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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE JUSTIÇA REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA ISSN 0041-2805 N. 300 • JUNHO ANO LI • 2016

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Page 1: ISSN 0041-2805 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVISTA DE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SULTRIBUNAL DE JUSTIÇA

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IAISSN 0041-2805

N. 300 • JUNHOANO LI • 2016

Page 2: ISSN 0041-2805 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVISTA DE

Publicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Comissão de Biblioteca, de Jurisprudência e de Apoio à Pesquisa e Conselho Editorial da Revista de Jurisprudência.

Registrada como repositório autorizado de jurisprudência perante o Supremo Tribunal Federal sob n. 015/86, de 10-10-86 (versão impressa), e sob n. 015 INT-12, de 19-06-12 (versão on-line), no Livro de Publicações Autorizadas (art. 4º, I, da Resolução n. 330/2006); e como repositório credenciado perante o Superior Tribunal de Justiça, conforme Portaria n. 03, de 19-03-10, publicada em 22-03-10, DJe n. 542, que alterou a de n. 01, de 08-02-90, do STJ, publicada em 12-02-90 no DOU.

A Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, disponibilizada no portal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (https://www.tjrs.jus.br/site/publicacoes/revista_da_jurisprudencia/), da Rede Mundial de Computadores, é a primeira Revista de Jurisprudência do País a ser registrada como repositório credenciado de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Instrução Normativa n. 01/08, art. 7º), conforme Portarias do STJ n. 01, de 19-02-10, publicada em 26-02-10 no DJe do STJ, e n. 04, de 19-03-10, publicada em 22-03-10 no DJe do STJ.

Registrada no INPI sob n. 841.910. Circulação nacional. Os acórdãos estampados correspondem, na íntegra, às cópias

obtidas na Secretaria de Documentação (art. 4º, II, da Resolução n. 330/2006). São encaminhados à Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal, a

cada tiragem, dois exemplares impressos ou em mídia eletrônica de cada número ou edição (art. 4º, III, da Resolução n. 330/2006).

Catalogação elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudência do TJRGS

REVISTA DE JURISPRUDÊNCIAESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ANO LI, N. 300JUNHO, 2016

Periodicidade: trimestralTiragem: 510 exemplares

EXPEDIENTE

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CONSELHO EDITORIAL

Desembargador PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, Presidente

Desembargador Leonel Pires OhlweilerCoordenador da Revista de Jurisprudência

Desembargador Ney Wiedemann NetoCoordenador do Boletim Eletrônico de Ementas

Desa. Lizete Andreis SebbenDes. Jayme Weingartner NetoDesa. Cláudia Maria Hardt

IMPRESSÃODepartamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul. Av. Otto Niemeyer, n. 165, CEP 91910-900, Porto Alegre – RS. Fones-faxes: (51) 3268-2073, 3268-2081, 3268-2150 e 3268-6183.

E-mail: [email protected]

DISTRIBUIÇÃO – É feita pelo Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e pelas seguintes livrarias autorizadas:

Porto Alegre:

ISASUL – Distribuidora de Livros Ltda.Rua Riachuelo, n. 1236Fone-fax: (51) 3224-5228E-mail: [email protected]

No Interior:

Em Novo Hamburgo:Livraria Peninha

Rua Joaquim José da Silva Xavier, n. 124Fones: (51) 3587-4924 e 9112-1494E-mail: [email protected]

ASSINATURAS – Devem ser feitas diretamente com os distribuidores autorizados, acima relacionados.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Des. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINIPresidente

Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA 1º Vice-Presidente 2ª Vice-Presidente Des. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ 3º Vice-Presidente

Desa. IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA Corregedora-Geral da Justiça

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque NetoDes. Arminio José Abreu Lima da RosaDes. Marcelo Bandeira PereiraDes. Vicente Barroco de VasconcellosDes. Newton Brasil de LeãoDes. Sylvio Baptista NetoDes. Rui PortanovaDes. Jorge Luís Dall’AgnolDes. Francisco José MoeschDes. Ivan Leomar BruxelDes. Nelson Antonio Monteiro PachecoDes. Luiz Felipe Brasil SantosDesa. Maria Isabel de Azevedo SouzaDes. Otávio Augusto de Freitas BarcellosDes. Irineu MarianiDes. Manuel José Martinez LucasDes. Sérgio Fernando de Vasconcellos ChavesDes. Voltaire de Lima MoraesDesa. Genacéia da Silva AlbertonDes. Aymoré Roque Pottes de MelloDes. José Antônio Cidade PitrezDes. Marco Aurélio HeinzDes. José Aquino Flôres de CamargoDes. Guinther Spode

Des. Jorge Alberto Schreiner PestanaDesa. Liselena Schifi no Robles RibeiroDes. Bayard Ney de Freitas BarcellosDesa. Ana Maria Nedel ScalzilliDes. Carlos Roberto Lofego CaníbalDesa. Matilde Chabar MaiaDes. Alexandre Mussoi MoreiraDes. Luís Augusto Coelho BragaDes. André Luiz Planella VillarinhoDes. Alzir Felippe SchmitzDesa. Naele Ochoa PiazzetaDes. Carlos Cini MarchionattiDes. Luiz Felipe Silveira Difi niDes. Breno Pereira da Costa VasconcellosDes. Carlos Eduardo Zietlow DuroDes. Ergio Roque MenineDes. Rogério Gesta LealDes. João Batista Marques TovoDes. Pedro Celso Dal PráDes. Carlos Alberto EtcheverryDesa. Fabianne Breton BaischDesa. Isabel de Borba LucasDesa. Angela Terezinha de Oliveira BritoDes. Umberto Guaspari Sudbrack

TRIBUNAL PLENO

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Desa. Iris Helena Medeiros NogueiraDesa. Marilene BonzaniniDes. Antônio Maria Rodrigues de Freitas IserhardDes. Dálvio Leite Dias TeixeiraDes. Paulo Roberto Lessa FranzDesa. Judith dos Santos MottecyDes. Glênio José Wasserstein HekmanDes. Tasso Caubi Soares DelabaryDes. Paulo Sérgio ScarparoDes. Jorge Luiz Lopes do CantoDes. Nelson José GonzagaDes. Gelson Rolim StockerDesa. Bernadete Coutinho FriedrichDesa. Mylene Maria MichelDesa. Liége Puricelli PiresDes. Jorge Maraschin dos SantosDesa. Sandra Brisolara MedeirosDesa. Denise Oliveira CezarDes. Ricardo Moreira Lins PastlDes. Luiz Roberto Imperatore de Assis BrasilDesa. Katia Elenise Oliveira da SilvaDes. Eduardo DelgadoDes. Fernando Flores Cabral JúniorDes. Almir Porto da Rocha FilhoDesa. Vanderlei Teresinha Tremeia KubiakDes. Túlio de Oliveira MartinsDesa. Walda Maria Melo PierroDesa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira ReboutDes. Marco Antonio AngeloDes. Mário Crespo BrumDes. Ney Wiedemann NetoDesa. Lúcia de Fátima CerveiraDes. Marcelo Cezar MüllerDesa. Isabel Dias AlmeidaDes. Altair de Lemos JuniorDes. Leonel Pires OhlweilerDes. Eduardo UhleinDes. João Moreno Pomar Desa. Laura Louzada Jaccottet Des. Roberto SbravatiDesa. Ângela Maria SilveiraDes. José Conrado Kurtz de SouzaDes. Eduardo João Lima CostaDesa. Helena Marta Suárez Maciel Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório Desa. Leila Vani Pandolfo Machado

Des. Eugênio Facchini NetoDesa. Ana Beatriz IserDes. Miguel Ângelo da SilvaDesa. Catarina Rita Krieger MartinsDes. Francesco ContiDes. Diógenes Vicente Hassan RibeiroDes. João Barcelos de Souza JúniorDesa. Miriam Andréa da Graça Tondo FernandesDesa. Lizete Andreis SebbenDes. Julio Cesar FingerDes. José Antônio Daltoé CezarDes. Jayme Weingartner Neto Des. Antonio Vinicius Amaro da SilveiraDes. Heleno Tregnago SaraivaDesa. Jucelana Lurdes Pereira dos SantosDes. Dilso Domingos PereiraDesa. Elisabete Corrêa HoevelerDes. Giovanni ContiDes. Sérgio Luiz Grassi BeckDes. Carlos Eduardo RichinittiDesa. Elisa Carpim CorrêaDes. Ricardo Torres HermannDes. Clademir José Ceolin MissaggiaDes. Eduardo KraemerDes. Newton Luís Medeiros FabrícioDes. Alberto Delgado NetoDes. Honório Gonçalves da Silva NetoDesa. Ana Paula DalboscoDesa. Cristina Pereira GonzalesDes. Cláudio Luís MartinewskiDesa. Adriana da Silva RibeiroDes. Jorge Alberto Vescia CorssacDes. Cairo Roberto Rodrigues MadrugaDes. Jorge André Pereira GailhardDes. Luiz Mello Guimarães Des. Sérgio Miguel Achutti BlattesDes. Martin SchulzeDes. Pedro Luiz PozzaDesa. Marta Borges OrtizDes. Victor Luiz Barcellos LimaDes. Léo Romi Pilau JuniorDes. Eduardo Kothe WerlangDesa. Rosaura Marques BorbaDes. Rinez da TrindadeDesa. Cláudia Maria HardtDes. Ingo Wolfgang Sarlet

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça reúne-se, em sessão ordinária, nas primeira e terceira segundas-feiras de cada mês, e, extraordinariamente, quando convocado pelo Presidente.

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GRUPOS CÍVEIS

As presidências dos Grupos Cíveis são exercidas pelo Desembargador mais antigo do Grupo, de acordo com o art. 23 do COJE, com redação dada pela Lei n. 11.848/02.

1º Grupo (1ª e 2ª Câmaras Cíveis)

Des. Irineu Mariani Des. João Barcelos de Souza JúniorDes. Carlos Roberto Lofego Caníbal Des. Sérgio Luiz Grassi BeckDesa. Lúcia de Fátima Cerveira Des. Ricardo Torres HermannDesa. Laura Louzada Jaccottet Des. Newton Luís Medeiros Fabrício

Dia de Reunião: 1ª (primeira) sexta-feira de cada mês.

2º Grupo (3ª e 4ª Câmaras Cíveis)

Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco Des. Leonel Pires OhlweilerDesa. Matilde Chabar Maia Des. Eduardo UhleinDes. Alexandre Mussoi Moreira Des. Francesco ContiDes. Eduardo Delgado Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira

Dia de Reunião: 2ª (segunda) sexta-feira de cada mês.

3º Grupo (5ª e 6ª Câmaras Cíveis)

Des. Luís Augusto Coelho Braga Desa. Elisa Carpim CorrêaDes. Jorge Luiz Lopes do Canto Des. Jorge André Pereira GailhardDes. Ney Wiedemann Neto Des. Léo Romi Pilau JuniorDesa. Isabel Dias Almeida Des. Rinez da Trindade

Dia de Reunião: 1ª (primeira) sexta-feira de cada mês.

4º Grupo (7ª e 8ª Câmaras Cíveis)

Des. Rui Portanova Des. Sérgio Fernando de VasconcellosDes. Jorge Luís Dall’Agnol ChavesDes. Ivan Leomar Bruxel Desa. Liselena Schifi no Robles RibeiroDes. Luiz Felipe Brasil Santos Desa. Sandra Brisolara Medeiros Des. Ricardo Moreira Lins Pastl Dia de Reunião: 2ª (segunda) sexta-feira de cada mês.

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5º Grupo (9ª e 10ª Câmaras Cíveis)

Des. Manuel José Martinez Lucas Des. Marcelo Cezar MüllerDes. Jorge Alberto Schreiner Pestana Des. Eugênio Facchini NetoDes. Tasso Caubi Soares Delabary Des. Miguel Ângelo da SilvaDes. Túlio de Oliveira Martins Des. Carlos Eduardo Richinitti

Dia de Reunião: 3ª (terceira) sexta-feira de cada mês.

6º Grupo (11ª e 12ª Câmaras Cíveis)

Des. Guinther Spode Des. Luiz Roberto Imperatore de Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos Assis Brasil Des. Umberto Guaspari Sudbrack Desa. Katia Elenise Oliveira da SilvaDes. Antônio Maria Rodrigues de Desa. Ana Lúcia Carvalho PintoFreitas Iserhard Vieira Rebout Des. Pedro Luiz Pozza

Dia de Reunião: 4ª (quarta) sexta-feira de cada mês.

7º Grupo (13ª e 14ª Câmaras Cíveis)

Des. Alzir Felippe Schmitz Des. Mário Crespo BrumDes. Breno Pereira da Costa Des. Roberto SbravatiVasconcellos Desa. Miriam Andréa da Graça TondoDesa. Angela Terezinha de Oliveira Brito FernandesDesa. Judith dos Santos Mottecy Desa. Elisabete Corrêa Hoeveler

Dia de Reunião: 1ª (primeira) sexta-feira de cada mês.

8º Grupo (15ª e 16ª Câmaras Cíveis) Des. Vicente Barroco de Vasconcellos Des. Paulo Sérgio ScarparoDes. Otávio Augusto de Freitas Barcellos Desa. Ana Beatriz IserDesa. Ana Maria Nedel Scalzilli Desa. Catarina Rita Krieger MartinsDes. Ergio Roque Menine Desa. Adriana da Silva Ribeiro

Dia de Reunião: 2ª (segunda) sexta-feira de cada mês.

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9º Grupo (17ª e 18ª Câmaras Cíveis)

Des. Pedro Celso Dal Prá Des. João Moreno PomarDes. Nelson José Gonzaga Des. Heleno Tregnago SaraivaDes. Gelson Rolim Stocker Des. Giovanni ContiDesa. Liége Puricelli Pires Desa. Marta Borges Ortiz

Dia de Reunião: 3ª (terceira) sexta-feira de cada mês.

10º Grupo (19ª e 20ª Câmaras Cíveis)

Des. Voltaire de Lima Moraes Desa. Walda Maria Melo PierroDes. Carlos Cini Marchionatti Des. Marco Antonio AngeloDes. Glênio José Wasserstein Hekman Des. Eduardo João Lima CostaDesa. Mylene Maria Michel Des. Dilso Domingos Pereira

Dia de Reunião: 4ª (quarta) sexta-feira de cada mês.

11º Grupo (21ª e 22ª Câmaras Cíveis)

Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa Des. José Aquino Flôres de CamargoDes. Marcelo Bandeira Pereira Desa. Marilene BonzaniniDes. Francisco José Moesch Desa. Denise Oliveira CezarDes. Marco Aurélio Heinz Des. Almir Porto da Rocha Filho

Dia de Reunião: 3ª (terceira) sexta-feira de cada mês.

GRUPOS CRIMINAIS

As presidências dos Grupos Criminais são exercidas pelo Desembargador mais antigo do Grupo, de acordo com o art. 20 do COJE, com redação dada pela Lei n. 11.848/02.

1º Grupo (1ª e 2ª Câmaras Criminais)

Des. Sylvio Baptista Neto Des. Luiz Mello GuimarãesDes. José Antônio Cidade Pitrez Des. Victor Luiz Barcellos LimaDes. Jayme Weingartner Neto Desa. Rosaura Marques BorbaDes. Honório Gonçalves da Silva Neto Desa. Cláudia Maria Hardt

Dia de Reunião: 1ª (primeira) sexta-feira de cada mês.

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2º Grupo (3ª e 4ª Câmaras Criminais)

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Des. Diógenes Vicente Hassan RibeiroNeto Des. Julio Cesar FingerDes. Newton Brasil de Leão Des. Sérgio Miguel Achutti BlattesDes. Rogério Gesta Leal Des. Ingo Wolfgang SarletDes. João Batista Marques Tovo

Dia de Reunião: 2ª (segunda) sexta-feira de cada mês.

3º Grupo (5ª e 6ª Câmaras Criminais)

Desa. Genacéia da Silva Alberton Desa. Vanderlei Teresinha Tremeia KubiakDes. Aymoré Roque Pottes de Mello Des. Ícaro Carvalho de Bem OsórioDes. André Luiz Planella Villarinho Desa. Lizete Andreis SebbenDesa. Bernadete Coutinho Friedrich Desa. Cristina Pereira Gonzales

Dia de Reunião: 3ª (terceira) sexta-feira de cada mês.

4º Grupo (7ª e 8ª Câmaras Criminais)

Desa. Naele Ochoa Piazzeta Des. Dálvio Leite Dias TeixeiraDes. Carlos Alberto Etcheverry Des. José Conrado Kurtz de SouzaDesa. Fabianne Breton Baisch Des. José Antônio Daltoé CezarDesa. Isabel de Borba Lucas Desa. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos

Dia de Reunião: 4ª (quarta) sexta-feira de cada mês.

CÂMARAS CÍVEIS

1ª Câmara

Desembargador IRINEU MARIANI, Presidente

Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal Des. Newton Luís Medeiros FabrícioDes. Sérgio Luiz Grassi Beck

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

2ª Câmara

Desembargadora LÚCIA DE FÁTIMA CERVEIRA, Presidente

Desa. Laura Louzada Jaccottet Des. Ricardo Torres HermannDes. João Barcelos de Souza Júnior Dra. Maria Cláudia Mércio Cachapuz

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

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3ª Câmara

Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, Presidente

Desa. Matilde Chabar Maia Dra. Maria Cláudia Mércio CachapuzDes. Eduardo Delgado Dr. Hilbert Maximiliano Akihito ObaraDes. Leonel Pires Ohlweiler Dia de Reunião: às quartas-feiras.

4ª Câmara

Desembargador ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, Presidente

Des. Eduardo Uhlein Dra. Maria Cláudia Mércio CachapuzDes. Francesco Conti Dr. Ricardo BerndDes. Antonio Vinicius Amaro da Silveira

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

5ª Câmara

Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO, Presidente

Desa. Isabel Dias Almeida Des. Léo Romi Pilau JuniorDes. Jorge André Pereira Gailhard Dra. Maria Cláudia Mércio Cachapuz

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

6ª Câmara

Desembargador LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA, Presidente

Des. Ney Wiedemann Neto Dr. Jerson Moacir GubertDesa. Elisa Carpim Corrêa Dr. Sylvio José Costa da Silva TavaresDes. Rinez da Trindade Dr. Alex Gonzalez Custódio Dia de Reunião: às quintas-feiras.

7ª Câmara

Desembargador JORGE LUÍS DALL’AGNOL, Presidente

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Desa. Liselena Schifi no Robles RibeiroChaves Desa. Sandra Brisolara Medeiros

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

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8ª Câmara

Desembargador RUI PORTANOVA, Presidente

Des. Ivan Leomar Bruxel Des. Ricardo Moreira Lins PastlDes. Luiz Felipe Brasil Santos

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

9ª Câmara

Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY, Presidente

Des. Eugênio Facchini Neto Des. Carlos Eduardo RichinittiDes. Miguel Ângelo da Silva

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

10ª Câmara

Desembargador MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, Presidente

Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana Des. Marcelo Cezar MüllerDes. Túlio de Oliveira Martins Dr. Jerson Moacir Gubert

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

11ª Câmara

Desembargador BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS, Presidente

Des. Antônio Maria Rodrigues de Desa. Katia Elenise Oliveira da Silva Freitas Iserhard Dr. Alexandre KreutzDes. Luiz Roberto Imperatore deAssis Brasil

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

12ª Câmara

Desembargador GUINTHER SPODE, Presidente

Des. Umberto Guaspari Sudbrack Des. Pedro Luiz Pozza Desa. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Dr. Alexandre KreutzRebout

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

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13ª Câmara

Desembargador ALZIR FELIPPE SCHMITZ, Presidente

Des. Breno Pereira da Costa Vasconcellos Desa. Elisabete Corrêa HoevelerDesa. Angela Terezinha de Oliveira Brito

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

14ª Câmara

Desembargadora JUDITH DOS SANTOS MOTTECY, Presidente

Des. Mário Crespo Brum Desa. Miriam Andréa da Graça TondoDes. Roberto Sbravati Fernandes Dia de Reunião: às quintas-feiras.

15ª Câmara

Desembargador VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS, Presidente

Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos Desa. Adriana da Silva Ribeiro Desa. Ana Beatriz Iser Dr. Alex Gonzalez Custódio

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

16ª Câmara

Desembargadora ANA MARIA NEDEL SCALZILLI, Presidente

Des. Ergio Roque Menine Desa. Catarina Rita Krieger MartinsDes. Paulo Sérgio Scarparo Dr. Alex Gonzalez Custódio

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

17ª Câmara

Desembargador GELSON ROLIM STOCKER, Presidente

Desa. Liége Puricelli Pires Desa. Marta Borges OrtizDes. Giovanni Conti Dr. Alex Gonzalez Custódio

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

Page 14: ISSN 0041-2805 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVISTA DE

18ª Câmara

Desembargador PEDRO CELSO DAL PRÁ, Presidente

Des. Nelson José Gonzaga Des. Heleno Tregnago SaraivaDes. João Moreno Pomar Dia de Reunião: às quintas-feiras.

19ª Câmara

Desembargador VOLTAIRE DE LIMA MORAES, Presidente

Desa. Mylene Maria Michel Des. Eduardo João Lima CostaDes. Marco Antonio Angelo

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

20ª Câmara

Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI, Presidente

Des. Glênio José Wasserstein Hekman Des. Dilso Domingos PereiraDesa. Walda Maria Melo Pierro Dr. Alex Gonzalez Custódio

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

21ª Câmara

Desembargador ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Presidente

Des. Marcelo Bandeira Pereira Des. Almir Porto da Rocha FilhoDes. Marco Aurélio Heinz Dra. Maria Cláudia Mércio Cachapuz

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

22ª Câmara

Desembargador FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Presidente

Des. José Aquino Flôres de Camargo Desa. Denise Oliveira CezarDesa. Marilene Bonzanini Dra. Maria Cláudia Mércio Cachapuz

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

Page 15: ISSN 0041-2805 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVISTA DE

23ª Câmara

Desembargador CLADEMIR JOSÉ CEOLIN MISSAGGIA, Presidente

Des. Alberto Delgado Neto Des. Cláudio Luís MartinewskiDesa. Ana Paula Dalbosco Des. Martin Schulze

Dia de Reunião: às terças-feiras.

24ª Câmara

Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS, Presidente

Des. Fernando Flores Cabral Júnior Des. Jorge Alberto Vescia CorssacDes. Altair de Lemos Junior Des. Cairo Roberto Rodrigues Madruga

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

25ª Câmara

Desembargadora ÂNGELA MARIA SILVEIRA, Presidente

Desa. Helena Marta Suárez Maciel Des. Eduardo Kothe WerlangDesa. Leila Vani Pandolfo Machado Dr. Hilbert Maximiliano Akihito ObaraDes. Eduardo Kraemer

Dia de Reunião: às terças-feiras.

CÂMARAS CRIMINAIS

1ª Câmara

Desembargador SYLVIO BAPTISTA NETO, Presidente

Des. Jayme Weingartner Neto Desa. Cláudia Maria HardtDes. Honório Gonçalves da Silva Neto

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

2ª Câmara

Desembargador JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ, Presidente

Des. Luiz Mello Guimarães Dr. José Ricardo Coutinho SilvaDes. Victor Luiz Barcellos Lima Dr. Sandro Luz PortalDesa. Rosaura Marques Borba

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

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3ª Câmara

Desembargador JOÃO BATISTA MARQUES TOVO, Presidente

Des. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro Des. Ingo Wolfgang SarletDes. Sérgio Miguel Achutti Blattes Dr. José Luiz John dos Santos

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

4ª Câmara

Desembargador ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, Presidente

Des. Newton Brasil de Leão Des. Julio Cesar FingerDes. Rogério Gesta Leal Dr. Mauro Borba Dia de Reunião: às quintas-feiras.

5ª Câmara

Desembargadora GENACÉIA DA SILVA ALBERTON, Presidente

Des. André Luiz Planella Villarinho Desa. Cristina Pereira GonzalesDesa. Lizete Andreis Sebben Dr. José Luiz John dos Santos

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

6ª Câmara

Desembargador AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO, Presidente

Desa. Bernadete Coutinho Friedrich Des. Ícaro Carvalho de Bem OsórioDesa. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak Dr. José Luiz John dos Santos

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

7ª Câmara

Desembargador CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY, Presidente

Des. José Conrado Kurtz de Souza Desa. Jucelana Lurdes Pereira dos SantosDes. José Antônio Daltoé Cezar

Dia de Reunião: às quintas-feiras.

8ª Câmara

Desembargadora NAELE OCHOA PIAZZETA, Presidente

Desa. Fabianne Breton Baisch Des. Dálvio Leite Dias TeixeiraDesa. Isabel de Borba Lucas Dr. José Luiz John dos Santos

Dia de Reunião: às quartas-feiras.

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CONSELHO DA MAGISTRATURA

Desembargador LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, PresidenteDesembargador CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, 1º Vice-PresidenteDesembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, 2ª Vice-Presidente

Desembargador PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, 3º Vice-PresidenteDesembargadora IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, Corregedora-Geral da Justiça

Desa. Mylene Maria Michel Des. Miguel Ângelo da Silva

SUPLENTESDes. Ícaro Carvalho de Bem Osório Des. Giovanni Conti

CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA

Desembargadora IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, Corregedora-Geral da Justiça

Dr. Márcio André Keppler Fraga – Juiz-Assessor da PresidênciaDra. Eliane Garcia Nogueira – Juíza-Assessora da PresidênciaDra. Maria Thereza Barbieri – Juíza-Assessora das Vice-PresidênciasDra. Alessandra Abrão Bertoluci – Juíza-Assessora das Vice-Presidências

JUÍZES-CORREGEDORES

Dra. Laura de Borba Maciel FleckDra. Lílian Cristiane SimanDra. Clarissa Costa de LimaDr. Alexandre Tregnago PanichiDr. Luiz Felipe Severo Desessards

Dra. Andréa Rezende RussoDr. Vanderlei DeolindoDr. Alexandre de Souza Costa PachecoDra. Traudi Beatriz GrabinDr. José Pedro de Oliveira Eckert

COMISSÃO DE BIBLIOTECA, DE JURISPRUDÊNCIA E DE APOIO À PESQUISA – CBJAP

Desembargador PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, Presidente

Des. Roberto Sbravati Desa. Ana Paula DalboscoDes. José Conrado Kurtz de Souza

SUPLENTESDesa. Miriam Andréa da Graça Des. Sérgio Miguel Achutti BlattesTondo Fernandes

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SUPLENTEDr. Eduardo Augusto Dias Bainy

CONSELHO DE RECURSOS ADMINISTRATIVOS – CORAD

Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, Presidente

Des. Heleno Tregnago SaraivaDra. Deborah Coleto Assumpção de MoraesDr. Gustavo Alberto Gastal DiefenthälerDra. Eliziana da Silveira Perez

Dr. Léo PietrowskiDr. Heráclito José de Oliveira BritoDr. Luiz Felipe Severo DesessardsDra. Vanise Röhrig Monte

CONSELHO DE POLÍTICA SALARIAL

Desembargador CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, Presidente

Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos Desa. Cristina Pereira GonzalesDes. Carlos Roberto Lofego Caníbal Des. Eduardo Kothe WerlangDes. Umberto Guaspari Sudbrack Dr. Sandro Luz PortalDes. Jorge Luiz Lopes do Canto

CENTRO DE ESTUDOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Desembargador NEY WIEDEMANN NETO, Coordenador-Geral

Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Des. Leonel Pires Ohlweiler, Coordenador Adjunto – Direito de Família Coordenador Adjunto – Direito PúblicoDes. Rogério Gesta Leal, Coordenador Adjunto – Direito Penal

COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA, REGIMENTO, ASSUNTOS ADMINISTRATIVOS E LEGISLATIVOS – COJE

Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, Presidente

Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira Des. Mário Crespo BrumDesa. Denise Oliveira Cezar Desa. Isabel Dias Almeida

SUPLENTESDes. Sérgio Fernando de Vasconcellos Des. Julio Cesar FingerChaves

Page 19: ISSN 0041-2805 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL REVISTA DE

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO, PLANEJAMENTO E GESTÃO – CONAD

Desembargador GIOVANNI CONTI, Presidente

Des. Gelson Rolim Stocker Des. Almir Porto da Rocha FilhoDra. Cíntia Teresinha Burhalde Mua

Dra. Gabriela Irigon PereiraDr. Amadeo Henrique Ramella ButtelliDr. Vanderlei Deolindo

SUPLENTESDes. Ney Wiedemann Neto Dra. Maria Lucia Boutros Buchain Zoch Des. Alberto Delgado Neto Rodrigues

CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – CCS

Desembargador TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS, Presidente

Des. Antonio Vinicius Amaro da SilveiraDes. Rinez da TrindadeDr. Rogério DelatorreDra. Cristiane HoppeDra. Eliziana da Silveira Perez Dr. Amadeo Henrique Ramella Buttelli

Dra. Geneci Ribeiro de CamposBela. Adriana Freitas ArendRafaela Leandro de SouzaRenato de Oliveira SagreraCláudia Garcia SuritaJanine Moreira de Souza

Des. Honório Gonçalves da Silva NetoDr. Jerson Moacir GubertDr. Leandro Raul Klippel

Dr. André Luís de Aguiar Tesheiner Luis Felipe Schneider

CONSELHO DE INFORMÁTICA JUDICIÁRIA

Desembargador CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY, Presidente

COMISSÃO PERMANENTE DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DE DOCUMENTOS

Desembargadora LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Presidente

Dr. Luiz Felipe Severo DesessardsDra. Cíntia Teresinha Burhalde MuaLuciane Baratto Adolfo

Volnei Rogério Hugen Emanuel Kern Bomfim da Silva

SUPLENTESDra. Patricia Antunes Laydner Tárcia Cristina Ragagnin PossebonSilvana de Bacco Marangon Julia Goltz Muniz

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COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS – CDH

Desembargador CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, Presidente

Des. Eugênio Facchini Neto Des. Julio Cesar FingerDes. Ingo Wolfgang Sarlet

Dra. Gláucia Dipp DreherDra. Vivian Cristina Angonese Spengler

SUPLENTESDes. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro Dra. Jane Maria Köhler Vidal

COMISSÃO MISTA – CMISTA-2G

Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, Presidente

Dr. Paulo Emilio Jenisch Barbosa –representante do MP-RSDr. Marcelo Dadalt – representante daDPE-RS

Dra. Ana Cristina Tópor Beck – representante da PGE-RSDr. César Souza – representante daOAB-RSMaria Ercilia Hostyn Gralha

SUPLENTEDes. Almir Porto da Rocha Filho

COMISSÃO DE SEGURANÇA – COMSEG

Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, Presidente

Des. José Antônio Daltoé CezarDr. Rafael Pagnon Cunha – representante da AJURISDr. Felipe Keunecke de Oliveira

Carlos Roberto Guimarães Rodrigues – representante do Núcleo de Inteligência do Poder JudiciárioBel. Antonio Cesar Carré – representante da Equipe de Segurança

SUPLENTESDes. Leonel Pires Ohlweiler Dr. Sandro Luz Portal

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COORDENAÇÃO EXECUTIVA DO PGQJ(PLANO DE GESTÃO PELA QUALIDADE DO JUDICIÁRIO)

Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira – Corregedora-Geral da Justiça Coordenadora do PGQJ

Dr. Fábio Vieira Heerdt – Juiz-CorregedorSecretário Executivo

Dra. Lílian Cristiane Siman – Juíza-CorregedoraSecretária Executiva Suplente

Míriam Lopes Vucetic Assessora-Coordenadora da Assessoria de Gestão Estratégica e Qualidade – AGEQ

OUVIDORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Des. Altair de Lemos Junior – OuvidorDes. Roberto Sbravati – Ouvidor substituto

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SUMÁRIO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Decisões ........................................................................................................... 27

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisões ..........................................................................................................119

ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisões ......................................................................................................... 171

JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

Embargos Infringentes e de Nulidade ............................................................ 245Hábeas-Córpus ............................................................................................... 249 Apelação-Crime .............................................................................................. 254

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

Agravo de Instrumento ................................................................................... 279Apelações Cíveis............................................................................................ 296

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ÍNDICE ALFABÉTICO

Supremo Tribunal Federal ................................................................................... 443Superior Tribunal de Justiça ................................................................................ 443Órgão Especial do Tribunal de Justiça ................................................................ 444Jurisprudência Criminal ....................................................................................... 444 Jurisprudência Cível ............................................................................................ 445

ÍNDICE NUMÉRICO

Supremo Tribunal Federal ................................................................................... 447 Superior Tribunal de Justiça ................................................................................ 447 Órgão Especial do Tribunal de Justiça ................................................................ 447Jurisprudência Criminal ....................................................................................... 447 Jurisprudência Cível ............................................................................................ 448

Revista de Jurisprudência disponível também no endereço eletrônico http://www.tjrs.jus.br (no link Jurisprudência).

Boletim Eletrônico de Ementas disponível no endereço eletrônico http://www.tjrs.jus.br (no link Jurisprudência).

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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DECISÕES

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.813 – Plenário – Rio Grande do Sul

EMENTA:Ação direta de inconstitucionalidade. Lei estadual (RS) nº 12.427/2006.

Restrições ao comércio de produtos agrícolas importados no Estado. Competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior e interestadual (CF, art. 22, inciso VIII).

1. É formalmente inconstitucional a lei estadual que cria restrições à comercialização, à estocagem e ao trânsito de produtos agrícolas importados no Estado, ainda que tenha por objetivo a proteção da saúde dos consumidores diante do possível uso indevido de agrotóxicos por outros países. A matéria é predominantemente de comércio exterior e interestadual, sendo, portanto, de competência privativa da União (CF, art. 22, inciso VIII).

2. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da inconstitucionalidade das leis estaduais que constituam entraves ao ingresso de produtos nos Estados da Federação ou a sua saída deles, provenham esses do exterior ou não (cf. ADI nº 280, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 17/6/94; e ADI nº 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 14/10/05).

3. Ação direta julgada procedente.

Procurador-Geral da República, requerente – Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e Federação de Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul - Federarroz, interessados – Plinio Etchepare Guerra, advogado.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, em julgar procedente o pedido formulado na ação direta para se declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 12.427/2006 do Estado do Rio Grande do Sul.

Brasília, 12 de fevereiro de 2015.Dias Toffoli, Relator.

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RELATÓRIOMin. Dias Toffoli (Relator) – Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada,

em 13 de outubro de 2006, pelo Procurador-Geral da República em face da Lei nº 12.427, de 1º de março de 2006, do Estado do Rio Grande do Sul, a qual tem o seguinte teor:

“Art. 1º - Fica proibida a comercialização, a estocagem e o trânsito de arroz, trigo, feijão, cebola, cevada e aveia e seus derivados importados de outros países, para consumo e comercialização no Estado do Rio gGande do Sul, que não tenham sido submetidos à análise de resíduos químicos de agrotóxicos ou de princípios ativos usados, também, na industrialização dos referidos produtos.§ 1º - Compreende-se como agrotóxicos o definido conforme a legislação federal.§ 2º - O certificado ou laudo técnico será o documento hábil para atestar a realização da inspeção de que trata o ‘caput’, de forma a evitar a presença de toxinas prejudiciais à saúde humana.Art. 2º - Fica obrigatória a pesagem de veículo que ingresse ou trafegue no âmbito do território do Estado, transportando os produtos, aos quais se refere o art. 1º desta Lei, destinados à comercialização em estabelecimento ou ao consumidor final, no Estado do Rio Grande do Sul.Parágrafo único. Quando da pesagem, será obrigatória a apresentação da documentação fi scal exigida, bem como do documento de que trata o § 2º do art. 1º desta Lei.Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.”

Sustenta o Procurador-Geral da República que as restrições que a lei impugnada impõe, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, à comercialização, estocagem e trânsito dos produtos importados que menciona: (i) invade competência privativa da União para legislar sobre “comércio exterior e interestadual” (CF, art. 22, inciso VIII); e (ii) desborda dos limites da competência suplementar dos Estados para legislar sobre proteção à saúde dos consumidores (CF, art. 24, incisos V e XII), tendo em vista que “a União, pelo Decreto 4.074, de 4 de janeiro de 2002, ao regulamentar as previsões da Lei 7.802/89, trata extensamente das medidas preventivas de proteção à saúde dos consumidores, especialmente em referência à composição química dos alimentos, incluídos os importados” (fl . 8).

Distribuído o processo, os autos foram conclusos ao então Ministro Relator Sepúlveda Pertence, que solicitou informações ao requerido, nos termos do art. 12 da Lei nº 9.868/99 (fl. 38).

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, às fls. 44 a 88, defendeu a constitucionalidade da norma, argumentando, preliminarmente, que a ofensa à Constituição, se existente, seria meramente reflexa, uma vez que “a verificação da alegada inconstitucionalidade somente [poderia] ser levada a efeito a partir do cotejo entre a legislação federal e a estadual impugnada” (fl. 50). No mérito sustentou que a atividade legislativa estadual foi de mera suplementação do regramento federal, não dispondo sobre comércio exterior e interestadual.

O Advogado-Geral da União manifestou-se pela procedência da ação direta (fl s. 90 a 113) e o Procurador-Geral da República reiterou o pedido de procedência da

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 29

ação, por violação dos arts. 22, inciso VIII, e 24, incisos V e XII, da Constituição Federal (fls. 115 a 122).

Trouxe a Assembléia Legislativa informações complementares (fls. 124 a 204), anexando (a) cópia de reportagem publicada na imprensa Uruguaia (jornal El País), em 26 de abril de 2006; (b) cópia da Portaria nº 269/88 do Ministério da Agricultura; e (c) cópia de parecer do Instituto de Estudos Jurídicos da Atividade Rural (IEJUR).

Foi deferida a admissão no feito, na qualidade de amicus curiae, da Federação de Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (FEDERARROZ), a qual defende a constitucionalidade das normas impugnadas.

É o relatório.

VOTOMin. Dias Toffoli (Relator) – O objeto da presente ação direta é a íntegra da Lei

estadual nº 12.427/2006, que, em essência, conforme se verifica em seu art. 1º,

“proíbe a comercialização, a estocagem e o trânsito de arroz, trigo, feijão, cebola, cevada e aveia e seus derivados importados de outros países, para consumo e comercialização no Estado do Rio Grande do Sul, que não tenham sido submetidos à análise de resíduos químicos de agrotóxicos ou de princípios ativos usados, também, na industrialização dos referidos produtos”.

Sustenta o Ministério Público Federal que a lei estadual impugnada, ao proibir a comercialização, a estocagem e o trânsito dos produtos que menciona, quando provenientes do exterior, viola, a um só tempo, os incisos V e XII do art. 24 – que tratam da competência concorrente dos Estados e da União Federal para legislar sobre “produção e consumo” (inciso V) e sobre “previdência social, proteção e defesa saúde” (inciso XII) – e o inciso VIII do art. 22 da Constituição Federal, que trata da competência privativa da União para legislar sobre “comércio exterior e interestadual”.

Desde logo, deve ser rejeitada a preliminar de não cabimento da ação direta. Ao contrário do que sustentou a Assembleia Legislativa, em suas informações, a ofensa à Constituição apontada é direta e não reflexa, pois o que está em jogo é a possível invasão de competência legislativa da União, tanto em hipótese de competência privativa (CF, art. 22, inciso VIII), quanto em caso de competência concorrente com os Estados-membros (CF, art. 24, incisos V e XII). Não se trata, portanto, de mera afronta à legislação federal. Nesse sentido vai a jurisprudência deste Tribunal. Vide:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.861/05, DO ESTADO DO PARANÁ. INFORMAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM ALIMENTOS E INGREDIENTES ALIMENTARES DESTINADOS AO CONSUMO HUMANO E ANIMAL. LEI FEDERAL 11.105/05 E DECRETOS 4.680/03 E 5.591/05. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PARA DISPOR SOBRE PRODUÇÃO, CONSUMO E PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. ART. 24, V E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS PELA UNIÃO E COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ESTADOS. 1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a

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despeito da constatação, pelo Tribunal, da existência de normas federais tratando da mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta ofensa, pela lei atacada, das regras constitucionais de repartição da competência legislativa. Precedente: ADI 2.535-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.03. 2. Seja dispondo sobre consumo (CF, art. 24, V), seja sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma estadual impugnado inaugurar regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente. 3. Ocorrência de substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05. 4. Declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de decreto regulamentar superveniente em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90. 5. Ação direta cujo pedido formulado se julga procedente” (ADI nº 3.645, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ de 1º/9/2006).

No mérito, conforme se infere da Exposição de Motivos da Lei Estadual nº 12.427/2006, a proibição em questão tem um objetivo claro: evitar que a população gaúcha consuma produtos contaminados por agrotóxicos que, pela legislação federal, são de uso proibido no país, por serem nocivos à saúde, mas que teriam uso regular na Argentina e no Uruguai. Confira-se o seguinte trecho:

“A presente proposta propõe que sejam realizadas análises de resíduos químicos de produtos agrotóxicos e fungicidas, conforme listagem abaixo, existentes no arroz e trigo que estão entrando pelas nossas fronteiras, face a tais produtos estarem sendo utilizados em larga escala nas lavouras da Argentina e do Uruguai:Agribac – S 20PM, Agri-Met 60, Agrizim Flow, Altfatak, Bucaner, Byspyriné, Capinex 290 SC, Capinex 50, Cibelcol, Cibencarb, Clomatec 48 CE, Clomazone 480, Colt, Command EC, Cyperex, Daminé 60, Exocet 35 CS, Exocet 50 PM, Flight--Control, Fruetif V, Fundazol 50, Glifotec, Halley, Herbax 4E Y Pron 48 EC, Herbex, Herbidown, Hyspry, Improsate, Ipetec 40 CE, Kayak, Liberty, Londax, Mist-Control, Nonit, Oncol 40 CE, hyto Zinco 144, Propagri 480 CE, Punch 40 EC, Quinclotec 290 SC, Quinclotec 50 PM, Rango, Rango 480, Ritiram Carb, Surf-AC, Taspa, Tebutec 250 CS, Tiofamil 70 PM, Twister 25 C e Whip Super.Salienta-se que nossa legislação não permite o uso de tais produtos no território nacional, pois alguns princípios ativos não são liberados no Brasil, existindo outros com concentrações e diluentes, também, proibidos, por representarem grande risco à saúde humana, face à suspeita de presença de toxinas no arroz importado industrializado.De igual forma, sabe-se que o beneficiamento não elimina as toxinas no arroz já elaborado, vez que as mesmas não são desnaturadas e as condições de longa armazenagem de arroz em casca, nos países vizinhos, não conhecidas e precárias, podem ocasionar contaminação de fungos que dão origem às aludidas toxinas.De outra forma, temos conhecimento que agroquímicos, exemplificados acima, usados em lavouras de arroz no Uruguai e/ou Argentina não possuem registro junto aos órgãos ministeriais brasileiros (...)” (fls. 46-47).

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Em que pese a relevância das preocupações do Poder Legislativo gaúcho, a lei, conforme se verifica na Exposição de Motivos, não esconde o propósito de criar requisitos especiais ao ingresso naquele Estado de produtos agrícolas provindos do exterior, especialmente do Uruguai e da Argentina. Ao fazê-lo, a lei, por consequência lógica, restringe a entrada desses produtos não apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o país, ao menos quando através das suas fronteiras.

Conforme salientado pela Advocacia-Geral da União em memorial,

“[a]o editar essa noma, o Estado do Rio Grande do Sul passou a adotar uma legislação peculiar referente aos procedimentos que devem ser adotados, quando da importação de mercadorias, atentando, por consequência, contra importante princípio de direito comercial internacional, cuja orientação é no sentido de não se imporem exigências, a produtos estrangeiros, que não sejam similares àquelas utilizadas no âmbito nacional, sob pena de caracterizar injusta discriminação.Dessa forma, verifica-se que a postura do legislador estadual não apenas ofendeu as normas referentes à competência privativa da União, como também tem causado um grande constrangimento para a República Federativa do Brasil, no comércio mundial, notadamente no tocante aos países do Mercosul.Consoante aponta a Nota Técnica nº 01/2006-LRB/SGCT/GAB, anexada aos autos pelo requerente, ‘o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, em nota, já manifestou preocupação com os transtornos que a Lei nº 12.427 vem causando na região de fronteira entre os dois países. (…) Teme-se que, com tais disposições, as relações comerciais do Brasil com os demais países do Mercosul e de todo o mundo venham a ficar comprometidos, sujeitando o país a sanções internacionais (painéis e denúncias no âmbito da OMC e Mercosul, por exemplo)’ - grifou-se.”

Com efeito, compete à União a definição dos requisitos para o ingresso de produtos estrangeiros no país, visto tratar-se de típica questão de “comércio exterior” (CF, art. 22, inciso VIII), expressão esta que compreende, segundo José Afonso da Silva,

“as operações mercantis de importação de produtos estrangeiros e a exportação, para o Exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados, que são fatos geradores dos respectivos impostos, de competência igualmente da União (art. 153, I e II)” (Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 267).

Seria claramente inconveniente que, em uma federação, cada estado-membro pudesse dispor, como bem lhe aprouvesse, sobre uma particular política de comércio exterior, ou interestadual, definindo os produtos que podem ingressar em seu território e as respectivas condições para esse ingresso. Avulta, como bem salienta Ives Gandra Martins, um “peculiar interesse federal”, o qual justifica seja a matéria regulada pela União, de sorte a permitir a “uniformidade do fluir das operações dos agentes econômicos em ambos os comércios, que transcendem às barreiras da Nação e dos Estados” (Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 3, Tomo I, p. 305).

Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem sido firme em casos semelhantes, afastando, por violação ao art. 22, inciso VIII, da Constituição, as leis estaduais que constituam entraves ao ingresso ou à saída de produtos dos

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Estados da Federação, provenham eles do exterior ou não. Nessa linha, o Tribunal julgou inconstitucional a Lei do Estado de Mato Grosso que impedia a saída de madeira em toras (ADI nº 280, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 17/6/94); a Lei do Estado de São Paulo que proibia a importação, a extração, o beneficiamento, a comercialização, a fabricação e a instalação de produtos contendo qualquer tipo de amianto (ADI nº 2.656, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ de 1º/8/03); e a Lei do Estado do Paraná que vedava o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados (ADI nº 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 14/10/05).

De tal sorte, tendo a Lei estadual nº 12.452/2006 definido requisitos próprios e específicos para o ingresso de produtos estrangeiros no Estado do Rio Grande do Sul, invadiu ela, indubitavelmente, competência legislativa privativa outorgada à União pelo art. 22, inciso VIII, da Constituição.

É evidente, por outro lado, que não seria possível compreender a matéria como pertencente ao âmbito legislativo concorrente dos estados-membros, sob o argumento de tratar-se de legislação concernente à proteção da saúde dos consumidores (CF, art. 24, incisos V e XII, §§ 1º e 2º).

Primeiramente, porque, se é verdade que a questão toca, sob certo ponto de vista, em temas de competência concorrente (consumo e proteção à saúde), predominam, na hipótese, os limites da competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior e interestadual. Como explicita Fernanda Dias Menezes de Almeida:

“Caso interessante de conflito de competência legislativa pode surgir quando matéria objeto de competência legislativa privativa de determinada esfera de poder também se possa interpretar como sendo objeto de competência legislativa concorrente.(...) em hipóteses do gênero parece-nos que devam prevalecer as determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa.Como já frisamos em outro tópico, quando o constituinte, não obstante conscientizado da importância de uma maior descentralização e colaboração entre os entes federativos, defere privativamente a um deles competência para normatizar determinada matéria, é porque haverá razões suficientes para a concentração da competência.” (Competências na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 159/160).

Em segundo lugar, porque, ainda que não se tratasse de assunto de competência privativa, há legislação federal sobre o tema (Lei Federal nº 7.802/1989 e Decreto nº 4.074/2002), a qual atribui aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde a competência para “monitorar os resíduos de agrotóxicos e afins em produtos de origem vegetal” (art. 3º, Decreto nº 4.074/2002), contrariamente, portanto, às disposições da lei ora impugnada.

Devo ressaltar, ainda, que o caso é distinto daquele da ADI nº 3.937-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 10/10/08, no qual, por maioria de votos, este Supremo Tribunal Federal indeferiu a medida cautelar para suspender a eficácia de lei do Estado de São Paulo que vedava o comércio de produtos contendo quaisquer tipos de amianto ou asbesto.

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Naquela oportunidade, a maioria decidiu superar, ainda que em sede cautelar, o entendimento anteriormente consagrado – que dava pela inconstitucionalidade formal das leis estaduais que restringiam o uso de quaisquer variedades de amianto (cf. ADI nº 2.656, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 1º/8/03) –, levando em consideração a excepcionalidade da hipótese. Todavia, no caso do amianto, há um consenso internacional quanto a sua nocividade e acerca da existência de materiais alternativos economicamente viáveis, o que ficou expresso na Convenção OIT nº 162, devidamente internalizada pelo Decreto nº 126/91. O Ministro Eros Grau, em seu voto, chegou mesmo a sustentar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 9.055/95, por ela permitir a industrialização e a comercialização do amianto da variedade crisotila.

Não é o que ocorre na presente hipótese, em que a norma impugnada não altera a relação dos agrotóxicos permitidos, para o que remete à legislação federal. O que ela faz é criar um certificado estadual para os produtos agrícolas, de modo a permitir que as próprias autoridades estaduais fiscalizem a existência de resíduos de agrotóxicos, invadindo competência que é própria das autoridades federais dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde.

Ao fazê-lo, a lei estadual criou embaraços indevidos ao comércio exterior e estadual, restringindo a circulação dos produtos agrícolas que menciona, sendo, por isso, a meu ver, inconstitucional.

Assim sendo, reconhecida a inconstitucionalidade das restrições impostas à comercialização, à estocagem e ao trânsito de determinados produtos agrícolas, restrições essas concentradas no caput do art. 1º da Lei nº 12.427/2006, deve ser, por consequência, declarada a inconstitucionalidade dos demais artigos do mencionado diploma legal, o qual, aliás, foi impugnado na íntegra pelo Procurador--Geral da República. Isso porque, de resto, a lei estadual limita-se a veicular normasque somente servem para instrumentalizar a aplicação das proibições contidas no caput de seu art. 1º, definindo os agrotóxicos “conforme a legislação federal” (art. 1º, §1º), prevendo a apresentação de “certificado ou laudo técnico” (art. 1º, §2º e art. 2º parágrafo único) e determinando a pesagem de veículos “transportando os produtos aos quais se refere o art. 1º desta Lei” (art. 2º).

Ante o exposto, em virtude da inconstitucionalidade formal, por invasão de competência legislativa privativa da União (CF, art. 22, inciso VIII), voto pela procedência da presente ação direta e pela declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 12.427/2006 do Estado do Rio Grande do Sul.

VOTOMin. Celso de Mello – A conclusão a que chega o eminente Relator, com

apoio na lição da Professora Fernanda Dias Menezes de Almeida, é a de que, em hipóteses como essa, em que há conflito de competências normativas, devem prevalecer as determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa. Logo, a razão pela qual se reconhece, no caso, a inconstitucionalidade formal decorre da usurpação das atribuições legislativas da União por parte do Estado-membro.

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Min. Luiz Fux – Isso também, Ministro Celso, dentro daquela linha, chamou-me a atenção. Mas aqui, como a competência da União é para estabelecer normas de caráter geral, e a competência do Estado é concorrente, quer dizer, na medida em que o Estado, no exercício da sua competência concorrente, em nome de uma suposta competência concorrente, traça uma norma que é uma norma de caráter mais genérico, realmente curvei-me não só ao entendimento do Ministro Dias Toffoli, mas aqui destaquei um aspecto do pronunciamento da AGU que toca nessa preocupação que Vossa Excelência suscita e dispõe o seguinte:

“(...) Na medida em que o tema, qual seja, Rotinas de Análises Fitossanitárias sobre Mercadorias Importadas demandam uniformidade de tratamento e igual execução em todo o território nacional, eventual disposição legislativa estadual genérica e abstrata que formule procedimentos a serem observados em transações comerciais adentra o campo dos princípios gerais norteadores da saúde e ao consumo usurpa a competência legislativa própria da entidade central (...)”.

Acho que essa questão ficou nessa dúvida. Isso parece uma norma genérica.Mina. Cármen Lúcia (Presidente) – Há um dado, Ministro Celso, que o

Ministro Toffoli deixa muito bem-posto no seu voto, como sempre. Não me parece que, havendo a competência para comércio exterior, a União, que tem também competência para as questões relativas à saúde, aos interesses dos entes federados, deixe em desguarida; isso quando verifica as normas de competência relativas ao comércio exterior, quer dizer, isso não fica desguarnecido.

Por isso que acompanho o voto do ministro Dias Toffoli, porque o conflito aqui extrapola um pouco o que seria meramente uma questão de quem pode fazer a lei sobre, mas que a União não descura de todos os Entes federados e, portanto, ao fixar as normas sobre comércio exterior, não desguarnece o interesse público de todo o povo brasileiro, de todos esses quadrantes do Estado nacional.

Min. Celso de Mello – Estou acompanhando o voto do eminente Ministro DIAS TOFFOLI, um voto muito bem elaborado.

Mina. Cármen Lúcia (Presidente) – Esquecer que há essas peculiaridades.Min. Celso de Mello – Foi apenas uma ponderação que fiz e uma preocupação

que desejei externar.Mina. Cármen Lúcia (Presidente) – Que pode surgir até em outras ocasiões,

com mais ênfase, e que a solução será outra.

EXTRATO DE ATAAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.813. PROCED.: RIO

GRANDE DO SUL. RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI. REQTE.(S): PROCURADOR--GERAL DA REPÚBLICA. INTDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INTDO.(A/S): FEDERAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES DE ARROZEIROS DO RIO GRANDE DO SUL – FEDERARROZ. ADV.(A/S): PLINIO ETCHEPARE GUERRA.

Decisão: Retirado de pauta por indicação da Presidência. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 10.09.2009.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 35

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 12.427/2006, do Estado do Rio Grande do Sul. Ausentes o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), em viagem oficial a Roma, na Itália, para participar do “8º Congresso Internacional da Anamatra” e de audiências com diversas autoridades daquele país, e, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia (Vice-Presidente). Plenário, 12.02.2015.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia (Vice-Presidente). Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho.p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Assessora-Chefe do Plenário.

– o –

Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 919.269 – 1ª Turma – Rio Grande do Sul

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO PROPORCIONAL DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ORIUNDOS DE SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO COLETIVO. POSSIBILIDADE.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de execução de honorários sucumbenciais proporcional à respectiva fração de cada um dos substituídos processuais em ação coletiva contra a Fazenda Pública. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - Ipergs, agravante – Sucessão de Aguida Genoveva Verberich e Rubenich e Loreto Advogados Associados, agravados – Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, procurador – Sandra Ernestina Rübenich, advogada.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.

Brasília, 15 de dezembro de 2015.Edson Fachin, Relator.

RELATÓRIOMin. Edson Fachin (Relator) – Trata-se de agravo regimental interposto em

face de decisão monocrática proferida por mim, em que dei provimento ao recurso extraordinário, nos seguintes termos:

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“DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. VERBA HONORÁRIA FIXADA EM AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA EM LITISCONSORCIO ATIVO. FRACIONAMENTO. Ao advogado é possível executar a verba honorária de sucumbência tanto em processo autônomo como no pólo ativo em litisconsórcio com a parte, na forma do previsto nos artigos 23 e 24 e § 1º da Lei n.º 8.906/94. Não obstante o direito do procurador em executar a verba honorária que lhe pertence (art. 23 do Estatuto da OAB/RS), não pode recebê-la de maneira fracionada na modalidade de Requisição de Pequeno Valor. Os honorários advocatícios constituem crédito único, restando impossível o seu fracionamento nas execuções de cada litisconsorte, devendo ser executados em sua totalidade, sob pena de afronta ao disposto no § 8º do art. 100 da CF”. (fls. 143-148)

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 160-164). No recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se ofensa ao art. 100, § 8º, e 87, I, ADCT, do Texto Constitucional.Nas razões recursais, sustenta-se que a execução de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública, oriunda de ação com litisconsórcio facultativo, não implica em fracionamento ou quebra do valor para fins de enquadramento como de pequeno valor, quando individualizado o valor dos honorários proporcionalmente à fração de cada litisconsorte (fls. 167-179).É o relatório. Decido.Inicialmente, é necessário frisar que o sistema processual atual se voltou em direção à eficiência da jurisdição, possibilitando concentração das demandas por meio das ações coletivas. Logo, seria totalmente contraproducente tornar a execução destas demandas vinculadas ao todo e impossibilitar a execução facultativa e individualizada das partes substituídas no processo original.Acrescento, ainda, que o STF julgou, por meio do instituto da repercussão geral, tema análogo (Tema 148, RE-RG 568.645, Min. Rel. Cármen Lúcia, Dje 24.11.2014), no qual as razões de decidir do paradigma persistem.Transcreve-se excerto do voto condutor:

“Todavia, não é possível ignorar, como pretende o Município, que as execuções promovidas por litisconsortes facultativos nascem fracionadas. Considere-se que o próprio executado pode opor a um ou alguns dos litisconsortes obstáculos à execução da sentença, como prescrição, realização de pagamento, dentre outros, conforme o art. 741, inc. VI, do Código de Processo Civil. O raciocínio desenvolvido pelo Recorrente levaria a inviabilizar o tratamento singularizado de cada litisconsorte facultativo, podendo trazer prejuízos à própria Fazenda Pública.”(…)“Não condiz com as medidas recentemente inseridas na Constituição da República (como a razoável duração do processo, a súmula vinculante, a repercussão geral, além de outras medidas inseridas na legislação processual) interpretar um de seus dispositivos de modo a desestimular a salutar formação de litisconsórcios facultativos simples para a discussão judicial de pedidos idênticos.”

Ressalte-se, ainda, que o STF, também em sede de repercussão geral (Tema 18, RE-RG 564.132, Min. Rel. Cármen Lúcia, DJe 10.02.2015), já se manifestou sobre a distinção entre o valor principal e os honorários advocatícios.Confira-se a ementa do referido julgado:

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 37

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”

Constata-se, portanto, que a discussão do presente caso difere dos dois temas citados, contudo há forte correlação entre as controvérsias, de modo que é viável depreender das razões de decidir de ambos os precedentes a possibilidade de individualização dos honorários advocatícios, proporcionalmente à fração de cada um dos litisconsortes facultativos.Do contrário, haveria o enfraquecimento do movimento de coletivização das demandas de massa, tendo em vista os instrumentos de concentração das lides e provável proliferação dos processos, pois nada impediria que os advogados fracionassem os litisconsórcios facultativos para depois executarem os honorários de forma proporcional ao valor principal de cada cliente.Esse é o entendimento da Segunda Turma desta Corte, tal como se infere do seguinte precedente:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TÍTULO JUDICIAL CONSUBSTANCIADOR DE SENTENÇA COLETIVA – EFETIVAÇÃO EXECUTÓRIA INDIVIDUAL – POSSIBILIDADE JURÍDICA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO COLETIVO. - O fato de tratar-se de mandado de segurança coletivo não representa obstáculo para que o interessado, favorecido pela sentença mandamental coletiva, promova, ele próprio, desde que integrante do grupo ou categoria processualmente substituídos pela parte impetrante, a execução individual desse mesmo julgado. Doutrina. Precedentes.” (RE 648.621 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 18.03.2013)Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário a que se dá provimento, nos termos do art. 557 do CPC, e 21, § 2º, do RISTF, para determinar o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais sobre o crédito proporcional à fração de cada um dos litisconsortes facultativos na forma de requisição de pequeno valor, se couber, ou de precatório.Ônus sucumbenciais invertidos, conforme a legislação processual.Custas ex lege.Publique-se.”(fls. 193-196)

Sustenta-se, em síntese, que a jurisprudência do STF se consolidou no sentido da impossibilidade do fracionamento da execução de honorários de forma proporcional ao crédito de cada um dos substituídos contra a Fazenda Pública, oriunda de ação coletiva, retomando os argumentos já expostos no recurso extraordinário.

Alega-se, ainda, a distinção do caso concreto em relação ao Tema 148 da repercussão geral.

É o relatório.

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VOTOMin. Edson Fachin (Relator) – Não assiste razão à parte ora Agravante.A parte insurgente não trouxe argumentos com aptidão para infirmar a decisão

ora agravada.Conforme já posto na decisão recorrida, é necessário frisar que o sistema

processual atual se voltou em direção à eficiência da jurisdição, possibilitando concentração das demandas por meio das ações coletivas. Logo, seria totalmente contraproducente tornar a execução destas demandas vinculadas ao todo e impossibilitar a execução facultativa e individualizada das partes substituídas no processo original.

Acrescento, ainda, que o STF julgou, por meio do instituto da repercussão geral, tema análogo (Tema 148, RE-RG 568.645, Min. Rel. Cármen Lúcia, Dje 24.11.2014), no qual as razões de decidir do paradigma persistem.

Transcreve-se excerto do voto condutor:

“Todavia, não é possível ignorar, como pretende o Município, que as execuções promovidas por litisconsortes facultativos nascem fracionadas. Considere-se que o próprio executado pode opor a um ou alguns dos litisconsortes obstáculos à execução da sentença, como prescrição, realização de pagamento, dentre outros, conforme o art. 741, inc. VI, do Código de Processo Civil. O raciocínio desenvolvido pelo Recorrente levaria a inviabilizar o tratamento singularizado de cada litisconsorte facultativo, podendo trazer prejuízos à própria Fazenda Pública.”(…)“Não condiz com as medidas recentemente inseridas na Constituição da República (como a razoável duração do processo, a súmula vinculante, a repercussão geral, além de outras medidas inseridas na legislação processual) interpretar um de seus dispositivos de modo a desestimular a salutar formação de litisconsórcios facultativos simples para a discussão judicial de pedidos idênticos.”

Ressalte-se, ainda, que o STF, também em sede de repercussão geral (Tema 18, RE-RG 564.132, Min. Rel. Cármen Lúcia, DJe 10.02.2015), já se manifestou sobre a distinção entre o valor principal e os honorários advocatícios.

Confira-se a ementa do referido julgado:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”

Constata-se, portanto, que a discussão do presente caso difere dos dois temas citados, contudo há forte correlação entre as controvérsias, de modo que é viável depreender das razões de decidir de ambos os precedentes a possibilidade de

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 39

individualização dos honorários advocatícios, proporcionalmente à fração de cada um dos litisconsortes facultativos.

Do contrário, haveria o enfraquecimento do movimento de coletivização das demandas de massa, tendo em vista os instrumentos de concentração das lides e provável proliferação dos processos, pois nada impediria que os advogados fracionassem os litisconsórcios facultativos para depois executarem os honorários de forma proporcional ao valor principal de cada cliente.

Esse é o entendimento da Segunda Turma desta Corte, tal como se infere do seguinte precedente:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TÍTULO JUDICIAL CONSUBSTANCIADOR DE SENTENÇA COLETIVA – EFETIVAÇÃO EXECUTÓRIA INDIVIDUAL – POSSIBILIDADE JURÍDICA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO COLETIVO. - O fato de tratar-se de mandado de segurança coletivo não representa obstáculo para que o interessado, favorecido pela sentença mandamental coletiva, promova, ele próprio, desde que integrante do grupo ou categoria processualmente substituídos pela parte impetrante, a execução individual desse mesmo julgado. Doutrina. Precedentes.” (RE 648.621 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 18.03.2013)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.Min. Marco Aurélio – Presidente, em primeiro lugar, a matéria é nova, tendo em

conta o disposto no artigo 100 da Constituição Federal, ou seja, a execução contra a Fazenda Pública de honorários sucumbenciais. Tanto é nova que o Juízo primeiro de admissibilidade deu sequência aos extraordinários, para que o Supremo, guarda maior da Carta, pronuncie-se a respeito. Há um segundo móvel para ter-se a sequência dos extraordinários: neste caso, o credor é único, é o advogado. Não se trata de cota-parte, considerados credores diversos, como são os substituídos na ação coletiva, que podem executar isoladamente, se não forem substituídos na execução, e lograr o recebimento na boca do cofre – se é que o Rio Grande do Sul, hoje, conta com numerário para satisfazer as decisões judiciais, porque é um Estado praticamente falido, e não queria estar na pele do Governador Sartori, em relação ao qual tive a melhor impressão.

Por isso, esses agravos merecem provimento. Vou explicitar novamente. Houve o julgamento de uma ação coletiva com a condenação em honorários advocatícios, relativamente aos quais existe credor único, e se pretendeu dividir essa parcela única, para ter-se a satisfação direta, sem a via crucis, que é a do precatório.

É um tema, para mim, novo. Nunca o enfrentei no Supremo. Por isso, peço vênia ao Relator para prover os agravos do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul. Um deles é do próprio Estado.

Min. Edson Fachin (Relator) – Exatamente, no Recurso Extraordinário nº 913.568 o agravante é o próprio Estado do Rio Grande do Sul.

Min. Marco Aurélio – Em síntese, pela tese, teremos o desmembramento de um crédito, mediante ficção legal, potencializando-se, talvez, a regra civilista segundo a qual o acessório segue a ordem do principal. Uma coisa é o desmembramento

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quanto aos diversos credores substituídos; outra é quanto aos honorários advocatícios em que se tem credor único.

Min. Luiz Fux – Eu apenas ponderaria o seguinte. É que, pelo que eu entendi, a jurisprudência permite a execução de honorários sucumbenciais proporcionais à respectiva fração de cada um dos substituídos. Por exemplo, houve uma condenação geral, quer dizer, o advogado receberá dez por cento da condenação da Fazenda em prol dos substituídos. Então, é passível, segundo a jurisprudência, pelo que estou entendendo, de cálculo de dez por cento sobre que vai receber A, dez por cento sobre o que vai receber B, dez por cento sobre o que vai receber C. Não foi uma parcela única de sucumbência.

Min. Marco Aurélio – Passa-se a ter vários precatórios, ou várias requisições, de pequeno valor.

Min. Luiz Fux – Não é uma condenação em uma ação grande, uma condenação do advogado de uma verba fixa, é uma condenação fracionada mesmo.

Min. Marco Aurélio – Mas o credor é que executará.

VOTOMina. Rosa Weber (Presidente) – Eu compartilho, com todo respeito, pedindo

vênia ao Ministro Fachin, da compreensão do Ministro Marco Aurélio, tanto que, nos memoriais apresentados pelo Estado do Rio Grande do Sul, são trazidos também meus precedentes e da Ministra Cármen Lúcia. Nós temos a compreensão de que a titularidade do crédito em honorários advocatícios é única, é daquele advogado. Então, no caso, não haveria nessa compreensão ofensa à norma constitucional. Por isso eu neguei provimento aos recursos extraordinários que me foram submetidos e, aqui, estou acompanhando o Ministro Marco Aurélio e dando provimento.

EXPLICAÇÃOMin. Edson Fachin (Relator) – Senhora Presidente, além da repercussão geral

148 que eu mencionei, também há o tema 18 em repercussão geral em Recurso Extraordinário nº 564.132, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, foi apreciada em 10 de fevereiro deste ano, onde se manifestou nitidamente, no meu modo de ver, sobre a distinção entre valor principal e honorários advocatícios.

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Perfeito.Min. Edson Fachin (Relator) – E lá eu colho:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO.”

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Mas eu tenho essa mesma compreensão e votei neste sentido: os honorários advocatícios não são verba acessória para este efeito.

Min. Marco Aurélio – É outra situação.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 41

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Mas seria a possibilidade da requisição de pequeno valor, relativamente à verba honorária, num contexto de precatório, que, se considerado o valor do cliente ou do vencedor da ação, talvez não pudesse ensejar a requisição.

Min. Marco Aurélio – A devedora é única, a Fazenda. O credor também o é no advogado. Como desmembrar?

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Aqui é outra situação.Min. Luís Roberto Barroso – Eu tenho uma hipótese melhor. Era um advogado

e diversas partes, portanto as diversas partes receberam fracionadamente as suas requisições.

Min. Marco Aurélio – Por serem credores diversos.Min. Luís Roberto Barroso – O advogado é credor dos honorários totais, que

excede o valor da requisição de pequeno valor.Mina. Rosa Weber (Presidente) – É exatamente essa a situação.Min. Luís Roberto Barroso – E ele está pedindo para receber como se fosse

por cada cliente.Mina. Rosa Weber (Presidente) – Por cliente, de tal maneira que ensejaria uma

requisição de pequeno valor.Min. Luiz Fux – Pelo que eu entendi, a jurisprudência do Supremo permite; foi o

que eu entendi.Min. Marco Aurélio – Mas não para esse efeito: fugir à via crucis do precatório.Min. Luiz Fux – A via crucis.Min. Luís Roberto Barroso – Eu já entendi a hipótese, que é a parte mais

difícil. Agora eu gostaria de saber se há precedentes.Mina. Rosa Weber (Presidente) – Há precedentes, há específicos, não de

Plenário, mas...Min. Luís Roberto Barroso – E há precedente em sentido diverso?Mina. Rosa Weber (Presidente) – Não sei, talvez o eminente Procurador

esclareça. O eminente Ministro Fachin invoca um precedente do Ministro Celso de Mello, mas leio - não cheguei a verificar - que não é exatamente a hipótese que está sendo debatida aqui. No memorial se diz que no mencionado julgado não se admitiu o fracionamento de crédito único com os honorários, porquanto o recurso tratava da possibilidade da expedição de RPVs em caso de precatório para pagamento de créditos de substituídos em ação coletiva ajuizada por substituto processual. E, no caso, seriam ações coletivas com litisconsortes ativos, pelo que eu compreendi do memorial. Mas eu não verifiquei o precedente, esse que o Ministro Fachin invoca do Ministro Celso.

Min. Luiz Fux – É porque, na hora de executar a verba, ela é a verba de cada um.

Min. Luís Roberto Barroso – Em rigor, ele ganhou diversas causas vindas de um único processo.

Min. Luiz Fux – Se fossem propostas em separado? Quando há essas ações, essa acumulação subjetiva, pressupõe-se que há tantas ações quantos sejam os sujeitos processuais. Por isso que é um raciocínio até lógico esse de fracionar.

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Mina. Rosa Weber (Presidente) – No mesmo processo se expedem várias requisições de pequeno valor para os honorários de um mesmo advogado.

Min. Luiz Fux – Aqui está dizendo que a jurisprudência é nesse sentido.Min. Marco Aurélio – Ministro, como bom neto de português, não resisto a

argumento lógico. Mas, no caso, não há lógica, porque uma coisa é a situação dos substituídos, credores individuais, que podem executar isoladamente. Outra é o credor único, de devedora única, ter o fracionamento, e pretender marchar para diversas requisições de pequeno valor. É credor de valor que, votado, não pode ser enquadrado como de pequeno o quantitativo.

Min. Luís Roberto Barroso – Vossa Excelência tem o precedente à mão?Min. Edson Fachin (Relator) – Eu estou me ancorando no Recurso

Extraordinário nº 568.645, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia, de 24 de novembro de 2014, que assentou, na parte final:

“Não condiz com as medidas recentemente inseridas na Constituição da República (...) interpretar um de seus dispositivos de modo a desestimular a salutar formação de litisconsórcios facultativos simples para a discussão judicial de pedidos idênticos.”

Min. Marco Aurélio – Não é específico.Min. Edson Fachin (Relator) – Além disso, ainda que não seja diretamente

aplicável, mas me parece que fornece luzes para o caso, estou tomando do Ministro Celso de Mello, no Recurso Extraordinário nº 648.621, o seguinte trecho de julgamento.

Min. Luís Roberto Barroso – Eu já estou satisfeito.

VOTOMin. Luís Roberto Barroso – Presidente, a observação da Ministra Cármen

Lúcia parece-me pertinente. Se o Advogado tivesse fatiado as ações, onerando mais o sistema judicial, ele poderia receber fracionadamente, mas como ele otimizou o uso do sistema judicial, não pode. Eu não gostaria de produzir uma decisão que gere essa consequência.

Estou acompanhando o Relator.

DEBATEMin. Luiz Fux – A tendência, hoje, é a de criar, para o advogado, algo apartado

dessa questão do precatório em relação ao cliente.Min. Marco Aurélio – Quer ser confundido com os substituídos.Min. Luiz Fux – Verba autônoma não permite compensação. Tem natureza

alimentar, crédito preferencial...Min. Luís Roberto Barroso – Mas se for um cliente só e uma bolada superior à

requisição de pequeno valor...Min. Luiz Fux – Aí é evidente. Acho que essa, sim, se fosse um cliente só.Min. Luís Roberto Barroso – Naqueles tempos que não voltam mais.Min. Marco Aurélio – Se fosse um cliente só, ele não estaria advogando essa

tese. Desapareceria a base.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 43

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Ministro Marco Aurélio, a nossa tese é vencida. Mas será muito interessante porque, em um mesmo processo, serão expedidas várias requisições de pequeno valor, todas para um mesmo titular.

Min. Luiz Fux – Proporcionais.Min. Marco Aurélio – Considerado o mesmo título judicial, o mesmo credor e o

mesmo devedor.Mina. Rosa Weber (Presidente) – E a legislação veda que haja o fracionamento

para este fim.Min. Luiz Fux – A legislação veda que haja abuso nesse fracionamento, mas

veja a dicção da redação da ementa do Ministro Fachin:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de execução de honorários sucumbenciais proporcional à respectiva fração de cada um dos substituídos” (...).

Está bem esclarecido isso.Advogado – Senhora Presidente, só para esclarecer uma questão de fato? Mina. Rosa Weber (Presidente) – Pois não. Advogado – Parece ao Estado do Rio Grande do Sul que os precedentes

invocados pelo Ministro Fachin não se adequam exatamente à hipótese em julgamento aqui, como já referido pelo Ministro Marco Aurélio. Eles referem à possibilidade de se fracionar o principal e destacar o principal fracionadamente da verba honorária, mas eles não entram, com toda a vênia do Ministro Fachin, na minúcia do fracionamento de honorários proporcionalizados a cada crédito de cada um dos credores. O entendimento do Estado, com toda a vênia, é de que o crédito do advogado da outra parte é único, porque se refere a um único processo.

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Acho que a situação está bem compreendida. Eu, com relação ao fato de os honorários serem considerados um crédito à parte, assim já pensava em 2001, enquanto Corregedora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. E se fez, inclusive, provimento nessa linha.

Min. Luiz Fux – É porque o Estatuto da OAB foi mudado nessa parte. Foi modificado.

Mina. Rosa Weber (Presidente) – Mas, de qualquer sorte, ficamos vencidos, Ministro Marco Aurélio. O Direito é assim, bonito. A decisão colegiada sempre é a mais sábia.

Min. Marco Aurélio – E não somos contra os advogados!Mina. Rosa Weber (Presidente) – De forma alguma. Por isso fiz questão dizer

qual era a minha compreensão, lá na origem, com relação ao tema.

EXTRATO DE ATAAG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 919.269. PROCED.: RIO

GRANDE DO SUL. RELATOR: MIN. EDSON FACHIN. AGTE.(S): INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - IPERGS. PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AGDO.(A/S):

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44 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

SUCESSÃO DE AGUIDA GENOVEVA VERBERICH. AGDO.(A/S): RUBENICH E LORETO ADVOGADOS ASSOCIADOS. ADV.(A/S): SANDRA ERNESTINA RÜBENICH.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator, vencidos os Senhores Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber, Presidente. 1ª Turma, 15.12.2015.

Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco.Carmen Lilian Oliveira de Souza, Secretária da Primeira Turma.

– o –

Recurso Extraordinário n. 592.581 – Plenário – Rio Grande do Sul

EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS. INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO TRIBUNAL.

I - É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais.

II - Supremacia da dignidade da pessoa humana que legitima a intervenção judicial.

III - Sentença reformada que, de forma correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos detentos, em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal.

IV - Impossibilidade de opor-se à sentença de primeiro grau o argumento da reserva do possível ou princípio da separação dos poderes.

V - Recurso conhecido e provido.

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, recorrente – Estado do Rio Grande do Sul, recorrido – Estado de São Paulo e Estado do Pará, am. curiae – União, Estado do Acre, Estado do Amazonas, Estado do Espírito Santo, Estado de Minas Gerais, Estado do Piauí, Estado de Rondônia, Estado da Bahia, Estado de Roraima, Estado do Amapá, Estado de Santa Catarina, Estado de Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, interessados – Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Procurador--Geral do Estado do Acre, Procurador-Geral do Estado do Amazonas, Procurador-Geral do Estado do Espírito Santo, Procurador-Geral do Estado do Piauí, Procurador-Geral do Estado de Rondônia, Procurador-Geral do Estado da Bahia, Procurador-Geral do Estado de Roraima, Procurador-Geral do Estado do Amapá, Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina, Procurador--Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, Procurador-Geral do Distrito Federal, Procurador-Geral

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 45

do Estado de São Paulo e Procurador-Geral do Estado do Pará, procuradores – Advogado-Geral da União e Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais, advogados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do

Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 220 da repercussão geral, dar provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fim de que se mantenha a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau. Ainda por unanimidade, assentar a seguinte tese: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5.º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”. Ausente, justificadamente, o Ministro Teori Zavascki.

Brasília, 13 de agosto de 2015.Ricardo Lewandowski, Presidente e Relator.

RELATÓRIOMin. Ricardo Lewandowski (Presidente) – Trata-se de recurso extraordinário

interposto contra acórdão que, ao reformar a sentença de primeiro grau, concluiu não competir ao Judiciário determinar ao Executivo a realização de obras em estabelecimento prisional, sob pena de indevida e invasão de campo decisório reservado à Administração Pública.

Tal entendimento, assentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foi definido não obstante o reconhecimento, por parte deste, de que a precariedade das condições a que estão submetidos os detentos do Albergue Estadual de Uruguaiana, constitui violação de sua integridade física e moral, vedada, como se sabe, pela Constituição da República.

Destaco da ementa o resumo do julgado:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE REALIZAÇÃO DE OBRAS EM PRESÍDIO. DESCABIMENTO. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO.(...)O texto constitucional dispõe sobre os direitos fundamentais preso, sendo certo que as precárias condições dos estabelecimentos prisionais importam ofensa à sua integridade física e moral. A dificuldade está na técnica de efetivação desses direitos fundamentais.(...)Aqui o ponto: saber se a obrigação imposta ao Estado atende norma constitucional programática, ou norma de natureza impositiva.Vê-se às claras, que mesmo não tivesse ficado no texto constitucional senão que também na Lei das Execuções Criminais, cuida-se de norma de cunho

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programático. Não se trata de disposição auto-executável, apenas traça linha geral de ação ditada ao poder público.(...)Pois a ‘reserva do possível’, no que respeita aos direitos de natureza programática, tem a ver não apenas com a possibilidade material para sua efetivação (econômica, financeira, orçamentária), mas também, e por consequência, com o poder de disposição de parte do Administrador, o que imbrica na discricionariedade, tanto mais que não se trata de atividade vinculada.Ao Judiciário não cabe determinar ao Poder Executivo a realização de obras, como pretende o Autor Civil, mesmo pleiteadas a título de direito constitucional do preso, sob pena de fazer as vezes de administrador, imiscuindo-se indevidamente em seara reservada à Administração.Falta aos Juízos, porque situados fora do processo político-administrativo, capacidade funcional de garantir a efetivação de direitos sociais prestacionais, sempre dependentes de condições de natureza econômica ou financeira que longe estão dos fundamentos jurídicos.(...)” (fls. 377-378 - grifei).

Neste RE, o Ministério Público gaúcho, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, alega que houve ofensa aos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, desta mesma Carta, sustentando, em suma, que a decisão recorrida desconsiderou

“(...) a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, bem como a impossibilidade de questões de ordem orçamentária impedirem ou postergarem políticas públicas vocacionadas à implementação dos direitos de natureza fundamental, assim como a vinculação do Poder Público quanto à implementação das políticas públicas necessárias à sua efetivação” (fl. 402).

Aduz, mais, o Parquet, que a integridade física e moral dos presos configura interesse de natureza geral, consubstanciando direito fundamental de observância obrigatória pelo Estado, que tem como um de seus pilares constitucionais a dignidade da pessoa humana.

Por fim, requer que o Governo do Rio Grande do Sul seja obrigado a realizar, “no prazo de seis meses, obras de reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana”, em conformidade com a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau (fls. 410-411).

Em 22/10/2009, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Esta a ementa da decisão:

“CONSTITUCIONAL. INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS. DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE REALIZAÇÃO DE OBRAS EM PRESÍDIO. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. RELEVÂNCIA JURÍDICA, ECONÔMICA E SOCIAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL” (fl. 435).

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso extraordinário, em parecer de lavra da Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko de Castilho, cuja síntese transcrevo a seguir:

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“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Ação civil pública. Reforma de estabelecimento prisional. Direito à integridade física e moral dos presos. Alegada violação aos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, da CF.– Questão capaz de influir concretamente e de maneira generalizada numa grande quantidade de casos que dizem respeito a garantia de direito fundamental.– A reserva do possível não constitui justificativa para que o Poder Executivo possa se eximir das obrigações impostas pela Constituição e pela Lei de Execução Penal. A referida cláusula apenas é aplicável em decorrência de justo motivo, objetivamente aferido, devendo ser prontamente afastada quando a sua adoção implique violação ao núcleo essencial dos direitos constitucionais fundamentais.Não contestados o péssimo estado de conservação do albergue ou a morte de um sentenciado devido às más condições das instalações elétricas, nem demonstrada a inexistência de recursos orçamentários.Parecer pelo provimento” (fl. 420).

Deferi os pleitos de ingresso na presente relação processual, na qualidade de amicus curiae, dos seguintes entes políticos: União Federal, Estados do Acre, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Piauí, Rondônia, Bahia, Roraima, Amapá, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Pará, bem como o Distrito Federal.

É o relatório.

VOTOMin. Ricardo Lewandowski (Presidente) – 1. Resumo da controvérsiaA controvérsia central deste recurso extraordinário está em saber se cabe ao

Judiciário impor à Administração Pública a obrigação de fazer, consistente na execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de garantir a observância dos direitos fundamentais de pessoas sob custódia temporária do Estado.

Em palavras distintas, indaga-se a esta Suprema Corte se, tendo em conta as precárias condições materiais em que se encontram as prisões brasileiras, de um lado, e, de outro, considerada a delicada situação orçamentária na qual se debatem a União e os entes federados, estariam os juízes e tribunais autorizados a determinar ao administrador público a tomada de medidas ou a realização de ações para fazer valer, com relação aos presos, o princípio da dignidade humana e os direitos que a Constituição Federal lhes garante, em especial o abrigado em seu art. 5º, XLIX1.

2. Situação fática e jurídica sob exameComo é cediço, uma vez submetido algum recurso extraordinário à sistemática

da repercussão geral, as teses nele fixadas servirão de baliza à atuação das demais instâncias do Judiciário em casos análogos. Daí a necessidade de analisar--se a questão nele debatida de forma abrangente, abordando, tanto quanto possível, todos os seus aspectos fáticos e legais.

Consta dos autos, de forma inconteste, que a situação em que se acha o Albergue Estadual de Uruguaiana é efetivamente atentatória à integridade física e moral de seus detentos.

1 – Art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e moral.”

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Com efeito, não foi objeto de qualquer disputa, ao longo de toda a tramitação do feito, o precário estado de conservação das instalações do referido estabelecimento prisional.

Da mesma forma não foi rebatida, em nenhum momento processual, a afirmação segundo a qual os detentos estão permanentemente expostos a risco de morte em razão das péssimas condições da fiação elétrica do citado Albergue, havendo notícia, inclusive, de que um dos presos perdeu a vida por eletrocussão.

A fim de ilustrar tal conjuntura, colho das contrarrazões à apelação, apresentadas pelo Ministério Público gaúcho, em 22/10/2007, a seguinte assertiva:

“O quadro geral do Albergue de Uruguaiana está descrito no relatório elaborado pelo Conselho Penitenciário (doravante CP) da própria Secretaria Estadual da Justiça e Segurança, juntado no Inquérito Civil Público. O CP inspecionou o local no dia 04 de outubro de 2004. O relatório destaca os seguintes problemas estruturais do prédio:1. O local é visivelmente inapropriado para habitação, pois possui umidade exacerbada e há grande concentração de pós, o que o torna insalubre;2. O banheiro do alojamento encontra-se em péssimo estado, necessitando de reforma urgente;3. As instalações elétricas estão visíveis, porque não existe teto;4. Parte do telhado está cedendo.O CP conclui que as condições estruturais do Albergue ‘não podem perdurar’ porque ‘põem em risco a vida de funcionários e apenados’.Alguns desses problemas já haviam sido detectados na inspeção realizada pela Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário em fevereiro de 2004. No relatório dos corregedores consta a avaliação do então promotor de Justiça que atuava na Vara de Execuções Criminais a respeito de sua ‘péssima impressão quanto aos aspectos físicos dos alojamentos do albergue, ocasionando precárias condições para o convívio humano’, existindo inclusive menção sobre a intenção de promover a interdição da casa prisional” (fls. 353-354 - grifei).

Nesse contexto, após regular instrução do feito, o juiz da 2a Vara Cível da Comarca de Uruguaiana/RS, em 2/7/2007, condenou o Estado do Rio Grande do Sul a

“(...) realizar, no prazo de 06 (seis) meses, obras de reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana, de modo a adequá-lo aos requisitos básicos da habitalidade e salubridade dos estabelecimentos penais, quais sejam:a) conserto dos telhados onde há infiltração e umidade;b) instalação de forro sob o telhado em todos os dormitórios;c) conserto de janelas e substituição de vidros quebrados;d) conserto das instalações hidrossanitárias, especialmente de canos com vazamentos, e dos esgotos abertos no pátio;e) adequação das instalações elétricas, especialmente dos fios e tomadas aparentes;f) revestimento das áreas molhadas (paredes dos banheiros, etc.) de maneira que fiquem lisos, laváveis e impermeáveis” (fl. 333).

Cumpre registrar, por oportuno, que o próprio Tribunal de Justiça gaúcho, reconheceu, em seu acórdão, que a situação degradante a que estão submetidos os

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detentos do Albergue Estadual importa em patente desrespeito à sua dignidade pessoal.

Apesar de haver constatado tal atentado aos direitos dos presos, por ocasião da análise do mérito da questão, entendeu aquela Corte ser

“(...) diversa a carga de eficácia quando se trata de direito fundamental prestacional proclamado em norma de natureza eminentemente programática, ou quando sob forma que permita, de logo, com ou sem interposição legislativa, o reconhecimento de direito subjetivo do particular (no caso do preso), como titular de direito fundamental.(...)Para além disso, sua efetiva realização apresenta dimensão econômica que faz depender da conjuntura; em outras palavras, das condições que o Poder Público, como destinatário da norma, tenha de prestar. Daí que a limitação de recursos constitui, na opinião de muitos, no limite fãtico à efetivação das normas de natureza programática. É a denominada ‘reserva do possível’ (...)” (fl . 377 - grifei).

Tal é a situação fática e jurídica sujeita à apreciação desta Suprema Corte.3. Pena como medida de ressocializaçãoA regra geral que comanda a vida nas sociedades democráticas é a mais

plena liberdade de agir dos indivíduos. Tudo aquilo que o ordenamento legal não proíbe é lícito realizar, especialmente no campo dos negócios entre particulares. Esse postulado encontra-se consubstanciado, dentre outros, no art. 5º, II, da Constituição Federal, de acordo com o qual “ninguém é obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Existem, todavia, certos comportamentos que colocam em risco o relacionamento harmônico entre os membros de uma comunidade, botando em xeque a própria paz social. São ações que podem causar - e não raro causam efetivamente - lesões graves e, até mesmo, irreparáveis à vida, à incolumidade física e à honra das pessoas. Outras vezes acarretam danos ao patrimônio público ou privado. São atitudes que, evidentemente, não podem ser toleradas pela sociedade sob nenhum pretexto.

Alguns desses ilícitos são, eventualmente, remediados mediante ressarcimento pecuniário ou, quiçá, por um pedido público de desculpas. Mas nem sempre isso é possível. Existem transgressões tão sérias que ameaçam a própria consecução do bem comum, fundamento último do Estado de Direito, as quais só podem ser coibidas ou reparadas com a aplicação de penas restritivas de liberdade, combinadas eventualmente com sanções pecuniárias.

Surge nesse caso o denominado jus puniendi estatal, que representa “a justa reação do Estado contra o autor da infração penal, em nome da defesa da ordem e da boa convivência entre os cidadãos”2.

Ocorre que o direito de punir do Estado não é ilimitado e muito menos arbitrário, pois, entre nós, como nos demais países civilizados, ele se encontra circunscrito pelo princípio da reserva legal, cuja dicção constitucional é a seguinte: “não há crime sem lei anterior, nem pena sem prévia cominação legal”3.

2 – MIRABETE, Julio Fabbbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1991, p. 24.3 – Art. 5º, XXXIX, da CF.

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Em outras palavras, uma conduta, para que possa ser considerada criminosa, precisa estar tipificada em lei formal anteriormente editada. Do mesmo modo, a sanção correspondente deve constar do preceito secundário da norma penal incriminadora, não podendo ser aplicada, em nenhuma hipótese, em limites superiores àqueles previstos pelo legislador.

Longe estamos, hoje, das teorias absolutistas do passado, que consideravam as sanções penais uma exigência de justiça, um imperativo categórico, à moda de Kant, punindo-se alguém como simples consequência do cometimento de um delito. A pena, então, explicava-se como mera retribuição jurídica por um mal cometido (punitur quia peccatum est)4. Ao mal do crime revidava-se com o mal da punição em escala correspondente, como uma mensagem dissuasória aos futuros delinquentes.

A pena, nos dias atuais, sobretudo no Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, tem uma função eminentemente ressocializadora, ou seja, tem o escopo de reintroduzir o egresso do sistema penitenciário no convívio social, de torná-lo um cidadão prestante, após ter ele saldado seu débito para com a sociedade. Veja--se o que tem a dizer Claus Roxin a propósito do tema:

“(...) servindo a pena exclusivamente afins racionais e devendo possibilitar a vida humana em comum e sem perigos, a execução da pena apenas se justifica se prosseguir esta meta na medida do possível, isto é, tendo como conteúdo a reintegração do delinquente na comunidade. Assim, apenas se tem em conta uma execução ressocializadora. O facto da idéia de educação social através da execução da pena ser de imediato tão convincente, deve-se a que nela coincidem prévia e amplamente os direitos e deveres da colectividade e do particular, enquanto na cominação e aplicação da pena eles apenas se podem harmonizar através de um complicado sistema de recíprocas limitações”.5

Da lição do mestre alemão, destaca-se não apenas a ideia de que a sanção tem como fim último a reintegração do delinquente na coletividade, mas também que ela deve conferir à retribuição pelo crime cometido um sentido de racionalidade e proporcionalidade, quer dizer, seu escopo é fazer com que a pena não passe de limites prévia e expressamente previstos em lei, de modo a que as penitenciárias não sejam instituições que exacerbem o natural sentido de revolta ou mesmo de injustiça daqueles que delas saem, para logo depois - como é comum - retornarem como reincidentes na prática do mesmo ou de outros crimes.

4. Algumas notas históricasComo se descreve na obra História das prisões no Brasil, que toma de

empréstimo expressão de Olavo Bilac, as primeiras prisões então consideradas “modernas” já nasceram “tortas e quebradas”6, constituindo, pois, um problema mais do que secular no Brasil.

4 – NORONHA, Magalhães Edgard. Direito Penal. 1º vol. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1970. p. 28.5 – ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais do Direito Penal. Lisboa: Veja, 1986. p. 40.6 – MAIA, Clarissa Nunes et al (org.). História das prisões no Brasil. Volume I. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 9.

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Muito embora a Constituição de 1824, bem como o Código Criminal de 1830, tenham introduzido uma concepção mais aggiornata acerca da pena de prisão em nosso País7, o que se percebeu ao longo do tempo foi uma completa ausência de propostas no sentido de criar-se estabelecimentos prisionais adequados, que pudessem, ainda que minimamente, dar efetividade aos comandos legais previstos naqueles textos normativos.

Interessantemente, a Constituição Política do Império já consignava, em seu art. 179, XXI, que as cadeias seriam seguras, limpas e bem arejadas e que haveria diversas casas para separação dos apenados, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes, além de ter abolido, no inciso XIX daquele mesmo dispositivo, “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”.

Por sua vez, o Código Criminal do Império trouxe a previsão de pena privativa de liberdade, acrescida de atividades laborais para a maior parte dos crimes, redefinindo a função das prisões, que passariam, a partir de então, a ser

“(...) não mais um lugar de passagem à espera da sentença final, decretada geralmente em forma de multa, degredo, morte ou trabalhos públicos, mas [passariam a adquirir] um papel importante na organização da sociedade brasileira na primeira metade do século XIX”8.

Partindo-se da premissa de que a pena teria a função de separar temporariamente o criminoso da sociedade e, depois de cumprida, requalificá-lo para que nela pudesse regressar, foram construídas, desde a metade do século XIX, “Casas de Correção” nas principais cidades brasileiras, pensadas como estabelecimentos fechados, voltados para disciplina, educação e trabalho, “já que o desvio do indivíduo era interpretado, muitas vezes, como falta de instrução e ignorância”9.

Ocorre que, mesmo naquela época, os problemas carcerários já se mostravam preocupantes, porquanto as manchetes dos jornais noticiavam, com frequência, rebeliões, fugas em massa, maus-tratos de detentos, além de denúncias de corrupção por parte de administradores das prisões, escancarando a desorganização e o abandono dessas Casas de Correção.

O relatório elaborado por uma comissão designada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, nos idos de 1905, após visita à Casa de Correção do Estado do Rio de Janeiro, além de veicular críticas às condições físicas e de higiene daqueles estabelecimentos, explicitava ainda o seguinte:

“O que a Comissão encontrou, e denuncia a V. Ex., foi um depósito de presos, onde tudo é primitivo e desordenado, praticado sem plano, sem conhecimento do que seja sistema penitenciário que tem de ser executado em todas as suas partes, sem discrepância, harmonicamente, para poder atingir seus elevados e humanitários fins (...) E para que fique hem firmado na memória de V. Ex. o que a Comissão pensa, em resumo, ela dirá: A Casa de Correção não tem

7 – Idem, ibidem. p. 287.8 – Idem, ibidem. p. 288.9 – Idem, ibidem. p. 310.

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administração, não tem sistema, não tem moralidade ou melhor: Não há Casa de Correção”10.

Essa era no passado, e continua sendo no presente, só que em escala ampliada, a situação de nosso sistema prisional.

5. Panorama atual das prisões brasileirasOuso assinalar, desde logo, que até o mais desinformado dos cidadãos possui

algum conhecimento acerca do quadro de total falência do sistema carcerário brasileiro, o que faz com que tal problema ultrapasse as fronteiras do Rio Grande do Sul, constituindo, de resto, antiga mazela nacional.

O senso comum não nega - ao contrário, reafirma - que o histórico das condições prisionais no Brasil é de insofismável precariedade.

Nesse contexto, são recorrentes os relatos de sevícias, torturas físicas e psíquicas, abusos sexuais, ofensas morais, execuções sumárias, revoltas, conflitos entre facções criminosas, superlotação de presídios, ausência de serviços básicos de saúde, falta de assistência social e psicológica, condições de higiene e alimentação sub-humanas nos presídios.

Esse evidente caos institucional, à toda evidência, compromete a efetividade do sistema prisional como instrumento de reabilitação social dos detentos, a começar pela carência crônica de vagas, que faz com que os estabelecimentos carcerários sejam verdadeiros “depósitos” de pessoas.

De acordo com o relatório elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional –DEPEN, em junho de 2014, o défi cit de espaço nas prisões brasileiras ultrapassou a soma de 230 mil vagas11, fato que constitui uma das principais causas que contribuem para o agravamento da crise no sistema.

Os fatores negativos acima descritos, fartamente veiculados pelos meios de comunicação, longe de representarem qualquer sensacionalismo midiático, revelam o cenário dantesco a que são submetidos os presidiários em nosso País.

Abundam relatos de detentos confinados em contêineres expostos ao sol, sem instalações sanitárias; de celas previstas para um determinado número de ocupantes nas quais se instalam diversos “andares” de redes para comportar o dobro ou o triplo da lotação prevista; de total promiscuidade entre custodiados primários e reincidentes e, ainda, entre presos provisórios e condenados definitivamente; de rebeliões em que agentes penitenciários e internos são feridos ou assassinados com inusitada crueldade, não raro mediante decapitações.

Ressalto que, longe de buscar escandalizar, o escopo dessa abordagem é apenas contextualizar a discussão travada nestes autos e evidenciar uma realidade que deve ser enfrentada com medidas efetivas, não só por esta Suprema Corte, em particular, e pelo Judiciário, como um todo, mas também pelas demais instituições públicas e mesmo privadas, direta ou indiretamente, envolvidas na questão.

10 – Idem, ibidem. pp. 284-285.11 – Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf/view>. Acesso em 12.08.15. Acesso em 29/06/15.

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6. Descida ao Inferno de DanteEsse terrível panorama vem sendo reiteradamente realçado em documentos

elaborados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por ocasião de inspeções realizadas em presídios nos distintos Estados brasileiros. A partir delas, esse cenário de horror começou a ser melhor conhecido dentro e fora do Judiciário, especialmente depois da realização dos denominados “Mutirões Carcerários”, instituídos em 2008 pelo referido órgão12.

Permito-me extrair, a título ilustrativo, excerto do relatório de inspeções realizadas em estabelecimentos penais e socioeducativos no Estado do Espírito Santo, em maio de 2009, abaixo transcrito:

“(...) No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha há apenas uma grande cela, na qual se amontoavam 256 presos (a capacidade é para apenas 36) e apenas um sanitário. Não há qualquer separação de presos doentes ou presos idosos – todos dividem o mesmo espaço.O Centro de Detenção de Novo Horizonte, também conhecido como Cadeia Modular ou, ainda, Cadeia dos Contêineres, tampouco estabelece qualquer divisão entre os presos.(...)No Presídio Modular de Novo Horizonte há infestação de ratos e grande quantidade de lixo e entulho acumulados no pátio.Em Novo Horizonte há presos que têm marca de mordidas de roedores e a quantidade de lixo é tanta que há permanente chorume no piso do estabelecimento. A caixa de água tem vazamento que inunda o local para banho de sol e mistura lixo e esgoto a céu aberto.Em Argolas as embalagens em que são servidas as refeições servem também para depósito de fezes, pois não há vaso sanitário na cela improvisada que fi ca no corredor que dá acesso a outras duas celas do estabelecimento.Na DPJ de Vila Velha há sete fileiras de redes amarradas na cela e os presos ficam apenas deitados, pois não têm espaço para ficarem de pé, sendo que alguns estão nessas condições há mais de um ano, e sem espaço apropriado para banho de sol.(...)Na DPJ de Jardim América há tanta gente que o agente carcerário é obrigado a solicitar ajuda de outros agentes e dos próprios presos para poder trancar as celas. Literalmente os presos são socados dentro das celas.(...)Ainda na mesma DPJ [Vila Velha] havia um preso seriamente ferido que sangrava muito. O sangue escorria no chão por baixo dos demais presos.(...)No Presídio Modular, embora afirme o diretor que o direito à visitação era permitido, as visitas só ocorriam no parlatório, um espaço entre grades de segurança destinado a receber visitas para os detentos. A dificuldade, contudo, era que essas grades só permitem o contato visual, sem ao um menos (sic) um cumprimento, aperto de mão, etc.(...)Com tais restrições e sem acesso à televisão, rádio ou jornal, os presos não têm contato com o mundo exterior. Muitos não acompanham notícia alguma.

12 – Sobre o tema: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucaopenal/pj-mutirao-carcerario>. Acesso em 12/8/2015.. Acesso em 12/8/2015.

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Os presos provisórios não votam. Em nenhum estabelecimento havia biblioteca – não lêem, não estudam, não têm atividade recreativa, fi cam o tempo todo ociosos.A frase mais ouvida dos diretores dos estabelecimentos era a de que os presos apenas permaneciam presos porque eles (os presos) assim o desejavam. As condições para fugas e rebeliões são sempre renovadas”13 (grifei).

Relativamente aos estabelecimentos destinados à internação de menores da mencionada unidade da federação, segue o relato:

“É grave a situação das instituições sócio-educacionais, sem qualquer separação de idade e compleição física. Não há separação entre educandos maiores e menores. Na Unidade de Internação Sócio-Educativa alguns deles dividiam o mesmo espaço em contêineres a céu aberto.(...)Duas dessas caixas metálicas estavam expostas ao sol, sem banheiros e sem água encanada. Nessas condições, eram obrigados a defecar e urinar dentro do próprio contêiner e, ao início do dia, o piso era lavado e os excrementos depositados ao lado das caixas metálicas. O cheiro é repulsivo. Uma das celas estava fora de prumo e os excrementos dos adolescentes ficavam acumulados como um córrego no canto sulcado do caixote. Alguns adolescentes vomitavam.(...)Falta-lhes, ainda, tratamento condigno. Vários menores estão em contêineres. Dois desses módulos estão expostos às intempéries climáticas. Sob o sol, o calor dentro da caixa chega a 50o” (grifei).

A propósito, notícia de 17/11/2009, veiculada em portal da rede mundial de computadores, registrou que duas celas do Departamento de Polícia Judiciária – DPJ, de Vila Velha, tiveram de ser temporariamente interditadas, pois estavam cheias de fezes, sujeira e muito lixo14.

7. Excursionando pelo HadesTomo ainda como exemplo dessa verdadeira chaga institucional a situação

descrita no relatório das visitas de inspeção realizadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, no Estado do Rio Grande do Sul, entre os dias 13 e 14 de julho e 10 e 11 de agosto de 200915:

“(...) O Presídio Central de Porto Alegre – PCPA - destina-se à custódia de presos em regime fechado e provisórios, do sexo masculino, contendo 4.807 presos na data da inspeção (13 de julho). A capacidade do estabelecimento é de 2.069 presos, sendo que as celas possuem diferentes metragens (6 a 19,96 m2).(...)

13 – Disponível em: <http://www.vepema.com.br/novosite/wa_fi les/relatrio-es-cnj.pdf>. Acesso em 12.8.2015.14 – Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4106806-EI5030,00-Sujeira+e+superlotacao+interditam+celas+de+DP+em+Vitoria.html#tarticle>. Acesso em 12.8.2015.15 – Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDA5701978080B47B798B 690E48 4B49285PTBRIE.htm>. Relatório de inspeção em estabelecimentos prisionais do Rio Grande do Sul na data de 24 de agosto de 2009. Acesso em 12.8.2015.

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A estrutura predial dos estabelecimentos visitados está em péssimas condições, necessitando de reformas estruturais, hidráulicas, elétricas e sanitárias.(...)As infiltrações nas paredes são visíveis, inclusive nas alas recentemente inauguradas. O presídio possui extensa área onde é lançado o lixo a céu aberto, onde escorre água e esgoto o dia todo, contribuindo para a proliferação de insetos e pragas. Durante a inspeção, foram vistas várias ratazanas percorrendo o pátio e as paredes externas das galerias. Os Promotores de Justiça que nos acompanhavam relataram que o Ministério Público já propôs ação civil pública em face do Estado visando à retirada do lixo do local, mas as decisões judiciais ainda não haviam sido cumpridas. Ademais, os quatro novos pavilhões construídos no final do ano de 2008, com capacidade para 492 vagas, não resolveram a questão da superlotação carcerária. Presos provisórios e condenados dividem mesmas celas e pátio de banho de sol, em flagrante descumprimento ao disposto no artigo 84, da Lei de Execução Penal.(...)Visita ao Albergue Padre Pio Buck:(...)As condições são subumanas, constatando-se uma desagradável superlotação, péssimas instalações físicas (especialmente elétricas e hidráulicas), que, inclusive, põem em iminente risco a vida, a incolumidade física e a saúde dos que ali se encontram ‘enjaulados’. É comum ver ‘gambiarras’ em todos os alojamentos visitados, já que toda a parte elétrica está descoberta e possui ligações indevidas. Os internos têm por costume usar fogões elétricos, que além de serem ligados por fios descoberto, cruzam a cela, ficam muito próximos das colchas, toalhas e roupas, o que, por um mínimo descuido, pode ocasionar uma tragédia” (grifei).

Embora tenha pinçado como exemplos os relatórios de inspeções referentes aos Estados do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul, é de sabença geral que a realidade do sistema prisional brasileiro, como um todo, não difere substancialmente do que neles foi constatado.

8. Olhar do Fiscal da LeiDa mesma forma, o relatório intitulado “A Visão do Ministério Público sobre o

Sistema Prisional Brasileiro”, elaborado pelo Conselho Nacional do Parquet, divulgado em 2013, expõe outros dados alarmantes. Confira-se:

“Os 1.598 estabelecimentos inspecionados possuem capacidade para 302.422 pessoas, mas abrigavam, em março de 2013, um total de 448.969 presos. O déficit é de 146.547 ou 48%. A superlotação é registrada em todos as regiões do país e em todos os tipos de estabelecimento (penitenciárias, cadeias públicas, casas do albergado, etc). O déficit de vagas é maior para os homens. O sistema tem capacidade para 278.793 pessoas do sexo masculino, mas abrigava 420.940 homens presos em março de 2013. Para as mulheres, são 23.629 vagas para 28.029 internas.SeparaçõesAs inspeções verificaram que a maior parte dos estabelecimentos não faz as separações dos presos previstas na Lei de Execuções Penais. Segundo o relatório, 1.269 (79%) estabelecimentos não separam presos provisórios de

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definitivos; 1.078 (67%) não separam pessoas que estão cumprindo penas em regimes diferentes (aberto, semiaberto, fechado); 1.243 (quase 78%) não separam presos primários dos reincidentes. Em 1.089 (68%) locais, não há separação por periculosidade ou conforme o delito cometido; em 1.043 (65%), os presos não são separados conforme facções criminosas. Há grupos ou facções criminosos identificados em 287 estabelecimentos inspecionados (17%).Fugas, integridade física dos presos e disciplinaEntre março de 2012 e fevereiro de 2013, foram registradas 121 rebeliões, 23 das quais com reféns. Ao todo, houve 769 mortes, das quais 110 foram classificadas como homicídios e 83 como suicídios. Foram registradas 20.310 fugas, com a recaptura de 3.734 presos e o retorno espontâneo de 7.264. Os casos em que presos, valendo-se de saída temporária não vigiada, não retornam na data marcada, são computados como fuga ou evasão. Houve apreensão de drogas em 654 locais, o que representa cerca de 40% dos estabelecimentos inspecionados.No quesito disciplina, o relatório mostra que 585 estabelecimentos (37%) não observam o direito de defesa do preso na aplicação de sanção disciplinar. Em 613 locais (38%), o ato do diretor da unidade que determina a sanção não é motivado ou fundamentado; em 934 (5), nem toda notícia de falta disciplinar resulta em instauração de procedimento. As sanções coletivas foram registradas em 116 estabelecimentos (7%). Em 211 (13%) locais não é proporcionada assistência jurídica e permanente; em 1.036 (quase 65%), não há serviço de assistência jurídica no próprio estabelecimento.Assistência material, saúde e educaçãoQuase metade dos estabelecimentos (780) não possui cama para todos os presos e quase um quarto (365) não tem colchão para todos. A água para banho não é aquecida em dois terços dos estabelecimentos (1.009). Não é fornecido material de higiene pessoal em 636 (40%) locais e não há fornecimento de toalha de banho em 1.060 (66%). A distribuição de preservativo não é feita em 671 estabelecimentos (42%). As visitas íntimas são garantidas em cerca de dois terços do sistema (1.039 estabelecimentos).Cerca de 60% dos estabelecimentos (968) não contam com biblioteca; falta espaço para prática esportiva em 756 locais (47%) e para banho de sol (solário) em 155 (10%)”16 (grifei).

Essa é a cruel realidade dos presídios confirmada, desta feita, pelo Ministério Público.

9. Fábricas de criminososPassada a Idade Média, em pleno Iluminismo, Cesare Beccaria, já no século XVIII,

em seu clássico Dei delliti e delle penne, formulava a seguinte indagação:

“E concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranquilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas?”17.

16 – Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/noticia/3486-dados-ineditos-do-cnmp-sobre-sistema-prisional>. Acesso em 12/8/2015.17 – BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 93.

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Desde então continua inalterada a condição das prisões tidas como “modernas”. Segundo veio a descrever, tempos depois, Michel Foulcault, em sua conhecida obra Vigiar e punir, elas, ao invés de devolver os egressos à sociedade plenamente recuperados, na verdade contribuem para exacerbar ainda mais o seu sentimento de revolta pela existência indigna que o Estado lhes impõe para o cumprimento das respectivas penas. Nesse sentido, acrescenta o pensador francês que

“(...) ‘o sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria justiça’”18 (grifei).

Nos dias atuais, as preocupações de Beccaria e de Foucault, lançadas em períodos históricos tão distintos, continuam plenamente válidas. Creio que, depois, a situação das prisões tenha até mesmo piorado sensivelmente, sobretudo no Brasil.

Segundo os dados constantes do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias –InfoPen19, do Ministério da Justiça, a população carcerária, no fi nal de junho de 2014, era integrada por mais de 600 mil detentos, expostos, em sua maior parte, às já mencionadas agruras do sistema, em colisão frontal, dentre outros dispositivos legais, com o disposto nos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, da Carta Magna, que tratam, respectivamente, da dignidade da pessoa humana e das garantias asseguradas aos presos, em especial ao respeito à sua integridade física e moral.

Buscando a origem desse fenômeno, que revela verdadeira patologia institucional, Yolanda Catão e Elizabeth Sussekind, de há muito, aventaram que ele se deve, em grande parte, a uma indisfarçável discriminação social contra os detentos em nosso País, especialmente em razão do

“(...) fato de o preso provir de meio social pobre. Como forma de descarregar tensões e agressividades sociais, ele torna-se um ‘bode expiatório’ no sentido de que todas as culpas da violência estrutural e os ódios existentes entre as classes recaem sobre essa minoria desprotegida e que não tem como se defender contra um sistema institucionalizado e bem organizado20.”

Isso, continuam as citadas autoras, faz com que nem os estratos sociais mais baixos e muito menos as classes médias e altas queiram identificar-se com os presos, predominando uma visão maniqueísta relativamente a eles, de maneira a dividir a sociedade entre pessoas “inofensivas” e “perigosas”. Essa perspectiva distorcida, fundada em indisfarçável preconceito de classe, leva a que ninguém se anime a dar voz às necessidades e carências desses seres humanos entregues à sua miserável sorte21.

18 – FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 62.19 – Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf/view>. Acesso em 12/8/2015.20 – FRAGOSO, Heleno et al. Direitos dos Presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 81.21 – Idem, loc.cit.

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10. Prisões e dignidade da pessoa humanaSejam quais forem os motivos que deram causa a essa situação, cumpre

ressaltar que o postulado da dignidade da pessoa humana, nas palavras de José Afonso da Silva, “não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional”22.

Ainda na lição do renomado mestre, o primeiro ordenamento jurídico a abrigar o princípio da dignidade da pessoa humana como valor basilar, foi o alemão, em sua Lei Fundamental, em razão de haver o Estado Nazista protagonizado gravíssimos delitos contra a humanidade invocando, com desabrido despudor, fatídicas “razões de Estado”.

No caso brasileiro, os conhecidos abusos e crimes cometidos contra cidadãos e estrangeiros durante o regime de exceção, que durou aproximadamente de 1964 a 1985, ensejaram a inclusão da dignidade da pessoa humana no corpo da denominada “Constituição-Cidadã” como um dos pilares do Estado Democrático de Direito que ela institui e consagra23.

Na precisa síntese de J. J. Gomes Canotilho:

“Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República” 24.

Com efeito, a partir das incontáveis barbáries cometidas em nome do Estado, especialmente no século passado, indelevelmente tisnado por duas terríveis guerras mundiais, que resultaram em milhões de pessoas mortas, feridas, mutiladas e desenraizadas de seus locais de origem, realizou-se um enorme esforço da comunidade internacional para elevar o princípio da dignidade humana à estatura de um paradigma universal a ser observado por todos os Estados civilizados.

Na precisa recapitulação de Ingo Sarlet, ele consubstancia

“(...)a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos”25.

Nessa linha, erigiu-se a dignidade da pessoa humana à categoria de um “sobreprincípio” justamente para impor limites expressos à atuação do Estado e de

22 – SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 38.23 – Idem, ibidem. p. 37.24 – CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina. p. 225.25 – SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

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seus agentes, com reflexo direto no jus puniendi que ele detém como ultima ratio para garantir a convivência pacífica das pessoas em sociedade.

Mas o que se verifica, hoje, relativamente às prisões brasileiras, é uma completa ruptura com toda a doutrina legal de cunho civilizatório construída no pós-guerra. Trata-se de um processo de verdadeira “coisificação” de seres humanos presos, amontoados em verdadeiras “masmorras medievais”, que indica claro retrocesso relativamente a essa nova lógica jurídica.

O fato é que a sujeição dos presos às condições até aqui descritas mostra, com clareza meridiana, que o Estado os está sujeitando a uma pena que ultrapassa a mera privação da liberdade prevista na sentença, porquanto acresce a ela um sofrimento físico, psicológico e moral, o qual, além de atentar contra toda a noção que se possa ter de respeito à dignidade humana, retira da sanção qualquer potencial de ressocialização.

Sim, porque tais pessoas, muito embora submetidas à guarda e vigilância do Estado, devem merecer dele a necessária proteção, inclusive e especialmente contra violências perpetradas por parte de agentes carcerários e outros presos.

O tratamento dispensado aos detentos no sistema prisional brasileiro, com toda a certeza, rompe com um dogma universal segundo o qual eles conservam todos os direitos não afetados pelo cerceamento de sua liberdade de ir e vir, garantia, de resto, expressa, com todas as letras, no art. 3º de nossa Lei de Execução Penal26.

11. Inafastabilidade da jurisdiçãoA centralidade do valor da dignidade da pessoa humana em nosso sistema

constitucional permite a intervenção judicial para que seu conteúdo mínimo seja assegurado aos jurisdicionados em qualquer situação em que estes se encontrem.

Basta lembrar, nesse sentido, que uma das garantias basilares para a efetivação dos direitos fundamentais é o princípio da inafastabilidade da jurisdição, abrigado no art. 5º, XXXV, de nossa Constituição, segundo o qual “a lei não subtrairá à apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito”.

A partir dessa cláusula, é possível deduzir, de forma complementar, o direito à plena cognição da lide pelo Estado-juiz, definido como um “ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”27.

No juízo criminal, convém ressaltar, a cognição é a mais ampla possível, pois nele se busca a “verdade real”, bem distinta daquela “verdade formal”, que, muitas vezes, basta para encerrar um litígio cível.

Outro aspecto a sublinhar é que os juízes são adotados do poder geral de cautela consistente em uma competência, mediante o qual lhes é permitido conceder medidas cautelares atípicas, que não estão explicitadas em lei, sempre que estas se mostrarem necessárias para assegurar, nos casos concretos submetidos à jurisdição, a efetividade do direito buscado. Em outros termos, elas são cabíveis, no

26 – LEP - Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.27 – WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2000. pp. 58-59.

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dizer de Vicente Greco Filho, “quando houver, nos termos da lei, fundado receio de lesão grave e de difícil reparação”28.

O postulado da inafastabilidade da jurisdição é um dos principais alicerces do Estado Democrático de Direito, pois impede que lesões ou ameaças de lesões a direitos sejam excluídas da apreciação do Judiciário, órgão que, ao lado do Legislativo e do Executivo, expressa a soberania popular.

Trata-se de um verdadeiro marco civilizatório, que prestigia a justiça contra o força, sobretudo a moderação diante do arbítrio, na solução dos litígios individuais e sociais. Resulta de uma longa evolução histórica, em que se superou a concepção bíblica resumida na expressão “olho por olho, dente por dente”, materializada já no vetusto Código de Hamurabi.

A autotutela dos pretensos direitos dos ofendidos imperou durante séculos, até que se passou a entender que o exercício arbitrário das próprias razões constitui um ilícito quiçá mais grave do que aquele que se pretende remediar pela força.

Já na época dos antigos romanos, os litígios privados passaram a ser resolvidos pelos pretores, agentes do Estado especialmente preparados para tal função, tendo em conta a lei, a tradição e a jurisprudência.

Mesmo na Idade Média, os senhores feudais chamaram para si a solução dos litígios, de maneira a impedir que os envolvidos buscassem fazer “justiça” com as próprias mãos, causando a ruptura da paz social.

Mas a noção da inafastabilidade de uma jurisdição estatal independente surgiu apenas na Idade Contemporânea, momento em que se percebeu que o poder, inclusive o de dizer o direito, não é mais exercido em nome do monarca, segundo seus desígnios e interesses pessoais, por intermédio de aristocratas ou agentes reais, discricionariamente escolhidos.

Os magistrados, a partir de então, legalistas e independentes, escolhidos por processos mais transparentes, que se foram objetivando com o passar do tempo, começam a dizer o direito em nome do povo, aplicando, aos casos concretos, normas legais aprovadas in abstracto pelos representantes deste nos Parlamentos.

Desde esse momento os juízes passam a exercer, com exclusividade, “a função jurisdicional, sendo o seu compromisso ético somente com a justiça, envolvida por seus escopos e voltada para o bem comum”29.

12. Eficácia dos direitos fundamentaisSabe-se hoje, que os princípios constitucionais, longe de configurarem meras

recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e “positivamente vinculantes”, como ensina Gomes Canotilho30.

A sua inobservância, ao contrário do que muitos pregavam até recentemente, atribuindo-lhes uma natureza apenas programática, defl agra sempre uma consequência jurídica, de maneira compatível com a carga de normatividade que encerram.

28 – GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 3. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 171.29 – RULLI JUNIOR, Antônio. Universalidade da jurisdição. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 141.30 – CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992. p. 352.

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Independentemente da preeminência que ostentam no âmbito do sistema ou da abrangência de seu impacto sobre a ordem legal, os princípios constitucionais, como se reconhece atualmente, são sempre dotados de eficácia, cuja materialização pode ser cobrada judicialmente, se necessário.

Segundo assentei em sede acadêmica, os direitos individuais, institucionalizados há mais de trezentos anos, além de claramente exteriorizados, por meio de normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, encontram-se protegidos por uma série de garantias bem definidas, que pouco variam de um sistema jurídico para outro31.

Assim, contrariamente ao sustentado pelo acórdão recorrido, penso que não se está diante de normas meramente programáticas. Tampouco é possível cogitar de hipótese na qual o Judiciário estaria ingressando indevidamente em seara reservada à Administração Pública.

No caso dos autos, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção.

Nesse contexto, não há falar em indevida implementação, por parte do Judiciário, de políticas públicas na seara carcerária, circunstância que sempre enseja discussão complexa e casuística acerca dos limites de sua atuação, à luz da teoria da separação dos poderes.

13. Regras infraconstitucionais violadasAs condições escandalosamente degradantes em que se acham os presos em nosso

País, não apenas revelam situação incompatível com diversos preceitos da Carta Magna, em especial os contidos nos arts. 1º, III, e 5º, XLIX, conforme já apontei acima, como também se contrapõem a dispositivos legais específi cos sobre o assunto, a saber: os arts. 3º, 40, e 85, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP). Confi ra-se:

“Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.(...)Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.(...)Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades” (grifei).

Como se vê, a LEP, por meio dos dispositivos acima referidos, assegura aos condenados e internados em geral todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Impõe, ademais, a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos custodiados, inclusive, dos presos provisórios.

31 – LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. A proteção dos direitos humanos na ordem interna e internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 177.

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De outra banda, a Lei de Execução Penal prescreve, no caput de seu art. 88, que o condenado será alojado em cela individual integrada por dormitório, aparelho sanitário e lavatório. E, em seu parágrafo único, estabelece os requisitos mínimos de cada alojamento prisional, quais sejam: salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, compreendendo uma área mínima de 6,00 m2 (seis metros quadrados).

Mas não é só!A LEP prevê, ainda, que os estabelecimentos prisionais deverão ter lotação

compatível com a respectiva estrutura e finalidade, assentando, mais, que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP/MJ estabelecerá o limite máximo da capacidade destes.

Além disso, existem normas regulamentares constantes da Resolução nº 14 de 1994, do CNPCP/MJ, cuja competência encontra-se definida no art. 64 da LEP32, as quais devem ser obrigatoriamente respeitadas quanto aos presos.

A mencionada Resolução fixa as regras mínimas para o tratamento de presos no Brasil em seus arts. 1º, 3º, 7º, 8º, 9º, 10 e 13. Eis a sua redação:

“Art. 1°. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

32 – Art. 64. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito federal ou estadual, incumbe:

I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança;

II- contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;

III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País;

IV- estimular e promover a pesquisa criminológica;

V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor;

VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados;

VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal;

VIII - inspecionar e fi scalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento;

IX - a representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal;

X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal (grifei).

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(...)Art. 3°. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.(...)Art. 7°. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.Art. 8°. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.§ 1°. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.§ 2°. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação.Art. 10. O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo da sua visão;III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade;IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a frequência que exigem os princípios básicos de higiene.(...)Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo sufi ciente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso” (grifei).

Essas regras, como se sabe, jamais foram cumpridas.14. Normas internacionaisNão se ignora, por outro lado, que o art. 5º, § 2º, da Carta Magna consigna que

os direitos e garantias nela previstos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados em seu texto, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

Isso porque o sistema normativo de proteção aos direitos humanos contempla a complementariedade entre direito interno e o internacional. Conforme explica Fábio Comparato,

“(...) o sistema integrado de direitos humanos, nacional e internacional, comporta dois níveis: o do direito positivo e o do direito suprapositivo.

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No primeiro, situam-se os chamados direitos fundamentais, isto é, os direitos humanos declarados pelos estados, seja internamente em suas Constituições, seja internacionalmente por via de tratados, pactos ou convenções. A integração ao ordenamento nacional dos direitos fundamentais, declarados em tratados ou convenções internacionais, tende hoje a generalizar-se. A Constituição brasileira de 1988, como sabido, seguiu essa tendência, com a disposição constante de seu art. 5º, §2º.No nível suprapositivo, encontramos os direitos humanos que ainda não chegaram a positivar-se, mas que vigem, efetivamente, na consciência jurídica coletiva, nacional ou internacional”33.

Nesse ponto, observo que tampouco os direitos assegurados aos presos pelas normas internacionais são respeitadas.

Cito, brevemente, a título exemplificativo, algumas delas, a saber:

“DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, de 10 de dezembro de 1948.(...) Artigo 5Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.Artigo 6Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.(...)Artigo 8Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei” (grifei).

“PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS de 19 de dezembro de 1966, internalizado pelo DECRETO 592 de 6 julho de 1992(...)Artigo 7Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.(...)Artigo 101. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana” (grifei).

“CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, de 22 de novembro de 1969, internalizado pelo DECRETO 678 DE 6/11/1992(...)Artigo 5Direito à Integridade Pessoal1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

33 – Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-papel-do-juiz-na-efetiva%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 12/8/2015.

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2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.” (grifei).

Convém lembrar que essas normas, conforme decisão desta Suprema Corte, tomada no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, e 349.703/RS, Rel. Min. Ayres Britto, e dos Habeas Corpus 87.585/TO e 92.566/SP, ambos de relatoria do Min. Marco Aurélio, possuem natureza supralegal. Do trecho da ementa de um desses acórdãos consta peremptoriamente o seguinte:

“(...) o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”34.

Menciono, ainda, a existência das Resoluções 663 C (XXIV) e 2076 (LXII)35, aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas em 1957 e 1977, respectivamente, após a realização, em Genebra, do Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, em 1955, que estabelecem Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, dentre as quais:

“(...)9.1) As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.(...)10. As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.11. Em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem:a) As janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam ler ou trabalhar com luz natural, e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial;b) A luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar a vista.12. As instalações sanitárias devem ser adequadas, de modo a que os reclusos possam efetuar as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e decente.13. As instalações de banho e ducha devem ser sufi cientes para que todos os reclusos possam, quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou

34 – RE 349.703/RS.35 – Íntegra do documento disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-Administra%C3%A7%C3%A3o-da-Justi%C3%A7a.-Prote%C3%A7%C3%A3o-dos-Prisioneiros-e-Detidos.-Prote%C3%A7%C3%A3o-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-Desaparecimento/regras-minimas-para-o-tratamento-dos-reclusos.html> Acesso em 12/8/2015.

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ducha a uma temperatura adequada ao clima, tão frequentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.14. Todas as zonas de um estabelecimento penitenciário usadas regularmente pelos reclusos devem ser mantidas e conservadas sempre escrupulosamente limpas.15. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.16. Afim de permitir aos reclusos manter um aspecto correto e preservar o respeito por si próprios, ser-lhes-ão garantidos os meios indispensáveis para cuidar do cabelo e da barba; os homens devem poder barbear-se regularmente.17.1) Deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a todos os reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este vestuário não deve de forma alguma ser degradante ou humilhante.2) Todo o vestuário deve estar limpo e ser mantido em bom estado. As roupas interiores devem ser mudadas e lavadas tão frequentemente quanto seja necessário para manutenção da higiene.(...)19. A todos os reclusos, de acordo com padrões locais ou nacionais, deve ser fornecido um leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue, mantida em bom estado de conservação e mudada com a frequência suficiente para garantir a sua limpeza”.

Da mesma maneira como ocorre com as regras internas, nenhuma dessas normas internacionais às quais o Brasil aderiu no exercício de sua soberania vem sendo observadas pelas autoridades penitenciárias em nosso País.

15. Sanções da CIDH contra o BrasilRecordo, ainda, que, em consequência da reiterada violação aos direitos

humanos dos presos no Brasil, já foram ajuizados contra o País diversos processos perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos36. Dentre eles, o de maior repercussão é aquele que envolve a denúncia de mortes e maus-tratos de detentos no Presídio José Mário Alves da Silva, conhecido como “Urso Branco”, situado em Porto Velho/RO.

Tal caso é considerado internacionalmente um verdadeiro paradigma do descaso com que as autoridades brasileiras tratam do sistema penitenciário. No âmbito interno, rememoro, ele deu ensejo a pedido de intervenção federal no Estado nesta Suprema Corte37. Lamentavelmente, a situação do Urso Branco não é o único exemplo de crítica internacional à violação de direitos dos reclusos em nossas penitenciárias

A Corte Interamericana apreciou também a situação do Complexo do Tatuapé – FEBEM, em São Paulo/SP, da Penitenciária Dr. Sebastião Martins Silveira, em Araraquara/SP, e da Unidade de Internação Socioeducativa, em Cariacica/ES, determinando medidas a serem cumpridas pelo Estado brasileiro voltadas à proteção da vida e da integridade física dos reclusos e daqueles que trabalham ou frequentam aqueles estabelecimentos38.

36 – Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr>. Acesso em 12.08.2015.37 – IF 5.129/RO.38 – Para informações mais detalhadas ver: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/en/jurisprudencia>.

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Vale sublinhar, nesse passo, que, a partir do momento em que o Brasil adere a um tratado ou a uma convenção internacional, sobretudo àqueles que dizem respeito aos direitos humanos, a União assume as obrigações neles pactuadas, sujeitando-se, inclusive, à supervisão dos órgãos internacionais de controle, porquanto somente ela possui personalidade jurídica no plano externo.

Quanto a tal ponto vale trazer à baila a seguinte lição de Flávia Piovesan:

“(...) os princípios federativo e da separação dos Poderes não podem ser invocados para afastar a responsabilidade da União em relação à violação de obrigações contraídas no âmbito internacional. Como leciona Louis Henkin: ‘A separação dos poderes no plano nacional afeta a forma de responsabilização do Estado? No que se refere à atribuição de responsabilidade, não faz qualquer diferença se o órgão é parte do Executivo, Legislativo ou Judiciário. Não importa ainda se o órgão tem, ou não, qualquer responsabilidade em política internacional.(...)Estados Federais, por vezes, têm buscado negar sua responsabilidade em relação a condutas praticadas por Estados ou Províncias. Um Estado Federal é também responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes de tratados no âmbito de seu território inteiro, independentemente das divisões internas de poder. Exceções a esta regra podem ser feitas pelo próprio tratado ou em determinadas circunstâncias’”39 (grifei).

A própria possibilidade de federalização de violações aos direitos fundamentais, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional 45/200440, tem como escopo evitar a impunidade no combate às ofensas mais graves a esses valores, ao mesmo tempo em que reafirma o primado da dignidade humana como um dos pilares da República41.

16. Sujeição da matéria ao JudiciárioForçoso é concluir, que, diante do panorama até aqui exposto, o arcabouço

normativo interno (Constituição Federal, Lei de Execução Penal e demais atos normativos legais e regulamentares) e internacional (tratados e pactos assinados e internalizados pelo Brasil), na prática, configuram letra morta, ao menos com relação àqueles infelizes trancafiados nos cárceres de todo o País.

Assim, mostra-se no mínimo paradoxal a assertiva que consta do acórdão proferido pelo TJRS abaixo reproduzida:

39 – PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 299-300.40 – “Art. 109 – (...)

§ 5º - Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a fi nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.41 – Sobre o tema vide: CAZETTA, Ubiratan. Direitos humanos e federalismo: o incidente de deslocamento de competência. São Paulo: Atlas, 2009.

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“(...) fundado no princípio da discricionariedade, o Estado tem liberdade de dispor das verbas orçamentárias, de escolher onde devem ser aplicadas e quais obras deve realizar.E o Poder Judiciário, pergunto, cabe intrometer-se nas questões de governo, de programa de governo, de gestão, e impor ao Poder Executivo obrigação de fazer que importe gastos sem previsão orçamentária?Respondo pela negativa”.

Ora, salta aos olhos que, ao contrário do que conclui o mencionado aresto, existe todo um complexo normativo de índole interna e internacional, que exige a pronta ação do Judiciário para recompor a ordem jurídica violada, em especial para fazer valer os direitos fundamentais - de eficácia plena e aplicabilidade imediata - daqueles que se encontram, temporariamente, repita-se, sob a custódia do Estado.

A hipótese aqui examinada não cuida, insisto, de implementação direta, pelo Judiciário, de políticas públicas, amparadas em normas programáticas, supostamente abrigadas na Carta Magna, em alegada ofensa ao princípio da reserva do possível. Ao revés, trata-se do cumprimento da obrigação mais elementar deste Poder que é justamente a de dar concreção aos direitos fundamentais, abrigados em normas constitucionais, ordinárias, regulamentares e internacionais42.

A reiterada omissão do Estado brasileiro em oferecer condições de vida minimamente digna aos detentos exige uma intervenção enérgica do Judiciário para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes seja assegurada, não havendo margem para qualquer discricionariedade por parte das autoridades prisionais no tocante a esse tema.

Sim, porque, como já assentou o Ministro Celso de Mello, não pode o Judiciário omitir-se “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional” 43.

42 – SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, Direitos Sociais e Reserva do Possível. In: Revista Dialética de Direito Processual, n. 51, p. 90, jun. 2007.43 – ADPF 45-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello. Confi ra-se, a propósito, a ementa dessa decisão monocrática: “ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)’.

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Nessa senda, entendo ser de todo imprópria a alegação – no mínimo bizarra - veiculada pela União, na petição de fls. 455-485, segundo a qual

“(...) a distribuição de recursos entre as diferentes ações prestacionais realizadas pelo Estado refl ete não apenas a sua situação econômica em determinado momento histórico, mas também as diretrizes políticas defi nidas pelo governo da maioria.(...)O que se percebe é que, ao mesmo tempo em que assegurou aos presos o direito ao tratamento íntegro, a Carta Republicana negou-lhes o acesso direto ao embate democrático. Essa negativa parece assomar como o principal motivo pelo qual os condenados não conseguem influir nas decisões orçamentárias. E o alheamento desse momento decisório possivelmente está a penalizá-los com a falta de recursos para investimento na modernização do sistema carcerário. Forma-se, em torno do destino dos encarcerados, um círculo vicioso, a sentenciá-los não apenas com a segregação física, mas também com o exílio político, social e econômico”.

Essa assertiva, penso, dispensa maiores comentários. Felizmente, as minorias, nas sociedades democráticas, embora nem sempre contem com adequada representação política para a tutela de seus direitos e interesses, têm assegurado, em maior ou menor extensão, o acesso ao Judiciário, em que possam torná-los efetivos.

17. Intervenção judicial impostergávelComo acredito haver exposto, ainda que em singelas pinceladas, o

nosso histórico de inércia administrativa com relação à caótica situação dos estabelecimentos prisionais, bem como o lastimável desinteresse ou, até mesmo, a franca hostilidade da sociedade quanto a essa temática, permanentemente insuflada por uma mídia sensacionalista, permitem concluir que, se não houver uma decisiva ação judicial para corrigir tal situação, ela só tenderá a agravar--se, de maneira a tornar-se insustentável em poucos anos, como já antecipam as sangrentas rebeliões de presos, as quais de repetem, com macabra regularidade, em todas as unidades da federação.

Aqui vale consignar a pertinente provocação lançada por Rogério Greco, em obra destinada à reflexão acerca do assunto:

“Quando os telejornais mostram a situação carcerária, o sofrimento dos presos, amontoados em celas superlotadas, suplicando por melhora no sistema, será que essas cenas não têm o mesmo efeito espetacular que os suplícios que eram realizados em praça pública? Agora os locais públicos das execuções fazem parte do nosso lar. Não precisamos nos aprontar para sair de casa, afi m de assistir à execução do condenado. Podemos fazer isso sentados, confortavelmente, em nossos sofás”44.

Na verdade há uma grande maioria de pessoas, soi-dissant “de bem”, que simplesmente não deseja o regresso de tais indivíduos na sociedade.

Olvidam-se, contudo, que esse retorno, um dia, fatalmente ocorrerá. Por isso, não é mais possível adiar o necessário debate consistente em antecipar as medidas para

44 – GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação da liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 191.

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que os egressos do sistema prisional tenham a efetiva possibilidade de reinserção na vida social, seja ele travado por simples pragmatismo, quer dizer, baseado em considerações de segurança pública, seja ainda por mero espírito humanitário, isto é, motivado pelo benfazejo amor ao próximo.

18. Limites à prestação jurisdicionalNesse ponto, cumpre esclarecer que, não se está a afirmar que é dado ao

Judiciário intervir, de ofício, em todas as situações em que direitos fundamentais se vejam em perigo. Dito de outro modo, não cabe aos magistrados agir sem que haja adequada provocação ou fundados apenas em um juízo puramente discricionário, transmudando-se em verdadeiros administradores públicos.

Aos juízes só é lícito intervir naquelas situações em que se evidencie um “não fazer” comissivo ou omissivo por parte das autoridades estatais que coloque em risco, de maneira grave e iminente, os direitos dos jurisdicionados.

Em nenhum momento aqui se afirma que é lícito ao Judiciário implementar políticas públicas de forma ampla, muito menos que lhe compete “impor sua própria convicção política, quando há várias possíveis e a maioria escolheu uma determinada”45.

Não obstante, o que se assevera, com toda a convicção, é que lhe incumbe, em casos como este sob análise, exercer o seu poder contra-majoritário, oferecendo a necessária resistência à opinião pública ou a opções políticas que caracterizam o pensar de uma maioria de momento, flagrantemente incompatível com os valores e princípios básicos da convivência humana.

Conforme bem observado pelo representante do Parquet gaúcho (fl s. 420-423), o recorrido jamais contestou o péssimo estado de conservação do Albergue Estadual de Uruguaiana, o qual, inclusive, cumpre lembrar, acarretou a morte de um de seus detentos devido à deterioração de suas instalações elétricas.

19. Pretensa falta de verbasClara está, a meu sentir, a grave omissão por parte das autoridades

responsáveis pelo sistema prisional. Aponto, nesse sentido, que verbas para melhorá-lo não faltam. Apenas para ilustrar, registro que consta do sítio eletrônico do Ministério da Justiça, que, no âmbito federal, a principal fonte de recursos para financiamento das atividades de modernização e aprimoramento dos presídios brasileiros é o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN, gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN/MJ46.

45 – Idem, ibidem. p. 256.46 – Esse fundo é constituído por recursos da União arrecadados dos concursos de prognósticos, recursos confi scados ou provenientes da alienação de bens perdidos em favor da União Federal, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias transitadas em julgado, fi anças quebradas ou perdidas, e rendimentos decorrentes da aplicação de seu patrimônio. O programa perdeu importante uma fonte de custeio, as custas judiciais, devido à aprovação da Emenda Constitucional 45/2004. Informações disponíveis em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={C0BE0432-C046-47D6-916A-9A3CF77E3AF5}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7B962415EA-0D31-4F48-

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Segundo dados do próprio DEPEN, até 2013, por exemplo, foram investidos cerca de R$ 1.583.640.000,00 (um bilhão, quinhentos e oitenta e três milhões e seiscentos e quarenta mil reais) em construções, reformas ou ampliações em estabelecimentos penais, o que representaria, na projeção por ele realizada, a disponibilização de 52.340 (cinquenta e duas mil, trezentos e quarenta) novas vagas nos sistemas estaduais47.

Causa perplexidade que o referido Fundo tenha arrecadado, até junho de 2015, a considerável importância de R$ 2.324.710.885,64 (dois bilhões, trezentos e vinte e quatro milhões, setecentos e dez mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e sessenta e quatro centavos)48. E mais, saber que basta aos entes federados, para acessar essas verbas, que celebrem convênios com a União para executar projetos por eles mesmos elaborados e submetidos ao DEPEN.

O que, porém, causa verdadeira espécie é que o emprego dessas verbas orçamentárias mostrou-se decepcionante: até 2013, foram utilizados pouco mais de R$ 357.200.572,00 (trezentos e cinquenta e sete milhões, duzentos mil e quinhentos e setenta e dois reais). De um lado, em virtude do contingenciamento de verbas do Fundo, e, de outro, em face da inconsistência, mora ou falha na execução dos projetos concebidos pelos entes federados49.

A título ilustrativo, menciono, por oportuno, reportagens veiculadas nos portais de notícias “IG” e “G1”, as quais traziam, respectivamente, em 16/11/2013 e 30/1/2014, as seguintes manchetes: “Estados perdem R$ 135 milhões destinados a investimentos em presídios”50 e “Estados deixam de construir prisões e devolvem R$ 187 milhões à União”51, corroborando as impressões acima expostas.

Vê-se, pois, que, embora complexo, o problema prisional tem solução, especialmente quanto à disponibilidade de verbas, bastando que a União e os Estados conjuguem esforços para resolvê-lo, superando a sua histórica inércia ou, quem sabe, a persistente ausência de vontade política para atacá-lo de frente.

20. Prison reform cases nos EUAEm que pesem as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos no tocante ao

tipo de federalismo adotado e, consequentemente, aos modelos de organização judiciária, trago à colação, por oportuno, ainda que de forma panorâmica, os

ACAF-D9ED8FB27E6E%7D%3B&UIPartUID= %7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso em 12.08.2015.47 – Dados obtidos junto à Coordenação de Engenharia e Arquitetura do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça – Depen/MJ, em 30/6/2015.48 – Sobre as políticas penitenciárias capitaneadas pelo Depen/MJ, ver, especifi camente, http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2. Acesso em 30/6/2015.49 – Dados obtidos junto à Coordenação de Engenharia e Arquitetura do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça – Depen/MJ, em 30/6/2015.50 – Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-11-16/estados-perdem-r-135-milhoes-destinados-a-investimentos-em-presidios.html>. Acesso em 12.08.2015.51 – Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/01/estados-deixam-de-construir-prisoes-e-devolvem-r-187-milhoes-uniao.html>. Acesso em 12.08.2015.

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denominados prison reform cases norte-americanos, a saber, a série de intervenções pretorianas que gradualmente alteraram o sistema penitenciário daquele país52.

Nos Estados Unidos, até meados da década de 1960, vigorava a política do hands off era (ou doctrine) com relação ao writs impetrados pelo presos que alegavam a inadequação de suas condições de encarceramento53.

Diante disso, diferentes entidades de defesa de direitos humanos passaram a ajuizar ações coletivas (class actions) para enfrentar os graves problemas dos presídios norte-americanos.

Em resposta a elas, e tendo em conta o comando genérico contido na Oitava Emenda, que veda penas cruéis ou incomuns, diversas medidas saneadoras foram determinadas pelo Judiciário para a melhoria das condições carcerárias, não obstante a detecção de um óbice inicial, consistente na

“(..) ausência de padrões bem definidos para as prisões, havendo de desenvolver--se um conceito de estabelecimento prisional adequado, minudenciando-se em sede judicial desde o espaço mínimo das celas, passando-se pelos banhos diários, até a potência mínima da luz interna(...)”54.

Obviamente, não foi simples o processo em que se deu essa mudança de paradigma judicial, visto que envolveu discussões sobre a estrutura federal e o princípio da separação de poderes.

Lá, como cá, enveredou-se igualmente pelo debate sobre a possibilidade de o Judiciário imiscuir-se em temas relativos a políticas públicas. Mas essa última questão foi superada, valendo trazer à baila as inovadoras ponderações feitas por Malcolm Feeley e Edward Rubin, professores da Berkeley’s School of Law, da Califórnia, em obra específica sobre o tema:

“Cortes desempenham três interrelacionadas, mas distinguíveis funções: determinam fatos, interpretam textos legais de grande autoridade, e realizam novas políticas públicas. As duas primeiras funções são familiares, porém a terceira é carregada com a força da blasfêmia”55.

