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ISSN 1415-3033 59 Retrospectiva e situação atual da cenoura no Brasil Circular Técnica Brasília, DF Junho, 2008 Autor Nirlene Junqueira Vilela Pesq., MSc. Economia Rural Embrapa Hortaliças Brasília-DF E-mail: nirlene@cnph. embrapa.br Igor Origenes Borges Estudante - Faculdade da Terra de Brasília-FTB Brasília- DF E-mail: [email protected] A cenoura posiciona-se como um importante produto do agronegócio no Brasil, principalmente por apresentar elevada capacidade de geração de emprego e renda em todos os segmentos de sua cadeia produtiva durante o ano inteiro. O objetivo deste trabalho é analisar de forma descritiva a retrospectiva da cultura da cenoura no Brasil e abordar as perspectivas de mercado da cenoura. Desenvolvimento da cultura no Brasil A introdução da cenoura no Brasil ocorreu no século XVI, com a vinda das expedições portuguesas que trouxeram as sementes de cenoura em meio a outras “plantas de horta”. Acredita-se que as primeiras plantações de cenoura no Brasil tenham sido realizadas no século XIX, no Rio Grande do Sul, na horta de um mosteiro pelos jesuítas espanhóis que, posteriormente, de forma empírica, espalharam a cultura em diversos municípios desse estado. No final da década de 50, empenhada no melhoramento de hortaliças, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), submeteu sementes de cenoura às técnicas de melhoramento genético e aclimatação. Em meados dos anos 60, as sementes começaram a ser utilizadas pelos agricultores, em particular, pelos japoneses filiados à Cooperativa Agrícola de Cotia, que já tinham experiências de origem com a cultura. Foto: Gilmar Henz

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ISSN 1415-3033

59Retrospectiva e situaçãoatual da cenoura no Brasil

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Brasília, DFJunho, 2008

Autor

Nirlene Junqueira Vilela Pesq., MSc. Economia Rural

Embrapa Hortaliças Brasília-DF

E-mail: nirlene@cnph. embrapa.br

Igor Origenes Borges Estudante - Faculdade da

Terra de Brasília-FTB Brasília- DF

E-mail: [email protected]

A cenoura posiciona-se como um importante produto do agronegócio no Brasil, principalmente por apresentar elevada capacidade de geração de emprego e renda em todos os segmentos de sua cadeia produtiva durante o ano inteiro. O objetivo deste trabalho é analisar de forma descritiva a retrospectiva da cultura da cenoura no Brasil e abordar as perspectivas de mercado da cenoura.

Desenvolvimento da cultura no Brasil

A introdução da cenoura no Brasil ocorreu no século XVI, com a vinda das expedições portuguesas que trouxeram as sementes de cenoura em meio a outras “plantas de horta”. Acredita-se que as primeiras plantações de cenoura no Brasil tenham sido realizadas no século XIX, no Rio Grande do Sul, na horta de um mosteiro pelos jesuítas espanhóis que, posteriormente, de forma empírica, espalharam a cultura em diversos municípios desse estado.No final da década de 50, empenhada no melhoramento de hortaliças, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), submeteu sementes de cenoura às técnicas de melhoramento genético e aclimatação. Em meados dos anos 60, as sementes começaram a ser utilizadas pelos agricultores, em particular, pelos japoneses filiados à Cooperativa Agrícola de Cotia, que já tinham experiências de origem com a cultura.

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2 Retrospectiva e situação atual da cenoura no Brasil

Fig. 1. A queima-das-folhas era uma das principais limitações para o cultivo de cenoura até a década de 1980.

Foto: Gilm

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A maioria das variedades de cenoura cultivada no Brasil exigia temperaturas entre 15ºC a 20ºC para o bom desenvolvimento da parte aérea e da raíz. No Centro Sul, cultivavam-se durante o inverno sementes importadas de “Nantes”, cultivar francesa de raízes quase cilíndricas, a cv. Chantenay de raiz quase cônica, a cultivar japonesa ‘Kuroda’ e cultivares americanas do tipo ‘Danvers’, introduzidas no Brasil em 1964. As primeiras cultivares brasileiras ‘Brasília’ e ‘Kuronan’ foram lançadas em 1981 e 1983, respectivamente (VIEIRA et al., 1983; IKUTA et al., 1983).

