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SUPLEMENTO Dedicado a Mário Cláudio, autor de TIAGO VEIGA, uma biografia ISSN: 1647-290X DIRECTORA: NASSALETE MIRANDA | 12 OUTUBRO DE 2011 | Nº60 | PREÇO: 2 EUROS | QUINZENALMENTE ÀS QUARTAS A investigação da documentação foraleira, por Olinda Santana ENTREVISTA // PÁGS.4 e 5 Viver numa escola em Moçambique // Isabel Bruma LUSOFONIA // PÁG.9 EM NOTÍCIA // Festival literário, a 15 e 16 de Outubro, destaca obra e vida de Mia Couto. Penafiel oferece teatro, arte de rua, dança, cinema e colóquios, sempre com a obra literária do escritor moçambicano como tema de fundo. // PÁG.27 Escritaria alargado ao espaço lusófono Falando português na Rússia // Adelto Gonçalves LUSOFONIA // PÁG.10 e 11 ENSAIO // O Zé Povinho, totem nacional português // PÁGs.6 a 8 DR DR

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Page 1: ISSN: 1647-290X Dr escritaria - artesentreasletras.com.pt · bunal de Évora. Não aceitaram em silêncio a decisão de colocar em liberdade mais um agressor confesso desse crime

suplemento

Dedicado a mário Cláudio, autor de tIAGo VeIGA, uma biografia

ISSN: 1647-290X

Directora: Nassalete MiraNDa | 12 outubro De 2011 | Nº60 | Preço: 2 euros | quiNzeNalMeNte às quartas

A investigaçãoda documentação

foraleira,por olinda santana

entreVIstA // pÁGs.4 e 5

Viver numa escola em moçambique// Isabel Bruma

lusofonIA // pÁG.9

em notÍCIA // festival literário, a 15 e 16 de outubro, destaca obra e vida de mia Couto. penafiel oferece teatro, arte de rua, dança, cinema e colóquios, sempre com a obra literária do escritor moçambicano como tema de fundo. // pÁG.27

escritaria alargado ao espaço lusófono

falando português na rússia// Adelto Gonçalves

lusofonIA // pÁG.10 e 11

ensAIo // o Zé povinho, totem nacional português

// pÁGs.6 a 8

Dr

Dr

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CONSELHO EDITORIALArnaldo Saraiva | Agustina Bessa-Luís | António Vitorino

d’Almeida | António Joaquim Oliveira | Carlos Fiolhais | Francisco Laranjo | Francisco Ribeiro da Silva | Helder

Pacheco | José Atalaya | José Rodrigues | Lemos de Sousa | Lídia Jorge | Luisa Dacosta | Manoel de Oliveira

| Mário Cláudio | Miguel Veiga | Óscar Lopes | Salvato Trigo | Urbano Tavares Rodrigues

COLABORADORES ESPECIAISAdelto Gonçalves | António José Queiroz

| Armando Alves | Cacilda Celso | Carlos Cabral Nunes | Carlos Vaz | Cristino Cortes | Domingos Lobo | Francisco d’Eulália

| Isabel Ponce de Leão | | João-Maria Nabais | Jorge Sanglard | Lauro António | Manuel Sobrinho Simões

Maria Antónia Jardim | Ramiro Teixeira | Rodolfo Alonso

PARCERIAS APOIOS

PARA ASSINARPraceta Eng.º Adelino Amaro da Costa, 764 - 9.º Esq. | 4050-012 PortoTelefone e Fax: 22 606 35 56 | Telemóvel - 91 803 56 76 | E-mail: [email protected] receber As Artes entre as Letras, 50 euros / ano | Transferência bancária para o n.º 0033-0000-45377147275-05 ou envio de cheque

Para assinar online: www.artesentreasletras.com.pt

Directora: Nassalete Miranda; Editora: Isabel Fernandes; Jornalista: Paulo Francisco Carvalho; Fotografia: Ângela Velhote; Direcção Comercial: Maria José Guedes; Grafismo: Pedro Cunha;

Paginação: Pedro Cunha; Site: Criação no âmbito do projecto desenvolvido no ISLA por Joaquim Jorge Santana Oliveira | Contactos: Praceta Eng.º Adelino Amaro da Costa,

764 - 9º esq. | 4050-012 Porto; Telefone e Fax: 22 606 35 56; Telemóvel: 91 803 56 76; Email: [email protected]; Registo na ERC: 125685

Impressão: Selecor - Artes Gráficas, LDA - Rio Tinto - Telef.: 22 485 42 90Distribuição: VASP - MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal - Venda Seca 2739

- 511 Agualva Cacém - Telef.: 21 433 70 00 - Pontos de Venda: [email protected] -Telef.: 80820655 - Fax.: 80820613

Propriedade: Singular Plural | NIF: 509578942 | Tiragem: 1250 exemplaresInterdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios,

e para quaisquer fins, inclusive comerciais

SingularPlural, Arte & Comunicação, Unipessoal Lda.Capital Social: 5.000 €

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nassalete mirandadirectora

entre sentidosQuando lançámos este jornal em Maio de 2009, a Tere-sa Rosmaninho disse-me: “Tens de ir rapidamente para Lisboa, lá, quer queiramos quer não, é que tudo se decide e quem não anda pelos corredores… das ruas da capital não tem visibilidade, logo, não existe”.Discordei, mas apenas em parte, e apenas porque, de quando em vez, é bom que a razão se sobreponha ao coração!A Teresa morreu a lutar pelo que acreditava – a defesa dos direitos das mulheres, sobretudo das vítimas de vio-lência doméstica.Nasceu no Porto, foi para Lisboa, ou, como ela dizia “fui a Lisboa” e regressou ao Porto, cidade onde criou o primeiro gabinete da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, e não mais parou.Teresa, hoje quero dizer-te que valeu a pena o teu traba-lho de alerta, de denúncia, de apoio. A tua morte não foi

manchete dos jornais, (como a minha também não será, e disso falámos em 2009…). Os jornais dedicaram-te 200 caracteres de notícia, e os audiovisuais estavam de-masiado ocupados com futebóis e outras coisas “móis”. Mas não foi esse o protagonismo que te interessava, se assim fosse serias mais uma passageira da CP semanal-mente entre Lisboa e Porto, ou terias por lá gasto “as pe-dras da calçada fadista”.Teresa, agradeço hoje e mais uma vez publicamente todo o teu esforço e empenho como defensora dos direitos das mulheres. Não foi em vão. Não tiveste oportunidade de ver a manifestação de mulheres indignadas frente ao Tri-bunal de Évora. Não aceitaram em silêncio a decisão de colocar em liberdade mais um agressor confesso desse crime público que é a violência doméstica.O teu trabalho deixa sementes que vão continuar a flo-rir, porque enquanto “a violência é o refúgio das mentes

pequenas”, a” união do rebanho obriga o leão a deitar-se com fome”.Teresa, hoje chegamos ao n.º 60 do nosso jornal e não poderia deixar de te dizer obrigada pelas tuas palavras de incentivo e de coragem.Guardo religiosamente o teu último email. Tem a data de poucos dias antes de entrares no hospital. Deram-te poucas horas de vida. Resististe meses!Hoje tenho uma notícia para ti: publicamos uma grande entrevista a Mário Cláudio em suplemento, que só foi possível com o apoio de outro grande amigo comum a quem tu também sempre admiraste. O “nosso” Miguel.E é assim, vivendo “na amizade” que vamos caminhan-do “pelo sonho” até nos encontrarmos todos, de novo, na nossa cidade de sempre.Para ambos, um beijo, para todos boas leituras em artes feitas!

212 outubro 2011

AS ARTES ENTRE AS LETRAS

O encontro anual que a Associação África Solidarie-dade promove para angariar fundos destinados às bolsas para ajudar estudantes africanos em Portu-gal ou nos PALOP realiza-se no dia 22 de Outubro, na Fundação Eng.º António de Almeida. A «Mati-née Recreativa e Encontro Intercultural», que terá início às 14 horas, será preenchida por uma varie-dade de actividades que pretende envolver vários aspectos de alguns dos países em que a associação desenvolve programas de solidariedade. Da música à dança, haverá ainda lugar a um desfile de trajes tradicionais e termina com um lanche.A associação, que é uma Organização Não Governa-mental para o Desenvolvimento e cujos elementos dos Corpos Sociais são todos voluntários, tem, para

além das bolsas de estudo, vários projectos na Áfri-ca Lusófona, nomeadamente na área de constru-ção, de que é exemplo o projecto em Moçambique «Recuperação do Hospital Rural do Songo», em Cahora Bassa.Concretamente em relação ao projecto de atribui-ção de bolsas, a presidente, Maria Manuela Lopes Cardoso, garantiu ao jornal As Artes entre As Letras que acredita que “os nossos bolseiros vão contribuir, de forma efectiva, para as boas políticas dos respec-tivos países”. A associação vive da solidariedade de todos: NIB 0033.00000000.877937405.

entre nós

encontro intercultural e solidário

Dr

notAO jornal As Artes entre As Letras, que ainda não adoptou o novo Acordo Ortográfico, publica textos de colaboradores que o aplicam, respeitando, assim, o original.

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12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

3 a vida dos livros

DIGnIDADe e AutorIA. - Começo por referir um amigo comum, que nos deixou não há muito e que Joaquim Azevedo cita no início deste seu livro – falo de Joaquim Pinto Machado. Disse ele, um dia, «a dignidade do ser humano é ser autor». Esta referên-cia é fundamental e está ligada à ideia de «autorida-de moral». Ao longo da vida, ouvi sempre Joaquim Pinto Machado a falar dos valores éticos enraizados na vida, ligados ao facto de a pessoa humana ter de ser colocada no centro da história e da sociedade. E quando falamos de educação é essa centralidade que tem de ser afirmada. Tenho encontrado, porém, uma grande dificuldade em debater seriamente os temas da educação, há demasiados preconceitos e grandes resistências a pôr na mesa o que realmente está em causa. Há muitas pessoas convencidas de que têm soluções, mas assentam em pressupostos tantas vezes errados que prejudicam seriamente a apresentação de pistas viáveis no sentido de melho-rar a educação e a aprendizagem e de as tornar um fator de exigência e de qualidade. Este livro de Joa-quim Azevedo é um contributo sereno para o debate.

um CAmInHo De proGressos. - Ao falarmos de Educação temos de começar por dizer que vivemos em Portugal nos últimos quarenta anos um caminho longo de progressos, mas também de perplexidades. Em 1974, havia vinte cinco por cento de analfabe-tos, que era a taxa mais elevada da Europa. Apesar dos esforços efetivos, sobretudo depois do final dos anos sessenta, a democratização ocorreu como con-sequência direta da nova ordem constitucional ini-ciada em 1974, consolidada a partir de 1976 e 1982, e que deu lugar à Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986. No entanto, houve desde o início hesitações e erros com consequências irreversíveis, em especial a prevalência de uma via única no ensino secundá-rio, ao invés da diversidade prevista na reforma não concretizada de Veiga Simão. E importa reconhecer que desde muito cedo o autor deste livro teve a exata compreensão do papel crucial que o ensino secun-dário desempenha – como resultou da sua ação no âmbito das escolas profissionais. De facto, como nos diz Joaquim Azevedo: «não podemos oferecer o mesmo tipo de formação a todos, pensando que estamos a oferecer o melhor percurso a cada um»

(p.55). E o certo é que «o sistema escolar continua muito ineficaz e ineficiente, sobretudo nas transi-ções entre ciclos de estudo e no ensino secundário» (id.). Impõe-se, assim, inscrever a educação no es-paço público. Se o «santuário ruiu» (porque o saber deixou de ser administrado isoladamente do mun-do, acessível a poucos, passando a apontar-se para uma escola de qualidade para todos) é fundamental empenharmo-nos em superar os bloqueamentos perante os quais estamos: a educação não é um problema técnico, mas político e de cidadania; exige o apoio às famílias; a diferenciação das aprendiza-gens; a mobilização dos professores para as tarefas que lhes cabem; o estabelecimento de um clima de confiança com as escolas, de modo a favorecer a au-tonomia; o primado da responsabilização; a supera-ção da dicotomia Estado / mercado; e a recusa do populismo, do cinismo e da demagogia. Em vez da desconfiança e da irresponsabilidade, do que se trata é de pôr a autonomia como ideia e prática no centro do funcionamento das escolas.

lemBrAr CelestIAno… - O velho Celestiano, de Mia Couto, acusa a facilidade quando diz «onde é sempre meio-dia, tudo é noturno». De facto, a faci-lidade na escola, a festa e a tentação de deixar tudo pela rama, tem consequências dramáticas. O que distingue o progresso do atraso é a capacidade de aprender. Não basta investir em Educação, importa traduzir as apostas em qualidade, exigência, avalia-ção e prestação de contas (no sentido da responsabi-lidade cidadã). E quando se discute se o objetivo da educação é a preparação para o mercado de trabalho – temos de contrapor que formamos pessoas, que queremos criar cidadãos livres e responsáveis – os bons profissionais virão por acréscimo. Daí que a autonomia seja pedagogicamente ativa – exerce-se em nome da cidadania responsável, por contrapon-to à irresponsabilidade. Mas exercer a autonomia, tornando a escola central e não periférica, obriga ao gradualismo, ao aperfeiçoamento permanente, e ao exercício das tarefas cometidas a cada um. O triân-gulo escola / família / comunidade tem de ser levado a sério. Os pais devem participar na escola, mas não confundir o seu papel com o dos professores. Infeliz-mente, ou chegam tarde demais ou invadem terri-

tórios dos profissionais. O equilíbrio é fundamental – nem tarde demais nem para além do desejável.

o serVIÇo pÚBlICo De eDuCAÇÃo. - Como de-fendi com Eduardo Marçal Grilo, o serviço público de educação não pode resumir-se à iniciativa estatal. Estamos perante a necessária complementaridade de iniciativas, uma rede de escolas com estatutos di-ferentes, exercendo cada vez mais a sua autonomia, com um objetivo comum. E a verdade é que as escolas devem ser mais autónomas e ativas, como lugares de trabalho, de liberdade e de democracia. Eis por que razão concordo com Joaquim Azevedo sobre a neces-sidade de uma visão antimonopolística, policêntrica, com uma autêntica regulação responsabilizadora nas escolas. Assim, a interação entre a pessoa e a comu-nidade, a vivência da laicidade (por contraponto ao laicismo), a sociedade providência e a solidariedade voluntária (ou a importância crescente da responsa-bilidade social) tornam a rede escolar como ponto de encontro de diversas iniciativas, que tem de valorizar a aprendizagem. A ideia de compromisso surge, as-sim, com naturalidade: a partir do empenhamento pessoal e cívico, do exercício da autonomia, do acordo e da cooperação em nome do bem comum e de uma auto-avaliação praticada por escolas que aprendem. «Escolham o que escolherem fazer com a vossa vida, garanto-vos que não será possível a não ser que estu-dem» (Obama). Trabalho, disciplina, profissionalis-mo – eis o que tem de estar presente quando falamos de educação de qualidade para todos. No fundo, «a educação é essa “arte” de promover o desenvolvi-mento humano de cada pessoa, que só se des-envolve verdadeiramente na medida em que é acolhida pelo outro, que lhe dá em si um lugar; o outro des-oculta-me solidariamente, convocando toda a comunidade indizível que me habita» (p.124). Jorge de Sena diria: «uma pequena luz bruxuleante / brilhando incerta mas brilhando».

Guilherme d’oliveira martins

educação = exigência e qualidade«liberdade e política pública de educação – ensaio sobre um novo compromisso social pela educação» de Joaquim Azevedo (fundação manuel leão, 2011) é um conjunto de reflexões sobre a educação e a aprendizagem de alguém que conhece bem esse mundo e que nos propõe, com seriedade, pistas de ação, para além dos lugares comuns e das simplificações que tantas vezes são ouvidas quando se trata destes temas.

notA:

Texto publicado ao abrigo da parceria estabelecida entre AS ARTES ENTRE AS LETRAS e o Centro Nacional de Cultura

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entrevista 12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

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Paulo Francisco Carvalho

tem muitos trabalhos publicados sobre documen-tos históricos, principalmente forais. Como é que começou este interesse?Sim, tenho cerca de 30 livros e capítulos de livros publica-dos, bem como cerca de 50 artigos científicos em actas de congressos e revistas científicas. Na verdade, uma grande parte da minha investigação tem versado sobre a docu-mentação medieval e moderna outorgada pela coroa por-tuguesa às localidades transmontanas e alto durienses e uma outra parte sobre o arquivo pessoal de António Maria Mourinho, o obreiro da oficialização da língua mirandesa. No início da minha carreira académica, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, comecei por estudar, no âmbito das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, os forais de Vila Real, outorgados por D. Afonso III, D. Dinis e D. Manuel à actual cidade de Vila Real. Na tese de doutoramento europeu, realizada na UTAD e na Universidade de Toulouse-Le-Mirail, em França, ampliei o objecto de estudo. Editei o «Liuro de Foraes Nouos da Comarqua de Trallos», composto por 56 forais novos e realizei um estudo histórico, estatístico-lexical do mesmo «Liuro», um livro de registos foraleiros exarado na chan-celaria manuelina. Depois disso, investiguei e publiquei as Inquirições Manuelinas de Trás-os-Montes, documenta-ção avulsa e inédita. Editei e estudei toda a documentação foraleira dionisina outorgada pelo Rei-Poeta aos lugares de Trás-os-Montes (102 documentos). Editei e estudei igualmente o Tombo Filipino da vila e termo de Vila Pou-ca de Aguiar, entre muitos outros trabalhos.

fale-me um pouco sobre o seu último livro publi-cado, «páginas de rosto dos forais novos de trás-os-montes?O livro «Página de Rosto dos Forais Novos de Trás-os-Montes» divulga a beleza e a originalidade da iluminura das páginas de rosto dos forais novos mandados exarar por D. Manuel I para as localidades de Trás-os-Montes, no decurso da reforma manuelina dos forais (1496 - 1520). A iluminura das referidas cartas de foral, embora apresente um tratamento rudimentar, constitui uma no-vidade artística no contexto europeu do final da Idade Mé-dia e dealbar da Época Moderna, em virtude da iluminura ilustrar textos administrativo-jurídicos (forais novos), em vez de livro religioso, como acontecia com a iluminura francesa ou flamenga. D. Manuel, através da feitura da

documentação foraleira, pretendeu fazer passar ao gran-de público a imagem de rei poderoso e opulento. Os fo-rais novos, códices iluminados em pergaminho, livros de aparato, sumptuosos, funcionaram como uma forma de propaganda, uma vez que o monarca não se deslocava ao interior, aos lugares de fronteira, como os reis medievais. Este soberano quase não saía da sua faustosa corte, mas esse facto não o impediu de divulgar e cultivar uma ima-gem de um rei poderoso junto dos seus súbditos, no limiar da modernidade. Esta mensagem está gravada nas pági-nas de rosto dos forais novos ou manuelinos.