O que se verificou foi que, em determinado momento, o Judiciário norte--americano, quando confrontado com a prática de violações aos direitos dos presos, lançou mão de princípios morais e constitucionais genéricos para, ante a ausência de lei ou de precedentes judiciais, criar uma nova doutrina para solucionar os problemas das prisões56 .

52 – Sobre o tema ver: FEELEY, Malcolm e RUBIN, Edward. Judicial policy making and the modern state: how the courts reformed America’s prisons. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1998. Confi ra-se também GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003. pp. 173 e ss.53 – Postura de resistência quanto à intromissão do Judiciário dos EUA em matéria que considerava sujeita à discricionariedade da Administração.54 – GALDINO, Flávio. Estudos sobre a adequação do sistema de litigância dos prison reform cases norte-americanos ao direito brasileiro. In: Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro, v. 6, 2006. p. 73.55 – FEELEY, Malcolm e RUBIN, Edward. Op. cit. p. 1 (tradução livre).56 – GOUVÊA, Marcos Maselli. Op. cit. p. 181.

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Como relatado pelos referidos especialistas:

“De repente, os abusos físicos dos prisioneiros, as miseráveis condições e a intolerável superlotação, a carência de cuidados médicos (...)forçou uma ação decisiva. Todas essas condições existiram por um século, claro, o que mudou de repente, em 1965, foi a percepção do judiciário sobre elas57 (grifei).

Mais recentemente, em 2011, a orientação traçada na jurisprudência formada a partir de tal doutrina também pôde ser percebida no caso Brown v. Plata. A Suprema Corte americana, em votação majoritária, tendo igualmente por fundamento a Oitava Emenda, assentou o seguinte entendimento, consubstanciado na opinião do Justice Kennedy:

“A assistência médica e mental fornecidos pelas prisões da Califórnia cai abaixo do padrão de decência que é inerente à Oitava Emenda. Esta extensa e contínua violação constitucional exige um remédio, e um remédio não será alcançado sem uma redução na superlotação. O alívio ordenado pelo tribunal de três juízes é exigido pela Constituição e foi autorizado pelo Congresso no PLRA [Prison Litigation Reform Act]. O Estado deve implementar a ordem, sem mais delongas” 58.

Assim começou a reforma do sistema prisional dos EUA, que continua até os dias de hoje, com base em determinações judiciais, amparadas apenas em princípios de natureza moral e numa vaga proibição constitucional que proíbe sanções atrozes.

21. Bases para as decisões judiciaisVali-me acima do direito comparado como um estímulo à ação do Judiciário

pátrio, pois, no caso dos EUA, muito embora inexistisse qualquer legislação que desse amparo aos encarcerados, lá operou-se toda uma revolução no sistema prisional a partir de decisões pretorianas.

No Brasil, contudo, é importante salientar, temos uma clara vantagem em relação àquele histórico: há toda uma sorte de instrumentos normativos aptos a assegurar essa proteção.

Em outras palavras o Judiciário, aqui, não precisa partir do zero, construindo uma doutrina com base em princípios morais ou valores abstratos, eis que temos, repito, um robusto conjunto normativo, tanto no âmbito nacional como no internacional, que dá ampla guarida à ação judicial voltada à proteção dos direitos dos presos.

Ainda que elas não existissem, bastaria para autorizar a intervenção do Judiciário, nessa seara, a sistemática violação ao princípio da dignidade humana, somada ao conceito mais do que assentado na criminologia de que a finalidade das

57 – FEELEY, Malcolm e RUBEN, Edward. Op. cit. p. 160 (tradução livre).58 – “The medical and mental health care provided by California’s prisons falls below the standard of decency that inheres in the Eighth Amendment. This extensive and ongoing constitutional violation requires a remedy, and a remedy will not be achieved without a reduction in overcrowding. The relief ordered by the three-judge court is required by the Constitution and was authorized by Congress in the PLRA. The State shall implement the order without further delay”.

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sanções penais consiste primacialmente em promover a ressocialização do cidadão que violou a lei.

Transcrevo, a título ilustrativo, trecho da ementa do HC 94.163/RS. Rel. Min. Carlos Brito, na qual a Primeira Turma desta Corte deixou assentado que

“(...) a Lei 7.210/84 institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isto para favorecer, sempre que possível, a redução das distâncias entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros.(...)2. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como fraterna’ (...)” (grifei).

Em face desse julgado, creio que mais não é preciso acrescentar sobre esse candente tema.

22. Parte dispositivaAnte o exposto e o mais que consta dos autos, sobretudo tendo em conta o

princípio da inafastabilidade da jurisdição, dou provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fim de que se mantenha a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau.

A tese de repercussão geral que proponho seja afirmada por esta Suprema Corte é a seguinte: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”.

É como voto.

APARTEMin. Celso de Mello – O que Vossa Excelência expõe, Senhor Presidente,

constitui típica hipótese que se traduz em desvio ou excesso de execução, que configura, em face de sua patente ilicitude, situação desautorizada pela própria Lei nº 7.210/84 (LEP), cujo art. 185 prescreve que “Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares” (grifei).

Não é por outro motivo que o Poder Judiciário tem reagido a tal situação, garantindo ao condenado o direito de permanecer em regime penal menos gravoso até que sobrevenha vaga em estabelecimento adequado para o cumprimento da pena

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no regime defi nido em decisão judicial, como resulta da jurisprudência dos Tribunais (RT 609/325 – RT 613/319 – RT 645/285 – RT 669/371 – RT 672/312 – RT 679/332 – RT 728/552 – RT 735/516 – RT 759/627, v.g.), inclusive daquela emanada do Supremo Tribunal Federal:

“CRIMINAL. Regime prisional. Constrangimento ilegal consistente na permanência no regime fechado, mesmo após beneficiado com a progressão para o regime semi-aberto. Ordem concedida para que seja providenciada a imediata remoção do paciente para estabelecimento penal destinado ao regime semi-aberto.”(RTJ 129/1153, Rel. Min. CARLOS MADEIRA – grifei)

“‘HABEAS CORPUS’ – SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA, AO RÉU. O DIREITO AO REGIME PENAL SEMI-ABERTO – IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COMPETENTE DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO DESSA MEDIDA – DETERMINAÇÃO, PELO MAGISTRADO LOCAL, DE RECOLHIMENTO DO CONDENADO A QUALQUER ESTABELECIMENTO PRISIONAL DO ESTADO, MESMO ÀQUELE DE SEGURANÇA MÁXIMA, ATÉ QUE O PODER PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO REGIME PENAL SEMI-ABERTO (COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA E/OU INDUSTRIAL) – INADMISSIBILIDADE – AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO SENTENCIADO – HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO – PEDIDO DEFERIDO.– O inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impostas pela Lei de Execução Penal não pode repercutir, de modo negativo, na esfera jurídica do sentenciado, frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos subjetivos a ele assegurados pelo ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de execução (LEP, art. 185).Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos – como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na sentença, o cumprimento da pena em regime menos gravoso – venha a ser impossibilitado por notórias deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal.– Consequente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a superveniência de vagas em colônia penal agrícola e/ou industrial, embora a ele já reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semi-aberto.– ‘Habeas corpus’ concedido, para efeito de assegurar, ao sentenciado, o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público torne efetivas, material e operacionalmente, as determinações (de que é o único destinatário) constantes da Lei de Execução Penal.”(HC 93.596/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale rememorar, Senhor Presidente, ante a terrível realidade cotidiana que afeta nosso sistema penitenciário e compromete, até mesmo, a própria função ressocializadora da pena, que os Tribunais em geral, na hipótese que venho de referir, têm reconhecido que, “concedido o regime inicial semi-aberto, não é dado impor a permanência do condenado em regime fechado, à espera de vaga em

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estabelecimento adequado àquele menos severo que lhe foi deferido na sentença” (HC 76.930/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

É nesse sentido que se tem orientado o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 127/926, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – RTJ 133/793, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 167/185-186, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC 87.985/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 65.127/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA) e, ainda, do Superior Tribunal de Justiça (RT 669/371 – RT 735/516 –HC 13.526/SP, Rel. Min. VICENTE LEAL, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 34/309 – HC 13.897/SP, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, “in” Boletim IBCCRIM nº 99/517, Ano 8, fevereiro/2001 – HC 48.629/MG, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – HC 66.806/MG,Rel. Min. GILSON DIPP – REsp 574.511/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA – RHC 18.802/MG, Rel. Min. NILSON NAVES, v.g.).

Em uma palavra, Senhor Presidente: a criação pretoriana da progressão “per saltum” exprime a posição do Poder Judiciário em face do crônico descumprimento, pelo Poder Executivo, do que estabelece e determina a Lei de Execução Penal.

Min. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – É verdade.Eminente Decano, eu agradeço a Vossa Excelência. Vossa Excelência está

trazendo um argumento preciosíssimo, que não havia considerado em meu voto. Quer dizer, a intervenção judicial, segundo Vossa Excelência muito bem coloca, neste caso, vai além de simplesmente determinar obras para garantir a incolumidade física. Está mesmo é impedindo um excesso de execução, porque é claro o excesso de execução.

Min. Celso de Mello – O excesso de execução, na realidade, Senhor Presidente, nada mais é do que a expressão do inaceitável comportamento ilícito do Estado na execução da pena.

Min. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – Agradeço a Vossa Excelência.Então, salto essa parte da ressocialização, porque Vossas Excelências

conhecem muito bem todas essas teorias que foram desenvolvidas ao longo de, pelo menos, dois séculos nesse sentido.

ESCLARECIMENTOMina. Cármen Lúcia – Presidente, eu gostaria de fazer uma indagação, se

Vossa Excelência me permitir, à Advogada, só para efeito de informação.O Ministro Celso de Mello, nosso Decano, chama a atenção, não poucas vezes,

para o art. 203 da Lei de Execução Penal. Apenas para lembrar, essa legislação, que é de 1984, estabelece que:

“No prazo de 6 (seis) meses, a contar da publicação desta Lei, serão editadas as normas complementares ou regulamentares, necessárias à eficácia dos dispositivos não auto-aplicáveis.

§ 1º Dentro do mesmo prazo deverão as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta Lei.

§ 2º Também, no mesmo prazo, deverá ser providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de casas de albergados. (...)

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§ 4º O descumprimento injustifi cado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará na suspensão de qualquer ajuda fi nanceira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança”.

O Ministro Celso de Mello cansa de citar isso, inclusive fazendo remissão ao que constava dos motivos desse projeto.

A minha pergunta, Senhora Advogada, é, basicamente, pelo menos nesses últimos tempos em que Vossa Excelência comparece, com tanta efi ciência, como Secretária de Contecioso da Advocacia-Geral da União, se há notícias do cumprimento desse artigo; e se, em algum momento, a União deu cumprimento a esse § 4º.

Sra. Grace Maria Fernandes Mendonça (Advogada) – Há notícia, sim, Senhora Ministra. Eu não teria os dados, mas poderia me comprometer a repassá--los. O Ministério da Justiça, inclusive, informa que, basicamente, os recursos são repassados através de convênios. Em algumas hipóteses, os convênios efetivamente são cumpridos; em outras, não – especificamente para reforma, ampliação. Todas as medidas a cargo do Ministério da Justiça são tomadas quando não há o cumprimento desses convênios, inclusive, com a suspensão de transferências de novos recursos. Eu poderia depois até apresentar os dados, mas o Ministério da Justiça promove, sim, o cumprimento do comando legal. E o que há – aproveitando até a pergunta para esclarecer – é que especificamente, até quando do cumprimento, suspendendo outras transferências de recursos em torno exatamente desse tema, muitas unidades da Federação obtêm decisões liminares que autorizam que elas sejam excluídas de qualquer tipo de restrição, mesmo quando a violação se dá por não se aplicar aquele recurso que foi apresentado, que foi destinado para a ampliação e reforma de presídios, e houve um desvio do recurso, aplicando-o em outras áreas de atuação do Estado que não essa específica que foi objeto do convênio.

Mina. Cármen Lúcia – Muito obrigada.Estou satisfeita, Presidente.

ANTECIPAÇÃO AO VOTOMin. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – Eu, embora não estivesse

fisicamente presente, estava na sala ao lado e assisti às sustentações orais. Gostaria de cumprimentar a Doutora Grace, como sempre tem um desempenho extraordinário na tribuna do Supremo e cumprimentar também o Doutor Luis Carlos Kothe Hagemann.

Digo, como todo respeito, antes de iniciar o meu voto, que eu tenho viajado por este Brasil, conheço praticamente todas as unidades prisionais do entes federados, e mesmo várias federais, e posso afi rmar de público a minha perplexidade absoluta no sentido do péssimo estado de conservação que estão esses presídios, essas unidades prisionais. Eu lamento dizer que vejo que não há qualquer política, seja ela por parte do Governo federal, seja por parte dos entes federados. Já houve uma importante autoridade, do próprio Executivo, que designou a situação dos presídios brasileiros como verdadeiras masmorras medievais. Portanto, a situação é caótica. Nós temos hoje seiscentos mil presos no Brasil, dos quais quarenta por cento são

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presos provisórios. Nós somos o quarto país que mais prende pessoas no mundo, depois dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Nós realmente temos uma situação, nesse aspecto, insustentável, porquanto temos uma falta de cerca de duzentas e cinquenta mil vagas. Nada, absolutamente nada é feito para melhorar esta questão. Os nossos presídios são verdadeiros depósitos de seres humanos.

Quero dizer que trago dados no meu voto, que distribuí – mas não vou ler, porque vou fazer aqui um resumo –, que, segundo informações hauridas no site do Ministério da Justiça, até junho de 2015, o Fundo Penitenciário havia arrecadado R$ 2.324.710.885,64 (dois bilhões trezentos e vinte e quatro milhões, setecentos e dez mil oitocentos e oitenta e cinco reais e sessenta e quatro centavos). Esse dinheiro, pasmem as senhoras e os senhores, está contingenciado – não pode ser usado. Existe a previsão de que os entes federados podem celebrar convênios com a União para executar projetos, mas não há projetos, não há convênios. Essa verba não é utilizada; ou seja, não há vontade política para resolver este problema.

E já adiantando a direção do meu voto, ou o Judiciário, impulsionado pelo Ministério Público ou pela sociedade civil, mediante ações civis públicas, começa a intervir de modo, ainda que modesto, nessa realidade trágica que nós enfrentamos. E aliás trago também no meu voto aqui condenações da Corte Internacional de Direitos Humanos, sediada em São José da Costa Rica, em que nós somos instados, por uma Corte Interamericana, portanto, supranacional, a promover medidas corretivas urgentes em vários presídios do País, e nada é feito.

Então, penso, data venia, com o máximo respeito, que é chegada a hora de o Poder Judiciário realmente fazer jus às elevadas competências que a Constituição lhe outorga e, realmente, assumir o status de um Poder do Estado, sobretudo quando os demais Poderes – sobretudo o Poder Executivo, com todo o respeito – estão absolutamente omissos no que diz respeito à questão dos presídios.

O caso aqui sob análise é singelíssimo. O juiz foi modestíssimo no que diz respeito à determinação que fez ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, porque o albergue estadual de Uruguaiana está em situação de absoluta de inabitabilidade; e um preso inclusive morreu por eletrocussão; uma situação, os telhados caindo, umidade, esgoto a céu aberto; o juiz deu prazo de seis meses para corrigir essa situação. Se tivesse sido mais drástico, ele teria interditado o presídio, aí, sim, é que a situação ficaria insustentável.

Então, feitas essas considerações, que faço até com certo ar de desabafo, porque, eu, como Presidente do CNJ, tenho acompanhado essa situação. Nós estamos minorando esses problemas na medida que estamos instituindo – já instituímos em dez Estados, e até outubro instituiremos nos vinte e sete Estados da Federação, vinte e seis mais o Distrito Federal – as audiências de custódia em que, pela primeira vez, desde de 1992, quando o Pacto de São José da Costa Rica foi internalizado no Brasil, nós estamos fazendo com que o Estado cumpra aquele dispositivo, desse Pacto, que obriga que qualquer cidadão preso em flagrante seja apresentado ao juiz em 24 horas. E, com isso, nós temos conseguido já uma média de 50% de decisões que determinam a liberdade provisória daqueles apresentados no prazo de 24 horas. Com um bônus adicional, porque o juiz vê ictu oculi se o flagranciado foi torturado, se sofreu sevícias, se foi maltratado. Então, o Judiciário

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está começando a assumir as suas responsabilidades. E eu, data venia, entendo que, neste caso, também é chegada a hora de nós, enfim, cumprirmos com os nossos deveres constitucionais.

Min. Edson Fachin – Senhor Presidente, eminente Relator, ilustres Pares, quero inicialmente cumprimentar Vossa Excelência pelo exame que fez de uma questão tão candente e relevante, especialmente à luz da Constituição, fruto de um pacto político e jurídico de uma comunidade de pessoas livres e iguais, que também devem preservar por todos os seus Pares, inclusive por aqueles que se encontram encarcerados.

Nesse sentido, ao cumprimentar o voto, subscrevo as premissas das quais Vossa Excelência partiu e, em relação ao caso concreto, não tenho dúvida alguma em acompanhar o desfecho pelo provimento do recurso, até porque – se Vossa Excelência me permite – eu estou a notar que a sentença de 02.07.2007 da Comarca de Uruguaiana fixou em seis meses para a realização daquelas obras.É bem verdade que o termo inicial fixado na decisão foi do trânsito em julgado, mas eu estou certo de que os Poderes Públicos não estão apenas esperando trânsito em julgado para cumprir a Constituição. E em relação ao caso em si mesmo, passados oito anos, espera-se que a situação de fato tenha realmente se alterado.

Faço apenas uma consideração em sentido amplo a partir da tese proposta, Senhor Presidente, eminente Relator. O fi nal da tese proposta se refere à reserva do possível com um argumento que não obstaria decisão judicial, nem mesmo o princípio da independência dos Poderes. Tenho para mim que o juiz não legisla, não é executor de políticas públicas, mas não há de ser omisso. O equilíbrio entre a omissão e o ativismo se encontra precisamente na direção do voto que Vossa Excelência aponta. Nada obstante, colho, da própria manifestação do Ministério Público Federal, que, em determinadas condições, sob motivos justifi cáveis e objetivamente expostos, a cláusula da reserva do possível há de ter a sua dignidade jurídica ponderada. Ademais, afastar o princípio da separação dos Poderes numa tese de enunciação de repercussão geral, parece-me uma hipertrofi a.

Se Vossa Excelência me permite, do ponto de vista da enunciação da tese, entendo que, à luz do que sugere o Ministério Público, a cláusula ou a reserva do possível somente seria oponível se objetivamente verifi cado o justo motivo que tenha sido suscitado. Sugeriria, na redação da tese, quando esse debate chegar no momento oportuno, mas me permito – se Vossa Excelência adentrar à própria formulação da tese, que reputo extremamente pertinente e coerente com as premissas do voto – na dicção, tal como proposto: é lícito ao Judiciário impor à Administração Pública a obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito a sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal – até aí acompanhamos a proposição de Vossa Excelência –; e a frase a seguir, Vossa Excelência formulou dizendo: não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível, nem o princípio de separação dos Poderes. Eu tomaria a liberdade de suscitar uma redação nos termos afi rmativos, ou seja: sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível

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somente em decorrência de justo motivo, objetivamente aferido, colocaria um ponto e não me referiria ao afastamento do princípio da reserva dos Poderes. E por que estou a dizer isso e concluo a minha breve intervenção?

Acompanho, como já disse, reiterando todas as premissas e a direção do voto de Vossa Excelência. Por outro lado, é preciso também termos presente que o magistrado não pode, nem pretende, nem deve pretender substituir o gestor público, mas pode compelir, através de medidas eficazes, à luz das escolhas políticas do gestor público, seja cumprido o programa constitucional vinculante, que compreende precisamente a dignidade dos que estão encarcerados.

Dessa forma, com essa singela sugestão, tenho a honra em acompanhar o voto de Vossa Excelência.

Min. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – Ministro Fachin, Vossa Excelência enriquece, com suas ponderações, o meu modesto voto, e, desde logo, quero dizer que não tenho nada a opor a essa formulação. Creio que essa formulação é mais adequada realmente. Eu imaginei que, quando estava no início da formulação da tese, referindo-me apenas a medidas emergenciais, essa minha parte final poderia eventualmente ser tolerada dentro do contexto do voto. Mas eu acredito que a formulação de Vossa Excelência, no que diz respeito à parte final da tese, é perfeitamente compatível com aquilo que eu penso.

VOTOMin. Edson Fachin – Trata-se de Recurso Extraordinário interposto contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja ementa se transcreve:

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE REALIZAÇÃO DE OBRAS EM PRESÍDIO. DECABIMENTO. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO.Preliminar:O pedido não é juridicamente impossível, porquanto não lhe veda expressamente a ordem jurídica.Mérito:O texto constitucional dispõe sobre os direitos fundamentais do preso, sendo certo que as precárias condições dos estabelecimentos prisionais importam ofensa à sua integridade física e moral. A dificuldade está na técnica da efetivação desses direitos fundamentais.É que diversa a carga de eficácia quanto se trata de direito fundamental prestacional proclamado em norma de natureza eminentemente programática, ou quando sob forma que permita, de logo, com ou sem interposição legislativa, o reconhecimento de direito subjetivo do particular (no caso do preso), como titular do direito fundamental.Aqui o ponto: saber se a obrigação imposta ao Estado atende norma constitucional programática, ou norma de natureza imposivita (sic).Vê-se às claras, que mesmo não tivesse ficado no texto constitucional senão que também na Lei das Execuções Criminais, cuida-se de norma de cunho programático. Não se trata de disposição auto-executável, apenas traça linha geral de ação ditada ao poder público.Para além (sic) disso, sua efetiva realização apresenta dimensão econômica que faz depender da conjuntura; em outras palavras, das condições que o Poder Público, como

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destinatário da norma, tenha de prestar. Daí que a limitação de recursos constitui, na opinião de muitos, no limite fático à efetivação das normas de natureza programática.É a denominada ‘reserva do possível’.Pois a ‘reserva do possível’, no que respeita aos direitos de natureza programática, tem a ver não apenas com a possibilidade material para sua efetivação (econômica, financeira, orçamentária), mas também, e por conseqüência, com o poder de disposição de parte do Administrador, o que imbrica na discricionariedade, tanto mais que não se trata de atividade vinculada.Ao Judiciário não sabe determinar ao Poder Executivo a realização de obras, como pretende o Autor Civil, mesmo pleiteadas a título de direito constitucional do preso, pena de fazer às vezes de administrador, imiscuindo-se indevidamente em seara reservada à Administração.Falta aos Juízos, porque situados fora do processo político-administrativo, capacidade funcional de garantir a efetivação de direitos sociais prestacionais, sempre dependentes de condições de natureza econômica ou financeira que longe estão dos fundamentos jurídicos.”

No Recurso Extraordinário, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, preliminarmente, alega a repercussão geral da matéria, tendo em vista a violação dos direitos fundamentais do preso e do princípio da dignidade humana. Também afirma o prequestionamento do disposto no artigo 5º, XLIX e art. 1º, III, ambos da Constituição Federal.

No tocante ao mérito, requer a reforma da decisão colegiada, pois teria sido desconsiderada a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Acrescenta que impossibilidade de ordem orçamentária não pode servir de justificativa para a não efetivação desses direitos, assim como deve ser observada a vinculação do Poder Público quanto à implementação de políticas públicas nesta seara.

Pondera que não há ofensa ao princípio da separação de poderes na apreciação da questão pelo Poder Judiciário, pois esse Poder também seria “Estado” e o texto constitucional garante o acesso à prestação jurisdicional como direito fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Disto decorre que a atuação do Judiciário – como Estado na espécie – apenas tornaria efetivo o dever constitucional de garantir a integridade física e moral dos presos.

Pede, por fim, a reforma integral do acórdão, provendo o recurso extraordinário a fim de compelir o Estado do Rio Grande do Sul a realizar, no prazo de seis meses, obras de reforma geral no Albergue Estadual de Uruguaiana.

Não foram apresentadas contrarrazões (doc. 4).Foram admitidos como amici curiae os Estados do Acre, Amazonas, Espírito

Santo, Minas Gerais, Piauí, Rondônia, Bahia, Roraima, Amapá, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal (doc. 05), Rio de Janeiro (doc. 06), São Paulo (doc. 12), Pará (doc. 14).

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou memorial (doc. 20) a fim de contribuir para o deslinde do feito. Alega que o quadro verificado no sistema prisional brasileiro deve-se à ausência de vontade/conveniência política e pelo senso coletivo de “justiça” que “coloca ao sopé das listas de prioridades a implementação de condições minimamente dignas para o cumprimento de penas privativas de liberdade”. (pág. 5, doc. 20). Afirma, ainda, a existência de recursos

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financeiros dos fundos penitenciários para implementação das obras necessárias. Conclui que a falta de opção política para tanto abre a possibilidade de atuação do Poder Judiciário “em suplementação ao Executivo quando esse não age em atenção a postulados de observância obrigatória derivados da Carta Magna por razões injustificada”. (pág. 6, doc. 20)

Em parecer (doc. 18), o Procurador-Geral da República opina pelo provimento do recurso extraordinário. Por didática e elucidativa, transcrevo a ementa da mencionada peça:

“CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 220. SISTEMA PRISIONAL. RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS. DIREITO FUNDAMENTAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. RESERVA DO POSSÍVEL. DEVER DE O ESTADO GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ESTATAL. DETERMINAÇÃO AO EXECUTIVO DE OBRAS EM ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS.1. A designação do problema como ‘controle judicial de políticas públicas’ pode levar à conclusão da ilicitude de intervenção judicial no caso, sem se demonstrar antes a premissa de que o tema não é jurídico, mas político, e, portanto, entregue apenas aos órgãos de representação popular. Existência de direito fundamental eventualmente desrespeitado por ação ou omissão estatal torna jurídica a questão.2. É impossível adotar soluções absolutas em todas as questões atinentes a direitos fundamentais. A diferença de densidade dos programas e dos domínios normativos dos direitos fundamentais brasileiros é obstáculo à generalização de conclusões para sua concretização, por meio da transposição de precedentes. É necessário construir casuística graduada e adequada à espécie de direito fundamental em causa.3. Há equívoco em subsumir o direito à integridade física e moral dos presos, previsto no art. 5º, XLIX, da Constituição da República, à categoria dos direitos sociais, a cuja realização se opõem restrições discricionariedade política e de reserva do possível. Esse direito fundamental é direito de defesa, malgrado eventualmente uma de suas consequências jurídicas– secundárias– seja o deferimento de prestação estatal. Deve preponderar o critério material, em detrimento do formal, na classificação dos direitos fundamentais brasileiros: direito de defesa visam à garantia jurídica da liberdade, mediante omissões do Estado, ao passo que direitos sociais promovem igualdade de fato entre pessoas, para que as menos aquinhoadas possam desfrutar de liberdade jurídica, por meio de prestações jurídicas ou materiais do Estado.4. Uma vez que os presos não possuem, por definição, liberdade de fato, mas apenas limitado raio de liberdade jurídica, sua integridade recai no âmbito dos direitos de defesa.5. Ao contrário dos direitos a prestações, cuja implementação estatal se satisfaz por qualquer das opções adequadas adotadas pelo legislador ou pelo administrador, direitos de defesa somente são respeitados caso o Estado se abstenha de todos comportamentos capazes de suprimi-los ou de lesá-los. Não cabe falar, aí, de discricionariedade legislativa ou executiva no fornecimento de condições materiais que atendam ao art. 5º, XLIX, da CR.6. Possui aplicabilidade imediata o direito fundamental ao respeito à integridade física e moral dos cidadãos presos (art. 5º, XLIX e § 1º). O estado do sistema

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carcerário brasileiro fere a ordem constitucional e deveres convencionais e legais do Brasil.7. Não cabe aplicação da cláusula da reserva do possível que resulte em negativa de vigência de núcleo essencial de direito fundamental. O Estado deve garantir proteção do mínimo existencial do direito fundamental de respeito à integridade física e moral dos presos. Núcleo essencial intangível a ser assegurado, independentemente de condições adversas, limites financeiros ou colisão com outros direito fundamentais.8. Tem legitimidade o Poder Judiciário para determinar adoção de políticas públicas que garantam intangibilidade do mínimo existencial do direito fundamental ao respeito à integridade física e moral dos presos, como reforma, ampliação e construção de estabelecimentos prisionais, em caso de omissão dos entes estatais. Precedentes.9. Parecer pelo provimento do recurso extrao rdinário.”

É, em suma, o relatório. Voto.

• Premissa: o que é uma Constituição? / o que uma Constituição constitui?A promulgação da Constituição da República de 1988 inaugurou uma nova

ordem político-jurídica no Brasil. A partir de 05 de outubro de 1988, a Constituição deixou de ser compreendida apenas como mero documento político organizador do estado e repartidor de competências, passou a ser compreendida como um projeto de construção nacional, com princípios (art. 3) e objetivos (art. 4) expressos, prevendo um rol de direitos e garantias fundamentais (art. 5 ao art. 17), redefinindo a organização e separação entre os Poderes. Dessa forma, a questão central a partir de 1988 deixou de ser “o que é uma constituição”, e passou a ser “o que uma constituição constitui”. E a Constituição de 1988 não mais um mero documento organizador do poder do Estado, mas sim o compromisso fundamental de uma comunidade de pessoas que se reconhecem reciprocamente como livres e iguais1. Uma comunidade que deve, portanto, se preocupar inclusive com seus concidadãos presos, encarcerados, mas não por isso menos dignos de igual respeito e consideração.

- O direito fundamental de proteção à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX)

Partindo dessa premissa e cotejando-a com o presente caso, a questão central a ser analisada no presente Recurso Extraordinário diz respeito ao conteúdo normativo do direito à integridade física e moral do preso, consoante o disposto no art. 5º, XLIX, da Constituição da República, bem como aos limites e possibilidades de atuação do Poder Judiciário, em conformidade com o princípio da separação de poderes insculpido no art. 2º do Texto Constitucional.

O conteúdo normativo do artigo 5º, XLIX, consiste na proteção e garantia da saúde física e moral do preso. Vale dizer, é dever do Estado garantir que as

1 – NETO, Menelick de Carvalho; SCOTTI, Guilherme. Os Direitos Fundamentais e a (In)Certeza do Direito – A produtividade das Tensões Principiológicas e a Superação do Sistema de Regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 19-20.

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condições de encarceramento sejam dignas, de tal forma que suas condições de saúde física e moral sejam bem protegidas. Tal previsão é densificada e pormenorizada em normas infraconstitucionais que não são novas e de há muito conhecidas pelos Estados.

Nesse sentido, é de se destacar que as condições em que a execução penal deve transcorrer encontram-se expressas na Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, cujos art. 1º e 3º bem sintetizam seu conteúdo:

“Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”“Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.”

Ao dispor sobre o alojamento do preso em cela individual em penitenciária, diz o art. 88, da LEP:

“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).”

Esses parâmetros devem ser observados ainda na penitenciária feminina (art.89), na Colônia Agrícola, Industrial ou Similar (art. 92), em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (art. 99, parágrafo único), bem como na hipótese de isolamento como sanção disciplinar (art. 53, IV) e cadeia pública (art. 104).

A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal assim explica sua essência:

“19. O princípio da legalidade domina o corpo e o espírito do Projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal.20. É comum, no cumprimento das penas privativas da liberdade, a privação ou a limitação de direitos inerentes ao patrimônio jurídico do homem e não alcançados pela sentença condenatória. Essa hipertrofia da punição não só viola a medida da proporcionalidade como se transforma em poderoso fator de reincidência, pela formação de focos criminógenos que propicia.(...)65. Tornar-se-á inútil, contudo, a luta contra os efeitos nocivos da prisionalização, sem que se estabeleça a garantia jurídica dos direitos do condenado.67. A norma do art. 39, que impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios, reedita a garantia constitucional que integra a Constituição do Brasil desde 1967.68. No estágio atual de revisão dos métodos e meios de execução penal, o reconhecimento dos direitos da pessoa presa confi gura exigência fundamental.(...)

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74. A declaração desses direitos não pode conservar-se, porém, como corpo de regras meramente programáticas. O problema central está na conversão das regras em direitos do prisioneiro, positivados através de preceitos e sanções.75. O Projeto indica com clareza e precisão o repertório dos direitos do condenado, a fim de evitar a fluidez e as incertezas resultantes de textos vagos ou omissos: alimentação suficiente e vestuária; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, quando compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos; chamamento nominal; igualdade de tratamento; audiência com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade em defesa de direito; contato com o mundo exterior através de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação (art. 40).76. Esse repertório, de notável importância para o habitante do sistema prisional, seja ele condenado ou preso provisório, imputável, semi-imputável ou inimputável, se harmoniza não somente com as declarações internacionais de direitos mas também com os princípios subjacentes ou expressos de nosso sistema jurídico e ainda com o pensamento e idéias dos penitenciaristas (Jason Soares de ALBERGARIA. Os direitos do homem no Processo Penal e na execução da pena. Belo Horizonte, 1975).” (portal.mj.gov.br. Acesso em 13.08.2015)

Paralelamente, por meio da Resolução 09, de 18 de novembro de 2011, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária/Ministério da Justiça estabeleceu diretrizes básicas para arquitetura penal, das quais se destacam as seguintes recomendações gerais:

“3.1. Capacidade dos Estabelecimentos PenaisO Conjunto Penal tem capacidade ilimitada, desde que os diversos estabelecimentos que o compõem respeitem as capacidades para ele fixadas anteriormente e sejam independentes entre si ou estanques.Em nenhuma hipótese um módulo de celas poderá ultrapassar a capacidade de 200 pessoas presas.Em todas as penitenciárias e cadeias públicas que possuam celas coletivas, deverá ser previsto um mínimo de celas individuais (2% da capacidade total), para o caso de necessidade de separação da pessoa presa que apresente problemas de convívio com os demais por período determinado (Portaria Ministério da Justiça/DEPEN nº 01, de 27.01.2004, anexo) e pelo menos uma cela com instalação sanitária, por módulo, obedecendo aos parâmetros de acessibilidade (NBR 9050/2004).3.2. Parâmetros Arquitetônicos para a Acomodação de Pessoas PresasA cela individual é a menor célula possível de um estabelecimento penal. Neste cômodo devem ser previstos cama e área de higienização pessoal com pelo menos lavatório e aparelho sanitário, além da circulação. O chuveiro pode ser configurado fora da cela em local determinado. Podem ainda ser projetados: mesa com banco, prateleiras, divisórias, entre outros elementos de apoio. Caso se opte

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também pode ser incluído o chuveiro dentro da cela. A área mínima deverá ser de 6 metros quadrados, incluindo os elementos básicos – cama e aparelho sanitário – independentemete de o chuveiro localizar-se fora da cela ou não. A cubagem mínima é de 15 metros cúbicos. O diâmetro mínimo é de 2 metros.No caso da cela acessível, as dimensões do mobiliário dos dormitórios acessíveis devem atender às condições de alcance manual e visual previstos na NBR 9050/2004 e serem dispostos deforma a não obstruírem uma faixa livre mínima de circulação interna de 0,90 m de largura, prevendo área de manobras para o acesso ao sanitário, camas e armários. Os armários devem atender ao item 7.4.2. da NBR 9050/2004. Deve haver pelo menos uma área com diâmetro de no mínimo 1,50 m que possibilite um giro de 360º. A altura das camas deve ser de 0,46 m.Os parâmetros da cela acima descritos devem ser aplicados para salas e celas de saúde.A cela coletiva é qualquer cômodo com a mesma função de uma cela individual, porém com capacidade para abrigar mais de uma pessoa presa simultaneamente.(...)No caso do uso de três camas superpostas (beliches de três camas) deverá ser previsto um pé-direito mínimo de três metros e meio, independentemente de exigir-se uma cubagem menor.No caso de o chuveiro localizar-se fora da cela coletiva, poderão ser subtraídos 0,96 m2 da área em relação ao valor mínimo fixado no quadro acima, sem prejuízo do parâmetro de diâmetro equivalente.3.10. Conforto ambiental (ventilação e iluminação naturais)Para paredes e coberturas deverá ser usado material adequado de acordo com as peculiaridades de cada região, prevendo-se a conveniente ventilação, e proteção, com a adoção de esquemas técnicos especiais que atendam às condições climáticas regionais (...)As aberturas dos compartimentos deverão obedecer a um mínimo de 1/8 a 1/6 da área de seu piso, dependendo da zona Bioclimática em que o estabelecimento está inserido, por questões de aeração dos ambientes, atendendo ainda as normas da NBR 15220/2003 para as condições de ventilação natural por região bioclimática. Excluem-se dessa obrigatoriedade os compartimentos que servem de corredores e passagens com área igual ou inferior a 10m2 . Quando a iluminação/ventilação for zenital deverá atender também ao mínimo de 1/6 da área do piso.Os ambientes deverão possuir ventilação cruzada. Para isso, a relação entre aberturas de entrada e de saída deverá corresponder ao mínimo de 0,5 para a circulação de ar.3.12. Iluminação artificialA iluminação artificial externa deverá ser executada da periferia para o interior ou da parte superior para a inferior. Neste caso, os postes de iluminação deverão ter altura mínima equivalente ao dobro da cumeeira da cobertura dos telhados e permitir total iluminação das fachadas, pátios e coberturas.Todos os serviços das celas, como iluminação artificial, descarga dos vasos sanitários, água nos chuveiros, poderão contar com comando externo centralizado (de acordo com as peculiaridades de cada estabelecimento), devem contar com dispositivos de aquecimento de água quando a unidade estiver em região de baixas temperaturas e devem ser oferecidos de forma que atendam às necessidades humanas com conforto e higiene.As luminárias das celas e dos corredores podem fi car embutidas no forro e protegidas por materiais que lhes vedem o acesso por parte do usuário, sendo sua

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manutenção feita através de alçapão situado sobre a carceragem ou por outra solução arquitetônica.3.13. Recomendações técnicas(...)As edificações devem ser projetadas de modo a atender aos quesitos necessários quanto ao custo da construção, considerando-se também o material a empregar, objetivando a redução das despesas que venham a demandar com a manutenção e o funcionamento, sem, contudo, acarretar prejuízo das condições mínimas de comodidade, indispensáveis para a segurança e a preservação dos direitos fundamentais da pessoa humana.As edificações devem ser projetadas, preferencialmente, considerando as características necessárias ao sistema de distribuição, reservação e utilização de água potável do prédio, assim como as condições necessárias para aparelhos sanitários, tubulações de água e de esgotos, sistema de drenagem, reuso de águas e aproveitamento de águas pluviais.(...)As partes externas deverão ser convenientemente drenadas, permitindo o perfeito escoamento das águas pluviais, protegendo, assim, as construções; recomenda-se que as tubulações devem ter no máximo 200 mm de diâmetro por linha.(...)As edificações devem ser projetadas de modo a atender aos quesitos necessários para obtenção da Etiqueta Nacional de Conservação de Energia “A”, emitida pelo Ministério de Minas e Energias através do Programa Pracional de Eficiência Energética em Edificações, o PROCEL EDIFICA.A fiação elétrica, os quadros e caixas de passagem enterradas, caixas de incêndio e reservatórios dágua devem ser especialmente protegidos com trancas de segurança e cadeados, e situados em locais de difícil acesso às pessoas presas.Deve-se primar por aspectos de harmonização do ambiente com a vida humana, de forma a favorecer o equilíbrio, a saúde e a tranquilidade, considerando itens como a pintura (cores), acabamento, configuração espacial que minimize a sensação de opressão, respeito ao espaço pessoal, layout dos ambientes obedecendo aos princípios da ergonomia etc. Tais cuidados são necessários para minimizar os efeitos da prisionalização, nocivos à saúde mental, não só dos presos, mas também dos funcionários que vivenciam os espaços prisionais.”

Revisitando a jurisprudência da Corte, verifi ca-se que em inúmeros julgados, entendeu-se, também com fulcro na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), rechaçar ofensas à integridade do preso, bem como conceder indenização diante de ofensa, consoante se extrai das ementas colacionadas:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. AMEAÇA DE VIOLÊNCIA FÍSICA, MORAL E SEXUAL EM PRESÍDIO. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM ADOÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS. ALEGADO CERCEAMENTO DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.1. Embora tenha negado seguimento ao habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça determinou ao juízo das execuções penais que garantisse a segurança e integridade física do paciente no presídio em que se encontra recolhido.Constrangimento ilegal não configurado.

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Ordem denegada.” (HC 102.309, rel. min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma,DJe de 30.09.2010)

“EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Morte de detendo por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Teoria do Risco Administrativo. Confi guração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 272.839, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 08.04.2005)

Nesse ponto, é mister levar em consideração a finalidade da pena. Não obstante inúmeras teorias tentem explicá-la, há certo consenso quanto ao seu fim ressocializador. Nesse sentido, é de grande valia resgatar a marcante decisão no HC 71.179, de relatoria do Min. Marco Aurélio:

“PENA- CUMPRIMENTO- TRANSFERÊNCIA DE PRESO- NATUREZA. Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso de ser transferido para local em que possua raízes, visando à indispensável assistência pelos familiares. Os óbices ao acolhimento do pleito devem ser inafastaveis (sic) e exsurgir ao primeiro exame, consideradas as precárias condições do sistema carcerário pátrio. Efi cácia do disposto nos artigos 1º e 86 da Lei de Execução Penal- Lei 7.210, de 11 de julho de 1984- Precedente: habeas corpus nº 62.411-DF, julgado na Segunda Turma, relatado pelo Ministro Aldir Passarinho, tendo sido o acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 113, à página 1.049.” (Segunda Turma, DJ de 03.06.1994)

Isso demonstra que, além do direito fundamental do preso previsto no art. 5, XLIX, há também sólida legislação infraconstitucional e entendimento consolidado desta Corte que esmiúçam e detalham o conteúdo normativo, bem como o âmbito de proteção do direito à integridade física e moral do preso. O direito previsto no art. 5º, XLIX impõe uma conduta ao Estado. Conduta essa que possui parâmetros legais infraconstitucionais nítidos, precisos e não são novos. Não há razão, portanto, para que o Estado se escuse de protegê-lo.

- O papel do Poder JudiciárioÉ de se destacar que ao Poder Judiciário não cabe se substituir ao legislador

ou ao gestor. Mas, contra uma inação jurisdicional, geralmente fundada em uma antiquada compreensão sobre a separação dos Poderes, é possível, sim, conceber um papel de relevo ao Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais, pois a adoção de medidas tomadas por juízes para efetivar esses direitos ajuda a promover a deliberação democrática ao dirigir a atenção pública a interesses que, de outra forma, seriam ignorados na vida pública diária2 . É possível, assim, uma atuação que não seja cegamente omissa e nem irresponsavelmente ativista, mas

2 – GODOY, Miguel Gualano de. Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella. São Paulo: Saraiva, 2012.

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que garanta o direito fundamental do preso à sua integridade física e moral durante sua custódia pelo Estado. Uma compreensão sobre a separação de poderes que se atenha ao tradicional entendimento de que ao Poder Judiciário cabe apenas ser deferente às escolhas do Executivo e do Legislativo demonstra uma limitada concepção de democracia, segundo a qual as escolhas majoritárias dos representantes do povo (gestores e legisladores) são inquestionáveis. E essa compreensão rasa de democracia acaba por permitir que direitos fundamentais de minorias, pouco vistas, sejam sistematicamente violados. Uma compreensão robusta de democracia deve, ao contrário, possibilitar que esses grupos minoritários – como o são os encarcerados em geral – tenham suas situações de privação expostas e que diante da violação de seus direitos o Poder Judiciário os garanta.

Nesse sentido, o jurista português Jorge Miranda aduz o seguinte no tocante aos dois sentidos de funções do Estado:

“I- São dois os sentidos possíveis de função do Estado: como fim, tarefa ou imperativo ou opção para agir, correspondente a certa necessidade coletiva ou a certa zona da vida social; e como atividade com características próprias, passagem a ação, modelo ou comportamento.No primeiro sentido, a função traduz um determinado enlace entre a sociedade e o Estado, assim, como um princípio (ou uma tentativa) de legitimação do exercício do poder. A crescente complexidade das funções assumidas pelo Estado- da garantia da segurança perante o exterior, da justiça e da paz civil à promoção do bem-estar, da cultura e da defesa do ambiente- decorre do alargamento das necessidades humanas, das pretensões de intervenção dos governantes e dos meios de que se podem dotar; e é ainda uma maneira de o Estado ou os governantes em concreto justificarem a sua existência ou a sua permanência no poder.No segundo sentido, a função - agora não tanto algo de pensado quanto algo de realizado - entronca nos atos e atividades que o Estado constantemente, repetida e repetivelmente, vai desenvolvendo de harmonia com as regras que o condicionam e conformam; define-se através das estruturas e das formas desses atos e atividades; e revela-se indissociável da pluralidade de processos e procedimentos, de sujeitos e de resultados de toda a dinâmica jurídico-pública.No primeiro sentido, a função não tem apenas que ver com o Estado enquanto poder; tem também que ver com o Estado enquanto comunidade. Tanto pode ser prosseguida só pelos seus órgãos e serviços através das chamadas políticas públicas como ser realizada por grupos e entidades da sociedade civil, em formas variáveis de complementariedade e subsidiariedade (tudo dependendo das concepções dominantes e da intenção global do ordenamento).No segundo sentido, a função não é outra coisa senão uma manifestação qualificada do poder político, um modo tipicizado de exercício do poder, e carece de ser apreendida numa tríplice perspectiva-material, formal e orgânica.No primeiro sentido, a função traduz-se depois em incumbências quer para a proteção e a promoção de direitos fundamentais, quer para conformação de setores da vida coletiva (cfr., por exemplo, na Constituição portuguesa, os arts. 38º, nº 4, 59º e segs. ou 80º e segs.; e na Constituição brasileira, os arts. 5º- LXXIV, 21 ou 134 e segs.).

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No segundo sentido, a função é o modo específico como o Estado procura atingir os fins prescritos na Constituição e na lei, o modo como se desincumbe das imposições que delas recebe.” (Teoria do Estado e da Constituição. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. P.355-356)

Em assento contínuo na doutrina portuguesa, é possível concluir que a diversidade de funções não é algo a ser visto de forma estanque, mas deve-se considerar o momento de sua concretização. Confira-se:

“A separação e interdependência não é um esquema constitucional rígido mas apenas um princípio organizatório fundamental. Como tal, não há que perguntar pela sua realização estrita nem há que considera-lo como um dogma de valor intemporal. Devemos perspectiva-lo como princípio histórico (K. Hesse) ‘em contacto’ com uma ordem constitucional concreta. Como princípio constitucional concreto, o princípio da separação articula-se e combina--se com outros princípios constitucionais positivos (princípio de governo semipresidencialista ou de regime misto parlamentar-presidencial, princípio da conformidade dos actos estaduais com a Constituição, princípio da participação).(...)As várias funções devem ser separadas e atribuídas a um órgão ou grupo de órgãos também separados entre si. Isto significa não uma equivalência total entre atividade orgânica e função, mas sim que a um órgão deve ser atribuída principal ou prevalentemente uma determinada função.” (CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.2. Reimp. Coimbra:Almedina. p. 556-558)

No estágio atual de democracia em que o Brasil se posiciona, não há espaço para a negativa de direitos fundamentais positivados no Texto Constitucional.A Constituição é fruto de uma opção política que adota a proteção desses direitos como única escolha possível na construção de uma sociedade justa e democrática.

- Constituição Dirigente e Vinculação dos direitos fundamentaisA Constituição dirigente, que não esgota em si mesma o seu conteúdo

direcional, é também política3. Ela só se realiza plenamente através da atuação do Poder Legislativo (produção de leis) e do Poder Executivo (criação e execução de políticas públicas). Mas, ao Poder Judiciário cabe justamente guardar e garantir os direitos fundamentais, os quais devem estar subjacentes às leis e às políticas públicas. E quando estas são insuficientes, como se verifica claramente no presente caso, é dever do Poder Judiciário atuar para que essas políticas públicas cumpram com o seu desiderato e satisfaçam um direito tido como pressuposto para qualquer existência digna e sadia.

A agenda de políticas públicas nasce de pesquisa realizada no seio do grupo social e da definição das prioridades, a partir dos recursos financeiros existentes. Todavia, o não atendimento dessas necessidades coletivas pelos demais Poderes autoriza a atuação do Poder Judiciário no sentido de tornar efetiva a proteção aos direitos fundamentais. Ou seja, a atuação judicial sobressai da inércia ou

3 – BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova. Nº 61. 2004. p. 5-24. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a02n61>

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insuficiência dos demais Poderes em cumprir as diretrizes e determinações da Constituição de efetivar direitos, especialmente os direitos fundamentais.

Comunga-se da ideia de que é preciso manter uma íntima ligação entre a Constituição e as circunstâncias sociais que se mantêm em constante mutação. A dinâmica social exige um acompanhamento contínuo e incessante do Texto Constitucional, sob pena de o texto positivado não mais refletir os valores e princípios fundamentais adotados pela sociedade destinatária.

De nenhuma valia teria a previsão de um direito fundamental se ele não puder ser tutelado pelo Estado, principalmente quando todos os contornos normativos encontram-se definidos na legislação vigente, tal como ocorre na hipótese do direito à integridade física e moral do preso. E nesta expressão – Estado – entende--se contida a tripartição Executivo, Legislativo e Judiciário. Nessa perspectiva, tem razão aqueles que afirmam que o poder é uno e a repartição em três funções diver-sas – executiva, legislativa e judiciária – dá-se como instrumento de otimização de resultados.

A separação de Poderes, conforme anotado alhures por Canotilho, é apenas técnica de repartição organizatória funcional. Não há proibição de um Poder agir para tutelar direitos caros em determinada ordem normativa. A forma como cada Poder exerce esta tutela é que diverge. Veda-se, na verdade, que um possa imiscuir-se totalmente na função primordialmente exercida pelo outro. O sistema de freios e contrapesos, por si, já denota que todos devem, na medida da função que lhe foi atribuída, tornar efetivas as escolhas do constituinte originário.

Nesta senda, ressalta-se que:

Não é possível a invocação do princípio da separação dos poderes para a não apreciação da pretensão do titular do direito fundamental social. Como já ressaltado, o Poder Judiciário, durante o exercício do controle de constitucionalidade, não interfere na esfera exclusiva de atribuição das demais formas de expressão do poder estatal, porque atua exclusivamente no âmbito jurisdicional.Por outro lado, o princípio da separação de poderes não pode ser utilizado para justificar a violação dos objetivos do Estado aos quais todas as formas de expressão do poder estatal estão vinculadas.A atuação jurisdicional reflete, portanto, atividade corretiva do Estado-juiz, com o precípuo propósito de atender aos objetivos estatais, mediante a satisfação integral dos direitos fundamentais sociais, fator que assegura a unidade do sistema.” (CANELA JR, Osvaldo. Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 94-95)

Exatamente por essa razão, o Supremo Tribunal Federal, em ocasiões distintas, posicionou-se pela inexistência de ofensa ao princípio da separação de poderes nas hipóteses de direitos ou políticas públicas expressamente previstas na Constituição e não efetivadas, conforme se verifica dos acórdãos colacionados:

“E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) –MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE

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DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) –CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO –CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO”. (ARE 745.745-AgR, rel. min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 02.12.2014)“EmentaSAÚDE – FORNECIMENTO DE REMÉDIOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde.” (ARE 744.170-AgR, rel. min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de31.01.2014)“EmentaAgravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional. Educação de deficientes auditivos. Professores especializados em Libras. 3. Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional. Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. Precedentes. 4. Cláusula da reserva do possível. Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais. 5. Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. Precedentes. 6. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 860.979-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 05.05.2015)

No mesmo sentido: ARE 768.825 (rel. min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ de 20.08.2014); RE 820.910 - AgR (rel. min. Ricardo Lewandowski,

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Segunda Turma, DJe de 03.09.2014); RE 850.215-AgR (rel. min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 28.04.2015); ARE 740.800- AgR (rel. min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 11.12.2013); RE 669.635-AgR (rel. min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 10.04.2015); RE 642.536-AgR (rel. min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 26.02.2013); AI 739.151-AgR (rel. min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 10.06.2014); RE 628.159-AgR (rel. min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 14.08.2013); ARE 649.600 (rel. min. Teori Zavascki, DJe de 18.09.2013) e ARE 761.127-AgR (rel. min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 15.08.2014).

- A impossibilidade de se invocar a Reserva do Possível como argumento retórico e escusa indevida

Contraproducente se revela a alegação da reserva do possível, pois o Estado não pode se furtar a garantir, minimamente, o conteúdo normativo dos direitos especificados ao longo do Texto Constitucional e exaustivamente regulamentado pelas normas infraconstitucionais, sob pena de incorrer em ilegitimidade.

Quer dizer, nas palavras de Paulo Bonavides, “o poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária”4. E prossegue afirmando que a legitimidade deste poder relaciona-se à justificação e aos valores do poder legal. Confira:

“A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. E o critério que busca menos compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar.No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da obediência.A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a ideologia democrática.”5 (op. cit. p. 121)

De tudo se conclui que o descompasso entre os direitos positivados na Constituição e sua efetivação – mínima, que seja – pelo Estado, primariamente pelo Executivo, Legislativo ou, por fi m, pelo Judiciário, torna letra morta o Texto Constitucional e esvazia o sentido da decisão política tomada pela sociedade a que ela se destina.

A reserva do possível não pode servir de argumento para escusar o Estado de cumprir os comandos constitucionais, sobretudo aqueles expressamente nomea dos e caracterizados como direitos fundamentais. Eventual objeção orçamentária deveria ser acompanhada de prova expressa, documental, que justifi que adequadamente e demonstre a impossibilidade fi nanceira do Estado, bem como porque as escolhas político-governamentais deixaram de atender demanda tão fundamental. A invocação

4 – BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 115.5 – BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 121.

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da reserva do possível não pode consistir em mera alegação que isenta, por si só, o Estado de suas obrigações. Somente justo motivo, objetivamente aferido, tem tal valia.

Destarte, a inexistência de recursos no orçamento vigente - demonstrável objetivamente – não afasta a possibilidade de atendimento do direito em tela. Nesta perspectiva, é possível a inclusão da respectiva dotação no orçamento do ano seguinte (art. 165, § 5º, c/c art. 167,I, ambos da Constituição da República). Contudo, uma ressalva deve ser feita. O orçamento possui caráter apenas autorizativo, isto é, apenas permite que, caso se pretenda utilizar o recurso fi nanceiro, este uso estará permitido na peça orçamentária proposta pelo Executivo e aprovada pelo Legislativo. Não possui, entretanto, caráter obrigatório para a execução daquela dotação. Tendo essa premissa como base, é imperativa a determinação da inclusão no orçamento seguinte, bem como o início da execução da reforma, em certo prazo, após essa inclusão. Tais medidas visam dar concretude ao direito violado e, em última análise, concretizar a força normativa da Constituição, sem que, no entanto, tal determinação judicial signifi que uma substituição indevida do Juiz aos atos do gestor. No presente caso, silenciar ou decidir pouco não contribui para a superação da situação de negação de direitos. Por outro lado, atuar e garantir o direito do preso à sua integridade física e moral não precisa ser atividade de substituição ao gestor, mas exigir que este, de acordo com suas escolhas políticas, orçamentárias, técnicas, cumpra a exigência constitucional.

• ConclusãoDiante do exposto, acompanho o voto do Ilustre Relator Ministro Ricardo

Lewandowski para dar provimento ao presente Recurso Extraordinário.É como voto.

Min. Marco Aurélio – Presidente, Vossa Excelência me permite? Vou empunhar a bandeira inicial de Vossa Excelência e explico o porquê: examina-se situação concreta, e, no tocante a essa situação concreta, que é notória, a das penitenciárias, e também tendo em conta a carga tributária brasileira, conclui-se que a reserva do possível não é evocável, tampouco o princípio da separação e harmonia dos Poderes.

Por isso, não devemos deixar uma brecha para, simplesmente, não se cumprir a decisão do Supremo, dando-se a esse elemento, que é reserva do possível, polivalência maior. Desde que me conheço, o Estado sempre esteve às voltas com o caixa, em que pese à receita. E não será amanhã que não estará, principalmente diante do contexto que verificamos, em especial, no Estado do Rio Grande do Sul.

Min. Luiz Fux – Presidente, também pela ordem, eu gostaria de, pedindo vênia ao Ministro Fachin, entender que realmente Vossa Excelência deveria tolerar a sua tolerável proposição. Quer dizer, no primeiro aspecto, Vossa Excelência realmente explicitou a hipótese de obras emergenciais. Então, numa ponderação entre a reserva do possível e obras emergenciais, que vão atentar para o centro de gravidade da Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana, há de preponderar efetivamente essa proteção à dignidade com realização de obras

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emergenciais que não possam ser obstadas por uma vã alegação de reserva do possível - isto, em primeiro lugar.

Em segundo lugar, da forma como a tese foi exposta na repercussão geral e que aqui está sendo discutida, o que Vossa Excelência concluiu - com o quê eu concordo - é que, nesse particular, o ativismo judicial não implica violação à cláusula pétrea da separação de Poderes. Então, obras emergenciais e a atividade judicial, nesse caso, não há nenhuma violação à separação de Poderes, porque, por exemplo, no mandato de injunção, o Judiciário provê especificamente. E o Supremo Tribunal Federal já legitimou a possibilidade de mandado de injunção de caráter coletivo, ou seja, a decisão tem uma eficácia ultra partes.

De sorte que eu tolero essa...Min. Marco Aurélio – Presidente, deixemos para a segunda parte, provido o

extraordinário, a tese a ser proclamada.Mina. Cármen Lúcia – Mas nós estamos sempre discutindo tese antes dos

votos. Talvez conviesse votar e depois discutir a tese.Min. Celso de Mello – Tem razão a eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA quando

observa que se impõe votar, primeiro, para, somente após, tal seja o resultado do julgamento, discutir e firmar a tese concernente ao “thema decidendum”.

Mina. Cármen Lúcia – Depois de concluído o julgamento.

VOTOMin. Luís Roberto Barroso – Presidente, eu penso que Vossa Excelência

enfrentou, e eu equacionaria, três questões. Há três perguntas envolvidas neste caso. A primeira é se o Judiciário pode ou não intervir em situações como essa.A segunda é qual é o papel da cláusula da reserva do possível em situações como esta. E a terceira é: em se entendendo que o Judiciário possa intervir, que tipo de intervenção é legítima ao Judiciário nessas situações.

Passo a responder a primeira pergunta, em linha de concordância com Vossa Excelência, quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário. Nós todos aqui estamos de acordo que decisão política em uma democracia deve ser tomada, como regra geral, por quem tem voto. Portanto, as decisões políticas devem ser tomadas pelo Poder Legislativo, e, na medida em que legitimado, também pelo chefe do Poder Executivo. Assim, eu gostaria de deixar bem claro que a judicialização, quando ela ocorre – e este é o caso – ela não substitui a política, e acho que a política tem preferência quando ela consiga produzir consensos e quando ela consiga atuar. Porém, penso que Vossa Excelência assentou no voto, e de maneira muito feliz, em que hipóteses por exceção o Judiciário pode e deve atuar. E acho que este é um caso típico dessa exceção.

Em primeiro lugar, porque nós estamos atuando para proteger os direitos de uma minoria, de uma minoria invisível e de uma minoria que não tem voto, porque não tem direitos políticos. Portanto, nós estamos lidando com um conjunto de pessoas que ficou à margem da vida pela incapacidade de vocalizar os seus interesses e as suas pretensões, porque não há quem as represente. Logo, quem tem que ser o intérprete daqueles que não podem falar é evidentemente o Poder Judiciário. Acho que essa primeira razão já seria suficiente.

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A segunda razão já apontada – e o Ministro Marco Aurélio acabou de reiterar isso – é que este é um problema estrutural, sistêmico e que vem de longe assinalado por uma inércia contínua e permanente dos Poderes Públicos, notadamente, do Executivo, porque legislação frequentemente há – como lembrava o Ministro Celso de Mello, e Vossa Excelência lembrava no seu voto. Dessa forma, eu acho que o Judiciário tem a legitimidade de intervir para superar um quadro crônico, histórico, atávico de omissão do Poder Executivo nessa matéria.

Por fim, para legitimar essa intervenção, os presos só estão presos, porque o Estado assim o determinou. Se o Estado se arroga no poder de privar essas pessoas de liberdade, tem evidentemente que exercer – lembrava o Procurador--Geral, Doutor Rodrigo Janot – os seus deveres de proteção dessas pessoas que estão sob a sua guarda por decisão sua. De modo que, se há uma hipótese clássica de intervenção legítima do Poder Judiciário, é precisamente esta.

Como o Ministro Fux lembrou, e o Ministro Fachin também, eu abandonei um pouco o uso da expressão “ativismo judicial”, porque ela passou a ser utilizada mais ou menos como “neoliberalismo”. Quando alguém quer desclassificar ou desqualificar uma posição, diz: “isso aí é ativismo”. Mas há situações em que o Judiciário deve ser autocontido em respeito às decisões políticas dos outros Poderes, e há situações em que ele tem que ser proativo, em nome da Constituição e dos valores que nos cabe resguardar.

Desse modo, Presidente, eu entendo que o Judiciário não só pode como deve, na linha do que decidiu Vossa Excelência, interferir para determinar a realização de obras em presídios cuja situação seja atentatória à dignidade da pessoa humana.

Passo a responder a segunda pergunta: que papel a cláusula da reserva do possível deve desempenhar nessas situações, na linha da preocupação manifestada pelo Ministro Luiz Edson Fachin, e, em mais de uma ocasião, manifestada em votos emblemáticos do Ministro Celso de Mello. A primeira coisa a dizer é que a cláusula da reserva do possível não pode ser um artifício retórico, uma válvula de escape para o Estado deixar de cumprir a sua obrigação em situações em que ele evidentemente tem o dever jurídico de atuar. Agora, afastada essa incidência ilegítima da reserva do possível, ela tem um papel importante numa democracia por duas razões: primeiro, a reserva do possível traz em si o respeito a princípios orçamentários mínimos de quem decide fazer as alocações de recursos, além da lógica elementar de que “dinheiro não nasce em árvores” – para utilizar uma expressão do Cass Sunstein – e, portanto, é preciso saber como acudir a todas essas demandas sociais que existem. Até porque – eu penso isso, e o Ministro Gilmar já manifestou essa posição – a ideia de responsabilidade fiscal é uma conquista importante da vivência brasileira, e responsabilidade fiscal não tem ideologia: não gastar mais do que se arrecada não é uma posição nem de esquerda, nem de direita; é uma posição que apenas atende à natureza das coisas. E acho que uma revolução progressista que nós faríamos no Brasil seria vivermos sob responsabilidade fiscal, porque o déficit público e as consequências que ele traz penalizam sobretudo as pessoas mais pobres, que dependem da atuação do Estado. Progressista é utilizar o superávit para fins socialmente legítimos; e não gastar o dinheiro que não se tem, gerando consequências extremamente negativas. Portanto, eu gostaria de

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dizer que a ideia de reserva do possível não é uma maldição que permite o Estado não cumprir direitos fundamentais; é um elemento importante de autocontenção nas matérias em que estejamos lidando com escolhas legítimas de alocação de recursos.

Presidente, eu gostaria de dizer que ouvi com interesse a defesa do Estado do Rio Grande do Sul pelo Procurador do Estado, Doutor Luís Carlos Kothe Hagemann, com a solidariedade de quem já defendeu o Estado em situações difíceis nesta vida. O Estado lida com esse drama de ter que alocar recursos escassos entre fins alternativos que são crescentes em uma sociedade como a nossa. O Estado, como eu disse, tem de alocar recursos escassos, e a reserva do possível é uma variável importante. Porém, o Estado, ao alocar recursos escassos, tem de observar pelo menos as prioridades impostas pela Constituição. Assim, a ideia de reserva do possível se aplica às escolhas políticas, mas não às escolhas que já tenham sido feitas pela Constituição. E aqui, Presidente, na linha também do voto de Vossa Excelência, preservar aspectos mínimos da dignidade da pessoa humana não é uma escolha política, é uma imposição da Constituição, e que não está sujeita à reserva do possível, igualmente na linha do que sustentou o Procurador-Geral, Doutor Rodrigo Janot. De modo que, embora a reserva do possível possa ser um fundamento legítimo para postergar obrigações quando elas dependam de decisão política, não é a reserva do possível um aspecto suficiente para postergar obrigações que envolvam o núcleo essencial dos direitos fundamentais, aos quais corresponde a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, também aqui, Presidente, estou acompanhando Vossa Excelência no tocante à exclusão da tese de que a reserva do possível pudesse obstar a interferência do Judiciário ou legitimar a inércia do Estado.

E aqui eu chego à terceira e última fração do meu voto, que é a que considero mais importante, porque traz um componente para reflexão, embora não destoe da conclusão, nem da tese de Vossa Excelência. E aqui eu gostaria de dizer isso de uma forma bem explícita: eu não acho – e penso que nenhum de nós ache – que o Poder Judiciário tem melhores capacidades institucionais para reformar o sistema penitenciário do que o Poder Executivo, porque nós não temos, o Judiciário não tem a visão sistêmica das demandas e o Judiciário normalmente é preparado para fazer micro-justiça, a justiça do caso concreto, com muita dificuldade de avaliar impactos sistêmicos das suas decisões pontuais. Em um modelo ideal, quem tem que tomar essas decisões e implementá-las é o Poder Executivo. Portanto, gostaria de deixar claro que a decisão do Ministro Lewandowski, à qual estou aderindo, não significa uma pretensão do Judiciário de governar o mundo, nem de ser ele próprio o elaborador de políticas públicas, não só porque seria problemático do ponto de vista da legitimidade democrática, como também porque nós não somos melhores do que os técnicos do Executivo para lidar, por exemplo, com questões penitenciárias.

Presidente, diante dessa premissa, que considero relevante, e que diz respeito à separação dos Poderes e às capacidades institucionais de cada Poder, o Judiciário pode atuar quando haja inércia inconstitucional, quando haja omissão inconstitucional do Executivo, mas eu penso que, como regra geral – que excepciono neste

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caso para acompanhar Vossa Excelência –, a melhor intervenção do Judiciário, em situações como esta, é a seguinte: o Judiciário pode impor ao Poder Executivo que realize o diagnóstico da situação e que apresente um plano adequado para sanar aquela omissão sob monitoramento do Poder Judiciário – isso como regra geral e não no caso concreto, porque o caso concreto tem uma situação específica. Acho que essa é a forma adequada de convivência entre os Poderes e de um certo diálogo institucional, em que o Judiciário diz: “há uma inércia prolongada, a competência é sua, apresente um plano, e eu vou monitorar este plano”; porque a ideia de, como regra geral, determinar-se a apresentação de um plano, permite, naturalmente, a realização de um cronograma, a estimativa de custos e um exame de como se vai custear aquela demanda social, inclusive com recursos estaduais ou com recursos federais.

Portanto, eu gostaria de dizer, Presidente, que a minha visão, em situações como esta, é que a regra geral – que não aplico neste caso pela razão que direi na minha conclusão – é que a decisão do Judiciário não deve ser a de ele se sobrepor ao Executivo e determinar como deve ser feito. O Executivo é que tem que apresentar o seu plano para reforma ou do presídio, ou do sistema estadual, fazer um diagnóstico, um plano, um cronograma, uma estimativa de custos, como ele pretende obter o dinheiro, e aí o Judiciário monitora. Acho que em situações--limite o Judiciário pode até determinar a inclusão de verba em orçamento, mas o Judiciário não pode ele próprio dizer como é que deve ser a obra do presídio, porque acho que nós não somos capacitados para isso. Esta fórmula que eu proponho – diagnóstico, projeto e monitoramento da execução –, no entanto, a meu ver, pode e deve ceder diante de situações excepcionais, que reputo ser este caso, porque, neste caso, Presidente, já havia sido feito o diagnóstico, já havia sido apresentada a proposta adequada para a superação do problema, e, ainda assim, o Executivo não atuou. Dessa forma, aqui não faltava propriamente uma política pública, porque o Executivo já tinha definido o que que era preciso fazer, qual obra era preciso fazer. Eles apenas não executaram o que já estava pré-traçado. Assim, considero que esta era uma situação excepcional, uma situação emergencial para a realização de uma obra pontual e não para uma reforma sistêmica. E, então, neste caso, penso que a solução proposta por Vossa Excelência é a solução totalmente adequada. Já havia laudo dizendo qual era o problema e o que era preciso fazer para saná-lo, e quanto custaria.

Portanto, aqui nós não precisamos intervir, nem é isso que Vossa Excelência fez, para elaborar uma política pública. Nós estamos mandando fazer o que já se sabia que deveria ser feito, porque já estavam pré-prontos o laudo e o projeto a ser executado.

Como resultado, nesta hipótese, acho que não é o caso de uma reforma mais ampla do sistema - há uma ação recentemente distribuída ao Ministro Marco Aurélio, que é uma ação mais ambiciosa e mais complexa, que, aí, acho que, possivelmente, quando chegar o momento de discutirmos, não comporta soluções imediatas e pontuais. Mas o caso que Vossa Excelência trouxe comporta uma exceção pontual a essa regra geral que eu aqui imagino.

Então, eu pediria vênia ao eminente Ministro Luiz Edson Fachin, para, na linha do que já verbalizaram o Ministro Marco Aurélio e o Ministro Luiz Fux, também me

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apegar ao teor da proposta original de Vossa Excelência. O que Vossa Excelência faz é dizer que, nesta situação concreta, que exigia uma obra emergencial, não é legítima a invocação da reserva do possível, nem da separação dos poderes. Portanto, não é um afastamento genérico em todo e qualquer caso, mas pontual, e Vossa Excelência se refere expressamente à execução de obras emergenciais. De modo que, diante da formulação limitada da tese, eu acho que é legítima a exclusão da reserva do possível e da separação dos Poderes.

Eu tive chance de passar, Presidente, os olhos na integralidade do voto de Vossa Excelência, que gostaria aqui de louvar pela profundidade, pelo fôlego, pela oportunidade de trazer a matéria em discussão agora e por vir sendo o porta-voz, em nome do Supremo, do enfrentamento dessa questão do sistema penitenciário, e por ter difundido essa prática, que vai ser transformadora no País, da audiência de custódia, que não apenas vai diminuir a demanda pelo sistema carcerário, mas vai aumentar o respeito pela dignidade dos presos, porque o juiz poderá verificar, como Vossa Excelência bem expôs, se eles foram tratados com integridade. Como disse o Ministro Celso de Mello: “o preso, por decisão legítima do Poder Judiciário, tem privada a sua liberdade de ir e vir, mas não os outros direitos inerentes à sua condição humana e à sua dignidade humana.”

Eu cumprimento, com muita sinceridade, a atuação de Vossa Excelência nas situações em geral e nesse caso em particular e estou acompanhando o voto de Vossa Excelência.

******************Mina. Rosa Weber – Senhor Presidente, eu vou começar parabenizando Vossa

Excelência pela beleza do voto. Ontem quando eu o recebi à noite, na versão integral, passei alguma horas em leitura atenta, e hoje poderia resumir o meu voto, dizendo que acompanho integralmente Vossa Excelência.

Mas gostaria - e procurando ser o mais objetiva possível - de tecer algumas considerações. Todos nós sabemos, foi dito e redito, que estamos diante de uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, contra o Estado do Rio Grande do Sul, visando à realização de algumas obras de reforma em unidade prisional de Uruguaiana, que é Município da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. E nos foi dito da tribuna que hoje esse albergue estadual de Uruguaiana conta com 152 detentos, e que a situação hoje não seria exatamente a existente à época do ajuizamento da ação, que ocorreu em 2006.

Eu observei que a Justiça do Estado do Rio Grande do Sul foi muito célere, atendeu com presteza essa ação, proposta que foi em 2006. Foi uma juíza de direito que a julgou, Presidente. A juíza de direito - não sei se ainda continua lá -, a Doutora Cristina Lopes Nogueira, da 2ª Vara Cível da Comarca de Uruguaiana, enfrentou essa ação em julho de 2007. Veja bem, um ano depois, a ação estava sentenciada, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio de sua 21ª Câmara Cível, julgou a apelação do Estado do Rio Grande do Sul em fevereiro de 2008; sete meses depois, ele julgou, apreciou a apelação. E, na verdade, reformou a sentença, como Vossa Excelência bem colocou.

E observei - lendo, também com toda a atenção - , o acórdão estadual, que o fundamento para a reforma, como também muito bem destacado por Vossa Excelência, não foi que a situação não fosse degradante e que não merecesse reparo, e sim que

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ela, na verdade, atendia a um princípio de discricionariedade da atividade do Administrador público. E concluiu, o acórdão, ou melhor, o Relator, acompanhado por unanimidade pelos demais desembargadores: “Tenho, pois, que ao Judiciário não cabe determinar ao Poder Executivo a realização de obras, como pretende o Autor Civil, mesmo pleiteadas a título de direito constitucional do preso, pena de fazer as vezes de administrador, imiscuindo-se indevidamente em seara reservada à Administração.”

Na sequência, depois de citar jurisprudência, ainda aduziu: “Por último, tenho dito reiteradas vezes, falta aos Juízos, porque situados fora do processo político--administrativo, capacidade funcional de garantir a efetivação de direitos sociais prestacionais, sempre dependentes de condições de natureza econômica ou financeira que longe estão dos fundamentos jurídicos.”

Assim, deu provimento à apelação, julgando improcedente a ação.Presidente, eu comungo de todas as premissas do voto de Vossa Excelência,

e dou provimento ao Recurso Extraordinário para restabelecer a sentença da Doutora Cristina. Assento brevemente a tese - porque essa tese espelha a minha convicção -, de que, quando estão em jogo direitos fundamentais - no caso temos o art. 5º, inc. XLIX da Constituição Federal, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral; e o art. 1º, inc. III, também da nossa Lei Maior, que consagra como princípio fundante da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana -, diante de uma omissão injustifi cada do Administrador público, pode, sim, o Poder Judiciário impor a implementação de políticas públicas asseguradas pela Constituição Federal e não efetivadas pelo Estado.

É assim que voto, Senhor Presidente, sem prejuízo do debate da tese, como bem destacou o Ministro Luiz Edson Fachin, que, pelo menos da ótica da reserva do possível, poderia comportar alguma atenuação. Acompanho Vossa Excelência.

Min. Luiz Fux – Senhor Presidente, egrégio Tribunal Pleno, ilustre representante do Ministério Público, senhores Advogados e estudantes presentes, também não poderia deixar de iniciar o meu voto não só louvando a profundidade do voto de Vossa Excelência, como também a capacidade de síntese que Vossa Excelência teve. O voto original de Vossa Excelência tem 72 laudas muito bem fundamentadas; Vossa Excelência conseguiu ainda trazer aqui um resumo de metade dessas páginas e conseguiu, verbalmente, reduzir ainda mais. De sorte que, realmente, Vossa Excelência merece todos os nossos elogios e cumprimentos pelo fato de viabilizar um julgamento tão árduo e tão complexo pela Corte nesta tarde.

Senhor Presidente, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, por vezes, adota a postura de um tribunal de apelação reiterada, e que não é exatamente essa a nossa função. A nosso função é a apreciação da questão federal, com todas aquelas interdições de conhecimento de matéria fática e provas, e a fixação, então, dessa tese jurídica na repercussão geral. Qual foi a questão posta para a apreciação no Supremo Tribunal Federal? Saber se essa atuação do Poder Judiciário, numa ação civil pública, determinando ao Poder Executivo a realização de obras em presídios, fere a cláusula pétrea de separação de Poderes, ainda que o Judiciário assim aja para garantir a integridade física e moral dos presos conforme prevê a Constituição Federal.

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Então, aqui, é cediço que, num recurso especial com repercussão geral, há uma dicotomia: temos um lado subjetivo, que é o julgamento da causa; e temos o aspecto objetivo, que é a fixação da tese. Pelo que eu pude entender, Vossa Excelência fixou uma tese para obras de caráter emergencial, porque, se a tese fosse fixada para obras em geral, a posição do Ministro Luís Roberto Barroso é uma posição incontestável, uma vez que o Judiciário não tem capacidade institucional para poder programar que determinados presídios têm que ter esses compartimentos, essas áreas, etc. .

Então, cinjo-me à tese da atuação judicial nas hipóteses em que o Judiciário atua para determinar ao Poder Público a realização de obras emergenciais, no afã de proteger a integridade física e psíquica do preso. Essa questão hoje é uma questão desde 1988. A Constituição Federal tem como centro de gravidade a dignidade da pessoa humana e, numa especificação desse núcleo da dignidade, estabelece que nenhum preso pode ser tratado em situação degradante e que é assegurada a integridade física, psíquica e moral do preso pelo Estado-custodiante.

Pois bem, se não admitíssemos a intervenção judicial, recairíamos naquele velho questionamento do Professor Eurico Lima, que dizia: “direito sem tutela jurisdicional fica sujeito à boa vontade dos homens; e tutela jurisdicional sem direito permite ao juiz decidir no vácuo”. Então, aqui, evidentemente que, em primeiro lugar, admitimos - digamos assim - essa tutela de caráter transindividual para que, todas as vezes em que houver a necessidade de realização de obras emergenciais, seja cabível a atuação do Judiciário, que é provocada pelo Ministério Público por uma ação civil pública. Então, essa atuação judicial é inerente à própria necessidade da tutela dos direitos fundamentais.

E, hoje, os direitos fundamentais não podem ser tratados como os direitos civis, onde uma parte tem direito, outra tem deveres; os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, que pressupõem, inclusive, a irradiação de seus efeitos para outras relações jurídicas - e, aí, está a decisão de Vossa Excelência, que pode ser aplicada como tese de repercussão geral a todos os casos em que se fazem necessárias obras emergenciais. E esses direitos fundamentais, nessa dimensão objetiva, reclamam também a existência de procedimentos, de instituições, de mecanismos de tutela, para que eles, efetivamente, sejam considerados Direitos Fundamentais.

E Vossa Excelência, nesse particular, no meu modo de ver, propôs a melhor solução para os casos em que os presídios necessitam de obras emergenciais. É possível, efetivamente, ao Poder Judiciário impor essa determinação, sem qualquer violação constitucional da cláusula de separação de Poderes.

Por outro lado, com relação ao mínimo existencial, o Ministro Luís Roberto Barroso aqui já timbrou, com sua doutrina clássica de Direito Constitucional, que essa alegação da existência da reserva do possível não pode infirmar um direito fundamental, tanto mais quando se está diante de um confronto com o mínimo existencial. Essa é uma velha batalha doutrinária entre Otto Bachof e Cass Sunstein; um, preconizando o mínimo existencial, e o outro, a reserva do possível, porque o Direito não nasce em árvores, mas há determinadas prestações que, mesmo que o Direito não nasça em árvore, devem ser efetivadas.

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Se não me falha a memória, inclusive, teve acento no Gabinete do Ministro Marco Aurélio, o Professor Felipe de Melo Fonte, não foi Ministro Marco Aurélio?

Min. Marco Aurélio – Ele foi assessor no meu Gabinete, e reconhecemos que a UERJ é um grande celeiro de grandes quadros.

Min. Luís Roberto Barroso – Se for falar bem, eu quero lembrar que foi meu aluno.

Min. Luiz Fux – Então, o Doutor Felipe de Melo Fonte tem obra sobre Políticas Públicas de Direitos Fundamentais. E, exatamente, ao abordar a questão dos presos, em relação ao mínimo existencial, ele assenta que, nesses casos, a regra constitucional que veda a submissão à tortura e ao tratamento desumano ou degradante é exatamente aquela que deve ser observada quando se tem em mente o mínimo existencial; ou seja, o mínimo existencial é não deixar que o preso seja tratado de forma desumana ou degradante, tal como prevê a Constituição Federal.

E diz ele:

“A vedação constitucional a tratamento desumano e degradante serve de fundamento às pretensões de amparo aos indigentes de modo geral, já que permitir pessoas dormindo ao relento” - como Vossa Excelência destacou - “ou sem o suprimento das necessidades mais básicas (como acesso a sanitários e água potável para higiene pessoal) não é compatível com o conteúdo mais essencial do princípio da dignidade da pessoa humana.”

E afirma ele:

“(...) Com fundamento no próprio texto constitucional, é possível extrair um direito individual a um instrumento de situações flagrantemente desumanas e degradantes, tais como presos encarcerados em celas superlotadas, em condições precárias de higiene, bem como as pessoas vivendo na rua debaixo de vias públicas.”

Então, eu repito aqui: o Doutor Felipe de Melo Fonte assenta essa percepção do mínimo existencial em confronto com os direitos fundamentais nessa obra “Políticas Públicas de Direitos Fundamentais”.

E a grande verdade, Senhor Presidente, é que, num primeiro momento, eu imaginei que nós estivéssemos realmente sindicando a possibilidade de o Judiciário exigir judicialmente as políticas públicas prometidas na Constituição Federal. Mas, ainda assim, hoje, há alguns países, como África do Sul, a índia, até a Venezuela, que admitem essa exigibilidade. Eu tenho ainda um pendor muito grande de fazer com que o legislador cumpra a promessa constitucional que ele fez; e até admitiria, pelo menos num controle fraco de inconstitucionalidade, como o Professor Tushnet afirma, eu admitiria até um direito a uma política pública, exigir em juízo o direito a uma política pública.

Mas, de toda maneira, Senhor Presidente, concluindo aqui que os votos de Vossa Excelência, de ontem à noite e esse de hoje de manhã, extremamente instigantes, nos levam a essas digressões, que fazem parte, às vezes até do nosso dever de ofício, motivar as decisões judiciais, eu, então, concluiria acompanhando integralmente o voto de Vossa Excelência, antecipando também que o acompanho

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na sua tese, por ela não ser uma tese voltada a permitir ao Judiciário que determine ao Executivo realizar obras no sistema prisional que o Judiciário entender cabível, porque esbarraríamos nessa falta de capacidade institucional. Mas entendo que a tese de Vossa Excelência é aplicável a todos os casos em que haja uma ação proposta, pleiteando a adoção de medidas emergenciais para a manutenção da integridade física e psíquica do preso.

Min. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – É exatamente isso. É bem minimalista a tese, quer dizer, a intervenção judicial se faz na estrita medida de defender os direitos fundamentais do preso, que estão consignados na Constituição.

Mina. Cármen Lúcia – Presidente, também não posso deixar de acompanhar os merecidos elogios não apenas ao voto de Vossa Excelência, mas também por ter trazido matéria que aflige a todos, exatamente pelas condições carcerárias.

Citei, num paper, uma frase que poderia ser do voto de um dos juízes ou de um juiz brasileiro, no qual se tem o seguinte:

“...os dolorosos gemidos do fraco, sacrifi cado à ignorância cruel e aos opulentos covardes; os tormentos atrozes que a barbárie infl ige por crimes sem provas, ou por delitos quiméricos, o aspecto abominável dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é ainda aumentado pelo suplício mais insuportável para os infelizes — a incerteza, tantos métodos odiosos, espalhados por toda parte, deveriam ter despertado a atenção dos fi lósofos, essa espécie de magistrados que dirigem as opiniões humanas.

Esta frase não é de juiz, é de Beccaria, no tratado “Dos Delitos e das Penas”, escrito em 1764. E pareceria perfeitamente aproveitável por um de nós para falar das condições dos presos e das prisões brasileiras, o que me parece trágico.

Não tenho nenhuma dúvida, Presidente, em afirmar a competência do Supremo Tribunal Federal, ou do Poder Judiciário, para determinar a adoção das medidas necessárias e garantidoras dos direitos constitucionais à dignidade e à integridade dos presos, das pessoas, portanto, custodiadas.

E foi citado da tribuna pelo advogado um precedente meu, como se eu não tivesse reconhecido esse poder. Não é esse o meu encaminhamento, e vou citar, dentre outros que poderia citar, um julgado de 29 de maio deste ano, o Agravo em Recurso Extraordinário nº 832.823, em cuja ementa se tem:

“7. O acórdão recorrido...” - no caso, era de um tribunal que havia reformado uma sentença que tinha extinto uma ação civil pública do Ministério Público. Portanto, aqui, no sentido oposto: o Tribunal de Justiça reconheceu e determinou que o juiz prosseguisse para julgar as condições daquele presídio - “...harmoniza--se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou a possibilidade de intervenção excepcional do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, máxime quando se cuida, como na espécie, de adoção de providências específicas, garantidoras dos direitos constitucionais fundamentais à vida e à integridade física daqueles sob a custódia do Estado:”

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Portanto, o meu encaminhamento e os meus julgados são exatamente no sentido do reconhecimento da competência do Poder Judiciário para adotar todas as medidas que sejam necessárias para fazer valer os direitos fundamentais dos presos.

Digo, Senhor Presidente, que acolho integralmente o que foi dito por Vossa Excelência e pelos que votaram antes de mim quanto à situação de descalabro da questão penitenciária no Brasil. E faço brevíssimas observações, como achega a um voto que não precisaria, de jeito nenhum, disso.

Mas, lembraria que, primeiro: há um problema no Brasil, porque a parte externa das penitenciárias e das cadeias é do Executivo. A interna é do Poder Judiciário, porque é o juiz que determina a prisão e acompanha o cumprimento da pena. Esse é um dos dados que tenho notado e anotado que vamos ter que repensar.

Outro dado sobre o qual já ouvimos muitas discussões no Tribunal Superior Eleitoral é aquele de que algumas “políticas” não dão voto. Uma delas é construir penitenciárias.

Houve um político em Minas Gerais que, estando em muito má situação, década de sessenta, talvez de cinquenta, recebeu a seguinte notícia: olha, o senhor precisa fazer alguma coisa que seja de maior contentamento... Ao que ele teria respondido ao Secretário: indignos, eu já pensei várias vezes em fazer umas penitenciárias; o povo não quer, o povo depois nem nota.

Quer dizer, na verdade, não se investe nisso, como disse Vossa Excelência, por falta de vontade política. E, convenhamos, não é assim que haverá de ser o exercício da democracia, senão que as políticas públicas haverão de ser adotadas segundo o que a Constituição determinar e para o cumprimento daquilo que seja necessário para o Estado Democrático de Direito, o que significa cumprir o direito; o que significa, ter, inclusive, que fazer presídios. Aliás, deveriam fazer mais escolas, porque talvez não precisássemos de tantos presídios. Mas, de toda a sorte, é preciso que o Brasil repense isso.

Também queria dizer que Vossa Excelência tem toda razão, e agora falo como cidadã... Só para se ter uma idéia das condições de prisões e cadeias em geral, dou um exemplo sempre claro quando temos reuniões na Pastoral Carcerária, que é o seguinte: a cidade, onde mora meu pai, foi criada há noventa anos, com quatro mil habitantes. Construiu-se uma cadeia, e havia um juiz, um promotor e um delegado de polícia. Hoje há quase quarenta mil habitantes, o tráfico de drogas é um problema grave - porque essa cidade faz fronteira com a Bahia -, e se tem a mesma cadeia de noventa anos atrás, um juiz, um promotor e um delegado, ou seja, aumentaram os problemas, mudou a sociedade, e nada se fez em relação a essa matéria. É o que talvez ocorra em muitos dos 5.664 municípios brasileiros.

Enfim, com todas as tragic choices, haverá de se dizer que temos recursos e que eles estão disponíveis exatamente para isso. E tenho dúvidas se a adoção das políticas necessárias para tanto, neste caso, são discricionárias, ou, se não são vinculadas, pelo menos para garantir a integridade dos custodiados.

Considero alguns elementos dessa decisão discricionários: o local, por exemplo, mas não considero discricionária a opção do número sufi ciente de vagas para garantir os direitos constitucionais. Aliás hoje não se fala mais em ato discricionário,

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mas em variantes do ato administrativo, que são discricionárias. Este é um dos casos.

Apenas uma última referência, Presidente, sobre a reserva do possível e o mínimo existencial: é que aqui não se trata do mínimo existencial; nós estamos falando de existência. E a Constituição, no artigo 1º, faz referência à dignidade da pessoa humana, e, no artigo 170, refere-se, expressamente, à existência digna, o que vale para todos, e, em especial, para quem está sob a custódia do Estado.

Também concordo com Vossa Excelência e com os votos que me antecederam no sentido de que aqui não há que se falar em ausência de recurso, porque foi criado o Fundo Penitenciário exatamente para se fazer face a essa demanda que, há algumas décadas, é acentuada, pontuada, denunciada e, nem por isso, faz-se alguma coisa para prover.

Por todas as razões, Presidente, e pelos fundamentos apresentados no voto de Vossa Excelência, dou provimento ao Recurso.

E, quanto à tese, eu acompanharia, mas, como ficou decidido que votamos e depois voltamos a essa questão, vou aguardar.

*****Min. Gilmar Mendes – Presidente, também começo por cumprimentar Vossa

Excelência pelo brilhante e cuidadoso voto que proferiu e também cumprimentar os colegas que estão a acompanhá-lo.

Sem dúvida nenhuma, como já foi amplamente ressaltado, estamos mais uma vez nos defrontando com tema que desafi a amplamente a atividade do Poder Judiciário.

De um lado, sabemos, como vem sendo apontado aqui em vários julgamentos, que o número de vagas existentes no sistema penitenciário revela--se insuficiente. Temos declaradas cerca de trezentos e sessenta mil vagas e já temos uma população carcerária de seiscentos mil presos, o que, portanto, excede significativamente o número de vagas e explica inclusive esse quadro de superlotação carcerária, com todas as mazelas apontadas no voto de Vossa Excelência. Isso, por si só, já é preocupante e tem consequências inclusive no que concerne a aspectos sérios de segurança pública, as condições de sobrevivência no presídio, a atuação das chamadas organizações criminosas chega a ponto que não conseguimos imaginar.

Não faz muito tempo, Presidente, recebi, em meu Gabinete, a visita de um grupo de pessoas engajadas na causa - a Pastoral Carcerária, na defesa de situações dignas nos presídios, a pedido do ministro Peluso, inclusive um sacerdote que se engaja nessa defesa - padre Agostinho, muito conhecido em São Paulo, atua em Ribeirão Preto -, acompanhado de pessoas que advogam para essa instituição e, também, de uma senhora que é mãe de um preso e ela relatava, então, essa realidade. Todas as difi culdades, as exigências que se fazem para que essas pessoas, que são presas, às vezes acusadas de tráfi co de droga, tenham, por exemplo, uma defesa, que é paga pela organização criminosa. Isso, em princípio, não sabíamos. Mas ela deu uma outra informação que me pareceu relevante: também, o transporte para a visita, é o caso de São Paulo - Vossa Excelência o sabe muito bem -, presídios localizados no interior, esse transporte, também, ou as condições de transporte, muitas vezes, são difíceis e os ônibus pertencem, também, ao PCC. Portanto, o Estado está desorganizado e o crime organizado.

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Portanto, quando falamos de todas essas más condições dos presídios, também não estamos discutindo apenas a questão de direitos humanos, estamos discutindo a questão de segurança pública. Condições adequadas dos presídios vão permitir um policiamento adequado, vão permitir um monitoramento da situação, dificultar, talvez, a organização ou a fortaleza, o fortalecimento dessas organizações criminosas. Portanto, esse é um ponto relevante que precisa de ser colocado. E acredito que ele é extremamente importante, Presidente, porque a sociedade com muita justeza, talvez, não compreende, muitas vezes, a colocação do tema numa perspectiva de defesa dos direitos humanos, cansada que está do quadro de impunidade e de violência. Mas esse tema está associado, inexoravelmente, à ideia de segurança pública. Na medida que tenhamos presídios com condições dignas, também, o tema de segurança pública estará sendo devidamente contemplado.

Também, não entendo que aqui se possa invocar, ao contrário do que se fez na tribuna, especialmente no caso trazido, a tese da reserva do financeiramente possível. De qualquer sorte, é bom assentar isso, ainda quando nós aceitamos essa tese e há casos em que pelo menos isso é possível de fazer, não se trata de uma fórmula meramente metafísica, ela existe para o Estado e também para os cidadãos. Em nossa vida, temos essa reserva e também na vida do Estado. Mas aqui de que se cuida? Nós não estamos mandando executar, primeiro, não estamos determinando a formulação de uma política pública. Estamos determinando que atos administrativos e atos concretos sejam tomados para corrigir excessos, inclusive, no que diz respeito - como já foi apontado aqui, até no voto, na manifestação do ministro Celso - ao próprio excesso de execução. É disso que se cuida, quer dizer, a melhoria das condições prisionais. E temos, inclusive, lei sobre o assunto, a Lei de Execução Penal, a começar por ela, que estabelece regras básicas que vêm sendo, talvez desde seu início, sistematicamente descumpridas.

Veja, por exemplo, Presidente, o artigo 88 da Lei nº 7.210, a LEP, a Lei de Execução Penal:

“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que contará dormitório, aparelho sanitário e lavatório.”

E o parágrafo único, então, fala sobre requisitos de salubridade, área mínima de seis metros quadrados, portanto, regras que estão estabelecidas de forma muito clara desde 1984. Há no final, inclusive, uma cláusula de transição:

‘’Art. 203. No prazo de 06 (seis) meses, a contar da publicação desta Lei, serão editadas as normas complementares ou regulamentares, necessárias à eficácia dos dispositivos não auto-aplicáveis.§ 1º Dentro do mesmo prazo deverão as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta Lei.§2º Também, no mesmo prazo, deverá ser providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de casas de albergados” - que era novidade no texto para o regime aberto.“§ 3º O prazo a que se refere o caput deste artigo poderá ser ampliado, por ato do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mediante justifi cada solicitação” - veja a

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responsabilidade do legislador, entendendo que essa cláusula de transição poderia ser estendida -, “instruída com os projetos de reforma ou de construção de estabelecimentos.§ 4º O descumprimento injustifi cado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará a suspensão de qualquer ajuda fi nanceira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança.”

Portanto, veja que a Lei já trouxe inclusive uma cláusula de transição e permitia que o Conselho Penitenciário estendesse esse prazo, respeitando a reserva do financeiramente possível. Não obstante, nós sabemos qual foi o resultado.

Por outro lado, também, sabemos que a responsabilidade pela execução da pena, a despeito da responsabilidade administrativa do Poder Executivo quanto à construção dos presídios, é do Poder Judiciário. Veja, Presidente, que há um capítulo sobre a atuação do juízo, da execução na Lei de Execução Penal. Diz o artigo 66:

“Art. 66. Compete ao Juiz da execução:”

E aí vem a descrição de suas competências e responsabilidades. E o inciso VII desse artigo diz o seguinte:

“VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;”

Veja, portanto, uma responsabilidade direta do juiz da execução.Eu me lembro, Presidente, que, quando - acho que não narrei isso aqui ainda -

vice-presidente do Tribunal, recebi a visita, em nome da ministra Ellen, da senhora ex-Presidente da Corte Suprema canadense, que visitava o Brasil, naquela época, muito focada nesses temas de direitos humanos, especialmente das condições dos presídios. E ela, claro, não demorou a chegar ao tema, talvez o móvel imediato de sua visita, o episódio lamentável de Abaetetuba, em que aquela moça foi colocada num cárcere onde havia homens e foi brutalmente violentada, com a ausência da juíza da comarca, em suma, com todas aquelas ocorrências lamentáveis. Eu, então, expliquei que nós, enquanto juízes, não tínhamos controle da administração do presídio, em sentido amplo, e das dificuldades, das más condições dos presídios e tudo mais. E essa senhora, com uma frieza e uma ponta de ironia anglo--saxônica, disse-me que entendia que abusos ocorriam em todos os lugares, mas me questionou se eu não considerava demasiado que nós tivéssemos levado trinta dias para descobrir o fenômeno. Um questionamento irrespondível. Só restou a mim mesmo dizer-me que eu, pelo menos, nunca mais ouviria um repto dessa índole sem ter feito algo nessa seara e, daí, ter me motivado para discutir o tema no âmbito do CNJ, dando ensejo, então, ao debate sobre os mutirões carcerários.

Mas veja Vossa Excelência que isso é dever do juiz: fiscalizar, estar mensalmente no presídio. No CNJ, nós descobrimos que muitos juízes da execução, Presidente, nunca tinham visitado um presídio; portanto, descumprindo claramente o que estava no texto legal base, o Estatuto da Execução Penal. E, por isso, resoluções do CNJ passarem a exigir, inclusive, relatórios específicos dessa visita. Mas o dispositivo...

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Min Marco Aurélio – Não apenas a prisão açodada, temporã, sem a culpa formada.

Min. Gilmar Mendes – Veja, o dispositivo, o art. 66, diz mais:

“Compete ao Juiz da execução:(...) VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;”

Portanto, uma medida extremamente grave. Mais grave até do que a determinação de aperfeiçoamento, construção, reparo de uma unidade prisional. O ministro Celso lembrava que, muitas vezes, essas medidas são tomadas, mas os tribunais, em função do próprio escarcéu, da própria repercussão desse tipo de medida, em geral, acabam por cassar a interdição que é determinada legalmente.

Lembremo-nos do episódio do juiz de Contagem, Minas Gerais, que acabou sendo até punido em função de uma determinação semelhante.

Vejam, também, que a Lei de Execução Penal confere responsabilidade, competência específi ca ao Ministério Público. Agora já no art. 68, Presidente, que diz:

“Art. 68 - Incumbe, ainda, ao Ministério Público:I- fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e de internamento;II - requerer:a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo;b) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução;”

A isso se referia, também, o ministro Celso de Mello: competência específica...Min. Celso de Mello – Incumbe ao Ministério Público, dentre as suas inúmeras

atribuições no curso do processo de execução penal (LEP, arts. 67 e 68), proceder, ao menos uma vez por mês, a visitas correcionais dos estabelecimentos penitenciários, em ordem a velar pela integridade dos direitos dos sentenciados e a fiscalizar o adequado cumprimento do título penal condenatório.

Min. Gilmar Mendes – E, aí, diz mais no parágrafo único:

“Parágrafo único - O órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio.”

Portanto, o legislador desde 84, uma lei cuidadosa; tomou uma série de cautelas, normas de organização e procedimento com todas essas tessituras, com o objetivo de regular fiscalização para evitar o excesso de execução.

Portanto, Presidente, a rigor, há base legal farta que indica que, na situação descrita no Recurso Extraordinário, nós temos uma rotunda sistemática violação, que demanda correção de forma bastante clara.

Então, não se há de falar, aqui, em qualquer abuso, ou desvio, ou violação eventual da separação dos poderes na espécie. A legislação da execução penal já defi ne as condições básicas dessa execução. Está evidente, portanto, a sistemática violação.

O art. 186 diz quem pode suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução:

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“Art. 186. Podem suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução:I - o Ministério Público;II - o Conselho Penitenciário;III - o sentenciado;IV- qualquer dos demais órgãos da execução penal.”

E o art. 185 diz que:

“Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.”

Portanto, a mim me parece que não se pode invocar de forma longínqua a reserva do financeiramente possível para impedir ou bloquear uma determinação judicial no sentido do reparo que se exige, para que se deem condições mínimas de funcionalidade, de funcionamento à unidade prisional.

Mas há outros argumentos legais que podem ser mencionados e que reforçam a competência de órgãos que integram o Judiciário. A Lei nº 12.106, de 2 de dezembro de 2009, cria, Presidente, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF. Portanto, também, nesse âmbito. E veja que aqui no § 1º já se diz:

“Art. 1º(...)§ 1º Constituem objetivos do DMF, dentre outros correlatos que poderão ser estabelecidos administrativamente:I – monitorar e fiscalizar o cumprimento das recomendações e resoluções do Conselho Nacional de Justiça em relação à prisão provisória e definitiva, medida de segurança e de internação de adolescentes;II – planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal, mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva, da medida de segurança e da internação de adolescentes e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias;III – acompanhar e propor soluções em face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas socioeducativas;IV – fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacitação profi ssional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário;V – propor ao Conselho Nacional de Justiça, em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas, a uniformização de procedimentos, bem como de estudos para aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria;VI – acompanhar e monitorar projetos relativos à abertura de novas vagas e ao cumprimento da legislação pertinente em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas;”

Portanto, ao lado do que já está claramente previsto desde 1984 na Lei de Execução Penal e que é competência do próprio juízo da execução e de todos aqueles que supervisionam, inclusive das corregedorias, temos hoje o departamento de monitoramento do sistema prisional, encartado no âmbito do CNJ. Logo, não se trata de fazer nada de extravagante ou que pudesse de alguma forma malferir - como

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já foi aqui apontado em tantos votos e no voto de Vossa Excelência - o princípio da divisão de poderes. O Judiciário não está assumindo as tarefas típicas do Poder Executivo, da Administração Pública, mas está determinando que se tomem medidas no sentido de estabelecer aquilo que decorre ou está previsto no Texto Constitucional - como já foi largamente apontado a partir do voto de Vossa Excelência -, mas que foi amplamente densificado na legislação infraconstitucional. Portanto, a rigor, o que nós temos aqui são atos concretos ou omissões manifestas que desviam claramente da política que foi estabelecida de forma inequívoca por quem tem legitimidade democrática para fazê-lo, o próprio legislador.

Então, a meu ver, não se há de falar, aqui, de violação à divisão dos poderes, invocar reserva do possível ou, muito menos, de se cogitar de uma intervenção indevida por parte do Judiciário.

Também, não gosto - como disse o ministro Barroso - da expressão ativismo judicial, porque traduz, em certa medida, a ideia de uma censura, não é? Quando se usa a expressão, o que se está a dizer é que houve um excesso; quando o que nós estamos a dizer, de forma muito clara, é que, se houve excesso, foi quanto à falta de cuidados elementares com os direitos fundamentais.

Min. Luís Roberto Barroso – Estamos dizendo que houve escassez.Min. Gilmar Mendes – Isso. Portanto, não se trata de nada que se possa

enquadrar, pelo menos nesse conceito de ativismo. Quer dizer, o Judiciário está sendo chamado a reparar uma situação que é extremamente gravosa a direitos fundamentais.

E, também, não há nenhuma surpresa em o poder público invocar agora, em 2015, o princípio da reserva do possível em relação a uma decisão enunciada em 2007, se nós ficássemos só na sentença; veja que estamos a falar do direito positivo, toda a legislação, que é amplamente conhecida. E não se faz nenhum esforço para demonstrar que se envidaram esforços, engendraram-se medidas para atenuar a situação. Não! Simplesmente, usa-se essa expressão como uma fórmula de imunidade. E esse ponto, acho que é extremamente importante.

Eu tenho até a responsabilidade, talvez, de ser um dos primeiros a discutir o tema da reserva do financeiramente possível entre nós, louvando-me num célebre acórdão da Corte Constitucional alemã que tratava do tema das vagas para estudantes de medicina nas universidades, nas faculdades públicas alemãs. E a Corte, então, lançou mão disso e examinou isso em detalhe. Mas é claro que isso não se pode transformar numa fórmula metafísica, ou numa Floskel, num “abre-te sésamo” para isentar o poder público de responsabilidades. A gente sabe que existem situações que demandam decisões progressivas, mas não pode o poder público, simplesmente, dizer que, tendo em vista as decisões políticas que ele próprio tomou, que ele fez alocação de recursos para aquela finalidade e não para aquela outra, que ele agora pode invocar simplesmente a reserva do financeiramente possível para se isentar de responsabilidades tão elementares.

Min. Marco Aurélio – Talvez como válvula de escape.Min. Gilmar Mendes – Fácil. Por isso precisamos de dimensionar isso de forma

muito clara, quanto se puder aceitar, haverá situações em que isso se coloca, mas é preciso que seja apresentado com a devida seriedade, não como fórmula de escape, como acaba de dizer o ministro Marco Aurélio.

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O ministro Barroso, inclusive, também, ressaltou, chamando a atenção até a um posicionamento meu, a necessidade de que haja de fato responsabilidade fiscal. E nós sabemos hoje, quer dizer, a grande modernização dos nossos tempos é a ideia do chamado estado-fiscal, do Estado que depende, fundamentalmente, dos tributos e por isso tem de agir em consonância com as receitas, que normalmente são obtidas mediante a tributação da comunidade. Mas é preciso, inclusive, quando se invoque aí o limite do financeiramente possível, que haja a própria noção de transparência desses números.

Sua Excelência também destacou e de forma bastante importante, que esse tema nada tem a ver com perfi s ideológicos. Isso não é nem de direita, nem de esquerda, trata-se simplesmente de não gastar mais do que se arrecada. Daí, a ideia desse equilíbrio. Mas há alocações de recursos que são compulsórias, que têm de atender a esses princípios básicos e nós estamos a ver que isso não está a ocorrer.

Vossa Excelência trouxe, inclusive, dados impressionantes sobre este fundo, FUNPEN, e o contingenciamento, o que é altamente constrangedor, porque se fala de falta de recursos ou dificuldades.

Min. Marco Aurélio – Contingenciamento que pressupõe frustração da receita. Min. Gilmar Mendes – Pois é.Min. Marco Aurélio – E os recordes são batidos.Min. Gilmar Mendes – Ou uso desses recursos para outra finalidade, inclusive,

para ajudar no superávit primário, colocando que é emergente isso, mas que não é emergente reparo nos presídios. Portanto, é uma questão delicada essa.

Por outro lado, o Texto Constitucional traz fórmulas - estava me lembrando aqui -, inclusive, aquela prevista, pouco usada, mas prevista no Texto Constitucional, a partir da Emenda nº 45, Presidente, que precisa de ser lembrada, o § 5º do artigo 109, que diz:

“Art. 109 - .....§ 5º - Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”

Neste caso nem se cogitou, porque agiu bem a própria Justiça do Rio Grande do Sul. Decidiu nesse sentido, como nós vimos. Mas veja que o Texto Constitucional tem preocupações notórias com a tutela dos direitos humanos e cria mecanismos que precisam de ser utilizados em caso de possível violação, até mesmo pelo Judiciário, que é o de que se cuida aqui, deslocando-se para a Justiça Federal determinados temas, permitindo esse deslocamento para evitar eventuais manipulações políticas desse tipo de processo.

De modo que, Presidente, por todas as razões elencadas, acompanho integralmente o belíssimo voto proferido por Vossa Excelência, considerando que, ao contrário do temor, que até Vossa Excelência manifestou, não há nenhum excesso

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perpetrado pelo Poder Judiciário ao determinar que se cumpram as normas constitucionais e essa ampla pletora de disposições legais, para não falar dos tratados internacionais já aqui refeitos.

Cumprimento Vossa Excelência.Min. Marco Aurélio – Presidente, pego um gancho nas palavras do ministro

Gilmar Mendes: legislação, temos o suficiente; o que falta é a observância do arcabouço normativo.

Presto, também, esclarecimentos. Disse o ministro Luiz Fux que Felipe Melo Fonte trabalhou em meu gabinete; realmente, trabalhou e bem. E não se pode, no fato, vislumbrar qualquer resquício de nepotismo, mesmo porque, quando fui Presidente do Tribunal, apenas trouxe um parente para ser meu secretário: o jornalista Renato Parente – Secretário de Comunicação!

Presidente, reconheço que há um efeito positivo na distribuição antecipada dos votos. Essa distribuição evita o pedido de vista. No dia de ontem, fui Relator de dois casos, e não conseguimos concluir o julgamento, mas revelo a razão de, há 36 anos, não receber antecipadamente o voto: sou um juiz facilmente sugestionável! Cedo, de imediato, a tudo que se mostra de inteligência maior. E é o caso do voto proferido por Vossa Excelência. Caminhamos para o consenso unânime.

Qual é a situação das nossas penitenciárias, Presidente? Vossa Excelência trouxe o testemunho, desassombrado, do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, no que assentou que as penitenciárias no Brasil são verdadeiras masmorras medievais e que preferiria morrer do que ser recolhido a uma delas. A situação é notória, no que coloca, em segundo plano, direitos fundamentais. Constatamos que a população carcerária hoje é composta em 40% de presos provisórios – e digo: não sei como os Colegas que determinam tanto prisões provisórias dormem; alguns devem ter pesadelos, no que invertem a ordem natural, que é apurar-se para, selada a culpa, ante o princípio da não culpabilidade, que é um princípio constitucional, prender-se – e 60% de presos que estão cumprindo pena imposta, considerado título condenatório precluso na via da recorribilidade.

Vem-nos da Carta Federal – e Vossa Excelência ressaltou isso muito bem, não vou tomar o tempo do Plenário, repetindo o que já se contem no proficiente voto que Vossa Excelência acaba de resumir e entregar – cumprir ao Estado, é garantia constitucional, preservar a integridade física, moral do preso, daquele que se diz custodiado pelo próprio Estado.

Tem-se mais. As penitenciárias devem viabilizar a separação dos presos pelo delito cometido. Prevê-se, também, a separação considerada a idade. Não vou falar naquele episódio do Pará – que foi um aborto – em que se inobservou o gênero e colocou-se uma custodiada junto de presos homens.

Há cláusula – e também Vossa Excelência a trouxe à balha – a assegurar o acesso ao Judiciário – e nem mesmo a lei pode afastá-lo – para ter-se, em segundo plano, ameaça de lesão a direito ou lesão a direito.

Fico muito contente quando vejo, como neste processo, o Ministério Público atuando não apenas como Estado-acusador, mas na defesa de interesses que são coletivos, ajuizando ações cíveis públicas.

Presidente, o chavão de que não cabe ao Judiciário imiscuir-se em se tratando de política pública, que a política pública é um ato simplesmente discricionário, não pega.

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Há pouco, julgamos – há pouco, digo, há dois anos –, na Primeira Turma, o Recurso Extraordinário nº 440.028. A Turma, a uma só voz, proclamou a possibilidade de determinarem-se providências ao Setor Público, assentando a necessidade de ter-se algumas premissas: primeiro, a natureza constitucional – e é o caso – da política pública reclamada; em segundo lugar, a correlação entre ela e os direitos fundamentais – e vamos ao rol dos principais direitos dos cidadãos e notaremos, quanto aos custodiados, aqueles que mencionei há pouco; e a prova – e o fato é notório, não depende de prova – de que há omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo – e não vem de hoje a problemática – justificativa, que digo, socialmente aceitável, para o comportamento. Essa decisão, repito, foi unânime e envolveu, pasmem os Senhores, um Estado que é um Estado-país dentro do País, o de São Paulo. Chegamos ao provimento do recurso em processo revelador de ação cível pública ajuizada, também, pelo Ministério Público, já então do Estado de São Paulo, para determinar ao Estado de São Paulo a feitura de obras em escolas públicas, visando ao acesso de portadores de necessidades especiais. Chegou-se a alegar, inclusive, que não haveria aluno-cadeirante.

Presidente, cumprimento e digo que o trabalho na ADPF, que está sob a minha relatoria e foi mencionada pelo ministro Luís Roberto Barroso, está facilitado em muito pelo conteúdo do voto de Vossa Excelência. O caso reclama a atuação deste Poder, que tem a última palavra sobre o direito posto – o Supremo, um poder que se diz moderador.

Cumprimentando-o, acompanho Vossa Excelência no voto que nos apresentou e com o qual nos brindou, sem colocação de qualquer vírgula.

Min. Celso de Mello – O substancioso e brilhante voto proferido por Vossa Excelência, Senhor Presidente, com o qual estou de inteiro acordo, torna prescindível que me estenda sobre o tema ora em exame.

Desejo destacar, por oportuno, tal como Vossa Excelência o fez, a situação precária e caótica do sistema penitenciário brasileiro, cuja prática, ao longo de décadas, vem subvertendo as funções primárias da pena, constituindo, por isso mesmo, expressão lamentável e vergonhosa da inércia, da indiferença e do descaso do Poder Executivo, cuja omissão tem absurdamente propiciado graves ofensas perpetradas contra o direito fundamental, que se reconhece ao sentenciado, de não sofrer, na execução da pena, tratamento cruel e degradante, lesivo à sua incolumidade moral e física e, notadamente, à sua essencial dignidade pessoal.

A questão penitenciária, em nosso País, já há muitos anos, transcendendo a esfera meramente regional, tornou-se um problema de dimensão eminentemente nacional, tal a magnitude que nesse campo assumiu o crônico (e lesivo) inadimplemento das obrigações estatais, de que tem derivado, como efeito perverso, o inaceitável desprezo pelas normas que compõem a própria Lei de Execução Penal.

Não hesito em dizer, por isso mesmo, Senhor Presidente, a partir de minha própria experiência como Juiz desta Suprema Corte e, também, como antigo representante do Ministério Público paulista, tendo presente a situação dramática e cruel constatada no modelo penitenciário nacional, que se vive, no Brasil, em matéria de execução penal, um mundo de ficção que revela um assustador

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universo de cotidianas irrealidades em conflito e em completo divórcio com as declarações formais de direitos que – embora contempladas no texto de nossa Constituição e, também, em convenções internacionais e resoluções das Nações Unidas, notadamente aquelas emanadas de seu Conselho Econômico e Social – são, no entanto, descumpridas pelo Poder Executivo, a quem incumbe viabilizar a implementação do que prescreve e determina, entre outros importantes documentos legislativos, a Lei de Execução Penal.

O fato preocupante, Senhor Presidente, é que o Estado, agindo com absoluta indiferença em relação à gravidade da questão penitenciária, tem permitido, em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito básico do sentenciado de receber tratamento penitenciário justo e adequado, vale dizer, tratamento que não implique exposição do condenado a meios cruéis ou moralmente degradantes, fazendo-se respeitar, desse modo, um dos mais expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

O Poder Executivo, a quem compete construir estabelecimentos penitenciários, viabilizar a existência de colônias penais (agrícolas e industriais) e de casas do albergado, além de propiciar a formação de patronatos públicos e de prover os recursos necessários ao fiel e integral cumprimento da própria Lei de Execução Penal, forjando condições que permitam a consecução dos fins precípuos da pena, em ordem a possibilitar “a harmônica integração social do condenado e do internado” (LEP art. 1º, “in fine”), não tem adotado as medidas essenciais ao adimplemento de suas obrigações legais, muito embora a Lei de Execução Penal preveja, em seu art. 203, mecanismos destinados a compelir as unidades federadas a projetarem a adaptação e a construção de estabelecimentos e serviços penais previstos em referido diploma legislativo, inclusive fornecendo os equipamentos necessários ao seu regular funcionamento.

Assim sendo, acompanho, integralmente, Senhor Presidente, o primoroso voto proferido por Vossa Excelência. Em consequência, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário, acolhendo, inclusive, a tese segundo a qual se revela lícito ao Poder Judiciário “(...) impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”.

É o meu voto.

ESCLARECIMENTOMin. Ricardo Lewandowski (Presidente e Relator) – Ministro Fachin, Vossa

Excelência, como um grande jurista, um eminente Professor, sugeriu alguma alteração na tese. Eu vejo que o Plenário se encaminhou no sentido de confi rmar a tese; inclusive, o Ministro Fux, que teve que abandonar o Plenário por motivos de trabalho, e também a Ministra Cármen Lúcia, aqui pela intranet, também apoiam a tese.

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Eu pergunto se Vossa Excelência ficaria vencido na tese, mas não no resultado; ou se a aderiria à minha tese sem restrições. Vossa Excelência fica totalmente à vontade. E eu consignaria isso em ata sem o menor problema.

Min. Edson Fachin – Senhor Presidente e eminente Relator, a hora já vai longe, mas não tão tarde a ponto que não me permita reiterar meus cumprimentos. A Sessão de hoje está se revelando uma Sessão histórica neste Tribunal. E, em homenagem às premissas e às preocupações aqui externadas, sem embargo de me permitir juntar uma declaração de voto explicitando a minha posição, eu estou aderindo também à tese de Vossa Excelência e acompanhando o Plenário.

EXTRATO DE ATARECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.581. PROCED.: RIO GRANDE DO SUL.

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI. RECTE.(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RECDO.(A/S): ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INTDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. INTDO. (A/S): ESTADO DO ACRE. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR--GERAL DO ESTADO DO ACRE. INTDO.(A/S): ESTADO DO AMAZONAS. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS. INTDO.(A/S): ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INTDO.(A/S): ESTADO DE MINAS GERAIS. ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. INTDO.(A/S): ESTADO DO PIAUÍ. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PIAUÍ. INTDO.(A/S): ESTADO DE RONDÔNIA PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR--GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA. INTDO.(A/S): ESTADO DA BAHIA. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DA BAHIA. INTDO.(A/S): ESTADO DE RORAIMA. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA. INTDO.(A/S): ESTADO DO AMAPÁ. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAPÁ. INTDO.(A/S): ESTADO DE SANTA CATARINA. PROC.(A/S) (ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. INTDO.(A/S): ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. PROC.(A/S) (ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. INTDO.(A/S): DISTRITO FEDERAL. PROC.(A/S) (ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL. AM. CURIAE.: ESTADO DE SÃO PAULO. PROC.(A/S) ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. AM. CURIAE.: ESTADO DO PARÁ. PROC.(A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARÁ.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 220 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido, a fi m de que se mantenha a decisão proferida pelo juizo de primeiro grau. Ainda por unanimidade, o Tribunal assentou a seguinte tese: “É licito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral,

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nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”. Ausente, justificadamente, o Ministro Teori Zavascki. Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República; pelo Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Luís Carlos Kothe Hagemann, e, pela União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 13.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.Fabiane Pereira de Oliveira Duarte, Assessora-Chefe do Plenário.

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DECISÕES

Embargos de Divergência em REsp n. 1.192.577 (2014/0246972-3) – Corte Especial – Rio Grande do Sul

EMENTAEMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS

INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE IDOSOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.

1. Controvérsia acerca da legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores idosos, que tiveram seu plano de saúde reajustado, com arguida abusividade, em razão da faixa etária.

2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.

3. No caso, o direito fundamental tutelado está entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII (“Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”): “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”

4. “A expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfi m todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para

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sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de signifi cado social, organizacional e de dignifi cação da pessoa humana” (REsp 1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).

5. O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de publicação, concluiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, julgando improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.º, inciso II, da Lei n.º 7.347/1985, alterada pela Lei n.º 11.448/2007 (“Art. 5.º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: ... II - a Defensoria Pública”).

6. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento dos embargos infringentes prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão.

Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, embargante – Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed, embargada – Rafael Raphaelli, Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Tiago B Turra e outro(s) e Eduardo Heitor Porto e outro(s), advogados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da CORTE

ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão conhecendo dos embargos de divergência e dando-lhes provimento, por unanimidade, conheceu e deu provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves.

Convocada a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.Presente o Dr. Rafael Raphaelli, Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul.Brasília (DF), 21 de outubro de 2015 (Data do Julgamento).Felix Fischer, Presidente.Laurita Vaz, Relatora.

RELATÓRIOMina. Laurita Vaz – Trata-se de embargos de divergência opostos pela

DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO GRANDE DO SUL em face de acórdão da Quarta Turma, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, e ementado nestes termos:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS INFRINGENTES. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO

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CIVIL PÚBLICA. LIMITADOR CONSTITUCIONAL. DEFESA DOS NECESSITADOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. GRUPO DE CONSUMIDORES QUE NÃO É APTO A CONFERIR LEGITIMIDADE ÀQUELA INSTITUIÇÃO.1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória (CPC, art. 530). Excepcionalmente, tem-se admitido o recurso em face de acórdão não unânime proferido no julgamento do agravo de instrumento quando o Tribunal vier a extinguir o feito com resolução do mérito.2. Na hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito, para chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora acabou-se adentrando no terreno do mérito.3. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, “é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. É, portanto, vocacionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que “comprovarem insuficiência de recursos” (CF, art. 5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental.4. Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica - “a defesa dos necessitados” (CF, art. 134) -, devendo os demais normativos serem interpretados à luz desse parâmetro.5. A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa benefi ciar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.6. No caso, a Defensoria Pública propôs ação civil pública requerendo a declaração de abusividade dos aumentos de determinado plano de saúde em razão da idade.7. Ocorre que, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.8. Diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substituição (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda. Precedentes.9. Recurso especial provido.”

Alega a Defensoria Pública Embargante que “o entendimento adotado pela Colenda 4ª Turma no julgamento do recurso especial em tela diverge da orientação adotada em julgados das Turmas da 1ª Seção”, apontando os seguintes arestos paradigmas:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 13 DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS

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E CULTURAIS. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI 7.347/85. PROCESSO DE TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO. LEGITIMIDADE ATIVA. LEI 11.448/07. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública contra regra em edital de processo seletivo de transferência voluntária da UFCSPA, ano 2009, que previu, como condição essencial para inscrição de interessados e critério de cálculo da ordem classifi catória, a participação no Enem, exigindo nota média mínima. Sentença e acórdão negaram legitimação para agir à Defensoria.2. O direito à educação, responsabilidade do Estado e da família (art. 205 da Constituição Federal), é garantia de natureza universal e de resultado, orientada ao “pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade” (art. 13, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto 591, de 7 de julho de 1992), daí não poder sofrer limitação no plano do exercício, nem da implementação administrativa ou judicial. Ao juiz, mais do que a ninguém, compete zelar pela plena eficácia do direito à educação, sendo incompatível com essa sua essencial, nobre, indeclinável missão interpretar de maneira restritiva as normas que o asseguram nacional e internacionalmente.3. É sólida a jurisprudência do STJ que admite possam os legitimados para a propositura de Ação Civil Pública proteger interesse individual homogêneo, mormente porque a educação, mote da presente discussão, é da máxima relevância no Estado Social, daí ser integral e incondicionalmente aplicável, nesse campo, o meio processual da Ação Civil Pública, que representa “contraposição à técnica tradicional de solução atomizada” de conflitos (REsp 1.225.010/PE,Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.3.2011).4. A Defensoria Pública, instituição altruísta por natureza, é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal. A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas da população - aos pobres sobretudo - nega-se acesso efetivo ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz possível.5. O direito à educação legitima a propositura da Ação Civil Pública, inclusive pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso. Ao certo, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, pois sua legitimidadead causam, no essencial, não se guia pelas características ou perfi l do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo).6. “É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossufi cientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fi m do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais” (REsp 1.106.515/MG,Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011).7. Recurso Especial provido para reconhecer a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública.” (REsp 1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012.)

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“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 5º, II, DA LEI Nº 7.347/1985 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.448/2007). PRECEDENTE.1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores.2. Esta Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.3. Recursos especiais não-providos.” (REsp 912.849/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 28/04/2008.)

Pede o acolhimento dos embargos, “para que prevaleça o entendimento adotado no primeiro paradigma invocado, adotando-se o critério de necessidade mais amplo do que o puramente econômico, ou, caso assim não se entenda, na hipótese de manutenção do entendimento restritivo de necessitados, a restrição imposta seja exigível apenas nas eventuais fases de liquidação e execução ” (fl . 1042).

A SOCIEDADE DR BARTHOLOMEU TACCHINI - PLANO DE SAÚDE TACCHIMED, ora Embargada, ofereceu impugnação às fl s. 1130/1134, sustentando que “não há correspondência entre as matérias, teses e argumentos debatidos no acórdão recorrido e os acórdãos paradigmas dos embargos de divergência ” (fl . 1131).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou às fl s. 1140/1145 pelo acolhimento dos embargos, consoante parecer assim ementado:

“1. Processual Civil e Administrativo. Embargos de Divergência. Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Coletiva de Consumo. SociedadeDr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed. Legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública. Defesa dos Necessitados.2. Abusividade dos aumentos de referido plano quando aplicados em razão do advento da condição de idoso.Ocorrência.3. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento dos Embargos de Divergência para o fim de prevalecer o entendimento amplo da vulnerabilidade que legitima a atuação da Defensoria Pública, conforme entendimento traçado no aresto paradigma invocado da 2ª Turma no Resp 1.264.116/RS, da Relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN.”

É o relatório.

VOTOMina. Laurita Vaz – No caso dos autos, a DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO

GRANDE DO SUL ajuizou ação civil pública arguindo abusividade dos aumentos do PLANO DE SAÚDE TACCHIMED, em razão da condição de idoso.

O Juízo de primeiro grau deferiu a antecipação de tutela, determinando que a Recorrente, ora Embargada, se abstivesse em reajustar os planos de saúde de seus contratados com idade superior a 60 anos.

Contra a decisão foi interposto agravo de instrumento. O Desembargador Relator, monocraticamente, negou provimento ao recurso, ensejando agravo regimental.

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A Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, deu provimento ao recurso, acolhendo a preliminar de ilegitimidade da Defensoria Pública.

Seguiu-se a oposição de embargos infringentes, que foram acolhidos pelo Terceiro Grupo Cível da Corte Estadual, para reconhecer a legitimidade da Defensoria Pública.

A Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, deu provimento ao recurso especial, em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, consignando o entendimento de que “A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos , sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa benefi ciar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas “ (fl . 1015; grifei).

Em conclusão, entendeu o acórdão embargado que, “ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado “ (fl . 1017).

Inconformada, a DEFENSORIA PÚBLICA gaúcha opõe embargos de divergência, sustentando que “o entendimento adotado pela Colenda 4ª Turma no julgamento do recurso especial em tela diverge da orientação adotada em julgados das Turmas da 1ª Seção” (fl . 1039). Aponta os seguintes arestos paradigmas: REsp 1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012; e REsp 912.849/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 28/04/2008.

Pondera a Embargante que “não apenas o conceito de necessitado teve diferente roupagem no v. Acórdão embargado em relação ao adotado no paradigma invocado, visto que neste abrangida explicitamente a situação de vulnerabilidade de idosos, o que, por si só, já justifi ca a legitimidade da Defensoria Pública no caso em exame, também houve divergência quanto à restrição da legitimidade da referida Instituição no manejo da Ação Civil Pública, admitida no v. Acórdão guerreado em relação a direitos coletivos estrito senso e individuais homogêneos apenas às pessoas notadamente necessitadas, em juízo concreto, não abstrato como admitido no paradigma trazido” (fl . 1041).

De fato, o acórdão paradigma entendeu de forma mais abrangente o conceito de necessitado, ao admitir a legitimidade da Defensoria Pública. Ressaltou o voto--condutor do julgado paradigma que “a expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da Constituição), que qualifi ca, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos fi nanceiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfi m todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos

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salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de signifi cado social, organizacional e de dignifi cação da pessoa humana.”

Como se vê, os dois julgados trataram da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos – no acórdão embargado, em defesa de idosos contratantes de plano de saúde, em face de reajustes tidos por abusivos; no paradigma, de candidatos em processo seletivo de transferência entre universidades. E as soluções dadas aos casos, de fato, mostraram--se díspares, a ensejar a admissibilidade dos embargos de divergência.

A legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos é inquestionável, até porque, como bem ressaltou o voto--condutor do acórdão embargado, “no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas”.

A controvérsia surge quando se trata de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, na medida em que há grupos determinados de lesados, individualmente identificáveis.

Assim, a questão está adstrita à interpretação do que vem a ser “necessitados” por “insuficiência de recursos”, a fim de legitimar a atuação da Defensoria Pública, nos termos do inciso II do art. 5.º da Lei n. 7.347/1985, sob a luz dos arts. 5.º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição Federal.

O acórdão embargado entende que, nesse caso, “a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas “, conceito adstrito à condição econômica.

Já o paradigma, propugna por uma interpretação mais ampla, de modo a incluir entre os “necessitados” aqueles que se mostram vulneráveis ao poder econômico ou político, ainda que não sejam exatamente pobres.

Com a devida vênia daqueles que adotam entendimento contrário, creio que a melhor solução foi mesmo a do paradigma. Com efeito, extrai-se do ilustrado voto do Ministro Herman Benjamin a seguinte fundamentação, a qual adiro:

“[...]Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Basta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis.A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos benefi ciados incluir, direta ou refl examente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada a centenas ou milhares de necessitados, deixando-os à mingua diante de graves lesões de natureza supraindividual. Nesse sentido, já decidiu o STJ que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro “tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial” (REsp 555.111/RJ,Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJe 18.12.2006).Objeto da presente demanda, o direito à Educação é considerado questão da mais alta relevância, capaz de justifi car a propositura da Ação Civil Pública, até mesmo pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso.

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Em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legitimidade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfi l do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente do STJ ampliasse essa legitimidade para o ancho campo da dignidade humana: “a legitimatioad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossufi cientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fi m do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais” (REsp 1.106.515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011, grifei).”

A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.

O Legislador ordinário deixou explícita a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, a partir da edição da Lei n.º 11.448/07. Entretanto, como bem ressaltou o acórdão embargado, “É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossufi cientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fi m do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais “ (REsp 1.106.515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011).

No caso, o direito fundamental tutelado está entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII (“Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”): “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”

O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de publicação, concluiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, julgando improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.º, inciso II, da Lei n.º 7.347/1985, alterada pela Lei n.º 11.448/2007 (“Art. 5.º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: ... II - a Defensoria Pública”).

Conforme noticiado no Informativo n.º 784 do STF:

“No mérito, o Plenário assentou que a discussão sobre a validade da norma que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública, em típica tutela dos direitos transindividuais e individuais homogêneos, ultrapassaria os interesses de ordem subjetiva e teria fundamento em defi nições

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de natureza constitucional-processual, afetos à tutela dos cidadãos social e economicamente menos favorecidos da sociedade. Ao aprovar a EC 80/2014, o constituinte derivado fi zera constar o papel relevante da Defensoria Pública (‘Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal’). Em Estado marcado por inegáveis e graves desníveis sociais e pela concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda seria o efetivo acesso à Justiça. Além disso, em Estado no qual as relações jurídicas importariam em danos patrimoniais e morais de massa por causa do desrespeito aos direitos de conjuntos de indivíduos que, consciente ou inconscientemente, experimentariam viver, o dever de promover políticas públicas tendentes a reduzir ou suprimir essas enormes diferenças passaria pela operacionalização de instrumentos que atendessem com efi ciência às necessidades dos seus cidadãos. A interpretação sugerida pela autora desta ação tolheria, sem razões de ordem jurídica, a possibilidade de utilização de importante instrumento processual — a ação civil pública — capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais de pobres e ricos a partir de iniciativa processual da Defensoria Pública. Não se estaria a afi rmar a desnecessidade de a Defensoria Pública observar o preceito do art. 5º, LXXIV, da CF, reiterado no art. 134 — antes e depois da EC 80/2014. No exercício de sua atribuição constitucional, seria necessário averiguar a compatibilidade dos interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis benefi ciários de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública. Condicionar a atuação da Defensoria Pública à comprovação prévia da pobreza do público-alvo diante de situação justifi cadora do ajuizamento de ação civil pública — conforme determina a Lei 7.347/1985 — não seria condizente com princípios e regras norteadores dessa instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da CF. Se não fosse sufi ciente a ausência de vedação constitucional da atuação da Defensoria Pública na tutela coletiva de direitos, inexistiria também, na Constituição, norma a assegurar exclusividade, em favor do Ministério Público, para o ajuizamento de ação civil pública. Por fi m, a ausência de demonstração de confl itos de ordem objetiva decorrente da atuação dessas duas instituições igualmente essenciais à justiça — Defensoria Pública e Ministério Público — demonstraria inexistir prejuízo institucional para a segunda, menos ainda para os integrantes da Associação autora. ADI 3943/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6 e 7.5.2015. (ADI-3943)”

Ante o exposto, ACOLHO os embargos de divergência para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento dos embargos infringentes prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTOCORTE ESPECIAL

Número Registro: 2014/0246972-3. PROCESSO ELETRÔNICO EREsp 1.192.577/RS. Números Origem: 10800062859 201000805877 70029303153 70032106213. PAUTA: 19/08/2015. JULGADO: 19/08/2015. Relatora Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ. Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER. Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO. Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA.

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AUTUAÇÃOEMBARGANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL. ADVOGADOS : RAFAEL RAPHAELLI, DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EMBARGADO : SOCIEDADE DR BARTHOLOMEU TACCHINI - PLANO DE SAÚDE TACCHIMED. ADVOGADOS : TIAGO B TURRA E OUTRO(S), EDUARDO HEITOR PORTO E OUTRO(S). ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde.

SUSTENTAÇÃO ORALSustentou oralmente o Dr. Rafael Raphaelli, pela embargante.

CERTIDÃOCertifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe

na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:Após o voto da Sra. Ministra Relatora conhecendo dos embargos de divergência

e dando-lhes provimento, pediu vista antecipada o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.Aguardam os Srs. Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura,

Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.

Convocada a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

VOTO-VISTAMin. Luis Felipe Salomão – 1. A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande

do Sul ajuizou ação coletiva em face de Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed pleiteando declaração de abusividade dos aumentos do plano quando aplicados em razão do advento da condição de idoso.

O magistrado de piso deferiu a antecipação de tutela, determinando que a recorrida se abstivesse de reajustar os planos de saúde de seus contratados com idade superior a 60 anos.

A decisão foi desafiada por meio do agravo de instrumento, tendo o Desembargador relator, monocraticamente, negado provimento ao recurso.

Interposto regimental, a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, deu provimento ao recurso, acolhendo a preliminar de ilegitimidade da recorrida, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFENSORIA PÚBLICA. NÃO TEM LEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” PARA AJUIZAR AÇÃO COLETIVA EM NOME DE PESSOAS NÃO IDENTIFICADAS. A LEI 7.347/85, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.448/2007, AUTORIZA O AJUIZAMENTO, NA FORMA DO ART. 5°, lI, MAS DESDE QUE IDENTIFICADAS AS PARTES E QUE SEJAM NECESSITADAS. POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, JULGARAM EXTINTO O FEITO PRINCIPAL, COM BASE NO ART. 267, VI, DO CPC. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ACOLHIDA, POR MAIORIA. (fl s. 633-646)

Embargos infringentes formulados e acolhidos pelo Terceiro Grupo Cível daquele Tribunal, em julgado que foi assim sumariado:

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EMBARGOS INFRINGENTES. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.A teor da redação do art. 530 do CPC, os embargos infringentes são cabíveis quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito. No caso, contudo, não obstante tenham, os embargos, sido interpostos em face de acórdão que apreciou agravo, de rigor é o respectivo conhecimento, tendo em vista que a divergência, relativa à legitimidade ativa da ora embargante acabou acarretando a extinção do processo e impedindo, por conseguinte, a apreciação do mérito da ação coletiva de consumo.Ilegitimidade da Defensoria Pública do Estado, para a propositura de ações civis públicas, afastada. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado. Assim, nada impede que, para o adequado exercício dessa e das suas outras funções institucionais, a Defensoria Pública lance mão, se necessário, dos instrumentos de tutela coletiva.Embargos acolhidos.(fls. 752-779)

Opostos aclaratórios, o recurso foi rejeitado (798-802).A Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed interpôs

recurso especial, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, por negativa de vigência aos arts. 530 e 535 do CPC e ao art. 5°, II, da Lei n. 7.347/1985, tendo a Quarta Turma do STJ, na sessão do 13 de maio de 2014, dado provimento ao especial, nos termos da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS INFRINGENTES.LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITADOR CONSTITUCIONAL. DEFESA DOS NECESSITADOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. GRUPO DE CONSUMIDORES QUE NÃO É APTO A CONFERIR LEGITIMIDADE ÀQUELA INSTITUIÇÃO.1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória (CPC, art. 530).Excepcionalmente, tem-se admitido o recurso em face de acórdão não unânime proferido no julgamento do agravo de instrumento quando o Tribunal vier a extinguir o feito com resolução do mérito.2. Na hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito, para chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora acabou-se adentrando no terreno do mérito.3. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, “é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. É, portanto, vocacionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que “comprovarem insuficiência de recursos” (CF, art. 5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental.4. Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica - “a defesa dos necessitados” (CF, art. 134) -, devendo os demais normativos serem interpretados à luz desse parâmetro.

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5. A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.6. No caso, a Defensoria Pública propôs ação civil pública requerendo a declaração de abusividade dos aumentos de determinado plano de saúde em razão da idade.7. Ocorre que, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.8. Diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substituição (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda.Precedentes.9. Recurso especial provido.(fls. 998-1020)

Irresignada, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul interpõe embargos de divergência, com escopo nos arts. 11, XIII, 266 e 267, todos do RISTJ.

Aduz que o entendimento sufragado pela Quarta Turma do STJ, apesar de reconhecer a legitimidade da Defensoria Pública para propor ações civis públicas em defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, acabou por restringir a pertinência subjetiva desta quando se tratar de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, pois a legitimação fi ca restrita às pessoas notadamente necessitadas.

Salienta que tal posicionamento é divergente do adotado no REsp 1.264.116/RS, da Segunda Turma desta Corte, que ampliou o conceito de necessitado para lhe conferir sentido amplo, “de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos fi nanceiros – os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfi m, todos aqueles que, como indivíduos ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores do poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado, mesmo que contra o próprio Estado”.

Estabeleceu, ainda, que “não há de se contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente benefi ciados”, bastando “um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossufi cientes, os desamparados, os hipervulneráveis”.

Aponta, também, divergência com o REsp n. 912.849/RS, haja vista que no paradigma se decidiu que eventual limitação constitucional à atuação da Defensoria Pública, com a comprovação de que os beneficiários sejam necessitados, só se daria na fase da liquidação ou execução do julgado.

A em. Min. Laurita Vaz, relatora, num primeiro momento indeferiu liminarmente os embargos, haja vista a falta de cotejo analítico dos julgados e pela diversidade de base fática dos casos, encontrando óbice na Súm. 598 do STF (fl s. 1.102-1.108).

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Interposto regimental (fls. 1.115-1.119), a Ministra realizou juízo de retratação para admitir o processamento do recurso (fls. 1.122-1.124).

Contrarrazões apresentadas às fls. 1.130-1.134.Instado a se manifestar, o membro do Ministério Público Federal opinou pelo

provimento dos embargos, nos termos da seguinte ementa:

1. Processual Civil e Administrativo. Embargos de Divergência. Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Coletiva de Consumo. Sociedade Dr. Bartholomeu Tacchini - Plano de Saúde Tacchimed.Legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública. Defesa dos Necessitados.2. Abusividade dos aumentos de referido plano quando aplicados em razão do advento da condição de idoso.Ocorrência.3. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento dos Embargos de Divergência para o fim de prevalecer o entendimento amplo da vulnerabilidade que legitima a atuação da Defensoria Pública, conforme entendimento traçado no aresto paradigma invocado da 2ª Turma no Resp 1.264.116/RS, da Relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN.(fls. 1140-1145)

A eminente relatora, na sessão de 19/8/2015, conheceu dos embargos de divergência e lhes deu provimento para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgado que reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão, nos termos da seguinte ementa:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE IDOSOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.1. Controvérsia acerca da legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores idosos. que tiveram seu plano de saúde reajustado, com arguida abusividade, em razão da faixa etária.2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.°, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.3. No caso, o direito fundamental tutelado esta entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constitução Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII (“Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”): “A família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem--estar e garantindo-lhes o direito à vida.”

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4. “A expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da Constituição), que qualifi ca, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos fi nanceiros os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfi m todos aqueles que como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma--se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana” (Resp 1.264.116/RS. Rcl. Ministro HERMAN BENJAMIN. SEGUNDA TURMA. Julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012).5. O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de publicação, concluiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa dc interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, julgando improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.°, inciso II, da Lei n.°•7.347/1985, alterada pela Lei n. 11.448/2007 (“Art. 5.° - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:... II - a Defensoria Pública”).6. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento dos embargos infringentes prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão.

Malgrado de minha relatoria o aresto impugnado, mas diante de recente precedente da Corte Suprema e do minudente voto da eminente relatora, pedi vista dos autos para melhor análise.

2. O ponto nodal da controvérsia é saber se a Defensoria Pública possui legitimidade extraordinária para ajuizar ação coletiva em favor de consumidores de determinado plano de saúde que sofreram reajustes em seus contratos, em razão da mudança de faixa etária.

A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.

É, portanto, vocacionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que “comprovarem insuficiência de recursos “ (CF, art. 5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental.

Com efeito, diante dos princípios da máxima efetividade, da força normativa, da interpretação conforme a Constituição e, especialmente, dos instrumentos de tutela dos direitos por ela criados, não se hesita em afirmar que há ampla legitimação ativa da Defensoria no plano jurisdicional, seja no aspecto material - civil, penal, consumidor, ECA, previdenciário, idoso, portadores de necessidades especiais, dentre outros-, seja no instrumental para ajuizamento de ações individuais e coletivas, intimação pessoal, prazos diferenciados, dentre outros, desde que voltada as suas funções institucionais.

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Aliás, no tocante aos pleitos de natureza coletiva, malgrado já se reconhecesse a legitimidade ativa deste órgão, foi apenas com a Lei n. 11.448/2007, que alterou o inciso II do art. 5° da Lei n. 7.347/1985, que o legislador veio a conferi-la, expressamente, para o ajuizamento de ação civil pública.

A Lei Complementar n. 80/1994 - responsável por organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescrever normas gerais para sua organização nos estados - estabelece dentre seus dispositivos (com a nova redação conferida pela LC n. 32/2009) que:

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;[...]VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder benefi ciar grupo de pessoas hipossufi cientes;VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;[...]X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;

Verifi ca-se, assim, que o legislador infraconstitucional, ao tratar especialmente da organização da instituição, também vincula sua atuação à defesa em prol dos necessitados.

