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SUMÁRIO
1. Autores: Betania Devechi Ferraz Bonfá, Rodrigo Serra Pereira, José
Eduardo e Adriano Elias Oliveira................................................................5
Súmula: É vedada a exigência de pagamento, sob qualquer
título ou natureza, de despesas e/ou honorários para a
realização de prova pericial de beneficiário da justiça
gratuita.
2. Autor: Elthon Siecola Kersul…………………………………….………..14
Súmula: Cabe medida cautelar satisfativa de competência da
vara cível para afastamento do filho (a) agressor
(a)/perturbador (a) do lar pleiteada em favor do idoso/idosa,
ainda que a ação principal seja reintegração de posse em face
do filho/ filha coproprietário (a) do bem objeto do litígio.
3. Autora: Fernanda Maria de Lucena Bussinger......................................19
Súmula: É possível o levantamento do valor de PASEP
(Programa de Formação do Patrimônio do Servidor) para
pessoas em situação de rua, ainda que esta não seja hipótese
prevista expressamente no §1º do artigo 4º da LC 26/76, em
observância do princípio da dignidade da pessoa humana, da
finalidade da norma e em razão da peculiar situação de
hipervulnerabilidade desta população.
4. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................35
Súmula: Caracteriza abandono (art. 1.275, III, CC) a conduta
do locatário que, ao desocupar o imóvel locado, deixa os seus
bens no local e não mais retorna para buscá-lo, acarretando a
aquisição de tais bens pelo locador mediante ocupação (art.
1263, CC) e, por via de conseqüência, a desoneração deste do
encargo de depositário dos mesmos.
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5. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................39
Súmula: É possível ao locador oferecer o próprio imóvel
locado como caução, para o fim de viabilizar o pedido liminar
de despejo em face do locatário
6. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................43
Súmula: Ainda que o contrato de locação tenha como garantia
a caução prestada pelo locatário, é cabível o pedido de
liminar pelo locador na hipótese de o valor da referida caução
ser superado pelo valor do débito.
7. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................47
Súmula: Caso haja recusa do credor fiduciário em receber o
bem dado em garantia quando oferecido pelo devedor
fiduciante em estado de dificuldade financeira, é cabível o
ajuizamento de ação de consignação em pagamento para
obrigar aquele a recebê-lo.
8. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................51
Súmula: Admite-se, sem a anuência do credor fiduciário, a
celebração de negócio jurídico entre o devedor fiduciante e
terceiro destinado à transferência de direitos e obrigações
decorrentes do contrato de financiamento, bem como o
ajuizamento de ação de obrigação de fazer por aquele em face
deste para compeli-lo a cumprir os termos do negócio entre
eles firmado.
9. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................56
Súmula: Nos casos de ajuizamento de ação civil pública pela
Defensoria Pública, esta é isenta do pagamento de honorários
advocatícios, custas e despesas processuais (sucumbência),
incidindo, na espécie, o artigo 18 da Lei 7.347/85.
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10. Autor: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina........................59
Súmula: Não violam a cláusula da reserva do possível, o
princípio da tripartição dos poderes, a discricionariedade
administrativa e o princípio majoritário do regime
democrático as decisões judiciais que, em sede de ações
coletivas, determinam ao Poder Público ou quem lhe faça às
vezes a implementação de políticas públicas que versem sobre
direitos enquadráveis no conceito de mínimo existencial.
11. Autora: Maiara Canguçu Marfinati........................................................70
Súmula: A proibição de não edificar trazida pelo artigo 4º,
inciso III da lei 6.766/79, quando servir de fundamento para a
remoção de pessoas, necessariamente, deve ser harmonizada
com o direito fundamental à moradia.
12. Autor: Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo......................77
Súmula: É possível a usucapião de imóvel que companhia
habitacional como COHAB ou CDHU figure como titular
registral.
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TESE 1
Nomes: Betania Devechi Ferraz Bonfá, Rodrigo Serra Pereira, José Eduardo Adriano
Elias Oliveira
Área de Atividade: Direito Civil
REGIONAL: Central
Endereço: Rua Maria Figueiredo, nº 260, apto. 92
Bairro: Paraíso
CEP: 04002-001 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 96409620
E- mail: [email protected]
SÚMULA
É vedada a exigência de pagamento, sob qualquer título ou natureza, de
despesas e/ou honorários para a realização de prova pericial de beneficiário da
justiça gratuita.
ASSUNTO
A presente proposta decorre do entendimento atual de alguns magistrados de
que o benefício da assistência judiciária gratuita não abrange as despesas com a
realização da prova pericial, tendo sido determinado o complemento das verbas
periciais pagas pela Defensoria Pública pela parte beneficiária da justiça gratuita, de
forma parcelada.
Tal posicionamento foi observado nas ações de usucapião, em razão do
entendimento de que nestes processos é necessário o levantamento topográfico e
outras diligências mais complexas e onerosas em comparação com outras perícias de
engenharia, sendo o valor pago pela Defensoria Pública insuficiente para arcar com
os custos desta perícia, o que comprometeria a qualidade do trabalho pericial.
Ademais, deste valor, ainda, é efetuado o desconto de INSS, IR e ISS, o que
impossibilitaria a contraprestação do trabalho intelectual e as despesas para
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confecção do laudo pericial, e, por sua vez, não permite a manutenção de peritos
qualificados à serviço do judiciário.
Ocorre que, por outro lado, o benefício da Assistência Judiciária Gratuita é
destinado à parte que não tem condições de arcar com os custos processuais, sem o
comprometimento do seu sustento e de sua família.
Ao decidir desta forma, o judiciário viola o princípio constitucional do acesso à
justiça, pois inviabiliza o prosseguimento do feito pelo interessado.
Desse modo, versa a proposta sobre o procedimento a ser utilizado pelo
Defensor Público em face de decisões que determinem o pagamento pelo
beneficiário da justiça gratuita das despesas periciais, além dos honorários periciais a
serem pagos pela Defensoria Pública.
RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA COM AS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS
DA DEFENSORIA PÚBLICA
A pertinência da proposta decorre do fato de que todos os usuários dos serviços
da Defensoria Pública são beneficiários da justiça gratuita, logo não tem condições
financeiras de arcar com os gastos das despesas periciais, sem o comprometimento
do seu sustento e de sua família.
A legislação que rege a Defensoria Pública contém expressa previsão legal de
atuação dos Defensores Públicos em favor dos “necessitados” nos arts. 134 da CF;
1º, 4º, I, 3º-A, § 5º, da LCF 80/94; 3º e 103 da CE/SP; 2º, 5º, I, II, III, VI, d, f, h, i, j e
l e IX, 50 da LCE 988/06, os quais tem direito ao pleno exercício do benefício da
justiça gratuita.
Ademais, o § 5º do art. 4º da LCF 80/94 estabelece que a assistência judiciária
gratuita será custeada ou fornecida pela Defensoria Pública.
A LCE n° 988/2006, dispõe, em seu artigo 236, que o Fundo de Assistência
Judiciária, instituído pela Lei n° 4.476, de 20 de dezembro de 1984, e regulamentado
pelo Decreto n° 23.703, de 27 de maio de 1985, seja destinado a custear despesas
concernentes à prestação de assistência judiciária gratuita.
Tal fundo, por sua vez, a partir desta regulamentação, passou a ser
administrado pela Defensoria Pública do Estado, sucessora da antiga Procuradoria de
Assistência Judiciária, que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de
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dezembro de 2004, passou a usufruir de autonomias financeira, funcional e de
iniciativa de sua proposta orçamentária.
No exercício dessas autonomias, o Conselho Superior da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo, órgão normativo desta Instituição, editou, em 11 de janeiro de
2008, a Deliberação CSDP nº 92/2008, que definiu os valores a serem pagos.
Nos termos dessa Deliberação, o pagamento de perito indicado para atuar em
processo judicial de natureza cível, em que o ônus da prova pericial tenha sido
atribuído à parte representada pela Defensoria Pública do Estado, será feito com
recursos provenientes do FAJ – Fundo de Assistência Judiciária, observada a tabela
constante de seu artigo 1º.
Os valores a serem suportados pelo FAJ, nos limites da tabela mencionada,
compreendem a totalidade dos honorários e demais despesas do perito, independente
do valor arbitrado pelo juiz da causa a título de honorários periciais (art. 1º, §§ 1º e
2º, da Deliberação).
Vê-se, pois, que o custeio das despesas com a cobertura da perícia cabe à
Defensoria Pública, nos moldes e nos limites previstos pela Deliberação CSDP nº
92/2008, sendo certo que qualquer determinação nesse sentido, deverá ocorrer
mediante ofício à própria Defensoria, nada cabendo impor à parte beneficiária da
gratuidade processual.
Além de não poder ser imposto à parte o ônus da perícia, também, não se pode
cogitar de fixação de valor diverso do previsto em norma administrativa para a
perícia.
Ressalte-se que a Defensoria Pública ao regular o pagamento de honorários,
atua na condição de administrador público, zelando pelo interesse público, dentro da
autonomia de que goza, regulando o pagamento tanto para feitos em que atue
diretamente, como para feitos nos quais não atue. Tal regulamentação, portanto, é ato
administrativo plenamente válido, editado de forma regular dentro do ordenamento
jurídico e dentro do dever de gerir o fundo de assistência judiciária.
Dito de outro modo: é um ato praticado dentro da competência de quem
poderia regular a questão e dentro da discricionariedade admitida pela legislação,
razão pela qual não podem seus valores ser afastados por decisão judicial, pois tal se
encontra dentro da discricionariedade de que goza a instituição.
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Como ato normativo produzido no exercício de competência discricionária não
cabe ao judiciário adentrar ao mérito da discricionariedade e, portanto, dos valores
previstos na Deliberação CSDP nº 92/2008.
E mesmo aceitando-se entendimentos de que seria possível ao judiciário um
controle de legalidade pelo parâmetro da razoabilidade, é de se reconhecer que, no
caso os valores considerados, embora possam não ser do agrado de muitos peritos
nem, por isso, poderiam ser considerados irrisórios, mormente tendo em vista que a
perícia exigida não dura mais de dois dias de trabalho. Não há, portanto, de se falar
em valor irrisório.
Logo, indiscutível relação de pertinência da presente proposta de tese
institucional com as atribuições institucionais da Defensoria Pública.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E FÁTICA
Com efeito, estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV,
que:
“LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”.
A regulamentação deste direito constitucionalmente garantido encontra-se
guarida na Lei 1060/50, a qual dispõe em seu art. 3º, inciso V que:
“Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: (...)
V – dos honorários de advogado e peritos”.
Para não deixar dúvidas o art. 9º desta mesma Lei 9060/50 estabelece que:
“Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do
processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias.”
Cabe ao Poder Judiciário fazer com que o litigante, mesmo pobre, obtenha em
sua plenitude, o acesso a uma ordem jurídica justa, estendendo os benefícios da
gratuidade para além do processo, evitando-se a frustração da efetividade do
processo por entraves financeiros.
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Os professores Mauro Capelletti e Bryant Garth1, ao tratarem sobre o acesso à
justiça, asseveram:
“A expressão “acesso à Justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas
serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios
sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível
a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e
socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmente sobre o
primeiro aspecto, mas não podemos perder de vista o segundo. Sem dúvida,
uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por
nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo”. (grifos nossos)
É bem de ver que o processo civil não está descolado do sistema jurídico,
máxime do texto constitucional, devendo caminhar sob os auspícios dos direitos e
garantias insculpidos na Carta da República.
O processo é um instrumento a serviço da ordem constitucional, em busca de
uma ordem jurídica socialmente justa.
A mera aplicação da vontade concreta da lei, não garante o direito
constitucional de acesso à justiça, posto que necessária a justa composição da lide
por meio da útil e efetiva tutela jurisdicional.
O professor Cândido Rangel Dinamarco2, leciona:
“Superada essa colocação, em tempos modernos chegou-se à irredutível
oposição entre duas colocações jurídicas do problema teleológico do sistema
processual, reveladoras de dois irreconciliáveis modos de ver o ordenamento
jurídico e a função do processo perante o direito. Crer na suficiência do
direito substancial objetivo para a criação de situações subjetivas materiais
sem a mínima participação do processo, ou entender que a este se reserva um
papel no iter de criação dos direitos – eis as duas posições antagônicas,
reveladoras de diferentes tomadas de posição quanto à própria estrutura do
ordenamento jurídico e à tarefa reservada ao direito processual, na vida do
direito. Como síntese desses dois pensamentos, têm-se as fórmulas atuação da
1 Acesso à Justiça; Tradução e Revisão Ellen Gracie Northfleet, Sergio Antonio Fabris
editor; Porto Alegre 1988, Reimpresso 2002, p. 8. 2 A Instrumentalidade do Processo, 12ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2005, pp. 184/185.
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vontade concreta da lei e justa composição da lide, nas quais se condensam as
teorias dualista e unitária do ordenamento jurídico.
Delas, a segunda insinua (apenas insinua) o superamento da postura
exclusivamente jurídica do problema, mediante a conhecida referência
constantemente feita à lide, que em si mesma é um conceito eminentemente
sociológico. Revela o conflito de interesses envolvendo pessoas na vida
comum em sociedade e clamando por solução pelas vias adequadas.
Conquanto posta a problemática da lide em termos intencionalmente
jurídicos e descontadas agora as razões para o repúdio da teoria que a vê ao
centro do sistema processual, a referência aos conflitos que a Justiça opera
por dirimir traz o sabor da lembrança do modo como o serviço jurisdicional
chega à sociedade e se presta a servi-la. A jurisdição tem inegáveis
implicações com a vida social, tanto que é o reconhecimento de sua
utilidade, pelos membros da sociedade, que a legitima no contexto das
instituições políticas da nação. (grifos nossos)
Deste modo, ao determinar à parte, que é hipossuficiente, o pagamento de
determinada quantia como condição para a realização da perícia, está obstando o
prosseguimento do feito.
Tal ocorre porque a perícia técnica é essencial ao processo de usucapião, não
havendo como substituí-la por outro meio de prova.
Assim, ao determinar à parte o pagamento de uma quantia que é proibitiva para
o seu padrão de vida, uma vez que ela é patrocinada nos autos pela Defensoria
Pública, e, portanto, hipossuficiente, o juízo “a quo” está, na prática, impedindo que
a parte produza prova essencial para o prosseguimento do processo. Dito de outra
forma, nega-se a efetiva prestação jurisdicional, ao determinar à parte, beneficiária
da justiça gratuita, que colabore com o custeio salarial do perito para a realização de
perícia técnica de engenharia.
Na prática forense, não raras vezes, não é garantido ao usuários dos serviços da
Defensoria Pública o direito ao exercício deste direito fundamental, como na decisão
do Agravo Regimental n.º 0054987-35.2013.8.26.0000/50000, da 7ª Câmara de
Direito Privado do TJSP, a qual inicialmente decidiu em 25/09/2013, que:
“Usucapião-Agravante que é beneficiário da assistência judiciária-Decisão
que lhe atribui o pagamento das despesas periciais, arbitrados em R$
1400,00-Cabimento, pois o benefício não se estende às despesas periciais-
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Perícia de engenharia que é complexa-Valor pago pela Defensoria Pública
que é insuficiente para custeá-la-recurso improvido.”
Todavia, esta decisão foi revista pela própria Câmara em novo julgamento do
Agravo Regimental em 20/08/2014, uma vez que foi anulado o julgamento anterior,
decorrente da falta de intimação da Defensoria Pública, nos seguintes termos:
“AGRAVO REGIMENTAL-USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA-Decisão que
carreou ao autor, beneficiário da justiça gratuita o ônus de adiantar os
honorários periciais - Irresignação do requerente – Cabimento - Benefícios da
Justiça Gratuita que inclui os honorários periciais - Art. 3º, inciso V, da Lei
1060/50 - Custas de elaboração do laudo que cabe ao Estado, e não à parte
hipossuficiente – Despesas que deverão ser custeadas pelo Fundo de
Assistência Judiciária - Art. 1º da Res. 32/04 da PGE/SP -Decisão reformada
- Recurso Provido.”
Esta decisão guarda amparo com jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, cuja ementa transcreve-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. DEMANDA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32. HONORÁRIOS
PECICIAIS. SUCUMBENTE O BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA
GRATUITA. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DEVER DE
GARANTIR O ACESSO À JUSTIÇA E PRESTAR ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
(AgRg 352.498 – MG, STJ, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
27/09/2013)
Apesar das reiteradas decisões em contrário das varas de Registro Público do
foro Central, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
é no mesmo sentir:
Assistência Judiciária - Parte beneficiária da assistência jurídica gratuita -
Lei n° 1.060/50 -Usucapião - Necessidade de realização de perícia-
Honorários do perito fixados em R$ 1.000,00 - Parte intimada a depositar os
honorários, no prazo de dez dias - Inconformismo - A assistência jurídica é
integral e deve abranger a gratuidade da perícia - Inexistência de peritos do
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Estado - Perito não pode ser obrigado a trabalhar sem remuneração - Lei
Complementar Estadual n° 988/06- Fundo de Assistência Judiciária -
Deliberação de n° 92, de 29/08/08, do Conselho Superior da Defensoria
Pública do Estado- Decisão reformada, para afastar a imposição de
pagamento, aos autores, dos honorários periciais - Recurso provido”
(Agravo de Instrumento nº: 637.414-4/4-00, Relator Dácio Tadeu Viviani
Nicolau).