Que importância atribui ao estudo dos forais e como se caracteriza a região de trás-os-montes nesta matéria?Os forais antigos ou medievais foram as cédulas de nas-cimento dos concelhos na Idade Média, a maior parte dos forais antigos foram outorgados até ao reinado de D. Dinis, decorrentes da necessidade de repovoar e colonizar o reino após a reconquista. Com o decorrer dos tempos, foram perdendo a sua primitiva força jurídica e política, uma vez que os representantes concelhios passaram a pronunciar-se nas cortes e os monarcas começaram a

legislar revogando o conteúdo dos forais medievos. Foi necessário fazer uma reforma dos forais antigos, porque estes se encontravam desactualizados na linguagem (la-tim ou português arcaico), nas medidas, nos pesos, na moeda. Coube a D. Manuel I essa grande tarefa. No de-curso do seu reinado, foram reformados 537 forais para todo o reino. Trás-os-Montes, como qualquer outra região do país, possui os seus forais antigos e novos custodiados nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, assim como em vários arquivos, bibliotecas e museus regionais.

A investigação nesta área/região já está concluí-da, ou ainda há muito por fazer?A investigação na área da documentação foraleira ma-nuelina ainda está longe de estar concluída. Encetei a investigação pela edição e estudo histórico-cultural e lin-guístico da documentação manuelina de Trás-os-Montes e Alto Douro. Neste momento, estou a desenvolver um projecto de investigação intitulado «Fontes de uma he-rança histórico-cultural portuguesa: os registos foraleiros manuelinos» com um pequeno grupo de doutorandas. Propus-me fazer uma dupla edição (conservadora e mo-dernizada) dos cinco livros de registos foraleiros manue-linos de todo o reino, custodiados no IAN/TT [Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo], bem como um estudo histórico-cultural e um glossário de cada livro. Tra-ta-se, na verdade de um património documental singular em Portugal e inexistente no panorama europeu. Estão prontos a ser publicados, em edição paleográfica, o «Li-

“um património documental singular em portugal”Com cerca de 30 livros e 50 artigos científicos publicados, olinda santana é uma das maiores especialistas na área da investigação da documentação foraleira. professora na universidade de trás-os-montes e Alto Douro (utAD), fala de uma região com pouco poder de decisão, mas inatingível a nível patrimonial e cultural. Além do trabalho de investigação, dinamizou o Ciclo Cultural da utAD e integra a Associação Internacional de Artistas. «página de rosto dos forais novos de trás-os-montes» é o seu último livro, mas novas obras estão já prontas para publicação.

Olinda Santana

Página de rosto do foral manuelino de Outeiro de Miranda

olInDA sAntAnA tem prontAs pArA puBlICAÇÃo noVAs oBrAs soBre forAIs

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entrevista12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

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“um património documental singular em portugal”

vro de Forais Novos do Entre Douro e Minho» e o «Livro dos Forais Novos da Estremadura». Está a ser ultimada a edição do «Livro dos Forais Novos da Beira». Estou a fina-lizar também o «Vocabulário do Livro dos Forais Novos e das Inquirições Manuelinas de Trás-os-Montes». Mas falta concretizar o mesmo tipo de estudo vocabular para as restantes quatro comarcas do reino no período manue-lino (Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura e Entre Tejo e Odiana).

Há apoios para estes trabalhos de investigação?Sim, a Fundação para a Ciência e Tecnologia tem finan-ciado os centros de investigação das universidades. Como sou membro do Centro de Estudos em Letras da Univer-sidade de Trás-os-Montes e Alto Douro é esse Centro que publica os meus trabalhos desenvolvidos no âmbito do projecto acima enunciado.

Desenvolve a sua actividade na universidade de trás-os-montes e Alto Douro. sente o peso da inte-rioridade, ou neste caso é até uma vantagem dada a riqueza histórica da região?Sim, sinto o peso da interioridade, porque cada vez mais a litoralização está à frente do interior, neste pequeno país. O interior tem poucos votantes, porque está desertifica-do, por isso também tem muito pouco poder de decisão. Contudo, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro a nível patrimonial e cultural é inatingível. Tenho a sorte de tra-balhar no campus universitário mais bonito da Península

Ibérica, o campus da UTAD. Vivo num espaço que per-tence a um património único no mundo «O Alto Douro Vinhateiro», coordeno um projecto de investigação num local singular, com uma língua e uma cultura ímpares: Miranda do Douro. Os pontos positivos compensam lar-gamente os negativos.

A utAD promove um conjunto significativo de actividades culturais (exposições, conferências, teatro, concertos…). É um papel fundamental na região…Sim. A UTAD é, há várias décadas, um pólo científico e cultural importantíssimo na região. Relativamente às ac-tividades culturais mais recentes, criei em 2008 com um grupo de estudantes um projecto intitulado Ciclo Cultu-ral da UTAD com o objectivo de dinamizar e enriquecer ainda mais as actividades culturais desenvolvidas na uni-versidade. Como sou docente no Departamento de Letras, Artes e Comunicação, considerei que era minha obrigação incentivar e divulgar as letras, as humanidades, as artes e todo o tipo de trabalho científico e artístico, convidando, no interior da academia, os estudantes, os docentes, os funcionários, a divulgarem as suas capacidades artísticas, não esquecendo, contudo, o exterior, a comunidade em geral, chamando igualmente personalidades exteriores à universidade a mostrarem os seus trabalhos. Dispomos de um espaço-galeria para as exposições e temos um blo-gue (http://www.cicloculturalutad.blogspot.com/) onde damos conta de todas as nossas actividades. Creio que o Ciclo Cultural da UTAD começa a cativar públicos dentro e fora da universidade. São cada vez mais as pessoas que me contactam para expor e divulgar os seus trabalhos na UTAD.

foi convidada a integrar recentemente a Associa-ção Internacional de Artistas. o que representa e que trabalho pode desenvolver neste âmbito?Fui convidada a integrar a Associação Internacional de Artistas (AIA) [«International Association of Artists]» na qualidade de autora, pelo presidente da AIA, José Duar-te Pinto dos Santos, pelas obras já publicadas. Sinto-me uma privilegiada por pertencer a uma associação interna-cional constituída por pintores, escultores, desenhadores, ceramistas, fotógrafos, escritores, músicos e artesãos de todo o mundo. A AIA permite-nos, enquanto membros, promover intercâmbios e diálogos com artistas nacionais e internacionais, bem como a divulgação da nossa obra dentro e fora do país. Esta oportunidade é aliciante e enri-quecedora para todos os autores. Enquanto coordenadora do Ciclo Cultural da UTAD e presidenta da Delegação da Associação Internacional de Artistas em Vila Real pre-tendo aliar as actividades do Ciclo Cultural da UTAD às actividades artísticas da AIA e captar sinergias na região transmontano-duriense para futuros eventos culturais e artísticos da Associação.

Que importância atribui à investigação no ensino? Considera-a fundamental para a qualidade?Como já disse noutras entrevistas, sem investigação não há ensino de qualidade. Não podemos ensinar de uma forma cativante os assuntos que não dominamos bem. Se estivermos a produzir investigação e a podermos transmi-tir e debater com os nossos discentes dos vários níveis de ensino, a investigação tornar-se-á mais consistente e fun-damentada, e a aprendizagem será muito mais enriquece-dora e diversificada. Logo, considero que a investigação é a base sustentadora de um ensino de qualidade, no fundo, investigação e ensino são as duas faces de uma moeda.

Olinda Santana

Página de rosto do foral manuelino de Frechas

olInDA sAntAnA tem prontAs pArA puBlICAÇÃo noVAs oBrAs soBre forAIs

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12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

6ensaio

Surgiu o Zé Povinho graças ao lápis de Ra-fael Bordalo Pinheiro (1846-1905), na Lan-terna Mágica de 12-VI-1875, sobrevivendo

desde essa data até aos nossos dias, o que prova, através da sua coriácea resistência simbólica de mais de cento e trinta anos, que não se limita a uma criação literária, ou meramente satírica da Geração de 70, antes carrega consigo a simbologia da personalidade base dos Portugueses, como es-tereótipo nacional que foi e continua sendo. O Zé Povinho merece, assim, ser estudado como uma das mais complexas e ricas criações culturais lu-sas, como uma invenção genial do satírico artista do António Maria, dos Pontos nos ii e da Paró-dia, como uma sinopse da própria mentalidade do povo que o engendrou e nele, através dum (du-plo) diminutivo tão revelador – José (Zé) e Povo (Povinho) –, se tornou nosso símbolo totémico retomado por inúmeros cartoonistas ao longo da monarquia constitucional, da I República, e, após a longa vigência da Censura ditatorial, ressurrec-to em seguida ao 25 de Abril, ainda que nos custe aceitar como nosso retrato verídico essa imagem deprimente e incomodamente labrega que nos es-preita do fundo do nosso espelho colectivo, aquele rosto bronco de pascácio rural, de campónio mal vestido, barba rala, colete e chapéu preto de rústi-co, calças de fazenda ruim, mãos nos bolsos, riso alvar, espécie de resignado Sancho Pança sem um cavaleiro da Triste Figura que o quixotize e lhe co-munique um Ideal superior.Esta criação de um mito nacional é algo que vale-rá para sempre a Rafael Bordalo Pinheiro o nosso respeito pelo grande artista que a imaginou com o seu lápis crítico e realista. Este protótipo nacional, criado desde 1875 por um artista satírico, membro da geração setentista e, nessa medida, praticante (e militante) dum certo realismo – por oposição a um outro paradigma, mítico esse, de recorte in-teiramente distinto, o Camões do Tricentenário, proposto pelo sector republicanizante e positivista dos mesmos setentistas –, perpetuar-se-ia muito para além do ambicioso programa palingenésico de 1880 e da panteonização do Bardo da Nação, resistindo a mudanças de regimes e de estatuto social, e, mesmo eclipsado como cartoon numa imprensa vigiada pelo ríspido e paranóide Lápis Azul salazarista durante quase meio século, sobre-vivendo a esse longo jejum funcional, refugiado no teatro de revista, na cerâmica popular e até na lin-

guagem corrente (em expressões como “Zé pagan-te” e “gesto do Zé”), onde o estereótipo nacional ia cumprindo como podia o seu mester de totem caseiro e de novo Parvo vicentino, xabregas mas manhoso, espécie de Soldado Chveick lusitano ou de Bertoldinho luso, falsamente idiota para me-lhor escapar aos arbítrios do poder e às bordoadas da polícia, herói da resistência passiva (disse José Leite de Vasconcelos), aquela que um povo sofri-do, melancólico e iletrado sabia praticar.O Zé Povinho é, assim, um ser imaginário que tem, para além da sua especial função satírica ou lúdica, um intuito bem conseguido e eficaz de per-sonificar tradicionalmente o Português, ou seja, de o representar através de um estereótipo nacional, como um símbolo icónico evidente, facilmente re-conhecível pelos leitores dos jornais, e, ao mesmo tempo emblema globalizante, unificador de dis-tintas mentalidades básicas próprias de estratos sociais diversificados. O Zé, figura já mais do que secular, tem mostrado uma persistência e uma te-naz aptidão a resumir de modo praticamente ex-clusivo a imagem caricatural que os Portugueses fazem de si mesmos, expressão duma virtualidade e duma actualidade que atestam a sua justeza ou a sua adequação a um fundo psicológico étnico. Muito ao invés do seu quase contemporâneo do Tricentenário, esse outro mito que foi Camões, bardo da grei, o Zé nunca se propôs então, nem

alguma vez se lembraria depois, ao longo de mais dum século de vida, de se oferecer como espelho excelso do País. Criação realista e estereótipo satí-rico desde 1875, estava-se apenas perante um con-tribuinte pobre que tinha de dar dinheiro para o trono do «Santo António» da Fazenda e do Gover-no, sob o olhar atento e suspicaz das autoridades, de chicote, emblemático na mão. O Zé erguer-se-ia, entretanto, a proporção emblemática de Vítima nacional de tudo que oprimisse e aviltasse o país, já como bestinha portadora da Albarda, já como o pobre diabo popular sovado pela polícia e demais tiranos domésticos.Concebido muito sub specie temporis para epito-mizar a inércia, o desconforto atávico e o cepticis-mo pirrónico dos Portugueses diante do regime constitucional, fontista, esse «conjunto de sofis-mas e ficções» (A. Fuschini), chamado sistema representativo liberal, o Zé Povinho depressa se autonomiza do seu criador para voar com asas próprias, utilizado agora por desenhadores como Leal da Câmara, Celso Hermínio, Valença, Alon-so, Stuart de Carvalhais, Hipólito Collomb, Silva e Sousa e tantos outros artistas gráficos portu-gueses posteriores, como, nos nossos dias, João Abel Manta, André Carrilho ou António Jorge Gonçalves, depressa se impondo como aquilo que sempre foi: um símbolo do Português, Portugal em pessoa, ou seja, feitogrotesca e ridícula figura

João medina

o Zé povinho, totem nacional português

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visível, escarninha e escarnecida duma etnia. Ele é Todo-o-Mundo ou nós todos: o Zé, nosso este-reótipo étnico, expresso de preferência por via da caricatura. Seria de esperar que, sobretudo, aos estudiosos da cultura popular competisse explicar a aura de trivialidade e mistério que rodeia o seu manguito: gesto de esconjuro, obscenidade desti-nada a quebrara o mau olhado hostil, enorme figa de rústico sem finura nem letras, tradução retóri-ca brutal duma recusa «libertária» ante governos, poderes, polícias, chicotes.Figura cultural e psíquica colectiva, símbolo dum ethos tipicamente luso, o Zé pertence à história das mentalidades: ele é mito e imaginário, nossa imaginação, e afectividade, modelo nacional e fi-gura historicamente situada, tradução profunda de sonhos, obsessões, anseios, tropismos, fobias, medos, aspirações, paixões, rotinas, etc. Homem crédulo e incrédulo, submisso e revoltado, hu-milde e orgulhoso, abúlico e voluntarioso, indi-ferente e compassivo, egoísta e dadivoso, azedo e bonacheirão, o Zé opera diversas coincidências de opostos que nem sempre têm a sua realização dialéctica: uma vez por outra, a História solicita-o para além da sua esfera de rotinas e regularidades anímicas, e vemo-lo então transviado, excessivo. Advertira-o Ramalho Ortigão: ele deseja, sobretu-do, “atirar a albarda ao ar”, tendo do Estado e do Governo ideias demasiado vagas, embora possa explodir de quando em vez, em certos “dias tem-pestuosos” chamados revoluções. Num país de consabidos “brandos costumes”, este labrego é ca-paz das cóleras mais homéricas, sempre traduzi-das em linguagem gestual, uma vez que ele, como ignaro boçal que é, não sabe recorrer à Palavra.Talvez só assim compreendamos que um povo pa-cífico, indolente, preguiçoso, acanhado, rotineiro, tímido e quase que abúlico, apegado ao seu torrão natal, avesso a aventuras e atrevimentos, recean-do e voltando até as costas ao mar que o acom-panha de norte a sul, pouco propenso a imaginar sistemas e ideias espaços metafísicos, ou paraísos perfeitos (não temos, como comunidade cogitan-te, aversão a sumptuosas arquitecturas da Imagi-nação e da Estética moral a que chamamos, desde Thomas Morus, utopias – não somos um povo que curiosamente nunca produziu ínsulas imaginá-rias, embora as andássemos sacando do mar des-de o séc. XV?), talvez só assim, dizíamos, compre-endamos que esse mesmo povo tivesse realizado a esgotante gesta de quinhentos, dilatando os ho-rizontes físicos e morais do mundo e, feito nauta intrépido, aventureiro temerário, explorador, ho-mem de ciência ou missionário, calcorreasse uni-versos, lançando a gente lusa pelo mundo, como dizia Hermann Von Keyserling autor da Análise Espectral da Europa, como pelouros de um ca-nhão espalhados pelo planeta, outros andarilhos, trotamundos e navegadores. Em suma, um acervo de contradições psicológicas que estão na base da figura afinal complexa e até enigmática deste este-reótipo que tão claramente se distancia de outros émulos em categoria ou funções de estereotipia, o John BulI, o Tio Sam – este duo anglo-saxónico

mais conforme a identificar-se com o governo de cada um dos seus respectivos países –, ou o rural Sancho Pança – e o seu alter-ego, o nobre cava-leiro Dom Quixote –, o Miguel Alemão (deutscher Michel) – espécie de conformado Zé Povinho teu-tónico –, o matreiro soldado Chveik – um “imbecil épico” muito mais manhoso do que a sua nativa estupidez deixaria supor, especialmente apto a li-dar com ocupantes estrangeiros da pátria checa, fossem eles austríacos, alemães ou soviéticos…Com o Zé, criado por Bordalo Pinheiro, tocamos na essência caricatural do portuguesismo, do «Homo Lusitanus», ainda que sob o registo do burlesco e da sátira, sintetizando a imensa maioria do país rural, o sector primário, cujo peso era esmagador na pirâmide do nosso oitocentos, ultrapassando

Biografia- João Medina, “O Gesto do Zé Povinho, da figa ao manguito”, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas–UNL, Lisboa, 1992-1993, pp.219-230. - “O Zé Povinho estereótipo nacional: a autocarica-tura do «Homo lusitanus»”, in João Medina (dir. de). História de Portugal dos Tempos pré-históricos aos nossos Dias, Amadora, Ediclube, s.d.(1993, reed, em 1998), vol. XV, pp.49-181 (inclui-se aqui o estudo aci-ma citado, “O gesto do Zé Povinho – da figa ao man-guito”, pp.115-126, com numerosas fotos de peças de cerâmica), já publicado na Revista da Faculdade Ciências Humanas e Sociais. -“Zé Povinho e Camões. Dois pólos da prototipia nacional”, revista Colóquio Letras, nº 92, Lisboa, Setembro de 1986, pp.11-21, ilustr. - Zé Povinho sem Utopia, Cascais, Câmara Mu-nicipal de Cascais, 2004, .ilustr. - Portuguesismo(s), (Acerca da identidade nacional). Ensaio sobre as imagens de marca identitárias, os emblemas, os mitos e outros símbolos nacionais seguido de O ZÉ POVINHO, ESTEREÓTIPO NACIONAL E AUTOCARI-CATURA DO PORTUGUÊS DESDE 1875, Lisboa, Cen-tro de História da Universidade de Lisboa, 2006, ilus-tr,. maxime. pp.206-215 e 507-514).-Caricatura em Portugal. Rafael Bordalo Pinheiro, Pai do Zé Povinho, Lisboa, Edições Colibri, 2008, ilustr.

