correlações entre as salas e os salões. Assim, é possível articular a Sala D. Pedro I com Sala Portinari e a varanda, ou articulá-la com a Sala Brasília e a varanda. Ou ainda, usar somente a Sala Bahia, ou a Sala Duas Épocas. Esta combinação de salões corresponde às diferentes áreas, provendo o palácio de uma ampla gama de possibilidades espaciais, com áreas entre 140m², 342m², 504m², 846m² e 990m². Excetuando essas duas salas de caráter mais reservado, a soma dos espaços dos salões, da varanda e de seu jardim, totaliza a impressionante área de cerca de 3.300m². O resultado arquitetônico surpreende o próprio Murtinho: “O palácio funciona muito bem. Há outros ministérios das Relações Exteriores que têm grandes salões, mas nenhum tem estas facilidades com estas dimensões”.24

Mesmo explorando as razões matemáticas não se tornou possível ainda estabelecer um padrão para a definição das alturas relativas aos diferentes pavimentos do palácio. Percebe-se claramente que esta altura se amplia na medida em que o usuário dos espaços do palácio se desloca para os níveis superiores, com um acréscimo de 65 e 72 centímetros na altura inicial do Vestíbulo. Assim, as alturas passam de 2,83m para 3,50m e para 4,22m, ou seja, dimensões mais pertinentes com a altura humana do que com a geometria do projeto. O pé-direto do vestíbulo possui 7,10m, que é praticamente metade da altura da arcada, 14m. Niemeyer prioriza o agenciamento do projeto a partir das plantas organizadas por planos opacos e transparentes, e das correlações espaciais que elas organizam e hierarquizam, para fazer da varanda a grande surpresa espacial.

A varanda do Itamaraty — ...para conhecer a natureza dos povos, é preciso ser Príncipe, e para conhecer a [natureza] dos príncipes, ser do povo. (Maquiavel)

A rotina do Itamaraty é pautada por códigos, procedimentos e hierarquias que promovem as atividades diplomáticas e organizam as relações entre os comensais, os convidados oficiais, os convidados especiais, os homenageados nos diversos eventos que o palácio recebe. Trata-se de um edifício que requer fluxos para organizar esses ritos e garantir o bom funcionamento de suas cerimônias. O edifício representativo possui acessos nos quatro lados de sua planta. Nas laterais Leste e Oeste, estão o acesso exclusivo para o Chanceler e o acesso aos Congressistas ou visitantes. Na rua interna entre os edifícios, estão os acessos cobertos sob os passadiços. Mas o acesso mais nobre é aquele voltado para a Esplanada: um plano rente ao espelho d’água que perpassa três arcos e promove o acesso das autoridades e suas comitivas ao grande hall de recepção. 24 Murtinho. Op. cit., p.08

Acima, Sala Portinari. Abaixo, Sala Duas Épocas

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Trata-se da principal transição entre os espaços externos e internos do palácio, acentuada pelo cerimonial que definirá o ritmo e o andamento do protocolo. Mas a grande chave de compreensão da arquitetura do palácio é o percurso. É preciso percorrer seus espaços para poder depreender a nobilidade de seus espaços e a qualidade artística e arquitetônica dos ambientes palacianos. Apesar das restrições a um livre percurso, é possível explorar a riqueza espacial através da “promenade architectural”.

Deambular torna-se parte da própria experimentação do palácio franqueada aos seus usuários: autoridades, reis, príncipes, imperadores, ditadores, embaixadores, comitivas e turistas. O hall de recepção do térreo abre-se em majestosas visuais proporcionadas pelo vão, com zonas de sombras contrapondo-se aos reflexos difusos da luz refletida ou filtrada pelas obras de Athos Bulcão. A cidade e a paisagem urbana são emolduradas pela caixilharia. O estratégico Ponto de encontro de, Mary Viera, se mostra oportunamente no limite entre o escultórico e o funcional, mobiliando o ambiente com um banco. O vazio sinuoso na laje superior amplia as visuais internas com a Sala dos Tratados, o mezanino e outros espaços vestibulares. O jardim com plantas amazônicas opera como fundo para a escada escultórica, que se materializa como o ponto dramático do arranjo espacial, sendo seu índice plástico marcante.

Ponto de encontro, de Mary Viera, e atrás painel esculpido em mármore, de Athos Bulcão.

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A escada em concreto aparente —implantada no vazio subtraído da laje— indica o desdobramento hierárquico dos percursos, instigando a prosseguir dos amplos espaços de chegada para as dependências dos andares superiores. Subir a escada requer atenção ao ritmo dos degraus, ao mesmo tempo em que um giro completo do olhar permite vislumbrar a majestade dos espaços, antevendo simultaneamente o hall do mezanino e a Sala de Tratados. A escada ativa a participação do usuário no espaço, no exato momento em que ele se desloca para desempenhar suas funções representativas, ou uma prosaica visita. Em continuidade aos percursos é possível seguir a curva do mezanino e chegar à Sala de Tratados e descortinar a Esplanada. Mas também é possível não hesitar e adentrar pela abertura de outra escada que se lança para fora da estrutura da parede, como um plano azul acarpetado, para finalmente chegar aos salões do palácio, à varanda e seu jardim.

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Ainda que assuma significados regionais mais específicos, vinculando-se ora às atividades de estar, ora às atividades de refeição, sua presença doméstica no cotidiano consolida a varanda como um espaço brasileiro de caráter tradicional e próprio. A varanda está vinculada aos hábitos culturais de sociabilidade e convivência pública, coletiva ou familiar desde sua configuração tipológica nas sedes dos engenhos de cana-de-açúcar. A varanda é um ambiente suficientemente interno aos domínios do proprietário e de sua família, porém estrategicamente distante dos graus maiores da intimidade familiar. Além disso, a varanda sempre pode oferecer um ponto de vista privilegiado, abrindo amplas perspectivas sob a paisagem, apurando o olhar de seus habitantes e frequentadores como um mirante dessa paisagem, do lugar, do território e das cidades para onde se abre.

No Palácio Itamaraty, a varanda é o Salão Nobre. A partir dela, vislumbra-se o “espetáculo arquitetural” do próprio Niemeyer, na escala monumental concebida por Lucio Costa. Deste espaço de sociabilidade aberto sobre a Esplanada dos Ministérios, avista-se o palácio do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Palácio do Supremo Tribunal Federal, o Palácio da Justiça e os demais ministérios. Tal como um mirante, dela se deduz o lugar da Praça dos Três Poderes, tanto quanto se reformula a própria presença formal do Palácio Itamaraty em relação aos demais edifícios cívicos da cidade. O aspecto estrutural do palácio é retomando através da arcada —que de potente estrutura se revela como anteparo marcante das relações entre o edifício e a paisagem que se percebe de sua varanda. Da varanda, a arcada emoldura o horizonte do cerrado que se integra ao palácio, assegurando intimidade a quem pode debruçar-se sobre a escala monumental da cidade, recostando-se em seu peitoril, abrigado sob seu arcabouço.

Com a integração espacial plena das salas de recepção com a sala de banquetes, a varanda também se torna um ambiente especial na dinâmica das cerimônias do Itamaraty. Os hábitos e os modos de vida informais, inerentes à convivência específica das varandas, contribuem para alterar o perfil comum de funcionamento de um Ministério, assinalando outras possibilidades de sociabilidade e convivência nesses espaços. Ao valorizar o espaço da varanda como um lugar singular na dinâmica social do palácio, Niemeyer adiciona uma nota dissonante de informalidade e subverte a rigidez do cerimonial. Ao tensionar os códigos sociais e comportamentais no exercício do cotidiano diplomático, a arquitetura do palácio pode promover rupturas ao deixar em estado latente a possibilidade de flexibilizar os códigos e práticas sociais antiquadas.

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Mais do que um espaço arejado ou sombreado, Niemeyer faz da varanda do Itamaraty o espaço de articulação simbólica entre a força do lugar, o devir político e o valor da tradição, compartilhando das grandes expectativas de protagonismo do Brasil. Assim, enquanto a arcada legitima a forma, a varanda emerge como um importante valor no discurso do arquiteto. Retomando a epígrafe, a varanda é o lugar/espaço em que as naturezas do povo e dos príncipes podem interagir e conviver, quer seja pelos comportamentos que a varanda instiga, quer seja pela situação espacial que ela representa nas cerimônias palacianas. A varanda destrona a pose dos convidados do país que ali se faz representar como anfitrião, instaurando códigos comportamentais próprios de sua cultura em espaços modernos. A varanda é o efetivo espaço do congraçamento.

Entre tapetes, obras de arte, pedras, alumínio & blindex® — Enveredar pelos salões do Itamaraty é poder compartilhar da sobriedade e do relativo despojamento de seus salões sociais e ambientes de trabalho. O palácio emana um sentido de refinamento sem concessões à extravagância. A arquitetura do palácio não ostenta. O Itamaraty emana uma elegância decente sem opulência. Ao subordinar o sentido de nobilidade às finalidades práticas e programáticas que suas cerimônias requerem.

A elevada qualidade de sua decoração é parte integrante do discurso da diplomacia brasileira, integrada ao conjunto de argumentos não escritos nas tratativas que somente as soluções arquitetônicas podem realizar. O palácio excepcional da nova sede da chancelaria deve operar tão vigorosamente quanto o palacete carioca havia operado por décadas, a fim de contribuir com a inserção do Brasil no jogo das grandes nações. Ou seja, o palácio é parte integrante na dinâmica política do Brasil face ao mundo.

O agenciamento dos espaços internos do palácio deve favorecer sua utilização, a fim de assegurar que as funções públicas e políticas sejam plenamente exercidas. Enquanto no edifício administrativo os espaços são mobiliados para promover o trabalho burocrático cotidiano, com mesas de escritório e mesas para reunião com cadeiras confortáveis, mesinhas de apoio, sofás, poltronas e mesas de apoio nas salas de espera, etc. ao passo que os espaços de caráter representativo operam com outra estratégia. Para os vestíbulos, salas, salões e demais ambientes sociais —incluindo os gabinetes do Chanceler e do Primeiro-Secretário—, a estratégia é valorizar o vazio como um elemento organizador do poder ali representado.

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Há uma deliberada intenção de promover a integração das artes à concepção arquitetônica do palácio, dotando seus espaços com peças de mobiliário e obras de arte. Tudo deve contribuir para que a carga dramática do vazio seja percebida e possa desempenhar sua função de manter as relações espaciais entre os ambientes. Os espaços vazios das salas e salões do palácio devem ser sóbrios e bem ambientados para receber quantidades variadas de usuários —mandatários, comitivas, imprensa— mantendo o sentido de elegância sem exuberância como uma constante de sua lógica espacial. Assim, todos os ambientes sociais se desdobram em continuidade espacial, mantendo um sentido de conjunto, ao mesmo tempo em que o cerimonial pode ativar as necessárias hierarquias para garantir o funcionamento das cerimônias.

Entre a solenidade dos espaços de recepção e a festividade da varanda e do salão de banquete, configura-se um espaço contínuo por entre tapetes, poucos móveis e muitas obras de arte, uma vez que a coleção do Itamaraty é primorosa, com obras de Bruno Giorgi, Debret, Tommie Ohtake, Athos Bulcão, Ceschiatti, Milton Dacosta, Manabu Mabe, Candido Portinari, Mary Vieira, Alfredo Volpi, Sérgio Camargo, Emanoel Araújo, Mestre Valentim, além de gravuras, mapas, desenhos e objetos presentes de visitantes e como o secular biombo chinês. Os quadros, as tapeçarias e as esculturas da coleção do palácio convivem com arcazes, cadeiras, aparadores, canapés, marquesas, papeleiras e mobiliário moderno, além das louças, da prataria e dos tapetes.

Menos do que a finesse, vale a função imprescindível que os muitos tapetes podem desempenhar na ambientação dos espaços sociais. Os tapetes preenchem os amplos espaços do palácio e conformam lugares, em meio a um espaço de caráter contínuo. A presença dos tapetes também resguarda uma escala mais intimista às salas, aos salões e gabinetes. Em cada um dos ambientes, os tapetes acrescentam uma dose de cores e relativizam a expressão dos materiais que visualmente constroem o palácio: pedras, madeiras, vidro e concreto aparente.

O mobiliário do palácio sempre foi um aspecto importante na construção da nova sede. Mobiliar o palácio significa equipá-lo para servir bem e para cumprir suas funções representativas, mostrando aos convidados o que poderia haver de melhor no design nacional. No palacete do Rio de Janeiro, havia móveis históricos, com peças dos anos

1920 e 1930, incluindo algumas pertencentes à família imperial brasileira e outras do século XIX. Já a nova sede deveria valorizar um desenho atual para melhor compor com a arquitetura do palácio e demonstrar sua efetiva modernização. Para trazer a contribuição do design brasileiro foram adquiridas cadeiras, mesas, poltronas, mesas de apoio e mesas de escritório desenhadas por Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues, Bernardo Figueiredo, Karlheinz Bergmiller. Assim, o que havia de melhor em desenho de móvel moderno no Brasil estava distribuído tanto nas salas e áreas administrativas, como também no gabinete do chanceler.

Seguindo a articulação entre modernidade e tradição, de acordo com a chave de interpretação de Lucio Costa sobre o mobiliário luso-brasileiro, os espaços sociais mais representativos do palácio combinam móveis e obras de arte de tempos históricos distintos, criando uma ambientação própria, harmonizando peças do acervo e novas aquisições. A estratégia para organizar os espaços sociais foi criar ambientes com poucos móveis, articulados com tapetes e obras de arte. Usando da transparência ou dos reflexos do vidro, as salas sociais e o salão de banquetes se conformam como espaços de mobiliário rarefeito dos amplos ambientes propícios para promover os encontros entre autoridades e convidados, que podem circular livremente entre os salões e a varanda.

Mais que as obras de arte e um mobiliário sofisticado, um palácio se constrói com matéria. E no caso o Itamaraty, além do concreto aparente da arcada, um conjunto de materiais deve ser elencado para compor a integridade dessa obra arquitetônica. A materialidade do projeto arquitetônico é resolvida a partir da escolha de um seleto rol de materiais, com destaque para a maneira como estes materiais são tratados. Com a finalidade de manter a sobriedade do palácio, mas também fazer do Itamaraty uma arquitetura inequivocamente brasileira, Oscar Niemeyer explora materiais para construir uma expressividade singular nesse palácio.

O material que mais se destaca são as pedras. No Itamaraty, serão usados o mármore e o granito, tanto para pavimentar os pisos, como para revestir as superfícies de parede. O uso destas pedras como materiais predominantes que traduzam a perenidade é inerentes a um palácio. Niemeyer valoriza as pedras de extração nacional: mármore branco Italva e Santo Antonio e o granito cinza Andorinha.

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A paginação dos pisos, sob o controle de Athos Bulcão, assegura a continuidade entre os espaços ao mesmo tempo em que relativiza a percepção das grandes dimensões de suas superfícies. Os pisos distinguem os salões do palácio ao mesmo tempo em que recuperam a importância dessas superfícies. No Itamaraty, mármores e granitos são tomados como material de uso relacional —cuja flexibilidade faz com que seja ora piso, ora parede, acentuando os contrastes cromáticos entre a paginação dos pisos e a modulação do revestimento das paredes. Também são enfatizados os graus de polimento de sua superfície, dando maior rendimento plástico ao mesmo material, ampliando os contrastes e as texturas. Destaca-se o trabalho em baixo-relevo de Athos Bulcão, executado em mármore e que se incorpora à superfície da parede no hall de recepção, bem como o Meteoro de Bruno Giorgi, que flutua, tal como uma esfera branca vazada, sobre o espelho d’água.

As madeiras compõem um rol de materiais que está muito presente nos detalhamentos e na complementação dos interiores. Destaca-se sua utilização de uma treliça de Athos Bulcão na Sala dos Tratados, seja no revestimento dos pilares e detalhes de guarda-corpo, seja nos tabuados do piso dos gabinetes e espaços de trabalho mais importantes do palácio.

Meteoro, de Bruno Giorgi, sobre o espelho d’água.

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Dos materiais sintéticos, destaca-se o uso de extensas superfícies acarpetadas no auditório e nos demais ambientes para convenções e encontros no subsolo. Também é notável o uso de tecidos como material de revestimento de paredes para dar um aspecto mais intimista, retomando uma prática de decoração bastante marcante no palacete carioca, ganhos sensíveis e acústicos. Nesse sentido, a contribuição de Roberto Burle Marx é pouco valorizada, pois a grande tapeçaria da sala de banquetes é importante plasticamente, mas também contribui para conter a reverberação sonora dos eventos que ali ocorrem.

O material industrializado largamente utilizado é o alumínio para solucionar a caixilharia do edifício, fortalecendo também a “unidade arquitetural”. O rigor de suas duas modulações otimiza a produção dos perfis, bem como a execução da vedação de todo o palácio, num desenho de legível racionalidade. O prolongamento da caixilharia de vedação da “caixa” de vidro como desenho do próprio peitoril da varanda transforma a percepção das dimensões do próprio edifício. As leves janelas em guilhotina representam a autonomia dos usuários, libertando os funcionários do controle exclusivo de suas aberturas.

Acima, Auditório Wladimir Murtinho. Abaixo, Sala Rio de Janeiro

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O vidro é outro material industrial largamente empregado, quer seja como vedação da vasta caixilharia, quer seja como material de revestimento. Seus vidros escuros —do tipo fumê— se diferenciam dos vidros verdes dos demais palácios, obstruindo a plena percepção do seu funcionamento interno visto de fora, embora esta relação dentro/fora seja mantida em seu interior. Niemeyer valorizou a capacidade de espelhamento dos planos de vidro, considerando suas propriedades reflexivas, por sua geometria precisa e homogênea, ao invés de usar espelhos como no velho palácio. Destaca-se uma grande superfície assim revestida, junto das salas de recepção implantada precisamente no eixo médio do arco, que através do reflexo completa a imagem de seu desenho, ao mesmo tempo em que protege as salas do sol poente e valoriza a importância da espacialidade dessas salas com jogos de reflexos.

Athos no palácio — Dentre todos os artistas que colaboraram com a qualificação dos espaços do palácio com suas obras de arte, Athos Bulcão é quem mais se destaca. A constante colaboração de Athos com obras de Oscar Niemeyer atinge aqui, no caso do Itamaraty, um grau de integração absoluto, sendo difícil definir os limites entre a solução espacial e a solução artística. Esta integração das artes ao fato arquitetônico é um aspecto bastante importante da obra de Athos Bulcão, e que também é uma questão central no debate estético na virada dos anos 1950 para os anos 1960. Seja denominado de integração ou síntese das artes, o assunto foi o mote para o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, ocorrido em 1959, em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, quando a cidade era um imenso canteiro de obras.25

No palácio, Athos Bulcão propõe soluções em escalas e dimensões distintas para manifestação de sua expressão estética. Menos do que um rol fechado de possibilidades, Athos revela uma grande habilidade em experimentar suportes e materiais para resolver

25 Para mais informações, ver ROSSETTI, artigo “Brasília, 1959: a cidade em obras e o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte” in Portal VITRUVIUS: h t t p : / / w w w . v i t r u v i u s .c o m . b r / r e v i s t a s / r e a d /arquitextos/10.111/34

Painel de azulejos de Athos Bulcão, Anexo do Palácio Itamaraty.

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os problemas que lhe são colocados. A definição da paginação dos pisos é resolvida com mármores e granitos; o elemento de vedação parcial da Sala dos Tratados é tratado com uma grande treliça de perfis de madeira e chapas metálicas, enquanto que o Hall de recepção do térreo possui um enorme baixo-relevo em mármore branco. E além dos granitos, dos mármores, das madeiras, das chapas metálicas, ele desenha padrões gráficos para azulejos cerâmicos.

A paginação dos pisos é um dos problemas comuns aos palácios de Brasília, que possuem salões de grandes dimensões, sejam como áreas de transição, sejam como vestíbulos, ou mesmo como espaços nobres —como é o caso do Salão Negro do Congresso Nacional. Trata-se de espaços que são ocupados por dezenas ou centenas de pessoas, sendo espaços que também podem ser de amplo interesse público por meio de fotografias ou imagens de TV e internet. No Itamaraty, o piso de entrada dos visitantes perfaz um passadiço sobre o jardim aquático e conecta a rua, a cidade e as autoridades e comitivas com o primeiro espaço do palácio: Hall de recepção do térreo, que com seus 30 metros de largura abre uma perspectiva para dentro do próprio palácio, dotada de elementos marcantes, como o vazio e a escada monumental, a obra Mary Vieira e os jardins da outra extremidade.