Ação de usucapião - Parte beneficiária da assistência jurídica gratuita -
Necessidade de realização de perícia - Honorários do perito fixados em R$
1.400,00, a ser pago pela parte - Inconformismo - A assistência jurídica é
integral e deve abranger a gratuidade da perícia – No entanto, o perito não
pode ser obrigado a trabalhar sem remuneração - Para isto, existe a
Deliberação de n° 92, de 29/08/08, do Conselho Superior da Defensoria
Pública do Estado, que fixa os limites de seus honorários - Decisão
reformada, para afastar a imposição de pagamento, aos autores, dos
honorários periciais – Recurso provido.” (Agravo De Instrumento N°
683.533-4/9-00, Relator José Carlos Ferreira Alves)
Justiça gratuita - Honorários periciais - Art. 3o, V, da Lei 1.060/50 –
Assistência judiciária, que deve ser integral, compreende, alem dos
honorários de advogado, os honorários dos peritos - Deve responder pela
remuneração do perito o não-beneficiário, se vencido, ou o Estado, a quem
cabe a prestação da assistência - Caso em que, na eventualidade de o perito
nomeado recusar o encargo, o juiz da causa poderá socorrer-se das
instituições públicas que tenham gabarito para o mister e possam suportar
tais despesas - Afastada a determinação para que o agravante antecipe a
remuneração do perito - Agravo provido. (TJSP, AGRAVO DE
INSTRUMENTO N° 990.10.044543-0, Vigésima Terceira Câmara de Direito
Privado, JOSÉWARCOS MARRONE Presidente e Relator, 16 de junho de
2010).
Perícia. Remuneração do expert. Autora que é beneficiária da assistência
judiciária. Benefício que compreende a isenção do pagamento de todos os
atos do processo até a decisão final do litígio. Caso os peritos do juízo não
consintam em realizar a prova pericial gratuitamente ou, na hipótese de
vitória do beneficiário, aguardar o despacho da lide, deverá ser requisitado o
pagamento pela Defensoria Pública ou a realização por qualquer órgão
governamental que tenha condições de realizar a perícia. Recurso provido
para esse fim.
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(TJSP, AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 990.09.374501-1, 15a Câmara de
Direito Privado, ARALDO TELLES RELATOR, 18 de maio de 2010).
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A operacionalização da presente proposta requer a adoção do entendimento
nela exposto, com a interposição de recurso em face das decisões judiciais que
determinarem ao beneficiário da justiça gratuita o pagamento das despesas periciais.
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TESE 2
Nome: ELTHON SIECOLA KERSUL
Área de Atividade: FAMÍLIA E CÍVEL
REGIONAL: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – UNIDADE JACAREÍ
Endereço: Avenida Comendador Vicente de Paulo Penido nº. 532
Bairro: Parque Residencial Aquarius
CEP: 12246856 Cidade: São José dos Campos – SP
Telefone: 12 - 3942-3223
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Cabe medida cautelar satisfativa de competência da vara cível para afastamento do
filho (a) agressor (a)/perturbador (a) do lar pleiteada em favor do idoso/idosa, ainda que a
ação principal seja reintegração de posse em face do filho/ filha coproprietário (a) do bem
objeto do litígio.
ASSUNTO
Frequentemente usuários idosos relatam atos de violência psicológica, moral ou
perturbação/esbulho da posse pelos filhos, o que acaba por afastar o idoso ou a idosa do lar
ou o impedir o livre exercício da posse.
No caso, quando com o filho há uma simples relação de comodato, a solução jurídica
que se amolda ao caso é a ação de extinção de comodato com pedido de reintegração de
posse.
Contudo, a situação se torna complexa se o filho ou filha é coproprietário do bem
com o pai idoso ou mãe idosa.
Isto porque, a jurisprudência, em sua maioria, entende que não é cabível pedido
reintegração da posse no referido caso, mas tão somente ação de arbitramento de aluguel
pelo uso exclusivo da coisa, o que na prática não é efetivo.
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ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA DEFENSORIA
PÚBLICA
Conforme artigo 3º-A, da Lei Complementar 132/09:
Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do
adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher
vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que
mereçam proteção especial do Estado; (Redação dada pela Lei Complementar nº
132, de 2009). (grifo nosso).
Incontestável, a quantidade de demandas possessórias envolvendo conflitos familiares
entre idosos e os respectivos filhos.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA E JURÍDICA
Os idosos estão amparados pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o qual
estabelece a proteção integral e atendimento de suas necessidades em caráter prioritário.
Assim os artigos 2º e 3º:
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou
por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua
saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em
condições de liberdade e dignidade.
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Igualmente o Estatuto protege o idoso de qualquer forma de violência prevendo no
artigo 4º que:
“Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será
punido na forma da lei.
§ 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
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§ 2º As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes
dos princípios por ela adotados”.
Ainda o estatuto garante ao idoso, além da integridade física, psíquica e moral, o
respeito aos seus espaços e objetos pessoais:
Art. 10 § 2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
Nessa esteira, no caso aventado é possível pleitear em favor do idoso as medidas de
proteção a que tem direito, especialmente o pedido afastamento do agressor do lar
familiar, fundadas não apenas no Estatuto do Idoso, mas também no poder geral de cautela
do juiz.
Nessa linha, a jurisprudência do TJSP entende que é cabível medida cautelar
satisfativa, em situações excepcionais, como do caso apontado, bem como que o juízo
competente para conhecer da referida ação é o juízo cível, se inexistir vara especializada do
Idoso na Comarca.
Cautelar inominada. Indeferimento da inicial, a pretexto de não caber pretensão
satisfativa, havendo exigência de ação principal. Inadmissibilidade. A cautelar de
natureza satisfativa é cabível em situações excepcionais, tais como a dos autos, pois
em jogo a dignidade humana e a vida de pessoas idosas. Pedido de providências com
base no Estatuto do Idoso. Ausência de previsão nas normas de organização
judiciária sobre a competência para a vara de família. Inexistência de criação de
varas especializadas do idoso. Competência residual do Juízo Cível. Aplicação dos
artigos 34 e 37 do Código Judiciário. Apelo provido. (Apelação Cível n.º 0.038.494-
79.2010.8.26.0002 Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelado: ADRIANO DONIZETTI PEREIRA Comarca: SÃO PAULO).
“Conflito de competência. Ação de reintegração de posse ajuizada para afastamento
do filho maior e capaz do domicílio da mãe. Relação de natureza possessória. Ação
não fundada em relação de direito de família. Conflito reconhecido. Competência do
Juízo suscitante.” (Conflito de competência n.º 154.882-0/3-00. Relator Des. Jacobina
Rabello. Câmara Especial do Tribunal de Justiça. J. 24-03- 2008)
“Conflito negativo. Vara Cível e Vara de Família. Pedido de providências com base
no Estatuto do Idoso. Ausência de previsão nas normas de organização judiciária
sobre a competência para a vara de família. Inexistência de criação, na Comarca, de
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varas especializadas do idoso. Competência residual do Juízo Cível. Aplicação dos
artigos 34 e 37 do Código Judiciário. Conflito julgado procedente. Competência do
Juízo suscitante.” (Conflito de competência n.º 150.810- 0/7-00. Relator Des. Maria
Olivia Alves. Câmara Especial do Tribunal de Justiça. J. 21-01-2008).
Entende ainda o TJSP que a medida cautelar é eficaz ainda que não indicada ou
proposta a ação principal ante a dispensabilidade justificada pela natureza da lide.
AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO DE AFASTAMENTO DO FILHO DA RESIDÊNCIA DA
AGRAVANTE. 1.- Não indicação da ação principal. Extinção do feito. Afastamento.
Eficácia da medida, ainda que não proposta a ação principal. 2.- Prescindibilidade
justificada pela natureza da lide. Extinção do feito afastada. APELO PROVIDO
(Apelação 0016114- 44.2011.8.26.0320, Relator(a): Donegá Morandini, Órgão
julgador: 3ª Câmara de Direito Privado, j.: 08/05/2012). (grifo nosso).
MEDIDA CAUTELAR INOMINADA - Pleito que almeja o afastamento de filho maior
do lar dos pais, que já são idosos, por conta de transtornos causados por aquele que,
segundo consta, é viciado em substâncias entorpecentes - Petição inicial indeferida
sob o fundamento da carência da ação - Inadmissibilidade - O Ministério Público é
legitimado a atuar como substituto processual, na defesa dos interesses de pessoas
idosas, tal como no presente caso - Inteligência dos artigos 43 e 74, inciso III, ambos
do Estatuto do Idoso - Cautelar de natureza satisfativa - Desnecessidade de
propositura da ação principal - A cautelar de natureza satisfativa é cabível em
situações excepcionais, tais como a dos autos, pois em jogo a dignidade humana e a
vida de pessoas idosas - Decreto de indeferimento afastado - Baixa dos autos VOTO
N° 18 899 (rei. DSR - Ia Câm. Dir. Pnv.) APELAÇÃO CÍVEL N° 231.789 4/4-00 do
Foro Regional da Vila Prudente - Comarca da Capital APTE. : Ministério Público.
APDA : Mareio Lazarin. (grifos nossos).
"Quando a prevenção se destina a resguardar diretamente direitos substanciais da
parte, não se pode falar em Junção cautelar, no sentido técnico, pois a atividade
jurisdicional assume características de satisfação da pretensão material. E a ação de
que se trata não é propriamente cautelar porque não tem a característica de
antecipação provisória da satisfação do direito substancial. Em outras palavras, não
é possível ver no feito e nem na liminar a antecipação provisória, Na liminar pedida,
há, mais do que o fim de assegurar uma futura execução, uma sumária resolução da
própria pretensão litigiosa (in, Apelação Cível n° 059.871-5/9, 8ª Câmara de Direito
Público - Voto Des. Pinheiro Franco).
18
Também nesse sentido:
"Processual Civil. Recurso Especial Ação Cautelar. Natureza satisfativa. Hipótese
excepcionai Dispensa da propositura da ação principal. Precedentes. Via de regra, as
medidas cautelares, nos termos dos arts. 806 e 808, I, do CPC, estão vinculadas à
propositura da ação principal. Entretanto, a jurisprudência do STJ considerando a
natureza satisfativa da medida cautelar, dispensa em casos excepcionais o
ajuizamento da ação principal 2. Recurso especial a que se nega provimento " (REsp
n° 139 587-RS, 2a T., rei Min. João Otávio de Noronha, j 02.12 2004, DJU 28.02
2005). (Grifos atuais).
Dessa forma, propõe-se a referida tese institucional.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Verificada a situação, sugere-se a propositura de ação cautelar satisfativa com pedido
de afastamento do filho (a) agressor (a) do lar, a ser ajuizada perante a vara cível, exceto se
existir vara especializada do Idoso na comarca.
19
TESE 3
Nome: Fernanda Maria de Lucena Bussinger
Área de Atividade: Cível
REGIONAL: CÍVEL CENTRAL
Endereço: Avenida Liberdade, nº 32 – 8º andar
Bairro: Centro
CEP: 01502-000 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 3105-5799, Ramal 291
E- mail: [email protected]
SÚMULA
É possível o levantamento do valor de PASEP (Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor) para pessoas em situação de rua, ainda que esta não seja
hipótese prevista expressamente no §1º do artigo 4º da LC 26/76, em observância do
princípio da dignidade da pessoa humana, da finalidade da norma e em razão da
peculiar situação de hipervulnerabilidade desta população.
ASSUNTO
A presente tese tem por escopo fornecer amparo jurídico à pessoa em situação
de rua que pretende levantar fundo de PASEP acumulado enquanto laborou como
funcionário público em período anterior a 1988, mas que não se enquadra nas
restritas hipóteses legais autorizadoras para o levantamento.
Nesse caso, defendemos que a situação de rua destas pessoas que amealharam
tal fundo é situação autorizadora em razão da própria finalidade da criação do fundo
(amparo ao trabalhador) e que não há lógica em cercear tão importante auxílio
financeiro à esta população3, ignorando o fato de que dificilmente eles virão a se
3 Em levantamento realizado, considerando 10 casos que tramitam no Foro Central,
patrocinados pela Defensoria Pública Cível, por meio do POPRUA, os objetos das demandas, que
20
enquadrar nas hipóteses legais, postergando a devolução dos valores até que venham
a óbito para que eventuais herdeiros venham a se habilitar para o levantamento.
Tal instrumento tem relevância considerável, pois esta é uma população que
depende inteiramente da atuação diligente da Defensoria Pública para ver cumpridos
os seus direitos. Ademais, não são raros os casos em que as pessoas em situação de
rua outrora trabalharam como funcionários públicos e possuem tais fundos
depositados em seus nomes para levantamento. Não há que se questionar, ainda, a
importância que o recebimento destas quantias terá no cotidiano destas pessoas que
geralmente vivem em situação de pobreza extrema.
A medida judicial se torna necessária uma vez que o Banco do Brasil S.A. –
gestor do referido fundo – costuma indeferir o levantamento da quantia sem
autorização judicial sob o pretexto de que a situação de rua não é hipótese prevista
em lei para tal.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 134 da CF/88 e artigo 103 da CE/SP.
Artigo 5°, incisos I, III, VI, “c”, “i”, “l”, IX e XII da Lei Complementar
Estadual n° 988 de 9 de Janeiro de 2008.
Artigo 4º, incisos I, V, X e XI, da Lei Complementar nº 80 de 1994.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
O problema social da existência de população em situação de rua nasceu com
a formação das cidades brasileiras.
objetivam o levantamento de saldo de PASEP de pessoas em situação de rua, foram os seguintes:
R$ 7.642,79 (1081516-31.2014.8.26.0100, 23ª VC), R$ 3.212,90(1062027-08.2014.8.26.0100,
21ª VC), R$ 1.993,75 (1071976-90.2013.8.26.0100, 29ª VC), R$ 1.810,90 (1058734-
30.2014.8.26.0100, 9ª VC), R$ 1.539,22 (1066752-40.2014.8.26.0100, 15ª VC), R$ 1.501,93
(1071072-36.2014.8.26.0100, 3ª VC), R$ 1.112,83(1065325-42.2013.8.26.0100, 22ª VC),R$
1.080,77, 1101407-72.2013.8.26.0100, 8ª VC), R$ 598,84 (1102766-57.2013.8.26.0100, 28ª
VC) eR$ 281,36 (Autos nº 1023089-41.2014.8.26.0100, 4ª VC).
21
Contudo, apenas a partir de meados da década de 1970 a população de
rua passou a ter maior visibilidade, sendo objeto de estudos e alvo de políticas
públicas. Foi a partir de então que se iniciou a preocupação em se reunir dados para
traçar o perfil dessa população4.
Importante notar que a concessão de visibilidade à questão vem
permitindo o fornecimento de instrumentos para lidar com o universo de relações que
constitui o mundo da rua.
Vale ponderar, contudo, que não se pode tratar a população de rua
como um grupo homogêneo, o que torna difícil sua caracterização unívoca e
imediata. O laço que os une é justamente o fato de utilizarem a rua como abrigo
permanente ou momentâneo. Geralmente as pessoas em situação de rua têm
problemas que precedem a sua atual condição, tais como alcoolismo, dependência
química, desemprego crônico, doenças e dificuldade de convivência coletiva. Outras
são marginalizadas por serem imigrantes ou mesmo egressos dos sistemas
penitenciários e psiquiátricos5.
O Decreto Federal nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que instituiu a
Política Nacional para a População em Situação de Rua, delimita no artigo 1º,
parágrafo único, o conceito de população em situação de rua, a seguir descrito:
Artigo 1º, parágrafo único – Para fins deste Decreto, considera-se população
em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a
pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a
inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros
públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de
forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para
pernoite temporário ou como moradia provisória.
Tamanha é a dificuldade de mensurar e caracterizar a população de
rua, que os censos, como o IBGE não contabilizam dados indicativos oficiais. Outras
pesquisas, no entanto – em que se pese certa variação nos critérios metodológicos –
indicam que o número de pessoas em situação de rua vem aumentando
4 Foi apenas a partir de 1989 por exemplo que medidas começaram a ser tomadas pela
Prefeitura do Município de São Paulo em atenção a este grupo de indivíduos.
5 GUARDA, Mariana de Gouveia, Políticas Públicas e Direitos: Um estudo de caso. 2014. 138 f.
Tese (Mestrado em Direito) –, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2014, pp. 51-52.
22
significativamente apenas no município de São Paulo (3.852 em 1991 e 14.478 em
2012 – aumento de 275%)6.
Além contagem da população, a pesquisa de 1991 indicou que no passado,
87% já tinha trabalhado com carteira assinada mas, no momento de preencher o
questionário, a grande maioria (85%) realizava somente “bicos”.
Pesquisa feita pela FIPE em 2006 acerca dos usuários de albergues notou o
envelhecimento dos usuários, além do crescimento do número de idosos7.
A Defensoria Pública tem em sua gênese a função institucional e
constitucional de atendimento aos interesses dos necessitados8.
O conceito de necessitado, que em sua concepção inicial adquiriu conotação
estritamente financeira, tem sido constantemente expandido para abarcar àqueles que
tem o seu acesso à justiça obstado por razões que não apenas carência de recursos
financeiros, mas também “organizacionais”9, tais como: consumidores, mulheres em
situação de violência doméstica, idosos, etc.