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os 60% da população activa em 1890, quando a Inglaterra nos desfechava a clavina do Ulti-mato, sob a inércia duma vida produtiva feita de frus trações e revoluções industriais falha-das, duma certa menoridade cultural e cívica, um ser duplamente diminuído no seu irónico (ou carinhoso) rebaixamento onomástico: um José Povo que deu em Zé Povinho, um ridicu-larizado pseudodetentor da Soberania, sendo esta suposta residir nesse mesmo Povo sobe-rano desde que os vintistas importaram para esta desolada Baratária os vistosos ideais da Revolução Francesa e a sua panóplia europeia de Direitos, Liberdades e Garantias.Deste modo, o Zé era, de facto, um homem rural, espessamente iletrado, um emblema do sector primário esmagadoramente dominante nas actividades económicas da população ac-tiva, o que se iria perpetuar por mais algumas décadas, ao longo dos dois regimes políticos seguintes, a I República e a Ditadura: o sector primário situar-se-ia nos 49,1% da população em 1950, contra 24,6 no secundário e 26,3% no terciário, evoluindo muito lentamente nas décadas seguintes, com 43,9% (1960), sen-do preciso esperar pelo ano de 1981 – após o 25 de Abril, portanto –, para que o primário impedisse a hegemonia do sector activo mais numeroso da população, pois nesse ano a sua percentagem desceria para 16%, contra 38,3% no secundário e 54,5% no terciário. Por outras palavras, só nesse ano o Zé seria final-mente arredado da cúspide da pirâmide para que o sector activo dominante fosse, doravante, o terciário, com o qual começa, de modo cada vez mais notório, a imparável terciarização da sociedade lusa: 54,5% em 1991 e 62,8% em 2001. Dito de outra forma, o Zé deixou de ser rural só desde 1981, ano em que, pela primei-ra vez, deixa de representar a hegemonia como sector de agente predominante da actividade económica1.Antes de mais, o Zé Povinho é, desde a primeira vez que apareceu numa ilustração da Lanterna Mágica, um produto directo do Fisco – tido como expressão evidente do esbulho, do arbí-trio e da violência sobre o cidadão inerme e im-

pecunioso, todos esses pobres pulhas que somos – e adversário neurasténico e permanente de todos os que governam, ainda que seja incapaz de teorizar sobre a estrutura da Polis ou ima-ginar sequer, como labrego iletrado que é (em 2001, ainda tínha mos, cá dentro, 9% de ignaros totais), uma forma de a melhorar ou substituir. O Zé é um estereótipo satírico concebido para epitomizar a nossa inércia, o desconforto atá-vico e o cepticismo pirrónico dos Portugueses diante do regime constitucional, republicano ou socialista, isto é, um símbolo do Português tal e qual, grotesca e ridícula figura visível, es-carninha e escarnecida, respondendo com o seu brutal e irado gesto obsceno ao malocchio das inúmeras e constantes vicissitudes e misérias que vai sofrendo, através do Fisco ou doutras formas de ser albardado pelas mãos do Estado e pelas intermináveis formas que resultam dos desmandos de quem o desgoverna, desse usur-pador que se intitula Soberano. Deixando aos demais as tarefas intelectuais de formular uma estratégia superior de réplica política ou cul-tural aos abusos de que é vítima inerme, o Zé contenta-se, assim, em resistir pela forma tra-dicional e peculiar da resistência passiva e, nas ocasiões mais abrasivas ou intoleráveis, pela explosão gestual, pelo Manguito que resume toda a sua Ética, Política e Metafísica.E se ainda o estudamos, é porque nele se con-tinua a manifestar algo que não envelhece – o Português tal e qual, o seu psiquismo invariá-vel. De qualquer modo, mau grado a sua lenta perda de conteúdo sociológico – notemos que a única tentativa icónica e onomástica de lhe al-terar o apelido e o estatuto social foi praticada pelo cartoonista Hipólito Collomb ao chamar-

lhe “Povão” (nas páginas do Século Cómico) e ao dar-lhe um vestuário de acordo com o esse aburguesamento ou upgrade social, o Zé man-teria até aos nossos dias, com ligeiras adap-tações darwinianas, um ar inconfundível de labrego, de rústico analfabeto e rude, já como Zé Pagante, Zé da Espiga ou o Zé da Albarda que viera do campo para a cidade dos políti-cos para ser assaltado pelo Fisco, sovado pela polícia e cavalgado por mandões e tiranetes das mais desvairadas espécies. O seu conteú-do simbólico manter-se-ia, todavia, central e invariável, como totem do modo-de-ser nacio-nal, do nosso psiquismo e comportamento. Em termos psicofísicos ou morfológicos, aí o temos de chapéu braguês, camisa rude desabotoada, calças de pano com rasgões, colete de campó-nio e botas velhas. No físico e na indumentária, o Zé seria sempre o rural que desce à Cidade, de sorriso amarelo e triste, de mãos nos bolsos, ligeiramente inclinado para o lado, cabelo des-grenhado, barba rala por fazer, pele curtida e morfologia pesada, de esqueleto forte, muscu-lado, entroncado. Psico-somaticamente, por-tanto, um pícnico ciclotímico, oscilando entre a alegria e a tristeza, extrovertido e melancólico, eufórico e agitado ou ensonado2. Em suma, o Zé, não obstante as suas meta-morfoses aparentes ao longo de vários regimes históricos, manter-se-ia de algum modo inal-terável como um símbolo teimoso que, para além de uma abundante produção em cerâmica popular e anónima (mas que nunca mereceu o estudo de alguém) solicita ainda e sempre a sua presença como estereótipo nacional através do qual uma geração incessantemente renovada de cartoonistas o vai utilizando como porta-voz e emblema duma coriácea resistência – sempre passiva, raras vezes explosivamente colérica através do gesto desabrido do Manguito, o tal “gesto do Zé”.

notA:1 Ao criar o Zé Povinho no derradeiro quarto de século de oitocentos, Rafael teve a intuição notável ou a perspicácia de lhe dar, desde logo, um estatuto sociológico que fazia dele a expressão patente e claramente identificável do sector rural português, dominante na pirâmide social portuguesa de então, uma vez que o sector primário ( a agricultura) ocupava, em 1890, no sector da a população economicamente activa, 61%, contra 18,4% no secundário (indústria) e 20,6% no terciário (serviços), situação que era acompanhada, desde 1878, por uma estarrecedora percentagem, 79,2% - de analfabetismo geral dos quatro milhões e meio de portugueses desse período, evoluindo com atroz lentidão nos anos seguintes: 74.1% (1900), 69,1% (1911), 66,2%(1920), 66,3% (1930), 48,8% (1940), 41,5% (1950), 31,3% (1960), 25,6% (1970), 11,2% (1991) e 9% (2001).

2 Hipólito Collomb, numa série de postais coloridos, sem data, dos “Sete Pecados mortais” (os principais políticos da I República), um Zé Povinho dormindo representaria a Preguiça, sendo o sono esse velho vício pelo qual há muito Rafael Bordalo Pinheiro simbolizava a sua apatia e alheamento em relação ao espectáculo da política e do desgoverno nacionais.

O Zé - Eu sempre quero vêr como é que o sr. doutor tapa esses buracos...

O soberano!

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9 lusofonia

Onze semanas na escola de Ontupaia, repar-tidas por duas épocas, permite-nos ter uma visão bastante clara do meio escolar no Norte

de Moçambique e das problemáticas que lhe são afins.A escola de Ontupaia fica nos arredores da cidade de Nacala, grande porto, mas cidade pobre. Dizem-me que é o maior porto da África Austral, com águas pro-fundíssimas que permitem a atracagem de navios de grande calado. Além disso é um porto natural muito bonito, baía extensíssima recortada na linha do hori-zonte por montes de variada altura. Dentro da grande baía uma mais pequena onde os pescadores têm o seu porto. Porque a pesca é uma actividade importante nesta cidade. Por isso pode-se comer bom peixe. Por-que carne… só mesmo frango e porco. Isto quando há dinheiro para a comprar. De facto, a gente aqui tem muitas carências alimentares e há mesmo fome. “Ma-tabichaste?” perguntava eu aos alunos. “Não senhora”. “E ontem à noite, comeste alguma coisa?” “Também não”. Por isso muitas crianças mais pequenas ador-meciam na aula. “Deixo-as dormir porque têm fome” explicava-me uma professora. Muitas tinham “tinha” e embora tivéssemos feito diligências junto da AMI e da UNICEF para conseguir o medicamento, não tivemos resposta positiva, ou porque não seguimos os melhores canais, ou porque somos simples voluntárias sem voz no meio dessas organizações ou pura e simplesmen-te porque a distribuição desse remédio não esteja no âmbito dos objectivos das mesmas. E assim aquelas cabecinhas irão ficando mais sem cabelo e com mais feridas. O cabelo que faz o orgulho das africanas que o penteiam de mil maneiras, com uma imaginação es-pantosa.A escola de Ontupaia é uma escola básica com alunos desde a primeira até à sétima classe e tem agregada a si onze escolinhas para os mais pequeninos, a maio-ria a funcionar debaixo dos cajueiros. Para quem não conhece o cajueiro é uma árvore lindíssima, grande e muito frondosa que dá a castanha de caju.São mais de mil alunos distribuídos por dois períodos horários: das sete ao meio-dia e da meia hora às cinco e meia da tarde. Mas o problema, o grande problema é o fraquíssimo aproveitamento. E nós que trabalhamos nas turmas e com os professores pudemos perceber o porquê de tal situação. Para além de haver poucos professores para o número de alunos (60 alunos por turma, no mínimo), numa escola desta dimensão não há um único professor licenciado. Alguns têm apenas o décimo ano e os que procuram desenvolver os seus conhecimentos têm de se deslocar de chapa (nenhum

professor tem automóvel. Deslocam-se para a escola em bicicleta ou em motoreta) cerca de 200 quilómetros para ter dois dias intensos de aulas e regressarem em seguida a casa sem meios de estudo. “Não há biblioteca na universidade?” perguntei eu. “Há, mas o tempo que lá estamos é todo passado em aulas e depois temos de regressar.” “Já tentaram a internet?” perguntei, como se não conhecesse a resposta. De facto o acesso à inter-net é restrito e caro. Aliás nenhum professor tem com-putador. Vários deles vieram ter comigo queixando-se da falta deste instrumento de trabalho. “Não temos dinheiro”. Fui informar-me. Um vencimento máximo de 6000 meticais para um computador de 32000 me-ticais no mínimo! De facto!Mas há outros problemas mais graves ainda. A falta de saúde é um deles. É impressionante as pessoas que adoecem, seja com malária, seja porque são doentes crónicos de Sida (um autêntico flagelo nestas para-gens.) “Dói-me a cabeça; dói-me a barriga” são queixas permanentes que escutamos a cada momento seja das crianças seja dos adultos. A morte ronda sempre por perto e chega a ser deprimente a sensação da sua pre-sença. Vim de lá há três meses e já morreram neste pe-ríodo vários alunos com malária e outros, assim como professores, estiveram internados! Com progressos tão fulgurantes no campo da medicina, como é que se não investe na procura da cura deste flagelo africano, e não só? É mais uma vez o dinheiro a comandar as prioridades dos homens. Fosse a malária a afligir os

europeus ou os americanos e a cura estaria já á vista.Um terceiro problema muito grave é o Português. Lín-gua obrigatória na escola, é um muito deficiente meio de comunicação e de trabalho porque as crianças che-gam à escola sem saber português e em casa só falam macua porque os pais não falam a língua oficial. Assim temos alunos que chegam à quinta classe sem literal-mente saber ler. Fiz várias experiências em turmas diferentes, contando às crianças histórias elementares como, por exemplo, Os Três Porquinhos, ou outras ainda mais simples inventadas por mim e com uma linguagem expressamente básica e aconteceu que mui-tas vezes tive de recorrer à tradução em macua para que eles percebessem, nomeadamente nas primeiras classes.E poderia continuar por aqui fora no muro das lamen-tações. Mas só para concluir, há um facto que me faz doer a minha consciência de portuguesa. É que estive-mos lá tantos anos, gabávamo-nos na altura de sermos civilizadores e afinal acho que fizemos muito pouco. Chegada àquela zona de África senti-me andar para trás cinquenta, sessenta anos, quando as pessoas eram analfabetas numa grande maioria e mantidas num es-tado de minoridade mental. Foi isso que eu senti em África. Terá de passar pelo menos uma geração para que aquelas pessoas estejam ao nível do desenvolvi-mento actual da Europa e aptos absorver um conheci-mento que, sem anular a cultura própria, os abra para uma cultura universal.

Isabel Brumaescritora

Viver numa escola em moçambique

Dr

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lusofonia 1012 outubro 2011

AS ARTES ENTRE AS LETRAS

O que leva um jovem russo a procurar aprender o idioma português? Para Diana Shpilevskaya, 22 anos, tudo começou em 2005, quando foi

a Inglaterra aperfeiçoar o seu inglês. “Estudei numa ci-dade pequena chamada Exeter e meu curso durou duas semanas num grupo de 12 pessoas, das quais oito eram do Brasil”, diz. “Lá, pela primeira vez, ouvi a língua por-tuguesa na vida real e a achei tão bonita que, ao voltar para a Rússia, comecei a estudá-la sozinha”, conta. “As-sim, aqueles oito estudantes brasileiros mudaram a mi-nha vida sem que soubessem disso”, acrescenta Diana, que é graduada pela Faculdade de Letras Estrangeiras da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Pe-tersburgo, e sonha fazer mestrado na Universidade de São Paulo. Para Vitaly Violino, 24 anos, foi o interesse pela arte da capoeira, que conheceu há cerca de cinco anos por meio da Internet, a razão que o levou a procurar aprender por-tuguês. “Precisava aprender uma técnica de defesa pes-soal”, justifica. Depois de ter passado cinco semanas em Salvador, aprendeu todos os passos dessa arte e, hoje, em São Petersburgo, dá aulas para cerca de 50 alunos. Com freqüência, participa de encontros com capoeiris-tas brasileiros na Europa. “Por isso, falo um português abaianado”, diz Vitaly, que costuma cantarolar canções do compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008).Já Maria Rybakova, 21 anos, primeiro aprendeu o idio-ma espanhol e, em razão da proximidade entre as duas línguas, quis conhecer melhor o português. “Estudo por-tuguês porque gosto de Portugal e do Brasil”, diz, lem-brando que o português, por ser uma língua românica e rara, sempre a atraiu. “Além disso, o Brasil se tornou importante na Rússia por causa do Bric [Brasil, Rússia, Índia e China]”, observa. “Sem contar que gosto muito dos professores do Centro Camões”, acrescenta.Por sua vez, Gleb Poltorak, 22 anos, igualmente gradua-do, o intelectual do grupo, entendeu que saber falar por-tuguês o faria discutir com mais conhecimento de causa as questões políticas e econômicas da América Latina e do mundo. Formado pela Universidade Estatal Peda-gógica Hertzen, Gleb, por enquanto, só pode dar aulas em colégios. “Para dar aula em faculdade, é preciso ter pelo menos mestrado (stepen’ magistra)”, observa, re-clamando do fato de o professor hoje na Rússia não ser muito valorizado nem respeitado. “Os salários são bai-xos e o professor para sobreviver precisa dar aulas em quatro ou cinco instituições”, queixa-se, demonstrando preocupação com seu futuro.

O fato que une esses jovens é que todos são formados em Língua Portuguesa pelo Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen. Não raro, reúnem-se, ao final da tarde, num restaurante da rua Naberezhnaya Kanala Griboedova, à margem do canal Griboedova, perto do imponente Templo da Ressur-reição de Cristo, mais conhecido como Salvador Sobre Sangue, que está construído no lugar em que morreu o czar Alexandre II (1818-1881), vítima de um atentado a bomba. E qual o objetivo da reunião? Ora, conversar em português e exercitar o idioma que aprenderam – al-guns com sotaque luso e outros com o falar mais adoci-cado dos brasileiros.Fundado em 1999, o Centro Lusófono Camões começa o ano, em média, com 15 estudantes russos de português. Os estudantes entram no nível zero, passam para o nível médio, chegando ao nível superior. Em média, formam-se de sete a oito alunos por ano. Mas a tendência é que esse número cresça. Por iniciativa do Centro, uma escola secundária de São Petersburgo já manteve em sua grade o português como língua facultativa, mas acabou por voltar atrás. A esperança, porém, é que a sua direção reconsidere a ideia, já que isso significaria um potencial alargamento da lista dos freqüentadores do Centro em futuro próximo.Todo esse esforço para a difusão do idioma português na Rússia tem um nome: Vadim Kopyl, doutor em Filologia Românica, diretor do Centro Lusófono Camões. O Centro, inaugurado a 16 de junho de 1999, em ato prestigiado pelo

embaixador de Portugal, José Luís Gomes, e pela embai-xadora do Brasil, Teresa Maria Machado Quintella, fun-ciona dentro do campus da Universidade Estatal Pedagó-gica Hertzen que é formado por vários palácios adaptados às necessidades de ensino, no centro histórico de São Petersburgo, cidade que é mais um museu a céu aberto, também conhecida como a Veneza do Norte.Pouco depois de sua fundação, o Centro produziu uma edição eletrônica dos Sonetos de Camões, que teve prefá-cio da professora Maria Raquel de Andrade e contou com o apoio dos professores José Manuel Matias, Zélia Madei-ra, Rogério Nunes, Alexandra Pinho e Madalena Arroja, do Instituto Camões, de Lisboa. Desde então, publicou vários livros impressos, como o Guia de Conversação Russo-Portuguesa Contemporânea, Poesia Portuguesa Contemporânea (2004), que reúne poemas de 26 poe-tas portugueses traduzidos com participação de Helena Golubeva (como tradutora-tutora), e Vou-me embora de mim (2007), do poeta português Joaquim Pessoa, todos em edição russo-portuguesa.O Centro tem ainda preparado à espera de apoio financei-ro para publicação um livro de contos do escritor portu-guês Gonçalo Tavares, que contou com a participação do próprio autor. Além do Instituto Camões, o Ministério da Cultura, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, o Colégio Universitário Pio XII, a Universidade Clássica de Lisboa, a Universidade Internacional de Lisboa, a Univer-sidade Lusófona e a Universidade de Aveiro são algumas

Adelto Gonçalvesescritor

falando portuguêsna rússiatrabalho do Centro lusófono Camões, de são petersburgo, é muito importante na difusão da língua portuguesa

Director do Centro Lusófono, Vadim Kopyl (à esquerda), e o escritor Adelto Gonçalves

Dr

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lusofonia12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

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das instituições culturais portuguesas que têm cooperado com o trabalho dos lusistas russos.O Centro funciona numa pequena sala atulhada de livros, cartazes e fotos. No centro da sala, fica uma grande mesa em volta da qual se acomodam os alunos, sentados em não mais que quinze cadeiras daquelas tradicionais. Na parede, há ainda uma pequena lousa, ao lado de três ar-mários envidraçados que guardam livros portugueses, na maioria. Perto da janela, há uma pequena mesa decorada com livros, jornais e revistas em memória de Dário Morei-ra de Castro Alves (1927-2010), embaixador do Brasil em Portugal de 1979 a 1983, sócio-honorário da instituição.