É que a Defensoria Pública, como visto, é vertida na prestação de assistência jurídica ao necessitado que comprovar “insuficiência de recursos (CF, art. 5º, LXXIV), isto é, aquele que, sem prejuízo da sua subsistência, não possuir meios de arcar com as despesas atinentes aos serviços jurídicos de que precisa - contratação de advogado e despesas processuais.

Deveras, a Lei n. 1.060/1950 considera necessitado, “para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2°, parágrafo único), havendo diversos expedientes normativos que vêm tentando fixar um padrão mínimo e objetivo para caracterização dessa hipossuficiência.

3. A egrégia Quarta Turma, portanto, no julgamento do especial, concluiu que haveria, diante das funções institucionais da Defensoria Pública, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica -

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“a defesa dos necessitados” (CF, art. 134) -, devendo os demais normativos serem interpretados à luz desse parâmetro, inclusive no tocante aos processos coletivos, restringindo, assim, a legitimidade ativa dessa instituição para atender efetivamente as suas funções institucionais conferidas pela Carta da República.

O Min. Teori Albino Zavaski assentou esse mesmo entendimento em voto-vista proferido no REsp n. 912.849/RS, sendo também citado por ele, como razão de decidir, em seu voto no julgamento da ADI 3943/DF:

As normas infraconstitucionais de legitimação ativa da Defensoria Pública devem ser interpretadas levando em consideração as funções institucionais estabelecidas na Constituição. Nos termos do art. 134 da CF, “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Esse dispositivo a que se reporta a norma estabelece, por sua vez, que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Considerado o princípio da máxima efetividade da Constituição e, especialmente, dos instrumentos de tutela dos direitos por ela criados, não há dúvida de que os dispositivos transcritos conferem à Defensoria Pública legitimação ativa ampla no plano jurisdicional, tanto sob o aspecto material, quanto no instrumental. Não há razão para, no plano material, excluir as relações de consumo ou de, no âmbito processual, limitar seu acesso ao mero plano das ações individuais. Portanto, é legítima, do ponto de vista constitucional, a disposição do art. 4º, XI, da Lei Complementar 80, de 1994, segundo a qual “São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras (...) patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado”. E nada impede que, para o adequado exercício dessa e das suas outras funções institucionais, a Defensoria Pública lance mão, se necessário, dos virtuosos instrumentos de tutela coletiva.Se é certo que a Defensoria Pública está investida desses poderes, também é certo que a Constituição estabelece, sob o aspecto subjetivo, um limitador que não pode ser desconsiderado: à Defensoria cumpre a defesa “dos necessitados” (CF, art. 134), ou seja, dos “que comprovarem insufi ciência de recursos” (art. 5º, LXXIV). Essa limitação, que restringe a legitimidade ativa a ações visando à tutela de pessoas comprovadamente necessitadas, deve ser tida por implícita no ordenamento infraconstitucional, como, v.g., no art. 4º da LC 80/94 e no art. 5º, II da Lei 7.347/85. Sustentamos esse entendimento também em sede doutrinária (Processo Coletivo, 2ª ed., SP:RT, p.77). E foi justamente assim que entendeu o STF quando apreciou a constitucionalidade do art. 176, § 2º, V, e e f, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, que trata de legitimação dessa natureza (Adin-MC 558-8, Pleno, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.03.93).

No mesmo sentido é a doutrina especializada de: José dos Santos Carvalho Filho (Ação civil pública . Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 156-157); Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina (Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Editora RT, 2007, p. 312-313); Pedro Lenza (Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora RT, 2008, p. 207-208); Hugo Nigro Mazzilli (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 334) e Teori Albino Zavaski (Processo coletivo , São Paulo: Editora RT, 2009, p. 66).

Foi também o posicionamento sufragado pelo STF no julgamento da ADI 558 - em análise da constitucionalidade do art. 176, § 2º, V, “e” e “f” da Constituição

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do Estado do Rio de Janeiro -, oportunidade em que aquela Corte restringiu o ajuizamento da ação civil pública em relação a associação ou consumidor carente de recursos para a veiculação processual de seus direitos.

O acórdão foi assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: IMPUGNAÇÃO A VARIOS PRECEITOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM PEDIDO DE SUSPENSÃO LIMINAR DOS ARTS. 100 (EM PARTE), 159 (EM PARTE), 176, “CAPUT” (EM PARTE) E SEU PAR. 2., V, “E” E “F”; 346 E 352, PARAG. ÚNICO: MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARCIALMENTE, SEM SUSPENSÃO DO TEXTO, QUANTO AO ART. 176, PAR. 2., V, “E” E “F”, E, INTEGRALMENTE, QUANTO AOS ARTG. 346 E 352, PARAG. ÚNICO.[...]3. Defensoria Pública: argüição de inconstitucionalidade de normas que lhe conferem atribuição para: a) a orientação jurídica, a postulação e a defesa em juízo dos direitos e interesses “coletivos” dos necessitados (art. 176, “caput”): denegação da liminar; b) patrocinar (e não, promover) ação civil em favor de associações destinadas a proteção de interesses “difusos” (art. 176, par. 2., v, “e”, 1., parte): suspensão cautelar recusada; c) “idem”, em favor de associações de defesa de interesses “coletivos” (art. 176, par. 2., v, “e”, 2., parte): suspensão liminar deferida, em termos, para restringir provisoriamente a aplicação do dispositivo a hipótese em que se cuide de entidade civil desprovida de meios para o custeio do processo; d) patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado, na forma da lei (art. 176, par. 2., v, “f”): medida cautelar deferida em termos similares a da alinea “c” supra.[...].(ADI 558 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/1991, DJ 26-03-1993)

Ressalte-se que em nenhum momento se deixou de reconhecer a legitimidade da Defensoria Pública para a tutela de interesses metaindividuais, inclusive por ser esse posicionamento sedimentado no âmbito do STJ: REsp 912849/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 28/04/2008; REsp 1275620/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 22/10/2012; REsp 1264116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012.

Com efeito, a Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade será ampla (basta que possa benefi ciar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas, e mesmo que indiretamente venham a ser alcançadas pessoas que tenham “sufi ciência” de recursos, isto, por si só, não irá elidir tal legitimação.

No entanto, entendeu-se - naquela oportunidade - que em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deveria ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.

Hugo Nigro Mazzilli bem delineou essa conclusão:

[...] a Defensoria Pública pode propor ações civis públicas ou coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de pessoas que se encontrem na condição de necessitados - com insuficiência de recursos para custear a defesa individual -, mesmo que, com isso, em

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matéria de interesses difusos (que compreendem grupos indetermináveis de lesados), possam ser indiretamente benefi ciadas terceiras pessoas que não se encontrem em condição de defi ciência econômica. Aliás, nem mesmo haveria como separar os integrantes do grupo difuso atingido, para que só os necessitados fossem alcançados pela ação da Defensoria Pública. Se esse argumento fosse válido, então o Ministério Público, pelo mesmo raciocínio, não poderia exercer a defesa coletiva de consumidores, pois frequentemente estaria, a um só tempo, defendendo interesses sociais do grupo, e interesses individuais disponíveis de cada lesado, Apenas no tocante à defesa de interesses coletivos em sentido estrito ou de interesses individuais homogêneos (nestas duas hipóteses temos grupos determináveis de lesados), será mister que os benefi ciários da ação sejam pessoas necessitadas, para que a Defensoria Pública possa exercitar em seu favor o processo coletivo. (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 336)

Nesse sentido, também foi o fundamento do voto do Min. Sepúlveda Pertence na já referida ADI 558, verbis:

28. Mais delicada é a extensão do beneficio do patrocínio da Defensoria Pública, indiscriminadamente, às associações de defesa de interesses coletivos (C. est., art. 176,·§ 2°,v, e), assim como, com igual universalidade, à defesa dos direitos e interesses de qualquer consumidor lesado (ib, alínea f).29. Ao contrário dos interesses difusos - que são indivisíveis, o direito ou interesse coletivo, pelo menos, em uma das suas acepções correntes, é direito ou interesse que se desdobra em tantos direitos ou interesses individualizados quantos sejam os membros da coletividade considerada: nesse sentido, por exemplo, é que o adjetivo qualifica o mandado de segurança coletivo em defesa de membros ou associados da entidade legitimada (CF, art. 59, LXX): por isso, ao contrário do que ocorre com a defesa dos interesses difusos, o patrocínio do interesse coletivo não é necessariamente altruístico, mas pode traduzir-se em privilégio de defesa gratuita de interesses privados de uma série de titulares não necessitados, o que não só desbordaria dos deslindes da vocação constitucional da Defensoria Pública, como caracterizaria afronta à isonomia das partes no processo.30. O mesmo é de dizer-se da alínea f, questionada, quando estendida a incidência do dispositivo ao patrocínio do consumidor lesado, quando não concorra o requisito da hipossuficiência econômica do interessado.31. Penso, entretanto, que a suspensão de vigência dos textos impugnados poderia resultar em contrapartida,- na subtração na pendência desta ação direta, de relevantes serviços que sabidamente a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vem prestando à defesa de interesses coletivos de comunidades efetivamente carentes, organizadas em associações civis, assim como de consumidores desprovidos de recursos para a veiculação processual de seus direitos.32. A solução conciliatória está, portanto, na via aberta com a decisão liminar da ADln 491, de 13.6.91, relator o em. Ministro Moreira Alves, em que, ao invés da suspensão de vigência do texto legal questionado, limitou-se o Tribunal à vedação cautelar de sua aplicação, na medida em que fundada em interpretação aparentemente desconforme à Constituição.33. Por isso, no ponto, o meu voto, sem suspender a vigência das referidas alíneas e e f do art. 176, § 2°, V, da Constituição estadual, concede parcialmente a medida cautelar para reduzir sua aplicação, até a decisão defi nitiva, aos casos em que, da sua

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inteligência conjugada com o caput do dispositivo, concorra o requisito da necessidade dos titulares do direito ou interesse coletivo ou individual patrocinado.

Em razão de tudo disso, foi que a Quarta Turma chegou à conclusão de que, na hipótese, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública.

Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado e, por conseguinte, em legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública para fi ns de ajuizamento da presente ação civil pública.

Ressaltou-se, contudo, que a Defensoria Pública pode continuar atuando em defesa desse consumidor de plano de saúde que vier a comprovar, no caso concreto, que não detém condições econômicas de arcar com as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família, mesmo em se tratando de litígio relacionado ao contrato em questão.

Por fi m, autorizou-se a substituição (sucessão) da parte tida por ilegítima ativamente para a condução da demanda, diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965).

4. Contudo, em razão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.943/DF, sessão do dia 7 de maio de 2015, na qualidade de guardião da Constituição, revejo meu entendimento para com este alinhá-lo, até porque a ratio dos julgados é a mesma, sendo que a Corte Suprema apenas postergou a limitação da legitimidade adequada das pessoas “necessitadas” para momento futuro, qual seja, o da liquidação ou execução da sentença.

De fato, delineando o modelo constitucional de acesso à Justiça, reconheceu o plenário do STF, assim como já fazia o STJ, que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, ultrapassando os interesses de ordem subjetiva com fundamento em defi nições de natureza constitucional-processual afetos à tutela dos cidadãos social e economicamente menos favorecidos da sociedade.

O julgado foi assim ementado:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDAD DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO

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INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.(ADI 3943, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015 PUBLIC 06-08-2015).

No tocante à eventual limitação na atuação da instituição em razão do parâmetro da defesa do interesse dos “necessitados”, asseverou:

37. No caso em pauta, há de assentar este Supremo Tribunal interpretação que, a um só tempo, “potencialize a defesa dos necessitados e (…) minimize as hipóteses de restrição dessa mesma atuação” (fl . 549, manifestação da Advocacia-Geral da União), em nome da denominada efi cácia ótima da Constituição[...]38. Não se está a afi rmar a desnecessidade de observar a Defensoria Pública o preceito do art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição, reiterado no art. 134 (antes e depois da Emenda Constitucional n. 80/2014). No exercício de sua atribuição constitucional, deve-se sempre averiguar a compatibilidade dos interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis benefi ciários de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública.À luz dos princípios orientadores da interpretação dos direitos fundamentais, acentuados nas manifestações do Congresso Nacional, da Advocacia-Geral da União e da Presidência da República, a presunção de que, no rol dos afetados pelos resultados da ação coletiva, constem pessoas necessitadas é sufi ciente a justifi car a legitimidade da Defensoria Pública, para não “esvaziar, totalmente, as fi nalidades que originaram a Defensoria Pública como função essencial à Justiça” (fl . 550, manifestação da Advocacia-Geral da União).Condicionar a atuação da Defensoria Pública à comprovação prévia da pobreza do público-alvo diante de situação justificadora do ajuizamento de ação civil pública (conforme determina a Lei n. 7.347/1985) parece--me incondizente com princípios e regras norteadores dessa instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da Constituição da República.[...]Para consecução desses objetivos, “a melhor interpretação que se pode dar a qualquer direito ligado ao acesso à justiça é aquela que não cria obstáculo à sua efetivação. Que o torne elástico a ponto de alcançar o maior número de pessoas possíveis; que solucione os conflitos de massa da sociedade moderna”[...]42. Sem desconsiderar as diferenças inerentes a cada qual das classes de direitos – direito coletivo (o difuso e o coletivo stricto sensu) ou direitos individuais homogêneos –, o receio exposto pela Autora na peça inicial da presente ação não se sustenta, pois “a Defensoria Pública somente estará autorizada a prosseguir com a liquidação e execução da sentença proferida nas ações civis públicas em relação aos que comprovarem insufi ciência de recursos, pois, nessa fase, a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente, sendo possível atender apenas a esse grupo” (fl . 248, manifestação do Presidente da República).[...]O dever do Estado de prestar assistência integral, como posto nas informações do Presidente da República, passa “pela assistência incondicional aos necessitados, ainda que, de forma indireta e eventual, essa atuação promova a defesa de direitos de indivíduos economicamente bem estabelecidos”.O custo social decorrente da negativa de atendimento de determinada coletividade ao argumento de hipoteticamente estar-se também a proteger direitos e interesses

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de cidadãos abastados é infi nitamente maior que todos os custos fi nanceiros inerentes à pronta atuação da Defensoria Pública nas situações concretas que autorizam o manejo da ação civil pública, conforme previsto no ordenamento jurídico.

5. Nessa ordem de ideias, ao que se depreende dessa decisão, realmente deve ser conferida à expressão “necessitados” (CF, art. 134) uma interpretação ampla no campo da ação civil pública para fi ns de atuação inicial da Defensoria Pública, de modo a incluir, para além do necessitado econômico (em sentido estrito), o necessitado organizacional, o indivíduo ou grupo em situação especial de vulnerabilidade existencial, isto é, os “hipervulneráveis”, tal como denomina o Min. Herman Benjamin, até porque é função institucional da Defensoria Pública “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado” (LC n. 80/1994, art. 4°, XI), ampliando ao máximo o ancho campo da dignidade humana.

É o que assinala a doutrina de Ada Pellegrini Grinover:

Pois é nesse amplo quadro, delineado pela necessidade de o Estado propiciar condições, a todos, de amplo acesso à justiça que eu vejo situada a garantia da assistência judiciária. E ela também toma uma dimensão mais ampla, que transcende o seu sentido primeiro, clássico e tradicional. Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos “minus habentes”. E este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único. Isso porque existem os que são necessitados no plano econômico, mas também existem os necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.E tanto assim é, que afirmava, no mesmo estudo, que a assistência judiciária deve compreender a defesa penal, em que o Estado é tido a assegurar a todos o contraditório e a ampla defesa, quer se trate de economicamente necessitados, quer não. O acusado está sempre numa posição de vulnerabilidade frente à acusação. Dizia eu:“Não cabe ao Estado indagar se há ricos ou pobres, porque o que existe são acusados que, não dispondo de advogados, ainda que ricos sejam, não poderão ser condenados sem uma defesa efetiva. Surge, assim, mais uma faceta da assistência judiciária, assistência aos necessitados, não no sentido econômico, mas no sentido de que o Estado lhes deve assegurar as garantias do contraditório e da ampla defesa.Em estudo posterior, ainda afirmei surgir, em razão da própria estruturação da sociedade de massa, uma nova categoria de hipossuficientes, ou seja a dos carentes organizacionais, a que se referiu Mauro Cappelletti, ligada à questão da vulnerabilidade das pessoas em face das relações sócio-jurídicas existentes na sociedade contemporânea.Da mesma maneira deve ser interpretado o inc. LXXIV do art. 5º da CF: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (grifei). A exegese do termo constitucional não deve limitar-se ao recursos econômicos, abrangendo recursos organizacionais, culturais, sociais.[...]

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Assim, mesmo que se queira enquadrar as funções da Defensoria Pública no campo da defesa dos necessitados e dos que comprovarem insufi ciência de recursos, os conceitos indeterminados da Constituição autorizam o entendimento - aderente à idéia generosa do amplo acesso à justiça - de que compete à instituição a defesa dos necessitados do ponto de vista organizacional, abrangendo portanto os componentes de grupos, categorias ou classes de pessoas na tutela de seus interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.(Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil Pública. In: Revista da Defensoria Pública. Ano IV. São Paulo: Nº II. 2011. Disponível na internet em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/20/RevistaDefensoria.pdf> Acesso: 5 out. 2015. fls. 154-156).

Dessarte, o juízo realizado a priori da coletividade de pessoas necessitadas deve ser feito de forma abstrata, em tese, bastando que possa haver, para a extensão subjetiva da legitimidade, o favorecimento de grupo de indivíduos pertencentes à classe dos hipossuficientes, mesmo que, de forma indireta e eventual, venha a alcançar outros economicamente mais bem favorecidos.

Não se pode olvidar, contudo, que deverá haver aferição in concreto da “legitimidade adequada” da Defensoria Pública, agora posteriormente, no momento da fase de liquidação e execução, quando as vítimas forem identifi cadas (direitos individuais homogêneos), com limitação de atuação apenas para aquele que for economicamente necessitado (sentido estrito), conforme assinalado no voto da em. Min. Cármen Lúcia. De fato, Sua Excelência enfatizou que a instituição só poderá “prosseguir com a liquidação e execução da sentença proferida nas ações civis públicas em relação aos que comprovarem insufi ciência de recursos, pois, nessa fase, a tutela de cada membro da coletividade ocorre separadamente, sendo possível atender apenas a esse grupo”.

Nesse sentido foi também o voto do em. Min. Teori Zavaski, no já mencionado REsp n. 912.849/RS:

4. No caso dos autos, o acórdão recorrido, de lavra do eminente professor Des. Araken de Assis, adotou justamente esse entendimento, inclusive no que se refere ao limitador: ele reconheceu a legitimação da Defensoria Pública para a ação coletiva, mas limitou o âmbito subjetivo dos eventualmente favorecidos pela sentença de procedência, que será o das pessoas que comprovarem ser necessitadas, demonstração essa que ocorrerá na fase de liquidação e execução. Eis o que consta, a propósito, no voto do relator:

“Finalmente, o problema da comprovação da necessidade. A autora pretende a condenação da ré em favor de consumidores ‘lesados’ e necessitados. Por lesados, entenda-se bem (a clareza, aqui como alhures, também é um bem jurídico essencial): os consumidores que fraudaram os medidores e, pilhados no ilícito, admitiram a dívida respectiva, calculada segundo regulamento geral e impessoal, e devem pagá-la, sob pena de corte de fornecimento, à moda bem brasileira (em que outro País um órgão do Estado veicularia tal pretensão?) não querem pagar, nem sofrer o corte de energia, e, assim, ‘constitucionalmente’ transferir para os consumidores adimplentes (‘eles’, costuma-se chamar aos outros que não conhecemos) o custo total do consumo de energia elétrica na aprazível Erechim. É o resumo fi el da pretensão, exibida, naturalmente, com outra roupagem e persuasiva retórica, fundada nos mais elevados princípios constitucionais.A análise do processo me recordou uma leitura da adolescência. Um dos melhores livros de JORGE AMADO (Dona flor e seus dois maridos, pp. 198/199, 16.ª ed. São Paulo: Martins, 1971), consigna episódio semelhante:

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‘Pouco depois de um mês, era Vadinho convocado ao escritório do gerente do Banco onde se dera o desconto do título. Atendeu pressuroso ao convite, mantinha uma hábil política de boas relações com os gerentes e subgerentes dos estabelecimentos bancários – dos quais tanto dependia.“- Mestre Vadinho – disse o carrasco, aliás um bom camarada, seu Jorge Tarquínio – tenho aqui um papagaio seu, vencido...“- Meu? Se eu não devo a ninguém... Só vendo...“- Pois veja e pague... – exibia-lhe a promissória.“Vadinho reconheceu sua firma e a do avalista:“- Mas, seu Tarquínio, se o título tem avalista, por que o senhor vem me meter susto, dizer que eu estou devendo... É só ir ao Raimundo Reis e cobrar, o homem é podre de rico, tem fazenda de gado, engenho de açúcar, banca de rábula, vai à Europa todo ano... É ele que o senhor tem de chamar aqui...“- É claro que fomos a ele primeiro, é o avalista... Mas ele diz que não paga de maneira nenhuma. Recusa...“Vadinho ia do espanto ao escândalo ante tamanho descaro:“- Disse que não paga, recusa-se? Mas veja o senhor, seu Tarquínio, tem de tudo nesse mundo... Que sujeito mais cínico e sem-vergonha...! Fica no cabaré a arrotar riqueza, que tem léguas de terra, que mais gado e que mais açúcar, que faz e acontece... Vai daí, a gente confia, cai no conto do vigarista, aceita o aval como se o tipo fosse direito. Resultado: título vencido sem pagamento e o meu crédito abalado, o senhor me chamando aqui...“- Mas, Vadinho, afinal foi você quem tomou o dinheiro emprestado...“- Ora, seu Tarquínio, pelo amor de Deus... Se esse peculatário não tinha capacidade para avalizar, por que veio se oferecer? Afi nal ele assumiu ou não a responsabilidade, assumiu ou não o compromisso de pagar a dívida se eu não pagasse? Assumiu e eu fi quei bem do meu, descansado... E agora, isso... Não está direito... São sujeitos assim que deixam a gente mal junto aos Bancos... Quando o cara avaliza um título é porque está disposto a pagar, seu Tarquínio. Esse Raimundo Reis devia estar era na cadeia, caloteiro vagabundo...”.Eliminei uma parte mais forte, mas resta a lição: é preciso abandonar a moral do Vadinho, inculcando em todos a idéia de que agir conforme ao direito é pagar as dívidas, e, não, furtar energia em prejuízo dos demais cidadãos.Tampouco me escapa o objetivo ‘institucional’ da ação no presente caso. Os Defensores Públicos de Erechim, atazanados por numerosos consumidores ‘lesados’, pretendem resolver grande massa de serviço de uma penada só, através de ação coletiva. Mas, não é para isto que serve o direito processual coletivo?Volvendo ao ponto, não vejo obstáculo algum, não me adiantando acerca de outros aspectos, no que tange à comprovação da necessidade dos consumidores ‘lesados’. Conforme explica GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA (ob. cit., pp. 500-501), basta a fi rmação da existência dos direitos individuais homogêneos, decorrendo do acolhimento do pedido uma condenação genérica, que será oportunamente liquidada, individualizando--se os benefi ciários do comando do provimento judicial. Em tal oportunidade, posterior à emissão do pronunciamento (e, portanto, impossível erigir condição a priori ), demonstrar-se-á a condição de ‘necessitado’. Por óbvio, não se há de se pretender que quaisquer consumidores, incluindo os de grande renda (e consumo), sejam benefi ciados pela ação da Defensoria Pública.” (fl s. 108v/109v)

Dessarte, apesar do direito coletivo objeto da ação proposta benefi ciar a toda aquela coletividade, apenas sobeja legitimação para ajuizamento de liquidação ou execução

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individual da sentença genérica pela Defensoria Pública quando os benefi ciados identifi cados forem economicamente necessitados. Isso porque, como visto, a sentença coletiva pode vir a favorecer contratantes, necessitados ou não, sendo que qualquer deles poderá promover de forma individualizada a liquidação e execução do julgado (CDC, art. 97).

É o que destaca Fredie Didier Jr.:

É claro que somente remanesce legitimação coletiva para a Defensoria Pública promover a execução individual da sentença genérica (direitos individuais homogêneos, art. 98 do CDC), se as vítimas já identificadas forem pessoas necessitadas. Mas qualquer vítima, necessitada ou não, poderá promover individualmente a liquidação e execução da sentença coletiva (art. 97 do CDC).(Curso de direito processual civil: processo coletivo , vol. 4, Salvador: Juspodivm, 2013, p. 225)

Por outro lado, referida instituição continuará tendo legitimidade para eventual execução de natureza coletiva (direitos difusos e coletivos, como, por exemplo, a retirada de determinado produto nocivo do mercado) ou no fl uid recovery, hipótese de legitimação extraordinária subsidiária em que, após o escoamento do prazo de um ano, não há habilitação de interessados compatível com a gravidade do dano (CDC, art. 100).

É de ver, ainda, que caso se verifi que a atuação indevida da Defensoria Pública em prol daquele indivíduo que não faz jus a sua assistência, deverá ser fi xada verba sucumbencial decorrente de sua atuação, destinando-a a fundo gerido pela instituição, exclusivamente, no aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profi ssional de seus membros e servidores, nos termos do art. 4°, XXI, da LC n. 80/1994.

6. Ante o exposto, realinhando-me ao posicionamento da Corte Suprema, acompanho a douta Ministra relatora para dar provimento aos embargos de divergência, reconhecendo a legitimidade ativa da Defensoria para ajuizamento da presente ação coletiva de consumo, devendo a comprovação individualizada sobre a insufi ciência de recursos fi car postergada para o momento da liquidação ou execução.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTOCORTE ESPECIAL

Número Registro: 2014/0246972-3. PROCESSO ELETRÔNICO EREsp 1.192.577/RS. Números Origem: 10800062859 201000805877 70029303153 70032106213. PAUTA: 07/10/2015. JULGADO: 21/10/2015. Relatora Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ. Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER. Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO. Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA.

AUTUAÇÃOEMBARGANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL. ADVOGADOS : RAFAEL RAPHAELLI, DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EMBARGADO : SOCIEDADE DR BARTHOLOMEU TACCHINI - PLANO DE SAÚDE TACCHIMED. ADVOGADOS : TIAGO B TURRA E OUTRO(S), EDUARDO HEITOR PORTO E OUTRO(S). ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde.

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SUSTENTAÇÃO ORALPresente o Dr. Rafael Raphaelli, Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul.

CERTIDÃOCertifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe

na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luis Felipe

Salomão conhecendo dos embargos de divergência e dando-lhes provimento, a Corte Especial, por unanimidade, conheceu e deu provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves.

Convocada a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

– o –

Recurso Especial n. 1.304.736 (2012/0031839-3) – 2ª Seção – Rio Grande do Sul

EMENTAPROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA

PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CREDISCORE. INTERESSE DE AGIR. DEMONSTRAÇÃO DE QUE A RECUSA DE CRÉDITO OCORREU EM RAZÃO DA FERRAMENTA DE SCORING, ALÉM DE PROVA DO REQUERIMENTO PERANTE A INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL E SUA NEGATIVA OU OMISSÃO.

1. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.419.697/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, defi niu que, no tocante ao sistema scoring de pontuação, “apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas” (REsp 1419697/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014).

2. Assim, há interesse de agir para a exibição de documentos sempre que o autor pretender conhecer e fi scalizar documentos próprios ou comuns de seu interesse, notadamente referentes a sua pessoa e que estejam em poder de terceiro, sendo que “passou a ser relevante para a exibitória não mais a alegação de ser comum o documento, e sim a afi rmação de ter o requerente interesse comum em seu conteúdo” (SILVA, Ovídio A. Batista da. Do processo cautelar . Rio de Janeiro: Forense, 2009, fl . 376).

3. Nessa perspectiva, vem a jurisprudência exigindo, sob o aspecto da necessidade no interesse de agir, a imprescindibilidade de uma postura ativa do interessado em obter determinado direito (informação ou benefício), antes do ajuizamento da ação pretendida.

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4. Destarte, para efeitos do art. 543-C do CPC, fi rma-se a seguinte tese: “Em relação ao sistema credit scoring , o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fi xação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema Scoring”.

5. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.

Milka Gilvana Gonçalves Machado, recorrente – Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre CDL, recorrido – Procuradoria-Geral do Banco Central, procurador – Banco Central Do Brasil - Bacen - “Amicus Curiae”, Federação Brasileira De Bancos - “Amicus Curiae” e Serasa S.A - “Amicus Curiae”, interessados – Diego Nunes Granado e Outro(s), Roberta Terra Lopes e Outro(s), Flávio Maia Fernandes dos Santos, Leonardo Greco, Wesley Batista de Abreu e Outro(s), Sergio Bermudes, Fabiano de Castro Robalinho Cavalcanti, Gabriel Jose de Orleans e Bragança, Guiomar Mendes, Renato Caldeira Grava Brazil e Outro(s), Caetano Berenguer e Paulo Branco, advogados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam

os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foi defi nida a seguinte tese: “Em relação ao sistema “credit scoring”, o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fi xação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema “scoring”. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 24 de fevereiro de 2016 (data do julgamento).Luis Felipe Salomão, Relator.

RELATÓRIOMin. Luis Felipe Salomão (Relator) – 1. Milka Gilvana Gonçalves Machado ajuizou

ação cautelar de exibição de documentos em face de Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre requerendo que fosse disponibilizado extrato contendo sua pontuação e os critérios do produto denominado Crediscore . Assinala que não obteve os esclarecimentos, apesar de protocolo do requerimento ao departamento de atendimento ao consumidor e ao serviço do “fale conosco” constante no sítio eletrônico da empresa, sendo que, a depender da documentação exibida, a requerente pretende ajuizar ação indenizatória (fl s. 1-5).

O magistrado de piso julgou a autora carecedora de ação por falta de interesse de agir, extinguindo o feito pela incidência do art. 265, III, do CPC (fls. 15-16).

Interposta apelação, o Tribunal negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. AUSENTE. PROCESSO JULGADO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME.(fls. 31-36)

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Opostos aclaratórios, foram rejeitados (fls. 44-47).Irresignada, interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas “a” e “c” do

permissivo constitucional, por vulneração aos arts. 535 do CPC e 43, caput e § 2° do CDC.Aduz que o acórdão foi omisso, notadamente com relação ao enfrentamento

explícito dos dispositivos violados.Afirma que a recorrida não disponibiliza o extrato do crediscore com a pontuação

do consumidor, apesar do produto conter informações suas e que são fornecidas às empresas associadas, limitando-se apenas a informar acerca da existência ou não de registros ativos em seu CPF.

Sustenta que as “informações devem ser fornecidas através de documento físico, a fi m de que o Recorrente, no caso de existência de irregularidades, possa, através de prova documental robusta, reivindicar seus direitos”, sob pena de inviabilizar futura ação judicial.

Salienta que “como se não bastasse manter um banco de dados ‘clandestino’, a Recorrida se nega a informar quais os dados possui, bem como a origem de tais informações, o que só vem a corroborar com a tese de ilicitude desta base de dados”.

O recurso recebeu crivo de admissibilidade positivo na origem (fls. 64-66) e, em 19 de dezembro de 2014, afetei o julgamento à Segunda Seção (fls. 74-76), conforme regime previsto no art. 543-C do CPC, tendo em vista o volume de casos versando sobre a mesma matéria de fundo - a existência de interesse de agir nas ações cautelares de exibição de documentos e/ou dados relativos a histórico de cadastro e/ou consultas concernentes ao sistema scoring de pontuação mantidos por entidades de proteção ao crédito -, notadamente por ter a controvérsia ganhado relevo após o julgamento do REsp 1.419.697/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos e que foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC).TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO.SISTEMA “CREDIT SCORING”. COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL.I - TESES: 1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito).2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011.4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas.5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring”, confi gurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas

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ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.II - CASO CONCRETO: 1) Não conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvérsia;2) Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC.3) Não reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do CPC.4) Acolhimento da alegação de inocorrência de dano moral “in re ipsa”.5) Não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da comprovação de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não sendo possível afirmar a ocorrência de dano moral na espécie.6) Demanda indenizatória improcedente.III - NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.(REsp 1419697/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014)

Em verdade, mesmo antes do julgado, já se verifi cava a existência de diversas ações cautelares de exibição relacionadas ao referido sistema Crediscore , sendo que, após o referido precedente, se vislumbrou o ingresso de diversas novas ações com o pleito exibitório, podendo ser considerada como mais uma demanda de massa.

Deveras, após o julgamento do REsp 1.419.697/RS, diversas notícias foram veiculadas a respeito do volume de processos relacionados ao tema, dentre as quais destaco a notícia do informativo Migalhas, datada de 22 de junho de 2015, cujo título resumia bem: “Juiz de SC extingue cerca de 55 mil processos sobre credit scoring por meio de portaria - Magistrado considerou decisão do STJ que declarou a legalidade do sistema que atribui nota a consumidores para estimar probabilidade de inadimplência” (http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI222172,31047-Juiz+de+SC+extingue+cerca+de+55+mil+processos+sobre+credit+scoring).

Nesse passo, o Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, 1° Vice-Presidente do TJRS, no exercício da Presidência, coordenador do Nurer, por meio do Ofício n. 11/2015, encaminhou pedido de análise da possibilidade de agregar efeitoerga omnes à decisão de afetação do julgamento do especial, uma vez que

Justifi ca-se o presente pleito à vista da constatação de que se está, induvidosamente, diante de nova demanda de massa, constituindose, inclusive, desdobramento da decisão proferida no REsp 1.419.697/RS e no REsp 1.457.199/RS –, ambos paradigmas julgados, atinentes ao “sistema “credit scoring” - Tema 710, eis por que, após o julgamento desse Tema, detectou-se no Poder Judiciário gaúcho expressivo aumento do ingresso de ações cautelares de exibição de documentos em face de entidades de proteção ao crédito.Nesse contexto, informo a V. Exa. que, nesta data, recolhidos os dados do sistema informatizado pela Corregedoria-Geral da Justiça, se encontram distribuídas e em tramitação, apenas junto ao 1° Grau de jurisdição, 3.038 (três mil e trinta e oito) ações cautelares exibitórias. Nessas demandas, a pretensão deduzida visa à exibição de documentos e/ou dados concernentes a cadastro e/ou consultas, e fi guram no polo passivo entidades de proteção ao crédito, quais sejam, Serasa, Boa Vista Serviços S/A, Serasa Experian, SPC Brasil, CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre.(fls. 199-201)b

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Em razão das informações supra, determinei a suspensão dos processos em que a controvérsia tratada versasse sobre a mesma quaestio iuris (fls. 204-205).

O Banco Central do Brasil, na qualidade de amicus curiae, apresentou o Parecer Jurídico n. 85/2015-BSB/PGBC, cuja conclusão foi a seguinte:

(a) existe, em regra, interesse de agir nas ações cautelares de exibição de documentos e dados propostas por consumidores em desfavor de entidades de score, porquanto as normas consumeristas e a política regulatória estatal estão voltadas a assegurar a transparência e o amplo acesso à informação;(b) o direito à informação e à transparência, entretanto, encontra limites no que tange ao segredo empresarial, de tal modo que a fórmula (ou metodologia) adotada pelas entidades de credit scoring para o cálculo das pontuações não está submetida a revelação;(c) a inexistência de prévio requerimento administrativo para a obtenção dos dados e documentos, seguido de negativa ou omissão da entidade de score, afasta o interesse de agir nas ações cautelares, tendo em vista a ausência de demonstração da necessidade do provimento jurisdicional.(fls. 84-100).

Federação Brasileira de Bancos - Febraban ofereceu a manifestação de fl s. 102-123, na qual concluiu que “a cautelar, por ter unicamente por objeto o fornecimento das fontes dos dados considerados (histórico de crédito) e das informações valoradas no score de crédito, imprescinde da prévia recusa administrativa da entidade de credit scoring em fornecer aquelas informações. Sem pretensão resistida, não há interesse em agir, ou seja, em movimentar desnecessariamente o já assoberbado Judiciário. Além disso, é necessário que ‘o requerente comprove que a recusa do crédito almejado se deu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pela dita ferramenta de scoring ‘.

Devidamente intimado, o Instituto de Defesa do Consumidor - Idec quedou-se inerte (fl. 101 e 245).

Em petitório de fls. 193-196, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre requereu a desafetação do processo e a desconstituição de todos os atos processuais posteriores ao recurso de apelação, haja vista que nunca fora citada para responder, tampouco intimada para oferecer contrarrazões à apelação ou ao recurso especial, o que poderia ensejar nulidade pela falta de oportunidade para se defender em todos os graus de jurisdição.

A Serasa compareceu aos autos manifestando-se às fls. 214-221, na qualidade de terceira interessada, requerendo sua participação direta no julgamento do presente recurso repetitivo, bem como seja acolhida a tese de inexistência de interesse de agir nas demandas cautelares de exibição de documentos relativos a histórico de cadastro e/ou consultas concernentes ao sistema scoring , “quando não existir prévia recusa das entidades privadas, aliado à negativa de crédito por força do produto estatístico oferecido ao mercado”.

Sobreveio parecer do Ministério Público Federal às fls. 248-261 opinando pelo não provimento do especial, nos termos da seguinte ementa:

- Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ nº 8/2008, que aponta violação aosarts. 535, do CPC, e 43, caput, § 2º, do CDC, além de dissídio jurisprudencial.- Tese sugerida para os efeitos do art. 543-C, do CPC:

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tratando-se de ação cautelar de exibição de documentos concernentes ao sistema scoring de pontuação, para o fornecimento de informações a respeito dos “principais elementos e critérios considerados para a análise do risco de crédito”, é imprescindível que o consumidor demonstre, como forma de evidenciar o interesse de agir, que a recusa do crédito visado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída e que houve resistência injustifi cada ou omissão da entidade de proteção ao crédito que emprega o referido modelo estatístico em fornecê--los em prazo razoável, sob pena de extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, c.c. o art. 295, inciso III, ambos do CPC.- Acerca do caso concreto, verifica-se que o recurso especial, no tocante à divergência jurisprudencial, não cumpriu as exigências previstas no art. 541, parágrafo único, do CPC, e no art. 255, § 2º, do RISTJ.- No mérito, o v. acórdão recorrido não infringiu o disposto no art. 535, do CPC, pois trouxe fundamentação clara e suficiente para dirimir a controvérsia integralmente, embora desfavorável aos interesses da Recorrente, o que não caracteriza prestação jurisdicional deficiente.- Ademais, a r. sentença, mantida pelo Tribunal de origem, reconheceu corretamente a ausência de interesse de agir da Recorrente na ação cautelar exibitória, diante da não comprovação da recusa por parte da empresa demandada em fornecer extrato contendo a sua pontuação no sistema “CREDISCORE”.- Parecer pelo conhecimento parcial do presente recurso especial, e, na parte suscetível de conhecimento, no mérito, pelo seu não provimento.

Foi deferido o pedido da Serasa para ingresso no feito, na condição de amicus curiae (fl. 263).

É o relatório.

VOTOMin. Luis Felipe Salomão (Relator) – 2. Primeiramente, afasto o requerimento de

fl s. 193-196 da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre para desafetação do processo e desconstituição de todos os atos processuais posteriores ao recurso de apelação, ao argumento de que, por nunca ter sido citada para responder nem intimada para oferecer contrarrazões à apelação ou ao recurso especial, estaria confi gurada a nulidade pela falta de oportunidade para se defender em todos os graus de jurisdição.

Ocorre que, ao contrário do aventado, a recorrida ainda não se manifestou nos autos pelo fato de que realmente não havia razão para tanto, haja vista que, até o momento, houve o indeferimento da inicial por ausência do interesse de agir e, por conseguinte, o feito prosseguiu de forma linear entre autor/juiz.

Deveras, a doutrina processualista leciona que, nessas hipóteses:

O réu não é citado para responder à apelação, o que não fere o contraditório pois, se provida a apelação, será citado para responder e poderá alegar até mesmo que é caso de indeferimento da inicial, ainda que o tribunal tenha decidido o contrário, já que essa decisão não o atinge, na medida em que não integrava (ainda) a relação jurídica processual.Caso não haja retratação do juiz de primeiro grau, os autos serão remetidos imediatamente ao tribunal competente, devendo ser determinada a citação do réu somente se provido o recurso do autor (que não terá revisor - art. 551, § 3°).(ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012, p. 465-466)

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Nesse sentido, também é a jurisprudência da Corte:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDEFERIMENTO LIMINAR DE PETIÇÃO INICIAL - CITAÇÃO DO RÉU PARA CONTESTAR A APELAÇÃO INTERPOSTA - DESNECESSIDADE - ART. 296, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NOVO ENTENDIMENTO INTRODUZIDO PELA LEI N. 8.952/94.1. Não há de se confundir, em se tratando de comparecimento espontâneo do réu, as regras insertas no art. 214, § 1º, do Código de Processo Civil com o disposto no art. 296 do mesmo código.2. À luz do art. 296, com a redação dada pela Lei n. 8.952, o réu não é mais citado para acompanhar a apelação interposta contra sentença de indeferimento da petição inicial. Mesmo na fase recursal, o feito prossegue apenas de forma linear – autor/juiz. O réu poderá intervir, mas sem necessidade de devolução de prazos recursais, porque o acórdão que reforma a sentença de indeferimento não chega a atingi-lo, pois, devolvidos os autos à origem, proceder-se-á à citação e, em resposta, poderá o réu alegar todas as defesas que entender cabíveis, inclusive a inépcia da inicial.3. Já para os casos de concessão de liminar inaudita altera pars, o prazo para recurso começa a fl uir a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ou, na forma do art. 214, § 1º, do CPC, da data de seu comparecimento.4. O conhecimento de recurso especial fundado na alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal pressupõe a coincidência das teses discutidas, porém, com resultados distintos.Assim, estando os paradigmas embasados nas disposições do § 1º do art. 214 do CPC, enquanto o acórdão recorrido sustenta-se nas normas do art. 296 do mesmo código, inexiste coincidência de teses a autorizar o conhecimento do apelo.5. Recurso especial não-conhecido.(REsp 507.301/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 17/04/2007, p. 286)_________________AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INEXISTÊNCIA DA CITAÇÃO. RELAÇÃO PROCESSUAL NÃO EFETIVADA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR CONTRA-RAZÕES.1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, indeferida a petição inicial, sem que houvesse a citação do réu, desnecessária se torna a sua intimação para apresentar contra-razões, porque ainda não se encontra efetivada a relação processual.Precedentes.2. Agravo regimental improvido.(AgRg no Ag 602.885/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 01/07/2005, p. 664)

É de ver, por fi m, que não ocorre aqui a especial modalidade de indeferimento da petição inicial prevista no art. 285-A do CPC - julgamento de improcedência liminar do pedido -, em que há expressa previsão de citação do réu para responder ao recurso de apelação, justamente porque a parte dispositiva desta decisão irá se revestir do manto da coisa julgada material, ao contrário do que ocorre nas hipóteses dos arts. 295-296.

3. Também não se verifi ca a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem se pronunciou de forma clara e sufi ciente sobre a questão posta nos autos, nos limites do seu convencimento motivado.

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De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específi co a determinados preceitos legais, sendo certo que, nos moldes da jurisprudência desta Corte, como destinatário fi nal da prova, cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo CPC, dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento.

4. No mérito, a questão principal está em saber se há interesse de agir do consumidor que, em ação de exibição de documentos, almeja conhecer seus dados pessoais e a respectiva pontuação constantes no produto Crediscore disponibilizado pela recorrida.

Tanto o juízo de primeiro grau como o Tribunal de Justiça reconheceram a falta de interesse de agir, tendo o Colegiado a quo exarado a seguinte fundamentação:

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do apelo.Não prospera o recurso, importando a manutenção da sentença apelada.A análise do processado autoriza concluir que, à autora falece interesse de agir, restando, por isso, carecedora da ação proposta, importando a extinção do processo, via de conseqüência, a manutenção da sentença apelada.A apelada, ao fornecer aos seus associados os patamares de risco, tendo como base o histórico de endividamento do cliente e outras variáveis extrínsecas, não está restringindo indevidamente o crédito, mas sim fornecendo elementos que auxiliam a atividade creditícia, considerando que toda operação de crédito representa uma operação de risco, necessitando o credor avaliá-lo para tomar a decisão de conceder ou não o crédito ao pretenso devedor.Deste modo, evidencia-se a ausência de interesse de agir, na medida em que a apelante jamais poderá tolher o direito dos operadores de crédito em avaliar a conveniência de conceder ou não o crédito, nem ser exigível que a ré forneça informações de registros já excluídos de seu banco de dados.Na verdade, o sentido da presente ação apenas se deduz pela expectativa dos patronos auferirem verba honorária a ser estabelecida na hipótese de procedência da ação, já que inútil ao consumidor verifi car as pendências já excluídas.Os seguintes arestos, proferidos neste Tribunal, confortam o presente entendimento, no sentido da ausência de interesse de agir, in verbis:

“AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Critérios da concessão do crédito. Nada obsta e até convém que os estabelecimentos comerciais informem previamente aos seus clientes sobre os critérios à concessão do crédito. É lícito a cada estabelecimento comercial selecionar os critérios segundo os quais concederá venda crédito aos consumidores, que têm expectativa à obtenção do crédito. Entretanto, exibir os dados atuariais segundo os quais se forma o sistema denominado ‘crediscore’, que vem a ser o que se quer, não se demonstra possível. Tais documentos que não se submetem à exibição.” (Apelação Cível n. 70037338431, Vigésima Câmara Cível, TJRS, Rel. Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 28/07/2010);____________“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. ‘SPC CREDISCORE’. RISCO DE CREDITO. CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INEXISTÊNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE/UTILIDADE. INDEFERIDA INICIAL. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.” (Apelação Cível n. 70037647823, Décima Oitava Câmara Cível, TJRS, Relª. Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 19/08/2010);____________

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“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CRITÉRIOS DA CONCESSÃO DO CRÉDITO. SERASA. CONCENTRE SCORING. IMPOSSIBILIDADE DE EXIBIÇÃO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.” (Apelação Cível n. 70037219318, Vigésima Câmara Cível, TJRS, Relª. Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 08/09/2010).

Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo, mantidahígida a sentença.(fls. 31-36)

5. Na hipótese, é indiscutível a existência de demanda de massa, com milhares de processos já ajuizados no Sul do País e, muito provavelmente, também nos diversos outros foros.

Por isso mesmo, a despeito de não ser essa a praxe da Segunda Seção desta Corte - somente aprecia recursos repetitivos com jurisprudência consolidada -, no caso, a meu sentir, justifi ca-se o exame diretamente da matéria em âmbito de recurso representativo da controvérsia, mesmo em havendo apenas um precedente específi co no STJ.

A uma, porque a avalanche de novos recursos somente foi suspensa porque o zeloso Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, 1° Vice-Presidente do TJRS, no exercício da Presidência, coordenador do Nurer, por meio do Ofício n. 11/2015, encaminhou pedido de análise da possibilidade de agregar efeito erga omnes à decisão de afetação do julgamento do especial, o que foi por este relator deferido.

A duas, porque, para o exame da tese, penso que a Segunda Seção, no julgamento do REsp 1.419.697/RS, também submetido ao regime do art. 543-C do CPC, acabou defi nindo parâmetros a nortear o interesse de agir nas cautelares de exibição atinentes ao sistema Scoring de pontuação mantido por entidades de proteção ao crédito.

No voto condutor, ficou estabelecido que:

[...]No caso específico do “credit scoring”, devem ser fornecidas ao consumidor informações claras, precisas e pormenorizadas acerca dos dados considerados e as respectivas fontes para atribuição da nota (histórico de crédito), como expressamente previsto no CDC e na Lei nº 12.414/2011.O fato de se tratar de uma metodologia de cálculo do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, que busca informações em cadastros e bancos de dados disponíveis no mercado digital, não afasta o dever de cumprimento desses deveres básicos, devendo-se apenas ressalvar dois aspectos:De um lado, a metodologia em si de cálculo da nota de risco de crédito (“credit scoring”) constitui segredo da atividade empresarial, cujas fórmulas matemáticas e modelos estatísticos naturalmente não precisam ser divulgadas (art. 5º, IV, da Lei 12.414/2011: ...“resguardado o segredo empresarial”).De outro lado, não se pode exigir o prévio e expresso consentimento do consumidor avaliado, pois não constitui um cadastro ou banco de dados, mas um modelo estatístico.Com isso, não se aplica a exigência de obtenção de consentimento prévio e expresso do consumidor consultado (art. 4º).Isso não libera, porém, o cumprimento dos demais deveres estabelecidos pelo CDC e pela lei do cadastro positivo, inclusive a indicação das fontes

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dos dados considerados na avaliação estatística, como, aliás, está expresso no art. 5º, IV, da própria Lei nº 12.414/2011 (“São direitos do consumidor cadastrado ... conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise do risco de crédito, resguardado o segredo empresarial”).Assim, essas informações, quando solicitadas, devem ser prestadas ao consumidor avaliado, com a indicação clara e precisa dos bancos de dados utilizados (histórico de crédito), para que ele possa exercer um controle acerca da veracidade dos dados existentes sobre a sua pessoa, inclusive para poder retificá-los ou melhorar a sua performance no mercado.Devem ser prestadas também as informações pessoais do consumidor avaliado que foram consideradas para que ele possa exercer o seu direito de controle acerca das informações excessivas ou sensíveis, que foram expressamente vedadas pelo art. 3º, § 3º, I e II, da própria Lei nº 12.414/2011.Não podem ser valoradas pelo fornecedor do serviço de “credit scoring” informações sensíveis, como as relativas à cor, à opção sexual ou à orientação religiosa do consumidor avaliado, ou excessivas, como as referentes a gostos pessoais, clube de futebol de que é torcedor etc.Caracterizado abuso de direito pela utilização de informações sensíveis, excessivas, incorretas ou desatualizadas, a responsabilidade civil pelos danos materiais e morais causados ao consumidor consultado será objetiva e solidária do fornecedor do serviço de “credit scoring”, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 2º da lei do cadastro positivo), nos termos do art. 16 da Lei n. 12.414/2011, verbis:

Art. 16. O banco de dados, a fonte e o consulente são responsáveis objetiva e solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado.

Enfim, devem ser respeitados os limites traçados pela legislação brasileira, especialmente pelo CDC e pela Lei n. 12.414/2011, no sentido da proteção da privacidade do consumidor consultado e da máxima transparência na avaliação do risco de crédito, sob pena de caracterização de abuso de direito com eventual ocorrência de danos morais.9) Dano moralA última questão a ser enfrentada diz com o reconhecimento da ocorrência de dano moral nos casos de excesso na utilização do sistema. Não há dúvida que o desrespeito à regulamentação legal do sistema“credit scoring”, por constituir abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a ocorrência de danos morais.A simples circunstância, porém, de se atribuir uma nota insatisfatória a uma pessoa não acarreta, por si só, um dano moral, devendo-se apenas oportunizar ao consumidor informações claras acerca dos dados utilizados nesse cálculo estatístico.Entretanto, se a nota atribuída ao risco de crédito decorrer da consideração de informações excessivas ou sensíveis, violando sua honra e privacidade, haverá dano moral “in re ipsa”.No mais, para a caracterização de um dano extrapatrimonial, há necessidade de comprovação de uma efetiva recusa de crédito, com base em uma nota de crédito baixa por ter sido fundada em dados incorretos ou desatualizados.

Posteriormente ao julgado, editou-se a Súm. 550, verbis: “a utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo”.

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Terceiro, porque, além do precedente específi co da Quarta Turma, já existem diversas decisões monocráticas das duas Turmas de Direito Privado a respeito do tema, na mesma linha do que ora é proposto: AREsp n. 491.319 - RS (2014/0063421-6),Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; AREsp n. 783.033 - RS (2015/0232826-6), Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira; AREsp n. 497.735 - RS (2014/0076703-0), Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira; REsp n. 1.303.802 - RS (2012/0024067-2), Rel. Min. Raul Araújo; AREsp n. 774.954 - RS (2015/0224337-6), Rel. Min. Moura Ribeiro; AREsp n. 749.239 - RS (2015/0179200-5), Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; AREsp n. 748.533 - RS (2015/0178640-4), Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; REsp n. 1.419.770 - RS (2013/0386602-0), Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; REsp n. 1.422.246 - RS (2013/0396121-5), Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; AREsp n. 684.503 - RS (2015/0069097-8), Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; REsp n. 1.419.798 - RS (2013/0386701-6), Rel. Min. Maria Isabel Gallotti.

O acórdão da Quarta Turma foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CREDISCORE. INTERESSE DE AGIR. DEMONSTRAÇÃO DE QUE A RECUSA DE CRÉDITO SE DEU EM RAZÃO DA FERRAMENTA DE SCORING, ALÉM DO REQUERIMENTO NA INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL POR ESTE E A SUA NEGATIVA OU OMISSÃO.1. A Segunda Seção do STJ no julgamento do REsp 1.419.697/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos definiu que no tocante ao sistema scoring de pontuação, “apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas” (REsp 1419697/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014).2. Há interesse de agir para a exibição de documentos sempre que o autor pretender conhecer e fi scalizar documentos próprios ou comuns de seu interesse, notadamente referentes a sua pessoa e que estejam em poder de terceiro, sendo que “passou a ser relevante para a exibitória não mais a alegação de ser comum o documento, e sim a afi rmação de ter o requerente interesse comum em seu conteúdo” (SILVA, Ovídio A. Batista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2009, fl . 376).3. Nessa perspectiva, vem a jurisprudência exigindo, em algumas circunstâncias, sob o aspecto da necessidade no interesse de agir, a imprescindibilidade de, ao menos, uma postura ativa do interessado em obter determinado direito (informação ou benefício), antes do ajuizamento da ação pretendida.4. Com relação ao Crediscore, o interesse de agir na cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, que o requerente comprove que a recusa do crédito almejado se deu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pela dita ferramenta de scoring. Somado a isso, deverá, ainda, demonstrar que houve requerimento ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação para permitir, inclusive, que o fornecedor exerça o seu dever de informação e, ao mesmo tempo, que o consumidor realize o controle dos dados considerados e as respectivas fontes para atribuição da nota(CDC, art. 43 e Lei n. 12.414/2011, art. 5°), podendo retificá-los ou restringi-los caso se tratem de informações sensíveis ou excessivas que venham a configurar abuso de direito.5. No caso em apreço, o recorrente assinalou em sua inicial que, apesar de ter realizado requerimento ao serviço “fale conosco”, não houve a disponibilização do extrato contendo a pontuação do consumidor. Assim, correto o entendimento do

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magistrado de piso que, em razão da falta de interesse de agir, extinguiu o feito sem julgamento do mérito, uma vez que, como visto, não é o mero fato de ser o Crediscore uma ferramenta probabilística para avaliação do risco de concessão de crédito que, por si só, enseja a cautelar exibitória de documentos, sem o preenchimento dos demais requisitos específicos para o ajuizamento da ação.6. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1268478/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTATURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)

6. Assim, no ponto central da controvérsia, como sabido, é por meio da ação cautelar de exibição que se descobre “o véu, o segredo, da coisa ou do documento, com vistas a assegurar o seu conteúdo e, assim, a prova em futura demanda” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; LACERDA, Galeno. Comentários ao código de processo civil, vol. VIII (arts. 813 a 889), tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 210), sendo que o pedido de exibição pode advir de uma ação cautelar autônoma (CPC, arts. 844 e 845) ou de um incidente no curso da lide principal (CPC, arts. 355 a 363).

No tocante às ações autônomas, essas poderão ter natureza verdadeiramente cautelar, demanda antecedente, cuja fi nalidade é proteger, garantir ou assegurar o resultado útil do provimento jurisdicional; ou satisfativa, demanda principal, visando apenas à exibição do documento ou coisa, apresentando cunho defi nitivo e podendo vir a ser preparatória de uma ação principal - a depender dos dados informados.

O art. 844 do Código de Processo Civil arrola as hipóteses de cabimento da pretensão à exibição, verbis:

Art. 844. Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial:I - de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecer;II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios;III - da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei.

Especificamente com relação ao consumidor, estabelece o art. 43 do CDC que:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fi chas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.

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§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Na verdade, buscou referido normativo, ao regular os bancos de dados e cadastros de fornecedores, estabelecer limites e critérios aos quais, na seara do mercado de consumo, podem ser desenvolvidos e utilizados, sempre visando resguardar em específico a dignidade dos consumidores.

Com efeito, prevê a norma, expressamente, o direito de: (a) acesso às informações arquivadas; b) que essas informações sejam corretas, claras e objetivas; c) ser comunicado por escrito quanto ao seu registro no arquivo de consumo; d) retifi cação dos dados incorretos; e) exclusão, quando não houver justa causa para sua inclusão.

Releva notar que todo esse rol de direitos é passível de proteção, tanto na esfera administrativa como na judicial.

A doutrina especializada, ao comentar o dispositivo, destaca que:

O consumidor brasileiro tem direito de dispor de seus dados pessoais, de acessá-los e de saber que estes existem em algum banco de dados público e privado; logo, não deveria ser necessária a lide, a pretensão resistida, o recurso à ação de habeas data, da mesma forma não deveria o fornecedor impor exigências exorbitantes e pouco razoáveis, obstáculos desproporcionais, para que o consumidor pudesse chegar a seus dados e à sua modifi cação, em caso de eventual erro ou de superação da dívida. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Editora RT, 2010, p. 835)

7. Nessa ordem de ideias, o Tribunal extinguiu a presente ação por ausência de interesse de agir, tendo assentado que a recorrente “jamais poderá tolher o direito dos operadores de crédito em avaliar a conveniência de conceder ou não o crédito, nem ser exigível que a ré forneça informações de registros já excluídos de seu banco de dados. Na verdade, o sentido da presente ação apenas se deduz pela expectativa dos patronos auferirem verba honorária a ser estabelecida na hipótese de procedência da ação, já que inútil ao consumidor verifi car as pendências já excluídas” (fl . 34).

Ora, como sabido, o interesse de agir é condição da ação que possui três aspectos: (i) utilidade, pois o processo deve trazer algum proveito para o autor; (ii) adequação, uma vez que se exige correspondência entre o meio escolhido e a tutela pretendida; (iii) necessidade, haja vista a demonstração de que a tutela jurisdicional seja imprescindível para alcançar a pretensão do autor.

O mestre italiano Calamandrei leciona:

O interesse processual em atuar e em contradizer surge precisamente quando verifi ca-se em concreto aquela circunstância que faz considerar que a satisfação do interesse substancial tutelado pelo direito não pode ser já conseguida sem recorrer à autoridade judicial, ou seja, quando se verifi ca em concreto a circunstância que faz indispensável pôr em prática a garantia jurisdicional. As circunstâncias que podem fazer surgir em concrreto o interesse processual variam segundo o conteúdo dodireito substancial que fi cou insatisfeito e segundo a natureza da providência jurisdicional da qual ele mesmo espera satisfação. [...] Pode-se concluir

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que o interesse processual em suas distintas configurações, surge somente quando a finalidade que o solicitante se propõe a alcançar medainte a ação não pode (ou já não pode) ser alcançada, senão mediante a providência do juiz, quando a situação jurídica existente antes do processo é tal que o recurso à autoridade judicial se apresenta como necessário [...] o interesse processual surge no mesmo momento em que a invocação desta garantia prometida em via subsidiária pelo Estado aparece como único meio que ainda subsiste para obter a observância do direito.” (CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil, Volume I, Campinas: BookSeller, 1999, p. 216 e 219)

Nesse sentido, tem a jurisprudência do STJ sedimentado, inclusive em sede de recurso repetitivo, diversas hipóteses em que se reconhece a existência de interesse de agir para exibição de documentos, desde que preenchidas algumas condicionantes:

i) “Falta ao autor interesse de agir para a ação em que postula a obtenção de documentos com dados societários, se não logra demonstrar: a) haver apresentado requerimento formal à ré nesse sentido; b) o pagamento pelo custo do serviço respectivo, quando a empresa lhe exigir, legitimamente respaldada no art. 100, parágrafo, 1º da Lei 6.404/1976 (REsp repetitivon. 982.133/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/09/2008, DJe 22/09/2008) e Súm. 389/STJ;ii) “é cabível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor para o fim de determinar às instituições financeiras a exibição de extratos bancários, enquanto não estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de obrigação decorrente de lei e de integração contratual compulsória, não sujeita à recusa ou condicionantes, tais como o adiantamento dos custos da operação pelo correntista e a prévia recusa administrativa da instituição financeira em exibir os documentos, com a ressalva de que ao correntista, autor da ação, incumbe a demonstração da plausibilidade da relação jurídica alegada, com indícios mínimos capazes de comprovar a existência da contratação, devendo, ainda, especificar, de modo preciso, os períodos em que pretenda ver exibidos os extratos” (Resp repetitivo n. 1133872/PB, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2011, DJe 28/03/2012);iii) E, mais recentemente, no julgadmento do REsp n. 1349453/MS, de minha relatoria, também submetido ao rito do art. 543-C do CPC, acrescido de consideráveis ponderações da em. Ministra Maria Isabel Gallotti, em que se defi nira a tese de que a propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segundas vias de documentos) é cabível como medida preparatória a fi m de instruir eventual ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição fi nanceira não atendido em prazo razoável e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e a normatização da autoridade monetária.

Dessarte, conforme jurisprudência sedimentada desta Corte Superior, haverá interesse de agir para a exibição sempre que o autor pretender conhecer e fi scalizar documentos próprios ou comuns de seu interesse, notadamente referentes a sua pessoa e que estejam em poder de terceiro, sendo que “passou a ser relevante para a exibitória não mais a alegação de ser comum o documento, e sim a afi rmação de ter o requerente interesse comum em seu conteúdo” (SILVA, Ovídio A. Batista da. Do processo cautelar . Rio de Janeiro: Forense, 2009, fl . 376).

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8. Noutro giro, vale realçar as ponderações feitas pelo Banco Central. Sob o ponto de vista regulatório, referia autarquia federal reconhece que “a transparência e o acesso à informação são valores expressamente consagrados em atos normativos editados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O artigo 1º da Resolução CMN nº 4.283, de 4 de novembro de 2013, prescreve, nessa linha, que as instituições fi nanceiras devem, na prestação de seus serviços, adotar procedimentos internos que assegurem o direito à informação do consumidor, mediante o fornecimento tempestivo de ‘cópia de contratos, recibos, extratos, comprovantes e outros documentos relativos a operações e a serviços prestados’”(fl . 93).

Verifi ca-se, pois, que haverá interesse de agir daquele consumidor que intente ação de exibição de documentos objetivando conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise do seu histórico, e também as informações pessoais utilizadas - respeitado o limite do segredo empresarial -, e desde que diretamente atingido por tais critérios quando pretendeu obter crédito no mercado.

Não se pode olvidar que, no tocante ao interesse de agir, como bem asseverou o Ministro Roberto Barroso no julgamento do RE n. 631240 - julgado trazido à colação pela arguta Ministra Isabel Gallotti em recente julgamento em tema correlato na Segunda Seção -, trata-se de “uma condição da ação essencialmente ligada aos princípios da economicidade e da eficiência. Partindo-se da premissa de que os recursos públicos são escassos, o que se traduz em limitações na estrutura e na força de trabalho do Poder Judiciário, é preciso racionalizar a demanda, de modo a não permitir o prosseguimento de processos que, de plano, revelam-se inúteis, inadequados ou desnecessários. Do contrário, o acúmulo de ações inviáveis poderia comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário, inviabilizando a tutela efetiva das pretensões idôneas”.

O acórdão foi assim ementado, no ponto que interessa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.[...]9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profi ra decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.

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(RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)

Nessa perspectiva, como visto, vem a jurisprudência exigindo, em algumas circunstâncias, sob o aspecto da necessidade no interesse de agir, a imprescindibilidade de, ao menos, uma postura ativa do interessado em obter determinado direito (informação ou benefício), antes do ajuizamento da ação pretendida.

Destarte, a meu juízo, a mesma lógica deve valer em relação ao sistema Scoring de pontuação mantido por entidades de proteção ao crédito, inclusive em razão da transparência e boa-fé objetiva que devem primar as relações de consumo e tendo-se em conta a licitude de referido sistema já reconhecida pela Segunda Seção do STJ.

Nessa ordem de ideias, o interesse de agir para cautelar de exibição de documentos, no que tange ao Crediscore, exige também que o requerente comprove que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída.

Somado a isso, deverá, ainda, demonstrar que houve requerimento ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação para permitir, inclusive, que o fornecedor exerça o seu dever de informação e, ao mesmo tempo, que o consumidor realize o controle dos dados considerados e as respectivas fontes para atribuição da nota (CDC, art. 43 e Lei n. 12.414/2011, art. 5°), podendo retifi cá-los ou restringi-los caso se tratem de informações sensíveis ou excessivas, que venham a confi gurar abuso de direito, tudo com um prazo razoável para atendimento.

Aliás, referida exigência é consentânea com a legislação brasileira no tocante ao habeas data – remédio jurídico que também salvaguarda os direitos do consumidor com relação às suas informações em registros e bancos de dados -, haja vista a determinação de que a petição de introito seja instruída com a prova da recusa (Lei n. 9.507/1997, art. 8°).

Realmente, não se mostra razoável, tendo como norte a atual jurisprudência do STF e do STJ, que o pedido de exibição de documentos seja feito diretamente ao Judiciário, sem que antes se demonstre que a negativa da pretensão creditória ao estabelecimento comercial tenha ocorrido justamente em virtude de informações constantes no Crediscore e que, posteriormente, tenha havido resistência da instituição responsável pelo sistema na disponibilização das informações requeridas em prazo razoável.

9. Assim, o entendimento a ser firmado para efeitos do art. 543-C do CPC, que ora encaminho, é o seguinte:

“Em relação ao sistema credit scoring , o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê--lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fixação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema scoring”.

10. No caso em apreço, a recorrente assinalou em sua inicial que, apesar de ter realizado requerimento ao serviço “fale conosco” da requerida, não houve a disponibilização do extrato contendo a pontuação do consumidor, tendo a sociedade empresária, em sua resposta, afi rmado que o pleito deveria ser feito, pessoalmente e mediante identifi cação, ao Departamento de Assistência ao Consumidor (fl s. 1-5).

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Assinalou a sentença que:

De qualquer forma, a exibição de documentos não dispensa o requisito do interesse jurídico, o que está ausente no caso concreto, pois para a caracterização da lide que justifi que o ajuizamento da pretensão em juízo é necessária a resistência prévia, no âmbito extrajudicial, por parte de quem é exigida a prestação.(fl. 15)

Assim, correto o entendimento do magistrado de piso que, em razão da falta de interesse de agir, extinguiu o feito sem julgamento do mérito, uma vez que, como visto, não é o mero fato de ser o Crediscore uma ferramenta probabilística para avaliação do risco de concessão de crédito que, por si só, enseja a cautelar exibitória de documentos, sem o preenchimento dos demais requisitos específi cos para o ajuizamento da ação.

11. Ante o exposto, nego provimento ao especial.É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2012/0031839-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.304.736/RS. Números Origem: 0011002380228 11002380228 70040113573 70043924562 70045555539. PAUTA: 24/02/2016 JULGADO: 24/02/2016.Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO. Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO. Secretária Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER.

AUTUAÇÃORECORRENTE : MILKA GILVANA GONÇALVES MACHADO. ADVOGADO :

DIEGO NUNES GRANADO E OUTRO(S). RECORRIDO : CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE CDL. ADVOGADO : ROBERTA TERRA LOPES E OUTRO(S). INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - “AMICUS CURIAE”. PROCURADOR : PROCURADORIA- GERAL DO BANCO CENTRAL. INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - “AMICUS CURIAE”. ADVOGADOS : FLÁVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS, LEONARDO GRECO, WESLEY BATISTA DE ABREU E OUTRO(S). INTERES. : SERASA S.A - “AMICUS CURIAE”. ADVOGADOS : SERGIO BERMUDES, FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI, GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANÇA, GUIOMAR MENDES, RENATO CALDEIRA GRAVA BRAZIL E OUTRO(S), CAETANO BERENGUER, PAULO BRANCO, ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos.

SUSTENTAÇÃO ORALConsignadas as presenças dos Drs. LUCAS FARIAS MOURA MAIA, pelo

“Amicus Curiae” BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN, FLÁVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS, pelo “Amicus Curiae” FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN, e FABIANO CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI, pelo “Amicus Curiae” SERASA S.A, dispensadas as sustentações orais.

CERTIDÃOCertifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe

na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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A Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foi defi nida a seguinte tese: “Em relação ao sistema “credit scoring”, o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fi xação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema “scoring”.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

– o –

Recurso Especial n. 1.569.767 (2014/0234609-4) – 3ª Turma – Rio Grande do Sul

EMENTARECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL

POR FATO DE TERCEIRO. DESVIO DE VALORES POR GERENTE DE BANCO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS ATOS DE SEUS PREPOSTOS. GESTÃO DE NEGÓCIOS PRATICADA PELO GERENTE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM O TRABALHO. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.

1. Controvérsia acerca da responsabilidade civil de uma instituição financeira pelos desvios de valores perpetrados por gerente em prejuízo de cliente.

2. Limitação da controvérsia à alegação de ofensa ao disposto nos arts. 932, inciso III, e 933 do Código Civil, por serem as únicas questões federais devolvidas ao conhecimento desta Corte Superior.

3. Responsabilidade da empregadora pelos desvios praticados pelo gerente na conta corrente do cliente, ‘ex vi’ do art. 932, inciso III, do Código Civil.

4. Condenação à obrigação de restituir os valores desviados e à obrigação de indenizar os danos morais experimentados pelo cliente. Precedentes.

5. Descaracterização da mora do cliente, pois esta decorreu dos desvios praticados pelo gerente.

6. Incidência do óbice da Súmula 7/STJ no que tange aos valores desviados por meio de outros bancos, pois a conclusão do Tribunal de origem de que o gerente teria passado a atuar como gestor de negócios do cliente é incontrastável no âmbito desta Corte Superior, por demandar reexame de provas.

7. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

Rodrigo Grahl, recorrente – Caixa Econômica Federal, recorrida – Ana Graciema Pereira, Daniel Ustárroz, Rafael Sirangelo Belmonte de Abreu e Outro(s) e Rafael Caletti e Outro(s), advogados.

ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a

Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Dr(a). DANIEL USTÁRROZ, pela parte RECORRENTE: RODRIGO GRAHLDr(a). MARCELA PORTELA NUNES BRAGA, pela parte RECORRIDA: CAIXA

ECONÔMICA FEDERALBrasília, 1º de março de 2016. (Data de Julgamento)Paulo de Tarso Sanseverino, Relator.

RELATÓRIOMin. Paulo de Tarso Sanseverino (Relator) – Trata-se de recurso especial

interposto por RODRIGO GRAHL em face de acórdão do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, assim ementado:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FRAUDE DO GERENTE GERAL. TEORIA DA APARÊNCIA AFASTADA. VALORES QUE JAMAIS INGRESSARAM NA AGÊNCIA BANCÁRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS INDEVIDOS. Apelação provida e recurso adesivo prejudicado. (e-STJ Fl. 1.568)

Opostos embargos de declaração, foram providos tão somente para suprir omissão, nos termos da seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO QUANTO À REVERSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA SANADA. Embargos de declaração parcialmente providos. (e-STJ Fl. 1.608/1610)

Nas razões do recurso especial, o recorrente apontou, além de divergência jurisprudencial, violação aos artigos 932 e 933 do Código Civil, sob os argumentos de: (a) responsabilidade da instituição financeira pelos atos de seus prepostos, independentemente de culpa; e (b) hipossuficiência técnica, pois o recorrente seria leigo em mercado financeiro. Requereu o provimento do recurso para que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL seja condenada a restituir todos os valores desviados pelo gerente, inclusive os que não chegaram a transitar pela conta corrente.

Contrarrazões ao recurso especial apresentadas às e-STJ fls. 1.757/1.789.É o relatório.

VOTOMin. Paulo de Tarso Sanseverino (Relator) – Eminentes colegas, o recurso

especial merece ser parcialmente provido.Relatam os autos que, em 2006, o ora recorrente, RODRIGO GRAHL, jogador

de futebol com atuação no exterior, abriu uma conta corrente em uma agência da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), em Porto Alegre, para onde transferia parte de sua remuneração recebida no exterior.

A conta era movimentada pelo pai do jogador e pelo gerente da agência, o qual tinha autorização para realizar aplicações financeiras.

Diversas aplicações foram realizadas pelo gerente, sendo que, em alguns casos, os valores sequer transitaram pela conta da CEF, pois foram transferidos diretamente para outros bancos, em contas de terceiros, por orientação do gerente.

Em junho de 2007, ao retornar ao Brasil, o demandante sofreu uma restrição de crédito ao realizar uma compra, o que acabou evidenciando que os investimentos eram fi ctícios.

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A CEF foi informada dos fatos, tendo instaurado um procedimento administrativo interno, por meio do qual se apurou um desvio de R$ 460.716,27 da conta corrente do demandante, dando ensejo à demissão do gerente, por justa causa.

Quanto aos valores que transitaram por outros bancos, a CEF entendeu que o gerente teria agido como particular, não como preposto.

Nesse contexto, o demandante ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais, pretendendo a restituição de todos os valores desviados.

O juízo de origem julgou procedentes os pedidos, condenando a CEF a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), e a restituir os valores desviados diretamente da conta corrente, bem como os desviados por meio de outros bancos, conforme valor a ser apurado em liquidação.

Houve apelação por ambas as partes.A apelação da CEF foi provida para julgar improcedentes os pedidos, sob

o fundamento de que o gerente não teria atuado como preposto da instituição financeira, mas como gestor de negócios do ora recorrente (cf. fls. 1566 s.).

Daí a interposição do presente recurso especial, que passo a analisar.A questão federal suscitada no recurso especial diz respeito à responsabilidade

civil dos empregadores pelos atos de seus empregados, prevista nos arts. 932 e 933 do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:I - os pais, pelos fi lhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

É certo que a hipótese dos autos se enquadra no conceito de relação de consumo, pois o desvio de valores ocorreu no curso de um contrato de conta corrente celebrado entre um consumidor pessoa física e uma instituição fi nanceira fornecedora de serviços bancários.

Desse modo, seriam aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor (cf. Súmula 297/STJ).

Cabe lembrar que o regime da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor é mais severo com o causador do dano do que o regime do Código Civil, pois, no sistema civilista a responsabilidade da empresa por atos de seus empregados é indireta, objetiva e sem previsão legal de inversão do ônus da prova, ao passo que, no sistema consumerista, a responsabilidade por defeito do serviço é direta, objetiva e com inversão ope legis do ônus da prova.

Porém, no caso em tela, a questão da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor sequer foi devolvida ao conhecimento desta Corte Superior, de modo

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que a análise do presente voto fi ca limitada à questão federal efetivamente suscitada nas razões do recurso especial (violação dos arts. 932 e 933 do Código Civil).

Assim, fixado o paradigma normativo, passo à análise do caso, iniciando pelo desvio dos valores que efetivamente passaram pela conta do recorrente na CEF.

Quanto a esse ponto, não há dificuldade em se imputar responsabilidade à CEF, pois tais desvios foram apurados no procedimento administrativo que culminou com a demissão do gerente.

A propósito, confira-se o seguinte trecho da sentença:

Em relação a tais valores, a procedência do pedido é evidente. As conclusões do procedimento administrativo são plenamente sufi cientes para a condenação da CEF, pois demonstram que seu preposto desviou, em proveito próprio, valores da conta do autor. Não há impedimento à utilização da prova produzida extrajudicialmente, pois o procedimento foi produzido pela própria CEF, contra quem suas conclusões agora são utilizadas. E, inclusive, possível aplicar a regra do artigo 368 do CPC (“As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário”). Por outro lado, é inviável acolher a alegação, feita pela CEF em seus memoriais, de que “todas as transferências ocorreram sob o efetivo controle dos titulares” (fl s. 779/780), pois a própria CEF, no procedimento administrativo, concluiu que Dalimar praticou a conduta de “solicitar aos empregados da unidade a emissão de TED e de Débitos Autorizados na conta sob investigação sem a necessária autorização formal do titular ou de seu representante” (fl . 780 do anexo).É contraditória a conduta da CEF, que, administrativamente, imputa a empregado seu a prática de uma série de atos ilícitos, inclusive demitindo-o por justa causa (fl . 928 do anexo), e, em juízo, tenta negar a ocorrência destes mesmos ilícitos. Portanto, não tendo a CEF apontado por qual motivo seu procedimento administrativo teria chegado a conclusões equivocadas, tais conclusões devem ser tidas por verdadeiras. (fl . 918 s.)

Assim, tendo o gerente se utilizado das facilidades da função para desviar valores da conta do cliente, deve a CEF, como empregadora, responder pelos danos causados, ex vi do art. 932, inciso III, do Código Civil.

Cabível, portanto, o restabelecimento da sentença, quanto a esse ponto. Esclareça-se que o fato de a CEF ter reconhecido administrativamente esses

desvios não é suficiente para afastar a condenação, como parece ter sido o entendimento do Tribunal a quo.

Na verdade, a CEF apresentou um comportamento contraditório, pois reconheceu os desvios na via administrativa, mas, em juízo, contestou o pedido de restituição.

Os valores desviados somente foram restituídos após a CEF ser condenada a tal pela sentença de primeiro grau.

Houve, portanto, evidente resistência da CEF quanto a esse pedido, impondo-se o restabelecimento da condenação.

De outra parte, quanto à indenização por danos morais, também assiste razão ao recorrente.

O desvio de valores praticado pelo gerente é ato gravíssimo, pois não apenas pode configurar, em tese, crime contra o patrimônio, como também estabelece a quebra da relação de confiança do cliente com a instituição financeira.

Os valores desviados foram vultosos, quase meio milhão de reais, de modo que esse fato, por si só, se mostra apto a abalar psicologicamente o correntista (ora recorrente), gerando obrigação de indenizar.

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Ademais, no caso em tela, a conta corrente chegou a ficar negativa, em virtude dos desvios, o que culminou com inscrição do nome do recorrente em órgãos de restrição de crédito, fato também suficiente para gerar dano moral indenizável.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA RÉ.1. O STJ já fi rmou entendimento que “nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se confi gurain re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica”(REsp 1059663/MS, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 17/12/2008). Precedentes.2. A indenização por danos morais, fi xada em quantum em conformidade com o princípio da razoabilidade, não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ.3. Este Tribunal Superior tem prelecionado ser razoável a condenação no equivalente a até 50 (cinquenta) salários mínimos por indenização decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito.Precedentes.4. A incidência da Súmula 7/STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão hostilizado,tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem.5. Agravo regimental desprovido.(AgRg no AREsp 777.018/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 03/02/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. RESPONSABILIDADE DA RECORRENTE RECONHECIDA NO ACÓRDÃO. MODIFICAÇÃO. DESCABIMENTO. SÚMULA N. 7 DO STJ. DANO MORAL `IN RE IPSA`. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.1. Apesar de rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi suficientemente enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, embora em sentido contrário à pretensão da recorrente, pois reconheceu sua responsabilidade pela inscrição indevida. A revisão do julgado recorrido exigiria o revolvimento das circunstâncias de fato pertinentes ao caso, o que não se admite em recurso especial, diante da aplicação da Súmula n. 7 desta Corte.2. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “nos casos de inclusão indevida do nome do consumidor no cadastro de inadimplente o dano moral é presumido”(AgRg no AREsp 286.444/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 6/8/2013, DJe 16/8/2013).3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AgRg no AREsp 727.829/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 14/12/2015)

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Desse modo, considerando a conjugação dos dois fatos acima apontados, bem como o montante desviado (cerca de R$ 500.000,00), entendo que o valor arbitrado pelo juízo de origem, R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais, em novembro de 2011), é suficiente para indenizar os danos morais sofridos pelo demandante.

Restaura-se, portanto, a sentença também quanto a esse ponto.Por conseguinte, fica descaracterizada a mora do ora recorrente com a CEF,

pois a conta corrente somente apresentou saldo negativo em razão dos desvios perpetrados pelo gerente.

Por fi m, resta analisar a responsabilidade da CEF pelos valores que não passaram pela conta corrente, tendo sido desviados diretamente para outros bancos, inclusive do exterior.

O modus operandi adotado pelo gerente para conseguir efetuar esses desvios foi oferecer investimentos com alta rentabilidade, orientando a transferência direta do dinheiro para outros bancos em que a operação “seria mais ágil”.

A propósito, confiram-se as seguintes mensagens eletrônicas transcritas pelo demandante na inicial:

“Rodrigo,...Conforme o combinado estou enviando os dados da aplicação.Valor: R$ 1.175.000,00 ( hum milhão cento e setenta e cinco mil reais)Taxa: 3,3%Rendimento: R$ 38.775,00Data de rendimento: todo dia 12 de cada mês.Parabéns pelo negócio.”

“Caro amigo Rodrigo,Acredito ser mais conveniente mandar o dinheiro da casa separado, porque assim, os rendimentos da aplicação não vão ficar comprometidos e vc não vai precisar mexer no seu salário. Quanto a nova aplicação, já te mandei três contas e estarei te mandando pouco a pouco as outras contas até fecharmos $ 1.000.000.”

Quanto a esses desvios, a controvérsia consiste em saber se o gerente teria atuado “em razão” dessa condição (cf. art. 932, inciso III, in fine, do Código Civil), embora fora dos limites de suas atribuições.

No âmbito doutrinário, tem-se conferido uma interpretação extensiva à hipótese de atuação do preposto “em razão” do trabalho que lhe foi atribuído, para abranger casos em que o vínculo com o trabalho é bastante tênue.

A título de exemplo, confira-se a doutrina de SÉRGIO CAVALIERI FILHO, verbis:

Diferentemente de outros países, basta que o dano tenha sido causado em razão do trabalho – importando, isso, dizer que o empregador responde pelo ato do empregado ainda que não guarde com suas atribuições mais do que simples relação incidental, local ou cronológica. Na realidade, a fórmula do nosso Código Civil é muito ampla e bastante severa para o patrão. Bastará que a função tenha oferecido ao preposto a oportunidade para a prática do ato ilícito; que a função tenha lhe proporcionado a ocasião para a prática do ato danoso. E isso ocorrerá quando, na ausência da função, não teria havido a oportunidade para que o dano acontecesse. (Programa de Responsabilidade Civil. 9a ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 203)

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Nessa linha de entendimento, confi ra-se o seguinte julgado desta Corte em que o empregador foi responsabilizado por ato do preposto praticado fora do horário e local de trabalho, em descumprimento a ordem expressa do patrão, cuja ementa fi xou a seguinte conclusão, litteris:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO DO PREPOSTO. CULPA RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. (ART. 1.521, INCISO III, CC/16;ART. 932, INCISO III, CC/2002). ATO PRATICADO FORA DO HORÁRIO DE SERVIÇO E CONTRA AS ORDENS DO PATRÃO. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO QUE SE RELACIONA FUNCIONALMENTE COM O TRABALHO DESEMPENHADO. MORTE DO ESPOSO E PAI DOS AUTORES. CULPA CONCORRENTE. INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDAS.1. A responsabilidade do empregador depende da apreciação quanto à responsabilidade antecedente do preposto no dano causado - que é subjetiva - e a responsabilidade consequente do preponente, que independe de culpa, observada a exigência de o preposto estar no exercício do trabalho ou o fato ter ocorrido em razão dele.2. Tanto em casos regidos pelo Código Civil de 1916 quanto nos regidos pelo Código Civil de 2002, responde o empregador pelo ato ilícito do preposto se este, embora não estando efetivamente no exercício do labor que lhe foi confiado ou mesmo fora do horário de trabalho, vale-se das circunstâncias propiciadas pelo trabalho para agir, se de tais circunstâncias resultou facilitação ou auxílio, ainda que de forma incidental, local ou cronológica, à ação do empregado.3. No caso, o preposto teve acesso à máquina retro-escavadeira - que foi má utilizada para transportar a vítima em sua “concha” - em razão da função de caseiro que desempenhava no sítio de propriedade dos empregadores, no qual a mencionada máquina estava depositada, ficando por isso evidenciado o liame funcional entre o ilícito e o trabalho prestado.4. Ademais, a jurisprudência sólida da Casa entende ser civilmente responsável o proprietário de veículo automotor por danos gerados por quem lho tomou de forma consentida. Precedentes.5. Pela aplicação da teoria da guarda da coisa, a condição de guardião é imputada a quem tem o comando intelectual da coisa, não obstante não ostentar o comando material ou mesmo na hipótese de a coisa estar sob a detenção de outrem, como o que ocorre frequentemente nas relações ente preposto e preponente. 6. Em razão da concorrência de culpas, fi xa-se a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), bem como pensionamento mensal em 1/3 do salário mínimo vigente à época de cada pagamento, sendo devido desde o evento danoso até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade.7. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 1.072.577/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 26/04/2012)

Contudo, apesar dessa larga abrangência da responsabilidade do empregador pelos atos de seus empregados ou prepostos, o caso dos autos traz particularidades que recomendam a exoneração da responsabilidade da empregadora.

Efetivamente, observa-se na moldura fática delineada pelo Tribunal de origem (com base no parecer do Ministério Público Federal), que o ora recorrente teria desenvolvido uma relação de “amizade fraterna” com o gerente da agência bancária, de modo que este passou a ser, além de gerente, gestor dos negócios do ora recorrente no Brasil.

Desse modo, a proposta de investimentos fora da CEF diria respeito à atuação particular do gerente como gestor de negócios, nada tendo a ver com a sua condição de empregado ou preposto da instituição financeira.

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Corroborando essa conclusão, o Tribunal de origem destacou que a proposta foi encaminhada pelo e-mail particular do gerente, não pelo funcional, de modo que o ora recorrente teria plena consciência de que se tratava de uma proposta particular do gerente, baseada na gestão de negócios, sem relação alguma com a CEF.

Por sua vez, o ora recorrente sustentou que o vínculo de amizade forjado pelo gerente faria parte do engodo utilizado para aplicar o golpe financeiro (fl. 1702), de modo que a CEF seria responsável por expor o cliente a esse golpe.

Assim, em que pese o esforço argumentativo do ora recorrente, as conclusões do Tribunal de origem, calcadas nos elementos fáticos da demanda, são incontrastáveis no âmbito desta Corte Superior, em razão do óbice da Súmula 7/STJ.

Esclareça-se que a Súmula 7/STJ obsta o conhecimento do recurso especial tanto pelo fundamento da alínea a, quanto pelo da alínea c do permissivo constitucional.

Destarte, o parcial provimento do recurso é medida que se impõe.Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso

especial para restaurar os comandos da sentença (fls. 926 s.), com exceção do comando do item “b”, relativo aos valores que não tramitaram pela CEF.

Custas à metade para cada parte, e honorários advocatícios reciprocamente compensados, tendo em vista a sucumbência recíproca (cf. Súmula 306/STJ).

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2014/0234609-4 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.569.767/RS. Números Origem: 20077100030473 376326220104040000 50209614520124047100. RS-200771000304723 RS-50209614520124047100 TRF4-00376326220104040000. PAUTA: 01/03/2016 JULGADO: 01/03/2016.

Relator Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA. Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA.

AUTUAÇÃORECORRENTE: RODRIGO GRAHL. ADVOGADOS: ANA GRACIEMA PEREIRA,

DANIEL USTÁRROZ, RAFAEL SIRANGELO BELMONTE DE ABREU E OUTRO(S). RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ADVOGADO: RAFAEL CALETTI E OUTRO(S). ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários.

SUSTENTAÇÃO ORALDr(a). DANIEL USTÁRROZ, pela parte RECORRENTE: RODRIGO GRAHL.

Dr(a). MARCELA PORTELA NUNES BRAGA, pela parte RECORRIDA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

CERTIDÃOCertifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe

na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:A Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura

Ribeiro e João Otávio de Noronha (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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DECISÕES

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70064896913 (n. CNJ: 0175069-17.2015.8.21.7000) – Órgão Especial – Porto Alegre

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. APROVEITAMENTO. TRANSPOSIÇÃO DE CARGOS. ESCOLARIDADE. ATRIBUIÇÕES. INVESTIGADORES DE POLÍCIA.

É inconstitucional a lei estadual que promove o aproveitamento dos investigadores de polícia em atividade nos cargos de inspetor e escrivão de polícia, cuja investidura exige curso superior, porquanto tal encerra transposição de cargos sem concurso público, já que não levou em conta a diversidade de grau de escolaridade e de atribuições. Do cotejo das atribuições aos cargos em apreço, constata-se não haver correspondência entre elas.

AÇÃO PROCEDENTE, POR MAIORIA.

Procurador-Geral de Justiça, proponente – Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e Governador do Estado, requ eridos – Procurador-Geral do Estado e Servipol / Sinpol-RS, interessados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça

do Estado, por maioria, em julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, vencidos os Desembargadores Marcelo Bandeira Pereira (Relator), Irineu Mariani, Carlos Cini Marchionatti, Angela Terezinha de Oliveira Brito, Marilene Bonzanini, Gelson Rolim Stocker, Ricardo Torres Hermann e Ana Paula Dalbosco. Redatora para o acórdão a Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores

DESEMBARGADORES LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI (PRESIDENTE), ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, SYLVIO BAPTISTA NETO, RUI PORTANOVA, JORGE LUÍS DALL’AGNOL, IVAN LEOMAR BRUXEL, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, IRINEU MARIANI, MARCO AURÉLIO HEINZ, JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA, LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, CARLOS CINI MARCHIONATTI, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO, IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, MARILENE BONZANINI, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, GELSON ROLIM

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STOCKER, CATARINA RITA KRIEGER MARTINS, RICARDO TORRES HERMANN, ALBERTO DELGADO NETO (IMPEDIDO) E ANA PAULA DALBOSCO.

Porto Alegre, 07 de março de 2016.Marcelo Bandeira Pereira, Relator, voto vencido.Maria Isabel de Azevedo Souza, Redatora para o acórdão.

RELATÓRIOO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA ajuíza AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE tendo por objeto a Lei Estadual 14.433/2014, que dispõe sobre a extinção dos cargos de Investigador de Polícia e sobre o aproveitamento dos servidores no âmbito da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, e o Decreto nº 52.176/2014 que a regulamenta.

Em suas razões, alega inconstitucionalidade material. Sustenta que, em razão do texto do artigo 37, inciso II, e do artigo 39, a Constituição Federal aboliu qualquer forma de aproveitamento de servidor público para cargo de carreira diferente da sua, sem prévia aprovação em concurso público. Refere que o princípio do concurso público é norma cogente imposta pela Constituição Federal, somente podendo ser afastada nas hipóteses excepcionais expressamente nela previstas e nos exatos limites por ela elencados, notadamente os que exsurgem dos princípios da impessoalidade, efi ciência, moralidade e legalidade. Faz alusão ao artigo 20 da Constituição Estadual. Esclarece que o grau de escolaridade exigido para o ingresso no extinto cargo de Investigador de Polícia (nível médio) não guarda similitude com o que exigido para os cargos de Escrivão de Polícia e Inspetor de Polícia (nível superior), o que reforça a inconstitucionalidade. Entende que há verdadeira transposição entre carreiras, consubstanciando provimento derivado de cargos efetivos, com malferimento ao acesso universal aos cargos públicos pela via do concurso público. Assevera violação aos artigos 19 e 20 da Constituição Estadual. Requer a concessão de liminar para, desde logo, suspender os efeitos da Lei e do Decreto.

Indeferida a suspensão da lei em medida liminar (fls. 110/112).O Procurador-Geral do Estado defende a constitucionalidade dos dispositivos

impugnados em observância ao princípio de presunção da constitucionalidade das leis (fl . 126).

O Governador do Estado do Rio Grande do Sul prestou informações pela constitucionalidade das normas (fl. 128/133).

O Ministério Público, modificando o seu entendimento, apresenta manifestação final pela constitucionalidade dos diplomas Legais objurgados (fls. 135/141).

O SERVIPOL/SINPOL-RS – Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Rio Grande do Sul requereu sua admissão no processo na condição de amicus curiae, o que restou deferido na decisão de fls. 204/206.

É o relatório.

VOTOSDes. Marcelo Bandeira Pereira (Relator) – A presente ação direta tem por objeto

a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 14.433/2014, que dispõe sobre a extinção dos cargos de Investigador de Polícia e sobre o aproveitamento dos servidores no âmbito da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, e, por reverberação normativa, o Decreto nº 52.176/2014 que a regulamenta.

A suscitada inconstitucionalidade material se deu com base em violação ao conteúdo normativo dos artigos 5º, caput e 37, inciso II, da Constituição da República,

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e artigos 19, caput, e 20, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que, “sob a justifi cativa de ‘aproveitamento’ dos atuais ocupantes do extinto cargo de Investigador de Polícia nos cargos de Escrivão de Polícia e de Inspetor de Polícia e nas respectivas carreiras, foram proporcionadas vantagens estatutárias, para fi ns de ascensão funcional e de status, diversas daquelas para as quais foi realizado o concurso público originário (Investigador de Polícia), importando inequívoco favorecimento pessoal, em inaceitável desrespeito à isonomia”.

Ademais, afi rma que, “Tal afronta nada mais é do que verdadeira transposição entre carreiras, consubstanciando provimento derivado de cargos efetivos, com malferimento ao acesso universal aos cargos públicos pela via do concurso público”.

Da mesma forma, fundamenta a inconstitucionalidade destacando que “o grau de escolaridade exigido para o ingresso no extinto cargo de Investigador de Polícia (nível médio, nos termos da Lei Estadual nº 8.835/1987, em seu artigo 3º, inciso I, letra ‘b’), não guarda similitude com aquele exigido para os cargos de Escrivão de Polícia e Inspetor de Polícia (formação em nível superior, conforme dispõe a Lei Estadual nº 12.350/2005, artigo 2º, inciso II), o que reforça, ainda mais, a inconstitucionalidade do diploma normativo em exame”.

Conclui a inicial argumentando que “sempre que houver substancial mudança das atribuições, remuneração, requisitos de ingresso e grau de escolaridade dos cargos paradigmas, impende seja observado o primado do acesso universal aos cargos públicos pela via do concurso público”.

Sem razão o proponente.Nesse sentido, aliás, é o próprio proponente quem, modifi cando o seu

entendimento, apresenta as razões pelas quais a presente ação não merece prosperar.Antes, contudo, cumpre destacar a Justificativa que acompanhou o

PL nº 380/2013 – do Chefe do Executivo estadual, conforme segue:

O presente Projeto de Lei prevê a extinção e o aproveitamento dos cargos de Investigadores de Polícia, ancorado no art. 41, §3º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.

A proposta ora apresentada é resultado do compromisso assumido com os Agentes de Polícia na negociação ocorrida no ano de 2012 que estabeleceu a instituição de um Grupo de Trabalho, efetivada por meio do Decreto nº 50.109, de 25 de fevereiro de 2013 composto por representantes da Secretaria da Segurança Pública, da Casa Civil, da Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos, da Polícia Civil, do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Policia do Rio Grande do Sul - UGEIRM e do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Rio Grande do Sul – SERVIPOL/SINPOL, sob a coordenação do Comitê de Diálogo Permanente – CODIPE. O Grupo de Trabalho foi instituído para avaliar e discutir três temas, sendo o primeiro a possibilidade de aproveitamento do cargo de Investigador de Polícia no Quadro de Servidores da Polícia Civil.

Historicamente, Investigadores, Inspetores e Escrivães sempre estiveram em igualdade de condições técnicas, atribuindo-se, desta forma, aos Investigadores as mesmas tarefas que aos demais cargos de Agentes da Polícia Civil. Portanto, o presente projeto de lei é de extrema relevância, uma vez que vai ao encontro dos interesses da Administração Pública.

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Importa frisar também, que, os sindicatos UGEIRM e SINPOL/RS, entidades voltadas para a defesa dos Agentes de Polícia, propuseram o aproveitamento das vagas, observando, primeiro o tempo e a proporção das promoções dos investigadores aproveitados nos cargos de Escrivães e Inspetores de Polícia, sem concorrer nas promoções dos mesmos que estiverem no interstício para fi ns ascensionais.

Neste sentido, os cargos de Investigador de Polícia são extintos, nos termos desta proposta, e poderão ingressar na carreira de Escrivão ou Inspetor de Polícia, sem prejuízo da atual condição de ascensão na carreira destes últimos. Para isto, a proposta apresenta a criação paulatina das vagas necessárias para ascensão funcional. Assim, nenhum servidor policial ocupante do cargo de Escrivão ou de Inspetor será prejudicado na sua perspectiva ascensional por esse aproveitamento dos Investigadores.

Essas são, pois, as razões que justificam o encaminhamento o presente Projeto de Lei.

A justificativa, portanto, aponta que não só as atribuições são assemelhadas, como também os cargos, historicamente, sempre estiveram em igualdade de condições técnicas. Outrossim, destaca que a extinção dos cargos de Investigador, com aproveitamento nos cargos de Escrivão e Inspetor, será feita “sem prejuízo da atual condição de ascensão na carreira destes últimos”.

Não há, portanto, qualquer incompatibilidade técnica ou de atribuições que justifique a declaração de inconstitucionalidade, tal qual proposta na inicial.

Entretanto, cumpre ainda investigar a questão concernente à investidura, já que distinto o grau de escolaridade exigido para ingresso em cada uma das carreiras.

Como já referido, é o próprio proponente quem, aderindo aos argumentos lançados em defesa da constitucionalidade da Lei e do Decreto, apresenta os fundamentos pelos quais entende deva o pedido ser julgado improcedente.

E por serem razões que apreciam detidamente as questões suscitadas, e que são esgrimidas com a necessária contundência, vão reproduzidas como razões de decidir, in verbis:

2. Inicialmente, cumpre registrar algumas considerações prefaciais ao exame do mérito da pretensão.

Consabido que, uma vez, proposta a ação direta de inconstitucionalidade não comporta desistência, devendo ter seu trâmite normal até o julgamento final, nos termos do artigo 5º da Lei nº 9.868/1999, vez que matéria de ordem pública, de natureza indisponível.

Contudo, partindo-se da premissa de que a mudança de entendimento não equivale à desistência, em sede de manifestação final, considerados os argumentos expendidos pelos requeridos e, em especial, o posicionamento sufragado pela atual Chefia da instituição, tem-se que a presente ação comporta julgamento de improcedência.

Explica-se.A regra, para acesso aos cargos e empregos públicos, conforme expressamente

preconizam os artigos 37, inciso II, da Constituição Federal, e o artigo 20, “caput”, da Carta Estadual, é a prévia aprovação em concurso público:

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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte:(...)II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;Art. 20. A investidura em cargo ou emprego público assim como a admissão de empregados na administração indireta e empresas subsidiárias dependerão de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos de provimento em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (...).

A Corte Suprema tem censurado a validade jurídico-constitucional de normas que autorizem, permitam ou viabilizem, independentemente de aprovação prévia em certame público, o ingresso originário no serviço público, ou ainda, que autorizem o provimento em cargos diversos daqueles para os quais o servidor tenha sido originariamente admitido, especialmente em homenagem ao princípio da isonomia.

Nessa linha, destacou o Ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.350/RO, da qual foi relator:

“(...) O concurso público representa garantia concretizadora do princípio da igualdade, que não tolera tratamentos discriminatórios nem legitima a concessão de privilégio (...). A razão subjacente ao postulado do concurso público traduz--se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros” (STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.350-5 Rondônia, julgada procedente, unânime, em 24/02/2005).

Da mesma forma, não se desconhece o entendimento do Pretório Excelso de que não há impedimento constitucional, havendo afinidade de atribuições e equivalência de vencimentos e requisitos de investidura, à transformação de cargo público, ultimando-se o aproveitamento com o propósito de racionalização das atividades da Administração Pública, conquanto em relação ao cargo primitivo haja sido realizado regular concurso público.

Não obstante, a doutrina e a jurisprudência fixaram alguns limites para definir a constitucionalidade, ou não, dessas transformações.

Neste ponto, cumpre referir a posição adotada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI nº 2713-1-DF, visando a impugnar parte da Medida Provisória nº 43/2002, quê estabeleceu a transformação dos cargos de carreira de Assistente Jurídico da AGU em cargos da Carreira da Advocacia-Geral da União, ocasião em que se firmou o entendimento de que o enquadramento dos cargos analisados não violava a previsão constitucional acerca da necessidade de concurso público para ingresso no serviço, uma vez que restou comprovada a identidade de atribuições entre as categorias, a compatibilidade de funções e a equivalência da remuneração. O dispositivo restou assim redigido:

“Diante do exposto, não configura ofensa ao princípio do concurso público, e sim a racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional,

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por meio da unificação de cargos pertencentes a carreiras de idênticas atribuições e de mesmo vencimento, julgo improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade”.

Consta do voto do Relator Ministro Otávio Gallotti, invocado pela Ministra Ellen Gracie por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade autuada sob o n.º 2.713:

“Julgo que não se deva levar, ao paroxismo, o princípio do concurso público, a ponto de que uma reestruturação convergente de carreiras similares venha a cobrar (em custos e descontinuidade) o preço da extinção de todos os antigos cargos, com a disponibilidade de cada um dos ocupantes seguida de processo seletivo, ou, então, do aproveitamento dos disponíveis, hipótese esta última que redundaria, na prática, justamente na situação que a propositura da ação visa a conjurar.”

Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão

assim preconizam a respeito da transformação de cargos públicos:“Nesses casos, o que a jurisprudência tem apontado é a viabilidade de agrupar sob uma mesma denominação os cargos cujas atribuições, requisitos de qualifi cação, escolaridade, remuneração, habilitação profi ssional ou especialização exigidos para o ingresso sejam idênticos ou essencialmente similares.Em sendo assim, não há que se falar em preterição à exigência de agrupar sob uma mesma denominação cargos cujas atribuições, requisitos de qualificação, escolaridade, remuneração, habilitação profissional ou especialização exigidos para ingresso sejam idênticos ou essencialmente similares.[...].Entrementes, se a transformação implicar em alteração da remuneração e das atribuições, confi gura novo provimento, violando, pois, o instituo do concurso público”.

Na mesma linha, preleciona José dos Santos Carvalho Filho:“(...) A matéria relacionada a essa questão foi definitivamente assentada pelo STF na Súmula 685, que tem os seguintes dizeres: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido. Significa, pois, que é vedado admitir que o servidor ocupante de cargo de uma carreira seja transferido para cargo de carreira diversa sem que tenha sido aprovado no respectivo concurso, seja qual for a modalidade de provimento. Investidura desse tipo em prévia aprovação em concurso público configura-se como ilegítima, gerando a necessidade de sua anulação pelo Judiciário ou pela própria Administração. (...)Situação diversa, no entendo, é aquela em que a nova carreira criada por lei recebe atribuições anteriormente conferidas a carreira diversa. Nesse caso, se os integrantes da carreira mais antiga ingressaram por meio de concurso público, nada impede que se lhes faculte optar pelos cargos da nova careira. Aqui não estaria sendo vulnerado nem o princípio da aprovação em concurso público, nem o da exigência de concurso para primeira investidura, já que esta, na hipótese em foco, tem fi sionomia distinta e particularidade própria.”

Nessa ordem de ideias, possível, sob o enfoque constitucional, a transformação dos cargos públicos, a qual se legitima quando os postos antigos e os novos possuem similaridade de nível de escolaridade, de atribuições e de remuneração.

Com tais aportes, e volvendo ao caso vertente, o aproveitamento dos servidores ocupantes do cargo, em extinção, de investigador de polícia estadual, nos cargos de escrivão e inspetor de polícia, levada a efeito pela Lei Estadual nº 14.433/2014 não

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ofende ao preceito do concurso público, confi gurando hipótese de transformação de cargo público, em prol da reorganização da carreira da Polícia Civil Estadual.

Tal conclusão exsurge do confronto dos pressupostos antes elencados, a seguir examinados.

Primeiramente, importa destacar que o cargo de investigador de polícia já havia sido extinto desde 1997, por força da Lei Estadual nº 10.995/97.

Antes da sua extinção, o provimento do cargo de investigador de policia exigia escolaridade nível médio, assim como os cargos de escrivão de polícia e inspetor de polícia. Em 1989, com o advento da Lei 8.835/1989, o legislador reforçou a escolaridade idêntica para Escrivães, Inspetores e Investigadores, verbis:

Art. 3º - São estabelecidos os seguintes requisitos de escolaridade e limites de idade para habilitação a concurso visando o provimento dos caros iniciais das carreiras policiais:I – Escolaridade:a) Delegado de Polícia – Conclusão do Curso Superior de Ciências Jurídicas e Sociais; eb) Inspetor, Escrivão e Investigador de polícia - Conclusão do 2º Grau.

A graduação superior passou a ser exigida apenas a partir da edição da Lei Estadual n.º 10.728, de 23 de janeiro de 1996, de forma que a alteração da escolaridade se deu paralelamente à extinção do cargo de investigador de polícia pela Lei Estadual n.º 10.995/1997.

De outra banda, as atribuições previstas para o referido cargo, de acordo com a Lei n.º 5.858/1969 (fls. 56/57), são as seguintes:

CARREIRA: INVESTIGADOR DE POLÍCIA – 4 CLASSESSÍNTESE DOS DEVERES: Auxiliar a execução de diligências e investigações policiais, prisões e detenções, executar intimações; colaborar na realização de serviços processuais e administrativas das Delegacias; dirigir veículos automotores; auxiliar os Inspetores e Escrivães na execução de seus misteres.EXEMPLOS DE ATRIBUIÇÕES; Auxiliar nos trabalhos burocráticos das Delegacias de Polícia, executando trabalhos de protocolo, arquivo, expedição de atestados, elaboração de mapas estatísticos; auxiliar a realização de serviços cartorários; colaborar na realização de diligência e investigações; execução de tarefas de vigilância preventiva e auxiliar na repressão de perturbação da ordem; dirigir veículos automotores, dispensando-lhes os devidos cuidados com abastecimento, limpeza e estado de conservação; realizar todos os serviços auxiliares e complementares aos misteres das repartições policiais, externos e internos, que forem determinados pelo Delegado de Polícia; executar outras tarefas correlatas.

A seu turno, as atribuições do cargo de Escrivão de Polícia e Inspetor de Polícia, respectivamente, são:

2.1. – Escrivão de Polícia – Síntese das atribuições:2.1.1. São atribuições do Escrivão de Polícia, entre outras previstas em Lei: escriturar ou orientar a escrituração dos livros cartorários de delegacias; lavrar e expedir certidões; lavrar autos de prisão, de apreensão, de restituição, de depósito, de acareação e de reconhecimento; lavrar termos de declaração, de ocorrência, de fi anças, de compromisso e de representação; recolher fi anças, nos termos da legislação; exarar boletins estatísticos; atualizar arquivos e bancos de dados; cumprir e fazer cumprir as determinações das autoridades policiais; participar de diligências externas, realizando prisões e intimações; portar arma de fogo de uso regulamentar; conduzir veículos ofi ciais; executar tarefas administrativas.2.2. – Inspetor de Polícia – Síntese das atribuições:2.2.1. São atribuições do Inspetor de Polícia, entre outras previstas em Lei: realizar diligências, operações, vigilâncias e atos investigatórios; efetuar prisões,

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buscas e apreensões; cumprir mandados; colaborar na execução de atividades procedimentais e administrativas; cumprir e fazer cumprir as determinações das autoridades policiais; manter atualizados os bancos de dados de interesse da investigação policial; elaborar relatórios de investigação; portar arma de fogo de uso regulamentar; conduzir veículos oficiais; executar tarefas administrativas.

Do cotejo do feixe de atribuições dos cargos destacados, constata-se que a descrição analítica das atribuições do cargo de investigador de polícia encontra--se perfeitamente abarcada na definição das atribuições dos cargos de escrivão de polícia e de inspetor de policia, havendo intrínseca correlação das funções correlatas, que se comunicam entre si.

Outro aspecto que merece destaque é a remuneração dos cargos telados.Neste particular, a análise da documentação acostada com a peça vestibular

autoriza a conclusão de paridade remuneratória, na medida em que o aproveitamento, nos termos do artigo 3º da Lei Estadual n.º 14.433/2014, foi realizado de forma a entrelaçar as classes dos distintos cargos, objetivando que o reenquadramento se desse na classe em que a remuneração fosse correspondente à situação em que se encontrava o servidor público quando da transformação, não acarretando qualquer aumento signifi cativo na remuneração dos ocupantes do cargo extinto.

Nesse contexto, possível afi rmar que as alterações normativas relativas aos cargos públicos do quadro de pessoal da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, trazidas pela guerreada Lei Estadual n.º 14.433.2014, constituem apenas a adequação dos cargos, com vistas à sua reestruturação convergente, em carreira única.

Referenda a argumentação aqui defendida o seguinte julgado da Corte Suprema:CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 1º, CAPUT E § 1º DA LEI COMPLEMENTAR N. 372/2008 DO RIO GRANDE DO NORTE. 1. A reestruturação convergente de carreiras análogas não contraria o art. 37, inc. II, da Constituição da República. Logo, a Lei Complementar potiguar n. 372/2008, ao manter exatamente a mesma estrutura de cargos e atribuições, é constitucional. 2. A norma questionada autoriza a possibilidade de serem equipadas as remunerações dos servidores auxiliares técnicos e assistentes em administrações judiciária, aprovados em concurso público para o qual se exigiu diploma de nível médio, o sistema remuneratório dos servidores aprovados em concurso para cargo de nível superior. 3. A alegação de que existiriam diferenças entre as atribuições não pode ser objeto de ação de controle concentrado, porque exigiria a avaliação, de fato, de quase assistentes ou auxiliares técnicos foram redistribuídos para funções diferenciadas, Precedentes. 4. Servidores que ocupam os mesmos cargos, com a mesma denominação e na mesma estrutura de carreira, devem ganhar igualmente (princípio da isonomia). 5. Ação Direita de Inconstitucionalidade julgada improcedente.(ADI 4303, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 27-08-2014 PUBLI 28-08-2014)

Pela clareza da argumentação, calha trazer à colação trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia, quando do julgamento da supramencionada ação direta de Inconstitucionalidade, cuja matéria é similar àquela retratada nos autos:

1.A reestruturação convergente de carreiras análogas não contraria o art. 37, inc. II, da Constituição da República. Logo, a Lei Complementar potiguar n. 372/2008, ao manter exatamente a mesma estrutura de cargos e atribuições, é constitucional.2. A norma questionada autoriza a possibilidade de serem equiparadas as remunerações dos servidores auxiliares técnicos e assistentes em administração judiciária, aprovados em concurso público para o qual se exigiu diploma de nível

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médio, ao sistema remuneratório dos servidores aprovados em concurso para cargo de nível superior.3. A alegação de que existiriam diferenças entre as atribuições não pode ser objeto de ação de controle concentrado, porque exigiria a avaliação, de fato, de quais assistentes ou auxiliares técnicos foram redistribuídos para funções diferenciadas. Precedentes.4. Servidores que ocupam os mesmos cargos, com a mesma denominação e na mesma estrutura de carreira, devem ganhar igualmente (princípio da isonomia).

Assentadas tais premissas, entende-se que a Lei Estadual n.º 14.433, de 09 de janeiro de 2014, mostra-se em consonância com a ordem constitucional, na medida em que as alterações por ela trazidas, relativamente aos cargos públicos que integram a classe de agentes da Polícia Civil, contemplam o princípio da isonomia e não arranham o primado do acesso universal aos cargos públicos.

3. Pelo exposto, requer o PROCURADOR – GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, revendo a posição inicial, seja julgado improcedente o pedido, nos termos anteriores delineados.

Nesse cenário, a diversidade do grau de escolaridade exigido para ingresso nas carreiras não dá causa à inconstitucionalidade, já que a distinção é meramente circunstancial, se não aparente. Ao tempo em que promulgada a Lei Estadual que passou a prever requisitos mais rígidos de ingresso nas carreiras de escrivão e inspetor (ensino superior), paralelamente era extinto o cargo de investigador de polícia, razão pela qual o aproveitamento dos servidores investigadores como escrivães ou inspetores de polícia em nada viola as regras Constituição Estadual nem os princípios que a inspiram e conformam.

A reestruturação de carreiras análogas, portanto, não configura ofensa à regra do concurso público (já que todas elas dependem de aprovação no certame), nem da isonomia para provimento de cargo na Administração. Trata-se, ao fim e ao cabo, de racionalização do serviço público no âmbito da carreira da polícia civil.

- Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido na ação direta de inconstitucionalidade.

Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza (Redatora) – Ao tratar do aproveitamento dos investigadores em atividade, nos cargos de Inspetor de Polícia e de Escrivão de Polícia, o legislador não levou em conta a diversidade do grau de escolaridade exigida para o ingresso na carreira de investigadores e na dos inspetores e escrivães de polícia. Com efeito, desde o advento da Lei nº 10.728, de 23 de janeiro de 1006, passou a ser requisito para a investidura nos cargos de inspetor e escrivão de polícia a graduação em curso superior, ao passo que a escolaridade para os cargos de investigador era, desde 1996, a conclusão do segundo grau.

2. Presentes as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, deve ser modulada a eficácia da declaração de inconstitucionalidade. Hipótese em que, dado o elevado número de cargos em comissão e a diversidade das secretarias a que estão vinculados, o imediato desligamento dos servidores comprometeria a continuidade do serviço público.Ação julgada procedente. Modulação dos efeitos da declaração.

A carreira de Investigador de Polícia do Quadro dos Servidores da Policia entrou em extinção por meio da Lei 10.995, de 1997. Foram extintos os cargos vagos e os cargos que “vierem a vagar”, verbis:

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Art. 1º - A contar da data de vigência desta Lei, a carreira de Investigador de Polícia do Quadro dos Servidores Policiais, reorganizado pela Lei nº 5.950, de 31 de dezembro de 1969, entra em extinção.

Art. 2º - Ficam extintos os cargos de Investigador de Polícia de 1º e 2º Classes, atualmente vagos, bem como os cargos que vierem a vagar nas classes seguintes da carreira, cujas vagas não sejam necessárias para as promoções dos atuais titulares.

Art. 3º - Ficam acrescentadas à carreira de Investigador de Polícia, ora em extinção, a 5ª, 6ª e 7ª Classes, correspondentes, respectivamente, aos Padrões 7, 8 e 9 do Quadro dos Servidores Policiais a que se refere o artigo 1º desta Lei, passando os cargos a serem distribuídos nas Classes Finais, conforme segue: Quantidade de Cargos

Classes

120 3ª Classe 660 4ª Classe 780 5ª Classe 780 6ª Classe 780 7ª Classe

Em janeiro de 2014, editou-se a Lei 14.433/2014 que novamente extinguiu os cargos de investigador de polícia e dispôs sobre o aproveitamento dos investigadores estáveis em atividade, na data do seu advento, nos cargos de Inspetor de Polícia e de Escrivão de Polícia, verbis:

Art. 1.º Ficam extintos os cargos de Investigador de Polícia de que trata a Lei n.º 5.950, de 31 de dezembro de 1969, e alterações, colocados em extinção pela Lei n.º 10.995, de 18 de agosto de 1997.

Art. 2.º Os(as) servidores(as) estáveis que, na data da publicação desta Lei, encontram-se em atividade nos cargos de Investigador de Polícia serão aproveitados, conforme dispõe o art. 41, § 3.º, da Constituição Federal, nos cargos de Escrivão de Polícia ou de Inspetor de Polícia.

Parágrafo único. O aproveitamento previsto neste artigo ocorrerá em razão da compatibilidade de atribuições, de atividades e de padrões remuneratórios com os cargos de Escrivão de Polícia e de Inspetor de Polícia.

Art. 3.º O aproveitamento de que trata o art. 2.º desta Lei ocorrerá da seguinte forma:I - Investigador de Polícia, 5.ª classe, fica aproveitado no cargo de Inspetor de

Polícia, 2.ª classe;II - Investigador de Polícia, 7.ª classe, fica aproveitado no cargo de Escrivão de

Polícia e/ou Inspetor de Polícia, 4.ª classe.Art. 4.º Para os fins de aproveitamento previsto nesta Lei, ficam criados, na data

de publicação desta Lei, os seguintes cargos:I - 140 (cento e quarenta) cargos de Inspetor de Polícia, 4.ª classe;II - 1 (um) cargo de Inspetor de Polícia, 2.ª classe;

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III - 140 (cento e quarenta) cargos de Escrivão de Polícia, 4.ª classe.Parágrafo único. A distribuição por aproveitamento dos(as) servidores(as)

ativos(as) ocupantes dos cargos da carreira de Investigador de Polícia nos cargos das carreiras de Escrivão de Polícia ou de Inspetor de Polícia ocorrerá alternadamente de acordo com o critério de antiguidade, sendo que o mais antigo será aproveitado no cargo de Inspetor de Polícia e o segundo mais antigo será aproveitado no cargo de Escrivão de Polícia e, assim, sucessivamente.

Ao tratar do aproveitamento dos investigadores em atividade, nos cargos de Inspetor de Polícia e de Escrivão de Polícia, o legislador não levou em conta a diversidade do grau de escolaridade exigida para o ingresso na carreira de investigadores e na dos inspetores e escrivães de polícia. Com efeito, desde o advento da Lei nº 10.728, de 23 de janeiro de 1006, passou a ser requisito para a investidura nos cargos de inspetor e escrivão de polícia a graduação em curso superior, ao passo que a escolaridade para os cargos de investigador era, desde 1996, a conclusão do segundo grau.

Em assim sendo, o aproveitamento promovido pela Lei ora impugnada afi gura-se inconstitucional por implicar a transposição para cargo superior sem prévio concurso público.

Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que são exemplo os seguintes precedentes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS DO DISTRITO FEDERAL QUE DISPÕEM SOBRE CARREIRAS E CARGOS PÚBLICOS. COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAMENTO. REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DE DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. EXISTÊNCIA DE JULGAMENTO ANTERIOR SOBRE DISPOSITIVO LEGAL IMPUGNADO. PREJUDICIALIDADE RECONHECIDA. PROVIMENTO DERIVADO DE CARGOS POR MEIO DE ASCENSÃO E TRANSPOSIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 37, II, DA CF. SÚMULA 685 DO STF. OFENSA INDIRETA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – A natureza híbrida do Distrito Federal não afasta a competência desta Corte para exercer o controle concentrado de normas que tratam sobre a organização de pessoal, pois nesta seara é impossível distinguir se sua natureza é municipal ou estadual.II - A ação está prejudicada no que diz respeito ao pleito de reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts. 3º da Lei distrital 66/1989 e 6º da Lei distrital 83/1989, em razão da superveniente perda de objeto, tendo em vista a suas revogações expressas, respectivamente, pelas Leis distritais, 3.318/2004 e 3.319/2004. Precedentes. III – Resta, também, prejudicado o feito no tocante à impugnação ao art. 1º da Lei 96/1990 do Distrito Federal, uma vez que já houve pronunciamento desta Corte acerca da constitucionalidade deste dispositivo no julgamento da ADI 402/DF, Rel. Min. Moreira Alves. IV - São inconstitucionais os arts. 8º e 17 da Lei 68/1989 e o art. 6º da Lei 82/1989 por violarem o art. 37, II, da Constituição Federal. V – A jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a ascensão e a transposição, conforme se verifica nos dispositivos ora atacados, constituem formas de provimento derivado inconstitucionais, por violarem o princípio do concurso público. Súmula 685 do STF. VI – Quanto à impugnação aos arts. 1º e 2º da Lei distrital 282/1992, eventual afronta ao texto constitucional seria indireta, uma vez que se mostra indispensável, para a resolução da questão, o exame do conteúdo de outras normas infraconstitucionais. Precedentes. VII – Ação julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucionais os arts. 8º e 17 da Lei 68/1989

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e o art. 6º da Lei 82/1989, prejudicado o exame dos arts. 3º da Lei distrital 66/1989, 6º da Lei distrital 83/1989 e 1º da Lei distrital 96/1990. VIII - Ação não conhecida no tocante a impugnação aos arts. 1º e 2º da Lei distrital 282/1992.(ADI 3341, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-2014).

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVOS DAS LEIS COMPLEMENTARES 78/1993 E 90/1993 DO ESTADO DE SANTA CATARINA E DA RESOLUÇÃO 40/1992 DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Inadmissibilidade, à luz da Constituição de 1988, de formas derivadas de investidura em cargos públicos. Inconstitucionalidade de normas estaduais que prevêem hipóteses de progressão funcional por acesso, transposição (em modalidade individual, diversa das exceções admitidas pela jurisprudência do STF), enquadramento a partir de estabilidade não decorrente de investidura por concurso público, acesso por seleção interna, transferência entre quadros e enquadramento por correção de disfunção relativamente ao nível de escolaridade do servidor. Ação prejudicada em parte, em decorrência da revogação de dispositivos atacados. Ação procedente na parte restante, para se declarar a inconstitucionalidade do art. 12, caput e § 1º, § 2º e § 3º, da Lei Complementar estadual 78/1993 e do inciso II, § 2º e § 3º do art. 17 da Resolução 40/1992 da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.(ADI 951, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 18/11/2004, DJ 29-04-2005 PP-00007 EMENT VOL-02189-01 PP-00094 RTJ VOL-00201-02 PP-00462 LEXSTF v. 27, n. 318, 2005, p. 26-39)

O precedente do Supremo Tribunal Federal invocado pelo Em. Relator, na ADI 4303, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, por maioria, julgado em 05/02/20141, não se aplica à espécie. É que lá não se havia procedido à extinção dos cargos ou modificação de funções “nem sequer mudança dos nomes dos cargos ocupados, mas apenas a modificação da exigência da escolaridade para a investidura, com a respectiva adequação remuneratória”.

Por esclarecedor, transcreve-se excerto do voto da Em. Relatora:

1 – CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 1º, CAPUT E § 1º DA LEI COMPLEMENTARN. 372/2008 DO RIO GRANDE DO NORTE. 1. A reestruturação convergente de carreiras análogas não contraria o art. 37, inc. II, da Constituição da República. Logo, a Lei Complementar potiguar n. 372/2008, ao manter exatamente a mesma estrutura de cargos e atribuições, é constitucional. 2. A norma questionada autoriza a possibilidade de serem equiparadas as remunerações dos servidores auxiliares técnicos e assistentes em administração judiciária, aprovados em concurso público para o qual se exigiu diploma de nível médio, ao sistema remuneratório dos servidores aprovados em concurso para cargo de nível superior. 3. A alegação de que existiriam diferenças entre as atribuições não pode ser objeto de ação de controle concentrado, porque exigiria a avaliação, de fato, de quais assistentes ou auxiliares técnicos foram redistribuídos para funções diferenciadas. Precedentes. 4. Servidores que ocupam os mesmos cargos, com a mesma denominação e na mesma estrutura de carreira, devem ganhar igualmente (princípio da isonomia). 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.(ADI 4303, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 27-08-2014 PUBLIC 28-08-2014)

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“5. Mantidas as atribuições e a denominação dos cargos de auxiliar técnico e assistente em administração judiciária, a lei complementar potiguar não contrariou o art. 37, inc. II, da Constituição da República, pois sua edição não provocou novo enquadramento, transposição ou transformação dos cargos em questão, tampouco neles houve nova investidura.

3. Isso porque, antes da edição da Lei Complementar potiguar n. 372/2008, os servidores que ocupavam os cargos de auxiliar técnico e assistente em administração judiciária foram aprovados em concurso público exatamente para os cargos que vieram a ocupar. E, após a edição dessa lei complementar, esses servidores continuaram ocupando os mesmos cargos, definidos por idênticas atribuições. Logo, não se poderia cogitar da possibilidade de investidura derivada ou contrariedade ao princípio da acessibilidade ao cargo público”.

No caso, há, ainda, uma outra particularidade importante. É que, do cotejo das atribuições aos cargos em apreço, constata-se não haver correspondência entre elas. Com efeito, o Investigador era auxiliar do Escrivão e do Inspetor, consoante a transcrição constante do voto do Em. Relator, verbis:

“CARREIRA: INVESTIGADOR DE POLÍCIA – 4 CLASSESSÍNTESE DOS DEVERES: Auxiliar a execução de diligências e investigações policiais, prisões e detenções, executar intimações; colaborar na realização de serviços processuais e administrativas das Delegacias; dirigir veículos automotores; auxiliar os Inspetores e Escrivães na execução de seus misteres.EXEMPLOS DE ATRIBUIÇÕES; Auxiliar nos trabalhos burocráticos das Delegacias de Polícia, executando trabalhos de protocolo, arquivo, expedição de atestados, elaboração de mapas estatísticos; auxiliar a realização de serviços cartorários; colaborar na realização de diligência e investigações; execução de tarefas de vigilância preventiva e auxiliar na repressão de perturbação da ordem; dirigir veículos automotores, dispensando-lhes os devidos cuidados com abastecimento, limpeza e estado de conservação; realizar todos os serviços auxiliares e complementares aos misteres das repartições policiais, externos e internos, que forem determinados pelo Delegado de Polícia; executar outras tarefas correlatas.

A seu turno, as atribuições do cargo de Escrivão de Polícia e Inspetor de Polícia, respectivamente, são:

2.1. – Escrivão de Polícia – Síntese das atribuições:2.1.1. São atribuições do Escrivão de Polícia, entre outras previstas em Lei: escriturar ou orientar a escrituração dos livros cartorários de delegacias; lavrar e expedir certidões; lavrar autos de prisão, de apreensão, de restituição, de depósito, de acareação e de reconhecimento; lavrar termos de declaração, de ocorrência, de fi anças, de compromisso e de representação; recolher fi anças, nos termos da legislação; exarar boletins estatísticos; atualizar arquivos e bancos de dados; cumprir e fazer cumprir as determinações das autoridades policiais; participar de diligências externas, realizando prisões e intimações; portar arma de fogo de uso regulamentar; conduzir veículos ofi ciais; executar tarefas administrativas.2.2. – Inspetor de Polícia – Síntese das atribuições:2.2.1. São atribuições do Inspetor de Polícia, entre outras previstas em Lei: realizar diligências, operações, vigilâncias e atos investigatórios; efetuar prisões, buscas e apreensões; cumprir mandados; colaborar na execução de atividades

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procedimentais e administrativas; cumprir e fazer cumprir as determinações das autoridades policiais; manter atualizados os bancos de dados de interesse da investigação policial; elaborar relatórios de investigação; portar arma de fogo de uso regulamentar; conduzir veículos oficiais; executar tarefas administrativas.

Ausentes, portanto, os pressupostos que embasaram a decisão na ADI 4.303, não é de aplicar sua conclusão à presente ação. É que, como se viu, a improcedência lá se fundou no princípio da isonomia, já que “ter-se-ia duas pessoas ocupando os mesmos cargos, com a mesma denominação e na mesma estrutura de carreira, ganhando desigualmente, porque, quando um fez o concurso, não se exigia o nível superior. Tanto signifi caria inobservância do princípio da isonomia, vedada no ordenamento jurídico pátrio”.

Por fi m, é relevante registrar que a presente lei alcança apenas os investigadores em atividade, o que revela se tratar, de fato, de transposição de cargos.

Ante o exposto, com a vênia do Em. Relator, julgo procedente a ação nos termos da inicial.

Des. Rui Portanova (Revisor) – Rogando vênia ao eminente Relator, voto pela inconstitucionalidade da lei, nos termos em que veio vazada a peça inicial, a qual tomo como razão de decidir.

Des. Sylvio Baptista Neto – Com a vênia do ilustre Relator, acompanho a divergência.Des. Jorge Luís Dall’Agnol – Com a vênia do eminente relator, acompanho a

divergência instaurada pela Ilustre Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza.Des. Ivan Leomar Bruxel – Acompanho a divergência.Des. Luiz Felipe Brasil Santos – Acompanho a divergência inaugurada pela

em. Desa. Maria Isabel.Des. Irineu Mariani – Com a devida vênia, voto com o eminente Relator.Des. Marco Aurélio Heinz – Vou pedir vênia ao Relator e ao Des. Mariani e vou

acompanhar a divergência. Aqui, no caso, não é uma transposição, é quase que uma promoção ao arrepio

da lei. Acho que é manifestamente inconstitucional. Com a divergência.Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana – Com a divergência.Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro – Com a divergência.Des. Carlos Cini Marchionatti – Senhor Presidente, admirando o voto da

Desa. Maria Isabel, que é criteriosíssimo, vou acompanhar o voto do Relator.Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro – Em que pese a posição do eminente

Relator, estou a acompanhar a divergência instaurada pela eminente Desª Maria Isabel para efeito de julgar procedente a ação.

Com efeito, não é possível o aproveitamento dos cargos de investigador em inspetor de policia ou escrivão de policia, observada a diversidade de escolaridade existente, havendo exigência, em relação aos últimos, de curso superior, ao passo que no primeiro a exigência era segundo grau, havendo afronta, no caso, a disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal, circunstância que, por si só, autoriza a procedência da demanda intentada.

Ademais, conforme bem abordado no voto divergente, o investigador, por suas atribuições, era auxiliar do inspetor e escrivão de polícia, o que demonstra a impossibilidade do aproveitamento determinado pela norma estadual em questão.

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Com tais considerações, acompanho a divergência para julgar procedente a ação.

Desa. Ângela Terezinha de Oliveira Brito – Com o Relator.Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira – Eminentes Colegas.Com a vênia do ilustre Relator, estou acompanhando a divergência.Assim, VOTO pela PROCEDÊNCIA da presente ADIN.Desa. Marilene Bonzanini – Com a devida vênia à divergência, estou

acompanhando o em. Relator, e permito-me, apenas, em prol do entendimento, invocar o seguinte precedente do egrégio STF, que smj, vem em apoio do exarado:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual. 3. Aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém criados. 4. Ausência de violação ao princípio constitucional da exigência de concurso público, haja vista a similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos extintos. 5. Precedentes: ADI 1591, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 16.6.2000; ADI 2713, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003.6. Ação julgada improcedenteADI 2335, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR

Acompanho o em. Relator.Des. Paulo Roberto Lessa Franz – Acompanho a divergência inaugurada pela

eminente Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza.Des. Glênio José Wasserstein Hekman – Com a divergência.Des. Gelson Rolim Stocker – Com o Relator.Desa. Catarina Rita Krieger Martins – Com a vênia do eminente Relator, voto

com a divergência, julgando procedente o pedido.É o voto.Des. Ricardo Torres Hermann – Com o Relator.Des. Alberto Delgado Neto – Acho que estou impedido, Senhor Presidente.Desa. Ana Paula Dalbosco – Com o Relator.Des. Luiz Felipe Silveira Difini (Presidente) – Também estou acompanhando

a divergência. Embora a questão política tenha dificuldades para ser corrigida, parece-me que não pode ser pela forma que foi, porque juridicamente não tem sustentação, que é simplesmente transformando os cargos de investigador, que não tinham escolaridade de ensino superior, em outros cargos nos quais vão ingressar sem concurso, e não estendendo isso aos aposentados, o que é uma questão que fere a isonomia constitucional.

Creio que alguma solução tem de ser buscada realmente para a situação política, por exemplo, um aumento salarial para esses cargos em extinção, mas a forma que foi encontrada realmente viola a constituição, a meu ver.

Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto – Peço vênia para acompanhar a Desa. Maria Isabel.

– o –

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186 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70066627233 (n. CNJ: 0348101-63.2015.8.21.7000) – Órgão Especial – Porto Alegre

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PINHAL DA SERRA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO CONFIGURADA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CARACTERIZADA. VIOLAÇÃO À NORMA DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO SEM ATRIBUIÇÕES DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO. ATRIBUIÇÕES QUE SÃO MERAMENTE TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS. MODULAÇÃO DE EFEITOS. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 20, CAPUT E PARÁGRAFO 4º, E 32, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. MODULANDO-SE OS EFEITOS EM ATÉ 120 DIAS DA DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO.

Procurador-Geral de Justica, proponente – Camara de Vereadores do Municipio de Pinhal da Serra e Prefeito Municipal de Pinhal da Serra, requeridos – Procurador-Geral do Estado, interessado.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do

Estado, por maioria, em julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, vencidos em parte, os Desembargadores Carlos Eduardo Zietlow Duro, Iris Helena Medeiros Nogueira, Paulo Roberto Lessa Franz, Sylvio Baptista Neto, Jorge Luís Dall’Agnol, Luiz Felipe Brasil Santos e Liselena Schifi no Robles Ribeiro. À unanimidade, em diferir a efi cácia desta decisão pelo prazo de 120 dias a contar da publicação do acórdão.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DESEMBARGADORES LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI (PRESIDENTE), ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, SYLVIO BAPTISTA NETO, RUI PORTANOVA, JORGE LUÍS DALL’AGNOL, IVAN LEOMAR BRUXEL, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, IRINEU MARIANI, MARCO AURÉLIO HEINZ, JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA, LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, CARLOS CINI MARCHIONATTI, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO, IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, MARILENE BONZANINI, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, GELSON ROLIM STOCKER, CATARINA RITA KRIEGER MARTINS, RICARDO TORRES HERMANN, ALBERTO DELGADO NETO (IMPEDIDO) E ANA PAULA DALBOSCO.

Porto Alegre, 07 de março de 2016.Marcelo Bandeira Pereira, Relator.

RELATÓRIODes. Marcelo Bandeira Pereira (Relator) – O PROCURADOR-GERAL DE

JUSTIÇA ajuíza ação direta de inconstitucionalidade tendo por objeto a retirada do ordenamento jurídico de parte do artigo 17 e do Anexo I da Lei Municipal nº 566/2010 do Município de Pinhal da Serra, que estabelece o Plano de Cargos e

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Funções Públicas dos Servidores Públicos e dá outras providências, bem como das Leis Municipais nº 172/2010, nº 356/2009, nº 383/2009, nº 441/2009, nº 442/2009, nº 499/2010 e 559/2010, para evitar eventual efeito repristinatório.

Adoto a suma do parecer do Ministério Público:

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Exmo. Sr. PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, objetivando a retirada do ordenamento jurídico pátrio de parte do artigo 17 e do Anexo I da Lei Municipal n.º 566, de 21 de setembro de 2010, do Município de Pinhal da Serra, na sua redação originária e com as alterações a ela conferidas pelas Leis Municipais n.º 609/2011, n.º 620/2011, n.º 654/2011, n.º 670/2011, n.º 735/2012, n.º 789/2013, n.º 806/2013, n.º 887/2014, n.º 917/2014 e n.º 931/2015, todas do Município de Pinhal da Serra, especifi camente quanto aos cargos em comissão por elas criados e suas atribuições, a saber, 01 Assessor de Gabinete, 02 Assessores Jurídicos, 01 Assessor Contábil, 01 Assessor de Agricultura e Meio Ambiente, 01 Chefe de Serviços do Parque Municipal, 01 Diretor-Geral de Serviços de Engenharia,01 Diretor-Geral de Serviços de Ofi cina, 01 Diretor-Geral de Compras e Licitações, 01 Diretor de Cultura, 01 Diretor de Desporto, 01 Diretor de Ensino Fundamental, 01 Diretor de Patrimônio, 01 Diretor de Frotas, 01 Diretor de Turismo, 01 Diretor de Tesouraria, 01 Diretor do Transporte Escolar, 01 Diretor do Departamento de Obras, Serviços e Conservação de Vias Públicas, 01 Coordenador do CRAS, 01 Diretor de Serviços Urbanos, 01 Diretor dos Serviços de Abastecimento de Água, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Serra dos Gregórios, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Sede, 01 Chefe dos Serviços de Britagem, 01 Chefe dos Serviços de Segurança Patrimonial, 01 Chefe dos Serviços Elétricos e 01 Monitor do PIM, bem como das Leis Municipais n.º 172/2010, n.º 356/2009, n.º 358/2009, n.º 383/2009, n.º 441/2009, n.º 442/2009, n.º 499/2010 e n.º 559/2010, todas, também, do Município de Pinhal da Serra, especifi camente com relação aos cargos em comissão por elas criados e suas atribuições, as quais se impugnam para evitar eventual efeito repristinatório indesejado, por afronta aos artigos 8º, caput, 20, caput e parágrafo 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal.

O Município de Pinhal da Serra , notifi cado, prestou seus esclarecimentos, arguindo, preliminarmente, a inadequação da ação direta de inconstitucionalidade no caso em tela, visto que inviável a apreciação do confronto de lei municipal com a Constituição Federal pela Corte Estadual. No mérito, sustentou a adequação constitucional de cada um dos cargos vergastados, asseverando, ainda, que são, essencialmente, cargos de confi ança, necessários à implementação de quaisquer programas da Administração Municipal. Referiu que os servidores de carreira são corporativos, sem qualquer compromisso com as Administrações, difi cultando a implantação dos programas de governo, o que só pode ser, efetivamente, feito com o auxílio dos servidores ocupantes de cargos em comissão, impondo-se seja repensada a situação, mormente diante das difi culdades de se exonerar os servidores efetivos. Pleiteou, assim, a improcedência do pedido (fl s. 305/30 e documentos das fl s. 331/5).

A Câmara Municipal de Vereadores de Pinhal da Serra, também notifi cada, prestou suas informações, alegando, preliminarmente, a inépcia da inicial, já que nela não foram descritas as atribuições de todos os cargos impugnados, tampouco veio acompanhada da íntegra das normas legais impugnadas para evitar efeito repristinatório

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indesejado, não tendo sido nomeados, especifi camente, os cargos atacados em relação a elas. No mérito, afi rmou terem sido observadas as normas constitucionais que regem a matéria, sendo que todos os cargos fustigados são de direção, chefi a e assessoramento, responsáveis pela transmissão das diretrizes políticas do gestor municipal. Postulou, assim, a improcedência do pedido ou, alternativamente, a modulação dos efeitos da decisão (fl s. 193/206 e documentos das fl s. 209/301).

O Procurador-Geral do Estado, citado, ofereceu a defesa das normas, nos moldes do artigo 95, parágrafo 4º, da Constituição Estadual, defendendo sua manutenção no ordenamento jurídico, com lastro na presunção de constitucionalidade derivada da independência e harmonia entre os poderes estatais (fl . 189).

O Ministério Público opina pela rejeição das preliminares e procedência do pedido.É o relatório.

VOTOSDes. Marcelo Bandeira Pereira (Relator) – Inicialmente, cumpre afastar as

preliminares de inépcia da petição inicial e inadequação da via eleita, o que faço acolhendo os argumentos do parecer do Ministério Público para evitar tautologia, in verbis:

2.1. De plano, impõe-se o afastamento das prefaciais de inépcia da inicial e inadequação da via eleita.

O artigo 295 do Código de Processo Civil preceitua que:

Art. 295. A petição inicial será indeferida:I - quando for inepta;II - quando a parte for manifestamente ilegítima;III - quando o autor carecer de interesse processual;IV - quando o juiz verifi car, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5o);V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;Vl - quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284.Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;III - o pedido for juridicamente impossível;IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.

No caso em tela, a petição inicial preenche, satisfatoriamente, os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil1 e, por analogia, do artigo 3º da Lei Federal

1 – Art. 282. A petição inicial indicará:

I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II - os nomes, prenomes, estado civil, profi ssão, domicílio e residência do autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido, com as suas especifi cações;

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n.º 9.868/19992, expondo, de forma clara, o pedido e a causa de pedir, elucidando, já de início, na peça vestibular, que a presente ação direta de inconstitucionalidade se volta contra os dispositivos que criam os cargos em comissão que elenca, tendo, como fundamento, a inadequação das atribuições descritas na lei com as normas constitucionais.

A petição, de outra parte, foi instruída com os documentos necessários à propositura da ação3, em especial cópia das normas impugnadas e sua certidão de vigência.

Igualmente, ausente qualquer contradição ou incongruência nos fundamentos expostos na petição inaugural, tendo sido alegado que os cargos impugnados têm atribuições, descritas em lei, que estão em desacordo com os ditames constitucionais, sendo cargos de índole permanente, técnicos ou burocráticos, não revestidos do caráter de chefia, assessoramento ou direção, não demandando, sequer, especial confiança do administrador público.

A comprovação, ou não, das alegações vertidas na inicial, de outra parte, é questão de mérito, não dizendo respeito aos requisitos formais da petição inicial.