Em que se pese a salutar evolução do conceito, é inegável que na sociedade
brasileira e dentro do nosso sistema de justiça existem aqueles mais necessitados
que outros, como é o caso das pessoas em situação de rua.
Esta população sofre do que Fernando Braga da Costa definiu em sua
dissertação de mestrado apresentada à Universidade de São Paulo (USP) de
“invisibilidade pública”.10
Em alusão a este conceito de invisibilidade social, André
Peralta Grillo11
, pós-graduado na Universidade Federal de Juiz de Fora, explicita a
condição de não-ser do morador de rua:
6 SIMÕES JUNIOR. José Geraldo. Moradores de Rua. São Paulo: Pólis, 1992. pp. 35-37. 7 GUARDA, Mariana de Gouveia, op. cit., p. 55 8 Artigo 134 da Constituição Federal. 9 GRINOVER, Ada Pellegrini . Parecer sobre a legitimidade da defensoria pública para o
ajuizamento de ação civil pública. Revista da Defensoria Pública, v. 4, p. 143-166, 2011. 10 COSTA, FERNANDO BRAGA DA. Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade
pública. 2002. 177 f. Dissertação de Mestrado - Universidade de São Paulo (USP). Instituto de
Psicologia São Paulo. 11 GRILLO, André Peralta. Incoerência e fracasso: estudo de caso sobre a inserção precária de um
morador de rua na cidade de Juiz de Fora/ MG. pp. 55. In ANAIS SEMINARIO NACIONAL POPULAÇAO
EM SITUAÇAO DE RUA, 1411/2008, UFSCAR, São Carlos-SP.
23
“Como não estranhar um “farrapo humano” transitando pelos bairros
prósperos, sujando a paisagem de quem de outra forma não tem que conviver
diariamente com a miséria, com sua feiúra, se não fosse esse mecanismo
peculiar da invisibilidade social. Essa invisibilidade, como já apontado, não é
um não-perceber.”
Não obstante a invisibilidade que amargam, tais pessoas continuam tendo
todos os direitos fundamentais violados: vida, moradia, saúde, alimentação, emprego,
vida privada, intimidade e, inevitavelmente, a sua dignidade.
Portanto, conclui-se que se a Defensoria Pública tivesse um usuário por
excelência seria esta população. Quase que como se a expansão da atuação da
Defensoria Pública só se justificasse depois que toda esta população em situação de
rua tivesse sido atendida.
i) PASEP e a População em situação de Rua
O Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (PASEP) e o Programa
de Integração Social (PIS) foram criados respectivamente pelas Leis
Complementares 08/1970 e 07/1970. A Lei Complementar nº 19/1974, contudo,
unificou os institutos, resultando na criação de um Fundo PIS-PASEP, constituído de
recursos advindos de ambos os programas12
.
Entretanto, o PIS e o PASEP têm patrimônios e agentes operadores distintos,
uma vez que se destinam, respectivamente, aos trabalhadores que atuam no setor
privado e aos funcionários e servidores públicos13
.
12 Os objetivos dos programas são (i) integrar o empregado na vida e no desenvolvimento das
empresas; (ii) assegurar ao empregado e ao servidor público o usufruto de patrimônio individual
progressivo; (iii) estimular a poupança e corrigir distorções na distribuição de renda; e (iv)
possibilitar a paralela utilização dos recursos acumulados em favor do desenvolvimento
econômico-social.
13
PASEP é constituído por depósitos mensais efetuados pela União, Estados, Distrito Federal,
Municípios e suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
realizados no Banco do Brasil S/A para o beneficiário, isto é, todos os servidores públicos em
atividade, sejam civis ou militares, e que estejam cadastrados ao programa.
24
O Banco do Brasil S.A. é o agente operador do PASEP, enquanto que a
Caixa Econômica Federal, do PIS. Decorre desta distinção a competência da Justiça
Estadual14
para a apreciação de pedidos de levantamento de fundos do PASEP15
.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a destinação da verba dos
fundos foi modificada, dispondo atualmente o artigo 239 que a arrecadação do PIS-
PASEP se vincula ao custeio do seguro-desemprego e do abono aos empregados16
com média de até dois salários mínimos de remuneração mensal. Nada obstante esta
alteração de objetivos, a Constituição Federal garantiu aos trabalhadores públicos e
privados o levantamento dos valores depositados até então (até 04 de outubro de
1988) em suas contas individualizadas, nas situações previstas em leis específicas.17
As atuais hipóteses legais estão listadas no §1º do art. 4º da Lei
Complementar 26/197518
. São elas: i) aposentadoria; ii) transferência para a reserva
remunerada; iii) reforma ou invalidez do titular da conta individual; iv) e morte, caso
em que os valores serão pagos a seus dependentes19
.
14 O rol do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal diz respeito às hipóteses taxativas de competência da Justiça Federal. Contudo, não se verifica a inclusão da sociedade de economia mista, situação do Banco do Brasil. Todavia, foi editada Súmula 42 do Superior Tribunal de Justiça que aclarou a questão. In verbis: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
15 CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ALVARÁ JUDICIAL. LEVANTAMENTO DO SALDO DA CONTA
VINCULADA DO PASEP. BANCO DO BRASIL. GESTOR DO FUNDO. SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA. SÚMULA 42/ST .(STJ - CC 48.376/GO, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2005, DJ 20/06/2005, p. 115). 16 O abono do PIS/Pasep é o pagamento de um salário mínimo anual aos trabalhadores
quereceberam, em média, até dois salários mínimos mensais no ano anterior. Para ter direito a ele,
o trabalhador precisa estar cadastrado em um dos programas há pelo menos cinco anos e ter
trabalhado no ano anterior, com vínculo empregatício, por pelo menos 30 dias.
17 CF, art. 239, § 2º - Os patrimônios acumulados do Programa de Integração Social e do Programa
de Formação do Patrimônio do Servidor Público são preservados, mantendo-se os critérios de
saque nas situações previstas nas leis específicas, com exceção da retirada por motivo de
casamento, ficando vedada a distribuição da arrecadação de que trata o "caput" deste artigo, para
depósito nas contas individuais dos participantes.
18 “Art. 4º - As importâncias creditadas nas contas individuais dos participantes do PIS-PASEP são
inalienáveis, impenhoráveis e, ressalvado o disposto nos parágrafos deste artigo, indisponíveis por
seus titulares. § 1º - Ocorrendo casamento, aposentadoria, transferência para a reserva
remunerada, reforma ou invalidez do titular da conta individual, poderá ele receber o respectivo
saldo, o qual, no caso de morte, será pago a seus dependentes, de acordo com a legislação da
Previdência Social e com a legislação específica de servidores civis e militares ou, na falta daqueles,
aos sucessores do titular, nos termos da lei civil.” 19 A hipótese “casamento” foi expressamente revogada pelo §1º do art. 239 da CF.
25
Note-se, ainda, que a resolução nº 2/92 do Conselho Diretor do Fundo de
Participação do PIS/PASEP, estendeu ao referido fundo à hipótese do trabalhador
não aposentado possuir Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS)20
.
Assim, o indivíduo cadastrado no Fundo PIS/PASEP até 04/10/1988 poderá
ter saldo a receber, referente aos créditos a título de participação nos exercícios
financeiros de 1971 a 1988, pela atualização monetária e pelos rendimentos não
sacados.
Como se observou por meio do mapeamento dos moradores do Município
de São Paulo de 2009, cerca de 67% dos indivíduos em situação de rua tinha algum
tipo de profissão. Denota-se que muitas destas pessoas trabalharam como servidores
públicos em seu passado, e possa, consequentemente, ter acumulado saldo de
PASEP.
Outro elemento fático que corrobora com a necessidade de defesa da
possibilidade de levantamento de PASEP por esta população é o fato de que as
pesquisas revelaram o envelhecimento do perfil. Desta forma, percebe-se que muitas
destas pessoas podem ter sido funcionários públicos nos períodos de 1971 até 1988.
O levantamento de eventual quantia que exista depositada em favor do
indivíduo consiste na possibilidade de emprego dos valores para amenizar a situação
de violação ampla de direitos e invisibilidade sofrida pela população de rua.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Nada obstante a legislação trate as hipóteses de levantamento de valores
depositados pelos trabalhadores como sendo taxativas, a jurisprudência tem sido
liberal em ampliar as possibilidades de levantamento destas verbas. Exemplo do que
ora se afirma é o reconhecimento por parte da Turma Nacional de Uniformização dos
Juizados Especiais Federais (TNU) de que é possível a aplicação do artigo 20, inciso
VIII, da Lei 8.036/1990, por analogia, para autorizar o saque de valores do PIS
20http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=162&data=21
/12/1992.
26
depositados na conta de trabalhador em comprovada situação de desemprego
involuntário há mais de três anos.21
Além dessa hipótese, verifica-se a existência de outros casos em que os
tribunais entenderam possível o levantamento dos fundos de auxílio ao trabalhador
mesmo sem expressa previsão legal, entre eles a situação de extrema dificuldade
financeira do beneficiado22
, o padecimento de doença grave (Diabete Melius)23
e
deferimento de levantamento para beneficiário cuja mãe é portadora de doença
grave24
- estes dois últimos entendimentos confirmados pelo STJ, inclusive.
Com relação especificamente ao PASEP, há precedentes do STJ no sentido
de admitir o levantamento do fundo, em que se pese a inexistência de previsão legal,
para os casos de deficiência motora grave25, tratamento de irmã inválida de pessoa
em situação de miserabilidade26 e doença grave27.
Deste modo, conforme se depreende da jurisprudência consolidada do STJ e
dos tribunais, não é possível admitir como taxativas as previsões legais, em razão das
inúmeras situações de fato que podem se apresentar em consonância com a
finalidade constitucional da norma, apesar de não se enquadrarem exatamente nas
hipóteses específicas previstas na lei regulamentadora. E nem poderia ser diferente.
21 “As hipóteses previstas na Lei Complementar nº 26/75 para levantamento do PIS
não são taxativas e comprovada a situação de desemprego involuntário do trabalhador há
mais de três anos, justifica-se a aplicação analógica da Lei nº 8.036/90, para permitir o saque dos
valores depositados em sua conta". (PEDILEF 200235007011727 Relator (a) MARIA DIVINA
VITORIA Data da Decisao 20/08/2002 Fonte/Data da Publicação DJGO 28/08/2002).
22 TRF-5 - AC: 369571 CE 2004.81.00.009255-2, Relator: Desembargador Federal
Frederico Pinto de Azevedo (Substituto), Data de Julgamento: 13/09/2007, Terceira Turma, Data
de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 11/10/2007 - Página: 1247 - Nº: 197 - Ano: 2007.
23 REsp 760593 / RS RECURSO ESPECIAL 2005/0101443-5 Relator (a) Ministra ELIANA CALMON
(1114) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 15/09/2005 Data da
Publicação/Fonte DJ 03/10/2005 p. 231.
24 STJ - REsp: 698894 AL 2004/0148352-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de
Julgamento: 05/09/2006, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 18/09/2006 p. 295
25 Recuso Especial nº 844.568 - RS (2006/0095525-0, rel. MINISTRO MAURO CAMPBELL
MARQUES
26 REsp 760.123/MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 8.5.2006
27 REsp 957.794/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 23.8.2007
27
Com a já admitida possibilidade de levantamento dos fundos PIS-PASEP
em hipóteses não expressamente previstas pela lei, defendemos que a condição de
uma pessoa em situação de rua deve ser admitida como uma destas exceções.
Como bem observado pela Ministra Denise Arruda em seu voto acerca da
possibilidade de levantamento do PIS em caso de doença grave “o julgador não está
limitado à observância da letra fria da lei, mas deve aplicar a norma de maneira que
melhor atenda aos anseios da sociedade (...), pois não se compreende a proteção ao
patrimônio do trabalhador, quando em risco a própria vida”28
.
Não é exagero afirmar que a pessoa que vive em situação de rua e está
exposta a todas intempéries inerentes à esta condição tem em risco a sua própria
vida29
.
Estar-se-ia diante de uma total inversão dos valores constitucionais não
permitir o levantamento de valores depositados em nome do próprio indivíduo que se
encontra desprovido de seus direitos mais básicos, esperando o dia em que este se
aposentasse; se transferisse para a reserva remunerada; ficasse inválido ou viesse a
falecer. Seria a mera subsunção da lei ao caso concreto em completa afronta ao
princípio da dignidade da pessoa humana e seus corolários.
Frise-se que a maioria destas indivíduos que fazem jus ao levantamento dos
fundos depositados sem seus nomes não tem perspectiva de vir a se enquadrar a
alguma das hipóteses legais de levantamento – com exceção da invalidez permanente
e, por óbvio, do óbito. Assim, a interpretação legalista e rígida da hipóteses legais de
levantamento pode vir a ocasionar o óbice completo de acesso dos indivíduos em
situação de rua aos fundos que lhe pertencem.
Para além do prestígio aos valores constitucionais em detrimento de uma
interpretação fria da lei, o emprego de interpretação teleológica da lei nos leva ao
mesmo desfecho pela possibilidade do levantamento dos valores para os indivíduos
em situação de rua.
O artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe
que: 28
Recuso Especial nº 871.341- RS, Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 03/09/2008. 29 Quanto à incidência de problemas de saúde e de segurança na população em situação de rua:
34.6% dos não albergados e 37.3% dos não albergados informaram que tiveram problemas de
saúde nos últimos 7 meses. Quanto à segurança, o índice de agressão é alto, sendo que foram
considerados abusos verbais ou físicos, sexuais, roubos e furtos, ferimentos com facas ou revólver
ou jatos d’água.
28
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”.
Como se viu, tanto o PIS quanto o PASEP visam constituir um fundo de
ajuda ao trabalhador, mormente quando há perda de emprego. Justamente em razão
do escopo dos referidos programas – auxílio, ajuda – é de se entender que, diante do
estado de miserabilidade – situação muito mais violadora da dignidade da pessoa do
que a perda de emprego - é possível o levantamento das quantias vinculadas nas
contas dos titulares.
Como se sabe, todavia, não raras vezes o legislador não tem condições de
prever todas as situações de fato que podem se apresentar em consonância com a
finalidade da norma. Em assim sendo, deparando-se os aplicadores do Direito com
tais situações, devem interpretar as disposições legais sempre de acordo com sua
teleologia e se valer de técnicas como a interpretação extensiva para resolver os
casos concretos3031.
A população em situação de rua pode ser considerada população em
condição de hipervulnerabilidade, por estar submetida a diversas violações
simultâneas de direitos fundamentais.
A conceituação de uma população que não apenas é vulnerável por alguma
razão pontual mas sim hipervulnerável32
em razão do não exercício de diversos
direitos já foi admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, em voto de Relatoria do
Ministro Herman Benjamin, abaixo transcrito:
30 Cabe ressaltar que no caso entende-se mais adequada o uso da interpretação
extensiva e não do método de integração analógico visto que o que torna a inclusão da
hipótese pelo legislador não é o elemento de conexão entre as hipóteses legais
existentes e a que se pretende defender, mas sim a finalidade da lei que previu as
hipóteses de levantamento dos valores depositador no PASEP.
31 Acerca do método de interpretação das leis afetas aos fundos de amparo ao
trabalhador, vale sugerir a leitura do REsp 1251566/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011.
32 PEREIRA, Felipe Pires. Meios Alternativos de Resolução Urbano e Justicialibidade do Direito Fundamental Social à Moradia, 2013. 225 f. Tese (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2013, pp. 120-121.
29
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PROTEÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA, MENTAL OU
SENSORIAL. SUJEITOS HIPERVULNERÁVEIS. Fornecimento de prótese
auditiva. Ministério PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA ad causam. LEI
7.347/85 E LEI 7.853/89.
1. Quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre deve ser o
grau de acesso aos tribunais que se espera seja garantido pela Constituição e
pela lei à pessoa, individual ou coletivamente.
(...)
3. A categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos vulneráveis inclui
um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais se destacam, por
razões óbvias, as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental.
(...)
10. Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba
beneficiada é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto
coletivo de inclusão social imperativa, que lhe é caro, não por sua faceta
patrimonial, mas precisamente por abraçar a dimensão intangível e humanista
dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Assegurar
a inclusão judicial (isto é, reconhecer a legitimação para agir) dessas pessoas
hipervulneráveis, inclusive dos sujeitos intermediários a quem incumbe
representá-las, corresponde a não deixar nenhuma ao relento da Justiça por
falta de porta-voz de seus direitos ofendidos.
11. Maior razão ainda para garantir a legitimação do Parquet se o que está
sob ameaça é a saúde do indivíduo com deficiência, pois aí se interpenetram a
ordem de superação da solidão judicial do hipervulnerável com a garantia da
ordem pública de bens e valores fundamentais – in casu não só a existência
digna, mas a própria vida e a integridade físico-psíquica em si mesmas, como
fenômeno natural.
(...).”
(STJ - REsp 931513 - RS – Primeira Seção – Rel. Min. Carlos Fernando
Mathias – Rel. p/acórdão Min. Herman Benjamin – DJE 27/09/2010
Em sendo da própria razão da existência do PASEP o auxílio ao trabalhador
em situações em que este enfrenta algum grau de vulnerabilidade ou instabilidade
econômica, quanto mais deve servir esta poupança obrigatória em casos em que este
outrora trabalhador enfrenta situações de hipervulnerabilidade.