A AlmA Do CentroAos 70 anos de idade, o professor Kopyl poderia passar o resto de sua vida descansando em Ukraine, mas isso só o faz em julho e agosto, meses de verão intenso e de “noites brancas” em São Petersburgo. No resto do ano, dedica-se ao Centro: é ele mesmo quem dá as aulas, dividindo-as com um intérprete-sincronista, Vladimir Ivanov. Até há pouco tempo, tinha também a colaboração de Helena Golubeva, que o auxiliava no ensino de português e dava aulas de tradução.As comunicações dos estudantes dedicadas aos contatos culturais entre a Rússia e os países do mundo lusófono são lidas em português durante as aulas e, em russo, em alguns atos realizados nas bibliotecas municipais ou na casa-museu de Anna Akhmatova (1899-1966), uma das mais importantes poetas russas do século XX.“Além da aprendizagem de português, os estudantes rece-bem conhecimentos básicos de tradução literária”, conta Kopyl, lembrando que mestres de tradução do russo para o português, como Helena Golubeva, Alexandra Koss, Andrei Rodossky, e também a poeta e tradutora Veronica Kapustina, laureada com o prêmio Anna Akhmatova, a etnógrafa Elena Soboleva e o perito em artes e poliglota Mark Netchaev, já estiveram em contato com os alunos do Centro. “É inesquecível a aula simultaneamente de língua, arte e filosofia que Mark Netchaev costuma dar aos nossos alunos nas salas do Museu Hermitage”, garante.Neste ano, o Centro contará com o apoio da leitora Maria Joana Albuquerque, do Instituto Camões. Nos últimos tempos, recebeu grande contribuição de João Santos e João Carlos Mendonça, também leitores do Instituto Ca-mões. Com João Santos, o professor Kopyl preparou uma espécie de manual de português falado em diálogos, que se tem mostrado muito útil na aprendizagem do idioma.A aproximação do professor Kopyl com o idioma portu-guês deu-se muito cedo, mas depois que já aprendera o espanhol e fora requisitado, ainda estudante, para traba-lhar em Cuba como intérprete em 1962. “Naquele tem-po da Guerra Fria, poucas pessoas falavam espanhol na Rússia”, lembra. “Quando estávamos no hotel em Havana e olhávamos para o Mar do Caribe, não tínhamos ainda noção dos riscos que a Humanidade corria naqueles dias”, observa, referindo-se implicitamente à crise dos mísseis entre Estados Unidos e União Soviética.Ao voltar para a Universidade, começou a estudar por-tuguês como autodidata, mas com grande ajuda de um jovem professor, Anatolio Gakh, nascido no Brasil, com quem mantém amizade até hoje. O tema de sua tese de mestrado já foi em português – Língua e estilo de Eça de Queiroz –, bem como o tema de sua tese de doutoramento, três anos depois – Língua e estilo de Fernando Namora.

Mais tarde, Kopyl manteve relações pessoais com o padre Joaquim Antônio de Aguiar (1914-2004), fundador e di-retor do Colégio Universitário Pio XII, de Lisboa, e presi-dente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, que acabaram por aproximá-lo da cultura lusa. Para a fundação do Centro Lusófono Camões, grande foi o apoio daquela instituição. Alunos do tradicional colégio lisboeta e do Centro Lusófono participaram de fóruns realizados no Brasil, Portugal e Macau. Por sua parte, o Centro aju-dou a Comissão da Cultura Europeia do Colégio Univer-sitário Pio XII a organizar dois fóruns estudantis em São Petersburgo.Por intermédio do padre Aguiar, Kopyl acabou por conhe-cer Dário Moreira de Castro Alves, que à época já estava empenhado em traduzir para o português o romance em versos Eugênio Oneguin, de Alexandr S. Pushkin (1794-1837), que seria, finalmente, publicado em 2008 pelo Grupo Editorial Azbooka-Atticus, de Moscou, em edição russo-portuguesa, e no Brasil em 2010 pela Editora Re-cord, do Rio de Janeiro. Das consultas e dúvidas sobre os dois idiomas, nasceu uma amizade que se solidificou com os anos.Fosse como fosse, as ligações de Kopyl sempre foram maiores com Portugal – como denuncia o seu sotaque lusitano. “Conheço do Brasil só aquilo que li e ouvi a respeito, mas gostaria imenso de conhecê-lo de perto”, diz. Em Portugal, Kopyl esteve várias vezes, mantendo contatos com intelectuais como António Ramos Rosa, Gastão Cruz, Casimiro de Brito, Fernando Guimarães e Fernando Echevarria, entre outros, a propósito da pre-paração de uma antologia de poetas portugueses.Foi a partir das ligações com Dário Moreira de Cas-tro Alves que, nos últimos tempos, o Centro Lusófono Camões passou a registrar maior presença da cultura brasileira. Com o apoio do Ministério das Relações Ex-teriores do Brasil e da Embaixada brasileira em Mos-cou, o Centro pôde publicar os livros Contos, em 2006, e Contos Escolhidos, em 2007, ambos de Machado de Assis (1839-1908), em edições bilíngües. Até então, da obra de Machado de Assis só os romances Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro haviam sido traduzidos para o russo.Por enquanto, há outros projetos de lançamentos em edição bilíngüe à espera de apoios financeiros de entida-des culturais tanto de Portugal quanto do Brasil. “Gos-

taríamos que essa cooperação se ampliasse com outras instituições culturais brasileiras, não se limitando ao apoio da Embaixada brasileira em Moscou”, acrescenta.

portuGueses em sÃo petersBurGo Kopyl lembra que seus estudantes já localizaram a par-ticipação destacada de dois portugueses na história de São Petersburgo, preparando informes sobre essas perso-nalidades. Um deles foi Antônio Ribeiro Sanches (1699-1783), clínico de renome em Londres, que foi contratado como médico do Senado e da cidade de Moscou em 1731, mas que depois manteve residência em São Petersburgo, servindo ao Império Russo até 1747.Outro foi Antônio Manuel de Vieira, ou Antón Devier (1682?-1745), que não só foi o primeiro chefe de polícia de São Petersburgo (à época, o termo polícia englobava tam-bém a administração pública das cidades, não se restrin-gindo à atuação repressiva policial, como se conhece hoje) como participou de obras nos canais do norte da Rússia e dirigiu a construção de dois importantes portos maríti-mos – o de Revel (agora Tallin) e o de Okhotsk, durante o reinado do czar Pedro I (1672-1725), alcunhado Pedro o Grande, que, em 1703, mandou edificar São Petersburgo, a nova capital da Rússia.Segundo Kopyl, ao analisar as propostas de Ribeiro San-ches, os alunos do Centro puderam concluir que, com certeza, houve participação daquele “estrangeirado” luso na própria fundação da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, em 1797. “Como se sabe, a nossa universidade surgiu daquilo que primeiro era um asilo, organizado para crianças órfãs, tal como a Casa Pia, de Lisboa, cria-da pelo intendente-geral de polícia Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805)”, diz, lembrando que a necessidade de se criar asilos para crianças órfãs foi argumentada por Ribeiro Sanches numa carta que supostamente era diri-gida a Ivan Betskoi (1704-1795), organizador do asilo em São Petersburgo.Além disso, no século XVIII, lembra Kopyl, é importan-te destacar a presença da cantora lírica portuguesa Luísa Todi, natural de Setúbal, que, a partir de 1784, esteve por quatro anos na corte de Catarina, a Grande, em São Pe-tersbugo. “Em sua estada na Rússia, Luísa Todi escreveu com o marido, o violinista Francesco Todi, a ópera Polli-nia, como expressão de agradecimento pelas atenções re-cebidas da czarina”, ressalta.

Alunos do Centro Lusófono e cadetes e oficiais do navio-escola Brasil

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12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

12latinIdades

Ivan sorveu profundamente o fumo do charuto, depois expirou-o fazendo um barulho com a boca como um peixe que acaba de produzir uma bo-

lha de ar. Está sentado à mesa de madeira, de perfil contra a janela em forma de vigia. Vejo o fumo subir, formar uma pequena nuvem, como um pensamento indefinido que fica a pairar sobre a sua cabeça, antes de volatizar-se. Depois do almoço, um bom charuto e um copo de vinho Madeira, o ambiente fica ameno e sonolento. Sorvemos o vinho e falamos do carác-ter dos ingleses (Goncharov não tinha uma grande opinião sobre eles, mas invejava-lhes secretamente o espírito de iniciativa que faltava aos russos). É um tempo morto, mas higiénico: ele suspende o trabalho de escrita, levanta-se e espreguiça-se, dá alguns passos – a madeira geme debaixo dos seus pés pesados – sai para a varanda e desaparece. Às vezes vou também eu fora e ficamos a contemplar o horizonte ou a comentar o voo das aves de arribação que têm estado a chegar neste princípio de Outono ao Parque de San Rossore. Descomprimimos um pouco, gracejamos, aproveita-mos para “apanhar moscas”. É assim que o meu in-terlocutor baptizou os intervalos: Moscovo em italiano diz-se Mosca.Estamos numa casa de pescadores mesmo na foz do Arno. É uma palafita em madeira, apoiada sobre es-tacas cravadas numa exígua fileira de rochas baixas mesmo à entrada do rio. De cada lado da casa há duas imensas redes suspensas que ao baixarem, capturam o peixe. Os pescadores chegam muito cedo, antes do amanhecer – são dois: um homem velho, robusto e si-

lencioso que parece o avô (avô é como se chama afec-tuosamente qualquer pessoa mais velha em russo), e o mais novo que é expedito e tagarela, e tem sempre um sorriso florentino nos lábios (e aqui diria que faz lembrar o excêntrico Tichmenev, o oficial encarregado da despensa de bordo). Vemo-los da janela a içarem as redes, e ouvimo-los comentar o fervilhar prateado que roubam todos os dias às águas. Mesmo sem ver o peixe, sabemos distinguir se a faina foi profícua ou não, a partir das suas vozes. O mais velho é lacónico e responde invariavelmente com uma imprecação ou uma blasfémia. Acordamos com eles, são o nosso galo, e é bastante divertido despertar ao som do dia-lecto pisano. Alugámos a casa para os próximos seis meses – o tempo de acabarmos a tradução – mas não sei se conseguiremos passar aqui os meses de inverno, não deve ser fácil resistir ao frio. E depois, apesar de as estacas de madeira me parecerem suficientemente altas, não sei até que ponto resistirão a uma tempes-tade. Ontem mesmo, ao anoitecer o mar levantou-se e acordei várias vezes sobressaltado. Ao mínimo ran-gido, imaginava a casa a avançar na escuridão como uma jangada à deriva.Em todo o caso, julgo que estas sensações – o medo que se insinua lentamente, a visão apaziguadora do crepúsculo, o rulho constante do mar e a vaga sensa-ção de enjoo – são úteis, para recriar de algum modo as condições de vida no interior de um navio. Esta casa foi o mais próximo que conseguimos arranjar de uma fragata. As duas imensas redes dão à palafita um aspecto poético de veleiro, misto de casa, barco e

António fournierescritor

Viajando a bordo da fragata pallada

Para Alberto Taddei

notA:Em Outubro de 1952, o escritor russo Ivan Alexandrovich Goncharov, “talvez movido pelo desejo de desafiar o destino e demonstrar a si mesmo e aos outros que era capaz de actos de coragem”, aceitou o cargo de cronista da primeira expedição russa ao Japão. Ele que nunca tinha viajado por mar, que para mais era autor desse “herói imortal da preguiça” que é Oblomov, viu-se de um momento para o outro catapultado para bordo de uma fragata onde iria viver os próximos três anos, atravessando três oceanos. O autor deu-nos conta dessa viagem num magnífico livro intitulado A fragata Pallada. Nele, há dois capítulos dedicados respectivamente à Madeira (onde o escritor saboreia pela primeira vez uma banana) e a Cabo Verde (onde entra por engano numa casa em Porto Praia e tem um curioso “diálogo” com uma jovem portuguesa que o impressiona). relação ao espectáculo da política e do desgoverno nacionais.

ave. Curiosamente, em italiano, usa-se a mesma pala-vra – “albero” – para designar quer a árvore quer um mastro de um navio. A casa tem dois mastros que su-portam de cada lado o peso das redes e bem se poderia dizer que são o mastaréu da gávea e o gurupés do nos-so “navio”. Não deixa de ser engraçado que, em russo, para dizer “os pássaros voam”, se diga “os pássaros na-dam no céu”. Ivan volta a entrar no nosso cubículo, e ao sentar-se na mesa desengonçada, graceja: “Aqui os móveis não os come o caruncho, mas sim as enguias!”Voltamos ao trabalho. Como se pode traduzir “sordo frastuono” em português? pergunta. Não conheço a expressão e ele cita-me um verso de Leopardi: “E come il vento / Odo stormir tra queste piante, io quello / infinito silenzio a questa voce / Vo comparando”). Também nós não vemos o Infinito que se esconde por detrás da sebe densa de palavras. Mas pelo menos, temos um termo de comparação: esta casa suspensa sobre estacas na foz de um rio, longe da terra firme, diante do mar aberto, como metáfora coerente da con-dição de semi-exílio das nossas respectivas línguas. Ele, o meu interlocutor italiano, traduz do russo para o português, com passagem pelo italiano, e eu, o seu fiel servo Fadaeev, tenho como tarefa ajudá-lo a acli-matar a tradução à minha língua. Também nós baixa-mos todos os dias a rede e ficamos à espera dos peixes trazidos à noite com a maré. Não muitos, o suficiente para uma ração diária de trabalho. Trabalho penoso, de arte e paciência, o que nos espera. Temos uma longa viagem pela frente. Começámos a 7 de Outubro (também aqui tentámos respeitar as simetrias: é o dia em que a fragata partiu de Kronstadt). Já atravessá-mos o Báltico e o mar do Norte e fizemos uma longa escala em Portsmouth – o tempo necessário para que a fragata fosse preparada para a longa travessia tran-soceânica. Estamos agora a sair do canal da Mancha. Finalmente viajamos a sério. A silhueta lisa, branca e esguia do farol de Eddyngton ergue-se ao longe. No Atlas das estradas da Europa, percorremos a costa in-glesa. Lá está o farol. Estamos finalmente a entrar no grande oceano.

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13 arte

Isabel Fernandes

Há dois anos que Luísa Prior vem de-senvolvendo um projecto – fazendo com que interrompesse o seu hábito

de realizar uma exposição de novas obras por ano – que lhe foi imposto de fora: “É um de-safio que a própria natureza me lançou”. E por isso, não obstante a natureza estar muito pre-sente nos seus trabalhos anteriores, Luísa Prior dedica agora um vasto conjunto de obras “só à natureza”. E pela primeira vez a artista plástica apresenta uma mostra temática, onde o objecto foi “vivido em todos os quadros à mistura do ur-banismo, para que este e a natureza se envolves-sem”. O projecto foi “desenvolvido na vertente das quatro estações e dos quatro elementos [Água, Ar, Terra e Fogo] e mais um: o próprio universo que os engloba”. As diferenças não re-presentam uma ruptura no percurso artístico de Luísa Prior, será apenas mais um passo num caminho que tem vindo a construir “patamar a patamar” e sempre com grande presença das co-res. O que se mantém neste conjunto de obras: “A paleta é praticamente a mesma, pois a natureza dá-nos tudo. É o meu santu-ário de inspiração”. Basta obser-var, que é sempre o seu ponto de partida.Numa junção de alguns dese-jos, «O Universo e o Tempo», inaugura no próximo dia 22 de Outubro, pelas 15h30, na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia, e que es-tará patente até ao dia 30 de No-vembro. Serão 20 quadros, onde

se inclui um auto-retrato em grafite e sanguínea. Serão apresentadas

duas peças em acrílico sobre papel, uma aguarela e os res-tantes em acrílico sobre tela. Todos realizados com espá-tula, que gosta de usar pelos pormenores que lhe permite

elaborar. “É um trabalho de cor, alma e paixão. Adorei fazer

este trabalho, para mostrar ao pú-blico que a natureza pode ser vis-ta de várias formas e que não dei-

xa de ser bela. Ela é sempre bela mesmo quando nos transmite medo, mesmo quando se zanga, através de explosões e tempestades”.E como é que nasce a obra? “Quando se está muito envolvida, quan-do deixamos de estar com os pés na terra… Quando pinto não vivo o presen-te, desenvolvo a minha pintura que é o futuro”. Parece simples… mas tão pouco o é quando tenta explicar o nasci-mento de cada obra, que resulta como uma parte de si própria: “Não há por-quês no surgimento da obra”, diz categoricamente, acrescen-tando que “pintar e desenhar tem

sido ao longo do meu trabalho a minha expres-são”. Luísa Prior é hoje uma pintora respeitada pelo público e pelos seus pares, o que a deixa feliz, com a certeza de ter realizado o seu sonho de sempre – “foi sempre um sonho estar nas ar-tes, adiado, mas que tem ido muito além do que imaginava” – e reitera ainda estar “na arte por amor à arte e para contribuir para a cultura do meu país”. Esta mulher que tardou a dedicar-se à sua arte e que não revela qualquer nostalgia pelo tempo ainda assinala as horas que dedica ao seu trabalho e explica que “quando se inicia uma obra e se está inspirada tem que se dar continuidade durante horas”. Não com a inten-ção de o acabar, pois partilha da ideia que uma obra nunca termina, o artista tem que se forçar

a abandoná-lo e há um truque: virá-lo. Quando falou ao jornal As

Artes entre As Letras, cerca de duas semanas antes da

inauguração da mostra, Luísa Prior já deixava adivinhar que está com muitos outros projec-tos e, mesmo não que-rendo deixar escapar

qualquer ideia para o futuro, revelou que a es-

cultura está nos seus pla-nos, pois trabalhar metais é

outro dos seus gostos e das suas aptidões.