Principais problemas da produção

Antes de 1980, as lavouras brasileiras de cenoura eram severamente limitadas pela ‘queima-das-folhas’, doença causada por um complexo de patógenos que inclui os fungos Alternaria dauci e Cercospora carotae e a bactéria Xanthomonas carotae (Fig. 1).

No Brasil, até meados de 1980, devido à ocorrência da queima-das folhas, o cultivo da cenoura na época chuvosa de verão exigia a aplicação quase diária de fungicidas, chegando a 50 aplicações durante o ciclo da cenoura, estimado em 120 dias (REIFSCHNEIDER et al., 1984). Consequentemente, baixas produtividades e elevados custos de produção gerados por aplicações excessivas de agrotóxicos tornavam baixa a rentabilidade da cultura. Assim, a cultura era difícil e onerosa, o que tornava a oferta rígida e insuficiente. Os agrotóxicos e as sementes importadas eram os componentes que mais pesavam nos custos finais da produção, e assim os lucros auferidos não estimulavam a expansão das áreas existentes e os baixos volumes produzidos não compensavam a escassez interna do produto. Antes de 1983, a cenoura era um produto pouco disponível para a população. A baixa oferta nos meses de março, abril e maio

induzia o aumento de preços, cujos níveis se elevavam no mercado até quatro vezes mais, em relação às outras épocas (CEASA-RJ, 1978).

No registro de um sistema de produção de julho de 1978 consta que a produtividade média alcançada na época era de 13.100 kg.ha-1, e os custos de produção por hectare alcançavam o valor de CR$ 78.325, excluindo-se os custos de colheita. Entretanto, o produtor recebia por caixa de 22 kg o preço de CR$ 122,50 . A conversão dessesvalores de Cruzeiros (CR$) de 1978 paraReais (R$) de 2006, tomando-se como base o ano de 1978, fornecem um custo médio de produção equivalente a R$ 14,83/ caixa (22 kg). Entretanto, o produtor recebia o equivalente a R$ 16,67 /caixa. Dessa forma, a rentabilidade de 1,09 R$.ha-1 expressava a baixa eficiência técnica da cultura. Em 2006, o custo unitário por caixa foi estimado em R$ 8,95 na região de São Gotardo-MG, no sistema de produção do verão e com a produtividade média de 1.520 cxs (29 kg) por ha-1. O preço médio de R$ 13,50 recebido pelo produtor por caixa de 29 kg resultou no coeficiente de rentabilidade de 1,51/caixa, expressando a elevada eficiência técnico-econômica da cultura em colheitas diárias e plantios semanais (VILELA et al., 2005).

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Fig. 2. O preço da cenoura nas centrais atacadistas brasileiras antes de 1980 era muito elevado quando comparado aos dias atuais.

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No contexto de mercado de 1978, a caixa de cenoura de 22 kg era vendida no CEASA-RJ ao equivalente preço médio corrigido de R$ 78,80, ou seja, R$ 4,58/kg. Esta situação evidencia que, provavelmente, a cenoura era acessível somente aos consumidores de alto poder aquisitivo. Os estoques comercializados, em maior parte, eram importados de outros países. Naquela época, como conseqüência da rigidez da oferta interna, os preços finais pagos pelos consumidores eram significativamente elevados no mercado continuamente instável. As acentuadas flutuações de preços e de quantidades durante o ano eram sucessivas, manifestando pontos de maior intensidade nos meses de fevereiro a junho com picos significativamente elevado (164,4%) no mês de abril (CEASA-RJ, 1978). É importante ressaltar que, em 2006, na mesma CEASA-RJ, a cenoura foi comercializada ao preço médio de R$ 0,82 (CEASA-RJ, 2007). Portanto, comparando-se a situação da cenoura em 1998 com o ano de 2006, verifica-se que os avanços tecnológicos proporcionaram significativos incrementos de produtividade da cultura (Fig. 2).

Impactos econômicos das novas tecnologias nos sistemas produtivos

A rigidez da oferta interna e as crescentes importações de cenoura geraram pressões

sociais sobre a pesquisa agrícola levando a Embrapa Hortaliças a iniciar, em 1976, um programa de melhoramento de cenoura, em parceria com a ESALQ/USP. Os esforços dos pesquisadores para desenvolver uma cultivar mais produtiva e com resistência à queima-das-folhas, culminaram em 1981 com o lançamento da cv. Brasília (Fig. 3).