Nessa linha, o seguinte aresto:

PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. Descrevendo a inicial, suficientemente, os cargos de provimento comissionado e o confronto com a Carta Estadual, inclusive disposição cuja constitucionalidade não foi objeto de reproche pelo Supremo Tribunal Federal, acompanhada da legislação guerreada, nenhuma dificuldade existe quanto à precisa compreensão dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, como também inexiste qualquer impossibilidade jurídica no pleito. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CARGOS EM COMISSÃO. ART. 32, CE/89. ART. 37, V, CF/88. PROVIMENTO EXCLUSIVO DOS CARGOS DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. LEI MUNICIPAL Nº 4.420/09, DE ERECHIM, E NÃO OCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, SEM REDUÇÃO DE TEXTO. RESSALVA DOS CARGOS QUE ATENDEM OS COMANDOS CONSTITUCIONAIS. O Estado de Direito apresenta como princípio fundamental o respeito à igualdade, traduzindo, naquilo que diz respeito aos cargos públicos, na sua livre acessibilidade, o que está posto, com todas as letras, no artigo 20, Constituição Estadual de 1989, em simetria com o que dispõe a Constituição Federal e seu artigo 37, II. Por isso, regra é o provimento dos cargos públicos mediante concurso público, abrindo-se exceção apenas

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII - o requerimento para a citação do réu.2 – Art. 3o A petição indicará:

I - o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações;

II - o pedido, com suas especifi cações.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.3 – Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

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nas hipóteses que a Constituição Estadual, artigo 32, declina em caráter numerus clausus, na esteira do que dispõe o artigo 37, V, da Carta Federal, é dizer, apenas nas hipóteses de direção, chefi a e assessoramento, onde presente intensa relação de confi ança. Não ocorre isso quanto à maioria dos cargos previstos na Lei Municipal nº 4.420/09, de Erechim, impondo-se a procedência parcial da demanda para proclamar a inconstitucionalidade de parte do artigo 39, caput, de seu parágrafo único e de parte dos Anexos I, II e III, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 4.503/09, 4.608/09, 4.634/09, 4.701/10, 4.798/10, 4.822/10, 4.850/10, 4.846/11 e 4.946/11. Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70044887602, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 05/12/2011)

ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA INICIAL. FORMULAÇÃO DE PEDIDO GENÉRICO. DESCABIMENTO. Não calha argumento no sentido da inépcia da inicial, quando perfeitamente possível verifi car-se qual é a causa de pedir deduzida, bem como o pedido formulado, ainda que ao fi nal da peça haja apenas genérica menção à procedência da demanda. CONSTITUCIONAL. FIXAÇÃO DOS SUBSÍDIOS DE VEREADORES. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. ART. 29, VI, CF/88, COM A REDAÇÃO DA EC 25/2000. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, ART. 11, E ANTERIORIDADE ÀS ELEIÇÕES. LEI MUNICIPAL DE TAQUARA. DISTINÇÃO ENTRE O MOMENTO DA FIXAÇÃO DOS SUBSÍDIOS E DA DECLARAÇÃO DA SUA EXPRESSÃO MONETÁRIA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. Não se podendo confundir o momento da fi xação dos subsídios dos Vereadores do Município de Taquara com aquele em que determinada a declaração da sua expressão monetária, é evidente que não há cogitar de ofensa ao princípio da anterioridade, estatuído no art. 11, Constituição Estadual. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 70010199917, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 26/12/2005)

Assim sendo, clara a causa de pedir e a pretensão do proponente, não havendo qualquer óbice à defesa dos requeridos.

Ademais, essa Corte já assentou o entendimento de que a ausência de abordagem expressa e específica de cada cargo, e de suas atribuições, na peça vestibular não enseja sua inépcia, bastando que seja demonstrada a violação às normas constitucionais.

É, nessa trilha, o seguinte precedente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 4.423, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DO MUNICÍPIO DE MARAU. CARGOS EM COMISSÃO. I - Não é inepta a inicial por ausência da indicação pormenorizada das razões que tornam cada um dos cargos em comissão inconstitucionais. O dispositivo atacado é o art. 45, caput, da Lei Municipal nº 4.423/2009. Foram transcritas as atribuições dos cargos em comissão de Diretor, Chefe de Unidade, Chefe de Serviço, Chefe de Núcleo e Chefe de Turma e apresentados os fundamentos jurídicos que demonstram sua contrariedade relativamente às normas constitucionais.II - Padece de inconstitucionalidade parte do art. 45, caput, da Lei nº 4.423/2009, do Município de Marau, com redação dada pelas Leis Municipais nº 4.444/2009 e nº 4.459/2009, no que se refere ao provimento dos cargos de Diretor, Chefe de Unidade, Chefe de Serviço, Chefe de Núcleo e Chefe de Turma sob a forma de Cargos em Comissão, bem como o correspondente na Lei nº 4.107/2006, para

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evitar a produção de efeito repristinatório indesejado, por afronta aos arts. 8º, caput, 20, caput e § 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal. As atribuições desses cargos não são de chefia e direção propriamente ditas, mas sim possuem cunho burocrático, voltadas a questões administrativas e técnicas, próprias de cargos criados para servidores efetivos. Também não se pode depreender a existência do vínculo de confiança entre a autoridade que nomeia e o agente escolhido para a função, característica essa inerente aos cargos em comissão. Efeitos da declaração diferidos, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/1999. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70040585465, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 25/07/2011)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.747, DE 28 DE ABRIL DE 1998, DO MUNICÍPIO DE TAQUARI E ALTERAÇÕES. CARGOS EM COMISSÃO. I - Não é inepta a inicial por ausência de enfrentamento expresso e de descrição dos conteúdos ocupacionais de cada um dos cargos impugnados. O dispositivo atacado é o art. 19 da Lei Municipal nº 1.747/1998, com as alterações posteriores. Foi demonstrada sua contrariedade com as normas constitucionais e apresentados os fundamentos pertinentes. Ademais, as Leis que criaram os cargos questionados foram juntadas aos autos, ressaltando-se, contudo, que nem todas trazem a síntese de suas atribuições. II - É inconstitucional o art. 19 da Lei nº 1.747/1998, com as alterações introduzidas por leis posteriores, no que se refere à criação de cargos em comissão sem especifi car as atribuições respectivas e sem que se trate de atividades de assessoramento, chefi a e direção propriamente ditas, ou seja, funções estratégicas para a Administração Pública, das quais se possa depreender a existência do vínculo de confi ança entre a autoridade que nomeia e o agente escolhido para a função, característica essa inerente aos cargos em comissão. Afronta aos arts. 8º, caput, 20, caput e § 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022467203, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 23/11/2009)

Note-se que a impugnação das normas revogadas com o fito de afastar seu eventual efeito repristinatório tem caráter cautelar, não desafiando a indicação precisa dos cargos por elas criados ou suas atribuições, ou mesmo que seus textos sejam acostados integralmente ao feito, pois o que se pretende não é a análise de sua compatibilidade com a Constituição, mas, sim, evitar que voltem a vigorar, caso declarada inconstitucional a norma efetivamente fustigada.

Nessa senda, imperativa a rejeição da preliminar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEPCIA DA INICIAL. INTERESSE PROCESSUAL. EFEITO REPRISTINATÓRIO. LEIS MUNICIPAIS QUE CRIARAM CARGOS EM COMISSÃO. DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. ATRIBUIÇÕES TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS. INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITOS. DIFERIMENTO. Petição inicial que preenche os requisitos legais. Desnecessidade de apontar objetiva e individualmente cada cargo em comissão

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a que a parte autora diz ser inconstitucional. Inépcia não configurada. Art. 295, parágrafo único, do CPC. Interesse processual em ver declarada a inconstitucionalidade de todas as leis que antecederam a lei que se declara inconstitucional, ainda que esta tenha expressamente revogado as leis anteriores. Efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade. Leis municipais que criam cargos em comissão, no âmbito do Poder Executivo, cujas atribuições descritas e especificadas na lei meramente são meramente técnicas e burocráticas. Criação de cargos em comissão que exige a especificação na lei das atribuição a ele relativas. Ausência que é causa, por si só, de inconstitucionalidade. Inexistência de função típica de direção, chefia e assessoramento. Violação dos artigos 8º, 20, caput e parágrafo quarto, e 32 caput, CE e artigo 37, II e V, CF. Cargo de Coordenador Geral da Unidade Gestora de Projetos ajustado à exceção constitucional. Cargo de Diretor Presidente da PREVIRG, autarquia municipal, que não se trata de cargo de confiança. Indicação pelo Prefeito e aprovação pelo Legislativo Municipal. Ação não conhecida quanto ao ponto. Efeitos da declaração diferidos. Art. 27, Lei nº 9.868/99. REJEITARAM AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, CONHECERAM EM PARTE DA AÇÃO E, NA PARTE EM QUE CONHECERAM, JULGARAM-NA PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70039795836, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 09/05/2011)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO. LEI COMPLEMENTAR N° 297/2011. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. PARTE DOS ARTIGOS 3°, 4°, 12 E 13, EXPRESSÃO “CARGO EM COMISSÃO” DOS ARTIGOS, 9°, CAPUT, 10, CAPUT. 1. Não há inépcia da petição inicial, que relaciona os cargos em comissão impugnados, tecendo o requerente coerentemente sua fundamentação, sendo mais que possível, ademais, identifi car o objeto da ação. Preliminar rejeitada. 2. Cargo em comissão de Auxiliar Técnico I, previsto no artigo 3°, 12 e 13 da Lei Complementar n° 297, de 14 de dezembro de 2011, cujas atribuições amoldam-se às de assessoramento, demandando relação de fi dúcia e de transmissão de diretrizes político--administrativas entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico. 3. Cargos em comissão de Assessor Técnico Superior 35h/semanais, Assessor Técnico Superior 17h30min/semanais, Assistente Técnico Superior, Assessor Técnico, Assistente Técnico, Auxiliar Técnico II, Coordenadores de Coordenadoria e Chefes de Núcleos, previstos nos artigos 3°, 4°, 9°, caput, 10, caput, 12 e 13, da Lei Complementar n° 297, de 14 de dezembro de 2011, cujas atribuições emolduram unicamente atividades burocráticas e operacionais que devem ser providas por servidores efetivos e recrutados mediante concurso público, segundo os ditames constitucionais. Violação aos preceitos do art. 32 da Carta Estadual e 37, V, da Carta Federal. 4. Evitando descontinuidade administrativa, difere-se a efi cácia do julgado para até 180 dias, contados da publicação do acórdão. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70049287089, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em 11/11/2013)

Relevante frisar, também, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos termos do artigo 95, inciso XII, alínea “d”, da Constituição do Estado, é competente para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade propostas contra lei ou ato normativo municipal perante a Constituição da Província:

Art. 95 - Ao Tribunal de Justiça, além do que lhe for atribuído nesta Constituição e na lei, compete:

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[...].XII - processar e julgar:[...].d) a ação direta da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual perante esta Constituição, e de municipal perante esta, inclusive por omissão;[...].

No caso em testilha, o processo concentrado de constitucionalidade foi desencadeado em razão dos dispositivos municipais vergastados afrontarem os artigos 8º, caput, 20, caput e parágrafo 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, esta última norma de reprodução e observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios.

Importante ressaltar que a violação apontada diz respeito a preceitos da Constituição Estadual, sendo a violação à Carta Federal de cunho indireto, decorrente, exatamente, da incidência do preceituado no artigo 8º, caput, da Carta do Estado, que assim dispõe:

Art. 8º - O Munic ípio, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.[...].

Nessa trilha, essa Corte de Justiça tem afastado, sistematicamente, as prefaciais de impossibilidade jurídica do pedido ou incompetência da Corte em casos similares, citando-se, entre outros, os seguintes precedentes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REJEIÇÃO. LEI Nº 5.607, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2012, DO MUNICÍPIO DE ESTEIO. CARGOS EM COMISSÃO. É de ser rejeitada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. A violação apontada diz respeito aos artigos 8º, caput, 20, caput e parágrafo 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, sendo a violação à Carta Federal, de cunho indireto, decorrente, apenas, da incidência do preceituado no artigo 8º, caput, da Constituição Estadual. Não merece conhecimento o pedido de declaração de inconstitucionalidade de parte do artigo 8º da Lei nº 5.607/2012, visto que nenhum dos cargos impugnados consta nesse dispositivo. Padece de inconstitucionalidade parte dos arts. 9º, 10, 16, 17 e 18 da Lei nº 5.607, de 13 de dezembro de 2012, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 5.614, de 10 de janeiro de 2013, e 5.678, de 05 de abril de 2013, todas do Município de Esteio, no que se refere ao provimento dos cargos de Coordenador de Serviços, Manutenção e Patrimônio, Coordenador de Esportes, Coordenador de Coleta Seletiva e Reciclagem, Coordenador de Embelezamento Paisagístico, Assessor de Manutenção de Vias Públicas, Coordenador do Cemitério Municipal, Diretor da Junta Militar, Assessor de Fiscalização de Trânsito e Assessor de Fiscalização de Videomonitoramento sob a forma de Cargos em Comissão, por afronta aos arts. 8º, caput, 20, caput e § 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal. As atribuições desses cargos não são de chefia propriamente dita, mas sim possuem cunho burocrático, voltadas a questões administrativas e técnicas, próprias de cargos criados para servidores

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efetivos. Também não se pode depreender a existência do vínculo de confiança entre a autoridade que nomeia e o agente escolhido para a função, característica essa inerente aos cargos em comissão. Efeitos da declaração diferidos, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/1999. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70056924483, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 27/01/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. SUBSÍDIO E GRATIFICAÇÃO NATALINA A PREFEITO E VEREADORES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. VERBA DE REPRESENTAÇÃO E CONSTITUCIONALIDADE. 1. Preliminar. Pedido de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal frente à Constituição Federal. Possibilidade. Normas de reprodução obrigatória pela Constituição Estadual 2. CONSTITUCIONAL. LEIS Nºs 3.844/2008 E 3.845/2008 DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES E DÉCIMO-TERCEIRO SUBSÍDIO. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 39, § 4º, CF/88 E ART. 8º, CE/89. A referência constante do § 4º do art. 39, CF/88, absorvida pela previsão do art. 8º, CE/89, não implica qualquer vedação à percepção do décimo terceiro subsídio, quanto a Prefeito, Vice--Prefeito e Vereadores, uma vez que se dirige a referência a parcela única a impedir os conhecidos penduricalhos incidentes sobre a remuneração dos servidores públicos, facilitando distorções remuneratórias, o que é diverso de reconhecer direito a direitos sociais concedidos indistintamente a todos. 3. Verba de Representação. Constitucionalidade no recebimento da verba pelo Presidente da Câmara de Vereadores, tendo em vista a diferença entre subsídio e teto remuneratório. Precedente desta Corte. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70034382382, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 01/10/2012)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE SALDANHA MARINHO. PRELIMINAR. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. COMPETÊNCIA. CARGOS EM COMISSÃO. ATRIBUIÇÕES TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS. INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITOS. DIFERIMENTO. Pedido de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal frente à Constituição Federal. Possibilidade. Princípio da simetria. Competência do Tribunal de Justiça. Arts. 93, e 95, XII, d, da Constituição Estadual. Preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de incompetência rejeitadas. Lei municipal que cria cargos em comissão sem especifi car as atribuições e funções de cada cargo. Vício formal. Cargo criado no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde. Atribuições descritas e especifi cadas na lei meramente técnicas e burocráticas. Ausência de função típica de direção, chefi a e assessoramento. Vício material. Violação dos artigos 8º, 20, caput e parágrafo quarto, e 32 caput, CE e artigo 37, II e V, CF. Efeitos da declaração diferidos. Art. 27, Lei nº 9.868/99. REJEITARAM AS PRELIMINARES E JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70038858254, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 28/03/2011)

Diverso não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como se depreende dos seguintes precedentes:

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Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação, como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento (Rcl 10.406 AgR/GO, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 26/08/2014)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição estadual. Ausência de normas de reprodução obrigatória. Incidência da Súmula nº 280/STF. Precedentes. 1. Para que seja admissível recurso extraordinário de ação direta de inconstitucionalidade processada no âmbito do Tribunal local, é imprescindível que o parâmetro de controle normativo local corresponda à norma de repetição obrigatória da Constituição Federal. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação local. Incidência da Súmula nº 280 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (AI 694.299 AgR/RJ, STF, Primeira Turma,Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 13/08/2013)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI MUNICIPAL FRENTE À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. NORMAS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA E DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: EFEITO SUSPENSIVO. I. - Cabimento da ação direta de inconstitucionalidade, no Tribunal de Justiça estadual, que tem por objeto lei municipal frente à Constituição estadual, reproduzindo esta normas de reprodução obrigatória. Cabimento do recurso extraordinário.II. - Precedentes do STF: Rcl 383/SP, Moreira Alves p/ o acórdão, “DJ” de 21.5.93; RE 190.985/SC, Néri da Silveira, Plenário; RREE 182.576/SP e 191.273/SP, Velloso, 2ªT. III. - Recurso extraordinário: efeito suspensivo: deferimento: ocorrência dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora. IV. - Decisão do Relator referendada pelo Plenário. Agravo não conhecido (Pet 2.788 AgR/RJ,

STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 24/10/2002)Logo, não merecem acolhimento as isagoges arguidas.

Passo ao exame do mérito, que diz com a inconstitucionalidade material da criação de cargos em comissão por violação ao que disposto nos artigos 20, § 4º4,

4 – Art. 20. A investidura em cargo ou emprego público assim como a admissão de empregados na administração indireta e empresas subsidiárias dependerão de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos de provimento em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

(...)

§ 4.º Os cargos em comissão destinam-se à transmissão das diretrizes políticas para a execução administrativa e ao assessoramento.

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e 325, ambos da Constituição Estadual, dispositivos que, por simetria, reproduzem as normas do art. 37, incisos II e V, da CF6, razão pela qual aventada a violação também ao artigo 8º7 da Constituição Estadual.

Os cargos em comissão impugnados na presente ação os seguintes:01 Assessor de Gabinete, 02 Assessores Jurídicos, 01 Assessor Contábil,01 Assessor de Agricultura e Meio Ambiente, 01 Chefe de Serviços do Parque Municipal, 01 Diretor-Geral de Serviços de Engenharia, 01 Diretor-Geral de Serviços de Oficina, 01 Diretor-Geral de Compras e Licitações, 01 Diretor de Cultura, 01 Diretor de Desporto, 01 Diretor de Ensino Fundamental, 01 Diretor de Patrimônio, 01 Diretor de Frotas, 01 Diretor de Turismo, 01 Diretor de Tesouraria, 01 Diretor do Transporte Escolar, 01 Diretor do Departamento de Obras, Serviços e Conservação de Vias Públicas, 01 Coordenador do CRAS, 01 Diretor de Serviços Urbanos, 01 Diretor dos Serviços de Abastecimento de Água, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Serra dos Gregórios, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Sede,01 Chefe dos Serviços de Britagem, 01 Chefe dos Serviços de Segurança Patrimonial, 01 Chefe dos Serviços Elétricos, 01 Monitor do PIM.

As atribuições específicas dos cargos estão declinadas nos anexos I e II da Lei Municipal 566/2010, passando pela sua análise o exame da compatibilidade com o texto constitucional, razão pela qual vão transcritas abaixo:

CARGO: ASSESSOR DE GABINETENÍVEL DE VENCIMENTO: CC1FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.

5 – Art. 32. Os cargos em comissão, criados por lei em número e com remuneração certos e com atribuições defi nidas de direção, chefi a ou assessoramento, são de livre nomeação e exoneração, observados os requisitos gerais de provimento em cargos estaduais.6 – Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confi ança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefi a e assessoramento;7 – Art. 8.º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e fi nanceira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

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DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: realizar atividades envolvendo o atendimento ao público em geral e autoridades.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: recepcionar o público em geral e autoridades; controlar o acesso do público aos gabinetes e demais repartições públicas; acompanhar as partes e autoridades, quando necessário, aos setores competentes; realizar a triagem e o encaminhamento das partes, de acordo com os assuntos apresentados; fazer registro relativos ao atendimento de pessoas; prestar informações sobre o funcionamento das repartições públicas; secretariar reuniões quando solicitado; datilografar e arquivar ofícios, projetos-lei, minutas, etc; transmitir recados, convites, etc; providenciar a preparação do material necessário para reuniões; estabelecer a conexão entre os diversos setores da repartição; atender às chamadas telefônicas internas e externas, conectando as ligações com os ramais solicitados; receber e enviar correspondências postais e eletrônicas (e-mail), assim como, proceder os respectivos registros; efetuar ligações locais, interurbanas e internacionais, conforme solicitação; anotar dados sobre ligações interurbanas e internacionais completadas (registrando o nome do solicitante e do destinatário, duração da chamada e tarifa correspondente); manter atualizada lista de ramais existentes na Prefeitura, correlacionando-os com as unidades e seus servidores, bem como, consultar lista telefônica; anotar recados, na impossibilidade de transferir a ligação ao ramal solicitado, para oportunamente transmiti-los aos seus respectivos destinatários; comunicar à chefi a imediata quaisquer defeitos verifi cados em equipamentos, a fi m de que sejam providenciados seus reparos; operar microcomputador e dominar o uso da internet; arquivar documentos de interesse da unidade administrativa, segundo normas pré-estabelecidas; receber, conferir e registrar a tramitação de papéis; executar e/ou fi scalizar o cumprimento das normas referentes ao protocolo; autuar documentos e preencher fi chas de registro para formalizar processos, encaminhando-os às unidades ou aos superiores competentes; executar serviços externos em repartições públicas e privadas; entregar e receber a correspondência dos CORREIOS; auxiliar na busca de documentos para redação de certidões e outros comprovantes, assim como expedi-las; preencher fi chas, formulários e mapas, conferindo as informações e os documentos originais; fazer cotações de preços, anotando os valores em planilhas próprias; redigir, rever a redação ou aprovar minutas de documentos ofi ciais; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do Município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível; executar outras atividades correlatas;CARGO: ASSESSOR JURÍDICONÍVEL DE VENCIMENTO: CC10FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução em curso de nível superior em Ciências Jurídicas e Sociais e registro no respectivo conselho de classe.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: prestar assessoria jurídica ao Chefe do Poder Executivo e aos demais órgãos da Administração Municipal.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: representar o Município em qualquer instância judicial, atuando nos feitos em que ele litigue como autor, réu, assistente, oponente ou simples interessado; orientar e assessorar, quando solicitado, a instauração, condução e conclusão de processos administrativos de interesse do Município; elaborar pareceres sobre assuntos de interesse do Município, abordando, sempre que possível e necessário, posicionamentos da doutrina e jurisprudência especializada, além da própria legislação aplicável à espécie; responder a consultas sobre interpretação de textos legais; estudar e/ou elaborar, quando solicitado, minutas de atos legislativos (projetos de lei, resoluções, requerimentos, indicações, etc...) de interesse da Administração Municipal; proceder, quando solicitado,

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o exame de documentos (administrativos ou não) de interesse do Município; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do Município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível; executar outras atividades correlatas;CARGO: ASSESSOR CONTÁBILNÍVEL DE VENCIMENTO: CC9FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução mínima em curso técnico de contabilidade e registro no órgão de classe competente.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: assessorar, orientar e supervisionar a contabilidade financeira, orçamentária e patrimonial do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: assessorar a administração municipal na organização dos serviços de contabilidade no delineamento do plano de contas, o sistema de livros e documentos e o método de escrituração, possibilitando o controle contábil e orçamentário; analisar e verificar a classificação contábil dos documentos comprobatórios das operações realizadas, de natureza orçamentária ou não, de acordo com o plano de contas da Administração Municipal; verificar a execução orçamentária das diversas unidades da Prefeitura, examinando os empenhos de despesas em fase da existência de saldo nas dotações; supervisionar todas as tarefas de escrituração; coordenar os trabalhos de análise e conciliação de contas, inclusive na conferencia de saldos e retificação de possíveis erros, para assegurar a correção das operações contábeis; assessorar na elaboração do balanço geral, bem como outros demonstrativos contábeis, na apresentação de resultados totais ou parciais da situação patrimonial, econômica e financeira da Administração Municipal; supervisionar o arquivamento de documentos contábeis; orientar e supervisionar os servidores que o auxiliam na execução de tarefas típicas da classe; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: ASSESSOR DE AGRICULTURA E MEIO AMBIENTENÍVEL DE VENCIMENTO: CC5FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução em curso de nível superiorCARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: assessorar, planejar, organizar, supervisionar e executar os programas ligados à área de agricultura e de meio ambiente do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: assessorar a administração municipal na organização e orientação dos trabalhos específi cos da secretaria de Agricultura e Meio Ambiente; auxiliar na coordenação da política agrícola no município, elaborando e controlando programas tendentes à outorga de maior produtividade nos setores, propiciando com isso o desenvolvimento do próprio município; desenvolver e executar projetos referentes a processos produtivos e agroindustriais, no sentido de possibilitar maior rendimento e qualidade de produção, garantir a reprodução dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida das populações rurais; desenvolver e executar projetos educativos e de produção, observando aspectos técnicos e econômicos, adaptação à região e implementação de tecnologias alternativas; desenvolver e executar projetos referentes a processos produtivos e pastoris, no sentido de possibilitar maior rendimento e qualidade de criação; formular e desenvolver a política ambiental do Município, visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, mediante a conservação, preservação e recuperação dos recursos naturais, considerando o meio ambiente como patrimônio público; planejar e executar projetos de implantação e adequação de áreas verdes, incluindo parques, praças, jardins públicos e arborização;

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coordenar as atividades relativas à coleta e tratamento do lixo; desenvolver, coordenar e aperfeiçoar os serviços de coleta de lixo, limpeza pública, poda de árvores e ajardinamento; executar outras atividades afins; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível. (Redação acrescida pela Lei nº 735/2012)CARGO: CHEFE DE SERVIÇOS DO PARQUE MUNICIPALNÍVEL DE VENCIMENTO: CC1 ou FG3FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental Incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir os serviços de manutenção, organização, limpeza e segurança a serem realizados no Parque Municipal.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: organizar as atividades relacionadas a manutenção do Parque Municipal; realizar periodicamente, juntamente com o Secretário Municipal de Serviços Viários, a identifi cação dos investimentos necessários para a melhoria do Parque; organizar o serviço periódico de limpeza do Parque e, por ocasião dos eventos, coordenar a equipe responsável pela limpeza do local; supervisionar periodicamente a funcionalidade dos equipamentos de segurança existentes no local, a fi m de garantir a proteção do patrimônio público, sugerindo as alterações necessárias, quando for o caso; excepcionalmente, dirigir/conduzir veículo do Município, desde que portador de habilitação compatível e válida; executar outras tarefas correlatas. (Redação acrescida pela Lei nº 654/2011)DIRETOR GERAL DE SERVIÇOS DE ENGENHARIANÍVEL DE VENCIMENTO: CC8FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução em curso de nível superior em Engenharia e registro no respectivo conselho de classe.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir, orientar e supervisionar a área de engenharia municipal.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: dirigir os serviços atinentes aos pedidos de licenças para construções, os serviços pertinentes aos pedidos para criação e ampliação de loteamentos urbanos; os serviços dos planos que visem ordenar a ocupação, o uso e a regularização do solo urbano; acompanhar a execução dos projetos, orientando as operações à medida que avançam as obras, para assegurar o cumprimento dos prazos e dos padrões de qualidade e segurança recomendados; supervisionar a execução de trabalhos topográficos e geodésicos, o calculo dos esforços e deformações das obras projetadas ou que afetem as mesmas, consultando tabelas e efetuando comparações, levando em consideração fatores como carga calculada, pressões de água, resistência aos ventos e mudanças de temperatura, tudo como forma de apurar e/ou confirmar a natureza dos materiais a serem utilizados nas obras; analisar os projetos elaborados pelo departamento, assim como, a fiscalização da construção de obras voltadas à captação e abastecimento de água, e outras que busquem aproveitar o potencial hídrico do Município; fiscalizar a construção das obras de saneamento básico urbano e rural e ligadas à distribuição de energia elétrica; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR GERAL DOS SERVIÇOS DE OFICINANÍVEL DE VENCIMENTO: CC5FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental Incompleto e experiência na área de manutenção.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.

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DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: dirigir e supervisionar os serviços de manutenção dos veículos e equipamentos de propriedade do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: dirigir as atividades desenvolvidas junto a oficina mecânica do Município; elaborar plano de manutenção preventiva da frota; emitir parecer sobre os serviços a serem realizados na sede e fora da sede; elaborar planilha de custos da manutenção individual dos veículos, programando a manutenção preventiva da frota; elaborar relatório mensal das atividades desenvolvidas; inspecionar os serviços realizados na oficina; elaborar escala de férias dos servidores lotados no departamento; executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR GERAL DE COMPRAS E LICITAÇÕESNÍVEL DE VENCIMENTO: CC4FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir a realização das compras e licitações do Município, com estrita observância das normas pertinentes, em especial as de licitação;ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: dirigir as atividades relacionadas às compras de todas as secretarias do Município, com estrita observância das normas pertinentes, em especial a Lei 8.666/93; organizar e manter o cadastro atualizado de fornecedores do Município; propor multas a fornecedores faltosos, ou a sua exclusão temporária ou defi nitiva do cadastro de fornecedores do Município; sugerir membros para constituírem as comissões para julgamento das licitações, nos termos da legislação em vigor; analisar as normas para a aquisição de materiais, respeitando os princípios legais; verifi car o controle e distribuição de materiais; instruir processos referentes a compras e aquisição de serviços; inspecionar os materiais adquiridos; dirigir todos os atos inerentes às compras de equipamentos e serviços do município; dirigir os serviços de levantamento de preços a fi m de orientar as compras mais vantajosas para a municipalidade; dirigir o processo de escolha e organização da compra dos materiais necessários à Administração Municipal; dirigir os processos referentes à realização de orçamentos prévios de preços para parâmetros nas licitações; dirigir e todos os processos licitatórios nas diversas modalidades para aquisição de obras, serviços ou materiais quaisquer, sempre que a Lei o exigir; dirigir os processos de publicações legais relativos às licitações; executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE CULTURANÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir atividades relacionadas ao desenvolvimento artístico e cultural no âmbito do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: - incentivar ao folclore e todas as formas de cultura popular; planejar e coordenar eventos e festas populares, culturalmente signifi cativas; contribuir, de forma ativa e criadora, para que cada munícipe encontre os espaços e as condições adequadas que nele estimulem o gosto pela participação e interação cultural e lhe proporcionem o acesso às formas de intervenção que melhor correspondam às suas necessidades e apetências; promover a defesa e conservação do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do Município e integrá-lo coerentemente no processo de desenvolvimento cultural; promover

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uma gestão moderna e efi ciente da iniciativa cultural caracterizada por uma elevada participação social, por uma ponderada gestão de recursos e por um planejamento a médio e longo prazo; difundir e executar atividades artísticas e culturais, despertando na comunidade o gosto pela arte e cultura em geral; executar atividades de preservação do patrimônio histórico, cultural e artístico, no âmbito do Município; organizar eventos e festas populares, culturalmente signifi cativas; defender e conservar o patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do Município e integrá-lo coerentemente no processo de desenvolvimento cultural; auxiliar no desenvolvimento turístico do Município, tanto pela promoção do patrimônio histórico e cultural, pela oferta de atividades e produtos culturais de qualidade; promover uma gestão moderna e efi ciente da iniciativa cultural caracterizada por uma elevada participação social, por uma ponderada gestão de recursos e por um planejamento a médio e longo prazo e conjunto com a diretoria imediata; exercer outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE DESPORTONÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: dirigir e organizar atividades e eventos relacionados ao desporto e lazer no Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: dirigir as atividades relacionadas ao desenvolvimento da prática de desportiva e de lazer; incentivar a prática do esporte, lazer e recreação, integradas a outras formas de atendimento pessoal e social de crianças, adolescentes e comunidade em geral, em parceria com outros órgãos, entidades, instituições públicas e privadas; desenvolver atividades esportivas, de lazer e recreação, sob supervisão de profi ssionais da área, que atenda idosos e portadores de defi ciência; estimular a participação da população do Município em eventos desportivos e de lazer, promovendo competições, cursos e seminários; assessorar a implantação e gerenciar a utilização dos equipamentos necessários e espaços destinados à prática desportiva e de lazer; promover a integração com os demais órgãos da Administração Municipal, na utilização e otimização dos equipamentos públicos para as práticas desportivas e de lazer; gerenciar a realização dos eventos municipais na área de sua competência; ajustar e desenvolver convênios com órgãos federais e estaduais e entidades particulares objetivando o desenvolvimento das atividades no âmbito de sua competência; promover e incentivar o desenvolvimento de eventos e de atividades esportivas e de lazer; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE ENSINO FUNDAMENTALNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Curso Normal de Nível Médio Magistério e/ou licenciatura plena em pedagogia ou outro curso da área da educação.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir todas as atividades relacionadas ao processo de educação do ensino fundamental.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: orientar e promover o desenvolvimento do processo educacional a cargo do município, conforme estabelecido pela legislação vigente; promover o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; auxiliar na supervisão e coordenação dos estabelecimentos do seu sistema de ensino, na área de sua competência; orientar a chamada pública dos alunos para o acesso ao

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ensino fundamental e ao ensino médio; zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência do aluno à escola; auxiliar na execução dos programas de ensino e os serviços administrativos para possibilitar o desempenho regular das atividades docentes e discentes; colaborar com o corpo docente na organização de programa de ensino, metodologias e rendimento escolar; realizar o acompanhamento da vida funcional dos professores, em articulação com o setor responsável pelo departamento pessoal; acompanhar e avaliar atividades artísticas, esportivas e culturais extraclasse; divulgar, em conjunto com as instituições de ensino e a assessoria de comunicação, as diversas atividades programadas junto à comunidade; acompanhar o processo educativo nos aspectos quantitativos e qualitativos; manter a integração das atividades pedagógicas com as demais coordenações, seções, setores e Departamentos, buscando equilíbrio nas atividades; auxiliar os demais setores no que for de sua competência; Dirigir a organização de atividades comemorativas, cívicas, religiosas; executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE PATRIMÔNIONÍVEL DE VENCIMENTO: CC2 ou FG3FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir a realização de atividades relacionadas ao patrimônio do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: dirigir as atividades relacionadas à distribuição de material permanente, mobiliário e equipamento; verifi car o registro e manter o cadastro atualizado dos bens móveis, imóveis e semoventes da Prefeitura; assegurar e promover a execução da atividade de conservação, limpeza, manutenção e controle de bens móveis e imóveis; verifi car toda e qualquer baixa de material permanente, equipamentos, mobiliários e semoventes, de acordo com a legislação vigente; analisar e verifi car a localização e movimentação de material permanente, equipamentos, mobiliários e semoventes; realizar vistorias periódicas nos bens móveis, com vistas a fi scalizar sua localização e conseqüentes registros; analisar periodicamente os inventário de bens patrimoniais realizados pelo departamento; Executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE FROTASNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2 ou FG3FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir o gerenciamento da frota de veículos e maquinários da Prefeitura Municipal.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: Gerenciar a frota de veículos automotores e maquinários da Prefeitura Municipal referente à quantidade, marca, modelo, prefi xos, combustível e situação de manutenção específi ca; gerenciar a baixa de veículos municipais; emitir laudos técnicos de conformidade de veículos locados pela Prefeitura; emitir parecer de especifi cação técnica veicular para a aquisição de veículos novos; controlar o quadro de motoristas municipais; administrar as atividades de transportes no município observando a legislação que rege a matéria; preparar diariamente as escalas de serviços dos motoristas com indicação do respectivo veículo; controlar o consumo de combustível e lubrifi cante; viabilizar a condução do pessoal e/ou transporte de material a serviço da municipalidade; elaborar planilha de custos da manutenção individual dos veículos, programando a manutenção preventiva;

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apurar causas de acidentes e danos ocorridos com veículos, encaminhando em tempo hábil, a documentação correspondente às autoridades competentes e a companhia seguradora; providenciar anualmente a renovação das apólices de seguro e o emplacamento dos veículos, juntamente com o departamento competente; manter atualizados os dados relativos ao número de veículos que compõe a frota, ao custo com a manutenção mensal e anual e ao período de garantia das peças e das revisões; executar outras tarefas correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE TURISMONÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Médio.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir, planejar, coordenar e controlar todas as atividades do departamento.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: organizar, orientar e promover o desenvolvimento do processo turístico do município; gerenciar a realização dos eventos municipais na área de sua competência; ajustar e desenvolver convênios com órgãos federais e estaduais e entidades particulares objetivando o desenvolvimento das atividades no âmbito de sua competência; organizar e planejar atividades para o desenvolvimento do turismo; gerenciar a manutenção do sistema e do processo de planejamento turístico, em conjunto com a sociedade civil; propor a política de incentivo e desenvolvimento ao turismo, suas diretrizes e instrumentos; exercer outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DE TESOURARIANÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino MédioCARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: atividades voltadas ao planejamento e controle financeiro.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: planejar e controlar as finanças do Município efetuando controle de despesas e planejando a receita; planejar as atividades relativas aos assuntos financeiros e fiscais do Município; auxiliar na elaboração da LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias e PPA- Plano Plurianual; conferir pagamentos; conferir lançamentos; orientar na eficiência financeira e efetivação de despesas; orientar a gestão financeira; controlar a aplicação dos recursos orçamentários e extra-orçamentários, mantendo o controle financeiro; elaborar a programação financeira em articulação com as demais secretarias; coordenar a elaboração dos boletins diários do movimento orçamentário; assessorar na preparação dos boletins de caixa referentes a receitas próprias e as transferências recebidas; executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do Município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível. (Redação acrescida pela Lei nº 789/2013)CARGO: DIRETOR DE TRANSPORTE ESCOLARNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2 ou FG4FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir as atividades inerentes a frota de veículos automotores da Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Desporto e Lazer.

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ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: emitir parecer de especifi cação técnica veicular para a aquisição de veículos novos; controlar o quadro de motoristas que esteja a disposição da Secretaria Municipal de Educação; preparar escala de férias; administrar as atividades de transportes da Secretaria Municipal da Educação observando a legislação que rege a matéria; preparar mensalmente as escalas de serviços dos motoristas com indicação do respectivo veículo; controlar o consumo de combustível e lubrifi cante; viabilizar a condução do pessoal e/ou transporte de material a serviço da Secretaria Municipal da Educação; providenciar anualmente junto ao setor competente a renovação das apólices de seguro e o emplacamento dos veículos; remeter os veículos para assistência mecânica; elaborar e cuidar para o cumprimento do plano de manutenção preventiva; emitir parecer técnico sobre os serviços a serem realizados na sede e fora da sede; elaborar relatório mensal das atividades desenvolvidas; realizar outras atividades afi ns; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE OBRAS, SERVIÇOS E CONSERVAÇÃO DE VIAS PÚBLICASNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução em ensino fundamental incompletoCARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: dirigir, organizar, supervisionar e executar os programas ligados à área de obras, serviços e conservação de vias públicas.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: organizar os serviços de manutenção de estradas, de forma a garantir aos produtores rurais o transporte seguro dos insumos e safras agrícolas; zelar pelo sistema de drenagem das estradas; planejar e desenvolver ações de serviços nas estradas municipais; zelar pela observância das normas técnicas atinentes aos acostamentos, faixas da estrada, distância de visibilidade, placas indicativas; manter atualizados mapas cadastrais das estradas municipais e das jazidas de material utilizável na recuperação das estradas; organizar na construção e conservação de bacias de retenção executadas pela Prefeitura Municipal, e as suas expensas; Assessorar na remoção e recuperação de cercas para conservação das estradas, quando necessário, caso seja responsabilidade da Prefeitura Municipal; responsabilizar-se pelos equipamentos que ficarão sob sua guarda; organizar relatórios e escalas de serviços e férias de servidores sob a sua direção; executar outras atividades afins; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível. (Redação acrescida pela Lei nº 735/2012)CARGO: COORDENADOR DO CRASNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito MunicipalREQUISITOS PARA PROVIMENTO: Curso superior em Psicologia, Serviço Social ou Pedagogia.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir e supervisionar serviços que se destinam a elaborar e executar programas de assistência e apoio à população do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: controlar a execução dos programas desenvolvidos pelo Município na área social; organizar o levantamento de dados para identifi car problemas sociais de grupos específi cos de pessoas; dirigir e organizar as campanhas educativas no campo da saúde pública, higiene, saneamento, educação; controlar o comportamento de grupos específi cos de pessoas em face de problemas de saúde,

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higiene, educação, planejamento familiar e outros; organizar e fi scalizar a promoção de palestras, visitas em domicílio e outros meios, a prevenção ou solução de problemas sociais identifi cados entre grupos específi cos de pessoas; organizar a manutenção das referências atualizadas sobre as características sócio-econômicas dos assistidos; formular as diretrizes, planos e programas de trabalho afetos ao Município; articular o processo de implantação, execução, monitoramento, registro e avaliação das ações, usuários e serviços; coordenar a execução de ações de forma a manter o diálogo e a participação dos profi ssionais e das familias inseridas nos serviços ofertados no CRAS e pela rede prestadora de serviço no território; defi nir com os profi ssionais, critérios de inclusão, acompanhamento e desligamento das familias; defi nir, com os profi ssionais, o fl uxo de entrada, acompanhamento, monitoramento, avaliação e desligamento das familias; defi nir, com a equipe técnica, os instrumentos de trabalho com familias, grupos de familias e comunidade, buscando o fortalecimento teórico e metodológico do trabalho desenvolvido; monitorar mensalmente as ações de acordo com as diretrizes do programa, instrumentos e indicadores escolhidos para orientar as ações e promover a sua efi cácia; realizar reuniões periódicas com os profi ssionais para discussão dos casos, avaliação das atividades desenvolvidas, dos serviços ofertados e dos encaminhamentos realizados; promover e participar de reuniões periódicas com representantes da rede prestadora de serviços, visando coordenar, articular e avaliar a cobertura da demanda existente no território e acompanhar os encaminhamentos feitos; promover e participar de reuniões periódicas com representantes de outras políticas públicas, visando articular a ação intersetorial no território; contribuir com o órgão gestor municipal no estabelecimento de fl uxos entre os serviços da proteção social básica e especial. Executar outras atividades correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível. (Redação dada pela Lei nº 931/2015)CARGO: DIRETOR DE SERVIÇOS URBANOSNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2 ou FG2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: planejar, coordenar, executar e controlar todas as atividades da unidade, organizando e orientando os trabalhos realizados pelos mesmos.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: supervisionar periodicamente os próprios municipais, promovendo as medidas necessárias à sua conservação; executar os serviços de manutenção de vias públicas urbanas; organizar a escala de férias dos servidores lotados no departamento; promover e supervisionar as atividades relativas à limpeza urbana e administrar o cemitério municipal; providenciar a construção e conservação de praças, parques, jardins e áreas verdes; planejar os serviços de trânsito; executar outras tarefas correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DOS SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO E ABASTECIMENTO DE ÁGUANÍVEL DE VENCIMENTO: CC2 ou FG4FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir as atividades relacionadas a manutenção dos próprios municipais e do abastecimento de água potável a toda a população do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: organizar os serviços de manutenção da rede de abastecimento de água potável no Município; gestionar junto a administração

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municipal programas de melhoramentos e ampliação da rede de abastecimento de água; supervisionar os serviços realizados na manutenção dos próprios municipais; supervisionar o tratamento de água e os serviços realizados por terceiros; realizar escala de férias dos servidores do departamento; executar outras atividades afins; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DA SERRA DOS GREGÓRIOSNÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir e organizar as tarefas realizadas pela unidade básica de saúde da Serra dos Gregórios.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: supervisionar, coordenar e promover a prestação de assistência médica, odontológica e farmacêutica à população; auxiliar na promoção de campanhas de vacinação e de esclarecimento público; estimular e garantir a ampla participação da comunidade na elaboração, controle e avaliação da política de saúde do Município, mais especificamente na unidade básica de sua lotação; organizar os programas de saúde desenvolvidos pela secretaria de saúde do Município; garantir o acesso da população aos equipamentos de saúde; organizar escala de serviços e de férias do pessoal lotado na unidade de saúde; executar outras atividades afins; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: DIRETOR DA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DA SEDENÍVEL DE VENCIMENTO: CC2FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir e organizar as tarefas realizadas pela unidade básica de saúde da Serra dos Gregórios.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: supervisionar, coordenar e promover a prestação de assistência médica, odontológica e farmacêutica à população; auxiliar na promoção de campanhas de vacinação e de esclarecimento público; estimular e garantir a ampla participação da comunidade na elaboração, controle e avaliação da política de saúde do Município, mais especificamente na unidade básica de sua lotação; organizar os programas de saúde desenvolvidos pela secretaria de saúde do Município; garantir o acesso da população aos equipamentos de saúde; organizar escala de serviços e de férias do pessoal lotado na unidade de saúde; executar outras atividades afins; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.CARGO: CHEFE DOS SERVIÇOS DE BRITAGEMNÍVEL DE VENCIMENTO: CC1 ou FG3FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Ensino Fundamental incompleto.CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Dirigir e fiscalizar os serviços realizados junto ao BritadorATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: chefi ar a equipe de servidores, controlando entradas e saídas dos mesmos e organizando escala de férias; responsabilizar-se pela manutenção dos equipamentos que fi carão sob sua guarda; organizar a escala de produção e distribuição do material produzido; realizar relatórios sempre que solicitados; executar outras tarefas correlatas; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível.

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CARGO: CHEFE DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA PATRIMONIALNÍVEL DE VENCIMENTO: CC1 ou FG3FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: instrução em ensino fundamental incompletoCARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: coordenar, planejar, organizar e supervisionar os serviços de segurança patrimonial do Município.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: organizar os serviços de vigilância, como turnos, escalas de serviços, escala de férias e folgas; controlar os materiais de trabalho que lhe forem confi ados; informar à secretaria correspondente qualquer constatação de dano ao patrimônio público; verifi car periodicamente o correto funcionamento dos sistemas de vigilância dos prédios públicos; responsabilizar-se pela fi scalização de eventuais contratos de vigilância que sejam fi rmados entre o município e empresa particular; executar outras atividades afi ns; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível. (Redação acrescida pela Lei nº 735/2012)CARGO: CHEFE DOS SERVIÇOS ELÉTRICOSNÍVEL DE VENCIMENTO: CC1FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação pelo Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Curso Técnico em Eletromecânica ou Eletrotécnica, ministrado por entidade de ensino reconhecida por órgão oficial e registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia).CARGA HORÁRIA: A disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Coordenar, planejar, organizar e controlar as atividades ligadas ao Departamento de Serviços Elétricos e Iluminação Pública.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: Fiscalizar, coordenar e executar serviços de instalações de iluminação pública; orientar na realização dos serviços de medição de energia elétrica e instalações elétricas residenciais, comerciais, industriais pertencentes ao município de Pinhal da Serra - RS; Elaborar orçamentos para compra de materiais elétricos e de iluminação pública; Planejar e organizar manutenção preventiva no sistema de luminárias municipal, orientar e acompanhar faturamentos de iluminação pública junto à concessionária de energia elétrica local; fiscalizar projetos e obras de redes elétricas diversas de interesse dos munícipes e situadas dentro da área municipal, perante a concessionária de energia elétrica local; Excepcionalmente, dirigir e conduzir viaturas do município, desde que o coordenador do departamento de serviços elétricos e iluminação pública possua habilitação compatível; Executar outras tarefas correlatas.CARGO: MONITOR DO PIMNÍVEL DE VENCIMENTO: CC-02 ou FG-03FORMA DE CONTRATAÇÃO: livre nomeação do Prefeito Municipal.REQUISITOS PARA PROVIMENTO: Instrução em Curso de Nível Superior.CARGA HORÁRIA: a disposição do Poder Executivo Municipal.DESCRIÇÃO SINTÉTICA DA COMPETÊNCIA: Organizar, planejar, executar, avaliar pelas vias não formais o desenvolvimento integral de uma criança na comunidade, bem como supervisionar e monitorar as atividades dos visitadores domiciliares.ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS: preparar planos de metas para que os visitadores domiciliares desenvolvam suas tarefas; supervisionar e assessorar o trabalho dos visitadores domiciliares; avaliar, em primeiro nível, o resultado alcançado pelas crianças; articular, informar e atualizar a rede de serviços do programa; garantir aos visitadores conhecimento e clareza quanto ao objetivo do seu trabalho, exercer outras atividades afins. (Redação acrescida pela Lei nº 609/2011)

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Em primeiro lugar, é preciso que se diga que causa espécie o argumento de que “as rivalidades políticas nos pequenos municípios, agravam a dificuldade de trabalhar apenas com os servidores dos quadros de carreira, absolutamente corporativos, política e partidariamente definidos e sem compromissos maiores com qualquer administração que se instale e não seja do seu grupo partidário”. (fl. 329)

Os servidores públicos, desde o seu ingresso nos quadros da Administração Pública, estão submetidos ao regime jurídico de direito público, devendo zelar pela promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observados, dentre outros, os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da efi ciência, sob pena de vir a sofrer processo administrativo, que poderá resultar, até mesmo, em demissão do agente.

Portanto, esses não são argumentos que justifiquem a criação de tantos cargos em comissão, para as mais diversas atividades áreas de atuação, sob pena de se chancelar a falência dos quadros da Administração Pública Municipal.

Deve o chefe do Poder Executivo Municipal, isto sim, adotar as medidas de fiscalização e exigir a eficiência necessária dos seus servidores, observada a posição de hierarquia que ostenta na “teia administrativa”.

Ademais, os partidos políticos são importantes instrumentos de representação da democracia popular, enquanto expressão da vontade de parcela da sociedade. O pluralismo político, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso V), base do Estado democrático de direito, aponta o reconhecimento de que a sociedade é formada por vários grupos, composta pela multiplicidade de vários centros de poder em diferentes setores. Buscar restringir essa manifestação de vontade pela criação de um sem número de cargos em comissão, só por si, já revela o seu manifesto vício de inconstitucionalidade.

O direito à igualdade só se estabelece verdadeiramente pleno quando respeitado o direito à diferença.

Não fosse pelo despropositado pretexto suscitado para criação dos cargos em comissão, as atribuições específicas de cada um desses cargos também não se mostram compatíveis com o parâmetro. Trata-se de atribuições que, a despeito da nomenclatura dada (chefe, monitor, coordenador), são eminentemente técnicas e burocráticas, meramente executivas, não se revelando como atribuições de direção, chefia ou assessoramento.

Por outro lado, o Município já dispõe de um quadro de 07 Secretários Municipais, escolhidos pelo Prefeito Municipal para auxiliá-lo na condução da máquina pública. A criação de cargos em comissão com funções semelhantes às que competem aos Secretários do Município, ou que se dirigem a auxiliá-lo, portanto, escapa à excepcionalidade que é peculiar a esse modo de “contratação”.

Outrossim, não se perca de vista a criação de diversos cargos em comissão para o desempenho de função, senão idêntica, bastante assemelhada a outro de provimento por concurso, como no caso do assessor jurídico, já dispondo o Município de Procurador Jurídico (com ingresso na carreira por meio de concurso público) nos quadros da administração.

Ademais, nem a referida ressalva de que “os cargos em comissão da administração centralizada do Executivo Municipal serão preenchidos no mínimo de 5% (cinco por cento) por servidores de carreira” (art. 17, Parágrafo Único da Lei Municipal 566/10) tem o condão de convalidar o vício, na medida em que a ocupação de qualquer dos cargos descritos já implicaria em manifesta inconstitucionalidade.

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Com estas considerações adicionais, para evitar tautologia, passo a transcrever os fundamentos lançados no parecer do Ministério Público:

Importante frisar que o provimento dos cargos mediante prévia realização de concurso público é regra estabelecida pela Carta da República, sendo admitida, apenas, em situações excepcionais, expressamente referidas no texto constitucional, a nomeação de servidores em cargo de confi ança ou pela via das contratações temporárias, normas estas de observância obrigatória pelos municípios.

Saliente-se que o entendimento de que os cargos em comissão envolvem as ideias de excepcionalidade, chefia, confiança e livre nomeação e exoneração não é inovação do proponente, mas deflui do posicionamento adotado pelos diversos doutrinadores pátrios que trataram da matéria.

Relevante ressaltar, também, que não se está, aqui, menosprezando a importância dos cargos em comissão, asseverando que eles não possam existir ou mesmo restringindo a autonomia do gestor municipal, mas, tão somente, submetendo, ao crivo do Poder Judiciário, a criação desses cargos.

Com efeito, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, não estão o Ministério Público e o Poder Judiciário invadindo seara de outros Poderes ou interferindo no modelo de gestão de recursos humanos adotado pelos Municípios ou, ainda, na autonomia administrativa a eles conferida pela Carta Magna, mas, tão somente, verificando a adequação dos cargos criados aos ditames constitucionais, pouco importando para esse fim o percentual que eles representam dentro do universo de servidores do Município.

Esse, de resto, o posicionamento já consagrado pelo egrégio Órgão Especial desse Tribunal de Justiça:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DISPOSITIVOS DE LEIS DO MUNICÍPIO DE SAPUCAIA DO SUL - CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO E ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA. A fiscalização do Ministério Público e do Poder Judiciário sobre a constitucionalidade de leis municipais não se constitui em ato atentatório à autonomia municipal, que encontra limite nos comandos constitucionais. Apenas o enquadramento no disposto no art. 32 da CE/89 permite o reconhecimento da constitucionalidade dos cargos em comissão criados, independentemente de sua relevância. Os cargos impugnados não se revestem de funções de alta qualidade técnica a exigir e possibilitar a criação de cargos em comissão, na medida em que, sequer, exigem escolaridade mínima para o seu exercício. Evidencia-se, na espécie, que o Município de Sapucaia do Sul, nas hipóteses indicadas na inicial, desviou-se da finalidade para a qual foi possibilitada, em exceção à regra geral, a criação de cargos em comissão. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70033981028, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 17/05/2010)

A análise feita em sede de controle abstrato de normas, de outra parte, lastreia-se nos dispositivos legais em vigor, presumindo-se, no caso de cargos em comissão, que as atribuições descritas nas normas legais municipais como inerentes a cada cargo são, efetivamente, as exercidas pelo seu ocupante, pois assim deve ser redigido o texto legal, não se podendo presumir o que não está explicitado na norma.

Os cargos fustigados, embora com atribuições inseridas na lei que os criou, padecem de vício de inconstitucionalidade, visto que elas não correspondem

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às atividades de direção, chefi a e assessoramento, tendo sob a nomenclatura de Assessor, Secretário, Diretor, Procurador e Coordenador sido investidas pessoas em cargos tipicamente burocráticos, cujo ingresso não foi precedido por concurso público.

Nada obstante, importante salientar que, porque constam na descrição do elenco das atribuições de um determinado cargo os verbos “chefiar” ou “assessorar”, por exemplo, não significa dizer que este deva ser provido pela forma comissionada, visto que é a análise individualizada do conjunto de funções que aquele servidor irá executar que permitirá concluir se são próprias de direção, chefia ou assessoramento, pois coordenar ou assessorar os trabalhos de um setor pode compreender a realização de atividades genuinamente burocráticas e técnicas que não exijam confiança qualificada da autoridade nomeante.

Claro que não se olvida que todo o servidor é depositário de confiança, pois a esse são conferidas atividades cujo desempenho poderá melhor influir na própria visão que o cidadão tem de determinado serviço público. Porém, além de tal atributo, o cargo em comissão pressupõe confiança efetiva e qualificada do nomeante, sobretudo por ser essa classe de servidores públicos responsável pelo efetivo e adequado cumprimento das diretrizes políticas por ele estabelecidas. Logo, sem embargo do argumento de que as atribuições dos cargos tachados perpassam pelas ações de assessorar, chefiar, coordenar ou dirigir, cumpre registrar que nenhum dos cargos em comissão impugnados revela a especial confiança exigida para autorizar o seu provimento pela via comissionada.

Evidentemente, não se desconhece a necessidade de os órgãos públicos terem suas respectivas chefias e cargos de assessoramento. O que se está a sustentar aqui, todavia, é que nem todas as chefias e cargos de assessoramento podem ser providos pela via do cargo em comissão, pois estes se destinam, apenas, ao preenchimento de vagas na Administração Superior do ente municipal, onde o comprometimento com as diretrizes políticas do Chefe do Executivo são efetivamente indispensáveis. As chefias secundárias, entretanto, porque submetidas às superiores, não demandam essa especial confiança, podendo ser providas por servidores concursados, agraciados, em razão da maior responsabilidade a eles atribuída, com funções gratificadas.

Relevante lembrar, também, que a presente ação não questiona o número de cargos criados ou sua relação com os cargos efetivos, mas, apenas, sua compatibilidade com as normas constitucionais, impugnando-se, também, a legislação revogada para que se evite que, com a declaração de inconstitucionalidade ora pretendida, cargos igualmente viciados voltem ao ordenamento jurídico, não se fazendo necessário, para tanto, que sejam esses cargos especificados, visto que não mais integram o ordenamento positivo, tratando-se de mera cautela procedimental.

Imperativo, também, salientar que os cargos vergastados, ao contrário do sustentado pelo Município em suas informações, são tipicamente técnicos ou burocráticos.

Veja-se, por exemplo, as atribuições do cargo de Assessor de Gabinete descritas na inicial. Embora tenha o Município tentado fazer crer que se tratava do cargo de Chefe de Gabinete, com ele não se confunde, sendo cargos absolutamente distintos, como se verifi ca pela comparação das atribuições de ambos, inseridas nas fl s. 49v. e 50.

Os cargos de Assessor Jurídico, da mesma maneira, não são de meros assessores, mas, sim, de Procuradores do Município, os quais devem ser providos mediante concurso público.

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Nada obstante, não tem o proponente o objetivo de criar o caos ou inviabilizar a Administração Municipal, mas, apenas, adequar os cargos criados pelo ente público aos ditames constitucionais, razão pela qual nunca se opôs, quando necessário, ao diferimento da eficácia da declaração de inconstitucionalidade dos cargos e das normas que lhes deram vida, propiciando que os entes públicos tivessem um prazo para adequar sua estrutura às normas constitucionais e à decisão judicial, o que, também, não fará neste caso.

Com essas considerações, imperativo o acolhimento integral do pedido deduzido na petição inicial.

Por fim, considerando que o resultado proposto tem notória implicação na Administração Pública municipal, diante do número de cargos cuja inconstitucionalidade se está a reconhecer, escorado em razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, proponho a modulação de efeitos desta declaração de inconstitucionalidade, com fulcro no artigo 27 da Lei nº 9.868/99, para que surta efeitos a partir de 120 dias a contar da publicação deste acórdão.

- Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade de parte do artigo 17 e do Anexo I da Lei Municipal n.º 566, de 21 de setembro de 2010, do Município de Pinhal da Serra, na sua redação originária e com as alterações a ela conferidas pelas Leis Municipais n.º 609/2011, n.º 620/2011, n.º 654/2011, n.º 670/2011, n.º 735/2012, n.º 789/2013, n.º 806/2013, n.º 887/2014, n.º 917/2014 e n.º 931/2015, todas do Município de Pinhal da Serra, especifi camente quanto aos cargos em comissão por elas criados e suas atribuições, a saber, 01 Assessor de Gabinete, 02 Assessores Jurídicos, 01 Assessor Contábil, 01 Assessor de Agricultura e Meio Ambiente, 01 Chefe de Serviços do Parque Municipal, 01 Diretor-Geral de Serviços de Engenharia, 01 Diretor-Geral de Serviços de Ofi cina, 01 Diretor-Geral de Compras e Licitações, 01 Diretor de Cultura, 01 Diretor de Desporto, 01 Diretor de Ensino Fundamental, 01 Diretor de Patrimônio, 01 Diretor de Frotas, 01 Diretor de Turismo, 01 Diretor de Tesouraria, 01 Diretor do Transporte Escolar, 01 Diretor do Departamento de Obras, Serviços e Conservação de Vias Públicas, 01 Coordenador do CRAS, 01 Diretor de Serviços Urbanos, 01 Diretor dos Serviços de Abastecimento de Água, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Serra dos Gregórios, 01 Diretor da Unidade de Saúde da Sede, 01 Chefe dos Serviços de Britagem, 01 Chefe dos Serviços de Segurança Patrimonial, 01 Chefe dos Serviços Elétricos e 01 Monitor do PIM, bem como das Leis Municipais n.º 172/2010, n.º 356/2009, n.º 358/2009, n.º 383/2009, n.º 441/2009, n.º 442/2009, n.º 499/2010 e n.º 559/2010, todas, também, do Município de Pinhal da Serra, especifi camente com relação aos cargos em comissão por elas criados e suas atribuições, de modo a evitar o efeito repristinatório.

Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro – Em que pese a posição do eminente Relator, estou a divergir parcialmente, concernentemente ao cargo de Assessor Jurídico.

Com efeito, deve ser levado em consideração que a regra de ingresso no serviço público é através do devido concurso público, para exercício da respectiva função, nos precisos termos do dispõe o artigo 37, II, da CF, havendo possibilidade da existência de cargos em comissão, destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, conforme reza o art. 37, V, da CF, aplicável aos municípios por força do artigo 8º, da Constituição Estadual, bem como por disposição expressa no artigo 32 da mesma Carta.

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Isso significa que somente nestas hipóteses há possibilidade de provimento de cargos por comissão, tendo o Tribunal de Justiça do Estado, em vários julgamentos, decidido pela inconstitucionalidade das normas municipais que permitem a existência de cargos em comissão fora das hipóteses de direção, chefia e assessoramento.

Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR. SUSPENSÃO DA LEI Nº 3.699, DO MUNICÍPIO DE GARIBALDI. CRIAÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 32 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. A Lei nº 3.669, de 06 de junho de 2007, do Município de Garibaldi, ao criar o cargo de Assessor da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, sem, ao menos, defi nir as atribuições que incumbem ao servidor que vier assumir o cargo e sem referir à qualifi cação técnica desejável, viola o art. 32, caput, da Constituição Estadual. Embora a justifi cativa ao Projeto de Lei nº 45/2007 contenha as razões do Prefeito Municipal para a criação do cargo, a descrição das tarefas que ali se encontra é por demais genéricas e impede a ciência prévia das funções que irá efetivamente o servidor desempenhar. Dentro de um sistema constitucional no qual somente a lei formal e material é que pode restringir e limitar direitos e em que a Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade, as atribuições de um determinado cargo somente podem constar em lei, já que é apenas a lei ¿ e não as razões de seu projeto ou sua exposição de motivos ¿ que vinculam o administrador. Precedente desta Corte. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Regimental Nº 70021241393, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 15/10/2007)

ADIN. LEI MUNICIPAL. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS NÃO ESPECIFICADAS PELA LEI. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. É inconstitucional a lei municipal que cria cargo em comissão sem, no entanto, definir suas atribuições, impossibilitando a verificação se de fato foram criados para o exercício das funções de direção, chefia ou assessoramento, previstas constitucionalmente. JULGARAM PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70019027838, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 25/06/2007)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. CARGOS EM COMISSÃO. CRIAÇÃO. Inconstitucionalidade do inc. I, letras “c”, “d” e “e” do art. 3º da Lei nº 526/2001, do Município de Novo Hamburgo, pertinente à criação dos cargos em comissão de Coordenador do Departamento de Estudos e Projetos, Coordenador do Departamento de Controle de Projetos e Coordenador do Departamento de Cadastro Digital, porquanto são atividades técnicas e burocráticas, as quais não se revestem das características próprias para o preenchimento de cargos em comissão, em especial as funções de direção, chefi a e assessoramento. Exegese do art. 32, caput, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70018657759, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 14/05/2007)

No caso, analisando-se as atribuições dos cargos de Assessor Jurídico, previstas na norma municipal, constata-se que se enquadram, sem dúvida, nas hipóteses em que se admite a utilização de cargo em comissão porque se inserem

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na estrutura passível de confiança do administrador público, sem qualquer inconstitucionalidade, não procedendo a demanda no ponto.

Trago à colação precedentes do Órgão Especial entendendo pela constitucionalidade da adequação do cargo de Assessor Jurídico ao cargo em comissão.

Com esse entendimento:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 19 DA LEI MUNICIPAL 1.878/2005 E PARTE DO ART. 3º DA LEI MUNICIPAL 2.013/2006 DO MUNICÍPIO DE CERRO LARGO. AUSÊNCIA VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. CARGO EM COMISSÃO. ASSESSOR JURÍDICO. CHEFE DE GABINETE. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Os cargos em comissão de Assessor Jurídico e Chefe de Gabinete criados pelos atos normativos impugnados têm atribuições estabelecidas em legislação específi ca e vigente, compatíveis com a normativa constitucional, que declara serem de livre nomeação e exoneração e se destinarem apenas às atribuições de direção, chefi a e assessoramento. 2. Inexistência de violação aos arts. 1º, 8º, 19, caput e I, 20, caput e § 4°, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, caput, II e V, da Carta Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058906322, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em 09/03/2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 19 E PARTE DO ANEXO II DA LEI MUNICIPAL N° 3.457 DE 20-08-2012 DO MUNICÍPIO DE SEBERI. AUSÊNCIA VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. CARGO EM COMISSÃO. ASSESSOR JURÍDICO. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS LEGAIS. 1. O cargo em comissão de assessor jurídico criado pelo ato normativo impugnado estabelece atribuições de assessoramento, compatíveis com a normativa constitucional que estabelece a excepcionalidade desta espécie de provimento. 2. Inexistência de violação aos arts. 8º, caput, 20, caput e § 4°, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com o art. 37, II e V, da Carta Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058553702, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 08/09/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. DESCABIMENTO. É cediço que a ADIn, uma vez proposta, não comporta desistência, devendo ter seu trâmite normal até o julgamento fi nal da ação. Precedente do Órgão Especial do TJRGS. CARGOS DE DIRETOR E ASSESSOR JURÍDICO. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO FORA DAS HIPÓTESES DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE DO CARGO DE DIRETOR DECLARADA. CONSTITUCIONALIDADE DO CARGO EM COMISSÃO DE ASSESSOR JURÍDICO. ARTIGO 22 DA LEI MUNICIPAL Nº 1198/2010, ANEXO XXXIV E XXXVI E SUAS ALTERAÇÕES FEITAS PELAS LEIS MUNICIPAIS NºS 1209/2010 E 1230/2010, DO MUNICÍPIO DE UBIRETAMA. É parcialmente inconstitucional o artigo 22 da Lei Municipal nº 1198/2010, anexo XXXIV e suas alterações feitas pelas Leis municipais nºs 1209/2010 e 1230/2010, do Município de Ubiretama, por afronta aos artigos 8º, 19, I, 20, § 4º, e 32, caput, da CE, combinados com os artigos 37 II e V da Constituição Federal, por criar cargos em comissão de Diretor, fora das hipóteses de direção, chefi a e assessoramento. Inocorrência de inconstitucionalidade em relação ao cargo de Assessor Jurídico porque se insere na estrutura passível de confi ança do administrador público. Precedentes do Órgão Especial do TJRGS. Ação julgada parcialmente

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214 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

procedente. Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70052675428, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 04/03/2013)

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIPLOMA MUNICIPAL QUE REGULAMENTA CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES DE CONFIANÇA. ADEQUAÇÃO AOS DITAMES LEGAIS QUANTO AO CARGO DE ASSESSOR JURÍDICO E ÀS FUNÇÕES DE CONFIANÇA DE COORDENADOR JURÍDICO E ASSESSOR TÉCNICO DO SETOR JURÍDICO. DESARMONIA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL PÁTRIO SOMENTE EM RELAÇÃO AO CARGO EM COMISSÃO DE ASSISTENTE JURÍDICO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE ACOLHIDO. UNÂNIME. (Incidente de Inconstitucionalidade Nº 70042343541, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 19/12/2011)

Em conseqüência, afastada a inconstitucionalidade dos cargos de Assessor Jurídico, julgo parcialmente procedente ação em relação aos demais cargos nos termos do voto do eminente Relator.

É como voto.Des. Rui Portanova (Revisor) – Acompanho o eminente relator.Des. Sylvio Baptista Neto – Acompanho a divergência.Des. Jorge Luís Dall’Agnol – Com a vênia do eminente Relator, acompanho a

divergência instaurada pelo Ilustre Desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro.Des. Luiz Felipe Brasil Santos – Acompanho o em. Des. Carlos Eduardo.Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro – Com a divergência.Desa. Iris Helena Medeiros Nogueira – Estou acompanhando a divergência.Des. Paulo Roberto Lessa Franz – Acompanho a divergência inaugurada pelo

eminente Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro.Consoante expressa previsão constitucional, “as funções de confiança,

exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (art. 37, V, da CF).

Da simples leitura de tal dispositivo, constata-se que o constituinte houve por bem limitar a exceção à necessidade de concurso público aos cargos em comissão cuja atribuição seja a direção, chefia e o assessoramento.

Acerca do tema, ensina Hely Lopes Meirelles que:

2.3.7 Cargo em comissão - É o que só admite provimento em caráter provisório. São declarados em lei de livre nomeação (sem concurso público) e exoneração (art. 37, 11), destinando-se apenas às atribuições de direção, chefi a e assessoramento (CF, art. 37, V).15 Todavia, pela EC 19, o preenchimento de uma parcela dos cargos em comissão dar-se-á unicamente por servidores de carreira, nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei (art. 37, V). Portanto, nestas hipóteses o provimento não será totalmente livre, como ocorre com os não servidores, isto é, os sem vínculo efetivo anterior à nomeação. A lei ali referida será de cada entidade política, mas, especialmente na fi xação dos percentuais mínimos, deverá observar o princípio da razoabilidade, sob pena de fraudar a

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determinação constitucional, no sentido de uma parte dos cargos em comissão ser provida de forma totalmente livre e outra, parcialmente, diante das limitações e condições previstas nessa lei. A instituição de tais cargos é permanente, mas seu desempenho é sempre precário, pois quem os exerce não adquire direito à continuidade na função, mesmo porque a exerce por confiança do superior hierárquico; daí a livre nomeação e exoneração

Ou seja, sendo a norma acerca dos cargos em comissão uma exceção, deve sua interpretação ser realizada de forma restritiva.

Ao concreto, ao assessor jurídico foram atribuídas as seguintes funções, in verbis:

“representar o Município em qualquer instância judicial, atuando nos feitos em que ele litigue como autor, réu, assistente, oponente ou simples interessado; orientar e assessorar, quando solicitado, a instauração, condução e conclusão de processos administrativos de interesse do Município; elaborar pareceres sobre assuntos de interesse do Município, abordando, sempre que possível e necessário, posicionamentos da doutrina e jurisprudência especializada, além da própria legislação aplicável à espécie; responder a consultas sobre interpretação de textos legais; estudar e/ou elaborar, quando solicitado, minutas de atos legislativos (projetos de lei, resoluções, requerimentos, indicações, etc...) de interesse da Administração Municipal; proceder, quando solicitado, o exame de documentos (administrativos ou não) de interesse do Município; excepcionalmente, dirigir/conduzir viaturas do Município, desde que o funcionário público possua habilitação compatível; executar outras atividades correlatas”.

Assim, conforme bem esposado pelo eminente Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, tais atribuições se amoldam exatamente à previsão constitucional acerca dos cargos em comissão, pois o cargo se coaduna com a atribuição de assessoramento, motivo pelo qual não deve prosperar a presente ação quanto ao tema.

Quanto aos demais cargos, acompanho integralmente o voto proferido pelo insigne relator.

Diante do exposto, VOTO no sentido de JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos da divergência inaugurada pelo eminente Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro.

TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

– o –

Mandado de Segurança n. 70065654014 (n. CNJ: 0250779-43.2015.8.21.7000) – Órgão Especial – Porto Alegre

MANDADO DE SEGURANÇA. REPASSES FINANCEIROS MENSAIS DO ESTADO AO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS SECRETÁRIOS ESTADUAIS DE SAÚDE E DA FAZENDA. ACOLHIMENTO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL EM RAZÃO DE PEDIDO GENÉRICO. REJEIÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE O MUNICÍPIO RECEBER OS REPASSES EM SUA INTEGRALIDADE, SOB PENA

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216 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

DE SEQÜESTRO DE VALORES, A PARTIR DA CONCESSÃO DA LIMINAR. IMPOSIÇÃO DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. DESCABIMENTO.

1. Nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei n.º 12.016/2009, considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. Nesse sentido, competindo ao Governador do Estado, privativamente, exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da Administração Estadual (art. 82, inciso II da Constituição Estadual), competência esta que, por sinal, é indelegável, é de rigor o reconhecimento da ilegitimidade passiva dos Secretários Estaduais da Fazenda e da Saúde, com a consequente denegação da segurança, nos moldes do art. 6º, § 5º, da Lei n.º 12.016/2009 – por ser a ilegitimidade de parte causa para a extinção do processo sem julgamento de mérito na forma do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil.

2. Não há falar em inépcia da inicial em razão de o pedido alegadamente ser genérico, pois este foi certo e determinado, formulado no sentido de que sejam efetuados, na integralidade, os repasses de verbas devidos ao Município para custeio das ações e serviços de saúde, tudo em conformidade com as previsões constitucionais e infraconstitucionais que regem a máteria.

3. É direito líquido e certo do Município receber o repasse de receitas, na forma prevista no art. 198, § 2º, inc. II e III, art. 158, inc. III e IV, e inc. I e II do parágrafo único, art. 159, inc. I, II e III, § 3º e § 4º, todos da Constituição Federal, para possibilitar a promoção de ações e serviços públicos de saúde, sob pena de restar inviabilizada a prestação dos serviços de saúde na Capital, com refl exos em todo o Estado - pois é notório o atendimento, pelo impetrante, de paciente de todo o interior, especialmente em serviços de maior complexidade. Ademais, de acordo com a Lei Complementar n.º 141/2012, tem-se que é obrigação dos Estados aplicar, no mínimo, 12% da arrecadação dos impostos em ações e serviços de saúde, sendo que o art. 19 da referida lei assegura que tais recursos deverão ser transferidos aos Municípios, segundo o critério de necessidades de saúde da população, levando em consideração as dimensões epidemiológica, demográfi ca, socioeconômica e espacial, bem como a capacidade de oferta de ações e serviços de saúde. Por sua vez, o art. 20 do mesmo diploma assegura que tais transferências dos Estados para os Municípios serão realizadas de forma regular e automática.

4. Desse modo, é de ser concedida parcialmente a segurança, no caso, a fi m de que sejam efetuados, da data da decisão liminar proferida neste mandamus em diante, os repasses fi nanceiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao Município impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado. A questão envolvendo os repasses não realizados anteriormente à impetração deste mandado de segurança deverá ser levada às vias ordinárias.

5. Descabe a imposição de multa, na espécie, em caso de descumprimento, por ser ela incompatível com possível sequestro de valores (se necessário este) e também por não atender ao interesse público o comprometimento ainda maior do orçamento estadual.

CONCEDERAM PARCIALMENTE A SEGURANÇA. UNÂNIME.

Municipio de Porto Alegre, impetrante – Governador do Estado, Secretario de Estado da Fazenda e Secretario de Estado da Saude, coatores – Estado do Rio Grande do Sul, interessado.

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ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 217

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de

Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder parcialmente a segurança.Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DESEMBARGADORES JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO (PRESIDENTE), ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, MARCELO BANDEIRA PEREIRA, SYLVIO BAPTISTA NETO, FRANCISCO JOSÉ MOESCH, NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, IRINEU MARIANI, MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO, MARCO AURÉLIO HEINZ, ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, TASSO CAUBI SOARES DELABARY, TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS, ISABEL DIAS ALMEIDA, EUGÊNIO FACCHINI NETO, CATARINA RITA KRIEGER MARTINS, DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO E JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR.

Porto Alegre, 01 de dezembro de 2015.Luiz Felipe Brasil Santos, Relator.

RELATÓRIODes. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator) – O MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

impetra mandado de segurança, com pedido liminar, em face de ato praticado pelo Sr. GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pelo Sr. SECRETÁRIO ESTADUAL DA FAZENDA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e pelo Sr. SECRETÁRIO ESTADUAL DA SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, alegando violação ao seu direito líquido e certo de receber os respasses constitucionais regulamentados pela legislação

Sustenta que: (1) o Estado do Rio Grande do Sul passa por crise fi nanceira, razão que o levou a efetuar cortes no orçamento, bem como atrasos e parcelamentos de verbas importantes à realização de serviços públicos essenciais, nos quais se inserem as ações e serviços públicos de saúde; (2) o Estado vinha realizando alguns pagamentos no atual exercício fi nanceiro, mas a partir do mês de maio do corrente ano, mais parcelas foram suprimidas, culminando no anúncio público de redução drástica de repasses e parcelamentos; (3) além dos valores pendentes relativos ao exercício anterior, não houve repasse integral da competência de maio deste ano, nem qualquer pagamento em relação a competência de junho, tornando insustentável a administração orçamentária municipal na área da saúde; (4) o Município de Porto Alegre, Capital do Estado, tem papel extremamente importante no sistema de saúde estadual, comprometido com a atenção à saúde em nível de gestão plena, com hospitais de porte referenciados em várias especialidades, não possuindo condições de manter o atendimento e prestação dos serviços e ações de saúde com drástica redução orçamentária; (5) é inadmissível a opção dos impetrados, objetivamente ajustar difi culdades de caixa, contingenciar os recursos orçamentários previstos e destinados aos indispensáveis serviços públicos de saúde; (6) a saúde não pode depender de atos discricionários ou mesmo arbitrários, pois o planejamento das ações e execução de competências é exatamente o que

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se espera do bom gestor público, sendo que a quebra da regra orçamentária impete a prestação dos serviços públicos; (7) as ações e serviços de saúde são de relevância pública, consitituindo um sistema único, o Sistema Único de Saúde, que está baseado no fi nanciamento público e na cobertura universal das ações de saúde; (8) para que o ente público possa garantir a manutenção do que lhe cabe dentro do Sistema, é essencual que as verbas que compõem o orçamento da saúde sejam regular e fi elmente repassadas; (9) a Constituição Federal estabelece que cuidar da saúde é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, não se podendo desconsiderar os convênios e protocolos fi rmados entre esses entes, através dos quais organizam o modo de atendimento dessa obrigação, tampouco podendo se descurar da programação e execução orçamentária estabelecida pelo Município; (10) o § 3º do art. 198 da Constituição Federal dispõe que caberá à Lei Complementar estabelecer os percentuais mínimos de que trata o § 2º do referido artigo, bem como os critérios de rateio entre os entes; (11) nos termos do art. 6º da Lei Complementar n. 141/2012, os Estados e o Distrito Federal deverão aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art. 157, alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que foram transferidas aos respectivos municípios; (12) o art. 19 da mencionada lei complementar estabelece critérios a serem observados na transferência de valores aos municípios, as quais, de acordo com o art. 20, devem se dar de forma regular e automática, relativamente àquelas destinadas a fi nanciar ações e serviços de saúde; (13) o Supremo Tribunal Federal, em recurso paradigma de repercussão geral, apreciou a questão da solidaridade dos entes federados no que tange às ações que demandem serviços e produtos de saúde; (14) o ato de não serem efetuados os repasses devidos ao Município impetrante atinge não somente a população de Porto Alegre, mas também pacientes encaminhados por outors Municípios e até mesmo de fora do Estado; (15) o repasse de recursos insufi cientes ou com atraso desrespeita inclusive pactuações da comissão intergestosa bipartite e Portarias publicadas pelo Estado do Rio Grande do Sul; (16) vários hospitais de Porto Alegre já reduziram a oferta de leitos, várias cirurgias deixaram de ser realizadas, o que acarretou superlotação nas emergências das UPAs e dos Pronto Atendimentos na Capital. Requerem a concessão de liminar para “determinar que sejam efetuados os repasses fi nanceiros mensais destinados ao Impetrante para o custeio dos serviços de saúde, na integralidade e sem qualquer redução ou contigenciamento, sob pena de sequestro nas contas do Estado do Rio Grande do Sul dos valores retidos e multa de 10% sobre os valores não repassados ou contigenciados”. Ao fi nal, pugna pela concessão da segurança, confi rmando a liminar concedida, “de forma a fazer cessão o ato coator, assegurando ao Impetrante o recebimento, regular e sem qualquer atraso ou contingenciamento, da integralidade dos repasses constitucional e legalmente previstos para o custeio dos serviços de saúde pelo Município de Porto Alegre, posto que essenciais a concretização do direito fundamental à saúde, sob pena de sequestro dos valores retidos e multa de 10% sobre o valor retido ou contingenciado”.

Deferi a liminar para determinar que, da data daquela decisão em diante, sejam efetuados os repasses financeiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado (fls. 79-81v.).

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Notificado, o Sr. SECRETÁRIO ESTADUAL DA FAZENDA prestou informações, suscitando sua ilegitmidade passiva, e protestando, no mérito, pela denegação da segurança pleiteada (fls. 93-102v.; documentos nas fls. 103-112).

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL requereu seu ingresso no feito, nos termos do art. 7º, inc. II, da Lei n.º 12.016/2009, e interpôs agravo regimental em face da decisão que concedeu parcialmente a liminar postulada (fls. 115-127).

O Procurador-Geral Adjunto para Assuntos Jurídicos prestou informações pelo Sr. GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, arguindo, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, sob a alegação de ser genérico o pedido (fl s. 133-150; documentos nas fl s. 151-193). Estas informações foram ratifi cadas pelo Sr. GOVERNADOR DO ESTADO na petição da fl . 197.

Por sua vez, o Sr. SECRETÁRIO ESTADUAL DA SAÚDE prestou informações nas fls. 200-251, também suscitando preliminar de inépcia da inicial, nos mesmos moldes em que arguido pelo Sr. GOVERNADOR DO ESTADO, bem como sua ilegitimidade passiva (documentos nas fls. 252-299).

Em sessão realizada em 31 de agosto de 2015, à unanimidade, foi negado provimento ao agravo regimental interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (fls. 302-308v.).

O Ministério Público opina pela extinção do processo, sem resolução de mérito, no que tange ao Secretário de Estado da Fazenda e ao Secretário de Estado da Saúde, reconhecendo-se a ilegitimidade dessas autoridades para fi gurarem no polo passivo do presente mandamus, forte nos arts. 6º, § 5º, da Lei Federal n.º 12.016/2009, e 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, bem como pela concessão da segurança nos moldes pretendidos (fl s. 314-321).

É o relatório.

VOTOSDes. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator) – O MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

impetrou mandado de segurança contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, do SECRETÁRIO ESTADUAL DA FAZENDA e do SECRETÁRIO ESTADUAL DE SAÚDE em razão do contingenciamento dos repasses fi nanceiros mensais para o custeio dos serviços de saúde, o que tem, segundo alega, gerado enormes transtornos à prestação de tais serviços por parte do impetrante.

Inicialmente, impõe-se reconhecer a ilegitimidade dos Secretários Estaduais da Fazenda e de Saúde para fi gurar no polo passivo do presente mandado de segurança.

Com efeito, nos termos do art. 6º, §3º, da Lei n.º 12.016/2009, “considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.”. Nesse sentido, tem-se que, de acordo com o art. 82, inciso II, da Constituição Estadual1, compete ao Governador do Estado, privativamente, exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da Administração Estadual.

Logo, ainda que os Secretários de Estado prestem auxílio ao Governador no que tange ao exercício da direção geral, esta competência é privativa do Governador do Estado e, por sinal, é indelegável, consoante se depreende da leitura do § 1º do

1 – Art. 82. Compete ao Governador, privativamente: (...)

II- exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

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220 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

referido art. 822, o qual arrola as competências passíveis de delegação ao Vice-Governador e a Secretários de Estado, bem como ao Procurador-Geral do Estado - dentre as quais não está o exercício da direção superior da Administração Estadual.

Assim, é de rigor o reconhecimento da ilegitimidade passiva do Secretário Estadual de Educação, com a consequente denegação da segurança, nos moldes do art. 6º, § 5º, da Lei n.º 12.016/20093, por ser a ilegitimidade de parte causa para a extinção do processo sem julgamento de mérito na forma do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil4.

Passo ao exame da preliminar de inépcia de inicial suscitada pelo Sr. GOVERNADOR DO ESTADO, sob a alegação de o pedido alegadamente ser genérico. No entanto, esta prefacial é de ser rejeitada.

Analisando a petição inicial, é possível se inferir que o pedido do Município proponente diz respeito à pretensão de que sejam efetuados, na integralidade, os repasses de verbas devidos ao Município para custeio das ações e serviços de saúde, tudo em conformidade com as previsões constitucionais e infraconstitucionais que regem a máteria, citadas na exoridal.

Dessa forma, o pedido é certo e determinado, não havendo falar em generalidade do pedido e, consequentemente, em inépcia da inicial.

Superadas essas preliminares, passo ao exame da análise do mérito e adianto que assiste razão ao impetrante no que diz respeito à sua incoformidade.

Como já me pronunciei quando da apreciação do pedido liminar formulado neste mandamus, é inquestionável que as prestações na área de “saúde”, por parte dos entes federados, constituem um direito fundamental social, na dicção do art. 6º da Constituição Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)

2 – Art. 82. Compete ao Governador, privativamente: (...)

§1º - O Governador do Estado poderá delegar ao Vice-Governador e a Secretários de Estado, bem como ao Procurador-Geral do Estado, as atribuições previstas nos incisos VII e XVIII deste artigo, e ainda, caso a caso, a prevista no inciso XXI.3 – Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.

(...)

§ 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.4 – Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

(...)

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

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ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 221

Nesse mesmo sentido, o art. 23, e respectivo inc. II, da mesma Carta, dispõe que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar d a saúde”. Outrossim, calha salientar recentemente foi admitida, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a repercussão geral no RE 855.178/SE, que versa especificamente sobre a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde, em decisão que restou assim ementada:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)

Cumpre salientar que, quando do recebimento do aludido Recurso Extraordinário, o Excelentíssimo Ministro Relator Luiz Fux, ao manifestar-se pela existência de repercussão geral sobre o tema, já adiantou posicionar-se pela reafi rmação da jurisprudência daquela Corte, no sentido de admitir-se a solidariedade entre União, Estados e Municípios relativamente às prestações de saúde:

(...)Esse entendimento vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões, proferidas em sucessivos julgamentos sobre a matéria ora em exame, têm acentuado que constitui obrigação solidária dos entes da Federação o dever de tornar efetivo o direito à saúde em favor de qualquer pessoa, notadamente de pessoas carentes. Nesse sentido: AI 822.882-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 6/8/2014; ARE 803.274-AgR, Rel. Min. Teroi Zavascki, Segunda Turma, DJe 28/5/2014; ARE 738.729-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 15/8/2013; ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 3/2/2014; RE 716.777-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 16/5/2013; RE 586.995-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ 16.8.2011; RE 607.381-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011; RE 756.149-AgR, Rel. Min. Dias Toffol; Primeira Turma, DJ 18.2.2014; AI 808.059-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 2.12.2010.(...)Ex positis, demostrado que o tema constitucional versado nestes autos transcende interesse das partes envolvidas, sendo relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, manifesto-me pela existência de repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência sobre o tema (art. 543-A, § 1º, do CPC c/c art. 322, parágrafo único do RISTF).

Nesse contexto, é indisputável que haja o necessário e regular repasse das verbas indispensáveis ao atendimento da população, no que tange às demandas de saúde.

Aliás, não por outra razão é que a Constituição Federal estabelece o repasse de receitas oriundas da arrecadação de diversos tributos, como se depreende da leitura dos seguintes artigos que ora transcrevo:

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Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:(...)§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:(...)II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (grifei)Art. 158. Pertencem aos Municípios:(...)III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.Art. 159. A União entregará: I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:(...)II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados;III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.(...)§ 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do i nciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso.

Além de tais dispositivos constitucionais, também não se olvida que a Lei Complementar nº 141/2012, que “regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal

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para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fi scalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo”, determina a aplicação, pelos Estados e pelo Distrito Federal, do mínimo de 12% da arrecadação dos impostos em ações e serviços de saúde, assegurando o seu art. 19 que tais recursos deverão ser transferidos aos Municípios, segundo critérios estabelecidos em lei. Eis o teor do aludido artigo de lei:

Art. 19. O rateio dos recursos dos Estados transferidos aos Municípios para ações e serviços públicos de saúde será realizado segundo o critério de necessidades de saúde da população e levará em consideração as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica e espacial e a capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde, observada a necessidade de reduzir as desigualdades regionais, nos termos do inciso II do § 3º do art. 198 da Constituição Federal. § 1o Os Planos Estaduais de Saúde deverão explicitar a metodologia de alocação dos recursos estaduais e a previsão anual de recursos aos Municípios, pactuadas pelos gestores estaduais e municipais, em comissão intergestores bipartite, e aprovadas pelo Conselho Estadual de Saúde. § 2o O Poder Executivo, na forma estabelecida no inciso II do caput do art. 9º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, manterá o respectivo Conselho de Saúde e Tribunal de Contas informados sobre o montante de recursos previsto para transferência do Estado para os Municípios com base no Plano Estadual de Saúde. (grifei)

Por sua vez, o art. 20, caput, do mesmo diploma assegura que tais transferências dos Estados para os Municípios serão realizadas de forma regular e automática:

Art. 20. As transferências dos Estados para os Municípios destinadas a financiar ações e serviços públicos de saúde serão realizadas diretamente aos Fundos Municipais de Saúde, de forma regular e automática, em conformidade com os critérios de transferência aprovados pelo respectivo Conselho de Saúde.

Por todo o exposto, é evidente o direito líquido e certo do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE receber o repasse de receitas, na forma prevista na Constituição e nas normas infraconstitucionais referidas, para o custeio de ações e serviços públicos de saúde, devendo ser destacada, ademais, a absoluta imprescindibilidade do repasse reclamado pelo Município, sob pena de restar inviabilizada a prestação dos serviços de saúde na Capital, com reflexos em todo o Estado, pois é notório o atendimento, pelo impetrante, de pacientes de todo o interior, especialmente em serviços de maior complexidade.

Calha referir que não se desconhece a crise financeira pela qual atravessa o Estado do Rio Grande do Sul, porém, conforme já me manifestei quando do julgamento do agravo regimental n. 70065865701, interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da liminar concedida neste mandamus – ao qual foi negado provimento, à unanimidade, diga-se de passagem – o dever do Estado

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de prover a saúde da população decorre de norma constitucional, de modo que os repasses de valores pelo Estado do Rio Grande do Sul ao Município impetrante, previstos nas normas constitucionais e infraconstitucionais citadas, devem ser efetivados prioritariamente, a fi m de que se concretize esse direito fundamental social, com a prestação de serviços e atendimentos de saúde à população. Assim, eventual descumprimento da Constituição Federal e do regramento infraconstitucional pelo Estado do Rio Grande do Sul, no que tange à efetivação dos mencionados repasses, deve, sim, ser considerado como um ato ilegal, apto a ser impugnado por meio de mandado de segurança, ainda que o Estado passe por uma crise fi nanceira.

A propósito, friso que não é em outro sentido o parecer da lavra do em. Procurador-Geral de Justiça, então em exercício, PAULO EMILIO J. BARBOSA, cujo excerto peço vênia para transcrever, integrando seus bem lançados fundamentos às razões de decidir:

(...)Na hipótese em exame, viu-se que, efetivamente, o direito líquido e certo à percepção de verbas destinadas ao custeio da saúde pública do Município de Porto Alegre foi violado por ato do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, em decorrência do não repasse previsto na Lei Complementar Federal n.º 141/2012, de verbas dirigidas a seu custeio.Em contrapartida, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, além de refutar o direito do impetrante, sustentando não ter sido comprovado documentalmente o montante alegadamente devido, invocou as já conhecidas dificuldades financeiras como justificativa a ensejar eventual reconhecimento judicial de impossibilidade jurídica do pedido, caso em que restaria afastada a ilegalidade ou o abuso de poder pelo ato de não repasse integral dos valores devidos.Todavia, calha registrar, a despeito de consabido, que o direito ao repasse dos valores destinados ao custeio dos serviços municipais de saúde se encontra expressamente previsto na normativa de regência.Com efeito, estabelece a Constituição Federal, no que tange à prestação de serviços de saúde:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:(...).§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:(...).II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;(...).

Por seu turno, a Lei Complementar Federal n.º 141/2012, que regulamenta o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fi scalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e

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dá outras providências, estabelece critérios a serem necessariamente observados pelos gestores públicos, no que se refere às ações e serviços públicos de saúde.Dentre tais critérios, cumpre imprimir relevo àquele que dispõe que a alocação de recursos será pactuada entre os gestores estaduais e municipais, de modo que sejam conjuntamente estabelecidas as destinações orçamentárias a que fazem jus os Municípios.Assim prevê o artigo 19, parágrafo 1º, da Lei Complementar Federal n.º 141/2012:

Art. 19. O rateio dos recursos dos Estados transferidos aos Municípios para ações e serviços públicos de saúde será realizado segundo o critério de necessidades de saúde da população e levará em consideração as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica e espacial e a capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde, observada a necessidade de reduzir as desigualdades regionais, nos termos do inciso II do § 3º do art. 198 da Constituição Federal.§ 1º Os Planos Estaduais de Saúde deverão explicitar a metodologia de alocação dos recursos estaduais e a previsão anual de recursos aos Municípios, pactuadas pelos gestores estaduais e municipais, em comissão intergestores bipartite, e aprovadas pelo Conselho Estadual de Saúde.

Daí deflui que, efetivamente, o Município de Porto Alegre, ora impetrante, é titular do direito líquido e certo de receber os repasses para o custeio da saúde, na exata medida do pactuado entre os gestores estaduais e municipais, somente não fazendo jus à concessão da segurança na hipótese de a não transferência integral dos valores devidos se dar justificadamente, ou seja, sem que tenha a autoridade coatora agido com ilegalidade ou abuso de poder.Na hipótese vertente, contudo, restou inequívoco que a violação ao direito de recebimento dos repasses financeiros não se deu de forma justificada, já que a alardeada crise econômica atualmente enfrentada pelo Estado não se revela apta a afastar o aludido direito líquido e certo, notadamente em se tratando de direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o direito à saúde.E inegável que a concretização do direito à saúde interliga-se ao aporte adequado e suficiente de recursos públicos.De outra feita, é cediço que os orçamentos municipais, isoladamente, não dão conta do custo total da prestação desse serviço público, razão pela qual necessitam das transferências ora buscadas pelo impetrante, consideradas obrigatórias pela Lei ComplementarFederal n.º 141/2012, in verbis:

Art. 22. É vedada a exigência de restrição à entrega dos recursos referidos no inciso II do § 3º do art. 198 da Constituição Federal na modalidade regular e automática prevista nesta Lei Complementar, os quais são considerados transferência obrigatória destinada ao custeio de ações e serviços públicos de saúde no âmbito do SUS, sobre a qual não se aplicam as vedações do inciso X do art. 167 da Constituição Federal e do art. 25 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

E como corolário da circunstância de serem obrigatórios os repasses em liça, tem-se que não é dada ao gestor público a faculdade de efetuá-los, sendo pertinente, nesse particular, a lição de Regis Fernandes de Oliveira5, a seguir transcrita:

“(...) Anote-se, por apropriado, que não há como se fazer contingenciamento das denominadas receitas obrigatórias. Têm elas previsão constitucional (educação no art. 212 e saúde - § 2.º do art. 198) e legal (pagamento obrigatório e decorrente de lei dos servidores públicos), ao lado do pagamento do serviço da dívida (art. 9.º da LRF). Tais despesas são constitucional

5 – OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 468/469.

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ou legalmente obrigatórias, o que envolve a inadmissibilidade de sua limitação. Os demais gastos podem ser restringidos, quando haja insufi ciência na arrecadação de receitas, única viabilidade do contingenciamento.”

Na mesma linha, é o entendimento do Órgão Especial dessa Corte de Justiça, consonante se observa nos seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DETERMINAÇÃO DE MANUTENÇÃO DE REPASSES REGULARES E AUTOMÁTICOS DEVIDOS AO MUNICÍPIO.1.Ainda que se sejam públicas e notórias as dificuldades financeiras do Estado e ainda que se saiba que decisões judiciais não fazem com que o dinheiro apareça, fato é que, do ponto de vista jurídico, há um dever constitucional do senhor Governador de cumprir e fazer cumprir a legislação, honrando compromissos legalmente assumidos.2.Sempre que o Judiciário venha a ser acionado a respeito da interpretação e aplicação de previsões normativas expressas, sua resposta necessariamente deverá ser no sentido de que as normas legais devem ser cumpridas. Ao Judiciário não cabe abrir exceções nem tampouco autorizar seu descumprimento. No máximo, cabe declarar a presença de exceções legais, inocorrentes no caso.3.Se o Executivo realmente não dispuser de dinheiro em caixa para honrar seus compromissos, ele então adotará as medidas que entender necessárias ou inevitáveis, assumindo, porém, os ônus políticos e a responsabilidade jurídica daí decorrentes. Governar também significa enfrentar crises e assumir responsabilidades. Ao Judiciário é que falece legitimidade institucional para autorizar descumprimento de normas ou compactuar com isso.4.Um governante pode muito, mas não pode tudo. Ao Judiciário, quando acionado por alguém que esteja sofrendo, ou tema sofrer, uma violação a seus direitos, cabe não só fazer cessar atos contrários à ordem jurídica, como também compelir os entes públicos a fazerem aquilo que o mesmo ordenamento jurídico impõe. E isso pela simples razão de que a margem de manobra de um governante abrange atos tidos pela lei como discricionários, mas não alcança os atos administrativos vinculados, como é o caso. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Regimental nº 70065667032, Órgão Especial, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Eugênio Facchini Neto, Julgado em 17/08/2015)

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REPASSES FINANCEIROS MENSAIS DO ESTADO AO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE. LIMINAR CONCEDIDA PARA O EFEITO DE QUE OS REPASSES SEJAM EFETUADOS EM SUA INTEGRALIDADE, SOB PENA DE SEQÜESTRO DE VALORES, A PARTIR DA CONCESSÃO DA LIMINAR.1. Presente a aparência de bom direito e o risco na demora, tendo em vista que evidenciada a imprescindibilidade do repasse reclamado pelo Município impetrante, sob pena de restar inviabilizada a prestação dos serviços de saúde na Capital, com reflexos em todo o Estado - pois é notório o atendimento, pelo impetrante, de paciente de todo o interior, especialmente em serviços de maior complexidade -, é de ser mantida a decisão liminar proferida em sede de mandado de segurança, a fim de que sejam efetuados, da data daquele decisório em diante, os repasses financeiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao Município impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado.

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2. Inobstante o disposto no art. 1º da Lei n.º 8.437/1992 e no art. 2-B da Lei n.º 9.494/1997, aqui não há falar em impossibilidade de concessão da liminar, na medida em que não se está determinando ao Estado do Rio Grande do Sul o pagamento de quantia, mas tão somente o repasse de receitas que devem ser destinadas ao Município impetrante, para ações e serviços públicos de saúde, receitas essas cujo repasse é previsto na Constituição e nas normas infraconstitucionais.NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo Regimental nº 70065865701, Órgão Especial, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 31/08/2015).

Desse modo, além de o direito líquido e certo do impetrante de obter as transferências previstas na Lei Complementar Federal n.º 141/2012 ser inegável, também se mostra configurada a ilegalidade do não repasse, por parte do Governo do Estado, visto que, em se tratando de despesa obrigatória, não cabe a invocação da crise financeira enfrentada pelo Estado, como excludente de responsabilidade ou causa de inexigibilidade de cumprimento da obrigação, já que não é dado ao Poder Judiciário equilibrar as contas públicas, mas, sim, fazer valer o Direito aplicável ao caso concreto.Por derradeiro, considerando o preconizado pelos enunciados das Súmulas n.º 2696 e n.º 2717 do Supremo Tribunal Federal, a decisão deverá abarcar apenas as parcelas de repasse vincendas, visto que eventual cobrança de valores relativos à ausência de repasses pretéritos deverá ser buscada pelas vias próprias.

Desse modo, é de ser concedida parcialmente a segurança, no caso, a fim de que sejam efetuados, da data da decisão liminar proferida neste mandamus em diante, os repasses financeiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao Município impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado.

Não obstante isso, a questão envolvendo os repasses não realizados anteriormente à impetração deste mandado de segurança deverá ser levada às vias ordinárias, como já restou bem assinalado no parecer ministerial.

Deixo de impor multa, conforme requerido, por entendê-la incompatível com possível sequestro de valores (se necessário este) e também por não atender ao interesse público o comprometimento ainda maior do orçamento estadual.

Por tais fundamentos, reconhecendo a ilegitimidade passiva dos Secretários Estaduais de Saúde e da Fazenda, com a consequente denegação da segurança no ponto, nos moldes do art. 6º, § 5º, da Lei n.º 12.016/2009, CONCEDO PARCIALMENTE a segurança para determinar que sejam efetuados, da data da decisão liminar proferida neste mandamus em diante, os repasses financeiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao Município impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado.

Custas na forma da lei, não havendo condenação ao pagamento de honorários, na linha do enunciado das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.

6 – Súmula nº 269 do STF: “O mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança”.7 – Súmula nº 271 do STF: “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”.

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Des. Francisco José Moesch – Estou de acordo com o Relator.Merece acolhida a preliminar de ilegitimidade dos Secretários de Estado,

uma vez que autoridade coatora é aquela que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde por suas consequências administrativas, ou seja, a que tem sob sua responsabilidade a fiscalização do ato. No caso, a deliberação acerca dos repasses dos recursos previstos para execução dos serviços de saúde compete ao Governador do Estado.

Relativamente ao mérito, cumpre salientar que, pela primeira vez em nossa história, uma Constituição trata expressamente dos objetivos do Estado brasileiro. E, ao fazê-lo, erigiu a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos como objetivos republicanos (art. 3°, I e III).

De outra banda, fi cou plasmado que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República. E, mais, o direito à vida (art. 5°, caput) é direito fundamental do cidadão.

A proteção à inviolabilidade do direito à vida deve prevalecer em relação a qualquer outro interesse estatal, já que sem ela os demais interesses socialmente reconhecidos não possuem o menor significado ou proveito.

Não é difícil ver-se que não haverá sociedade justa e solidária, tampouco bem comum, se desassistidos restarem aqueles que necessitam da proteção concreta e efetiva do Poder Público.

No artigo 196, a Constituição reza que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Esta norma não há de ser vislumbrada como apenas mais uma regra jurídica inócua e sem efetividade. A saúde é direito de todos, direito inalienável e subjetivo, sendo que, em paralelo, é dever do Estado; se este não age no amparo da diretriz traçada pela regra, o direito à saúde do cidadão não será, por isto, afetado.

Na lição de Alexandre de Moraes8:

“a Constituição da República consagra ser a Saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fi scalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF, art. 197).”

Por seu turno, JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina:

“A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam” (Curso de Direito Constitucional Positivo – Malheiros – nona ed. pág. 707).

Rui Portanova (Motivações, p. 111) lembra-nos que “do Estado (e Poder Judiciário como órgão dele) espera-se a implementação de resultados a que se propôs, infl uenciando favoravelmente a vida do grupo social e de cada um dos seus componentes.

8 – MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2 ed. São Paulo: Atlas, p. 1926.

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A jurisdição é o momento de implementação, caso a caso, do clima social de justiça que o Estado se propôs a produzir em sociedade”. A preciosa lição obriga-se a fazer remissão ao art. 3º, I e III da Magna Carta.

A saúde, friso, é um direito de todos e dever do Poder Público. Assim, não há falar em normas meramente programáticas, até porque, à luz dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196, de nossa Constituição Federal, o direito à saúde, como espécie dos direitos sociais, resta incluído entre os direitos e garantias fundamentais e, portanto, tem aplicação imediata.

Deste modo, ainda que a crise financeira do Estado seja notória, não pode o ente público deixar de cumprir com o dever constitucional de propiciar os serviços de saúde, sendo que a não aplicação do mínimo enseja até mesmo a intervenção da União nos Estados, conforme previsto no art. 35, III, da CF.

Nesse alinhamento, decisões recentes deste Órgão Especial:

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. REPASSES DO ESTADO AO MUNICÍPIO REFERENTES À SAÚDE. PRINCÍPIO DA MÁXIMA PROPORCIONALIDADE. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. 1. É de ser mantida a decisão que deferiu em parte a liminar, no sentido de determinar que os repasses concernentes à saúde que deveriam ser feitos a partir do mês de setembro o fossem de forma integral. Nenhum argumento sustentado no agravo regimental é capaz de afastar o entendimento fi rmado na decisão ora agravada. 2. Prequestionamento. Prescindível a referência a todos dispositivos legais invocados pela parte. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO, UNÂNIME. (Agravo Regimental Nº 70066859687, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em 16/11/2015)

AGRAVO. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. CONSELHO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE - COSEMS/RS. AÇÃO PARA COMPELIR O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AO REPASSE DE VERBAS DE SAÚDE DESTINADAS AOS MUNICIPIOS. FALTA DE LEGITIMAÇÃO ATIVA. Não tem legitimação ativa para mandado de segurança coletivo, em face de ato do Governador do Estado, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, visto que a lei não lhe confere, e sequer isto está previsto expressamente no seu estatuto, a defesa judicial dos fi liados. Aliás, se ao Secretário Municipal, individualmente, em nome próprio ou de sua pasta, não é dado residir em juízo fi ns de obter repasse de verbas que, conquanto digam com sua esfera de atribuição, tem como interessado, em primeiríssimo lugar, o próprio Município, não se compreende como pudesse, a simples reunião de vários ou de todos os Secretários em torno de associação comum, viabilizar, encobertos pela coletivização da demanda, a satisfação desses mesmíssimos interesses. Incompatibilidade, ainda, segundo precedente do STJ, do regime de substituição processual de pessoa jurídica de direito público por entidade privada. Entendimento que levou ao indeferimento da inicial, com a consequente extinção do mandado de segurança, que se confi rma em sede de agravo. AGRAVO NÃO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70065818080, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 14/09/2015)

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REPASSES FINANCEIROS MENSAIS DO ESTADO AO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE. LIMINAR CONCEDIDA PARA O EFEITO DE QUE OS REPASSES SEJAM EFETUADOS EM SUA INTEGRALIDADE, SOB PENA DE SEQÜESTRO DE VALORES, A PARTIR DA CONCESSÃO DA LIMINAR.

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1. Presente a aparência de bom direito e o risco na demora, tendo em vista que evidenciada a imprescindibilidade do repasse reclamado pelo Município impetrante, sob pena de restar inviabilizada a prestação dos serviços de saúde na Capital, com refl exos em todo o Estado - pois é notório o atendimento, pelo impetrante, de paciente de todo o interior, especialmente em serviços de maior complexidade -, é de ser mantida a decisão liminar proferida em sede de mandado de segurança, a fi m de que sejam efetuados, da data daquele decisório em diante, os repasses fi nanceiros mensais, por parte do Estado do Rio Grande do Sul, destinados ao Município impetrante para o custeio dos serviços de saúde, em sua integralidade, sob pena de sequestro de valores nas contas do Estado. 2. Inobstante o disposto no art. 1º da Lei n.º 8.437/1992 e no art. 2-B da Lei n.º 9.494/1997, aqui não há falar em impossibilidade de concessão da liminar, na medida em que não se está determinando ao Estado do Rio Grande do Sul o pagamento de quantia, mas tão somente o repasse de receitas que devem ser destinadas ao Município impetrante, para ações e serviços públicos de saúde, receitas essas cujo repasse é previsto na Constituição e nas normas infraconstitucionais. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo Regimental Nº 70065865701, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 31/08/2015)

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDA LIMINAR. MUNICÍPIO DE SÃO BORJA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. IRREGULARIDADE NO REPASSE DE VERBAS PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AFRONTA AO ART. 198, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 20 DA LEI COMPLEMENTAR 141/2012. DESCUMPRIMENTO DE ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MUNICIPAIS ATRAVÉS DE RECURSOS PRÓPRIOS. FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM EM LIMINAR. DETERMINAÇÃO PARA QUE AS TRANSFERÊNCIAS FUTURAS SEJAM AUTOMÁTICAS E INTEGRAIS. POSTERGADA A ANÁLISE DAS VERBAS EM ATRASO PARA QUANDO DO JULGAMENTO DO MÉRITO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Regimental Nº 70066185281, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 31/08/2015)

No entanto, em sede de mandado de segurança não é possível efeito patrimonial retroativo. Interpretando os artigos 7º, II, e 15, da Lei 1.533/51, o STF editou a Súmula 271 do STF que diz o seguinte: concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria. Aliás, decorrência disso há também a Súmula 269: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança. Portanto, a determinação de que os repasses sejam automáticos integrais deve abranger tão-somente o período posterior ao ajuizamento.

A respeito do tema, cito decisão do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NEGATIVA DE REGISTRO A PENSÃO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. 1. A inércia da Corte de Contas, por mais de cinco anos, a contar da submissão do ato concessivo da pensão ao TCU, consolidou afi rmativamente a expectativa da pensionista

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quanto ao recebimento de verba de caráter alimentar. Esse aspecto temporal diz intimamente com: a) o princípio da segurança jurídica, projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do Estado de Direito; b) a lealdade, um dos conteúdos do princípio constitucional da moralidade administrativa (caput do art. 37). São de se reconhecer, portanto, certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público, mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder, como se dá com o ato formal de pensão. 2. A manifestação do órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto fi gura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade inter-subjetiva ou mesmo intergrupal. A própria Constituição Federal de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. Pelo que existe uma espécie de tempo constitucional médio que resume em si, objetivamente, o desejado critério da razoabilidade. Tempo que é de cinco anos (inciso XXIX do art. 7º e arts. 183 e 191 da CF; bem como art. 19 do ADCT). 3. O prazo de cinco anos é de ser aplicado aos processos de contas que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Transcorrido in albis o interregno qüinqüenal, é de se convocar os particulares para participarem do processo de seu interesse, a fi m de desfrutar das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (inciso LV do art. 5º). 4. A concessão do mandado de segurança, impetrado em 15 de janeiro de 2010, “não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria” (Súmula nº 271 do STF). 5. Segurança parcialmente concedida para garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa.(MS 28720, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 30-03-2012 PUBLIC 02-04-2012)

Por fim, as astreintes constituem meio de coerção e têm por objetivo compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação de fazer, determinada em título judicial, no prazo assinalado (CPC, art. 461-A c/c art. 461, §§ 4º e 5º).

Em que pese seja o arbitramento de multa, na maioria das vezes, meio eficaz para compelir ao cumprimento de decisão, na atual situação financeira do Estado do Rio Grande do Sul sua imposição não terá efeito prático imediato e acabará onerando ainda mais os cofres públicos.

Assim, nos termos do brilhante voto do Relator, acolho a preliminar e, no mérito, concedo parcialmente a segurança.

TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

– o –

Mandado de Segurança n. 70068024793 (n. CNJ: 0012673-59.2016.8.21.7000) – Órgão Especial

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO E DOS RECURSOS HUMANOS. ATOS DE NOMEAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DE ESTADO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. PRAZO DE VALIDADE NÃO

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EXPIRADO. NOMEAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRETERIÇÃO POR CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA OS CARGOS DO CONCURSO. OCORRÊNCIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

Manifesta a ilegitimidade passiva do Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos, sabido competir ao Governador do Estado o provimento dos cargos do Executivo (art. 82, XVIII, CE/89), impõe-se a extinção do writ em relação a ele, sem julgamento do mérito (art. 485, VI, CPC/15).

A nomeação de candidatos aprovados em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital não elide a discricionariedade da Administração Pública de avaliar o momento em que, dentro do prazo de validade do certame, as nomeações serão realizadas.

Hipótese em que, embora se esteja dentro do prazo de validade do concurso público, infere-se ter ocorrido preterição dos candidatos aprovados no certame pelas contratações emergenciais materializadas no curso do concurso público, levando a que se reconheça, como proclamado em outros precedentes do Órgão Especial relativamente ao mesmo certame, direito subjetivo do impetrante à nomeação.

Luciano Silva dos Santos, impetrante – Secretario de Estado da Admin e dos Recursos Humanos e Governador do Estado, coatores.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, em decretar a ilegitimidade passiva do Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos e em conceder a segurança.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DESEMBARGADORES LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI (PRESIDENTE), ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, SYLVIO BAPTISTA NETO, RUI PORTANOVA, FRANCISCO JOSÉ MOESCH, NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS, MARCO AURÉLIO HEINZ, LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, CARLOS CINI MARCHIONATTI, CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO, IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, MARILENE BONZANINI, PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, GELSON ROLIM STOCKER, CATARINA RITA KRIEGER MARTINS, DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO, RICARDO TORRES HERMANN, ALBERTO DELGADO NETO (IMPEDIDO), ANA PAULA DALBOSCO E ADRIANA DA SILVA RIBEIRO.

Porto Alegre, 18 de abril de 2016.Arminio José Abreu Lima da Rosa, Relator.

RELATÓRIODes. Arminio José Abreu Lima da Rosa (Relator) – Trata-se de mandado

de segurança impetrado por LUCIANO SILVA DOS SANTOS contra ato do SECRETARIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO E DOS RECURSOS HUMANOS e do GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

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Refere ter sido aprovado no Concurso Público aberto pelo Edital nº 01/2014, da Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos – SARH, para o cargo de Engenheiro Civil, anotando que, muito embora classifi cado em 7º lugar, na classifi cação geral, para a qual foram destinadas 50 vagas (fora as vagas destinadas a portadores de defi ciência e a negros e pardos, 4 e 8 vagas, respectivamente), homologado resultado fi nal do concurso os impetrados ainda não nomearam nenhum dos aprovados, optando por permanecer com o quadro de servidores temporários.

Menciona publicação da Lei nº 13.878, de 29 de dezembro de 2011, autorizando o Poder Público a contratar, em caráter emergencial e por tempo determinado, para exercerem funções na Secretaria de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano, 39 Engenheiros Civis, 2 Engenheiros Agrônomos, 3 Engenheiros Agrimensores, 7 Engenheiros Elétricos, 1 Engenheiro Mecânico, 1 Geólogo e 1 Biólogo, contratação inicialmente prevista para o prazo de 12 meses, podendo ser prorrogada por igual período, caso permanecesse a necessidade da contratação temporária em face da inexistência de banco de concursados aptos à nomeação.

Bem como da Lei nº 14.545, de 13 de junho de 2014, autorizando o Poder Executivo a prorrogar os contratos de que trata a Lei nº 13.878, pelo prazo de até 12 meses.

Destaca, no entanto, previsão contida no art. 3º deste último diploma legal, no sentido de que “os contratados, cujos contratos são prorrogados por esta Lei, deverão ser substituídos por servidores concursados, à medida em que forem sendo nomeados servidores aprovados em concurso público”, dispositivo legal que, segundo refere, tem sido ignorado pelos impetrados.

Registra que para o cargo de Engenheiro Civil, existem 32 engenheiros civis contratados temporariamente, com contrato até 2016, mesmo com o concurso estando devidamente homologado e existindo 62 vagas para engenheiros civis disponíveis.

Discorre sobre o cabimento da ação de segurança e o direito líquido e certo à nomeação para o cargo de Engenheiro Civil, na medida em se classificou dentro do número de vagas disponíveis no edital, não sendo nomeado por ato ilegal do Poder Público que permanece com contratados temporários em seu quadro, mesmo existindo concursados disponíveis a nomeação.

Invoca artigos 37, IV e IX, CF e 19, IV, Constituição Estadual, colaciona julgados e pugna pela concessão da segurança, o fim de ser nomeado para o cargo de Engenheiro Civil. Pede gratuidade de justiça (pp. 04 a 294).

Indeferida a liminar pleiteada, mas concedida a gratuidade de justiça (pp. 299 a 330) vieram informações.

Primeiro as do Secretário de Estado, prestadas por meio do Of. Gab nº 830/2016, ao que tudo indica incompleta, seguida de documentos (pp. 316 a 327).

Na sequência, as do Governador do Estado, prestadas por meio da Procuradoria-Geral do Estado, no Of. PGA-AJ nº 116/16, nelas sustentando a ausência de direito líquido e certo do impetrante à nomeação imediata.

Enfatiza a discricionariedade do momento da nomeação dos aprovados durante a vigência do concurso, homologado em 21.09.2015, e com validade até 21.09.2017, caso não seja futuramente renovado por igual período, descabendo ao Poder Judiciário a análise da oportunidade e da conveniência do ato administrativo. Acrescenta não ter sido nomeado nenhum dos candidatos aprovados, inclusive em razão das disposições dos Decretos Estaduais nºs 52.230/2015, 52.443/2015 e 52.862/2016, assinalando que, ao dar início às nomeações, a Administração deverá observar a ordem de classificação.

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Igualmente esclarece que a contratação de servidores emergenciais não importa preterição do impetrante, na medida em que realizadas antes da homologação do concurso, não celebradas quaisquer contratações durante o período de validade do certame.

Destaca, ainda, inexistir direito líquido e certo à nomeação, mesmo que aprovado impetrante dentro do número de vagas, ressaltando, a par da discricionariedade do momento da nomeação dos aprovados durante a vigência do concurso, como ao início referido, a possibilidade de a Administração, em situações excepcionais, plenamente justifi cáveis, deixar de nomear os aprovados. No ponto, reporta-se ao entendimento fi rmado pelo STF no RE nº 598.099-MS, GILMAR MENDES, recordando crise econômica por que passa o Estado e a falta de recursos fi nanceiros para fazer frente às despesas existentes, situação excepcional, posterior ao edital do concurso, já tendo sido ultrapassado o limite máximo estabelecido no art. 23 da Lei Complementar nº 101/2000. Ao que acrescenta julgados do STJ em que reconhecida a inexistência do dever de nomear quando a Administração comprova a impossibilidade orçamentária para a realização do ato por ter atingido o limite prudencial do art. 22 da Lei Complementar nº 101/2000 (RMS nº 97.700-RO, MAURO CAMPBELL MARQUES; e RMS nº 36.742-DF, MAURO CAMPBELL MARQUES). E pugna pela denegação da segurança (pp. 331 a 367).

O Estado do Rio Grande do Sul requereu seu ingresso no feito, na forma do art. 7º, II, Lei nº 12.016/2009 (p. 371), o que foi acolhido (p. 375).

Parecer do Dr. Procurador-Geral, em exercício, é pela (1) extinção do feito, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva, em relação ao Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos; e (2) denegação da ordem.

É o relatório.

VOTOSDes. Arminio José Abreu Lima da Rosa (Relator) – Quanto ao Secretário de

Estado da Administração e dos Recursos Humanos, sabido competir ao Governador do Estado o provimento dos cargos do Executivo, manifesta a sua ilegitimidade passiva.

Por certo, ocasionalmente, poderá tal autoridade delegar a secretários o ato de nomeação dos novos funcionários públicos.

Entretanto, não há nos autos qualquer indicativo de que tenha ocorrido dita delegação.

Por isso, na esteira da firme jurisprudência deste Órgão Especial (dentre outros, MS nº 70065659849, MARCELO BANDEIRA PEREIRA; MS nº 70064811359, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS; MS nº 70066173550, ISABEL DIAS ALMEIDA; MS nº 70064136914, TÚLIO OLIVEIRA MARTINS), estou proclamando sua ilegitimidade passiva, extinguindo o processo em relação a ele, na forma do art. 485, VI, CPC/15.

Agrego, ainda, as razões constantes do parecer ministerial, da lavra do Dr. PAULO EMÍLIO J. BARBOSA:

“2. De plano, merece reconhecimento a ilegitimidade passiva do Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos para fi gurar no polo passivo da lide, o que torna desnecessária sua intimação para complementar a juntada de suas informações.Com efeito, a Constituição Estadual, em seu artigo 82, dispõe sobre as competências privativas do Governador do Estado, preceituando, expressamente, que:

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:I - nomear e exonerar os Secretários de Estado;II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

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III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;IV - sancionar projetos de lei aprovados pela Assembléia Legislativa, promulgar e fazer publicar as leis;V - expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis;VI - vetar, total ou parcialmente, projetos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa;VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;VIII - decretar e executar intervenção em Município, nos casos e na forma previstos na Constituição Federal e nesta Constituição;IX - expor, em mensagem que remeterá à Assembléia Legislativa por ocasião da abertura da sessão anual, a situação do Estado e os planos do Governo;X - prestar, por escrito e no prazo de trinta dias, as informações que a Assembleia solicitar a respeito dos serviços a cargo do Poder Executivo;XI - enviar à Assembleia Legislativa os projetos de lei do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais, previstos nesta Constituição;XII - prestar à Assembleia Legislativa, até 15 de abril de cada ano, as contas referentes ao exercício anterior e apresentarlhe o relatório de atividades do Poder Executivo, em sessão pública;XIII - exercer o comando supremo da Brigada Militar, proverlhe os postos e nomear os oficiais superiores para as respectivas funções;XIV - nomear o Procurador-Geral do Estado, o Procurador-Geral de Justiça e o Defensor Público-Geral do Estado, na forma prevista nesta Constituição; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 50, de 24/08/05)XV - atribuir caráter jurídico-normativo a pareceres da Procuradoria-Geral do Estado, que serão cogentes para a administração pública;XVI - nomear magistrados, nos casos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição;XVII - nomear os Conselheiros do Tribunal de Contas, observado o disposto no art. 74;XVIII - prover os cargos do Poder Executivo, na forma da lei;XIX - conferir condecorações e distinções honoríficas;XX - contrair empréstimos e realizar operações de crédito, mediante prévia autorização da Assembleia Legislativa;XXI - celebrar convênios com a União, o Distrito Federal, com outros Estados e com Municípios para a execução de obras e serviços;XXII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.§ 1º - O Governador do Estado poderá delegar ao Vice-Governador e a Secretários de Estado, bem como ao Procurador-Geral do Estado, as atribuições previstas nos incisos VII e XVIII deste artigo, e ainda, caso a caso, a prevista no inciso XXI.[...].

Nessa linha, pode o Chefe do Poder Executivo Estadual delegar, no todo ou em parte, e dentro dos limites estabelecidos pela Carta Estadual, atribuições que lhe são privativas, especifi camente quanto à disciplina da organização e funcionamento da administração estadual e provimento dos cargos do Poder Executivo ou, ainda, e aí caso a caso, relativamente à celebração de convênios com a União, o Distrito Federal, outros Estados e Municípios para a execução de obras e serviços.Apesar da possibilidade de delegação da atribuição de prover os cargos do Poder Executivo, desconhece-se a existência de qualquer ato administrativo conferindo tal competência ao Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos, autoridade também apontada como coatora no presente mandamus.

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Em sendo assim, é de ser tido como parte passiva ilegítima para figurar na relação jurídica processual.Nesse sentido, a jurisprudência dessa Corte:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTÉRIO. PRETERIÇÃO EM FACE DE CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO PARA ATOS DE NOMEAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO. ART. 82, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO CORRIGIR DE OFÍCIO O PÓLO PASSIVO DO MANDAMUS. AUSÊNCIA DE UMA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE. EXTINGUIRAM O MANDADO DE SEGURANÇA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. UNÂNIME. (Mandado de Segurança Nº 70026786939, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 13/03/2009)

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROCESSO SELETIVO PARA O PREENCHIMENTO DO CARGO DE AGENTE PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CANDIDATOS APROVADOS NO CURSO DE FORMAÇÃO. ANULAÇÃO PARCIAL DO EXAME PSICOLÓGICO - TESTE SZONDI. NOMEAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA GOVERNADORA DO ESTADO. A pretensão emoldurada na presente ação mandamental é a nomeação dos impetrantes no cargo de Agente Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul, ato este que, à luz do art. 82, XVIII, da Constituição Estadual, é de competência privativa da Governadora do Estado, não restando demonstrada delegação ao Secretário de Estado da Justiça e da Segurança para efetivar as nomeações, o que, por certo, afastaria a legitimidade da Senhora Governadora para fi gurar no pólo passivo desta demanda. A aprovação no Curso de Formação (fase V) até pode dar direito à aprovação no certame, mas não gera, por si só, direito líquido e certo à nomeação. Hipótese em que, face da anulação parcial do exame psicológico (fase III), foram os candidatos convocados para realizar um outro teste de personalidade em substituição ao Szondi Trieb Test, e, desta vez, diante da aprovação de candidatos antes reprovados nessa etapa, não obtiveram os impetrantes classifi cação dentro do número de vagas previstas no Edital de abertura do certame. Direito líquido e certo à nomeação não confi gurado. PRELIMINAR REJEITADA. SEGURANÇA DENEGADA. UNÂNIME. (Mandado de Segurança Nº 70019902279Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 01/10/2007)

Logo, ausente legitimidade do Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos para figurar no pólo passivo do presente writ1, impõe-se a extinção do feito, sem resolução do mérito, em relação a ele.”

1 – 1 Nessa linha, o ensinamento de Menezes Direito:

[...].

É preciso ter atenção para que seja corretamente identifi cada a autoridade coatora. É ela, sempre, aquela que ordena ou emite a prática do ato impugnado. Em uma palavra, a autoridade coatora é a responsável pelo ato lesivo. Dessa maneira, não é autoridade coatora o simples executor, mas, sim, aquele que tem, concretamente, a responsabilidade de praticar o ato e a competência para suspendê-lo, assumindo, portanto, suas consequências. Como afi rma Hely Lopes Meireles, a autoridade coatora ‘é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especifi camente a execução ou inexecução do

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Já quanto ao Governador do Estado, cuja legitimação passiva há de se reconhecer, estou concedendo a segurança.

Quanto ao tema de fundo, é firme a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a nomeação de candidatos aprovados em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital não elide a discricionariedade da Administração Pública de avaliar o momento em que, dentro do prazo de validade do certame, as nomeações serão realizadas.

Por todos, cito o RE nº 598.099-MS, GILMAR MENDES, julgado em 10.08.2011, no qual reconhecida existência de repercussão geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS.I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL.Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA.O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos.III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO.Quando se afi rma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifi quem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público.

ato impugnado e responde pelas suas consequências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela [...] (MENEZES DIREITO, Carlos Alberto. Manual do Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 101/102).

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Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justifi car o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justifi cadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, difi culdade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário.IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO.Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confi ança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público.V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

Entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, como se infere dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO AINDA NÃO EXPIRADO. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. JORNADA DE TRABALHO SUPERIOR À PREVISTA NO CONTRATO OU DESVIO DE FUNÇÃO NÃO CONFIGURADO. PROFESSOR ASSISTENTE OU EFETIVO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 07/STJ.INCIDÊNCIA.I - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a nomeação de candidatos aprovados em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital não elide a discricionariedade da Administração Pública

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de avaliar o momento em que, dentro do prazo de validade do certame, as nomeações serão realizadasII - O recurso especial, interposto pelas alíneas a e/ou c do inciso III do art. 105 da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte, a teor da Súmula n. 83.III - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que consignou que não há nos autos qualquer prova que vicie o contrato temporário celebrado, bem como que não foi demonstrado nos autos que o Autor cumpria jornada de trabalho superior à prevista no contrato ou o desempenho de função de Professor Assistente ou efetivo, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 07 do Superior Tribunal de Justiça.IV - O Agravante não apresenta, no regimental, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada.V - Agravo Regimental improvido.(AgRg no AREsp 257.814/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 05/02/2016)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO OMISSIVO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO MPOG PARA PROVIMENTO DAS VAGAS. PRETERIÇÃO POR CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA OS CARGOS DO CONCURSO. NÃO COMPROVAÇÃO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO AINDA NÃO EXPIRADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.1.A alegada preterição não foi devidamente comprovada nos autos, principalmente no que diz respeito à contratação temporária de pessoal para o exercício de atividades típicas e inerentes do cargo almejado.2. Enquanto não expirado o prazo de validade do concurso público, o candidato aprovado, ainda que dentro do número de vagas, possui mera expectativa de direito à nomeação, que dependerá do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública. Precedentes: RMS 33.925/ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 02/02/2012; RMS 32.574/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, Primeira Turma, DJe 13/09/2011, AgRg no RMS 33.951/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 05/09/2011.3. Mandado de segurança denegado.(MS 18.623/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 02/04/2014)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. PRAZO DE VALIDADE NÃO EXPIRADO. EXPECTATIVA DE DIREITO.1. Trata-se de Mandado de Segurança no qual a impetrante alega ter sido aprovada dentro do número de vagas em concurso para provimento de cargo de Assistente Técnico de Gestão em Pesquisa e Investigação Biomédica, sem a respectiva nomeação.2. Enquanto não expirado o prazo de validade do concurso público, o candidato aprovado dentro do número de vagas possui mera expectativa de direito à nomeação, a ser concretizado conforme juízo de conveniência e oportunidade.3. Segurança denegada.(MS 18.717/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 05/06/2013)

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Ou seja, num giro expressivo da jurisprudência que se formara quanto ao tema, da mera expectativa de direito à nomeação, passaram os aprovados no concurso público a desfrutar de nítido direito subjetivo à nomeação, que há de se materializar no prazo de validade.

Apenas diante de circunstâncias (1) supervenientes; (2) imprevisíveis; (3) de manifesta gravidade; e (4) atraindo necessidade de medidas excepcionais é que poderá a Administração Pública, de forma transparente, pública, motivada, deixar de efetivar as nomeações no referido lapso.

Tal debate não se coloca no caso concreto, cumprindo destacar que se está dentro do prazo de validade do concurso público, uma vez que este foi homologado, segundo informado pela Procuradoria-Geral do Estado, em 21.09.2015, data em que publicado o Edital nº 26/2014 no Diário Oficial do Estado, correndo, a partir daí, o biênio para a nomeação.

Com o que, o debate centraliza-se na existência, ou não, de preterição daqueles aprovados no certame mediante contratações emergenciais.

Por certo, invoca Estado do Rio Grande do Sul que as contratações emergenciais são anteriores à homologação do concurso público, no que encontra respaldo no parecer ministerial.

Está claro, como também já dito e redito neste mesmo órgão jurisdicional, ofende o direito à nomeação, relativamente aqueles que se submeteram ao certame e nele lograram aprovação, o mecanismo da contratação emergencial destinada a suprir as funções dos cargos constantes do certame (irrelevante que esta se verifique com ou sem competitório).

No particular, lembro recente precedente deste Plenário, qual seja o MS nº 70058716622, de que fui relator e que consta assim ementado:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DETRAN. TÉCNICO SUPERIOR. CLASSIFICAÇÃO NAS VAGAS DE RESERVA. CONTRATAÇÕES EMERGENCIAIS E PRETERIÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.A Administração Pública tem o dever de nomear candidatos aprovados em concurso público, sendo certo assentar como primeira baliza o número de vagas previstas no edital.Nomeados no concurso promovido pelo Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Rio Grande do Sul, quanto a cargo de Técnico Superior, os candidatos aprovados, na devida ordem de classifi cação, com exaurimento das vagas constantes do edital (150), nem por isso se justifi cava a reiteração de contratações emergenciais e, mais, novas contratações, estas ainda após a homologação do concurso, em detrimento daqueles que se classifi caram no cadastro de reserva.A preterição dos concursados confi gura direito subjetivo dos impetrantes à nomeação.

No caso dos autos, por certo, não há contratações emergenciais após a homologação do concurso, mas tal ocorreu quando já o mesmo fora deflagrado.

Com efeito, primeiro as contratações emergenciais tiveram início com a Lei Estadual nº 13.878, de 29.12.11.

Mas, publicado o Edital nº 01/2014, em data de 30.05.14, a posterior autorização para prorrogações de tais contratos, advinda com a Lei Estadual nº 14.545, de 13.06.14, haveria que se restringir ao lapso sufi ciente para a ultimação do concurso,

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imprópria a contratação por prazo determinado sem tal condicionamento, sob pena de ofender-se a confi ança daqueles que investiram suas disponibilidades físicas e materiais fi ados na boa-fé da Administração Pública, incompatível com manter contratados emergencialmente quando já há aprovados no concurso público.

Uma vez configurada a preterição, desvaliosa a invocação de disposições dos Decretos Estaduais nºs 52.230/2015, 52.443/2015 e 52.862/2016 e argumentos de já ter sido atingido o limite prudencial do art. 22 e providências do art. 23, ambos da Lei Complementar nº 101/2000.

Quanto à situação individual do impetrante, o parecer ministerial a precisa com segurança:

“No caso em testilha, o impetrante foi aprovado no concurso público aberto pelo Edital n.º 01/2014 para o cargo de Engenheiro Civil, tendo obtido o 7º lugar na classificação geral, tendo sido disponibilizadas 50 vagas para esse cargo em ampla concorrência.O certame, além disso, foi devidamente homologado em 21 de setembro de 2015, tendo validade por 02 anos.A documentação acostada não deixa dúvida, assim, de que o impetrante, efetivamente, foi aprovado no certame e dentro do número de vagas destinadas, expressamente, no Edital para o cargo de sua escolha, o que lhe dá direito à nomeação.”

Agrego já ir se formando jurisprudência quanto ao direito à nomeação dos aprovados no concurso público do Edital nº 01/2014.

Com efeito, na assentada de 04.04.2016, por ocasião do julgamento do MS nº 70066344995, CATARINA RITA KRIEGER MARTINS, este Órgão Especial determinou a imediata nomeação de candidata aprovada nas vagas reservadas:

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. CONCURSO PÚBLICO. PODER EXECUTIVO. CARGO: ENGENHEIRO CIVIL. CANDIDATA IMPETRANTE APROVADA DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS INICIALMENTE PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DE CONTRATAÇÕES EMERGENCIAIS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO. CONTRATAÇÃO E PRORROGAÇÃO DA DURAÇÃO DOS CONTRATOS AUTORIZADAS POR LEI. PREVISÃO EXPRESSA DE SUBSTITUIÇÃO DOS SERVIDORES PRECARIAMENTE CONTRATADOS PELOS CONCURSADOS. VINCULAÇÃO DO ADMINISTRADOR A REALIZAR AS NOMEAÇÕES MESMO ANTES DE ENCERRADO O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MANUTENÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS QUE CONFIGURA PRETERIÇÃO E POSSIBILITA A NOMEAÇÃO IMEDIATA DA IMPETRANTE. INEXISTÊNCIA DE DESRESPEITO À ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO QUANDO A NOMEAÇÃO DO CANDIDATO APROVADO DECORRE DE ORDEM JUDICIAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECENTE PRECEDENTE DO ÓRGÃO ESPECIAL.(...)3. MÉRITO:Na condição de aprovada dentro do número de vagas especifi cado no edital de abertura do concurso público, a parte impetrante possui direito subjetivo público de ser nomeada, pela autoridade competente, dentro do prazo de validade do certame (Recurso Extraordinário n.º 598.099, do Supremo Tribunal Federal), estando o administrador vinculado a realizar tal nomeação, possuindo, como regra, discricionariedade somente quanto ao momento em que a fará (limitada ao prazo de validade).

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No caso concreto, no entanto, além da cabal comprovação da aprovação da impetrante dentro desse número de vagas, está igualmente demonstrado que, seja do ponto de vista legal, seja sob o prisma constitucional, a manutenção de contratos emergenciais em número superior à ordem de classificação obtida pela candidata caracteriza a sua preterição, mostrando-se ilegal e inconstitucional a reiterada omissão do administrador que contraria, na hipótese, o interesse público e revela flagrante violação ao princípio do concurso público, legitimando a tomada de ordem judicial que determine a nomeação imediata, a despeito da discricionariedade apriorística, nos exatos termos em que requerido na petição inicial.(...)

Aliás, quanto ao mesmo concurso do Edital nº 01/2014, embora outro cargo, também este Órgão Especial entendeu flagrada preterição de candidatos nele aprovados, tal como está no MS nº 70067446104, ALBERTO DELGADO NETO:

MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONHECIDA A ILEGITIMIDADE DO SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO E DOS RECURSOS HUMANOS. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO. CONTRATAÇÃO CONTEMPORÂNEA PARA EXERCER A MESMA ATIVIDADE. PRETERIÇÃO COMPROVADA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.(...)MÉRITO. Caso dos autos em que presente o direito líquido e certo do impetrante, aprovado em primeiro lugar em certame público em vaga específica para cotistas, à nomeação para o cargo, porque existente preterição. Demonstração probatória de que há contratações às vésperas da homologação do concurso de cargos comissionados (substituindo contratações emergenciais dispensadas, com troca de vínculo e manutenção da pessoa contratada) que, na prática, exercem as mesmas atividades do cargo para o qual houve a aprovação.

Com o que, estou concedendo a segurança, determinando a imediata nomeação do impetrante.

TODOS OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

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JURISPRUDÊNCIACRIMINAL

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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE

Embargos Infringentes e de Nulidade n. 70066090440 (n. CNJ: 0294422-51.2015.8.21.7000) – 3º Grupo Criminal – Pelotas

EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO PENAL. DETRAÇÃO. DELITO COMETIDO DEPOIS DA PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM PROCESSO DIVERSO, NO QUAL SOBREVEIO SENTENÇÃO ABSOLUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 42 DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES STJ E DESTA CORTE.

Admite-se a detração de período relativo à prisão cautelar em processo diverso desde que o delito em relação ao qual resultou condenação e imposição de pena privativa de liberdade tenha sido cometido antes da prisão preventiva e desde que, naquele processo, o apenado tenha sido absolvido ou tenha sido extinta a punibilidade. Precedentes STJ e desta Corte de Justiça.

Não preenchidos tais requisitos pelo embargante, tendo em vista que o crime pelo qual cumpre pena foi praticado em data posterior ao período de segregação cautelar, impõe-se confirmar a decisão que desacolheu o pedido.

EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. POR MAIORIA.

Eduardo Patrick Cuba Pereira, embargante – Ministerio Publico, embargado.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes do Terceiro Grupo Criminal

do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em desacolher os Embargos Infringentes, vencidos a Desembargadora Genacéia da Silva Alberton e o Desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON (PRESIDENTE), DES.ª BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH, DES. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, DES.ª LIZETE ANDREIS SEBBEN E DES.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES.

Porto Alegre, 18 de setembro de 2015.André Luiz Planella Villarinho, Relator.

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RELATÓRIODes. André Luiz Planella Villarinho (Relator) – Trata-se de embargos

infringentes opostos por EDUARDO PATRICK CUBA PEREIRA contra o acórdão que, à unanimidade, julgou prejudicado em parte o agravo em execução e, na outra parte, por maioria, composta pelos eminentes Desembargadores Aymoré Roque Pottes de Mello e Bernadete Coutinho Friedrich, negou-lhe provimento, vencido o eminente Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, que provia o recurso para conceder ao apenado, no âmbito do PEC n.º 115665-9, a detração do período de 11/02/2014 a 13/05/2014, atinente ao processo-crime n.º 022/2.14.0001434-0 (fls. 46-51v.).

Em suas razões (fl s. 59-60), a Defesa sustenta que a detração em caso de improcedência da ação penal que ensejou a prisão cautelar é medida que observa o princípio da restauração compensatória da liberdade suprimida. Aduz que nenhum agente iria cometer novo delito considerando que já possui crédito de pena em seu favor. Pugna pelo acolhimento dos embargos, com a prevalência do voto vencido.

Recebidos os embargos (fl. 62).Com vista ao Ministério Público, o eminente Procurador de Justiça, Dr. Roberto Claus

Radke exarou parecer pelo desacolhimento dos embargos infringentes (fl s. 65-66).Este Terceiro Grupo Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo

TJRGS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 170, inciso II, do RITJRS.

É o relatório.

VOTOSDes. André Luiz Planella Villarinho (Relator) – EDUARDO PATRICK CUBA

PEREIRA, por meio da Defensoria Pública, opõe embargos infringentes em face do acórdão proferido no Agravo em Execução nº 70064715386, Relator o eminente Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, que, à unanimidade, julgou prejudicado em parte o agravo em execução e, na outra parte, por maioria, composta pelo Relator e pela eminente Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, negou provimento ao recurso, restando vencido o ilustre Desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, que provia o agravo para conceder ao apenado, no âmbito do PEC n.º 115665-9, a detração do período de 11/02/2014 a 13/05/2014, atinente ao processo-crime n.º 022/2.14.0001434-0 (fls. 46-51v.).

No caso, o ora embargante requereu no Juízo da Execução a detração do período de prisão cautelar decretada no processo n.º 022/2.14.0001434-0, relativa ao período compreendido entre os dias 11.02.2014 a 13.05.2014, e a concessão das saídas temporárias, tendo o primeiro pedido sido indeferido porque o período a ser detraído é anterior ao início da execução da pena que o reeducando cumpre no processo nº 022/2.14.0008021-0, e o segundo porque o apenado não havia cumprido 1/6 da pena para obtenção do benefício (fls. 24-25).

Interposto recurso (razões às fl s. 09-13), por ocasião do julgamento pela Colenda 6ª Câmara Criminal, foi julgado prejudicado em parte o agravo em execução quanto ao pleito de saídas temporárias, e, na outra parte, por maioria, o recurso restou desprovido, ao efeito de manter a decisão exarada na origem (fl s. 45-51v.).

Entretanto, estabeleceu-se a divergência, vez que o eminente Desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório dava provimento ao agravo, para conceder ao

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JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL 247

apenado, no âmbito do PEC n.º 115665-9, a detração do período de 11/02/2014 a 13/05/2014, atinente ao processo-crime n.º 022/2.14.0001434-0 (fls. 46-51v.).

Acerca do tema, admite-se a aplicação da detração relativa ao tempo de prisão cautelar decretada em processo diverso, desde que o crime pelo qual o apenado foi condenado à pena privativa de liberdade tenha sido cometido antes da data do delito que originou o decreto de prisão cautelar e desde que neste processo a sentença tenha sido de absolvição ou de extinção da punibilidade.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. DETRAÇÃO. TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA EM PROCESSO DIVERSO DO QUE ENSEJOU A CONDENAÇÃO. DATA DO CRIME QUE GEROU A CONDENAÇÃO DEVE SER ANTERIOR AO PERÍODO REQUERIDO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.[...]2. Pacífico o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o tempo de prisão provisória, ocorrida em processo diverso daquele cujo delito ensejou a condenação criminal, somente pode ser considerado para fins de detração da pena, se a data do cometimento do crime a que se refere a execução for anterior ao período requerido. Na espécie, tendo o paciente permanecido preso cautelarmente por outros feitos criminais no período de 31/5/2006 a 29/7/2006 e 24/12/2006 a 27/12/2006, inviável a detração da pena, se a condenação criminal se deu por delito praticado em 2/3/2009.3. Habeas corpus não conhecido.(HC 262586/RS, Quinta Turma, relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, Dje 10.06.2013).