A natureza como um santuário de inspiração

Cidade de fogo

Auto-retrato Universo

Fogo da paixão

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14especial

Guido Arturo Palomba, é uma referência para juí-zes, advogados e até para

a própria imprensa. O seu percurso profissional é absolutamente inve-jável, sendo o que lhe confere mais orgulho é o seu Tratado de Psiquia-tria Forense, Civil e Penal (Atheneu, 2003), o primeiro em língua portu-guesa e um dos poucos no mundo. Palomba também é co-autor de 450 Anos de História da Medicina Paulistana, editado pela Associação Paulista de Medicina e publicado em 2004. Guido Arturo Palomba, é também um artista no sentido da criação e da sua paixão pela expres-são artística. Isto é, a sua sensibili-dade para as artes plásticas é de tal modo ímpar que enquanto curador da Pinacoteca da APM, apostou na selecção dos grandes mestres con-temporâneos como Inos Corradin, Ivald Granato, Maria Bonomi, Aldir Mendes de Souza, Antônio Maia, Antonio Peticov, Claudio Tozzi, Ar-cangelo Ianelli, Gustavo Rosa, Gus-tavo Von Ha, Alex Flemming, entre outros, para expor e participar do projecto de ampliação do acervo. Também o Mestre Adelino Ângelo não lhe foi indiferente, pelo contrá-rio, sobre o Louco (obra que perten-ce ao acervo do mestre A.A.), quem melhor que Guido Arturo Palomba para explicar tão denso texto pic-tórico. “(…) Grassa no pensamen-to de muitas pessoas que quanto mais louco for o artista mais talen-to terá. Não é bem assim. (…) Ora, perguntará o leitor: Vincent Van Gogh, Francisco de Goya, Robert Schumann e Emanuel Schikaneder, para citar apenas dois pintores e dois músicos, não tiveram as suas loucuras e não estão entre os maio-res gênios, quer da pintura quer da música, de todos os tempos? Por-tanto, concluirá o leitor, loucura

e genialidade associam-se sim se-nhor.( …) Com todo o respeito, essa afir-mação contém um equívoco, pois, um fato é absolutamente certo: quando o artista está no período agudo da doença mental não pro-duz nada, somente o faz ao sair ou já livre da psicopatologia flórida. E mais, dependendo da doença mental de que padece, se for algu-ma daquelas que ao remitir o surto deixam defeito, como a esquizofre-nia paranoide, provavelmente não mais haverá desempenho artístico de qualidade, se o tinha antes de adoecer, seja na música, seja nas ar-

tes plásticas ou em qualquer outra modalidade em que o sentimento, a intuição e a sensopercepção, muitas vezes também o pensamento, têm que estar no seu mais refinado nível para produzir com qualidade. Isso porque a criação artística ocorre no momento em que se equilibram e se harmonizam as esferas psíqui-cas interiores. É nesse passo que nasce a obra de arte, como expres-são e materialização do psiquismo do gênio, que fora fecundado pelas musas (e pelos demônios), que lhe deixaram a mente abaçanada, em estado de vesânia. Porém, prenhe. Interessante notar que a loucura, às vezes, é como se fosse a norma-lidade mental vista com lente de aumento desfocada. Muitos sinais e sintomas clínicos são exacerbações do comportamento normal. Assim, alienados mentais serviram, e ain-da servem, de modelo aos grandes mestres da pintura, que deles extra-íram e extraem a essência trágica da natureza humana. Na atualidade, no mundo ocidental, quem melhor retrata essas figuras da miséria é o grande Mestre Adelino Ângelo, português de Vieira do Minho, ver-dadeira reencarnação de Goya, de El Greco, o herdeiro da luz de So-rolla. Ilustra este artigo O louco, de sua autoria, de grande força expres-siva.” Guido Arturo Palomba que sublinha os institntos como parte integrante do Homem, como ne-nhum outro o conseguiu, a sua sa-piência exige-lhe a fundamentação de tão profunda observação. E de forma magistral consegue dissertar sobre arte, sem exercícios de erudi-ção oca, mas tão só pela profundi-dade e saber que as suas «lições» são capazes de transmitir. Guido Arturo Palomba, um clínico pensa-dor que encontra na Arte a janela do sublime.

Guido Arturo palomba, um dos especialistas cujo nome nos remete para os grandes mestres em psiquiatria criminal, é entre imensas e prestigiadas funções, membro emérito da Academia de medicina de são paulo. Com mais de três décadas de experiência e auxiliando a Justiça de são paulo, este médico brasileiro é autor de quase dez mil pareceres psiquiátricos, bem como escritor de nível superior e com registo de autoridade, sobre a mente criminosa. Guido paloma toma posse dia 22 de outubro, como diretor cultural da Associação paulista de medicina, em cerimónia que acontecerá no teatro municipal de s. paulo.

um homem singular na pluralidade das artes

Pintura a óleo de Guido Arturo Palomba pelo Mestre Adelino Ângelo

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especial1512 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

José Luiz Gomes do Amaral nasceu em São Paulo a 24 de fevereiro de 1950, mas possui

dupla nacionalidade (brasileira/por-tuguesa). Graduado e pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina/ Universidade Federal de São Paulo (EPM/ Unifesp), especializou-se em Anestesiologia e Medicina Intensiva com título de especialista reconheci-do pela Associação Médica Brasilei-ra, Associação de Medicina Intensiva Brasileira e Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Entre 1983 e 1984, fez especialização em Terapia Intensiva na Faculdade de Medicina da Uni-versidade Louis Pasteur, Strasbourg (França). Tem título de doutor em Me-dicina reconhecido pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Entre o seu vasto percurso académico e profissional, re-cebeu 14 prémios e multiplas homena-gens; orientou nove teses de mestrado e oito de doutorado. Iniciou a carreira docente em 1980 na EPM. Atualmen-te, é professor titular da disciplina de

Anestesiologia, Dor e Terapia Intensi-va. Também é professor livre docente da Faculdade de Medicina de Botuca-tu da Universidade Estadual Paulista desde 1990. Faz parte de um amplo número de instituições, tais como a Associação Médica Brasileira, Associa-ção Paulista de Medicina, Sociedade Brasileira de Anestesiologia, Associa-ção de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo, Sociedade Paulista de

Terapia Intensiva, Sociedade Portu-guesa de Cuidados Intensivos, Aca-demia de Medicina de São Paulo, etc. Foi conselheiro do CRM-SP, presidiu a Associação Paulista de Medicina por duas vezes (1999-2002 e 2002-2005) e, atualmente, está na segunda gestão na presidência da AMB. Faz parte do Conselho da Associação Médica Mun-dial e presidiu por três anos ao Comi-tê de Assuntos Médicos e Sociais. Em 2010, foi eleito para presidir a insti-

tuição. A cerimônia de posse ocorrerá este mês em Montevideu (Uruguai). No campo das atividades culturais: promoveu a reestruturação do suple-mento literário; incentivou a reforma e ampliação das instalações da Pina-coteca da APM, que é uma das maio-res coleções privadas do país. As artes plásticas são também uma sua paixão, e vê no Mestre Adelino Ângelo uma genealidade tocante. Na esfera mu-sical, auxiliou o desenvolvimento de programas que funcionam até hoje como: Música em Pauta, Música ao Meio-Dia, Clube do Jazz, Música Po-pular Paulista, Música nos Hospitais e Festival Médico Músico. Participa do programa Agita São Paulo e Agita Mundo. No âmbito internacional, teve parte na fundação e desenvolvimen-to da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, da qual é presidente até agosto de 2011. Participa ativamente da Confederação Médica Latino-Ame-ricana e Caribe e do Foro Iberoameri-cano de Entidades Médicas, buscando a integração entre os médicos latino-americanos e os da Península Ibérica. Auxiliou na organização do Congresso Médico do Centenário Brasil-Japão que teve como objetivo reconhecer a contribuição da imigração japonesa para a Medicina brasileira. Atualmen-te, além das ações de solidariedade como a missão AMB-SOS Haiti, arti-culação com o Ministério da Defesa e com os Serviços de Saúde das Forças Armadas para integrá-las à sociedade médica civil, trabalha em projetos de segurança no trânsito e de combate ao abuso de álcool e outras drogas.

“A cada passo um desafio - a cada desafio uma vitória”

A Câmara municipal de são paulo concede, no próximo 18 de outubro, Dia do médico, a medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de são paulo ao actual presidente da Associação médica Brasileira e futuro presidente da Associação médica mundial para o ano 2011/2012. A tomada de posse será no uruguai em montevideu. pela primeira vez a língua lusófona estará representada em tão prestigiada instituição, que é equiparada à organização mundial de saúde.

medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade de são pauloA Medalha Anchieta foi instituída setembro de 1969. Assim como o Diploma de Gratidão é entregue a personalidades que tenham con-quistado a admiração e o respeito do povo paulistano. Várias perso-nalidades já a receberam, entre elas, o Papa João Paulo II.

Pintura a óleo de José Luiz Gomes do Amaral por Mestre Adelino Ângelo

O Mestre Adelino Ângelo e sua mulher, La-Sálett Magalhães, as-sociam-se com muita amizade e admiração àquele ato de grande significado e de reconhecimento mundial pelo trabalho de José Luiz Gomes do Amaral na defesa universal dos direitos humanos, concretamente através do seu empenho, de décadas, na defesa da saúde do ser humano.

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12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

16arte

Graça morais na Árvore«A Caminhada do Medo», de Graça Morais – que será a homenageada deste ano do Prémio de Artes do Casino da Póvoa de Varzim – é inaugurada no próximo dia 20, pelas 18h30, na Cooperativa Árvore, Porto. A exposição de desenho e pintura fica patente até ao dia 12 de Novembro. “As peças de menor dimensão, as colagens, dão a chave para os grandes desenhos e o modo como são compostos. Aí se percebe a importância do registo fotográfico, dos apontamentos escritos em folhas de diário e a sua recuperação posterior…”, escreve Laura Castro no catálogo da exposição. Graça Morais será a.

trabalhos de José rodrigues em BragançaDe 15 de Outubro de 2011 a 8 de Janeiro de 2012, a exposição de escultura e desenho «JOSÉ RODRIGUES - Travessias do Desenho e da Escultura» vai estar patente no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança. A mostra é organizada pela Árvore e promovida pela Câmara Municipal de Bragança.

Inaugurações no CpfA exposição «A Rota do Vinho do Por-to», de José Miguel Ferreira, é inaugu-rada no próximo dia 15 de Outubro. A mostra pode ser visitada até 4 de De-zembro no Centro Português de Foto-grafia, Porto. No mesmo dia é também inaugurada a exposição «Marín – Foto-grafias 1908-1940», patente até 18 de Dezembro.

José Miguel Ferreira

«selvas», de rik linaEstá ainda patente no Fórum de Arte e Cultura de Espinho até ao dia 23 a exposição «Selvas» do pintor holan-dês radicado na Figueira da Foz Rik Lina. Artista surrealista tem a América Latina como fonte de inspiração: “A minha paleta é tropical, toda a minha pintura denota uma profunda liga-ção com a floresta tropical e as ‘selvas coraliárias’. Embora os objectos e motivos do meu trabalho sejam ins-pirados pela natureza, não é apenas a realidade do mundo exterior que me inspira. A Natureza é o meu único Mestre, mas os seus irmãos gémeos: sonho e imaginação estão também presentes no meu trabalho”.

BLACK SOLSTICE 2010

(Des)Construções de margarida António«Ego», de Margarida António, inaugura amanhã (13 de Outubro), pelas 18h30, no Palácio das Ar-tes, no Porto. A mostra será “fundamentada nas linhas harmónicas da Pietà, com a particularida-de de a obra estar inacabada”. Serão expostas bases da Pietà e cada dia, durante as (cerca de) duas semanas de duração da mostra, a artista plástica trabalhará sobre um quadro, “construin-do e/ou desconstruindo a própria dinâmica da base”. Explicando que a construção será feita por “adição, colagem, grafismo e até pincelada”, garante que “no final teremos um novo espec-táculo visual, com a Pietà a ser encontrada com outros valores plásticos”. Assim, no último dia, 26 de Outubro, haverá nova vernissage para que as obras possam ser apreciadas já comple-tas, não obstante Margarida António afirmar que “a obra nunca está acabada”. A venda dos trabalhos reverterá a favor da Comunidade de Inserção Eng. Paulo Vallada, um equipamen-to social da Fundação da Juventude que visa contribuir para a progressiva inserção social de jovens mães.

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12 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS

17 crónica

É desde o século IX que os peregrinos ca-minham para Santiago de Compostela.Peregrinos, em latim, escreve-se «Per

Argos» e são aqueles que «atravessam campos». Têm como seu como seu símbolo uma concha, normalmente uma vieira designada localmente por «venera», costume que já vinha do tempo em que os povos ancestrais peregrinavam a Fi-nisterra.Os caminhos espalhavam-se para toda a Europa e vão todos entroncar aos caminhos franceses que posteriormente se legam aos espanhóis, com excepção das várias vias do Caminho Português, que têm origem a Sul, e do Caminho Inglês que vinha do Norte.

HIstórIAO Caminho de Santiago entrou na história há 12 séculos, quando foram encontrados os restos mortais do apóstolo Tiago, ou Santiago, na que hoje é a cidade de Santiago de Compostela.Esta rota une diversas zonas da Europa e Com-postela vem sendo seguida por milhões de pesso-as das mais variadas procedências. O itinerário mais famoso é o chamado «Caminho Francês», que absorve a maioria dos caminhos vindos do continente europeu e se dirige a Santiago atra-vessando o Nordeste de Espanha.Existiram outros percursos não menos impor-

tantes idos de Portugal, do Sul de Espanha que atravessava a cidade portuguesa de Chaves, e do Oeste e Norte da Europa por via marítima.O Caminho de Santiago atingiu o máximo es-plendor nos séculos XI e XII e, depois, após a contra reforma no início do século XVII por Portugal. Nas últimas décadas voltou a ganhar protagonismo, sendo convertido num itinerário espiritual e cultural de primeira ordem. Foi de-clarado o Primeiro Itinerário Cultural Europeu (1987) e Património da Humanidade na Espa-nha (1993) e França (1998).

CAmInHos eXIstentesOs caminhos, geralmente, encontram-se sinali-zados por setas de cor amarela, no chão, muros, pedras, postes, árvores, estradas, marcos de gra-nito ou concreto, e outros. Como regra, passou sempre em frente à Igreja mais importante da cidade.Entre as várias rotas, delineadas desde a Idade Média, destacam-se: Caminho Francês a partir de Saint-Jean-Pied-de-Port, entra na Espanha por Roncesvalles, no sopé dos Pirinéus e de lá segue cerca de 800 quilómetros até Composte-la. A este liga-se o Caminho Aragonês («Tranco Aragonês»). Com saída em Somport, com cerca de 900 quilómetros.- Caminho de Prata («Via de la Plata») – com

saída em Sevilha (Espanha) passando por Cha-ves e Ourense, é o mais longo e segue uma antiga estrada romana a que os árabes chamaram algo que, foneticamente, soava a «plata» e assim fi-cou o nome.- Caminho Primitivo – com saída em Castrover-de, estendendo-se por, aproximadamente, 140 quilómetros.- Caminho do Norte – sai de Ribadeo e segue por cerca de 220 quilómetros.- Caminho Português – com várias alternati-vas. A maior parte dos caminhos portugueses entroncavam em Valença do Minho, onde se fazia (e faz) a travessia da fronteira para Tui e, daí, estender-se por cerca de 130 kms. Do lado português os percursos mais frequentados são a partir de Fátima, do Porto ou Braga.Nos últimos anos tem ganho relevo o percurso Porto-Rates-Barcelos-Ponte de Lima-Valença, como principal caminho português.- Caminho da Ria Arousa- Caminho inglês – parte de Ferrol ou de Ca-minha, estendendo-se, aproximadamente, 120 Km.. Surgiu a partir dos peregrinos das ilhas britânicas que, devido à Guerra dos Cem Anos, não podiam atravessar a França com segurança e, assim, viajavam de barco até à Galiza e, daí, a pé, até Compostela.- Caminho de Finisterra – um prolongamento francês pata os peregrinos que vinham de longe terem a ideia que tinham chegado ao fim da ter-ra (finis terrae), embora o ponto mais ocidental da Europa seja, na verdade, o Cabo da Roca, em Portugal.Apenas os caminhos Inglês, Francês e Português chegam a Santiago de Compostela; os outros vão-se juntando a estes três durante o percurso. O Caminho Finisterra une Santiago de Compos-tela e o Cabo Finisterra.Os últimos 20 kms. do Caminho de Santiago de Compostela é palco de um desafio que será re-gistado. A partir da enorme pressão das redes sociais para o relançamento dos trilhos Ferro-rama existentes na década de 1980, a «Estrela» compromete-se a relançar o produto no mercado caso os fãs consigam fazer percorrer os últimos 20 km. Do caminho com apenas 110 m. de tri-lhos. Para isso os desafiadores terão que criar uma logística de modo a retirar o caminho em que o comboio já passou a recolocá-los na parte dianteira da linha férrea. Todavia não se sabia se os desafiadores poderiam receber apoio da po-pulação de Santiago de Compostela.

Joaquim dos santos marinholicenciado em economia pela uporto

os caminhos de santiago

Dr

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18educação

Paulo Francisco Carvalho

“Pela maneira como os grandes autores são ensina-dos nas escolas portuguesas dá para ver que estamos perto da catástrofe”. O alerta foi deixado por Vasco Graça Moura no «2.º Seminário sobre Cultura e So-ciedade», organizado pela Câmara do Porto. Para o escritor, umas das grandes preocupações deve ser com a educação, o que, entende, não está a acon-tecer. “Os vícios do ensino e o empenhamento dos responsáveis são preocupantes. Mas o mais preocu-pante é que se está a caminhar para um alheamento

progressivo da herança cultural”, referiu, acrescen-tando que é uma responsabilidade “partilhada por todos”.Vasco Graça Moura, que já desempenhou funções governativas, considera que Portugal devia refor-mar de alto a baixo as suas instituições de ensino, ao mesmo tempo que alerta que a cultura não tem só um papel identitário, é uma dimensão essencial na democracia. “O Estado não deve condicionar a acti-vidade cultural, mas também não deve omitir-se da sua defesa e promoção”, concluiu.Na mesma mesa redonda – «Uma política cultural

sustentável» – participou ainda Gabriela Canavi-lhas, que rejeitou a tese instalada de que não existe uma política cultural no País e afirmou que a inte-gração europeia foi fundamental para a criação de uma estratégia. “Até 1986 Portugal era um deserto em termos culturais. Do plano europeu têm chega-do ciclos orientadores que têm sido cumpridos. O paradigma cultural português foi marcado por esta integração europeia”, referiu. Para a ex-ministra da Cultura, “a única coisa que tem faltado a este país é dinheiro para a actividade cultu-ral. Só tem havido investimentos nos grandes ciclos”.