A cultivar Brasília foi selecionada a partir de uma população de cenoura, coletada em 1976, no município de Rio Grande, RS, utilizando-se o método de seleção recorrente, baseada no desempenho de progênies de meio-irmãos, tendo sido completados quatro ciclos de seleção antes do seu lançamento (VIEIRA et al., 1983). A nova cultivar apresentou boa resistência ao complexo patogênico envolvido na queima-das-folhas e ao calor, além de alta tolerância aos nematóides formadores de galhas e ao pendoamento, adaptando-se em todas as regiões brasileiras.

A partir de 1981, iniciou-se a rápida difusão da cenoura ‘Brasília’ em todas as épocas e regiões do país, em grande parte, como resultados de esforços das empresas públicas de extensão rural, das empresas privadas de produção de sementes e dos próprios produtores. Todas essas instituições, em trabalhos de ação conjunta, tiveram um papel preponderante no processo de transferência da nova tecnologia de produção. De outro lado, a produção de

Fig. 3. Cultivar ‘Brasilia’ lançada em 1983 pela Embrapa Hortaliças revolucionou o cultivo da cenoura no Brasil.

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sementes de cenoura no Brasil, que antes era impossível, iniciou-se nos campos de produção localizadas no sul do País e que rapidamente avançaram na multiplicação e distribuição de sementes da cenoura ‘Brasília’. Em conseqüência, as importações de sementes de cenoura reduziram-se significativamente (BRASIL, 2006).

A adoção das novas tecnologias de produção, incluindo novas cultivares e técnicas de manejo mais eficientes, possibilitou significativa redução nos custos finais da produção, em razão de menor utilização de insumos e aquisição de sementes nacionais e produtividade elevada, resultando em alta rentabilidade e retornos econômicos compensadores. Mesmo com a queda geral dos preços de mercado, os negócios de cenoura tornaram-se lucrativos, passando a beneficiar com excedentes econômicos os consumidores e os produtores que passaram a expandir as áreas de cultivo. Neste contexto, o deslocamento da curva de oferta para a direita promoveu a redução dos preços de mercado aumentando a propensão ao consumo e, assim criando maiores oportunidades de mercado para a cenoura.

O perfil da produção

Na safra de 1980, foram colhidas 150,0 mil toneladas de cenoura em uma área de 10,6 mil ha, com produtividade média de 14,0 t.ha-1. Na safra de 2006, a produção de cenoura foi estimada em 750 mil toneladas em uma área de 25,8 mil hectares, com produtividade de 29 mil t.ha-1 e disponibilidade de 4,016 kg/habitante (Tabela 1).

Verifica-se um acentuado pico de produção no qüinqüênio de 1995 a 2005 (Tabela 1). Essa situação foi gerada pela entrada de grupos empresariais e cooperativas na produção de cenoura da região de São Gotardo. Essas empresas, ao utilizarem avançadas tecnologias de produção, incluindo o sistema de irrigação por pivot central, inovações em manejo cultural, semeios com máquinas de precisão e novas fórmulas nutricionais, tornaram-se responsáveis pelo abastecimento de mais de 50% do mercado nacional.

A partir de 2004, a crise na agricultura brasileira, gerada pela política econômica vigente no país, afetou também a cultura da cenoura. Como conseqüência, ocorreu redução

Ano Produção( mil t)

Área(mil ha)

Produtividade(kg/ha)

Disponibilidade (kg/hab/ano)

1980 150.090 10.698 14.030 1,266

1985 245.410 11.960 20.519 1,845

1990 290.910 13.549 21.471 1,984

1995 386.974 15.340 25.226 2,436

2000 690.523 25.850 26.713 4,031

2001 750.000 27.700 27.076 4,315

2002 755.258 27.399 27.565 4,282

2003 758.125 26.420 28.695 4,236

2004 785.000 27.000 29.074 4,323

2005 765.382 26.300 29.102 4,158

2006 750.045 25.550 29.356 4,016

Tabela 1. Situação da produção, área, produtividade e disponibilidade per capita de cenoura, Brasil,1980-2006.

Fonte: Estimativas do Agronegócio (2007).

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de área e da produção. Apesar disso, observa-se incrementos de produtividade, mesmo com redução nas quantidades aplicadas de fertilizantes e defensivos para obter maior redução nos custos finais de produção.