Tomando um módulo, retangular, configurado por um arranjo de pedras de granito, Athos define uma sequência alternada destes módulos com uma ligeira diferença de eixo entre uma linha de módulos e a seguinte, repetindo o esquema ao longo de todo o hall. Assim, ele realiza uma solução plástica com uma animação visual para cada módulo e para o conjunto de módulos que perfazem o piso de todo o hall. Assim, esse amplo espaço poderá ensejar sempre uma rica percepção desta superfície de chão, tanto quando está com pequeno número de pessoas, como quando está ocupado por comitivas, jornalistas e autoridades. O mesmo procedimento é utilizado com mármores brancos no vestíbulo do mezanino e nos salões de festa. E para manter a proporção, na medida em que o pé-direito fica maior, o módulo retangular do piso também se amplia. Trata-se de uma sutileza, mas atesta o cuidado integral na solução dos pormenores do palácio.

No grande hall de recepção do piso térreo, Athos Bulcão instalou um baixo-relevo em mármore branco que ocupa toda a parede do hall. A partir das pedras da paginação do revestimento da parede são definidos elementos de marcação vertical. Athos mantém a regularidades das pedras retangulares e propõe arremates em ângulos para definir os

trapézios para construir o baixo-relevo. Já que não há contraste entre o polimento das pedras, é a linha que desenha o elemento trapezoidal que realiza um jogo sutil de luz e sombra para demarcar cada peça do painel. Aquilo que parece uma discreta ação sobre a matéria se revela uma potente contribuição ao espaço arquitetônico. Esta marcação vertical relativiza a real altura da parede e cria um panorama dinâmico em que as peças do painel parecem simular os elementos de um quebra-sol em movimento. Este jogo delicado parece criar perspectivas em outro sentido, ou ainda aberturas onde não se esperava, ampliando as metáforas de diálogo, abertura e miríades de possibilidades latentes, apropriadas a um ambiente diplomático. Destaca-se que esse baixo-relevo é usado como pano de fundo para as fotos oficiais do chanceler com autoridades e visitantes oficiais, assim que o cumprimentos são trocados na cerimônia de recepção.

A treliça de madeira e metal é um elemento que define uma separação entre a Sala dos Tratados e o vestíbulo do mezanino. Para garantir continuidade espacial, em vez de utilizar uma parede ou dispor de outra solução opaca, foi realizada uma vedação parcial, com jogos de transparências, cheios e vazios, por meio de uma grande treliça. Trata-se de uma solução construída com perfis verticais de madeira, que são preenchidos com peças metálicas com tamanhos e cores variados. A solução plástica é extremamente dinâmica e surpreendente, produzindo um filtro da luminosidade para o vazio da escada monumental, mantendo a autonomia de um espaço de grande importância simbólica no palácio.

Athos Bulcão desenvolveu diversos padrões para azulejos para o Itamaraty, que são utilizados para revestir superfícies de parede com diferentes graus de importância estética. Dentre os azulejos especialmente concebidos para o palácio, destaca-se o conjunto de peças amarelas que definem o fundo de um dos jardins da passarela do Anexo I para o Anexo II, e que podem ser vistas na lanchonete. Destacam-se também os dois painéis com predomínio das cores azul e branca, localizados no oitavo andar no Anexo I do palácio.

Os jardins do palácio — Os jardins do palácio são um dos aspectos que mais diferenciam o Itamaraty dos demais palácios em Brasília. Mesmo que Burle Marx também tenha projetado um jardim aquático circundante e um jardim interno, a guisa de pátio para ventilação, para o Ministério da Justiça, ou ainda tenha concebido os jardins do Palácio do Jaburu, os demais palácios e as demais situações cívicas da capital não possuem a marca do paisagista na definição de seus espaços.

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Para Wladimir Murtinho, assim como havia ocorrido com o Ministério da Educação e Saúde nos anos 1930, além das obras de arte a nova sede da chancelaria em Brasília não poderia prescindir de uma obra paisagística de Roberto Burle Marx. Assim, com sua natural habilidade diplomática, conseguiu integrar a questão paisagística ao desenvolvimento arquitetônico do palácio.

Para o Itamaraty, Burle Marx elaborou jardins para o edifício representativo, para o edifício administrativo, bem como para os espaços externos, e internos do Anexo II. No edifício representativo, o paisagista concebeu um conjunto de três jardins, sendo dois deles aquáticos. O grande destaque é o grande jardim aquático externo que faz da água o elemento plástico preponderante, contrapondo-se às superfícies gramadas da Esplanada. Ao mesmo tempo, esta grande área molhada opera como um grande espelho d’água que isola a forma do edifício com uma distância tal que o palácio parece flutuar sobre seus domínios. A umidificação dos ambientes e o fator de segurança que a distância da água promove são ganhos adicionais de uma solução paisagística então inédita em Brasília.

O jardim aquático externo é idealmente quadrado, com recuos para facilitar as áreas de acesso. Trata-se de um ambiente configurado por ilhas de vegetação que abrigam as dezenas de espécies vegetais, cujas texturas, folhagens e expressões plásticas diversas animarão a solução paisagística. Essas ilhas de vegetação apresentam formas circulares e retangulares, ou composições de formas semicirculares com linhas ortogonais, resolvidas com superfícies em concreto aparente que emulam a solução construtiva da arcada.

O jardim aquático coberto fica no interior da planta do térreo, sendo surpreendentemente aberto para o exterior. Trata-se de um jardim que perfaz toda a extensão do grande hall de recepção do palácio, arrematando visualmente e espacialmente este espaço nobre. Junto com a obra de Mary Vieira, da escultórica escada e do baixo-relevo, o jardim se destaca como elemento derradeiro do olhar do visitante que adentra os espaços palacianos, surpreendendo-o, especialmente quando visto do nível do mezanino. São marcantes as espécies amazônicas de grande verticalidade que estão implantadas neste jardim, que resolve a alocação das ilhas de vegetação por meio de uma transição do seco para o molhado com uma grande área de seixos rolados secos e outra molhada.

Jardim aquático externo, com recuos para facilitar as

áreas de acesso, apresenta formas circulares e

retangulares.

Jardim aquático localizado no térreo do Palácio Itamaraty

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A dinâmica social dos salões pode transcorrer ambientada entre os salões e a varanda, em que se destacam algumas obras de arte e o “jardim suspenso”: trata-se de um plano quadrado, ligeiramente sobrelevado da laje do piso, que define um lugar suspenso dentro da espacialidade da varanda, interpondo-se às relações dentro/fora, ou seja, contrapondo-se à paisagem do cerrado, com espécies vegetais de outra plasticidade. Tal como um oásis, situação espacial inusitada em meio ao continuum espacial da varanda. O jardim é demarcado por pisos de seixos rolados brancos e pisos de mosaico português branco, que desenham caminhos por entre o jardim —evocando as veredas de Guimarães Rosa. As próprias vigas do sistema estrutural são reveladas, transformando-se numa pérgola,

captando luz para toda a varanda, equilibrando a sombra das arcadas, que também resguardam o palácio na estação das chuvas.

Um palácio na trajetória do país — Não se revoluciona revolucionando. Revoluciona-se solucionando (Le Corbusier)

Em 1970, houve a definitiva inauguração do Palácio Itamaraty, seguido da transferência do corpo diplomático para Brasília. Naquele momento, já haviam sido superadas as questões que dificultavam a mudança: falta de comunicação direta com Nova York e Genebra, a difícil articulação territorial aeroviária, os espaços adequados para os arquivos e documentação confidencial.

Porém outra questão que sempre comparece como argumento contrário à transferência —os apartamentos funcionais para diplomatas— não havia sido resolvida. As superquadras com unidades habitacionais para diplomatas que Murtinho pretendia fazer utilizando um sistema de pré-fabricação haviam sido interrompidas, fato que ampliaria ainda mais a contribuição institucional no desenvolvimento de novas questões do campo arquitetônico a partir das obras de Brasília.26 Suplantando o longo processo de transferência, arrastada contra a vontade de muitos diplomatas da própria Casa, Murtinho, tantos arquitetos e colaboradores finalmente haviam consumado o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer.

Passados dez anos do início das obras, no contexto político do “milagre econômico” que encerrava as grandes obras da Usina Hidrelétrica de Itaipu e da Rodovia Transamazônica, o Palácio Itamaraty de Brasília se instaura em definitivo no campo da arquitetura brasileira e na paisagem de capital, quando a cidade também já se configurava plena de outras obras arquitetônicas.

Neste projeto, Niemeyer domina a complexidade arquitetural intrínseca a um programa arquitetônico e sem exacerbar sua fala de praxe em defesa da liberdade da concepção formal. Parafraseando Le Corbusier, foi solucionando um problema de projeto que Niemeyer pode ser revolucionário. Ao mesmo tempo, contando com a colaboração de um grupo de grande competência e capacidade, Niemeyer pôde atingir um novo patamar em qualidade espacial, formal e estrutural. Se por um lado, o fato arquitetônico do palácio é forte como imagem, por outro lado o palácio consegue manter o vigor da qualidade dos espaços e de sua expressão construtiva.

26 MENDES. Op. cit., p.48 et seq. As superquadras para di-plomatas seriam as SQN 107, 108, 307 e 308. Mendes destaca que o processo de pré-fabrica-ção foi especificado no edital para construção dos blocos, to-talizando 1.800 apartamentos. O edital, formulado por Murtinho, apontava a “obrigação” do uso de se construir uma usina de pré-fabricação para a produção dos edifícios, que seria poste-riormente cedida sem ônus para a NOVACAP. Vale destacar que havia uma comissão mista entre o Ministério das Relações Exteriores, as construtoras e a Universidade de Brasília, a UnB —então representada pelo ar-quiteto Lelé.

O jardim e a varanda são iluminados por uma

pérgola que decorre do não fechamento do vão entre as vigas do sistema estrutural

da laje de cobertura.

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Enquanto a arcada permanece como o fator imagético inequívoco, o arquiteto revoluciona sua própria arquitetura, revigorando e subvertendo os significados que só ele mesmo pode instaurar na praxis de seu discurso, ratificando sua convicção política, sem alarde, através dos usos intrínsecos à varanda.

Ao longo de seu processo de projeto e construção, sob o comando geral de Wladimir Murtinho, a nova sede do Itamaraty conseguiu a proeza de sedimentar no cerrado a presença dos vetores mais destacados do modernismo brasileiro —Lucio Costa, Niemeyer, Burle Marx, Portinari— num contexto político e cultural que já não correspondia mais àquele projeto de modernização nem àquela modernidade almejada outrora, materializada desde o projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública. Assim, o palácio demarca uma grande mudança no funcionamento de Brasília, com o estímulo oficial para a transferência de todo o corpo diplomático e para a transferência de todas as embaixadas instaladas no Brasil.

As atuais pesquisas sobre novos documentos do processo projetual e construtivo do Palácio Itamaraty estão contribuindo para repensar seus atributos e rever sua importância na história da arquitetura brasileira. Neste processo, reconhecer o valor das colaborações e trazer os nomes dos tantos profissionais que participaram da invenção deste palácio está se tornando a maior contribuição, uma vez que a autoria de Niemeyer já está sacralizada.

Não há dúvida de que ao longo das cinco décadas em que o palácio existe como sede da chancelaria ele passou por transformações, por pequenas ou grandes mudanças, mas ainda preserva seu sentido inaugural intacto. Aqui, para efeitos de abordagem do palácio, foi considerado o atual estado de organização de sua estrutura espacial, mas outras abordagens podem e devem ser empreendidas sobre uma obra arquitetônica tão extraordinária para sediar a diplomacia brasileira.

Hoje, o Palácio Itamaraty em Brasília continua a desempenhar suas atividades, em meio à multidão de jornalistas, da crescente preocupação com segurança, das comitivas maiores, da tecnologia da informação, por meio de um corpo diplomático crescente, que usa e ocupa os espaços do palácio seguindo ou subvertendo os códigos, os protocolos e as regras. Nada disso, porém, é capaz de diminuir a segura imponência de uma arquitetura que representa e faz representar o Brasil aos olhos do mundo.

Palácio flutuando sobre o espelho d’água com jardins aquáticos de Burle Marx, com destaque para o renque de buritis à esquerda, 11 de janeiro de 1970. Foto: Acervo ArPDF

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ACERVO DE ARTE GRAÇA RAMOS

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1 Este texto refere-se apenas ao acervo do prédio principal do Itamaraty, que é acessível à visitação pública.

2 MURTINHO, Wladimir do Amaral. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.

O acervo de arte do Palácio Itamaraty permanece como a mais representativa coleção dos prédios públicos de Brasília passados 50 anos da inauguração do edifício1. O também chamado Palácio dos Arcos oferece um percurso pela história da arte e do design brasileiros, em especial das décadas de 1950 e 1960, que termina por caracterizá-lo como o único palácio-museu da capital do País. Para além de uma imagem institucional, esse patrimônio cultural projeta a crença de um Brasil que se sobressai pela inteligência criativa.

Em parte, tal efeito se deve ao fato de que as escolhas para sua montagem foram definidas de modo pouco comum à época no País, que foi a atuação de um curador-chefe, o diplomata Wladimir do Amaral Murtinho (1919-2003). Entre 1963 e 1969, ele foi Chefe da Representação do Ministério das Relações Exteriores no Congresso Nacional, e também Chefe da Comissão de Transferência do MRE do Rio de Janeiro para Brasília. Responsável por administrar a construção do prédio e fazer a sua ambientação interna, Murtinho dotou o Palácio Itamaraty do que considerava “a melhor coleção de obras de arte que existe em qualquer edifício público do país”2.

Uma tapeçaria conta sobre a forma de agir de Murtinho, responsável, após a definição do projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, por reunir equipe de arquitetos, engenheiros e artistas para organizar o edifício sede da chancelaria brasileira. Instalada no gabinete do Ministro de Estado, no segundo andar do palácio, a imagem tecida em fios reproduz mapa do renascentista Jerônimo Marini, realizado em 1512, e resume muito da visão de mundo e de Brasil que orientou a montagem do palácio.

Escolhas do esteta pragmático“Havia um arco projetado no solo /Para ser recomposto em três curvas aéreas, /Havia um voo abandonado /À espera das asas de um pássaro.” (Joaquim Cardozo, “O salto tripartido”).

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Tapeçaria de Madeleine Colaço reproduz em

bordado o mapa Orbis typus universalis tabula, de

Jerônimo Marini

3 Conferir: Madeleine Colaço. Rio de Janeiro: Index, 1998.

O mapa-bordado propõe reorientações: o centro do mundo está em Jerusalém – um presépio a identifica –, o que resulta em lógica inversa à expressão naturalizada nos mapas-múndi realizados a partir da época das colonizações. A leitura proposta pelo Orbis typus universalis tabula, título do desenho original, é orientada para o Sul. Atualizado pelo olhar dos que visitam o Itamaraty, fica implícito o convite para a reflexão sobre outras visões geopolíticas.

Transportado para a tapeçaria, o mapa seiscentista exibe em destaque o Brasil, no alto, acima da Linha do Equador, único país das Américas identificado. Logicamente, a escolha do desenho de Marini embute certo ideal de nacionalismo. Entretanto, o mais relevante ao transformá-lo na imagem central da sala do principal executivo do MRE é a sugestão de uma leitura pós-colonial para as relações entre países.

À época em que chefiava o Arquivo do MRE, no fim dos anos 1940, no Rio de Janeiro, Murtinho apreciava a reprodução da obra de Marini preservada na mapoteca. Considerava o mapa “a peça-chave de nossa história”, como gostava de lembrar a interlocutores. Quando começou a pensar a ambientação do novo prédio, veio a ideia de transpor para a tela a primeira carta a usar o nome Brasil na identificação da então colônia portuguesa.

Encomendou à mais importante tapeceira brasileira em atuação na época, Madeleine Co-laço, a tarefa de transpor para a linguagem dos fios o mapa-múndi antigo, que, além de expressar graficamente uma visão de mundo, pela beleza da composição, é obra de arte. Levou a artista ao Itamaraty do Rio de Janeiro, exibiu o mapa e ela fez suas anotações. O diplomata solicitou a ampliação da escala da carta de Marini e deixou por conta da tape-ceira a definição da cromatização, algo que Colaço dominava com maestria.

A partir daí, durante o período de quase um ano, sempre que ia ao Rio de Janeiro, Murtinho visitava o ateliê de Colaço, localizado em Copacabana. Acompanhou todas as etapas do trabalho das bordadeiras que se debruçavam em pernadas de lã nas cores amarela, marrom, azul e vermelha. O diplomata gostava de ver a maneira como o trabalho ganhava forma. Nas recordações de Jorge Colaço,

Murtinho chegou com a ideia precisa do que queria. Ele explicou que o objetivo era mostrar o lugar que o Brasil deveria ocupar, sempre em cima, com posições políticas importantes. Disse também que era para ser usado o ponto brasileiro.

Criado por Colaço e batizado por Marie Cuttoli, especialista francesa em tapeçaria, o ponto do bordado remete à ideia de brasilidade por ser comparado ao entrelaçamento dos passos do samba3. Se os tradicionais coulé e arraiolo seguem lógica linear, o brasileiro faz ziguezague. Daí ser chamado também de “samba bordado”. Embora siga regras mínimas em sua elaboração, ele se caracteriza pela aposta no imprevisto ao possibilitar mudanças aleatórias de direção. Diferente das outras duas técnicas, o brasileiro permite a criação de manchas, interligando e uniformizando tudo, o que aumenta a firmeza do bordado final.

A narrativa sobre o mapa-tapeçaria serve para ilustrar que, desde sua concepção, o acervo atendeu à função representativa. No Palácio Itamaraty, são realizadas recepções para autoridades estrangeiras e celebradas assinaturas de tratados internacionais, o que

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4 Documento contido na pas-ta CP 44 A, assinado por Mo-zart Gurgel Valente Júnior, em 18/04/1969. Brasília: Arquivo do Itamaraty.

5 “Construindo o Itamaraty” em Boletim ADB. Brasília: Asso-ciação dos Diplomatas Brasilei-ros, nº 37, 1998.

transforma o palácio na sala de visitas do País. Ou, como preferia designar Murtinho, “sala de recepções do governo da República”. Mas, especialmente, ajuda a demonstrar que, ao pensar a aquisição de obras de arte, Murtinho preferiu expressões que se vinculassem à ideia de Brasil e, ao mesmo tempo, não ferissem suscetibilidades de autoridades estrangeiras.

“Murtinho conseguiu colocar na arquitetura a visão de uma carreira, e a arquitetura e a organização do palácio definiram o cerimonial”, lembra o embaixador Luiz Brun de Almeida e Souza, que, juntamente com Rubens Barbosa e Bernardo Pericás, colaborou com Murtinho durante a construção do edifício. Brun era o responsável por trabalhar na imprensa local a ideia da necessidade da construção do palácio – apoio midiático que se revelou fundamental para a conclusão da obra. Com a deflagração do movimento militar de 1964, ele funcionou como elemento de ligação junto dos militares.

Visionário, Murtinho, o diplomata-curador, escolheu obras de autores brasileiros ou de temática brasileira que não se caracterizam por uma expressão de imposição de força do Brasil frente a outros povos. Diferentemente, por exemplo, do que ocorria no antigo Palácio Itamaraty, no Rio, onde pinturas de cenas de batalhas eram valorizadas, chegan-do a provocar constrangimentos. Em abril de 1969, menos de um ano antes da mudança definitiva do ministério para Brasília, o então secretário-geral do órgão, Mozart Gurgel Valente Júnior4, solicitou a retirada de sua sala da obra O Conde d´Eu em Campo Grande, de Charles Sheffeck. Alegou que, embora fosse uma “evocação grata aos brasileiros”, às vezes, era “pouco diplomática” em tempos de paz. A solução encontrada parece inspira-da em Brasília – onde já pontuava a arrumação cênica orquestrada por Murtinho: o óleo foi deslocado para outra sala. E atrás da mesa do secretário-geral foi instalada tapeçaria sem teor bélico.

Em seu corte curatorial, Murtinho privilegiou a capacidade de invenção e criação, diminuindo a força do caráter celebratório. Ao destacar a produção de artistas e designers brasileiros ou aqui radicados, assim como expor obras cuja temática se vinculassem ao País, mas valorizando potencialidades da natureza e da técnica, o diplomata deixou claro o ideal que o norteava enquanto fazia sua seleção: “O Itamaraty daqui era uma prova de nacionalismo, dando destaque a tudo que era brasileiro”, explicou anos mais tarde5.

O tema do nacionalismo já havia preocupado Murtinho quando dirigiu os trabalhos da importante exposição Arts primitifs et modernes brésiliens, no Museu da Etnografia, em

Neuchâtel, na Suíça, entre novembro de 1955 e fevereiro de 1956. Ele expôs coleção de diferentes períodos da arte brasileira, em prévia do que viria a ser a sua curadoria para o Itamaraty, e assinou ao fim do catálogo o texto “Notas sobre a arte brasileira”, em que explicitou suas ideias. Mas é um artigo em especial que ajuda a compreender sua concepção de nacionalismo. Trata-se de “O Brasil e a arte moderna”6, um dos raros textos de Murtinho sobre cultura brasileira. Foi publicado logo após o encerramento da exposição, em maio de 1956, na Du: Schweizerische Monatsschrift, que, graças aos esforços do diplomata junto dos editores, dedicou número temático ao nosso País. A capa da revista é um elogio ao Brasil com desenho de espécie da flora nativa, retirada do livro História natural das palmeiras, de Karl Friederich Philipp von Martius, que aqui esteve em expedição no século XIX.