Paulo Francisco Carvalho

Como vê o estado da educação em portugal?O sistema educativo português cresceu bastante em quantidade nos últimos tempos, mas, apesar de al-guns bons indicadores sectoriais, não cresceu em qualidade de forma que nos possa satisfazer. É facto que havia um grande atraso estrutural visível nos bai-xos níveis de qualificação da população activa e essa situação, por mais esforços que se façam, demora a colmatar. Mas basta olhar para comparações inter-nacionais para vermos que estamos longe das metas fixadas pelo «clube de países» a que pertencemos. Em Abril de 2011 foi publicado um relatório da União Europeia sobre educação e no que se refere ao nosso país, as notícias são boas e más, nalguns casos muito boas e noutros muito más. São boas no que respeita ao aumento da frequência do ensino pré-escolar, bas-tante boas no que respeita à diminuição do número de alunos com 15 anos com fraco desempenho em leitura, matemática e ciências, e muito boas quanto ao aumento do número de licenciados nas áreas de ciência e tecnologia, em resultado do investimento na ciência. Mas, apesar dos visíveis progressos, são muito más quanto ao abandono escolar precoce (um verdadeiro flagelo nacional), quanto ao nível de educação atingido pela população jovem e quanto ao número de pessoas que termina o ensino superior, e más ainda quanto à aprendizagem ao longo da vida. Esta deficiência de resultados tem lugar apesar de o investimento público em educação em 2007 (5,3% do PIB) ter sido acima da média da UE (5,0%). Por-tanto, o nosso investimento na área educativa está longe de ser eficaz. O desafio agora é fazer mais com menos, o que, convenhamos, não é fácil.

Assente neste modelo educativo, que futuro vê para o país?A Europa, com a colaboração do FMI, é que nos está neste momento a ajudar para ultrapassarmos a crise económico-financeira. Acredito que o nosso futuro está na Europa, na sociedade do conhecimento que a Europa quer ou devia querer construir em conjunto. Para esse futuro na «casa europeia comum», terá de haver convergência não só a nível económico-finan-ceiro, mas também ao nível educativo. As duas áreas

estão aliás ligadas intimamente: quanto melhor for a nossa qualificação, melhor será o nosso desempenho económico. Quanto mais soubermos, mais seremos capazes de fazer. Basta olhar para os países mais ricos, que são aqueles que têm sistemas educativos mais eficien-tes. Sem ser irrealista, quero ser optimista. Poderá demorar o seu tempo, porque em educação não há ilusionismos nem magias (não se aprende instan-taneamente!), mas estou convencido de que não somos inferiores aos outros povos europeus. Temos,

porém, de assegurar que a escola forneça uma boa preparação. E temos todos que nos empenhar na escola. É uma questão de melhoria da organização, mas é sobretudo uma questão de mudança de men-talidades. Queremos trabalhar mais e melhor na es-cola para amanhã sermos mais ricos?

o que considera urgente mudar?Em Junho passado houve uma mudança de governo e está a haver, na educação, um «choque» gover-nativo. Unir a educação com a ciência e tecnologia poderá ser bom para todos, até porque na ciência os nossos progressos têm sido visíveis e pode haver um efeito de «contaminação» na educação. Havia algumas mudanças na educação que se impunham e estão a ser feitas e outras que ainda se impõem. Es-tou a pensar na diminuição e desburocratização do pesadíssimo ministério, na autonomia das escolas, na paz com os professores (base do sistema educa-tivo, mas que foram incompreensivelmente hostili-zados), na auditoria a fundações opacas como a do E-Escolas e a empresas endividadas como a Parque Escolar, na revisão do programa Novas Oportunida-des (cujo grau de exigência deixa muito a desejar), na revisão dos programas (com orientações pedagó-gicas cheias de expressões ocas como o «aprender a aprender»), na revisão do sistema de acesso ao ensino superior, cheio de injustiças, na reorganiza-ção do sistema de ensino superior onde proliferam instituições e cursos, na melhor formação inicial e contínua dos professores, etc. Numa altura em que o país está a ser sacudido por uma crise, a ocasião é óptima para efectuar, na área crucial da educação, mudanças profundas. Acima de tudo não devemos ter medo de mudar.

portugal deve unir educação, ciência e tecnologia«educação: o futuro de portugal» é o próximo tema a ser abordado, dia 13 de outubro, nos Grandes Debates do regime, na Biblioteca Almeida Garrett, porto, às 21h15. Artur santos silva, Carlos fiolhais e lurdes rodrigues são os convidados da iniciativa, promovida pela Câmara do porto. Ao jornal As Artes entre As letras, o professor de física da universidade de Coimbra Carlos fiolhais antecipou a sua perspectiva sobre a educação em portugal.

“os vícios do ensino são preocupantes”

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19 razoar X

Sede de poder autoritária e demago-gia, em contexto favorável, designa-damente de crise, permitem o esta-

belecimento até de totalitarismos. Se o autoritarismo é um traço de carácter que pode ainda assim ser controlável no contexto de regras democratizantes e de controlo de poderes, com lideranças colecti-vas ao mesmo tempo fortes e democráticas (únicas capazes de travar os ímpetos dos autoritários), o problema pode tornar-se muito mais sério quando temos perante nós verdadeiros psicopatas.Como explica a psiquiatra Ana Beatriz Bar-bosa Silva,“Os psicopatas estão por toda a parte e no dia a dia é possível encontrá-los em diversas categorias profissionais. Em particular, em orga-nizações e em empresas públicas ou privadas. (...) Sem qualquer sombra de dúvida o papel de lide-rança em cargos como diretor, gerente, supervisor ou executivo é sempre algo muito atraente para um psicopata. Esses cargos, além de oferecerem bons salários, proporcionam status social, poder e um amplo território de atuação e influência.”1

O psicopata facilmente se revestirá da camuflagem necessária para os seus fins predatórios, que visam exclusivamente as divindades do tipo psicológico em causa: poder, dinheiro e prazer. Essa camu-flagem tanto pode ser a afectação de competência técnica num emprego, desde logo maquinada por formas inteligentes de engenharia na confecção de curricula, como de um marketing pessoal de gran-de charme e eficácia.Ora na política, pelo menos em certos casos (que serão os mais frequentes), há da parte de quem já está nas organizações uma ingenuidade confrange-dora relativamente a quem bate à porta. Acontece em partidos, movimentos, sindicatos, um pouco por todo o lado. A ideologia, ou, no mínimo, a co-munhão de causas, que deveria ser conditio sine qua non para a admissão, em muitos casos se tor-nou “discreta” e difusa. Mesmo nos partidos mais extremistas, em que a nota ideológica é ainda do-minante e identificadora, a capacidade de verifica-ção da coerência dos recém-chegados deixa muito a desejar. Um psicopata facilmente se revelará co-nhecedor das cartilhas, dos tratados ideológicos, da história do partido, da biografia dos seus líde-res, e será um militante esforçado e dedicadíssimo,

uma excelente e invejável aquisição. Simplesmen-te, a sua ascensão será fulgurante, e terminará sempre em proveito próprio.O psicopata jamais é sincero. Quase se duvidará se tem uma real identidade para além de ser uma máquina ao serviço de si próprio, uma personagem encenada na perfeição como máscara da sua sede de poder, prazer e bens. Sem escrúpulos, o psico-pata é um perfeito imitador das regras e até dos altos ideais e valores de qualquer instituição em que entre. Será santo nas igrejas, sábio nas acade-mias, empreendedor nas empresas. Repetirá todos os chavões que achar serem “abacadabras” abrido-res de portas. E não terá, como é óbvio, qualquer sentimento, salvo os postiços, que são de vez em quando úteis para a sua popularidade, prestígio, boa reputação.Agirá com plano frio, calculado, implacável. Não necessariamente para cometer um genocídio, ou um assassinato, ou um desfalque. Há psicopa-tas que se contentam com fraudes relativamente pequenas, lugares comparativamente modestos. Contudo, se a afecção for grave e aberto o espaço das oportunidades, quem sabe até onde não subi-rão? E em muitos casos parecerão tão completa-mente iguais aos melhores dos outros, das pessoas normais... Só que infernizando a vida destas, sem-pre que possam, sempre que sirva os seus interes-ses, ou somente o seu prazer pessoal de afirmação do mando, por exemplo.Atentemos de novo num trecho da referida psi-quiatra, que não pode deixar de nos perturbar:“A grande maioria dos psicopatas utiliza suas

atividades profissionais para conquistar poder e controle sobre as pessoas. (...) Muitos se camuflam em pessoas respon-sáveis através de suas profis-sões. Nesse contexto, podemos encontrar policiais que dirigem redes de prostituição, juízes que cometem os mesmos delitos que os réus – mas no julgamen-to os condenam com argumen-tações jurídicas impecáveis. Banqueiros que disseminam falsos boatos econômicos na economia. Também alguns li-deres de seitas religiosas, que abusam sexualmente de seus

discípulos, ou ainda políticos e homens de Estado que só utilizam o poder em proveito próprio. Es-tes últimos costumam representar grandes perigos pelo tamanho do poder que podem deter”2.A conclusão da autora sobre a relação entre psi-copatologia e política é clara, irrefutável e muito preocupante:“A política propicia o exercício do poder de forma quase ilimitada. Poucos cargos permitem um exer-cício tão propício para a atuação dos psicopatas.”3

Para mais, o psicopata não é feliz. É incapaz de partilha, diálogo real, vero amor. E essa insensibili-dade mostruosa chega a redundar em desconheci-mento da própria infelicidade. Uma espécie de ce-gueira moral profunda. Essa infelicidade deve ser uma das razões da sua constante insaciabilidade, acumulando cadáveres de adversários, despojos de guerras, troféus de vitórias.Em tempos que exigem balanço sobre o que têm feito os políticos, não seria útil que se ponderasse até que ponto têm faltado pessoas ponderadas e sabedoras, intrinsecamente honestas, e não cal-culistas ou demagogos mediáticos, mais ou menos sedutores ou desabridos? Quantos psicopatas go-vernaram o Mundo?

paulo ferreira da [email protected]

psicopatologia e poder:uma lição de mentes perigosas

notA:1 BARBOSA SILVA, Ana Beatriz – Mentes perigosas, Rio de Janeiro, Fontanar, 2008, p. 95.

2 Ibidem, p. 101.

3 Idem, Ibidem.

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20teatro

A cultura continua a ser parente pobre no poder político: independentemente dos go-vernos ou oposições de todos e cada partido

parlamentar. Não apenas em termos de dotação or-çamental, nem da ausência de debate ou relevância em programas eleitorais. O que é realmente grave, do lado do poder político – do «meio» e suas (ir)respon-sabilidades não me tenho cansado de trazer críticas públicas e publicadas –, é que falta um sentido da sua compreensão estruturante e da dimensão repercus-siva no próprio desenvolvimento económico produ-tivo indirecto e mesmo directo, podendo contribuir, inclusive, para a nossa afirmação internacional. Não é por acaso que em todas as situações de dominação (colonial ou de inva-são ou de aglutinação de nações sob uma mesma tutela política) que uma das primeiras formas de «desperso-nalização» passa pela língua e mes-mo pela destruição de monumentos e a ocultação de factos históricos, lim-pando-os das memórias dos povos. Chegar à nossa diáspora multi-gera-cional é decisivo na preservação da sua ligação às origens, independen-temente da miscigenação que origina um comportamento cultural híbrido. Tanto mais quanto em «lugares-cha-ve» da economia, do meio académico ou mesmo da administração pública e política, os luso-descendentes que lá se encontram podem ajudar a fazer permanecer algum rasto «genético» da nossa cultura. E isso é crucial na abertura de Por-tugal ao Mundo, sobretudo na perspectiva das portas do Mundo abertas a Portugal: para lá de modelos económicos, sociais e políticos. Estes modificam-se na História, mas a matriz identitária dos povos, mes-mo que adaptando-se a cada período, mantém algu-ma coisa de inalterável, radical (de raiz). Se no livro traduzido ou no cinema legendado, por via da tradução, o problema pode ser contornado e na música, na dança ou nas artes plásticas a questão não se põe na comunicação com um falante de outra língua, a questão do teatro é completamente diversa. Haverá quem diga que também se pode aplicar a le-gendagem e é certo, mas o contacto «reforçante» da

língua com a diáspora é, do meu ponto de vista (e isso diria que mesmo nas demais expressões literárias e artísticas), mais estruturante a prazo («impressão digital» duradoira) do que marcar presença numa Bienal em Veneza ou no Festival de Avignon… O que não sendo despiciendo, não pode ser (até por razões de proporcionalidade de poder económico) verdadei-ramente competitivo.No teatro (até porque «aglutinador» de expressões artísticas diferentes), enquanto elemento activo de expressão humana ao vivo podemos ter uma «gazua» junto das comunidades locais de outros países, para a «compreensão» e «atenção» de e a Portugal através

da própria diáspora. Mas de forma estruturante e não pontual: a criação de uma companhia portuguesa de teatro para actuar Europa fora é uma questão que se pode e deve pôr. Obstaculiza-a o momento de retrac-ção económica e contenção de custos, embora gran-de parte do que no teatro se tem feito de errado não resida principalmente na falta de verbas, mas na sua dispersão e aplicação não-estratégica, não avaliada (nem sequer fiscalizada). Com pouco mais dinheiro – mas com critérios rigorosos, sem desperdícios, com exigência de gestão económica mais rigorosa e artísti-ca mais adequada a cada realidade sócio-geográfica – poder-se-ia, em 4 ou 5 anos, obter resultados visíveis. (O que em legislaturas de 4 anos é uma temeridade).

Desde logo, porque um «pontapé de saída» só pode partir do poder político (alargado da tutela da Cul-tura às da Educação, Ciência, Economia, Turismo, Negócios Estrangeiros e mesmo Presidência da Re-pública), mas, como certos interesses corporativos, arrastando oportunismos políticos, farão tanta ber-raria, não parece que possa haver grande esperança. Todavia, para um dia se fazer, tem de se alargar para lá dos horizontes da administração pública. Tem de se chamar à participação activa os mundos acadé-mico e científico, apoios empresariais (mecenáticos, mas não só: mesmo como «oportunidades de mer-cado» indirectas) e de uma larguíssima sustentação

e enraizamento na própria diáspora, numa «construção» sentida como sua também. Com uma direcção artística (aberta à pluralidade estética e chamada de di-ferentes encenadores portugueses), e elencos residentes de pelo menos 5 anos para potenciar recursos huma-nos, reportórios e materiais, realizan-do e repetindo em diferentes países produções de longa duração «em carteira», tanto fazendo temporadas sazonais nas grandes metrópoles eu-ropeias, quanto sendo «promotora» de núcleos (amadores) em outros centros mais pequenos, onde haja portugueses. Provavelmente prefe-rencialmente no Luxemburgo, dada a posição geográfica na Europa e a importância económica, social, gre-

gária e percentagem populacional de portugueses aí residentes.Porém, infelizmente, devemos estar muito longe de lá chegar ou tão pouco reconhecer o significado de uma tal «caravela hodierna». A «classe», em grande parte, sentir-se-á ameaçada pelo «prejuízo» no seu cofre de migalhas. E é previsível que – maioritaria-mente no xadrez político – as direitas o achem «sem interesse prático» e as esquerdas saem em defesa dos lóbis de quem dependem para se apresentarem como as «detentoras exclusivas» da intelectualidade.Mesmo assim, como na maioria das coisas que es-crevo, esta aqui fica como registo para «memória futura».

Castro Guedesencenador

um projecto de teatro para a diáspora portuguesa e para a europa

Dr

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21 teatro

No dia 25 de Outubro, pelas 17h30 (colocar na agenda), o Arquivo Dis-trital do Porto, situado na Rua das

Taipas, apresentará ao público interessado uma invulgar colecção de teatro: a que foi reunida por José Vitorino Ribeiro, e depois por seu genro, o empresário de teatro Luís César de Lemos. O documento mais antigo é de 1774, o mais recente de 1961, muitos são da segunda metade do século XIX, mas são especialmente curiosos os que acompanham as mudanças políticas do primeiro quartel do século XX, sobretudo em géneros teatrais especialmente corro-sivos, como a Revista. Talvez seja quase simbólico começar as actividades do ano escolar por este evento e levar lá alunos, colegas e amigos. Já longe o São Miguel e as colheitas, o mês de Outubro está ainda livre para nela colocar breves momen-tos, pequenas sementes que hão-de cer-tamente dar muitos frutos. Na verdade, o espólio teatral que a partir de 25 de Outubro vai estar disponível no Porto pode ser visto como uma narrativa em que as velhas metáforas da “cultura”, nos parecem cultura viva, real.“Eis que o semeador saiu a semear”. Sementes. O que encontraremos no Arquivo Distrital serão coisas simples e miúdas, coleccionadas com a minú-cia e óbvio carinho das coisas pequenas: re-cortes de notícias, programas, bilhetes, libretos, argumentos, postais, fotografias, cartas, e até um frágil guardanapo de café, com quase cem anos, impresso para divulgar a mágica “O Gato Pre-to”. Os recortes estão por vezes metidos entre as folhas do libreto correspondente, os postais de actores e actrizes colados em álbuns à medida. Por alguma razão José Vitorino Ribeiro ganhou a alcunha de “Formiguinha”. Há coisas grandes feitas de pequenos nadas, que os outros achavam inúteis e deitavam fora.“Uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na”. Lança-se a se-mente e não se sabe o tamanho que a árvore atin-girá. A cultura é feita assim, de coisas pequenas que se transmitem às gerações seguintes, con-fiando na sua grandeza. E por isso, na cultura, nem sempre quem semeia é quem colhe. Quase

nunca é. Por isso são notáveis estas colecções que resistem ao tempo, ainda que encerradas em casas particulares, em deficientes condições de conservação, sujeitas às oscilações da tempe-ratura, à acidez das tintas, à gula da “Lepisma Saccharina”.“E outra caiu entre espinhos e os espinhos cres-ceram, e sufocaram-na”. É de louvar o sentido cí-vico de quem doa uma colecção, e a concebe para além do que é um bem de família e um acervo pessoal. Os herdeiros dos dois coleccionadores (Maria Branca e Luísa César de Lemos, M. Isilda e Jorge Ribeiro Vieira) tiveram como único be-nefício encontrar no Arquivo Distrital uma casa aberta para aquilo que estimavam: existe nessa visão do bem público uma óbvia generosidade. O melhor que pode fazer o serviço público é honrar

essa generosidade, divulgando o que guarda.“E outro caiu em boa terra e deu fruto”. O bem

público, porém, é um valor comple-xo, feito do que não se vê, do que se verá: precisa de instituições com vi-são. O co-financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian permitiu ao Ar-quivo Distrital do Porto avançar mais rapidamente com a recuperação, tra-tamento e organização da Colecção de Documentos das Artes Cénicas. Traba-lho silencioso mas inestimável. Numa biblioteca, um livro não catalogado é um livro inexistente. Os investigadores e os leitores muito têm a agradecer aos arquivistas que pacientemente limpam, higienizam, identificam, descrevem e classificam as centenas de documentos

que aparecem depois com uma simples cota. Ainda mais neste caso, rico em complexidades arquivísticas, documen-tos únicos, para os quais se criou um acesso fácil e o mais completo possível, fruto das competências muito distintas de Maria João Pires de Lima, Conceição Mei-reles, Rui Esperança, Raquel Patriarca, Jo-ana Moreira, Edite Pereira e tantos outros. Veja-se o link criado para a colecção, por ora integrado no site do Arquivo: http://pesquisa.adporto.pt/cravfrontoffi-ce/default.aspx?page=regShow&searchMo

de=bs&ID=1390367“E deu fruto: um a cem, outro a sessenta, e

outro a trinta”. Cada secção arquivística é um insuspeitado manancial de investigação, de gé-neros injustamente menosprezados: Vaudeville, Bailado, Comédias, Mágicas e Fantasias, Paró-dias, Farsas, Zarzuelas, Dramas, Revista… Até como afronta ao espírito censório: Fado da Si-tuação, À Roda da Política, Salada Russa, Posso desabafá?... Uma carta de Emília das Neves, que alguns criam analfabeta, agradece a Manuel de Brito Camacho o livro em sua honra, A Linda Emília. É óbvia a riqueza linguística da expres-são popular e onomatopaica (Gato sapato, Favas contadas, Rataplan, Tic-tac, Zig-zig-zig-bum, Tam-tam…). Até laivos de utopia a investigar: S. Paulo futuro, Novo mundo, No país do Tirismo, Torre de Babel…“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.