Na região de São Gotardo, os sistemas de produção de inverno e de verão foram identificados como predominantes (Fig. 4). No primeiro sistema, são cultivados os materiais dogrupo ‘Nantes’ e híbridos. No verão, prevalecea adoção das cultivares do grupo ‘Brasília’, com predominância da cultivar ‘Brasília’, cuja distribuição da produção se estende ao Sudeste (70%), Sul (60%) Centro-Oeste (85%). Estas três regiões representam 76,3% da área total de cenoura do País. Nas regiões Norte e Nordeste, a adoção da cultivar de cenoura ‘Brasília’ é 100% e alcança todos os Estados com cultivos durante o ano inteiro. Essas duas regiões participam com 0,7% e 22,5%, respectivamente, no total da área brasileira de cenoura.

Na cadeia produtiva da cenoura, as sementes (insumos) e as raízes (produtos), movimentam os setores de produção de insumos (corretivos, fertilizantes, sementes, embalagens); o setor de serviços e transportes, as empresas terceirizadas para classificação, beneficiamento e embalagem, agroindústrias, e serviços, e os

setores de distribuição (empresas terceirizadas, mercado atacadista e varejista, setor de refeições coletivas) e traders. Com relação à geração de empregos, estimam-se que 150 mil postos de trabalho são gerados anualmente, no setor primário da produção de raízes, ou seja de 3 a 4 empregos diretos e o mesmo número de empregos indiretos, considerando apenas o setor da produção (SAASP, 1997).

No aspecto da exploração econômica da cenoura, o Censo Agropecuário de 1996 (IBGE, 2007) registra o número de 409,4 mil produtores, em maior parte situados nas propriedades com áreas menores de 20 hectares (40,1%). O total produzido, em maior parte (70%), é proveniente de explorações tipicamente familiares (70%). Entretanto, grande parte (30%) da produção de cenoura é cultivada nos sistemas de produção empresarial distribuídos nos extratos de mais de 100 hectares

Os principais estados produtores de cenoura são Minas Gerais, Bahia, Paraná e São Paulo. Destaca-se como maior produtor nacional o estado de Minas Gerais, com três importantes pólos de produção de cenoura. O principal desses pólos é a região de Rio Paranaíba (São Gotardo, Rio Paranaíba, Campos Altos, Tiros, Ibiá, Matutina) que, em uma área de 8 mil

Fig. 4. A região de São Gotardo, em Minas Gerais, consolidou-se como a principal região produtora de cenoura no Brasil.

Fig. 5. Modernas estruturas de manuseio pós-colheita na região de São Gotardo, em Minas Gerais, garantem o abastecimento de grande parte do mercado brasileiro.

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hectares e com produtividade média de 35t/ha, vem respondendo por mais de 37% da produção nacional. Em seguida, destacam-se o pólo de Santa Juliana (Santa Juliana, Uberaba, Perdizes, Pratinha, Araxá), com área de 600 ha e produtividade média de 35 t/ha e o pólo de Carandaí (Carandaí, Barbacena, Madre de Deus e Alfredo), com área de 769,7 hectares e produtividade de 29 t.ha-1(EMATER-MG, 2007). No Paraná, são 6.200 ha plantados, destacando-se a região de Marilândia, com 4200 hectares cultivados e uma produtividade média de 28 t/ha (SEAB-DERAL PR, 2007). Na Bahia, a região de Irecê (Irecê, Lapão, João Dourado, América Dourada) vem cultivando uma área de 3.058 hectares com produtividade média de 25t/ha. Mais recentemente, surge na Bahia o pólo da Chapada Diamantina, com uma área de cerca de 600 hectares com produtividade média de 28t/ha (EBDA, 2007).

Em São Paulo, de acordo com o Instituto de Economia Agrícola de São Paulo (IEA-SP, 2007), são cultivados anualmente 4,6 mil ha nos municípios de Araçatuba (34,6%), Catanduva (15,0%), Barretos (9,8%), Lins (10,1%), Dracena (6,6%), Jaboticabal (8,8%), Presidente Prudente (5,5%), Tupã (3,5%), Presidente Venceslau (1,9% ), General Salgado (1,4% ) e São José do Rio Preto (1,1%).