Com algum humor, Murtinho escolheu como epígrafe para o seu texto o poema “Noite morta”, de seu poeta predileto, Manuel Bandeira, que discorre sobre uma noite em que, junto a postes de iluminação, sapos engolem mosquitos.“Ninguém passa na estrada. /Nem um bêbado. /No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras. /Sombras de todos os que passaram. /Os que ainda vivem e os que já morreram...”.

Com essa chave metafórica, ele deixa entrever o tom que dará ao artigo. Alerta sobre a es-pecificidade nacional: “Esquecemos muito facilmente que os trópicos exigem uma profun-da capacidade de adaptação sem a qual tudo – homens, ideias e culturas – são rapidamente destruídos”, ressalta ele. Elogia a arquitetura contemporânea brasileira, dizendo que há uma constelação de profissionais de primeira linha, cuja contribuição é fundamental para elaboração do que se pode chamar de estilo brasileiro. Ao falar da música, cita Claudio San-toro e Guerra Peixe e afirma que eles recuperam o tema do nacionalismo da geração que os precedeu. Relembra Milton da Costa, Ione Saldanha, Almir Mavignier, Aloísio Carvão, como nomes que encontraram na arte abstrata “o caminho para expressar a complexidade do espírito brasileiro”.

Defende a existência de uma arte autóctone, dizendo que o Brasil “busca caminho na afirmação de suas peculiaridades mais profundas”. Considera o País “verdadeira ilha na América do Sul”, que criou “uma arte de profunda unidade que se exprime de forma diferente, sensível e moderna”. E continua:

Mestiça desde sua origem a arte dos brasileiros se apresenta diferente, tropical. Influências múltiplas podem ser observadas em suas criações

6 MURTINHO, Wladimir do Amaral. .“Le Brésil et l´art mo-derne” em Du: Schweizerische Monatsschrift. Zurique, Maio de 1956, nº 5. Agradeço a tradução do artigo à jornalista Elza Pires.

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7 MURTINHO, Wladimir. “Toda a história, na palavra do embai-xador Wladimir Murtinho”. José - Jornal da Semana Inteira. Brasília, 22 – 28 out. 1977, p.13.

artísticas, mas há sempre uma fusão, uma integração. Da mesma forma que uma nova raça surge a partir da herança de índios, africanos e europeus, criou-se uma arte de profunda unidade que se exprime de forma diferente, sensível e moderna.

Desde o exercício de suas primeiras funções no Itamaraty até o fim da vida, como assessor do Ministério da Cultura, cargo que exercia quando morreu, Murtinho se define um entusiasta da arte e da cultura brasileiras. Nacional, para ele, era fortalecer essas expressões. “Não há na história da divulgação cultural do Brasil no exterior ninguém que tenha feito mais do que ele”, assegura o embaixador Rubens Ricúpero, um dos seus mais próximos amigos e encarregado de acompanhar Murtinho em uma de suas primeiras visitas à Esplanada, em 1961. “Ele acreditava na excepcionalidade do País, enxergava sempre o lado original, jamais com ingenuidade, sempre com inteligência”, assegura Ricúpero, lembrando a máxima do amigo: “É preciso ter 10 projetos para terminar um ou dois”.

Nascido na Costa Rica, filho do embaixador brasileiro Antônio José do Amaral Murtinho e Ada Fernández Le Capellain, Wladimir, ou Wladi, como ainda hoje gostam de chamar os que o conheceram, foi criado longe do Brasil. Mudou-se para o País disposto a se preparar para o concurso da carreira diplomática, a que se submeteu em 1940, logrando o oitavo lugar. Até mesmo o português foi aprendido tardiamente, tendo sido grande a ajuda para dominar o idioma daquele que se tornaria seu amigo fraterno, Mozart Gurgel Valente, o primeiro da turma.

Em 1958, Gurgel Valente foi designado para exercer funções de assessoria junto do pre-sidente da República Juscelino Kubitschek. Ficou encarregado dos temas relacionados à Operação Pan-Americana lançada por JK, voltada para a superação da miséria e fortale-cimento da democracia no continente americano. Tornou-se, juntamente com Murtinho, dentro da estrutura do Itamaraty, um dos primeiros a defender a transferência do órgão para Brasília. Sentimento reforçado após a leitura do livro Quando mudam as capitais, do também diplomata José Osvaldo Meira Penna, lançado em 1958, com capítulo dedicado à futura capital. Valente e Murtinho elaboraram documento que nortearia a concepção do projeto do palácio7, o que o dotou de personalidade diferente das demais estruturas proje-tadas por Oscar Niemeyer em Brasília.

“Meu pai era mais intelectual, mais re-flexivo, e Wladimir não acreditava no impossível”, conta Maria Luci Gurgel Valente, filha de Mozart Valente. “Murti-nho não tinha ideologia, era regido pela estética e a poética”, acrescenta o embai-xador Luiz Felipe Seixas Corrêa, dizen-do acreditar que tais características refle-tiram-se na construção e montagem do palácio. “Ele nunca colocou dúvidas so-bre a originalidade e o futuro do Brasil, pensou o Itamaraty como síntese de um Brasil novo”, continua o embaixador.“-Mozart dizia que a única pessoa que conseguiria terminar a obra do palácio e fazer a transferência seria Wladimir”, lembra Eliane Gurgel Valente, viúva de Mozart. “Meu pai acreditou na cidade quando ela era apenas ideia, mudou-se para Brasília e nela permaneceu até mor-rer”, enfatiza Maria Isabel Murtinho, fi-lha do diplomata-curador.

Ao resolver submeter-se às provas para acesso ao Itamaraty, então realizadas pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), Murtinho, que havia estudado na Inglaterra, Noruega e França, decidiu correr atrás do que considerava uma deficiência, o pouco conhecimento que tinha a respeito do Brasil. Correspondência enviada a ele por seu padrinho, o então embaixador na Alemanha durante a década de 1940, Cyro de Freitas Valle (1986-1969) comprova a disciplina que se autoimpôs: “Bem ciente de que o português e a brasilidade hão de ser-lhe tão necessários quanto é o ar para viver, preparou você um plano trienal de auto-nacionalização”8.

8 Carta enviada em 13/9/1940. Preservada no maço de notas pessoais de Wladimir Murtinho. Brasília: Arquivo do Itamaraty.

Ao fundo, Eliane e Mozart Gurgel Valente; à frente Murtinho e Mira Giorgi

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O casamento com a artista plástica Maria Antonieta Prado Uchôa, a Tuni, filha de tradi-cional e rica família paulistana, sobrinha de um dos mais importantes intelectuais e intér-pretes da sociedade brasileira,o historiador Caio Prado Júnior, o aproximou ainda mais da elite cultural e artística do País. Se, ao entrar para a casa de Rio Branco, Murtinho tinha como objetivo se especializar em temas de economia, a pauta cultural brasileira a partir de 1950 se tornou mais relevante em sua carreira. Opção que foi fundamental durante a cons-trução do palácio em Brasília e a transferência do MRE para a nova capital.

Entre 1963 e 1969, simultâneo ao enfrentamento de inúmeros problemas burocráticos relacionados à construção do palácio e à imensa resistência interna à mudança, Murtinho se dedicou a cuidar da ambientação interna do prédio, funcionando efetivamente como curador-chefe. Contou com a valiosa ajuda de Olavo Redig de Campos, chefe do Serviço de Patrimônio do Itamaraty, então sócio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e com bom trânsito entre arquitetos e artistas.

Murtinho e Redig trabalharam tanto tempo juntos e desempenharam com tanto esmero suas funções a ponto do poeta e também diplomata João Cabral de Melo Neto um dia sentenciar: “Redig é o arquiteto mais diplomata e Murtinho, o diplomata mais arquiteto que conheço”, conforme relembra a arquiteta Clara Redig de Campos. Ela formou parte da

equipe de jovens arquitetos, em média com 25 anos, que trabalhou para a organização dos espaços internos do palácio.

No que se referia à escolha de designers, Murtinho recorria aos conselhos de Aloísio Magalhães, fundador da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (ESDI), nome fundamental para a modernização do design brasileiro, que viria também a ser mais tarde presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Por decisão de Murtinho, Magalhães elaborou a logomarca do MRE, baseada nos arcos arquitetônicos. Amigos fraternos, os dois, juntamente com Severo Gomes, fundariam mais tarde o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), órgão dedicado à pes-quisa e a ações em cultura popular. Quando restava dúvida sobre a aquisição de algum trabalho ou contratação de artista, solicitava assessoria informal a Tuni, que havia estu-dado gravura com William Hayter, no famoso Ateliê 17 em Paris, e Johnny Frillaender, no Rio de Janeiro9. Também recorria à embaixatriz Eliane Gurgel Valente, que auxiliava Niomar Muniz Sodré Bittencourt nos primórdios do MAM.

9 Consultar artigo de FORTE, Graziela.“A arte de Tuni Murtinho” em <http://www.academia.edu/7564809/A_Arte_de_Tuni_Murtinho>.

Ao lado, Aloísio Magalhães. Acima, logotipo do MRE.

Murtinho e Maria Antonieta

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Contou também com o fundamental apoio do embaixador Joaquim de Sousa Leão (1897-1976), colecionador da iconografia seiscentista, portanto, apreciador de obras de arte de Frans Post (1612-1680) e Albert Eckhout (1610-1665), artistas que retrataram paisagens do País no século XVII. Ele indicou como comprar uma pintura de Post, hoje instalada no gabinete do chanceler, e obras de tapeçaria feitas a partir de desenhos de Eckhout. Sousa Leão foi ainda especialmente valioso quando da organização da recepção para a Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, em 1968, pois emprestou de sua coleção tapeçaria executada a partir de Eckhout, peça utilizada como cenário ao local em que a Rainha cumprimentou os ministros de Estado e convidados10.

do diplomata Mauro Dias da Costa, que, Encarregado de Negócios no Paquistão, havia se dedicado a estudar o tema. Segundo Murtinho, colaboraram ainda na ambientação do palácio, mas em menor proporção, Djalma Lessa e Raymundo de Castro Maia, conhecidos colecionadores de arte brasileira à época11.

Ancorado em sua vivência estética, no apoio desse grupo, e no trabalho da equipe que montou, ele encomendou e orientou pessoalmente quase todos os artistas sobre como deveriam ser as obras a serem instaladas no edifício. Uma das exceções foi a artista e também embaixatriz Maria Martins, que impôs a obra a ser por ela doada, A mulher e a sombra. Ela também acertou que o Itamaraty pagaria a fundição de Canto da noite. “Na época, 80% foi comprado especialmente para Brasília”, revelou Murtinho12. “É uma sorte inacreditável, ou seja, que não tenha havido pressões para comprar isto ou aquilo”, ele contou ao Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB).

11 A informação consta em PINTO, José de Magalhães. In-formações sobre despesas do Palácio dos Arcos. Brasília, 27 de abril de 1968.

12 “Construindo o Itamaraty”, op. cit.

Quando decidiu adquirir tapetes para compor a ambientação interna, além de inúmeros tapetes encomendados a Colaço, Murtinho enviou para o Líbano e Londres, em 1966, Redig de Campos e Carlos Camargo, jovem arquiteto que também integrava a equipe de patrimônio do MRE. Ao todo, eles adquiriram 34 tapetes persas datados do fim do século XIX e princípios do XX, no total de 455 metros quadrados. Contaram com a ajuda

10 MENDES, Manuel. O cerrado de Casaca. Brasília: Thesaurus, 1995, pág. 86.

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Segundo o ex-chanceler Mario Gibson Barbosa, toda a construção e ambientação do palá-cio, além da transferência do Rio para Brasília, custou “menos do que três aviões de caça Mirage, cerca de 14 milhões de dólares”13. Tudo isso graças aos esforços de Murtinho, que foi designado por Gibson embaixador na Índia pouco antes da transferência e inauguração definitiva do palácio, festa que foi convidado a prestigiar em cima da hora, após amigos insistirem com o chanceler da importância de o curador estar presente neste momento fun-damental da diplomacia. Anos depois, em suas memórias, Gibson reconheceu o trabalho realizado: “A Murtinho se deve essa construção, no esforço continuado de anos sem se poupar, assumindo imensos riscos e enfrentado muitas incompreensões”.

Em 1968, ao responder a requerimento de informações feito pela Câmara dos Deputados sobre as gastos realizados no Palácio dos Arcos, Murtinho destacou a importância da aquisição de mobiliários projetados especificamente para os prédios e reforçou o caráter nacional, dizendo:

Procurou-se na decoração do palácio, dar relevo especial às obras de arte, e aos móveis nacionais. Para isso, foram comprados ou especialmente enco-mendados quadros, esculturas, afrescos, pinturas e móveis especialmente desenhados para a nova sede do Ministério das Relações Exteriores.

Pouco dado à reflexão escrita – talvez em função de forte miopia (17 graus) –, Murtinho era predominantemente homem de ação, workaholic otimista e disciplinado, movido pelo desejo de construir um Brasil civilizado e forte. “Como muitos outros de sua geração, ele construiu uma entidade imaginária, um Brasil que acreditava poder dar certo”, relembra o neto e historiador Luiz Bernardo Murtinho Pericás. Em público e no privado, ele construía um discurso positivo sobre o Brasil e, em especial sobre Brasília, “a coisa mais original e importante que o Brasil já fez em termos de cultura, de projeção no mundo”14.

Havia um dado da personalidade de Murtinho que contribuía muito para o exercício da tarefa que Brasília lhe impôs: a paciência. Filho de família materna teosófica, ele era movido pelo entusiasmo. Acreditava que o Brasil era capaz de aliar razão e invenção de maneira a exportar para o mundo produtos e pensamentos. Via o País como potência criativa e, de certa forma, no Itamaraty ele concretiza tais ideias.

“Murtinho não aceitava não como resposta, era preciso ir atrás do que se queria”, reforça o embaixador Rubens Barbosa, que trabalhou com ele nos primórdios da construção

do palácio, sendo responsável pela articulação com deputados e senadores. “Foi meu primeiro chefe, aprendi muito com ele”, conta, relembrando que quando chegou a Brasília havia apenas imenso buraco no local onde hoje está o Itamaraty, tudo lembrava um navio abandonado.

De segunda a quinta-feira, Murtinho ficava em Brasília, hospedado no Hotel Nacional. Circulava entre o gabinete provisório do MRE no Ministério da Saúde, o escritório da obra (onde hoje é o estacionamento lateral), e visitas à Esplanada, e, mais raramente ao Con-gresso Nacional em busca de apoio político e de verbas. Costumava levar pequena caixa de chocolate para as secretárias, se tornando personagem dos mais queridos entre elas. Nas sextas-feiras e fins de semana, no Rio de Janeiro, visitava ateliês, conversava com artistas, acompanhava trabalhos encomendados e, eventualmente, modificava orientações, mesmo que resultasse em mais esforços dos contratados.

Caso, por exemplo, da escultura Duas amigas (1967-1968), de Alfredo Ceschiatti, uma das imagens femininas localizadas no jardim superior do Itamaraty. O artista pretendia deixar o bronze com polimento mais dourado. O diplomata achou que uma capa de pátina dota-ria a peça de mais sobriedade, tornando melhor sua adequação ao espaço planejado, o que foi providenciado. Na verdade, percebeu que duas obras com polimento dourado seriam excessivas no mesmo espaço. Pois, hierárquico e habilidoso, já havia aceitado sem questio-namentos o bronze polido da obra Canto da noite (1968), escultura da mulher em gozo, de intenso dourado, que resume o diálogo de Maria Martins com Marcel Duchamp. “Suas for-mas recordavam galhos, com o dourado potencializando os reflexos solares”, explicou15. “E depois, com Maria, não se discutia”, disse sobre o temperamento da artista, viúva do embaixador Carlos Martins.

As escolhas de Murtinho foram dotando o Itamaraty do caráter, como já dito, de um pa-lácio-museu, com o cuidado de ser projetado para o próximo meio século, o que estava em conformidade com o ideário da própria construção de Brasília. Esse zelo deu-se não apenas no que se refere a obras de arte integradas e não integradas, conforme a classifi-cação do diplomata-curador16. Mas, em especial, na preocupação em desenhar mobiliá-rio especialmente para o palácio, ao contratar os designers, que atuaram coletivamente na montagem.

13 BARBOSA, Mario Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, página 206.

14 COSTA, Maria Ignez Correa da. “Murtinho, um monumen-to”. Brasília: Jornal de Brasília, 15 de dezembro de 1974, “Suple-mento”, página 1.

15 Em 2002, entrevistei Murtinho para confecção de minha tese de doutorado em História da Arte, obtido na Universidade de Bar-celona, que resultou no livro Ma-ria Martins – escultora dos trópicos (Rio de Janeiro: Artviva, 2009).

16 Em PINTO, José de Maga-lhães, op.cit.

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Duas amigas (1967-1968), de Alfredo Ceschiatti

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Antes que se fundassem os museus que hoje felizmente existem no país, antes que se pensasse em salvar do abandono e da destruição relíquias de caráter histórico, no Itamaraty se cuidava de, na medida de seus recursos e atribuições, mobiliar suas dependências com jacarandás, pratas, tapeçarias, porcelanas e telas perfumadas de beleza ou tradição.

Sobre o palácio do Rio não se pode afiançar a existência de um corte curatorial, no sentido de escolhas orientadas por uma ideia central e assinadas por um coordenador, mas sim de uma aglutinação de bens relacionados ao País. Em Brasília, esse eixo norteador está atrelado à formação e ao gosto do diplomata que coordenou a construção e a integração do prédio com eficiência, lisura, persistência e um pouco de loucura19. Na década de 1990, no depoimento ao Arquivo Público do DF, Murtinho reconhece a unidade obtida à época da formação da coleção: “Pouco a pouco, todos os objetos foram encaixando dentro do edifício, e parece, absolutamente, como se tivesse sido feito para isso”. No mesmo depoimento, deu detalhes de como fora sua participação:

É aí é, que eu pude desenvolver, pela liberdade que me deixaram, todo o projeto do palácio e um pouco brincar, se assim, se assim se pode dizer, brincar com as ideias que eu tinha do que era um Ministério das Relações Exteriores.

No cuidar de cada detalhe, fazer contatos com todos os artistas, fiscalizar e acompanhar a elaboração das obras encomendadas, Murtinho impôs sua marca, muitas vezes desafiando o projeto de Niemeyer. Caso, por exemplo, da luminária-escultura Revoada dos pássaros, de Pedro Corrêa de Araújo, instalada no segundo andar do palácio. Hóspede no Pouso do Chico Rei, pousada de sua amiga Lilli Corrêa de Araújo, em Ouro Preto, Murtinho observou joias e uma pequena escultura criadas pelo filho dela, Pedro. O jovem havia recebido a medalha de ouro da VIII Bienal de São Paulo e participado do movimento Joias-esculturas, datado de 1963, que levou trabalhos brasileiros para exposições em vários países. O diplomata concluiu que ele seria capaz de criar imponente lustre para ocupar o espaço arquitetônico.

Do pensamento à ação, contatou o designer. Forneceu passagem para que o artista conhecesse o prédio, que já se encontrava ornamentado com tapetes e óleos. Apenas explicou que era necessário um lustre de caráter escultórico para aquele salão nobre, hoje identificado como Sala Pedro I. A ideia do lustre era de Murtinho, pois ele não estava previsto no projeto de Niemeyer. Após a visita, contratou Corrêa de Araújo para a tarefa.

Na explicação dada por Murtinho à Câmara dos Deputados, o arquiteto Sérgio Rodrigues foi o responsável pela criação dos móveis do Gabinete do Ministro, do Secretário-Geral, do Subsecretário, do Salão dos Embaixadores e do Vestíbulo de Honra. Bernardo Figueiredo ficou incumbido do mobiliário da Sala do Conselho, do pequeno Salão do Terraço e das duas salas de almoço; Georges Hue, em colaboração com Figueiredo, se responsabilizou pela ambientação do Salão de Honra; Joaquim Tenreiro, por sua vez, desenhou as cadeiras e as mesas do Salão de Banquetes; e, finalmente, o professor Karl Heinz Bergmiller assinou as mesas do Terraço e os móveis funcionais do anexo. Reuniu, assim, os nomes mais ex-pressivos do design brasileiro à época.

Aos poucos, mobiliário antigo foi sendo incorporado à decoração, notadamente, após a partida de Murtinho para a Índia. Na época, ele comprou apenas quatro móveis coloniais, datados entre os séculos XVII e XIX. A ênfase que deu ao design dos anos 1950 a 1960 mo-tivou reações junto de colegas, que não compreenderam de imediato a concepção com que o palácio foi ambientado. Muitas foram as críticas feitas à ausência de pinturas tradicionais e móveis antigos guardados no Rio de Janeiro.