maria luísa malatoprofessora universitária

o teatro no arquivo distrital do porto parábola do semeador

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22república

Quando há cem anos, precisamente no dia 5 de Outubro, um punhado de portugueses corajo-sos, bem intencionados e movidos pelos ideais

políticos republicanos e por uma força indómita de pôr o seu país no rumo do progresso social e económico, im-plantou a República Portuguesa, quis mudar o regime político e colocar o poder na soberana vontade do povo a que pertenciam. Esses homens generosos, na sua maio-ria intelectuais e livres-pensadores, tinham consciência que não bastava derrubar um regime que há muito es-tava moribundo e ridicularizado aos olhos das outras nações, ferindo o orgulho nacional. Eles sabiam que era necessário operar uma mudança cultural que só seria viável através da implemen-tação de uma reforma política estrutural muito profunda cujos frutos só se poderiam colher, uma ou duas gerações após o seu início. Refiro-me obviamente à educação e ao ensino primário gratuito e obrigatório para todos, dos 7 aos 10 anos de idade.João de Barros e João de Deus foram duas das figuras da primeira República que mais se destacaram na prossecução deste ideal, na consideração de que só um povo ins-truído era verdadeiramente livre. O sonho dos ideólogos da revolução de 1910 fazia-os acreditar na utopia de que a escola única, independentemente das mudanças políti-cas e económicas, garantiria inequivocamente a frater-nidade e felicidade universais.A História tem-nos revelado muitas das dificuldades pelas quais passou esta nossa República, jovem de um século, se olharmos positivamente para tudo quanto foi possível realizar, graças à concretização da idealizada mudança cultural, ou talvez um pouco velha demais, se olharmos para as oportunidades perdidas de cumprir a parte do ideário republicano e os desígnios nacionais que não ousamos realizar, quiçá, por não termos sido capazes de nos unirmos em torno do essencial, perden-do-nos nas nossas diferenças, nos detalhes e pormeno-res, sem conseguir enxergar a grandeza do nosso dever colectivo e bem comum.Nunca será demais revisitar o pensamento das mais no-táveis figuras que estiveram na génese da nossa Repú-blica para, desse modo, inculcarmos melhor os valores da ética e da cidadania republicana.Correndo o risco de deixar de fora algumas das figu-ras de proa, não resisto a recomendar a indagação do pensamento e acção de Teófilo Braga, António José de Almeida, António Sérgio, José Relvas e Guerra Junquei-

ro, homens cujo pensamento e intervenção pública me merece o maior respeito e admiração, pelo desapego às mordomias, pela coerência das ideias e da acção e, prin-cipalmente, pelo alto sentido de Estado, pelo uso correc-to e honesto da coisa pública e do bem comum.Esse exercício de permanente recuperação das ideias originais daqueles republicanos que se bateram por um Portugal melhor, socialmente mais justo e solidá-rio, por um Estado que estivesse sempre ao serviço do bem público e comum e por um regime político, em que a Liberdade de expressão e de escolha, bem como a Democracia eram valores inalienáveis, devia ser prati-

cado frequentemente por todos, mas especialmente por aqueles a quem são entregues responsabilidades transi-tórias de conduzir os destinos das instituições públicas, da governação política nas comunidades locais e da co-munidade nacional.Dos meus 17 anos de idade, porventura timbrados pela ténue experiência de vida e visão do Mundo apenas suportada nos livros e demais fontes de informação ao meu alcance, exorto todos os meus concidadãos, em particular aqueles que estão, como eu, na flor da idade, a abraçar o ideal republicano, fazendo dele um ideal de vida pública, pautado pelos valores de uma cidadania participativa que encara a Justiça, a Igualdade, a Frater-nidade, a Solidariedade Social e a Acção Política como uma missão cívica cuja finalidade última é o Bem Co-mum.Para que este desiderato republicano seja alcançado na sua plenitude, o caminho é só um – Educação e um Ensino de qualidade para todos preferencialmente gra-tuito, obrigatoriamente rigoroso e exigente, para profes-sores e estudantes, tornando-se assim mais estimulante e fonte de desenvolvimento humano e social.

Ana lídia rouxinol sampaio Diasestudante

A república, o meu discurso

notA:Discurso proferido nas comemorações do 5 de Outubro, em Lisboa. A jovem maiata foi a vencedora do concurso nacional «A REPÚBLICA, O MEU DISCURSO EM 2010», promovido pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.

Foi a primeira vez que um cidadão sem responsabilidades políticas fez parte das comemorações oficiais do Dia da Implantação da República Portuguesa.

Apelo à chamada classe política, aos homens e mu-lheres de Ciência, aos intelectuais, aos académicos, aos professores, às instituições de ensino de todos os graus, às associações de pais e encarregados de educação e aos estudantes para que, em conjunto, repensem o modelo de escola e de universidade que temos actualmente em Portugal e se mantenha tudo quanto não carece nem deve ser posto em causa, mas que ponderem o que pode ser melhorado e aprofundado, para que se aprenda tudo quanto se deve saber, valorizando até ao limite o poten-cial de energia criativa que existe em todas as pessoas em idade e/ou com vontade de aprender. A escola que temos não é tão má como por vezes a que-rem pintar, mas se reflectirmos melhor, sem medo da crítica e assumindo uma atitude construtiva, a escola e a universidade podem ser ainda melhores, enquanto espaços de formação e qualificação dos cidadãos, per-mitindo-lhes adquirir para a sua vida pessoal e colectiva conhecimentos e ferramentas de trabalho que lhes da-rão as melhores garantias de inclusão e integração social

e profissional.O trabalho, a responsabilidade e a honra são igualmente valores republicanos que se fundem numa consciência ética aguda, in-teriorizada por alguns dos vultos mais des-tacados da primeira República que levaram a prossecução desse ideário até às últimas consequências.Seria bom que a comunidade nacional pu-sesse os olhos na vida e obra de homens como os pioneiros do movimento republi-cano e não receasse adoptar o seu exemplo de vida e pensamento como modelo, cuja coerência, consistência e validade se man-têm inteiramente actuais.Se soubermos e quisermos ser exigentes, se

não prescindirmos de participar na vida da comunidade local em que vivemos e na comunidade nacional a que pertencemos, se formos responsavelmente críticos e construtivos, se não temermos o trabalho e se não tiver-mos medo de sentir orgulho de Portugal, da sua História e da nossa herança cultural e se não tivermos medo de existir, porque havemos de temer o futuro?... Abracemos com confiança e determinação os ideais re-publicanos e o Portugal do futuro será um Portugal de esperança...Termino dando graças a Deus, pela família e pelo país onde nasci!...Viva PORTUGAL!...

luís FiliPe catariNo/PresiDêNcia Da rePública

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23 república

Haverá ainda alguma coisa a dizer sobre a Re-pública?As comemorações oficiais, e as anti-come-

morações monárquicas, com direito a troca de bandei-ra em edifícios públicos e outras acções de propaganda (graves, mas redimidas pelo bom humor), não esgota-ram já o tema?Que interesse pode ainda ter essa questão de regime, quando pesa sobre nós o permanente espectro não se sabe bem do quê (mas nada de bom) decorrente de, aparentemente, alguns terem gasto o que não era de-les, tendo nós agora que pagar, não se sabe bem como?A verdade é que, como muito argutamente observou Chesterton, mesmo quando Roma arde é preciso estu-dar hidráulica. É o que se passa com a República.Temos de continuar a reflectir sobre a nossa II Repú-blica (não III República, porque o Estado Novo não foi República, mas ditadura), e só reflectindo é que se poderá agir para, renovando-a, a concretizar. Porque ninguém creia que ela foi concretizada – basta ler a Constituição e comparar com a realidade.Só concretizando a Constituição se poderá então julgar a II República. Alguns pretendem uma IV República (curiosamente não pedem uma III). Mas para quê mudar de figurino se este ainda não foi devidamente estreado? Ao mesmo tempo que alguns clamam por nova República (ou uma restauração) na verdade visa-se impedir que a II República seja ela mesma: com o retrato que dela está na Constituição.

Cem anos se celebraram da implantação da I Repú-blica, que, como foi abundantemente dito, não pôde obviamente ser um regime perfeito, mas foi incomen-suravelmente mais justa e livre, e até mesmo financei-ramente eficiente (chegou a ter o tão invejável supera-vit), que as nossas monarquias.A sua promessa social não conseguiu, é certo, efectivar-se, mas progrediu-se imenso na educação, e deram-se alguns passos noutros domínios (por exemplo no do-mínio da família), conforme o agonismo social, a con-juntura internacional e as disponibilidades do tesouro foram permitindo.Concede-se que os governos se sucederam rapidamen-te, mas tal não é tão grave quanto o querem fazer crer os incensadores da pretensa estabilidade salazarista, esquecendo por um lado que, na época, as coisas não dependiam tanto do governo (e disso havia então plena consciência, ao ponto de ser afirmado na imprensa), e, por outro, que o próprio Salazar, exemplo magno de estabilidade, abatia os seus ministros, despedindo-os frequentemente, e por via de um simples cartão.

Outra das grandes críticas à I República é a que deri-va da questão religiosa. Estudos novos, e olhares mais tolerantes de parte a parte já compreenderam que o fanatismo anticlerical foi localizadamente de certos grupos, que os governos rapidamente procuraram as pazes com a Igreja e que, afinal de contas, esta viria a ganhar com a sua separação do Estado, porque se en-contrava, afinal, sob tutela da coroa durante o período monárquico. Acresce que a separação das coisas de César das de Deus é lição original do evangelho cristão, curiosamente esquecida por alguns. Claro que houve abusos, vexames a membros do clero, e alguns perpe-trados à sombra da lei. Mas a História viria a provar que os herdeiros da República aprenderam a lição. E nos tempos difíceis de 1975, muitos republicanos e ca-tólicos estiveram de mãos dadas pelas liberdades. Es-ses momentos fundariam afinal a nossa II República. Laica, certamente, e exemplo de boa convivência entre duas entidades que jamais tiveram existência pacífi-ca ao longo de toda a monarquia – alguns reis foram

mesmo excomungados, e pelo menos um foi-o duas vezes...A I República e a Constituição de 1911, pela sua prática, legaram assim lições que fomos aprendendo.Não temos hoje nada a temer em instabilidade gover-

nativa, porque, precisamente a lição da que ocorreria na I República (fruto de uma elaboração apressada do texto e da mudança brusca e não consequente

de modelo: do presidencialismo para o parlamen-tarismo) já permitiu que a vigente Constituição, de 1976, tenha encontrado mecanismos correctivos de governabilidade. E podemos afirmar sem vergonha o nosso Parlamentarismo moderno: não precisamos de lhe chamar, à francesa, “semi-presidencialismo”.Nada igualmente há a temer de radicalismos ideológi-cos, nem intolerâncias, porque também essas lições já foram também aprendidas.Contudo um perigo subsiste. A I República caiu pela falta de élan, pela descrença, pelo abatimento, pela apagada e vil tristeza em que se afundam os regimes que perdem a alma, porque alguns (nunca todos!) a vendem ao diabo.Os Estados precisam, obviamente, de finanças sóli-das. É tão óbvio que não se entende a monomania financista que ameaça secar em seu torno qualquer outra temática pública. Mas as Repúblicas em especial não podem contentar-se com o valor seguro da moe-da. Precisam do mais fundante valor dos valores: de uma ética que, antes de mais pelos políticos, difunda o exemplo das virtudes cívicas.Não são estas, mais uma vez, recordações da casa dos mortos da Antiga Roma. São necessidades momento-sas e vitais para a nossa República, e para a grande Res Publica europeia. Casa comum ainda com algumas ca-beças coroadas, é certo, mas que constitucionalmente já adoptaram o princípio republicano de governo. E isso é, na verdade, o mais importante: embora poucos o queiram entender.O esforço a fazer, se queremos ser mesmo republica-nos, é muito exigente: antes de mais, educarmo-nos e às novas gerações para a exigência, o rigor, o sacrifício, mas também para o júbilo do serviço à Coisa Pública.A alternativa é hoje muito simples: queremos um Esta-do republicano ou um Estado meramente publicano?

paulo ferreira da [email protected]

republicanos ou publicanos?

A Constituição de 1911 e a Concretização da II república

micro-BibliografiaCLEMENTE, Manuel, 1810-1910-2010. Datas e Desafios, Lisboa, Assírio & Alvim, 2009.FERREIRA DA CUNHA, Paulo, O Essencial sobre a I República e a Constituição de 1911, Lisboa, Im-prensa Nacional-Casa da Moeda, 2011.____, Para uma Ética Republicana, Lisboa, Coisas de Ler, 2010.RIBEIRO, Renato Janine, A República, 2.ª ed., São Paulo, Publifolha, 2008.SALGADO DE MATOS, Luís, Tudo o que Sempre Quis Saber sobre a Primeira República. Em 37 mil palavras, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2010.____, A Separação do Estado e da Igreja, Lisboa, Dom Quixote, 2011.

notA:

Texto que reflecte a intervenção final nos colóquios

que decorreram nos passados dias 6 e 7 de Outubro, na

Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

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24em notícia

«Dar de caras com…» em espinhoA sala polivalente da Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva, Espinho, recebe amanhã, às 21h30, a Companhia de Teatro e Marionetas de Mandrágora para uma noite de conversa onde será possível conhecer melhor este grupo profis-sional de teatro, que agora é residente em Espi-nho. A sessão «dar de caras com…» é uma inicia-tiva do pelouro da Cultura da Câmara Municipal.

Atenta à excepcional trajectória académica e cien-tífica de Eugénio Lisboa, a Universidade de Aveiro (UA) presta-lhe homenagem com o lançamento de um livro intitulado «Eugénio Lisboa: Vário, Intrépido e Fecundo – Uma Homenagem», em sessão aberta ao público, a realizar no dia 22 de Outubro, pelas 16 horas, no auditório da reitoria. A UA homenageia Eugénio Lisboa, engenheiro, diplomata, poeta, críti-co, ensaísta que, no termo de uma longa e activa iti-nerância repartida por vários países, ocupou, entre 1996 e 2002, a convite de Júlio Pedrosa, então reitor da UA, o lugar de professor catedrático visitante, lec-cionando Literatura Portuguesa e Literaturas Africa-nas de Expressão Portuguesa, no Departamento de Línguas e Culturas.O encontro decisivo, em 1954, com a figura tutelar de José Régio, e uma irrepressível paixão pelas Hu-manidades levam este engenheiro de formação, a enveredar definitivamente, pelo domínio da Lite-ratura (nas suas diversas vertentes: criação literá-ria, crítica e ensaio) e da cultura, desempenhando, durante 17 anos, o cargo de conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Londres, entre 1978 e 1995. A docência em várias universidades nacionais e estrangeiras será, a par da sua missão de diploma-ta, uma constante da sua actividade profissional.Eugénio Lisboa, nas palavras da professora Otília Martins, “do conjunto das actividades do enge-nheiro, com alma de poeta e defensor de uma cultura humanista e universal, ressalta a impressão de diversidade, totalidade, complexidade, tendo, no domínio da crítica literária, participado mesmo de uma verdadeira ‘inovação’, para não dizer ‘revo-lução’”. A docente da UA acrescenta ainda que “de um envolvimento inicial nas diversas ‘ciências duras’ até à paixão pelas ciências humanas, o percurso de Eugénio Lisboa foi profundamente marcado pelo modo como soube conciliar o ‘uno e o diverso’. En-fim, como o descreve Ernesto Rodrigues, Eugénio Lisboa é ‘vário, intrépido e fecundo’”. A sessão, que abrirá com uma alocução do reitor

da UA, Manuel António Assunção, conta com a intervenção de individualidades convidadas e do próprio homenageado. Haverá ainda um espaço dedicado à música clássica (a cargo do DECA) e à poesia de Eugénio Lisboa interpretada pelo poeta e ensaísta Carlos Carranca e pela cantora Amélia Muge. A apresentação da obra que, sob a forma de Festschrift, reúne 73 textos de autores diversos (en-saios, poemas, cartas, testemunhos), estará a cargo da professora Otília Martins e do professor Onésimo Teotónio Almeida, da Brown University, coordena-dores do volume, que tem a chancela da editora Opera Omnia. A sessão de convívio com Eugénio Lisboa, colaborador de, entre outras publicações, do jornal As Artes entre As Letras, que lhe prestou uma evocação em 2010 (ano em que completou 80anos), contará ainda com um vídeo, a interven-ção do próprio, terminado com um jantar/convívio.

eugénio lisboa: vário, intrépido e fecundo

lídia Jorge na biblioteca de ValongoO VI Ciclo de Escritores encerra sexta-feira (14 de Outubro), pelas 21h30, com Lídia Jorge que apre-senta o livro «A noite das mulheres cantoras». Licenciada em Filologia Românica, a escritora publicou 19 obras, entre romances, antologias de contos, ensaios, literatura infantil e teatro. Hoje, pelas 10 horas, será José Carlos Moutinho a apresentar o livro de poesia «Cais da Alma», da Editora Edium, e amanhã (13) é a vez de «Ango-la: um amor impossível», da Editora Fronteira do Caos, da autoria de António Passos Coelho. Pelas 21h30, o professor Sérgio Veludo Carvalho apre-senta a obra editada este ano do médico pneu-mologista, natural de Vila Real, com percurso pela vida política e literária, publicou trabalhos sobre pneumologia, colaborou em revistas, conferên-cias e comunicações. Publicou dois livros de con-tos «Gente da minha terra» em 1960, e «Histórias selvagens» em 1963, um livro de poesia «Material Humano» em 1997 e «Caramulo» em 2006.Moita Flores, António Lobo Antunes, Luandino Vieira, Rosa Lobato Faria, Júlio Magalhães, Mia Couto foram apenas alguns dos nomes que já participaram nas anteriores edições d’ «Os Escri-tores visitam a Biblioteca”, uma iniciativa que visa a promoção do livro e da leitura, dinamizada pela Biblioteca Municipal de Valongo.

encontros de piano do portoFrancisco Reis e Alberto Menjón tocarão a So-nata op. 27 n.º 2, de Beethoven, Suite 1933, op. 26, de Hindemith, Prelúdio e Fuga em Si Maior, 2.º volume, de Bach, e Sonata n.º 3 op. 58, em Si menor, de Chopin, amanhã (13 de Outubro), às 21h30. Com direcção artística de Maria José Souza Guedes e Luís Meireles, o concerto inse-re-se nos Encontros de Piano do Porto, ofereci-dos pela Fundação Eng. António de Almeida, no Porto.