A exigência de ótima qualidade de produto pelo mercado globalizado impôs a reconversão dos sistemas produtivos em todos os elos da cadeia. Na fase de pós-colheita, a cenoura passa por uma complexa logística, com alta especialização de mão-de-obra, destacando-se os serviços terceirizados de seleção, lavagem e classificação, em que é mantido anualmente o emprego de 57 trabalhadores para a operacionalização de 150 toneladas por dia (VILELA et al., 2005) (Fig. 5). A trans-ferência inter-regional massiva que se alcançoucom a cenoura ‘Brasília’ confirma as van- tagens da concentração dos esforços dos pes- quisadores para gerar tecnologia de alcance nacional. Nesse aspecto, foram significativos

os benefícios socieoconômicos para todas as regiões, quantificados pelos incrementos da produção, do número de empregos, da renda dos produtores e das regiões (VILELA et al., 1997). Além da cultivar ‘Brasília,’ novos materiais com características genéticas superiores foram lançados no mercado, associados a outras eficientes tecnologias. Nesse aspecto, novos métodos de manejo cultural, incluindo irrigação e fórmulas nutricionais contribuíram para elevar o potencial produtivo dos materiais, garantindo ganhos de eficiência técnica e econômica da cultura.

No mercado de sementes, espaços vem sendo gradativamente transferidos para outros materiais superiores, dentre esses a cultivar ‘Alvorada’ desenvolvida pela Embrapa Hortaliças a partir de um cruzamento entre as cultivares de cenoura Brasília, Kuronan e um material coletado pela Embrapa Hortaliças em uma população de ocorrência natural, no Rio Grande do Sul. (Fig. 6).Esta cultivar representa um novo padrão de qualidade visual, com coloração interna da raiz mais uniforme, e menor incidência de ombro-verde em relação às cultivares atualmente em uso no verão. Além disso, a cenoura ‘Alvorada’ apresenta qualidade nutricional superior à das cultivares

Fig. 6. A cv. Alvorada, desenvolvida pela Embrapa Hortaliças, apresenta maior qualidade nutricional e aspecto visual superior em relação às cultivares tradicionais de cenoura.

Foto: Jairo V. V

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tradicionais, com teor de carotenóides totais cerca de 35% maior. A característica de resistência às doenças de folhagem e aos nematóides formadores de galhas viabiliza a produção da ‘Alvorada’ praticamente sem o emprego de agrotóxicos em qualquer época do ano, nas principais regiões produtoras (EMBRAPA HORTALIÇAS, 2004).

A falta de matéria prima adequada para processamento de mini-cenouras (“baby carrots”) levava o país a importar consideráveis volumes deste tipo de cenoura, principalmente dos Estados Unidos, com significativo peso na balança comercial de hortaliças. Apesar do grande potencial do Brasil para produção de cenoura, a produção nacional de mini-cenouras era feita a partir do descarte de raízes de cultivares tradicionais que apresentavam defeitos e calibragem fora do padrão de mercado. Assim, também as mini-cenouras obtidas de cultivares tradicionais não apresentavam qualidade em padrões de competitividade com o produto importado.Este problema levou a Embrapa Hortaliças a gerar uma nova cultivar para atender o mercado de cenouras processadas do tipo mini-cenoura (Fig. 7). Lançada em 2005, cultivar ‘Esplanada’, originária do grupo ‘Brasília’ apresenta resistência ao calor e a

doenças foliares, em especial, a queima-das folhas. Além disso, possui teor de beta- caroteno superior aos demais materiaisde verão (EMBRAPA HORTALIÇAS, 2005).

A cultivar ‘Esplanada’ apresenta diâmetro inferior a 3 cm e comprimento superior a 20 cm. Essa característica proporciona maior produtividade de mini-cenouras por raiz. Além disso, a coloração interna uniforme e a incidência de ‘ombro verde’ na ‘Esplanada’ é reduzida quando comparada com outras cultivares de verão. A introdução da cultivar Esplanada nos sistemas produtivos possibilitou a oferta de raízes de coloração alaranjada intensa e homogênea para produção de mini-cenouras mais atrativas ao consumidor, diferente do que ocorre com o processamento de raízes com anéis esbranquiçados. Na forma de aproveitamento em saladas e outras, a ‘Esplanada’, com maior qualidade culinária, atende a preferência do consumidor.