Assim, em que se pese a lei não ter contemplado todas as hipóteses legais de
vulnerabilidade que justificassem o levantamento do fundo, deve o legislador se
utilizar de expedientes que integrem estas lacunas. No caso em tela, lançando mão da
30
interpretação extensiva da lei, possível que o aplicador do direito inclua novas
hipóteses não contempladas diretamente na lei, mas que se podem inferir pela análise
da própria finalidade da lei.
Destarte, a interpretação extensiva das hipóteses em que a lei elegeu como
dignas de possibilitarem que o trabalhador se socorresse do fundo acumulado
enquanto na ativa à hipótese de pessoa em situação de rua, é uma subsunção
antecedida e tornada possível por uma ampliação do sentido da norma.
Em outras palavras, não se pode aguardar que o indivíduo venha a óbito para
somente então se deferir a liberação do montante que, em essência, já lhe pertence.
DO DEVER DA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Como sabido, o artigo 273 do Código de Processo Civil proclama os
principais requisitos da concessão da tutela antecipada o fumus boni juris e o
periculum in mora.
Por todo já exposto na presente tese, inegável a presença de fumaça do bom
direito, visto que é manifestamente reconhecido pela jurisprudência o fato de que a
interpretação do rol das hipóteses para o saque do fundo PIS-PASEP deve ser feita
de maneira extensiva.
Ademais, facilmente se comprova a situação de rua do usuário por meio de
declaração feita pelos assistentes sociais das entidades em que eles pernoitam, ainda
que de forma eventual. Já a comprovação da existência de saldo – em que se pese
não entendermos como requisito legal para a propositura da ação em obediência ao
princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV da
Constituição Federal) – também se comprova sem dificuldade pela respostas aos
ofícios encaminhados ao Banco do Brasil pela Defensoria Pública.
Resta evidente, também, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação. Referido risco decorre da demora natural da prestação da tutela
jurisdicional. Como já mencionado, esta é uma população hipervulnerável, em sua
maioria de idade avançada, em situação de pobreza extrema e exposta a diversos
tipos de riscos à sua integridade física.
Todavia, o deferimento antecipado do levantamento dos valores depositados
– muitas vezes essencial à própria utilidade da ação – é na maioria dos casos obstada
31
pelo argumento de que tal medida seria irreversível, o que posterga o levantamento
em meses ou anos.
Tal como ensina Júlio Ricardo de Paula Amaral, a irreversibilidade não pode
ser vista de forma isolada nos requisitos para a concessão de tutela antecipada, “a
intenção é a de que, se cumpridos os requisitos necessários para o deferimento da
tutela antecipatória e que somente se esbarrou na questão da irreversibilidade, o
juiz deverá analisar os direitos em litígio e, se concluir que o direito do autor é o
mais provável, mesmo correndo risco, deverá antecipar os efeitos da tutela
jurisdicional pleiteada” (2001, p. 103). Assim, havendo cotejo do princípio da
dignidade da pessoa humana com a apontada irreversibilidade, este deve ser alçado
em primeiro plano.
Ora, não estão estas pessoas a requerer nada que não lhe seja devido ou
solicitando qualquer tipo de ajuda de cunho financeiro de qualquer pessoa que seja.
Apenas querem ver assegurado e reconhecido seu direito de verem-se amparados,
minimamente, pelos frutos de seu próprio trabalho.
Como se vê, não há prejudicados no deferimento de tal provimento.
Todavia, trata-se o instrumento jurídico adequado de ação de obrigação de
fazer e não pedido de alvará, vez que reiteradamente o Banco do Brasil S.A. resiste à
pretensão dos nossos usuários, provavelmente porque pretende aumentar o período
em que lucra com os rendimentos dos valores depositados e, ainda, por contar com a
possiblidade de vindo o titular da quantia a óbito, nenhum herdeiro se habilite e o
banco embolse definitivamente a quantia.
Não permitir o levantamento dos valores é, assim, afrontar todos os valores já
mencionados que circundam a matéria e, ainda, privilegiar o enriquecimento sem
causa da instituição financeira (artigo 884 do Código Civil).
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já tem proferido decisões neste
sentido, nas quais se verifica de modo claro a menção ao fundamento constitucional
da dignidade da pessoa humana.
“Agravo de instrumento. Decisão que indeferiu a antecipação de tutela para
liberar o levantamento do valor depositado no PASEP em favor do ora
agravante, ante a irreversibilidade da medida. Inconformismo. Agravante em
situação de miserabilidade, desempregado e residindo em albergue para
moradores em situação de rua. Valor depositado na conta do PIS não
representa quantia significativa, contudo, de significativa importância para o
32
agravante. Impossibilidade de reversibilidade da medida, dada a
peculiaridade do caso, não pode ser posta como óbice ao levantamento - o
direito que se visa a assegurar com a garantia da reversibilidade da medida
envolve a pessoa do próprio agravante, e não de terceiro. A dignidade da
pessoa humana, enquanto fundamento constitucional, deve ser alçada ao
primeiro plano. Recurso provido. (TJ/SP – Agravo de instrumento n. 2000618-
23.2014.8.26.0000 – 9a Câmara de Direito Privado – Relator Piva Rodrigues,
julgado em 03.06.2014)”.
Poder-se-ia alegar que a situação de rua se trata de eventual circunstância
reversível na vida de um indivíduo. Todavia, tal como já demonstrado, este
argumento não encontra respaldo na realidade da maioria absoluta das pessoas em
situação de rua do Estado de São Paulo. E, ainda que assim felizmente se sucedesse,
eventual levantamento precoce do saldo só teria o condão de prejudicar o próprio
titular do fundo.
Tal fato, por si só, não deixa dúvida de que há hipótese clara de liberação do
PASEP em sede de antecipação de tutela, para que o programa atenda à sua função
social33
.
33“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAQUE. FGTS. PIS. HIPÓTESES LEGAIS. EPENDÊNCIA ECONÔMICA.
SÚMULA 07/STJ. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. CABIMENTO.[...]3. Em relação às hipóteses de
saque do saldo de PIS, esta Corte, em casos excepcionais, tem admitido a liberação do saldo do
PIS/PASEP para fazer face às despesas com doença grave, mesmo que não conste no rol de
hipóteses previstas em lei. [...] O PIS/PASEP nada mais é do que a poupança do trabalhador. E, são
justamente nessas situações, de preservação da sua vida e saúde, bem como de seus
familiares, que o mesmo precisa recorrer aos depósitos fundiários, como tábua de salvação e
esperança única à solução desses infortúnios. (...) Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça
tem conferido uma interpretação extensiva a esse dispositivo legal, viabilizando a liberação do
PIS fora das hipóteses legais, tendo em vista situações de emergência, a exemplo de doença
grave e miserabilidade do titular da conta. A finalidade social do PIS, que emerge de maneira
evidente da leitura do art. 239 da Constituição Federal, somada ao direito à uma vida digna e ao
objetivo fundamental da República Federativa do Brasil que é erradicar a pobreza e a
marginalização (art. 1º, III, e art. 3º, III, da CF), autorizam concluir pela não taxatividade das
hipóteses legais permissivas do saque. De fato, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que
é possível, em casos excepcionais, a liberação do PIS mesmo nos casos de ausência de previsão
legal”. (Processo:Ag1376064,Relator(a):Ministro CASTRO MEIRA,Publicação:DJ 17/02/2011).
(grifo nosso).
33
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Como o levantamento do fundo do PASEP para pessoas em situação de rua
ainda não é consolidado na jurisprudência ou sumulado pelos tribunais superiores, o
Banco do Brasil S.A. não realiza o levantamento sem decisão judicial a respeito.
Desta forma, é necessário por parte do Defensor Público a elaboração de ofício para
que o usuário tente realizar o levantamento do numerário depositado em seu nome.
Neste ofício deve-se requisitar resposta negativa por escrito entregue ao usuário ou
diretamente à Defensoria Pública.
Após a invariável negativa por parte do banco (verbal ou escrita), deverá o
Defensor Público ajuizar Ação de Obrigação de Fazer com pedido de Tutela
Antecipada.
Cabe mencionar, ainda, que a operacionalização jurídica da presente tese não
é a única medida que deve ser tomada para que esta população hipervulnerável tenha
acesso a este importante meio de obtenção de recursos financeiros.
Em razão das peculiaridades deste heterogêneo grupo – que sofre todo tipo de
segregação e óbice no acesso aos instrumentos públicos - sugerimos que seja
elaborada política de inclusão desta população nos quadros de usuários da Defensoria
Pública em cada uma de suas unidades.
FONTES
Sites:
http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Pis-Pasep-Cria%C3%A7%C3%A3o-e-
Benef%C3%ADcios/688594.html
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transpa
rente/Fundos/Pispasep/index.html
http://www.unifesp.br/dgineco/mastologia/apoio-ao-paciente/direitos-das-pacientes-
portadoras-de-cancer-de-mama-1/9-direito-ao-saque-do-pis-pasep
https://www.fazenda.sp.gov.br/folha/nova_folha/pis_pasep.asp
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0207200531
34
COSTA, FERNANDO BRAGA DA. Garis: um estudo de psicologia sobre
invisibilidade pública. 2002. 177 f. Dissertação de Mestrado - Universidade de São
Paulo (USP). Instituto de Psicologia São Paulo.
GUARDA, Mariana de Gouveia, Políticas Públicas e Direitos: Um estudo de caso.
2014. 138 f. Tese (Mestrado em Direito) –, Universidade de São Paulo, São Paulo.
2014.
GRILLO, André Peralta. Incoerência e fracasso: estudo de caso sobre a inserção
precária de um morador de rua na cidade de Juiz de Fora/ MG. pp. 55. In ANAIS
SEMINARIO NACIONAL POPULAÇAO EM SITUAÇAO DE RUA, 1411/2008,
UFSCAR, São Carlos-SP. Disponível online:
http://www.senaposirua.ufscar.br/anais-do-seminario-1
PEREIRA, Felipe Pires. Meios Alternativos de Resolução Urbano e Justicialibidade
do Direito Fundamental Social à Moradia, 2013. 225 f. Tese (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2013
SIMÕES JUNIOR. José Geraldo. Moradores de Rua. São Paulo: Pólis, 1992. pp. 35-
37.
35
TESE 4
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
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SÚMULA
Caracteriza abandono (art. 1.275, III, CC) a conduta do locatário que, ao
desocupar o imóvel locado, deixa os seus bens no local e não mais retorna para
buscá-lo, acarretando a aquisição de tais bens pelo locador mediante ocupação (art.
1263, CC) e, por via de conseqüência, a desoneração deste do encargo de
depositário dos mesmos.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico ao locador que,
depois de lograr êxito em relação à desocupação do imóvel locado pelo locatário,
permanece como depositário dos bens móveis deixados no local pelo último e sequer
são retirados de lá pelo mesmo. Referida situação imputa um ônus excessivo ao
locador que, além de já ter sido prejudicado, na maioria dos casos, pelo
inadimplemento do locatário, torna-se depositário de seus bens, não dispondo, via de
regra, de condições financeiras para destinar um depósito adequado para acomodá-
los, o que, inclusive, se daria por um tempo indeterminado, dada à incerteza de
quando (e se) o locatário irá retirá-los. Ademais, há ainda o risco de o locador, ao dar
um destino a tais bens do locatário sem comunicá-lo, sofrer futura ação de
indenização por danos materiais a ser ajuizada por este (locatário) em face daquele
36
(locador), o que já constatamos em alguns casos. Portanto, a tese em análise serviria
para solucionar essa difícil situação enfrentada comumente pelo locador, evitando
que incorra em qualquer responsabilidade enquanto depositário dos bens deixados no
imóvel locado pelo locatário que não mais os busca no local.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar estadual n. 988/06 e artigo 4º,
incisos I, V e X da Lei Complementar federal n. 80/94.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A conduta do locatário consistente em deixar seus bens móveis no imóvel
locado depois de desocupá-lo e não mais buscá-los caracteriza o abandono, nos
termos do artigo 1.275, inciso III do Código Civil, que assim prevê:
Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: (...)
III - por abandono;
Diante deste abandono, entende-se que o locador adquire mencionados bens
mediante ocupação, com base no artigo 1.263 do Código Civil, o qual estabelece:
Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a
propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
Portanto, a conjugação dos dispositivos legais acima transcritos serve para
desonerar o locador do encargo de depositário dos bens móveis deixados pelo
locatário no imóvel locado, estando aquele (locador) não só liberado de tal ônus e de
responder a futura ação de indenização nos moldes descritos no item “assunto”
acima, como também lhe autoriza a dar o destino que bem entender a tais bens
(doação a terceiros, descarte, etc.).
O raciocínio acima é corroborado pela jurisprudência do E. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, como se vê pelos acórdãos abaixo transcritos:
0203154-28.2012.8.26.0000 Agravo de Instrumento
Relator(a): Sá Moreira de Oliveira
Comarca: São Bernardo do Campo
37
Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 15/10/2012
Data de registro: 15/10/2012
Outros números: 2031542820128260000
Ementa: DESPEJO. Desocupação Abandono de bens móveis Causa de
perda da propriedade que dispensa manifestação expressa de vontade
Comportamento do agravado que permite conclusão sobre o ânimo de não
mais ser dono Inteligência do artigo 1.275, inciso III, do Código Civil
Aquisição da propriedade por ocupação Desarrazoabilidade na transferência
do ônus de guarda dos bens Degradação e pouco valor dos bens que reforça
o acerto da desoneração do depositário Autorizada a doação dos bens, ato
que deverá ser comprovado em Juízo Exegese do artigo 1.263, do Código
Civil. Agravo provido.
LOCAÇÃO - DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL - COISAS ABANDONADAS -
AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE POR VIA DE OCUPAÇÃO -
INTELIGÊNCIA DO ART. 1233 DO CÓDIGO CIVIL EM VIGOR. Admite-
se o assenhoreamento pelo locador dos bens móveis abandonados pelo
inquilino após a desocupação do imóvel. O locador não é obrigado a
suportar os encargos de depósito dos referidos bens, além do
inadimplemento já suportado.
(Rel. Des. Cloris Castelo, 35ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Agravo de
Instrumento nº 990.09.289607-5)
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - AÇÃO DE DESPEJO DESOCUPAÇÃO
COERCITIVA DO IMÓVEL - GUARDA DOS BENS DA INQUILINA EM
DEPÓSITO - INÉRCIA DESTA EM CUSTEAR A GUARDA E DE
REAVÊ-LOS, EMBORA INTIMADA – PRESUNÇÃO DE ABANDONO
OCUPAÇÃO - Há presunção de abandono dos bens depositados (res
derelictae), modo de perda da propriedade móvel (CC/1916, art. 589, III, e
CC/2002, art. 1.275, III), autorizando, conseqüentemente, a ocupação deles
pelo depositário (CC/1916, art. 592, e CC/2002, art. 1.263), modo de
aquisição da titularidade. Não há que se permitir o depósito ad eternum,
onerando ainda mais o depositário com a conservação dos aludidos bens e,
em contrapartida, beneficiando a inquilina que os abandona – Agravo não
provido, com observação.
(Rel. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, 3ª Câmara do Segundo Tribunal
de Alçada Civil, Agravo de Instrumento nº 828.844-0/8)
38
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que estiver
representando os interesses do locador e se deparar com situações como aquela
acima narrada, pode se valer do raciocínio acima, tendo por fundamento os
dispositivos legais supra mencionados e corroborado pela jurisprudência acima
colacionada, de modo a isentar o locador de qualquer responsabilidade, além de
solucionar o problema por ele enfrentado no que tange aos bens móveis deixados
pelo locatário e situados em seu imóvel.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a) que estiver
representando os interesses do locador, ao constatar nos autos a desocupação do
imóvel pelo locatário, bem como o transcurso de prazo razoável (em torno de dois
meses, por exemplo), contados da desocupação, sem que o locatário venha retirá-los,
formule uma petição simples nos autos para, após noticiar tais fatos, pleitear a
caracterização do abandono dos bens pelo locatário e a aquisição destes pelo locador
mediante ocupação, bem como, por via de consequência, a desoneração do locador
do encargo de depositário dos mesmos.
39
TESE 5
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
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SÚMULA
É possível ao locador oferecer o próprio imóvel locado como caução, para o
fim de viabilizar o pedido liminar de despejo em face do locatário.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico ao locador que, ao
formular pedido liminar de despejo, apresenta dificuldades financeiras para prestar
caução para tal fim, na forma exigida pelo artigo 59, § 1º da Lei 8.245/91, que assim
prevê (grifos nossos): Art. 59, § 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em
quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que
prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que
tiverem por fundamento exclusivo: (...). Assim, ao prestar o próprio imóvel como
caução, o locador, que já não está recebendo aluguéis e demais encargos pelo
locatário, deixa de sofrer mais um ônus financeiro consistente na caução em
dinheiro, além de agilizar o despejo por meio do pedido de liminar.
40
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar estadual n. 988/06 e artigo 4º,
incisos I, V e X da Lei Complementar federal n. 80/94.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A lei de locação, ao exigir do locador a prestação de caução no valor
equivalente a três meses de aluguel para a concessão da liminar de despejo (art. 59, §
1º da Lei 8.245/91), não prevê que referida caução seja, única e exclusivamente, em
dinheiro, admitindo, pois, que seja esta prestada pelo oferecimento do próprio imóvel
por parte do locador.