É notório que os palácios iniciais da cidade contaram com o apoio do presidente Juscelino Kubitschek e sua equipe para serem construídos e montados. Com o Itamaraty transcorreu diferente. Sua construção e, em especial, a ambientação interna, ocorreram no pós-golpe militar de 1964, quando a ênfase na construção de prédios e na compra de acervos artísticos havia arrefecido. Contudo, graças aos estratagemas criados por Murtinho, o Estado conti-nuou a funcionar como mecenas patrocinador de artistas.17

A responsabilidade era muito grande. Muito mais fácil seria comprar as obras de arte e mobiliário prontas. Mas a dificuldade de liberação de verbas e o desejo de criar o novo o fizeram correr riscos. A estratégia de contratar projetos que, em última instância, poderiam não se concretizar conforme o planejado e a liberação de pagamentos mensais aos artistas, tudo forçou o diplomata à decisão de acompanhar com atenção redobrada o que estava sendo desenvolvido pelos criadores.

O diplomata-curador não inovou ao pensar o Itamaraty como um palácio-museu. Murtinho aperfeiçoou prática perseguida pela diplomacia nacional. A percepção de que o palácio sede do MRE funcionava nos moldes de um museu já havia sido apontada por Gustavo Barroso, em texto escrito em 1956, sobre o antigo Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro18:

17 Necessário faz-se observar que nos palácios da Alvorada e do Planalto a seleção não foi tão ampla; no da Justiça, tardio como o Itamaraty, aparentemen-te ela inexiste.

18 BARROSO, Gustavo. História do Palácio Itamaraty. Rio de Janei-ro: MRE, 1968, pág.149.

19 Aproprio-me das palavras do senador Vasconcelos Torres, que, ao discursar sobre o traba-lho de Wladimir Murtinho, em sessão de 22/09/1966, assim o definiu: “Um diplomata eficien-te, correto, radicado em Brasí-lia, meio louco, meio candango, mas sobretudo muito diploma-ta”. MENDES, Manuel, op. cit., pág.63.

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“O espaço era maravilhoso, o lugar o mais lindo, e percebi a responsabilidade terrível, gigantesca, que caíra sobre mim”, conta Corrêa de Araújo. Segundo ele, durante a viagem de regresso ao Rio de Janeiro, feita em uma DKV, o céu foi tomado por revoada de bacuraus, ave de hábitos noturnos, típica do cerrado. Na noite escura, os olhos dos pássaros assemelharam-se a pontos de luz. Ao ligar para Murtinho, contou-lhe que faria algo que remetesse à cena da natureza. A resposta: “Está em suas mãos, a ideia do bacurau é linda, precisávamos da natureza, do orgânico”.

Durante cerca de um ano, Corrêa de Araújo também recebeu pagamentos mensais, algo equivalente hoje a R$ 6 mil por mês20. Livre de outros encargos, pôde criar a luminária-escultura moldada em ferro, prata e bronze com cristais de rocha lapidados em forma de lentilhas, instalados na ponta de cada um dos 110 braços, tudo iluminado por lâmpada de mil velas. Segundo o artista, durante a finalização da obra, Niemeyer visitou a oficina de fundição, verbalizando seu descontentamento: “Não tem lustre no meu projeto”, informou. Preocupado, Corrêa de Araújo telefonou para Murtinho. “Pedrinho, ele não pode intervir na decoração”, disse o diplomata. “Eu decido.”

Para instalá-lo, em setembro de 1967, foi necessário retirar uma janela lateral e escapar do controle da equipe de Niemeyer. “Trabalhamos à noite, após as 18h, eu e mais três carpinteiros que fizeram os andaimes, um soldador e cinco ajudantes”, relembrou o artista. Em suas memórias, o mais impressionante foi perceber pela manhã, quando o serviço acabou, que tudo estava limpo e a janela recolocada, pois as ordens de Murtinho eram para que o palácio estivesse sempre organizado. “Fui acordado com um telefonema dele me convidando para almoçar e dizendo “eu sabia que ia ser lindo”, contou Corrêa de Araújo. Agradou ao diplomata o impacto formal provocado pelas sombras refletidas no teto e nos espelhos que cobrem as paredes, enfatizando a solenidade do espaço.

Em seu depoimento ao Arquivo Público do DF, ao comentar a obra de Corrêa de Araújo, Murtinho detalhou a estratégia que adotou para conseguir efetuar os pagamentos ao artista sem ser barrado pelas determinações do Tribunal de Contas da União:

Nós comprávamos pequenas placas de metal, solda e ele trabalhava. Quando terminava o trabalho, eu pagava por mês... Era comprado o cristal,

20 Em PINTO, José de Maga-lhães, op. cit., Murtinho diz que a obra custou NCr$ 39.130,00.

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depois mandávamos polimentar (sic), e tal, e pagávamos, então é uma coisa idiota, não? Que você, normalmente, poderia comprar a coisa, mas não podia, você tinha que comprar e ter o objeto em si, então eu tinha tantos pedaços de cristal.

Com a política de parcelamento dos valores pagos aos artistas, os famosos “adiantamentos do Murtinho”, como ficaram conhecidos à época, ele conseguiu baratear o custo total da ambientação do novo palácio. “Para o equipamento e decoração de um prédio público, calcula-se, aproximadamente, 8 a 10% do custo da construção do próprio edifício. Procurou-se, contudo, diminuir essa percentagem a um mínimo e espera-se que, no caso do Palácio Itamaraty em Brasília, seja ela inferior a 6%”, explicou o diplomata à Câmara dos Deputados.

De onde vinha a capacidade de organizar orçamentos, projetar os espaços e, muitas ve-zes, definir sozinho a ocupação interna deles? Nas palavras do embaixador Sérgio Bath, isso ocorria por ser Murtinho um “esteta pragmático”. Sua biblioteca privilegiava livros de arte e estética. Em sua vida prática, gostava de construir casas – em Brasília foram quatro no bairro do Lago Sul, interferindo no trabalho de arquitetos contratados. Era arquiteto amador.

Se, como atestam alguns teóricos, nas obras iniciais da cidade, “a responsabilidade da escolha dos artistas que realizariam obras em Brasília recaía sobre Niemeyer”21, no Itamaraty essa chancela lhe foi retirada. Consciente da importância de construir um palácio para a diplomacia que projetasse o País em seus próximos 50 anos, conforme dizia a amigos, Murtinho centralizou as ações e decidiu jogar todo o seu capital social, a sua ampla rede de relações pessoais, a favor da montagem da coleção, negociando com os artistas prazos extensos para a elaboração e o pagamento dos trabalhos contratados.

Assim, as principais encomendas que fez para o palácio resultaram de antigos vínculos afetivos. Murtinho impôs a Niemeyer o nome de Bruno Giorgi (1905-1993) para a execução de escultura a ser instalada na fachada principal do palácio. O arquiteto defendia o nome de Ceschiatti, mas aparentemente Murtinho não nutria grande apreço pelo escultor, pois no texto sobre arte moderna brasileira, já mencionado, o nome do escultor não é citado. O próprio Giorgi, ao comentar sua contratação, deixou claro que era apenas “tolerado” pelo arquiteto da cidade22.

Desde meados dos anos 1950, Murtinho e Tuni, Gurgel Valente e a mulher, Eliane, frequentavam aos sábados as alegres sessões de jazz que Giorgi organizava em sua casa no Leme (RJ). Outro personagem frequente era o pintor Alfredo Volpi. Tão logo começou a detalhar a ambientação do prédio principal, Murtinho convidou os dois amigos artistas para participarem do projeto. Os argumentos do diplomata a favor de Giorgi apoiaram-se nas ideias do filósofo alemão Max Bense (1910-1990), que também frequentou os saraus de jazz e conheceu o ateliê e as obras de Giorgi.

21 MADEIRA, Angélica. Itine-rância dos artistas – a construção do campo das artes visuais em Brasília 1958-2008. Brasília: UnB, 2014, pág.22.

22 GIORGI, Bruno. Depoimento - Programa de História Oral. Bra-sília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989. Todos os comentá-rios do escultor foram retirados desse documento.

A convite do MRE, feito por Murtinho, Bense viajou quatro vezes pelo Brasil no princípio da década de 196023. Fruto das viagens, o filósofo realizou uma série de exposições de artistas e designers brasileiros na Studiengalerie da Universidade Técnica de Stuttgart, sendo duas de Giorgi. Em 1965, Bense publicou na Alemanha o livro Inteligência Brasileira - uma reflexão cartesiana, e o dedicou a Giorgi, Aloisio Magalhães, de quem também fez uma exposição, e Murtinho. Nele, o autor vinculado às correntes construtivistas comenta a “quase geometria” de Giorgi, destaca seu caráter de exímio artesão e analisa o que chama de “importância extraordinária” de sua obra24.

23 Murtinho mantinha também boa relação com representantes da inteligência suíça. Em 1960, ajudou Max Bill a organizar a exposição Arte Concreta, reali-zada em Zurich, que levou obras de 15 artistas brasileiros, entre eles Waldemar Cordeiro, Lygia Clark, Almir Magnivier, Willis de Castro e Geraldo de Barros. Conferir correspondência de Carmem Portinho para Wladi-mir Murtinho. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1960.

24 BENSE, Max. Inteligência Bra-sileira - uma reflexão cartesiana. São Paulo: CosacNaify, 2009, pág.56.

Sarau na casa de Bruno Giorgi (sentado ao centro): Murtinho e Mira Giorgi, Gurgel Valente e Eliane e casal não identificado

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Oriunda do grego, a palavra meteoro significa “elevado no céu”. Já a carga semântica vin-culada à escultura instalada na fachada principal do Palácio Itamaraty se refere à ideia de integração e diálogo entre os continentes. Meteoro (1966-1967), a escultura giorgiana articula cinco segmentos de mármore branco que perfazem uma esfera vazada, referência à divisão por continentes predominante à época de sua criação. Grande parte da força expressiva da obra advém da unidade da matéria, pois a escultura foi moldada a partir de um único bloco de mármore de Carrara.

O objeto resultante dos encaixes, quando iluminado artificialmente, projeta sombra flutuante na água que evoca o globo terrestre em movimento. No passado, a iluminação original, assinada por Lívio Levi, produzia efeito muito mais impactante no jogo de luz e sombra. Durante o dia, quando vista da janela do gabinete do chanceler, a obra adquire, em perspectiva, outra dimensão, como se o observador visse a calota do mundo.

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Para atender ao pedido do escultor, que queria trabalhar diretamente na cidade italiana de Carrara, Murtinho viabilizou, durante um ano e meio, pagamentos parcelados ao artista, bolsa “equivalente a três contos de reis” por mês, segundo Giorgi. Transportada no navio “Sholon” até o Rio de Janeiro, e em carreta para Brasília, a obra provocou grandes emoções no momento de sua instalação. Conforme Giorgi:

Eu disse o que precisava: um superguindaste, porque o peso era de mais de 40 toneladas de mármore. Então, chega em Brasília aí tinha esse guindaste e tinha já a base, já estava pronta, o diabo era botar essa escultura lá em cima na base. E eu fiquei na base esperando que o guindaste, teria que largar a escultura aos poucos. Eu estava embaixo, mas, sabe, que num certo momento, despencou quase de 1 metro, a 20 centímetros da minha cabeça parou a escultura. Eu teria sido esmagado. Ah, me deu um susto!

Meteoro parece feita sob encomenda para atender a valores professados por Bense. Ele havia observado que a obra de Giorgi se encaminhou para a expressão tectônica, ou arqui-tetônica, somente a partir dos anos 1960 e, nessa fase, destacou a “extrema abstração, mas também construção no sentido da formação de supersignos complexos”. Novamente, se identifica na escolha de Murtinho a preferência por uma obra que, ancorada na construção geométrica, exala simbologias relacionadas à cartografia e ao encontro entre povos.

Giorgi elaborou três maquetes para que Murtinho e equipe escolhessem a que seria designada para a fachada do palácio. As variações dos modelos eram significativas. A eleita configura melhor a relação entre plano e superfície, compõe com mais equilíbrio o ritmo entre as partes, e apresenta escala mais apropriada às dimensões arquitetônicas do prédio. Durante muito tempo, os habitantes de Brasília cultivaram imenso apreço ao Meteoro, transformando a escultura em uma das mais fotografadas da história da cidade. Em junho de 2013, durante movimentos populares que assolaram o País com violência, a escultura foi danificada em uma de suas pontas. E assim permanece.

Após a inauguração do palácio, Giorgi doou uma escultura, um dos protótipos apresentados inicialmente, para ser instalada nos jardins da residência do chanceler. Quando, no governo Fernando Collor, se decidiu vender os imóveis funcionais, uma operação “secreta” foi disparada para deslocá-la para o prédio do Ministério. Maneira de

evitar que fosse vendida, pois estava integrada à arquitetura da casa. Corria o risco, com a venda do imóvel, de ela cair em mãos de algum banco – o que exigiria longas batalhas judiciais para sua reaquisição no futuro. Segundo o embaixador Edgard Telles Ribeiro, então chefe da Divisão de Serviços Gerais do MRE,

resolvi então retirá-la de lá sem maiores delongas antes que a venda do imóvel se consumasse. O que fiz à noite, com uma Kombi do Ministério e ajudado por cinco contínuos parrudos. Feita a operação, achei o local apropriado para instalá-la e, na manhã seguinte, sempre verbalmente, dei conhecimento da operação realizada a meus superiores.

Instalada à frente do Anexo II, conhecido como Bolo de Noiva, a escultura também em mármore apresenta blocos modulados, mas, diferentemente do Meteoro, é suspensa por dois pares de ferro e o tratamento do material, com maior quantidade de recortes, a tornou mais aglutinada. O ritmo acanhado a deixa menos sugestiva de movimento. Permanece, entretanto, em termos semânticos, a alusão à ideia de união ou de encontro.

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25 Ponto de Encontro foi o se-gundo projeto apresentado pela artista. Segundo Murtinho me contou em 2002, a primeira pro-posta foi preterida por ser menos orgânica.

Congraçamento era conceito valioso a Murtinho – atitude que ecoa de seu próprio tempe-ramento, pois tinha por hábito congregar amigos em torno de almoços e jantares, muitas vezes improvisados. Nesse espírito do encontro, ocorria também de ele regressar para o Hotel Nacional, tarde da noite, na caçamba de um caminhão, na companhia da equipe de arquitetura e de Burle Marx, que cantava óperas durante o percurso. E, às 7h, o diplomata já estava ao telefone, acordando parte da equipe, com muita animação.

A ideia do encontro, do contato, esse aspecto da cultura brasileira ressaltado por Bense em seu livro, ganha força no projeto curatorial de Murtinho quando ele aceita a sugestão de Niemeyer e contrata a escultora Mary Vieira (1927-2001) para criar obra de arte integrada à arquitetura. No primeiro andar, na prática o térreo do palácio, três bancos-módulos de mármore, instalados em formas de semicírculos, acolhem o visitante, convidando-o a se sentar. Ao centro, polivolume articula sobrepostas e moventes placas de alumínio, cortadas em formato retangular.

O conjunto recebeu o sugestivo título de Ponto de encontro25 e ali foi instalado em 1970. Paradoxalmente, pode-se apenas apreciá-la a distância, mas a intenção primeira da obra é a reivindicação para que o fruidor se aproxime, misture as placas e construa formas a seu bel-prazer. “É para mexer mesmo”, disse a artista quando nos dias seguintes à instalação funcionários queriam impedir o público de tocar o objeto tridimensional. Radicada na Suíça, Vieira também recebeu pagamentos parcelados, entregues por João Cabral de Mello, que servia naquele país. Durante a montagem da peça, extremamente ciosa, chegou a dormir em rede instalada no escritório da obra. E, no dia em que o palácio foi aberto ao público, grande foi sua alegria ao ver crianças revolvendo o seu invento.

De novo, temos uma obra que remete metaforicamente ao papel do Ministério das Relações Exteriores, órgão responsável por cuidar das interações com outros Estados e povos. No jogo proposto por Vieira, cada usufruidor molda o volume a seu modo, de maneira livre, mas sabendo que todas as 230 placas estão interligadas ao redor do eixo central, cilindro moldado em mármore branco. Se uma peça é modificada, a visão do objeto muda de configuração. As varetas de alumínio ficam sujeitas à estratégia adotada por cada jogador, o que possibilita múltiplos arranjos e permite também variados pontos de vista.

Ainda hoje se trata da única obra de arte realmente interativa, invocadora de tactibilidade, existente no edifício principal do MRE. Das escolhas de Murtinho, em termos de linguagem

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26 Idem, pág. 43.

estética, a aposta mais ousada. O polivolume ancora-se na herança formal do construtivismo, mas flexibiliza o rigor geométrico com os movimentos criados pelo público, o que agrega ao objeto caráter participativo. Foi ato de coragem instalar em um prédio público, aberto à visitação, obra com tais características, em período histórico caracterizado pela repressão política, a censura à liberdade de expressão e nenhum apoio a pesquisas estéticas.

A depender do ângulo da visão, o diálogo entre a obra de Vieira e a escada helicoidal que dá acesso ao mezanino produz forte efeito cinético. A ponta das placas do polivolume, quando dispostas assimetricamente, dialoga com as terminações da escada. Movimentos semelhantes entre si que se formam na retina do visitante. Parte deles obtido graças à decisão de, nesse espaço do andar térreo, não colocar tapetes, adornos ou mesmo pinturas, peças que poderiam tumultuar o olhar. Nele, tudo reivindica atenção fluida e ampla.

Nesse sentido faz-se interessante voltar a Bense26, que, após visitar a capital, e conhecer o projeto do Itamaraty, sentenciou: “Brasília confirma de fato um indubitável abandono da ideia de pintura”. No lugar de grandes telas a óleo – tradicionais na entrada de inúmeros

palácios –, no amplo e belo hall de recepção do Itamaraty o ponto alto é a integração da arte à arquitetura, realizada de maneira radical. A única imagem de personagem histórico é o pequeno bronze, em formato redondo, que reproduz a face do Barão do Rio Branco, instalado logo após os vidros da fachada principal, como se estivesse dando boas-vindas a quem chega. No mais, as escolhas ali perfazem um conjunto de composições artísticas que buscam o tridimensional. Elas inserem-se na arquitetura e os elementos dialogam de maneira visceral, propondo jogos entre similaridades e diferenças.

Onde poderia estar apenas a parede, muro divisor de espaços, se encontra painel talhado no mármore branco, cujo título é Parede, de autoria de Athos Bulcão. Em baixo-relevo, o trabalho alonga a sensação de amplitude do espaço. O efeito desse texto visual, como ocorre em boa parte da produção de Bulcão, desestabiliza, pois, no muro que deveria ser limite, “nele inscreveu-se um desvio”27.

27 CADEMARTORI, Ligia. “Har- mônica desordem”. Em: Os cria-dores – Athos Bulcão, Burle Marx, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer.Bra-sília: Multicultural, 2010, pág. 52.

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São quase trapézios, em dois formatos, repetidos sequencialmente, a sugerir brechas na matéria pétrea. Vistos em perspectiva, se aproximam a venezianas entreabertas, como se janelas suspensas pivotantes fossem. Retorna, então, a questão insistente: haveria também aí vínculo semântico com a função destinada ao MRE? Parece que sim. A formulação visual pode aludir à ideia de um local de onde se olha para longe, em constante abertura ao mundo. É possível também projetar uma questão temporal para o espaço do hall, como se ali se estivesse indicando o futuro, tempo em aberto a ser preenchido.

Ao fundo do térreo, o jardim aquático interno de Burle Marx se integra com elegância ao desenho arquitetônico, mas é capaz de produzir sensação de estranhamento a visitantes. Muitas das plantas escolhidas crescem na vertical, como se fossem esculturas que se alongam quase à altura do mezanino. Saímos da dominação do branco para o predomínio do verde. Pedras, água e esculturas moldadas no bronze e também em aço complementam o cenário em um espaço sem limite físico para acabar, como se evocasse a imensidão tropical.

O jardim do vestíbulo de entrada do Itamaraty não possui fechamento, fina provocação à qualquer manual de segurança de palácios, sendo essa a nota de ousadia dissonante – ainda mais se pensarmos que sua construção se deu quando questões de segurança nacional recrudesceram no País. Um fosso de água e, em seguida, o asfalto são os únicos elementos a separá-lo do prédio do Anexo I. Ao fim da tarde, quando o pôr do sol domina o cerrado, esse microcosmo tropical se reveste de especial beleza, pois o jogo de sombras e luzes provoca a ilusão de que o chão de mármore flutua.

Até há poucos anos, a estrela do jardim era a fantasmagórica escultura A mulher e a sombra, de Maria Martins, semelhante à que pertence ao acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York. Trata-se de híbrido entre o racional e o fantasmagórico, típico da poética da escultora. Sobre piso em mármore branco recortado em formato retangular colocado em destaque, como se flutuasse, por estar ladeado com aglomerações de pequenas pedras brancas, a escultura avançava em direção aos que chegavam. A disforme composição parecia avisar aos que dela se aproximavam que haviam adentrado nos trópicos.