A propósito, esta Corte de Justiça:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. PEDIDO DE DETRAÇÃO INDEFERIDO NA ORIGEM. PRISÕES CAUTELARES ANTERIORES AO FATO PELO QUAL O APENADO CUMPRE A PENA ATUAL. IMPOSSIBILIDADE. A detração de período relativo a prisão em processo diverso somente é possível quando o delito pelo qual o agravante cumpre a pena atual tenha sido cometido antes daquela segregação. Caso em que as prisões cautelares referentes aos processos nº 20504058550, 20501349856 e 20504528131 ocorreram anteriormente ao delito cuja pena é objeto da presente execução. AGRAVO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70061617635, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 15/10/2014).

AGRAVO EM EXECUÇÃO. PRISÃO POR PROCESSO DIVERSO. DETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O tempo de prisão provisória em processo diverso aos crimes objeto da execução é admitido para efeito de detração, se comprovada a absolvição. Ausente tal prova, o indeferimento deve ser mantido. AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70057663361, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 14/05/2014).

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No caso dos autos, em relação ao processo nº 022/2.14.0001434-0, no qual foi decretada a prisão preventiva (fls. 19-21) pelo período mencionado pelo ora embargante (11.02.2014 a 13.05.2014), consoante cópia da certidão de antecedentes criminais às fls. 34-34v., constata-se que, em 08.05.2014 foi proferida sentença absolutória, transitada em julgado em 02.06.2014.

Já quanto ao processo nº 022/2.14.0008021-0, no qual foi proferida sentença condenatória, parcialmente reformada em sede de apelação (AC nº 70062483052), com imposição de pena privativa de liberdade de 03 anos, 06 meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto (Guia de Execução Penal atualizada acostada à contracapa dos autos), em relação a qual o embargante pretende obter a detração dos dias que permaneceu preso cautelarmente, verifica-se que o fato que ensejou a condenação foi praticado em 16.07.2014 (fl. 04), ou seja, depois do período em que permaneceu preso preventivamente (11.02.2014 a 13.05.2014) referente ao processo 022/2.14.0001434-0 (fls. 19-21).

Em decorrência, uma vez comprovado que o período de prisão cautelar foi anterior ao cometimento do delito que resultou na condenação e imposição de pena privativa de liberdade ao ora embargante, ainda que naquele processo tenha sido proferida sentença absolutória, não restando preenchidos pelo embargante os requisitos que permitem considerar-se para fins de detração da pena a ser executada em relação ao processo nº 022/2.14.0008021-0, o tempo de prisão preventiva referente ao processo nº 022/2.14.0001434-0, é de ser mantida a decisão que desacolheu o pedido.

Isto posto, desacolho os embargos infringentes.É o voto.Desa. Lizete Andreis Sebben (Revisora) – De acordo com o(a) Relator(a).Desa. Bernadete Coutinho Friedrich – De acordo com o(a) Relator(a).Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório – Acolho os embargos, nos termos do voto

que proferi nos autos do Agravo originário.Desa. Cristina Pereira Gonzales – De acordo com o(a) Relator(a).Desa. Genacéia da Silva Alberton (Presidente) – Acolho os embargos nos

termos do voto minoritário.

Julgador(a) de 1º Grau: PAULO IVAN ALVES MEDEIROS

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HÁBEAS-CÓRPUS

Hábeas-Córpus n. 70065110116 (n. CNJ: 0196389-26.2015.8.21.7000) – 3ª Câmara Criminal – Sananduva

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FEMINICÍDIO. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE HOMOLOGADO COM CONVERSÃO DA PRISÃO EM PREVENTIVA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. FUMUS COMISSI DELICTI BEM EVIDENCIADO NO CASO CONCRETO. PERICULUM LIBERTATIS DEMONSTRADO NA GRAVIDADE CONCRETA DO FATO. PACIENTE ACUSADO DE MATAR SUA COMPANHEIRA MEDIANTE GOLPES DE FACAS NO TÓRAX E NO PESCOÇO, SENDO DETIDO EM FLAGRANTE COM MANCHAS DE SANGUE NO CORPO, PRÓXIMO AO CADÁVER DA VÍTIMA. PRISÃO QUE SE REVELA MEDIDA ADEQUADA, NECESSÁRIA E PROPORCIONAL NO CASO CONCRETO, APESAR DAS CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS INVOCADAS. AUSÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL. PRISÃO MANTIDA.

Ordem denegada.

Vitor Hugo Zapani Langaro, impetrante – Volnei Gotz, paciente – Juiz de Direito da Vara Judicial da Comarca de Sananduva, coator.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em denegar a ordem de habeas corpus. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO E DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES.

Porto Alegre, 02 de julho de 2015.João Batista Marques Tovo, Relator.

RELATÓRIODes. João Batista Marques Tovo (Relator) – VITOR HUGO ZAPANI LANGARO,

Defensor Público, impetrou habeas corpus em favor de VOLNEI GOTZ e contra ato da Juíza de Direito da Comarca de Sananduva, lançado nos autos n° 120/2.15.0000479-8, que homologou auto de fl agrante lavrado contra o ora paciente

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por homicídio qualifi cado e converteu sua prisão em preventiva para garantia da ordem pública, insistindo em mantê-lo preso, sem justa causa.

Liminar indeferida.Informações dispensadas. Parecer do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Fábio Roque Sbardellotto, no

sentido da denegação da ordem.Informações remetidas pelo juízo de origem. Autos conclusos. É o relatório.

VOTOSDes. João Batista Marques Tovo (Relator) – O paciente é acusado de matar

sua esposa, Janilse Gavenda Gotz, fato ocorrido em 06.05.2015. O auto de flagrante foi homologado e a prisão convertida em preventiva para garantia da ordem pública, sob os fundamentos que seguem transcritos:

(...)Vistos. 1. Exame da prisão em fl agrante. Trata-se da prisão em fl agrante de Volnei Gotz, qualifi cado, pelo delito previsto no art. 121, § 2°, inc. VI, do Código Penal, qual seja, feminicídio, fato ocorrido no dia 06/05/2015, por volta das 17h30min, no interior de São João da Urtiga/RS. O fl agrante se deu no momento em que a Brigada Militar foi acionada por Volmar Gotz, irmão de Volnei, a qual informava que seu irmão havia matado a esposa Janilse Gavenda. Ao chegarem no local, encontraram a vítima, já sem vida, no interior da casa, e o indiciado ao lado da mesma, com marcas de sangue, em razão do que foi preso em fl agrante. A situação de fl agrância, ao que consta, está bem caracterizada (Código de Processo Penal, art. 302, incisos I e/ou II). As garantias constitucionais do fl agrado foram observadas, bem assim as formalidades atinentes à lavratura do auto de prisão em fl agrante, notadamente as comunicações de estilo e a nota de culpa. Pelo exposto, homologo a prisão em fl agrante. 2. Ao Ministério Público, acerca da representação pela Autoridade Policial por prisão preventiva. Cumpra-se, com URGÊNCIA.(...)1

(...)Vistos. VOLNEI GOTZ foi preso em fl agrante pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2°, inc. VI, do Código Penal. O fl agrado foi encaminhado ao presídio de Lagoa Vermelha. Relatei. Decido. Os documentos juntados no presente expediente evidenciam a existência material do evento e sufi cientes indícios de autoria. Nesse sentido, a condutora Valdiana Muneron, Policial Militar, prestou depoimento à fl . 16, relatando que ao chegar ao local do fato, deparou-se com o indiciado próximo ao corpo da vítima. Referiu que o indiciado encontrava-se com marcas de sangue, principalmente no rosto, mãos e pés, sendo que aparentava estar embriagado. Afi rmou ainda, que enquanto aguardavam a chegada da Polícia Civil, por várias vezes o fl agrado admitiu que agrediu a esposa com uma faca durante uma discussão, sendo que, por vezes dizia que não lembrava do que tinha feito. À fl . 17, Aduir Moreno Gotz, pai do fl agrado, relatou que encontrou o fi lho Volnei com visíveis sintomas de embriaguez e com marcas de sangue no rosto e nas mãos. Quando adentrou na residência encontrou a nora Janilse caída ao chão,

1 – Teor extraído do que consta do Sistema Themis pelo método “copiar-colar”.

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ensanguentada e já sem vida. Quando do interrogatório, Volnei Gotz disse que não lembrava do que aconteceu que ocasionou a morte de sua esposa (fl .20). Verifi ca-se, por outro lado, a hipótese prevista no artigo 310, inciso II, do Código de Processo Penal, qual seja, a CONVERSÃO da prisão em fl agrante em PRISÃO PREVENTIVA, porque presentes os requisitos do artigo 312 do mesmo Diploma e a segregação é a única medida que, no momento, se mostra adequada e efi caz ao resguardo da ordem pública. Com efeito, o crime cuja prática foi imputada ao fl agrado conta com pena máxima cominada superior a 4 anos (artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, contrariu sensu); existem indícios sufi cientes de materialidade e de autoria ¿ fumus comissi delicti - e está presente o requisito de cautelaridade - periculun libertatis ¿ da necessidade de garantia e manutenção da ordem pública (artigo 312 do Código de Processo Penal), a autorizar, com força legal e constitucional, a prisão preventiva. Não vislumbro, na hipótese, a conveniência de aplicação de alguma medida cautelar, diversa da prisão, haja vista a gravidade e as circunstâncias sob as quais o crime foi praticado, uma vez que necessário assegurar, ao pequeno município de São João da Urtiga a tranquilidade social, o que delitos dessa natureza, como se sabe, retira tal característica da sociedade. Impõe-se, pois, o imediato afastamento do indiciado do convívio social, sendo a prisão preventiva a única medida capaz de resguardar, com efi cácia, a ordem pública local. Isso posto, com fundamento nos artigos 310, inciso II, 311, 312 e 313, inciso I, todos do Código de Processo Penal, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA DE VOLNEI GOTZ. Intime-se o Ministério Público. Comunique-se, ofi ciando-se ao Sr. Delegado solicitando a remessa do IP complementar no prazo de lei.(...)2

Após, o Ministério Público denunciou o paciente, dando-o como incurso no artigo 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, em combinação com o artigo 61, inciso II, alínea “a”, do Código Penal, artigo 1º, inciso I, da Lei n° 8.072/1990 e artigos 5º, inciso I, e 7º, inciso I, ambos da Lei n° 11.340/2006, pela prática de fato delituoso assim descrito na exordial:

(...)No dia 06 de maio de 2015, ao final da tarde, na Linha Dez, interior, São João da Urtiga/RS, o denunciado VOLNEI GOTZ matou, por razões da condição de sexo feminino, a vítima Janilse Gavenda Gotz, sua esposa. Segundo consta, em pleno lar conjugal, o denunciado Volnei, com “animus necandi”, desferiu golpes de faca contra a esposa Janilse, produzindo ferimentos perfurocortantes no tórax e no pescoço, dando causa a morte da ofendida por “choque hemorrágico agudo”, conforme certidão de óbito. O crime foi cometido com violência física contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, mais especificamente em face da esposa do acusado Volnei, no contexto de violência doméstica. O acusado Volnei foi preso em flagrante, com manchas de sangue no corpo, próximo ao cadáver da esposa. O intrumento utilizado para a prática do feminicídio foi apreendido no local do crime (uma faca, cabo de madeira, medindo 19 centímetros de lâmina, sem marca aparente, com sinais de sangue, conforme auto de apreensão da fl. 07 do APF).(...)

2 – Idem.

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A denúncia foi recebida em 27.05.2015. Atualmente, o feito aguarda citação do paciente, a ser realizada por carta precatória.

A impetrante alega não se fazerem presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, destacando que as decisões sobre a liberdade se encontram lastreadas apenas na gravidade em abstrato do delito, o periculum libertatis tendo sido reconhecido com base em motivos genéricos, que não evidenciam a necessidade da prisão, sobretudo em razão da primariedade do paciente, o fato sendo isolado em seu histórico de vida, ocorrido na ocasião em que se encontra embriagado. Afirma presente coação ilegal. Pede concessão da ordem, para revogar a prisão ou substituí-la por medidas cautelares diversas.

Pois estou em denegá-la.Começo por reconhecer que as decisões sobre o status libertatis se encontram

fundamentadas concretamente na gravidade do fato imputado, satisfazendo ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e no artigo 310 do Código de Processo Penal. O reconhecimento do fumus comissi delicti encontra razoável respaldo nos elementos trazidos ao grampo dos autos, do modo exposto pela autoridade coatora, o que se revela suficientemente indicativo da autoria de homicídio, na forma exigida pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.

No mais, reconheço a gravidade concreta do fato imputado, suas circunstâncias estando a revelar personalidade (ou conduta) de risco de seu autor, a sustentar o periculum libertatis. Basta ver que o paciente é acusado de matar sua companheira mediante golpes de facas no tórax e no pescoço, sendo preso em fl agrante com manchas de sangue em seu corpo, próximo ao cadáver da vítima, fato de extrema gravidade concreta, deve-se reconhecer. Está, portanto, bem fundamentado o reconhecimento do periculum libertatis. No que diz com as qualidades pessoais invocadas, não são impedientes da prisão preventiva para o fi m colimado.

Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça.

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE LINGUAGEM. NÃO CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO AO ENSEJO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE UM DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.1. A prolação da decisão de pronúncia exige fundamentação suficiente em observância ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Com efeito, faz-se necessária a exposição detida das razões de convencimento do julgador a respeito da materialidade e dos indícios de autoria da conduta delitiva.2. No caso, o Juízo singular limitou-se a demonstrar, de forma comedida, a justa causa para submeter o ora Paciente a julgamento pelo Tribunal do Juri. A transcrição de depoimentos colhidos durante a instrução não configura excesso de linguagem. Precedentes do STJ.3. Não há se falar em carência de fundamentação da manutenção da prisão preventiva quando resta indicada a gravidade concreta dos fatos, que segundo entendimento esposado por esta Corte, revela hipótese de risco para a ordem pública.4. Condições pessoais favoráveis, como o paciente ser primário, de bons antecedentes e possuir domicílio definido, não asseguram a liberdade provisória, quando demonstrada a necessidade de segregação cautelar.5. Ordem denegada.(HC 187.673/CE, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 29/08/2012)

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Com efeito, ao que se apurou até aqui, considero evidenciado que, em liberdade, o paciente abala a ordem pública, estando demonstrada a necessidade de cuidado, precaução ou previdência. Não se trata de fazer uma prognose, o que seria muito difícil, nem de presumir a culpa, o que não seria possível, mas de reconhecer a presença de um risco, razoavelmente fundado, e lançar mão de medida cautelar para evitá-lo.

Se a Lei nº 12.403/2011 estabeleceu um filtro hermenêutico para aplicação das medidas cautelares em matéria penal, exigindo a “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado” (art. 282, II, CPP), carece ver que no caso concreto a exigência está preenchida.

In casu, portanto, a prisão preventiva é adequada, necessária e proporcional, sendo insuficientes as outras medidas diversas da prisão, motivos pelos quais a mantenho e denego a ordem.

POSTO ISSO, voto no sentido de denegar a ordem.Des. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro – De acordo com o(a) Relator(a).Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes – De acordo com o(a) Relator(a).

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APELAÇÃO-CRIME

Apelação-Crime n. 70059252643 (n. CNJ: 0117827-37.2014.8.21.7000) – 3ª Câmara Criminal – Tramandaí

APELAÇÕES CRIMINAIS. RECURSOS DEFENSIVOS E MINISTERIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM A NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. ARGUIÇÃO DE NULIDADE POR OFENSA AO ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PEDIDOS DEFENSIVOS DE DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL E POR AUSÊNCIA DE PERIGO CONCRETO, EM RELAÇÃO AO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. INCONFORMIDADE ACUSATÓRIA QUE OBJETIVA A CONDENAÇÃO DOS RÉUS NOS TERMOS DA DENÚNCIA.

1. PRELIMINAR DE NULIDADEEm revisão de jurisprudência, deixa-se de reconhecer a nulidade por violação

ao artigo 212 do CPP, tendo em vista que a jurisprudência se consolidou em reconhecê-la como sendo nulidade relativa, que exige impugnação oportuna pela parte que alega e demonstração de prejuízo, o qual os Tribunais Superiores nunca reconhecem presente, na medida em que o juiz pode perguntar após as perguntas das partes, inadmitindo a condenação posterior como confi guradora desse prejuízo, o que equivale a considerar essa atipia uma mera irregularidade, não sancionável por ilegitimidade. Em tal contexto, carece revisar o entendimento e declarar que a inversão na ordem das perguntas não constitui nulidade. O que pode constituir é o excessivo protagonismo judicial, indicativo de parcialidade, a ausência de uma das partes a violar o sistema acusatório, a troca de papéis etc., mas sempre por fundamentos jurídicos diversos, não a simples inversão na ordem das perguntas.

2. TRÁFICO DE DROGASRéus fl agrados por policiais militares em um quarto de motel, na posse de

10,2g de cocaína, afi rmando ter a droga para o próprio consumo. Ausência de prova inequívoca a respeito da destinação comercial da droga. Decisão que, sem cumprir o disposto nos artigos 383 e 384 do CPP, desclassifi ca para o artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 e condena por esse delito. Nulidade que vai aqui reconhecida, sem a possibilidade de renovação, sob pena de incorrer em reformatio in pejus, com o subsequente julgamento da causa nos lindes em que proposta, impondo-se absolvição por falta de prova quanto ao único tipo objeto do pedido, no qual, aliás, insiste o órgão da acusação mediante o recurso ora em análise.

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Em regra, não é possível [1] desclassificar o tipo do art. 33 para o do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e [2] condenar pela nova classificação, de modo simultâneo, em vista do que dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal, sendo necessário haja aditamento, por se tratar de mutatio libelli, na medida em que a elementar “para consumo pessoal” nunca se encontra na inicial acusatória, nem de algum modo implícito, por incompatibilidade óbvia. Escolha de formulação típica pelo legislador que conduz ao impasse.

Se o Ministério Público insiste na tipificação original, como é o caso aqui, sobra julgar a causa nesses estreitos lindes, o que se resolve mediante absolvição pelo único fato imputado, o tráfico ilícito de drogas, cuja tipificação não é suportada pela prova produzida pelo autor da ação penal. Mas, em se tratando de única imputação, não é o caso aqui, também se admite a declinação de competência, que é até mais apropriada.

Ainda que se admita cindir o processo e declinar da competência, quando haja cumulação de pedidos – que é o próprio fato imputado – e um deles mantenha residualmente a competência do juízo, o que não se faz possível é desclassificar e, a um só tempo, condenar pelo tipo de destino, sem aditamento pelo órgão da acusação, oportunidade de o réu se defender da nova imputação e alcance de benefícios próprios do rito especial.

Pois, foi o que ocorreu no caso dos autos.Na medida em que o recurso devolve a jurisdição ao segundo grau nos

limites em que ela foi exercida pelo primeiro grau e, contra o réu, nos limites do que é pedido pelo recurso ministerial, proibida a reformatio in pejus, cabe apenas julgar a causa nos limites em que ela foi posta, condenar ou absolver pelo crime de tráfico ilícito de drogas, revogando a reclassificação típica.

Se este Tribunal, aplicando os artigos 383 e 384 do CPP, mandasse retornar os autos ao juízo de origem para o Ministério Público aditar a peça inicial, oportunizando uma condenação pelo tipo de destino que já não se faz possível à vista do desperdício ministerial da oportunidade de aditar ou pedir que se lhe alcance essa oportunidade, como pretensão alternativa em seu recurso, haveria proibida reformatio in pejus.

Nesta sede, portanto, cabe analisar o mérito apenas quanto ao fato objeto da imputação fática, tráfico de drogas, em cuja tipificação insiste o recurso ministerial, a pedir condenação nos termos da denúncia. E, caso se entenda correta a decisão nesse aspecto, dela retirar a absolvição, juízo de mérito solicitado, em respeito ao princípio da congruência ou correlação. É o que se pede e, portanto, o que pode ser aqui decidido.

3. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.Imputação de associação para o tráfi co ilícito de drogas que não encontra

base alguma na prova dos autos, inexistindo investigação anterior ou posterior à prisão em fl agrante que fosse apta a indicar a existência de vínculo entre os réus para a prática do tráfi co, crime cuja realização tampouco é reconhecida no caso concreto. Absolvição que é mantida por seus próprios fundamentos.

4. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGORéus que são flagrados em quarto de motel, um deles estando na posse

de arma de fogo com numeração raspada, que assume, resultando por isso condenado. Pedido defensivo de absolvição por ausência de perigo concreto na conduta e por inconstitucionalidade da previsão de crimes de perigo abstrato. Pedido ministerial de condenação da corre pelo mesmo fato.

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Pedidos que não merecem trânsito.A constitucionalidade da Lei 10.826/2003 tem sido reconhecida pelo

STF, inclusive em sede de ação direta de inconstitucionalidade, conforme precedentes citados. Também reconhecendo que se trata de crime de mera conduta e de perigo abstrato, firmou-se jurisprudência nas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes também referidos.

Com efeito, a posse de arma de fogo rebaixa potencialmente a segurança coletiva, constituindo crime de perigo abstrato, que dispensa realização de algum perigo concreto. Depois, os critérios para aferição da tipicidade do delito são objetivos, não se atêm a fatores subjetivos, tais como motivos ou circunstâncias. No caso, calha recordar, a arma foi utilizada em roubo precedente pelo condenado.

Imputada a conduta de portar, que constitui ação necessariamente individual, pois não há porte coletivo, a condenação de um dos imputados impede a de outro. Ademais, a arma estava com, ou ao alcance deste e não da corre KELLY, tendo sido usada por ele em ato ilícito precedente. Não se tem imputação nem prova que suporte o pedido ministerial de condenação também desta.

Penas aplicadas com parcimônia.RECURSO DE KELLY PROVIDO.RECURSO DE EMERSON PARCIALMENTE PROVIDO.RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.

Ministerio Publico, Emerson Carneiro Barros e Kelly Cutti Pereira, apelantes-apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso ministerial e dar parcial provimento ao recurso de EMERSON e integral provimento ao recurso de KELLY para desconstituir em parte a sentença, afastando a condenação pelo artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, e absolvê-los quanto à imputação da prática de tráfico ilícito de drogas, mantida quanto ao mais a sentença.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes

Senhores DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO E DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES.

Porto Alegre, 02 de março de 2016.João Batista Marques Tovo, Relator.

RELATÓRIODes. João Batista Marques Tovo (Relator) – O Ministério Público ofereceu

denúncia contra EMERSON CARNEIRO BARROS e KELLY CUTTI PEREIRA, como incursos nos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06, e 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/2003, por fatos ocorridos em 18.12.2009.

Auto de prisão em fl agrante homologado (f. 67), sendo decretada a prisão preventiva (f. 84).

Denúncia recebida em 25.01.2010 (f. 198).Citados (f. 227 e 232), os réus ofereceram resposta à acusação (f. 208 e 233).

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Interrogados os réus (f. 271 e 275), e inquiridas as testemunhas Jéferson Luciano Segatto Nascimento (f. 329), Julio César Santos de Aguiar (f. 343), Flávio Ricardo Dobler Wronka (f. 384), Arildo Nunes da Silva (f. 395 e 457) e Lenílson Lopes Pinto (f. 440 e 506).

A prisão de KELLY foi relaxada por ordem de habeas corpus, em 11.08.2010 (f. 433). Na origem, a decisão foi estendida a EMERSON (f. 539), sua prisão sendo relaxada em 15.12.2010.

Seguiram-se memoriais substitutivos dos debates (f. 641, 650 e 653). Sobreveio sentença (f. 677) que julgou parcialmente procedente a ação penal para:

[1] condenar EMERSON a cumprir três (03) anos de reclusão, em regime aberto, substituídos por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, e a pagar dez (10) dias-multa, à razão de um trigésimo (1/30) do salário mínimo vigente à época do fato, como incurso no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03;

[2] desclassificar a imputação do artigo 33 da Lei 11.343/06 para o artigo 28 do mesmo diploma, impondo a EMERSON e KELLY o cumprimento de três (03) meses de prestação de serviços à comunidade;

[3] absolver KELLY das sanções do artigo 35 da Lei 11.343/06 e do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, com base no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e

[4] absolver EMERSON das sanções do artigo 35 da Lei 11.343/06, com base no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.

Publicação em 17.12.2012 (f. 687).Intimados (f. 687v, 707 e 735), Ministério Público e réus apelam. Razões (f. 690,

710 e 746) e contrarrazões (f. 695, 705, 723 e 755).Subiram os autos.A Procuradora de Justiça Dr.ª Ana Rita Nascimento Schinestsck, opina pelo

desprovimento do recurso ministerial, parcial provimento do recurso de EMERSON e provimento do recurso de KELLY.

Os autos vêm conclusos.Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido observado o

disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.É o relatório.

VOTOSDes. João Batista Marques Tovo (Relator) – 1. IMPUTAÇÕES FÁTICASOs réus foram denunciados pela prática de fatos assim narrados na inicial

acusatória:

(...)1º fato:Em datas ainda não bem esclarecidas, mas até o dia 18/12/2009, por volta das 05h50min, na Rua Saldanha da Gama, nº 173, mais precisamente no quarto nº 05, do Motel Paradise, nesta Cidade, os denunciados EMERSON CARNEIRO BARROS e KELLY CUTTI PEREIRA, associaram-se para o fi m de praticarem, reiteradamente, delito de tráfi co de drogas, previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06, notadamente as condutas de adquirir, transportar, ter em depósito, guardar, vender, expor à venda, oferecer, fornecer e entregar, de qualquer forma, a consumo de terceiros, ainda que gratuitamente, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, cocaína, substância entorpecente que causa dependência física e psíquica.

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Na oportunidade, os denunciados, após adquirirem de terceira pessoa ainda não identifi cada, transportaram, mantinham em depósito e guardaram, aproximadamente, 10,2 gramas (dez gramas e duas decigramas) de cocaína, dispostas em 14 (quatorze) pequenas buchas, pesando 6,2 (seis gramas e duas decigramas) gramas, e uma bucha grande, pesando 04g (quatro gramas), conforme auto de apreensão da fl . 07 do IP, fotografi as de fl . 08, laudo de constatação da natureza da substância da fl . 11, apreendida no local supracitado em poder dos denunciados.2º fato:No dia 18 de dezembro de 2009, por volta das 05h50min, na Rua Saldanha da Gama, nº 173, mais precisamente no quarto nº 05, do Motel Paradise, em Tramandaí/RS, os denunciados EMERSON CARNEIRO BARROS e KELLY CUTTI PEREIRA, associados, em comunhão de esforços e conjunção de vontades e atitudes, transportavam, tinham em depósito e guardavam, aproximadamente 10,2 gramas (dez gramas e duas decigramas) de cocaína, dispostas em 14 (quatorze) pequenas buchas, pesando 6,2 (seis gramas e duas decigramas) gramas, e uma bucha grande, pesando 04g (quatro gramas), embaladas em plástico na cor azul e incolor, consoante auto de apreensão da fl. 07, substância entorpecente que determina dependência psíquica, consoante Laudo de Constatação da Natureza da Substância da fl. 11 do IP.Na oportunidade, após abandonarem o veículo Ford/Fiesta, placas IMK 5564, roubado no dia 17 de dezembro de 2009, em Gravataí, no Posto de Combustíveis Sol e Mar, localizado na esquina das Ruas Fernandes Bastos e Rubem Berta, nesta Cidde, os denunciados se dirigiram até o Motel Paradise, localizado no endereço supracitado, onde tinham em depósito e guardavam a droga conhecida como cocaína, em quantidade, aproximada, de 10,2 gramas (dez gramas e duas decigramas) de cocaína, dispostas em 14 (quatorze) pequenas buchas, pesando 6,2 (seis gramas e duas decigramas) gramas, e uma bucha grande, pesando 04g (quatro gramas), com o fim de vender, expor à venda, oferecer e entregar a consumo de terceiros, de qualquer forma, ainda que gratuitamente, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.Na sequência, após receberem a informação de que os denunciados se encontravam no Motel Paradise, policiais militares se deslocaram até o local, invadiram o quarto onde estavam hospedados e prenderam os denunciados na posse da referida substância entorpecente, escondida na bolsa da denunciada KELLY CUTTI PEREIRA.O denunciado EMERSON CARNEIRO BARROS reagiu à prisão, tentando alcançar o revolver, cal. 38, Rossi, cabo de madeira, 05 (cinco) tiros, duas polegadas, numeração danificada, IT 429, que estava sobre a cama, sendo imobilizado e preso pelos policiais militares.Na ocasião, foram também apreendidos em poder dos denunciados 01 (um) cartucho, calibre .38, com espoleta perfurada; 01 (um) celular, marca Nokia, linha nº 9330-7036; 01 (um) celular, marca Motorola, IMEI 35826200005442, J22 42; 01 (um) revólver, cal. 38, Rossi, cabo de madeira, 05 (cinco) tiros, duas polegadas, numeração danificada, IT 429; R$ 3,00 (três) reais, em moeda corrente nacional, e um veículo Ford/Fiesta, placas IMK 5564, subtraído em Gravataí, conforme auto de apreensão da fl. 07.É digno de nota que o denunciado EMERSON CARNEIRO BARROS foi reconhecido por Arildo Nunes da Silva, como sendo um dos autores do roubo do veículo Ford/Fiesta, placas IMK 5564, ocorrido no dia 17 de dezembro de 2009, em Gravataí, conforme auto de reconhecimento por fotografia da fl. 56 do IP.3º fato:No dia 18 de dezembro de 2009, por volta das 05h50min, na Rua Saldanha da Gama, nº 173, mais precisamente no quarto nº 05, do Motel Paradise, nesta Cidade,

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os denunciados EMERSON CARNEIRO BARROS e KELLY CUTTI PEREIRA, em comunhão de esforços, vontades e atitudes, portavam arma de fogo com numeração de série raspada, consistente no revólver, cal.38, Rossi, cabo de madeira, 05 (cinco) tiros, duas polegadas, numeração danifi cada, IT 429, conforme auto de apreensão da fl . 07, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.Na ocasião, os denunciados chegaram em Tramandaí, abandonaram o veículo Ford/Fiesta, placas IMK 5564, roubado no dia 17 de dezembro de 2009, em Gravataí, e, portanto a referida arma, deslocaram-se até o Motel Paradise, deixando-a sobre a cama do quarto nº 05, onde também tinham em depósito e guardaram a substância entorpecente descrito no 1º e 2º fatos da presente denúncia.Na sequência, após receberem a informação de que os denunciados estavam no Motel Paradise, policiais miliares se deslocaram até o local, invadiram o quarto onde estavam hospedados e prenderam os denunciados na posse da referida substância entorpecente, que estava guardada na bolsa da denunciada KELLY CUTTI PEREIRA.O denunciado EMERSON CARNEIRO BARROS reagiu à prisão, tentando alcançar o revolver, cal. 38, Rossi, cabo de madeira, 05 (cinco) tiros, duas polegadas, numeração danificada, IT 429, que estava sobre a cama, sendo imobilizado e preso pelos policiais militares.É digno de nota que o denunciado EMERSON CARNEIRO BARROS foi reconhecido por Arildo Nunes da Silva, como sendo um dos autores do roubo do veículo Ford/Fiesta, placas IMK 5564, ocorrido no dia 17 de dezembro de 2009, em Gravataí, conforme auto de reconhecimento por fotografia da fl. 56 do IP.(...)

2. DECISÃO HOSTILIZADA

(...)Decido.Rejeito, de plano, a preliminar de nulidade, pois a forma prevista em lei, § único do artigo 212, do CPP, possibilitou às partes realizarem perguntas diretamente às testemunhas, sem a necessidade de mediação do Juiz, o que não significa que este deve abster-se de esclarecer o fato, pois, destinatário da prova.Neste sentido leciona Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição: “[...] Tal inovação, entretanto, não altera o sistema inicial de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a testemunha é o juiz, como de praxe e agindo como presidente dos trabalhos e da colheita da prova. Nada se alterou nesse sentido. A nova redação dada pelo art. 212 manteve o básico. Se, antes, dizia-se que ‘as perguntas das partes serão requeridas pelas partes diretamente à testemunha (...)’. Nota-se, pois, que absolutamente nenhuma modifi cação foi introduzida no tradicional método de inquirição, iniciado sempre pelo magistrado. Porém, quanto às perguntas das partes (denominada reperguntas na prática forense), em lugar de passarem pela intermediação do juiz, serão dirigidas diretamente às testemunhas. Depois que o magistrado esgota suas indagações, passa a palavra àquele que arrolou a pessoa depoente”. om relação ao parágrafo único do referido artigo, aduz: “[...] embora desnecessário o conteúdo do parágrafo único, por ser óbvio, pode o magistrado continuar a perguntar à testemunha, mesmo quando as partes fi nalizem suas questões, caso não esteja satisfeito com as respostas dadas, em especial no tocante aos pontos não esclarecidos pela pessoa depoente”.No mérito, a materialidade encontra suporte no boletim de ocorrência policial (fl. 13), no auto de apreensão (fl. 17), nas fotografias digitalizadas (fls. 18), nos laudos toxicológicos (fls. 219 e 220), no laudos periciais de arma de fogo (fls. 253/254 e 512/514), bem como no restante do contexto probatório.

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A autoria é certa apenas em relação ao delito de porte de arma de fogo perpetrado por Emerson.Kelly negou a prática do delito, alegando que veio para Tramandaí a convite de Emerson. Pararam o carro num Posto e entraram num motel onde foram presos com a droga e uma arma. A droga era de Emerson, “uma bucha grande”. A arma só viu quando “pegaram”. Usaram droga em Cachoeirinha, no carro e no motel. A policia chegou quando a interroganda estava no banho e Emerson “cheirando”. Não sabia que a droga estava em sua bolsa. Conheceu Emerson no dia em que foram presos.Emerson disse que conversou com Kelly na praia e a levou para um motel para usarem drogas. Kelly estava no banho quando entraram (os policiais). A droga era para uso pessoal do interrogando e de Kelly. A arma era do interrogando. “A droga tava em cima do prato, em cima da mesa. Enquanto usavam droga a bolsa e celulares estavam sobre a mesa. “Chutaram a porta e eu não vi mais nada, daí deram um chute pra ir pro chão. E não vi mais nada, tava tudo em cima da mesa até então”. Veio até a praia com a irmã e encontrou com Kelly a quem já conhecia de vista. Foram até o motel a pé. Não tentou alcançar a arma quando a polícia entrou. Não colocou a droga na bolsa de Kelly. Comprou a droga em Tramandaí.Vejamos a prova:Jeferson Luciano Segatto Nascimento, policial militar, disse que “Nossa guarnição foi, foi contactada via rádio que dois, um casal no caso havia abandonado um veículo no posto de combustível. Foi passado pelos frentista a placa do veículo e constatou-se que estava em ocorrência de roubo. A guarnição se deslocou com brevidade, fez as buscas nas redondezas do posto e não localizou os indivíduos, fizemos contacto com o Hotel Kimar que é “alí” ao lado pois suspeitamos que eles haviam adentrado “alí”, o rapaz do kimar o atendente, informou que tinha indicado para eles o Motel Paradaise, a guarnição foi até o Motel Paradaise”. Chegando no local bateram na porta, mas ela não foi aberta. Então arrombaram a porta “no momento em que ele tentou se deslocar para pegar o armamento que estava em cima da cama, a guarnição usou dos meios moderados para conter. Constatou-se que a arma havia a numeração raspada, e não me recordo quantas munições tinha. (…). Ele correu para pegar a arma e nós corremos e pegamos ele antes”. A droga estava “dentro da bolsa da moça. (…). Dentro da bolsa dela, juntamente com alguns dinheiros trocados, pouca quantidade”. Não havia qualquer vestígio de que eles tivessem usado drogas no quarto. “Ela se encontrava no banho na hora que a gente ingressou no quarto e o rapaz na sala”. Alegaram que eram usuários.Julio Cesar Santos de Aguiar, policial militar, disse que encontraram os reus no quarto do hotel. Quando “chutataram” a porta e “ele foi pegar a arma...”. Um colega encontrou a droga na bolsa da “mulher”. A bolsa estava numa mesa da “sala”. Quando entraram a “guria” estava no banho. A arma estava municiada. A moça dizia que não sabia de nada.Flávio Ricardo Dobler Wronka, policial militar, nada esclareceu acerca do fato.Arildo Nunes da Silva nada esclareceu acerca do tráfi co, sendo vítima do roubo de veículo. Apontou Emerson como o sujeito que o abordou, estando ele armado. Emerson estava acompanhado de outro homem. Levaram o carro, dinheiro, celular e as chaves da casa. Reconheceu, também, a arma que foi apreendida com Emerson.Lenilson Lopes Pinto disse que conhece Kelly por ser sua vizinha. Ficou sabendo que Kelly pegou uma carona com Emerson e “acho que ele tava armado, tava com esse carro roubado...”. Kelly estava indo para a casa da ex namorada do depoente. Soube que Emerson estava foragido e Kelly terminou por encontrar-se com ele e pegou uma carona para ir até a praia. Acha que se conheceram na noite em que foram presos e estavam “ficando”. Acha que Kelly não usava drogas.Com a vênia do Ministério Público, salvo a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 10,2g de cocaína, dispostas em 14 pequenas buchas, e uma bucha

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grande), nada mais se tem de prova a fundamentar a condenação nos delitos de tráfico e associação para o tráfico.No caso, os acusados prestaram depoimentos coerentes reconhecendo que estavam na posse da droga para uso pessoal. Por outro lado, relataram os policiais que procuravam o casal após verificarem que o veículo por eles utilizado estava em situação de “roubo”, não identificando e tampouco inquirindo nenhum usuário. A tudo isso, soma-se a apreensão de 10,2g de cocaína e R$ 3,00 em espécie, a não apreensão de objetos utilizados na mercancia (balanças de precisão, pedaços de sacos plásticos, fitas adesivas ou lâminas, e a quantia em dinheiro encontrada com os acusados é ínfima e não permite afirmar, por si só, a destinação comercial da substância entorpecente), tudo a indicar a hipótese de posse de entorpecentes para consumo proprio.A mera apreensão de, aproximadamente 10,2g de cocaína e pequena quantia de dinheiro, não permite afirmar estivessem os réus traficando. Os depoimentos das testemunhas, policiais militares, comprovam apenas que os réus possuíam substância entorpecente (cocaína) dentro do quarto. Afora isso, não há nada nos autos a indicar fosse a droga destinada a terceiros, pois há pouco haviam chegado no local e sequer em via pública estavam.A só quantidade de droga apreendida, não sendo ela absurda de forma a afastar a possibilidade de uso, só autoriza concluir pela posse de entorpecentes e, na ausência de outros elementos probatórios da traficância, impõe aplicar, ao caso concreto, o princípio do in dubio pro reo, com o consequente afastamento da aplicação do artigo 33 da Lei 11.343/06.Não há juízo de certeza, estivesse o réu traficando, logo, impõe-se à desclassificação do crime do art. 33, para o art. 28 da Lei 11343/06, considerando que ambos confessam o consumo do entorpecente.A nova lei de tóxicos tratou de diferenciar o usuário exclusivo dos demais delinquentes que estimulam o comércio de drogas, mas afastou a tese de que seja fato impunível aplicando medidas educativas e de prestação de serviços à comunidade.A autoria do delito de porte de arma com numeração raspada encontra suporte na prova acima citada. Os policiais Jeferson e Julio Cezar são uníssonos em afirmar que a arma estava no quarto onde hospedados os réus, tendo Emerson admitido ser o artefato de sua propriedade.A arma de fogo de uso permitido, ao ter sua numeração raspada, suprimida ou alterada, torna-se arma de uso restrito, pois não há possibilidade de legalizá-la ou de se obter porte da mesma.Neste mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM A NUMERAÇÃO RASPADA. CONDUTA INSERTA NO ART. 16 DA LEI 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO.FLAGRANTE OCORRIDO EM 28/2/07. TIPICIDADE. ORDEM DENEGADA. HC 120957 / SP, Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgado em 27/04/2009.” (grifei)

Desta forma, considerando o laudo pericial das fl s. 512/514, a conduta de Emerson encontra suporte naquela prevista no artigo 16, inciso IV, da Lei 10.826/03.Em relação a Kelly, a prova é meramente indiciária. Os indícios servem ao oferecimento da denúncia, mas não para dar suporte a condenação.Ensina TONINI: “O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento (...) Desta regra emerge, que um único indício nunca é suficiente”. (Revista dos Tribunais, 2002, p. 58).Tenho que a prova colhida não é sufi ciente para ensejar uma condenação de Kelly pela prática do delito de posse de arma de fogo com numeração raspada, sendo

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absolutamente vedado ao Poder Judiciário presumir a culpa na seara criminal, pois a presunção, no processo penal, é em favor do réu e não contra ele.ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a denúncia para:CONDENAR EMERSON CARNEIRO BARROS como incurso nas sanções do artigo 16, § único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03;Operada a DESCLASSIFICAÇÃO do c rime descrito no art. 33 da Lei 11343/06 para o art. 28 da mesma Lei impor os réus EMERSON CARNEIRO BARROS e KELLY CUTTI PEREIRA 03 meses de prestação de serviços à comunidade na forma do artigo 28, § 3º, da Lei 11.343/06, a ser cumprido em entidade assistencial a ser definida pelo juízo da execução;ABSOLVER EMERSON CARNEIRO BARROS da infração ao artigo 35, da Lei nº 11.343/06, fulcro no artigo 386, inciso V, do CPP;ABSOLVER KELLY CUTTI PEREIRA da infração ao artigo 35, da Lei nº 11.343/06, e do artigo 16, § único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, fulcro no artigo 386, inciso V, do CPP;Passo a dosar a pena.EMERSON tinha plenas condições de entender o caráter ilícito de sua conduta, pois é do conhecimento público que o porte de arma de fogo sem porte e registro confi gura crime, sendo-lhe exigível conduta diversa. A culpabilidade apresenta-se em grau médio. Registra condenação (fl s. 469/471), não caracterizada a reincidência em razão da ausência de transito em julgado. Conduta social sem elementos de aferição. Personalidade com desvios aparentes, o que se extrai da vida pregressa. Os motivos foram comuns. As circunstâncias foram normais. Nada digno de nota no que tange ao comportamento da vítima, que, no caso, é a sociedade.Pena base: 03 anos e 06 meses de reclusão.Ausentes agravantes.Incidente a atenuante da confissão espontânea, reduzo a pena em 06 meses, deixando-a definitiva em 03 anos de reclusão.Em atenção às circunstâncias supra, condeno o réu no pagamento de 10 dias multa, a razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo da infração, devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento.Tratando-se de crime resultante em pena inferior a 04 anos, bem como as circunstancias judiciais favoráveis, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, § 2º, segunda parte, do CP: 1ª) prestação de serviços a entidade pública (art. 43, IV, do CP), a razão de uma hora por dia de condenação, em local a ser indicada pelo juízo das execuções, atendidos os termos do art. 46 do CP; 2ª) prestação pecuniária (art. 43, I, do CP), consiste no pagamento da importância equivalente as 01 (um) salário mínimo à ser depositado na conta das Penas Alternativas – Fórum de Tramandaí (BANRISUL, Ag. 0943, conta corrente 03.046.374.0-7), o qual será revertido em favor de entidade com destinação social.Em caso de descumprimento a pena privativa de liberdade será cumprida em regime aberto, recomendando o réu à Penitenciária Modulada de Osório.PODERÃO apelar em liberdade.Com o trânsito em julgado, lance-se o nome de Emerson no rol de culpados, comunique-se o Tribunal Regional Eleitoral, preencha-se e remeta-se o BIE e a ficha PJ-30 e forme-se o PEC definitivo.Custas pelos réus.Publique-se.Registre-se.Intimem-se.(...)1

1 – Decisão extraída do sistema Themis, pelo método copiar-colar.

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3. DEFESAEm defesa pessoal, KELLY negou as práticas imputadas. Havia conhecido

EMERSON naquela noite e ele lhe convidara para irem até Tramandaí, onde permaneceriam dois dias. Foram em um Ford/Fiesta, estacionaram o veículo em um posto de combustível e entraram em um motel. EMERSON havia comprado cocaína, e consumiram na viagem e no quarto do motel. Tomava banho quando os policiais militares ingressaram no quarto e não sabia que a droga estava em sua bolsa. Só viu a arma no momento da prisão, e disse não saber que o veículo com o qual foram até Tramandaí era roubado. Relatou trabalhar vendendo semijoias e, às vezes, fazia programas.

EMERSON admitiu a propriedade da arma de fogo, negando a prática das demais condutas imputadas. Havia conhecido KELLY na praia, e resolveu levá-la a um lugar mais tranquilo, para poderem consumir drogas sem serem vistos. Foi com sua irmã até Tramandaí e comprou a cocaína na cidade. Disse ser usuário de drogas desde os quinze anos de idade, antes de maconha e, atualmente, também de crack. Os policiais ingressaram no quarto quando KELLY estava tomando banho. As drogas estavam em um prato, sobre uma mesa. Negou as tivesse colocado dentro da bolsa de KELLY, pois não deu tempo de nada.

No recurso, a defesa técnica de KELLY postula absolvição por atipicidade da conduta ou reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. A defesa de EMERSON argui nulidade absoluta do feito por violação ao artigo 212 do CPP. Pede seja declarada a prescrição quanto à posse de drogas para consumo pessoal, ou desconstituída por esse delito, com remessa ao Juizado Especial Criminal. Em relação porte de arma de fogo, postula absolvição por inexistência de perigo concreto, sustentando a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

4. INCONFORMIDADE ACUSATÓRIAO Ministério Público pugna pela condenação nos termos da denúncia, alegando

que os elementos de convicção autorizam o reclamado juízo de certeza quando aos fatos atribuídos aos réus.

Passo ao exame destacado dos temas controvertidos.5. OFENSA AO ARTIGO 212 DO CPPA defesa de EMERSON argui nulidade por violação ao disposto no artigo 212, caput,

do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.690/2008. Pede seja declarada, com prejuízo da instrução e determinação para repetição dos atos, na forma prevista em lei. Rejeito a arguição defensiva.

Explico, historiando evolução de entendimento.Sempre disse que o artigo 2122 do CPP era sugestivo de que o juiz instrutor

devesse formular apenas perguntas complementares e após as perguntas das partes, assumindo um menor protagonismo na comprovação das teses, como sempre reclamou a doutrina. E isso parecia ser conforme a meta optata da reforma processual operada pela lei em questão: enveredar pelo sistema acusatório. Isso, antes de a controvérsia ser resolvida pelos Tribunais Superiores de modo diverso.

2 – CPP: Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

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Sustentava, então, que se cuidava de nulidade sanável (ou relativa), prevista no artigo 564, inciso IV, do CPP, pois se estaria a tratar, como regra, de simples inversão – se o juiz pode reperguntar, após as perguntas das partes – na ordem das perguntas, violação de formalidade essencial de ato essencial do processo. Aliás, conforme precedente originário do Superior Tribunal de Justiça, com base em provocação da jurisdição promovida pelo próprio Ministério Público. Veja-se:

HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos.2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato, consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade.3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de maneira mais efi caz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.4. Ordem concedida para, confi rmando a medida liminar, anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.(HC 121216/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)

As nulidades sanáveis, porém, devem ser arguidas na primeira oportunidade que surge, sob pena de sanação3. E, considerando o disposto no artigo 571 do Código de Processo Penal4 e sua adaptação possível ao novo rito5, tenho que essa oportunidade é a própria audiência de instrução, debates e julgamento.6 E não poderia ser diferente na medida em que não é próprio admitir a arguição de nulidade por quem

3 – CPP: Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas: I - se não forem arguidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; (...)4 – CPP: Art. 571. As nulidades deverão ser arguidas: (...) II - as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e Vll do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500; III - as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verifi cadas depois desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes; (...)5 – Seu texto não foi revisto pela reforma.6 – Assim como previsto para as nulidades em segundo grau de jurisdição, conforme o mesmo artigo 571 do CPP: (...) VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.”

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implicitamente aceitou os efeitos da atipicidade da forma processual, o que constitui outra hipótese de sanação7, contribuindo8 para a anulação do ato com o seu silêncio, para depois disso tirar proveito em eventual condenação.

Note-se que, no precedente original do Superior Tribunal de Justiça9, o Ministério Público requereu a observância da formalidade na própria audiência de instrução e tomou medidas em tempo oportuno para garantir a adequação formal do ato de instrução. Por isso que a nulidade por vício formal foi declarada, independentemente da cogitação de prejuízo10, a meu sentir. Esse cuidado, todavia, as defesas não foram tomando enquanto a contraimplementação da norma se espalhava pelos juízos de primeiro grau, preferindo guardar a atipia processual como “ás na manga”, mas essa estratégia se revelou desastrosa.

O resultado desse retardamento foi que a contraimplementação não foi inibida em tempo oportuno, cresceu e se tornou praxe, e os Tribunais se recusaram a corrigir tardiamente a atipia, por reconhecer na estratégia uma violação da lealdade processual. A norma caiu no vazio, “não pegou”, como se diz vulgarmente. Agora, em um movimento renovado, as defesas, sobretudo a Defensoria Pública, passaram a impugnar contemporaneamente a atipia, de modo a superar o óbice normalmente oposto à declaração da nulidade mais adiante. Mas é tarde, pois a jurisprudência dos Tribunais Superiores se consolidou de modo a impedir até mesmo isso.

As defesas devem tirar uma lição dessa pequena batalha em busca de sentido normativo, a de que uma visão míope, voltada apenas para os interesses individuais do assistido no caso concreto, impede a necessária oposição à praxe estabelecida e faz letra morta de uma lei que vem em socorro de todos, o que, por efeito bumerangue11, acaba por atingir cada um. A acusação pública, reunida em órgão único e indivisível, ao contrário, adota estratégias globais, age de modo coletivo, sendo melhor sucedida. Para que haja equilíbrio no embate de cada processo é preciso que seus opositores ajam à semelhança dela.12

Uma relação processual equilibrada só é possível desse modo, e é indispensável a à boa administração da justiça, pois sem o contraditório não se tem um processo de partes. Em verdade, o papel mais relevante do condutor do processo é garantir a paridade de armas, sem o que não se tem o contraditório nem a mais ampla defesa. E cabe às defesas confrontar a parte adversária com todas as armas a seu alcance, de modo organizado e coletivo, se necessário, bater-se em busca de decisões que preservem o sentido normativo favorável aos interesses dos cidadãos-réus, pois há claros limites ao que possa fazer o segundo grau nesse sentido.

7 – CPP: Art. 572. (...) III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.8 – CPP: Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.9 – (HC 121216/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)10 – Motivo que havia sido invocado pelo segundo grau para afastar a arguição.11 – Ou “dominó”, se preferirem.12 – Do contrário, estarão sempre a reboque de suas iniciativas, que não são favoráveis às defesas, em regra.

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É natural que ocorra contraimplementação em relação a toda norma nova que venha contrariar norma ou praxe antiga. A força inercial que anima a conduta humana, em todos os setores, faz com que se resista ao novo, sobretudo em um ramo claramente conservador como o direito. E a lei não é senão aquilo que o juiz diz ser, por mais que a intenção do seu criador (legislador) esteja literalmente expressa. A tendência dos Tribunais, devido ao atualmente absurdo volume de trabalho, é no sentido de evitar o retrabalho e promover uniformidade de entendimentos, e isso acaba por favorecer demasiadamente a praxe forense.

Nesse contexto, o que se faz ordinariamente (praxe) com a norma legal em primeiro grau, acaba por ter mais força do que a abstrata doutrina e impedir o implemento das reformas que ela reclama e que obterá eventualmente promover através de lobby na esfera legislativa. Aliás, tem mais força, até mesmo, do que algum regramento dos Tribunais, como se percebeu recentemente em relação à Súm. Vinculante nº 11, de cuja aplicação cuidava esta Terceira Câmara Criminal, pois o próprio STF, ainda que por decisões isoladas de alguns ministros, retirou sua força cogente, ao afastar a nulidade de atos processuais aqui reconhecidas.

Uma das primeiras lições que se aprende nas Faculdades de Direito é a de que uma norma só tem força cogente e será, de fato, aplicada se lhe agregarmos uma sanção para o descumprimento, e que não aplicar a sanção equivale a sua ausência. Pois os Tribunais, de um modo geral, têm séria dificuldade em aplicar a sanção típica da norma processual, qual seja, a nulidade do ato e, por contágio, do processo. A anulação é vista como expressão de um excessivo amor à forma, sendo esquecido que a forma é da essência do ato e que a Lei das Leis garante que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Isso só ocorre devido às consequências de uma decisão que reconhece a atipia do ato processual e ao indesejável retrabalho que dela decorre. Em outras esferas do direito, criou-se a modulação de efeitos, para impedir os desorganizadores efeitos retroativos de um novo entendimento e permitir a revisão, mas disso não se dispõe aqui.13 Nesse contexto, a antes tão desprezada práxis vai assumindo um papel de relevo maior do que a própria doutrina e jurisprudência. E os Tribunais passaram a abdicar do seu papel orientador e corretivo, preferindo manter o status quo, invocando de modo excessivo o princípio da instrumentalidade das formas.

Ninguém cuida de dizer onde fica e qual o papel da garantia constitucional do devido processo legal, que resulta esquecida e, do mesmo modo, esvaziada.

Bem, mas não adianta “dar murros em ponta de faca”. Quando o tema se pacifica – não quando ele ainda registra apenas julgados repetidos de modo mecânico, sem formar o que se possa chamar estritamente de “jurisprudência”, o que, lamentavelmente, está se tornando comum, pelos mesmos motivos – nos Tribunais Superiores, de modo a evitar a disfuncionalidade jurisdicional da resistência democrática, devemos render homenagens ao poder assim exercido e nos submetermos à orientação superior. Se a lei não é senão o que o juiz diz ser, a norma constitucional não é senão o que o STF proclama. De modo que, quando ele se manifesta, temos a máxima: “Roma locuta, causa finita”.

13 – Aliás, suspeito que a grande resistência atualmente oferecida à audiência de custódia é decorrente justamente disso, tanto que a própria Câmara tem recomendado sua realização, mas não tem reconhecido, até aqui, a decorrente ilegitimidade da prisão.

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Lamenta-se que algumas instituições fortemente estruturadas consigam tanto influenciar na jurisprudência dos Tribunais, pois isto apenas revela o desequilíbrio ainda reinante. Mas é a regra do jogo.

Ainda a respeito da contraimplementação e da força que vem adquirindo a práxis, veja-se o que foi feito da reforma processual, que tinha a pretensão de agilizar o processo. A audiência jamais é única, o princípio da identidade física do juiz foi esvaziado, os debates orais são invariavelmente substituídos por memoriais, e o interrogatório do réu como último ato do processo só tem garantido que ele ficará mais tempo preso e será menos crido em sua versão de defesa pessoal.14 Mas a gravação audiovisual foi um significativo ganho, para o primeiro grau, é claro. Peço escusas pela ironia15 na última frase, mas vou explicá-la.

Os juízes de primeiro grau, agora, perdem menos tempo com o registro das audiências, que se tornou automático, o que seguramente é um ganho para o sistema. E, para evitar retrocessos neste signifi cativo avanço técnico, dispensou-se a degravação e, até mesmo, inibiu-se fosse realizada no segundo grau, inclusive por recomendação do CNJ. Mas a consequência é que este, agora, deve dedicar mais tempo assistindo os depoimentos do que antes fazia, lendo. Note-se, uma vez mais, o esvaziamento do segundo grau, tanto em relação aos graus superiores quanto aos inferiores, pois a superfi cialização em seus julgados é fl agrantemente estimulada.

O julgador a que o jurisdicionado recorre, inconformado com a decisão de primeiro grau, é naturalmente estimulado a confirmar, não só a práxis escolhida por seu colega que antes atuou no processo, mais do que isso, a chancelar a decisão por ele proferida, posto que indiscutivelmente o que dá trabalho é reformar uma decisão recorrida. Isso para não falar no desgaste, pois não são poucos os que atualmente consideram essa atitude até ofensiva. A pressão que vem de todos os lados é por conformidade. O papel antes reservado ao segundo grau, de correção e orientação, é cada vez mais visto como discrepante e disfuncional.

É preciso repensar esse formato.Hoje em dia, estamos quase submetidos a uma ditadura da praxe forense. O

que se faz em primeiro grau com uma lei nova acaba por se consagrar nos demais graus de jurisdição, por força desse conjunto de forças inerciais. Se o segundo grau vier a ser esvaziado de sua função corretiva e orientadora, seja em razão do patrulhamento jurisdicional16, seja devido ao fato de que o Terceiro e Quarto graus admitem todos os recursos, quase assumindo um papel de instância ordinária, e também pressionam por conformidade, então, talvez seja hora de extinguir o segundo grau e tornar exclusivamente federal a jurisdição.

Claro, ainda não chegamos a esse ponto.Pois tenho que, se o advogado é indispensável à administração da Justiça, ele deve

assumir seu protagonismo, tanto individual quanto coletivo e resistir a essa tendência de supremacia da práxis sobre o texto de lei, do princípio da instrumentalidade das formas sobre a garantia do devido processo legal, do primeiro grau

14 – Aliás, em resposta a esse efeito, recentemente, redescobriu-se a audiência de custódia, o que resolve o problema no que diz respeito à prisão sem culpa formada, mas não quanto à credibilidade do réu.15 – Que vai aqui destacada, pois não me surpreenderia tenha passado despercebida.16 – A pressão por conformidade vinda dos graus inferiores e do mesmo grau.

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sobre os graus superiores, obtendo que se restaurem a ordem processual, a hierarquia da jurisdição, o princípio da legalidade e as garantias do devido processo legal, da mais ampla defesa e do contraditório, entre outras tantas normas e regras legais bem conhecidas e que sido malversadas.

Retornando ao caso dos autos. Aqui, por ocasião da audiência de instrução, a defesa não manifestou protesto algum, como se vê das atas de f. 393 e 455, vindo a fazê-lo apenas em memoriais escritos. Em face do acima exposto, considero que a matéria já se encontrava preclusa.

Registro, ainda que houvesse sido sigo alegada em tempo oportuno, não haveria como reconhecer a nulidade, pois julgados do próprio Superior Tribunal de Justiça17 e do Supremo Tribunal Federal18 passaram a exigir, além da manifestação oportuna da parte interessada, a demonstração de prejuízo concreto na inversão da ordem de inquirição, o que nunca se consegue demonstrar nos termos em que exigido. Com isso, esvaziou-se a norma e a própria atipia processual.

Se fizéssemos valer a garantia constitucional, diríamos que o prejuízo abstrato decorrente do não atendimento ao devido processo legal se concretizou por ocasião da sentença condenatória, o que reiteradamente dizemos em casos assemelhados. Mas as portas para o restauro do sentido dado pelo precedente original do Superior Tribunal de Justiça estão todas já fechadas, e não adianta resistir de modo disfuncional. Devido à orientação já firmada nos Tribunais Superiores, inverte-se o ônus de lá reacender o debate sobre o tema, cuidado que os advogados não têm tomado, conforme observação empírica.

A silenciosa conformidade joga uma pá de cal.Se ninguém segue a norma e o descumprimento não é jamais sancionado,

vamos deixar de dourar a pílula e declarar, com todas as letras, que a norma já não existe ou, se ainda existente, não é o que se diz ser. E, se os defensores, insistem em arguir a nulidade contrariando essa volumosa corrente, mas fazem-no de modo quase mecânico, sabedores do que há de resultar e previamente conformados, sem depois buscar reforma junto aos Tribunais Superiores, onde ela se consolidou, então vamos todos ser mais verdadeiros e admitir, sem subterfúgios, como sendo legítimo esse protagonismo judicial, ainda que doutrinariamente impróprio.

Por todos esses motivos, rejeito a preliminar.6. DISCUSSÃOPasso ao exame dos fatos de forma destacada.6.1. Tráfico ilícito de drogas e associação para o tráficoEm relação ao tráfi co de drogas, a decisão desclassifi cou o tipo penal e impôs

a EMERSON e KELLY o cumprimento de três (03) meses de prestação de serviços à comunidade. A respeito dele, o Ministério Público pede a condenação nos termos

17 – Vejam-se, entre outros: HC 267.622/RS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2014, DJe 05/06/2014; HC 216.497/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014; e AgRg no HC 238.263/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012.18 – HC 103525, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010 EMENT VOL-02412-03 PP-00625.

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da denúncia e as defesas, declaração da prescrição quanto ao tipo para o qual se desclassifi cou ou desconstituição parcial da sentença e remessa ao Juizado Especial Criminal.

Examino.Em regra, não é possível [1] desclassificar o tipo do art. 33 para o do art. 28 da

Lei nº 11.343/2006 e [2] condenar pela nova classificação, de modo simultâneo, em vista do que dispõe o art. 383 do Código de Processo Penal, sendo necessário haja aditamento, por se tratar de mutatio libelli, na medida em que a elementar “para consumo pessoal” nunca se encontra na inicial acusatória, nem de modo implícito, por incompatibilidade óbvia.

E, se o Ministério Público insiste na tipifi cação original, como é o caso aqui, sobra julgar a causa nesses estreitos lindes, o que se resolve mediante absolvição pelo único fato imputado, o tráfi co ilícito de drogas, cuja tipifi cação não é suportada pela prova produzida pelo autor da ação penal. Mas, em se tratando de única imputação, não é o caso aqui, também se admite a declinação de competência, que é até mais apropriada.

A declinação de competência, em se tratando de cumulação de pedidos – que, no processo penal, é o próprio fato imputado – e havendo um deles que mantenha residualmente a competência do juízo, também é possível, ainda que incomum. O que não se faz possível é desclassificar e, a um só tempo, condenar pelo tipo de destino, sem aditamento, oportunidade de o réu se defender e alcance de benefícios próprios do rito especial.

Pois, foi isso o que ocorreu no caso dos autos.Outro aspecto que chama atenção no caso dos autos é que, na medida em que

este Tribunal tem devolvida a jurisdição nos limites em que ela foi exercida pelo juízo de primeiro grau e, contra o réu, nos limites do que é pedido pelo Ministério Público, proibida a reformatio in pejus, cabe-nos apenas julgar a causa nos limites em que ela foi posta, condenar ou absolver pelo crime de tráfico ilícito de drogas, revogando a desclassificação.

Se este Tribunal, aplicasse o artigo 383 do CPP, e mandasse retornar os autos ao juízo de origem para o Ministério Público aditar a peça inicial, oportunizando uma condenação pelo tipo de destino que já não se faz possível à vista do desperdício ministerial da oportunidade de aditar ou pedir que se lhe alcance essa oportunidade, como pretensão alternativa em seu recurso, incorreríamos em proibida reformatio in pejus.

Nesta sede, portanto, cabe analisar o mérito apenas quanto ao fato objeto da imputação fática, tráfi co de drogas. E, caso entenda correta a decisão nesse aspecto, dela retirar a absolvição. É o que se pede e pode ser aqui decidido, e o será.

Nesse passo, então, digo que considero irreprochável o juízo manifestado, e o confi rmo nesse aspecto, mas substituo a condenação que foi imposta pelo tipo de destino, substituindo-a pela absolvição pelo tipo de origem. Conforme afi rmou a ilustre Magistrada, não restou demonstrado estreme de dúvida que a pequena quantidade de cocaína apreendida com os acusados era destinada à circulação, antes pelo contrário.

Não há qualquer informação nos autos a indicar os réus como trafi cantes de drogas, nem notícia da realização de investigação anterior ou posterior envolvendo os mesmos. Não foi presenciada alguma conduta que pudesse indicar atividade mercantil e nenhum usuário que tivesse adquirido drogas com eles foi abordado. A quantidade de droga apreendida não é tão signifi cativa, considerando o destino ao consumo compartilhado por duas pessoas, outro tipo de destino de que não

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se cogitou até aqui. Em tal contexto, não vejo como seja possível retirar a reclamada certeza fundada sobre a imputação fática. O que não dizer, então, sobre a associação para o tráfico? Não há prova alguma sequer da existência de outro vínculo entre EMERSON e KELLY, além daquele por eles declarado, que é corroborado de modo veemente pela prisão em quarto de motel.

O que se tem nos autos é apenas um fato objetivo, a posse de pequena quantidade de droga com os réus, admitida por eles, que afi rmaram ela ser destinada a uso próprio, o que é plausível e consistente com a prova trazida ao grampo dos autos. EMERSON ser reconhecido pela vítima do roubo do veículo no qual se deslocaram a Tramandaí, não se relaciona com as práticas imputadas, antes pelo contrário, pois é absolutamente incomum e inesperada a mixagem dessas condutas ilícitas.

Quem pratica o tráfi co, em regra, não precisa buscar sustento em atividades criminosas diversas e de maior risco. A rede de distribuição do tráfi co sói ser exigente com quem nela se insere, há até um código de conduta – avesso à ética da cidadania, mas igualmente obrigatório e até mais rígido, sabidamente com pena de morte – e certas exigências curriculares para entrar nesse círculo, que não confi a em ladrões, por óbvias razões.

Claro, é possível alguém cometer um e outro desses crimes, embora seja de esperar que o faça em tempos diversos, sendo incomum a simultaneidade. Até se diz que a falta da mercadoria nesse mercado ilícito, provocada por ações de repressão bem sucedidas, impulsiona o soldado do tráfico para a prática de roubo, por ter a necessidade econômica, a ousadia proporcionada por sua experiência e o armamento à disposição.

Mas não é o caso aqui.No mesmo sentido, inclusive, é a fundamentação do parecer da ilustre

Procuradora de Justiça, Dr.ª Ana Rita Nascimento Schinestsck, o qual rogo vênia para transcrever, passando a fazer parte da fundamentação do presente voto:

(...)No mérito, o parecer é (i) pelo improvimento do apelo da acusação; (ii) pelo parcial provimento do recurso de Emerson; e (iii) pelo provimento do apelo de Kelly - com o fi m único de declarar extinta a punibilidade de ambos os denunciados em relação ao delito previsto no artigo 28, da Lei n.º 11.343/06.A materialidade dos crimes de posse de drogas para consumo próprio e de porte ilegal de arma de fogo (Emerson) vem devidamente comprovada pelos autos de prisão em flagrante (fls. 37/45), devidamente homologado (fl. 67); de apreensão (fls. 17); laudo de constatação da natureza da substância (fls. 21/22); fotografia da fl. 18; laudo toxicológico definitivo (fls. 219/220), atestando se tratar de cocaína em pó; e laudos periciais atentando a potencialidade lesiva do revólver apreendido (fls. 253/254), e a sua adulteração (fls. 512/514); bem como pela prova oral.A autoria, de igual modo, é certa e recai sobre os réus, consoante a prova coligida.Kelly, quando interrogada em Juízo, afirmou que Emerson a convidou para sair e resolveram ir para Tramandaí. Foram de carro, deixando o veículo estacionado em um posto, e seguiram para um motel. Disse que o codenunciado tinha cocaína e uma arma de fogo, e que consumiram a droga juntos. Esclareceu que já haviam cheirado cocaína em Cachoeirinha, antes de viajar, e depois consumiram novamente, quando no quarto do motel. Quando estava tomando um banho, policiais militares entraram no quarto e os prenderam em flagrante (fls. 271/274).

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Emerson, por sua vez, confirmou que estava no motel de Tramandaí com a codenunciada e que a droga apreendida era para eles consumirem durante a noite. Em relação ao revólver, afirmou que a arma de fogo lhe pertencia (fls. 275/279).O policial militar Jéferson Luciano Segatto Nascimento, responsável pela prisão em fl agrante, relatou que sua guarnição foi informada de que um casal havia abandonado o veículo que usava em um posto de combustíveis. Consultando a placa, constataram que existia registro de roubo. Com a notícia de que o casal havia entrado em um motel, dirigiram-se até o local e solicitaram o ingresso no quarto. Emerson não abriu a porta e a entrada foi forçada. O réu ainda tentou usar a arma de fogo que portava, mas foi detido. Kelly estava tomando banho, e foi detida na sequência. Foram encontradas 10,2g (dez gramas e dois decigramas) de cocaína com eles (fl s. 329/332).No mesmo sentido foram as declarações de Júlio César Santos de Aguiar, policial militar que igualmente participou do flagrante, o qual confirmou que a prisão foi realizada em razão do veículo roubado, e não foi denúncia de tráfico de drogas (fls. 343/345).Arildo Nunes da Silva, proprietário do veículo apreendido no dia do flagrante, confirmou a ocorrência de roubo, reconhecendo Emerson como autor do crime (fls. 395/398 e 457/464), mas tal fato não é objeto do processo em questão.As demais testemunhas ouvidas em Juízo nada esclareceram sobre os fatos.Observa-se, portanto, pelo contexto probatório, estar evidenciado que tanto Emerson como Kelly estavam com cocaína no quarto de motel que ocupavam; incontroverso, igualmente, que Emerson portava arma de fogo, com numeração raspada. Todavia, nada há nos autos indicando que os denunciados exerciam traficância, e que a droga apreendida fosse para venda e não para consumo, como afirmado pelos réus em interrogatório. Até mesmo porque a abordagem policial, que teve como consequência a prisão em flagrante de ambos, foi realizada por ter sido constatado que o veículo por eles utilizado era roubado.Desta forma, não há como prover o recurso do Ministério Público, pois não demonstrado nos autos, de forma extreme de dúvidas, que Emerson e Kelly exerciam traficância; e, muito menos, que haviam se associado para este fim, até mesmo porque, ao que tudo indica, se conheceram naquela mesma noite.E, tendo em vista o não cabimento do apelo acusatório, forçoso reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva para ambos os denunciados, em relação ao crime de posse de droga para consumo próprio.Ora, prevê o artigo 30, da Lei n.º 11.343/06, que as penas previstas em seu artigo 28 terão prazo prescricional de 02 (dois) anos. Assim, considerando que a denúncia foi recebida em 25 de janeiro de 2010 (fl . 198), e que a sentença monocrática foi publicada em 17 de dezembro de 2012 (fl . 687) - quase três anos após, portanto - houve a extinção da punibilidade dos réus, forte nos artigos 107, inciso IV; 110, § 1º; 117, inciso IV; e 119, todos do Código Penal, e artigo 30, da Lei n.º 11.343/06.(...)19

Por todo o exposto, mantenho a absolvição quanto ao crime de associação para o tráfico e a ela agrego a absolvição quanto ao crime de tráfico ilícito de drogas, desconstituindo e substituindo a sentença na parte em que desclassificou para o tipo do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006.

De todo modo, já se operou prescrição pela pena em abstrato, pois transcorridos mais de dois (02) anos entre o recebimento da denúncia – em 25.01.2010 (f. 198) – e

19 – Parecer extraído do sistema Themis, pelo método copiar-colar.

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a publicação da sentença – em 17.12.2012 (f. 687) –, bem como entre esta a última e a data da presente decisão.

6.2. Porte ilegal de arma de fogo

Começo por observar que o verbo nuclear escolhido imputar – portar – expressa uma conduta individual, excludente da participação de terceiros. E, no entanto, a inicial imputou a mesma conduta a ambos os réus e sem individualizar a contribuição de cada um nessa ação, como se fosse possível a duas pessoas portar coletivamente uma arma de fogo. E, todavia, porte coletivo não há.

A sentença reconheceu provado o porte apenas em relação a EMERSON, que confessou a propriedade da arma de fogo, considerando não haver prova sufi ciente para ensejar a condenação de KELLY. O órgão ministerial recorreu da decisão, a afi rmar que “não há como dissociar da ré KELLY o dolo de, juntamente com Emerson, manter consigo a arma de fogo descrita na denúncia”. Tenho, contudo, que razão não lhe assiste.

No caso dos autos, foi imputado um agir coletivo indiferenciado – portavam –, admitido apenas por EMERSON. KELLY disse desconhecer a arma, só a tendo visto no momento da prisão. A testemunha Arilson disse em juízo reconhecer EMERSON como um dos autores do roubo de seu veículo Ford/Fiesta, afi rmando que o réu estava armado com um revólver calibre 38 na ocasião. E, segundo relato dos policiais ouvidos em juízo, KELLY estava no banheiro no momento da entrada dos milicianos no quarto, e EMERSON tentou pegar a arma, sendo contido pelos autores da prisão.

Estando a prova a isso resumida, não vejo como manifestar certeza fundada quanto a KELLY ter contribuído de qualquer modo para a prática do delito. E, da maneira como o fato foi imputado, não é possível que duas pessoas realizassem a conduta simultaneamente, de modo que a condenação de uma impede a de outra.

Mantenho a absolvição de KELLY pela prática imputada.De outra banda, EMERSON postula absolvição por inexistência de perigo

concreto na conduta, alegando a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Razão não lhe assiste.

Sobre a constitucionalidade da Lei 10.826/2003, observo que ela tem sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como se pode ver pelas ementas de precedentes que vão a seguir transcritas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 10.826/2003. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA. INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA DESCARACTERIZADA. PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO RECONHECIDA. OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO. DIREITO DE PROPRIEDADE, ATO JURÍDICO PERFEITO E DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS. ASSERTIVA IMPROCEDENTE. LESÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AFRONTA TAMBÉM AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ARGUMENTOS NÃO ACOLHIDOS. FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE. REALIZAÇÃO DE REFERENDO. INCOMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL. PREJUDICIALIDADE. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE

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QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA. I - Dispositivos impugnados que constituem mera reprodução de normas constantes da Lei 9.437/1997, de iniciativa do Executivo, revogada pela Lei 10.826/2003, ou são consentâneos com o que nela se dispunha, ou, ainda, consubstanciam preceitos que guardam af inidade lógica, em uma relação de pertinência, com a Lei 9.437/1997 ou com o PL 1.073/1999, ambos encaminhados ao Congresso Nacional pela Presidência da República, razão pela qual não se caracteriza a alegada inconstitucionalidade formal. II - Invasão de competência residual dos Estados para legislar sobre segurança pública inocorrente, pois cabe à União legislar sobre matérias de predominante interesse geral. III - O direito do proprietário à percepção de justa e adequada indenização, reconhecida no diploma legal impugnado, afasta a alegada violação ao art. 5º, XXII, da Constituição Federal, bem como ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. IV - A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido” e de “disparo de arma de fogo”, mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. VI - Identificação das armas e munições, de modo a permitir o rastreamento dos respectivos fabricantes e adquirentes, medida que não se mostra irrazoável. VII - A idade mínima para aquisição de arma de fogo pode ser estabelecida por meio de lei ordinária, como se tem admitido em outras hipóteses. VIII - Prejudicado o exame da inconstitucionalidade formal e material do art. 35, tendo em conta a realização de referendo. IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003.(ADI 3112, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/05/2007, DJe-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007 DJ 26-10-2007 PP-00028 EMENT VOL-02295-03 PP-00386 RTJ VOL-00206-02 PP-00538)HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. INOCORRÊNCIA. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. A conduta de posse de arma de fogo com numeração raspada não está abrangida pela vacatio legis prevista nos art. 30 a 32 da Lei 10.826/03. Precedentes. 2. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é crime de mera conduta e de perigo abstrato. O objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante estar a arma de fogo desmuniciada. 3. Ordem denegada.(HC 117206, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 05/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19-11-2013 PUBLIC 20-11-2013)

PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (ART. 12 DA LEI Nº 10.826/2003). ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA OU PERIGO ABSTRATO. PRECEDENTES. TUTELA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA PAZ SOCIAL. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA (ARTS. 30 E 32 DA LEI

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N. 10.826/03). NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO. 1. A arma de fogo mercê de desmuniciada mas portada sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar confi gura o delito de porte ilegal previsto no art. 10, caput, da Lei nº 9.437/1997, crime de mera conduta e de perigo abstrato. 2. Deveras, o delito de porte ilegal de arma de fogo tutela a segurança pública e a paz social, e não a incolumidade física, sendo irrelevante o fato de o armamento estar municiado ou não. Tanto é assim que a lei tipifi ca até mesmo o porte da munição, isoladamente. Precedentes: HC 104206/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/8/2010; HC 96072/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Dje de 8/4/2010; RHC 91553/DF, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJe de 20/8/2009. 3. In casu, o recorrente foi autuado em fl agrante, porquanto em cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão expedidos em seu desfavor, foi encontrada em sua residência um revólver calibre 38, marca Rossi, em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. 4. Os artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003 estabeleceram o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para os possuidores e proprietários de armas de fogo as regularizarem ou as entregarem às autoridades competentes, descriminalizando, temporariamente, as condutas típicas de “possuir ou ser proprietário” de arma de fogo. Esse período iniciou-se em 23 de dezembro de 2003 e encerrou-se no dia 23 de junho de 2005, sendo, posteriormente, prorrogado até 23/10/2005, conforme Medida Provisória 253/2005, e estendido até 31 de dezembro de 2008, nos termos da Medida Provisória 417/2008, convertida na Lei 11.706/2008. A Lei 11.922/2009, prorrogou, novamente, este prazo para 31 de dezembro de 2009. 5. No caso sub examine, a arma foi encontrada em poder do paciente em 27/4/2010, portanto, posteriormente, as sucessivas prorrogações legais para a entrega espontânea ou regularização das armas de fogo em desacordo com a previsão legal e que descriminalizaram temporariamente a conduta de possuir arma de fogo de uso permitido, por isso não houve a abolitio criminis para a conduta imputada ao recorrente. 6. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.(RHC 117566, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 15-10-2013 PUBLIC 16-10-2013)

Também reconhecendo que se trata de crime de mera conduta e de perigo abstrato, firmou-se jurisprudência nas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça, de que são exemplo as ementas transcritas a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA.CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. PRECEDENTES DO STJ.AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.1. Esta Corte firmou entendimento de ser irrelevante estar a arma estar desmuniciada, ou aferir sua eficácia, para configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva, subsume-se aos tipos descritos nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/03, não havendo se falar em atipicidade da conduta.2. Agravo regimental improvido.

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JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL 275

(AgRg no AREsp 333.461/DF, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/07/2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIMES DE MERA CONDUTA. PERIGO ABSTRATO. DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO COMPROVAÇÃO.1. No caso, o dissídio jurisprudencial não foi demonstrado conforme os requisitos elencados nos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ.2. De qualquer forma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o delito previsto no artigo 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, ou seja, o simples fato de portar a arma e/ou munição, sem a devida autorização, tipifica a conduta.3. Na hipótese, não obstante a ausência de potencialidade lesiva da pistola periciada, o porte das munições, por si só, confi gura a prática do delito em questão, pois o núcleo do tipo prevê, explicitamente, que tal conduta é antijurídica, independentemente da apreensão de arma de fogo e da sua eventual capacidade de efetuar disparos, como bem ressaltou a Corte de origem.4. Não trazendo o agravante tese jurídica capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, é de se manter a decisão agravada na íntegra, por seus próprios fundamentos.5. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1154430/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 04/06/2013)

E, com efeito, a posse de arma de fogo rebaixa potencialmente a segurança coletiva, constituindo crime de perigo abstrato, que dispensa realização de algum perigo concreto. Depois, os critérios para aferição da tipicidade do delito são objetivos, não se atêm a fatores subjetivos, tais como motivos ou circunstâncias.

Nesse contexto, o potencial ofensivo da arma apreendida foi atestado pelo exame pericial de f. 253. A imputação no artigo 16 da Lei 10.826/03, por sua vez, é correta, uma vez que o exame de f. 512 certifi cou que a arma de fogo apresentava o número de série removido por processos abrasivos. Por fi m, o apelante confessou em juízo que a arma de fogo era de sua propriedade. Não vinga, pois, o pleito absolutório.

As penas foram fixadas nos mínimos de três (03) anos de reclusão e de dez (10) dias-multa, com a devida aplicação da atenuante da confissão espontânea. O regime fixado foi o aberto e a pena corretamente substituída por restritivas de direitos. Não há reparos a fazer.

POSTO ISSO, voto no sentido de negar provimento ao recurso ministerial e dar parcial provimento ao recurso de EMERSON e integral provimento ao recurso de KELLY para desconstituir em parte a sentença, afastando a condenação pelo artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, e absolvê-los quanto à imputação da prática de tráfi co ilícito de drogas, mantida quanto ao mais a sentença.

Des. Diógenes Vicente Hassan Ribeiro (Revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes – De acordo com o(a) Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: CRISTIANE ELISABETH STEFANELLO SCHERER

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JURISPRUDÊNCIACÍVEL

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AGRAVO DE INSTRUMENTO

Agravo de Instrumento n. 70064974124 (n. CNJ: 0182790-20.2015.8.21.7000) – 3ª Câmara Cível – Viamão

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO CAUTELAR. PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 20, PARAGRÁFO ÚNICO DA LEI Nº 8.429/1992. CABIMENTO.

Evidenciada a relação espúria entre o agravante, na época Vice-Prefeito de Viamão, e o sócio da Goufe Empreendimentos Imobiliários LTDA - ME, com vistas à edição de provimento normativo – Decreto Executivo nº 066/2011 -, mediante obtenção de vantagem patrimonial indevida, para fins do retorno do licenciamento para a extração de areia no município de Viamão, conforme as interceptações telefônicas autorizadas judicialmente.

Além do mais, o êxito do empreendimento ilícito, tendo em vista a edição do novo decreto Executivo, com a ressalva em favor da Goufe LTDA - ME.

De outra parte, o afastamento do recorrente da gestão pública, em razão da probabilidade de interferência na prova e sobre os demais demandados, com base nas relações políticas, confirmadas pelos exercícios de cargos em comissão no Governo do Estado; e de forma irregular, pois depois da vedação judicial, na Assembléia Legislativa e Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a indicar a falta de compromisso com os princípios da administração pública.

Assim, presente o perigo de dano à Administração, a legitimar a manutenção do afastamento cautelar do recorrente do exercício da função pública, com base na segurança da instrução processual.

Art. 20, parágrafo único da Lei nº 8.429/1992.Precedentes do e. STJ e TJRS.Agravo de instrumento desprovido.

Atidor da Silva da Cruz, agravante – Ministério Público, agravado.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.Custas na forma da lei.

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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO (PRESIDENTE) E DESA. MATILDE CHABAR MAIA.

Porto Alegre, 28 de janeiro de 2016.Eduardo Delgado, Relator.

RELATÓRIODes. Eduardo Delgado (Relator) – Trata-se de agravo de instrumento interposto por

ATIDOR DA SILVA DA CRUZ contra a decisão das fl s. 1312-1314 e v., complementada em sede de embargos de declaração (fl s. 1574-1575), nos autos da presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em seu desfavor e contra JORGE DE SOUZA DE AZEVEDO; RICARDO DE SOUZA GROSS; HENRIQUE EDUARDO GOULARTE FEIJÓ e GOUFE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA - ME.

Os termos da decisão hostilizada:

“(...)Vistos.O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuíza Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa em face de Atidor da Silva Cruz, Jorge de Souza de Azevedo, Ricardo de Souza Gross, Henrique Eduardo Goularte Feijó e Goufe Empreendimentos Imobiliários Ltda- ME, todos qualifi cados na inicial, asseverando que, após concluída investigação interna, apurou-se que os réus acima citados ajustaram suas condutas e uniram esforços no intuito de obter declaração de viabilidade de desmembramento e licença municipal de exploração mineral, mediante a alteração de decreto municipal que restringia a instalação de atividade de extração mineral no Município, em detrimento dos interesses da Administração Pública. Alega que os três primeiros réus: Atidor, Jorge e Ricardo, valendo-se dos cargos públicos que exerciam, auferiram vantagem patrimonial indevida em detrimento dos interesses da administração pública; e que o quarto demandado, agindo em prol dos interesses da empresa GOUFE da qual era sócio, ofereceu vantagem indevida aos outros três réus, em troca de ser favorecido com a extração de minerais na Comarca. Requer a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para o fi m de determinar: (a) a proibição do exercício de função pública pelos réus ATIDOR, JORGE e RICARDO; (b) a proibição de a empresa GOUFE EMPREENDIMENTOS IMONILIÁRIOS LTDA contratar com o Poder Público; (c) a cassação da licença concedida à empresa acima citada por meio do Decreto-Lei n.º 066/2013, do Poder Executivo Municipal.Junta documentos, os quais compõe os sete volumes que passo, agora a analisar.Relatei. Decido.Cabível apreciar o pedido liminar antes da notificação do ente público, a teor do que determinam os artigos 2º, da Lei 8.437/97 e art. 17, § 7º, da Lei 8.429/92, porquanto os fatos noticiados pelo Ministério Público são de extrema gravidade e se constituem em sólidos indícios da prática de improbidade administrativa.É importante defi nir, outrossim, que o pleito liminar se reveste de caráter antecipatório de tutela, na medida em que as providências pretendidas pelo autor da ação guardam estreita sintonia com os efeitos de eventual decisão condenatória.Feito o registro, destaco que da análise da vasta prova produzida nos autos extraem-se indícios sufi cientes da negociata entabulada entre os réus, a qual, ao menos em juízo de cognição sumária, parece confi gurar ato de improbidade administrativa.Observe-se que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul instaurou Inquérito Civil no intuito de investigar a concessão de licença para exploração de minério no Município.

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Após largo período de investigação, inclusive por meio de interceptação dos telefones usados pelos investigados, descortinou-se possível a configuração de verdadeira “associação” onde os réus acima apontados, exercentes de cargos públicos, no caso, o então Vice-Prefeito, o Secretário de Desenvolvimento e Assessor de Gabinete do Vice-Prefeito, estariam exigindo vantagem patrimonial indevida com o fito de “facilitar”, “acelerar” a tramitação de processos ou, ainda, autorizar a extração de areia em desacordo com a legislação e em prejuízo ao meio ambiente. Visando a possibilitar a correta compreensão dos fatos, esclareço que o Município de Viamão-RS expediu decreto proibindo a expedição de alvarás de exploração da atividade mineral, dispondo nos seguintes termos: “ os processos e demais procedimentos no âmbito da administração municipal com o fim de licenciamento, precário ou definitivo, para extração mineral, ficam suspensos até que legislação específica disponha sobre zoneamento ambiental.”Em virtude disso, as tratativas entre os agentes passaram a acontecer e, visavam, supostamente, a modificação dessa legislação de forma a permitir que a empresa GOUFE pudesse continuar desenvolvendo seus empreendimentos por meio da extração de areia.Veja-se, a propósito, o Relatório de fl s. 522539, de onde se extraem, dos diálogos interceptados, fortes indicativos da negociação mantida entre JORGE, HENRIQUE E ATIDOR:“HENRIQUE efetuou um telefonema a JORGE e informou que”¿descubri tuto o negócio aquele lá..não poderia, decreto o zoneamento de todas as LO. JORGE questionou: “ e o teu?”. HENRIQUE: “LI não...vou ter que entrar na Justiça.” JORGE: “não vão dá mais licença também??. HENRIQUE: “não, nada, nada, trancaram tudo.”No dia 09/11/2011, JORGE então telefona para ATIDOR, fi ns de buscar esclarecimentos acerca da notícia que recebera de HENRIQUE, diálogo que se desenvolve nos seguintes termos: “JORGE: trancaram tudo? ATIDOR: parece que sim, até aquele lá do HENRIQUE, se saí o decreto como ele tá querendo vai ferra o HENRIQUE aqui. JORGE: “não pode, o cará tá com LI tá loco, essa cara tá loco..”Em outra ligação, no dia seguinte, JORGE recebe um telefonema de HENRIQUE, o qual se queixa de que as coisas estão ruins e sugere que ele convença ATIDOR de que o decreto deve ser expedido de modo a contemplar as empresas que tenham LO (fl . 524).No dia subsequente (11/11/2011),. JORGE telefona para HENRIQUE e sugere que ele procure ATIDOR para trazer “um” para ele. E ainda ressalta: “ele pergunto por ti se tu vai vim aqui amanhã”. Registro, no particular, que JORGE era assessor do Gabinete de Atidor, o více-prefeito.Ao que tudo indica, ciente de que tal aconteceria, ATIDOR telefona para JORGE e o questiona sobre a evolução do caso, ao dizer: “como é que foi lá?”, no que o comparsa responde: “mais ou menos segunda feira tem que ir lá pegar o negócio lá...ele se apavorou quando eu disse, penso que seria 5 pila o quilo, ai eu disse que não, no mínimo 20 pila, entendeu, vende uma draga para arrumar 10 pra segunda?” (grifei - fl . 525).Os diálogos subsequentes revelam a continuidade da negociação. Este que será citado é altamente elucidativo. Por meio dele, JORGE relata que está fazendo sua parte, que já encaminhou o novo projeto de lei e cobra de HENRIQUE que ele faça a sua parte: “JORGE efetuou telefonema a HENRIQUE e informou: “já tá com o homem, confi ança em cara.”. HENRIQUE: “beleza...pode fi car tranquilo, tô me virando.” JORGE então diz: “ não fala pra ninguém que tu sabe que o decreto tem um...tá tudo liberado. E prosseguem: HENRIQUE: “correndo atrás do negócio nosso”. JORGE: “não esquece que é compromisso, Deus o livre né HENRIQUE”, que responde: “a metade já tá na mão comigo mesmo, tá faltando a outra metade só.”Mais tarde, JORGE e HENRIQUE se encontram e vão olhar um carro, que, ao que tudo indica, seria entregue por HENRIQUE como parte do pagamento ajustado. JORGE, ao ver o carro, telefona para o fi lho e questiona o preço de avaliação do

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veículo. Após, ele tenta negociar com HENRIQUE e enfatiza que ele quer o dinheiro até sexta-feira, como tinham conversado.Como o pagamento ainda não tinha sido implementado, ATIDOR telefona para JORGE e pergunta se ele mostrou HENRIQUE a alteração que estava sendo proposta. Ele responde que sim. Eles conversam mais um pouco, até que ATIDOR, evidenciando seu interesse no caso, ressalta: “só o que falta...tem que dizer para ele: “o meu, eu fico mau, ai não tem mais quebra galho.”Nova conversa se inicia e ATIDOR pergunta a JORGE para quando ficou acertado o primeiro papel, ou seja, o primeiro pagamento.Depois de muitas tratativas, o novo decreto, que assume o Número 66/2011, atendendo, por fim, as exigências do empresário, ao dispor, em seu artigo 1º: “Ficam revogadas as licenças para exploração de jazidas de substância mineral, concedidas para as empresas mineradoras, AINDA NÃO LICENCIADAS PARA INSTALAÇÃO, com fundamento no art. 152 da Lei Municipal n.º 2.041/90Nesse contexto, vejo que há elementos sufi cientes para depreender que os outrora agentes públicos (lato sensu), Atidor da Silva Cruz, Ricardo de Souza Gross e Jorge de Souza Azevedo, prevalecendo-se principalmente das funções que exerciam, solicitaram vantagens indevidas dos demais litisconsortes passivos para a confecção de um decreto lei que viabilização a extração de areia pela empresa ré. Por conseguinte, há evidências de que praticaram condutas elencadas nos artigos 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992.Está presente, de outra banda, o risco de dano de difícil ou incerta reparação. Com efeito, é latente a possibilidade de que os réus tornem a exercer cargos públicos; bem como a de que a empresa ré volte a explorar áreas deste município, face ao objeto de seu contrato social.A propósito desta conclusão, é de bom alvitre ressaltar que os réus são pessoas de amplo relacionamento na Comarca, e ao menos no que tange aos agentes públicos, possuem vasta rede de contatos políticos, de modo que podem voltar a compor o governo por meio dos mais variados cargos de que dispõe.E se isso acontecer, é provável que eles continuem usando dessa infl uência política para continuarem a receber vantagens em detrimento dos interesses da administração pública.Determino, outrossim, a cassação da concessão de licença concedida para a empresa ré por meio do Decreto 66/2011.Registro, por fim, que a medida pleiteada não se reveste com a roupagem inerente à irreversibilidade.À vista do exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, razão pela qual proíbo o exercício de função pública aos demandados Jorge de Souza de Azevedo, Ricardo de Souza Gross e Atidor da Silva da Cruz; proibo a empresa GOUFE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA - ME a contratar com o poder público; e determino a casssação da licença concedida à referida empresa com base no Decreto 66/2011.Intimem-se pessoalmente os integrantes do polo passivo nominados no parágrafo supra e o Ministério Público.Nos termos do artigo 17, parágrafo 7º, da Lei nº 8.429/92, notifiquem-se todos os demandados. (...)”“(...)Vistos.Trata-se de embargos declaratórios manejados por Atidor da Silva da Cruz requerendo a reforma da decisão antecipatória para o fim de reconsiderá-la no tocante ao afastamento da função pública.Vieram-me, então, os autos conclusos.É o breve relato. Decido.

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Os embargos de declaração são cabíveis sempre que na sentença, decisão interlocutória ou acórdão houver omissão, obscuridade ou contradição, a teor do que proclama o art. 535, do CPC.Entretanto, no caso em exame, a decisão é clara e precisa, não havendo nenhum dos vícios acima apontados.Veja-se que, a amparar sua tese, defende o réu Atidor que “há omissão da decisão interlocutória entre as razões que balizaram a liminar e a proibição do exercício do cargo.” E, adiante, fundamenta que essa desproporção ocorre porque hoje ele já não exerce cargo de vice prefeito e sequer a sua função tem relação com a área de expedição de alvará para exploração mineral.Ora, é evidente que os embargos estão aqui sendo utilizados como sucedâneo do recurso de agravo de instrumento, pois o que pretende o embargante é a reforma da decisão interlocutória.Não há omissão no julgado, como ele pretende fazer crer, tanto que ele sequer a descreve. Aliás, a suposta omissão estaria situada numa alteração de fatos, que notoriamente não a consubstancia.Entretanto, em nome da fungibilidade, conheço desta peça recursal como um pedido de reconsideração, pelo que passo a examiná-lo, adiantando, desde logo, que irei mantê-la, por seus próprios e jurídicos fundamentos, aos quais acrescento:O afastamento do réu da função pública é medida que se impõe e está embasada na prova até aqui produzida. Como ressaltado na decisão antecipatória, há nos autos elementos fidedignos que levam a crer o efetivo cometimento pelo réu de conduta improba.A improbidade é punida ferozmente pela lei e, dentre as reprimendas possíveis, está o afastamento e, inclusive, a inabilitação para a função pública pelos prazos que a lei estipula.Essas punições não estão vinculadas ao cargos e a maior ou menor facilidade que eles pode garantir ao agente improbo, mas sim a um dever de conduta: a eticidade que deve pautar as relações desse agente público para com a Administração e a coletividade em geral.Aliás, prova disso é que mesmo fora do exercício da função, ainda poderá o agente sofrer condenação cível dessa monta, sendo impedido, inclusive, de licitar com o poder público.Considera-se, portanto, que a pessoa não preenche requisitos mínimos para o exercício dessa função e, ao exercê-la, seja qual for, poderá por em prejuízo interesses coletivos, defendidos com prioridade pela nossa ordem constitucional.Por todas essas razões, mantenho a decisão atacada. (...)”(grifos no original)

Nas razões, o agravante insurge-se contra a proibição do exercício da função pública, tendo em vista o término do mandato de Vice-Prefeito do município de Viamão.

Aduz a ausência de elementos de prova do conluio apontado na inicial, com vistas ao favorecimento da empresa GOUFE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA-ME, através da manutenção de licença para a extração de areia, especialmente em razão da falta de atribuição do vice-prefeito para a edição de decreto executivo neste sentido.

De igual forma, refere a falta de indicativos da sua intenção de interferência na instrução processual, e transcreve provimento liminar na ação penal na qual fi gura como réu, de vedação do exercício de cargo ou função pública no município de Viamão.

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Enfatiza a inviabilidade de prejuízo à instrução processual, tendo em vista o término do mandato de vice-prefeito, a afastar o perigo de lesão grave e de difícil reparação.

Transcreve jurisprudência.Requer a atribuição de efeito suspensivo à decisão hostilizada, e ao final, o

provimento do recurso, para fins da revogação da vedação do exercício de função pública, ou, de forma subsidiária, a limitação no âmbito da Comarca de Viamão.

Indeferida a medida liminar (fls. 1594-1605 e verso).O decurso in albis do prazo para contrarrazões (fl. 1612).Nesta sede, parecer do Ministério Público, da lavra do e. Procurador de Justiça,

Dr. Eduardo Roth Dalcin, pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fl s. 1613-1617).Indeferido o pedido de reconsideração (fls. 1622-1624 e 1634-1635).Os autos vieram conclusos.É o relatório.

VOTOSDes. Eduardo Delgado (Relator) – Eminentes Desembargadores.Por economia, peço licença para transcrever os motivos do indeferimento da

medida liminar recursal (fls. 1594-1605):

“(...)A matéria devolvida reside no direito do agravante à suspensão, e ao final, na revogação da medida liminar hostilizada, no sentido da vedação do exercício de função pública pelo recorrente.A suspensão da decisão hostilizada pressupõe a relevância da fundamentação, e o perigo de lesão grave e de difícil reparação, acaso mantida a decisão impugnada – art. 558, caput, do CPC1.Trata-se de ação civil pública por improbidade administrativa, proposta em desfavor do agravante, Sr. Atidor da Silva da Cruz; bem como contra o Sr. Jorge de Souza de Azevedo; Sr. Ricardo de Souza Gross; Sr. Henrique Eduardo Goularte Feijó; e Goufe Empreendimentos Imobiliários LTDA – ME, em razão de suposta negociação com vantagem patrimonial indevida com o empresário sócio da empresa ré, para fins da manutenção do licenciamento para a extração de areia no município de Viamão, através de ressalva normativa, tendo em vista a proibição de alvarás instituída no Decreto Executivo nº 063/20102 de 09.11.2010 (fls. 574-575).

1 – Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento defi nitivo da turma ou câmara.

(...)2 – Proíbe a concessão de novos alvarás para a instalação de empresas que tenham por objeto a extração de areia no município de Viamão.

(...)

Art. 1º Fica proibida a liberação de novos alvarás para a extração de areia nos limites do município até que o GT nomeado para promover estudos sobre as atuais licenças conclua seus trabalhos.

(grifei)

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Em 25.11.2011 sobreveio o Decreto Executivo nº 066/20113 (fl. 579), com a exceção pretendida em favor das empresas já licenciadas, e o benefício da ré Goufe Empreendimentos Imobiliários LTDA – ME.Neste sentido a pretensão inicial do Ministério Público, de condenação dos demandados nas sanções dos art. 12, incisos I e III4, com base nos arts. 9º e 11º, I, todos da Lei nº 8.429/925.

3 – Dispõe sobre licenças, instalações e operações com o fi m de extração mineral no Município de Viamão.

(...)

DECRETA:

Art. 1º - Ficam revogadas as licenças para exploração de jazidas de substancias minerais, concedidas para as empresas mineradoras, ainda não licenciadas para instalação, com fundamento no art. 152 da Lei Municipal nº 2.041 de 01.06.90, alterado pela Lei Municipal nº 2.388 de 28.06.94, que deu nova redação ao capítulo VIII do Código de Posturas do Município de Viamão.

(...)

(grifei)4 – Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específi ca, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fi xação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.5 – Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fi m proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

(...)

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Dos elementos constantes do inquérito civil (fl s. 41-1311) - apuração de práticas de atos de improbidade administrativas previstos nos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/92 -, depreende-se a proximidade entre o recorrente, Sr. Atidor da Silva da Cruz, e o empresário Sr. Henrique Eduardo Goularte Feijó, bem como nítidas tratativas com vistas à viabilidade do desmembramento do Decreto Executivo nº 063/2010, de 09.11.2010, conforme as interceptações telefônicas precedidas de autorização judicial. De igual forma o êxito da empresa GOUFE, com a edição do decreto Executivo nº 066/2011, no sentido da ressalva da proibição para as empresas ainda não licenciadas, e a consequente manutenção da sua licença para extração de areia. Neste sentido, os indícios da relação espúria entre o agravante, na época Vice-Prefeito de Viamão, e o Sr. Henrique, sócio e representante da empresa Goufe Empreendimentos Imobiliários LTDA – ME.De outra banda, a corroborar ainda mais a gravidade dos atos, o aforamento da ação penal nº 039/2.13.0010022-8 contra o recorrente, e o provimento cautelar6 no sentido do seu impedimento para o exercício de cargo, emprego ou função pública, no município de Viamão.

6 – http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc(...)

LGPM Vistos. Proceda-se a NOTIFICAÇÃO dos acusados para oferecerem defesa preliminar em quinze (15) dias, conforme art. 514, do Código de Processo Penal. Decorrido o prazo sem manifestação ou apresentação da defesa escrita, será nomeada a Defensoria Pública para atuar em favor dos denunciados, a qual deverá ser intimada a oferecer defesa preliminar. Outrossim, tendo em vista a bem lançada manifestação do Ministério Público, a qual, para evitar tautologia, adoto como razões para decidir, determino o arquivamento do procedimento investigatório Criminal n.º 00932.00013/2012 relativamente a Ricardo Schuster. Por fi m, o Ministério Público representou pela suspensão do exercício de função pública com relação a Atidor da Silva da Cruz, e pela proibição de assunção/impedimento de exercício de funcão pública por parte dos três denunciados. Referiu o Parquet que Atidor da Silva da Cruz atualmente exerce cargo comissionado junto ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, na Secretaria Estadual da Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa, postulando seja ele liminarmente afastado do cargo para evitar a possibilidade de reiteração criminosa e pelo risco de interferência na instrução processual. Contudo, razão não lhe assiste. A Lei n.º 8.429/92, que dispõe sobre a improbidade administrativa, trouxe como regra, em seu artigo 20, a perda do cargo ou função pública somente após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Previu, como exceção, o afastamento cautelar do cargo quando houver risco de interferência na instrução processual, o que não se amolda no caso em análise. Atidor atualmente se encontra for a da Administração Municipal, junto ao Governo do Estado, em cargo completamente distinto daquele que ocupava na gestão anterior, e sem vinculação política conhecida ou documentada nos autos com a atual Administração. Nessas condições, não se vislumbra a possibilidade de qualquer interferência por parte do acusado no curso da instrução deste processo, inexistindo requisito legal para afastá-lo liminarmente do cargo que ocupa, fi cando a cargo do Governo do Estado do Rio Grande do Sul tomar eventual medida para acautelar a moralidade administrativa frente à população. Por outro lado, no caso do requerimento de proibição de assunção/impedimento de exercício de função pública, este deve ser parcialmente deferido, somente com relação à Administração Municipal de Viamão. Como já referido anteriormente, o afastamento cautelar da função pública pode ser determinado pela autoridade quando houver risco à instrução processual. Certamente no caso de algum dos denunciados ocupar novo cargo ou função junto à Prefeitura de Viamão, o risco de que venham a atrapalhar o curso do processo, que se constitui essencialmente de provas documentais, é enorme. Uma vez estando na Prefeitura de

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Ainda, do pedido liminar e do IC denota-se o desempenho atual no cargo em comissão de Diretor de Departamento na Secretaria Estadual da Econômica Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa, desde 31.01.2013 (fls. 37 e 565).Portanto, a proibição do exercício de função pública no município de Viamão, por força do provimento cautelar nos autos da ação penal referida, reiterada na decisão ora agravada, sem especificação do âmbito da administração pública.Acerca do impedimento do agente público para o exercício de cargo, emprego ou função pública, o objetivo da garantia da instrução processual, na disciplina do art. 20, § único, da Lei nº 8.429/92:

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.(grifei)

A jurisprudência do e. STJ:PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DO CARGO DE VEREADOR. LESÃO À ORDEM PÚBLICA.A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo pressuposto, qual seja, a existência de risco à instrução processual. Hipótese em que a medida foi fundamentada em elementos concretos a evidenciar que a permanência no cargo representa risco efetivo à instrução processual. Agravo regimental não provido.(AgRg na SLS 1.500/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/05/2012, DJe 06/06/2012)(grifei)AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR. AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE POLÍTICO. DECISÃO QUE IDENTIFICOU RISCO À INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA.

Viamão novamente, com amplo acesso aos acervos documentais e demais meios de prova, além de contato com testemunhas fundamentais para o deslinde do feito, existirá a possibilidade do extravio de documentos e as pessoas poderão se sentir constrangidas em depor judicialmente. Registre-se também que os denunciados poderão voltar a praticar os mesmos delitos, já que não é possível restringir as atribuições conferidas a cada um em caso de eventual nomeação junto à Administração, de modo a existir o risco de lhe serem destinados poderes de contratação/negociação com empresas, entre outros. Assim, para acautelar a instrução processual e evitar o risco de reiteração delitiva, cautelarmente PROÍBO os denunciados Atidor da Silva da Cruz, Jorge de Souza de Azevedo e Ricardo de Souza Gross de assumir ou exercer cargo, emprego ou função pública, porém somente com relação à Administração Municipal de Viamão/RS, até o trânsito em julgado do presente feito e INDEFIRO o afastamento cautelar da função pública exercida por Atidor da Silva da Cruz junto ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Cumpra-se. Intimem-se. Diligências legais. (...)(grifei)

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I - A decisão que prorrogou o afastamento cautelar do agente político está fundamentada no risco da instrução processual.Inexistência de grave lesão à ordem pública.II - A prorrogação não pode representar uma interferência indevida no mandato eletivo. Limitação dos efeitos da decisão pelo prazo de 180 dias contados da data em que prolatada (1º de outubro de 2014) ou até o término da instrução processual - o que ocorrer antes.Agravo regimental desprovido.(AgRg na SLS 1.957/PB, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/12/2014, DJe 09/03/2015)(grifei)

E este Tribunal de Justiça:AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROIBIÇÃO LIMINAR DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. MANUTENÇÃO NO CASO CONCRETO. A proibição liminar do exercício de função pública pode ser determinada excepcionalmente, quando houver possibilidade de que infl ua na instrução processual. Inteligência do art. 20, “caput” e parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. Agravo de instrumento a que se nega seguimento. (Agravo de Instrumento Nº 70050234129, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 01/08/2012)(grifei)DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MUNICÍPIO DE CIDREIRA. AFASTAMENTO DO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE E MEIO AMBIENTE. VEDAÇÃO DE CONCESSÃO DE ALVARÁ PARA O FUNCIONAMENTO REGULAR DA FARMÁCIA CENTRAL. DEFERIMENTO DA LIMINAR MANTIDO. A pretensão do agravante de ter reformada a decisão que deferiu a liminar postulada pelo Ministério Público, afastando-o do cargo de Secretário Municipal de Saúde e Meio Ambiente de Cidreira e vedando a concessão de alvará para o funcionamento regular da Farmácia Central de Cidreira não merece guarida. Fatos articulados na inicial da ação civil pública que são realmente graves e não recomendam que o agravante permaneça no aludido cargo. Inicial da ação civil pública que está de acordo com o disposto na Lei nº 8.429/92. Decisão mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70030773972, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 26/11/2009)(grifei)AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DAS RECORRENTES DE SEUS CARGOS SEM A PERCEPÇÃO DA RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. Pode o Juízo, de forma excepcional, conceder a medida liminar inaudita altera partes, assegurando, imediatamente, o contraditório, como ocorreu no caso dos autos. Nessa perspectiva, diante da gravidade dos fatos narrados pelo Ministério Público dando conta dos fortes indícios da conduta ímproba adotada pelas recorrentes, o que vem corroborado pelo relatório de auditoria ordinária tradicional, realizado pelo Tribunal de Contas do Estado, que restou conclusivo pela irregularidade da despesa, decorrente da contratação da empresa Cartass Indústria de Embalagens e Gráfi cas Ltda, já liquidada e paga, de encontro aos princípios constitucionais que regem a administração pública, não há

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como afastar a aplicabilidade da medida cautelar que, em que pese se trate de medida extrema, nos termos do disposto no art. 20, §único da Lei nº. 8.429/92, aplicável se faz ao caso concreto, notadamente pelo fato de que a permanência das recorrentes em seus cargos poderá acarretar novos danos ao erário, confi gurando-se em novas práticas ilícitas que com a propositura da ação originária se pretende repelir. De igual modo, não há falar em decisão ultra petita, em face do afastamento das rés de seus cargos sem a devida remuneração, tendo em vista que o juízo a quo, considerando a gravidade dos fatos, e acolhendo aos embargos de declaração opostos pelas próprias demandadas, ora recorrentes, se ateve aos limites do pedido da ação. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70048120125, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difi ni, Julgado em 27/06/2012)(grifei)

Conveniente trazer à baila a doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves7:“(...)É oportuno frisar que em determinadas situações, como será visto nos itens subseqüentes, existe certa celeuma em relação à possibilidade de o Juiz de Direito decretar a perda da função, também sendo verificadas especificidades em relação aos legitimados à propositura da ação, matéria que é objeto específico da segunda parte desta obra.Além de estarem sujeitos à perda do mandato, os agentes políticos ímprobos também poderão ser cautelarmente afastados do cargo quando tal se fi zer necessário à garantia da instrução processual, o que pressupõe a prévia aferição dos requisitos específi cos em medidas dessa natureza: o periculum in mora e o fumus boni iuris. É de todo aconselhável, no entanto, seja evitado que o afastamento cautelar termine por ser transmudado em defi nitivo, o que certamente ocorreria com o deferimento de sucessivas providências dessa natureza, em distintos processos, todos instaurados em decorrência da prática de atos de improbidade, máxime quando divisada a possibilidade de todos os ilícitos terem sido agrupados em uma única ação. O afastamento deve ser sempre temporário, se possível com a fi xação de lapso temporal certo, e na medida estritamente necessária à ultimação da instrução processual. Somente assim será preservado um ponto de equilíbrio na tensão dialética verifi cada entre princípio democrático e obtenção da verdade real.(...)Em razão da drasticidade das consequências suportadas pelo agente, a regra contida no caput do art. 20 busca deixar claro que tanto a suspensão dos direitos políticos quanto a perda da função pública só se materializarão após o transito em julgado da sentença condenatória, o que seria até desnecessário uma vez que a presunção de não culpabilidade, constitucionalmente assegurada (art. 5º, LVII, CF) acompanha os réus, de um modo geral, também o agente público, até o esgotamento de todas as vias recursais, inclusive as extraordinárias.O parágrafo único, a seu turno, prevê medida tipicamente cautelar, cuja inspiração, ao que parece, remonta ao CPP (art. 312). Por intermédio do afastamento provisório do agente, busca o legislador fornecer ao juiz um importantíssimo instrumento com vistas á busca da verdade real, garantindo a verossimilhança da instrução processual de modo a evitar que a

7 – GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 7ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 639-642 e p. 998-999.

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dolosa atuação do agente, ameaçando testemunhas, destruindo documentos, difi cultando a realização de perícias etc., deturpe ou difi culte a produção dos elementos necessários à formação do convencimento judicial. Busca-se, enfi m, propiciar um clima de franco e irrestrito acesso ao material probatório, afastando possíveis óbices que a continuidade do agente no exercício do cargo, emprego, função ou mandato eletivo poderia proporcionar. Por evidente, a medida cautelar vai alcançar qualquer cargo ou função que diga respeito ao objeto da instrução cautelar, não aqueles totalmente estranhos ao fato apurado (v.g. o agente, além de Secretário Estadual da Fazenda, leciona na Universidade do Estado, verifi cando-se que a conduta apurada ocorreu no exercício da função de Secretário).(...)Por tratar-se de medida cautelar, deverão estar presentes o risco de dano irreparável à instrução processual (periculum in mora), bem assim a plausibilidade da pretensão de mérito veiculada pelo autor (fumus boni iuris). Nesta linha, embora não possa o afastamento provisório arrimar-se em “meras conjecturas”, não tem sentido exigir a prova cabal, exauriente, de que o agente, mantido no exercício da função, acarretará prejuízo ao descobrimento da verdade. Indícios já serão suficientes à decretação da medida, o que em nada infirma o seu caráter excepcional.(...)”(grifei e sublinhei)

E Aluízio Bezerra Silva8:“(...)20.1 Afastamento cautelar do Agente PúblicoO parágrafo único deste dispositivo autoriza o afastamento liminar a ser decretado pela autoridade judicial ou administrativa, do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, tanto no período inquisitorial quanto no percurso da tramitação judicial, se houver fundadas razões que justifiquem a prevenir atos atentatórios contra a lisura, idoneidade e normalidade da instrução processual.Trata-se de procedimento genuinamente cautelar, de adequada aplicação, quando demonstrada alguma forma, a participação direta ou indireta do agente visando influenciar, interferir, deturpar ou dificultar a produção do conjunto probatório em função da sua atividade funcional.É uma medida legal para coibir que o agente no exercício de seu cargo, função ou emprego, disponha de meios políticos ou administrativos para atemorizar, inibir ou ameaçar as testemunhas, principalmente, se estas são hierárquica e funcionalmente subordinadas ao investigado, bem como evitar a destruição ou ocultação de documentos necessários ao esclarecimento dos fatos apurados.Vislumbra-se assim, que o afastamento proclamado colima assegurar que a prova processual contra a ação do agente público, sob investigação, que pode fazer desaparecer provas das irregularidades e dos ilícitos, apagando vestígios, subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas.Entrementes, é imprescindível para a efi cácia dessa decisão uma expletiva motivação, conquanto a presunção de inocência é a regra no Estado Democrático de Direito, e a restrição ao exercício de trabalhar é a exceção,

8 – SILVA, Aluízio Bezerra. Lei de Improbidade Administrativa. Aplicada e Comentada. 1ª edição. Curitiba: Editora Juruá, 2006, p. 226-227.

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que deve ser excepcionalíssima. Aliás, ninguém é culpado enquanto não operar coisa julgada a decisão condenatória.Alude enaltecer que a lei defi ne as hipóteses para exceção, e a Constituição Federal nega validade ao que o juiz decidir sem fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando no decisum a efi cácia pretendida pelo julgador se mescladas com sufi cientes razões fáticas e concretas.Isso porque é cogente que os indícios sejam suficientes, sérios, para que se possa escudar o afastamento do agente público sob investigação, visto que, sendo vagos e frágeis os indícios, não há respaldo legal. Os indícios dos riscos de afetação à instrução processual não se confundem com a mera conjectura ou suposições, porquanto os indícios são sensíveis, reais, ao passo que a conjectura ou ilações, na maioria das vezes, centram--se na propagação virtual ou de possíveis antipatias, não comprovadas. O indício, bem ao contrário, deve ser necessariamente demonstrado.(...)”(grifos meus e no original)

Portanto, a natureza excepcional do afastamento cautelar, e o objetivo da segurança da instrução processual.No mérito, cumpre destacar excertos das conversas telefônicas do recorrente com os demais réus, obtidas no inquérito civil, especialmente com o demandado Sr. Henrique, sócio da empresa Goufe Empreendimentos Imobiliários LTDA – ME (fl s. 73-78), verbis:

“(...)14.09.11As 18h54min53s, do dia 14/09, ATIDOR efetuou um telefone a JORGE informando que “sabe o BETO lá, eu pedi pro cara do jurídico dar um parecer lá entende...mas aí eles não entende, ele já chamo o cara lá, disse que resolveu... ai ele foi lá no RICARDO, não sei se fez direto” Em seguida, ATIDOR informou que “o RICARDO não entendeu, se fez que não entendeu e chamou o cara, não quebrei aqui, não sei o que... tu dá uma olhadinha pra senti se ele pego alguma coisa que acho que pego”. JORGE informou que “ele me disse que tu ia pega sozinho não sei o que ele me disse.”.ATIDOR trata-se ATIDOR DA SILVA DA CRUZ, Vice-Prefeito de Viamão-RS.(fl. 136)(...)01.09.11As 17h15min50s, JORGE efetuou um telefone ao Gabinete do Vice-Prefeito, através do telefone (51)3054.7626.As 18h06min11s, ATIDOR questionou JORGE sobre o que ele havia comentado com ROGÉRIO. Em seguida perguntou o “que que ele pediu pra ti”. JORGE informou que “ele queria faze uma reunião, o ELMO, eu disse não não, a história é essa, mas o cheque ta contigo, o cheque tá contigo, eu não sei ROGÉRIO, eu não vou responder nada agora”. ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934, pertencente à PREFEITURA MUNICIPAL DE VIAMÃO.ELMO e ROGÉRIO não foram identificados até o momento.ATIDOR trata-se de ATIDOR DA SILVA CRUZ, Vice-Prefeito de Viamão – RS.As 18h15min35s, JORGE efetuou um telefone a ATIDOR. Na conversa, JORGE relatou que disse o seguinte: “ o ATIDOR me falou que o ELMO não sei o que, que ia fala com o prefeito não sei o que pá pá pá, aí eu disse pra ele assim... se ele falo, tu pode dize pra ele, avisa ele passa ali e ir direto pro fórum e dize que me deu dinheiro pra mim e pronto, acabou o papo.” Em seguida, JORGE informou que “ eu não quero sabe disso aí, e se ele falou que vai no prefeito ele pode ir agora, aí depois ele amenizou dizendo

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assim, não, se deu menos, vamos bota num envelopezinho e fi quemo assim entendeu”. Após, JORGE relatou que “ não tem reunião com ELMO nenhum, pede pra ele me liga, que aí eu vou xinga o ELMO e vou dizer, já que tu fez isso, nós combinemo uma coisa e tu fez outra, eu vou entrega o teu cheque pro cara.” ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934, pertencente à PREFEITURA MUNICIPAL DE VIAMÃO.(fls. 123-124).(...)02.09.11As 16h49min17s, ATIDOR efetuou um telefone a JORGE questionando “quantos canos os caras fi zeram?” JORGE respondeu “75”. Em seguida, ATIDOR informou que “ tu tava me falando o negócio da batata... mas cara, se eles fala alguma coisa, ta pode não sei o que, por que eu não sei... eu não boto a mão no fogo com ninguém mais, nem com um lado nem com ninguém mais eu to botando a mão no fogo... quem tem mais a perder é eles, que daí eu vou levantar com ALEX sobre aqueles cano, daí vou fuder todo mundo... Se falarem aí é PAULO PILO que vai é todo mundo, inclusive o Secretário”. Em seguida, ATIDOR informou que “nós somos representantes, nós compramos entendeu, eu pago com a NAIR todo mês, eu pago 30 mil a TECMOLD. ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934, pertencente à PREFEITURA MUNICIPAL DE VIAMÃO.(...)PAULO PILO referido na ligação é Diretor Geral da Secretaria de Obras e Viação de Viamão – RS.(fl. 125).(...)08.11.11As 16h124min42s, JORGE questionou ATIDOR se “trancaram tudo?” ATIDOR informou a JORGE que “parece que sim, até aquele lá do HENRIQUE, se saí o decreto como ele ta querendo vai ferra o HENRIQUE aqui”. JORGE informou que “não pode, o cara ta com a LI ta loco, esse cara tá loco.” ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934(...)10.11.11No dia 10/11, as 10h01min48s, JORGE recebeu um telefone a HENRIQUE e informou que “ta ruim a coisa, tu tem que pegar o ATIDOR aqui faze uma, tu como presidente e fala com o homem, o decreto é esse, quem tem LO fi ca, quem não tem que se fu.” HENRIQUE questionou se “tu acha que tem como eu evita alguma coisa aí ou não?” em seguida JORGE repassou o telefone a ATIDOR que questionou se HENRIQUE estava “por Viamão”. Em seguida ATIDOR informou que o esperaria. HENRIQUE utilizou o telefone (51)9939.2061.(fl. 163).(...)11.11.11As 14h04min10s, ATIDOR efetuou um telefone a JORGE e questionou “comé que foi lá? Tu deixo alguma coisa pra pra ou não? JORGE informou que “mais ou menos, segunda feira tem que ir lá pegar o negócio la... ele se apavoro né quando eu disse, penso que era 5 pila o quilo, aí eu disse não, no mínimo 20 pila, entendeu vende uma draga pra arruma 10 pra segunda”ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.As 16h25min35s, ATIDOR informou a JORGE que “recebi a confirmação agora que foi mudado lá, aí eu disse que tu ia levando uma coisinha pra ele lá ta, pro LEANDRO, qualquer coisinha, saiu de lá agora levo normal

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entendesse...diz o seguinte, não faz tão fácil assim, deixa que eu vou ligar pra ele. ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.(fl. 164).(...)14.11.11As 15h43min41s, ATIDOR efetuou um telefonema a JORGE e questionou se “ o HENRIQUE foi aí?” JORGE informou que “teve, tenho que te falar aqui, tem uns papel aqui não adianta...tenho que falar contigo.” ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.(fl. 167).(...)16.11.11As 15h15min58s, JORGE recebeu um telefonema de ATIDOR. ATIDOR questionou se “o cara foi aí? ... levou o negócio?”. JORGE informou que “não levo nada, não troxe nada, troxe um, aí deixou, apertei ele, até vo te pra ele deixar aquele papel.... aí ele boto dia 15/12 p 10 aquele, o primeiro entendeu, eu disse não vo anda atrás de ti, vo dá pro cara troca.” ATIDOR informou que “se ele não quiser aí qualquer coisa eu peço pro homem voltar atrás e pronto”. Em seguida, ATIDOR informou que “eu vo te pega aqui, vo te pegar aqui pra, eu to fi cando mau com o ROGÈRIO, eu era pra te a semana passada prometi pra ele, eu vo pega aqui.” JORGE informou que “eu vo te dar o esse papel, tu não quer o papel pra levar pro cara?” ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.As 16h59min53s, ATIDOR efetuou um telefone a JORGE e questionou se “tu chego a mostra pra ele aquele decreto que daí foi tirado aquele negócio?” JORGE informou que “mostrei, agora ele me ligo, eu tava indo aqui na Cíntia pra pegar a Claudete, ele me ligo eu to esperando ele aqui”. ATIDOR informou que “aí tu mostra aquele troço.” JORGE informou que “ eu já mostrei, eu to aqui na entrada do Fiúza, to esperando ele aqui”. ATIDOR questinou “ o que que ele disse quando tu mostro?” JORGE respondeu que “ ele disse pois é legal, pois é mais tiremo por tua causa né, eu disse pra ele”. Em seguida, Jorge informou que “eu to esperando, depois eu te digo... não sei o que que esse homem quer.” ATIDOR informou que “só falta, só falta, não mas vomita pra tá não tem né, acho que ele não é assim... tem que dizer pra ele, o meu eu fi co mau, aí não tem mais quebra galho, eu vou dize, tu tem que dizer que vo dizer pro homem que não me bota mais nessa fria.” JORGE informou que “não, eu vou dize que eu já briguei até com o ATIDOR, o ATIDOR não sabe nada disso aí, eu larguei de mão, isso aí vai da até, o cara é procurador.” ATIDOR informou que “talvez até o lá do chefe, também do outro, entendeu”. ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.As 17h11min49s, JORGE efetuou um telefonema a ATIDOR e informou que “ele veio me traze um papel que a Janete escreveu aqui, ficam revogadas as licenças.” ATIDOR informou que “mas fica revogada mesmo, te escrito la, tu me mostro, e embaixo diz assim: revogados disposições em contrário.”. Após, ATIDOR questionou “e quando é que ele falou o primeiro papel é pra quando? é só daqui um mês mesmo?” JORGE informou que “é, é, não tem como.” ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934.(fls. 169-171)(...)23.11.11As 17h434min46s, JORGE efetuou um telefone a ATIDOR e informou que “Eu to aqui com o HENRIQUE, o HENRIQUE realmente pego 5 mil do cara, mas pego pra ele”. ATIDOR informou que “ é do mesmo lance.” JORGE informou que “ não tem nada a ver com o lance o ATIDOR, ele pego essa

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grana aí, disserto ele aplico pro, e ele ta puto da cara com o veio VALDIR, só que eu nem falei porque o véio VALDIR falo pra ti”. ATIDOR utilizou o telefone (51)9981.1934(fl. 159).(...)”(grifos meus e no original)

Assim, a par da gravidade das declarações obtidas no inquérito civil, e em que pese a alegação do término do mandato de vice-prefeito, o agravante permanece na Administração, agora no exercício da função de Diretor de Departamento na Secretaria Estadual da Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa (fls. 37 e 565).Neste sentido, pelo menos nesta fase de cognição precária, não obstante o mencionado afastamento formal da gestão do município, contudo sem a apresentação de elementos neste sentido, permanece a probabilidade de interferência na prova testemunhal e sobre os demais demandados, pela natureza referida de micro empresa da empresa GOUFE ou mesmo pelas relações políticas decorrentes do exercício natural do cargo de diretor.De outra banda, cumpre frisar a falta de fundamentação objetiva acerca do prejuízo efetivo com a proibição do exercício de função pública.Neste sentido, evidenciada a materialidade do crime, e os indícios manifestos de associação criminosa com vistas à burla da Lei; presente o perigo de dano à Administração.Assim, pelo menos por ora, não merece prosperar a suspensão da decisão agravada.Ante o exposto, indefiro a medida liminar.(...)”(grifos atuais e no original).

Neste sentido o parecer do Ministério Público, da lavra do e. Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Roth Dalcin (fls. 1613-1617):

“(...)A proibição do exercício de função pública no Município de Viamão já foi determinada, por força de provimento cautelar deferido em ação penal. Na decisão ora agravada, o afastamento foi mais amplo, porquanto não especifi cado o âmbito da administração pública a que se refere, concluindo-se, diante da ausência de menção específica, que a determinação abrange toda e qualquer função pública exercida pelo agravante, inclusive, portanto, o vínculo de natureza estadual.Com efeito, em que pese o término do mandato de Vice-Prefeito, o agravante permanece na Administração Pública, agora exercendo as funções do cargo de Diretor de Departamento na Secretaria Estadual da Economia Solidária e Apoio à Micro e Pequena Empresa (fl. 565). Embora formalmente afastado da gestão Municipal, existe a forte probabilidade de interferência do agravante na instrução processual, inclusive em razão do cargo atualmente exercido. Veja-se que a empresa diretamente beneficiada com a edição do Decreto n. 66/2011, Goufe Empreendimentos Imobiliários – ME, é classificada como micro empresa. Ora, sendo o agravante o Diretor Estadual do Departamento de Apoio à Micro Empresa, tem relações políticas favoráveis que podem influir diretamente na instrução processual da ação de improbidade.Ressalto que o agravante foi Vice-Prefeito de Viamão, tendo vasto relacionamento naquela cidade e ampla rede de contatos políticos, amealhada no curso do exercício do mandato. O simples fato de ele não mais estar na gestão

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municipal não retira a forte probabilidade de ele utilizar de sues contatos para frustrar ou prejudicar a instrução processual desta ação, especialmente agora que exerce cargo comissionado de direção na cidade de Porto Alegre, cujas funções se relacionam à defesa dos interesses de micro empresas. A infl uência política do agravante se sobressai até mesmo do próprio fato, visto que logrou alterar decreto executivo Municipal com vista exclusivamente a satisfazer interesse pessoal seu e de seus comparsas e da empresa de pequeno porte.(...)Destarte, todos estes elementos somados autorizam a concessão da medida cautelar de afastamento das funções, consoante determinado na origem.(...)”(grifos meus e no original)

Ainda, depois do afastamento da Secretaria Estadual de Apoio à Pequena e Micro Empresa, a assunção indevida no cargo de Assessor III na Assembléia Legislativa - gabinete de Deputado -, em 10.02.2015, bem como no cargo de Diretor-Geral da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, em 08.01.2016 (fl s. 1626-1629), em fl agrante desconformidade com a decisão judicial aqui hostilizada.

Tal conduta, ao meu sentir, reforça a alegação inicial do agravado, no sentido da falta de compromisso do requerente com os princípios basilares da Administração Pública - art. 37 da C. F. -, para dizer o mínimo, especialmente em razão do dever legal de prestação das informações sobre os eventuais impedimentos no momento da posse em cargo ou função pública.

Portanto, pelo menos por ora, não merece reparos a decisão agravada.Ante o exposto, voto para negar provimento ao recurso.Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco (Presidente) – De acordo com o(a)

Relator(a).Desa. Matilde Chabar Maia – De acordo com o(a) Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: SANDRO ANTONIO DA SILVA

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APELAÇÕES CÍVEIS

Apelação Cível n. 70061311718 (n. CNJ: 0323734-09.2014.8.21.7000) – 4ª Câmara Cível – Porto Alegre

APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. PARQUE NATURAL MORRO DO OSSO. INDENIZAÇÃO. LAUDO PERICIAL INSERVÍVEL. MÉTODO INVOLUTIVO INADEQUADO. NULIDADE.

1. A preliminar de nulidade da sentença por ausência de fixação do marco inicial da prescrição não prevalece. Segundo expressamente estabelecido na sentença, a restrição à propriedade foi imposta com base na homologação da Resolução nº 1.916/2000 do Conselho Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, em 28 de abril de 2000, sendo este o termo inicial da prescrição.

2. “As restrições de uso de propriedade particular impostas pela Administração Pública, para fi ns de proteção ambiental, constituem desapropriação indireta, devendo a indenização ser pleiteada mediante ação de natureza real, cujo prazo prescricional é vintenário (Precedentes nos REsps: 443.852 e 94.152)”.

3. A ação de indenização por desapropriação indireta reveste-se de caráter nitidamente indenizatório, reclamando a formação de litisconsórcio ativo meramente facultativo.

4. O laudo pericial acolhido pela sentença é irreal. Essa irrealidade é verifi cada quando emprega método (involutivo) que parte de uma hipótese de aproveitamento econômico da área para se chegar a um valor de indenização, modelo que se mostra inadequado para as áreas de preservação ambiental, diante das limitações legais e administrativas preexistentes quanto ao seu aproveitamento econômico dessas áreas. Se a gleba dos autores está localizada em topo de morro e possui vegetação natural a ser preservada não pode, evidentemente, ser explorada para fi ns de loteamento. Nulidade do laudo acolhida.

5. Sentença procedente na origem.APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

Municipio de Porto Alegre, apelante – Waldemar Bier e outros, apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação.

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Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DES. FRANCESCO CONTI E DES. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA.Porto Alegre, 30 de março de 2016.Eduardo Uhlein, Relator.

RELATÓRIODes. Eduardo Uhlein (Relator) – Trata-se de apelação interposta pelo

MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE contra a sentença que, nos autos da ação ajuizada por WALDEMAR BIER e OUTROS, julgou procedente o pedido de pagamento de indenização por desapropriação indireta, condenando o demandado ao pagamento do valor estabelecido no laudo de avaliação do imóvel, R$ 26.060.631,16 (vinte e seis milhões, sessenta mil, seiscentos e trinta e um reais e dezesseis centavos).

O comando sentencial restou assim redigido:

Isso Posto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por WALDEMAR BIER, ISOLDA BENTO BIER, NORMA BIER, ERICA BIER, THOMAS BIER HERRMANN, MARCOS BIER HERRMANN, ANTONIO TADEU BONALUME, LONI HERRMANN BONALUME, RAUL BIER DA SILVA, ETHEL CLARA DA SILVA, ROBERTO BIER DA SILVA, MARIETTE MEYER DA SILVA, LYGIA BENINCÁ DE VASCONCELLOS, ANA LUIZA DE VASCONCELLOS SILVA, OLIVERIO DE VASCONCELLOS SILVA, KARIN LUCIANNE MONTI DE VASCONCELLOS SILVA, ANDREA DE VASCONCELLOS SILVA, IAN ANTHONY NAZZARI, EDGAR SILVA GARBADE, ANTIOPY LYROUDIAS e INGRID ELISABET MARXEN em face do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE para condenar o réu ao pagamento de indenização no valor de R$ R$ 26.060.361,16 (vinte e seis milhões, sessenta mil e trezentos e sessenta e um reais e dezesseis centavos), acrescido de juros compensatórios de 12% ao ano e corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde a data do laudo pericial. Co incidência de juros moratórios de 6% ao ano, a contar da data do trânsito em julgado.Para fins de levantamento do valor da indenização deverão os autores atender ao disposto no art. 34 da Lei 3.365/41.Sucumbente, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 5% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20,§4º do CPC.Descabida a condenação do demandado em custas processuais e emolumentos, na forma da redação original do art. 11, caput e parágrafo único, do Regimento de Custas (Lei Estadual nº 8.121/85), em razão do resultado da ADIN nº 70041334053 e da Reclamação nº 7.362 do STF e dispensada a parte autora em razão da gratuidade.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Os embargos de declaração interpostos pelo Município de Porto Alegre foram rejeitados, conforme decisão de fl. 340, ao passo que os embargos manejados pelos autores foram acolhidos, nos termos da decisão de fl. 342, verbis:

Recebo os embargos de declaração opostos pela parte autora, porquanto tempestivos, e os acolho para efeito de incluir no dispositivo da sentença de fls. 332/335 também a procedência quanto ao pedido de isenção dos débitos fiscais a partir de 28.04.00, por parte dos demandantes, tributos esses referentes à utilização, gozo e fruição da área expropriada.Intimem-se.

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Sustenta o recorrente, preliminarmente, a nulidade da sentença por (i) ausência de fi xação do termo inicial da prescrição; (ii) tratar-se de hipótese de litisconsórcio necessário simples, em decorrência da lei, e como um dos coproprietários não veio compor a lide, incide o disposto no art. 267, IV, do CPC; (iii) absolutamente imprestável o laudo pericial, uma vez que avaliou um imóvel sem restrições, desconsiderando o gravame de Parque Natural que incide sobre ele, questão não enfrentada pela sentença, que nada disse sobre o método involutivo equivocadamente aplicado pelo expert. No mérito propriamente dito, diz que se trata de área localizada em topo de morro, enquadrada no artigo 2º, alínea d, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965, considerada Área Funcional de Parque Natural. Refere que através da Resolução nº 1.916/2000, do Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental, os limites do Parque Natural do Morro do Osso, tal como defi nidos na Lei Complementar nº 332/94, foram incorporados ao Plano Diretor. Assegura que o imóvel não deixou de ser particular e a sua cobertura vegetal já era protegida por lei desde 1965. Esclarece que o Parque Natural consiste em área em que se pretende resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da fl ora, da fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais, de lazer e recreação. Diz que a hipótese cuida da função socioambiental da propriedade, havendo apenas uma limitação administrativa, que não encerra dever de indenizar, mesmo porque o ato administrativo que gravou a área patrimônio ambiental da cidade nunca impediu o uso da área por parte dos apelados. Por fi m, caso mantida a sentença, afi rma que a atualização monetária deve se dar com base nos índices do IGP-M e a partir de 29/06/2009 com base nos índices que remuneram a caderneta de poupança, como decorre da Lei nº 11.960. Requer o acolhimento das preliminares de nulidade da sentença seja pela (i) ausência de defi nição do termo inicial da prescrição, (ii) adoção de laudo pericial inservível ou (iii) ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. No mérito, postula a reforma da sentença para afastar a pretensão indenizatória. Caso mantida a condenação, requer a aplicação da Lei nº 11.960/2009 e do art. 15-B do Decreto 3.365/41.

Em contrarrazões, os apelados pugnam pela manutenção da sentença.O Ministério Público opina pelo parcial provimento da apelação.Esta Câmara adota o procedimento informatizado e observa o disposto no

art. 549 e seguintes do CPC.É o relatório.

VOTOSDes. Eduardo Uhlein (Relator) – Colenda Câmara!A preliminar de nulidade da sentença por ausência de fixação do marco inicial

da prescrição não prevalece. Segundo expressamente estabelecido no dispositivo da sentença, a restrição à propriedade foi imposta com base na homologação da Resolução nº 1.916/2000 do Conselho Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, em 28 de abril de 2000 (fl. 50), sendo este o termo inicial da prescrição.

Quanto ao prazo prescricional incidente na hipótese, que também é objeto de inconformidade do apelante, nos termos de firme posicionamento jurisprudencial (Ilustrativamente: REsp nº 442.774/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 20.6.2005), para que reste caracterizada a desapropriação indireta, exige-se que o Estado lato sensu assuma a posse efetiva de determinando bem, destinando-o à

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utilização pública, situação verificada na hipótese dos autos, em que a posse dos autores não permaneceu íntegra.

O Parque Natural do Morro do Osso, criado pela Lei Complementar nº 334, de 27 de dezembro de 1994, com área de 127 hectares, não proibiu apenas o corte, a exploração ou a supressão de vegetação, sujeitando apenas à obrigação de conservação de recursos naturais e mantendo os proprietários com o domínio da gleba. Muito mais do que isso, o Parque, trouxe, sim, zona intangível, com previsão de fechamento de diversas trilhas e restrição de uso de algumas áreas, dedicada à proteção integral dos ecossistemas e dos recursos genéticos, ocupando esta área 84,557 hectares, conforme item 2.3.1. do Plano de Manejo Resumido – 2006, documento elaborado pela SMAM em 2006 e aqui encartado a fl .85. Nessa categoria de zona intangível, em que se localiza a propriedade dos autores, defi nida como “aquela onde não são toleradas quaisquer alterações humanas, representando o mais alto grau de preservação” (fl . 21 do Plano anexado na fl . 85), foram incluídas áreas de mata, campo pedregoso, todos os cursos d’água e suas margens, fi cando a circulação de pessoas restrita à fi scalização, pesquisa e monitoramento, regrados por normas da administração do Parque.

Essa limitação administrativa, como se observa, impede o desfrute, uso, gozo e disposição natural da propriedade, encerrando verdadeiro desapossamento típico, unilateral e sem prévio processo administrativo, caracterizador da desapropriação indireta e autoriza a indenização do proprietário, limitado o exercício de sua pretensão ao prazo de vinte anos, como decorre do enunciado da Súmula 119 do STJ.

Nesse sentido:

SERRA DO MAR. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. AÇÃO DE NATUREZA REAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA Nº 119/STJ.1. Os proprietários de imóveis com restrição ao direito de uso por imposição legal, têm direito à indenização pelo desfalque sofrido em seu patrimônio, ocupado pelo Poder Público. A ação de desapropriação indireta é de natureza real, não se expondo à prescrição qüinqüenal.(RESP 94152, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 23/11/1998)2. As restrições de uso de propriedade particular impostas pela Administração Pública, para fi ns de proteção ambiental, constituem desapropriação indireta, devendo a indenização ser pleiteada mediante ação de natureza real, cujo prazo prescricional é vintenário (Precedentes nos REsps: 443.852 e 94.152)“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO. PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL. LIMITAÇÃO DE USO. PERÍCIA. DETERMINAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO.1. O Estado de São Paulo é parte legítima para responder às indenizações referentes ao Parque Serra do Mar, tendo a jurisprudência deste STJ se manifestado nessa linha em diversas ocasiões.2. Não se aplica o teor do art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, às ações desapropriatórias indiretas. O prazo, antes da vigência do Novo Código Civil, para efeitos prescricionais, é de 20 anos.3. Se o pedido não está sustentado em alegações de domínio com descrição vaga e incompleta, não há que se falar em inépcia da inicial.4. O Decreto que criou o Parque Estadual Serra do Mar não caducou, produzindo os seus efeitos ao impor restrições de uso às propriedades atingidas. Não ocorreu apossamento da área, havendo simples limitação administrativa que afeta, em caráter não substancial, o direito de propriedade. Não se justifica, assim, impor

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indenização correspondente ao valor da terra quando o que lhe atinge é, apenas, limitação de uso.5. A perícia, considerando o valor que o imóvel tinha, na época, no mercado, não se dedicou a fixar, somente, os danos decorrentes das limitações determinadas pelo Poder Público. O laudo, documento sublimado pela sentença, é, portanto, irreal. Essa irrealidade apresenta-se potencializada quando incluiu as matas de preservação permanente, consideradas por lei, como possuindo valor econômico. Se elas não podem ser exploradas, evidentemente, estão fora do mercado.6. Recurso especial parcialmente provido para o fi m específi co de anular os atos processuais a partir da perícia.” (REsp 443.852, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10/11/2003)“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - AÇÃO DE NATUREZA REAL - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR - INTERESSE DE AGIR - LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE - DEL 10.251/77 - INDENIZABILIDADE - VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL NÃO CONFIGURADA - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO - PRECEDENTES.- Os proprietários de imóveis com restrição ao direito de uso por imposição legal, têm direito à indenização pelo desfalque sofrido em seu patrimônio, ocupado pelo Poder Público.- A ação de desapropriação indireta é de natureza real, não se expondo à prescrição qüinqüenal.- Não basta a alegação de violação à lei federal, com a simples indicação do preceito legal violado, impondo-se a exposição de argumentação em abono da tese sustentada pelo recorrente, sem o que inviável a apreciação do pleito pelo julgador.- Para que se tenha por comprovado o dissídio pretoriano alegado os paradigmas colacionados devem apreciar, rigorosamente, o mesmo tema abordado do acórdão recorrido, dando-lhes soluções distintas.- Desatendidas as determinações legais e regimentais para demonstração da divergência jurisprudencial, tem-se por não confi gurado o dissenso interpretativo invocado.- Recurso não conhecido” (RESP 94152, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 23/11/1998)3. Incidência da Súmula nº 119/STJ. “A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos.”4. A limitação administrativa gera obrigação de indenizar quando resulta em prejuízo para o proprietário. A verificação de prejuízo e de sua extensão é questão de prova, obstaculizada pela Súmula 7/STJ.5. Decidindo o aresto recorrido pela rejeição da prescrição e retorno dos autos, impõe-se o seu retorno ao juízo de origem.6. Recurso especial desprovido.(REsp 591948/SP. Relator Ministro LUIZ FUX. Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 07/10/2004. DJ 29/11/2004 p. 237)

Demais disso, segundo o Plano de Manejo Resumido de fl. 85, o Parque Natural Morro do Osso é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, conforme a Lei Federal n° 9.985/2000 (item 1.1), diploma legal que no art. 11, § 1° estabelece que as áreas particulares incluídas nos limites do Parque Nacional (no caso em apreço, Parque Natural porque criado pelo Município através da LC 334/94) serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.