«o que é a América hoje»«Como se constrói uma identidade» é próxima conferência do ciclo «O que é a América hoje». No dia 13 (amanhã), às 21h30, a sala 2 da Casa da Música recebe os oradores Clara Ferreira Alves e Michael Biberstein, com moderação de Ricardo Alexandre. A organização diz que “a ideia estrutural deste ciclo de conferências é interrogar a que é que corresponde no mun-do contemporâneo um país que, para muitos, é um mito, um modelo, o futuro, o que resta ainda desse ADN original, dessa primeira ideia do que significa ser americano”.

Inscrições para a ofiCena2Estão abertas as inscrições até 28 de Ou-tubro para a OfiCena2 – Oficina teatral para jovens que o Teatro Municipal da Guarda promove, através do seu Servi-ço Educativo. Destinada a jovens entre os 14 e 18 anos, a iniciativa realiza-se de Novembro a Maio de 2012 numa perio-dicidade semanal. A OfiCena2 será orien-tada por Élia Fernandes e Victor Afonso, ambos do Serviço Educativo do TMG.

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estreia de «não se Brinca com o Amor»No próximo sábado, 14 de Outubro, os Ar-tistas Unidos sobem ao palco do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, com uma peça escrita em 1834 por Alfred de Mus-set e nunca apresentada em Portugal. O autor tem 24 anos quando escreve «On ne badine pas avec l’amour», onde brinca e é o seu maior encanto, a marca de um novo teatro, assim como se diz uma nouvelle vague. Humilhado, magoado, o jovem po-eta regressa de uma estadia em Veneza, em que julgou morrer de amor. A verdade é que sobreviveu e vingou-se literaria-mente. «Não se Brinca com o Amor», com encenação de Jorge Silva Melo, conta a história daquela morte parcial.

4.º encontro de ilustração dedicado ao chapéuO 4.º Encontro Nacional de Ilustração de S. João da Madeira, este ano dedicado ao chapéu, reúne 43 ilustradores num pro-grama mais alargado. A realizar-se entre 14 de Outubro e 30 de Novembro, a organiza-ção espera ultrapassar os quatro mil parti-cipantes. O evento é promovido pela Junta de Freguesia local que, embora tendo dei-xado de contar com o apoio “já diminuto” do antigo Ministério da Cultura, continua a encarar a iniciativa como uma prioridade do seu orçamento para as áreas da edu-cação e cultura. Segundo Carlos Coelho, presidente da Junta, o evento tem “vindo a crescer de ano para ano, em termos de participantes e da qualidade das obras apresentadas, e o público valoriza muito as oficinas e workshops” que são realizados nas escolas.

O poeta sueco Tomas Transtroemer mostrou-se muito emocionado com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura: “Não acredita que pudesse viver para assistir a isto”, afir-mou à imprensa sueca a mulher do escritor, Monica Transtromer, revelando que o marido ficou muito “feliz” e “emocionado” com a dis-tinção. A reacção à atribuição do prémio foi avançada à imprensa pela mulher de Tomas Transtromer, que, devido a um AVC (acidente vascular cerebral) sofrido em 1990, ficou pa-ralisado em metade do corpo e sem fala. Mo-nica Transtromer acrescentou que o poeta se sentiu “à vontade com todas as pessoas que o foram felicitar e fotografar”, embora não es-condesse a surpresa de ter sido condecorado. Com esta distinção, Tomas Tranströmer, de 80 anos, torna-se o sétimo autor sueco a ser pre-miado pela Academia do Nobel.Tomas Transtroemer é o mais conhecido dos poetas escandinavos vivos, cuja obra explora a relação en-tre a nossa intimidade e o mundo que nos rodeia.

Psicólogo de formação, Transtroemer sugere que a análise poética da natureza permite mergulhar nas profundezas da identidade humanas e da sua

dimensão espiritual. “A existência de um ser humano não acaba onde os seus dedos ter-minam”, declarou um crítico sueco sobre alguns poemas de Transtroemer, que clas-sificou como “orações laicas”. O prestígio de Transtroemer no mundo anglófono deve-se sobretudo à sua amizade com o poeta norte-americano Robert Bly, que traduziu para in-glês uma boa parte da sua obra. Tomas Trans-troemer está traduzido em 60 línguas, entre as quais o português, numa antologia de poesia sueca editada pela Vega, com coorde-nação de Vasco Graça Moura e Ana Hatherly, e intitulada «21 Poetas Suecos».Os poemas de Tomas Transtroemer são ricos em metáforas e imagens e retratam cenas simples, retiradas do quotidiano e da nature-za. O seu estilo introspectivo, descrito pela re-vista «Publishers Weekly» como “místico, ver-

sátil e triste”, destoa da vida do poeta activamente empenhado numa luta por um mundo melhor – e não apenas através de poemas.

prémio nobel da literatura de 2011

Criados por Pedro Carvalho, da Companhia Instável, para três intérpretes/bailarinos, «30por1linha» – des-tinado a alunos do 1.º e 2.º ciclos – e «O homem que só pensava em números» – para alunos do 3.º ciclo e do ensino secundário – são espectáculos sobre o movimento e sobre as suas interligações com a Ma-temática nas mais diversas formas. A criação teve em conta os parâmetros curriculares de cada grau de

ensino para o qual se destina, num trabalho de expe-rimentação, na construção de um objecto artístico-científico. As duas obras, co-produção da Fundação Ciência e Desenvolvimento/Câmara Municipal do Porto e Companhia Instável, sobem ao palco do Te-atro do Campo Alegre hoje, 13 e 14 de Outubro. Às 10h30 pode ser visto «30por1linha» e «O homem que só pensava em números» terá lugar às 15 horas.

teatro, dança e matemática

«os mestres: que saberes a partilhar?»O Teatro Nacional D. Maria II e a Direcção-Geral das Artes organizam, no dia 18 de Ou-tubro, a jornada «Os mestres: que saberes a partilhar?», dedicada a debater a importância da formação avançada do actor nos moldes em que é realizada por La Nouvelle École dês Maîtres. Após a morte do seu fundador, Fran-co Quadri, os parceiros da École des Maîtres decidiram abrir um tempo de reflexão, balan-ço e debate sobre este projecto, a ter lugar em quatro cidades: Lisboa, Bruxelas, Reims e Roma. A jornada de Lisboa inaugura esta série de encontros e pretende promover um deba-te em torno da aprendizagem do actor e da sua relação com um mestre, questão conside-rada fundamental para o futuro desta escola de actores. A iniciativa realiza-se entre as 10 e as 19 horas, no Salão Nobre do TNDM II.

«estocolmo» até ao dia 16«Estocolmo», peça com texto original do poeta Daniel Jonas e encenação, cenografia e figurinos de Ana Luena, ainda está em cena no Teatro Carlos Alberto, Porto, até 16 de Outubro. Esta peça finali-za um ciclo de cinco espectáculos, iniciado há dois anos pelo Teatro Bruto, centrado no mito de Pro-meteu e nas figurações do monstro, que conduziu incursões ao imaginário de figuras como Frankens-tein. Esta é a mais recente co-produção entre o Tea-tro Bruto e o Teatro Nacional de São João.

Dr

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parabéns, Agustina!A autora de «Sibila» celebra, no próximo dia 15 de Ou-tubro, 89 anos. Estreou-se como romancista em 1948, com a novela «Mundo Fechado», tendo desde então mantido um ritmo de publicação pouco usual nas letras portuguesas. Tem representado as letras portu-guesas em numerosos colóquios e encontros interna-cionais e realizado conferências em universidades um pouco por todo o mundo. A autora recebeu o mais importante prémio literário da língua portuguesa: o Prémio Camões, em 2004.

Congresso luso-brasileiro em CoimbraO Congresso Luso-Brasileiro da História das Ciências decorre de 26 a 29 de Outubro e assinala os 100 anos da criação da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (UC), que resultou da fusão das Faculda-des de Filosofia e Matemática, criadas pela Reforma Pombalina. Este encontro, na Universidade, visa ainda promover a História da Ciência na UC desde a edifica-ção do colégio jesuíta em 1547, no tempo de D. João III, até 1933, quando começa o Estado Novo.

«encontros Derivas»A coreógrafa, professora e programadora Mada-lena Victorino é a convidada da próxima sessão dos «Encontros Derivas», dia 14 de Outubro, às 22horas, no Centro de Memória, em Vila do Con-de. O trabalho de Madalena Victorino destaca-se pela criação de muitos projectos culturais e artís-ticos de dimensão comunitária, que sempre se vocacionam para a aproximação entre discurso e prática artística e a sociedade em geral e é reco-nhecido pela sua carga humanística.

A 6.ª edição do festival de artes performati-vas TRAMA decorre entre os dias 13 e 16 de Outubro e percorre vários espaços da cida-de do Porto. Ao todo, vão ser apresentados 37 projectos artísticos que envolvem 92 artis-tas, nacionais e internacionais. Com cinema, arte sonora, dança ou teatro, é um festival que se articula em vários espaços públicos do Porto e que, “com cada edição, conhece cada vez melhor a cidade”, garante João Fer-

nandes, director do Museu de Serralves. Para Cristina Grande, programadora do certame, há uma “vontade de que o público conviva com a cidade, com os espaços e com os artistas ao longo do festival”. Desde Serralves ao Museu Militar, do Centro Português de Fotografia até ao Coreto da Cordoaria e ao Parque de Estacio-namento Silo-Auto, são inúmeros os espaços da cidade Invicta que vão acolher os espectá-culos do festival.

«Gente pobre» no museu DostoievskiA última edição brasileira do romance «Gente Po-bre», de Fiodor Dostoievski (1821-1881), publicado em Março de 2011 pela Associação Cultural Letra Selvagem, com tradução de Luís Avelima, ganhou lugar de destaque no Museu Dostoievski, em São Petersburgo, na Rússia. Um exemplar do livro, ofe-recido pelo editor Nicodemos Sena, foi entregue em mãos pelo professor Vadim Kopyl, director do Centro Lusófono Camões, da Universidade Estatal Pedagó-gica Hertezen, ao vice-director do Museu Dostoie-vski, Boris Tikhomirov. Kopyl entregou também um exemplar da edição brasileira do livro para a Casa de Pushkin, de São Petersburgo.

O livro de Poesia «Emoções», de Maria Antónia de Carvalho Mendes Ribeiro, é lançado no próximo dia 22 de Outubro. A sessão decorrerá no Palacete Visconde Balsemão (Praça Car-los Alberto, Porto), às 17h30. A autora, natural da cidade do Porto, licenciou-se em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra. É autora de diver-sos livros de poemas, e faz par-te dos poetas que preenchem a antologia «O Porto em Poesia». Dedica-se também à fotografia e tem realizado algumas expo-sições em variadas cidades por-tuguesas.

«emoções» apresentado a 22 de outubro

A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) lan-çou um projecto de apoio à edição em DVD (ou Blu-Ray) de filmes portugueses, no âmbito do Fundo Cultural da AGECOP, através de um concurso anual de financiamento da digitali-zação de longas-metragens (ficção ou docu-mentário). O prazo para a entrega de candida-turas termina no dia 30 de Outubro, devendo

ser entregues, em carta fechada, nos Serviços de Atendimento da SPA. “Em Portugal, onde o mercado é escasso, há imensos títulos que não têm conseguido ver a luz do dia. Há cineastas cuja obra está quase ou mesmo integralmente fora da edição em DVD. Uma das razões para isso é o custo referente à digitalização”, explica a Sociedade Portuguesa de Autores.

Apoio à edição em DVD

trAmA entre 13 e 16 de outubro

O 2.º Encontro de Museus do Vinho em Portugal, Arquitectura e Museus, organiza-do pelo Museu do Douro, decorrerá no dia 21 de Outubro, no wine-bar do Museu, em Peso da Régua. O objectivo da iniciativa é dar continuidade ao desenvolvimento de parcerias e potenciar a troca de conheci-mentos entre os diferentes museus e es-truturas museológicas nacionais dedicadas

à cultura do vinho. O tema escolhido é a arquitectura, elemento fundamental de um museu. “As opções arquitectónicas para as exposições permanentes e temporárias, bem como para os edifícios, construídos de raiz ou readaptados, constituem muitas ve-zes a própria imagem de marca da estrutura museológica e um ponto de atracção para o visitante”, refere a organização.

encontro de museus do Vinho

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Paulo Francisco Carvalho

O festival literário Escritaria abre-se este ano à Lusofonia e vai prestar homenagem à vida e obra do escritor moçambicano Mia Couto.

Nos dias 15 e 16 de Outubro, Penafiel acolhe teatro, arte de rua, dança, cinema e colóquios, sempre com a obra literária de Mia Couto em destaque. “O Escritaria é um evento multidisciplinar de estudo e fruição da obra de um escritor, que nunca se repete, e por isso quase tudo será novidade. Neste ano, como nos ante-riores, a arte de rua – «contaminação» – será absoluta-mente original, o colóquio terá convidados que nun-ca estiveram nos escritarias anteriores e haverá uma série de realizações ainda não vistas que animarão as principais artérias de Penafiel. A grande novidade é a abertura do Escritaria a toda a Lusofonia, com a pre-sença de várias embaixadas, da CPLP e doEspaço Moçambique, entre outros”, explica Manuel Andrade, administrador das Edições Cão Menor, uma das entidades organizadoras do festival.“Com a Escritaria aberta a partir desta edição à Luso-fonia, vão passar por Penafiel convidados cujos no-mes estão intimamente ligados a Mia Couto, ou à lín-gua e literatura lusófona, de que são exemplo o artista plástico Roberto Chichorro, o escritor angolano José Eduardo Agualusa, o músico João Afonso, o jornalis-ta António Loja Neves e o director artístico José Rui

Martins”, aponta, por seu lado, a Câmara de Penafiel, promotora do «Escritaria».Os homenageados nas anteriores edições também vão ser recordados no festival. Urbano Tavares Ro-drigues será representado através da leitura do texto que enviou para a Escritaria, José Saramago por um texto de Pilar del Rio e Agustina Bessa-Luís através de um texto da sua filha e também escritora e ilustradora Mónica Baldaque.Manuel Andrade explicou ao As Artes entre As Le-tras que “este era o momento de o «Escritaria» dar o seu modesto contributo para aproximar os povos e escritores que falam e escrevem nesta nossa mesma língua”, acrescentando que “este que sempre foi um evento de afectos, passará agora a ser também de afectivas proximidades linguísticas”.Sobre a escolha do homenageado deste ano, o admi-nistrador das Edições Cão Menor explicou que o festi-val literário procura sempre homenagear um escritor que se tenha afirmado em diversos géneros literários, que tenha uma obra extensa e que tenha uma vida prenhe de valores e de intervenções cívicas. Nesse es-paço cabe Mia Couto, que, “para além de ser o escritor moçambicano mais traduzido em todo o mundo, e apesar da sua relativa juventude, tem já perto de três dezenas de títulos editados e uma vida intensa do ponto de vista cívico e ambiental. Depois, tem aquela particular riqueza de usar o léxico de várias regiões de

esCrItArIA, 15 e 16 De outuBro, HomenAGeIA esCrItor moÇAmBICAno

penafiel cidade de mia Couto por dois dias

Moçambique para remoçar e reinventar a língua portuguesa, com um cuidado «sotaque» africano, onde cabem os mitos e as lendas”.A organização promete que durante dois dias Penafiel vai transforma-se na cidade de Mia Cou-to. Iniciativas como palavrário, post-its gigantes, escritaria nas paredes, escritaria no caminho, in-foBOX, escritamia, avenida em obras, escritor na cidade, montras de livros e documentários da CPLP vão permitir um contacto constante com a escrita e a língua portuguesa.O responsável das Edições Cão Menor garante que o objectivo “é que quem visite o Escritaria no Museu Municipal de Penafiel ou pelas principais artérias da cidade, se deixe envolver pelo univer-so mágico do escritor homenageado e salpicar por excertos do seu trabalho”.

perfilMia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista. É professor, biólogo, escritor. Está traduzido em diversas línguas. Entre outros prémios e distinções (de que se destaca a nomeação, por um júri criado para o efeito pela Feira Internacional do Livro do Zimbabwe, de «Terra Sonâmbula» como um dos doze melhores livros africanos do sécu-lo XX), foi galardoado, pelo conjunto da sua já vasta obra, com o Prémio Vergílio Ferreira 1999 e com o Prémio União Latina de Litera-turas Românicas 2007. Ainda em 2007, Mia foi distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura pelo seu romance «O Outro Pé da Sereia».

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Page 28: ISSN: 1647-290X Dr escritaria - artesentreasletras.com.pt · bunal de Évora. Não aceitaram em silêncio a decisão de colocar em liberdade mais um agressor confesso desse crime

2812 outubro 2011AS ARTES ENTRE AS LETRAS