A imagem inscreve-se na poética tropical e alucinante de Martins: em cima de estreita base de madeira, a esguia mulher dourada com a cabeça em direção ao alto tem as mãos abertas. Ela caminha à frente da sombra, que é moldada em bronze não polido, portanto, em tom

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mais fechado, quase sombrio. Se a primeira figura apresenta suposta inteireza corporal, a segunda, também com as mãos abertas, possui vísceras expostas e de sua cabeça saem formas alongadas que se transformam em serpentes boquiabertas, prontas para devorar a mulher. Ou seria a um visitante indesejado?

Hoje, A mulher e a sombra encontra-se no Salão Duas Épocas, no terceiro andar. Talvez seja até mais visualizada por autoridades que se reúnem com o chanceler brasileiro. Mas a posição em que foi colocada, com a Esplanada ao fundo, tumultua sua apreensão. O recorte das janelas, o excesso de veículos durante o dia, tudo impede que se tenha o impacto antes obtido quando a provocadora dupla se localizava entre as expressões construtivas de Bulcão e Vieira e as formas da natureza organizadas por Burle Marx, funcionando como negociação para o olhar.

Esparramada entre o branco e o verde, entre o arquitetônico e o vegetal, A mulher e a sombra fazia a intermediação e a aproximação entre configurações de mundo que permeiam a arte brasileira, entre o esforço construtivista e o barroco excessivo da natureza. Além do mais, a posição atual está muito próxima do jardim em que se encontra Canto da noite. Quando o olho por instantes apreende as duas esculturas, ambas dotadas de retorcidos movimentos, a mirada se divide, enfraquecendo a percepção de ambas.

Atualmente, ocupam o retângulo projetado à frente do jardim térreo três esculturas rentes ao solo do artista Omar Franco, doadas ao Itamaraty em 2011. Se elas permitem uma maior abertura para a área projetada por Burle Marx, pois deixam livre a paisagem construída, não produzem o impacto desconcertante que a obra de Maria projetava para o visitante. São esculturas que buscam reforçar o apelo construtivista e reivindicam que o corpo chegue bem próximo para serem devidamente vistas.

De todos os espaços palacianos, o jardim projetado por Burle talvez seja o de mais complexa ambientação. Entre 2014 e 2015, a parede lateral do jardim abrigou uma das 24 fotografias doadas pelo casal Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado, dedicada a temas amazônicos. Por redundante, a fotografia da cena amazônica perdeu-se entre galhos e troncos e, mais grave, quebrou a proposta de curadoria dos primórdios, que não previa, como já dito, pinturas ou fotografias no hall de recepção. Hoje, toda a coleção de

Salgado situa-se na passagem que dá acesso a autoridades quando chuvas impedem o uso da entrada principal do palácio.

Redundância semelhante já observada na escultura Aspiração vertical, de Zélia Salgado, instalada no jardim em 1971. Em aço, com movimentos orgânicos que se assemelham a ramas e galhos, a obra, que inicialmente foi identificada pelo Itamaraty com o título de Folhagens28, reproduz movimentos da natureza. Resultado do profícuo diálogo da artista com Burle Marx, que costumava contratar peças dela para seus jardins, a obra quase se mimetiza com as folhas. Se ela antes transmitia mais potência por ser o único volume a evocar a forma circular, perdeu um pouco desse atributo após a instalação de Fraternidade29, escultura em aço inox, também doada em 2011, pelo artista Darlan Rosa, composta de duas esferas vazadas, que remotamente evocam o movimento de Meteoro.

28 GONÇALVES, Marília Sar-denberg Zelner. Em Palácio Ita-maraty. Brasília: Fundação Ale-xandre de Gusmão, 1985, pág. 9.

29 No site do artista, a escultura não tem título, mas na época do recebimento da doação o Itama-raty a nomeou Fraternidade.

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30 CARDOZO, Joaquim. “Ca-prichos entre a linha e a cor” em Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008, pág. 325.

As palmeiras transplantadas por Burle para o jardim fazem forte contraposição vertical ao painel de madeira criado por Athos Bulcão, que demarca o mezanino e é mais bem apreciado à proporção que se desce pela escada projetada por Niemeyer, mas desenvolvida em conjunto pelo arquiteto Milton Ramos e o engenheiro Joaquim Cardozo, poeta que refletiu em versos a saga da construção de Brasília: “Aqui entre os leques brancos e abertos/

E os seus congêneres de tinta neutra/ Há um contraste, há um capricho/ Entre as linhas redondas no mesmo sentido/ Há um desafio entre o branco e o moreno”30.

De alguma forma, aquele que percorre seus degraus poderá sentir a mesma surpresa que muitos habitantes e visitantes de Brasília vivenciam quando andam pela cidade e se deparam inesperadamente com obras de Athos Bulcão. A treliça vazada, reminiscência aperfeiçoada dos muxurabiês coloniais e dos cobogós modernistas, tão utilizados na cidade, deixa entrever instantâneos da iluminação vinda da Esplanada, como se a cidade adentrasse no palácio. Feita de madeira e ferro, nas cores preta, branca e vermelha, a estrutura provoca a sensação de que se leva menos tempo para percorrer a distância entre os dois andares.

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Ao fim da escada, o visitante se depara com Metamorfose, escultura de Franz Weissmann, colocada ali depois da época da inauguração, provavelmente na década de 1980. É a primeira obra de arte que se vê ao chegar ao mezanino.O jogo de luz e sombra produz efeito cinético como se a escultura se movimentasse, reforçando o apelo geométrico pretendido pelo artista. Nas dobras e recortes da chapa de ferro, Weissmann criou estrutura vertical com círculos vazados no centro, obra que se insere na tradição neoconcreta.

Difícil e harmônico equilíbrio entre o antigo e o moderno rege a ambientação do amplo mezanino, conhecido também como segundo andar. Foi o local escolhido para acolher três obras assinadas por Giorgi, seguindo uma das mais antigas formas escultóricas, bustos em bronze sobre hermas talhadas em pedra sabão, material que evoca o fazer barroco da escultura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. São homenagens a personalidades que nortearam a política externa brasileira em diferentes períodos, Colônia, Império e República – Alexandre de Gusmão, Duarte da Ponte Ribeiro e Barão do Rio Branco. O arranjo perfaz também homenagem ao prédio do Itamaraty no Rio de Janeiro, cuja entrada recebe como ornamento série de bustos de figuras históricas.

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31 GONÇALVES, Marília Sar-denberg Zelner, in op.cit., pág. 4.

32 Ibidem, pág. 63.

Compõe o ambiente mesa em jacarandá, estilo Dom João V, que no passado teria sido utilizada pela princesa Isabel para a assinatura da Lei Áurea. Foi um dos móveis trazidos do Rio de Janeiro para compor a chancelaria, dentro do espírito de que o palácio deveria ser uma síntese da diplomacia brasileira, “que se desenvolve através da interação de movimentos de tradição e renovação”31.

“A adequação dos móveis, a disposição das obras de arte, em suma, toda a alma da execução só poderia ter sido feita por alguém que conhecesse profundamente a instituição, e assim conseguisse incorporar o passado no presente e apontar para o futuro”, defende a embaixadora Marília Sardenberg Zelner Gonçalves. Na década de 1980, a diplomata conversou seguidas vezes com Murtinho para elaboração de catálogo sobre o acervo do palácio. A síntese entre a tradição e a modernidade fica patente com a localização da mesa onde se assinam acordos e tratados à frente do painel de Bulcão.

O peso da história dilui-se quando, após passar pela Sala dos Tratados, em pequeno nicho descortina-se afresco de Alfredo Volpi, O sonho de Dom Bosco (1966). Trata-se de uma das pinturas mais importantes da cidade, conhecida por poucos. A figura paramentada do santo que profetizou a criação da capital se destaca sobre intenso tom azul remissivo ao céu. Pequeninas figuras geométricas em vermelho e preto o acompanham, como se fosse a alegoria de uma ascensão espiritual. A mistura de sobriedade, elegância da simplificação e o simbolismo da cena reivindicam recolhimento. Ou convidam a “uma curiosa disposição lírica”, usando palavras de Bense, que considerou Volpi “talvez a personalidade mais interessante entre os pintores brasileiros contemporâneos”32.

Por decisão de Murtinho, desde sua inauguração, o Itamaraty é aberto à visitação pública, o que reforça a ideia de palácio-museu a ser usufruído pelos cidadãos. À época, tal determinação foi criticada, pois muitos diplomatas argumentavam que poderia haver danos ao patrimônio público, em especial, aos inúmeros tapetes comprados para ornamentação do prédio. A reação de Murtinho foi rápida: “Tapete é para ser pisado”, conforme contou a Silvia Escorel, em 1993, durante depoimento para confecção de catálogo relativo ao acervo artístico.

“Sempre houve uma mistura riquíssima de beleza e sobriedade, de efeito impactante”, analisa a professora Grace Freitas ao relembrar sua primeira visita ao palácio, na década de 1960, ainda estudante. Vinte anos depois, ela seria pioneira em levar alunos do curso de história da arte da Universidade de Brasília (UnB) para visitas guiadas, que perduraram

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até o fim de 2015. “Os estudantes sempre ficavam impressionados com o acervo, com a integração de arte e arquitetura, tomavam consciência de que o palácio é público, e adquiriam noção de pertencimento.”

Nas visitas guiadas, ninguém circula junto dos gabinetes localizados no segundo andar, que abrigam a secretaria executiva e o gabinete do chanceler. Como as salas dos principais executivos do ministério e auxiliares imediatos guardam importantes exemplares de pinturas, esculturas, gravuras e móveis, importa comentar algumas dessas obras e de que forma foram adquiridas por Murtinho. Maneira de compartilhar com o leitor parte desse patrimônio preservado distante dos olhos do público.

Destaque para a série de sete gravuras de Fayga Ostrower, erroneamente repartidas nas paredes da sala do chefe de gabinete do secretário executivo. São de um momento auge da produção da artista, no fim da década de 1960, quando já era reconhecida internacional-mente. Murtinho havia contatado Ostrower para adquirir seis gravuras que seriam expos-tas em conjunto, prática que repetiria com outros artistas. A gravadora contrapôs criar uma série articulada por cores, portanto, para ser vista em montagem contínua como um painel. Foram nove meses e meio de dedicação exclusiva, também sob a forma de pagamentos mensais, para concluí-lo. O caráter obsessivo da artista a fez refazer inúmeras vezes as prensagens. Quando Murtinho decidiu ver o trabalho final encontrou 30 gravuras.

Eram soluções abandonadas pela autora e que, por isso mesmo, podiam revelar como se dera aquele processo criativo. O embaixador propôs-lhe, então, realizar uma exposição didática, na qual ela pudesse apresentar o conjunto abandonado juntamente com o painel pronto. De junho a julho de 1968, a proposta concretizou-se em uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde o público pôde compreender de maneira mais concreta os interesses que conduziram Fayga na composição definitiva do Painel do Itamaraty33.

A experiência com Ostrower demonstra a importância que Murtinho atribuía à expressão gráfica e a obras que têm como suporte o papel. Reforça também a ação fundamental exercida pelo diplomata ao longo de sua trajetória para o fortalecimento da gravura nacional34. Ao assumir a curadoria do palácio, ele estabelece contato com grande número de gravadores visando a adquirir obras para ambientação interna. Havia pouca verba para

33 TÁVORA, Maria Luiza. Uma beleza, a beleza. Em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/uma-beleza-a-beleza. Acesso em 02/11/2015.

34 Nos arquivos do Itamaraty, são encontrados documentos sobre exposições realizadas por Murtinho, quando servia na Suíça, na década de 1950, desta-cando-se a mostra Arte gráfica brasileira, que levou trabalho de 38 artistas para várias cidades europeias. Na direção do Depar-tamento Cultural, ele fomentou exposições de artistas brasileiros em países da América Latina. Depoimentos dão conta tam-bém do esforço dele para ajudar o MAM-RJ a montar o ateliê de gravura. Chamo a atenção para a necessidade de serem realizados estudos que avaliem a importân-cia do diplomata na valorização dessa expressão artística no País.

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35 Pionniers 74 – l’atelier de gravure sur métal de I’institut National des Arts Dakar. Dakar: Maio-Junho 1975.

36 ESPADA, Heloísa. “Cidade-bandeira” em As construções de Brasília. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2010.

decorar os inúmeros gabinetes do prédio principal e do Anexo I, e a gravura configura expressão de menor valor mercadológico.

O diplomata preocupa-se então em adquirir obras de origens variadas. Sua seleção inclui desde artistas consagrados, como Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi, a outros então em processo de fortalecimento no circuito cultural, como Anna Letycia. Na década de 1970, quando retorna a Brasília e assume a Secretaria Geral Adjunta para Assuntos da África e Oriente Próximo, Murtinho começa a fomentar, com a doação de equipamentos35, a criação de ateliês de gravura em metal em países africanos. Parte da estratégia da política de aproximação aos países africanos que o Itamaraty passa a praticar.

Segundo Rossini Perez, professor encarregado da experiência inaugural no Senegal, os artistas, em contrapartida, doavam para o acervo do Itamaraty desenhos e gravu-ras produzidos nos laboratórios. Caso de Ousmane Faye, Amadou BA, Jean-Marie Nedelece Sidy N’Diaye presentes no acervo. Na década de 1950, quando dirigia o De-partamento Cultural do MRE, Murtinho viabilizou série de cursos de gravura dirigidos por artistas brasileiros em vários países da América Latina, o que funcionou para que estabelecesse vínculos afetivos com esses criadores. Laços que o ajudaram a compor o acervo do palácio na década seguinte. A partir de 1958, ele é responsável também por organizar exposições sobre Brasília, no esforço de divulgação feito pelo governo de JK para a divulgação da nova capital36.

De volta ao nosso passeio virtual pelo Itamaraty, a obra mais imponente no gabinete do secretário executivo é a Manufatura dos Gobelins, do século XVIII, intitulada Índios pescadores, realizada a partir de desenhos de Eckhout, da série Nouvelles Indes. Trata-se de uma alegoria da fauna e da flora brasileiras, convite a um paraíso imaginário recheado de cores e alegria. No jogo da tradição somada ao moderno, se encontram também pintura de Maria Leontina, Os episódios III, de caráter geometrizante, que remete a uma cena vista por uma janela, e pintura abstrata de Antonio Bandeira, Árvores. Há ainda a tela No jardim, de Eliseu Visconde, de nítida influência impressionista, mas com cores que recordam os trópicos. Obras que provocam no espectador apaziguamento, apropriadas à sala de quem recebe autoridades estrangeiras muitas vezes em momentos de tensão política.

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Índios Pescadores, lã e seda, 170X360cm. Manufatura dos Gobelins, século XVIII – França

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O gabinete do ministro de Estado pode ser chamado de sala de preciosidades. Ambientada com móveis de Bernardo Figueiredo e Sérgio Rodrigues, a sala reúne algumas das mais importantes obras de arte do acervo. Sobre cômoda-papeleira, da época de Dom José I, óleo de médias dimensões convida o visitante à aproximação para melhor desfrutá-lo. Engenho de Pernambuco é assinado por Frans Post, considerado um dos fundadores da paisagem americana, em especial, a brasileira. Próximo à pintura, repousa Menino Jesus, trabalho do século XVIII, proveniente de Goa, talhado em marfim, em que a figura da criança equilibra-se sobre o globo terrestre.

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Do outro lado, há diminuta marinha em tons doura-dos de autoria de Giovanni Castagneto, Paisagem da Baía de Guanabara, com dois navios ao fundo, obra de impressionante delicadeza. A disposição de quatro tapetes de tamanhos variados no amplo espaço gera uma tensão dinâmica que respira sobriedade. Em ou-tro canto da sala, próximo à fachada principal do pré-dio, sobre pedestal em acrílico, se encontra escultura em mármore branco atribuída a Auguste Rodin, da série “O beijo”. Murtinho decidiu trazê-la para Bra-sília, pois se encontrava na embaixada em Londres – na época, ele pesquisou o acervo existente nas sedes das embaixadas brasileiras para ver o que poderia ser trazido para a capital.

Marinha, de Giovanni Battista Felice Castagneto, óleo sobre madeira, 8,4x22,5cm.

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37 ESCOREL, Silvia. Itamaraty. Brasília/Rio de Janeiro: Banco Safra, 2002, pág.21.

Uma das primeiras obras de arte a chegar a Brasília, ainda quando o Itamaraty funcionava no prédio do Ministério da Saúde, foram os estudos para o painel Guerra e Paz, de Cândido Portinari, doado pelo governo brasileiro para o prédio das Nações Unidas, em Nova York. Guerra (1952) e Paz (1954) sofreram com a fumaça durante incêndio que atingiu aquele prédio, na década de 1960. Precisaram passar por processo de restauro, realizado pelo pin-tor Enrico Bianco, que havia trabalhado com Portinari no painel. Atualmente, os estudos compõem o gabinete do chanceler.

Na Sala Pedro I, além do lustre de Pedro Corrêa de Araújo, recepciona os convidados imenso e raro tapete persa, que teria sido criado para a Rainha Vitória, “tão famoso que quando cá esteve, em visita oficial, o Xá da Pérsia, Reza Pahlevi, pediu notícias dele”37. Em termos históricos, duas pinturas ganham relevância, Coroação de Pedro I, de Jean Baptiste Debret, pintada em 1828, e Grito do Ipiranga, de Pedro Américo (ca 1888).

Ao subir as escadas cobertas com carpete azul, o visitante acessa o terceiro andar. São vá-rios ambientes apropriados a recepções. Mais do que efeito de ambientação, o que se vê é uma decoração, no sentido original da palavra latina, decorare, isto é, ornamentação. Hoje, tudo compõe recinto de dicção clássica elegância: há o predomínio de mobiliário antigo, belos tapetes, muitos quadros de época, além de várias pinturas e esculturas modernis-tas. No passado, a predominância era de móveis modernos, com destaque para pequenos sofás, que remetiam às namoradeiras coloniais, desenhados por Bernardo Figueiredo e com estofados nas cores da bandeira brasileira, amarela, verde e tons de azul.

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Motivo de orgulho para Murtinho, esse último era considerado por ele mais importante do que a pintura com mesmo título localizada no Museu do Ipiranga, que retrata a mesma cena de maneira ampliada, uma das mais divulgadas imagens históricas do País. Trazido do Rio de Janeiro para Brasília, o óleo pode ser considerado um estudo detalhado para a imagem que retrata a declaração da independência por aquele que viria a ser Pedro I.

A outra pintura perfaz uma das mais interessantes narrativas sobre a composição do acervo. Na versão de Murtinho ao Arquivo Histórico do DF, a obra Coroação de Pedro I teria sido doada por Assis Chateaubriand. Segundo memorando de 25 de novembro de 1968, ela seria doada ao Itamaraty pela Sociedade de Estudos Históricos Pedro II. O Itamaraty arcaria com as despesas de embalagem e o transporte até Brasília, como de fato ocorreu.

A pintura de grandes dimensões foi levada do Brasil em 1889, pelo imperador Pedro II, para a França, onde a família real se exilou após a Proclamação da República. Permaneceu enrolada e guardada no Castelo D’Eu, que foi comprado por Chateaubriand. Quando ele decidiu vender o castelo à cidade de Eu, a tela foi excluída da negociação, juntamente com objetos históricos e livros da biblioteca particular de Pedro II. Murtinho tinha imensa alegria em detalhar essa aquisição. Gostava de dizer que ele e o embaixador Sousa Leão haviam sido os primeiros a vê-la em sete décadas: “Mas vejam bem! Nenhum brasileiro vivo tinha visto o quadro...”, repetia sempre a interlocutores. Logo que chegou, a obra foi restaurada pelo Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e alguns anos depois passou por uma limpeza feita por Tuni Murtinho e Miriam Cardoso, que aprendeu a técnica com a primeira.

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No chamado Salão de Baile, ou Sala Portinari, se destacam dois óleos de Portinari trazidos por Murtinho da embaixada em Washington, titulados Os jangadeiros e Os gaúchos, ambos de 1939. Foram colocados ali como homenagem ao Nordeste e ao Sul do País. Novamente, uma obra do consagrado pintor da segunda geração do modernismo brasileiro passou por dificuldades em solo brasiliense. E precisou ser restaurada, pois, em julho de 1975, um

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fuzileiro naval que fazia a guarda do palácio se suicidou próximo a uma delas. Foram nove perfurações, pouco extensas, o que possibilitou que a obra fosse recuperada por Cardoso. Segundo ela,38

ocorreram vários disparos atingindo não somente o suicida, como também tapetes, estofados e, como consequência, alguns tiros atingiram diretamente o painel Os Gaúchos. Este foi alcançado por cinco balas, provocando cinco perfurações. Quatro dessas balas atingiram a parede e ricochetearam, provocando na sua volta quatro novas perfurações na tela. Um quinto projétil foi encontrado caído entre a parede e o painel.