A cenoura ‘Esplanada’ vem se adaptando satisfatoriamente em sistemas de produção convencional e orgânico em todas as regiões brasileiras, com a mesma base técnica utilizado para as cultivares tradicionais de verão. Nas lavouras destinadas a produção de mini-cenouras, o plantio mais adensado torna as raízes mais finas e, portanto, mais aptas para processamento. A época de plantio de cenoura ‘Esplanada’ é de outubro a março na região Sul e de setembro a março na região Sudeste. Nas demais regiões, a ‘Esplanada’ pode ser plantada durante o ano inteiro. Entre 80 e 90 dias após a semeadura, a cv. Esplanada atinge o ponto de colheita. Assim, a precocidade e a ótima qualidade das raízes e do produto processado constituem-se nos principais atributos de agregação de valor, incorporados na nova tecnologia.

Considerações Finais

Tendo em vista o estado da arte da produção de cenoura antes de 1980 e a atual conjuntura

Fig. 7. A cv. Esplanada, desenvolvida pela Embrapa Hortaliças, é adequada para a confecção de mini-cenouras por conta do seu formato de raiz e coloração alaranjada intensa.

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da produção e do mercado de cenoura, conclui-se que:

• A introdução das novas tecnologias de produção de cenoura, incluindo principalmente a cultivar ‘Brasília’, associada a eficientes técnicas de manejo (irrigação racional, novas fórmulas nutricionais, espaçamentos, máquinas de precisão) proporcionou a evolução positiva da cenoura no Brasil.

• A produção nacional de sementes, implementada pelo lançamento da cenoura Brasília e a redução de aplicações de agrotóxicos na cultura, reduziu de forma significativa os custos de produção, promovendo a maior rentabilidade da cultura por unidade de área.

• A expansão de área cultivada, aumentos de produtividade, produção em todas as regiões e em todas as épocas do ano, geraram como principal conseqüência econômica, a regularização da oferta de mercado durante o ano inteiro.

• As novas tecnologias possibilitaram o ascendente deslocamento do ponto de maximização de lucros dos produtores que, estimulados, passaram a expandir áreas de cultivo e investir maiores aportes financeiros na elevação do nível tecnológico de suas lavouras, na especialização da mão-de-obra que resultaram em mais produto de melhor qualidade.

• A queda nos preços gerada pelo deslocamento da curva de oferta de mercado permitiu o acesso das classes sociais de baixo poder aquisitivo ao consumo do produto que, antes de 1980, era privilégio exclusivo das classes de alta renda.

• A inclusão das classes sociais de baixa renda no mercado do produto proporcionou a elevação da propensão ao consumo, gerando promissoras oportunidades de mercado para os produtores.

O lançamento posterior das cultivares ‘Alvorada’ e ‘Esplanada’, com maior teor de carotenóides totais e atributos para atender o mercado de cenouras processadas do tipo mini-cenoura, passaram a contribuir como novas alternativas de agregação de valor.Tanto na agricultura familiar como nas explorações empresariais, as novas tecnologias para produção reverteram a cultura da cenoura em um dos mais dinâmicos ramos do agronegócio brasileiro.

Referências

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Fig. 8. A cenoura tornou-se mais popular e acessível graças aos resultados da pesquisa, e hoje já existem várias opções para o consumidor no mercado.

Foto: Jairo V. V

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9Retrospectiva e situação atual da cenoura no Brasil

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IBGE. Produção de cenoura por extrato de área: número de informantes: 2007 Disponível em: <http://www.sidra.ibge. gov.br>. Acesso em: 12 dez. 2006.

IEA-SP. Produção e área de hortaliças em São Paulo, 2006. (Planilha eletrônica recebida em 25 de julho de 2007)

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Circular Exemplares desta edição podem ser adquiridos na: Técnica, 59 Embrapa Hortaliças Endereço: BR 060 km 9 Rod. Brasília-Anápolis C. Postal 218, 70.531-970 Brasília-DF Fone: (61) 3385-9115 Fax: (61) 3385-9042 E-mail: [email protected] 1ª edição 1ª impressão (2008): 1.000 exemplares

Comitê de Presidente: Gilmar P. Henz Publicações Editor Técnico: Flávia A. Alcântara Membros: Alice Maria Quezado Duval Edson Guiducci Filho Milza M. Lana

Expediente Normalização Bibliográfica: Rosane M. Parmagnani

Editoração eletrônica: José Miguel dos Santos