Nesse sentido, os seguintes julgados do E. TJ/SP:
“LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. Ação de despejo por falta de pagamento com
pedido liminar c.c. cobrança de aluguéis. Decisão de primeiro grau que
deixou de receber como caução o próprio imóvel gerador da controvérsia,
fixando que a garantia só pode ser prestada em dinheiro. Posicionamento
equivocado. Possibilidade de ser aceito em caução o imóvel locado, que é
capaz de assegurar à ré o ressarcimento de eventuais danos que possam
advir. Recurso provido, reformando-se a r. decisão ora guerreada”
(Agravo de instrumento n. 2016060-63.2013.8.26.0000 – Rel. Carlos Nunes –
Comarca: São Paulo – Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado –
Data de julgamento: 21/10/2013 – Data de registro: 22/10/2013)
2092266-84.2014.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel
Relator(a): Sá Moreira de Oliveira
Comarca: Suzano
Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 31/07/2014
Data de registro: 01/08/2014
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO Locação Alterações introduzidas
pela Lei nº 12.112/2009 de vigência imediata Matéria processual Ação de
despejo por falta de pagamento Artigo 59, parágrafo 1º, inciso IX, da Lei nº
8.245/91 Liminar Presença dos requisitos legais Caução Possibilidade de
indicação do próprio imóvel objeto do contrato de locação Simples
41
formalização Não bastasse, contrato não residencial prorrogado por prazo
indeterminado Notificação prévia Artigo 59, inciso VIII, da Lei 8.245/91.
Agravo parcialmente provido.
2084003-63.2014.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel
Relator(a): Hugo Crepaldi
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 26/06/2014
Data de registro: 27/06/2014
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE DESPEJO Liminar
indeferida Locação não residencial Denúncia vazia Ação movida dentro do
prazo previsto pelo art. 59, § 1º, inc. VIII, da Lei nº 8.245/91, conforme
alteração trazida pela Lei nº 12.112/09 Presença dos requisitos autorizadores
da concessão da liminar Oferecimento do próprio imóvel locado como
caução Possibilidade Não se verificam obstáculos à aceitação de imóvel como
caução, desde que se mostre capaz de restaurar o patrimônio daquele que é
injustamente despejado, devendo, para tanto, ultrapassar o valor de três
aluguéis, estar na esfera de disponibilidade do locador e, por fim, encontrar-
se livre de outros ônus que diminuam seu valor de mercado Imóvel oferecido
pelas agravantes que preenche tais requisitos Recurso provido
“Locação - Execução de título judicial (ação de despejo por falta de
pagamento cumulada com cobrança de
aluguéis) - Caução - Oferecimento do próprio imóvel locado -
Admissibilidade - Escolha que compete ao locador e exeqüente, e não ao
magistrado - Nome e endereço dos advogados na petição de interposição -
Dispensa-se a indicação dos nomes e dos endereços dos advogados, quando
da interposição do agravo de instrumento, se nas cópias das procurações
juntadas se pode claramente verificar tais registros - Preliminar de não
conhecimento rejeitada e agravo de instrumento provido.” (AI n.º 779.290-
0/8, rel. Romeu Ricupero).
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que estiver
representando os interesses do locador e se deparar com a situação de dificuldade
econômica deste para a prestação de caução no valor de três aluguéis, pode se valer
do raciocínio acima, corroborado pela jurisprudência acima colacionada, para
42
viabilizar o pedido de liminar em ação de despejo, conferindo efetividade e
celeridade à sua pretensão.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a) que se
deparar com a situação acima retratada já indique o oferecimento do imóvel locado
como caução no bojo do próprio pedido de liminar, de forma a viabilizá-lo.
43
TESE 6
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 991541173
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Ainda que o contrato de locação tenha como garantia a caução prestada pelo
locatário, é cabível o pedido de liminar pelo locador na hipótese de o valor da
referida caução ser superado pelo valor do débito.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico ao locador que, ao
formular pedido liminar de despejo, pode encontrar obstáculo para a concessão da
liminar, pelo fato de o contrato de locação não ser desprovido de garantia (no caso,
caução).
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar estadual n. 988/06 e artigo 4º,
incisos I, V e X da Lei Complementar federal n. 80/94.
44
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O artigo 59, § 1º, inciso IX da Lei 8.245/91 estabelece que caberá liminar
na hipótese de falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento,
estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37,
por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela,
independentemente de motivo.
Numa leitura rápida do mencionado dispositivo legal (primeiro grifo
acima), poder-se-ia inferir que, havendo garantia (caução) no contrato de locação em
questão, não seria cabível formular o pedido de liminar.
Contudo, uma leitura mais atenta do mesmo dispositivo (segundo grifo
acima), verifica-se que, caso o valor da caução prestada (no importe de três aluguéis,
por exemplo, e levando-se em conta a correção pelo índice da poupança na forma do
art. 38, § 2º da Lei de Locação) já houver sido superado pelo valor do débito (acima
de três aluguéis, por exemplo), entende-se que a garantia mencionada já estaria
extinta, motivo pelo qual seria plenamente cabível formular o pedido de liminar de
despejo pelo locador.
Esse raciocínio, além de decorrer da própria dicção do dispositivo legal
em análise (“ou em caso de extinção”), também é sufragado pela jurisprudência do E.
TJ/SP, a saber:
2059569-10.2014.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel
Relator(a): Marcos Ramos
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 28/05/2014
Data de registro: 29/05/2014
Ementa: Locação de imóvel residencial - Ação de despejo por falta de
pagamento Decisão que indeferiu liminar para imediata desocupação do imóvel
Reforma Necessidade - Requisitos exigidos pelo §1º, IX, do art. 59, da Lei
8.245/91 Existência - Caução que abrange apenas 03 meses de aluguel Débito
superior ao valor garantido Garantia já extinta. Recurso provido.
0078663-80.2011.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel
Relator(a): José Malerbi
Comarca: São Paulo
45
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 23/05/2011
Data de registro: 27/05/2011
Ementa: DESPEJO - LIMINAR - FALTA DE PAGAMENTO E DE GARANTIA
LOCATÍCIA -ART. 59°, § Io, IXDA LEI 83245/91, ALTERAÇÃO DA LEI
12.112/09 - POSSIBILIDADE - VALOR DA CAUÇÃO SUPERADA PELO
VALOR DO DÉBITO - EXTINÇÃO DA GARANTIA DO ART. 37. Com a
ampliação das hipóteses de despejo liminar do § Io do art. 59 da Lei de
Locação pela Lei 12.112/09, é direito do locador de imóvel obter a
desocupação, antes do contraditório e audiência, se inexistente ou extinta
garantia locatícia prevista no art. 37 da Lei de Locação. E considerada
extinta a caução cujo montante já está superado pelo valor do débito,
conforme cálculo nos autos. A garantia que deixa de ser efetiva deve ser
considerada extinta para os termos do inciso IX do § 1" do art. 59. Liminar
concedida. Agravo provido
2014179-17.2014.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel
Relator(a): Morais Pucci
Comarca: Ribeirão Preto
Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 03/06/2014
Data de registro: 08/07/2014
Ementa: Agravo de instrumento Ação de despejo por falta de pagamento c/c
pedido de cobrança. Decisão que indeferiu a liminar e fixou em 10% os
honorários advocatícios para fins de purgação da mora. Insurgência.
Garantia locatícia prestada na modalidade caução que se tornou insuficiente
porque superada pelo valor do débito. Cumprimento dos requisitos do art.
59, § 1º, IX, da Lei de Locação. Liminar concedida. Verba honorária que
deve respeitar o percentual fixado em contrato. Decisão reformada. Agravo
provido.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que estiver
representando os interesses do locador e se deparar com a situação acima (contrato
de locação garantido por caução cujo valor seja inferior ao valor do débito) poderá
46
deduzir pedido de liminar de despejo, a fim de buscar celeridade e efetividade à ação
de despejo por ele proposta.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a) que se
deparar com a situação acima retratada já indique, no bojo do próprio pedido de
liminar e por meio de planilha de cálculo, que o valor da caução prestada pelo
locatário é inferior ao valor do débito por ele devido, de forma a viabilizar referido
pedido.
47
TESE 7
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 991541173
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Caso haja recusa do credor fiduciário em receber o bem dado em garantia
quando oferecido pelo devedor fiduciante em estado de dificuldade financeira, é
cabível o ajuizamento de ação de consignação em pagamento para obrigar aquele a
recebê-lo.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico ao devedor
fiduciante que, encontrando-se em dificuldades financeiras, encontra resistência do
credor fiduciário em receber de volta o bem dado em garantia, como forma daquele
evitar sua inadimplência ou mesmo de abater sua dívida.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar estadual n. 988/06 e artigo 4º,
incisos I, V e X da Lei Complementar federal n. 80/94.
48
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Havendo interesse do devedor fiduciante em devolver voluntariamente o bem
dado em garantia ao credor fiduciário, por se encontrar em dificuldades financeiras, a
recusa do último em recebê-lo não se justifica, configurando uma recusa sem justa
causa (nos termos do art. 335, inciso I do Código Civil), cabendo, pois, o
ajuizamento de ação de consignação em pagamento por aquele (devedor) para
obrigar este (credor) a recebê-lo.
Cabe apontar que inexiste qualquer prejuízo ao credor fiduciário neste caso,
já que poderá alienar o bem retomado a terceiro e ainda ser ressarcido de eventual
saldo devedor remanescente.
O devedor, a seu turno, ao devolver o bem ao credor por meio da ação de
consignação, poderá tanto evitar a inadimplência (caso esteja em dia com as
prestações do financiamento ao ajuizar a consignação), como abater e estancar a sua
dívida (na hipótese de estar com algumas prestações atrasadas, evitando de pagar, ao
menos, as parcelas vincendas e abatendo a dívida com o valor do bem devolvido,
ainda que tal valor seja aquele obtido pelo credor com a venda do bem a terceiro).
Além da recusa sem justa causa (art. 335, I, CC), o pedido de consignação em
análise também pode ser fundamentado no dever do credor de mitigar o próprio
prejuízo (“duty to mitigate the loss”), enquanto corolário do princípio da boa-fé
objetiva (conforme Enunciado n. 169 do Conselho da Justiça Federal: “o princípio da
boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”), já
que compete ao credor receber o bem dado em garantia como forma de mitigar o seu
próprio prejuízo.
O raciocínio acima exposto também é sufragado pela jurisprudência do E.
TJ/SP, a saber:
0003023-47.2009.8.26.0063 Apelação
Relator(a): Vanderci Álvares
Comarca: Barra Bonita
Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 12/12/2012
Data de registro: 18/12/2012
Outros números: 30234720098260063
49
Ementa: Bem móvel. Veículo automotor. Ação de obrigação de fazer. Sentença
de improcedência. 1. Segundo autor que possuía automóvel adquirido
mediante contrato de alienação fiduciária, tendo-o repassado ao primeiro
autor e esse, por sua vez, repassou o veículo ao réu, que se comprometeu a
transferir o contrato de financiamento e arcar com o pagamento das
contraprestações em aberto, bem como a realizar a transferência da
propriedade do bem perante o DETRAN. 2. Réu que não procedeu à
transferência do financiamento e da propriedade do bem para seu nome
como havia sido entabulado no contrato ajustado entre as partes. Sentença
reformada. Procedência da ação. 3. Deram provimento ao apelo dos autores,
julgando-se procedente a demanda.
0080012-96.2009.8.26.0224 Apelação
Relator(a): Kioitsi Chicuta
Comarca: Guarulhos
Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 20/01/2011
Data de registro: 28/01/2011
Outros números: 990103294769
Ementa: Bem móvel. Obrigação de fazer cumulada com cobrança e
indenização por danos. Extinção do processo sem julgamento de mérito.
Reconhecimento de impossibilidade jurídica do pedido. Convicção embasada
na literalidade das expressões técnicas utilizadas pelo autor. Rigor excessivo.
Não ocorrência de transferência da posição contratual, mas mera cessão dos
direitos do devedor fiduciante. Negócio lícito e possível. Possibilidade
jurídica do pedido. Recurso provido. Há excessivo rigor da MM. Juíza,
adotando sua convicção com base na literalidade das expressões técnicas
utilizadas na exordial. Não houve, evidentemente, transferência da posição
contratual e a cessão dos direitos do devedor fiduciante ê lícita e possível.
Bem por isso, afasta-se a extinção do processo pox impossibilidade jurídica do
pedido, devendo os autos ser devolvidos à origem para prosseguimento da
ação.
0010335-87.2010.8.26.0597 Apelação
Relator(a): José Malerbi
Comarca: Sertãozinho
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 02/12/2013
Data de registro: 02/12/2013
Outros números: 103358720108260597
50
Ementa: OBRIGAÇÃO DE FAZER - NEGÓCIO DE COMPRA E VENDA
ENVOLVENDO VEÍCULO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EXTINÇÃO
AFASTADA JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 515, § 3º, DO CPC -
INADIMPLEMENTO TUTELA CONCEDIDA COM ALTERNATIVA PELO
EQUIVALENTE - A transferência de direitos e obrigações decorrentes de
contrato de financiamento não é vedada Tratando-se de negócio distinto,
com contrato firmado entre as partes e obrigações nele estabelecidas, que
não é inválido, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, inclusive
diante da regra aberta imposta pela lei acerca do cumprimento da obrigação
de fazer e possibilidade de tutela equivalente - O réu assumiu obrigação no
contrato firmado com o autor - Obrigação de fazer deve ser imputada ao réu,
de transferência ou alternativamente de quitação do financiamento - Apelo
provido.
0002308-34.2010.8.26.0333 Apelação
Relator(a): Carlos Nunes
Comarca: Macatuba
Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 02/12/2013
Data de registro: 04/12/2013
Outros números: 23083420108260333
Ementa: BEM MÓVEL - Ação de obrigação de fazer - Veículo adquirido
pelo autor por meio de financiamento - Alienação efetuada ao réu, que se
responsabilizou pelo pagamento das parcelas junto à instituição financeira e
por quaisquer multas que fossem posteriores à venda do automóvel -
Descumprimento obrigacional, pois o réu não quitou as prestações, nem
tampouco as multas de trânsito - A despeito do autor haver alienado
irregularmente bem que não era de sua propriedade, é certo que o réu se
responsabilizou pela quitação das prestações do financiamento e pelas multas
que recaíssem sobre a coisa após a venda - Dever de providenciar o
pagamento dos débitos incidentes sobre o automotor - Recurso provido, para
julgar a ação procedente, condenando-se o réu a efetivar a quitação das
parcelas de financiamento a que se obrigara e das multas de trânsito
posteriores à data da compra e venda celebrada entre as partes, no prazo de
15 dias, sob pena de multa diária de R$ 300,00, condenando-o ainda às
custas, despesas processuais e honorários advocatícios de R$ 1.000,00,
arbitrados por equidade, observado o art. 12 da Lei nº 1.060/50.
51
TESE 8
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 991541173
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Admite-se, sem a anuência do credor fiduciário, a celebração de negócio
jurídico entre o devedor fiduciante e terceiro destinado à transferência de direitos e
obrigações decorrentes do contrato de financiamento, bem como o ajuizamento de
ação de obrigação de fazer por aquele em face deste para compeli-lo a cumprir os
termos do negócio entre eles firmado.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico ao devedor
fiduciante que transfere os direitos e obrigações decorrentes do contrato de
financiamento a terceiro (em geral por lhe faltar condições financeiras para arcar
com as parcelas restantes do financiamento) e sofre com as consequências do
inadimplemento deste em relação às obrigações entre eles firmadas (dentre as quais a
responsabilidade por impostos, multas, pontos pelas infrações de trânsito, demais
parcelas do financiamento, entre outras).
52
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar estadual n. 988/06 e artigo 4º,
incisos I, V e X da Lei Complementar federal n. 80/94.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Não obstante o gravame que incide sobre o bem (arrendamento mercantil, por
exemplo), não há impedimento para a celebração de contrato relativo ao mesmo sem
a anuência do credor fiduciário.
Uma vez preenchidos os requisitos do art. 104 do Código Civil, a lei não veda
tal negócio jurídico, de forma que a falta de anuência da instituição financeira apenas
impede os efeitos do negócio em relação a ela (cf. Arnaldo Rizzardo, “Contrato”, 8ª
ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense, 2008).
Trata-se, assim, de negócio distinto, com contrato firmado entre as partes e
obrigações nele estabelecidas, não devendo uma das partes se sujeitar à
inadimplência da outra, que descumpriu dever contratual a ela imposto.
O raciocínio acima exposto também é referendado pela jurisprudência do E.
TJ/SP, a saber:
0003023-47.2009.8.26.0063 Apelação
Relator(a): Vanderci Álvares
Comarca: Barra Bonita
Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 12/12/2012
Data de registro: 18/12/2012
Outros números: 30234720098260063
Ementa: Bem móvel. Veículo automotor. Ação de obrigação de fazer. Sentença
de improcedência. 1. Segundo autor que possuía automóvel adquirido
mediante contrato de alienação fiduciária, tendo-o repassado ao primeiro
autor e esse, por sua vez, repassou o veículo ao réu, que se comprometeu a
transferir o contrato de financiamento e arcar com o pagamento das
contraprestações em aberto, bem como a realizar a transferência da
propriedade do bem perante o DETRAN. 2. Réu que não procedeu à
transferência do financiamento e da propriedade do bem para seu nome
53
como havia sido entabulado no contrato ajustado entre as partes. Sentença
reformada. Procedência da ação. 3. Deram provimento ao apelo dos autores,
julgando-se procedente a demanda.