A expressão abstrata está representada por Tela imaginária (1969), de Manabu Mabe, e dois outros óleos não titulados, de Arcângelo Ianelli. Se a dicção do primeiro trabalho privilegia a carga expressiva, o gestual e a composição em cores variadas, as obras de Ianelli se caracterizam pelo rigor geométrico, com ênfase na gradação de tons assemelhados, em um caso branco e cinza e, no outro, matizes de azul. As pinturas localizam-se próximas de arcaz em jacarandá lavrado, que pertenceu a Dom Pedro II. Na década de 1980, essa sala recebeu conjuntos de sofá que a deixavam com ar de gabinete. Agora, a valorização dos vazios a torna mais próxima de um salão de festas de um palácio.

Complementam a sala, suspensos no vidro fumê, dois anjos do século XVIII, em madeira entalhada e policromada, originários da Igreja de São Pedro dos Clérigos, demolida para abertura da Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. No trabalho de restauro, descobriu-se que havia seis camadas de pátina, que precisaram ser retiradas a bisturi para evitar danos à pintura original em ouro. Das obras do período colonial adquiridas para o Itamaraty, os anjos estavam entre as preferidas de Murtinho.

38 CARDOSO, Miriam. “Uma contribuição para a história do Itamaraty em Brasília” em Bole-tim Associação dos Diplomatas Bra-sileiros, nº 63.

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Mais intimista, reservada para encontros entre as principais autoridades durante as recepções, a Sala Duas Épocas está virada para a Esplanada dos Ministérios, que pode ser vista através das amplas vidraças. O mobiliário clássico, sendo duas escrivaninhas que pertenceram ao Barão de Rio Branco, compartilha o espaço com peças artísticas mais recentes, como o óleo Figura (1951), de Milton da Costa, em que o esforço geometrizante deixa evidente a influência cubista em sua trajetória.

Ao seu lado, pontua obra de Tomie Ohtake. O óleo sobre tela, sem título, de 1987, compõe uma espécie de coleção de arte específica dentro do acervo do Itamaraty. Nos anos iniciais, Murtinho preocupou-se em adquirir obras de artistas de origem nipônica que se caracterizavam pela abstração, como Manabu Mabe, Flávio Shiró, Kazuo Wakabayashi. Talvez estivesse influenciado pela vivência no Japão, país no qual servira antes de ser nomeado responsável pela construção do Itamaraty.

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Na integração arquitetônica, as salas dão acesso ao jardim pergolado de Burle Marx, um dos mais belos espaços do palácio, onde, novamente, foi a natureza valorizada. Na definição das obras de arte, privilegiou-se representações de mulheres reforçando o tradicional vínculo entre o telúrico e o feminino: além de Canto da noite, de Maria Martins, o grupo escultórico Três jovens, doado em 2001 pela Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall. Fora da pérgola, em área coberta, em contraposição a Duas amigas, de Ceschiatti, o gesso patinado e polido Nu, de Victor Brecheret, molde da escultura localizada no Largo do Arouche, em São Paulo. A obra foi doada pela família do artista em 1981. Trata-se de reprodução de escultura originalmente fundida em 1939, intitulada Depois do banho.

Durante muito tempo, Murtinho tentou negociar uma escultura de Lasar Segall, mas sempre encontrava impedimentos. Com a doação obtida quando ele já estava aposentado, sua ideia se concretizou. De certa forma, o jardim assemelha-se a um microcosmo que reúne os grandes nomes da escultura brasileira, de viés figurativo, atuantes na época da montagem do palácio.

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No jardim, de Eliseu D’Angelo Visconti, óleo sobre tela, 46,5x61cm

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Em muitas ocasiões, o jardim funciona como suporte para o salão de banquetes, chamado Sala Brasília, que atualmente tem capacidade para 180 lugares sentados. Originalmente, foram compradas 120 cadeiras de latão polido revestidas de veludo vermelho, que acompanhavam 15 mesas conjugáveis, tudo desenhado por Joaquim Tenreiro. Com o tempo, foram quebrando. Reproduziram o modelo em madeira, mas senhoras de diplomatas reclamaram do peso que era levantá-las e também foram substituídas. E hoje, cadeiras em jacarandá e couro, no estilo Dom José, compõem a mesa armada em formato pente.

A paixão de Murtinho pelos tecidos39 e pelas tapeçarias encontra seu auge no amplo painel formado pelo conjunto de cinco peças em lã, totalizando 25 metros de largura, assinado por Roberto Burle Marx, cuja execução é atribuída às detentas da penitenciária de Bangu. Vegetação do Planalto Central configura-se como a maior obra de arte usando o suporte da tecelagem presente no palácio. Ode à paisagem onde Brasília foi construída, a tapeçaria adquire destaque quando iluminada devido ao uso preponderante dos tons terrosos, evocativos do cerrado em chamas. Seu desenho central serve para demarcar o local onde devem se sentar as principais autoridades durante os banquetes.

39 Em sua correspondência com Fayga Ostrower, Murtinho dis-cute com a artista a possibilidade de realizar na Europa exposições dos tecidos que a artista dese-nhava.

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A Sala denominada Rio de Janeiro recebeu série de gravuras do século XIX que reproduzem imagens da antiga capital. Ela funciona para até 32 convidados, que se sentam na Cadeira dos arcos, assinada por Bernardo Figueiredo. Feita em jacarandá e couro, o movimento sinuoso do couro é inspirado nos arcos do Itamaraty. Menino prodígio do design da época, Figueiredo idealizou também o Sofá-rei, peça que ambientava o salão de baile desde a inauguração até o começo dos anos 1980, e hoje não tem localização definida. Era destinado a seis pessoas e apresentava em seu revestimento desenhos alusivos à estética mudejar.

Quando são necessárias recepções para número reduzido de convidados, no máximo 14, é utilizada a charmosa Sala Bahia. O pé-direito muito alto impedia o efeito de intimidade. Murtinho decidiu reduzi-lo, contrariando mais uma vez determinações de Niemeyer. Comprou o teto de uma sala de música de fazenda localizada em Paracatu (MG) e ali o instalou. Dedicado à deusa Minerva, em madeira policromada onde prepondera o tom dourado, o elemento arquitetônico barroco colabora para que o efeito acústico induza à proximidade.

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Obras de Di Cavalcanti, Antonio Bandeira, Goeldi, Portinari e Alberto da Veiga Guignard ornamentam o apartamento do ministro de Estado, situado no primeiro andar, logicamente espaço não acessível a visitantes. Na entrada, destaque para gravura de Man Ray, o artista surrealista mais reconhecido pela sua produção fotográfica.

Foi restaurado por Augusto Rodrigues, artista plástico criador da Escolinha de Arte do Brasil. Em 1961, Murtinho ajudou Rodrigues a participar em Quito, Santiago e Assunção de festivais da criança e seminários de arte e educação infantil, tema que considerava dos mais relevantes, tanto que, aposentado do Itamaraty, foi vice-presidente da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, no fim da década de 1980. A partir daí, fortaleceram ainda mais os vínculos de amizade. Fica patente que muitas das escolhas do diplomata passavam pelo seu círculo de afetos. Mas é inegável que elas eram dotadas de qualidade.

Na Sala Pedro II estão representados dois dos mais importantes artistas brasileiros, Frans Krajcberg, com, dois relevos em papel (Sem título,1967) e Iberê Camargo (Estrutura de objetos, 1968). Conta-se que durante muito tempo, após a saída de Murtinho, os trabalhos de Krajcberg permaneceram guardados em local inapropriado, na garagem do Itamaraty, até que foram resgatados para o terceiro andar. O quadro central é o retrato de Dom Pedro II, de Delfim Maria Martins da Câmara, datado de 1875, que já sofreu ataque à faca, necessitando restauro. Nunca se descobriu o autor do atentado.

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Em Brasília, subsolos não costumam ter sua arquitetura valorizada, o Itamaraty é rara exceção. Foi esse o espaço privilegiado por Murtinho e equipe para instalar obras de arte de grandes dimensões baseadas em linguagem geométrica. A maioria delas na cor branca, o que gera forte contraste com o verde que predomina no chão e nas paredes. A mais impactante, Muro estrutural (1965-1966), de Sérgio Camargo, serve como parede divisória entre o hall e o auditório, que ganhou o nome de Wladimir Murtinho após a morte do diplomata. Elaborado com paralelepípedos truncados e concretados40, o relevo recebeu tinta vinílica e, quando iluminado, produz ondas de sombras, gerando efeito que leva o espectador a refletir sobre as relações entre matéria e luz.

Logo na entrada está instalado relevo assinado por Rubem Valentim, Templo de Oxalá. Integrado ao palácio em 1977, remete à iconografia dos totens afro-baianos, característica da linguagem do artista. O painel em madeira recortada e esmaltada apresenta emblemas, brasões e estandartes que criam síntese signográfica alusiva à simbologia mística africana. As figuras brancas colocadas sobre o plano branco provocam efeito paradoxal: o mural recorda remotamente partitura musical, entretanto impõe silêncio, como se fosse um altar.

Grande relevo branco, de Emanuel Araújo, completa a série de obras. Foi instalado no palácio na década de 1980, na gestão do embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima como secretário-geral. Também feito por encomenda para o espaço, o relevo em madeira esmaltada apresenta composição assimétrica, que se projeta para fora do fundo, em estranha conjunção de construtivismo e organicidade. Mais uma vez, uma obra de arte sugere concepção cartográfica, pois foi inspirada nos movimentos do Mapa geográfico da América Meridional, de 1775, elaborado por D. Juan de la Cruz Canoy y Olmedlla, primeira carta que incorporou a partilha das terras americanas entre Espanha e Portugal. No outro lado, tapeçaria executada pelo ateliê Douchez-Nicola, titulada Heráldica, veda o acesso aos banheiros, funcionando como biombo feito com fios de lã, em que dominam tons vermelhos.

O acervo de arte do Palácio Itamaraty foi muito pouco atualizado após a década de 1980. A ausência de uma política de aquisições teve como efeito o recebimento de doações que não passavam pelo crivo de especialistas em arte. Houve exceções de qualidade. Uma das melhores é o bronze Sem título, de Fernand Léger, doado pelo ministro Sérgio Telles, em nome de Paul Haim. A partir de 2010, o Departamento Cultural retomou a construção de uma política visando à atualização. De 2011 a 2013, foram organizadas três edições do Concurso Itamaraty de Arte Contemporânea, com o objetivo de incentivar a produção brasileira e ampliar sua divulgação no exterior.

40 Acervo de arte do Itamaraty (Fi-chas Iphan). Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pág.149.

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A premiação inspirou-se no Prêmio Itamaraty, instituído em 1966, parceria entre o MRE e a Bienal de Arte de São Paulo41, que perdurou até 1975. Entre os agraciados à época que receberam verba do ministério: os artistas Jagoda Buić, Rafael Canogar, Eric Houser, Jean Michel Folon, Richard Smith e Grupo de los 13. A Bienal possuía também o Prêmio Aquisição, que possibilitava a órgãos públicos receberem obras premiadas durante o evento. Assim, o Itamaraty pôde adquirir muitos trabalhos, entre eles obras de Ubi Bava, Lothar Charoux, Isabel Pons e Massuo Nakakubo, além de muitos outros.

O MRE não forneceu dados sobre o tamanho atual do patrimônio artístico. Mas, com certeza, é a maior coleção da Esplanada. Por orientação de Murtinho, em setembro de 1982, foi feito o Inventário de bens culturais. Listaram 732 peças. Na década de 1990, atento ao acervo, o diplomata tentou atualizar o banco de dados. Contatou Rossini Pérez para o trabalho, que não foi concluído. Nos anos 2000, o Iphan preparou dossiê sobre a coleção, mas se ateve apenas ao prédio principal.

Como resultado das três recentes edições do prêmio foram incorporadas ao acervo quase 60 obras, que colaboram para revitalizar o patrimônio artístico do Itamaraty. Elas concederam prêmios nas áreas de pintura, escultura, fotografia, trabalhos em papel e grafite. As obras premiadas passaram a fazer parte do acervo do MRE e foram distribuídas tanto na sede em Brasília como em representações diplomáticas. A comissão de seleção incluiu especialistas brasileiros e estrangeiros, mas o prêmio foi interrompido devido à crise econômica que atingiu o País a partir de 2014.

Sufocamento, de Pedro Davi, foi uma das fotografias selecionadas em 2012, e está instalada no térreo do edifício principal. Nela, o artista discute a questão dos desmatamentos, a substituição de florestas nativas por grandes áreas reflorestadas com eucaliptos, trabalho político adequado à função representativa, que Murtinho tanto levou em conta ao fazer suas escolhas. Com predomínio da organização geométrica, a pintura Paisagem provisória, de Laura Gorski, premiada na última edição do concurso, apresenta em preto e branco nova maneira de contemplar a paisagem.

Infinito, de Floriano Sampaio, escultura em aço inox, selecionada na segunda edição, remete ao símbolo da unidade, e pode ser vista no corredor de acesso entre o primeiro e o segundo anexos, próxima à escultura de Yutaka Toyota, In-Yo space, esfera que remete à estrutura do globo terrestre. Elaborada com aquarela e colagem, a partir da reprodução de

41 Minuta do Convênio entre o Ministério das Relações Exteriores e a Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo, 09/02/1966. Documento arquivado no Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bie-nal de São Paulo.

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uma gravura de nativos, Os viajantes, de Andrea Rocco, faz releitura de tema tradicional na arte colonial. A peça foi destinada ao apartamento do ministro. Nome em ascensão na gravura contemporânea, Fabrício Lopez teve escolhida no primeiro concurso a obra Cais, xilogravura em cores, que o coloca na mesma linhagem de mestres como Goeldi e Abramo.

Já o trabalho de Edina Fisher, Sem título, também premiado na segunda edição, precisou encontrar o seu nicho, no Departamento Médico – próximo a painel pouco conhecido de Athos Bulcão nas cores verde e branca. Pois o material escolhido para sua confecção, espéculos vaginais, poderia causar constrangimentos em visitas oficiais que decidissem avaliar mais de perto a provocação feita pela frase colocada em espiral “We don´t think you understand what you have been throught. We don´t think...”42.

Alguns dos selecionados são nomes que vêm adquirindo reconhecimento no circuito artístico atual, como José Spaniol, Laís Myrrha, Francisco Klinger Carvalho, Carla Chaim, Matheus Rocha Pitta, Márcia Xavier e Marepe. Mas também foram contemplados artistas com percurso mais reconhecido, caso de Carlito Carvalhosa, Katie Van Scherpenberg e Francisco Galeno. Este último autor, de pintura instalada no hall de entrada da Sala Pedro II, próximo a esculturas em bambus policromados de Ione Saldanha.

A presença de especialistas de notório saber nas comissões de seleção reveste-se de fundamental importância na apreciação das qualidades das obras de arte em si. Entretanto, talvez, o Itamaraty necessite instituir a figura de um curador ou conservador principal, escolhido em seus quadros, para exercer funções nos moldes dos papéis desempenhados tão bem por Murtinho e Redig. Afinal, é preciso se preocupar com a função representativa, um dos fundamentos desse órgão público.

A retomada de uma política coordenada de aquisições contribuirá também para a preser-vação e ampliação do conceito de palácio-museu, defendida no Itamaraty desde a sede no Rio de Janeiro. Tal ideia, mais bem articulada na ação estabelecida por Murtinho e equipe, necessita conquistar e ser compreendida em essência pela burocracia estatal. Maneira de estabelecer na instituição ações museológicas compatíveis com o rico patrimônio que o Pa-lácio Itamaraty guarda, preserva, atualiza e coloca em exibição ao público. Caminho para dinamizar o trabalho do esteta-pragmático, que gostava de lembrar que havia escolhido cada uma das pedras que estruturam o mais belo e diferenciado edifício da Esplanada.

42 Em tradução literal: nós não achamos que você entenda o que nós temos passado. Nós não achamos....Catapora, de Francisco Galeno, óleo sobre madeira, 160x220cm, 2000.

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Novas Aquisições – 3ª Concurso do Itamaraty de Arte Contemporânea. Brasília: Ministério das Relações Exteriores. 2013.

MARCELO, Carlos; RAMOS, Graça; CADEMARTORI, Ligia; SÁ, Sergio de. Os criadores: Athos Bulcão, Burle Marx, Lucio Costa, Oscar Niemeyer. Brasília: Multicultural, 2010.

Palácio Itamaraty – Ministério das Relações Exteriores. Bra-sília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1985.

Palácio do Itamaraty – Parte 03 Inventário de bens arquitetônicos. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

PENNA, José Osvaldo Meira. Quando mudam as capitais. Rio de Janeiro: Ed. do autor, 1958.

PENNA, José Osvaldo Meira. Quando mudam as capitais. Brasília: Senado Federal, 2002.

PINTO, José de Magalhães. Informações sobre despesas do Palácio dos Arcos. Brasília, 27 de abril de 1968.

Pionniers 74: l’atelier de gravure sur métal de I’institut National des Arts Dakar. Dakar, maio-junho de 1975.

PORTINHO, Carmem. [Carta] Rio de Janeiro, 26 de abril de 1960 [para] MURTINHO, Wladimir. Detalha a exposição de Arte Concreta organizada por Max Bill na Suíça. Arquivo Luiz Bernardo Murtinho Pericás, São Paulo.

RAMOS, Graça. Maria Martins: escultora dos trópicos. Rio de Janeiro: Artviva, 2009.

RAMOS, Graça e SELIGMAN, Graça.Palácio do Planalto: entre o cristal e o concreto. Brasília: Instituto Terceiro Setor, 2011.

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1897Junho

Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, é cedido ao MRE. Durante 70 anos abriga a sede da chancelaria.

1902-1912

Apogeu institucional. O Barão do Rio Branco co-manda a casa.

1906Construção do pavilhão da biblioteca.

1907Reformas gerais nos estuques, substituição de for-ros das paredes, aquisição de móveis, tapetes, por-celanas e cristais em Paris.

1908Construção da ala esquerda, “em estilo Renasci-mento”, para a Secretaria.

1927 e 1930Reformas e adaptações para articular os edifícios.

LINHA DO TEMPORIO DE JANEIRO E BRASÍLIA

1957 Criada a Comissão de Estudos e Elaboração do Plano de Transferência da Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE) para Brasília. Wla-dimir Murtinho é um dos integrantes.

1958 Janeiro

A Novacap comunica ao MRE que serão reserva-das áreas para construção e instalações das sedes das Missões Diplomáticas dentro do perímetro ur-bano da futura capital.

O diplomata José Osvaldo de Meira Penna lança o livro Quando mudam as capitais, que reforçará a percepção de Gurgel Valente e Wladimir Murti-nho sobre a importância de Brasília.

Criada a Comissão de Estudos e Planejamento do edifício do MRE em Brasília. Wladimir Murtinho a integra.

1959Membro do Grupo de Trabalho encarregado da transferência para Brasília, Wladimir Murtinho negocia, durante dois anos, portanto, até 1961, com Oscar Niemeyer o programa estabelecido pela comissão.

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1960 Abril

Inauguração de Brasília.

Criado o Serviço de Representação do MRE, vin-

culado ao Gabinete do Ministro de Estado, que,

permanece no Rio de Janeiro. Por não ter ainda

uma sede, o MRE passa a funcionar em salas em-

prestadas, inicialmente, no segundo andar do Mi-

nistério da Saúde.

Setembro

Juscelino Kubitschek lança a pedra fundamental

do palácio destinado ao MRE.

1961 Rubens Ricupero acompanha Wladimir Mur-

tinho em visita ao antigo DASP, para entrevis-

ta com o diretor do órgão, Moacir Briggs. Após

muitas negativas quanto à liberação de verba

para a construção do prédio, Murtinho conse-

guiu apontar as saídas orçamentárias e obteve a

autorização pretendida.

Outubro

Embaixador Jaime Sloan Chermont Lisboa é de-

signado Presidente da Comissão de Transferência

da Secretaria de Estado e do Corpo Diplomático

Estrangeiro para Brasília.

Novembro

Wladimir Murtinho é designado para servir na Embaixada do Brasil no Japão.

1962 Março

Assinado convênio entre MRE e Novacap, que passa a ser a responsável pela “elaboração do pro-jeto, plantas, especificações, detalhes, assim como a execução das obras até o final do acabamento das edificações”. MRE deve repassar 400 milhões de cruzeiros para as obras.

Abril

A Nocavap cerca o terreno onde hoje se encontra o palácio. Durante muitos anos permanecerá ali a placa com os dizeres “Palácio do Itamaraty – Nocavap – Departamento de Edificações”.

Início das obras.

Dezembro

Apenas 14 milhões de cruzeiros foram repassados pelo Itamaraty à Novacap, o que tornou inviável o andamento da obra.

1963Fevereiro

O presidente João Goulart determina a transfe-rência do Itamaraty para Brasília no prazo de 60 dias. O prazo é dilatado, mais tarde, para até o fim do ano.

Abril

O presidente João Goulart autoriza a liberação de 240 milhões de cruzeiros para a construção do Pa-lácio Itamaraty.