Confira-se:

Art. 7o As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:

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JURISPRUDÊNCIA CÍVEL 301

I - Unidades de Proteção Integral;II - Unidades de Uso Sustentável.§ 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.Art. 8o O gru po das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:I - Estação Ecológica;II - Reserva Biológica;III - Parque Nacional;IV - Monumento Natural;V - Refúgio de Vida Silvestre.Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.§ 1o O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.§ 2o A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento.§ 3o A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.§ 4o As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.[...]

A respeito das Áreas de Preservação previstas na Lei Federal n° 9.985/2000, leciona Rodrigo Afonso Machado1 que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC

“abrange diversas áreas de preservação ambiental, entre elas as Reservas e Estações Ecológicas, Parques Nacionais, as quais recebem a denominação de Unidades de Conservação. Estas Unidades de Conservação quando instituídas pelo Poder Público, também limitam o pleno gozo do direito de propriedade, relativizando-a. E, justamente por relativizar o uso da propriedade, impondo uma limitação administrativa à mesma, a criação destas áreas enseja ato de desapropriação pelo Poder Público e consequentemente pagamento de um quantum indenizatório para o proprietário desapropriado”. (grifo nosso)

No caso, considerando o marco inicial do apossamento administrativo (28/04/2000) e a data do ajuizamento da ação (15/10/2008), não há falar em prescrição.

1 – A indenizabilidade das áreas de preservação permanente (APP) no Direito Brasileiro. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, volume 84, dezembro/2006, p. 41.

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Quanto ao alegado litisconsórcio necessário, o que, segundo o apelante, conduziria à extinção do processo por não integrar a lide um dos coproprietários do terreno, melhor sorte não assiste ao Município, sendo fi rme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como bem ressaltou o Ministério Público, de que ações de indenização por desapropriação indireta revestem-se de caráter nitidamente indenizatório, ensejando meramente a formação de litisconsórcio ativo facultativo.

Ilustrativamente:

PROCESSUAL CIVIL. ART. 46 DO CPC. LITISCONSÓRCIO ATIVO FACULTATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. USINA DE ITAIPÚ. DESMEMBRAMENTO.1. Pretensão do IBAMA em delimitar o número de litisconsortes ativos em demanda na qual se discute indenização por desapropriação indireta.2. Havendo afi nidade dos fundamentos de fato e de direito em relação a cada autor, admite-se a formação do litisconsórcio facultativo, como consectário dos princípios da efetividade e economia processuais, que norteiam a atividade jurisdicional, permitindo que, num único processo e através de sentença una, possa o juiz prover sobre várias relações jurídicas, ampliando o espectro da tutela jurisdicional.3. A ação de indenização por desapropriação indireta decorre de esbulho possessório, posto não precedida do decreto expropriatório regular, revestindo-se, assim, de caráter nitidamente indenizatório, reclamando a formação de litisconsórcio facultativo, independentemente da vontade do réu. (REsp 35.946/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 21.02.94)4. À luz do parágrafo único, do art. 46 do CPC e da sua exegese, colhe-se que o magistrado possui o poder discricionário de desmembrar o feito, em virtude da formação de litisconsórcio facultativo multitudinário, com o escopo de conceder rápida solução ao litígio, e sempre que vislumbre dificuldade causada à defesa do réu, com rompimento da paridade de armas, que informa o processo isonômico.5. A valoração acerca do liame catalisador do cúmulo subjetivo, in casu, demanda revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, na medida em que envolve questões pertinentes à existência de eventual obstáculo à defesa ou demora na prestação jurisdicional, soberanamente dirimidas pela instância ordinária. Incidência da Súmula 07/STJ.6. Recurso não conhecido.(REsp 565937/PR. Relator Ministro LUIZ FUX. Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 25/05/2004. DJ 02/08/2004)

De outro giro, razão assiste ao apelante quanto à inadequação do laudo pericial (fl . 216—227), o qual, valendo-se do método involutivo, considerando um hipotético aproveitamento comercial, descontando custos de infraestrutura e benfeitorias, calculou quanto renderia aos proprietários a implantação de um loteamento imobiliário no local, chegando ao valor total, correspondente ao da área, como sendo de mais de 26 milhões de reais, na data da perícia (21/02/2012), montante acolhido pela sentença recorrida.

No caso, o fundamento da desapropriação decorre da violação ao direito de propriedade (CF, art. 5°, XXII) e do princípio da justa indenização em caso de intervenção estatal na propriedade particular (CF, art. 5°, XXIV).

E tal violação, na hipótese, consiste na criação do Parque Natural Morro do Osso, que incluiu no seu perímetro a propriedade dos autores, tratando-se de Unidade de Conservação de Proteção Integral, conforme a Lei Federal n° 9.985/2000 (Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui

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o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências), reconhecida pelos Sistemas Nacional e Estadual de Unidades de Conservação, destacando-se sua importância pela presença de Mata Atlântica, presença de diversas espécies da fl ora e fauna em risco de extinção e paisagem privilegiada próxima a orla do Guaíba, conforme Plano de Manejo Resumido de fl . 85.

Revela a perícia que se trata de área de 77.536,00 m², Matrícula n°15195, da3ª Zona do R.I. de Porto Alegre, localizada em topo de morro, não esclarecendo o perito, de modo consistente e satisfatório, o porquê de tal gleba, embora localizada em topo de morro, não se enquadrar na defi nição de área de preservação permanente em zona urbana nos termos da Lei n°4.774/65, art. 2°, alínea d (antigo Código Florestal) e, atualmente, art. 4°, inciso IX, do Novo Código Florestal, a Lei n°12.651/2012.

Em resposta ao quesito 3 do Município (“Diga o Sr. Perito se a área descrita na matrícula n°15185 é considerada de preservação permanente nos termos da Lei n° 4771/65, art. 2°, alínea d”), limitou-se o perito a transcrever os dispositivos legais que tratam do tema, remetendo o julgador a uma Planta Pericial (Anexo 06) que supostamente comprovaria “que as declividades estão abaixo do valor limitado pela lei que é de 25° no terço superior da elevação” (fl s. 222/223). Na dicção do art. 4°, IX, do Novo Código Florestal, considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, “no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta defi nida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação”. Como se observa, o laudo pericial é lacônico quanto às demais variáveis previstas no dispositivo normativo em tela.

É procedente, nesse compasso, o argumento do Município de que o perito, que aplicou o método involutivo (consistente na apropriação do valor do terreno através de um estudo de viabilidade técnico-econômica de aproveitamento da área), desconsiderou as características do imóvel: área em topo de morro, com vegetação natural a preservar, inserida em localização que, á toda evidência, não permitiria o aproveitamento imobiliário e comercial imaginado pelo expert.

Acerca da necessidade de se aplicar critério de cálculo compatível com as características diferenciais das áreas de proteção nas desapropriações que tratam da preservação ambiental, confira-se a doutrina de Emílio Haddad e Cacilda Lopes dos Santos2, verbis:

“[...] a utilização dos mesmos critérios de valoração empregados nos processos de desapropriações comuns, ou seja, de utilidade pública ou de interesse social, geraram profundas distorções no valor fixado na indenização final.Com efeito, o problema da indenização nas desapropriações urbanísticas e ambientais é objeto de tratamento bem cuidadoso no direito comparado, em que leis urbanísticas estabelecem critérios especiais para a fixação de justo preço, tema extremamente controvertido entre os estudiosos e a jurisprudência brasileira.

2 – Desapropriação de Áreas de Interesse Ambiental. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, número 25, ago./set. 2009, p. 32, 35.

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Se as desapropriações urbanísticas têm um relevo diferenciado, relativamente às desapropriações comuns, principalmente no tocante à valoração dos terrenos envolvidos, as ambientais possuem características ainda mais especiais. Trata-se de áreas que, por serem submetidas a restrições quanto ao seu aproveitamento econômico, até o extremo em que são totalmente protegidas, se constituem em bens públicos, situação em que o mercado é imperfeito ou não existe.[...]O emprego de métodos de avaliação de imóveis ‘tradicionais’ como o comparativo de dados de mercado ou o método indireto, denominado de involutivo, é eficiente na medida em que exista um mercado concorrencial que permita a obtenção de um número significativo de elementos comparativos. No caso de avaliação de glebas, os métodos mais utilizados são o comparativo direto e o involutivo.Considerando, porém, as características de áreas com restrição ambiental, o método comparativo direto não é recomendado, diante da escassez ou mesmo inexistência de outras glebas com as mesmas características destinadas à comercialização. Por sua vez, o método involutivo parte de uma hipótese de aproveitamento econômico da área para se chegar a um valor de indenização, modelo que também se mostra inadequado para as áreas de preservação ambiental, diante das limitações de atividades de aproveitamento econômico dessas áreas.Contudo, também é importante observar que, nesses casos, é inapropriado o uso de técnicas avaliatórias baseadas no custo de reprodução de um bem natural, ou num aproveitamento hipotético ilegal, técnicas essas que elevam os resultados de forma exagerada, conforme mostraram os exemplos de superavaliação, como os que ocorrem no caso dos processos de indenização movidos contra o governo do Estado de São Paulo, do Parque Estadual da Serra do Mar, Parque Estadual de Jacupiranga e Estação Ecológico Juréia-Itatins”. (grifo nosso)

Destacando os confl itos que se instalaram com a criação de unidades de conservação ambiental que impactaram propriedades privadas (e que acabaram por carrear ao Estado o pagamento de indenizações milionárias no curso da década de 90), Tatiana Capochin Paes Leme3, sobre o critério da justa indenização na áreas de proteção ambiental, leciona:

[...]A justa indenização a ser paga pelo proprietário expropriado deve refletir o preço do mercado do imóvel para que o expropriado, de posse da quantia ofertada, possa adquirir outra propriedade em iguais condições.De mais a mais, as limitações legais e físicas que incidem sobre as áreas trazem dificuldades para sua venda, razão pela qual o seu valor de mercado não poderá ser alto.Demais disso, outras tantas condenações poderiam ter sido evitadas com a compreensão de que algumas formas de unidades de conservação possibilitam o uso e ocupação pelos seus proprietários, estabelecendo apenas algumas regras de zoneamento territorial, tal como ocorre nas áreas de proteção ambiental.

3 – Desapropriações ambientais: evolução jurisprudencial e doutrinária do critério da justa indenização. Revista da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, volume 1, número 1, jan./dez. 2010, p. 75-76.

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O Superior Tribunal de Justiça caminha para pacifi car o entendimento no sentido de que as matas inexploráveis são acessórios da terra nua e, portanto, sem valor destacado do valor fi xado para pagamento da terra, tal como no seguinte julgamento:“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. IMÓVEL SITUADO NA ESTAÇÃO ECOLÓGICA JURÉIA-ITATINS. INDENIZAÇÃO PELA TERRA NUA E PELA COBERTURA FLORÍSTICA. Não é devida indenização pela cobertura vegetal de imóvel desapropriado se já anteriormente à dita desapropriação, confi gurada estava a impossibilidade de sua exploração econômica”. (REsp nº 123.835/SP, Relator p/ Acórdão Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 01/08/2000). As matas inexploráveis são caracterizadas unicamente como acessório da terra nua, sem valor destacado do valor fi xado para o pagamento da terra. Assim, se a exploração econômica da propriedade é inviável, não é justo indenizar os expropriados pelo valor de cobertura fl orística inexplorável economicamente, sob pena de enriquecimento sem causa. (REsp nº 149.746/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 30/05/2005). Recurso Especial provido.”(STJ – REsp n. 809.827, rel. Min. Francisco Falcão, DJ, de 28.11.2006).De outra banda, alguns ministros entendem que a cobertura fl orística é, sim, indenizável, porém, o que se impede é que o cálculo em separado da vegetação importe indenização do imóvel em valor superior ao de mercado e, nessa esteira, afi rmam que é irrelevante a avaliação em separado da cobertura vegetal e da terra nua.Seguindo um ou outro posicionamento, o importante é que a indenização a ser fixada deve obedecer ao comando constitucional que determina que o seu valor seja justo. Se o Estado pagar pelo imóvel valor acima do mercado, de fato toda a coletividade estará suportando essa condenação.[...]É preciso que os proprietários de terras em áreas com enorme riqueza de biodiversidade se conscientizem de que exercem papel fundamental na defesa do meio ambiente e que o Judiciário não acentue a ganância daqueles que apenas buscam o lucro.[...]

Também na tentativa de equacionar o problema da indenização das áreas destinadas à preservação ambiental, Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo4 apresenta seis pressupostos (não exaustivos) que podem informar o deslinde destas questões, dentre os quais se encontra a atividade econômica pré-existente e/ou viável, com destaque para a circunstância de que tal viabilidade pressuposta não é somente econômica, mas também jurídica, no sentido da possibilidade legal de exploração, vedada em áreas de declividade acentuada ou de ocorrência de vegetação de preservação permanente ou permitida para algumas espécies vegetais. Confiram-se os seis pressupostos enumerados pelo autor:

1. Especificidade da RestriçãoÉ sabido que o Poder Público, na sua atividade de proteção ambiental, pratica inúmeros atos que têm como âmbito material a disciplina da conduta de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas. O regular exercício desta atividade, lastreado em limitações de caráter geral ex lege, não caracteriza por si só direito a indenização. Assim, aquelas limitações de controle do uso do solo urbano ou rural como, por exemplo, o zoneamento municipal, restrições ao direito de construir, proteção de mananciais, de florestas de preservação permanente etc.,

4 – Indenização de Áreas de Interesse Ambiental: pressupostos e critérios. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/fi les/anexos/26347-26349-1-PB.html . Acesso em 22/03/2016.

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não caracterizam especificidade da restrição. É preciso, pois, que haja um ato que caracterize uma intervenção efetiva e impositiva de uma concreta e real restrição. É hoje praticamente consensual, na jurisprudência, que a mera intenção de preservar não gera direito a indenização.Esta especifi cidade é necessária mas não sufi ciente para uma eventual indenização, na medida em que existem Unidades de Conservação chamadas categoria de manejo sustentável, nas quais existe a possibilidade de uso do solo urbano ou rural. (Por exemplo, determinadas zonas de Áreas de Proteção Ambiental). Ademais, existem fl orestas de domínio privado em cujas áreas pode haver manejo.Por outro lado, há as chamadas unidades de proteção integral, como, por exemplo, os Parques, Estações Ecológicas e Reservas Biológicas que não permitem quase que nenhuma forma de exploração, ressalvadas pesquisas e visitação controlada.Ademais, outra característica que se presta à verificação desta especificidade reside em identificar restrições de caráter geral existentes ainda que determinada área não fosse declarada como Parque ou Estação Ecológica. Por exemplo, a existência de vegetação de preservação permanente por ocorrência em margens de cursos d’água, declividades de mais de 45 graus etc.2. Certeza quanto ao Agente Público da RestriçãoÉ comum o ingresso de determinada demanda contra um agente público por ato de outro. As hipóteses mais usuais ocorrem nas zonas urbanas ou de expansão urbana onde determinadas posturas municipais limitam o uso do solo. Há casos, também, em que há mais de um agente público emanando atos restritivos ao uso de determinado imóvel, alguns de caráter geral e outros com especificidade.Um possível exemplo desta última hipótese pode se dar em áreas de ocorrência de mata atlântica em zona urbana de uso limitado onde não há nenhuma unidade de conservação criada pelo Estado. Neste caso, as restrições emanam da União e do Município, que devem ser chamados a responder à demanda com os necessários rebatimentos da questão da competência absoluta e relativa, mudanças no pólo passivo etc.3. Prova de Domínio e Posse (Titularidade)Dado que a prova de domínio é condição essencial para este tipo de demanda e considerando as razões históricas já indicadas no item 2, este é outro pressuposto da indenização.Além disso, as Unidades de Conservação foram inicialmente criadas em lugares de provável ocorrência de terras devolutas ou em regiões que, pela falta de acesso, há imprecisão de títulos dominiais, o que pode levar à inépcia ou carência de ação. Pode ainda ocorrer a superposição de títulos particulares, e destes com títulos do Estado, além da presença comum de posseiros nessas regiões, seja por expulsão do litoral, fruto de especulações imobiliárias, seja por ocupação histórica (casos de aldeamentos indígenas, antigos quilombos existentes no Vale do Ribeira).Por outro lado, a prova de domínio inequívoco _ a exemplo de outros pressupostos _ é necessária mas não suficiente, já que somente atos de posse obstados pelo Poder Público implicariam eventual indenização.Finalmente, o prosseguimento do processo sem este pressuposto (prova inequívoca de domínio e posse) pode levar a situações esdrúxulas de mais de uma indenização, no mesmo local, ou ainda de se indenizar o proprietário ignorando-se a existência de outros ocupantes.4. Temporalidade da AquisiçãoO aspecto temporal da aquisição de imóvel objeto de restrição é também pressuposto de fundamental importância. Com efeito, hipóteses de aquisição de áreas posteriormente à ocorrência de eventos restritivos inabilitam o postulante à indenização na medida em que esta pessoa adquiriu imóvel já objeto de uma dada restrição. Caberia ação regressiva contra o alienante, já que ninguém pode transmitir mais do que tem. No caso, a hipótese de averbação aventada é útil mas de difícil implementação preventiva.

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Infelizmente, algumas pessoas inescrupulosas, cientes de restrições, alienam e até loteiam áreas sobre as quais incidem medidas protetivas não raro longevas.Por outro lado, a aquisição anterior ao ato restritivo pode levar à prescrição, oscilando a jurisprudência entre cinco e vinte anos.5. Espacialidade da RestriçãoA exemplo do pressuposto da titularidade, é indispensável que a restrição apontada seja determinável espacialmente, ou seja, é necessário que se demonstre que um dado imóvel é realmente atingido por um ou mais atos protetivos, a partir do que podem ocorrer inúmeras situações, algumas de mera limitação administrativa, outras não, algumas emanadas de outro agente público etc.Além disso, o imóvel pode ser total ou parcialmente abrangido pela restrição, o que será determinante para a eventual determinação do valor indenizatório.Nesse sentido, a perícia é de fundamental importância para aferição desse pressuposto.6. Atividade Econômica Pré-existente e/ou ViávelRemetendo-se ao início da exposição, é conveniente reafirmar que, atendidos os pressupostos anteriores, a indenização pressupõe a prova do dano efetivo, ou seja, não se deixa alguém indene de uma mera intenção de ocupação. Esta tem que ser pré-existente ou viável.É usual a alegação de atingidos por atos de proteção, de que há interdição por impossibilidade de parcelamento do solo ou exploração madeireira. Pouco se questiona sobre a efetividade desta atividade econômica ou ainda sobre sua viabilidade. A viabilidade pressuposta, ademais, não é somente econômica (por exemplo, se o custo da extração de madeira numa determinada região é superior ao valor deste produto no mercado) mas também jurídica (no sentido da possibilidade legal da dita exploração, vedada em áreas de declividade acentuada ou de ocorrência de vegetação de preservação permanente ou permitida para algumas espécies vegetais).Neste caso, a exemplo do pressuposto anterior, o papel da prova pericial é de fundamental importância.[...]

No caso, o método involutivo não pode ser adotado quanto ao imóvel, por força de limitações geográfi cas (morro) e administrativas (na dicção do art. 7°, § 1°, da Lei Federal n° 9.985/2000, o objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos em lei), não se prestando, seguramente, para loteamento. Além disso, nenhum comprador pagaria em separado pela cobertura fl orestal da gleba dos autores (a vegetação dominante no morro é a fl oresta – 114,5 hectares segundo o Plano de Manejo Resumido, item 1.6.2), sendo ela valorada simplesmente pelo valor da terra no local e no mercado, levando em conta a existência da vegetação natural a preservar e a localização em topo de morro. A distorção na avaliação do perito está evidenciada na resposta ao quesito número 06 dos autores (“indicar o valor venal atual do metro quadrado do terreno para fi ns de apuração do valor da indenização postulada”), quando afi rma que se trata de “gleba urbanizável, ou seja, passível de receber obras de infraestrutura urbana, com fi ns comerciais, e visando o seu aproveitamento efi ciente, através de loteamento” (fl . 218).

O método empregado, como se vê, conduz à distorção que não pode ser acolhida. O laudo é imprestável, ante o critério utilizado e, por conseguinte, é nula a sentença com base no laudo inservível lançada.

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De outra banda, registro que não desconheço que, no precedente apreciado pela Colenda 3ª Câmara Cível, relativo á gleba vizinha a dos autores (de Fradique Correa Gomes, AC nº 70024786451), aparentemente foram adotados os mesmos critérios técnicos para estimativa do valor da indenização, tanto que, segundo a resposta nº 7 aos quesitos dos autores, nestes autos (fl . 220-221), o valor lá estabelecido em sentença e confi rmado pela Segunda Instância, proporcionalmente, se aplicado ao imóvel deste processo, conduziria a um montante indenizatório ligeiramente superior.

Entretanto, não há vinculação judicial àquele precedente, por óbvio, cujos motivos não fazem coisa julgada para processo diverso e para terceiros, como decorre do disposto nos artigos 469 e 472 do CPC/1973.

Assim, o critério técnico utilizado em precedente judicial outro, ainda que relativamente à área vizinha e atingida pela mesma expropriação indireta, não pode ser automaticamente aplicado nos demais casos.

Ademais, o art. 27 do Decreto-lei nº 3.365/41 é bem claro em determinar que, na fi xação do valor da indenização, o juiz deve considerar, entre outros fatores, o valor estimativo para fi ns fi scais do bem, o preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário (o que, por certo, inclui o potencial de exploração imobiliária que a gleba representa) e a sua situação particular, o que implica considerar o seu potencial econômico perante as limitações topográfi cas e geográfi cas preexistentes, inclusive independentemente do desapossamento administrativo, circunstâncias, entretanto, absolutamente ausentes no laudo pericial e que serviu, modo exclusivo, para o arbitramento da indenização estabelecido pela douta sentença.

Assim, reputo inafastável o reconhecimento da nulidade da perícia e, conseqüentemente, da sentença que a acolheu, devendo nova apuração pericial ser realizada, por outro expert, que considere todas aquelas diretrizes legais para a estimativa do valor da indenização devida aos autores.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para declarar a nulidade da perícia judicial e da sentença, determinando o retorno dos autos à origem para a realização de nova perícia e demais atos subseqüentes

É o voto.Des. Francesco Conti (Revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira – De acordo com o(a) Relator(a).

– o –

Apelação Cível n. 70064195126 (n. CNJ: 0104890-58.2015.8.21.7000) – 5ª Câmara Cível – Santa Maria

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS RACISTAS. PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO.

1. A autora logrou comprovar os fatos articulados na exordial, no sentido de que foi ofendida pela ré, sem que desse causa para aquela conduta desmedida e agressiva.

2. Salienta-se que a palavra “negro”, proferida de forma isolada, não configura o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/891. Contudo, no presente

1 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

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caso, as expressões utilizadas pela demandada: “negra suja”, “macaca”, “que deveria estar em uma árvore”, demonstram o intuito preconceituoso e depreciativo contra a autora, capaz de causar verdadeiro abalo à honra e dignidade desta, como se o ser humano pudesse ser avaliado e etiquetado pela cor de sua pele e não pela conduta que adota no convívio social.

3. Note-se que as ofensas assacadas calam fundo na alma, pois se traduz no mais vil dos preconceitos, aquele atinente a cor de um ser humano, como se isso pudesse definir o comportamento ético-social de uma pessoa apenas em razão de sua pele, não por sua conduta e ações que pratica, logo, se pudesse ser atribuído o valor de cada um, certamente não é a medida da intolerância que seria o prumo para estabelecer a retidão moral de cada homem ou mulher.

4. É passível de ressarcimento o dano moral causado no caso em exame, decorrente de a autora ter sido ofendida, sem que houvesse injustamente provocado, tal medida abusiva resulta na violação ao dever de respeitar a gama de direitos inerentes a personalidade de cada ser humano, tais como a imagem, o bom nome e a reputação do ofendido.

5. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta da ré, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro.

6. O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. Quantum mantido.

7. O termo inicial da incidência dos juros moratórios se trata de matéria de ordem pública, podendo ser fixado de ofício, independentemente do pedido e do objeto do recurso, marco aquele que retroage a data do evento danoso. Inteligência da súmula n. 54 do STJ.

Negado seguimento ao recurso e, de ofício, alterado o termo inicial de incidência dos juros de mora.

Terezinha Galetto, apelante – Marli de Fatima Goncalves Xavier, apelada.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso e, de ofício, alterar o termo inicial dos juros de mora.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores

DESA. ISABEL DIAS ALMEIDA E DES. JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD.Porto Alegre, 24 de junho de 2015.Jorge Luiz Lopes do Canto, Relator.

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I-RELATÓRIODes. Jorge Luiz Lopes do Canto (Relator) – Trata-se de recurso de apelação

interposto por TEREZINHA GALETTO, nos autos da ação de indenização por danos morais, movida em face de MARLI DE FATIMA GONCALVES XAVIER.

Na decisão atacada (fls. 72/76) foi julgado procedente o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:

ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Marli de Fátima Gonçalves Xavier em desfavor de Terezinha Bernadete Mazo Martins na presente Ação Indenizatória para condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar da data desta decisão até o efetivo pagamento.Diante da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais arbitro em 15% sobre o valor da condenação, com fulcro no artigo 20, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil, levando em consideração o trabalho desempenhado pelo causídico e a natureza e importância da ação.Suspendo a exigibilidade, porquanto a parte autora litiga sob o amparo da assistência judiciária gratuita (fl. 46).

Em suas razões recursais (fls. 78/83) alegou que a sentença não merece ser mantida, uma vez que não existem provas suficientes acerca do ocorrido.

Sustentou que não se pode levar em consideração o depoimento da testemunha, tendo em vista que este já teve problemas com a ré, sendo suspeito, portanto.

Requereu a reforma da sentença e, alternativamente, a redução do quantum arbitrado, tendo em vista que a apelante também é pessoa pobre.

Com as contra-razões (fls. 85/93), os autos foram remetidos a esta Corte.Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo

em vista a adoção do sistema informatizado.É o relatório.

II-VOTOSDes. Jorge Luiz Lopes do Canto (Relator) – Admissibilidade e objeto do

recursoEminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de

primeiro grau, versando sobre indenização por danos morais em decorrência de ofensas verbais.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo e dispensado de preparo em razão da gratuidade judiciária deferida, inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para a análise das questões de fundo suscitadas.

Mérito do recurso em exameA autora ingressou com a presente ação de indenização sob o argumento de ter

sido ofendida pela demandada, moradora do prédio na qual a autora prestava serviços,

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a qual lhe proferiu palavras ofensivas e racistas, lhe chamando de “negra suja”, “macaca”, “que deveria estar em uma árvore”, além de outras palavras de baixo calão.

A demandada, por seu turno, alegou que ao abrir a porta a requerente atirou um balde de água em seus pés, pois estava limpando a escadaria, no entanto, não proferiu ofensas, orientando a limpar com mais cuidado o local. Afi rmou que após isso a requerente disse palavras ofensivas relacionadas ao seu estado civil e sua fi lha.

Verifica-se pelas provas colhidas no feito, que a autora foi ofendida moralmente pela demandada, de forma gratuita, o que, sem dúvidas, causou lesão aos direitos inerentes à personalidade, na medida em que atingiu a auto-estima desta, bem como o seu bom nome e reputação.

Note-se que o depoimento colhido durante a instrução processual foi coerente e coeso, ainda que prestado somente por uma pessoa que estava presente quando da ofensa assacada contra a autora.

Nessa seara, a fim de evitar desnecessária tautologia, cumpre transcrever em parte os argumentos lançados na sentença de lavra do culto Magistrado singular, Dr. Michel Martins Arjona, o qual procedeu a correta análise da causa sub judice, cujas razões se adota como de decid ir a seguir:

O feito está estreme de vícios formais, encontrando-se apto ao julgamento.Inicialmente, não procede as alegações da requerida quanto ao testemunho doSr. Luiz Carlos de Souza Lima.As declarações juntadas às fls. 70/71 dizem respeito, tão somente, aos motivos pelo qual a testemunha parou de prestar os serviços no condomínio onde ocorreram aos fatos, nada influenciando nos fatos por ela presenciados.Quanto ao processo nº 027/1.13.0011361-8, ajuizado pela testemunha, que contratou o advogado da ora requerente, também não prejudica o testemunho, vez que não comprova ou sequer principia a existência de um consilium fraudis para prejudicar a requerida.Caso assim entenda, deveria ter informado ao Ministério Público a ocorrência de crime de falso testemunho, o que até o momento não foi noticiado nos autos.Superada a questão, passo ao exame do mérito.Trata-se de ação em que a parte autora pretende a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais, porquanto sofreu injúrias raciais enquanto laborava no prédio em que aquela reside.Sobre a responsabilidade civil estatui o Código Civil:“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”No caso, foi violado um dos mais vitais direitos do ser humano, sua dignidade, que é elevada a fundamento do Estado Democrático de Direito, presente no primeiro artigo da Lei Maior de nosso país:“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:III - a dignidade da pessoa humana;”Para que exsurja a responsabilidade civil, é mister a ocorrência concomitante de quatro elementos, quais sejam: ação ou omissão ilíci ta, nexo de causalidade, dolo ou culpa (nas situações reguladas pela responsabilidade subjetiva) e dano.

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Assim sendo, a prova testemunhal demonstrou cabalmente a ocorrência de injúria racial realizada pela requerida contra a requerente enquanto realizava seu trabalho no condomínio em que aquela reside.Em casos como o telado, a prova testemunhal é de essencial importância, especialmente quando ela existe e narra de forma cristalina atos que, geralmente, são realizados de forma escusa.O testemunho de Luiz Carlos Souza Lima é veemente, claro, repetindo por mais de duas vezes os mesmos fatos, sem alterar a versão, corroborando com os elementos trazidos aos autos pela parte autora.A certeza de que presenciou os fatos advém do fato de que a testemunha repetiu dois dos três termos trazidos pela parte autora na inicial, que são: negra suja e que a autora deveria estar em uma árvore. Ademais, também confirmou o fato de que a requerida teria ligado à empresa prestadora de serviços do condomínio informando que somente mandam negros para trabalhar lá.É aviltante que passados mais de 125 anos da abolição da escravatura pela Lei Áurea em 1888, ainda ecoem nos dias de hoje os sons dos grilhões e das chibatas em olhares desdenhosos, atos preconceituosos e, agora, em palavras que tem como único intuito humilhar.São por essas atitudes que, diariamente, negros, mulatos, cafuzos, pardos, ou qualquer que seja a defi nição dada àqueles que, de diferente dos “brancos”, somente possuem o tom da pele, retornam aos porões dos navios negreiros, remontando em suas mentes um passado de subjugação desmedida e injustifi cada.Dessa forma, não paira dúvida acerca da ocorrência de dano moral indenizável, caracterizado pelo abalo psicológico que acometeu a parte autora em virtude dos fatos aqui narrados.

Ademais, importante ressaltar que em casos como o presente, conforme entendimento assentado nesta Corte o dano moral existe in re ipsa, prescindindo de prova, pelo que se vê dos arestos a seguir transcritos:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. 1. SUPERMERCADO. OFENSAS VERBAIS PROFERIDAS POR GERENTE A EX-FUNCIONÁRIO DA EMPRESA QUE REALIZAVA COMPRAS. PROVA TESTEMUNHAL QUE CONFIRMA A TESE DO AUTOR. ATO ILÍCITO PERPETRADO. 2. OFENSAS E CONSTRANGIMENTO EM PÚBLICO. DANOS MORAIS IN RE IPSA. 3. VALOR A SER REPARADO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. MANUTENÇÃO. 4. JUROS DE MORA. TERMO DE INCIDÊNCIA. DATA DA FIXAÇÃO DO VALOR. MODIFICAÇÃO QUE LEVA À CONSEQUENTE MINORAÇÃO DO MONTANTE A SER REPARADO. APELAÇÃO DO AUTOR DESPROVIDA. APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70044048551, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 09/11/2011).

APELAÇÃO CÍVEL. INTERESSE PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL. CARÁTER IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO.1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. Ressalvada hipótese constitucional única (artigo 217, §1º), o ingresso em Juízo não exige o prévio exaurimento do plano extrajudicial, sob pena de ofensa ao Direito de Ação (art. 5º, XXXV, também da Constituição Federal). Preliminar de ausência de interesse processual rejeitada. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL. Na forma dos arts. 302 e 334, inciso III, do Código de Processo Civil, é incontroverso nos autos a inexistência de relação jurídica entre as partes; e a inscrição indevida. Presentes os pressupostos da responsabilidade civil, resta confi gurado

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o dever de reparar o dano. Trata-se de dano moral in re ipsa, evidenciados pelas circunstâncias do próprio fato. 3. FIXAÇÃO DO QUANTUM. O valor da indenização fi xado na sentença encontra-se afastado das circunstâncias do caso e do entendimento deste órgão fracionário, devendo, porém, ser mantido, diante da proibição de reformatio in pejus. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70042987453, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 19/10/2011).

Neste sentido também é o ensinamento de Sergio Cavalieri Filho2 como se vê a seguir:

Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Destarte, a prova colhida no feito se mostrou coesa e coerente, suficiente para a procedência da demanda, pois demonstrada a ofensa racista assacada contra a parte autora, o que num país de mestiços é fato grave, que atinge e envergonha a nossa comunidade.

Salienta-se que a palavra “negro”, proferida de forma isolada, não configura o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/893. Contudo, no presente caso, as expressões utilizadas pela demandada: “negra suja”, “macaca”, “que deveria estar em uma árvore”, demonstram o intuito preconceituoso e depreciativo contra a autora, capaz de causar verdadeiro abalo à honra e dignidade desta, como se o ser humano pudesse ser avaliado e etiquetado pela cor de sua pele e não pela conduta que adota no convívio social.

Cabe ressaltar, ainda, que a parte ré não logrou êxito em comprovar fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito da parte autora, ônus que era daquela e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil.

O artigo 186, do Código Civil, preceitua que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Igualmente, o artigo 927, do diploma legal precitado, estabelece que: aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fi ca obrigado a repará-lo, hipóteses estas incidentes sobre os fatos descritos na exordial; hipóteses de incidência estas que se aplicam ao caso dos autos.

Assim, é perfeitamente passível de ressarcimento o dano moral causado no caso em exame, tendo em vista que a autora foi ofendida, resultando na violação

2 – CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., rev. e amp. SP: Atlas, 2007, p. 83.3 – Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

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ao dever de respeitar a gama de direitos inerentes a personalidade de cada ser humano, em especial a imagem e honorabilidade daquela.

A esse respeito é oportuno trazer à colação os ensinamentos do jurista Cavalieri Filho4 ao asseverar que:

... Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mas precioso que o patrimônio, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia que o dano moral não se confunde com o dano material; tem existência própria e autônoma, de modo a exigir tutela jurídica independente.Os direitos a personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direito da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esse diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.

Do quantum a ser fixado para indenização por dano moralCom relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral há

que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como, as condições da ofendida, in casu, pessoa de parcos recursos, a capacidade econômica da ofensora, do lar, também beneficiada pelo benefício da gratuidade de justiça.

Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, deixando de corresponder à causa da indenização. Nesse sentido, Cavalieri Filho5 discorre sobre este tema, mais uma vez, com rara acuidade jurídica, afirmando que:

Creio que na fi xação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser sufi ciente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fi ns, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios

4 – Ibidem, p. 77.5 – Ibidem, p. 90.

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escolhidos sejam compatíveis com os fi ns visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fi zerem presentes.

Portanto, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a conduta danosa não voltar e se repetir, assim como punitivo, visando à reparação pelo dano sofrido. Não devendo, contudo, se transformar em objeto de enriquecimento ilícito devido à fixação de valor desproporcional para o caso concreto.

Note-se que as ofensas assacadas calam fundo na alma, pois se traduz no mais vil dos preconceitos, aquele atinente a cor de um ser humano, como se isso pudesse definir o comportamento ético-social de uma pessoa apenas em razão de sua pele, não por sua conduta e ações que pratica, logo, se pudesse ser atribuído o valor de cada um, certamente não é a medida da intolerância que seria o prumo para estabelecer a retidão moral de cada homem ou mulher.

Dessa forma, levando em consideração as questões fáticas, a extensão do prejuízo, bem como a quantifi cação da conduta ilícita e capacidade econômica do ofensor, entendo que, no caso em análise devido a gravidade dos fatos, a importância a título de danos morais deve ser mantida em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Reputando que o quantum arbitrado corresponde à quantia suficiente à reparação do dano sofrido, considerando a condição da demandante, bem como, atendendo ao caráter reparatório e punitivo deste tipo de indenização, haja vista que a postulante foi constrangida e humilhada. Aliás, nesse sentido são os arestos trazidos à colação a seguir:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSÃO DE CRÉDITO A TERCEIRO, MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS DO AUTOR. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA FINANCEIRA. CONFERÊNCIA DOS DADOS. AUSÊNCIA DE CAUTELA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REGISTRO NEGATIVO. CULPA EVIDENCIADA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. 1. DO ATO ILÍCITO. NEGLIGÊNCIA. Age culposamente a financeira quando concede empréstimo sem a indispensável e eficaz conferência da documentação apresentada pelo cliente, que se utiliza de dados de terceiro. Responsabilidade da ré que se introduz pela ausência de cautela no desempenho de seu mister. 2. DANO MORAL. PROVA. PRESUNÇÃO. Em se tratando de indevida inscrição perante os órgãos de restrição de crédito ¿ indevida porque inexistente a contratação, o dano moral está in re ipsa, pouco importando que inexista prova nos autos quanto ao efetivo prejuízo sofrido, sendo sufi ciente a simples comprovação do fato. O dano, no caso, é presumido. Precedente do STJ. 3. COMPENSAÇÃO. VALOR. Valor fi xado na sentença a título de reparação por danos morais que vai reduzido para R$ 7.600,00, em atenção às circunstâncias do caso concreto e aos parâmetros adotados pela Câmara. 4. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. Nos termos da Súmula 54 do STJ, em consonância com o disposto no art. 398 do Código Civil, em se tratando de relação extracontratual, os juros de mora fl uem a partir do evento danoso, verifi cado com a anotação restritiva. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº. 70017821505, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 24/05/2007).

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RESPONSABILIDADE CIVIL. BRASIL TELECOM. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELEFONIA CONVENCIONAL. FRAUDE. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO CREDITÍCIA. DANO PRESUMIDO (IN RE IPSA). VALOR DA COMPENSAÇÃO MAJORADO. Em se tratando de indevida inscrição perante os órgãos de restrição de crédito ¿ indevida porquanto inexistente qualquer prova da contratação de serviços junto à ré -, e mesmo em sendo a contratação fraudulenta, promovida por terceiro, é de responsabilidade exclusiva da concessionária prestadora de serviços o dano causado. E o dano moral está in re ipsa, pouco importando que inexista prova nos autos quanto ao efetivo prejuízo sofrido, já que o dano decorre simplesmente da inscrição e se presume ocorrido. O que releva é que o registro levado a efeito era indevido, confi gurando o ilícito do qual o dano moral é indissociável. Quantum indenizatório majorado para R$ 5.000,00, para se adequar com a realidade do caso concreto e com os parâmetros utilizados por esta Câmara. Honorários advocatícios que vão mantidos, porque de acordo com as operadoras do art. 20 do CPC, além de remunerarem condignamente o profi ssional de direito. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº. 70020614301, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 08/11/2007).

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. BRASIL TELECOM. Contratação de serviço por telefone. Responsabilidade da prestadora de serviço pela regularidade da contratação. Dano moral. Configurado. Quantum da indenização. Redução. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº. 70020252334, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Rodrigues Bossle, Julgado em 29/08/2007).

Do termo inicial de incidência dos juros moratóriosRegistre-se que no que tange aos juros moratórios, o entendimento deste

Colegiado é de que estes são devidos desde a data do evento danoso, de acordo com a Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça, a base de 1% ao mês, na forma do artigo 406, do Código Civil, em consonância com o disposto no artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. Dispositivos estes que autorizam a incidência imediata do percentual precitado para a hipótese de moratórios, em especial no caso em exame, no qual a reparação deve ser a mais ampla possível, sob pena de importar em prejuízo para a parte autora. Nesse sentido são os arestos a seguir transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. VALOR DA REPARAÇÃO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. Preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, rejeitada. A reparação do dano moral há de ser arbitrada em consonância com as circunstâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, evitando que se converta em fonte de enriquecimento ou se torne inexpressiva. Valor da reparação mantido. Juros de mora contados da data do evento danoso. Súmula 54 do STJ e art. 398 do atual CC. Verba honorária majorada. Apelação provida em parte. (Apelação Cível Nº. 70027280932, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 17/12/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Evidenciado o ilícito da ré, que procedeu o desconto do benefício previdenciário

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JURISPRUDÊNCIA CÍVEL 317

da autora, junto ao INSS, de parcelas de financiamento não contratado pela beneficiária, privando-a da utilização dos valores indevidamente deduzidos, caracterizado está o dano moral puro ou in re ipsa, exsurgindo, daí o dever de indenizar. Assim, de acordo com os parâmetros adotados por esta Câmara, em casos análogos, a indenização resta fixada em R$ 8.300,00, acrescida de correção monetária pelo IGP-M a contar da sessão e julgamento e de juros legais, incidentes a partir do evento danoso. Sucumbência redimensionada. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº. 70026937383, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 29/10/2008).

No que concerne ao termo inicial da incidência dos juros moratórios, releva ponderar que a remuneração do capital, consubstanciada na compensação à vítima pela indisponibilidade do montante indenizatório, corolário legal este da própria decisão condenatória, pois se trata de matéria de ordem pública, podendo ser fixado de ofício, independentemente do pedido e do objeto do recurso.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp 1112524/DF a seguir transcrito, que ressaltou as lições dos ilustres juristas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DO AUTOR DA DEMANDA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. TRIBUTÁRIO. ARTIGO 3º, DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO. JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP 1.002.932/SP).1. A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex offi cio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial (Precedentes do STJ: AgRg no REsp 895.102/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 23.10.2009; REsp 1.023.763/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 09.06.2009, DJe 23.06.2009; AgRg no REsp 841.942/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 16.06.2008; AgRg no Ag 958.978/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 06.05.2008, DJe 16.06.2008; EDcl no REsp 1.004.556/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 05.05.2009, DJe 15.05.2009; AgRg no Ag 1.089.985/BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19.03.2009, DJe 13.04.2009; AgRg na MC 14.046/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24.06.2008, DJe 05.08.2008; REsp 724.602/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.08.2007,DJ 31.08.2007; REsp 726.903/CE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 10.04.2007, DJ 25.04.2007; e AgRg no REsp 729.068/RS, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 02.08.2005, DJ 05.09.2005).2. É que: “A regra da congruência (ou correlação) entre pedido e sentença (CPC, 128 e 460) é decorrência do princípio dispositivo. Quando o juiz tiver de decidir

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independentemente de pedido da parte ou interessado, o que ocorre, por exemplo, com as matérias de ordem pública, não incide a regra da congruência. Isso quer significar que não haverá julgamento extra, infra ou ultra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre referidas matérias de ordem pública. Alguns exemplos de matérias de ordem pública: a) substanciais: cláusulas contratuais abusivas (CDC, 1º e 51); cláusulas gerais (CC 2035 par. ún) da função social do contrato (CC 421), da função social da propriedade (CF art. 5º XXIII e 170 III e CC 1228, § 1º), da função social da empresa (CF 170; CC 421 e 981) e da boa--fé objetiva (CC 422); simulação de ato ou negócio juridico (CC 166, VII e 167);b) processuais: condições da ação e pressupostos processuais (CPC 3º, 267, IV e V; 267, § 3º; 301, X; 30, § 4º); incompetência absoluta (CPC 113, § 2º); impedimento do juiz (CPC 134 e 136); preliminares alegáveis na contestação (CPC 301 e § 4º); pedido implícito de juros legais (CPC 293), juros de mora (CPC 219) e de correção monetária (L 6899/81; TRF-4ª 53); juízo de admissibilidade dos recursos (CPC 518, § 1º (...)” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 10ª ed.,Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 669).3. A correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita.(...)(REsp 1112524/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe 30/09/2010).

Portanto, o termo inicial dos juros moratórios deve ser fixado a contar do evento danoso, independentemente de provocação da parte ou pedido em sentido diverso.

III - DISPOSITIVOAnte o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício,

alterar o termo inicial de juros de mora. Mantida a sentença proferida em seus demais provimentos, inclusive no que tange à sucumbência.

Desa. Isabel Dias Almeida (Revisora) – De acordo com o(a) Relator(a).Des. Jorge André Pereira Gailhard – De acordo com o(a) Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: MICHEL MARTINS ARJONA

– o –

Apelação Cível n. 70063695373 (n. CNJ: 0054915-67.2015.8.21.7000) – 8ª Câmara Cível – Pelotas

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO OBTIDO EM PROCEDIMENTO PRÉ-PROCESSUAL DE MEDIAÇÃO FAMILIAR POR CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA - CEJUSC. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO FISCAL DA LEI. POSSIBILIDADE. ART. 499, § 2º, DO CPC E ART. 11 DA RESOLUÇÃO Nº 125/2010 DO CNJ. VERIFICAÇÃO DE OMISSÕES NO AJUSTE, EM PREJUÍZO AOS INTERESSES DO FILHO MENOR.

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OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO RESPEITO ÀS LEIS VIGENTES. IMPERIOSIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. CABIMENTO.

1. O Ministério Público, como fiscal da lei, tem legitimidade para recorrer de sentença homologatória de acordo obtido em procedimento pré-processual de mediação em CEJUSC, nos termos do art. 499, § 2º, do CPC e do art. 11 da Resolução 125/2010 do CNJ.

2. Embora cabível a mediação em procedimento pré-processual atinente a Direito de Família (no caso, divórcio), com base nos arts. 8º, caput e § 1º, e 10 da Resolução nº 125/2010 do CNJ e no art. 4º da Resolução 1.026/2014 do COMAG, é princípio fundamental a reger a atuação de mediadores judiciais o respeito às leis em vigor, segundo previsão do art. 1º, VI, do Anexo III da Res. nº 125 do CNJ.

3. Tendo em vista a necessidade de preenchimento de lacunas existentes no ajuste formalizado pelos divorciandos na sessão de mediação familiar, especialmente com relação a disposições respeitantes aos direitos indisponíveis do filho menor, cujo tratamento é reclamado pelos arts. 1.574, parágrafo único, do CCB, e 1.124-A do CPC, a desconstituição da sentença homologatória é medida que se impõe.

APELO PROVIDO.

Ministerio Publico, apelante – N. de M. R. P. e R. da S. P., apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo, nos termos dos votos a seguir transcritos.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUIZ

FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.

Porto Alegre, 21 de maio de 2015.Ricardo Moreira Lins Pastl, Relator.

RELATÓRIODes. Ricardo Moreira Lins Pastl (Relator) – Trata-se de recurso de apelação

interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com a homologação do acordo/entendimento entabulado entre N. de M. R. P. e R. da S. P.

Sustenta, em suma, que os termos do acordo homologado não preservam adequadamente os interesses do filho incapaz do casal, apontando que com a regulamentação da exclusiva guarda materna é necessária a fixação do direito de visitas paternas, sobre o que não há menção no ajuste.

Refere que ficou estabelecido ao genitor alcançar alimentos no valor mensal de R$ 100,00, sem qualquer previsão acerca de índice de correção e reajuste, tampouco de data para o cumprimento dessa obrigação, em prejuízo ao incapaz.

Indica que o genitor assumiu o compromisso de continuar auxiliando nas despesas eventuais e de efetuar o pagamento de parte ideal no plano de saúde, sem

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quaisquer especificações e indicação do tipo de plano de saúde, o que torna inexequível essas cláusulas.

Assinala, ainda, que não há na avença qualquer menção aos alimentos entre os divorciandos, tampouco quanto ao nome da divorcianda.

Requer, assim, o provimento do apelo, com a desconstituição da sentença e posterior baixa, a fim de que sejam sanadas essas omissões (fls. 18/23).

Sem a apresentação de contrarrazões (fl. 23, verso), o feito foi remetido a esta Corte para julgamento, opinando a Procuradoria de Justiça pelo provimento do apelo (fls. 26/27).

Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552, todos do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOSDes. Ricardo Moreira Lins Pastl (Relator) – Eminentes colegas, trata-

-se de recurso interposto contra sentença homologatória de ajuste obtido em procedimento “pré-processual declaratório”, atinente a Direito de Família, pelo CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Pelotas, em atendimento de mediação possibilitado e realizado nos termos dos arts. 8º, caput e § 1º, e 10 da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e do art. 4º da Resolução nº 1.026/2014 do Conselho da Magistratura.

No caso, em sessão de mediação familiar realizada em 25.07.2014, N. e R. concordaram com a decretação do divórcio e indicaram a inexistência de bens a partilhar, comprometendo-se o varão “a continuar alcançando o valor de, no mínimo R$ 100,00 mensais ao filho que tem com N., além de efetuar o pagamento da parte ideal do pequeno no plano de saúde. Nos dias em que fica com o filho ou que o visita na casa de N., continuará auxiliando nas despesas eventuais. Ainda quanto a R. J., será mantido na guarda da mãe” (fl. 5).

Dada vista ao Ministério Público, houve manifestação no sentido da não homologação do acordo apresentado, em face da não estipulação da data para pagamento da obrigação alimentar e do índice de reajuste, da ausência de especifi cação quanto ao plano de saúde e das “despesas eventuais” e, ainda, da falta de disposição quanto às visitas paternas, aos alimentos entre os divorciandos e ao uso do nome da mulher (fl . 13), sobrevindo, em ato contínuo, a decretação do divórcio e a homologação do acordo nos termos propostos (fl s. 14/17), o que agora é questionado.

Registro, de pronto, que o Ministério Público, como fiscal da lei, tem legitimidade para recorrer de sentença homologatória de acordo, nos termos do art. 499, § 2º, do CPC e do art. 11 da Res. nº 125/2010 do CNJ, adiantando aos colegas minha compreensão de que o reclamo, que é próprio, tempestivo e dispensado de preparo, merece prosperar, de forma a que seja acolhida a pretensão recursal de desconstituição do ato judicial terminativo do procedimento.

Embora seja possível presumir que, na ausência de disposição expressa em sentido contrário, tenham os divorciandos renunciado alimentos entre si e concordado com a realização de visitas livres ao filho pelo genitor, e ainda que não ignore ter havido pronunciamento judicial a respeito da permanência do uso

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JURISPRUDÊNCIA CÍVEL 321

do nome de casada pela divorcianda (fl. 16), possivelmente suprindo a omissão havida no “Termo de Entendimento”, o fato é que, ainda assim, faz-se necessário o preenchimento de algumas lacunas existentes no ajuste formalizado na sessão de mediação familiar, em atenção aos interesses do filho menor do casal, R. J. (nascido em 08.03.2009, fl. 10), que devem ser prioritariamente resguardados.

Isso porque, conforme observado pelo insurgente, não restou previsto no ajuste a data de pagamento da verba alimentar pelo genitor (estipulada no valor de “no mínimo R$ 100,00 mensais”) e o índice de reajuste dessa verba, não tendo sido especificadas, ainda, a modalidade do plano de saúde e, tampouco, quais as “despesas eventuais” do infante com as quais o genitor se compromete a contribuir, omissões que, não tendo sido sanadas anteriormente à homologação, apesar da manifestação ministerial nesse sentido (fl. 13), consagram a formação de um título judicial de discutível exequibilidade, em prejuízo aos interesses do incapaz.

Anoto que o art. 1.574, parágrafo único, do CCB estabelece que “o juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges”, o que, identicamente – e até por maiores razões –, impõe-se observar em relação ao divórcio (em relação à guarda e visitas de filhos, preservação do nome, alimentos e partilha de bens, consoante o art. 1.124-A do CPC).

Por fi m, realço que é princípio fundamental a reger a atuação de conciliadores e mediadores judiciais o do respeito às leis em vigor, estando destacado no art. 1º, inciso VI, do Anexo III da Res. nº 125/2010 do CNJ o “dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes”.

Por conta disso, a desconstituição da sentença, com baixa à origem para que sejam sanadas tais omissões, é medida que se impõe, como também salienta a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. MARISA LARA ADAMI DA SILVA, em seu parecer (fl s. 26/27).

Por oportuno, entendo por bem recomendar que os juízos coordenadores dos CEJUSCs, além de observar nos ajustes as previsões legais atinentes a cada uma das matérias objetos dos atendimentos, na medida do possível, em casos em que, como o presente, haja interposição de recurso, possibilitem a atuação de profissionais para defenderem a posição adversa (advogados/Defensoria Pública ou Ministério Público), nos termos do art. 11 da Res. nº 125/2010 do CNJ.

ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao apelo, a fim de desconstituir a sentença homologatória.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (Presidente e Revisor) – Acompanho o em. relator.Em face da relevância deste precedente, verdadeiro paradigma que poderá

servir de norte para os procedimentos que ocorrem perante os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), penso relevante tecer algumas considerações adicionais.

Com efeito, por mais que se procure relevar formalidades, alguns requisitos fundamentais devem ser observados, em salvaguarda ao próprio direito das partes, de modo muito especial quando se trata de ações de estado e há interesses de menores em jogo, como no caso.

Assim, em se tratando de acordo de divórcio (e, por analogia, em pactos relativos a união estável), os requisitos da petição inicial, especifi cados no art. 1.121 do

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CPC são imprescindíveis, quais sejam: 1. descrição dos bens do casal e respectiva partilha (ou menção a que não há bens a partilhar, ou que a partilha será realizada posteriormente); 2. acordo relativo à guarda e ao regime de visitas, deixando claro quando for livre a visitação ou, ao contrário, estatuindo dias e horários para tanto, assim como o que vigorará nas datas festivas; 3. o valor da pensão alimentícia, seja apenas para os fi lhos menores e/ou para o outro cônjuge também (com especifi cação da data de vencimento de cada parcela, forma de pagamento e índice de reajuste); 4. cláusula relativa ao uso do nome de casada (o) ou retorno ao nome de solteira (o).

No caso, como bem destacou o em. relator, o acordo é por demais lacunoso e não deveria ter sido homologado pelo magistrado. Assim, constatado que o acordo não preenche os requisitos legais, deverá o juiz responsável pelo CEJUSC, por cautela, designar audiência de ratificação, que será por ele próprio presidida, oportunidade na qual o pacto deverá ser complementado.

Do mesmo modo, chamou-me a atenção o fato de que os mediadores que presidiram o ato estão identifi cados apenas pelos respectivos nomes, não havendo qualquer referência a que se trata de mediadores devidamente habilitados, como se impõe. No caso, em diligência que realizei junto ao NUPEMEC, constatei que os profi ssionais estão habilitados. De qualquer modo, por segurança, vai a RECOMENDAÇÃO de que, nos termos de acordo, fi que registrada essa circunstância.

Por fim, vale registrar que tais cautelas não são adotadas por mero apego à forma, senão que objetivam evitar nulidades e possíveis dificuldades futuras no cumprimento do ajuste, potencialmente geradoras de outros conflitos, o que sempre se deve evitar.

Des. Alzir Felippe Schmitz – De acordo com o douto relator.

Julgador(a) de 1º Grau: MARCELO MALIZIA CABRAL

– o –

Apelação Cível n. 70067901157 (n. CNJ: 0000309-55.2016.8.21.7000) – 8ª Câmara Cível – Porto Alegre

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME PATRIMONIAL. BENS ADQUIRIDOS ENTRE A CF/88 E A LEI 9.278/96. INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO, MESMO ANTERIORMENTE À LEI 9.278/96. PARTILHA. SUB-ROGAÇÃO.

1. APELAÇÃO DA DEMANDADA. A valoração da contribuição indireta (que equivale à presunção de contribuição) para a formação do patrimônio, como apta a gerar direito à partilha, foi uma construção jurisprudencial que em muito antecedeu à Lei 9.278/96, a qual apenas recolheu a lição jurisprudencial que já então (no ano de 1996) se fazia consagrada. Não foi, portanto, a lei que inovou. Ela apenas seguiu os passos da jurisprudência, que já construíra o arcabouço jurídico que o diploma legislativo posteriormente sacramentou (como sói suceder, em especial no âmbito do Direito de Família – veja-se, a propósito, o tema das uniões entre pessoas de mesmo sexo, onde ainda hoje não há qualquer lei que a regulamente...). Assim, mesmo aos bens adquiridos

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anteriormente à vigência da Lei 9.278/96 aplica-se a presunção de contribuição. Orientação divergente do REsp. nº 1.124.859-MG.

2. PARTILHA. Sendo o imóvel nº 54 da rua Saldanha Marinho adquirido em 1993, na vigência da união estável que iniciou em janeiro de 1988, não prosperam os argumentos da demandada acerca de ter feito a aquisição com valores exclusivamente seus porque, em consequência do desfazimento da união estável, recaem sobre dita aquisição os efeitos da comunicação patrimonial, que, para este fi m, não exige prova de contribuição do autor, de modo que fi ca mantida a sentença que decide a partilha igualitária do bem. 3. COTAS SOCIAIS DAS EMPRESAS. Sem razão a recorrente ao pretender que sejam respeitados os percentuais de cada um dos litigantes nas participações societárias nas duas empresas, que têm ambos como os únicos cotistas. Não repercute no acertamento das relações patrimoniais pelo fi m da união estável a circunstância alegada pela recorrente de que não se tratam de sociedades empresárias propriamente ditas – o que vai de encontro ao conteúdo dos respectivos contratos sociais – ou o fato de que é na estética, onde é sócia majoritária, que ela exerce a profi ssão de cabeleireira, enquanto a outra empresa, que tem o varão como maior cotista, é onde ele trabalha no ramo de comércio exterior. Isto porque a cotas sociais são patrimônio e como tal, se adquiridos durante a união estável, representam bens comuns ao casal. 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. A base de incidência do percentual fi xado deve ser o valor do que for apurado como quinhão da mulher, parâmetro que melhor representa a verdadeira vantagem patrimonial ou proveito econômico, mantido o percentual de 10% fi xado na sentença.

5. APELAÇÃO DO AUTOR. SUB-ROGAÇÃO. Não há falar em reforma da sentença por sub-rogação na venda de bens havidos por sucessão hereditária com subsequente pagamento de 19 prestações da aquisição do apartamento nº 201 da rua Miguel Couto nº 817 (compra e venda contratada em julho de 2001). Em que pese demonstrada a venda, em novembro de 2002, de dois imóveis havidos por transmissão sucessória, não se pode concluir, ipso facto, que a quitação das ditas 19 parcelas relativamente ao contrato foi feita com o valor das mencionadas vendas, porquanto não houve a exata e direta demonstração de relação de sub-rogação, ainda que parcial, entre os referidos bens.

DERAM PROVIMENTO EM PARTE À APELAÇÃO DA DEMANDADA E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR. UNÂNIME.

M. M. L. e H. X. S., apelantes-apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento em parte à apelação da demandada e negar provimento à apelação do autor.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE) E DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL.Porto Alegre, 31 de março de 2016.

Luiz Felipe Brasil Santos, Relator.

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RELATÓRIODes. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator) – H. ajuizou ação para

reconhecimento de união estável e partilha de bens contra M.Foi proferida a sentença das fls. 1.332-33, julgando parcialmente procedentes os

pedidos para declarar o início da união estável em janeiro de 1988 e determinar a partilha de bens sem sub-rogações e/ou compensações.

A demandada e o autor opuseram embargos de declaração (fls. 1.335-37 e 1.338-41), os quais foram rejeitados (fl. 1.343).

Ambos os litigantes recorrem.Apelação da demandada (fls. 1.344-62)Sustenta que: (1) discorda da deliberação posta na sentença no que se refere

à partilha de todo o patrimônio existente, inclusive dos bens havidos por ela, com recursos exclusivos seus, antes da vigência da Lei 9.278/96; (2) uniformização do STJ veda a comunicabilidade ampla e a aplicação retroativa da Lei nº 9.278/96, feita na sentença, surpreende injustamente a parte; (3) no recurso especial nº 1.124.859-MG houve uniformização do entendimento das turmas de direito privado do STJ, concluindo pela ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito a aplicação daquele diploma legal (Lei 9.278/96) às relações patrimoniais anteriores a 13-05-1996 e que sobre o patrimônio preexistente tem aplicação o ordenamento então vigente (Súmula 380 e, posteriormente, a Lei nº 8.971/94); (4) a sentença reconheceu o início da união estável em janeiro de 1988, quando ainda não vigia a Constituição Federal; (5) tanto a titulação como os recursos para aquisição do imóvel nº 54 da rua Saldanha Marinho, que ela comprou e quitou em 1993, foram exclusivamente seus, não havendo qualquer prova de contribuição pelo autor; (6) a prova técnica não identificou qualquer participação, como posto na fl. 1.096; (7) a sentença deve ser reformada também no que se refere à partilha das cotas sociais das empresas Estética M. e P., porque os litigantes contrataram, expressamente, que possuem percentuais distintos, mas a decisão determinou a partilha em 50% para cada um; (8) há considerar que eles, livre e formalmente, estabeleceram distintos percentuais de propriedade, revelando sua intenção; (9) as empresas, embora rotuladas como pessoas jurídicas, na verdade são instrumentos para o exercício da atividade profissional de cada um com menores custos tributários; (10) outro ponto de inconformidade se refere à verba honorária, fixada em 10% sobre o monte partível, o que é exagerado, porque pode alcançar a monta de R$ 250.000,00; (11) a incidência, como posta, recai sobre bens que já pertenciam e ela, devendo ser considerado, ainda, que ela não se opôs à partilha. Requer o provimento do recurso para excluir da partilha o imóvel da rua Saldanha Marinho, bem como afastar a comunhão de bens no que se refere às pessoas jurídicas Estética M. e P. e reduzir o valor dos honorários sucumbenciais.

Apelação do autor (fls. 1.417-20)Assevera que: (1) está comprovado que vendeu bens havidos por sucessão

hereditária e que, com o valor obtido, fez o pagamento de 19 prestações da aquisição do apartamento nº 201 da rua Miguel Couto nº 817; (2) nas fls. 1094-95 a perícia judicial comprovou a exata relação entre um negócio e outro; (3) o art. 1.659 do CCB, que incide ao caso, prevê a exclusão da comunhão patrimonial dos bens havidos por sucessão e daqueles sub-rogados em seu lugar. Requer o provimento da apelação para reformar a sentença, excluindo esses bens da comunhão pela ocorrência de sub-rogação.

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Houve oferta de contrarrazões (fls. 1.426-34 e 1.435-38).Deixou o Ministério Público de oferecer parecer de mérito por entender como

não configurada a hipótese de intervenção legal (fl. 1.462).Vindo os autos conclusos, foi lançado relatório no Sistema Themis2G, restando

assim atendido o disposto no art. 931 do CPC/2015. É o relatório.

VOTOSDes. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator) – Em primeiro lugar, destaco que

a sentença fixou o termo inicial da união estável em janeiro de 1988 – definição contra a qual não se insurge qualquer dos litigantes.

Além disso, importa destacar que, em maio de 2009, a demandada ingressou com ação objetivando reconhecer a mesma união estável (processo nº 001/1.09.0130667-7), na qual houve acordo em audiência de julho de 2011, constando entre as cláusulas então ajustadas que “em ação própria as partes discutirão o início da relação, bem como a partilha” (cópia na fl. 22).

Isso dito, passo à apelação da demandada, sendo que o primeiro ponto de sua inconformidade se refere à legislação aplicável às questões patrimoniais decorrentes do fim do relacionamento.

A sentença deliberou que incide, no caso, o regime da comunhão parcial, com co--propriedade de todos os bens havidos no curso da relação, sem consideração de percentuais de contribuição de cada um, assim como rejeitou alegação de sub-rogação e mandou partilhar o patrimônio adquirido pelo casal durante a relação, em partes iguais.

O tema ganha relevo diante da recente decisão do STJ, no julgamento, pela Segunda Seção daquela Corte Superior, do Recurso Especial nº 1.124.859-MG, j. em 26.11.2014, onde, pelo escasso escore de 5 a 4 (com o voto de desempate do Presidente da sessão, frise-se) ficou assentado o seguinte:

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA.1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial.2. A ofensa aos princípios do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada encontra vedação em dispositivo constitucional (art. 5º XXXVI), mas seus conceitos são estabelecidos em lei ordinária (LINDB, art. 6º). Dessa forma, não havendo na Lei 9.278/96 comando que determine a sua retroatividade, mas decisão judicial acerca da aplicação da lei nova a determinada relação jurídica existente quando de sua entrada em vigor - hipótese dos autos - a questão será infraconstitucional, passível de exame mediante recurso especial. Precedentes do STF e deste Tribunal 3. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência, portanto, ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direito ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição (Súmula 380/STF).4. Os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha ao cabo da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando respectiva aquisição, que ocorre no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto e, por conseguinte, sua titularidade não pode ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5, XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º).

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5. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.6. A aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.7. Recurso especial parcialmente provido.(REsp 1124859/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 27/02/2015)

Quanto a esse julgado, com respeitosa vênia da maioria, expresso minha total convergência com o voto vencido de lavra do em. relator, Min. Luís Felipe Salomão e com julgadores que o acompanharam, basicamente pelo fato de que a valoração da contribuição indireta (que equivale à presunção de contribuição) para a formação do patrimônio, como apta a gerar direito à partilha, foi uma construção jurisprudencial que em muito antecedeu à Lei 9.278/96, a qual apenas recolheu a lição jurisprudencial que já então (no ano de 1996) se fazia consagrada. Não foi, portanto, a lei que inovou. Ela apenas seguiu os passos da jurisprudência, que já construíra o arcabouço jurídico que o diploma legislativo posteriormente sacramentou (como sói suceder, em especial no âmbito do Direito de Família – veja-se, a propósito, o tema das uniões entre pessoas de mesmo sexo, onde ainda hoje não há qualquer lei que a regulamente... Diremos mais tarde que as partilhas, nesses casos, serão nulas?).

A propósito, veja-se o que este mesmo colegiado da 8ª Câmara Cível (com outra composição, por certo) já decidia no distante ano de 1991, na relatoria do saudoso e pioneiro colega Márcio Oliveira Puggina, extraordinário magistrado a quem rendo homenagens com esta citação:

UNIAO ESTAVEL. ART-226, PAR-3 DA CF. APLICAR-SE A NORMA CONSTITUCIONAL A SITUACOES ANTERIORES A SUA VIGENCIA NAO IMPLICA EM RETROEFICACIA. A CONSTITUICAO, A RESPEITO, NAO CRIOU EFEITOS NOVOS, MAS APENAS REGROU SOBRE SITUACOES DE FATO, DANDO--LHES EFICACIA JURIDICA. CUMPRIU O PAPEL EXERCIDO, ATE ENTAO, PELA JURISPRUDENCIA. (Apelação Cível Nº 591043203, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Márcio Oliveira Puggina, Julgado em 31/10/1991)

Dada a relevância do tema, vale aqui proceder à breve retrospecto histórico, para comprovar que todo o regramento da união estável foi construção pretoriana, indo a lei a reboque.

O Código Civil de 1916 (CC/16) ignorou por inteiro as uniões de fato entre pessoas desimpedidas, cuidando exclusivamente de cercar de sanções o concubinato adulterino, no objetivo de resguardar o patrimônio da família regularmente constituída pelo casamento. Assim, tratou de impedir doações do concubino casado ao seu “cúmplice” (art. 1.177), de vedar que este fosse instituído beneficiário em seguro de vida (art. 1.474) e de proibir que a concubina de testador casado fosse nomeada herdeira ou legatária (art. 1.719, III).

Foi por meio da legislação previdenciária que começou a tomar corpo a atribuição de efeitos jurídicos às uniões informais. Isso se explica pelo fato de que,

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nesse âmbito, era desnecessário questionar a regularidade formal da instituição familiar, importando apenas o conceito de dependência econômica. O primeiro diploma legal a se ocupar do tema foi o Decreto 22.872, de 28 de junho de 1933, que criou o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos, permitindo que, na falta de herdeiros, o trabalhador incluísse como benefi ciária determinada pessoa que vivesse sob sua vinculação econômica. Em 1934, o Decreto 24.627, de 10 de julho, introduziu no ordenamento positivo brasileiro o termo companheira, o que possibilitou ao trabalhador indicá-la como dependente, desde que declarada como tal na Carteira Profi ssional.

A jurisprudência, porém, foi gradualmente lapidando o conceito atual de união estável, como assinala Antonio Chaves1.

Primeiro, estabeleceu-se a distinção entre concubina e companheira, para fins de excluir esta última das regras proibitivas dos arts. 1.177, 1.424 e 1.719, III, do Código Civil de 1916. Assim, concubina passou a ser considerada exclusivamente aquela mulher que se relacionava com homem casado na constância do matrimônio, ao passo que companheira era a que mantinha relacionamento com homem desimpedido ou ao menos separado de fato. A primeira integrava um concubinato impuro (com presença de impedimento matrimonial entre os seus integrantes), enquanto a segunda compunha um concubinato puro. Desenhava--se aí o reconhecimento jurisprudencial de que o Código Civil de 1916 cuidava de lançar sua censurabilidade exclusivamente sobre o concubinato adulterino. Exemplo dessa distinção encontra-se em antigo julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), relator o Desembargador Mílton dos Santos Martins, em que ficou assim estabelecido: Não incide a proibição dos arts. 1.474 e 1.177 do CC se o casamento já não existe mais como comunhão de vida e não há impedimento em beneficiar a nova companheira evidente2.

Ademais, não havendo no ordenamento jurídico possibilidade de aplicarem-se às relações fáticas as regras relativas à família, visto que somente o casamento é que permitia a formação dessa entidade, os tribunais brasileiros, buscando inspiração no que já se fazia na França desde meados do século XIX, passaram a afirmar que duas pessoas, vivendo juntas durante certo tempo, com colaboração recíproca na aquisição do patrimônio, formavam uma sociedade de fato. Essa figura, com o uso da analogia, foi trazida do Direito das Obrigações (art. 1.363 do CCB/16 – art. 983 do CCB/02) para regrar tais situações, visando, em última análise, a vedar o enriquecimento ilícito. Não obstante, a sociedade de fato entre concubinos difere das demais (puramente obrigacionais), porque, ao início da relação, eles não têm um objetivo social definido, o que só vem a surgir no curso do tempo, na medida em que se identifique na relação a affectio societatis (elemento subjetivo).

A solidificação dessa construção pretoriana resultou, no ano de 1963, na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual ficou assentado que “comprovada

1 – CHAVES, Antonio. Do concubinato à família de fato. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 623, p. 13-17, 1987.2 – TJRS. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (RJTJRS). Apelação Cível n° 588039313, v. 132, p. 419.

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a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. A redação desse enunciado mostra que se reconhecia como hábil para dar direito à partilha dos bens comuns não apenas o concubinato (resultante da convivência mais ou menos duradoura entre homem e mulher), mas também a sociedade de fato, evidenciada pelo esforço comum que se agregava a essa convivência. Nesse sentido, o próprio STF, com precisão cirúrgica, destacou, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 81.099, em 1975, que a sociedade de fato, e não a convivência ‘more uxorio’, é o que legitima a partilha dos bens entre os concubinos.3

Nos primeiros tempos, o conceito do que fosse esforço comum era bastante restritivo, entendendo-se como tal exclusivamente a contribuição direta para a aquisição dos bens, que só se viabilizava quando ambos os companheiros desempenhavam atividade remunerada fora do lar, o que, à época, notoriamente não era comum ocorrer com as mulheres. Em razão disso, a partilha dos bens era feita na proporção do aporte de cada parceiro.

Por isso, os direitos das mulheres que não lograssem demonstrar essa modalidade de contribuição estavam vinculados a uma pretensão de natureza indenizatória por serviços prestados. Serviços domésticos, sinale-se – no trato das tarefas da casa, no cuidado com os fi lhos –, pois os sexuais não seriam passíveis de remuneração lícita. A analogia aqui era com o contrato de prestação de serviços (art. 1.216 do CC/16; art. 594 do CC/02), outra fi gura do direito obrigacional trazida para o trato das relações fáticas.

Mais próximos da Constituição Federal de 1988 (CF/88), mas ainda anteriormente a ela, alguns julgados mais liberais vinham admitindo a contribuição indireta – a mesma que antes somente ensejava indenização por serviços prestados – como suficiente para dar direito à partilha dos bens adquiridos, o que já constituía um prenúncio da admissão das uniões fáticas (uniões estáveis) como entidades familiares. Esse passo no sentido do reconhecimento de valor econômico à atividade doméstica foi extremamente relevante.

Conforme assinala Rodrigo da Cunha Pereira, o reconhecimento jurisprudencial de que o esforço comum apto a propiciar aquisição de patrimônio não necessariamente precisa ser fi nanceiro constitui um marco revolucionário: ora, isso é reconhecer e fi rmar uma posição de mudança em que as relações concubinárias deixam de ser tratadas como uma sociedade de fato, no sentido comercial, para serem reconhecidas como entidade familiar, que afi nal a Constituição de 1988 veio positivar, e as Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96 e o Novo Código Civil refl etem essa revolução. O signifi cado e a importância da contribuição indireta estão muito além das relações decorrentes de uma união estável. Esse entendimento signifi ca o reconhecimento do necessário suporte doméstico, historicamente dado pelas mulheres.4 (SEM GRIFO NO ORIGINAL)

Em 1988, a Constituição Cidadã, em seu art. 226, § 3º, afi rmou ser a união estável entre homem e mulher uma entidade familiar merecedora da proteção estatal, devendo ser facilitada sua conversão em casamento. Seguiram-se, de modo pouco sistemático, vale assinalar, as leis regulamentadoras: a) Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que dispunha sobre o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão e b) Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulava o § 3º do art. 226

3 – STF. Revista Trimestral de Jurisprudência (RTJ). v. 79, p. 229-37.4 – PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 57.

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da Constituição Federal, redefi nindo os requisitos da união estável, prevendo direitos e deveres entre os companheiros (chamados ali de conviventes), estabelecendo a presunção de comunhão dos bens adquiridos onerosamente na constância da relação, estatuindo expressamente o direito a alimentos, estendendo aos companheiros o direito real de habitação, dispondo sobre a conversão em casamento e fi rmando a competência das Varas de Família para dirimir as controvérsias relativas ao instituto.

Veja-se o que este Tribunal já decidia, acerca da valoração da contribuição indireta, no mês de abril do ano de 1996, antes, portanto, da vigência da Lei 9.278/96:

DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. DIVISAO DE BENS. CONTRIBUICAO EM SERVICOS DOMESTICOS. ADMISSIBILIDADE. A PARTICIPACAO DE CONCUBINO_NA AQUISICAO DE BENS, PARA FINS DE PARTILHA, EXTINTO O CONCUBINATO, NAO PRECISA SER “IN PECUNIA”. E ADMITIDA A PARTICIPACAO INDIRETA, ATRAVES DE SERVICOS PRESTADOS AO COMPANHEIRO OU SERVICOS DOMESTICOS. COM A NOVA CARTA MAGNA, EXTINTO O CONCUBINATO ESTAVEL, DIVIDEM-SE OS BENS AQUESTOS, INDEPENDENTEMENTE DE PARTICIPACAO. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 596003855, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ulderico Ceccato, Julgado em 17/04/1996) (SEM GRIFO NO ORIGINAL)

Feito este apanhado, tenho que a tese de que, quanto aos bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96, sua titularidade não possa ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito não merece acolhida. Simplesmente pelo fato de que, diante da orientação predominantemente adotada pela jurisprudência já muito antes da Lei 9278/96 (como demonstrado) não há aqui direito adquirido e nem ato jurídico perfeito a ser preservado...

Não se olvide que o ato jurídico em questão é a união estável. Nesta perspectiva não há falar em direito adquirido e ato jurídico perfeito, porquanto a questão patrimonial posta no processo não se refere a direito obrigacional puro, no que se refere ao negócio jurídico de compra e venda e eventual aquisição individual ou compartilhada. A questão aqui posta diz com eventuais consequências de destinação de bens que tem como fato gerador ser efeito da constituição de um status jurídico novo, que é a declaração da existência de uma união estável – que, pela sua própria natureza, é uma relação eminentemente continuativa, que somente se constituirá, sempre, do cotejo do passado para o presente. União estável esta que teve sua existência reconhecida e declarada posteriormente à legislação comentada.

Isto é, não se pode afirmar que a situação jurídica união estável estivesse consolidada anteriormente à entrada em vigor da Lei 9.278/96, de modo a vedar a aplicação ao caso de sua normativa.

Na hipótese, a união estável foi declarada como convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família em 2011, impondo-se aplicar a lei vigente no momento e o entendimento jurisprudencial a respeito. No caso é o Código Civil que define esta figura jurídica e assim como estabelece norma acerca das relações pessoais entre os companheiros (art. 1.724) orienta como serão tratadas as questões patrimoniais derivadas da configuração de uma união estável ao tempo da vigência desta lei. A saber: Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

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Não se discute a circunstância de que negócios jurídicos de aquisição tenham sido celebrados anteriormente à Lei 9.278/96 (e no momento da prática do ato definiam proprietários perante terceiros, isso sim, na perspectiva de ato jurídico perfeito), mas, sim, a consequência legal que sobre ditos bens recai em razão da declaração de existência e dissolução de união estável, que é, assim, a comunhão patrimonial preconizada em lei vigente ao cabo da união – 2009, na hipótese dos autos.

Faço um paralelo com os direitos hereditários em geral, por exemplo.A aquisição de propriedade igualmente se dá no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto, em aquisição por aquele que depois morre. Porém, uma vez consolidada causa jurídica prevista em lei (óbito) a titularidade será alterada e disciplinada pela lei vigente ao tempo em que aberta a Sucessão, sem que se cogite de qualquer prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

Em consequência, tratando-se de união estável, não se pode dizer que a partilha deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar, se ao tempo de ditas aquisições não estava, formalmente, constituída a união estável – reitero.

Assim, deve prevalecer o entendimento posto na sentença no sentido de vigorar nesta união estável a comunhão parcial de bens.

Isto dito, quanto à partilha, a demandada alega que o imóvel nº 54 da rua Saldanha Marinho foi adquirido e quitado em 1993 com valores exclusivamente seus, não havendo qualquer prova de contribuição pelo autor.

Nos termos da matrícula nº 1.550 do referido imóvel e da respectiva escritura pública de compra e venda, a aquisição se deu em 05-11-1993, tendo M. como adquirente (fls. 90 e 92).

Não obstante seus argumentos, em consequência do desfazimento da união estável recaem sobre dita aquisição os efeitos da comunicação patrimonial, que, para este fi m, não exige prova de contribuição do autor para a mencionada compra e venda.

Fica, portanto, mantida a sentença que reconhece direitos de partilha igualitária do imóvel, não obstante esse bem, à época, formalmente ter apenas o nome da mulher como adquirente.

A demandada pede, também, que a sentença seja reformada no que se refere à partilha das cotas sociais das empresas, de modo a respeitar hígidos os percentuais de cada um dos litigantes na participação societária.

Na petição inicial o autor arrolou como bens comuns a partilhar as empresasE. M. e P. L. e Assessoria Ltda.

Em relação à sociedade empresária P., em julho de 2004 houve alteração do contrato social com ingresso da demandada na sociedade, resultando na composição de 95% das cotas ao autor e 5% para ela (fl. 201).

A sociedade empresarial Estética M. Ltda foi constituída em 15-06-2004 (fls. 194-96) e em dezembro de 2008 foi objeto de alteração contratual para retirada de um sócio, remanescendo o autor e a demandada na composição societária, ela com 95% do capital social e ele 5% (fls. 197-200).

Não repercute no acertamento das relações patrimoniais pelo fi m da união estável a circunstância alegada pela recorrente de que não se trata de sociedades empresárias propriamente ditas – o que vai de encontro ao conteúdo dos respectivos

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contratos sociais, diga-se – ou o fato de que é na Estética M. que ela exerce sua profi ssão de cabeleireira e a P. ser onde o autor trabalha no ramo de comércio exterior.

Isto porque a cotas sociais são patrimônio e, como tal, se adquiridos durante a união estável, representam bens comuns ao casal.

Consequentemente, cada um dos litigantes faz jus à meação sobre o valor patrimonial das respectivas cotas sociais do outro, que, no caso, considerando que são ambos os únicos sócios, na prática não alterará o compartilhamento societário e o prosseguimento das atividades tal como vinha ocorrendo. É medida de repercussão caso um deles venha a sair da sociedade empresária.

Nada há para alterar na sentença também quanto a este item do patrimônio arrolado.Outro ponto de inconformidade da demandada se refere ao valor da verba

honorária de sucumbência, fixada em 10% sobre o monte partilhável, dizendo ser inadequado o critério e excessivo o valor.

Aqui, tem razão a apelante, contudo, não em seu argumento de que a ação tem natureza declaratória pura, mas no sentido de que é necessário, nos limites do que foi pedido na apelação, adequar a fixação dos honorários advocatícios em percentual a incidir no valor do que for apurado como quinhão da mulher, o que melhor representa o proveito econômico obtido por ela, mantido sobre essa base o percentual de 10% estipulado na sentença.

Deste modo, impõe-se a reforma da sentença, nos termos expostos, para atender aos parâmetros do § 2º do art. 85 do CPC/15.

Nestes termos, DOU PROVIMENTO EM PARTE à apelação da demandada.Em relação à apelação do autor, ele sustenta a sub-rogação na venda de bens

havidos por sucessão hereditária e que com o valor obtido fez o pagamento de 19 prestações da aquisição do apartamento nº 201 da rua Miguel Couto nº 817.

Trata-se de imóvel da matrícula nº 25.327, objeto de promessa de compra e venda firmada em julho de 2001, com registro de compra e venda e hipoteca em favor do Banco Santander em novembro de 2002 (fls. 128 e 129-32).

O autor, na petição inicial, narra que no final de 2001 tiveram sérios problemas financeiros com a enfermidade sofrida pela requerida, precisando refinanciar parte da dívida junto à construtora para poder cumprir o contrato de compra e venda do imóvel, vendendo um veículo e os bens da sucessão hereditária. Acrescenta que vendeu dois desses bens “para dar frente aos negócios assumidos, como pagamento da parte financiada diretamente com a construtora do apto do casal da rua Miguel Couto nº 817 apto 201, e de despesas inerentes à transferência da estética” para outro endereço (fl. 07).

No ponto, está demonstrado nos autos que o imóvel representado pelo conjunto nº 202 do condomínio Edifício Tarcilo, matrícula nº 28.537 do Registro de Imóveis de Santa Maria, foi adquirido pelo autor por transmissão sucessória por óbito de S. X. S. em novembro de 2001, sendo que por escritura pública de compra e venda lavrada em 20-11-2002 ele vendeu dito bem pelo preço de R$ 14.000,00 (fl . 157). O mesmo se deu em relação ao conjunto nº 204, matrícula nº 28.538, vendido na mesma data para a mesma adquirente por R$ 12.000,00, obtendo, assim, R$ 26.000,00 (fl . 158).

Ocorre que, não obstante o alegado, e tendo o autor, nas razões de apelação, se reportado, para fi ns de comprovação, ao que consta na sua declaração de bens, exercício 2003, não se pode concluir, ipso facto, que a quitação das ditas 19 parcelas relativamente ao contrato foi feita com o valor das mencionadas vendas, uma vez que, do que se

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depreende da informação fi scal, a quitação se deu no ano de 2001 e as escrituras de venda dos imóveis do seu quinhão hereditário foram lavradas em 2002, repito.

Além disto, não obstante o que constou na perícia judicial na fl. 1.095, não se pode chegar a tal conclusão.

Nestes termos, reitero aqui os fundamentos da sentença no sentido de que não houve a exata e direta demonstração de relação de sub-rogação, ainda que parcial, entre os referidos bens.

Com estes fundamentos, NEGO PROVIMENTO à apelação do autor. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (Revisor) – Revisei os autos e estou

plenamente de acordo com o eminente Relator.Permito-me anotar que comungo de sua mesma compreensão acerca da

possibilidade de aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união, de modo divergente ao que entendeu o STJ no julgamento do citado REsp nº 1.124.859/MG, temática que tive a oportunidade de enfrentar em caso análogo (relação fi nda ao tempo em que vigente a Lei 9.278/96, mas iniciada muito tempo antes), quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 70064490873, por esta Oitava Câmara Cível do TJRS, em 02/07/2015, com o que peço licença para aqui reproduzir os fundamentos do voto que então proferi, de todo aplicáveis à espécie:

(...) avaliando os elementos probatórios trazidos ao instrumento, adianto-lhes que a insurgência, que reclama seja afirmada a condição de meeira, comporta acolhimento, visto que F., companheira supérstite, embora não seja herdeira A. A., faz jus à meação.Com efeito, os dois bens que compõe o acervo hereditário foram adquiridos em nome do falecido em 1963 (imóvel matriculado sob nº 14.890 do Cartório de Registro de Imóveis de Frederico Westphalen, fl. 163) e em 1964 (imóvel matriculado sob nº 14.889 do Cartório de Registro de Imóveis de Frederico Westphalen, fl. 161), observando-se que o casamento religioso entre A. A. e F. ocorreu 15.02.1958 (fl. 12).Conclui-se, portanto, que a união estável entre A. A. e F. iniciou em 1958 e fi ndou com o falecimento de A. A., em 1999, já sob a égide da Lei 9.278/96, que, em seu art. 5º, previa que “os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito” [grifei].Não olvidando o recente julgado do STJ, no sentido de que “ os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha ao cabo da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando respectiva aquisição, que ocorre no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto e, por conseguinte, sua titularidade não pode ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5, XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º)” 5, entendo que vale, a esse respeito,

5 – Acórdão assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA.

1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial.

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tecer algumas considerações acerca da evolução no tratamento jurídico emprestado ao instituto até a edição da referida lei.Por óbvio, com a união concubinária que então, antes da CF/1988, se adjetivava de puro (como sinônimo, de grupo familiar, esclareça-se), originava-se uma comunhão de interesses, no que se incluem também os de cunho patrimonial, concomitantemente com os de natureza pessoal. Terminava que, não raro, os bens formalmente ficam apenas em nome de um só. E, como sói acontecer, uma vez dissolvida a vida em comum, aquele em nome de quem não se achavam os bens buscava o Judiciário para que sua parte neles seja reconhecida.A primeira resposta que nasceu em socorro a essa postulação foi a construção da chamada teoria da sociedade de fato, obra jurisprudencial que se antecipou ao legislador e, muito antes do reconhecimento jurídico-legal do “concubinato” estável pela Constituição, tratou de ofertar à resolução da questão, inicial e basicamente, além da indenização por serviços domésticos dispensados ao consorte, que aqui não nos interessa (e que em geral era aplicada de forma supletiva, ante a inexistência de bens a partilhar), uma forma de reconhecimento aos companheiros de participação no acervo em razão do esforço comum, dada, repriso, a sociedade de fato que engendraram.

2. A ofensa aos princípios do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada encontra vedação em dispositivo constitucional (art. 5º XXXVI), mas seus conceitos são estabelecidos em lei ordinária (LINDB, art. 6º). Dessa forma, não havendo na Lei 9.278/96 comando que determine a sua retroatividade, mas decisão judicial acerca da aplicação da lei nova a determinada relação jurídica existente quando de sua entrada em vigor - hipótese dos autos - a questão será infraconstitucional, passível de exame mediante recurso especial. Precedentes do STF e deste Tribunal 3. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência, portanto, ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direito ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição (Súmula 380/STF).

4. Os bens adquiridos anteriormente à Lei 9.278/96 têm a propriedade - e, consequentemente, a partilha ao cabo da união - disciplinada pelo ordenamento jurídico vigente quando respectiva aquisição, que ocorre no momento em que se aperfeiçoam os requisitos legais para tanto e, por conseguinte, sua titularidade não pode ser alterada por lei posterior em prejuízo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5, XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º).

5. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.

6. A aplicação da lei vigente ao término do relacionamento a todo o período de união implicaria expropriação do patrimônio adquirido segundo a disciplina da lei anterior, em manifesta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

7. Recurso especial parcialmente provido.(REsp 1124859/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 27/02/2015)

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A origem dessa teoria remonta à segunda metade do século passado6 e encontra firmamento em princípios referentes às sociedades fáticas e do enriquecimento sem causa. Em suma, é reconhecida uma comunhão de interesses a unir os companheiros, considerados sua vida e seus esforços comuns prolongados, o que oportuniza uma sociedade de fato que, uma vez resolvida, faz imperativo o pagamento de haveres àquele que cooperou para a aquisição de bens por aquele que detém esses valores, com base no art. 1.363 do CCB/1916, o que resultou na Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal (“Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”).Já àquele tempo, o contexto jurisprudencial fez-se então elástico no que diz respeito ao que consistiria o “esforço comum do par”: em uma orientação rigorosa, exigiu--se conjugação de esforços fora do lar, sem abarcar os serviços desenvolvidos no seu interior, não se lhes reconhecendo capacidade de formação de patrimônio e, numa interpretação mais liberal, afi rmou-se que, na formação do acervo comum, válida seria qualquer espécie de colaboração, mesma a indireta, prestada no âmbito doméstico; de outra banda, no pertinente à divisão patrimonial em si, houve julgados que entenderam que a divisão deveria ser proporcional à efetiva colaboração da cada um dos concubinos, e, em sentido contrário, aqueles em que se decidiu que as participações, quaisquer que sejam, seriam sempre equivalentes e imporiam a repartição das riquezas por metade; e, por fi m, decisões entendendo que os efeitos do casamento seriam plenamente aplicáveis ao concubinato estável, em face da nova ordem constitucional, inclusive quanto ao regime de bens legal.Na direção da primeira lição – exigência de vigor direto, unicamente, para gerar direito à partilha patrimonial –, que encontrou inúmeros seguidores também na doutrina7, é verdadeiramente ilustrativa a decisão do Tribunal de Justiça do extinto Estado da Guanabara, datada de 19 de dezembro de 1969:

“A convivência ‘more uxorio’ longe está de justificar a pretensão da concubina em participar do patrimônio deixado pelo falecido companheiro. O que justifica tal pretensão é a ocorrência da comunhão de esforços na aquisição dos bens, a configurar aquilo que a doutrina e jurisprudência batizam de sociedade de fato estabelecida durante o concubinato, para obstar locupletação com a jactura alheia. A simples vida em comum do par não firma sequer a presunção de que a concubina haja cooperado na formação do patrimônio deixado pelo concubinário... Vem a pêlo a lição de Adahyl Lourenço Dias...: ‘Para que se possa atribuir a existência de uma sociedade de fato, não bastam a coabitação, a vida em comum, a gerência do lar pela mulher, ‘more uxorio’, tornando-se indispensável a existência de ... qualquer movimento profissional que envolva ambos, concubina e companheiro, no esforço equilibrado, mútuo, como sócios ou colaboração produtiva’...”8.

6 – É Edgar de Moura Bittencourt, op. cit., pp. 126, 127 e 142, quem refere tal fato: o marco inicial da doutrina, admitindo haver direito da concubina a parte do acervo comum em razão de contribuições e serviços prestados, deu-se pelo Tribunal de Rennes, através do julgado de 18/12/1883.7 – V. g., Adahyl Lourenço Dias, op. cit., p. 83: “o mais certo é reconhecer o direito à concubina à indenização por serviços prestados ao companheiro, em vez de assegurar-lhe quota numa possível sociedade de fato irregular... quando ela tenha prestado apenas serviços caseiros, a não ser quando haja, de fato, desdobramento de trabalho, empregando a concubina atividade fora do lar, auxiliando o companheiro em alguma indústria ou comércio, de forma a fi car patenteado os esforço pessoal para lograr fi ns comuns”.8 – Constante na obra de Lourenço Mário Prunes, “O Concubinato na Prática Judiciária”, 1ª ed., 1976, Sugestões Literárias, p. 97.

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Observa-se que, por essa orientação, a concorrência do trabalho no lar da concubina, organizando a vida em comum, não se mostrava bastante para lhe oportunizar direito à partilha nos bens e valores obtidos durante o período que durou o relacionamento. A idéia central era a de que o concubinato, para gerar o pretendido efeito patrimonial, devia se revestir de uma verdadeira sociedade de fato, em virtude de efetivo e direto esforço dos companheiros.Ao lado e colidentemente à tese acima exposta, surgiu então a referida compreensão mais generosa, reconhecendo, no conceito do que seria o esforço comum na sociedade de fato ocorrente entre os companheiros, uma maior amplitude, para abranger como relevantes, à formação do acervo do par, os serviços e a atuação da concubina na sede do lar, ou seja, sem impor que existisse o desempenho de uma atividade econômica direta, tendo vários defensores (v. g., Álvaro Villaça Azevedo, José Lamartine Corrêa de Oliveira, Edgar de Moura Bittencourt9 e, ainda, João Batista Villela10).Pregando a real significação econômica do labor doméstico, foram prolatados incontáveis arestos, valendo consignar o voto do eminente Ministro Waldemar Zveiter, justificando a aceitação da colaboração feminina à formação do patrimônio pelos trabalhos no lar:

“...em inúmeros julgados... sempre fi z uma distinção: temos em nosso País uma sociedade heterogênea, composta por camadas que se situam desde a mais absoluta falta de recursos até as mais abastadas. Nesse sentido é que sempre distingui o concubinato ‘more uxorio’ como forma de contribuição para a formação do patrimônio comum àqueles casais de renda baixíssima, onde, sem dúvida alguma, a simples participação da mulher nas lides domésticas, e mesmo na ajuda que, eventualmente, preste ao seu concubino, até na acessão que faz a um pequeno terreno para a construção do seu lugar de moradia, um casebre, uma casa modesta, para admitir, aí sim, a existência da sociedade de fato; a circunstância de compartilhar suprindo as necessidades do lar, propiciando a formação de economia, nas poucas rendas, com as lavagens de roupas, com pequenos serviços domésticos prestados a terceiros que, num casal de baixa renda, pode ser levado em conta para a formação de uma sociedade de fato...”11.

Já nessa quadra histórica, como se vê, o trabalho parelho, de homem e mulher, não seria mais necessário, já que a presença feminina no lar, nos cuidados para com o varão, na administração da casa, no trato das coisas domésticas e da prole, criaria para o companheiro melhores condições para exercer as suas atividades profissionais, evitando, no mínimo, que esse tivesse gastos com tais trabalhos (em relação especificamente às classes menos abastadas, haveria a presunção de que o acervo seria do par, eis que não haveria possibilidade de contratação de auxiliares domésticos e o homem somente contaria com a colaboração de sua própria companheira).Todo esse reconhecimento, antes explicitado, de direito à partilha, quer pela cooperação direta, quer por intermédio da colaboração indireta, fruto de posicionamentos jurisprudenciais, ainda assim manteve alto grau de aleatoriedade quanto à cota patrimonial que fariam jus os companheiros.De uma forma generalizada, ao tratar do tema, os doutrinadores sempre fizeram referência à meação, dando a entender que a divisão meio a meio do acervo proveniente de uma relação concubinária seria a regra dos deferimentos judiciais.

9 – Em Lourenço Mário Prunes, op. cit., pp. 29, 87, 115/116 e 196/19710 – “Concubinato e Sociedade de Fato”, em RT 623/18.11 – Rec. Esp. Nº 1.648-RJ, 3ª T. do STJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 27/03/1990, em RSTJ 09/361.

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Mas nem sempre a solução encontrada era essa, já que, sendo uma situação de fato, que restava continuamente na dependência de comprovação, em juízo, do efetivo esforço comum – no dizer do enunciado sumular –, reiteradas vezes se chegava a conclusão que a participação de um era maior ou de mais importância do que a do outro na constituição do patrimônio, o que levava a decisões no sentido de conceder o direito patrimonial proporcionalmente à colaboração de cada um, o que, como não poderia deixar de ser, invariavelmente, era uma tarefa de dificílima constatação. Surgiram, então, duas vertentes à resolução da questão: uma, defendendo que a sociedade imporia, sempre, a divisão do patrimônio auferido, meio a meio, entendendo as participações dos concubinos, quaisquer que fossem, como equivalentes; outra, afirmando que a divisão patrimonial deveria se dar proporcionalmente à contribuição de cada um.A preocupação dos julgadores era de, uma vez reconhecida uma sociedade de fato entre os parceiros, aquilatar, quantificar, estabelecer a participação efetiva de cada um, proporcionalmente à contribuição que eventualmente tenha dado, de modo a não serem levados, pelo comodismo, a adotarem uma fórmula simples, de buscar ou de conceder comumente a “metade”, o que, a par de ser realmente um critério confortável, poderia não corresponder à justiça buscada em cada caso, o que imporia um dimensionamento ponderado e razoável, o que poderia não ser acessível pelo critério raso.Não obstante isso, por outro lado – e mesmo antes do novo tratamento ao tema dado pela Carta Magna de 1988 –, facilmente se verifi cavam decisões no sentido de que a companheira teria direito a participar igualitariamente dos bens adquiridos durante a convivência more uxorio, mesmo que com apenas seu trabalho no lar, partindo da idéia de que a sociedade de fato que unia os concubinos não era de natureza comercial, mas sim conjugal – intuitu familiae –, modelo em que seria válida qualquer espécie de colaboração, presumindo-se as equivalentes, julgamentos esses em que, invariavelmente, constatava-se a projeção de uma divisão equitativa dos bens adquiridos, na compreensão, de todo acertada, de que os companheiros unem-se, desenvolvendo uma vida em comum, com real soma de forças pessoais e materiais, motivo por que em condições presumidamente iguais.A compreensão do tema não ficou, a toda evidência, por aí, originando-se uma concepção inteiramente nova, rejeitando a possibilidade de aplicação de normas de direito obrigacional à união estável, que redundaria na edição das chamadas leis dos companheiros e, depois, no tratamento emprestado pela lei civil fundamental, estribadas na elaboração de que a nova ordem constitucional guindou o concubinato estável ao posto de entidade familiar, parte da doutrina12 e jurisprudência, principalmente no nosso Estado, passou a entender aplicáveis à união estável os efeitos do casamento no que toca à seara patrimonial, usando a argumentação de não-incidência da Súmula nº 380 do STF – que exigia, repriso, a comprovação de esforço comum –, posto que não caberia ao julgador exigir a presença de requisitos – demonstração de colaboração dos concubinos – onde a própria Carta Magna não exigiu, enxergando na união de companheiros o regime da comunhão parcial de bens, por intermédio da utilização da analogia.Vale, nessa linha, trazer à colação:

12 – 75. Exemplifi cativamente: Marco Antônio Bandeira Scapini, artigo cit., p. 310; J. M. Leoni Lopes de Oliveira, op. cit., p. 200; Marilene Silveira Guimarães, “Refl exões Acerca de Questões Patrimoniais nas Uniões Formalizadas, Informais e Marginais”, constante em “Direito de Família - Aspectos Constitucionais, Civis e Processuais”, volume 2, coord. Teresa Arruda Alvim, 1995, Editora Revista dos Tribunais; e, Carlos Alberto Menezes Direito, “Da União Estável como Entidade Familiar”, em RT 667/17.

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UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. PRESCINDÍVEL COMPROVAÇÃO DE ESFORÇO COMUM. TENDO INICIADO A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE OS DE CUJUS, EM JULHO DE 1973, A PARTIR DAÍ TODOS OS BENS ADQUIRIDOS PELOS COMPANHEIROS DEVEM SER PARTILHADOS, DESIMPORTANDO TENHA HAVIDO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DO PATRIMÔNIO. ELEVADA A UNIÃO ESTÁVEL À CATEGORIA DE ENTIDADE FAMILIAR, NÃO HÁ COMO PREVALECER O ENUNCIADO CONTIDO NA SÚMULA N° 380 DO STF, QUE EXIGIA COMPROVAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO. APELO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 594099673, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Eliseu Gomes Torres, 10/11/1994)

UNIÃO ESTÁVEL. FALECIMENTO DO RÉU NO CURSO DA AÇÃO DE RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO NA AQUISIÇÃO DE BEM. FALECIDO O RÉU, A SUCESSÃO PASSA A INTEGRAR A LIDE NO ESTADO EM QUE ELA SE ENCONTRA. MANDADO DE CITAÇÃO IMPERTINENTE NÃO TEM O CONDÃO DE CRIAR NOVA DEFESA AO ESPÓLIO. SOBEJAMENTE DEMONSTRADO, ATRAVÉS DE DOCUMENTOS, TESTEMUNHAS E, PRINCIPALEMNTE, PELA CONFISSÃO DO RÉU, ROBORADA PELO HERDEIRO, A UNIÃO ESTÁVEL HAVIDA ENTRE A AUTORA E O DE CUJUS, DESDE 1978 A QUAL POSTERIORMENTE RESULTOU EM CASAMENTO, O IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DESSA UNIÃO DEVE SER PARTILHADO, DESIMPORTANDO TENHA HAVIDO OU NÃO CONTRIBUIÇÃO DA AUTORA NA AQUISIÇÃO. NÃO HÁ QUE SE EXIGIR REQUISITO - COMPROVAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO - QUE A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO NÃO EXIGE. (Apelação Cível Nº 594125098, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Eliseu Gomes Torres, 27/10/1994)

UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. AGRAVO RETIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. AUTO-APLICABILIDADE DO ART.226, PAR-3 DA CF. BENS RESERVADOS: REVOGAÇÃO DO ART.246, DO CÓDIGO CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL: INOCORRE QUANDO, EMBORA SEM CONSTITUIR UM PRIMOR TÉCNICO, PREENCHE OS REQUISITOS DO ART.282 DO CPC, EXPLICITANDO SATISFATORIAMENTE A CAUSA DE PEDIR, PROPICIANDO A DEFESA DO REQUERIDO. AGRAVO IMPROVIDO. NULIDADE DA SENTENÇA: INOCORRENCIA. PRESCINDIBILIDADE DO MAGISTRADO RESPONDER TODAS AS ALEGAÇÕES DAS PARTES, QUANDO JÁ TENHA ENCONTRADO MOTIVO SUFICIENTE PARA FUNDAR SUA DECISÃO. O INDISPENSÁVEL SÃO OS FUNDAMENTOS PELOS QUAIS CONCLUIU O DECISUM, AINDA QUE DIVERSOS DOS QUE A PARTE SE AFIGURE MAIS ADEQUADOS.O ART.226, PAR-3 DA CF: DISPENSABILIDADE DA REGULAMENTAÇÃO QUE SÃO IMPEDIRIA O EXERCÍCIO DE UM DIREITO INSTITUCIONALIZADO DE PROTEÇÃO A FAMÍLIA, QUE PASSOU A SER REGIDO PELO DIREITO DE FAMÍLIA. CABE AO JUIZ, HOJE, COMO OUTRORA FÊ-LO COM O CONCUBINATO, SEM PRETENDER SUBSTITUIR-SE AO LEGISLATIVO, INTERPRETAR A NORMA CONSTITUCIONAL, SABIDO DA DIFICULDADE DO LEGISLADOR EM PREVER AS MÚLTIPLAS HIPÓTESES QUE CHEGAM À JUSTIÇA. EXEGESE À LUZ DOS ARTS. 4 E 5 DA LICC. MEAÇÃO À CONCUBINA: COM A UNIÃO ESTÁVEL ERIGIDA A CATEGORIA DE INSTITUTO LEGAL, REGIDO PELO DIREITO DE FAMÍLIA, COMPROVADA SUA EXISTÊNCIA, À CONCUBINA E ASSEGURADO O DIREITO A PARTILHA IGUALITÁRIA DOS BENS HAVIDOS NA CONSTÂNCIA DA VIDA MORE UXÓRIO, AOS MOLDES DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. BENS RESERVADOS:

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INADMISSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DO ART.246 DO C. CIVIL. SUA ADMISSÃO AO VARÃO COM RESPALDO NA ISONOMIA, COEXISTINDO COM O DIREITO A MEAÇÃO DECORRENTE DA UNIÃO ESTÁVEL, E INTERPRETAÇÃO PARADOXAL INADMISSÍVEL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. SENTENÇA CONFIRMADA. (Apelação Cível Nº 594086415, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Léo Afonso Einloft Pereira, 29/09/1994)

UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. COMPROVADA UNIÃO ESTÁVEL, QUE A CONSTITUIÇÃO ERIGIU AO PATAMAR DE ENTIDADE FAMILIAR, IMPÕE-SE, COMO CONSEQUÊNCIA, A PARTIÇÃO DO CABEDAL HAVIDO DURANTE A RELAÇÃO DE VIDA. A JURISPRUDÊNCIA SUPEROU A EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DO ACERVO, RESTRITA A ALGUNS CASOS PECULIARES, POIS A CONTRIBUIÇÃO INDIRETA, DESENVOLVIDA NA INTIMIDADE DO LAR, ENCAMINHA O DIREITO À PARTILHA. ASSIM, AFASTADAS AS REGRAS DO DIREITO SOCIETÁRIO OU OBRIGACIONAL, APLICAM-SE AS NORMAS PERTINENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA, COM A COMUNHÃO DOS AQUESTOS, SALVO CONVENÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 593136708, Sétima Câmara Cível, TJRS, Relator José Carlos Teixeira Giorgis, 25/05/1994)

CONCUBINATO. UNIÃO ESTÁVEL. MEAÇÃO. DISSOLVIDO O CONCUBINATO, ESTABELECIDO A IMAGEM DE UNIÃO ESTÁVEL, IMPÕE-SE A PARTILHA, POR METADE, DOS BENS AMEALHADOS PELOS CONCUBINOS AO LONGO DA CONVIVÊNCIA. (Embargos Infringentes Nº 593035066, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator Alceu Binato de Moraes, 11/03/1994)

Parece claro, irrefutável, portanto, que mesmo em face do Direito então posto, que a comunhão de vida, que uniu duas pessoas, incluindo a soma de interesses também patrimoniais, reclama, em caso de dissolução, partilhamento igualitário em relação ao acervo edificado durante a vida em comum.Nessa senda, considerando que os bens a serem partilhados foram adquiridos após o início da união de Antonio e Filomena, mantida por 41 anos, concluo que a convivente faz jus à meação, motivo por que acolho a pretensão recursal.

Anoto que o acórdão respectivo restou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO ABERTA EM 1999, SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. DIREITO À MEAÇÃO EM RELAÇÃO AOS BENS ADQUIRIDOS A TÍTULO ONEROSO NA CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO. EXISTÊNCIA. 1. Caso em que os companheiros mantiveram união estável pelo período de 41 anos, pelo menos desde 1958, data da celebração do casamento religioso, até a data do falecimento do varão, ocorrido em 1999, sob a égide da Lei nº 9.278/96. 2. Estabelecida essa comunhão de vida, intuitu familiae, em razão de sua contribuição direta e indireta e pela soma de forças pessoais e materiais, faz jus a companheira supérstite à meação sobre o patrimônio adquirido, em nome do extinto companheiro, a título oneroso, no curso da união estável. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70064490873, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Ricardo Moreira Lins Pastl, 02/07/2015)

Ante o exposto, e subscrevendo todos os demais fundamentos do voto do ilustre colega Relator, também voto por dar provimento em parte à apelação da demandada e negar provimento à apelação do autor.

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Des. Rui Portanova (Presidente) – De acordo com o(a) Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: DEBORAH COLETO ASSUMPCAO DE MORAES

– o –

Apelação Cível n. 70064055668 (n. CNJ: 0090944-19.2015.8.21.7000) – 9ª Câmara Cível – Porto Alegre

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS. COAÇÃO MORAL. RESPONSABILIDADE POR INFLUENCIAR NEGATIVAMENTE CONDUTA ALHEIA. PROVA CIRCUNSTANCIAL CONVINCENTE DE CONDUTA IMPUTÁVEL À RÉ ENQUANTO INSTITUIÇÃO COMO CAUSA PARA A INTERRUPÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO. DANOS VERIFICADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA POR CONSELHOS OU RECOMENDAÇÕES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DO AUTOR PARA MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.

1. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Prevalece no STJ o “entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afi rmações deduzidas na petição inicial.” (AgRg nos EDcl no REsp 1035860/MS). A inicial imputa à ré e seus prepostos a prática de atos dos quais teriam decorridos danos ao autor, razão pela qual não há que se falar em ilegitimidade passiva. Caso as afi rmações não encontrem apoio na prova, o juízo será de improcedência, não de carência.

2. NULIDADE DA SENTENÇA. Consoante afirmado na apreciação da exceção de suspeição nº 70059807917, não há nada no caderno processual a indicar que eventual crença da Juíza no sentido que for esteja influenciando na sua maneira sempre imparcial de atuar. Além disso, inexiste elemento concreto nos autos para qualificar a Magistrada como “amiga íntima ou inimiga capital de qualquer das partes” ou para concluir pelo interesse da Julgadora “no julgamento da causa em favor de uma das partes”. Na verdade, a pretexto de parcialidade e pessoalidade, a ré insurge-se contra o resultado da sentença e os fundamentos utilizados pela magistrada. Trata-se, porém, de questão de mérito e não de nulidade processual.

3. PRESCRIÇÃO. Prescrição inocorrente, considerando como marco inicial de contagem do prazo prescricional a data em que o autor passou a sofrer os danos que originaram a presente ação, conforme princípio da actio nata.

4. AGRAVOS RETIDOS. 3.1. Indeferimento de contradita a duas testemunhas. Manutenção da decisão agravada. Ausência de prova de amizade íntima entre a testemunha Evaldo Janke e o autor, bem como de inimizade capital entre a testemunha Cláudia Formoso e a ré, ou de interesse da testemunha no resultado da demanda. 3.2. Inversão da ordem prevista no art. 413 do CPC e indeferimento de perguntas. Ausência de prejuízo. Ausência de cerceamento de defesa.

5. MÉRITO. A responsabilidade civil tem como pressupostos/requisitos/elementos a conduta (comissiva ou omissiva) de alguém, o dano, o nexo de

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causalidade entre um e outro, além do nexo de imputação (que será a culpa, em se tratando de responsabilidade subjetiva, ou o risco ou a idéia de garantia, quando se tratar de responsabilidade objetiva). Na hipótese, há prova sufi ciente da conduta imputada à ré, por seus prepostos, como causadora dos danos narrados pelo autor, motivo por que procede a pretensão indenizatória.

6. Culpa dos prepostos da ré evidenciada por terem se aproveitado da extrema fragilidade em que se encontrava o autor, a fi m de induzi-lo a interromper o tratamento médico a que se submetia para debelar/controlar doença grave e potencialmente letal, sob alegação de que deveria dar provas de sua confi ança na providência divina. Diante da interrupção do tratamento prescrito, o autor teve suas defesas imunológicas drasticamente reduzidas, contraiu broncopneumonia, padeceu de risco de morte, sofreu choque séptico, insufi ciência renal aguda, permaneceu dois meses e meio hospitalizado, dos quais cerca de quarenta dias em coma, traqueostomizado, perdendo metade de seu peso corporal.

7. O Direito contemporâneo admite a responsabilização de alguém por abusar da confiança alheia, dando-lhe conselhos ou recomendações, sabendo ou devendo saber que, no seu estado de fragilidade, essa pessoa tenderá a seguir tal orientação. Isso faz com que a pessoa ou a instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração, deva sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão.

8. Quando tais orientações se chocam contra o conhecimento científi co atual, quem orienta pessoas a agirem em contrariedade aos cânones científi cos, assume o risco de vir a responder pelos danos sofridos pelos crédulos.

9. Diante de todas as nefastas consequências que a conduta da ré, através de seus prepostos, teve na vida do autor, deve ser provido o recurso do autor para majorar o valor da indenização para R$300.000,00, levando-se em conta também o fator pedagógico associado à compensação por danos morais, especialmente no caso presente.

PRELIMINARES REJEITADAS, AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS E APELO DA RÉ DESPROVIDO, E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DO AUTOR.

Jonathan Norton Mari e Igreja Universal do Reino de Deus, apelantes-apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado, à unanimidade, rejeitar as preliminares, negar provimento aos agravos retidos e à apelação da ré e dar parcial provimento ao apelo do autor.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores

DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA E DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI.Porto Alegre, 26 de agosto de 2015.Eugênio Facchini Neto, Relator.

RELATÓRIODes. Eugênio Facchini Neto (Relator) – JONATAHAN NORTON MARI e

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS apelam da sentença (fls. 346/349) que,

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nos autos da ação indenizatória por danos extrapatrimoniais, julgou procedentes os pedidos formulados pelo primeiro em face da segunda, constando nos seguintes termos a parte dispositiva da decisão:

“Pelo exposto, julgo procedente a ação para condenar a ré ao pagamento de indenização, ao autor, pelos danos morais no valor de R$ 35.000,00, valor de hoje, quando, então, passará a sofrer correção monetária pelo IPC-A e juros moratórios à taxa de 1% a.m., contados da sentença até o efetivo pagamento.Sucumbente, a demandada arcará com as custas do processo e honorários do procurador do autor, ora arbitrados em 15% do valor da condenação.”

Em razões de apelo (fls. 367/374), o autor sustenta que o reduzido valor fixado a título de condenação por danos morais não valoriza o caráter pedagógico--punitivo que a indenização deve ter, e é insuficiente para reparar a dor e a honra do autor, que permaneceu internado e “quase veio a falecer”. Dessa forma, requer a majoração do quantum indenizatório. Requer, ainda que a parte ré arque com as custas processuais, bem como com os honorários de sucumbência, os quais devem ser majorados para 20% sobre o valor da condenação.

Em apelação (fls. 377/426), a parte ré busca, preliminarmente, a nulidade da sentença, dado que, conforme relata, a postura da Julgadora foi parcial ao emitir juízo de valor quanto à propagação do evangelho com promessas de cura de enfermidades, o que, segundo a ré, consta exclusivamente nas Sagradas Escrituras e, portanto, não pode ser objeto de valor pelo Judiciário. Ademais, salienta que a magistrada não zelou pela verossimilhança das alegações, dado que mitigou por completo a prova oral produzida pela ré. Requer a análise dos Agravos Retidos (fls. 322/322-v) e, ao final, o seu provimento, reformando-se a decisão da magistrada. Argúi a prescrição da pretensão de reparação do apelado, haja vista que o ilícito ocorreu quando da suspensão do uso da medicação (15/09/2009) e não, conforme decidiu a magistrada, quando da internação no hospital (22/01/2010). Ainda preliminarmente, alega a ilegitimidade passiva da ré, dado que a responsabilidade perante a situação do autor diz respeito a quem o transmitiu o vírus e ao próprio apelado, ao deixar de tomar os seus remédios voluntariamente – sem, conforme afirma, coação alguma por parte da ré.

No mérito, a ré sustenta que os pastores apenas pregam a possibilidade de cura das enfermidades, de acordo com as orientações bíblicas, mas não prometem a cura aos membros. Cita passagens dos testemunhos que corroboram a versão do réu. Alega que os fi éis da Igreja Universal não sofrem qualquer constrangimento para que suspendam a ingestão de medicamentos ou para que interrompam o seu acompanhamento médico, pois, como afi rma, o “tratamento espiritual (...) é um aliado ao uso da medicação”. Alega, ainda, que a julgadora embasou sua fundamentação em outro argumento que não resta comprovado nos autos do processo, qual seja: a vulnerabilidade psicológica do autor. Sustenta que os documentos acostados comprovam que o autor, enquanto freqüentava a Igreja, não se privou totalmente de atendimento médico, sendo descrito pela enfermeira no prontuário médico (fl . 46) como paciente “lúcido e orientado”, o que contradiz o argumento de vulnerabilidade psicológica. Requer o provimento do recurso para reformar integralmente a sentença condenatória. Contudo, na hipótese de manutenção da

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responsabilidade civil, pede, em observância ao princípio da eventualidade, que o quantum indenizatório seja reduzido e que seja substituído o índice fixado para a correção monetária, fazendo com que os valores sejam corrigidos pelo IGP-M/FGV.

Contrarrazões por ambas as partes (fls. 431/444 e 445/456) ratificando suas argumentações.

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 549, 551 e 552 do CPC, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOSDes. Eugênio Facchini Neto (Relator) – Colegas.Com a presente demanda, o autor busca a condenação da ré ao pagamento

de indenização por danos morais decorrentes, em síntese, dos males à sua saúde causados quando interrompeu o tratamento destinado a manter o controle do vírus HIV, do qual é portador.

Analiso, de início, as preliminares argüidas pelo réu em seu apelo.Ilegitimidade passivaA petição inicial imputa à pregação da ré, através dos seus prepostos, a

responsabilidade pela interrupção do tratamento de saúde do autor e, assim, pelos danos morais decorrentes das moléstias enfrentadas, que culminaram com longo período de internação hospitalar. Há, portanto, adequação entre os fatos e fundamentos do pedido e a indicação da parte demandada.

É o que leva ao reconhecimento da legitimdade passiva da requerida, especialmente quando fi rmado o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as condições da ação devem ser aferidas com base na teoria da asserção.

Nesse sentido, cito, exemplificativamente:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO SUCESSÓRIO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. BEM INTEGRANTE DE QUINHÃO HEREDITÁRIO CEDIDO A TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO.1. Tem prevalecido na jurisprudência desta Corte o entendimento de que as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afi rmações deduzidas na petição inicial.2. Assim, faltará legitimidade quando possível concluir, desde o início, a partir do que deduzido na petição inicial, que o processo não se pode desenvolver válida e regularmente com relação àquele que fi gura no processo como autor ou como réu. Quando, ao contrário, vislumbrada a possibilidade de sobrevir pronunciamento de mérito relativamente a tais pessoas, acerca do pedido formulado, não haverá carência de ação.3. No caso dos autos, a petição inicial afirma que o de cujos era o legítimo proprietário do imóvel. Nesses termos, impossível sustentar, a partir do que fixado pela teoria da asserção, que o espólio seja parte ilegítima para ajuizar ação reivindicatória quanto a esse bem.4. A alegação trazida em sede de contestação, no sentido de que o imóvel integrava quinhão hereditário cedido a terceira pessoa denota circunstância que deve ser sopesada no momento do julgamento do próprio mérito da demanda.O fato de o espólio ser ou não o proprietário do bem repercute na procedência ou improcedência do pedido, não na análise das condições da ação.

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5. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg nos EDcl no REsp 1035860/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 02/12/2014)

É o que basta, a meu ver, para manter a igreja ré no pólo passivo da presente demanda, já que o autor imputa aos prepostos da ré (seus pastores), a prática de condutas que, em tese, configurariam hipóteses de responsabilidade civil. Se isso não ocorreu, o caso será de improcedência da ação, não de carência.

Rejeito, pois, a preliminar.Nulidade da sentençaNão merece trânsito a alegação de nulidade da sentença por parcialidade e

pessoalidade da magistrada sentenciante.Observo que a ré argüiu, contra a magistrada, exceção de suspeição, que

foi rejeitada liminarmente (processo nº 70059807917 – fl s. 317/320), decisão posteriormente confi rmada pelo Colegiado desta Câmara (agravo regimental nº 70060006764). Por ocasião do julgamento da referida exceção, afi rmei:

“(...) A suspeição, grosso modo, está ancorada em ausência de imparcialidade por convicções religiosas, com reflexo na condução tendenciosa do processo para o favorecimento da parte adversa da excipiente.Confesso que não tenho conhecimento da predileção da Colega por alguma doutrina divina (se é que a tem), mas, o que importa, é que não há nada no caderno processual a indicar que eventual crença da Juíza no sentido que for esteja infl uenciando na sua maneira sempre imparcial de atuar. Trata-se sabidamente de brilhante magistrada, que tem prestado inexcedível contribuição ao Judiciário gaúcho e aos jurisdicionados.Da mesma forma, inexiste absolutamente qualquer elemento concreto para qualificar a Magistrada como ‘amiga íntima ou inimiga capital de qualquer das partes’ ou para concluir pelo interesse da Julgadora ‘no julgamento da causa em favor de uma das partes’ (art. 135, incisos I e V, do CPC).No particular, tais hipóteses são construídas a partir de forçosas ilações extraídas pela excipiente única e exclusivamente em face de a Juíza ter indeferido pedido seu de produção de prova (fl. 129).Ora, cuida-se de ato judicial regular, devidamente fundamentado (art. 165 do CPC) e lastreado no princípio do livre convencimento motivado e nos poderes instrutórios do juiz (art. 130 do CPC). Para tanto, a via normal de mostrar discordância a decisões judiciais consiste em interpor os devidos recursos.E a reforma – tão somente em parte, diga-se de passagem -, da referida decisão, pelo Tribunal (Agravo de Instrumento nº 70054892120; às fls. 159/160v), não leva à conclusão de que a Magistrada, então ao denegar a postulação, estaria agindo sem a isenção natural.(...)Reunindo essas ponderações, o que se percebe é que a argüente, na verdade, busca converter suas inconformidades vinculadas a matérias jurisdicionais em situações de suspeição que não possuem substrato fático ou jurídico para serem reconhecidas.Arrisco dizer que se pré-julgamento há no caso, este ocorre de parte da própria excipiente em relação à Colega presidente do feito, em especial quando imagina que a Julgadora, por intermédio do resultado que lhe profetiza ser desfavorável, ‘deseja auferir proveito moral consistente na repercussão ética do julgado na sociedade’.Logo, por não passarem de ‘achismos’ os fatores de suspeição levantados, impõe--se a rejeição, de plano, da exceção.”

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Mutatis mutandis, o quanto exposto naquela ocasião aplica-se inteiramente na análise desta preliminar, pois a ré está manifestamente inconformada com a procedência da pretensão indenizatória e com a fundamentação utilizada pela magistrada sentenciante.

Para a manifestação de tal inconformidade é que existe o recurso de apelação, já interposto pela ré e que será apreciado juntamente com o interposto pelo autor.

Se a apreciação da juíza sobre os fatos foi a mais adequada, ou a mais correta, é questão de mérito e não de nulidade processual.

Rejeito, pois, a preliminar de nulidade da sentença.PrescriçãoMelhor sorte não socorre à ré no tocante a essa preliminar de mérito.Isso porque se aplica ao termo inicial da prescrição o princípio da actio nata,

nos termos do art. 189 do NCCB1. Ou seja, somente quando o demandante tomou ciência dos danos acarretados pela interrupção do tratamento de saúde é que passou a ter condições de exercer a pretensão indenizatória.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APREENSÃO DE VEÍCULO REVERTIDA JUDICIALMENTE. DANOS EMERGENTES. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. AÇÕES INDENIZATÓRIAS AJUIZADAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL QÜINQÜENAL.1. O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas conseqüências, conforme o princípio da actio nata. Precedentes.2. No caso em questão, não há falar em ocorrência da prescrição, pois o recorrido somente tomou ciência dos danos ocorridos no veículo com sua devolução.3. Esta Corte, no julgamento do REsp 1.251.993/PR, submetido ao rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento no sentido de que mesmo nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, se aplica o prazo prescricional qüinqüenal do art. 1º do Decreto 20.910/32.4. Recurso especial não provido.(REsp 1257387/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO DO SOLO E DO LENÇOL FREÁTICO POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES.1. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e o paradigma, o que não ocorreu no caso.2. Inviável a incidência da Súmula nº 7/STJ a obstaculizar o conhecimento do recurso, visto que se trata, na espécie, tão somente de fi rmar posição sobre tese jurídica, isto é, qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Precedentes.3. Não há como se presumir que, pelo simples fato de haver uma notifi cação pública da existência de um dano ecológico, a população tenha manifesto conhecimento de quais são os efeitos nocivos à saúde em decorrência da contaminação.

1 – Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

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4. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo.5. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido, para dar prosseguimento ao processo.(REsp 1346489/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013)

Na hipótese, somente se pode considerar que o autor teve ciência da extensão dos danos decorrentes da interrupção do tratamento médico a partir da recuperação da consciência, o que se deu após o coma a que foi induzido durante internação hospitalar – 1º/03/2010 (fl . 15) – ou no mínimo quando de sua internação de urgência em janeiro de 2010, quando seu sistema imunológico praticamente entrou em colapso. E, considerando que dessa data até o ajuizamento da presente demanda (14/12/2012 – fl . 2) não transcorreram três anos (CC, art. 206, §3º, V), não há falar em prescrição da pretensão.

Com essas considerações, rejeito a preliminar.Agravos retidosTrata-se de recursos contrários ao indeferimento da contradita a duas

testemunhas arroladas pelo autor: Evaldo Janke e Cláudia Formoso.Os agravos retidos não merecem provimento. Isso porque não há prova

nos autos da alegada amizade íntima entre o autor e Evaldo, especialmente considerando que este expressamente qualificou-se como conhecido da parte.

Da mesma forma, não há prova de que Cláudia tenha qualquer inimizade com a ré ou mesmo interesse no resultado desta ação, para o que não basta a circunstância de ter emitido a declaração de fl . 57, na qualidade de psicóloga do CTA – Centro de Testagem e Aconselhamento Paulo César Bonfi m.

Por fi m, não resta confi gurado cerceamento de defesa, seja pelo fato de ter havido a inversão da ordem estabelecida no art. 413 do CPC, seja em razão do indeferimento de algumas perguntas formuladas pela ré. É que não há demonstração de que a inversão da oitiva das testemunhas e o indeferimento das perguntas causaram prejuízo à defesa da ré, infl uenciando o juízo de procedência da pretensão. Ou seja, competia à ré demonstrar que a prática correta, diga-se assim, de tais atos processuais poderia ensejar resultado diverso daquele adotado pela sentença, ônus do qual não se desincumbiu.

Nego, pois, provimento aos agravos retidos e passo de imediato à análise do mérito da pretensão.

MéritoExtrai-se dos autos que o autor tomou conhecimento de que é portador do vírus

HIV em 19/04/2005 (fl . 41). Em 16/05/2005, compareceu ao Centro de Saúde Vila dos Comerciários, em Porto Alegre, para iniciar o tratamento correspondente (fl . 42). A evolução do tratamento do autor encontra-se no prontuário de fl s. 43/49 dos autos.

Segundo narrativa da inicial, o autor, no ano de 2008, angustiado com sua condição de portador do vírus HIV, foi aconselhado por vizinhos a procurar a ré em busca de amparo (fl . 4). Refere ter ouvido o testemunho de pessoas no sentido de que teriam sido curadas de graves enfermidades, como câncer, paralisia, defi ciência visual, além do relato de irmãos de fé no sentido de terem parado o uso da medicação e obtido a cura. Aduz que determinado pastor lhe disse que a sua enfermidade seria curável, bastando que fi zesse sacrifícios, inclusive fi nanceiros (fl . 5). Passou, assim, a frequentar os cultos da ré e a doar bens materiais (mencionando televisão e aparelho de DVD), na

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tentativa de curar seu mal. Todavia, relata ter constatado, através dos exames periódicos de controle, continuar portando o vírus (fl s. 6/7), motivo por que buscou orientação junto a um dos bispos da ré (fl . 8). Este então o aconselhou a demonstrar sua verdadeira fé na providência divina, parando com o uso da medicação prescrita, bem como cessando de usar preservativos nas relações sexuais com a sua esposa (fl . 9). Sustenta que diante da fragilidade emocional em que se encontrava e da coação moral da ré, parou de tomar a medicação em 15/09/2009 e de usar preservativos. Com tal irracional conduta, acabou transmitindo o vírus HIV para a sua companheira (fl s. 9/10) e viu sua defesa imunológica despencar.

Alega que a coação moral exercida pela ré trouxe ao autor sério risco de morte, visto que em 24/01/2010 (aproximadamente quatro meses após interromper o uso da medicação) necessitou de internação hospitalar em razão de pneumonia grave (fl. 12), causada pela queda de seu sistema imunológico (fl. 13). Refere que no período de internação necessitou de traqueostomia e indução ao coma, na tentativa de debelar a grave crise de seu estado geral (fl. 14). Relata ter reiniciado o tratamento com antirretroviral ainda no hospital (fl. 15), a partir de quando passou a se recuperar, sem que tenha obtido o milagre da cura do HIV (fl. 16), doença que agora sabe incurável e com a qual deverá conviver.

Por ter quase morrido em razão da conduta da ré, que prometeu cura inexistente, busca a reparação por danos morais.

Optei por resumir os fatos narrados na inicial, ainda que arriscando ser um pouco repetitivo, a fim de viabilizar a melhor compreensão da lide.

Passo então a fundamentar o voto que compartilho com os colegas.Não é novidade a influência que a igreja, como instituição social, exerce nas

pessoas de todas as classes e em todas as épocas históricas. Já foi dito, um pouco jocosamente, mas com grande fundo de verdade, que “Deus foi a maior invenção do homem”, no sentido de que já na mais remota antiguidade todos os povos ‘inventaram’ seus deuses, a quem se voltavam na tentativa de controlar/aplacar fenômenos da natureza (estiagens/inundações/vulcões/terremotos, etc), ou a quem imputavam a responsabilidade por fenômenos incompreensíveis aos homens de então (raios, ciclos da natureza, etc), ou, ainda, para atribuir a desígnios divinos as intercorrências da vida humana, na tentativa de dar uma explicação para as incompreensíveis distribuições de dotes/dons/fortuna/sorte/azar entre os humanos. Ainda mais fundamental foi a sentida necessidade humana de ter alguém a quem se apegar quando todas as esperanças racionais parecem remotas. E se esse ‘alguém’ é um “Todo Poderoso”, que pode interferir, querendo, no destino das pessoas e ‘alterar o resultado do jogo’, tanto melhor.

A frágil humanidade precisa disso, mostra-nos a história multimilenar do homem. Acreditar no sobrenatural costuma fazer bem às pessoas, especialmente nos momentos de fragilidade e de racional desesperança. Portanto, nada contra isso. Para quem disto precisa, não encontrando o antídoto ou força dentro de si próprio, a crença é realmente um “santo remédio”.

À medida em que a ciência foi desvendando os mistérios da natureza, trazendo--os do ‘sobrenatural’ para o ‘natural’, bem como passou a explicar a etiologia das doenças, seus efeitos e suas curas, o campo das explicações ‘teólógicas’ foi sendo gradativamente reduzido. Por óbvio que resta muito ainda a ser desvendado – e até que o sejam, ainda grande será o tamanho do rebanho que continuará a atribuir as

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coisas inexplicáveis aos desígnios dos seus respectivos deuses, tal como o faziam seus mais remotos antepassados, como se eles continuassem a ‘jogar dados com o universo’, na conhecida metáfora filosófica.

No campo da medicina, não é de hoje que curas não explicadas pela medicina (ou pela ciência em geral) são atribuídas ao sobrenatural, ao divino e/ou à fé, em suas mais diversas modalidades, diga-se assim2. Realmente há curas inexplicáveis, bem como ainda ocorrem fenômenos que não são compreensíveis racionalmente. É provável que um dia o sejam, como milhares de outros ‘fenômenos’ igualmente inexplicáveis para a humanidade que nos precedeu também acabaram por serem naturalmente explicados. Mas, até lá, sempre a explicação da intervenção divina continuará a ter um grande apelo sobre esses frágeis seres que somos todos nós.A fé realmente é um grande consolo para muitos.

A história da ‘fé’ humana, portanto, é uma história vencedora, à luz do número de fi éis. Diversos são os credos, crenças, deuses – seja o Jesus dos cristãos, o Jeová dos judeus, o Allah dos muçulmanos, para fi carmos nas religiões mais difundidas – mas todos atingem o mesmo propósito (embora cada crente defenda que o ‘seu’ é o verdadeiro Deus, a única divindade, sendo falsos ou equivocado os outros deuses). Fato é, portanto, que a crença e a religião desempenha inegável papel positivo na sociedade (embora, como qualquer outra instituição ou prática social, tenha também tido seus momentos de treva, como o demonstram as inúmeras guerras de religião, as perseguições religiosas, cruzadas, a ‘santa’ inquisição medieval, etc).

Por outro lado, conforme Antônio Luis Machado Neto, “Embora às vezes exorbitando no controle ideológico da sociedade, o certo é que as normas religiosas têm sido o processo mais efi ciente de controle social, muito poucas sendo as pessoas que deixam de praticar delitos apenas porque eles vêm tipifi cados e sancionados no código penal. Antes da coerção jurídica atuar como ameaça de exercício da sanção, já funcionaram os tabus religioso, a idéia de pecado e o medo ao castigo post mortem.”3.

Na seara da psicologia, Freud, ao estudar a “psicologia das massas”, explica a “massa” Igreja e a forma como atua no indivíduo, da seguinte forma4:

Na Igreja — podemos, com vantagem, tomar a Igreja católica como modelo — prevalece, tal como no Exército, por mais diferentes que sejam de resto, a mesma simulação (ilusão) de que há um chefe supremo — na Igreja católica, Cristo, num Exército, o general — que ama com o mesmo amor todos os indivíduos da massa. Tudo depende dessa ilusão; se ela fosse abandonada, imediatamente se

2 – A questão é objeto de estudos e debates: http://www.repositorio.ufpe.br/handle/123456789/9575, http://blogs.odiario.com/inforgospel/2012/05/23/cura-pela-fe-atraves-das-oracoes-em-pacientes-da-rede-publica-defendida-por-estudiosaeua/, http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/vida/noticia/2012/09/fe-e-medicina-devem-ser-combinadas-diz-medico-norte-americano-3881879.html, http://super.abril.com.br/saude/existe-cura-pela-fe-581808.shtml, http://vivasaude.digisa.com.br/bem-estar/a-fe-pode-curar/192/, http://homilia.cancaonova.com/homilia/a-fe-em-deus-e-fonte-de-cura-para-a-nossa-vida/, http://noticias.gospelmais.com.br/homem-abandona-tratamento-contra-cancer-alcanca-cura-fe-63960.html, todos acessados em 08/04/2015. 3 – Sociologia Jurídica, 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1973, p. 286.4 – FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 15. Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920-1923). Trad. Paulo César de Souza. Companhia das Letras, p. 35-41.

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dissolveriam tanto a Igreja como o Exército, na medida em que a coerção externa o permitisse. Esse amor a todos é formulado expressamente por Cristo: “O que fi zestes a um desses meus pequenos irmãos, a mim o fi zestes” [Mateus, 25, 40]. Ele se relaciona com os indivíduos da massa crente como um bondoso irmão mais velho, é um substituto paterno para eles.Todas as exigências feitas aos indivíduos derivam desse amor de Cristo. Há um traço democrático na Igreja, justamente porque diante de Cristo são todos iguais, todos partilham igualmente o seu amor. Não é sem profunda razão que se evoca a semelhança entre a comunidade cristã e uma família, e que os crentes se denominam irmãos em Cristo, isto é, irmãos pelo amor que Cristo lhes tem. Não há dúvida de que a ligação de cada indivíduo a Cristo é também a causa da ligação deles entre si.(...)Quer nos parecer que nos achamos no caminho correto, que pode esclarecer o principal fenômeno da psicologia das massas, a ausência de liberdade do indivíduo na massa.”

De qualquer sorte, descabe, por óbvio, ao Judiciário, como instituição estatal, ou aos magistrados individuais tomarem uma posição a respeito.

Sendo a liberdade de crença um direito fundamental, não há, de per si, nenhum ilícito em alguém acreditar piamente nas explicações sobrenaturais. Isso, aliás, é comum especialmente em momentos de grande vulnerabilidade, em que os prognósticos mais ‘naturais’ não são muito otimistas.

Trouxe as lições e refl exões supra como elemento a mais para ressaltar que não há dúvidas sobre viabilidade, em tese, de imputação, à ré, de responsabilidade por pelo menos parte dos danos morais alegados pelo autor, na medida em que é induvidoso, repito, o poder que a igreja pode vir a exercer sobre o indivíduo. Então, o que a igreja prega aos seus fi éis assume relevância jurídica, sem dúvida, especialmente quando a pregação impõe, psicologicamente ao seguidor, segundo a inicial, conduta que certamente acarreta risco à saúde dele e de quem convive com ele.

Imputa-se à ré o fato de ter explorado a extrema fragilidade do autor e conquistado sua confi ança, a ponto de ele ter doado bens para a Igreja (fato que não é discutido nestes autos) e de ter desatendido basilar orientação médica – tomar a medicação prescrita e usar preservativos nas relações íntimas com sua esposa.

Ora, “a proteção da confi ança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar fi rmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade”, razão pela qual “quem induz outrem a confi ar, deve responder caso frustre essa confi ança, causando prejuízo”5. Por outro lado, a lição válida para o direito português é válida também para o nosso: “a falta de previsão, com carácter de generalidade, da responsabilidade pela confi ança nas normas legais que urdem o sistema não denuncia qualquer decisão contrária à sua adminissibilidade”, pois se trata de “um desenvolvimento praeter legem do sistema jurídico”6.

No caso em tela, a responsabilidade da ré, por atos de seus prepostos, reside no fato de ter se aproveitado da extrema fragilidade e vulnerabilidade em que se

5 – CARNEIRO DA FRADA, Manuel António de Castro Portugal. Teoria da Confi ança e Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 2004, páginas 892, 893 e 894.6 – CARNEIRO DA FRADA, op. cit., p. 890 e 891.

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encontrava o autor, pelo fato de padecer de doença potencialmente letal, para não só obter dele vantagens materiais, mas também para abusar da confiança que ele, em tal estado, depositava nos ‘mensageiros’ da ré. Nesse estado de fragilidade, o autor acreditou e seguiu os conselhos e recomendações dos prepostos da ré, vindo a sofrer os danos narrados na inicial.

Na dicção de doutrina especializada, “dar um conselho significa dar a conhecer a uma outra pessoa o que, na sua situação, se considera melhor ou mais vantajoso e o próprio faria se estivesse no seu lugar, a que se liga a exortação (expressa ou implícita), mas de qualquer forma nunca vinculativa para o destinatário) no sentido de que aquele que recebe o conselho agir (ou se abster) de forma correspondente; o conselho contém pois um juízo de valor acerca de um acto futuro do aconselhado. A recomendação é apenas uma sub-espécie do conselho. Traduz--se na comunicação das boas qualidades acerca de uma pessoa ou de uma coisa, com a intenção de, com isso, deter minar aquele a quem é feita a algo. Conselho e recomendação distinguem-se apenas pela intensidade: o conselho implica, face à recomendação, uma exortação mais forte ao seu seguimento”7.

Percebe-se, portanto, que o Direito contemporâneo admite a responsabilização de alguém por abusar da confiança alheia, dando-lhe conselhos ou recomendações, sabendo ou devendo saber que, no seu estado de fragilidade, essa pessoa tenderá a seguir tal orientação. Isso faz com que a pessoa ou a instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração, deva sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão.

Quando tais orientações se chocam contra o conhecimento científico atual, quem orienta pessoas a agirem em contrariedade aos cânones científicos, assume o risco de vir a responder pelos danos sofridos pelos crédulos.

À luz dessas orientações jurídicas, passo, então, a analisar a prova no caso concreto.A análise de cada elemento de prova trazido aos autos demonstra farto material

no mínimo crítico, diga-se assim, às práticas da igreja requerida.O CD de fl. 73 exibe programa do Jornal Nacional noticiando investigação do

Ministério Público do Rio Grande do Sul sobre o destino de doações de fiéis à Igreja Universal do Reino de Deus, que nem sempre é usado na manutenção da igreja e na execução de obras sociais. Há o relato de que a pressão é tanta, que fiéis doam mais do que têm.

O CD de fl. 74 contém o relato de bispo Francisco Decothé e esposa que, na busca da cura para o problema de saúde da filha, vendeu praticamente tudo o que tinha em sacrifício para a obtenção da cura, pois a oração “apenas” não tinha bastado. A seguir (8min.39), o mesmo testemunho, mas relatado desde o início.

O CD de fl . 75 constitui vídeo de pregação e testemunho, em que fi éis relatam ter sido diagnosticadas como portadoras do vírus HIV e, contudo, terem sido curadas pela fé. A primeira crente refere ter sido curada por Jesus (CD à fl . 75, 1min.27s).A segunda crente, inicia relatando que ao tomar conhecimento da doença não queria tomar medicamentos “a vida toda”, razão pela qual, relata, procurou a igreja, iniciou o

7 – SINDE MONTEIRO, Jorge Ferreira. Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações. Coimbra: Almedina, 1989, páginas 14 e 15.

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tratamento espiritual e foi curada. Refere que não ingeriu qualquer medicamento por iniciativa própria e não por orientação da igreja, da fé (2min.45s). Atribui a cura a um milagre (3min.13). A seguir (3min.16s), consta reportagem do programa Fantástico sobre vítimas de golpe praticado pela Igreja Universal do Reino de Deus, que exigia dinheiro em troca de “bençãos”. Depois, programa veiculado no Jornal Nacional (5min.55s), relatando investigações sobre desvio de dinheiro praticado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Além disso, há o relato de um ex-obreiro da igreja, no sentido de que “é tudo falcatrua”, ele acreditava no que via, até que foi comprar óleo comum para entregar aos fi éis como sendo óleo santo de Israel – com o que os fi eis se comoviam e faziam ofertas (9min.34s).