0080012-96.2009.8.26.0224 Apelação
Relator(a): Kioitsi Chicuta
Comarca: Guarulhos
Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 20/01/2011
Data de registro: 28/01/2011
Outros números: 990103294769
Ementa: Bem móvel. Obrigação de fazer cumulada com cobrança e
indenização por danos. Extinção do processo sem julgamento de mérito.
Reconhecimento de impossibilidade jurídica do pedido. Convicção embasada
na literalidade das expressões técnicas utilizadas pelo autor. Rigor excessivo.
Não ocorrência de transferência da posição contratual, mas mera cessão dos
direitos do devedor fiduciante. Negócio lícito e possível. Possibilidade
jurídica do pedido. Recurso provido. Há excessivo rigor da MM. Juíza,
adotando sua convicção com base na literalidade das expressões técnicas
utilizadas na exordial. Não houve, evidentemente, transferência da posição
contratual e a cessão dos direitos do devedor fiduciante ê lícita e possível.
Bem por isso, afasta-se a extinção do processo pox impossibilidade jurídica do
pedido, devendo os autos ser devolvidos à origem para prosseguimento da
ação.
0010335-87.2010.8.26.0597 Apelação
Relator(a): José Malerbi
Comarca: Sertãozinho
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 02/12/2013
Data de registro: 02/12/2013
Outros números: 103358720108260597
Ementa: OBRIGAÇÃO DE FAZER - NEGÓCIO DE COMPRA E VENDA
ENVOLVENDO VEÍCULO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EXTINÇÃO
AFASTADA JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 515, § 3º, DO CPC -
INADIMPLEMENTO TUTELA CONCEDIDA COM ALTERNATIVA PELO
EQUIVALENTE - A transferência de direitos e obrigações decorrentes de
contrato de financiamento não é vedada Tratando-se de negócio distinto,
com contrato firmado entre as partes e obrigações nele estabelecidas, que
não é inválido, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, inclusive
54
diante da regra aberta imposta pela lei acerca do cumprimento da obrigação
de fazer e possibilidade de tutela equivalente - O réu assumiu obrigação no
contrato firmado com o autor - Obrigação de fazer deve ser imputada ao réu,
de transferência ou alternativamente de quitação do financiamento - Apelo
provido.
0002308-34.2010.8.26.0333 Apelação
Relator(a): Carlos Nunes
Comarca: Macatuba
Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 02/12/2013
Data de registro: 04/12/2013
Outros números: 23083420108260333
Ementa: BEM MÓVEL - Ação de obrigação de fazer - Veículo adquirido pelo
autor por meio de financiamento - Alienação efetuada ao réu, que se
responsabilizou pelo pagamento das parcelas junto à instituição financeira e
por quaisquer multas que fossem posteriores à venda do automóvel -
Descumprimento obrigacional, pois o réu não quitou as prestações, nem
tampouco as multas de trânsito - A despeito do autor haver alienado
irregularmente bem que não era de sua propriedade, é certo que o réu se
responsabilizou pela quitação das prestações do financiamento e pelas multas
que recaíssem sobre a coisa após a venda - Dever de providenciar o
pagamento dos débitos incidentes sobre o automotor - Recurso provido, para
julgar a ação procedente, condenando-se o réu a efetivar a quitação das
parcelas de financiamento a que se obrigara e das multas de trânsito
posteriores à data da compra e venda celebrada entre as partes, no prazo de
15 dias, sob pena de multa diária de R$ 300,00, condenando-o ainda às
custas, despesas processuais e honorários advocatícios de R$ 1.000,00,
arbitrados por equidade, observado o art. 12 da Lei nº 1.060/50.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que estiver
representando os interesses do devedor fiduciante e se deparar com a situação acima
poderá sustentar a validade do negócio jurídico firmado com o terceiro, bem como
ajuizar ação de obrigação de fazer em face deste para cumprir os termos do negócio
entre eles pactuado, de modo a evitar os prejuízos suportados por aquele em razão do
inadimplemento deste.
55
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a) que se
deparar com a situação acima retratada ajuíze ação de obrigação de fazer em favor do
devedor fiduciante para compelir o terceiro, sob pena de multa diária, a cumprir os
termos do negócio jurídico entre eles celebrado, tais como (a título de
exemplificação): a) quitação das parcelas do financiamento; b) quitação de todas as
multas de trânsito incidentes sobre o veículo e cujas infrações foram cometidas
posteriormente ao recebimento do bem pelo terceiro; c) transferência de todas as
pontuações decorrentes das multas acima mencionadas; d) quitação de todos os
impostos, taxas e demais encargos incidentes sobre o bem com o fato gerador
ocorrido posteriormente ao recebimento do bem pelo terceiro; e) caso o terceiro
tenha negociado o bem com outrem, a expedição de ofício à autoridade de trânsito
competente para determinar que o terceiro se sub-rogue nas obrigações acima
elencadas, etc.
56
TESE 9
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 991541173
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Nos casos de ajuizamento de ação civil pública pela Defensoria Pública, esta é
isenta do pagamento de honorários advocatícios, custas e despesas processuais
(sucumbência), incidindo, na espécie, o artigo 18 da Lei 7.347/85.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir amparo jurídico à Defensoria
Pública nos casos de ajuizamento de ações civis públicas, para que a instituição seja
isenta acaso condenada ao pagamento dos ônus sucumbenciais em tais ações.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 1º, artigo 4º, incisos VII e X e artigo 106-A da Lei Complementar
federal n. 80/94.
57
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Não obstante o artigo 18 da Lei 7.347/85, ao tratar da isenção no que tange
aos ônus sucumbenciais, fazer alusão tão-somente às associações, é certo que deverá
abranger os demais co-legitimados para ajuizar ação civil pública, como ocorre com
a Defensoria Pública, sob pena de criar um tratamento diferenciado e sem qualquer
fundamentação entre aquela e estes.
O raciocínio acima exposto também é referendado pela jurisprudência do E.
TJ/SP, a saber:
0454413-49.2010.8.26.0000 Apelação / Responsabilidade da Administração
Relator(a): Paulo Galizia
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 14/03/2011
Data de registro: 23/03/2011
Outros números: 990.10.454413-0
Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Carência superveniente da ação. Sentença
de extinção. Condenação da Defensoria Pública ao pagamento de custas,
despesas processuais e honorários advocatícios. Impossibilidade. Inteligência
do art. 18 da Lei 7.347/1985. Recurso provido
0019011-07.2010.8.26.0053 Embargos de Declaração / DIREITO
ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a): Luís Francisco Aguilar Cortez
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 10/12/2013
Data de registro: 12/12/2013
Outros números: 19011072010826005350000
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Contradição e omissão
reconhecidas Condenação pela sucumbência em ação civil pública
Impossibilidade Art. 18 da Lei nº 7.347/85 Embargos acolhidos, com a
atribuição de excepcional efeito infringente.
58
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que ajuizar ação
civil pública pela Defensoria Pública poderá sustentar a isenção da instituição quanto
aos ônus sucumbenciais.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a), logo ao
ajuizar a ação civil pública, já esclareça ao final da petição que, nos termos do art. 18
da Lei 7.347/85, a Defensoria Pública é isenta do pagamento dos ônus
sucumbenciais, evitando que seja futuramente condenada a esse título. Ademais, caso
o (a) Defensor(a) responsável venha a sofrer tal condenação ao longo do processo,
poderá questioná-la com base no dispositivo legal referido, bem como na
jurisprudência acima colacionada.
59
TESE 10
Nome: Guilherme Krahenbuhl Silveira Fontes Piccina
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
REGIONAL: SUL – SANTO AMARO – CAPITAL
Endereço: Rua Américo Brasiliense, n. 2139
Bairro: Chácara Santo Antônio
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 991541173
E- mail: [email protected]
SÚMULA
Não violam a cláusula da reserva do possível, o princípio da tripartição dos
poderes, a discricionariedade administrativa e o princípio majoritário do regime
democrático as decisões judiciais que, em sede de ações coletivas, determinam ao
Poder Público ou quem lhe faça às vezes a implementação de políticas públicas que
versem sobre direitos enquadráveis no conceito de mínimo existencial.
ASSUNTO
A presente tese tem por objetivo conferir efetividade às políticas públicas
ligadas aos direitos inseridos no objeto do mínimo existencial, superando os
obstáculos normalmente levantados pelo Poder Público (ou quem lhe faça às vezes)
em sede de ações coletivas.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Artigo 1º, artigo 4º, incisos VII e X e artigo 106-A da Lei Complementar
federal n. 80/94.
60
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O mínimo existencial, entendido como o núcleo material do princípio da
dignidade da pessoa humana (Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos
princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de
Janeiro : Renovar, 2002, p. 198), “corresponde ao conjunto de situações materiais
indispensáveis à existência humana digna” (idem, p. 197), vale dizer, “um conjunto
de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se
encontra em situação de indignidade” (idem, p. 305).
Diante de sua magnitude, é certo que não são oponíveis aos direitos que o
abarcam (via de regra e segundo a doutrina, o direito à saúde, à educação, à
assistência social e ao acesso à justiça, entre outros) os obstáculos normalmente
invocados pelo Poder Público para efetivá-los, especialmente por meio da
implementação de políticas públicas.
Em outras palavras, o Poder Judiciário, quando invocado (normalmente
em sede de ações coletivas), detém legitimidade para determinar a implementação de
políticas públicas que versem sobre direitos enquadráveis no conceito de mínimo
existencial, não incorrendo nos referidos obstáculos, a seguir discriminados.
a) Cláusula da reserva do possível: não se deve conferir um sentido absoluto
à competência orçamentária do legislador, especialmente se levantada como
óbice à efetividade dos direitos fundamentais.
Essa também é a posição de Robert Alexy ao afirmar com propriedade que:
mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especialmente quando são
muitos que deles necessitam, enormes efeitos financeiros. Mas isso, isoladamente
considerado, não justifica uma conclusão contrária à sua existência. A força do
princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Ele não é um
princípio absoluto. Direitos individuais podem ter peso maior que razões político-
financeiras (Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo : Malheiros, 2008, p. 512 e 513). De fato, em um Estado Democrático de
Direito (artigo 1º, “caput” da Constituição Federal), que tem como fundamento a
dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Carta Magna), não há como
admitir que, unicamente por razões político-financeiras, expressadas pela cláusula da
61
reserva do possível fática e jurídica, possa se obstaculizar a efetividade daqueles
direitos tidos como elementares para uma vida digna do ser humano. Pela
inaplicabilidade da reserva do possível ao mínimo existencial também está a posição
de Ingo Wolfgang Sarlet: as objeções atreladas à reserva do possível não poderão
prevalecer nesta hipótese, exigíveis, portanto, providências que assegurem, no caso
concreto, a prevalência da vida e da dignidade da pessoa, inclusive o cogente
direcionamento ou redirecionamento de prioridades em matéria de alocação de
recursos, pois é disso que no fundo se está a tratar. Até mesmo a tese de que a
reserva do possível poderia servir de argumento eficiente a afastar a
responsabilidade do Estado (por ação ou omissão, vale dizer!) não nos parece possa
ser aceita, ainda mais de modo generalizado, na esfera das prestações que
inequivocamente dizem com o mínimo existencial (Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana
Filchtiner Figueiredo, Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde:
algumas aproximações,in SARLET, Ingo Wolfgang e e TIMM, Luciano Benetti
(org). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre :
Livraria do Advogado Ed., 2008, p. 37).
É o que se extrai, por exemplo, dos seguintes julgados (grifos nossos):
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO COMINATÓRIA.
INTERNAÇÃO EM LEITO VAGO DE UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA -
UTI. REDE PÚBLICA OU PARTICULAR. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
DEVER DO ESTADO. RESERVA DO POSSÍVEL. NÃO APLICAÇÃO. A saúde e
a vida humana representam prerrogativas indisponíveis, tuteladas pela Constituição
Federal de 1988, a qual o Poder Público deve obediência. É possível aplicar o
princípio da reserva do possível, para admitir que o Poder Público deixe de adimplir
prestações positivas que foram impostas pela Constituição Federal. Todavia, não se
admite seja o princípio invocado, quando o tema é de alta relevância social -
direito à vida e à saúde, cuja conseqüência da omissão do Estado em
implementar políticas públicas implica a ruptura da dignidade da pessoa
humana com o comprometimento de um mínimo existencial do indivíduo.
Segundo precedentes desta Corte de Justiça, o Distrito Federal deve fornecer aos
enfermos carentes de recursos os remédios e o tratamento necessários para a cura de
sua doença, de acordo com a prescrição médica” (TJ/DF - Processo n.
20080110129356 – APC - Relator Natanael Caetano - 1ª Turma Cível - julgado em
09/09/2009 - DJ 21/09/2009 p. 50). E ainda: “MEDICAMENTOS - Fornecimento
62
pelo Estado. 1. O direito à vida e à saúde qualifica-se como atributo inerente à
dignidade da pessoa humana, conceito erigido pela Constituição Federal em
fundamento do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil
(art. Io, III, CF). 2. A pessoa hipossuficiente portadora de moléstia grave faz jus à
obtenção gratuita de medicamentos, instrumentos e materiais de auto-aplicação e
autocontrole junto ao Poder Público. 3. Inaplicabilidade da Teoria da Reserva do
Possível em matéria de preservação do direito à vida e à saúde. Precedentes do
STF e do STJ. Reexame necessário não acolhido. Recurso não provido” (TJ/SP -
Apelação Com Revisão 9136045700 – Rel. Décio Notarangeli - Comarca: Indaiatuba
- Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Público - Data do julgamento: 18/11/2009 -
Data de registro: 04/01/2010).
b) princípio da tripartição dos poderes: não há violação a tal princípio, o
qual se originou justamente como limite ao poder estatal, buscando
salvaguardar direitos fundamentais. Constata-se, assim, a necessidade de se
rever o atual significado do princípio da tripartição de poderes, de modo a
manter firme o que foi sempre tido como o seu principal propósito: a
limitação do poder do Estado, imprescindível à preservação dos direitos
fundamentais dos cidadãos.
Conforme destaca Marcus Aurélio de Freitas Barros: é preciso atualizar o
postulado da separação de poderes, de molde a retirar-lhe o caráter sagrado e
intocável, admitindo-se uma expansão da fiscalização judicial da atividade e das
omissões dos demais poderes públicos (Controle jurisdicional de políticas públicas :
parâmetros objetivos e tutela coletiva. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor,
2008, p. 136).
Essa também é a posição de Andreas J. Krell, segundo o qual: torna-se cada
vez mais evidente que o vetusto princípio da Separação de Poderes, idealizado por
Montesquieu no século XVIII, está produzindo, com sua grande força simbólica, um
„efeito paralisante‟ às reivindicações de cunho social e precisa ser submetido a uma
nova leitura, para poder continuar servindo ao seu escopo original de garantir
Direitos Fundamentais contra o arbítrio e, hoje também, a omissão estatal (Direitos
sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des)caminhos de um direito
constitucional “comparado”. Porto Alegre : Fabris Editor, 2002, p. 88)
63
c) discricionariedade administrativa: é certo que caberá o controle
jurisdicional tanto em relação aos atos vinculados, como aos atos
discricionários da Administração Pública. Como assenta a doutrina: o
Judiciário tanto interpreta a lei – para corrigir atos que desbordem das
possibilidades abertas pela moldura normativa – nos casos em que verifica
se os conceitos vagos ou imprecisos foram apreendidos pela Administração
dentro da significação contextual que comportavam, como quando, para os
mesmos fins, verifica se a opção de conveniência e oportunidade se fez sem
desvio de poder, isto é, obsequiosa às finalidades da lei (Celso Antonio
Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 9ª
tiragem. São Paulo : Malheiros, 2008).
Em resumo, não compete ao Estado socorrer-se de seu poder discricionário
para decidir ou não cumprir a Constituição, optar ou não por adotar as políticas
públicas nela traçadas, mas sim efetivá-las, assegurando, da melhor forma possível,
os direitos fundamentais nela previstos, inclusive os direitos sociais.
Como leciona Carlos Weis: a própria estruturação do Estado Brasileiro
para o fim de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais decorre da obrigatoriedade das normas de direitos econômicos,
sociais e culturais (constitucionais ou de direito internacional), que vinculam as
políticas públicas, não se podendo pensar, atualmente, que tal se dá como simples
liberalidade do governo. O modo e a intensidade pelos quais os entes federados
cumprem as obrigações decorrentes das normas definidoras de direitos econômicos,
sociais e culturais não podem ser confundidos com a eventual opção do
administrador público em buscar a elevação das condições de vida dos grupos
sociais marginalizados ou excluídos. E a existência de diversos serviços públicos
destinados a atender a essa finalidade nos campos da saúde, educação, moradia,
etc. demonstra o quanto as normas de direitos econômicos, sociais e culturais
produzem efeitos no mundo fático, certamente possuindo aquele “mínimo de
eficácia” mencionado (Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo : Malheiros,
2006, p. 52).
d) princípio majoritário do regime democrático: como destaca Ana Paula
de Barcellos: a democracia exige mais do que apenas a aplicação da regra
64
majoritária. É preciso que, juntamente com ela, sejam respeitados os
direitos fundamentais de todos os indivíduos, façam eles parte da maioria
ou não. Na verdade, como já se referiu, os direitos fundamentais – e não
apenas os individuais e políticos, mas também os sociais – apresentam-se
como condições pressupostas do regime democrático e é nesse ponto que a
regra majoritária, longe de ser absoluta, encontra seus limites principais
(A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro : Renovar, 2002, p. 227).