1963

Agosto

Wladimir Murtinho passa a chefiar o Serviço de Relações com o Congresso e a Comissão de Trans-ferência do MRE do Rio para Brasília.

Wladimir Murtinho desembarca em Brasília acom-panhado do arquiteto Olavo Redig de Campos.

Inicia-se o estaqueamento do futuro edifício.

1964

Março

Cerca de 400 homens trabalham em três turnos na obra do palácio.

Abril

O novo presidente da República, após o Golpe Militar de 31 de Março, Marechal Castelo Branco, visita as obras do palácio.

Julho

Assinado convênio com a Novacap para a cons-trução de prédios de apartamentos destinados aos servidores do MRE.

Agosto

Incêndio debelado no segundo andar do Ministé-rio da Saúde, local que abrigava a Representação do MRE. Não há vítimas.

Setembro

A representação do MRE fica temporariamente ins-talada no sétimo andar do Ministério da Marinha.

O Correio Braziliense noticia que 700 homens traba-lham na obra do Itamaraty, que já teria 75 mil me-tros quadrados construídos.

1965 Abril

Wladimir Murtinho depõe, como convidado, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados para falar sobre os custos da obra.

1966Abril

O presidente Castelo Branco e o Ministro Juraci Magalhães participam da Festa da Cumeeira.

Junho

Começa a ser escavado o espelho d´água ao redor do palácio.

Wladimir Murtinho passa a se dedicar com mais ênfase ao projeto de ambientação dos espaços in-ternos do palácio.

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Novembro

Os operários Diomar Miguel Godoy e Geovah Antônio de Sousa morrem soterrados, após uma barreira desabar, durante a construção do edifício.

1967Fevereiro

Bruno Giorgi instala a escultura Meteoro no espelho d´água.

Março

No dia 14, o presidente Castelo Branco assina de-creto designando o edifício como Palácio Itamara-ty. À noite participa da primeira recepção diplo-mática realizada no novo prédio.

Nos dias 19 e 20, o Palácio Itamaraty é aberto à visitação pública. Uma multidão passeia pelos sa-lões, sobre os tapetes. Não há registro de danos ao patrimônio.

Maio

O chanceler Magalhães Pinto informa às Missões Diplomáticas que a partir de 15 de março de 1968 todos os atos referentes à política externa serão praticados em Brasília.

Os príncipes herdeiros do Japão são homena-geados em grande recepção realizada no palá-cio. Finalmente, o Itamaraty é testado em sua função representativa.

Setembro

O lustre Revoada dos pássaros, de Pedro Corrêa de Araújo, é instalado.

A escultura A mulher e a sombra, de Maria Martins, chega ao Itamaraty.

O rei Olavo, da Noruega, é recepcionado no palácio.

1968 Maio

O deputado federal Mendes de Moraes solici-ta que a Comissão de Fiscalização Financeira e Tomada de Contas da União investigue su-postas irregularidades na aquisição de móveis para o palácio.

Em documento encaminhado pelo chanceler Magalhães Pinto, Wladimir Murtinho res-ponde ao pedido de informações e apresenta a relação de móveis e obras de arte compra-dos para o edifício, apresentando o valor das aquisições.

Agosto

Pierre Cardin realiza desfile nas dependências do Ita-maraty, com renda revertida para as obras assisten-ciais presididas pela primeira-dama do País, Yolanda Costa e Silva.

Novembro

A Rainha da Inglaterra, Elizabeth, ganha recepção no palácio. Burle Marx é autor da decoração, feita com frutos do cerrado.

1969 Wladimir Murtinho é designado para chefiar a re-presentação diplomática brasileira na Índia.

1970Abril

Incêndio na casa de máquinas no subsolo do Ita-maraty. Prejuízos no corredor do primeiro andar, assim como nas salas da assessoria de imprensa e gabinete do ministro de Estado.

A artista Mary Viera termina de instalar a obra Ponto de encontro.

No dia 20, inauguração do prédio, com recepção presidida pelo Presidente da República, General Emílio Garrastazu Médici, e o chanceler Gibson Barbosa.

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ARCHITECTUREThe book Itamaraty - The architecture of diplomacy presents a brief history about this palace that houses the Brazilian International Relations building from its headquarters in the city of Rio de Janeiro to the transfer to the capital Brasilia, which would be inaugurated in 1960. The book shows its magisterial architecture that is analyzed point to point and under an artistic perspective, for the Itamaraty Palace houses works by great artists and other objects that end up materializing its grandeur and exuberance.

“... when is our palace ready?”, Oscar Niemeyer was asked by Ambassador Wladimir Murtinho about the new Itamaraty Palace, which should perform the functions of the Ministry of International Relations both in a symbolic and representative manner, with the transfer of the capital of Rio de Janeiro to Brasilia.

The change of the capital, the construction of Brasilia and all the expectations that this event had aroused were already established as a constant matter among the members of the chancellery. Between 1960 and 1970, the decade in which the inaugurations of Brasilia and the new Itamaraty headquarters took place, there were many events and mishaps. In an analysis of that moment, it was necessary a true crusade so the transference of the whole government could occur.

The Itamaraty Palace was transformed into the headquarters of the Ministry in 1897, at the beginning of the Republic, although during the Empire its premises were used for a reception to Count D’Eu. The palace was glorious performance space for the Rio Branco Baron, with parties and receptions of authorities and heads of State for 70 years.

The headquarters move from Rio de Janeiro to Brasília was seen as an opportunity for modernization and with hope, not simply as another public building at the Esplanade. After all, the Palace was the institution that integrated all the historical process of the nation

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transformation and construction. Wladimir Murtinho worried about the conclusion of the new palace headquarters due to the demand for new facts, coupled with the symbolic character the institution presented.

For the new venue in the Central Plateau, the Itamaraty should house artworks and modern and recognized furniture, denoting the spatial and notorious quality of the Brazilian chancellery. In addition to these, their gardens and rugs would create the image worthy of a palace establishing important international relations and displaying Brazil to the world.

The capital Brasília is a reference in architecture, with its worldwide famous scales and axes. With an Esplanade, a National Congress and other palaces (the Supreme, the Plateau and the Dawn), the Itamaraty is part of this scenario, standing out for its symbolic and expressive representativeness. In the drawings of Lucio Costa, who won the contest in 1957 that would choose the new urban plan for the capital to be built, that square that would become the headquarters of the Ministry of External Relations was debated in many artboards until becoming majestic as it is known today.

The theoretical basis of this architecture is found in the palace archives and in the Public Archive of the Federal District. Regarding Oscar Niemeyer, there is an expressive amount of publications, in which the Itamaraty is quoted to a greater or lesser degree.

The palace works in the recently inaugurated capital lasted 11 years (1957-1970), considering the initial intention. At that time, there were many transformations such as the construction of Annex II (in 1980) and the current expansion of Annex III - both with an architectural project performed by Oscar Niemeyer’s office.

Palace of the Arches - this was the name initially given to the Itamaraty Palace, but it did not have arches, so this denomination would not be appropriate. Recent researches have found three versions for the architectural project: the first one from 1959, corresponding to a model published in the magazine Brasilia nº 30. The second, in 1960, the inauguration year of the new capital of Brazil, presented eight drawings in heliographic copy. The third, from 1963, presented handmade drawings with colored strokes and in graphite pencil by Oscar Niemeyer, a version that would be the basis for new drawings with more details, and from there the palace to be built with the remarkable arcades.

In order to build the new palace headquarters in Brasilia, one would have to recognize the value of the building located in Rio de Janeiro, whose tradition would influence the modernity traits that would materialize in the works of the Brazilian capital. The new Itamaraty should represent the same institution that operated at Rua Larga de São Joaquim, near Central do Brasil and the Ministry of War.

The Rio de Janeiro mansion housed the Brazilian chancellery for over 70 years, whose garden featuring imperial palms and water mirror and the result of a building led by the Itamaraty Baron and designed by José Maria Jacinto Rabelo. The palace is recognized for a façade marked by pilasters, cornices, with iron balconies, which opens their front rooms to the street space and to the city, later underwent extensions, and its importance was registered in the book Brazil Builds (1943), a work that boosted Brazilian architecture.

Much was asked about the transfer of the diplomatic corps to Brasilia, which was to present a palace that corresponded to all the demands of the national office. The new Itamaraty represented the opportunity to combine modernity with its administrative functions. Its foundation stone was launched by President Juscelino Kubistchek in September 1960, in a ceremony attended by authorities and the beginning of a long ten-year journey between the move from Rio de Janeiro and its inauguration in the new Federal District.

The venue where the Itamaraty Palace was to be built was defined in 1957 by Lucio Costa, when he separated the Ministry of International Relations (MRE) and the Ministry of Justice in relation to other government buildings on the Esplanade. The palace was demarcated in a prominent position in order to maintain Niemeyer’s concept of “architectural unity” for creating hierarchy of powers. By being built in the standardization sequence of ministry buildings, it maintains its autonomy and its own monumentality.

The new palace project came after an intense period of the country’s history, between the end of the JK years and the 1970s, through the dictatorship of 1964, political tensions in the government of Costa e Silva and the Medici government in it inauguration. In the midst of this troubled period, Oscar Niemeyer left Brazil and Brasília, and a commission had to be recruited to proceed with the palace construction. Some important names, such as diplomat Wladimir Murtinho, Luiz Brun de Almeida Souza, Rubens Antonio Barbosa and Milton Ramos who represented Oscar, Joaquim Cardozo and Samuel Rawet, who contributed with structural calculations. Worthy of note are Olavo Redig de Campos, chief

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architect of the MRE Heritage and his assistants Jayme Zettel, Roberto Scorzelly, Blandina Fialho, Carlos Camargo, Rubens Richter and Maria Clara Redig de Campos.

One of the great names mentioned is Wladimir Murtinho, who, together with other diplomats moved to the capital and invited some renowned artists to elaborate projects, such as Roberto Burle Marx with his landscaping in the palace gardens, others to choose artworks to integrate the palace rooms. Athos Bulcão collaborated with works on different fronts, among them the floor pagination, making trusses and drawing tiles, so acclaimed and preserved as patrimony of the city nowadays. Maria Martins, Mary Vieira, Bruno Giorgi and Alfredo Volpi integrated the artistic team, correlating architecture and art in the best way possible.

Ambassador Murtinho acknowledges the collaboration of the architects and helpers, highlighting the great participation of Athos Bulcão and Olavo Redig de Campos, who had an academic background in Rome, and thus distinguished themselves. According to Murtinho: “... therefore had a knowledge of what salons are, what space is (...) of luxury.”

New demands for action arose for the ministry to be built in the new headquarters, no longer the behaved works in the Rio de Janeiro palace of the nineteenth century. We highlight the importance of the modernization (and the opportunity) of the offices and spaces. These characteristics would have been listed in a “mythical dossier”, not yet found in research, written by Wladimir Murtinho and other collaborators. It is rumored that Oscar Niemeyer had received this document, but ignored or even lost it.

Niemeyer, even from a distance, accompanied all the Itamaraty Palace works in the capital, being clear the respect of the architect for the entire team, whose distance did not compromise the project, with his orders and traits rigorously fulfilled.

The representative and the administrative should be articulated, being this common feature of the chancellery palace headquarters. It is noted that the palace has a horizontal block defining a background highlighting its famous arcades. This superstructure houses garages, workshops, medical station, cellar, etc. in its basements. Regarding the administrative functions, there is the Annex I with offices, sub-secretariats and departments (common to the capital buildings) and for the representative, the flexible office and with a dense symbolic load - common to Brasília monuments.

It was necessary for the new building in Brasilia to be “fit” for the functions required of diplomats, meaning the new facilities should be appropriate for cocktails, lunches, pronouncements and other events inherent to the operation of international politics. For this, the palace would need spaces capable of consecrating foreign activities. According to Murtinho: “... allow the pomp and make this the element that perhaps characterizes the palace.”

At the Itamaraty, the spaces have different degrees of access and permanence, thus, they have intimacy scales that are altered as they receive hosts and guests, depending on their level of importance and behavior, in addition to the work Pertinent to the ceremonial.

The typical concrete of the constructions of Oscar Niemeyer acquires another aspect, since the nobility and the delicacy are present in the small palace. According to Nuno Ramos: “The material has undergone a metamorphosis, tending to the limit of its possible recognition”. The archway of Itamaraty supports not only the structural part of the building, but also “absorbs” the symbolic load present in the palace. It is a reference of the old headquarters, but without the neoclassical features.

The structure is supported by the modulation of the arched spans consisting of 12 full arches with identical radii (R = 2.80m), which are joined by two differentiated arcs, each in faces of its extremities, counting 14 arcs in each of its four faces. Each side of the arch is 86m long, providing a strictly square plan of 86x86m. The architect Milton Ramos was responsible for creating the constructive and optical relationships between the arches (full and the ends). The palace observer passing by the structure on the Esplanade may perceive with a closer look that the arches “move” and lose weight and thickness as they are observed.

The plastic strength of the building and its volumetry are reinforced by the Water Mirror, with Bruno Giorgi’s Meteor. Another feature of the palace that stands out is its ocher color, emphasized by the unusual and unique trait. A curiosity: the architects tested with several types of cements and with coarse and fine aggregates for reaching this color. The ocher reminds the observer of Cerrado’s own color, as if were impregnated with dirt thrown on the façade.

Regarding the structural modulation analysis, with an M module of 6 meters in the palace, it is noticed that this is done by the arch and in the solution of the internal environment, in

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the divisions and arrangement of plants. The palace plan is divided into three floors, the variation of these spaces being an advantage, since it provides different uses for them: small or large receptions do not compromise the harmony possibility among the environments and ensure their functions for the diplomatic tasks.

According to Wladimir Murtinho: “The palace works very well. There are other foreign ministries with large halls, but none with these facilities and these dimensions.” The diplomat talks about the intimate and at the same time monumental features of the environments of the Itamaraty. For example, the room Sala S. Pedro I articulated to the room Sala Portinari and to the balcony, with the environments “having a conversation” and totalizing (except these two rooms) an area of 3,300m2.

The flows required by the Itamaraty Palace for diplomatic activities and the most varied events occurring in its premises are assured by the accesses on the four sides of its plant, but it is the route that provides the understanding of its architecture. It is necessary to transit through the spaces to comprehend its artistic and architectural quality. Its spaces, from the majestic entrance hall to the garden with its Amazonian species, provide kings, ambassadors, delegations and tourists a private experimentation.

One of the environments in the palace earning special attention is the balcony, a traditionally featured space. It is a place of family interaction and reception, where different degrees of family are established. The Itamaraty shows Niemeyer’s “architectural spectacle” on the Lucio Costa scale. From this space, one can see the other palaces of the Esplanade, creating sociability. The balcony becomes a belvedere where one can observe the Three Powers Square and the entire civic landscape of Brasilia. This space provides a certain degree of intimacy to those who lie on its sill.

The balcony has behavioral codes of its own, meaning that authorities such as kings and princes interact in this informal environment, instigating the rupture of tensions and rigidity in diplomatic relations, thus softening old-fashioned social practices and ways. Through this environment, Niemeyer inserts a spot of relaxation, deconstructing the haughtiness of the guests.

The Itamaraty Palace drifts towards elegance without ostentation, the construction denoting class without extravagance. This elegance makes great sense when associated

with the decoration of spaces. Its rich quality, with furniture, rugs and artworks of intense cultural value, expresses this palace feature.

In the offices and halls used for administrative functions, furniture such as office and meeting tables, sofas, armchairs are present; however, in representative environments, the architectural strategy valued the emptiness. In social spaces, such as halls and rooms, the emptiness maintains the dramatic charge with the aim of encouraging the union of the arts to the architecture of the palace. The emptiness is represented by sober and well-organized places to receive agents, reporters, journalists and whenever requested, the ceremonial is in charge to express the necessary hierarchies.

The collection of Itamaraty is extensive and valuable, with works by Debret, Tommie Ohtake, Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Ceschiatti, Cândido Portinari, Mary Vieira, Alfredo Volpi and a wider collection of maps, sculptures and rugs, the latter acquiring a primordial function in the spaces.

The palace’s tapestry fills wide spaces, delimits places and adds color to stones, woods, glass and apparent concrete, the major building materials.

A highlight of both the Rio de Janeiro palace and the new headquarters in Brasilia, the palace furniture received pieces with more modern features for composing the building constructed in the Brazilian capital. If the city of Rio de Janeiro housed furniture from the 1920s and 1930s and even some belonging to the imperial family, the Central Plateau palace held furniture valuing the contemporaneity of architecture. For this reason, design names such as Bernardo Figueiredo, Karlheinz Bergmiller and Sergio Rodrigues appear in objects that make up both administrative and social environments.

Recalling the strategy of empty spaces, the most representative environments combined with furniture associated with artworks from important times. Large spaces, organized in this way, together with the reflections of glass, are places of meeting of authorities, who can move freely through the environments.

Glass and wood compose the materials most used in the palace works. However, the stones are the highlights mentioned earlier. At the Itamaraty, there are Italva and Santo Antonio white marble and Andorinha gray granite paving the floors and lining the walls.

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The flexible character of these materials is perceived when used as a floor or wall. Athos Bulcão, invited by Murtinho, impresses with the work in bas-relief marble, incorporated to the wall surface of the entrance hall.

Wood is widely used in detailing and complementing interior spaces. In the Hall of Treaties, it is possible to visualize a trellis of Athos Bulcão in this material. The aluminum is used in the frame of the palace, ratifying the “architectural unit”. Regarding the glass, there are the fumes and the greens, which do not not allow visibility from the exterior to the interior, but the inverse. The mirroring feature of the glasses was emphasized by Niemeyer, rather than simply using mirrors.

Athos Bulcão is one of the previously mentioned great artists who deserves more lines. He contributes to the works and after the constructed palace in every way. His art/architecture integration does not allow limits, since he experimented with materials, proposed scales, designed tiles (which are exposed in the garden of the catwalk connecting Annexes I and II and panels in Annex I). In recalling the marble used in the bas-relief created by Athos, it should be mentioned that this serves as the background for official photos of the chancellor with official visitors at the reception ceremonies.

One of the structural problems common to palaces in the capital is the pagination of floors. In these places, large environments function as areas of transition and solemnities, for example, the Black Hall of the National Congress. In the Itamaraty Palace, the floor receiving its visitors makes a footbridge over the water garden and joins the street and its guests and authorities with the ground reception hall, providing a perspective inside the palace.

The gardens – The great exponent for the gardens of the Itamaraty is called Roberto Burle Marx, invited by Wladimir Murtinho to create those of the chancellery headquarters in the new Republic Capital. The artist had already designed a surrounding water garden, the guise of the patio for ventilation in the Ministry of Justice and other work, so the Ministry of External Relations could not be different.

Three sets of gardens were created by Burle Marx, in the representative part of the palace, two of them being aquatic. A large floating external garden highlights the water to the role of prominence amid the lawns on the Esplanade. For safety reasons, the water is also

utilized for isolating the building from a distance. Another feature drawing attention is the humidification - Brasília is a capital with low humidity rates for most of the year, thus, this is an additional comfort for those who are near the palace.

The external aquatic garden presents retreats that facilitate the accesses and foliations with different textures, providing movement to the landscaping; the interior is the main hall and with the works of Mary Vieira, the sculptural staircase and the bas-relief of Athos stand out.

There is also a suspended garden, which defines a place suspended on the balcony with species of plants of another spatiality. It functions as an oasis amid the balcony and opposing the Cerrado. This garden features white rolled pebble floors and white Portuguese mosaic, which create paths referring to the paths of Guimarães Rosa.

The Itamaraty Palace was inaugurated in 1970, establishing a new routine for the diplomatic corps. In the new city, which was recently built, at the time of JK’s “economic miracle”, the palace stood in the middle of the Planalto, honoring names such as Lucio Costa, Cândido Portinari and Burle Marx. Oscar Niemeyer’s majesty was verified again in this revolutionary project. The architect had reached a new level in spatial, formal and structural quality.

It is important to emphasize the importance of all the collaborators of the work of the palace, professionals who contributed much to the history of Brazilian architecture.

Nowadays, the palace follows daily life by performing its functions and bypassing some concerns, such as protocols and codes being modified, and at the same time, standing out by means of an icon architecture for the whole world.

ARTThe Itamaraty Palace is a large palace-museum. Its artworks are part of the largest collection in a public building, allowing visitors and the public servers themselves to be in touch with the history of art and with various designers in the main building, especially from the 1950s and 1960s.

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The great promoter of the art present in the palace was the diplomat and chief curator Wladimir Murtinho. He was at the helm of the construction of the Itamaraty, in the positions of head of the Representation of the MRE in the National Congress and head of the Transfer Committee of the Ministry of External Relations.

One of the artworks standing out in the Brazilian Foreign Office is the tapestry housed in the cabinet of the Minister of State, on the second floor, embroidered by Madeleine Colaço’s atelier, located in Copacabana. At the request of Murtinho, the tapestry professional, an expert in chromatization, embroidered a 1512 map of the Renaissance Jerônimo Marini named Orbis tupus universalis tabula, in which he proposes a new spatial organization for the world map, with Jerusalem at the center of the world.