O autor, em seu depoimento pessoal (fls. 324/328) referiu que:

“J: Eu quero entender o seguinte. O senhor refere que a doutrina falava da questão relativa ao sacrifício. Mas em algum momento um pastor ou algum similar falou que o senhor tinha que suspender o seu tratamento? D: Não necessariamente com essas palavras. Mas no momento que eu fi z a primeira fogueira santa que foi na época de junho, que eu vendi praticamente metade da minha casa...J: O que é a fogueira santa? D: Fogueira santa é tipo de um rito que eles fazem ali que tu tem que doar, fazer um sacrifício, vender o que tu tiver de melhor. Assim como eles falam que... agora me fugiu, mas Gideão deu... eles usam argumentos bíblicos sabe? Que Isaac tentou dar o fi lho para Deus. Eles são muito persuasivos, sabe doutora? São muito persuasivos e fazem nós acabar sacrifi cando algumas coisas que temos de bem material em troca de um benefício, entendeu? Ou seja, um problema fi nanceiro ou um de saúde, enfi m, e eu acabei dando. Eu dei. Eu tinha vizinhos meus que também praticavam isso aí. Eu achava que eu era o errado ‘Bom, eu tô agindo errado. Eu vou fazer a mesma coisa.’ O que aconteceu? Depois que eu fi z a fogueira santa, fogueira santa é um tipo de seita que eles fazem, não digo seita assim, é uma palavra muito forte, mas é um ritual que eles fazem durante uma semana que eles pedem carro, apartamento ou pedem o que tem de melhor pra dar pra Deus, sob pena de tu não conseguir o que tu quer, entendeu? Se tu não sacrifi car, tu não ganha o que tu tem de Deus. É bem assim. Desculpa, de repete, eu posso tá me expressando errado assim doutora, mas é bem isso aí que acontece. E o que aconteceu? Comecei a ir todos os sábados, porque sábado dos impossíveis pra mim é sábado dos impossíveis, como eles falam. Que um monte de gente se cura de doença, enfi m, e eu acabei entrando que nem um pato.J: O senhor fazia isso na expectativa da cura da doença? D: Na expectativa, com certeza.(...)J: Mas o que o senhor entregou? D: Entreguei computador, uma academia de musculação, minha TV. (...)J: Quanto tempo o senhor ficou sem ir no posto? D: Fiquei 4 meses e quando ia, ainda não recebia orientação dos... não era pra eu dar bola pros médicos, entendeu? Eram argumentos muito persuasivos, sabe doutora. Tipo assim‘A Medicina tá enganada’ ou ‘O médico tá enganado’, sempre argumentos assim. E eu me deparei, porque não só o meu caso como inúmeros casos acontecem sem que pessoas fiquem sabendo. Acontecem de pessoas que abandonam o tratamento não só do meu problema de patologia, como outras patologias também, pelo que eles ensinam na doutrina dessa instituição.J: Voltando ao seu caso. O senhor fi cou 4 meses sem tomar medicação? D: Exatamente.J: E o que aconteceu nesse período em termos da sua saúde? D: A minha saúde piorou com certeza. Minha carga viral começou a subir né? Que ela era de um limite

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mínimo, era quase que indetectável e se tornou monstruosa, se tornou carga viral máxima. (...)(...)PR: Se ele possui conhecimento acerca da gravidade do vírus e da necessidade de seguir orientação médica? D: Com certeza. Só que, como falo, uma pessoa que é portadora do vírus HIV possui uma certa fragilidade emocional e quando cai nas mãos de uma pessoa que diz que tem a cura do HIV, com é que tu não vai te lançar? Me fala. A Medicina diz que não tem cura, né? Na instituição que tu freqüenta, as pessoas falam que a Medicina tá desenganada. Praticamente 2, 3 vezes por mês tu vê pessoas subindo no altar e dando testemunho, pessoas que se dizem que estão curadas e que verdade não estão curadas e que a gente não sabe nem se estão vivas até hoje. Que o meu caso era pra eu não estar vivo hoje aqui, sabe?(...)”

No caso do autor, há evidências concretas de que ele parou de usar a medicação a partir de 15/09/2009, por influência da Igreja Universal –é o que consta do seu prontuário (fl. 47v). Durante os quatro meses seguintes ele apenas seguiu a orientação dada pelos prepostos da Igreja, quando então, em janeiro de 2010, contraiu uma broncopneumonia, em razão de sua defesa imunológica ter caído muito. E então seu estado de saúde piorou muito, a ponto dele ficar hospitalizado durante 77 dias, sendo que permaneceu em coma induzido por cerca de 40 dias. Ao se recuperar, percebeu que quase morrera por seguir a insana orientação dada pelos prepostos da ré e retomou o tratamento prescrito.

Reproduzo, aqui, parte da sentença que acolheu a pretensão do autor, após a julgadora ter coletado a prova oral e se convencido da veracidade da versão do autor:

“Conforme os fatos expostos nos autos, restou incontroverso que o autor após ser diagnosticado com o vírus HIV/AIDS, em 2005, não aceitava a sua condição de soropositivo, tendo, em meados de 2008, conhecido a doutrina da igreja ré, da qual veio a aderir em 2009.Deparou-se com testemunhos de que a fé havia curado doenças, para as quais a medicina ainda não havia encontrado a cura, tendo a própria ré produzido a prova que confirma a tese do autor, pois as testemunhas de fls. 334v/339 se apresentaram como curadas, da AIDS, pela fé. Transcrevo:

“J: A senhora tinha HIV? T: Sim.J: O que aconteceu? T: Eu fui curada com a minha fé.J: A senhora frequentando a igreja foi curada? T: Frequentando a igreja eu fui curada usando a minha fé. Eu fui curada e a minha doutora, fiz os exames e tudo.J: Há quanto tempo a senhora está curada? T: De 2006 para cá.J: A senhora não toma medicamento nenhum? T: Não senhora”. (Testemunha: Tânia Rodrigues da Silva).“J: Qual é o seu depoimento? T: É que eu fui curada.J: O que a senhora tinha? T: O vírus do HIV.J: Como foi? T: Que eu fui curada. Eu fiz as correntes na igreja, busquei em Deus e estou aqui para dar o meu depoimento que eu fui curada.J: Quanto tempo faz que a senhora foi curada? T: Foi em 98 que eu fui para a igreja.J: Há quanto tempo faz que a senhora está curada? T: 15 anos.J: Como que aconteceu? T: Quando eu cheguei na igreja eu estava com o vírus do HIV. Comecei a fazer as correntes, indo ao médico e eu conheci a

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igreja Universal. Lá eu soube que as pessoas se usasse a fé seriam curadas, como muitos foram, até através de um amigo e chegando a igreja e fazendo as minhas correntes e também indo ao médico. E lá eu obtive a cura.J: A senhora não toma nenhum tipo de medicamento atualmente? T: Não, não tomo”. (Testemunha: Mariangela Ribeiro Gleizel).“J: Qual o objetivo da sua vinda aqui? T: É que eu fui curada na igreja. Fiz os exames direitinho, levei para a doutora e disseram que eu tinha sido curada e que era para mim continuar buscando, praticando a minha fé dentro da igreja. Eu continuei.J: A senhora teve o quê? T: Eu tive HIV.J: Quando foi isso? T: 2005 eu fiquei sabendo.J: Quanto tempo a senhora já está curada? T: 7 anos.J: Como foi o seu tratamento? T: Eu fui fazendo os exames conforme os médicos me informaram, eu tinha que continuar fazendo os exames e buscando a Deus na igreja, fazendo minhas correntes, meus propósitos com Deus. E de 6 em 6 meses eu fazia tratamento com os médicos”. (Testemunha: Rosiara Bueno Netto).

Diante dessa situação, o autor, que se encontrava muito fragilizado emocionalmente, passou a seguir fi elmente os preceitos e as orientações doutrinárias da ré, sem questioná-las, pois, segundo via, a sua cura viria disso, ou seja, da fé.Por óbvio, a crença era de que a fé poderia vir a curá-lo, pois, notoriamente, é sabido que a medicina não encontrou cura para a referida doença. Todavia, aos olhos do autor, o ministério da ré parecia plenamente plausível - a cura, comprovada através de depoimentos – dentro do estado psíquico em que se encontrava, bem delicado, consoante depoimento da testemunha Cláudia Formoso, fl . 330, a saber:

“J: (...). Qual é o conhecimento que a senhora tem da causa relativa ao Jonathan? T: Eu faço parte de uma equipe de acompanhamento especializado com pessoas que vivem com HIV/AIDS e desde o início nós acompanhamos o ingresso do Jonathan no serviço. O Jonathan sempre teve uma dificuldade, ele foi um dos pacientes que historicamente entrou com a maior carga viral, chegou mais prejudicado no serviço. E ele desde o início teve dificuldade muito grande, um sofrimento muito grande com relação ao diagnóstico por ser um rapaz jovem, enfim. E durante todo o tempo a questão adesão foi uma questão muito delicada na problemática dele”.

Dessa forma, restou claro que as orientações emanadas pela doutrina da ré exerceram sobre o autor - indivíduo psicologicamente fragilizado – uma forte coação de ordem moral nos termos do art. 151 e 152, ambos do Código Civil. Era o apostolado da ré somado à fragilidade emocional do autor. Situação que é bem demonstrada pelo material juntado pela ré, dentre os quais há mensagem da fl. 153v: “crer sem receio”; “crer é entregar-se sem receio”.Constata-se, portanto, que é exatamente o que narrou o autor: foi levado a uma situação emocional de total e exclusiva dependência de sua fé, a ponto de abandonar o tratamento médico, pois, segundo a doutrina da ré, sacrifícios são necessários, fl. 51.Ademais, friso que o abandono ao tratamento médico só ocorreu após a adesão à doutrina da ré, fato incontroverso, conforme prova oral já referida, bem como prontuário médico acostado à fl . 46 e verso, pois, mesmo buscando tratamentos alternativos, desde o início de sua patologia, o autor sempre manteve a utilização de medicamentos.De se destacar que a fragilidade emocional apresentada pelo autor não se confunde com o fato de ele apresentar-se “lucido e orientado” em suas consultas, registro eminentemente clínico feito pelo atendente na abertura da consulta.

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Por evidente que, ao pregar tal orientação, a ré exerceu sobre o autor forte coação moral, haja vista, ao longo do feito, mostra-se claro que ele, assim como as testemunhas da ré, praticava fielmente o que lhe é orientado a fim obter milagres, como curas impossíveis.Consequentemente, os três pilares ensejadores da responsabilidade civil restaram caracterizados e comprovados, visto que presente o ato ilícito, nos termos do art. 159, do Código Civil, ante a coação moral exercida sobre o autor para seguir fielmente os preceitos da igreja demandada, a fim de que pudesse atingir os seus objetivos, ou seja, a cura como outros seguidores conseguiram.

Nesse sentido, a jurisprudência:APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DO COAUTOR. INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO VERIFICADA. PRELIMINARES AFASTADAS. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFERTA DE BENS À IGREJA. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL CONFIGURADA. REPARAÇÃO DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO.Agindo o donatário ou um terceiro diretamente no ânimo do doador a ponto de incutir-lhe a ideia da obrigatoriedade do ato de disposição, sob pena de sofrimento ou penalidades, ainda que exclusivamente no âmbito religioso, resta confi gurada a coação moral irresistível. Abuso de direito reconhecido (art. 187, CC). Dano moral in re ipsa. Valor da condenação mantido, diante das peculiaridades do caso concreto e dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como da natureza jurídica da indenização. (…) PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70051621894, Nona Câmara Cível do TJ/RS, Relator: DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY, julgado em 28 de novembro de 2012, em Porto Alegre). Grifei.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DOAÇÃO. COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO RELIGIOSO. AMEAÇA DE MAL INJUSTO. PROMESSA DE GRAÇAS DIVINAS. CONDIÇAO PSIQUIÁTRICA PRÉ-EXISTENTE. COOPTAÇAO DA VONTADE. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA.1. ANÁLISE DO ARTIGO 152 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIOS PARA AVALIAR A COAÇÃO. A prova dos autos revelou que a autora estava passando por grandes difi culdades em sua vida afetiva (separação litigiosa), profi ssional (divisão da empresa que construiu junto com seu ex-marido), e psicológica (foi internada por surto maníaco, e diagnosticada com transtorno afetivo bipolar). Por conta disso, foi buscar orientação religiosa e espiritual junto à Igreja Universal do Reino de Deus. Apegou-se à vivência religiosa com fervor, comparecia diariamente aos cultos e participava de forma ativa da vida da Igreja. Ou seja, à vista dos critérios valorativos da coação, nos termos do art. 152 do Código Civil, fi cou claramente demonstrada sua vulnerabilidade psicológica e emocional, criando um contexto de fragilidade que favoreceu a cooptação da vontade pelo discurso religioso.2. ANÁLISE DOS ARTIGOS 151 E 153 DO CÓDIGO CIVIL. PROVA DA COAÇÃO MORAL. Segundo consta da prova testemunhal e digital, a autora sofreu coação moral da Igreja que, mediante atuação de seus prepostos, desafi ava os fi éis a fazerem doações, fazia promessa de graças divinas, e ameaçava-lhes de sofrer mal injusto caso não o fi zessem. No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela Igreja materializou-se no abuso de direito de obter doações, mediante coação moral. Assim agindo, violou os direitos da dignidade da autora e lhe casou danos morais. Compensação arbitrada em R$20.000,00 (vinte mil reais), à vista das circunstâncias do caso concreto. (…) RECURSO DA AUTORA CONHECIDO EM PARTE, E NESSA PARTE,

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PROVIDO PARCIALMENTE. PREJUDICADO O RECURSO DA RÉ. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 70039957287, Nona Câmara Cível do TJ/RS, Relatora: DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, julgado em 26 de janeiro de 2011, Porto Alegre). Grifei.

O nexo causal também afigura-se presente, pois a doutrina propagada pela ré induziu o autor a abandonar o tratamento medicamentoso, o que o levou ao agravamento de seu quadro clínico, bem como ao desenvolvimento de diversas outras patologias, chegando a ficar por vários dias em coma.”

Acrescento, também, o depoimento de Evaldo Janke (fl. 332 e seg.), que relata que sua esposa, portadora de problemas psiquiátricos, igualmente procurou apoio junto à Igreja Universal e que também abandonou seu tratamento (fl. 334).

É verdade que não há prova direta e inequívoca de que algum preposto da ré (pastor ou bispo) tenha passado ao autor a orientação a orientação que o autor afi rmou ter recebido – no sentido de dar mostras de sua fé e confi ança na providência divina, deixando de tomar a medicação prescrita e deixar de usar preservativos.

Isso é natural, aliás, pois tal orientação certamente não seria dada por escrito e provavelmente não o seria diante de testemunhas. Os prepostos da ré não são selecionados mercê de sua ingenuidade. Muito antes pelo contrário, como é atestado pelo incrível crescimento de tal Igreja, com multiplicação do número de templos e de fi éis ao longo das últimas três décadas. Como os freqüentadores dessa Igreja são sabidamente membros das classes sociais menos abastadas, do ponto de vista econômico, e menos dotadas, do ponto de vista cultural, resta evidente que os prepostos da ré são extremamente efi cientes em convencer seus fi éis, já pobres, a doarem boa parte do pouco que possuem para a “glória do Senhor das Alturas” (e, quiçá, para maior conforto dos seus “representantes” aqui na terra, à luz das reportagens juntadas aos autos – especialmente a mídia de fl . 75).

Todavia, a prova indireta é abundante, como se constata não só dos depoimentos prestados, como também do material coligido, especialmente as reportagens jornalísticas juntadas aos autos em forma de mídia.

Os danos sofridos pelo autor constam não só de seu prontuário médico, juntado ás fls. 42/49, mas também pela declaração de seu médico, que descreve minuciosamente tudo o que ocorreu com o autor em decorrência dele ter deixado de tomar a medicação prescrita (fl. 63/64).

Como parte de tal prova indireta, mencionam-se os seguintes elementos:- Declaração de fl. 57, da psicóloga que atendeu o autor durante sete anos,

desde que ele tomou conhecimento de ser soropositivo, referindo ter o autor referido ter abandonado o tratamento prescrito por orientação de sua Igreja.

- Comentário na rede (fl. 59) de alguém que alega que o bispo Emerson Carlos estaria pregando falsas curas de Aids em Porto Alegre.

- Documento de fl . 62, atribuído à ré (e não negado especifi camente por ela), em que se recomenda que quem crê em Deus deve fazer um sacrifício ‘perfeito’, ou seja, não “em parte”. A mesma ideia é reforçada no documento de fl . 65 (“21 passos para se fi rmar e confi rmar um pacto com Deus”), em que se torna a referir que “a parceria com Deus exige o sacrifício da entrega total e incondicional, a exemplo de Abraão.

- Mídia de fl. 73 – gravação de reportagem divulgado pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, onde noticia investigação pelo M.P. gaúcho de possível coação moral

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praticada por pastores da Igreja ré, ‘forçando’ fiéis a darem dinheiro à Igreja. São mostradas filmagens do evento denominado “fogueira santa”, realizado duas vezes ao ano, em que os fiéis são exortados enfaticamente a darem o que possuem em troca de benefícios divinos. Relatam-se casos de doações de casas, automóveis, salários inteiros. Um dos pastores chega a dizer que quem quisesse transferir seu automóvel, bastaria ir até à frente que eles teriam pessoal habilitado a providenciar na papelada necessária ali mesmo, no ato. Também são entrevistados dois magistrados gaúchos que julgaram casos em que se condenou a ré a restituir valores doados por crentes que se sentiram enganados.

- Mídia de fl. 74 – gravação de ‘testemunho’ do bispo Francisco Decothé, que relata ter doado absolutamente tudo o que tinha, inclusive toda a comida existente em casa, para obter a cura de sua filha.

Mídia de fl . 75 – gravação de um ‘culto’, em que o pastor entrevista fi éis que supostamente tinham HIV e que se curaram apenas pela fé, deixando de tomar a medicação prescrita. Depois, a partir do minuto 6,13, inicia-se nova reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, noticiando 3 casos de fi éis que deram praticamente tudo o que tinham para a Igreja, sentindo-se posteriormente enganados, bem como decisões judiciais que anularam doações, por vícios jurídicos. Também se menciona processo criminal que tramita em S.P., por estelionato, contra o ‘dono’ da Igreja, bispo Edir Macedo. Mostra-se o que um fi el que costumava dar 10% do seu parco salário para a Igreja, recebeu em troca: um “diploma de dizimista”, assinado por ilustre pessoa: “Senhor Jesus Cristo”. Mostra-se mansão em Campos do Jordão, de mais de 10 milhões de reais, na época da reportagem (vários anos atrás), de propriedade do bispo Edir Macedo. A partir do minuto 11,30, outra reportagem do JN, onde se refere a investigação ofi cial sobre desvio do dinheiro dos fi eis para empresas de comunicação do império empresarial do bispo Edir Macedo. Menciona-se ação penal em que ele é réu em S.P., por várias fraudes. A partir do minuto 15, fi lma-se um ‘culto’ em que o ‘pastor’ orienta os crentes a doarem valores vultosos, suas casas, apartamentos, etc. A partir do minuto 16, fi lma-se outro ‘culto’, onde um pastor, com grande poder de convencimento, leva seu “rebanho” a doar tudo o que tem. Por volta do minuto 19 há uma cena incrível, mostrando o Edir Macedo visivelmente deslumbrado com a ‘generosidade’ dos seus fi eis, colocando a mão em sacos de dinheiro arrecadados em cultos gigantescos. Momentos antes, fi lmou-se um avião que fora apreendido, da Igreja Universal, transportando sacos e sacos de dinheiro obtido desta forma. Por volta dos minutos 21/23, o bispo Macedo, fi lmado num informal jogo de futebol com seus ‘pastores’, ensina--os cinicamente como convencerem os fi éis a darem tudo o que possuem. Na mesma reportagem, por volta do minuto 26,44, refere-se que a Igreja costumava arrecadar de seus fi eis R$1.400.000.000,00 por ano, mas que no ano da reportagem arrecadou R$8.000.000.000,00. Passa-se, então, a mostrar como o dinheiro era ‘lavado’ e desviado para outras fi nalidades. A partir do minuto 31,30 reproduz-se outra reportagem jornalística, desta vez da SBT, a respeito das ilicitudes praticadas pela Igreja Universal.

Assim, colegas, apesar da inexistir prova explícita acerca da orientação recebida pelo autor no sentido de abandonar sua medicação e confiar apenas na intervenção divina, tenho que o contexto probatório existente nos autos é suficiente para convencer da absoluta verossimilhança da versão do autor. Conhece-se a forma de agir dos ‘pastores’ da ré, do seu poder de convencimento, aproveitando-se na

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vulnerabilidade intelectual dos membros do seu ‘rebanho’ (integrado praticamente só por pessoas de baixa extração cultural e facilmente infl uenciáveis), de sua fragilidade emocional, pois quase todos os que procuram essa Igreja o fazem porque estão com grandes problemas, para cuja solução não estão encontrando amparo no curso natural das coisas e, por isso, procuram solução no sobrenatural. Basta ver o documento de fl . 56, atribuído á Igreja e não negado por ela, onde se pede ao fi el que “marque o que está morto em sua vida: ( ) ESPIRITUAL (inveja, feitiçaria, perturbação, tristeza); ( ) SENTIMENTAL (separação, solidão, frieza no casamento); ( ) FAMILIAR (brigas, discussões, tragédias, intrigas); ( ) FINANCEIRO (dívidas, falência, nome sujo, falta de dinheiro); ( ) SAÚDE (câncer, doenças incuráveis, AIDS, dores, convulsões).” Referido documento promete, mais abaixo, que “Tudo que está morto em sua vida irá ressuscitar! Traga um lençol para ser ungido com o bálsamo”. Ou seja, verdadeiro “fazemos qualquer negócio” e “resolvemos qualquer problema em sua vida”. Claro que, para tanto, ‘prestações’ nem tão suaves assim são muito bem-vindas e grandemente incentivadas, como se vê dos vídeos disponibilizados e não impugnados!

Em situações como essa, em que restou escancarada a forma de agir sem escrúpulos dos prepostos da ré, sob orientação explícita (conforme fi lme contido nos autos e igualmente não impugnado) de seu mentor maior, bispo Macedo, que atualmente mora confortavelmente nos Estados Unidos. E pessoas sem escrúpulos realmente agiriam na forma descrita na inicial – afi nal, se uma pessoa observa rigorosamente o tratamento médico prescrito e também tem fé, caso fi que curado (como estatisticamente acontecerá com muitos) não se pode atribuir exclusivamente à fé a sua cura. Se ele deixar de se tratar e só fi zer o ‘sacrifício’ exigido e vier a falecer, sempre poderão os ‘pastores’ afi rmarem que isso se deu porque ele não teve fé sufi ciente... E na hipótese de, sem medicação, vir a se curar (por razões de reação orgânica natural ou por causas que a ciência hoje talvez não explique atualmente – mas que talvez venha a fazê-lo no futuro), então sim a Igreja terá um “milagre” a ser alardeado em cultos, propagandeado em seus folhetos, dvd’s promocionais, e, com isso, reforçar a fé (e boa vontade de contribuir economicamente) dos seus crentes...

Assim, examinando critica e imparcialmente a prova produzida nos autos, estou convencido de que os fatos aconteceram na forma descrita na inicial – pois fora disso não haveria explicação racional para a atitude do autor, de cessar o tratamento de doença sabidamente grave, que poderia levá-lo à morte, como quase o levou.

Reconhecida, portanto, a responsabilidade da ré, deve ela indenizar os danos sofridos pelo autor.

Em razão da interrupção do tratamento médico por quatro meses, o autor teve sua defesa imunológica reduzida, contraiu broncopneumonia e ficou hospitalizado durante 77 dias, sendo que cerca de quarenta dias em coma induzido, padecendo de inúmeras ocorrências, descritas no documento de fl. 63 (choque séptico, insuficiência renal com necessidade de suporte dialítico, sepses nosocomiais de repetição, múltiplos distúrbios hidroeletrolíticos, diarréia incoercível). Precisou respirar através de traquestonomia. Nesse período, perdeu 50 % de seu peso.

Ainda que a AIDS seja doença ainda incurável, atualmente ela é perfeitamente tratável, sendo que as pessoas infectadas conseguem manter uma vida normal e produtiva, desde que usem a medicação atualmente disponível e, com isso, mantendo a doença sob controle.

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Portanto, tudo isso que ele passou não constituía um efeito natural e inevitável associado à sua patologia. Tudo isso resultou da interrupção do tratamento, o que fez com que sua defesa imunológica fosse reduzida a níveis extremos.

Os danos sofridos pelo autor, portanto, foram graves.A ré, por sua vez, é uma potência econômica, sendo que difi cilmente poderá se

orgulhar da forma como conseguiu transformar uma Igreja num bem sucedido império econômico, explorando a fragilidade humana dos mais vulneráveis. Pelos danos causados ao autor, deve ela responder de forma inclusive pedagógica. Assim, tenho que o valor da indenização deve ser majorado para R$300.000,00 (trezentos mil reais), atualizado monetariamente pelo IGP-M, a partir da data deste julgamento e acrescido de juros moratórios desde a data do evento (janeiro de 2010), a teor do art. 398 do CC.

Quanto ao percentual dos honorários advocatícios, que o autor pede sejam majorados para 20%, mantenho-o no percentual de 15% sobre o valor da condenação, tendo em vista sua substancial majoração.

VOTO, pois, por REJEITAR AS PRELIMINARES, NEGAR PROVIMENTO AOS AGRAVOS RETIDOS E À APELAÇÃO DA RÉ, bem como por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR, a fim de majorar o valor da condenação para R$300.000,00 (trezentos mil reais), atualizado monetariamente a partir da data deste julgamento, pelo IGP-M, e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, desde a data do evento (janeiro de 2010), a teor do art. 398 do CC.

Suportará a requerida os ônus sucumbenciais, mantida a verba honorária fixada em primeiro grau.

Des. Miguel Ângelo da Silva (Revisor) – De acordo com o(a) Relator(a).Des. Carlos Eduardo Richinitti – Colegas, pouca coisa há para acrescentar no

brilhante voto do ilustre relator, o qual, por assim dizer, esgota a análise da questão fática sob o enfoque jurídico e, importante registrar, também a partir do bom senso que caracteriza sua atuação jurisdicional.

Permito-me, contudo, tecer breves considerações.Entendo que a questão tratada nestes autos diz respeito a uma das situações

mais graves vivenciadas em nosso país.Grupos, invocando e amparados na liberdade constitucional e na livre crença e

de culto, tornaram a religião um grande e lucrativo negócio. Em nome de Deus, ameaçando com a ira satânica, retiram justamente dos mais pobres (material ou intelectualmente, ou, como no caso dos autos, fragilizados pelo medo do fim) tudo do pouco que o destino lhes concedeu.

Não se trata de discutir a pertinência ou não da religião, ou questionar, a partir de uma visão própria do julgador, a crença de cada um. Esse é um direito subjetivo inquestionável, resguardado pela Constituição. Cada um tem o direito de crer naquilo que bem entende. O que não me parece absolutamente aceitável é que essa liberdade dê espaço para que alguns, valendo-se do mote religião, enriqueçam a custa dos mais necessitados.

Sem meias palavras – a religião virou, no Brasil, um grande negócio – planejado e que se espraia por vários segmentos da nação. Hoje, meios de comunicação são explorados por instituições religiosas. O cenário político foi tomado por pessoas vinculadas a igrejas, que se organizam e, a meu ver, inclusive afrontam a opção constitucional de um estado laico.

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Nesse sentido, permito-me transcrever artigo de minha lavra, publicado no jornal Zero Hora, na edição do dia 19/04/2013, que trata sobre o assunto a partir da atuação de um pastor, hoje deputado federal, à época Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, que como poucos simbolizam tudo que aqui se sustenta:

Artigo| As lições de Feliciano19 de abril de 2013CARLOS EDUARDO RICHINITTI“O pastor e hoje deputado federal Marco Feliciano deveria, na verdade, por sua postura e opiniões, ser alvo de investigação da Comissão de Direitos Humanos. No entanto, ele a preside, ato de absoluta coerência em um congresso que há muito deu as costas ao povo que deveria representar, tanto que suas casas têm no comando um que é investigado por corrupção, outro que, tempos atrás, renunciou a presidência, por igual acusação, para evitar uma cassação, retornando, anos depois, para ser ungido com o mesmo cargo.De tudo isso que indigna possível é extrair algo de positivo. Inegavelmente Marco Feliciano, com a escuridão que ilumina suas opiniões, antecipou algumas etapas do necessário amadurecimento da sociedade em relação às justas causas das minorias. Ninguém, como ele, conseguiu mostrar, de forma tão impactante, quanto de atraso há em posições impregnadas de preconceito que impõem tristeza a tantas vidas, por vezes pelo direito inquestionável de uma opção sexual, outras apenas pela cor da pele ou origem que o destino estabeleceu.Marco Feliciano é, contudo, apenas a ponta de um problema nacional muito maior, do qual, por vários motivos, pouco se fala. Ressalva-se a injustiça que sempre advém da generalização, mas inquestionável que alguns, valendo--se do direito constitucional ao livre culto, invocando deus, ameaçando com satanás, aproveitando-se da ignorância e da miséria de milhões, estão enriquecendo a olhos vistos, ou melhor, em canal aberto.Pior. Pelo que se vê há um projeto de poder ocupando espaços importantes de modo a influenciar decisivamente na vida da nação. Já existe, inclusive, expressiva bancada própria no congresso, circunstância que atenta até mesmo à opção brasileira por um estado laico.Recomenda-se cuidado e atenção, pois fundamentalismo religioso, agregado ao uso da fé como fonte de lucro, em um meio onde ética, ultimamente, é quase pecado, pode gerar uma combinação verdadeiramente apocalíptica, senão dos tempos, do justo sonho por um Brasil melhor.”

Crer em algo e ter uma vida espiritual é faculdade de cada um e não tem o Estado o direito se imiscuir ou de questionar aqueles que livremente se organizam para perfilhar um caminho religioso feito por opção.

No entanto, quando essa liberdade é utilizada para enriquecer – explorando e valendo-se da desesperança daqueles para quem a existência terrena reservou quase só tristeza e miséria, retirando-lhes, com a promessa de uma vida futura melhor, no céu ou na terra, o pouco ou quase nada que têm – outra não pode ser a conclusão de que é justificável, sim, o agir do Estado para coibir o ilícito. E essa atuação, a meu ver, deveria ser feita (ante a dimensão do problema) pelo legislador, resguardando o direito constitucional ao livre culto, mas sem deixar de regulamentar as áreas e as formas de atuação das religiões.

Muitas vezes, questões de natureza controvertida tornam o debate no âmbito teórico um tanto quanto difícil. Todavia, situações como a tratada neste processo,

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bem como uma simples análise do caminho que está tomando o Brasil, permitem concluir, com clareza solar, que passa da hora de se impor uma limitação. Religião não se coaduna com negócios em busca do lucro e muito menos, até pela opção laica do Estado brasileiro, com política.

Aliás, nesse sentido, bem como sobre as restrições e limites à liberdade religiosa, vale transcrever a opinião do ilustre magistrado desta Corte, Des. Jayme Weingartner Neto, contida em sua magistral obra – Liberdade Religiosa na Constituição – fundamentalismo, pluralismos, crenças, cultos; editado pela Livraria do Advogado, 1ª edição, p. 193:

“[...] Seja como for, importa repisar que a garantia da liberdade religiosa capta--se a partir de conceito amplo, não definitório, de religião (supra), mas o suporte fático alargado não implica incluir, adverte Jónatas Machado, no respectivo âmbito de proteção, comportamentos (individuais ou coletivos) que, ainda que “religiosamente motivados, revestem uma natureza específica”, v.g., atividades comerciais, político-partidiárias, científicas, artísticas etc – casos em que a tutela constitucional efetiva-se “através de outros direitos fundamentais”

Diante desse preocupante contexto, nutro esperança que o Judiciário, seja através da atuação em processos individuais ou, quem sabe futuramente, em uma abordagem se não regulamentadora, ao menos limitadora, por parte da Suprema Corte, estabeleça essa necessária restrição. Como referi anteriormente, o caso dos autos é emblemático e por si só mostra a necessidade de uma intervenção que evite a exploração dos mais vulneráveis.

O autor, pelo natural desespero de ser vítima de uma doença grave como a AIDS, fragilizado emocionalmente, abandona a medicina tradicional, por orientação e promessa de cura divina, não, sem antes, como prova de fé, fazer entrega de bens materiais.

A coação moral é inegável e ela quase resultou na morte do autor. Quantos, em situação análoga, já não morreram? Quantos ainda vão morrer, ou perder tudo, do pouco que têm, ante a promessa divina de uma vida melhor aqui, ou no céu prometido?

Registro que tenho o maior respeito e admiro quem crê, mais ainda quem age pelos bons preceitos que constam nas mais diversas escrituras. Ressalvo, inclusive, que não se pode fazer uma generalização, pois várias religiões, quiçá a maioria, sem qualquer interesse financeiro, promovem o bem a quem acredita, dando conforto espiritual ou ajudando a milhares de pessoas necessitadas.

Entendo, contudo, ser inadmissível a mistura de religião com ganho financeiro ou, como se vê ultimamente, com abrangência organizada em ocupação de espaços políticos.

Não foi para materializar essas distorções que a Constituição assegurou a liberdade religiosa.

Isso não tem nada a ver com religião, consistindo, em verdade, em um grande e lucrativo negócio que se nutre da pobreza, da ignorância e desespero de milhares de incautos.

Esse desvirtuamento é uma realidade concreta no Brasil, possível de se ver ao vivo e a cores, em templos cada vez maiores, onde hordas de pessoas humildes, quase sempre marcadas por tristes vidas, acorrem semanalmente dando o pouco que têm aos que transformaram religião em um milionário negócio, sempre sob a promessa (coação moral) de que o sacrifício garante proteção e graça divina, afastando a maldade, a desgraça e a ira satânica.

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Como um grande negócio que é, não tenho dúvidas de que somente pesadas indenizações farão com que o rico mercado da religião repense sua conduta, na medida em que isso afeta diretamente o deus maior chamado lucro.

Por tudo isso, com essas breves considerações, acompanho integralmente o ilustre relator em seu brilhante voto.

Julgador(a) de 1º Grau: ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

– o –

Apelação Cível n. 70065328304 (n. CNJ: 0218208-19.2015.8.21.7000) – 12ª Câmara Cível – Rio Grande

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE. TRANSPORTE DE PESSOAS. AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE CADEIRANTE. TRATAMENTO VEXATÓRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICÍPIO. DANO MORAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL.

1- Preliminar de nulidade: a referência, na sentença recorrida, a informação constante de site na internet consultado “ex offi cio” pelo Magistrado não a torna nula, por violação ao princípio do contraditório, em se tratando de informação notória e que, a rigor, dependeria de prova, nos autos (art. 334, I, CPC). Preliminar de nulidade rejeitada.

2- Concessão de serviço público: na hipótese de serviços públicos prestados por concessionária, a qualidade do ente público de poder poder concedente implica que a sua responsabilidade defi ne-se como subsidiária, e não solidária, pelos danos porventura causados, na prestação dos serviços. Hipótese dos autos em que descabe a condenação solidária do Município de Rio Grande e da transportadora co-ré, reformando--se a sentença de modo a estabelecer que a responsabilidade do ente público municipal somente se colocará no cenário de insolvência da concessionária co-demandada.

3- Dano moral: desbordam da esfera do mero dissabor e do simples inadimplemento contratual as circunstâncias de submissão de pessoa cadeirante a espera de 3h (três horas) com vistas ao seu embarque em veículo coletivo adaptado, e, nesse interregno, a sua sujeição a tratamento vexatório, a constrangimento público, com a ocorrência de chacotas, piadas de mau gosto e até mesmo violação a sua integridade física, com empurrões e sacudidas na sua cabeça, por prepostos da concessionária ré. “Quantum” indenizatório majorado para R$20.000,00 (vinte mil reais), com acréscimo de juros de mora, de 1% ao mês, desde a citação, porque se trata de hipótese de responsabilidade civil contratual, e correção monetária, pelo IGP-M, desde esta sessão de julgamento, conforme a Súmula n.º 362/STJ.

Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Apelo do autor provido. Apelo do Município de Rio Grande parcialmente provido. Apelo da Viação Noivas do Mar Ltda. desprovido.

Renato da Costa Gonçalves, Município do Rio Grande e Viação Noiva do Mar Ltda., apelantes--apelados.

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ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e, quanto ao mérito, em dar provimento ao apelo do autor, dar parcial provimento do apelo do Município de Rio Grande e negar provimento ao apelo da co-ré Viação Noiva do Mar Ltda..

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) E DES. PEDRO LUIZ POZZA.Porto Alegre, 27 de agosto de 2015.Umberto Guaspari Sudbrack, Relator.

RELATÓRIODes. Umberto Guaspari Sudbrack (Relator) – De início, a fim de evitar

desnecessária tautologia, transcrevo o relatório da sentença recorrida:

RENATO COSTA GONÇALVES ajuizou ação indenizatória em fa ce da EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO NOIVA DO MAR e do MU NI CÍPIO DO RIO GRANDE, todos qua li fi ca dos nos autos, nar ran do que é de fi ciente físico acometido de paraplegia, necessitando do transporte co le tivo para se dirigir até seu local de trabalho e demais atividades. Ocor re que, em 15 de dezembro de 2010, o requerente fi cou indignado com a longa espera por um ônibus do transporte coletivo especial para ca de i rantes e resolveu protestar próximo ao abrigo central na lateral da Pra ça Tamandaré, agarrando-se a um ônibus da Empresa Noiva do Mar. Men cionou que, embora o veículo contasse com um adesivo de iden ti fi ca ção simbolizando que o mesmo era especial para cadeirantes, na rea li da de tratava-se de um ônibus não adaptado, o que acabou impedindo que o requerente tivesse acesso ao seu interior. Disse que na oportunidade te ve de esperar quase três horas até chegada de um ônibus adaptado pa ra sua condição, pois chegou à parada às 13h, sendo que o último ônibus a dap tado saíra às 12h39min e o próximo somente sairia às 15h21min. Re latou que a empresa responsável pelo transporte público in-for mou que as linhas Parque São Pedro, Parque Marinha e Jardim do Sol somente con tam com ônibus especiais para cadeirantes às 12h39min e 15h21min e que, se o requerente precisasse de um novo ho rá rio, de ve ria entrar em contato com a Secretaria Municipal da Seguran ça, dos Transportes e do Trânsito (SMSTT) – o que foi feito pelo autor, con tudo, sem êxito. Disse que sofreu piadas e deboches de todo o gê ne ro por parte dos fi scais da Empresa Noiva do Mar. Mencionou ainda que perdeu inúmeras entre vis tas de emprego, consultas mé dicas e muitas seções de fi sioterapia, ten do em vista que nos ho rá ri os que o requerente mais precisava, não ha via ônibus para conduzi-lo ao seu destino. Alegou que, em relação ao seu trajeto para o trabalho, o re que rente sofre o mesmo drama. Há dias em que não passa ônibus adap ta do no horário em que o requerente necessita ainda que a empresa se ja sabedora de que o mesmo precisa que lhe encaminhem um ônibus ada p tado sempre no mesmo horário, o que ocorreu em 17 de maio de 20 13, tendo o requerente que faltar ao trabalho na oportunidade. Em ou tra oportunidade, alega que teve de ser carregado no colo pelo motorista pa ra o interior do ônibus, pois este não era adaptado. Ainda, em certa ocasião, quando deslocava-se do seu local de trabalho, o pneu do ônibus fu rou, tendo a empresa encaminhado um ô ni-bus comum para trans por tar os passageiros, mesma sabendo da pre sen ça do autor no interior do coletivo, tendo o requerente que esperar o pró ximo ônibus em

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meio a al gu ns caminhões. Mencionou que tais situa ções lhe causaram dano mo-ral. Teceu comentários acerca da respon sa bi lidade da Administração Pú bli ca e das concessionárias de serviços pú bli cos em promover a aces si bi li dade das pessoas portadoras de defi ciên cia. Requereu a condenação dos requeridas ao pagamento de cem sa lá rios mínimos a título de inde ni za ção por dano moral e o benefício da as sis-tência judiciária gratuita, que foi concedido (fl . 32). Juntou docu men tos (fl s. 14/31).Citada (fl . 37), a primeira ré contestou (fl s. 38/47), ar guin do, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, vez que o res pon sável pelo transporte coletivo no trecho descrito na inicial é o Con sór cio de Transporte Coletivo do Rio Grande, não a Viação Noiva do Mar Ltda. Em prejudicial de mérito, alegou a prescrição, sob o argu men to de que o fato alegado pelo autor ocorreu há mais de três anos. Disse que a con-ces sionária conta com mais de 70 ônibus adaptados ao transpor te de passageiros com necessidades especiais, sendo que todos os veí culos ad quiridos após o ano de 2008 são adaptados para transporte de cadei rantes. Mencionou que tais veículos somente são retirados do ser viço quan do dependem de manutenção periódica, seja programada, sej a e mergencial, mas são substituídos por outro, nem sempre com equi pa mentos de acessibilidade, já que não há ônibus adaptado que não es te ja vinculado à determinada tabela e linha. Disse que a legislação que tra ta das normas gerais e critérios básicos para a promoção de aces si bi li dade das pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade re du zi da con ce deu prazo até 02 de dezembro de 2014 para a adaptação com ple ta da frota de veículos coletivos, prazo que ainda não expirou. Disse que os a trasos nas linhas são decorrência do trânsito caótico da cidade do Rio Grande nos horários de pico. Alegou que a responsabilidade pela rea-li za ção de obras para a melhoria do transporte é do Poder Público, as sim como que é este o responsável pela fi xação de novos horários e ro tas do transporte público, o que caracteriza o fato do príncipe. Alegou a ine xis tência de dano moral e teceu comentários acerca da respon sa bi li da de ci vil. Disse, por fi m, que os juros de mora devem incidir a partir da ci tação e a correção monetária do arbitramento de eventual indenização. Re que reu a impro ce dên cia. Acostou documentos (fl s. 49/80).Citado (fl . 36), o Município apresentou contestação (fl s. 82/86), arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sob o ar gu men to de que é mero concedente do serviço público, isento de respon sa bi lidade sobre o mesmo. Disse que a Empresa Noiva do Mar na época dos fatos operava em seu próprio nome, pois o Consórcio vencedor da li ci tação aberta através do edital 04/2010 somente fi rmou o contrato de con-cessão em 12.09.2011. Alegou que a responsabilidade pelo ocorrido é da Viação Noiva do Mar Ltda., que não cumpriu com os horários esta be lecidos. Sustentou a inexistência de dano moral. Teceu comentários a cer ca da responsabilidade civil. Requereu a improcedên cia. Em réplica (fl s. 88/94), o autor re pi sou os argumentos da inicial.Oportunizada às partes a manifestação quanto ao in te res se na produção de outras provas (fls. 95), o autor postulou pro du ção de prova oral (fls. 96/97), assim como juntou documentos (fls. 109/113), os quais foram impugnados pelos réus. A primeira requerida jun tou do cu mentos (fls. 98/99). O Município nada requereu. Em audiên cia de ins trução e julgamento o autor foi interrogado, bem como foram co lhi dos os de poimentos de cinco testemunhas (fls. 114/116). A parte au tora ofe-re ceu memoriais (fls. 117/133). Remetidos os autos ao Mi nis té ri o Pú bli co, es te declinou da intervenção no feito (fl. 136).

Sobreveio julgamento nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido para con de nar os réus ao pagamento, de forma solidária, da quan tia de R$ 5.000,00 ao autor a título de in-de ni za ção por da no moral, va lor a ser cor ri gi do pe lo IGP-Foro a par tir des ta da ta e acrescido de ju ros de mora de 1% ao mês, con tados de 15.12.2010.

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Condeno cada requerido ao pagamento da metade das cus tas e despesas processuais, assim como de R$ 1.000,00 cada a título de ho no rários advocatícios à advogada do autor, em observância aos vetores dos §§ 3º e 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil. O se gun do requerido é isen to do pagamento de cus tas e des pesas pro cessuais, na forma da Lei 13.741/10, contudo deverá arcar com hono rá ri os ad vo ca tícios fixados. Sentença não sujeita a reexame necessário, nos moldes do artigo 475, §2º do Código de Processo Civil.

Inconformados, recorreram o autor, a concessionária co-ré e o Município de Rio Grande.

O autor pugnou pela majoração do “quantum” indenizatório por danos morais. Requereu o provimento o apelo (fls. 143/149).

O Município de Rio Grande, por seu turno, sustentou a sua ilegitimidade “ad causam”, tendo em vista a sua condição de poder concedente do serviço público de transporte, em relação à transportadora co-ré. Nesses termos, requereu a extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Quanto ao mérito, sustentou a não-configuração de dano moral, no caso concreto, e requereu, a título sucessivo, a minoração do valor arbitrado pelo Juízo de origem. Ainda caso mantida a sentença, pugnou pela minoração dos honorários advocatícios sucumbenciais. Requereu o provimento do apelo (fls. 150/160).

Por fim, a co-ré Viação Noiva do Mar Ltda. argüiu preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, na medida em que a sentença fundou-se em documento não submetido ao contraditório, a saber, as tabelas de horários dos coletivos da ré, constantes do site da transportadora ré na internet. À maneira do Município co-réu, asseverou a inocorrência de dano moral, e, caso mantido o seu reconhecimento, postulou o cômputo dos juros de mora desde a data da sentença, e não desde a citação. Requereu o provimento do apelo (fls. 164/170).

Os recursos de apelação foram recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo (fl. 174), e, em seguida, somente o autor apresentou contra-razões (fls. 176/184).

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOSDes. Umberto Guaspari Sudbrack (Relator) – Tendo em vista os recursos

de apelação interpostos pelo autor e pelas co-rés, são os seguintes os tópicos submetidos à apreciação desta Corte: (i.) nulidade da sentença, por violação ao princípio do contraditório; (ii.) ilegitimidade passiva “ad causam” do Município de Rio Grande; (iii.) configuração, ou não, de dano moral, em prejuízo do autor; (iv.) valor devido, a título de indenização por danos morais, caso mantido o seu reconhecimento, pelo Juízo de origem; e (v.) termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o eventual “quantum” indenizatório respectivo.

1. Preliminar de nulidade.A transportadora co-ré sustentou a nulidade da sentença recorrida, na medida em

que o Juízo de origem teria fundamentado a sua decisão com base em documento não submetido ao princípio do contraditório, a saber, a tabela de horários dos veículos da linha de ônibus da linha utilizada pelo autor, a qual foi consultada, pelo

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Magistrado, “ex offi cio”, por ocasião da prolação da sentença. A leitura da decisão recorrida evidencia que a tabela em questão foi utilizada, pelo Juiz, para referir que o autor havia aguardado por 03h (três horas) a chegada de coletivo apto a conduzi-lo, ao passo que – conforme a tabela mencionada – o tempo médio de espera, para os passageiros não-cadeirantes, havia sido, em média, de 15min (quinze minutos).

O pedido de decretação de nulidade da sentença, nesses termos, não encontra mínima possibilidade de acolhimento, sob pena de incorrer-se em descabido formalismo. Isso porque não se qualifi ca como determinante para o juízo de convicção do Magistrado “a quo” a consulta ao tempo médio de espera entre a passagem de cada um dos coletivos não adaptados para cadeirantes, na linha operada pela ré, por meio da tabela disponível online. O Juízo de origem reconheceu a ocorrência de dano moral tendo em vista a discrepância entre o tempo aguardado pelo autor – como dito, 3h – e aquele tempo de espera a que usualmente submetidos os demais passageiros, termos em que a prova apontada como violadora da garantia do contraditório afi gura-se dispensável ao veredicto. Com base nas regras de experiência em juízo, trata-se fato auto-evidente que os usuários dos veículos coletivos não esperam, regularmente, período muito superior a 15min, 20min, para embarcar com destino aos seus locais de deslocamento: o intervalo de tempo em questão é de caráter notório, neste Estado, razão pela qual independe de prova (art. 334, I, CPC). E, porque se trata, a rigor, de questão que prescindiria de demonstração, nos autos, conclui-se que a menção, na sentença, a elemento de prova que o corrobore não eiva de nulidade a decisão, ainda que a aludida prova não tenha sido submetida, formalmente, a procedimento de contraditório.

Nesses termos, rejeito a preliminar de decretação de nulidade da sentença recorrida.

2. Preliminar de ilegitimidade “ad causam” do Município de Rio Grande.O Município de Rio Grande insurge-se contra a sua condenação, de forma

solidária, à transportadora Viação Noiva do Mar Ltda., sustentando qualificar-se como parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, por tratar-se de serviço concedido. Nesses termos, requer a extinção do feito, em seu favor, na forma do art. 267, VI, do CPC.

A transportadora co-ré atua como concessionária do serviço público de transporte coletivo de passageiros, na forma do art. 30, V, da Constituição da República, ao passo que, pela mesma razão, o Município co-réu defi ne-se como poder concedente do mesmo serviço. Assim, assiste razão ao ente público municipal, ao sustentar que não se trata, no caso, de hipótese de responsabilidade solidária. Porém, descabe a sua exclusão do pólo passivo, como requer, porque se cuida de responsabilidade subsidiária do Município, em relação àquela da transportadora. Trago à baila, nesse ponto, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia ‘atividade estatal’, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é,

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naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente.O fundamento dela está em que o dano foi efetuado por quem agia no lugar do Estado e só pôde ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e poderes incumbentes ao concedente.1

Nesse sentido, já se pronunciaram a Segunda e a Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE COLETIVO. APEDREJAMENTO DE ÔNIBUS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. PODER CONCEDENTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Conforme orientação deste Superior Tribunal de Justiça, há responsabilidade subsidiária do Poder Concedente, em situações em que o concessionário/permissionário não possuir meios de arcar com a indenização pelos prejuízos a que deu causa.2. Na espécie, o Tribunal de origem entendeu que a conduta omissiva da prestadora de serviço - deixar de prestar socorro às vítimas após o apedrejamento do ônibus - caracterizou sua responsabilidade em indenizar, a título de danos morais, a recorrida, cabendo à empresa concedente responder subsidiariamente pelos danos causados, caso ocorra a insolvência da primeira. Aplica-se a Súmula 83/STJ.3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AREsp 267.292/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 18/10/2013) (grifos apostos)

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO.1. As regras de Direito Administrativo e Constitucional dispõem que as empresas criadas pelo Governo respondem por danos segundo as regras da responsabilidade objetiva, e , na hipótese de exaurimento dos recursos da prestadora de serviços, o Estado responde subsidiariamente (art. 37, § 6º, da Constituição Federal).2. É defeso atribuir o cumprimento de obrigação por ato ilícito contraída por empresa prestadora de serviços públicos a outra que não concorreu para o evento danoso, apenas porque também é prestadora dos mesmos serviços públicos executados pela verdadeira devedora. Tal atribuição não encontra amparo no instituto da responsabilidade administrativa, assentado na responsabilidade objetiva da causadora do dano e na subsidiária do Estado, diante da impotência econômica ou financeira daquela.3. Recurso especial provido.(REsp 738.026/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 22/08/2007, p. 452) (grifos apostos)

1 – BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 76, de 28.11.2013. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 775.

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Também esta Câmara registra precedentes nesse sentido, de que é exemplo aquele cuja ementa transcrevo:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. MAL SÚBITO DO MOTORISTA. CASO FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICÍPIO. PENSÃO MENSAL. DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO. 1. A responsabilidade do Município de Esteio, concedente do serviço de transporte público, é subsidiária à da empresa concessionária, o que restou reconhecido na sentença hostilizada, que, no ponto, não merece reforma.[...]APELAÇÕES DOS REQUERIDOS ROJETUR E MUNICÍPIO DE ESTEIO E DO AUTOR APARÍCIO PARCIALMENTE PROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70054326764, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 21/11/2013)

Assim, reforma-se a sentença recorrida, no ponto, tão-somente ao efeito de consignar que o Município de Rio Grande apenas estará obrigado à reparação de eventuais danos sofridos pelo autor caso se verifique a insolvência da co-ré Viação Noiva do Mar Ltda., sobre a qual recairá, primordialmente, o ônus de arcar com a reparação porventura devida, conforme a seguir analisado.

3. Mérito.De ser mantido o reconhecimento do dano moral, em prejuízo do autor, à

maneira do que consignou o Magistrado “a quo”, na medida em que desbordam da esfera do mero dissabor as circunstâncias do caso concreto, as quais tampouco se qualificam como simples inadimplemento contratual.

A prova testemunhal produzida nos autos amparou a versão autoral: as testemunhas Graciele de Oliveira Moreira e Cristiane Moreira Passos (depoimentos constantes do CD à fl. 114) comprovaram que, após o autor aguardar por aproximadamente 3h pela chegada de um coletivo apto a transportar pessoas cadeirantes, foi submetido a tratamento vexatório, a constrangimento público, sendo alvo de piadas e deboches, por prepostos da transportadora ré, um dos quais inclusive empurrou-o, a fim de forçar a sua saída da porta de ingresso do coletivo em que estava parado, como forma de protesto pelo atraso referido.

Não bastassem os fatos altamente reprováveis apontados, os quais são sufi cientes, por si só, à confi guração de dano moral na modalidade “in re ipsa”, o abalo moral sofrido pelo autor aprofunda-se ante a constatação de que não se cuidou de episódio isolado: a testemunha Christian dos Santos elucidou que o autor enfrentava difi culdades de deslocamento e acessibilidade urbana, por falha da ré, em periodicidade cotidiana, pois, devido aos reiterados atrasos nos coletivos adaptados, o autor chegou a ser demitido da empresa em que trabalha, a cujo expediente restava impossibilitado de comparecer com elevada freqüência (CD à fl . 114).

A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Defi ciência – que possui, no plano interno, hierarquia de norma constitucional derivada, isto é, que guarda relação de paridade com as emendas à Constituição2 – estabelece as diretrizes a

2 – A Convenção foi assinada, no âmbito da Organização das Nações Unidas, em 30 de março de 2007, tendo, em seguida, sido aprovada, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo

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serem observadas, pelos Estados Partes, de modo a “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com defi ciência e promover o respeito pela sua dignidade inerente” (art. 1º). E, ao fazê-lo, arrola a acessibilidade como seu princípio fundamental (art. 3º, item “f”), especifi cando como medida a ser adotada, pelos signatários, a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade em meios de transporte (art. 9º, 1., item “a”). Trata-se de comando dirigido aos Estados que sejam partes no pacto multilateral em questão, em benefício dos seus nacionais ou dos indivíduos sob as suas jurisdi-ções – ante a condição dos tratados multilaterais sobre Direitos Humanos de “garantias coletivas de implementação dos direitos e garantias fundamentais”3 – e que, ademais, afi gura-se plenamente aplicável à transportadora ré, porque concessionária de serviço público, na forma do art. 30, V, e do art. 37, §6º, ambos da Constituição da República.

Não restam dúvidas, assim, da existência do dever jurídico de disponibilização, ao autor, pessoa com defi ciência locomotiva, de recurso por meio do qual pudesse, autonomamente, ingressar e retirar-se de veículos coletivos, em tempo razoável.E, como dito anteriormente, está igualmente demonstrada falha na satisfação do dever em tela, a qual acarretou a sujeição do autor a tratamento vexatório, lesando-lhe a imagem e anulando-lhe por completo a autonomia, com o que se confi gurou dano moral em seu prejuízo.

Por parte das pessoas jurídicas demandadas, contudo, não houve qualquer demonstração de quaisquer causas aptas a elidir a sua responsabilidade, a saber, (i.) culpa exclusiva da vítima e (ii.) inexistência da falha na prestação do serviço, a teor do art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, que se aplica ao caso ante a qualificação do autor e da transportadora ré, nessa ordem, como consumidor e como fornecedora. Assim, impõe-se a sua condenação pelos danos causados.

n.º 186, de 09 de julho de 2008, e, após, promulgada pelo Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009. Considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o procedimento de incorporação do tratado internacional somente se encerra com o decreto presidencial que o promulga o ato internacional e torna público o seu inteiro teor (a despeito da inexistência de norma constitucional escrita em tal sentido), é desse ato do Presidente da República que deriva a efi cácia da Convenção, no plano do direito positivo interno brasileiro (Nesse sentido: Agravo Regimental na Carta Rogatórian.º 8.279, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 17.06.1998, DJ 10.08.2000). Por seu turno, a estatura hierárquica da Convenção de paridade com as emendas à Constituição deve-se ao fato de que, no ínterim da aprovação congressual, o tratado em questão e o seu Protocolo Facultativo foram submetidos a votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em dois turnos, com exigência de aprovação por três quintos dos votos dos respectivos membros, na forma do art. 5º, §3º, da Constituição – norma constitucional derivada (incluído pela EC 45/2004) que reproduz, quanto aos tratados sobre Direitos Humanos, o mesmo processo legislativo aplicável às emendas à Constituição, por força do seu art. 60, §2º.3 – CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In: CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto (Org.). A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. San José de Costa Rica / Brasília: Co-edição Instituto Interamericano de Direitos Humanos, Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Comissão da União Européia, 1996, p. 205-236.

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No que diz respeito ao valor da indenização por dano moral, fi lio-me ao entendimento segundo o qual o Magistrado, ao fi xar a indenização, deve-se orientar--se tão-somente pelo princípio da reparação integral do dano, insculpido no art. 944 do CC, razão pela qual não deve considerar quaisquer outros fatores, tais como, por exemplo, a condição social e/ou fi nanceira de ambas as partes envolvidas:

O art. 944 do CC, ao vincular o valor da indenização à medida da extensão do dano, reafirma a tradição do direito brasileiro, vedando a interferência de considerações acerca das características do agente ou de sua conduta na determinação do “quantum” indenizatório.4

À luz de tais diretrizes, não reputo suficiente a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de reparação pelo abalo moral sofrido, inclusive porque não se acha em consonância, guardadas as respectivas peculiaridades, com precedentes desta Corte relativos a abalo moral decorrente de tratamento vexatório5.

Portanto, imperativo majorar-se o “quantum” em tela, o que faço redimensionando o montante indenizatório para R$20.000,00 (vinte mil reais), valor que, a meu sentir, repara de modo adequado o abalo decorrente da frustração do autor quanto ao longo tempo de espera para poder locomover-se, por um lado, e, por outro, dos sentimentos de impotência e de humilhação advindos da agressão sofrida, que incluiu, tanto chacotas e piadas, por prepostos da transportadora, quanto violação à integridade física, pois foi empurrado e teve a sua cabeça chacoalhada, enquanto se lhe dirigiam os comentários jocosos e de mau gosto. A propósito, de modo a justifi car devidamente a majoração do “quantum”, chamo atenção para o fato de que a cena foi grotesca o bastante a causar revolta nos populares ali presentes, como o evidencia o teor da prova testemunhal anteriormente referida.

O valor em questão deverá ser acrescido de juros de mora, de 1% ao mês, desde a citação, porque se trata de hipótese de responsabilidade civil contratual (art. 406, CC, e art. 219, “caput”, CPC), e de correção monetária, pelo IGP-M, desde a presente sessão de julgamento, conforme preceitua a Súmula n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça.

4. Dispositivo.Ante o exposto, voto no sentido de: (i.) rejeitar a preliminar de nulidade da

sentença; (ii.) majorar a indenização por dano moral para R$20.000,00 (vinte mil

4 – TEPEDINO, Gustavo et alli. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 859-860.5 – Nesse sentido, por exemplo, a Apelação Cível n. 70055868020, em que esta Corte fi xou o “quantum” indenizatório em R$8.000,00 (oito mil reais), para a hipótese de negativa de ingresso de passageira no interior de coletivo e de subseqüentes xingamentos a ela proferidos, pelo motorista do veículo. (Apelação Cível n.º 70055868020, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 12/09/2013). O “quantum” tampouco está em consonância com recente julgado desta Corte sobre questão de acessibilidade de pessoa cadeirante no setor de aviação civil, em que se lhe concedeu indenização de R$15.000,00 (quinze mil reais) (Apelação Cível n.º 70064489768, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 13/08/2015).

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reais), com acréscimo de juros de mora, de 1% ao mês, desde a citação, e correção monetária, pelo IGP-M, desde a presente sessão de julgamento; e (iii.) consignar que o pagamento do “quantum” indenizatório em questão competirá à co-ré Viação Noiva do Mar Ltda., precipuamente, devendo o Município de Rio Grande arcar com a reparação em tela somente na hipótese de insolvência da concessionária demandada, ante a responsabilidade subsidiária do ente municipal, nos termos supra.

Quanto aos artigos invocados pelas partes, dou-os por prequestionados, com a fi nalidade de evitar a oposição de embargos declaratórios tão-somente para este fi m.

Des. Pedro Luiz Pozza (Revisor) – Revisei os autos e estou de pleno acordo com o brilhante voto do eminente Relator, inclusive e em especial em relação ao quantum indenizatório proposto pelo Des. Umberto.

Des. Guinther Spode (Presidente) – De acordo com o(a) Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDO ALBERTO CORREA HENNING

– o –

Apelação Cível n. 70064891567 (n. CNJ: 0174534-88.2015.8.21.7000) – 22ª Câmara Cível – Porto Alegre

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA. NULIDADE INOCORRENTE.

Não há nulidade na sentença porque devidamente fundamentada, considerando o Magistrado a prova que entendeu pertinente para a solução da lide, estando apenas em desacordo com a pretensão formulada pela parte autora-apelante na ação.

Existência de prova coletada na fase pré-processual, consistente em sindicâncias para efeito de apuração de irregularidades e improbidade (em apenso), não judicializada, estando a sentença baseada na prova oral coletada na instrução do processo.

Inteligência dos artigos 93, IX, da CF e 458 do CPC.Precedentes do TJRS.DESACOLHIMENTO DE NOVA VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA

PARECER DE MÉRITO.Diante da rejeição da preliminar de nulidade da sentença, não há necessidade

de nova vista ao Ministério Público porque oportunizada manifestação, que deveria ter abordado, além da prefacial, o mérito da demanda.

Inteligência dos artigos 83, I, II e 84, todos do CPC.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZADA. PROJETO E

CONSTRUÇÃO DE CASAS EM ASSENTAMENTOS NOS MUNICÍPIOS DE HULHA NEGRA E CANDIOTA. DESNECESSIDADE DE LICITAÇÃO. EMATER PERTENCENTE DE FATO À ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. CONTRAÇÃO DE ARQUITETO COM NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRECEDIDO DE PARECER JURÍDICO, AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DO DEMANDADO NA ELABORAÇÃO DO PARECER, BEM COMO DOLO OU CULPA GRAVE. HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ATOS DE IMPROBIDADE NÃO-CARACTERIZADOS.

Desnecessidade de licitações da EMATER, porque a mesma pertence, de fato, à administração indireta do Estado, considerando-se as altas dotações orçamentárias estaduais, bem como a confusão administrativa com integrantes da Administração Estadual, além das atividades desenvolvidas por ambas.

Contratação de arquiteto com notória especialização, em procedimento administrativo precedido de parecer jurídico, ausente comprovação de participação

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do demandado na elaboração do parecer, bem como dolo ou culpa grave, além de comprovada a hipótese prevista nos artigos 25, II e 13, III, da Lei de Licitações.

Projeto para construção de moradias nos assentamentos de Hulha Negra e Candiota deficiente, principalmente em razão da dificuldade de acesso ao local para a entrada de materiais e falta de preparo dos beneficiários para o sistema de mutirão, bem como a ausência de controle adequado em relação aos materiais, seja pela qualidade e da própria entrega, gerando dificuldades na execução

Contudo, não restam caracterizados atos de improbidade, havendo a necessidade de que o agente tenha agido com dolo, visando à prática do ato lesivo ao ente público, fato sequer devidamente descrito na inicial ou ao menos culpa grave, sob pena de o ato ser ilegal, mas não ímprobo, pois a lei visa punir o administrador desonesto e não o inapto, ficando evidenciado que muitos problemas de execução decorrem das chuvas intensas no período, além do previsível.

Ausência de prova de que os demandados tenham tenha agido com dolo, não se enquadrando a conduta imputada à previsão dos artigos 10, “caput” e inciso VIII e 11, “caput”, ambos da Lei nº 8.429/92.

Ônus probatório imposto ao autor da demanda, nos termos do art. 333, I, do CPC, que não foi atendido no caso, ensejando a improcedência da ação.

Precedentes do TJRS e STJ.Apelação com seguimento negado.

Estado do Rio Grande do Sul, apelante – José Hermeto Hoffmann, Fernanda Costa Corezola, Ary José Vanazzi, Sérgio Antônio Gorgen e Camail - Cooperativa Agrícola Mista de Ação Integrada – Ltda, apelados.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Segunda Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta.

Custas na forma da lei.Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras

DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA (PRESIDENTE) E DES.ª DENISE OLIVEIRA CEZAR.

Porto Alegre, 30 de julho de 2015.Carlos Eduardo Zietlow Duro, Relator.

RELATÓRIODes. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Relator) – O ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL ajuizou ação civil de improbidade administrativa contra ARY JOSÉ VANAZZI, COOPERATIVA AGRÍCOLA MISTA DE AÇÃO INTEGRADA LTDA-CAMAIL, FERNANDA COSTA COREZOLA, JOSÉ HERMETO HOFFMANN e SÉRGIO ANTÔNIO GÖRDEN, apontando atos de improbidade administrativa no tocante a execução da construção de 321 moradias em alguns assentamentos rurais existentes nos municípios de Hulha Negra e Candiota, iniciada em 2001. Referiu que o projeto foi elaborado pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento, Depar tamento da Reforma Agrária, Secretaria da Habitação do Estado, por inter médio do Programa Manejo dos Recursos Naturais

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e de Combate à Pobreza Rural (RS Rural) e da CAMAIL. Asseverou que os projetos foram elaborados por técnicos da Emater, a serem realizados em sistema de mutirão, ou seja, pelos próprios benefi ciários, fi cando o acompanhamento técnico a cargo da Emater/RS, passando, posteriormente, à COPTEC, mediante termo de cooperação. Aduziu que Cooperativa Agrícola Mista de Ação Integrada – CAMAIL foi contratada através de processo seletivo previsto no manual operativo do RS Rural, sem que tenha havida a devida publicização das assembléias que foram fei tas as escolhas, havendo identidade entre associa dos da cooperativa e benefi ciários, gerando em face disto difi culdade de análise isenta e objetiva dos materiais de construção entregues, assim como da fi scalização da qualidade e quantidade dos produtos. Assegurou que a execução do projeto começou no ano de 2001, sendo aplicados recursos fi nanceiros no aporte de R$ 1.476.600,00, com parte desse total liberado pelo INCRA, com violação ao art. 10, caput, e inciso VIII, e do art. 11, ambos da Lei n.º 8.429/92, argumentando que o projeto apresentou problemas, entre os quais, inexistência de vias de acesso adequadas aos lotes; grande número de moradias não concluídas ou sequer iniciadas; disponibilização dos recursos necessários para a construção de todas as moradias, sem, contudo, a conclusão do número previsto de casas; entrega de materiais de baixa qualidade pela empresa fornecedora; entrega de materiais de construção sem ordem lógica pela empresa fornecedora; desperdício de materiais de construção em razão da inexistência ou carência de qualifi cação dos benefi ciários encarregados da construção de moradias, realizado mediante sistema de mutirão; uso de madeira bruta a ser benefi ciada em central no próprio assentamento pelos benefi ciários, que não possuíam qualifi cação adequada; evasão de benefi ciários e venda de lotes. Discorreu acerca dos problemas elencados, destacando que o projeto foi concebido com a ciência das más condições das vias de acesso aos lotes, sem o condicionamento de sua implantação à prévia solução dessa problemática, que difi cultou sobremaneira a execução do projeto em si e acabou por levar ao dispêndio de enorme soma de recursos públicos, fazendo-se necessária alteração dos pontos principais do projeto original, procedendo-se à melhoria e à construção de estradas, com contratação de mão-de-obra especializada para a construção das casas, em substituição ao sistema de mutirão. Concluiu que em decorrência dos fatos narrados houve lesão ao erário, em face da atuação culposa dos administradores, que agiram de forma imprudente ao identifi carem os problemas existentes na concepção do projeto e mesmo assim entenderam por executá-lo, gerando problemas na sua implantação, apontando as responsabilidades de cada um dos demandados, postulando condenação conforme as sanções previstas no art. 12, incisos II e III, da Lei n.º 8.429/92. Requereu a procedência da ação.

Os demandados foram notifi cados, apresentando defesa prévia o réu José Hermeto Hoffman, fl s. 61-70, alegando, preliminarmente, inconstitucionalidade da Lei n.º 8.429/92, bem como nulidade da ação, além da prescrição. No mérito, aduziu que não participou das discussões sobre o projeto, entendendo absurda a acusação que pende sobre a responsabilidade do demandado acerca da concepção do projeto e a respeito da sua obrigação de analisá-lo e decidir sobre sua consecução. Asseverou que para caracterizar a hipótese prevista no art. 11, deve-se comprovar o dolo no agir, não improbidade a ser sancionada na ausência de má-fé ou lesão ao erário, apontando ausência de razoabilidade e proporção não apontamento da penalidade a ser cumprida pelo demandado, caso confi rmada a tese da inicial. Requereu o acolhimento das preliminares, alegando ainda ausência de justa causa para o recebimento da ação. Juntou documentos.

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Por sua vez, em sua defesa, a demandada Fernanda Costa Corezola, fl s. 88-101, repetiu as mesmas preliminares do demandado José Hermeto, quais sejam, inconstitucionalidade da Lei n.º 8.429/92, bem como nulidade da ação, além da prescrição, e no mérito, assegurou que a atuação da demandada frente à Secretaria Executiva do Programas RS Rural em nenhum momento gerou prejuízo ao erário, não podendo ser aceita tal afi rmativa. Destacou que é absurda a acusação que pende sobre a responsabilidade da demandada acerca da concepção do projeto, bem como a identifi cação de que os problemas advindos na fase de execução se deveriam à metodologia de mutirão utilizada para seu desenvolvimento, afi rmando injusta a sustentação de que o desenvolvimento do programa acabou por gerar prejuízo ao erário, destacando a necessária adequada comprovação da intencionalidade delituosa a ensejar condenação, não se podendo extrair da inicial que houve desonestidade por parte da demandada, aduzindo que a responsabilidade pela fi scalização dos projetos estava a cargo do Banrisul, enquanto a atuação Executiva do Programa aconteceu no sentido de que a política pública se concretizasse. Destacou que na realidade está sendo acusada por ter assumido a Secretaria Executiva do Programa RS Rural, carecendo a presente ação de justa causa para seu recebimento.

O demandado Ary José Vanazzi ofereceu defesa preliminar, fl s. 170-172, repetindo, da mesma, as preliminares argüidas pelos demandados José Hermeto e Fernanda. No mérito, aduziu que a atuação do demandado frente à Secretaria de Habitação do ERGS em nenhum momento gerou prejuízo ao erário, salientando absurda a acusação que pende sobre a responsabilidade da demandada acerca da concepção do projeto, bem como a identifi cação de que os problemas advindos na fase de execução se deveriam à metodologia de mutirão utilizada para seu desenvolvimento, ocorrendo, na verdade, acusação o demandado pro ter desempenhado a função de Secretário do Estado da Habitação. Apontou ausência de razoabilidade e proporção no apontamento da penalidade a ser cumprida pelo demandado, frisando ausência de justa causa para o recebimento da ação, devendo ser extinta a ação. Juntou documentos.

O demandado Sérgio Antônio em sua defesa, fl s. 193-197, alegou, em preliminar, prescrição, bem como interesse políti co no ajuizamento da ação. No mérito, apresentou esclarecimentos acerca da concepção do projeto de moradia para os assentamentos, bem como a respeito da difi culdade na execução, tecendo considerações a respeito da atuação da empresa Camail na construção das casas e difi culdades encontradas para execução do projeto. Afi rmou ausência de demonstração efetivamente dos prejuízos sofridos pelo erário público com conduta ativa ou omissão do ora denunciado, tendo o mesmo participado tão-somente do momento da concepção do projeto, advindo os problemas com a execução e não com a concepção do projeto. Postulou acolhimento da preliminar de prescrição, bem como improcedência da ação.

Por fi nal, apresentou defesa prévia a demandada CAMAIL, fl s. 206-210, argumentando, em preliminar, ilegitimidade passiva. No mérito, afi rmou que sua contratação ocorreu na forma da lei, sendo que em razão do valor de cada moradia (R$ 4.600,00), a contratação da defendente se deu para que efetuasse a pesquisa e compra conjunta dos materiais a fi m de obter preços melhores e entrega aos assentados que trabalhariam em regime de mutirão para execução das moradias, sendo fi rmadas as notas de entrega pela Emater. Asseverou que os problemas apontados pelo demandante ocorreram pelo somatório entre as precaríssimas condições das

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vias de acesso ou até inexistência das mesmas, bem como condições climáticas muito específi cas na ocasião, sustentando que em nenhum momento a demandada gerou prejuízo ao erário. Postulou acolhimento da preliminar, com rejeição da ação, face ausência de justa causa, e, no mérito, pela total improcedência da ação.

Houve réplica, fls. 213-222.Foram afastadas as preliminares e recebida a inicial, fl s. 849-851, sendo interpostos

agravos de instrumento, que tiveram seguimentos negados, fl s. 1047/1048, 1034/1035 e 1062/1065.

O demandado José Hermeto Hoffmann contestou a ação, fls. 918-935, alegando, em prelimi nar, a inaplicabilidade da Lei n.º 8.429/92 aos Secretários de Estado; nulidade do processo, além da prescrição e inépcia da inicial. No mérito, alegou inexistência de conduta de improbidade, postulando a improcedência da ação.

A demandada Fernanda Costa Corezola, em sua contestação, fl s. 936-952, repetiu as preliminares argüidas na defesa prévia, e, no mérito, afi rmou ausência de comprovação de conduta dolosa ou culposa a ensejar ato de improbidade administrativa. Sustentou que os problemas apontados se deram em razão de situações alheias à vontade dos envolvidos e que não po diam ser previstas, aduzindo que muitas famílias receberem os recursos fi nanceiros, abandonando o projeto, argumentando que a fi scalização era de incumbência do Banrisul. Requereu improcedência da ação.

Por sua vez, Ary José Vanazzi em sua contestação, fls. 953-972, repetiu as preliminares constantes na defesa prévia. No mérito, afirmou não ter praticado qual quer ato doloso ou culposo que configure ato de improbidade admi nistrativa. Argumentou que o convênio firmado com a Emater não era irregular, uma vez que possuía autonomia para a contratação dos serviços técnicos ne cessários para a assunção de suas obrigações, asseverando que a contratação do arquiteto foi precedida de um processo administrativo regular, diante das necessidades peculiares do projeto. Aduziu que o sistema de mutirão em substituição à contratação de mão de obra era viável, buscando o fortaleci mento da comunidade, tendo sido este sistema acordado com representantes dos assentados, referindo que o abandono do projeto por parte de algumas fa mílias não era previsível.Asseverou que o protejo foi concluído, com a cons trução de quase todas as moradias, não havendo prejuízo ao erário. Requereu improcedência da ação.

O demandado Sérgio Antônio Görgen contestou a ação, fl s. 1078-1085, alegando, em preliminar, incidência da prescrição, bem como inépcia da inicial. No mérito, sustentou que as difi culdades de execução, por si só, não caracterizam prejuízo ou má-fé na elaboração do projeto, aduzindo que não estava mais na direção do Departamento de Reforma Agrária quando da execução do projeto, alegando que o gestor público tem limites na sua capacidade de previsão, nem sempre podendo prever situações inespera-das. Argumentou ausência de comprovação de prejuízo ao erário em decorrência de conduta praticada pelo demandado. Postulou pela improcedência da ação.

Por fi nal, contestou a Cooperativa Agrícola Mista de Ação Integrada Ltda. – CAMAIL, fl s. fl s. 1087/1091, alegando ilegitimidade passiva. No mérito, afi rma ter sido contratada através de procedimento legal de licitação, através de tomada de preços, procedida pela Emater. Aduz que sua res ponsabilidade era pesquisar e comprar os materiais para obtenção dos me lhores preços, sendo estes entregues aos assentados que trabalhavam em re gime de mutirão. Argumentou que foi contratada com a execução do projeto em andamento, situação na qual algumas casas já

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estavam em estágio mais avançado de construção, o que gerou a inevitável entrega de materiais de fi nalização para obras que ainda estavam em processo de início, o que não pode, por si só, ser conceituado como ato de improbidade. Assegura que os pro blemas de execução do projeto se deram em razão das precárias ou inexisten-tes condições de acesso e condições climáticas específi cas, asseverando que a maioria do projeto foi concluída. Alega ausência de prova de ato de improbidade ou ilegalidade alegados pelo demandante, requerendo a im procedência da demanda.

Houve réplica, fls. 1092/1095..Foi determinada diligência, bem como houve coleta de prova oral, consistente

no depoimento dos demandados e ouvida de quinze testemunhas, fls. 1150/1169, 1219/1223, 1245/1266, 1307/1314, 1348/1352.

Foram apresentados memoriais pelo autor e demandados, fls. fls. 1376/1421, 1357/1375, 1440/1475,1476/1504, 1509/1522 e 1573/1576.

Manifestou-se o Ministério Público, opinando pela reabertura da instrução para que o demandante apresentasse o laudo de viabilidade técnica, confor me já requerido, e, no mérito, pela improcedência da ação, fl s. 1422/1438, ratifi cando sua manifestação.

Sobreveio sentença com o seguinte dispositivo:

“ANTE O EXPOSTO, julgando IMPROCEDENTE o pedi do, condeno o demandante ao pagamento das custas processuais, ficando isento do pagamento dos honorários advocatícios, por analogia quando não acolhida a ação civil pública deduzida pelo Ministério Público (RESP 480387/SP – 2002/0149825-2, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.03.2004, DJ 24.05.2004, p. 00163).”

O demandante opôs embargos de declaração que foram rejeitados, fl s. 1594-1995. Inconformado, apela o Estado do Rio Grande do Sul, argüindo, em preliminar,

nulidade da sentença, aduzindo que por ocasião da sentença não foram conclusos ao Juiz os volumes apensos com o material probatório juntado à inicial, destacando que os apensos não se encontram fisicamente com os autos principais, tendo sido de improcedência a ação sob o argumento de falta de provas, sendo omissa em relação à análise de todo cabedal probatório apresentado pelo autor junto à petição inicial. No mérito, sustenta caracterização, na hipótese, de atos de improbidade, trazendo os mesmos argumentos da inicial, elencando e tecendo considerações acerca dos problemas práticos ocorridos ao longo da execução do projeto. Assevera que, distintamente do fundamentado pelo nobre julgador de origem, a presente ação está amparada em forte prova documental acostada aos autos, mormente as cópias dos expedientes administrativos tombados sob os números 473-0805/03-7 e 3997-1500/03-2, nos quais foi apurada a existência de responsabilidade dos ora réus pelos prejuízos causados ao erário, em razoa da concepção equivocada dos projetos, o que gerou uma execução problemática, com a não conclusão das casas e o dispêndio de todos os recursos disponibilizados para essa tarefa. Afirma que o prejuízo ao erário resta pendente, uma vez que todos os recursos públicos disponibilizados para execução do projeto foram efetivamente utilizados, mas poucas casas foram construídas, dependendo a conclusão das demais de novo aporte financeiro, desta vez realizado pelo INCRA. Aponta responsabilidades dos demandados, referindo a participação do réu Sérgio Antônio na discussão e definição sobre a concepção do projeto em exame, na condição de Diretor do DRA, aduzindo que, por sua vez, o réu José

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Hermeto era Secretário da Agricultura e Abastecimento, na ocasião em que a pasta era o órgão responsável pela discussão do projeto da construção das moradias e defi nição do local onde a obra seria desenvolvida, alegando imputável aos mesmos a responsabilidade pelos problemas ocorridos na concepção do referido projeto, asseverando que os referidos réus tinham pleno conhecimento das péssimas condições das poucas vias de acesso aos assentamentos, deixando de dar a devida atenção a tal fato.

Assevera que incorreram os réus nas fi guradas capituladas no artigo 10, “caput”, e no artigo 11, ‘caput”, c/c art. 1º, todos da Lei 8.429,92, devendo o primeiro responder integralmente pelo dano, uma vez que implementada a prescrição em relação às demais sanções. Com relação ao réu Ary, refere que o mesmo exerceu a função de Secretário da Habitação de janeiro de 1999 a maio de 2001, sendo responsável pela criação dos projetos arquitetônicos das casas e ainda, do sistema de construção e memorial descritivo dos materiais de construção necessários para as obras, bem como pela assistência técnica aos benefi ciários, aduzindo que não houve fi scalização da correta realização dos serviços e obras, assim como a entrega de materiais de construção, tendo o demandado assinado o contrato celebrado com o arquiteto Gilson Lameira da Silva, para elaboração do projeto, sem observar os preceitos contidos nos artigos 25 e 26 da Lei 8.666/93, concluindo que o réu Ary incorreu nas fi guras capituladas no art. 10, “caput”, e art. 11, “caput”, c/c art. 1º, todos da Lei 8.429/92, devendo o primeiro responder integralmente pelo dano, uma vez que implementada a prescrição em relação às demais sanções. Com relação à demandada Fernanda, refere que à época dos fatos a mesma respondia pela Secretaria Executiva do Programa RS Rural, tendo aprovado o projeto, mesmo ante as falhas de concepção já apontadas, as quais difi cultaram a sua posterior execução, não atendendo as normas previstas no Manual Operativo do próprio programa, atinentes à aprovação, ao acompanhamento e fi scalização da execução de projetos fi nanciados com recursos dele advindos, devendo ser responsabilizada pela prática de ato de improbidade previsto no artigo 10, “caput” e art. 11, “caput”, da Lei 8.429/92. Por fi nal, argumenta que não pode ser ignorada a responsabilidade da demandada CAMAIL, tendo em vista os problemas apresentados com a entrega desordenada de materiais e de baixa qualidade, alegando haver confusão entre a empresa e os benefi ciários do programas que utilizariam estes produtos, com inúmeros problemas na entrega desses produtos, havendo relatos de qualidade inferior do contratado dos materiais, cuja qualidade era conferida por técnicos da COPTEC, contratados pelo EMATER através de convênio, tendo ambas as cooperativas os mesmos associados, membros comuns nas diretorias e estão ligadas à COCEARGS e ao Movimento dos Sem Terra, registrando que os valores sacados junto ao Banrisul, mediante ateste do recebimento do material pelo assentado era destinado à própria cooperativa de assentados, o que torna duvidoso o recebimento do material, incorrendo a demandada na prática de atos de improbidade previsto no artigo 10, “caput” e art. 11, “caput”, da Lei 8.429/92. Por derradeiro, repisa a questão da falta de remessa ao Juiz, por ocasião da prolação de sua decisão, dos volumes dos autos referente à documentação juntada à inicial, o que leva à nulidade da sentença. Requer o provimento do recurso, para acolhimento da preliminar, e, subsidiariamente, o provimento do recurso para julgar procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões.

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Nesta Corte, manifestou-se o Ministério Público opinando pela desconstituição da sentença em face da nulidade alegada, postulando seja dada nova vista para o caso de não acolhimento da preliminar.

É o relatório.

VOTOSDes. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Relator) – Inicialmente, deixo de acolher

a prefacial de nulidade da sentença, argüida na apelação e na manifestação do Ministério Público.

Com efeito, o cerne da questão diz respeito ao fato de que os autos em apenso não estariam anexados ao processo principal quando proferida sentença, o que importaria na ausência de análise da prova constante nos referidos anexos pelo eminente Magistrado.

Todavia, da análise dos autos, resta incontroverso que a parte demandante instruiu cópia dos processos administrativos e documentos com a inicial, onde constam, dentre outras, cópias de peças existentes em dois processos administrativos, decorrente de sindicâncias realizadas na esfera administrativa para averiguação de responsabilidades dos réus em relação aos problemas constatados com a construção das casas em área de assentamentos em Hulha Negra e Candiota, que foram apensados aos autos principais, não havendo dúvida de que tais documentos encontravam-se apensos ao principal até o momento da remessa dos autos ao Ministério Público para parecer, tendo havido o desmembramento dos anexos pelo Ministério Público, conforme consta da certidão cartorária de fl. 1686, que consta nos seguintes termos:

“Certifico que nesta data junto ao presente feito duas (02) contrarrazões dos réus Fernanda Costa Cerezola e Ary José Vanazzi, bem como uma (01) petição da ré Cooperativa Agrícola Mista de Ação Integrada Ltda- CAMAIL, recebidas no serviço de protocolo geral em datas de 10/03/2015 e 11/03/2015, respectivamente, em razão dos autos, equivocadamente, terem sido remetidos ao Tribunal de Justiça em 11/03/2015. Certifico por fim, que o processo foi enviado ao 2º Grau sem os anexos, que foram desmembrados pelo Ministério Público, quando do parecer em 05/03/2015”. (grifei).

O fato de ter havido o desmembramento dos anexos pelo Ministério Público quando da análise do processo para parecer fi nal (observada a data referida na certidão cartorária acima transcrita) não signifi ca que o Juiz sentenciante deixou de analisar a prova dos autos na sua íntegra, inclusive, da documentação constante nos anexos.

Quando do recebimento da inicial, ao afastar a preliminar de nulidade da ação, o eminente Magistrado, que foi o mesmo que prolatou a sentença e conduziu o feito, faz expressa referência às sindicâncias realizadas no processo administrativo (cujas cópias constam nos autos em apenso), conforme a fundamentação a seguir transcrita, no ponto, fl. 850:

“Quanto à alegada nulidade da ação, em razão de supostas irregularidades no procedimento de sindicância, em razão de cerceamento de defesa dos requeridos, igualmente sem razão.

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As sindicâncias realizadas tiveram com único objetivo a averiguação das supostas praticas de atos de improbidade e outras irregularidades, reunindo elementos para a propositura da competente ação judicial. Trata-se, pois, de procedimento investigatório e preparatório, nos termos do artigo 14 da Lei 8.429/1992. De todo modo, dos documentos juntados aos autos, percebe-se que foi oportunizado os investigados o acesso e manifestação na sindicância.(...)”

Isto significa que o Magistrado tinha pleno conhecimento do conteúdo dos autos em apenso, acrescido à circunstância que foi o mesmo Magistrado que acompanhou toda a tramitação do feito, havendo, na fundamentação da sentença, referência à fragilidade da prova, sem a devida judicialização porque limitada aos testemunhos coletados, referindo que na fase judicial nenhuma prova material foi produzida para dar sustentação à tese do apelante, fl. 1585, reiterada quando da decisão dos embargos de declaração, fls. 1594-1995.

No caso, o Juiz sentenciante considerou a prova que entendeu pertinente para a solução da lide, sem a necessidade de expressa referência à prova produzida na esfera administrativa constante nos apensos porque não judicializada, em especial porque a prova na esfera judicial é independente, não estando vinculada à prova administrativa, não havendo dúvida de que, na hipótese, as sindicâncias realizadas na esfera administrativa tiveram como único objetivo a averiguação das supostas práticas de atos de improbidade e outras irregularidades, com o intuito de possibilitar o ajuizamento da presente ação.

Os anexos em questão, em linhas gerais, não são relevantes para a solução da lide, como será visto na análise do mérito da ação.

Aliás, a questão de mérito é enfrentada nos memoriais pelas partes, basicamente com base na prova testemunhal.

O mesmo procedimento tem o autor-apelante, não fazendo qualquer referência à prova documental constante nos apensos, apenas dizendo que a sentença é nula por não ter analisado a documentação dos anexos.

No mínimo atitude contraditória.Deveria ter ao menos, em sede de apelação, ter apontado os documentos que

entendeu pertinentes para o mérito e que não foram analisados pelo Magistrado, e assim não o fazendo, incorreu, pois, na mesma alegada falta de fundamentação que afirma ter a sentença.

Há mera referência ao depoimento do co-réu Sérgio, que posteriormente foi retificado em juízo, consoante será visto na análise de mérito da demanda.

Diante do exposto, deve ser rejeitada a prefacial de nulidade da sentença, tendo em vista que devidamente fundamentada, considerando o Juiz a prova que entendeu pertinente para a solucionar a lide, estando de acordo com o disposto nos artigos 458, II, do CPC e 93, IX, da CF, cumprindo lembrar que não há necessidade de análise exaustiva de todas as teses invocadas pelas partes, tendo havido o exame da causa submetida à apreciação, solucionada a lide de forma fundamentada, aplicando o Direito.

Neste sentido, precedente de minha Relatoria referente à preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, perfeitamente aplicável à hipótese dos autos:

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APELAÇÃO. (...) NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. Não é nula a sentença quando devidamente fundamentada, ausente necessidade de serem analisadas exaustivamente todas as teses referidas pelas partes para a decisão, bastando solucionar a lide de forma fundamentada, aplicando o Direito. Sentença de acordo com os arts. 458, II, do CPC e 93, IX, da CF. (...) Apelação conhecida em parte, nesta com seguimento negado. (Apelação Cível Nº 70051160521, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 27/09/2012)

Se houve julgamento contrário às pretensões da parte autora/apelante, tal fato não importa em nulidade do julgado, como sustenta em seu recurso, devendo demonstrar os fatos e fundamentos que ensejam a procedência da ação.

Neste sentido, precedentes deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. (...) NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. Rejeita-se a prefacial, pois que inexistente qualquer vício ou nulidade que contamine o decisum e enseje a sua desconstituição. Não há nulidade a ser declarada em sentença devidamente fundamentada, que observou o disposto nos arts. 165 e 458 do CPC e 93, IX, da CF, embora adote tese diversa daquela invocada pela recorrente. (...) Apelação Cível Nº 70054783014, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 27/02/2014)

APELAÇÃO CÍVEL. (...) PRELIMINARES REJEITADAS. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. Não há confundir eventual discordância fundamentação sentencial com precariedade ou ausência de motivação, que não é razão para a desconstituição do decisum. (...) (Apelação Cível Nº 70004771564, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 13/02/2003)

Repelida, portanto a nulidade sentencial.Por outro lado, desacolho o pedido de nova vista ao Ministério Público, caso não

acolhida a prefacial de nulidade da sentença porque foi concedida oportunidade para parecer, nos termos dos artigos 83, II e 84, todos do CPC, optando o agente do Ministério Público por se manifestar sobre um único ponto, qual seja, pelo acolhimento da preliminar de nulidade da sentença, sem adentrar nas demais questões fáticas e jurídicas, como deveria ter feito, ensejando o julgamento da apelação, nos termos que se encontra o processo, sem a necessidade de retorno dos autos para complementação do parecer, circunstância que afasta qualquer nulidade porque oportunizada manifestação prévia à sentença.

Passo ao exame do mérito da apelação.Primeiramente, deve-se ter presente o conceito de improbidade, conforme ensina

Marcelo Figueiredo, na obra Probidade Administrativa, 4ª ed., p. 23, São Paulo, Malheiros Editores, 2000, termo que provém “Do Latim improbitate. Desonestidade. No âmbito do Direito o termo vem associado à conduta do administrador amplamente considerado. (...) genericamente, comete maus-tratos à probidade o agente público ou particular que infringe a moralidade administrativa. (...) a probidade é espécie do gênero `moralidade administrativa´ à que alude, v.g., o art. 37, caput e § 4º, da CF. O núcleo da probidade está associado (defl ui) ao princípio maior da

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moralidade administrativa; verdadeiro norte à Administração em todas as suas manifestações.”

Conveniente transcrever a lição de Marino Pazzaglini Filho, em Lei de Improbidade Administrativa Comentada, p. 13, São Paulo, Editora Atlas, 2002, no sentido de que a “A improbidade administrativa, sinônimo jurídico de corrupção e malversação administrativas, exprime o exercício da função pública com desconsideração aos princípios constitucionais expressos e implícitos que regem a Administração Pública. Improbidade administrativa é mais que mera atuação desconforme com a singela e fria letra da lei. É conduta denotativa de subversão das fi nalidades administrativas.”

Para Wallace Paiva Martins Júnior, na obra Probidade Administrativa, 2ª ed., p. 115, São Paulo, Saraiva, 2002, “A Constituição Federal de 1988 é o marco divisor de uma nova mentalidade institucional da repressão à improbidade administrativa e da tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público. (...). As sanções delineadas à improbidade administrativa no art. 37, § 4º, estabelecem punições que não visam exclusivamente à recuperação dos valores patrimoniais, senão à preservação dos valores morais, direcionadas, agora, ao resgate do autêntico interesse social, com a previsão de graves, severas e adequadas punições àqueles que são moralmente inidôneos para o exercício de uma função pública, o que, certamente, adquire maior efi cácia social pela natureza da censura jurídica aplicável. A improbidade administrativa (ou imoralidade administrativa qualifi cada) exige sanções mais compatíveis e coerentes com a tutela do bem jurídico violado e que transcendem o cunho patrimonial da lesão, nem sempre existente. E essa qualidade é devida ainda em outras disciplinas jurídicas que, de uma forma ou de outra, tutelam a probidade administrativa (direito penal, processual penal, eleitoral, administrativo, fi nanceiro, tributário, societário etc.).”

Oportuno salientar que a Lei de Improbidade Administrativa visa punir o administrador desonesto, e não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado, conforme orientação adotada pelo STJ, destacando-se o RESP n° 213994/MG, Relator o Ministro Garcia Viera, 1ª Turma, julgado em 17/08/1999, DJ 27/09/1999 p. 59:

ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DE PREFEITO - CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92.A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil.Recurso improvido.(REsp 213994/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/1999, DJ 27/09/1999 p. 59)

De igual sorte:

REsp 758639 / PBRECURSO ESPECIAL2005/0097394-9 Relator: Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMAData do Julgamento: 28/03/2006Data da publicação/Fonte: 15/05/2006 p. 171

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ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.1. “O objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público.” (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em “O Limite da Improbidade Administrativa”, Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8).2. “A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto” (Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, Atlas, 2002, p. 2.611).3. “De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado” (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).4. “A Lei nº 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9); b) em que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade pública” (REsp nº 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, DJU de 24.5.2004, p. 162).5. O recorrente sancionou lei aprovada pela Câmara Municipal que denominou prédio público com nome de pessoas vivas.6. Inexistência de qualquer acusação de que o recorrente tenha enriquecido ilicitamente em decorrência do ato administrativo que lhe é apontado como praticado.7. Ausência de comprovação de lesão ao patrimônio público.8. Não configuração do tipo definido no art. 11, I, da Lei nº 8.429 de 1992.9. Pena de suspensão de direitos políticos por quatro anos, sem nenhuma fundamentação.10. Ilegalidade que, se existir, não configura ato de improbidade administrativa.11. Recurso especial provido.

Da mesma forma:

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATO. OBJETO. INTERPRETAÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. 1. A interpretação das cláusulas dos contratos administrativos deve levar em conta os atos preparatórios que o antecedem.2. O inadimplemento parcial de contrato administrativo não configura, por si só, ato de improbidade administrativa. A ação de improbidade visa a punir o administrador desonesto no trato da coisa pública e não o inábil. Hipótese em que não se imputa ao Presidente da Câmara de Vereadores interesses escusos na contratação com o propósito de locupletamento próprio ou de terceiro Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70034673467, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 29/04/2010)

APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 1. A ilegalidade não se confunde com a improbidade, esta com caráter de desonestidade. Não se pune o administrador inábil, mas o desonesto, ausente, nos autos, prova neste sentido.2. Ausente a má-fé do autor da ação civil pública, não cabe a condenação ao pagamento dos encargos da sucumbência. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70028915841, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifi no Robles Ribeiro, Julgado em 10/06/2009)

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A prática de irregularidades e má-execução dos projetos de assentamento rural, assim como a contratação sem licitação podem, em tese, constituir atos de improbidade administrativa.

Assim, passo a averiguar a existência de atos de improbidade ou não atribuíveis aos demandados.

No caso, trata-se de ação civil por ato de improbidade administrativa, apontando o autor irregularidades verificadas quando da execução do projeto que previa a construção de 321 casas em assentamentos rurais nos municípios de Hulha Negra e Candiota, cujo execução teve início em 2001.

Aponta o autor diversos problemas práticos ocorridos na execução da obra em razão da concepção equivocada dos projetos, que teriam gerado execução problemática, importando na não construção de todas as casas, bem como em prejuízo ao erário, apontando responsabilidades dos demandados, caracterizando atos de improbidade administrativa.

Alega o recorrente que a responsabilidade dos réus Sérgio Antônio e José Hermeto é evidente, diante do fato de que o primeiro participou na discussão e defi nição sobre a concepção do projeto, na condição de Diretor do DRA, e, o segundo porque na ocasião era Secretário da Agricultura e abastecimento, órgão responsável pela discussão do projeto de construção das moradias e assentamentos e defi nição do local da obra.

Quanto ao réu Ary, imputa sua responsabilidade ao fato de que a Secretaria da Habitação participou de forma determinante dos projetos específi cos de construção das moradias, fi cando responsável pelos projetos arquitetônicos, elaborando o sistema de construção e memorial descritivo dos materiais, e ainda pela assistência técnica aos benefi ciários, referindo que a ré Fernanda respondia à época pela Secretaria Executiva do Programa RS rural, incumbindo a esse órgão um controle rigoroso da aplicação dos recursos, conforme Manual Operativo, argüindo, por fi nal, que a responsabilidade a ré CAMAIL decorre dos problemas apresentados com a entrega de materiais de construção.

Da análise dos autos, verifica-se que a elaboração do projeto ficou a cargo do DRA- Departamento de Reforma Agrária da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado do RS; GRA- Gabinete Extraordinário da Reforma Agrária; SEHAB- Secretaria da Habitação do Estado; EMATER- Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural; RS RURAL- Programa de Manejo dos Recursos Naturais e de Combate à Pobreza Rural e FUNTERRA.

As casas seriam construídas por meio de sistema de mutirão, ou seja, pelos próprios beneficiários, ao passo que o acompanhamento técnico do projeto ficou, primeiramente a cargo da EMATER/RS e, posteriormente, da COPTEC, que firmou termo de cooperação com a EMATER para as ações de capacitação de assentados para construção, acompanhamento e orientação na construção das moradias, ficando a demandada CAMAIL responsável pela entrega dos materiais para construção das moradias por ter apresentado o menor preço.

O recorrente refere negligência com a dispensa de licitação para contratação da EMATER e que esta não possuía equipe técnica disponível para a realização dos serviços, sem que haja fundamentação ou pedido específi co sobre a falta de licitação.

Aponta os principais problemas práticos constatados quando da execução das casas, conforme a seguir:

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-inexistência de vias de acesso adequados aos lotes, o que gerou atrasos na entrega de materiais de construção e alteração dos locais de entrega desses;-grande número de moradias não concluídas ou sequer iniciadas;-saque de todos os valores destinados aos materiais de construção para as moradias, sem a conclusão do número previsto de casas;-entrega de materiais de construção sem ordem lógica pela empresa fornecedora;-desperdício de materiais de construção em razão da inexistência ou carência de qualificação dos beneficiários, encarregados da construção das moradias (sistema de mutirão);-uso de madeira bruta a ser beneficiada em central no próprio assentamento pelos beneficiários que não possuíam qualificação adequada;-evasão de beneficiários e venda de lotes.

Em suma, as irregularidades apontadas teriam ocorrido basicamente pela

inexistência de vias adequadas aos lotes, o que teria gerado atraso na entrega de materiais e alteração de locais de entrega, adoção do sistema de mutirão, não obstante carência de qualificação dos beneficiários, além de que teria havido entrega de materiais de baixa qualidade pela empresa encarregada.

Efetivamente, conforme se verifi ca da documentação em apenso (Anexo 1- documento 491), de acordo com a Procuradoria Disciplinar e Probidade Administrativa, “Durante a execução do projeto, ocorreram uma série de problemas, que motivaram, inclusive, a instauração de duas sindicâncias, anteriormente, uma desenvolvida no âmbito da EMATER e outra pela Secretaria da Agricultura. Todavia, as referidas sindicâncias foram inconclusivas, apontando os problemas ocorridos na execução dos projetos, mas não indicando possíveis responsáveis pelas irregularidades então verifi cadas, o gerou a instauração do presente procedimento investigatório.”

Em face disto, pretendendo o autor responsabilizar os demandados por atos de improbidade, não obstante as sindicâncias realizadas na esfera administrativa, que foram inconclusivas quanto a atos de improbidade, cuja documentação constante nos apensos é irrelevante para o desate da lide , uma vez realizadas as sindicâncias, repito, com objetivo único de averiguação das supostas irregularidades e práticas de atos de improbidade, sem que tenha havido reprodução judicializada da prova produzida da esfera administrativa, a fi m de averiguar responsabilidades dos demandados

Consequentemente, a análise da caracterização ou não de atos de improbidade pelos réus e ora feita através da prova constante no processo judicial, consistente basicamente na prova testemunhal coletada na fase de instrução.

Importante fi xar que a prova obtida na fase administrativa, constante nos apensos (24 volumes) não foi reproduzida nos autos do processo judicial, não havendo, conforme bem salientado na sentença, a demonstrar as irregularidades apontadas e comprovar atos de improbidade administrativa dos demandados, estando a prova judicial basicamente alicerçada na prova testemunhal coletada na instrução da presente demanda, situação que se verifi ca, inclusive, da leitura dos memoriais apresentados pelas partes, com desinteresse de coleta de prova pericial no sentido de justifi car as alegações articuladas na inicial, constando tão-somente laudo demonstrando os assentados no local, que pouco contribui para a solução da lide.

Assim, passo à análise da prova oral coletada na instrução da ação, consistente no depoimento pessoal dos demandados e de testemunhas, que tiveram participação

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na elaboração do projeto e de alguma forma na execução das moradias, ora reproduzida em parte.

Depoimento pessoal da demandada Fernanda Costa Corezola, fls. :

“(...)J: Especifi camente com relação à construção de moradias nos assentamentos rurais de Hulha Negra e Candiota, qual foi a participação da RS Rural? D: A partir de 99 nós propusemos ao Banco Mundial que os assentados de reforma agrária também fossem público alvo do programa, porque eles não eram originalmente. E como é um programa todo, como se chama fundo perdido, no sentido de que os agricultores não retornam os recursos dados porque ela entra numa modalidade que o Banco Mundial tem, que agora não me recordo bem a classifi cação, que é em função dos ajustes fi scais, principalmente o FMI, o BIRD naquela época, hoje a economia está diferente, mas naquela época o Brasil era muito, digamos assim, atendia as orientações desses dois órgãos internacionais. Então naquele momento o Banco Mundial fomentava esses projetos compensatórios, porque muitas vezes essas políticas de ajuste fi scal acabam excluindo socialmente segmentos muito signifi cativos da população, normalmente os mais pobres e do meio rural. Então o governo do estado se habilitou para obter esse empréstimo. Como chegamos nos assentamentos? Nós propusemos ao banco, o banco estabeleceu junto conosco...(...)J: Passando um pouco essa parte. Porque a inicial refere três irregularidades, digamos assim, que teriam ocorrido: a falta de acesso ao local dos assentamentos, a entrega de materiais inadequados e algumas faltas de licitação que teria causado prejuízo ao estado. Sobre essas ditas irregularidades que o Estado do Rio Grande do Sul aponta, o que a senhora poderia nos esclarecer? D: Na verdade, todos os projetos da RS Rural, todos, eles se caracterizavam como microprojetos, projetos que obrigatoriamente tinham que ser repassados para organizações da sociedade dos benefi ciários diretamente organizados. É diferente de outras políticas.O recurso nunca era repassado para o município, ou o próprio estado não é o executor dessas políticas. Quem faz os processos licitatórios, que nós chamamos licitatórios, que tinha outra designação, enfi m, as compras são as organizações dos produtores. Então é uma metodologia, digamos assim, que sempre apostou na ação dos benefi ciários diretamente, e em todas as etapas do processo, desde a concepção do projeto, a sua implementação, a sua administração do ponto de vista da seleção das empresas que forneceriam bens ou serviços. E também outra questão que o banco, não só o Banco Mundial, na verdade hoje em dia FAU, “Pinud”, os organismos de cooperação internacional com experiências em populações pobres, sempre advogam a participação social, seja como controle social, mas também antes, enfi m, nas diversas fases do ciclo de gestão. Aliás, isso era previsto no manual, era regra. Tinha que ser assim: a participação dos benefi ciários no processo. E não foi diferente lá nesses assentamentos. Eu não me lembro dos detalhes. Eu era coordenadora geral. Então nós benefi ciamos até 2000 100 mil famílias. De 2003, porque eu fui verifi car, até o fi nal, se não me falha a memória foi em 2005, aí nós não estávamos mais na gestão do programa, foram18 mil famílias. Era um volume muito grande de projetos, de benefi ciários, enfi m. (...)J: Um ponto que eu esqueci de referir que a inicial aponta também seria transferir para benefi ciários que não tivessem habilitação, capacidade técnica para eles edifi carem as casas. D: Os processos que nós sempre apostamos, e não é diferente isso até hoje, inclusive em outras políticas que eu tive oportunidade de trabalhar

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a nível federal recente, ainda, eu tive oportunidade de trabalhar no Ministério do Desenvolvimento Agrário muitos anos, agora mais recentemente, sempre aposta nesta... Porque... Óbvio... Bom! Pode ser complexo? Pode. Para mim que sou socióloga também. As pessoas não são absolutamente incapazes. Elas são capazes de apreender e desenvolver, enfim. (...)PA: A senhora reconhece que o acompanhamento tenha sido deficitário? D: Não é isso que eu estou dizendo. Eu estou dizendo que eu não me recordo agora explicitamente do número de relatórios que eu recebi e a periodicidade deles. (...)PA: As condições sociais, climáticas, territoriais, tudo isso foi levado em conta ou não compete a vocês: D: Grosso modo, quando tu aprovas um projeto tu aprovas em todas as suas... globalmente. Então o Conselho Estadual indicou os assentamentos. Nós, eu pessoalmente, tu tens um conjunto, tu tens uma equipe que faz as análises específi cas. Então agrônomos, engenheiros, nós tínhamos lá um engenheiro, tínhamos vários profi ssionais, assim como no GRA também. Então eram feitas análises. (...)”

Depoimento pessoal do demandado réu Ary Jose Vanazzi, fls. 1307-1314.

Juíza: Réu já devidamente qualifi cado nos autos. Senhor Vanazzi, o Senhor lembra qual o período que o Senhor foi secretario do governo, em qual (pasta) assumiu?Réu: Do dia primeiro de janeiro de 1998, era Secretaria da região metropolitana e depois foi criada a Secretaria de Habitação, acho que foi em maio, de maio de 98 a dia 4 de abril de 2002... Primeiro de abril, acho que quatro e abri, fi nal do período eleitoral.Juíza: Sobre a construção de moradias e assentamentos rurais, especificamente em Hulha Negra e Candiota, o Senhor lembra deste fato?Réu: Lembro, esse era um assentamento que o Estado fez dos trabalhadores da reforma agrária, era um recurso e era um projeto do governo do Estado, o Estado na época tinha muitas famílias que estavam atiradas no campo, embaixo de lona, era uma tragédia humana onde viviam, o Estado construiu um Fórum em conselho, um conselho estadual que tinha varias entidades era Secretaria Habitação, Secretaria da Reforma Agrária, Secretaria da Agricultura, o...Eram vários órgãos, o estado construiu uma comissão por portaria, então, ele tem um grupo ofi cialmente organizado no governo de Estado, e o papel naquela época da Secretaria da Habitação era fazer o projeto técnico das casas, era viabilizar o projeto técnico, então, nós não tínhamos acesso a nenhum tipo de recurso, nos não tínhamos orçamento, era nós assessorara tecnicamente, porque habitação tinha haver com a secretaria de habitação.Juíza: Quais atos o Senhor lembra de ter implementado pra este residual? Réu: Então, esse grupo tomava as decisões coletivas, então, eu me lembro que quando agente fez...Os técnicos da secretaria junto com esse (...), eles preparavam os projetos, preparavam, buscavam experiência, porque nós não tinha política estadual da habitação, o governo do estado, o Estado não tinha político habitacional, nem rural, nem urbano, nada. Então, eu era uma coisa nova, então, o governo criou esse núcleo, então, tinha os técnicos que faziam os projetos, eu dava parecer quando aparecia o projeto, então, me lembro de que, por exemplo, pra fazer qualquer tipo de projeto e aprovação, tinha o parecer da PGE da Procuradoria do Estado, tinha o parecer da CAGED, então, tinha uma serie de cuidados que agente tinha, porque era um projeto novo, que não tinha experiência pra poder fazer as coisas dentro daquilo que era possível fazer, então, foi desse procedimento que eu me lembre, então, quando foi feio o projeto técnico

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da secretaria de habitação, agente apresentou para o núcleo, para esse conselho, esse conselho aprovou, fez algumas mudanças na primeira vez, depois aprovou, e quando aprovou levou para o governo do Estado que tomasse as decisões, em cima dos custos, enfim, e depois o Governo do Estado com os pareceres que tinha, ele acabava aceitando não o projeto, eu me lembro que foram vários meses, discussões, reuniões, debates, inclusive com os próprios interessados, porque era o que agente tinha mais preocupação era com o pessoal que precisava das casas que não tinham condições.Juíza: Especificamente sobre convenio formado a EMATER, o Senhor recorda?Réu: Era uma convenio de cooperação que eu me lembro só, que nós dava acessória pra Emater nas questões das habitações, era produzir projeto, e assessorar a EMATER, nós não tínhamos uma relação com a EMATER que não fosse essa assessoria das casas, dos projetos da casa.Juíza: O Senhor lembra qual era atribuição da EMATER nesse convenio?Réu: A EMATER é um órgão técnico também, assim, de grosso modo que vou lhe dizer, ela acompanhava porque ela tinha a ver com a questão da Secretaria da Reforma Agrária, da Secretaria da Agricultura, mas era uma órgão técnico que trabalhava com a política mais geral da agricultura da região, então, tinha as casas, tinha uma política de agricultura, de produção, então, eles tinham um papel, alem das casas, outras atividades do conjunto das entidades que se reuniam. Juíza: A parte técnica do projeto não ficou em casa (...)?Réu: Do... Das casas?Não, quem fez o projeto foi à habitação e a Emater é que aprovava, a Emater que aprovava os projetos, mas quem fez o projeto técnico, das casas que fez a modelagem, tamanho das casas, que depois inclusive a casa até hoje ta na Expointer, a casa modelo produzida, foi a Secretaria e a aprovado e incrementado pelo EMATER.Juíza: O Senhor lembra se foi cogitada a realização de licitação pra afirma esse convenio com a EMATER?Réu: É que são dois órgãos públicos, a EMATER e a Secretaria de Habitação, então...Juíza: Especificamente lembra se...Réu: Não, não, não lembro, não lembro, não, não lembro. Eu nem tenho conhecimento desse (...), mas eu não lembro.Juíza: Em relação com o contrato afirmado com o arquiteto Gilson Lameira de Lima, o Senhor recorda?Réu: Sim, esse é...Como a modelagem da casa era uma modelagem diferenciada, não tinha tecnologia no estado, e o que me apresentaram na época também, com os pareceres era que não foi a execução das casas, foi a construção do projeto como um todo que ele acabou fazendo, e por isso parece que foi feito por (inexigibilidade), se não me falha a memória, foi dessa forma que foi feito o contrato na época.Juíza: O Senhor lembra por quê, que ficou decidido sobre a (inexigibilidade) da...?Réu: É, tem um parecer... É, na época tinha parecer, agente não fazia assim, no Estado, na prefeitura, agente não fazia nem uma ação sem parecer jurídico, então, tinha parecer na época, eu me lembro até hoje, isso eu me lembro, na PGN, na PGE do Estado parecer, questionado varias vezes, (...), então, tinha pareceres jurídicos de acordo com aquele...Aquele projeto que se podia contratar, por isso que foi contratado, porque ninguém hoje, eu não iria contratar um projeto se não tivesse um parecer jurídico sobre o tema, tem que ter justificativa. Juíza: Durante o período que o Senhor ficou na (...), como foi o êxito desse projeto, ele vingou, ele...?Réu: Olha...Eu acho, eu acho não, tenho certeza, foi um projeto que resolveu o problema naquela situação, hoje, por exemplo, quando agente passa ali por Bagé, Hulha Negra, agente vê as casas até hoje, e do que eu me lembro, eu fiz uma

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viagem há poucos dias e ia dizendo pro motorista, “tá vendo essas casa aqui, foi na época que agente era Secretario Estadual...” As casas, elas foram construídas naquele tempo, com aquelas dificuldades climáticas que tinha e tal, mas foram construídas, elas foram feitas, e dentro do padrão que eu conheço e vi...Juíza: Houve conclusão de todo o projeto?Réu: Não sei, porque nós terminamos o governo e o projeto, acho que tinha 40% ainda, nem 50%...Aí, terminou o governo, eu quando sai da secretaria tava em pleno o andamento, tinha parecer do (BID), parecer do Banrisul que tava com dinheiro depositado, tinha parecer da Secretaria...Toda vez que tinha alguma decisão a tomar era o grupo que se tomava, esse grupo determinado por portaria, oficial do governo de Estado, então, quando eu sai da Secretaria em abril, depois continuou a secretaria (Bernarda Tekonzi), que ela é minha substituta, quando saiu tava pleno andamento, inclusive... Na época tinham mais de 150 casas já concluídas, ou em faze de conclusão.Juíza: Durante o período que o Senhor esteve na (...), chegou a seu conhecimento noticias de problemas de ordens técnicas, em relação à construção das casas?Réu: Não que eu tenha sentido informações que eu tinha que parar o projeto, não me lembro de tenha chegado alguma que disse: “Olha, para porque não vai dá”, isso não. Até o fi nal do meu mandato na Secretaria a obra andava mesmo, até porque a Secretaria acompanhava as questões das medições, acompanhava a questão da qualidade da obra, junto com os outros órgãos, nós fazia muitas viagens lá pra...Os técnicos faziam...Juíza: Em relação à parte técnica do projeto, o Senhor nunca ficou ciente de entraves...Réu: Não, não.Juíza: O Senhor chegou a questiona a contratação daquele arquiteto que eu mencionei antes?Réu: Não, não, não. É que ele seguia por um conjunto de Secretarias de Governos, então, eu emitia minha opinião sobre o conjunto das coisas, mas quando chegava decidir publico, agente tinha que centralizar podia até questionar mas o grupo decidia, então, na verdade era um elemento que tinha uma importância na excussão do projeto que acabava fazendo minha parte, que era a parte mais de relação técnica da moradia em si, em quanto Secretaria da Habitação.Juíza: Especificadamente em relação à entrega de matérias de baixa qualidade, a questão de uso de maneira bruta, desperdícios de matérias, o Senhor não chegou a ter conhecimento de nada disso? Réu: Não, não, não, que eu me lembre, não. Se não agente ia tomar as medidas necessárias.Juíza: O Senhor nunca precisou intervir nessa questão da parte técnica desse...Réu: Não, não. É por isso que lhe falei, porque se fosse na Secretaria da Habitação, e eu tivesse o poder sozinho, era uma coisa, mas como era um grupo ofi cial do Estado, de política de Estado, então, eu não tive decisão preliminar minha de dizer não vou fazer, não, tinha uma decisão e muitas vezes era determinação do governo que tinha que executar aquela decisão tomada coletivamente era assim que funcionava, agora, tem uma questão importante nesse processo aqui, esses recursos eram coisa do (BID), e via Banrisul, e todas as questões de ordem, de recursos, enfi m, sempre passavam, inclusive tecnicamente o (BID) dava posição sobe isso, o Banrisul tinha uma equipe técnica que acompanhava sobre isso, então, é de estranha que todas essas entidades que fi scalizavam, faziam relatórios, não tivessem identifi cado se tivesse algum problema, não cabe apenas ao Secretario da Habitação, que tinham um técnico que fazia as vistorias entre todos esses órgãos que viviam na área inclusive, elas viviam lá, os técnicos EMATER, os técnicos da reforma agrária, eles viviam na área há meses, dias, então, eu tinha uma única questão que era assessoria do conjunto do projeto.

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Juíza: Havia essa fiscalização, então, pela Secretaria da Habitação...Réu: Ah...Juíza: No projeto?Réu: O nosso arquiteto quando ele era demandado, se a obra tava de acordo, enfim, ele ia lá no assentamento pra verificar a obra, mas ele não acompanhava, quem acompanhava lá a obra era a Secretaria da Agricultura, era a Secretaria da Reforma Agrária, eles viviam lá, lá dentro do projeto.Juíza: Esse arquiteto, Gilson Lameira de Lima, o Senhor já o conhecia antes?Réu: Não, não. Eu vi ele, umas duas, três vezes, depois eu não vi mais ele. Ele não era das minhas relações, não fui eu que trouxe ele pra fazer projeto, ele apareceu a partir do debate desse grupo de construir pelo Governo do Estado, as pessoas conheciam ele, eu não.Juíza: Pelo Estado.Procurador da parte autora: Boa tarde.Réu: Boa tarde.Procurador da parte autora: Apenas pra fazer alguns esclarecimentos prévios, assim, porque todos esses fatos ai são treze anos atrás, acho importante, então, agente recapitular algumas coisas. O Senhor mencionou algumas vezes a expressão conselho de governo, outras vezes núcleo de habitação, como é que era essa conformação, havia um núcleo ou um conselho, ou era os dois órgãos diferentes?Réu: Não, nós tínhamos Conselho Estadual de Habitação, como tem o conselho...Nós tínhamos um conselho que tratava da política (...) geral, esse grupo que era o GRA, SEHAB, EMATER, RS RURAL que era o órgão que era o programa de financiamento, que tinha recurso, a FUNTERRA que era outro fundo de recursos do Governo Federal que botavam os recursos, a CAMAIL que era uma cooperativa que acabou sendo contratada pra fazer as casas em mutirão, e a COPTEC que era assessoria técnica, então, esse núcleo aqui ele era formado por portaria, então, era um órgão oficial do governo, eles tomavam decisões nesse (colegiado), então, quando eu falo conselho é esse núcleo de que o Governo de Estado, ele tinha uma portaria pra dar legitimidade da responsabilidade quando ele fazia as cobranças necessárias do programa.Procurador da parte autora: Essa portaria foi expedida por quem?Réu: Isso aqui saiu do gabinete do Governador, na época o responsável, em coordenava todo esse projeto e que impulsionava as políticas era o próprio, na época o vice-governador, que passava por ele as decisões também, que era secretario geral do governo. Procurador da parte autora: Tá, só recapitulando, quem escolheu os integrantes desse conselho?Réu: Quem escolheu foi à coordenação de governo, que identificaram que esses atores todos pra resolve os problemas lá de Hulha Negra, Candiota e dos outros assentamentos, tinha que ter um núcleo que pudesse fazer a interface pra se dialogar entre todas as áreas, e não ir lá um e fazer a casa sem pensa política agrícola, sem pensa a questões das estradas, então, era um conjunto de ações, por isso que se monto esse...Procurador da parte autora: Eu vou lhe pergunta mais uma vez, pra mim ainda, acho que não ficou claro. Qual era a pessoa no governo, quem era o responsável pela escolha desses conselheiros?Réu: Era a Secretaria Geral da (...) do governo.Procurador da parte autora: Secretaria?Réu: Geral de Governo.Procurador da parte autora: Secretaria Geral de Governo?Réu: Isto. Que decidia...Procurador da parte autora: Isso dentro da casa civil ou no gabinete do governador?

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Réu: Ah, isso eu não sei, eu não fui nesses detalhes.Juíza: Tem alguma pessoa especifica?Réu: Não, não, não. É, tinha um seguinte Doutora, tinha um problema na época que eu me lembro, que os trabalhadores assentados, que estavam atirados lá no meio do mato, eles começaram a fazer paralisações, trancar estradas, então, o governo chamou a Secretaria da Reforma Agrária pra resolver o problema, e quando o governo chamou essa reforma agrária , eu falei assim, não, mas eu sozinho não posso resolver, então, vamos construir um grupo de trabalho que envolve as interfaces dos problemas que tem no assentamento, e nasceu esse grupo, então, foi uma discussão, a partir de uma manifestação (...) dos trabalhadores, e que chegou no centro do governo, e o centro do governo determinou que se montasse um grupo de trabalho, esse grupo de trabalho foi montado justamente com a participação do vice-governador na época, que era Secretario Geral do Governo, e chamou as entidades e montou em duas tarefas, vamos montar um projeto para resolver, ponto. Aí que se iniciou o processo de debate.Procurador da parte autora: Por o que o Senhor está nos narrando aqui, a Secretaria de habitação era subordinada a esse conselho?Réu: Sim, no projeto sim.Procurador da parte autora: Nesse projeto? Réu: No projeto era subordinada nesse coletivo aqui, ele não tinha autonomia e nem tomava decisões, fazia nada, absolutamente nada sem decisão e encaminhamento do grupo.Procurador da parte autora: Então, hierarquicamente dentro da estrutura de governo, esse conselho estava superior, estava em um nível acima? Réu: Acima, acima da secretaria, porque era um projeto de Estado, era um projeto estratégico de Estado, não era um projeto da secretaria ao (...), porque na verdade aqui nasceu todos os problemas de habitação rural que nós temos no Rio Grande do Sul hoje, foi a partir dessa experiência, ou dessa situação é que nasceu hoje as doze mil casas que o Governo Federal fez no interior do estado, a partir dessa...Inclusive as cooperativas habitacionais que recebem dinheiro nos municípios, no estado e no Brasil, foi a partir desse programa, porque eles não tinha política de habitação pra cooperativas e hoje aqui em São Leopoldo pra tu ter uma ideia, que sou o prefeito aqui, importante do Estado saber, eu fiz dez mil casas, das dez mil casas, seis mil foi com as cooperativas, então, elas tiveram também um papel não só (...) naquele assentamento, como era uma experiência nova e era um desafio construir, nós também aprendemos e fomos construindo as relações, então, por isso que esse conselho ele não tinha autonomia da secretaria, nós não tinha autonomia nenhuma.(...)Procurador da parte autora: Perfeito. Durante a execução das casas, o Senhor mencionou que não chegou a seu conhecimento nenhuma causa pra paralisar o projeto, mas o Senhor recebeu informações, reclamações de que no local que não existiam vias de acesso pra que o material chegasse, pra que os trabalhadores se (chegassem)?Réu: Olha, a única coisa que eu me lembro que uma vez na secretaria, deu o pessoal que acompanhava o grupo aqui, eles tavam preocupados que havia uma reclamação muito grande de demora da entrega das casas, isso eu me lembro que...E a argumentação naquele ano efetivamente, choveu muito, acho que nós tivemos uns três meses de chuva, que não tinha, não dava pra fazer absolutamente nada, foi um ano atípico, então, eu me lembro dessa situação, apenas dessa situação que eu me lembro que me reclamaram que não trouxeram uma reclamação, demora a entrega das casas, aí a argumentação era que tava chovendo muito, tinha muita dificuldade, e foi isso que eu me lembro.

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Procurador da parte autora: Quanto à entrega do material necessário para a construção das casas, houve algum tipo de atraso?Réu: Olha, eu não sei te dizer objetivamente disso, isso eu não tenho informação...Ó, deve ter havido, porque imagina 60 km de estrada de chão, então, não era uma coisa muito simples.Procurador da parte autora: 60 Km de estrada de chão?Réu: Acho que deve dá, é isso que deve dá.Procurador da parte autora: O projeto era de, mais ou menos, quantas habitações?Réu: Acho que...Acho que passava de trezentos, não sei o numero exato, porque era dois assentamentos, três assentamentos.(...)Procurador da parte autora: E o Senhor poderia, assim, enumerar de cabeça, quais são as principais difi culdades que os assentados tiveram na construção das casas?Réu: Umas eu já até, assim, relatei. Uma porque como era um bairro muito baixo na época e ninguém ia querer lá na região, era fazer qualificar aquela mão de obra pra qualifica pra trabalha, isso eu me lembro que inclusive teve a Secretaria de Assistência Social, que colocou os servidores lá pra fazerem formação, qualificação de pedreiro, carpinteiro, porque (...) eu me lembro, assim, que uma vez numas reuniões eu precisava relatar e chorava muito, porque não (...) uma família naquele distancia, (...) e se ficasse alguém doente sabia que não ia chegar em lugar nenhum porque tinha dificuldades, então, tinha (...), assim, e comovedores também, em relação à (...) que viviam lá, e as famílias não tinha nenhuma preparação, então, era difícil qualifica (...), era difícil... As pessoas relatavam isso, eles falavam, (...) que iam melhora um dia, então, tudo isso sempre acompanhava os relatos do grupo. Então, não sei quando a invasão teve, se precisaram sair, ou se...Então, tinha muita dificuldade, agora uma coisa ocorreu certa, eu...Faz uns quatro meses que eu tive em Bagé, e tive a oportunidade de visitar o local lá, e se for lá hoje tem lá o prédio da oficina que hoje é um salão comunitário, uma igreja, onde era a oficina, têm lá centenas de casas construídas e melhoradas hoje, outras em situações pior do que tavam, mas ela ta lá e eu me emociono quando eu vou lá, porque as famílias moram ali, entendeu, esse...Juíza: (...)?Réu: Não sei se é dificuldade, porque eu não vivia o dia a dia, mas é...Procurador da parte autora: Só uma ultima pergunta, então. Com a elaboração do projeto, o inicio da execução, foi feito o levantamento das...Da capacitação que esses assentados possuíam?Réu: É na verdade, esses assentados eles deram o cadastro da...Da Secretaria e foi, mais ou menos, entregue na época pros governos sociais, que os cadastrados...Então, se tinha o cadastro de quem, dos agricultores, dos assentados que iriam pra lá, mas pelo que eu saiba, pelo que eu conheço, não sei se...O quê, que eles sabiam fazer, então, não posso te afi rma se sabiam quantos pedreiros ou carpinteiros tinha, e tal. (...)Procurador da parte autora: Nada mais, obrigado.Réu: Obrigado.Juíza: Ouvidas as testemunhas, encerro a instrução e converto debates orais em memoriais escritos, a iniciar pela parte autora. Prazo de dez dias para cada uma delas. A seguir, voltem conclusos para sentença. Expeça-se Nota de Expediente para iniciar o prazo. Nada mais.

Depoimento pessoal do demandado José Hermeto Hoffmann, fls.

J: Aos costumes disse ser réu. Não presta compromisso. Em 1999 e 2000, o senhor ocupava que cargo aqui na administração? D: Secretário da Agricultura e do Abastecimento.

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J: Com relação à construção de moradias no assentamento rural Hulha Negra e Candiota, o que o senhor teria para nos esclarecer? D: Quando nós, quando o governador Olívio Dutra foi eleito, fazia parte da sua proposta de governo um programa de reforma agrária. E coube a nós como secretário da Agricultura nesses dois primeiros anos, 99 e 2000, a formatação dessa política. Que era uma política que consistia no acesso a terra, compra de áreas, portanto, no processo de produção, viabilizar processo de produção com créditos, enfim, na assistência técnica, vias de acesso, moradia digna, acesso à luz elétrica e também água, e cestas básicas enquanto o processo produtivo não estava em andamento. Então essa formatação dessa política coube a mim definir enquanto governo. J: E essas irregularidades que são apontadas na inicial, acredito que o senhor deva ter lido a petição inicial? D: Sim, li. J: Que refere que foi feito um assentamento num local onde não tinha acesso, ou acesso muito precário, para deixar o material lá, sobre a contratação da EMATER para fi scalizar e daí ela logo repassar para uma outra cooperativa, problema de falta de licitação em alguns trabalhos. Essa “promiscuidade” entre benefi ciários e integrantes da cooperativa que fi cou de fornecer o material de construção. O que o senhor teria para nos relatar? D: Todo esse processo que está relatado no que eu li é um processo a posterior à minha responsabilidade sobre a área. Porque a partir de janeiro de 2001 foi criada a Secretaria Especial da Reforma Agrária ligada diretamente ao Gabinete do Governador, e, nessa comissão, eu saí fora desse tema da reforma agrária e toda a política da reforma agrária, inclusive essa questão das moradias. J: Na época do estudo para a construção das moradias nesses assentamentos, o senhor não participou dele? D: Não. Nós defi níamos no Conselho de Política a grande política. No Conselho do Funterra, onde o Conselho Estadual de Fundo de Terras do estado era um conselho que a sociedade civil tinha presença, a Federação da Agricultura, a Farsul, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura, a Fetagrs, e o governo do Estado. E lá se defi nia no Conselho do Funterra, a aquisição das áreas, se o preço da terra tinha acordo, tinha que ter todo o processo de estudo técnico e tudo que envolvia gastos. Como os gastos dessa área foram depois de 2001, foram fora do meu período. O que eu participei foi da formulação da política e do todo que envolveu o processo da terra e outros problemas em 99 e 2000. 2001, quando da execução dessa política, já não era da minha responsabilidade. E na minha opinião, todo a questão do cronograma de implantação, retardar processos, porque choveu demais ou choveu de menos, isso é uma questão administrável, sem comprometer a construção das casas no processo fi nal. Mas isso já não era mais na minha área, do meu período de responsabilidade sobre o tema. J: Seria de quem essa responsabilidade, na sua visão? D: De quem me substituiu na presidência do Conselho do Funterra, que foi a secretária extraordinária da Reforma Agrária. Porque o Departamento da Reforma Agrária como departamento era vinculado à agricultura. Quando foi criada a Secretaria Especial da Reforma Agrária, em 2001, esse departamento por inteiro migrou para essa nova secretaria, e foi nesse período que se fez a execução dessas casas. J: O processo não foi concebido antes da execução? D: Não, a concepção de programa de reforma agrária foi em 99, tão logo nós chegamos no governo, e tudo o que foi envolvido na questão de aquisição de terras. Mas as casas foram efetivamente construídas a partir de 2001. Isso está muito claro no processo. Foi feito um convênio com a EMATER, Secretaria da Habitação. E a concepção das casas em si, todo o processo da construção, que tipo de casa, isso não foi da minha alçada. J: Mas que local, aquele local que seria destinado para os assentamentos, isso aí foi na sua época ou não? D: Sim. Nós tínhamos uma dificuldade de adquirir áreas fora daquela região. Lá tinha mais área disponível, as terras eram mais baratas. Claro que eu sabia que nós íamos ter uma grande concentração de áreas naquela região.

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J: E essa questão do acesso, do difícil acesso a essas áreas, o que o senhor poderia dizer? D: Fazia parte do conjunto de medidas, vias de acessos internos. Agora, se uma coisa foi feita antes ou depois da outra, eu não saberia dizer, porque havia um conjunto. Era acesso à área, construção das vias internas, às casas, eletrificação rural, cesta básica, acesso à água e luz, tudo isso fazia parte do conjunto da política da reforma agrária. (...)PA: Quanto ao projeto de Hulha Negra e Candiota, o senhor sabe se havia previsão para construção de estradas e melhoria da malha rodoviária para a implementação? D: Sim. Todos os projetos de reforma agrária do nosso governo entre 99 e 2000, quando eu fui responsável pela área, tinham um conjunto de ações e políticas públicas e todas elas contemplavam o acesso aos lotes por estradas internas, todos, independentemente se foi em Hulha Negra ou se fosse lá em Cruz Alta. PA: Isso era o que tinha que ser feito por primeiro? Tinha uma previsão de organograma de obras? D: Nesse mérito não posso entrar agora porque eu não sei, porque como nós tínhamos 3 fontes de recursos. Recursos do Incra, do RS Rural e do Tesouro do Estado, orçamento do Estado. Então eu agora não saberia dizer se rodovias e acessos era de uma fonte de recursos. E essas questões orçamentárias às vezes não andam como a gente quer, ou muitas vezes pode demorar mais, pode demorar menos, e eu não sei se a construção dessas rodovias era de uma fonte de recursos do estado ou se era do Incra, não saberia dizer se uma vinha antes ou depois da outra. PA: O senhor tinha ciência de como estava a situação das estradas no local?D: Não. Como eu afi rmei antes já, eu não fui ao local, não conhecia esse local. Toda a questão da reforma, a agricultura tem, a EMATER tem vinculada, a CESA, a CEASA, o Irga e a Fepag, são cinco instituições vinculadas. Quando você consegue fazer com que esse time todo jogue, já é uma vantagem. Então você não tem condições de ir lá em cada ponta e verifi car como é que andam as coisas, por isso esse caso aí, eu nunca fui nesses assentamentos. Não conheci em loco a situação. PA: E quanto à liberação dos valores, o senhor acompanhou pela RS Rural, foi em loco? Como é que foi? D: O RS Rural tinha uma secretaria executiva. Era o ordenador de despesa. Eu não tenho acompanhamento de liberação por liberação. Eu sei que tinha avaliações de meio-termo quando vinha o representante do Banco Mundial. Eu sempre o recebia pelo governador. Após avaliação de meio--termo que eles faziam, eles faziam uma conversa comigo, com a secretária da Fazenda e normalmente com o próprio governador, onde eles davam ciência do grau de satisfação que eles estavam com o andamento dos projetos. E em nenhum deles eu tenho alguma referência de que havia algum problema do cronograma de execução dessas casas. PA: Nunca foi relatado irregularidades para o senhor? D: Não, para mim não. PA: Contratação da CAMAIL, o senhor não participou, não assinou contrato? D: Não. PA: Quando à execução, o senhor não sabe, entrega de materiais, esse tipo de coisa? D: Não. Isso é tudo período posterior ao meu tempo de responsabilidade. PA: O senhor sabe que houve insucesso do projeto? O senhor acompanhou?D: Sim. Depois pela mídia. Eu saí da Secretaria da Agricultura em final de 2002, eu fui assessorar a bancada do PT na Assembléia Legislativa, e lá é uma caixa de ressonância de todos os problemas, então eu me lembro muito bem que na mídia apareceu seguidamente essa notícia, e foi objeto, inclusive, de uma reunião da Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa. E na condição de assessor eu acompanhei esses debates lá na Assembléia. PA: Como secretário o senhor não ficou sabendo de nenhuma irregularidade?D: Não, como secretário não. J: Nada mais.

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Depoimento pessoal do demandado Sérgio Antônio Gorgen, fls. :

J: Em 1999 e 2000, o senhor ocupou algum cargo no Estado? D: Sim, senhor.J: O senhor era o quê? D: Diretor da reforma agrária.J: Com relação à construção dessas casas em Hulha Negra e Candiota no sistema de muti rão, qual foi a sua participação? D: Eu participei única e exclusivamente quando estávamos preparando o programa de reforma agrária, adquirimos as aéreas de terra na região e mon tamos um programa de reforma agrária para todo o estado, onde a habitação era um dos componentes importantes, coisa que não se fazia anteriormente. Nós pensamos que a habi tação era algo necessário e inclusive foi o caso de ter famílias que estavam há mais de dez anos em barracos de lonas, ainda sob as terras adquiridas pelo estado, e a habitação era essencial nesse programa de reforma agrária.J: Com relação às acusações que são atribuídas ao senhor, de ter praticado junto com ou tras pessoas conduta negligente, no sentido de não cuidar de oferecer condições de tráfego nas estradas para levar os materiais de construção para as casas e mudar o programa, pe gando, em vez de pagar madeira benefi ciada, madeira bruta para os próprios benefi ciários trabalharem essa madeira, mesmo sem ter capacidade de fazer isso. O que o senhor pode ria nos dizer? D: Se o senhor pegar o dia que eu deixei o governo do Estado, foi em 6 de dezembro do ano 2000. Nesse dia eu deixei o governo do Estado. Até ali não tivemos ne nhuma desses casos que o senhor comenta para mim. As estradas, todas as estradas, es pecialmente as gerais, elas todas dão acesso, davam acesso todas elas em perfeitas condi ções para que o material chegasse até as casas. A maior parte das casas fi cava em lotes que tinham acesso às estradas principais. Isso quando foi pensado e planejado no progra ma de reforma agrária não era um limitador, mas isso que o senhor me fala se aconteceu algo semelhante, eu não era mais responsável pelo departamento de reforma agrária.J: Nessa data que o senhor refere que deixou o governo, as construções lá em Candiota e Hulha Negra já não tinham sido decididas? D: Pode ser que decididas, sim, mas não inicia das, isso com certeza.J: A verificação em si se as rodovias tinham condições de serem feitas? D: Isso tranquilo, as rodovias davam condições e se davam condições para ter famílias lá, a moradia tem que chegar. A moradia tem que chegar, não era justo que as pessoas ficassem ao relento, sem possibilidade de ter acesso à moradia. Moradia é um direto constitucional. Nos cabia, como gestores do estado, garantir a moradia. Moradia e digna. Eu disse para o senhor, no valor que conseguimos que o estado disponibilizasse não era possível fazer moradias totalmente dignas, mas pelo menos as pessoas tinham um teto para morar.J: Como foi a execução do projeto, o senhor acompanhou? D: Não, porque eu não estava mais no governo.J: Sobre a contratação de um engenheiro, acho que florestal, de São Paulo, que seria espe cializado e sem licitação, o senhor sabe alguma coisa? D: Não, porque não foi da minha se cretaria.J: Não foram trocadas opiniões entre as secretarias? D: Sim, mas não sobre a contratação.J: Quem foi o responsável pela contratação, o senhor sabe? D: Não.J: Dada a palavra ao Procurador do Autor. PA: Sabe informar como se dava o projeto de autorização da implementação dos pagamentos? D: Não. Eu não estava mais no governo.(...)J: Aqui fala em 361 casas nos dois locais, poderia ser isso? D: Não sei, tenho que ser coe rente, eu não sei.

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J: 321, desculpa. D: Não sei.J: Mas tem 321 hoje lá, nas duas? D: Doutor, são quase 2 mil famílias assentadas nos 3 municípios: Candiota, Aceguá e Hulha Negra. Em Hulha Negra, que são mais de 800 famíli as assentadas, e Candiota mais de 600, as famílias e os lotes existem lá.(...)PA: No projeto, quando o senhor participou da elaboração dele, o nível de dificuldade de construção das casas era acessível às famílias? D: Era acessível.PA: Foi feito algum estudo? D: Foi feito estudo e muitas casas foram construídas pelo esta do afora, até hoje se faz casas em mutirão, que é um grande sistema em que se constrói casa desde antes de existir cidade.PA: No projeto havia algo sobre a previsão da qualidade e quantidade de materiais a serem entregues? D: Dentro do valor pago e disponível, sim.PA: Havia previsão de qualidade de materiais? D: Claro que havia essa previsão.(...)J: Aqui está na petição inicial está transcrito um texto que seria de sua autoria nessa investi gação, que o senhor teria dito, eu confesso que não examinei os documentos do procedi mento administrativo, mas consta na inicial que o senhor teria dito que tinha “conhecimento da inexistência de malha rodoviária suficiente e das más condições das estradas existentes e dos diferentes tipos de solo, mas não foi avaliado corretamente o impacto que isso traria no projeto de construção de um número elevado de casas, que esses detalhes tiveram que ser corrigidos ao longo do processo de adequação do projeto”. O senhor teria dito isso?D: Doutor, o que eu disse e vou dizer de novo, eu falei nesse expediente quando me pergunta ram: ‘Vocês sabiam que as estradas tinham dificuldade de trafegabilidade no inverno?’ ‘Sa bíamos, mas não imaginamos que teria um inverno tão rigoroso como teve’. Eu digo para o senhor, estou falando de 99 a 2000. Isso aconteceu em 2001 e 2002. Eu sei porque eu con vivo e participo lá, eu visito seguidamente a região e agora eu moro lá. O inverno lá, os dois invernos foram rigorosos, muito mais do que em outras épocas, o que atrasou a entrega do material. Apenas isso. Isso é verdadeiro, mas isso não era mais da minha responsabilidade. Eu me refiro a isso, mas não que isso pudesse prejudicar totalmente a entrega, tem atrasos e problemas. No interior nunca se prevê com grande antecedência como será o período chuvoso ou seco, é impossível. A previsão de meteorologia consegue fazer dois meses de previsão, como nós faremos com dois anos.J: Apesar disso aí, havia possibilidade de os caminhões entregarem? D: Depois, passado o período chuvoso, logo em seguida entra. Tem estradas por tudo lá, já existiam as estradas de fazenda. As estradas foram melhoradas. Agora se passa em qualquer época do ano. Os novos governos colocaram saibro nas estradas. Na época, se o inverno fosse muito rigoro so, fi cava uma semana sem entrar com os caminhões, por exemplo, mas tudo é um atraso do cronograma, mas continua entregando.(...)”