De fato, não se admite, em um Estado Democrático de Direito,
que os cidadãos tenham os seus direitos fundamentais desrespeitados em virtude de
uma má compreensão do princípio majoritário próprio do regime democrático, ainda
mais quando em jogo direitos inseridos no objeto do mínimo existencial, enquanto
núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana.
Justamente por esse motivo é que Robert Alexy, ao tratar dos direitos
fundamentais sociais (“direitos a prestação em sentido amplo”) assentou que
“direitos fundamentais são posições que são tão importantes que a decisão sobre
garanti-las ou não garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria
parlamentar simples” (Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da
Silva. São Paulo : Malheiros, 2008, p. 446).
Como se vê pelo trecho do julgado abaixo, a jurisprudência pátria tem
estado atenta a essa questão, não aceitando o argumento do princípio majoritário
naqueles casos em que este possa vir a fazer tabula rasa dos Direitos Fundamentais:
“(...)nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos [direitos
fundamentais] como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na
vontade da maioria. O princípio majoritário é apenas um instrumento no processo
democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da
maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde
houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à
educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às idéias
minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da
maioria. Caso contrário, se estará usando da „democracia‟ para extinguir a
Democracia(...)” (REsp 1185474/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., julgado em
20/04/2010, DJe 29/04/2010).
65
Conclusão: em síntese, todos os obstáculos acima devem ser
superados para legitimar a atuação do Poder Judiciário, quando invocado, a fim de
preservar os direitos fundamentais atrelados ao conceito de mínimo existencial,
inclusive por meio da implementação de políticas públicas pleiteadas por meio de
ações coletivas. A seguir, colacionamos os seguintes julgados dos Tribunais
Superiores que comprovam todo o raciocínio acima exposto:
“Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da
legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em
tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de
abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional
atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à
efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade
de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do
possível”. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da
intangibilidade do núcleo consubstanciador do „mínimo existencial‟. Viabilidade
instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das
liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)” (ADPF/DF-MC
n. 45, Rel. Celso de Mello, j. 29/04/2004, Informativo n. 345 - STF)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO.
SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE
PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA
PROGRAMÁTICA. AUTO-EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO
ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. 1. Resta estreme de
dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço essencial, imprescindível à manutenção
da saúde pública, o que o torna submisso à regra da continuidade. Sua interrupção,
ou ainda, a sua prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da
legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o
cidadão necessita utilizar-se desse serviço público, indispensável à sua vida em
comunidade. 2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade
política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do
que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de
66
restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que
direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas
Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados
constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação
sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do
que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o
Estado. 3. Em função do princípio da inafastabilidade consagrado
constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo
certo que todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera desse
direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem
manejada ação civil pública. 4. A determinação judicial desse dever pelo Estado,
não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras,
não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá
constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de
qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 5. Um país cujo preâmbulo
constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade
humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não
pode relegar a saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma
das mais belas e justas garantias constitucionais. 6. Afastada a tese descabida da
discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da
norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. 7. As meras
diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas
de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a
da oportunidade de sua implementação. 8. Diversa é a hipótese segundo a qual a
Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita,
impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação
de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 9. Ressoa evidente que toda
imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que
isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado
de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada,
assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei,
nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa
constitucional. 10. "A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde
pública e o meio ambiente." Ademais, "A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros
67
públicos são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a
sobrevivência do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as
necessidades inadiáveis da comunidade, conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da
Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta natureza são regidos
pelo princípio da continuidade" 11. Recurso especial provido (REsp 575998/MG,
Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª T., julgado em 07/10/2004, DJ 16/11/2004 p. 191).
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL
DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS –
DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO –
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES –
NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
EXISTENCIAL. 1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da
legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil
pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o
prisma constitucional. 2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em
dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico. 3. A partir
da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi
profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das
liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a
realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a
incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos
fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua
margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel
cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o
princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de
garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à
realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta
interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de
utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração
pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando
a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age
sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra
68
o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. 5.
O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do
limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a
correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado
pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar
uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois
garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático
de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto
ao princípio do mínimo existencial. 6. Assegurar um mínimo de dignidade humana
por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é
escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à
conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da
administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e
essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida
passivamente pelo Poder Judiciário. Recurso especial parcialmente conhecido e
improvido. (REsp 1041197/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª T., julgado em
25/08/2009, DJe 16/09/2009).
Por fim, cabe destacar o enunciado da Súmula 65 do TJ/SP que também
caminha no mesmo sentido aqui perfilhado: “Não violam os princípios
constitucionais da separação e independência dos poderes, da isonomia, da
discricionariedade administrativa e da anualidade orçamentária as decisões
judiciais que determinam às pessoas jurídicas da administração direta a
disponibilização de vagas em unidades educacionais ou o fornecimento de
medicamentos, insumos, suplementos e transporte a crianças ou adolescentes”.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Caso acolhida a presente tese, o(a) Defensor(a) Público(a) que ajuizar ação
civil pública pela Defensoria Pública destinada à implementação de políticas
públicas que versam sobre direitos inseridos no objeto do mínimo existencial poderá
se valer da fundamentação jurídica acima como forma de superar os obstáculos
levantados pelo Poder Público (ou quem lhe faça às vezes) em suas defesas, de modo
a tanto conferir plena efetividade àquelas, como também a legitimar a atuação do
Poder Judiciário nessa seara.
69
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
Na linha acima exposta, sugere-se que o(a) Defensor(a) Público(a),
logo ao ajuizar a ação civil pública ou em sede de réplica, destaque que, em razão de
o pedido nela formulado tratar de implementação de políticas públicas que versam
sobre direitos inseridos no objeto do mínimo existencial, não se aplicam os
obstáculos acima mencionados que normalmente são levantados pelo Poder Público
(ou quem lhe faça às vezes) em suas defesas.
70
TESE 11
Nome: Maiara Canguçu Marfinati
Área de Atividade: Cível e Tutela Coletiva
UNIDADE DIADEMA – REGIONAL ABCD
Endereço: Rua das Turmalinas, 77
Bairro: Centro
CEP: 04715-005 Cidade: Diadema – SP
Telefone: 11 - 4043-0805
E- mail: [email protected]
SÚMULA
A proibição de não edificar trazida pelo Artigo 4º, inciso III da Lei 6.766/79,
quando servir de fundamento para a remoção de pessoas, necessariamente, deve ser
harmonizada com o direito fundamental à moradia.
ASSUNTO
A presente tese tem como assunto a área “non aedificandi”, direito à
moradia de pessoas de baixa renda e a necessidade de harmonizar a proibição
abstrata de ocupação da área “non aedificandi” prevista no artigo 4º, inciso III da Lei
6.766/1979 com o direito à moradia.
INDICAÇÃO DO ITEM ESPECÍFICO RELACIONADO ÀS ATRIBUIÇÕES
INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA
A presente tese está relacionada aos objetivos da Defensoria Pública, bem
como às funções institucionais.
Inicialmente destacamos que a Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC n.
80/94), em seu art. 3º-A, declara quais são objetivos da instituição: “São objetivos da
71
Defensoria Pública: I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das
desigualdades sociais; II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; III – a
prevalência e efetividade dos direitos humanos; e IV – a garantia dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório”.
Ademais, é função institucional da Defensoria Pública a defesa, judicial e
extrajudicial, da população vulnerável, em especial para assegurar direitos humanos
fundamentais, dentre os quais, sem qualquer dúvida, encontra-se o direito à moradia
digna.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A proibição absoluta de não edificar trazida pelo artigo 4º, inciso III da Lei
6.766/79 necessariamente deve ser harmonizada com o direito à moradia, sobretudo,
após a Emenda Constitucional 26/2000, que expressamente incluiu esse direito no rol
de direitos sociais.
A área “non aedificandi” prevista na Lei 6.766/79 consiste na reserva de
faixa de quinze metros de cada lado de rodovias e ferrovias, bem como de águas
correntes e dormentes. O legislador silenciou acerca dos bens jurídicos protegidos
por esta norma. Por outro lado, o Poder Público e o Poder Judiciário, em regra,
justificam a existência da proibição contida na lei na necessidade de proteção das
famílias residentes, bem como de usuários, para as hipóteses de ferrovia e rodovia,
ou de proteção ao meio ambiente, para as hipóteses de água corrente e dormente.
Acerca da questão, em 09 de março de 2004, na exposição de motivos do
Projeto de Lei 3003/2004, o Ministério das Cidades, o Ministério do Meio Ambiente
e o Ministério de Minas e Energia apresentaram ao Presidente da República como
justificativa para retirar a obrigatoriedade da reserva da faixa “non aedificandi” de
quinze metros, de cada lado das faixas de domínio público, ao longo de dutos, a
constatação de que um dos objetivos do legislador de 1979 ao instituir a reserva de
faixa seria facilitar a duplicação dos sistemas, face o elevado crescimento econômico
que caracterizou a década de 1970.
Como se vê, uma das razões aventadas para a instituição da área “non
aedificandi” seria não a preocupação com a segurança da população vizinha ou com
72
o meio ambiente, mas sim o interesse econômico em garantir que, no futuro, caso
necessária a duplicação do sistema, haveria “reserva de terra” para tanto.
Na exposição de motivos, consta ainda a justificativa de que a instituição de
faixa “non aedificandi” não considera que estas áreas sejam densamente ocupadas,
nem que a segurança da população vizinha possa ser garantida por outros meios, vez
que o critério aleatório de distanciamento de 15 metros não considera outros fatores
como: “o tipo de produto transportado, as pressões de transporte, os materiais dos
dutos, a topografia da região do entorno, os equipamentos de segurança instalados e
os sistemas de monitoramento e alerta implantados”34
.
Muito embora a justificativa acima tenha sido apresentada para a remoção
da necessidade de reserva de faixa “non aedificandi” para dutos, as razões podem ser
estendidas para as rodovias, ferrovias e águas correntes e dormentes.
Com efeito, a Lei 6.766/79 apresenta critério aleatório de distanciamento de
15 metros sem considerar que, além dessas faixas de terra serem densamente
ocupadas, há possibilidade de a segurança das comunidades vizinhas ser garantida
por mecanismos diversos, tornando desnecessária a remoção.
Mais, a Lei 10.932/2004 alterou o inciso III do artigo 4º da Lei 6.766/1979
para excluir a previsão de reserva de faixa não–edificável para a construção de dutos.
Ora, se houve a alteração legislativa para excluir a necessidade de faixa “non
aedificandi” para dutos que, em regra, transportam produto explosivo ou inflamável,
não se vê justificativa para que a proibição remanesça para rodovia e ferrovia ou
águas correntes e dormentes.
Ainda que a seara para esta discussão seja a reforma legislativa, quando
concretamente a questão é trazida para apreciação judicial, não pode o julgador se
furtar à análise da aplicabilidade da lei, mormente quando a aplicação desta norma
pelo mecanismo da subsunção viola direito social assegurado pela Constituição
Federal.
Embora claramente a norma trazida pelo inciso III, do artigo 4º da Lei
6.766/79 seja hipótese de regra, cuja aplicação se dá pela subsunção e não por
sopesamento, na hipótese de conflito com a norma-princípio “direito à moradia”,
34
EM Interministerial nº 004/2004-MCIDADES/MMA/MME integra em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/EMI/2004/4-MCIDMMAMME.htm
73
necessário se faz a identificação do princípio no qual se baseia àquela norma35
para
futura harmonização.
Há duas interpretações possíveis para identificar os princípios nos quais se
baseia o inciso III, artigo 4º da Lei 6.766/79: direito à segurança dos usuários da via e
da população residente na área “non aedificandi” ou proteção ao meio ambiente,
como sustentam ordinariamente o Poder Público e o Poder Judiciário; ou direito ao
desenvolvimento econômico, como lembram os autores do Projeto de Lei 3003/2004.
Para solucionar esse conflito, deve-se realizar o sopesamento, mediante a
aplicação da regra da proporcionalidade, verificando-se, no caso concreto, se a
remoção das famílias é medida adequada, necessária e proporcional em sentido
estrito para assegurar os valores protegidos pela norma do inciso III do artigo 4º da
Lei 6.766/79.
Virgilio Afonso da Silva36
esclarece que uma medida estatal que intervenha
no âmbito de proteção de um direito fundamental, necessariamente, deve ter como
objetivo assegurar um fim constitucionalmente legítimo. A análise da adequação
passa pela resposta à pergunta: “A medida adotada é adequada para fomentar a
realização do objetivo perseguido?”
Em outras palavras, a remoção das famílias que ocupam área não edificável
seria medida estatal adequada para assegurar um fim constitucionalmente legítimo,
qual seja, a segurança dos moradores e dos usuários da via, bem como o
desenvolvimento econômico ao possibilitar o aumento de rodovia e ferrovias, ou
ainda a proteção ambiental, quando se tratar de águas correntes ou dormentes?
Em um primeiro momento, verifica-se que a remoção das famílias poderia
proteger os valores trazidos pelo artigo 4º da Lei 6.766/79, revelando-se, por esta
razão, adequada. Seria, no entanto, medida necessária e proporcional em sentido
estrito?
A medida estatal somente será necessária, segundo a aplicação da regra da
proporcionalidade, se a realização do objetivo perseguido – desenvolvimento
econômico, segurança dos moradores e dos usuários da via e proteção ambiental -
não puder ser alcançado em mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em
menor medida, o direito fundamental atingido – direito à moradia37
.
35
Silva, Virgilio Afonso da, Direitos Fundamentais, 2009, p. 53 36
Op. cit, p 169. 37
Op. cit, p. 171.
74
A desocupação não pode ser tida com medida necessária para a garantia do
desenvolvimento econômico, pois nesse caso se estaria privilegiando bens jurídicos
patrimoniais em detrimento de bens existenciais diretamente ligados à dignidade
humana. Além disso, estar-se-ia ignorando a realidade hoje existente marcada pela
ocupação irregular, fruto da expulsão da população de baixa renda para as periferias
pela especulação imobiliária, tida como regra nos grandes centros urbanos.
Da mesma maneira, a desocupação realizada com fundamento no risco aos
moradores e usuários, nos casos de ferrovias e rodovias, ou na justificativa de
proteção ao meio ambiente, nos casos de águas correntes e dormentes, somente será
necessária, caso se verifique que inexistem alternativas à remoção das famílias.
No que concerne à remoção de famílias ocupantes de área não edificável em
decorrência da existência de ferrovia e de rodovia entendemos imprescindível a
realização de estudos e adoção de medidas para eliminação dos riscos, como a
construção passarelas, muros, barreiras de acesso, bem como a instalação de
equipamentos de segurança e sistemas de monitoramento e de alerta.
Além disso, entendemos ser aplicável o artigo 3-B da Lei 12.340/2010, com
redação dada pela Lei 12.608/2012, que trata dos procedimentos mínimos
necessários para remoção de famílias em áreas de risco, a saber:
Art. 3º-B. Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à
ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o município adotará as
providências para redução do risco, dentre as quais, a execução de plano de
contingência e de obras de segurança e, quando necessário, a remoção de
edificações e o reassentamento dos ocupantes em local seguro. (Incluído
pela Lei nº 12.608, de 2012)
§ 1o A efetivação da remoção somente se dará mediante a prévia observância
dos seguintes procedimentos: (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012)
I - realização de vistoria no local e elaboração de laudo técnico que
demonstre os riscos da ocupação para a integridade física dos ocupantes ou de
terceiros; e (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012)
II - notificação da remoção aos ocupantes acompanhada de cópia do laudo
técnico e, quando for o caso, de informações sobre as alternativas oferecidas
pelo poder público para assegurar seu direito à moradia. (Incluído pela Lei
nº 12.608, de 2012)
§ 2o Na hipótese de remoção de edificações, deverão ser adotadas medidas
que impeçam a reocupação da área. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012)
75
§ 3o Aqueles que tiverem suas moradias removidas deverão ser abrigados,
quando necessário, e cadastrados pelo Município para garantia de
atendimento habitacional em caráter definitivo, de acordo com os critérios dos
programas públicos de habitação de interesse social. (Incluído pela Lei nº
12.608, de 2012)
Ademais, no que tange à análise da necessidade e proporcionalidade da
remoção das famílias ocupantes de margens de rodovias e ferrovias, impossível
presumir a existência de risco sem qualquer espécie de estudo relativo ao índice de
acidentes nestes locais.
Quanto à remoção de famílias ocupantes de área não edificável em
decorrência da existência de águas correntes e dormentes, imperioso aferir se
inexistem alternativas à desocupação da área. Para tanto, entendemos forçosa a
realização de estudo técnico para apurar o dano efetivo ao meio ambiente, bem como
a comprovada impossibilidade de regularização fundiária, inclusive a regularização
fundiária de interesse social criada pela Lei 11.977/2009 (artigo 53 e seguintes).
“Fica clara, assim, a diferença entre o exame da necessidade e o da
adequação: enquanto o teste da adequação é absoluto e linear, ou seja, refere-se
pura e simplesmente a uma relação meio e fim entre uma medida e um objetivo, o
exame da necessidade tem um componente adicional, que é a consideração das
medidas alternativas para se obter o mesmo fim. O exame da necessidade é, assim,
um exame imprescindivelmente comparativo”38
.