One of the main meanings of the embroidered work is the idea of relations between post-colonial countries, especially Brazil on the high side (encouraging patriotism), the only identified state of the Americas and directing the visitors on new geopolitical perspectives.

Murtinho favored the selection of works that did not portray imposition of force of the country in relation to other peoples, but always valuing Brazilian artists or national themes. In his own words, the diplomat reinforced a few years later: “The Itamaraty was a proof of nationalism, highlighting everything that was Brazilian.”

Nationalism was highly valued by Murtinho, especially at the time he conducted the exhibition Arts primiifs brésiliens at the Museum of Ethnography of Neuchâtel, Switzerland, between 1955 and 1956. He exhibited diversified periods of Brazilian art and the text “Brazil And modern art “, in which he features characteristics of the national culture, starting with a poem by Manuel Bandeira (Dead Evening), praises the architecture and quotes professionals who contributed to the Brazilian style. The article was published by the magazine Du: Schweizerische Monatsschrift, a journal that even dedicated an edition to Brazil.

Despite being a great enthusiast of Brazilian culture, Wladimir Murtinho (or Wladi, as some people knew him) was not born in Brazil, but in Costa Rica. Son of a Costa Rican with a Brazilian, he moved to Brazilian soil with the hopes of following the footsteps of his father, also a diplomat (Ambassador Antônio José do Amaral Murtinho) and only learned Portuguese late. Years later, he was awarded a place for a diplomatic career.

Already in office in Itamaraty, in 1958, together with Mozart Gurgel Valente, he defended the move of the foreign relations body to the new capital in a document that would be the base for the palace conception. According to ambassador and friend Luiz Felipe Seixas Corrêa: “He (Murtinho) never posed doubts about the originality and the future of Brazil, he understood the Itamaraty as a synthesis of a new Brazil”. Maria Isabel, daughter of Murtinho, ratified “My Father believed in the city when it was just an idea, moved to Brasília and remained in it until he died.”

Settled in the country and closer to the cultural and artistic elite of Brazil, he was also encouraged by his marriage to Maria Antonieta Prado Uchôa, a plastic artist born in a traditional São Paulo family. Wladimir Murtinho was able to deepen his understanding of economic issues, an essential moment in the future for his work at new headquarters of the Ministry of External Relations.

As previously mentioned, the diplomat was able to work with names important to the national culture, both juridically and artistically, among them Olavo Redig and João Cabral de Melo Neto. In the trade, he dedicated himself for some time to the internal setting of the palace, choosing great designers, among them Aloísio Magalhães, founder of ESDI (Superior School of Industrial Design of Rio de Janeiro) and later president of the Institute of National Historical and Artistic Patrimony (Iphan). Magalhães was the one who created the logo of the MRE, inspired by its architectural arches.

A lot of 34 Persian carpets were bought on a trip from Redig de Campos and Carlos Camargo (an architect) to Lebanon and London. In addition, he directed almost all the artists on the types of works to be placed in the palace, with one exception: the ambassador Maria Martins chose the piece she would donate, The woman and the shadow, also agreeing that the MRE would pay the casting of Song of the Night.

In relation to figures, the construction, decoration and move of the Itamaraty Palace to Brasilia cost about 14 million dollars, a relatively low figure. To justify the purchase of projected furniture, Murtinho defended that it valued national furniture and paintings, sculptures, paintings designed specifically for the MRE.

The diplomat believed in the power Brazil presented, mirroring this in his actions for the dissemination of Brazilian culture and in the Itamaraty itself, where he concretized

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such ideas. One of his qualities was patience, acquired by being part of a Theosophical motherly family.

His comings and goings to Brasília were constant during the construction of the new headquarters of the chancellery. From Monday to Thursday, he stayed in Brasilia, where he made constant visits to the Esplanade. On weekends (returning on Friday), he was a recurring figure in Rio de Janeiro in workshops of artists hired to equip the new palace. He was talking about works in production, such as, for example, Two Friends, by Alfredo Ceschiatti in the upper garden of the palace. Murtinho suggested a patina cover on the piece, which would represent, he said, more sobriety. In Song of the Night, he was defeated when he questioned the polished bronze chosen by the artist Maria Martins of strong personality and temperament.

He, as a great promoter of the arts, was an important asset so the state would continue to finance artists after the military coup, at which time the acquisition of holdings cooled down. He closely followed all the work developed by the collaborators for the palace-museum, since the responsibility during this period was great, from the time of hiring the professionals until their payments. With this zeal, Murtinho imposed his taste, even, in a few moments, tuning out Niemeyer’s project. One of the cases occurred when he traveled to Ouro Preto to meet the work of Pedro, a young man who had been awarded the gold medal of the VIII São Paulo Biennial, the son of a friend, Lilli Corrêa.

The diplomat considered that he could create a chandelier of a sculptural character for the palace and he did it. He made a flock of birds, an iron-framed lamp, silver and bronze with lentil-shaped rock crystals, installed at the tip of each of the 110 arms, all illuminated by a thousand-candle lamp, which is on the second floor of the building.

Wladimir Murtinho’s characteristic of handpicking artists was seen by many as his own, being defined by many as a “pragmatic esthete.” He had in his house a library with great collections of art and aesthetics, and in the hours when he did not serve the House of Rio Branco, he liked to build houses, an “amateur architect” - in the federal capital; there were four in the Lago Sul neighborhood.

If in Brasilia Oscar Niemeyer chose the artists to design the city, Wladimir Murtinho had that role in the Itamaraty. He negotiated with art professionals, used his vast network of

contacts aware of the need to build a palace that would mirror the country’s image over the next five decades. Soon, from these contacts, significant orders appeared, among them the sculpture of Bruno Giorgi, in the main façade, the Meteor.

Giorgi’s work means integration and dialogue between continents, articulating five segments of white marble that make up the hollow sphere, alluding to the division by continents prevailing at that time. At the time, he presented Murtinho and his team with three models, so that they could choose the one that would best fit the façade, and the elected one (Meteor) presents the scale that best fits the palace dimensions.

In 2013, with the manifestations that devastated several capitals of Brazil, including Brasília, the sculpture was shot at one of its points and so far, it has not been restored.

Congraceria was another sculpture made by Giorgi, currently located opposite Annex II, known as Wedding Cake. Semantically, it is inferred the idea of union or meeting of the piece, also made in marble, in framed blocks and suspended by two pairs of iron and a larger amount of cutouts.

Mary Viera was another artist invited by Murtinho and Niemeyer to unite art and architecture. She, in turn, delivered the piece Meeting Point, set of three marble bench-modules in the form of semicircles suggesting that the visitor sit and rest there. Such work can be appreciated at a distance, but Vieira’s goal was for the observer to approach and move the plates, which is, to interact with the piece. The artist’s phrase “it should be actually moved” defines her will that the work would be actually interactive. On the day of the inauguration of the palace, she could see children playing in her creation.

To this day, the palace’s only interactive work is a symbol of courage on the part of Murtinho and his team, since it was installed in a period of great repression and censorship. This piece of Mary Vieira creates dialogue with the helical scale that allows the transit to the mezzanine. Through this dialogue, the visitor is invited to observe the movement that emerges from the composition of the two. This movement arises because there are no carpets, ornaments or any painting on the ground floor, being able to divert the look, once again retaking the idea of valuing the void, the necessary void.

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Max Bense, a German philosopher, friend of Murtinho and an attender of soirées at Giorgi’s house in Leme (RJ) attests to the option of not valuing the painting in Itamaraty (more sculptures, etc.) while visiting the capital. Other places preferred painting to other types of works and the Itamaraty prioritized the integration of art to architecture and three-dimensional compositions. Bense, on this choice: “Brasília confirms in fact an indubitable abandonment of the idea of painting”.

Athos Bulcão, great name of the construction of Itamaraty, creates Wall, a panel carved in marble with the feature of bas-relief, which increases the sense of amplitude of the place. Semantically, it alludes to the idea of looking afar, open to the world - the function of the Ministry of External Relations.

Other works constitute the collection of the palace and they deserve to be mentioned:

1. The woman and the shadow, by Maria Martins. A sculptural production remained for some time in the palace gardens, in cut white marble placed in prominence. From the way it was positioned, it looked like it was moving toward the visitors. Of a “ghostly” character, it consists of a woman of golden color with her head held high and her open hands, walking in front of the shadow, which presents the exposed viscera and from its head come forms that resemble snakes, as if ready to devour the woman. Currently, this piece is in the room Salão Duas Épocas.

2. Vertical aspiration, by Zélia Salgado. Sculpture installed in the garden, in steel, which was baptized, initially as Foliage. The artist had great contact with Burle Marx, who used to hire her. The work practically blends into the leaves.

3. Fraternity, by Darlan Rosa. Sculpture also made of stainless steel, made of two cast beads.

4. Metamorphosis, by Franz Weissmann. First artwork to compose the palace mezzanine. A combination of light and shadow promotes the illusion of sculpture movement for the observer.

5. Busts of foreign policy personalities from colonial times and the Empire to the Republic, including Alexandre de Gusmão, Duarte da Ponte Ribeiro and Barão do Rio Branco.

6. The dream of Don Bosco by Alfredo Volpi. Fresco in which the painter portrays the saint who dreamed of the new capital, Brasília. It is one of the most important paintings of the capital and rarely visited.

A rosewood table where Princess Isabel had signed the Áurea Law (the Law that decreed the end of slavery in the country) and today, the signed agreements and treaties occupy the mezzanine. Such furniture was brought from Rio de Janeiro to add to the characteristic chancellery of tradition in the midst of renovation.

A point that deserves lines refers to the visitation of the palace. It is open to the public since the inauguration. However, many diplomats opposed this idea for they argued that damages could occur to the goods and resorted to the example of the carpets scattered around the palace to be unfavorable to the visits, these would be worn. However, Murtinho, from the beginning with the aim of making the Itamaraty a museum palace, did not allow the visitation to cease and reinforced: “Carpet is to be trodden.”

The guided tours with classes of the University of Brasilia (UnB) occurred until the end of 2015.

Series of engravings by renowned artists, such as Fayga Ostrower also make up the Itamaraty collection. The diplomat Wladimir Murtinho had great interest in encouraging the national engraving and, being the curator of the palace, decided to establish contact with several engravers so that these productions occupied the internal setting of many offices.

An artwork deserving mention for being the most imposing of the office of the executive secretary is the Gobelins Manufacture from the 18th Century, named Indian Fishermen, integrating the series of Nouvelles Indes drawings. There are also the paintings named Episodes III and In the garden - works strategically positioned in the room of those receiving foreign authorities bringing tense political subjects to be addressed, by the tone of appeasement that they cause to the observer.

There are also works of other renowned artists such as marble sculpture from the series “The Kiss” attributed to Auguste Rodin; War and Peace, by Candido Portinari, who suffered from the fire that hit the UN building in New York.

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There is an ornamentation on the third floor of the palace. On the floor, there is predominance of classic furniture, with period paintings, carpets etc. We highlight the carpet that would have been made for Queen Victoria and two paintings in the Pedro I Room: Jean Baptiste’s Coronation of Pedro I (1928) and Pedro Américo’s Cry of Ipiranga (1888). This last work made Murtinho proud for it was considered more important than the one with the same title located in the Museum of Ipiranga. A detailed study of the independence cry by Pedro I was brought from Rio de Janeiro to Brasilia.

Cândido Portinari, great exponent of Brazilian art, signs The Jangadeiros and the Gauchos, both painted in 1939.

There are two 18th-century-angels suspended in the smoked glass of the building; they are carved-out angels brought from the old Church of São Pedro dos Clérigos, demolished in Rio de Janeiro to make way for Presidente Vargas Avenue, a central street of the city of Rio.

In the Room Two Epochs, one can also find works by Milton da Costa (Figure, 1951) and Tomie Ohtake, untitled, 1987.

Jacaranda and leather chairs and armchairs are part of the garden, which assists the banquet hall called Sala Brasilia. This location still holds the greatest artwork utilizing the support of the palace weaving. It is called Central Plateau Vegetation, which totals 25 meters wide, and is signed by Roberto Burle Marx, but produced by inmates of the Bangu Penitentiary, according to research.

The diplomat Murtinho gave resolution to the subsoil of the palace, a place not quite valued in the architecture of Brasília. In the MRE, it was used by the curator to accommodate large works. The most relevant is the so-called structural wall by Sérgio Camargo, which serves as a dividing wall between the hall and the auditorium. Years later, with the death of the aesthetic-pragmatist, it was renamed with his name, Wladimir Murtinho.

In the subsoil, there are still works of Rubem Valentim, Temple of Oxalá and a great white relief in enameled wood by Emanuel Araújo, suggesting cartographic design.

As for the updating of the Itamaraty Palace collection, not many pieces were acquired after the 1980s. Some works were bought, but without the assessment of specialists.

However, some exceptions preserved the quality of these acquisitions, among them an untitled sculpture by Fernand Léger. As of 2010, competitions were held to disseminate Brazilian production with consequent foreign disclosure. Of these contests, 60 works were incorporated into the collection, among them, Sufocamento, by Pedro Davi, a photograph installed on the ground floor of the main building; Infinity, by Floriano Sampaio, a winning stainless sculpture in the second edition (in total, there were three editions), which can be seen in the access corridor between Annexes I and II; In-Yo, from Yataka Toyota, also a sculpture in the shape of a sphere referring to the globe.

The palace does not disclose the amount of works it houses, but it is certainly the largest collection of the entire Esplanade. In 1982, 732 pieces were counted; In the 1990s, Murtinho tried a new count, but it was not completed. In 2000, Iphan finalized a dossier with the figures, but only in relation to the parts of the main building.

Artist names appear in the artistic circuit, such as José Spaniol, Laís Myrrha, Marepe and Carla Chaim; others more famous such as Francisco Galeno, author of painting in the lobby of the Sala Pedro II.

For the next selections, perhaps the Itamaraty would need a curator, who can verify the quality of the works as carefully as Murtinho and Redig did, since one must always take into account the preservation of the representative function, the foundation of the MRE.

In future new acquisitions, the preservation and expansion of the palace-museum concept will be valued. Such a situation, in order to be put into practice, needs a good articulation to overcome the state bureaucracy. This is the way for making Wladimir Murtinho’s work more dynamic. As he used to say he had chosen each of the stones in the most monumental and differentiated building on the Esplanade.

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EDUARDO PIERROTTI ROSSETTI

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GRAÇA RAMOS texto

GRAÇA SELIGMAN fotografia

Graça Ramos é doutora em His-tória da Arte pela Universidade de Barcelona. Formou-se em jornalismo na Universidade de Brasília (UnB), onde também concluiu o Mestrado em Litera-tura Brasileira, com ênfase em poesia. Trabalhou nos princi-pais jornais e revistas brasilei-ros. É autora dos livros A ima-gem nos livros infantis – caminhos para ler o texto visual (Autêntica, 2011); Palácio do Planalto – entre o cristal e o concreto (ITS, 2011); Maria Martins – escultora dos trópicos (Artviva, 2009) e Ironia à brasileira – o enunciado irônico em Machado de Assis, Oswald de Andrade e Mario Quintana (Pau-licéia, 1995). Foi pesquisadora assistente da exposição As cons-truções de Brasília (Instituto Mo-reira Salles, 2010). Como cura-dora, recebeu por duas vezes o Prêmio Funarte de Arte Con-temporânea, em 2012 e 2015.

Jornalista e fotógrafa, realizou exposições individuais em di-versos países como Brasil, Itá-lia, República Tcheca, Espanha, EUA, Cuba, França e Guatemala. Estudou fotografia em NY. Foi diretora do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo e trabalhou como jornalista em di-versos jornais no início da carrei-ra - Zero Hora, Gazeta Mercan-til, Folha de São Paulo. Publicou vários livros como fotógrafa ex-clusiva, entre os quais Cidades do Brasil-Brasilia (Publifolha); O De-safio da Utopia (70 anos da OAB); Mercados de Ferro do Brasil (ITS), Coleção Memória - Planalto e Al-vorada (ITS); Que Boneca É Essa? Corte e Recorte de mestras brasi-leiras (ITS), entre outros. Fotos publicadas nos livros Patrimonio Mundial no Brasil (Unesco); Oscar Niemeyer 100 anos 100 Obras (Ins-tituto Tomie Ohtake) ; A loucura Mansa de José Mindlin (edUSP). Atualmente mantém seu ateliê fotográfico em Brasilia e produz luminárias com suas fotos.

AUTORES

Arquiteto, professor e pesqui-sador da FAU-UnB. Graduação FAU/PUC-Campinas (1999); Mestrado FAU-UFBA/2002. Doutorado FAU-USP/2007; Pós-Doutorado FAU-UnB/2008- 2009. Desde 2014, é Professor Ad-junto da FAU-UnB, credenciado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – PPGAU-FAU-UnB, credenciado no seu Programa de Pós-Graduação em Arqui-tetura e Urbanismo e vincula-do ao LABEURBE. Destaca-se o interesse por história, teoria e projeto, investigando: ar-quitetura moderna, Brasília, patrimônio, arquitetura con-temporânea e o morar brasi-leiro. Autor de diversos arti-gos e do livro “Arquiteturas de Brasília” (2012).

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos são imprescindíveis, pois, ao longo de seu desenvolvimento, esta pu-blicação obteve apoios diversos, que contribuíram muito para as reflexões sobre os fios que estruturam as tramas e enredam as histórias da epopeia que foi a construção deste Palácio Itamaraty em Brasília. A todos vocês, muito obrigado!

Adelina Lapa Ana Cristina Ramos Ana Luiza Nobre Ana Maria Assunção Ângela Figueiredo Antonio Aníbal da Motta Anna Victoria W. Silva de Azevedo Carlos Marcelo CarvalhoCarlos Ricardo Niemeyer Ciro Pirondi Clóvis Gomes de Aguiar Edgard Telles Ribeiro Eduardo Prisco Ramos Eliane Gurgel ValenteElza Pires Flor dos Santos Frederico Cezar Araújo Gelson Fonseca Jr. Grace FreitasGraziela Fortes Guilherme Conduru Guilherme Mazza Dourado Heitor Sette F. Pires Granafei Helena Chagas Heloisa Espada Isabel do Amaral Murtinho Jayme Zettel João Pedro Benzaquen Perosa Jorge Colaço Luiz Felipe Seixas Corrêa Luiz Bernardo Murtinho Pericás Luiz Brun de Almeida e Souza

Maria Cecília Londres Fonseca Maria Clara Redig de Campos Maria do Carmo Strozzi Coutinho Maria Silvia Barbin Laurindo Marília Sardenberg Zelner Gonçalves Maria Luci Gurgel Valente Marisa Ricupero Mauro Vieira Paulo Pires do Rio Paulo Roberto de Almeida Pedro Bório Pedro Frederico de Figueiredo Garcia Pedro Correa do Araújo Rossini Perez Rubens Barbosa Rubens Ricupero Sergio Bath Sergio Eduardo Moreira Lima Sérgio de Sá Silvia Escorel Sylvia Ficher Victoria Alice Cleaver Virgínia Albetini

Ministério das Relações Exteriores Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de BrasíliaArquivo Público do Distrito FederalInstituto Moreira SallesFundação Oscar Niemeyer Vitruvius - Portal de Arquitetura

O AUMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL, AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

E O DESPERDÍCIO SÃO FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A ESCASSEZ

DE ÁGUA. SEGUNDO A ONU, 40% DA POPULAÇÃO DO PLANETA JÁ SOFRE

COM A FALTA DE ÁGUA. ELA PROJETA QUE, ATÉ 2025, 1,8 BILHÃO DE PESSOAS

ESTARÃO VIVENDO EM PAÍSES OU REGIÕES COM TOTAL ESCASSEZ DE

ÁGUA. DE ACORDO COM DADOS DO PNUMA - PROGRAMA DAS NAÇÕES

UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE, O SER HUMANO UTILIZA, SEM

NECESSIDADE, 1,5 MILHÕES DE KM DE ÁGUA POR ANO. SEM UMA MUDANÇA3

DE HÁBITOS A TENDÊNCIA DA SITUAÇÃO É PIORAR. PORTANTO, EVITAR O

DESPERDÍCIO E REUTILIZAR A ÁGUA SÃO MEDIDAS IMPRESCINDÍVEIS

PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA NO PLANETA.

Consumo com resposabilidade

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PALÁCIO ITAMARATY A ARQUITETURA DA DIPLOMACIA

Coordenação Eduardo Cabral

Pesquisa e texto Eduardo Pierrotti Rossetti Graça Ramos

FotograFia Graça Seligman

Produção Henrique Cabral

tradução Para o inglês Rogério Bringel

Projeto gráFiCo e editoração Renata Fontenelle

assistente texto aCervo de arte Thomás Guida Bernardo

revisão Gabriela Artemis

Fonte Book AntiquiaMiolo Couchê fosco 150gImpressão

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