Se não é comprovadamente necessária a desocupação, em razão da ausência
de alternativas à remoção das famílias ocupantes de áreas não edificáveis,
consequentemente, não é proporcional em sentido estrito.
O exame da proporcionalidade em sentido estrito, deste modo, somente
deve ser realizado se o caso concreto demonstrar que inexistem alternativas à
desocupação das famílias.
Caso seja essa a hipótese, a remoção das famílias ocupantes de área não
edificável somente será proporcional em sentido estrito se as vantagens causadas pela
promoção do fim forem proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do
meio.
38
Op. cit. 171.
76
Em outras palavras, a remoção das famílias ocupantes de área “non
aedificandi”, mesmo que seja medida adequada e necessária, segundo o exposto
acima, ainda exige do julgador o exercício argumentativo para demonstrar que a
promoção do fim - desenvolvimento econômico, segurança dos moradores e dos
usuários da via e proteção ambiental – apresenta vantagens tais que justifiquem o
sacrifício ao direito à moradia dos ocupantes.
O que pretendemos com a presente tese é exigir do julgador que a aplicação
do artigo 4º, inciso III, da Lei 6.766/79, quando envolver a remoção de famílias
ocupantes de áreas “non aedificandi”, não se dê por subsunção, mas necessariamente
após a harmonização com o direito fundamental à moradia, nos termos expostos.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Não raras vezes, as demandas que chegam às portas da Defensoria Pública
trazem a questão da remoção da população de baixa renda que ocupa áreas “non
aedificandi”, seja por ordem judicial, seja por notificações extrajudiciais.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A fundamentação jurídica pode ser utilizada em iniciais ou como tese de
defesa em ações individuais ou coletivas para impedir a remoção de famílias que
ocupam área não edificável, sem prejuízo de poder ser utilizada no âmbito
extrajudicial em negociações com o Poder Público para discutir alternativas à
remoção.
77
TESE 12
Nome: Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo
Área de Atividade: Tutela Coletiva Cível/Fazenda Pública
REGIONAL: NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO
Endereço: Avenida Liberdade, nº 32, 7º andar
Bairro: Liberdade
CEP: 04715-005 Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 3107-1564 e 3112-1278
E- mail: nú[email protected]
SÚMULA
É possível a usucapião de imóvel que companhia habitacional como COHAB
ou CDHU figure como titular registral.
ASSUNTO
A presente tese versa sobre a tutela do direito individual à moradia, de
população de baixa renda, através do instituto da usucapião de imóveis em que
companhia de habitação figura como titular registral.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Verifica-se pertinência entre a tese proposta e as funções institucionais da
Defensoria Pública.
Assim, a Lei Complementar 80/94 em seu artigo 4º trata das funções
institucionais da Defensoria Pública e no seu inciso X dispõe que:
“X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos
necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais,
78
econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela
Lei Complementar nº 132, de 2009).”
Ademais, o artigo 134, da Constituição da República de 1988, disciplina
que:
“A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos
direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,
na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”
Desta forma, sendo a ação de usucapião uma das formas de regularização
fundiária acessíveis à população de baixa renda, com a titulação da propriedade,
demonstrada a pertinência entre a proposta de tese apresentada e as atribuições da
Defensoria Pública.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A COHAB, Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, criada
pela Lei Municipal nº 6.738/1965, foi constituída nos termos da Lei das Sociedades
Anônimas, como se dessume do artigo 1º, da aludida norma:
“Art. 1º - Fica o Executivo autorizado a subscrever, em nome do Município,
ações da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB -
SP), a ser constituída nos termos da Lei das Sociedades Anônimas, por
escritura pública ou Assembleia Geral dos Incorporadores, até o montante de
Cr$2.000.000.000 (dois bilhões de cruzeiros).
Parágrafo Único - O Município subscreverá e realizará no mínimo 51%
(cinquenta e um por cento) do capital inicial e de seus aumentos.”
A CDHU, Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo, por sua vez, é igualmente sociedade de economia mista gerida
pelo Governo Estadual, vinculada à Secretaria da Habitação. Foi fundada em 1949,
79
sendo que até hoje recebeu diversos nomes, como CECAP e CODESPAULO, até a
mudança da atual denominação em 1989.
Cuida-se, igualmente, de uma sociedade por ações, conforme artigo 1º, de
seu estatuto social:
“ARTIGO 1º - A sociedade por ações denominada COMPANHIA DE
DESENVOLVIMENTO HABITACIONAL E URBANO DO ESTADO DE SÃO
PAULO – CDHU é parte integrante da administração indireta do Estado de
São Paulo, regendo-se pelo presente estatuto, pela Lei Federal nº 6.404/76 e
demais disposições legais aplicáveis.”
Ambas são sociedade de economia mista, cujo objeto é ser instrumento de
ação do Estado. Essa característica demonstra que são entidades voltadas à busca de
interesses transcendentes aos meramente privados, ainda que parte de seu capital não
seja público. [MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, © 2008]
A despeito da singularidade de seu capital, entende-se que “os objetivos
estatais são profundamente distintos dos escopos privados, próprios dos particulares,
já que almejam o bem estar coletivo e não o proveito individual, singular (que é
perseguido pelos particulares), compreendesse que exista um abismo profundo entre
as entidades que o Estado criou para secundá-lo e as demais pessoas de Direito
Privado, das quais se tomou por empréstimo a forma jurídica. Assim, o regime que a
estas últimas naturalmente corresponde, ao ser transposto para empresa pública e
sociedade de economia mista, tem que sofrer – também naturalmente – significativas
adaptações, em atenção as suas peculiaridades” [op. cit. p. 195]
Esse regime misto, ainda que sob a natureza jurídica de pessoa não pública,
lhe confere deveres e prerrogativas que não são compartilhadas com as demais
pessoas privadas.
80
Exsurge, ainda, do texto da lei, que os bens pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, são considerados
bens dominicais, que constituem bens públicos. Confira-se:
“Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,
inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de
direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais
os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha
dado estrutura de direito privado.”
Por essa razão a doutrina se inclina ao entendimento de que é a afetação que
estabelece a natureza jurídica dos bens dessas sociedades. Assim, se a sociedade de
economia mista é prestadora de serviço público ou desenvolve outra atividade
pública, seus bens são submetidos às normas de direito público e, logo, insuscetíveis
de usucapião. [DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª
edição. São Paulo: Atlas. © 2012, p. 519]
A doutrina, aliada ao entendimento jurisprudencial, compreende que
sociedades com a finalidade diferenciada devem ser protegidas, sob pena de
comprometer o próprio interesse público, a saber:
"É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios,
dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às
entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de
economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente
esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados,
adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o
serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades
essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e daí a
sua submissão a regime jurídico publicístico.”
81
Diversa é a situação das sociedades de economia mista que tem por
finalidade desenvolver atividade econômica pura e simples. Estas, por concorrerem
com empresas particulares, não podem ser beneficiadas ou privilegiadas com
benesses concedidas para proteção do erário. Ao contrário. A Justiça reclama um
tratamento paritário.
No caso das companhias habitacionais, existe dúvida acerca de como
caracterizá-las para autorização – ou não – dos benefícios. Com efeito, as
sociedades prestam serviço público relevante consistente na construção e
alienação de moradias de baixo custo, destinada à população carente. A
finalidade é essencialmente pública. Porém, a perda de uma unidade não afeta
de modo imediato a continuidade do serviço prestado.
Poder-se-ia argumentar que a falta de pagamento compromete as
finanças da entidade, que, assim, não tem numerário suficiente para construção
de outras moradias.
Contudo, a desídia na cobrança dos valores devidos pela unidade sugere
que não há prejuízo imediato e suficiente para comprometer a finalidade da
sociedade.
Destaca-se que, assim como a doutrina, a jurisprudência também não é
uníssona a respeito do tema, havendo clara divergência entre o Tribunal de Justiça de
São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça.
Verificam-se, no Tribunal de Justiça de São Paulo, três posicionamentos nas
Câmaras pertencentes ao grupo do Direito Privado I, que detém a competência para
análise de ações dessa natureza:
1. Bens de sociedade de economia mista têm natureza privada, porquanto a
pessoa jurídica proprietária tem tal natureza. Assim, imóveis são bens particulares,
suscetíveis de usucapião.
Nesse sentido:
82
APELAÇÃO. Usucapião constitucional julgada procedente. Art. 252 do
Regimento Interno. Ré que não se desincumbiu de seu ônus de prova. Autora
que comprovou não ser proprietária de outro bem imóvel. Bem imóvel da
sociedade de economia mista que pode ser usucapido. Sentença de
procedência mantida. RECURSO IMPROVIDO. [AP 0008980-
14.2005.8.26.0566; 2ª Câmara de Direito Privado; Des. Rel. José Joaquim dos
Santos; DJe 26/08/2013]
Juristas que agasalham o entendimento argumentam que sociedade de
economia mista não é ente paraestatal e, portanto, seus bens ostentam natureza
privada.
O Superior Tribunal de Justiça abraçou o posicionamento em alguns
julgados: REsp120.702/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 28/06/2001; REsp
647.357/MG, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, Dj 19/09/2006; REsp
725.764/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03/05/2005; Ag 589.846/RJ, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ 09/08/2004.
2. Bens de entidade estatal incorporados ao patrimônio de sociedade de
economia mista não perdem sua natureza de coisa pública, motivo pelo qual são
insuscetíveis de prescrição aquisitiva.
Nesse sentido:
USUCAPIÃO. Bem dominical Propriedade da COHAB, empresa de economia
mista. Impossibilidade de aquisição do domínio por usucapião. Vedação
expressa contida nos artigos 183, par. 3º, e 1914, par. 1º, da Constituição
Federal. [AP 0033972-91.2010.8.26.0007, 3ª Câmara de Direito Privado, Des.
Rel. Donegá Morandini, DJ 15/01/2013]
O argumento dos relatores consiste na adoção da súmula 340 Supremo
Tribunal Federal, qual seja, “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais,
como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Considerando que bens de sociedades de economia mista são dominicais, por força
do artigo 99, do Código Civil, impossível usucapir.
83
Os julgados transcrevem os artigos 183,§3 e 191, parágrafo único da
Constituição da República de 1988, abaixo colacionados:
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou
à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra,
em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
Trata-se do posicionamento majoritário do Tribunal de Justiça de São Paulo.
3. Empresas de economia mista podem ter imóveis usucapidos, mas, no caso
da CDHU, cuja finalidade social enseja construção de moradias populares, há
impeditivo para usucapião. Esses imóveis específicos têm uma destinação especial,
estando afetado e, portanto, ostenta natureza pública.
Nesse sentido:
REINTEGRAÇÃO DE POSSE – Sentença de parcial procedência – Apelo do
réu. Argumentos do recorrente que não convencem – Imóvel pertencente à
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP – Bem
não suscetível de usucapião, porque ostenta natureza pública, por dizer
diretamente como os fins da pessoa jurídica autora, qual seja, construção de
moradias populares – Precedentes deste e. Tribunal de Justiça. Sentença
mantida – Recurso Desprovido. [AP 0048229-87.2011.8.26.0007, 37ª Câmara
de Direito Privado, Des. Rel. Sérgio Gomes; DJ 23/04/2013]
84
Acórdãos neste sentido entendem que o bem é público, a despeito de tratar-
se de autora com personalidade jurídica de direito privada, justamente diante da
predominância do capital público e da finalidade social existente.
Esclarecem, ainda, que não são todos os bens de sociedade de economia
mista que ostentam essa natureza, mas no caso concreto, compreendeu-se que “o
bem imóvel em questão passível de utilização par o fim especial a que se destina a
demandante, qual seja, construção de moradias populares, encontra-se afetado e,
portanto, é insuscetível de usucapião”.
O posicionamento, também desfavorável aos usuários, é frequente no
Tribunal de Justiça local.
Aliás, verifica-se na tabela anexa o posicionamento de cada câmara do
Direito Privado a respeito do tema, inclusive as de Direito Privado II e III, que por
vezes se deparam com a matéria, alegada em defesa de ações possessórias, com
exemplos de julgados.
Abaixo, segue tabela indicando o entendimento das câmaras do Direito
Privado I, donde se conclui que o Tribunal Paulista inclina-se a negar a possibilidade
de usucapião de bem das empresas ora estudadas, ressalvados poucos julgados em
sentido contrário:
CÂMARA POSICIONAMENTO
1 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
2 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
3 CONTRÁRIA
4 CONTRÁRIA
5 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
6 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
7 CONRÁRIA
8 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
85
9 CONTRÁRIA
10 MAJORITARIAMENTE CONTRÁRIA
Diversamente, o Superior Tribunal de Justiça entende que, para efeito de
prescrição aquisitiva, deve ser analisada a natureza jurídica da proprietária. No caso
de sociedades de economia mista, de natureza de direito privado, tem-se que os bens
são de ordem privada e suscetíveis de usucapião.
Acredita-se que, ainda que existam certas reservas feitas por lei à essas
pessoas, não são modificações relevantes a ponto de atingir a essência do instituto,
cuja natureza é privada.
Nesse sentido: REsp 647.357/MG, DJ19/09/2006, Rel. Min. Castro Filho,
REsp 120.702/DF, DJ 20/08/2001, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, REsp
37.906/ES, DJ 15/12/1997, Rel. Min. Barros Monteiro, REsp 725.764/DF, DJ
03/05/2005, Rel. Min. Nancy Andrighi, Ag 589846/RJ, DJ 09/08/2004, Rel. Min.
Fernando Gonçlaves, REsp 647357/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Fiho, DJe
23/10/2006.
Observe-se, ainda, ementa e voto exarada contra a Cohab/SP:
Ementa:
1. Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por
usucapião. Precedentes desta Corte.
2. AGRAVO CONHECIDO PARA, DESDE LOGO, NEGAR SEGUIMENTO
AO RECURSO ESPECIAL.
[AREsp 126717, REl. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Dje 11/12/2012]
Voto:
Trata-se de agravo em recurso especial interposto por COMPANHIA
METROPOLITANA DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO - COHAB/SP contra
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que em juízo de
admissibilidade, negou seguimento ao recurso especial.
Cuidam os autos de ação de usucapião sobre bens de sociedade de economia
mista, em que o tribunal de justiça, reformando a sentença, assentou
86
entendimento pela possibilidade de usucapião de bens de sociedade de
economia mista.
Nas razões do recurso especial, a recorrente alega violação ao artigo 98 do
Código Civil, ao argumento de que os bens da sociedade de economia mista
são públicos, insuscetíveis de usucapião, portanto.
É o relatório.
Passo a decidir.
A irresignação recursal não merece guarida. Com efeito, o entendimento do
tribunal de origem encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte
sobre o tema, consoante se depreende da leitura do seguinte julgado:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO
EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.
I Entre as causas de perda da propriedade está o usucapião que, em sendo
extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé, consumando-se no
prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o artigo 550 do
Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte do
proprietário.
II Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por
usucapião. Precedentes. Recurso especial provido" REsp 647.357/MG, Rel.
Min. CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, DJ 23/10/2006, p. 300
Ante o exposto, conheço do agravo para, desde logo, negar seguimento ao
recurso especial. Evidente, pois, a chance razoável de sucesso no Tribunal.
Na Corte Constitucional, por sua vez, está sedimentado o posicionamento da
possibilidade de usucapião contra sociedades de economia mista e empresa pública,
ainda que no caso concreto se trate de entidade exploradora de atividade econômica
(Caixa Econômica Federal). [RE 536297, Min. Ellen Gracie, DJe 24/11/2010]
Contudo, veja-se do trecho do voto que o Tribunal faz distinção entre
empresa prestadora de serviço público e exploradora de atividade econômica:
“Com relação às empresas públicas e sociedades de economia mista, cuja
natureza jurídica é de direito privado, há duas situações distintas, uma vez que
essas entidades estatais podem ser prestadoras de serviço público ou
exploradoras de atividade econômica. Os bens das empresas públicas ou
sociedades de economia mista prestadoras de serviço público e que estejam
afetados a essa finalidade são considerados bens públicos. Já os bens das
87
estatais exploradoras de atividade econômica são bens privados, pois, atuando
nessa qualidade, sujeitam-se ao regramento previsto no art. 173.”
Desse modo, é possível obter-se uma decisão favorável, a depender da
interpretação a ser dada às sociedades – se são efetivamente prestadora de serviços
públicos.
Conclui-se, a partir de interpretação sistemática do ordenamento jurídico
pátrio, em que pese entendimento contrário do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, ser possível a usucapião de imóveis de propriedade da CDHU e COHAB.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Diariamente usuários comparecem nas Unidades da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo com intuito de salvaguardar seu direito à moradia.
Por diversas vezes, o cidadão reside em imóvel abandonado da CDHU ou
COHAB. Ou, ainda, sem nunca ter sido mutuário das companhias de habitação. Nas
hipóteses ventiladas, a usucapião é um instrumento importante que visa declarar a
nova propriedade e resguardar o direito à moradia.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A tese pode fundamentar ações de usucapião em face das companhias de
habitação – CDHU e COHAB sempre que preenchidos os requisitos da prescrição
aquisitiva, bem como pode ser utilizada como defesa em sede de eventual ação
possessória ou petitória que o usuário figure como réu ou terceiro interessado.