Depoimento do representante legal da CAMAIL: Antoninho Jucelino Mattes, fls. 1348-verso a 1352:

(...)J: Essas irregularidades que são apontadas, especificamente com relação à CAMAIL, que teria entregado materiais de construção de forma desorganizada, entregando primeiro telha, enquanto precisavam ser feitas as fundações e coisa parecida, o que o senhor poderia co mentar? E também materiais de má qualidade e em quantidade inferior da que deveria ser? D: Foram recebidas as

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quantidades e os tipos de materiais. As compras eram feitas aqui em Porto Alegre e a entrega era feita lá, as empresas entregavam os materiais comprados. Como tinha as quantidade e eram para ser feitas essas casas todas numa sequência, se optou assim. Porque se tinha material pronto e se era material não perecível, tipo telha, se iniciou a distribuição e a fazer as casas, então por que não ter as telhas? Essa foi a compre ensão. Mas se comprou um produto bom. Não podia ser de primeira qualidade, porque o di nheiro era pouco, era um volume popular. Então, dentro do popular, foi escolhido o melhor. Isso eu afi rmo porque acompanhei e o compromisso nosso era entregar lá no assentamento Conquista da Fronteira e de lá as famílias e mais a organização que tinha – que não lembro quem desenvolvia – distribuía. Então, a gente para receber o dinheiro, o dinheiro fi cava na conta das famílias no banco e tinha que chegar a nota, ter a conferência e aí entrava o di nheiro para a cooperativa. J: Com relação ao local de entrega: era no próprio assentamento ou era em outro local? D: Era em um local, nós nos responsabilizamos de entregar no local centralizado a madeira e teve algumas coisas que a própria organização das casas, porque era bastante casa, não lembro o número, mas era um volume grande, como já ia uma carga de telha, já levavam para o assentamento, sem problema. J: O senhor poderia especificar que local era esse? D: Era para deixar no assentamento Conquista da Fronteira. J: E esse assentamento fi cava a quantos quilômetros dos demais assentamentos em que deveria ser redistribuído esse material? D: Eu nunca medi, mas tinha assentamentos que dava 20 quilômetros. Para sair da Conquista da Fronteira com a madeira benefi ciada até a Candiota era acho que dez quilômetros. Eu não consigo medir. J: O compromisso da CAMAIL, então, era entregar esse material ali no assentamento Con quista da Fronteira? D: Na Conquista. O compromisso era para fazer a compra desse mate rial e entregar. J: E o deslocamento até esse saneamento da Conquista da Fronteira era normal, as estra das eram normais, asfaltadas? D: Não. Tinha estrada, mas se chovia a estrada sumia. J: Isso impedia de entregar o material? D: Impedia. Eles tiveram muita dificuldade. J: E a empresa? D: A empresa podia programar a sua chegada até o assentamento sem problema, porque estava umedecido e tal, mas dali para a frente… Porque ali é uma estrada melhor, já tinha investimento para chegar até a Conquista da Fronteira. O problema eles ti veram para deslocar dali para os outros assentamentos, porque as estradas eram estradas para dia de sol. J: Mas até o assentamento Conquista da Fronteira era tranquilo? D: Sim. J: Não havia problema nenhum para deixar no local ali? D: No local não, no local ia. Deu problema de parar antes algumas cargas, mas depois se recuperou. A CAMAIL conseguiu devido a essa facilidade de chegar até ali. J: E a redistribuição desse material para as outras unidades de assentamentos poderia ter eventualmente algum problema de deslocamento? D: Certamente teve muitos problemas, porque o projeto demorou para viabilizar, mas a CAMAIL, da nossa parte não tivemos pro blema.J: Eram as próprias famílias que faziam essa redistribuição dali do assentamento Conquista da Fronteira? D: Tinha uma organização com as famílias e parece que o Estado na época colocava caminhões para distribuir. Eles tinham um esquema de distribuição lá, mas as fa-mílias dos assentamentos tinham obrigação de desenvolver isso aí. (...)J: E depois esse material, o senhor ficou sabendo, teve conhecimento, se houve muita dete rioração desse material, muitas perdas, alguma coisa nesse sentido?D: Eu soube que o projeto deu problema para viabilizar, mas as perdas que teve e tal não me envolvi nas quan tidades.

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J: Teria dado problema em que sentido para viabilizar? D: A chegada do material até local. J: Por esse motivo é que teria se inviabilizado? D: Eu soube também que teve muita desis tência das famílias. A família pegava o material e não conseguia, começava a fazer a casa e tomava a liberdade de não ficar mais naquela terra. Teve muitos problemas, mas eu acom panhei de longe. J: O senhor fi cou sabendo que nem todas as casas inicialmente previstas foram construí das? D: Foram construídas posteriormente, porque os lotes foram defi nidos e a comunidade e mais os órgãos do Estado assumiram junto com eles e foram construindo, mas nessa pri meira leva de material teve problema e não conseguiram viabilizar tudo. (...)J: Essas pessoas que eu citei, com exceção de Fernanda, que o senhor não conhece, ti nham alguma participação nesses assentamentos? D: Não, diretamente não; eles tomavam as definições, porque o Vanazzi era Secretário da Habitação e eles coordenavam todos os projetos de habitação no Estado. Quem tinha responsabilidade lá para fazer eram eles. J: Alguma vez o senhor ouviu o nome deles ser associado a algum favorecimento pessoal no assentamento ou de algum outro? D: Não. J: O senhor sabe como se dava o pagamento desse material que a CAMAIL fornecia? D: Sim. J: Como era isso? D: A cooperativa tinha que comprar o material e transportar até lá no as sentamento, por conta dela. E para receber esse material levava a nota, a nota era entregue lá e conferiam o material entre as comissões que tinham lá, que era a Emater e a comissão de assentados. A partir daí, tudo conferido, anotava para o banco e entrava na conta da coo perativa o dinheiro. Mas esse dinheiro só era liberado para a cooperativa a partir da mer cadoria lá. J: Qual é o banco? D: Trabalhava na época com o Banrisul, esse projeto era ligado ao Ban risul. (...)PR: O depoente tem conhecimento de que muitas casas não foram construídas por desis tência das famílias? J: Ele já respondeu. Pelo procurador de Sérgio Antônio Gorgen. PR: Quem contratou a CA MAIL foi o Estado ou individualmente os moradores contrataram? D: Entende-se que foi o Estado. Quem coordenou o processo, se não me engano, a carta-convite e as coisas foi fei to via Emater. Eu não lembro bem direito, mas teve a carta-convite e quem tem esses pode res é o Estado. Do ponto de vista legal, foi tudo certo: mandaram a carta-convite fechada e os preços… (...)MP: Quem fiscalizava esse tipo de atividade? D: Isso aí era a comunidade lá e mais as enti dades que se envolviam no processo de acompanhamento de assentamento. A Emater acompanhava a implantação de assentamento, na hora de implantar o assentamento as ca sas era uma coisa que a Emater acompanhava, mas acompanhavam os projetos de desen volvimento na área de produção. MP: Tinha uma cooperativa dos moradores? D: Tinha uma cooperativa, a Cooperal. Mas a Cooperal não se envolvia muito como cooperativa no projeto, a Cooperal era mais para a produção. MP: Mas eles não ficaram executando? D: Não sei. A Cooperal tinham comissões para os assentamentos. A Cooperal, que eu sabia, era mais para comercializar, para fazer o desen volvimento econômico, e esse era mais estrutural de cada um. Mas foi uma grande ideia, só que deu o problema e até ficar bom… MP: Isso aí finalizou quando, encerrou quando? D: Isso eu não tenho histórico hoje, mas terminou quando já tinha passado o Governo Olívio um pouco, porque foi até concretizar tudo.

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MP: E foram assentadas as famílias? D: Na verdade, das famílias que foram assentados na RB, como chamam a lista dos beneficiários iniciais. Por exemplo: o assentamento lá de Candiota tinha 20 famílias assentadas. Dessas 20, uma grande parte desistiu e aí foram ou tras famílias para lá e vão completando os lotes. Mas isso é o INCRA que faz e controla. (...)J: O senhor chegou a falar das condições das estradas. Eram realmente precárias? D: Mui to. Tinha estrada, mas ela não era uma estrada cascalhada. Se for hoje lá é outra realidade, porque foi feito um investimento muito grande. J: Teria havido em erro de estratégia, digamos assim, de fazer o assentamento lá por causa da qualidade das estradas? D: Na verdade, houve uma mudança climática ali, porque a re gião sempre foi e é seca, e naquela época virou uma chuvarada; deu uns dois anos muito diferentes. O ano passado, por exemplo, podia ter feito casa lá. J: Se o tempo fosse seco não teria havido todos os problemas, o senhor acha?D: Esse pro blema da força natural foi grande. J: Nada mais. (registrado pela oficial escrevente estenoti pista Rosângela Boeira).(...)”

Depoimento da testemunha da parte autora: Ricardo Rabeno, arquiteto:

J: O senhor promete dizer a verdade? T: Sim.J: Com relação a esse problema que deu lá no assentamento em Hulha Negra, o que teria a nos contar, o que teria para nos esclarecer, participou da investigação? T: Não, da investigação não.J: Teria dado problema porque as casas inicialmente previstas? Acabaram não sendo cons truídas porque o acesso era difícil? T: Não.J: Não lembra disso? T: Não. Eu participei de um projeto de Governo chamado Programa Habitação Rural, mas não de uma investigação e nem de um problema.J: E esse projeto acabou se concretizando? T: Enquanto eu trabalhei com ele não, porque era um projeto a mais longo tempo. Ele foi iniciado no ano de 2001 e eu acompanhei até o final de 2001, início de 2002, enquanto estava em pleno andamento, porque era um proces so de construção de casas. Até o final de 2002 eu ainda estava nessa tarefa no Governo e posso dizer que ele estava em andamento, depois não saberia dizer.J: Pelo Estado. PA: Como se dava a execução dos projetos, saberia dizer como funcionava, se havia alguma assistência técnica? T: Sim, o processo de construção das casas foi pen sado de uma maneira com que cada comunidade envolvida, seja num assentamento ou seja numa localidade um pouco mais próxima da área urbana, teria um projeto padrão, que era um projeto desenvolvido, se a memória não me falha, em madeira ou em alvenaria de ti jolos ou construção mista, utilizando essas duas técnicas ou três técnicas construtivas, com um tamanho de um a quatro dormitórios. Esse era o projeto padrão. E as pessoas receberi am um kit de material de construção nos seus lotes ou junto às suas comunidades e depois uma assistência técnica por meio de uma cooperativa técnica, uma cooperativa de enge nheiros e de arquitetos que poderia fiscalizar e orientar na execução do projeto.PA: O projeto contemplava acesso aos assentamentos? T: O projeto arquitetônico não con templava isso, contemplava unicamente a construção da moradia dentro do lote.(...)J: E o acesso das estradas? T: Se entrava de carro. Eu sempre fui de carro, com caminho nete, e se entrava de carro.

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J: Poderia entrar com caminhão? T: Eu acho que entrava, porque tinha estradas suficiente mente largas que permitiam idas e vindas. Eram estradas vicinais que permitiam idas e vin das de carros e de material de construção. Eu acho que chegava, sim, infra-estrutura antes de serem implantadas as casas.PA: Além de estradas vicinais, teria também estradas internas de loteamento na época que o senhor esteve lá? T: Estrada de terra?PA: É, para entrar. T: Eu acredito que sim, que todas as áreas, porque é uma área… Veja bem, nós não estamos falando de um ou dez hectares, estamos falando de áreas grandes. Esse projeto é Hulha Negra e Candiota, mas ele foi desenhado na sua concepção maior para todo o Estado do Rio Grande do Sul, então eram várias áreas com várias densidades. Às vezes áreas mais densas populacionais e outras menos densas. Então, um lote poderia estar muito longe do outro. Acredito que houvesse alguma comunicação.PA: A testemunha sabe informar quem recebia os materiais lá de construção? T: Não tenho a menor ideia.PA: O projeto contemplava a produção de casas de que forma, de que forma eram erguidas as casas, a testemunha sabe informar a forma como eram feitas? O projeto contemplava qual forma de execução das moradias?T: Projeto de madeira - eu não sou engenheiro, sou arquiteto -, projeto de casas de madeira pressupunha uma edificação modulada, nosso onde os módulos iram ter um certo encaixe e eles teriam uma lógica de colocação depen dendo do tamanho da casa, se fosse de um dormitório, de dois, de três ou de quatro. Isso seria acompanhado de perto pelos proprietários, pelos colonos, os proprietários dos lotes, com assistência técnica de profissionais categorizados para isso, engenheiros e arquitetos.J: A mão de obra não seria dos próprios beneficiários? T: Também.J: Dada a palavra ao Ministério Público. MP: Tem conhecimento se as vias de acesso aos lotes, chegou a verificar? T: Sim, a inexistência das vias de acesso? MP: Elas eram adequadas ou não? T: Não, não, não. Eu andei numa 4x4 puxada por um trator que ele não conseguia andar.J: Mas isso não seria um fator causador de problemas com materiais? T: Não, não, a difi culdade de se ter acesso, porque o que ela está perguntando é se tinha via de acesso às casas, não é isso? J: Mas isso inviabilizava as entregas de material? T: Sim, isso dificultava. Tu tinha que...J: Dificultava ou inviabilizava? T: Não, dificultava, aumentava muito mais, por que se tinha muito mais cuidado e muito mais apuro na infra-estrutura que precisava para o suporte da construção, a chegada do pessoal para trabalhar, era tudo.MP: Elas existiam, mas elas não eram adequadas? Eram adequadas? T: Não, elas não existiam, era campo. Ela não tem. Acesso para fora é o seguinte: acesso é o cara tem o lote, tinha estradas no meio do assentamentos, as estradas principais muito precárias, quando chovia não podia passar, aquelas coisas assim. E dentro dos lotes, como por exem plo, daqui, a casa a três, quatro quilômetros, tu não tinha estrada, tu tinha o campo. MP: Eram inadequadas então, as vias de acesso eram inadequadas? T: Sim, inadequadas. MP: Isso dificultava a entrega de materiais? T: Sim, isso dificultava a entrega de materiais. (...)

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MP: Sabe se houve comprovação de carência de qualificação desses beneficiados na exe cução? T: Carência de beneficiários para executar a casa? Olha, possivelmente eu vou te dizer que sim, possivelmente possa ter, mas eles eram treinados, eles eram acompanha dos, tinha o pessoal técnico que tinha que acompanhar permanentemente.MP: E da parte de quem? T: Os técnicos fornecidos pelo estado.MP: Era do estado essa função? T: Claro! A Margarita estava lá, o Ricardo, o Gilson acom panhava muito! Tinha outros técnicos, não me lembro mais agora, que eles trabalhavam dentro na Secretaria, mas tinha um ou dois técnicos permanentes lá para acompanhar, por que eram agricultores e a idéia era treinar.MP: No assentamento havia no assentamento o próprio beneficiamento da madeira? T: Sim, sim, isso, exatamente, foi montado num ginásio ou coisa assim foi feito uma linha de montagem lá, a madeira vinha bruta e se fazia, se perfilava e fazia a montagem toda ela no ... Isso aí.MP: E sabe se houve contratação de pessoal não qualificado para isso? T: É que uma coisa é que nós temos que definir o que é qualificado: era mutirão, a profissão delas não era ser beneficiário de madeira, eles não são, eles eram treinados para trabalhar. MP: Mutirão é isso então? T: Sim, a pessoa não é pedreiro e vai construir a sua casa, a pessoa não é um marceneiro e vai trabalhar com madeira, ela vai contribuir, mas orientada. Mutirão é isso.(...)J: Para esclarecer: o senhor falou sobre a inviabilidade do acesso, o difícil acesso, que é justamente uma das coisas que o Autor alega. Pergunto-lhe: essas pessoas – o Ary, a Fer nanda, o José Hermeto e o Sérgio – teriam alguma responsabilidade por conta dessa situa ção assim de difícil acesso, se pode atribuir a eles de conceber um projeto, ou autorizar um projeto onde teria difícil acesso para levar o material? T: O senhor vai me desculpar, mas eu vou dizer o seguinte: as pessoas precisavam de casa. Uma das questões centrais era o de as pessoas terem casas lá, certo? Bom, nós tínhamos que fazer uma casa de um jeito ou de outro jeito. Qual é o jeito mais fácil de fazer casa lá? Nós encontramos esse: modelo pré-fabricado, nós levamos no período seco, mais curto, enfi m, mais fácil, se desperdiça menos material. Fizemos uma análise com todo mundo: o pessoal da UFRGS, o Gilson, todo mun do. O melhor meio, o jeito mais fácil... Ou o jeito melhor é não fazer! Aí não tinha problema. Mas nós tínhamos uma tarefa, nós tínhamos que botar casa ali praticamente sem infra-es trutura. Eu acho que estrada não era um problema do governo estadual, acho que era um problema do governo federal, se não me engano, por que era um assentamento... Eu não sei dizer exatamente de quem era a responsabilidade, mas nós éramos responsáveis por construir as casas. J: Mas o risco era calculado? T: O risco era calculado! Nós tínhamos a responsabilidade construir as casas: qual era a forma mais fácil de fazer as casas, se for fazer? Claro, dá para lavar as mãos e não fazer! E aí, se o senhor me permitir o seguinte: essas pessoas, realmente, fi zeram o risco e fi zeram calculado. Aquela experiência alguém pode não gostar muito! Mas o fato de nós termos feito um projeto de habitação rural e ... isso aqui é um ba lancete da Caixa Econômica Federal, a Caixa diz que até 2002 ela nunca trabalhou com ha bitação rural, ela passou... nós fi zemos história com habitação rural! Hoje são 120 mil famíli as, no Rio Grande do Sul são 35 mil famílias. Bom, ali foram 300 que não tiveram, talvez, a plenitude, mas pelas outras 34 mil, ah, vão me desculpar, sabe! Eu acho que quem faz este tipo de situação aqui é que não conhece o pé no barro! Não sabe o que é andar no meio de um assentamento! Acho que só conhecem a região asfaltada, mas chegar lá e an dar no meio do barro e não saber o que é luz,

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não saber o que é água! É muito diferente! Convidaria para olhar mesmo e a ler esse material da Caixa, que é agora, recente, é forma ção individual. (...)”

Depoimento da testemunha Álvaro Luiz Pedrotti, arquiteto:

J: O senhor promete dizer a verdade? T: Com certeza.J: Esse assentamento lá em Hulha Negra e Candiota, o senhor participou da execução? T: Participei do projeto.J: Depois voltou lá para ver se ele foi concluído? T: Sim, voltei para fazer algumas reuniões e acompanhamento.J: Foi concluído? T: Sim, nessa época ele foi desenvolvido para ser concluído, mas quando terminamos o Governo não estava concluído. Isso é um projeto que fazia parte de uma ação de fazer habitação rural. Não sei se o senhor sabe, mas habitação rural não existia formal mente no País. Nós fizemos o projeto piloto na Secretaria da Habitação, que também não existia no Governo do Estado, foi criado em maio de 99 e aí nós começamos a desenvolver várias ações, entre elas habitação rural, porque é uma demanda muito grande da área do campo, que nunca teve financiamento habitacional. J: Vamos nos ater a Hulha Negra e Candiota. O senhor chegou a ler sobre o processo, as irregularidades que estão apontadas? T: Eu soube do processo.J: O senhor concorda ou não concorda? T: Eu discordo completamente. J: Não houve esses problemas aí? T: Não, eu acho que houve problemas, mas depende de como se vê os problemas. Eu acho que nós temos que falar de habitação rural, porque esse programa – essa é uma das casas que era modelo e que era para ser construída em Hulha Negra e teve um prêmio da Associação Brasileira de COHABs pela proposição que foi feita. Isso é uma resolução do Conselho Curador, onde conseguimos passar um projeto, que foi o projeto piloto no Estado do Rio Grande do Sul sobre habitação rural. Foi a primeira vez na história desse País, como dizia uma pessoa famosa, que se propôs o FGTS a financiar na área rural e depois virou exemplo e hoje… J: Isso não interessa. T: Mas eu quero chegar no projeto de Hulha Negra. No projeto de Hu lha Negra a habitação rural foi pensada em vários modelos, desde construir em alvenaria até em outras formas alternativas em função muito da infra--estrutura existente disponível. Então, quando nós recebemos a tarefa junto com outros setores da administração da época para atender a demanda de habitação rural para aquele povo que estava sendo assentado foi feita toda uma análise de quem ia trabalhar lá, qual era a infra-estrutura existente, se ti nha estrada ou se não tinha, se tinha energia ou se não tinha, se água potável para fazer o cimento, o concreto, a argamassa. Todo o tipo de infra-estrutura existente para podermos analisar que tipo de construção iríamos fazer lá. Também quais eram os recursos disponí veis, de onde vinha o dinheiro, como seria a fi scalização, o acompanhamento técnico, qual era o envolvimento dos benefi ciários. Foi feita uma série de questionamentos pegando pes soas conhecidas, reconhecidas. Esse projeto aqui foi desenvolvido junto com o pessoal do NOIE da UFRGS, o Núcleo Orientado para Inovação da Edifi cação da UFRGS, junto com um professor de São Paulo do IPT, o Gilson, e outros tantos, o pessoal da região, que co nhecia bem a região. E uma das questões que nós muito debatemos foi as pessoas que po diam participar, se elas tinham habilidade para trabalhar em alvenaria ou em madeira. En tão, muitos trabalhavam com madeira, porque era mais fácil, tinham mais conhecimento. Outro grande questionamento era como íamos fazer o acondicionamento do

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cimento, se op tássemos por alvenaria, porque cimento tem uma durabilidade extremamente curta, para quem conhece na área da construção civil não passa de 30 dias a validade de um saco de cimento, se bem acondicionado. Lá se andava sem estrada numa 4X4 puxada por trator em boas condições. Eu fui lá uma vez nessas condições, fomos visitar várias casas que esta vam em construção para fazer análises rotineiras que se fazia de avaliação, de andamento do cronograma, reuniões. Essa casa que está aqui nessa foto é uma casa verdadeira, é uma casa feita aqui no parque da Expointer, fi cou oito anos como exemplo da casa rural e está lá até hoje construída.J: Dada a palavra aos Procuradores dos Requeridos Ary e Fernanda. PR: Ele é o técnico que elaborou esse projeto, então, indo direto ao tema que está sendo debatido no processo: nessa discussão da implementação do projeto quem participou da formação da implanta ção, quais secretarias de governo, se foi debatido com os assentados a escolha do projeto e quem seria então que participou? T: Todas as secretarias envolvidas: o gabinete da Refor ma Agrária, Secretaria da Agricultura, acho que parte da Secretaria da Habitação, Centro de Governo, o gabinete do Orçamento Participativo, Relações, enfi m, e apoios. Mais ou menos seria isso. Na verdade, era um projeto do governo, um projeto que não era de uma secreta ria e, por isso, que ele teve o acompanhamento, tinha equipe técnica lá e meios para fazer o acompanhamento e para fazer o desenvolvimento do projeto, conforme tinha sido pensa do, de casas pré-fabricadas de madeira no modelo que apresentei aqui, enfi m, no nosso entendimento atendia as condições de logística disponível lá, isto é, ausência de eletricida de, que fazia... as casas como montava elas, em painéis montados num QG onde tinha energia, num dos poucos lugares que tinha energia, e tu levava ela no período seco, enfi m, disponível, utilizando poucos materiais que poderiam ser perdido nesse manuseio, que era um grande problema, a medida que o recurso era extremamente escasso e todo material que se perdia não teria viabilidade de se repor e quando tu faz um projeto a 300 unidades muito fácil tu fazer a primeira e o problema de tu fazer o acompanhamento é tu fazer a últi ma das 300. Então, na verdade, este era o projeto. Ponto. Acompanhamento fi m e com a responsabilidade de quem tinha compromisso de fazer e dar condições para aquelas famíli as lá se desenvolverem e entendendo que habitação é uma questão fundamental para aquele assentamento dar certo.PR: E o senhor acompanhou a evolução desse projeto enquanto durou o governo do qual o senhor participou como um integrante dessa secretaria? T: Sim, acompanhei, participei das decisões, essas decisões assim, por exemplo, como enfrentar a falta de energia, como en frentar a falta de infra-estrutura, como é que poderia ser agregados os benefi ciários, que tipo de habilidade eles teriam, essas questões mais centrais.J: Quando é que o senhor deixou o governo? T: Eu deixei o governo dia 31 de dezembro de 2002.J: E o projeto já tinha iniciado a execução? T: Já tinha iniciado a execução, várias casas a execução.PR: E o acompanhamento técnico nesse período existia, era passado? T: Sim, sim, tinha técnicos contratados, terceirizados, não sei dizer exatamente se era por EMATER, se era por GRA, enfi m, mas eram técnicos terceirizados que faziam o acompanhamento, técnicos do local, pela política de ter enfi m gente que conhece a região.PR: E a Secretaria da Habitação designou uma equipe e seguiu acompanhando o local até o final do ... T: Sim, nós fizemos parte daquele acompanhamento até dezembro de 2002.PR: E o secretário de então Ary Vanazzi... T: Que saiu em maio para concorrer.PR: Isso, secretário até uma determinada data, depois deixou, é acusado de ter adotado um projeto cuja concepção não teria viablidade já lá no início. O senhor pode me dizer se isso poderia ser, na época, tangenciado, assim ‘olha, o secretário está apoiando um projeto que pode não dar certo’? A pergunta é: tecnicamente

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havia viabilidade para esse projeto? T: Eu compro esse debate tranquilamente, até porque eu posso ser suspeito, sou um dos formula dores enfim, nós discutimos com a universidade, discutimos com... o Gilson é uma pessoa que tem muita experiência! Que tinha assessorado o governo Simon num projeto que o go-verno Simon tinha pensado anteriormente em casas, em função da sua origem, de Caxias do Sul, com a casa Madezatti, que todo o Estado do Rio Grande do Sul conhece, com as Brizoletas enfim, aquelas coisas assim. O Rio Grande do Sul tem tradição de construção de madeira. E a casa que foi construída lá é uma casa excelente! E o proposto era uma casa de muita qualidade. E quero dizer o seguinte: tanto é que as que foram construídas estão lá em pé, bonitinhas, é só conservação. O problema que foi é que assim, ó, o cobertor era muito curto e tapava direitinho, só que tinha que cuidar muito bem! Onde se destapava um se perdia e não tinha... O acompanhamento tem que ser muito firme! PR: Uma situação climática adversa poderia ser um impeditivo para esse projeto se consoli dar assim da forma como está sendo alegado? T: Sim, sabia-se da difi culdade climática, sa bia-se da difi culdade de estradas que eu relatei, eu tive a oportunidade de numa das visitas ter essa grande difi culdade, ele foi um dos defi nidores que nos colocou, por exemplo, a op ção de fazer casas pré-fabricadas em madeira, de não utilizar alvenaria. Esse foi um dos defi nidores, tanto é que usamos alvenaria nos lugares onde tinham, por exemplo, acesso fá cil. Tinham assentamos que estavam próximos da estrada, do asfalto, cinco kms, seis kms, aí isso era tranqüilo, aí tu poderia ter um abastecimento adequado conforme a validade do material e a sua aplicação, por que a mão-de-obra ela era remunerada, mas ela tinha sazo nalidade, as pessoas não eram de trabalhar direto, não é a gente construir ali numa rua onde tem acesso do asfalto, onde tem água, onde tem energia, onde tem um pedreiro que vem de manhã às oito e vai embora, não é isso. É uma construção diferenciada que tem uma característica, mas ele precisa de um acompanhamento técnico principalmente para evitar qualquer erro e qualquer difi culdade.PR: E esse acompanhamento técnico até dezembro de 2002 o senhor atesta que ocorreu? T: Sim, sim, com certeza absoluta! É só digo na questão do tempo: nós imaginávamos uma coisa, e para os assentados também tinham experiência, estavam lá há alguns anos, mas não era assim... Mas foi bem pior do que a gente constatou. A dificuldade de trabalhar com o clima, por que tipo assim: chovia uma semana. Bom, então, no próximo dia tu entra va. Não. Tinha que esperar uma semana para resolver o problema de estrada, para ter acesso ou dos lotes para ter acesso com equipamentos mais pesados e tal. Aí passava aquela semana seca, ‘bom, vai começar’, daí chovia de novo!PR: Isto não era previsível antes de vocês constatarem mais opção do processo? T: Não, era previsível, nós enfrentamos esse problema.PR: O projeto previa a questão climática? T: Claro, previa! Mas não tão com a intensidade.PR: Mas na execução se mostrou diferente? T: Se mostrou mais dificuldade, mas mesmo assim nós vencemos várias, várias barreiras nós vencemos. Claro, o que precisava era: mais acompanhamento, mais reforço, com acompanhamento e reforço permanente. O que a gente sabe de relatos de quem ficou, por que acompanhamos depois um tempo enfim, de que simplesmente o pessoal que fazia assistência técnica saiu! Não acompanhou mais. Bom, aí aquilo ali é um prato cheio para desandar mesmo! Não tinha outra saída.PR: E quando aconteceu este desacompanhamento ou rompeu o acompanhamento técni co, qual é a data, qual é o período? T: A informação que nós temos por contato das pesso as que eram terceirizadas, que faziam acompanhamento técnico, e por informações de den tro da Secretaria da Habitação, que, obviamente, se encontrava colegas da Habitação de pois ‘bah, e aí, como está tal projeto? Como

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é que está aqui no Morada São Pedro? Como é que está o outro lá?’ Que a Secretaria da Habitação sofreu um baque muito forte! Passando de novo a não ser prioridade. Bom, aí não tem jeito mesmo, as coisas param!PR: E quando é que deixou de ser prioridade? T: A partir do próximo governo, em 2003.PR: Tem conhecimento de como se dava a fiscalização do recebimento do material no pro jeto? T: Puxa vida, tinha uma comissão de moradores lá, dos assentados, que eram direta mente ligados, e tinha uma cooperativa que administrava e recebia o material, eu sei que ti nha a fiscalização e este acompanhamento dessa comissão que recebia... o grosso do ma terial era madeira, da outra parte assim, e era isso, este era o acompanhamento.PR: E a EMATER também fazia a fiscalização de algum segmento que acabou sendo o ma terial? T: A EMATER trabalhava, não sei dizer qual era a responsabilidade final dela, mas trabalhava não sei se com os terceirizados ligados a ela, enfim, não... faz tanto tempo que isso eu não saberia precisar.PR: Esses valores que foram aplicados nesse projeto vinham da onde, quem participava? T: Olha, parte do governo federal, parte do governo estadual, não vinha do GRA, recursos do GRA, parte do governo federal e nós tínhamos, a Habitação, na verdade, participava mais com o projeto e com a gestão. Nem saberia dizer... E nós contratamos a UFRGS e contratamos o Gilson também. Nós contratamos o projeto em si, a concepção do projeto. O acompanhamento da mão-de-obra dos técnicos, eu, se não me engano, também acho que não vinha da Habitação.J: E por que o Gilson e não outro? T: Por que o Gilson tinha notório saber, por que o Gilson tinha sido contratado no Governo Simon por notório saber, inclusive, essa era uma das ra zões que a CAGE, na época, não questionou muito, por que nós precisávamos de alguém, era um pesquisador do PT, nós trouxemos ele para um seminário para debater sobre a questão, inclusive, sobre questão de madeira, buscando novas tecnologias, e ele apresen tou um trabalho, a gente gostou do trabalho dele e ele apresentou o currículo dele enfi m, e submetemos aos órgãos ‘nós podemos contratar ele por notório saber?’ Ele já tinha feito no governo Simon, tinha sido dois anos anteriores, trabalhava, a especialidade dele era essa madeira, e aí nós resolvemos...J: Não teria alternativas aqui mesmo? T: Não, não, na época, nós entendemos que foi este o...J: Dada a palavra ao Procurador da Requerida CAMAIL. PR: Se ele pode nos informar se a qualidade dos materiais era adequada? T: Sim, material adequado.PR: As casas construídas há época estão lá até hoje? T: Olha, eu não tive oportunidade de voltar mais lá no local, mas, de vez em quando eu vou a Livramento e parece que passa al gumas casas aqui que dá para se ver da estrada. É isso.J: Dada a palavra ao Procurador do Requerido José Hermeto. PR: Apenas eu gostaria que ele desse uma olhadinha e ver se ele reconhece as casas lá nessa foto? T: Sim, aqui era o local do depósito e da fábrica onde era beneficiada a madeira, acho que é isso.(...)J: Dada a palavra ao Ministério Público. MP: Tem conhecimento se as vias de acesso aos lotes, chegou a verificar? T: Sim, a inexistência das vias de acesso? MP: Elas eram adequadas ou não? T: Não, não, não. Eu andei numa 4x4 puxada por um trator que ele não conseguia andar.J: Mas isso não seria um fator causador de problemas com materiais? T: Não, não, a difi culdade de se ter acesso, porque o que ela está perguntando é se tinha via de acesso às casas, não é isso? J: Mas isso inviabilizava as entregas de material? T: Sim, isso difi cultava. Tu tinha que...J: Dificultava ou inviabilizava? T: Não, dificultava, aumentava muito mais, por que se tinha muito mais cuidado e muito mais apuro na infra-estrutura que precisava para o suporte da construção, a chegada do pessoal para trabalhar, era tudo.

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MP: Elas existiam, mas elas não eram adequadas? Eram adequadas? T: Não, elas não existiam, era campo. Ela não tem. Acesso para fora é o seguinte: acesso é o cara tem o lote, tinha estradas no meio do assentamentos, as estradas principais muito precárias, quando chovia não podia passar, aquelas coisas assim. E dentro dos lotes, como por exem plo, daqui, a casa a três, quatro quilômetros, tu não tinha estrada, tu tinha o campo. MP: Eram inadequadas então, as vias de acesso eram inadequadas? T: Sim, inadequadas. MP: Isso difi cultava a entrega de materiais? T: Sim, isso difi cultava a entrega de materiais. MP: Sabe se foram terceirizados alguns trabalhos? T: Depende o que é terceirização, por exemplo, a assistência técnica tinha engenheiros contratados através de um convênio, por que era um projeto sazonal, um projeto específi co – início, meio e fi m -, mais terceirizados? Eu posso dizer que a universidade deu assessoria.MP: Mas na execução lá? T: Ah, se lá tinha mão-de-obra terceirizada? Eu não sei dizer, mas eu acho que instalador elétrico e instalador hidráulico, possivelmente, eu não saberia dizer, mas se fosse, eu diria que acho que sim. MP: E foi construído no sistema de mutirão? T: Sim, sistema de mutirão. O mutirão justa mente por que a idéia de ser pré-fabricado e se concentrava em ser em madeira e mutirão é justamente por que era um evento que poderia se apropriar e a mão-de-obra das famílias poderiam ser incorporadas, isso é, diminuiria o custo.MP: Sabe quem era os encarregados da construção das moradias? T: Não sei de nome.MP: Não lembra mais? T: Não.MP: Sabe se houve comprovação de carência de qualifi cação desses benefi ciados na exe cução? T: Carência de benefi ciários para executar a casa? Olha, possivelmente eu vou te dizer que sim, possivelmente possa ter, mas eles eram treinados, eles eram acompanha dos, tinha o pessoal técnico que tinha que acompanhar permanentemente.MP: E da parte de quem? T: Os técnicos fornecidos pelo estado.MP: Era do estado essa função? T: Claro! A Margarita estava lá, o Ricardo, o Gilson acom panhava muito! Tinha outros técnicos, não me lembro mais agora, que eles trabalhavam dentro na Secretaria, mas tinha um ou dois técnicos permanentes lá para acompanhar, por que eram agricultores e a idéia era treinar.MP: No assentamento havia no assentamento o próprio beneficiamento da madeira? T: Sim, sim, isso, exatamente, foi montado num ginásio ou coisa assim foi feito uma linha de montagem lá, a madeira vinha bruta e se fazia, se perfilava e fazia a montagem toda ela no ... Isso aí.MP: E sabe se houve contratação de pessoal não qualificado para isso? T: É que uma coisa é que nós temos que definir o que é qualificado: era mutirão, a profissão delas não era ser beneficiário de madeira, eles não são, eles eram treinados para trabalhar. MP: Mutirão é isso então? T: Sim, a pessoa não é pedreiro e vai construir a sua casa, a pessoa não é um marceneiro e vai trabalhar com madeira, ela vai contribuir, mas orientada. Mutirão é isso.J: Mas ele eram assim mão-de-obra... eles teriam potencial para ajudar? T: Sim, teriam, até que a gente fez a discussão com eles, eles acostumados a consertar o galinheiro, a conser tar chiqueiro de porco, então, estão acostumados. A construção rural era habituado a eles, por que a construção rural ela é basicamente produzida em madeira. Esta inclusive era uma das opções postas, por que é isso.MP: Sabe se houve venda de lotes? T: Isso não tenho nem conhecimento, por que esta não era a minha área.MP: E por que razão parou este projeto? T: Qual período?MP: Quanto tempo ele ficou? T: Tem que me dizer o período! Eu tive no governo do Estado do início da concepção desse projeto até dezembro de 2002, nesse período não parou nun ca! Nesse período andou.

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MP: E ele foi concluído na íntegra? T: Ele estava em andamento. Ele era um projeto do go verno do Estado do Rio Grande que iniciou em 2000, não sei precisar exatamente: come çou, em dezembro de 2002 nós saímos e ele continuava em andamento. MP: Continuava, mas não sabe se foi concluído? T: Não, concluído eu não sei dizer o resul tado depois por que eu saí do governo do Estado e aí eu não respondi mais e tive acesso a informações de terceiros que eu não posso confirmar que é isso, assim informações de co legas que tu encontra na rua.J: Para esclarecer: o senhor falou sobre a inviabilidade do acesso, o difícil acesso, que é justamente uma das coisas que o Autor alega. Pergunto-lhe: essas pessoas – o Ary, a Fer nanda, o José Hermeto e o Sérgio – teriam alguma responsabilidade por conta dessa situa ção assim de difícil acesso, se pode atribuir a eles de conceber um projeto, ou autorizar um projeto onde teria difícil acesso para levar o material? T: O senhor vai me desculpar, mas eu vou dizer o seguinte: as pessoas precisavam de casa. Uma das questões centrais era o de as pessoas terem casas lá, certo? Bom, nós tínhamos que fazer uma casa de um jeito ou de outro jeito. Qual é o jeito mais fácil de fazer casa lá? Nós encontramos esse: modelo pré-fabricado, nós levamos no período seco, mais curto, enfi m, mais fácil, se desperdiça menos material. Fizemos uma análise com todo mundo: o pessoal da UFRGS, o Gilson, todo mun do. O melhor meio, o jeito mais fácil... Ou o jeito melhor é não fazer! Aí não tinha problema. Mas nós tínhamos uma tarefa, nós tínhamos que botar casa ali praticamente sem infra-es trutura. Eu acho que estrada não era um problema do governo estadual, acho que era um problema do governo federal, se não me engano, por que era um assentamento... Eu não sei dizer exatamente de quem era a responsabilidade, mas nós éramos responsáveis por construir as casas. J: Mas o risco era calculado? T: O risco era calculado! Nós tínhamos a responsabilidade construir as casas: qual era a forma mais fácil de fazer as casas, se for fazer? Claro, dá para lavar as mãos e não fazer! E aí, se o senhor me permitir o seguinte: essas pessoas, realmente, fi zeram o risco e fi zeram calculado. Aquela experiência alguém pode não gostar muito! Mas o fato de nós termos feito um projeto de habitação rural e ... isso aqui é um ba lancete da Caixa Econômica Federal, a Caixa diz que até 2002 ela nunca trabalhou com ha bitação rural, ela passou... nós fi zemos história com habitação rural! Hoje são 120 mil famíli as, no Rio Grande do Sul são 35 mil famílias. Bom, ali foram 300 que não tiveram, talvez, a plenitude, mas pelas outras 34 mil, ah, vão me desculpar, sabe! Eu acho que quem faz este tipo de situação aqui é que não conhece o pé no barro! Não sabe o que é andar no meio de um assentamento! Acho que só conhecem a região asfaltada, mas chegar lá e an dar no meio do barro e não saber o que é luz, não saber o que é água! É muito diferente! Convidaria para olhar mesmo e a ler esse material da Caixa, que é agora, recente, é forma ção individual. (...)”

Depoimento da testemunha da parte ré: Ronaldo Franco de Oliveira, enge-nheiro agrônomo:

(...)J: E esses problemas que o Estado levanta que teriam ocorrido lá? Mais com a execução, desperdício de material, falta de estradas compatíveis para levar o material. T: Na realidade eu acompanhei até 2002, quando eu estava envolvido. Até então nós fazíamos o processo assim: comprava as áreas, criava os assentamentos, o INCRA reconhecia e então se partia em loteamento as áreas, para fazer os lotes, e a implantação da questão de estradas, as moradias, as habitações para construir. E dessa forma foram feitos convênios também com máquinas próprias do Estado que estávamos trabalhando. Eu acompanhei todos os proces sos da

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execução deste momento que até então, até quando eu estava lá, nas implantações dos assentamentos pelo Estado foi feito convênio até com o Exército na época. Nós tínha mos também as máquinas do Departamento de Infra-estrutura que até hoje existe no Gover no do Estado, o Departamento de Infra-estrutura e que até hoje funciona agora em Santana do Livramento, em Hulha também. Que foi construído inicialmente as estradas e principal mente a questão dos projetos, que feito conveniado com o INCRA junto e o Governo do Es tado.J: Durante o tempo que o senhor esteve lá, já estava funcionando normalmente? T: Sim, funcionava porque tinha várias equipes, da EMATER, da “COOPTEC”, que todo o assenta mento tem que ter a assistência técnica. Então, até aquele momento tinha assistência técni ca para acompanhamento. Pelo menos eu, até enquanto eu estava lá, eu nunca ouvi nenhu ma denúncia de algum caso de problemas. Tá, teve atrasos por causa de chuvas demais. Porque Hulha tem um problema, agora que virou seca, mas na realidade casualmente na quele período fez períodos de mais chuva e que realmente tinha problemas de entrega por que eram assentamentos locais novos, estradas ruins dos municípios do interior, são só de barro, então teve problemas. Alguns, talvez, alguma coisa de entrega. Mas de execução, até o período que eu também está na Secretaria...J: E essas estradas ruins, se poderia atribuir a um desses réus a responsabilidade por isso? T: Não pelo seguinte, uma porque tem estradas de acesso. Uma propriedade, uma fazenda como ela funciona? O cara tira o boi duas vezes por ano, e as estradas do municípios tam bém, e começa a trazer. Desde as estradas dos municípios até as locais, as estradas já eram ruins e as Prefeituras pequenas, pega Hulha mesmo e Candiota, essa região aí, mui tas vezes não tinham manutenção nessas estradas. Internamente, até tu confeccionar uma estrada que realmente seja viável, é demorado. Então se abre uma estrada, mas uma estra-da de um acesso não dos melhores no momento. Porque entra uma patrola, uma máquina para abrir uma estrada num campo, numa área que não é... Até tu construir isso, demora muito. Então, quando em período de seca, resolvia o problema. Mas em período de chuva rada, realmente é mais complicado. J: Dada a palavra ao procurador de José Hoffmann. PR: Gostaria de saber se as condições de acesso em períodos secos, que não havia excesso de chuva, se era viável esse proces so? T: Como eu disse antes. As estradas nos períodos realmente quando há aquela norma lidade de pouca chuva, aí claro os caminhões entravam normal. Tem regiões, teve locais que bueiros não suportavam o tamanho dos caminhões com toras, as estradinhas eram acostumadas com pouco movimento de acesso, inclusive. E dentro também. Mas dentro do período normal, seco, entrariam nas áreas e era centralizado, a grande maioria, uma parte do material num local e depois era distribuído, justamente por causa disso e dos problemas que tinha. Mas em tempo normal daria para chegar pelo menos até a sede para depois ser distribuído os materiais aonde o pessoal trabalhava para fazer os chamados “kits” lá para distribuir. J: E essa opção de concentrar os materiais num determinado local era a melhor? T: Na ocasião talvez sim. Porque na realidade se eu pegar uma região num fundão de campo, como eu conheço a região de Hulha Negra, aonde não tem uma estrutura para levar de lote em lote, era a forma melhor de poder redistribuir depois. Porque o problema é que a pessoa a recém está entrando no assentamento, num lote, e não tem casa ainda, ele está embaixo de um barraco de lona. Então teria que fazer um processo para irem construindo para ir en trando nas casas, até porque o recurso era pouco na época também. PR: Eu gostaria que ele olhasse essa fotografia e ver se ele reconhecesse esse local. T: É, aqui é o local onde era feito o depósito das madeiras. Era onde se concentrava o material para depois redistribuir. Porque aqui tem assentamentos esparramados, já vários assenta mentos.

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J: Se beneficiava a madeira? T: Sim. Tinham um local onde trabalhavam para fazer os cha mados “kits” deles, para fazer a montagem depois. O que era uma dificuldade era a mão de obra nessas regiões. Então, esse é outro problema. Quer dizer, não tinha recurso para pa gar o pedreiro, por isso que tinha que fazer uma coisa de mutirão. Então tinha que ser uma coisa mais fácil para montar e teria que fazer todo um processo anterior para poder depois ir montando aos poucos lá com a ajuda da vizinhança e até de acompanhá-los depois. (...)J: Dada a palavra aos procuradores de Ary Vanazzi e Fernanda Corezola. PR: Se o Gover no 1998-2002 concedeu, forneceu técnicos com capacidade de implementação do projeto para execução das moradias de Hulha Negra e Candiota? T: Tinha uma assessoria técnica, convênios. E com a EMATER, que fez um convênio para dar assistência para a execução das obras. Existia até 2002 o convênio que eu acompanhei, os termos eu conheço, que acompanhavam técnicos da EMATER, também acompanhavam. Quer dizer, não era uma coisa solta. Tinha acompanhamento técnico até 2002 e foram contratados técnicos para tra balhar na execução desse projeto, no acompanhamento das obras. Isso foi feito. O Governo até ali, pelo menos o que a gente acompanhou, teve a responsabilidade de fazer a fi scaliza ção da execução. Então, nenhuma nota, nenhuma carga que chegasse tinha que ter o ates to dos técnicos e dos... No caso, o material era o agricultor que recebia e tinha que atestar. E quando chegava ou perdiam também. Então, na verdade, todos eles tinham atesto de re cebimento. Então tinha assistência técnica para isso também. Não podia entregar uma car ga de madeira que não tivesse assistência técnica assinando lá e carimbando. Isso era in clusive norma do programa. (...)J: Dada a palavra ao procurador da CAMAIL. PR: Se a testemunha pode informar como foi o processo de contratação da CAMAIL? T: A CAMAIL, na verdade, era uma empresa para a execução das obras. J: Entrega de materiais. T: É. Entrega de materiais. A entrega dos materiais para distribuir para os agricultores, que era um mutirão. Ela não executava. Na realidade quem executava eram os agricultores mesmo em mutirão. Ela juntava ali, fazia uma cooperativa, um meio le gal de juntar os agricultores, passar para poder chegar na ponta. Porque senão não tinha outro jeito. Não tinha como passar R$ 1.000,00, entregar para um agricultor para ele com prar “A” ou “B”. Era inviável até para ir fazer uma compra. Para resolver para todo mundo, juntava, até reduzir os valores.J: A participação dela? Ela cumpriu? T: Como eu falei, até 2002 pelo menos o que eu posso falar, o que eu vi, estava cumprindo. E inclusive teve vários problemas de entrega, porque era a questão da chuva, era entrega desde reboque, trator e caminhão. Era a forma de ten tar chegar nas casas, porque a execução era em mutirão. Ia na área, entregava o “kit” e o pessoal lá em mutirão que executava. J: Dada a palavra ao procurador de Sérgio Gorgen. PR: Essa questão das estradas, ela aparece. Quando foi feito o projeto, concebido o projeto, sabia-se que as estradas não eram as ideais. Aquelas condições delas inviabilizavam o projeto ou tinha difi culdades? T: Não, as estradas não inviabilizavam. O período, realmente foi o período pior das áreas – inclusive agora o pessoal até sente saudades desse período, porque a seca está grande – mas o pe ríodo foi realmente o que prejudicou, mas as estradas eram viáveis para fazer a execução. O problema é que o período de chuvaradas, chuvas fortes que realmente deu este proble ma. Mas era possível, foi possível. O que eu sei que o pessoal entregou os materiais. Pelo menos nós temos, entregavam o material e estava certo lá, atestado. Porque podia também entregar, tinha que ter o atesto de entrega de material. PR: Com relação a CAMAIL, quem contratou ela? Era o Estado ou os agricultores a contra taram individualmente? T: Na verdade foi uma forma que os agricultores

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acharam junto para poder juntar os recursos, para poder executar. E foi uma forma de contratação que acabou sendo um repasse de recurso. Ela que ganhou a... Como se diz?J: Licitação? T: Não, não é licitação. Acho que eram três orçamentos e ela ganhou na épo ca, era o crédito do RS Rural. Os outros projetos eram assim que fazia isso.J: Dada a palavra aos procuradores do Estado. PA: Se a testemunha sabe informar que os assentados ganhavam “kits”, quantos “kits” efetivamente foram implementados lá no lotea mento de Hulha Negra? T: Não, isso eu não posso dizer.(...)PA: Quanto ao aporte financeiro do que sustentou o problema, a testemunha falou que o IN CRA também participou. Se ela sabe dizer em que momento o INCRA entrou ou se desde o início? Se sabe alguma coisa a respeito? T: Na realidade, a composição de valores, teve al gumas que foi só o Estado, que foi o RS Rural e o FUNTERRA, e teve outras...PA: E para esses dois? T: É que os assentamentos são assentamentos que foram reconhe cidos pelo INCRA. Todo assentamento tem que ser reconhecido pelo INCRA. No momento que o Estado cria um assentamento o INCRA tem que reconhecer.PA: O aporte fi nanceiro? T: Teve do RS Rural, teve do FUNTERRA, que é do Estado e teve algumas partes, que eu me lembro, tinha alguma coisa do INCRA também.PA: Não lembra em que momento do processo? T: Não. Não lembro porque era tanta, era em todo o Estado. Na realidade, o convênio era para atender todo o Estado.PA: A EMATER e o BANRISUL fizeram algum relatório de acompanhamento do projeto? O senhor lembra da execução? T: Até 2002 eu não vi. Não recordo. Se bem que ela contratou também a “COOPTEC”. A EMATER contratou e terceirizou também os seus trabalhos.J: Dada a palavra ao Ministério Público. MP: Tem conhecimento se foram feitas vendas de lotes posteriores à entrega? Em razão de benefi ciários e vendas de lotes? T: Isso, com os outros na vida aí, real, dos assentamentos, projeto de habitação popular. E assim existe uma percentagem de evasão. Isso existe. Isso existe até hoje. Então são coisas que inclusi ve nós estamos tentando regulamentar isso, tentando regularizar a situação. Mas pode ter acontecido. Isso pode.MP: Mas não tem conhecimento exato se aconteceu? T: Não. Mas pode ter probabilidade que tenha acontecido. Isso aí... Que inclusive nós estamos tentando regularizar alguns até hoje. MP: Esse sistema de mutirão é que tenta ensinar para o pessoal de lá a construção, não é? T: Na realidade é o pessoal que está lá se ajudar para construir suas próprias casas.MP: Mas não são só eles. Tem técnicos junto. T: Sim, têm técnicos que capacitariam eles também. Eles capacitariam, ajeitam as oficinas para capacitar os agricultores para ajudar eles, entre eles, se ajudar a construir.MP: O beneficiamento da madeira bruta? T: Tinham técnicos, tinham agricultores. Os técni cos acompanhavam e os agricultores...MP: Aprendiam e tinha pessoal não qualificado que fazia isso? T: Mas na madeira não. Ti nha que ser capacitado. Se não tu não podia fazer uma tesoura bem feita, uma porta, janelas. Então as portas vinham prontas.MP: Esse tipo de trabalho necessitaria de qualificação. T: A serraria. Na realidade eram os “kits”. As pessoas eram treinadas para fazer isso, no desdobramento de madeiras lá, da ma deira bruta que vinham as tábuas, as toras. MP: Sabe se houve desperdício de material de construção? T: Isso, normalmente, numa construção, sempre perde. Por exemplo a areia, no caso, se vem uma chuva, tem um monte de areia, some a areia. Isso é natural, normal. Aonde há um descampado, largaria lá mes mo, tapa e mesmo com as madeiras em volta, acaba escapando uma certa quantidade de areia. E claro, se ficando muito tempo o

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material ao tempo, vai também perdendo a qualida de. Ainda mais a madeira, que se sabe, a madeira se molhar muito tempo, depois vem o sol, ainda mais a diferença de temperatura, vai mudando totalmente a qualidade. MP: sabe se concluíram o projeto todo? Construíram todas as casas previstas no projeto? T: É que eu acompanhei até 2002. Depois eu tenho notícias que teve alguns problemas. MP: Não sabe se concluíram? T: Não.”

Depoimento da testemunha da parte ré: Margarita Regina Ocampos y Gassen, engenheira civil:

J: A senhora promete dizer a verdade? T: Sim.J: A senhora participou desse projeto em Hulha Negra e Candiota? T: Sim.J: Acompanhou a execução? T: Uma parte sim.J: Até quando? T: Eu fiquei o primeiro ano quase que intensivo assim, eu ia quase todas as semanas para lá para acompanhar o início. Depois veio outro engenheiro, ele assumia e a gente ficava nos relatórios acompanhando.J: E a execução foi tranquila? T: Tranquila. Deu problemas, claro. Como toda obra, sempre tem problemas. J: Mas a concepção do projeto era viável? T: Sim. J: E o problema das estradas não dificultava? T: Com certeza. Eles foram construindo as estradas, não tinham os acessos. E eles foram fazendo os acessos, só que claro, aí veio aquela chuvarada toda, em dois anos que não se imagina que ia ter. Também tem o proble ma lá do solo, justamente aquela região lá é problemática. Então se fez o que pode.J: Dada a palavra aos procuradores de Ary Vanazzi e Fernanda Corezola. PR: Em que perío do a testemunha trabalhou para o Governo do Estado? T: De 2000 a 2003. PR: Vinculada a Secretaria? T: Da Habitação.PR: Acompanhou de perto o programa de implementação do projeto Moradia Hulha Negra e Candiota? T: Hulha Negra e Candiota. PR: O Governo do Estado, na época em que a senhora trabalhou, ele forneceu técnicos para que fosse possível implementar esse projeto de construção de moradias em Hulha Ne gra e Candiota? T: Sim. Forneceu.PR: E como se dava esse processo? A relação técnico-assentado? T: A gente tinha, depois que começou a execução das obras mesmo, tinha um engenheiro lotado lá na região. E ele acompanhava, chamava a gente sempre nas reuniões, a gente acompanhava nas reuniões que havia as discussões com o assentado, para discutir a casa, qual o tamanho da casa que eles iam querer. Tinha todo um trabalho também de como seria a construção da casa, eles acompanhariam, fariam a casa. Então tinha também aulas, digamos assim, treinamen tos com os assentados para que eles conseguissem construir. PR: Existia fiscalização da entrega de materiais? A EMATER também participou desse pro jeto? T: A EMATER participou sim. A gente criou um sistema na época chamado romaneio. Como a gente não ia estar sempre com todas as entregas, teve também treinamento de como fazer esse romaneio. Tinha uma listagem do que era, a gente entregava as listas, e os próprios assentados junto com o pessoal da EMATER fazia a verificação do material e é quantitativo. Então eles assinavam e davam o ok. Se não, se tinha algum problema, a pró pria EMATER avisava ou o próprio engenheiro que estava lá na época também verificava qual era o problema e tentava solucionar.PR: Esse projeto era financiado por quem? T: Não lembro. Acho que era o RS Rural... Não lembro.

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PR: Qual era a tua função na Secretaria nesse período? T: Eu era engenheira. Trabalhei primeiro auxiliando o arquiteto Gílson no início, na implantação, acompanhando as reuniões e tudo o mais. E depois eu era mais ou menos, começaram a ter mais engenheiros e arqui tetos, foram contratados, no total do período foram uns dez mais ou menos. Mas para cada região tinham alguns, eram separados por regiões no Estado inteiro.PR: Esse projeto de moradia popular, então, era bem mais amplo do que Hulha e Candiota. Qual era o número de habitações que a Secretaria pretendia? T: Acho que eram uns três mil, mais ou menos, que eu me lembre. PR: E esses projetos todos foram desenvolvidos nesse período com técnicos em cada um desses locais? T: Com técnico em cada região.PR: Então o projeto era um projeto, na sua concepção, viável e tecnicamente indicado? T: Sim. É que teve assim... A gente não pode misturar muito as coisas assim. O projeto de Hu lha Negra e Candiota foi um projeto piloto diferenciado para aquela região. Tinha outros pro jetos, também habitacionais, para assentamentos diferentes. Mas sempre com o acompa nhamento e sempre dada todas as condições.PR: E durante esse período que tu estiveste na execução no projeto, o projeto afora esses problemas normais de execução de obra ou de assentamentos que é natural que aconteça, era viável e estava em pleno andamento? T: Estava em andamento. Sempre quando tem obras, sempre tem problemas de logística, transporte e sempre se tenta solucionar. Mas sempre ocorre. É próprio da obra.PR: Então para os técnicos da Secretaria durante o teu período lá, isto estava de acordo? Estava na normalidade? T: Na normalidade. Inclusive a gente criou também relatórios foto gráficos de todos os assentamentos do acompanhamento da obra. Então, sempre teve, eu sabia o que estava acontecendo, quais eram os problemas e a gente tentava solucionar através desses relatórios.PR: A entrega de material era atestada pelos técnicos no local da obra? T: Era atestado por romaneio. Os romaneios sempre teve.J: Dada a palavra ao procurador de CAMAIL. PR: Como foi o procedimento de contratação da CAMAIL? T: Isso eu não participei desse processo.PR: Se ele tem conhecimento de que a CAMAIL fazia a entrega dos materiais? T: Sim. Isso eu sabia.PR: Os materiais foram entregues de forma adequada? T: Foram entregues, agora... Sem pre teve problemas. Normalmente em obras tem problemas de entrega, problema operacio nais que se tentou solucionar. Agora, foi tranquilo assim. Pelo menos o que eu saiba, sim.PR: Em razão das chuvas, teve a princípio a entrega, chegou a ser acordado que os materi ais em um determinado momento seriam entregues em um depósito? T: Ali na “COOPE RAL” tinha um... Como é o nome? Onde se fazia o processamento da madeira e tudo o mais. E ali seria o local certo a se fazer o depósito.PR: Se os materiais utilizados nas construções eram de qualidade boa? Qualidade adequa da? T: Sim. A gente sempre, quando chegava uma carga, por exemplo, de madeira, como sendo um projeto piloto, a gente usou mais madeira, a casa com madeira era o foco princi pal, sempre quando chegava a carga de madeira se fazia a seleção. Verifi cava-se e se ti vesse algum problema, como já deu problema também, já foi devolvido, foi feito, que eu me lembre teve uma vez que foi rejeitada a carga, alguma coisa assim, que foi substituída. Se não me engano teve um relatório disso. Mas foi tranquilo.J: Dada a palavra ao procurador de José Hoffmann. PR: Se conhece esse local da foto? Se o local era semelhante a esse depósito de materiais? Se ela reconhece esse local? T: Essa aqui é a “COOPERAL”? J: Se a senhora reconhece? T: Sim. A “COOPERAL” e, se não me engano, esse aqui era onde fazia...

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J: O que é “COOPERAL”? T: É uma cooperativa que tinha lá em Hulha. Se não me engano, esse aqui era o local onde se fazia e justamente onde estão as madeiras, para beneficia mento. PR: A depoente, pelo que eu entendi, ela participou de reuniões tanto de concepção do pro jeto quanto de execução do projeto. T: Sim. De concepção do projeto, não. Quando eu che guei lá o projeto já estava... Pelo menos, eu comecei só já direto em Hulha Negra, já tinha o projeto.PR: Da concepção não participou? T: Não.PR: Se as condições de acesso em dias em que não houvesse chuva, em dias normais, se era viável nesse local, Hulha Negra e Candiota? T: Tinha, era viável as ruas, nas estradas principais e em alguns acessos. Em alguns e em outros não.J: A senhora participou da execução. A senhora só participaria da execução se a senhora chancelasse o projeto. T: Sim, o projeto. J: O projeto era bom? T: Eu achei.J: Dada a palavra ao procurador de Sérgio Gorgen. PR: Então o projeto era viável? T: Sim.PR: E o Estado ofereceu todas as condições para isso? Para viabilizá-lo? T: Ofereceu.PR: Durante esse período que estivesse, tu teve alguma intervenção ou o Frei Sérgio Gor gen teve alguma participação nas decisões sobre essa execução? T: Não sei. Na parte técnica acho que não teve nenhuma participação. Não sei.J: Dada a palavra aos procuradores do Estado. PA: A depoente disse que acompanhou o projeto no começo dele lá em Hulha Negra e Candiota. T: Isso.PA: A depoente também recebia ou fazia o romaneio? T: Não.PA: E a madeira era entregue na “COOPERAL”? T: Na “COOPERAL”.PA: Ela era entregue bruta ou beneficiada? T: Ela era entregue já beneficiada.PA: E toda madeira foi entregue lá nesse galpão da “COOPERAL”? Galpão ou sede ou tam bém em outros locais? T: Acho que foi ali tudo. Que eu me lembre...PA: E até onde a testemunha acompanhou a execução do projeto, se ela sabe informar quanto porcento das moradias teriam sido concluídas em Hulha Negra e Candiota? T: Eu não me lembro precisamente. Mas eu imagino que quase... Acho que faltou muito pouco. Acho que eram 300, se não me engano, para serem construídas ali naquele local. Mas 200 e poucas foram. PA: Em Hulha Negra e Candiota? T: Hulha Negra e Candiota, se não me engano.PA: Essas casas estavam todas concluídas? T: Estavam concluídas e algumas tinha faltan do acho que poucas coisas. Estavam em fase de acabamento já. É que a gente dividia entre fundação, a parte de cima da cinta, a parte de cima e o telhado. Se não me engano tinha al guns que estavam faltando janelas, inclusive, algumas coisas assim.PA: A depoente falou em relatórios fotográfi cos. Quem que fazia? Para quem era encami-nhado? T: Os engenheiros, que eram dez, engenheiros e arquitetos, de cada região, fazia esses relatórios e enviavam para cá para a Secretaria da Habitação para a gente verifi car. PA: Esses engenheiros eram vinculados a EMATER? T: Acho que era “COOPTEC”, se não me engano.PA: Engenheiros da “COOPTEC”. T: Da “COOPTEC”, eu acho que era. J: Dada a palavra ao Ministério Público. MP: A senhora tem conhecimento que houve venda de lotes depois? T: Isso eu não sei.MP: Essa parte do beneficiamento lá da madeira, que era um sistema de mutirão. T: Era um sistema de mutirão.MP: E tinha uma fiscalização nisso? De como era beneficiada essa madeira? T: Teve. No início teve todo um treinamento. Cada assentamento disponibilizava dez homens para tra balhar no benefi ciamento. Então, eles chegavam lá nesse galpão e faziam o treinamento e faziam depois o rodízio, porque eles não podiam fi car ali sempre. Então cada assentamento fazia um rodízio e sempre havia treinamento.”

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Depoimento da testemunha: Ângelo Guido Menegat, engenheiro agrônomo:

(...)J: O senhor promete dizer a verdade? T: Sim. J: O assentamento de Hulha Negra e de Candiota lhe é familiar? T: Trabalhei na Secretaria da Agricultura no período, fiz parte da direção da Secretaria da Agricultura no período 99/2002 e neste período nós tínhamos como programa de Governo, uma das prioridades do programa de governo era a Reforma Agrária. Portanto, nós executamos esse programa de Governo, ou tentamos executar na sua integralidade. O que é a Reforma Agrária: é comprar terra e fazer toda a sua infra-estrutura que consiste em casas, estradas, eletricidade, sanea mento básico e depois uma infra-estrutura produtiva. Então, os assentamentos, al guns já existiam na época, nesses dois Municípios, e alguns também nós adquirimos as áreas e assentamos as famílias neste período. J: Quanto é que o senhor deixou o governo? T: Nós fomos responsáveis por essa área da Reforma Agrária do ano de 99 até o ano de 2000, foram dois anos, porque tinha um depar tamento da Reforma Agrária dentro da Secretaria da Agricultura. A partir do ano 2000 se cri ou um gabinete da Reforma Agrária que deixou de ser isso uma competência da Secretaria da Agricultura. J: O senhor participou do projeto? T: Todas as decisões tomadas na Secretaria da Agricul tura, na época, eram tomadas coletivamente. Nós tínhamos um conselho político e ali eram discutidas todas as políticas que nós iríamos executar. Essa foi uma das políticas que foi pensada, e como ela era um programa prioritário, foi discutida e pensada, mas da execução dela, não, nós não participamos. J: Qual foi a participação de Ary Vanazzi? T: O Ary Vanazzi, na época, era o Secretário da Habitação e a participação dele foi na elaboração dos projetos, a secretaria dele, na verda de, não especifi camente ele, foi na elaboração dos projetos das casa. J: E CAMAIL, o senhor sabe? T: Não tenho conhecimento. J: E a Dona Fernanda Costa Corezola? T: A Fernanda Corezola era uma das responsáveis pelo projeto, ela era a coordenadora do programa RS Rural que foi um dos repassadores de recursos para a construção dessas casas. J: E o José Hermeto Hoffmann? T: O José Hermeto Hoffmann era o Secretário da Agricultu ra da época, nós fizemos a concepção até 2000 e a partir daí passou a ser responsabilidade de outro gabinete. J: E o Sérgio Antônio Gorgen? T: Ele era o diretor do departamento responsável pela Refor ma Agrária até o ano de 2000. J: Algumas dessas pessoas físicas participaram da execução? T: Não. Da execução, não. O José Hermeto Hoffmann, não. O Sérgio Antônio Gorgen, também não. Não participaram, porque como eu disse o nosso período com a Reforma Agrária terminou exatamente no ano de 2000. J: Nem a Fernanda Corezola nem o Ary Vanazzi? T: A Fernanda continuou a participar pelo RS Rural que continuou a distribuir os recursos. J: O senhor tinha conhecimento de como eram feitos os pagamentos dos materiais? T: Não, não tinha.J: Pelo Procurador do Requerido - José Hermeto Hoffmann. PR: Só um detalhe para ver se ele tem conhecimento das dificuldades que teriam acontecido na fase de execução do proje to, se ele teve notícias disto? T: As dificuldades que a gente ouvia falar na época da execu ção do projeto foi a enorme quantidade de chuvas, porque houve chuvas acima das médias normais para aquela região. Eu até por outras razões eu andei fazendo pesquisas e no ano de 2001 e 2002 choveu 60% e 106% respectivamente a mais do que as médias tradicionais da região. PR: Nada mais a perguntar.

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J: Pelos Procuradores dos Requeridos – Ary José Vanazzi e Fernanda Costa Corezola. PR: Se ele conhecia bem o trabalha da Fernanda Costa Corezola? T: Sim, no trabalho é respon sável e é importante dizer talvez também aqui que como a RS Rural era um dos repassado res de recurso e o RS Rural era uma verba do Banco Mundial. Este Banco Mundial, para li berar essa verba, eram vários projetos que tinham verbas do RS Rural e esse era um e o Banco Mundial de tempos em tempos fazia auditorias ou vistorias nessas obras e sempre que foram feitas essas vistorias sempre foi elogiada a aplicação desses recursos nessas obras de cunho de fi m social, porque a Reforma Agrária não é mais nada do que isso, ela é uma geradora de renda, geradora de emprego, geradora de bem estar social. PR: Sabe se o Estado disponibilizou técnicos na execução desses processos durante todo o tempo e se isso estava sendo uma política prioritária do Governo? T: A EMATER acompa nhava esse projeto, a EMATER era um dos órgãos do Estado e fazia o acompanhamento e a fiscalização principalmente das casas. PR: Ele disse que não acompanhou a fase de execução, mas o projeto apresentado era um projeto tecnicamente viável era bom, tinha essa característica, se fosse apresentado para um gestor, não engenheiro, não arquiteto, não um técnico especializado na área ele seria convencido de que efetivamente seria um bom programa, um bom projeto? T: Sim, era um bom projeto, porque a concepção dele, a concepção da construção das casas envolvendo toda a comunidade assentada, quer dizer, em foram de mutirão, diminuindo, inclusive, o va lor das casas, que se não tivesse teria que ser pago algo a mais. Então, essa concepção era muito interessante, porque além de envolver toda aquela comunidade eles sentiam-se também participantes deste projeto. Era um bom projeto, sim. J: Pelo Procurador da Requerida CAMAIL – Cooperativa Agrícola Mista de Ação Integrada Ltda. PR: Sem perguntas. J: Procurador do Requerido – Sérgio Antônio Gorgen. PR: Foi dito aqui, por uma das teste munhas, que este projeto praticamente a partir de dezembro de 2002 parou. E que o INCRA é que, na verdade, a partir de 2003 começa a fazer moradias lá. Se a testemunha tem co nhecimento disto? T: As informações que a gente tem é que em 2003 o projeto encerrou, em 2002 encerrou um período de Governo e iniciou um outro e em 2003 realmente o projeto cessou completamente. Realmente, o INCRA, eu tive oportunidade de, mais tarde, que eu trabalhei no INCRA e o INCRA aportou recursos para terminar as casas. PR: Isso depois? T: Sim, depois. PR: E por que o INCRA precisou aportar esses recursos? T: Porque nem todas as casas, enfim, tinha algumas casas, tinham casas a serem terminadas. PR: Por que não terminaram? T: Eu não sei. PR: Depois de 2003, a partida do novo Governo? T: Sim, depois de 2003, exatamente. PR: Nada mais a perguntar. “

Os demais depoimentos em praticamente nada acrescentam.Com efeito, o demandante atribui o prejuízo ao erário à imprudência dos demandados,

na condução do projeto e execução das moradias, pretendendo aplicação dos artigos 10, “caput” e inciso VIII e 11, “caput”, ambos da Lei nº 8.429/92, embora não refi ra na inicial qual seria o dolo dos demandados, apenas imputando conduta culposa aos mesmos, circunstância que limita a análise da conduta dos requeridos ao tipo culposo.

Do contexto da prova coletada nos autos do processo judicial, a conclui-se que não houve uma adequada condução do projeto, o que contribuiu para as difi culdades na execução das casas, não havendo, contudo, como atribuir aos réus, de forma

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individualizada, conduta ímproba, ou seja, que as participações dos réus, tanto no projeto, assim como na execução, importem em ofensa aos princípios da administração pública, não obstante o alegado prejuízo ao erário público, sequer demonstrado.

O que se extrai é que havia uma idéia do Governo do Estado à época para construção de moradias em assentamentos, sendo o projeto de construção das casas nas cidades de Hulha Negra e Candiota discutido e elaborado no Departamento de Reforma Agrária, havendo diversas entidades envolvidas na consecução do projeto, sendo realizadas contratações de técnicos, engenheiros e arquitetos para elaboração do projeto para construção das moradias.

A prova testemunhal demonstra que desde a concepção do projeto as estradas vicinais existiam e permitiam o acesso ao local, sendo, pois, possível o tráfego, embora precário, não havendo dúvida sobre a difi culdade de entrega dos materiais diretamente ao local do assentamento, tanto que, constatada, em determinado momento, a difi culdade de ingresso dos materiais para construção nos locais das moradias, efetuou-se a entrega em outro local determinado para posterior distribuição para o local da construção.

Não havia, contudo, impossibilidade de acesso, que se agravou em face da incidência de chuvas no período, muito além da normalidade, o que demandou o aporte de mais recursos do que previsto inicialmente.

A prova coletada, ao contrário do que afi rma o recorrente, demonstra que a execução inadequada decorreu mais em face das intensas chuvas ocorridas no período inicial da construção das moradias, do que qualquer ato de responsabilidade dos réus, não havendo como se imputar aos mesmos a responsabilidade pelos problemas ocorridos, para efeito de lhes impor condenação por improbidade administrativa.

A sentença, da lavra do Dr. Fernando Carlos Tomasi Diniz, bem analisou a matéria, conforme a fundamentação a seguir transcrita em parte como razões de decidir:

(...)Não se ignora que o resultado prático da construção de moradias nos assentamentos Hulha Negra e Candiota não foi muito alenta dor. Poderia ter sido bem melhor. Com exceção de Fernanda Costa Corezola, porquanto relativamente a ela nada se apurou nos autos de negativo sobre sua passagem como secretaria executiva do RS Rural, os requeridos, na con dição de gestores e de fornecedores (Camail), poderiam, sim, ter sido mais proativos. Os recursos públicos não podem ser fi scalizados assim tão a dis tância, como visivelmente foram. Entretanto, não se pode confundir falta de habilidade administrativa com improbidade. Com o que se produziu, seria realmente uma temeridade tachar os suplicados de ímprobos e tampouco condená-los a ressarcir eventuais prejuízos. Quanto a estes, a propósito, nem sequer foram corretamente dimensionados nos autos, até porque o requeren te a eles pouco se ateve. A parte não pode se contentar em transferir para a fase de liquidação a defi nição do quantum debeatur. Alguns parâmetros preci sa informar já na fase de conhecimento, até para o juiz poder aferir se efetiva mente houve dano a ser ressarcido.Só dizer que houve dano, sem informar nenhum critério para o divisar ainda que por aproximação, é muito pouco.A fragilidade da prova está no fato de que ela se limitou aos testemunhos coletados. Na fase judicial, nenhuma prova material foi pro duzida para dar sustentação à tese do suplicante. E nesse tipo de ação, de pender só do depoimento de testemunhas, é temerário.O único relato que dá um mínimo de conforto aos argu mentos do demandante é o de Paulo César Coelho Olovate (fl s. 1155, verso, a 1160, verso), e ainda assim ele é

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marcado pela dúvida: “Pelos depoimentos que a gente teve, deixava a desejar” (fl . 1156). Como já frisei, para embalar um juízo condenatório, a prova há de ser categórica.E essa mesma testemunha confessa que “as notas fi scais eram atestadas pelo técnico da Emater que o material tinha sido entregue conforme previsto no projeto original” (fl . 1156).Paulo Olovate referiu ainda, deixando bem claro o qua dro de dubiedade dos fatos em si e, por contágio, da prova carreada aos au tos, “que é difícil precisar quem é o responsável [pela falha]”. Se os fatos em si não ficaram claros para quem os investigou quando na efervescência dos acontecimentos, como querer clareza mais de uma década depois?Ricardo João Paz do Nascimento também aludiu que ...”era o técnico da Emater porque ele acompanhava a execução do projeto...”. “Devia ser feita [análise de viabilidade técnica do projeto do pon to de vista da concepção], até porque eram pessoas que tinham capacidade técnica para isso” (fl . 1.163). Ora, se técnicos eram destacados para confi rma rem a qualidade dos materiais, como responsabilizar os suplicados, pessoas físicas, que nem técnicos são? Então que se responsabilize o técnico negligen te...Cláudio Rufino Aguiar, testemunha do autor, ponderou que a sistemática adotada em Hulha Negra e Candiota era semelhante às rea lizados em outras partes do Estado. Admitiu “infraestrutura muito precária, muito precária em relação à estrada, em função de deslocamento e tal, e tam bém problema do solo, na construção do solo que quando começou a cons trução ele se apresentou bastante frágil para estrutura das casas teve que se reforçar em termo de material, em termo de estrutura. Se teve bastante difi culdade na chegada do material até os lotes dos produtores que existiriam” (fl. 1163v).Por sua vez, confi rmou a participação de técnicos: “o téc nico da Emater local ele conferia a qualidade e a quantidade do material re cebido, e para esse material ele dava um ateste de que aquele material real mente chegou no local” (1163, verso).Essa testemunha, de outro lado, deu inteiro respaldo às teses dos réus, quanto à ocorrência de fatos externos signifi cativos que acaba ram tornando mais onerosa a construção das casas: houve necessidade de fa zer alterações “em termo de estruturação” (…)... “para receber o peso da casa”... (…).. “quando se foi trabalhar no solo” “teve que se reforçar muito mais, que aquele solo não tinha estabilidade, ele não aguentava o peso da casa, então ali teve que se reforçar com mais tijolos, com mais ferro, com mais cimento para fazer uma estrutura de apoio mais adequado” (1165).Em suma, sintetizou que houve maiores dificuldades para a construção das moradias. “E a ideia era de fazer uma casa de madeira confortável e custos semelhantes ou menor daquelas casas de alvenaria, que também poderia ser feito. Essa era a ideia de fazer uma casa boa, confortável, como várias casas que foram feitas para atingir esse objetivo” (fl. 1168).Como se vê, embora o resultado pode não ter sido o es perado em termos de tempo de construção e gastos de recursos, nada em ab soluto aponta para um possível agir capcioso dos requeridos.As estradas, pelo que se pôde perceber, não eram mesmo as mais apropriadas. Porém, querer sintetizar nesse aspecto a idoneidade ad ministrativa dos suplicados já é uma demasia. Embora a efi ciência seja um princípio inerente à administração pública (art. 37, caput, da Constituição Fe deral), nem sempre o administrador consegue ser efi ciente a ponto concreti zar políticas públicas gastando pouco. Sem dúvida que seria bem mais fácil e barato construir casas nos arredores de cidades e povoados, abrigando os sem--tetos. Todavia, tão importante quanto dar abrigo a desassistidos e pro curar deixá-los próximos de local onde possa trabalhar, ter uma vida digna e se sentir valorizado. Construir moradias longe dos centros urbanos, nos rin cões

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distantes, é caro, sim, mas se essa foi a política dos governantes, trata-se de mérito administrativo, e como tal é indevassável pelo Judiciário.Toda construção acarreta perdas de materiais. Não ficou provado se as perdas foram assim tão evidentes como referiu o suplicante. Efetivamente, tratando-se de compras para várias unidades, e na tentativa de se conseguir pela quantidade um melhor preço, era bem possível que se en tregasse material cuja colocação ainda não fosse oportuna. Como havia técni cos cuidado dessas entregas, não se pode tributar aos demandados a culpa por eventual desperdício de materiais.Os demais testemunhos coligidos nada de útil trouxeram para a comprovação do agir culposo dos demandados.Pelo contrário, serviram para dar suporte à versão dos réus. O período foi realmente de intensas chuvas – como, aliás, admitido na petição inicial. As testemunhas Artemio Parcianello, Margarita Regina Ocam pos y Gassen, Marino Antônio de Bortoli, Antônio Ademir Azevedo e Ânge lo Guido Menegat confi rmaram isso.Margarita Regina Ocampos y Gassen disse que o projeto era viável (fl. 1257, verso). Álvaro Luiz Pedrotti também defendeu a concep ção do projeto.(...)”

Concernentemente à contratação da EMATER, bem como do arquiteto Gilson sem licitação também a sentença bem apontou justificativa para a falta de licitação, nos seguintes termos, fl. 1586:

(...) Como a Emater prestava assistência para o RS Rural, e como vinha fazendo isso em todos os assentamentos, não havia de fato ne cessidade de licitação. Ademais, o demandante nem mesmo diz quem pode ria fazer esse trabalho.A falta de licitação para a contratação do arquiteto Gilson Lameira de Lima também ficou devidamente justificada, por ser “... o grande cara para o trabalho para usar madeira de habitação de interesse social”, como relatou Ricardo Rabeno. E ele complementou: “já tinha implantado isso em outras experiências exitosas em São Paulo e aqui mesmo no Estado, ...” (ambos trechos extraídos da fl. 1246, verso). Álvaro Luiz Pedrotti igualmente saiu em defesa desse profissional, porque tinha “notório saber” (fl. 1250).De sua parte, o demandante não logrou informar que profissional poderia ser contratado para o mister.Com essa análise, não dá para acolher a pretensão do re querente.(...)”

Acresço que a EMATER não precisa efetivamente de licitação para a prestação do serviço em questão porque pertence à administração indireta do Estado, questão que abordei no julgamento da Apelação Cível nº 70044494433, julgada em 27/10/2011, nos autos da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra a ASCAR - ASSOCIAÇÃO SULINA DE CRÉDITO E ASSISTÊNCIA RURAL, a EMATER - ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, buscando o reconhecimento de que a ASCAR e a EMATER, embora constituídas como associação e sociedade civil sem fi ns lucrativos, respectivamente, estão sob o controle do Estado, que participou de suas fundações, indica dirigentes, fornece a maior parte dos recursos fi nanceiros e delega-lhes serviço público de assistência técnica e extensão rural, atividade de natureza pública, conforme o art. 186 da Constituição Estadual.

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Transcrevo parte da fundamentação utilizada na oportunidade:

“Não se desconhece a previsão da Constituição Estadual, pela necessidade de lei específica de iniciativa do Executivo para a criação de entidades da Administração Indireta, na forma de seus arts. 22, I, e 60, II, ‘d’:

Art. 22 - Dependem de lei específica, mediante aprovação por maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 2, de 30/04/92)I - a criação, extinção, fusão, incorporação ou cisão de qualquer entidade da administração indireta;(...)Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:II - disponham sobre:d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No entanto, ao contrário do sustentado pelos demandados, a ação não tem por objeto a criação de entes, tampouco a aplicação retroativa de disposições da Constituição Federal de 1988 às demandadas, a elas preexistentes, ou de modificação de sua natureza jurídica, tratando-se, diferentemente, de pretensão relacionada ao dever de submissão da ASCAR/EMATER ao regime jurídico da Administração Indireta, para fins de realização de concurso público e licitação.

Criação de entes e submissão de entes já existentes ao regime da Administração Indireta são situações distintas, não se olvidando da situação peculiar em que se enquadram, uma vez que, muito embora a EMATER seja sociedade civil e a ASCAR associação civil, ambas instituições privadas, seu modo de constituição, fi nalidades e atuação, além do vultoso aporte de recursos públicos para a consecução de seus fi ns afastam o interesse puramente particular, conferindo-lhes faceta igualmente pública, questão que será melhor apreciada no mérito.

Posto isto, necessário que se faça a análise da origem da criação das demandadas ao longo do tempo para a constatação do liame existente a autorizar a procedência da ação.

A Lei Federal nº 6.126/74, que autorizou o Poder Executivo a instituir a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), previu (grifo):

Art. 1º No desenvolvimento das atividades de pesquisa agropecuária e de assistência técnica e extensão rural, o Ministério da Agricultura contará com os seguintes principais instrumentos básicos de caráter executivo:I - a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), cuja instituição foi autorizada pela Lei nº 5.851, de 7 de dezembro de 1972;II - a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, a que se refere o Art. 3º desta Lei;III - os mecanismos criados em unidades da Federação, pelos respectivos Governos, para execução de atividades de pesquisa agropecuária e de assistência técnica e extensão rural.(...)Art. 5º Poderão a EMBRAPA e a EMBRATER dar apoio financeiro a empresa sob controle estadual(...)

No Estado do Rio Grande do Sul, ao que consta dos autos, diferentemente dos demais Estados da Federação, não se constituiu empresa pública, e sim a EMATER, sociedade civil com personalidade jurídica de direito privado “para execução de atividades de pesquisa agropecuária e de assistência técnica e extensão rural”, seguindo-se o

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Decreto Legislativo nº 3.855, de 29/12/78, aprovando convênio celebrado entre o Ministério da Agricultura e o Estado, com a interveniência da EMBRATER e da EMATER (DO 120 de 09/01/79 p-6), sendo este convênio, segundo consta no o Parecer nº 8669 da PGE, “o fundamento jurídico para o Estado alocar recursos na EMATER.”, fl . 57.

Analiso os estatutos das demandadas, destacando as disposições que seguem, evidenciando o dever de submissão da ASCAR/EMATER ao regime jurídico da Administração Indireta.

Prevê o Estatuto da EMATER/RS, fls. 2338-2348 (13º volume):DA DENOMINAÇÃO E NATUREZA JURÍDICAArt. 1° - A Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS e uma associação, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos ou econômicos, que se regerá pelo presente Estatuto e demais normas de direito aplicáveis.Parágrafo único - É vedado à EMATER/RS exercitar qualquer forma de proselitismo religioso ou político-partidário.Art. 2° - A EMATER/RS integra o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural.(...)DOS OBJETIVOSArt. 4° - São objetivos da EMATER/RS:I. constituir-se, dentro do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural, no principal instrumento de execução das atividades de assistência técnica e extensão rural em todo o Estado do Rio Grande do Sul;II. colaborar com os órgãos e entidades competentes do Ministério da Agricultura e da Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, bem como com as demais entidades vinculadas aos sistemas federal e estadual da agricultura, pecuária e abastecimento, na formulação e execução das políticas de assistência técnica e extensão rural;III. planejar, coordenar e executar programas de assistência técnica e extensão rural, visando a difusão de conhecimentos de natureza técnica, econômica e social, para o aumento da produção e da produtividade agropecuárias e a melhoria das condições de vida no meio rural do Rio Grande do Sul.Art. 5° - Para a consecução de seus objetivos, a EMATER/RS observara as seguintes diretrizes básicas:I. compatibilização dos programas de assistência técnica e de extensão rural com os pianos nacionais e estaduais de desenvolvimento;II. estabelecimento e manutenção de processos de relacionamento operacional com os sistemas de planejamento setoriais de produção, de abastecimento e de gerarão de tecnologia, das Secretaries do Estado do Rio Grande do Sul e entidades vinculadas;III. colaboração com a União na formulação de diretrizes e programas das atividades de assistência técnica e extensão rural do País;IV. estímulo e apoio ao desenvolvimento, no meio rural, de ações revestidas de caráter educativo e, bem assim, a ação conjunta entre os serviços públicos e privados de assistência técnica, de extensão rural, educação, nutrição e saúde, visando a execução de programas integrados de promoção do homem;V. estímulo e apoio ao inter-relacionamento entre os órgãos de pesquisa agropecuária e os produtores rurais, tanto para a identificação das necessidades destes, como para transferência de tecnologia gerada e avaliação de seus efeitos;VI. estímulo a transferência de tecnologia agropecuária, através de credito rural, e apoio aos organismos creditícios na aplicação dos recursos financiados e na avaliação dos resultados;

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VII. apoio a formação e ao aperfeiçoamento de pessoal especializado em atividades-fim e atividades-meio, para difusão de tecnologia e promoção do homem rural, com a participação de universidades e de outras entidades de desenvolvimento de recursos humanos;VIII. adequação dos programas e projetos de assistência técnica e extensão rural as ações estabelecidas pela Unido e Estado do Rio Grande do Sul, para o desenvolvimento do setor rural, de conformidade com as necessidades regionais e municipais;IX. estímulo, em caráter prioritário, aos programas nos quais a assistência técnica e extensão rural estejam associadas ao credito, a provisão de insumos, a comercialização agropecuária e a organização de produtores;X. estabelecimento e manutenção de sistemas de acompanhamento, avaliação de resultados e controle das atividades de assistência técnica e extensão rural.(...)Art. 7º - São membros da EMATER/RS:I. os fundadores;II. os mantenedores;III. os cooperadores.(...)Art. 8° - São membros fundadores:I. a Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul;II. o Ministério da Agricultura;III. a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul - FARSUL;IV. a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul-FETAG;V. a Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul -OCERGS.(...)Art. 12 - Constituem recursos financeiros da EMATER/RS:I. as transferências oriundas de pessoas jurídicas de direito publico interno e de direito privado;II. os recursos provenientes de convênios, contratos, acordos e ajustes celebrados com órgãos ou entidades públicas ou privadas;III. os recursos de operação de crédito, decorrentes de empréstimos, e outras operações de natureza financeira;IV. os recursos provenientes de fundos existentes ou a serem criados, destinados a promover o aumento da produção e da produtividade agropecuárias e a melhoria das condições de vida no meio rural;V. os recursos decorrentes de leis específicas;VI. as receitas operacionais;VII. os auxílios e subvenções internacionais ou estrangeiros, atendidas as prescrições legais;VIII. os recursos de capital, inclusive os resultantes de conversão, em espécie, de bens e direitos;IX. as contribuições dos associados.(...)DA ORGANIZAÇÃO GERALArt. 13 - A administração Superior da EMATER/RS compor-se-á dos seguintes órgãos:I. Conselho Técnico Administrativo (CTA), órgão de caráter normativo e deliberativo;II. Diretoria Executiva;III. Conselho Fiscal.(...)Art. 15 - O Conselho Técnico Administrativo será integrado pelos seguintes membros:I. representante da Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul;

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II. representante do Ministério da Agricultura;III. representante da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul - FARSUL;IV. representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Rio Grande do Sul - FETAG;V. representante da Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul - OCERGS;VI. representante da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -EMBRAPA, no Estado do Rio Grande do Sul;VII. representante do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A -BANRISUL;VIII. representante do Conselho Agropecuário do Estado do Rio Grande do Sul;IX. representante das Universidades do Rio Grande do Sul;X. representante do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul -BRDE;XI. representante da Federação dos Pescadores do Rio Grande do Sul;§ 1° - São membros natos do Conselho Técnico Administrativo os representantes dos órgãos relacionados neste artigo.§ 2° - Os membros do Conselho Técnico Administrativo ficarão automaticamente investidos na sua função a partir da instalação do referido órgão, a qual se dará em reunião especialmente convocada por seu Presidente.(...)Art. 17 - Compete ao Conselho Técnico Administrativo:I. fixar a política de ação da EMATER/RS;II. aprovar os programas anuais e plurianuais, bem como os respectivos orçamentos;III. apreciar os relatórios financeiros, os balanços e as prestações de contas da Diretoria Executiva, apos o pronunciamento do Conselho Fiscal;IV. apreciar o relatório anual de atividades da Diretoria Executiva;V. recomendar a Diretoria Executiva medidas julgadas necessárias ao bom desempenho técnico-administrativo da associação;VI. opinar sobre assuntos técnicos e administrativos que forem encaminhados pelo Presidente da Associação;VII. aprovar o Piano de Cargos e Salários da EMATER/RS;VIII. aprovar o Regulamento Geral da EMATER/RS e suas modificações;IX. autorizar a aquisição, alienação ou gravame de bens imóveis;X. decidir sobre as propostas de alteração deste Estatuto;XI. decidir sobre as duvidas surgidas na interpretação dos dispositivos do presente Estatuto.XII. eleger dentre seus pares um Presidente e dois Vice-Presidentes para o Conselho Técnico Administrativo, por maioria de votos, para um período de quatro (04) anos, permitida a reeleição.XIII. definir os atos de administração que o Presidente e os Diretores da Diretoria Executiva possam delegar.(...)DO PESSOALArt. 26 - O regime jurídico dos empregados da EMATER/RS será o da Consolidação das Leis do Trabalho e respectiva legislação complementar.Art. 27 - Nos contratos de trabalho firmados com a EMATER/RS será consignado que o empregado poderá ser transferido para qualquer ponto do território do Rio Grande do Sul, de acordo com as necessidades do serviçoArt. 28 - A remuneração dos empregados da EMATER/RS será estabelecida em consonância com as diretrizes adotadas pela Administração, respeitada a legislação em vigor.(...)Art. 38 - A EMATER/RS manterá, ratificando-o integralmente, o Protocolo de Operacionalização Conjunta, firmado com a Associação Sulina de Credito

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e Assistência Rural - ASCAR, em 18 de dezembro de 1980, objetivando o desenvolvimento conjunto das atividades comuns as duas instituições.Consta no Estatuto da ASCAR, fls. 2353-2365:Denominação, Sede, Objetivos e Prazo de DuraçãoArt. 1º - A Associação Sulina de Credito e Assistência Rural, também denominada pela sigla ASCAR, fundada em Porto Alegre, aos 02 de junho de 1955, e uma associação de assistência social rural, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos ou econômicos, que reger-se-á pelo presente estatuto e terá sede e foro na cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, na rua Botafogo, n.° 1.051, Bairro Menino Deus, cabendo-lhe colaborar para a promoção e execução da extensão rural no âmbito estadual.Parágrafo Único - E vedado a ASCAR exercitar qualquer forma de proselitismo religioso e político-partidário.Art. 2º - A ASCAR integra o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural - SIBRATER, coordenado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento.Art. 3º - O objetivo da ASCAR é contribuir gratuitamente para o desenvolvimento econômico, cultural e social do meio rural do Rio Grande do Sul, em uma perspectiva de desenvolvimento rural auto-sustentável, economicamente viável e socialmente justo, mediante o planejamento e a execução das atividades educativas de extensão e credito rural, orientados num enfoque participativo, em que as ações junto às famílias rurais se desenvolvam no sentido de:a) promover ações de assistência educacional na are saneamento, economia domestica dirigidas as famílias, adolescência e a velhice;b) promover a integração das famílias carentes da área rural ao mercado de trabalho e ao mercado de produtos por elas produzidos;c) orientar as famílias no uso racional dos recursos naturais, possibilitando melhorias em suas condições de vida, sem que isso determine danos ao meio-ambiente.Art. 4º - No cumprimento de seu objetivo, tal como definido no Art. 3º deste Estatuto, a ASCAR definirá sua estratégia de ação com base na filosofia, princípios e métodos da extensão rural, e obedecera as seguintes diretrizes:I. cooperação com as políticas estabelecidas pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, articuladas através de Pianos de Desenvolvimento Rural, nos respectivos níveis;II. cooperação com a ação de outros órgãos e entidades que direta ou indiretamente atuem sobre o meio rural;III. contribuição na adaptação e desenvolvimento de tecnologias, na melhoria das condições de vida, respeitando os valores e culturas locais;IV. valorizarão do ser humano, considerado como o sujeito e beneficiário do processo, mediante ações de apoio, mobilização, organização e envolvimento de pessoas e organizações, na perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Art. 5º - Compete à ASCAR, fundamentalmente:I. encaminhar, mediante ação ordenada, contínua e em consonância com a Política de Desenvolvimento Rural do Governo do Estado, soluções para problemas econômicos, sociais, ambientais, tecnológicos e culturais do meio rural, através da Extensão Rural e da Assistência Técnica, sempre considerando o disposto no artigo 3° deste Estatuto;II. mobilizar o potencial humano e tecnológico bem como financeiros e materiais necessários ao desenvolvimento atividades;III. controlar a aplicação dos recursos recebidos e comprovar as despesas realizadas;IV. realizar diagnósticos participativos sobre a realidade econômica, tecnológica, social, cultural e ambiental;V. desenvolver estratégias e ações que contemplem a diversidade das realidades encontradas;VI. desenvolver programas de capacitação de pessoal convergentes com as diretrizes do Governo do Estado do Rio Grande do Sul;

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VII. colaborar para a continua e crescente integração dos associados do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural, observando, na sua atuação, as bases e diretrizes estabelecidas por este Sistema;VIII. participar, em foros de estudos sobre a filosofia, metodologia e sistemática do trabalho de extensão rural;IX. promover, isoladamente ou em conjunto com outros órgãos e entidades, a avaliação dos resultados dos esforços realizados e das políticas implantadas, para o desenvolvimento do meio rural do Estado;X. encaminhar aos órgãos governamentais estaduais e federais competentes, como subsidio a formulação da política para o setor rural, relatórios de estudos, pesquisas e avaliações, relacionados com o trabalho de extensão rural no Estado;XI. divulgar seus objetivos e realizações.(...)Art. 9º - São membros natos da Associação Sulina de Credito e Assistência Rural - ASCAR:I. Ministério da Agricultura e do Abastecimento;II. Governo do Estado do Rio Grande do Sul;III. Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA;IV. Associação dos Servidores da ASCAR-EMATER/RS - ASAE.Art. 10 - São membros mantenedores os órgãos e instituições financeiras, que estejam contribuindo com recursos, para a execução das atividades, como segue:I. Secretaria da Agricultura e Abastecimento - SAA;II. Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE;III. Banco do Estado do Rio Grande do Sul - BANRISUL;IV. Prefeituras Municipais;V. Secretaria de Desenvolvimento Rural - SDR/MA.§ 1º - A critério do Conselho Administrativo, conforme defi nido no art. 14 deste estatuto, outros órgãos, entidades ou instituições fi nanceiras, que vierem a contribuir com recursos fi nanceiros, poderão ser admitidos como membros mantenedores.§ 2º - As Prefeituras Municipais: que mantenham ou venham a manter convênios com a ASCAR serão representadas no Conselho Administrativo por um único conselheiro, com 2 (dois) suplentes, indicado pelo seu órgão representativo, devendo a indicação recair em um Prefeito em exercício e cuja Prefeitura tenha convênio em vigor.§ 3: - Perdera a qualidade de membro mantenedor aquele que não efetivar a sua contribuição, garantido o direito de defesa no prazo de quinze dias a contar da comunicação da decisão, ou ainda, requerer expressamente a sua exclusão.Art. 11 - São membros cooperadores as entidades e órgãos que emprestem colaboração significativa a execução dos objetivos da ASCAR:I. Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente;II. Secretaria da Fazenda;III. Secretaria da Educação;IV. Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul -FETAG;V. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS;VI. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA;VII. Cooperativa Central dos Assentados do Rio Grande do Sul - COVIII. Companhia Estadual de Silos e Armazéns - CESA;IX. Centrais de Abastecimento S/A - CEASA;X. Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária - FEPAGRO;XI. Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais - AMTR;XII. Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul - CUT/RS;XIII. Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA;XIV. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST;XV. Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul -FAMURS;

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XVI. Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul - FARSUL;XVII. Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul - FIERGS;XVIII.Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul -OCERGS;XIX.Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul-FECOAGRO;XX. Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul -FEDERASUL.§ 1º - A critério do Conselho Administrativo, outros órgãos, entidades ou instituições que vierem auxiliar ou emprestar colaboração significativa a execução dos objetivos da ASCAR, poderão ser admitidos como membros cooperadores.(...)Art. 14- O Conselho Administrativo, órgão máximo normativo deliberativo da ASCAR, e composto pelos membros natos, mantenedores e cooperadores.(...)Art. 20 - Os recursos da ASCAR poderão, alem de outras fontes, serem originários de:a) contribuições das entidades e órgãos que a compõem;b) dotações orçamentárias públicas;c) bens e direitos doados e legados;d) doações de membros cooperadores;e) empréstimos e outras operações de crédito;f) ressarcimento pela prestação de serviços.(...)

Como se vê, da leitura dos estatutos das demandadas, diante de seus objetivos, membros, competência e recursos, não há dúvida de que as demandadas constituem-se em longa manus do Estado, criadas para o exercício de determinadas atividades-fi ns do próprio Estado, no âmbito da agricultura e pecuária, tendo havido a opção política, à época, de criação de sociedade civil e associação para tais objetivos, ao invés da criação de empresa pública para tanto, justifi cando-se o acolhimento da pretensão ministerial a fi m de que se submetam ao regime jurídico da Administração Indireta, muito embora dela não façam parte formalmente, devendo observar, todavia, as normas de Direito Público a elas aplicáveis.

Os elementos coletados na fase pré-processual - iniciada em 1999, fl . 44 -, exaurem a questão e, frente ao arcabouço existente, a procedência da ação era impositiva.

Dentre a vasta documentação acostada nos 15 volumes do processo, totalizando quase três mil páginas, há relevantes elementos que evidenciam a faceta publicizada da ASCAR/EMATER, ainda que constituídas com personalidade de direito privado.

Resta inequívoco que a ASCAR/EMATER estão sob controle do Estado lato sensu, que participou de suas fundações, indica dirigentes e fornece a maior parte de seus recursos financeiros, tratando-se, em verdade, de delegação do serviço público de assistência técnica e extensão rural, atividade de natureza pública na forma do art. 186 da Constituição Estadual (“Art. 186 - O Estado manterá serviço de extensão rural, de assistência técnica e de pesquisa e tecnologia agropecuárias, dispensando cuidados especiais aos pequenos e médios produtores, bem como a suas associações e cooperativas.”).

A respeito do mencionado dispositivo constitucional estadual, referem Bruno Miragem e Aloizio Zimmer Júnior, em Comentários à Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 693, que “É o Estado (...) que deve comprometer-se com o setor agrícola, permitindo-lhe alcançar padrões aceitáveis de competitividade e mercado. O exercício dessas funções no âmbito estadual

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pertence à EMATER – Associação de Assistência Técnica e Extensão Rural, associação civil sem vínculo orgânico com a Administração”.

Contudo, ainda que não se reconheça vínculo orgânico de direto com a Administração, é inquestionável que o mesmo existe e não pode ser desprezado, e sob este aspecto justifica a propositura da ação, bem como sua procedência.

Das peças existentes nos autos, de início destaca-se o Parecer nº 8669 da PGE, de lavra da Dra. Silvia La Porta, relacionado à participação do Estado na EMATER e na ASCAR, fls. 48-69.

Da mesma forma, cumpre atentar ao Parecer de Almiro do Couto e Silva, fls. 183--194, a partir de consulta da Associação dos Servidores da ASCAR/EMATER-RS - ASAE, do qual se extrai: “O sistema EMATER/RS-ASCAR é hoje mantido, basicamente, por recursos humanos do Estado do Rio Grande do Sul, mediante dotações orçamentárias, estando a EMATER/RS, nos termos do Decreto 32517 de 15 de março de 1987 vinculada PA Secretaria de Agricultura e Abastecimento, órgão pelo qual o Estado do Rio Grande do Sul com ela se relaciona. Não pode haver dúvida, por conseguinte, que se trata a EMATER/RS, de entidade de colaboração com o Poder Público, destinada, sem intuitos lucrativos, à realização de funções de caráter marcadamente público. É, assim, pessoa jurídica que é pública, considerados os fi ns que persegue e pelos recursos materiais que se utiliza para a consecução dos seus objetivos, embora tenha se revestido de forma do direito privado, de tipo associativo, que não lhe permite enquadrar-se no rol das entidades que integram a administração indireta do Estado do Rio Grande do Sul. É inequívoca, porém a semelhança da posição da EMATER/RS com a de algumas pessoas jurídicas ligadas ao plano federal, que Conforme Hely Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., p. 116, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, “só o Lopes Meirelles classifi ca como ‘entes paraestatais’, designando-as como ‘serviços sociais autônomos’. Defi ne-os o mestre paulista como ‘entes paraestatais de cooperação com o Poder Público (...). Essas instituições, embora ofi cializadas pelo Estado, não integram a Administração Direta nem a Indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo (...)’ (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 331). (...) pode-se facilmente compreender que o binômio EMATER/RS-ASCAR tem a gestão dos serviços públicos de assistência técnica e extensão rural, que ao Estado do Rio Grande do Sul cumpre manter, por ordem do art. 186 da sua Constituição. Em outras palavras, (...) o Estado (...) mantém serviço de extensão rural, de assistência técnica e de pesquisa agropecuárias, cujo exercício é delegado, entretanto, a pessoas jurídicas que apresentam, como se viu, uma confi guração híbrida: em parte pública e em parte privada: a EMATER/RS e a ASCAR. (...)”

Em atendimento à solicitação da Promotoria de Justiça, ofício da Secretaria da Agricultura e Abastecimento, então titularizada pelo Secretário Odacir Klein, informa a relação dos titulares daquela Secretaria de 1992 até aquele ano de 2005: Aldo Pinto da Silva; Carlos Cardinal de Oliveira; Floriano Barbosa Isolan; César Augusto Schirmer; Caio Tibério Dornelles da Rocha; José Hermeto Hoffmann; Ângelo Guido Menegat; Odacir Klein; Caio Tibério Dornelles da Rocha; e novamente Odacir Klein, descrevendo os períodos de gestão, respectivamente, fl s. 997 (5º volume).

Os Presidentes da ASCAR/EMATER constam no ofício de fls. 1011-1012 (6º volume), a saber:

- Presidentes da ASCAR: José Hermeto Hoffmann (12/01/99 a 08/04/02); Ângelo Guido Menegat (09/04/02 a 05/01/03); Odacir Klein (06/01/03 a 05/01/07);

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- Presidentes da EMATER e Superintendentes Gerais da ASCAR: Lino de David (12/01/99 a 05/01/03); Caio Tibério Dornelles da Rocha (06/01/03 a 05/01/07);- Ata nº 43 de 06/04/03, e 44, de 10/12/03Diretoria Social da ASCAR: Presidente: Odacir Klein; Vice-Presidentes: Sérgio de Miranda; Rui Polidoro Pinto;Diretoria Executiva da EMATER: Presidente: Caio Tibério Dornelles da Rocha; Diretor Administrativo: José Afonso Ebert Hamm; Diretor Técnico: Ricardo Altair Schwarts

À fl . 1674 (9º volume), ofício advindo da Presidência da EMATER, então ocupada por Lino de David, enumera os presidentes da ASCAR, de 1992 até 1999: Aldo Pinto da Silva; Carlos Cardinal; Floriano Barbosa Isolar; Caio Tibério Dornelles da Rocha; César Augusto Schirmer; Caio Tibério Dornelles da Rocha; e José Hermeto Hoffmann.

Como se vê, a confusão entre os dirigentes da ASCAR/EMATER e os ocupantes da pasta estadual da Agricultura e Abastecimento é patente, evidenciada também pelas atas de fls. 1013-1020.

Tal contexto remonta à criação da EMATER, conforme se denota da respectiva ata de fundação, EM 14/03/77, com a participação de representantes da FARSUL, FETAG, BANRISUL, BADESUL e OCERGS, dentre várias autoridades, fls. 1021-1030 (6º volume), o mesmo se verificando anos antes, quando fundada a ASCAR, em 02/06/55, com a presença de representantes do Poder Público e de federações estaduais, dentre outros, fls. 1031-1037 (6º volume),

Há diversos outros atos denotando a interveniência estatal na EMATER e na ASCAR, citando-se a Lei nº 10.789/96, que autoriza o Poder Executivo a alienar imóvel situado no Município de Porto Alegre, e a dar em garantia imóveis sem destinação pública específica, mediante doação, com ônus, à ASCAR, terreno e o prédio ali erigido, situado na Rua Botafogo, para ser utilizado como garantia real na repactuação da dívida para com a FAPERS, fl. 16, e a Lei nº 10.857/96, que autoriza o Poder Executivo a dar em garantia imóveis de propriedade do Estado, em razão de dívida da ASCAR para com a FAPERS; fl. 107.

Nos autos há diversas cópias de convênios celebrados entre o Estado do Rio Grande do Sul com a ASCAR e a EMATER, citando-se, por exemplo, o de fl s. 963-965, tendo por objetivo disciplinar a cooperação, integração e complementação de esforços entre a Secretaria da Agricultura e as entidades, e assim também o de fl s. 1247-1250 (7º volume).

Compromisso de Gestão entre o Estado e a EMATER, firmado em 1º/09/95, tendo dentre os objetivos estabelecer os valores mensais dos repasses financeiros, R$ 3.102.000,00 naquele mês e R$ 2.854.000,00 a partir do mês de outubro daquele ano, constando que o valor do décimo-terceiro salário dos empregados da entidade seria acrescido ao repasse mensal, assim como o do adicional de férias, e que o valor do repasse mensal seria reajustado sempre que houvesse reajuste salarial por força de lei federal ou de dissídio da categoria, bem como “em face de vantagens decorrentes do Plano de Cargos e Salários aprovado pelo Governador do Estado” (cláusula segunda, ‘D’), cumprindo salientar o teor da cláusula terceira ‘A’, pela qual a entidade compromete-se a informar à Secretaria da Fazenda até o dia 20 de cada mês o cronograma de desembolsos para o mês seguinte para folha de pagamento e encargos sociais. Consta previsão de redução em 8% da folha de pagamento do pessoal da entidade, correndo os encargos da demissão por conta do Estado (cláusula terceira, ‘F’), comprometendo-se o Estado ao repasse regular dos valores previstos na cláusula segunda (cláusula quarta, ‘A’), fls. 119-123.

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Os ofícios acostados às fl s. 688-696 (4ª volume) ou 804-812 (5º volume) consistem no encaminhamento de resumos de folhas de pagamento dos funcionários da EMATER à Secretaria da Fazenda, solicitando inclusão na programação fi nanceira, demonstrando que o pagamento do pessoal efetivamente sempre foi feito por parte do Estado do Rio Grande do Sul, mediante repasse do numerário necessário para tanto, o que demonstra a efetiva vinculação das demandadas com o requerido.

Tabelas de repasses do Estado à EMATER e à ASCAR constam às fl s. 1039-1045 (6º volume) e 1388-1389 e seguintes, incluindo balanços patrimoniais, demonstrando que se trata de vultosas cifras.

A título de exemplo, cumpre atentar à demonstração analítica da conta de despesas e de receitas da EMATER do exercício de 2006, onde se lê que, do total de receitas, R$ 123.541.980,69, R$ 4.085.818,03 provieram da União; R$ 12.253.006,85, dos Municípios; das demais receitas, R$ 5.249.685,10 decorreram da prestação de serviços com perícias, avaliações e laudos técnicos ao Banco do Brasil; e, em montante muitíssimo superior, R$ 106.684.600,12 advieram do Estado, fl . 1420 (8º volume).

A tabela de fl. 1672 (9º volume), elaborada pela Assessoria Contábil do Ministério Público, demonstra a relação dos recursos financeiros repassados pelo Estado à EMATER, frente ao total de receitas:

ANO 2002 2002 2006RECEITAS TOTAIS 90.458.175,59 118.259.846,97 129.541.980,69

RECURSOS DO ESTADO 78.891.837,72 96.652.241,91 106.684.600,12

% 87,21% 81,73% 82,36%

Ofício da Secretaria da Agricultura e Abastecimento dirigido ao Ministério Público confi rma que há recursos humanos da ASCAR/EMATER colocados à disposição do Estado, relacionando vários empregados de ambas trabalhando diretamente naquela Secretaria, havendo uma empregada cedida, Vera Lúcia dos Reis, fl s. 178-181. O termo de sucessão de contrato de trabalho de Vera Lúcia, pelo qual a ASCAR assumiu os encargos e obrigações pertinentes, consta à fl . 328, seguida de demonstrativos de pagamento, e ofício da Secretaria da Fazenda, encaminhando cópias das fi chas fi nanceiras da servidora, fl s. 409-435. Em declarações prestadas junto à Promotoria de Justiça, confi rmou Vera Lúcia que possuía contrato de trabalho com a CLAVESUL, com convênios junto a órgãos federais, sendo extinta, sucedido seu contrato de trabalho pela ASCAR, que cedeu a declarante à Secretaria da Agricultura, onde seguia trabalhando. Mencionou saber de outros na mesma situação (cedência), fl . 554 (3º volume).

Cabe ressaltar a existência de reclamatória trabalhista movida contra a ASCAR, em que a defesa da entidade foi realizada pela Procuradoria do Estado (PGE), fls. 705-715 ou 814-824, havendo ainda “ações movidas concomitantemente contra ASCAR/EMATER e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL”, conforme ofício da

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Direção do Foro da Justiça do Trabalho de Porto Alegre e certidão do serviço de distribuição dos feitos em anexo, fls. 721-742.

Tão grande é o vínculo existente entre as requeridas e o réu que no momento em que o Estado do Rio Grande do Sul implantou sistema de PDV para seus funcionários, incluiu os empregados da ASCAR e da EMATER, possibilitando, assim, o desligamento dos mesmos, desde que aderissem ao referido programa, sujeitando-se aos seus efeitos, nos termos do Decreto nº 36.607/96, fls. 701-703:

Art. 1º - Ficam os Dirigentes das Entidades da Administração Indireta, de Direito Privado, autorizados a estender a seus empregados o Programa de Incentivo ao Afastamento Voluntário instituído pela LEI Nº 10.727, de 23 de janeiro de 1996.Art. 2º- O Programa referido no artigo anterior poderá ser aplicado aos empregados das Fundações Estaduais de Direito Privado instituídas ou mantidas pelo Estado do Rio Grande do Sul, das Sociedades de Economia Mista e de suas subsidiárias, bem como aos da ASCAR-EMATER, nas modalidades abaixo relacionadas e nos termos deste Decreto, facultada à direção de cada entidade o deferimento dos pedidos apresentados:I - Demissão Voluntária Motivada;II - Aposentadoria Voluntária Proporcional;III - Licença Especial não Remunerada.

A ASCAR, inclusive encaminhou instruções referentes ao PDV a seus funcionários, fl s. 698-700.

Prevê o Decreto nº 32.517/87, que dispõe sobre o relacionamento do Governo do Estado com o Poder Judiciário, Corpo Consular e altera disposições relativas aos órgãos da Administração Indireta:

Art. 1º - Os órgãos da Administração Indireta ficam sujeitos à supervisão dos Secretários de Estado, na forma e para os efeitos do artigo 6º do Decreto nº 19.801, de 8 de agosto de 1969, como a seguir é discriminado:(...)Art. 2º - O Governo do Estado do Rio Grande do Sul relacionar-se-á, através:III - da Secretaria da Agricultura e Abastecimento, com:a) a Associação Rio-Grandense de Empreendimentos, Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/RS);

Por outro lado, há folhas da EMATER no processo nas quais, juntamente com o timbre da entidade, consta Estado do Rio Grande do Sul / Secretaria da Agricultura e Abastecimento, citando-se fls. 161-162 e 224.

Tais circunstâncias evidenciam o liame entre as entidades e o Poder Público.A obrigação de a ASCAR e a EMATER prestarem contas perante o Tribunal de

Contas decorre de expressa previsão constitucional, art. 70, parágrafo único, da CF, e art. 70, parágrafo único, da CE (grifo):

• Constituição Federal:Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

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• Constituição Estadual:Art. 70 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos órgãos e entidades da administração direta e indireta, e de quaisquer entidades constituídas ou mantidas pelo Estado, quanto à legalidade, legitimidade, moralidade, publicidade, eficiência, eficácia, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa mediante controle externo e pelo sistema de controle interno de cada um dos Poderes, observado o disposto nos arts. 70 a 75 da Constituição Federal. Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física, jurídica ou entidade que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Assentado o controle do TCE sobre tais entidades, dentre as inúmeras peças da Corte de Contas que instruem o processo, cumpre atentar aos apontamentos de auditoria na Secretaria da Agricultura e Abastecimento no exercício de 1995, na gestão do Secretário Caio Tibério Dornelles da Rocha, fls. 569-585, em relação à atividade da EMATER constando, fls. 569-570, (3º volume):

“(...) a tais associações [ASCAR e EMATER], criadas sob a égide de sistemas constitucionais revogados, de natureza jurídica privada, foram cometidas atribuições e funções públicas, por natureza, e, de resto, contempladas entre as atribuições governamentais, mais especificamente da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (...).Inobstante na condição de empresa privada, verifi ca-se bela, incontestavelmente, a ingerência do Poder Público, pois que ela exerce, efetivamente, atribuição pública. (...)Desta forma, a constituição das referidas sociedades como entidades civis de direito privado não descaracteriza a verdadeira natureza pública delas, pois exercentes de atribuições eminentemente públicas e submetidas à supervisão governamental dedicada às entidades da administração indireta. E, principalmente, aplicando consideráveis recursos orçamentários do Governo Estadual.A situação acima enfocada está em conflito com o atual sistema constitucional, visto que a EMATER, por todo o exposto, e entidade publica da administração indireta, restando adequar-se ao art. 39, caput, e, especificamente, inciso XIX da Carta Magna, art. 21 da Constituição Estadual e Decreto-Lei 200/67, arts. 4º e 5º.”

Conclusivo também o Parecer nº 02/99 do Tribunal de Contas, fl s. 655-668, que analisa diversos atos normativos e administrativos, e do qual se extrai, fl s. 655-668 (4º volume):

“Dos documentos, atos normativos e administrativos praticados pelo Estado, como aqueles atos praticados pela EMATER e ASCAR fica patente a configuração destas como entidades da administração indireta, com a pacífica aceitação da ingerência e, mais do que isso, gestão estatal propriamente dita.(...)Por todo exposto, conclui-se:a) A EMATER e a ASCAR têm sua natureza jurídica inicial caracterizada pela realidade fática, a impor que sejam assujeitadas aos limites e contenções incidentes sobre empresas públicas regularmente constituídas, até o saneamento do vicio de que se ressentem. Está-se diante de entidades que, de fato, integram a administração direta. Impõe-se a mudança da orientação até aqui adotada por esta Corte, para que este Tribunal de contas passe doravante a operar sobre ditas entidades sua direta ação fiscalizatória.(...)

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DECISÃO: (...) pelas conclusões firmadas no Parecer Coletivo nº 02/99 da Auditoria fica demonstrado que a EMATER e a ASCAR funcionam como órgãos da administração indireta, o que determina a imperiosidade da fiscalização por parte deste Tribunal (...)”

O Parecer Coletivo nº 02/99 do Tribunal de Contas gerou os Pareceres nºs 12.851 e 12.852 da Procuradoria-Geral do Estado, pronunciando-se no mesmo sentido, restando submetidos ao então Governador do Estado Olívio Dutra, que exarou a seguinte decisão, fls. 669-672 (4º volume):

“APROVO os pareceres nº 12.851 e nº 12.852 da Procuradoria-Geral do Estado, atribuindo-lhes caráter jurídico-normativo, consoante dispõe o art. 15, inciso I da Constituição Estadual.”

Mais recentemente, tem-se o Parecer 2/2005 do TCE, fls. 1514-1521, também abrangendo pedido de orientação técnica referente ao Sistema ASCAR/EMATER, assentou a irrelevância do nomen iuris para identificar a natureza jurídica da entidade, bem abordando a questão às fls. 1519-1520:

“(...) o Sistema EMATER/ASCAR está configurado, de fato, como ente da administração indireta, com características funcionais, porque sobre ele só não há ingerência do Estado do Rio Grande do Sul em sua gestão como é dele que provém sua manutenção, na quase integralidade, eis que os recursos repassados pelo Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul representam 81.43% da Receita Total (R$ 101.186.952,89).Em verdade a situação jurídica da EMATER/ASCAR, já intrincada em seu nascedouro, no decorrer do tempo foi modifi cando-se e concretizando-se no que realmente é: formalmente uma associação civil que, sob a fachada de direito privado, particular, revela um ente da administração indireta de contornos funcionais, mantida pelo Poder Público, de modo que sustentar sua forma original signifi ca não só burla à Constituição como subterfúgio para gastar recursos públicos e alocar mão-de-obra sem qualquer controle, à margem das exigências constitucionais.(...)

O controle pelo Tribunal de Contas é constitucionalmente previsto, não equivalendo, portanto, a qualquer ofensa ao direito de associação, também constitucionalmente assegurado, esfera em que de forma alguma adentra o presente comando judicial, observadas as expressas determinações nele contidas.

Correta a conclusão da sentença, no sentido de que a ASCAR e a EMATER, em verdade, funcionam como “órgãos da administração indireta por equiparação”, no ponto não merecendo acolhimento a apelação das entidades, uma vez que com a presente ação, repita-se, não se está determinando a perda da natureza privada, não prosperando as alegações desenvolvidas sob tal justificativa.

O STF, em casos similares, assentou que a vedação à acumulação de cargos públicos às entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público, independentemente de haverem sido criadas por lei:

EMENTA: Sociedade controlada pelo Poder Público. Acumulação de cargos públicos: vedação: CF, art. 37, XVII. O art. 37, XVII, da Constituição Federal assimila às sociedades de economia mista - para o efeito da vedação de acumulações - as “controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público”, independentemente de terem sido “criadas por lei”. Precedente: RMS 24.249, 1ª T., 14.9.2004, Eros Grau, DJ 3.6.2005.(RE 228923 AgR, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/04/2006, DJ 19-05-2006 PP-00014 EMENT VOL-02233-02 PP-00243 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 211-215)

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EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONCEITO. CONCEITOS JURÍDICOS. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. NÃO--EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPÇÃO NO PRAZO LEGAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. 1. Para efeitos do disposto no art. 37, XVII, da Constituição são sociedades de economia mista aquelas --- anônimas ou não --- sob o controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios, independentemente da circunstância de terem sido “criadas por lei”. (...) 3. Recurso a que se nega provimento.(RMS 24249, Relator: Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 14/09/2004, DJ 03-06-2005 PP-00045 EMENT VOL-02194-02 PP-00229 LEXSTF v. 27, n. 320, 2005, p. 150-170 RTJ VOL-00194-01 PP-00196)

Os precedentes citados, ainda que analisando sociedades de economia mista, restam perfeitamente aplicáveis ao caso presente para concluir que a ausência de lei de criação não é, por si só, impeditivo a que sejam submetidas ao regime legal da Administração Indireta, mormente porque instituídas a ASCAR e a EMATER em 1955 e 1977, respectivamente, como antes analisado, muito antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.

Mais do que isto, não serve o nomen iuris para caracterizar ou descaracterizar uma entidade ou suas finalidades, cumprindo analisar o contexto de modo muito mais amplo, predominando, aqui, a manutenção por dotações orçamentárias majoritariamente estadual, bem como a antes analisada confusão administrativa da ASCAR/EMATER com integrantes da Administração Estadual.

Esclarecedora a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, em Curso de Direito Administrativo, 27ª ed., p. 205, Malheiros, São Paulo, 2010, acerca do “Regime jurídico das empresas estatais ‘clandestinas’”, nos seguintes termos:

Quid juris no que concerne às que tenham surgido sem autorização legislativa de qualquer espécie? Este desmando já ocorreu no Brasil inúmeras vezes, como dantes se averbou, e as pessoas assim nascidas estão aí há muitos anos. Entendemos que – apesar de haverem irrompido defeituosamente no universo jurídico – a circunstância de se constituírem em realidade fática da qual irrompeu uma cadeia de relações jurídicas pacifi camente aceitas impõe que se as considere assujeitadas a todos os limites e contenções aplicáveis a sociedades de economia mista ou empresas públicas regularmente constituídas, até que sejam extintas ou sanado o vício de que se ressentem. Com efeito, seria o maior dos contra-sensos entender que a violação do Direito, ou seja, sua mácula de origem, deva funcionar como passaporte para que se liberem das sujeições a que estariam submissas se a ordem jurídica houvesse sido respeitada.

Tenho, pelo mesmo motivo, que submeter a ASCAR e a EMATER ao regramento da Administração Indireta para a realização de concurso público e licitação, da mesma forma, não acarreta a violação sustentada.

Segundo esclarecimentos prestados pelo Presidente da EMATER e Superintendente da ASCAR, caio Tibério da Rocha, “A EMATER/RS não possui empregados em seu quadro. A ASCAR, para admissão de seus empregados em seu Quadro Funcional, realiza recrutamento, através de Processo Seletivo Público. O último processo foi realizado no ano de 2001, executado pela FAURGS, não havendo publicação em Diário Oficial.”, fl. 1012 (6º volume).

A admissão mediante processo seletivo simplifi cado, incontestavelmente, não equivale a concurso público de provas e títulos, de obrigatoriedade constitucionalmente instituída,

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não se sabendo com exatidão os critérios adotados pelo contratante no processo seletivo para o ingresso de empregados em seus quadros, que devem ser eminentemente objetivos, a fi m de selecionar os candidatos mais capacitados, avaliados por comissões ou bancas examinadoras regulares, constituídas previamente, ressalvada a reapreciação judicial em seus limites, e não por outras formas, como, por exemplo, seleção embasada em simples análise de currículos, ou somente de títulos.

Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, em Curso de Direito Administrativo, 27ª ed., pp. 280-281, Malheiros, São Paulo, 2010, “Ninguém sabe exatamente o que seja ‘processo seletivo público’. Esta expressão surgiu para designar, no passado, o concurso efetuado para admissão a empregos (isto é, quando se tratava de cargos a serem providos). Hoje, como se viu, a Constituição exige concurso público tanto para cargos quanto para empregos. Tais procedimentos eram mais céleres, menos burocratizados que o costumeiro nos concursos públicos, mas é impossível precisar com rigor quais as diferenças, em relação a eles, suscetíveis de serem aceitas sem burla ao princípio da impessoalidade.”

Oportuno salientar a previsão de processo seletivo público para a admissão de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, a teor do § 4º do art. 198 da CF, incluído pela EC 51/06, situação totalmente distinta das atividades da EMATER e da ASCAR.

Ademais, a ausência de divulgação no Diário Oficial, além de representar ofensa ao princípio da publicidade, é falha que não se admitiria no procedimento regular do concurso público, permitindo ingresso dos mais qualificados ou aptos para o cargo oferecido pela entidade, oportunizando-se, em respeito ao princípio da ampla acessibilidade, a participação a todos os interessados que atendam aos requisitos pertinentes, a serem selecionados por meio técnico colocado à disposição da Administração, conforme Hely Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., p. 380, Malheiros Editores, São Paulo, 1997, referindo ainda que “pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alcançam e se mantêm no poder leiloando empregos públicos.”

Neste Tribunal de Justiça encontra-se bem assentada a natureza jurídica de fato das demandadas, submetendo-as à observância dos princípios da Administração Pública, conforme se verifica em análises de conflitos de competência, bem como em ações envolvendo questão de concurso público.

A questão foi bem apreciada no Confl ito de Competência 70004117073, Rel. Des. Élvio Schuch Pinto, julgado em 03/06/02 à unanimidade pelo Órgão Especial, do voto do eminente Relator extraindo-se, fl s. 1954-1962 (11º vol.) - grifo:

Destaco inicialmente que a natureza jurídica das agravadas, apesar de não ser fundamental para o deslinde da discussão relacionada com a competência recursal, merece rápida consideração, por ter sido motivo determinante da declinação da competência, dentro do entendimento de que a matéria não seria de direito público.As demandadas, de acordo com os respectivos estatutos são associações civis, de caráter privado, que têm como membros natos ou mantenedores e cooperadores diversos órgãos da Administração Direita e Indireta (fls. 105 e ss — ASCAR e 124 e ss — EMATER).Dada a sua natureza jurídica, não podem ser consideradas como integrantes da Administração Indireta, pois não são autarquias, fundações, nem sociedades de economia mista ou empresa pública.

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No entanto, isto não significa que não devam se sujeitar às regras de direito público, em vista de particularidades que apresentem.No caso, as agravadas são mantidas por dotações orçamentárias de entes públicos, além disso, consoante se verifica de parecer coletivo elaborado pela Auditoria do Tribunal de Contas do Estado (fls. 540 e ss), a EMATER, mediante autorização do Governador, já contratou servidor para a Secretaria de Agricultura, igualmente já disponibilizou engenheiro para a Assembléia Legislativa, entre outras ocorrências que levaram o Pleno do Tribunal de Contas a concluir pela necessidade de submissão das agravadas a fiscalização do Tribunal, nos termos da seguinte decisão (fl. 553):“Pelos documentos existentes no Presente processo e conclusões firmadas no Parecer Coletivo nº 02/99 da Auditoria fica demonstrado que a EMATER e a ASCAR funcionam como órgãos da administração indireta, o que determina a imperiosidade da ação fiscalizadora por parte deste Tribunal no tocante a estas entidades, consoante disposições constitucionais, em especial, por exemplo, ao disposto no artigo 71, inciso II, da Constituição Federal”.Não se pode negar, portanto, que as agravadas seriam, ao menos de fato, integrantes da Administração indireta, e, por isso, sujeitam-se às regras de direito público, inclusive no que diz com a necessidade de concurso público.E concurso público, independentemente da natureza do ente que o organiza, é matéria que se insere entre aquelas que são da competência das Câmaras de Direito Público (...)(...)Logo, versando o recurso objeto deste conflito sobre concurso público realizado por associações civis jungidas às regras que norteiam e regulamentam à administração pública, inclusive no que concerne à seleção de seus funcionários, as ações relativas à matéria em questão, independentemente das partes envolvidas, são de competência do 2º Grupo Cível, a teor do artigo11, inciso II, letra “b”, da Resolução no 01/98.Aliás, como bem referido pelo eminente Des. Araken de Assis no julgamento do Agravo de Instrumento nº 70003291879, em que se discutia a mesma questão em tela:“Como quer que seja, a interpretação da regra de competência interna do Tribunal pode resolver-se mais facilmente de fato, tanto a ASCAR quanto a EMATER qualificam-se como pessoa jurídica de direito privado (fls. 612/613). Entretanto, para recrutar seu pessoal realiza concurso público. E por que? Porque, consoante os respectivos estatutos, integram a Administração indireta. Instituíram a EMATER/RS, conforme a ata de fl. 518, diversas pessoas jurídicas, inclusive a EMBRATER, que integra a Administração Federal, e o Secretário Estadual da Agricultura. Não é diferente a situação da ASCAR. Na alteração de seus estatutos — despiciendo aduzir que a Presidência da Sessão da Junta Administrativa foi presidida pelo Exmo. Sr. Secretário de Estado da Agricultura JOSÉ HERMETO HOFFMANN (fl . 549) -, consignou-se sua natureza de agente peculiar do poder público, integrando o Sistema Brasileiro de Assistência e Extensão Rural — SIBRATER, coordenado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento (fl. 451).Não há dúvida de que tais associações, que contam com a participação do Poder Público e de outros organismos, denotam o fenômeno da descentralização por colaboração (v. J. CRETELLA JR., Administração indireta brasileira, nº. 39, p. 80, 3ª Ed., Rio de janeiro, Forense, 1990), ou seja, a atribuição a outras pessoas de direito privado de certos objetivos da Administração. Independentemente da natureza da sua personalidade jurídica, e, por tal motivo, sujeitam-se a realizar concurso público para recrutar seu pessoal.”

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De igual sorte:AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO SELETIVO. ASCAR E EMATER/RS. PARTICIPAÇÃO DO PODER PÚBLICO NA ATIVIDADE PRIVADA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, NÃO APRESENTADOS AO CANDIDATO OS MOTIVOS PARA SUA NÃO-RECOMENDAÇÃO, NÃO HAVENDO, AINDA, PREVISÃO DE RECURSO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DO CONTRADITÓRIO. PRECEDENTES. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70043824887, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Des.ª Agathe Elsa Schmidt da Silva, Julgado em 14/09/2011)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PARA SELEÇÃO DE EMPREGADOS. EXAME PSICOTÉCNICO. ASCAR E EMATER. PRELIMINAR DE COMPETÊNCIA. ACOLHIMENTO. Matéria que envolve associação, dotada de personalidade de direito privado, mas criada com a participação do Poder Público, que realiza concurso público para recrutar seu pessoal com o vínculo do regime privado, sendo da competência deste egrégio 2º Grupo (...) Apesar de não se estar, in casu, diante de acesso a cargo público, que possui princípios e regramentos próprios, devem as regras do exame psicológico também ser observadas em face da legalidade. (...) PRELIMINAR DE COMPETÊNCIA ACOLHIDA, POR MAIORIA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO, PREJUDICADO O APELO. (Apelação Cível Nº 70004842357, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Vasco Della Giustina, Julgado em 09/10/2002)

PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. ASSOCIAÇÃO COM PERSONALIDADE PRI VADA. PARTICIPAÇÃO DO PODER PÚBLICO. 1. Compete a uma das varas cíveis, julgar causa envolvendo associação, dotada de personalidade de direito privado, mas criada com a participação do Poder Público, que realiza concurso público para recrutar seu pessoal. 2. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70004480604, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Araken de Assis, Julgado em 20/11/2002)

Os mesmos argumentos levam à inarredável necessidade de observância à licitação, procedimento através do qual poderão a ASCAR e a EMATER selecionar a proposta mais vantajosa ao seu interesse, em decorrência da instauração de competição, além de proporcionar ampla participação de licitantes, assegurando-lhes a participação nos negócios que as apelantes pretendam realizar com particulares, tratando-se de instrumento de pleno atendimento aos princípios insculpidos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal, resguardando a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a efi ciência, aos quais se acrescem os princípios da licitação, expressos no art. 3º da Lei nº 8.666/93, notadamente da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo.

Todos estes argumentos levam ao inequívoco enquadramento da ASCAR e da EMATER no art. 37, “caput”, II e XXI, da CF:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte:II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

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XXI - ressalvados os casos especifi cados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualifi cação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Outrossim, a Lei nº 8.666/93, no parágrafo único de seu art. 1º, evidencia a subordinação “das demais entidades” - além dos “órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista”, ali enumerados - “controladas direta ou indiretamente pelos (...) Estados”, abarcando as apelantes, ASCAR e EMATER, havendo obrigação de submissão aos preceitos da lei:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A respeito, esclarecedora a lição de Marçal Justen Filho, em Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., p. 32, Dialética, Rio Janeiro, 2008:

“a Lei nº 8.666/93 determinou que se sujeitariam às suas regras as contratações praticadas por entidades de natureza estatal, mesmo quando não se caracterizasse formalmente uma autarquia, uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública. Seguindo a opção constitucional, a lei eliminara dúvidas sobre figuras anômalas. (...) Portanto, a aplicação do regime de licitação e contratação administrativas não foi vinculado à ‘estrutura jurídica’ formal da entidade, mas à existência de regime estatal. Por isso, é irrelevante a presença dos requisitos formais de uma sociedade de economia mista. A ausência de lei específica dando a uma sociedade o cunho de economia mista é irrelevante para aplicação desta Lei. Basta que uma entidade pública (Nota 27: Por ‘entidade pública’ entenda-se qualquer pessoa integrante da Administração Pública.) controle a sociedade, fundação ou fundo ou outra figura que a criatividade possa originar: se a entidade estiver sob controle, mesmo indireto do Estado, aplica-se a Lei nº 8.666.Assim e para evitar controvérsias acerca da ‘natureza jurídica’, a Lei reportou-se ao ‘controle’ direto ou indireto exercitado pela pessoa política.

Deve-se ter em mente que com a presente ação nada mais se busca do que transparência, do que lisura nos atos da Administração Pública, e bem assim das entidades de direito privado, ASCAR e EMATER, que deverão se submeter ao regime jurídico da Administração Indireta, observando a legislação sobre licitações para suas contratações e realização de concurso público para prover seus empregos.

Não há como concluir que a transparência, tão disseminada nos dias de hoje, para toda e qualquer relação que envolva verba e interesse público, acarrete tantos malefícios, tais quais argumentam os apelantes, salientando-se que o objeto da ação envolve unicamente realização de concurso público para seleção de pessoal e de observância à legislação de licitações para as contratações, o que, por certo, somente virá a contribuir para ainda maior lisura aos procedimentos das entidades.’

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Diante do exposto, não se verifica irregularidade na contratação da EMATER por ausência de licitação porque pertente à administração indireta do Estado, afastada, desta forma, qualquer ato de improbidade por tal fundamento.

De igual sorte, não se verifica atos de improbidade no que diz respeito à contratação do arquiteto Gilson Lameira de Lima.

Com efeito, no Anexo VII e VIII da presente demanda, verifica-se existência do expediente nº 729-3200/00-6, elaborado para efeito de contratação, sem exigibilidade de licitação, a fim de que o arquiteto referido prestasse consultoria no Projeto de Produção de Habitação de Interesse Social Utilizando Madeira de Reflorestamento, nos termos do artigo 25 da 8.666/93.

Como se vê, a contratação do arquiteto foi celebrada para prestar serviços técnicos de Assessoria ou Consultoria, conforme previsto no artigo 13, III da norma citada.

Houve a comprovação do notório saber deste em relação ao serviço visado, constando vasta documentação no expediente atestando a especialização do consultor, revelando competência profi ssional do arquiteto, demonstrando experiência na construção de casas com estrutura daquelas construídas nos assentamentos em questão.

Em face da particularidade na construção das casas nos assentamentos em análise, realizada com madeira de reflorestamento (Pinus), revelou-se necessária a experiência profissional do arquiteto, sendo perfeitamente aplicáveis ao caso o disposto nos artigos 25, II e 13, III, todos da Lei 8.666/93, conforme parecer jurídico da Secretaria de Habitação, fls. 112/113, devidamente acolhido pelo Diretor-Geral da Secretaria de Habitação, fl. 118, que determinou a celebração do contrato, que foi efetivada, ratificada pelo demandado Ary Vanazzi, com a publicação da respectiva súmula no Diário Oficial do Estado, fl. 119/130.

Em face disto, a contratação do arquiteto foi devidamente justificada, em procedimento regular, precedida de parecer jurídico, permitida a contração do mencionado arquiteto, sem a necessidade de licitação, estando amparada disposto nos artigos 25, II e 13, III, todos da Lei 8.666/93, não havendo que se falar em ofensa ao artigo 10, VIII da Lei 8.429/92, ausente ato de improbidade a se declarar em relação à referida dispensa de licitação.

Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESTAURAÇÃO DE PRÉDIO HISTÓRICO. TERMO DE PARCERIA FIRMADO ENTRE OSCIP E A CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE CACHOEIRA DO SUL. DESNECESSIDADE DE LEI MUNICIPAL AUTORIZANDO O PODER PÚBLICO A FIRMAR TERMO DE PARCERIA COM OSCIP. APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.790/99. DISPENSA DE LICITAÇÃO. CABIMENTO NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. OFENSA À LEI Nº 5.194/66. INOCORRÊNCIA. I - Não há necessidade de Lei Municipal autorizando o Poder Público a fi rmar Termo de Parceria com OSCIP. Não há, na Lei nº 9.790/99, qualquer indicação no sentido de que a mesma se aplicaria exclusivamente às parcerias a serem fi rmadas no âmbito da Administração Federal. Portanto, não há falar em nulidade do Termo de Parceria fi rmado, visto que observados os termos da Lei nº 9.790/99 que, detendo o status de lei nacional, vincula e obriga todas as esferas e entes da Federação. II - Plenamente justifi cada a não-realização de procedimento licitatório e a contratação da OSCIP DEFENDER - DEFESA CIVIL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, para a elaboração de Projeto Cultural de Restauração e Reabilitação do Prédio Histórico denominado Palácio Legislativo João Neves da Fontoura,

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atual sede da Câmara de Vereadores de Cachoeira do Sul, e sua apresentação junto às Leis de Incentivo à Cultura Federal e Estadual, nos termos dos arts. 24, inciso XV, e 25, inciso II, da Lei n.º 8.666/93. III - Não merece acolhimento a alegação no sentido de haver ilegalidade da contratação da OSCIP por inobservância dos preceitos da Lei nº 5.194/66, que rege as atividades de arquitetura e engenharia. O Termo de Parceria prevê que a participação da OSCIP circunscreve-se à elaboração do projeto de restauração, aprovação e captação de recursos junto à União e, posteriormente, direção da execução das obras de restauração, que serão gerenciadas por arquiteto ou engenheiro selecionado, que deverá possuir habilitação para o trabalho de restauro de bens tombados ao patrimônio histórico, com a devida anotação de responsabilidade técnica junto ao CREA. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70043120302, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 10/10/2012)

APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DO PROCESSO LICITATÓRIO. A prova oral permite concluir, primeiro, que ao menos ao tempo da contratação não havia outra empresa a prestar os serviços; depois, que a empresa contratada detinha notória especialização para a execução dos serviços, a ver do projeto que elaborou e que acabou aprovado pelas Secretarias de Estado da Cultura e da Fazenda. Mas não fi cou só no projeto construtivo, com todo o detalhamento como plantas, planilhas de custo, orçamentos,etc; também produziu todo o material de divulgação. As circunstâncias peculiares, portanto, autorizavam a contratação direta, como dispõe o art. 25, II c/c art. 13, I da Lei 8.666/93. Apelo desprovido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70031959083, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 11/11/2009)

Mesmo que o processo administrativo fosse irregular, observada a existência de prévio parecer jurídico, sem a prova de participação do demandado Ary Vanazzi, igualmente não resta caracterizado ato de improbidade administrativa em questão.

Trago à colação precedente da 22ª Câmara Cível;

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS. COBRANÇA DA DÍVIDA ATIVA. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. PARECER DA PROCURADORIA DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. PARTICIPAÇÃO NO ATO DE IMPROBIDADE. 1. A responsabilidade do prefeito pela prática de ato de improbidade administrativa não decorre da mera qualidade de Chefe do Poder Executivo. Trata-se de responsabilidade subjetiva que exige sua participação no ato ímprobo por ação ou omissão. 2. Não pratica ato de improbidade administrativa o Prefeito que celebra contrato de prestação de serviços de advocacia para a cobrança da dívida ativa, sem licitação, precedida de parecer da Procuradoria do Município opinando pela legalidade da contratação por se tratar de hipótese de inexigibilidade de licitação. Hipótese em que a inicial não imputa ao Prefeito a participação na elaboração do parecer jurídico. Ação rejeitada em parte. (Prefeito - Improbidade Nº 70006285837, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 08/06/2004)

Como se vê, não resta caracterizado dolo ou culpa grave dos demandados.Ainda que o fato de ter havido projeto falho, principalmente em razão da

dificuldade de acesso ao local para a entrada de materiais e falta de preparo dos

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benefi ciários para o sistema de mutirão, bem como a ausência de controle adequado em relação aos materiais, seja pela qualidade e da própria entrega, gerando difi culdades na execução, justifi cada a ausência de licitações da EMATER e do arquiteto, tais fatos, por si só, não caracterizam ato ímprobo, havendo a necessidade de que o agente tenha agido com dolo, visando à prática do ato lesivo ao ente público, ou ao menos culpa grave, sob pena de o ato ser ilegal, mas não ímprobo, pois a lei visa punir o administrador desonesto e não o inapto, fi cando evidenciado que muitos problemas de execução decorrem das chuvas intensas no período, além do previsível.

Com efeito, os conseqüentes problemas na execução das casas em razão do projeto defi ciente não se caracterizam ímprobos os atos dos demandados, uma vez que “(...) a Improbidade administrativa é mais que mera atuação desconforme com a singela e fria letra da lei. É conduta denotativa de subversão das fi nalidades administrativas” (Marino Pazzaglini Filho, em Lei de Improbidade Administrativa Comentada, p. 13, São Paulo, Atlas, 2002), sendo que o descumprimento ao princípio da legalidade, por si só, não caracteriza ato ímprobo, havendo a necessidade de que o agente tenha agido com dolo, ou ao menos culpa grave, sob pena de, não demonstrado o elemento volitivo, o ato ser ilegal, mas não ímprobo, como no caso, tendo em vista que a lei visa punir o Administrador desonesto e não o inapto, entendimento adotado por este órgão fracionário na análise de demandas versando sobre improbidade administrativa, ora aplicado para afastar a caracterização de ato ímprobo, como se verá a seguir, e negar provimento à apelação.

Neste sentido, precedentes da Câmara (grifo):

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PAGAMENTO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE PARA TELEFONISTAS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. O descumprimento ao princípio da legalidade, por si só, não caracteriza ato ímprobo, havendo a necessidade de que o agente tenha agido com dolo, visando a pratica do ato lesivo ao ente público, sob pena de, não demonstrada a intenção do agente, o ato ser ilegal, mas não ímprobo, porque a lei visa punir o administrador desonesto e não o inapto. Hipótese em que não foi comprovado que os réus, ex-Prefeito e ex-Secretário do Município de Ijuí, agiram com dolo no pagamento de insalubridade a telefonistas celetistas e estatutárias, tratando-se de conduta adotada por administradores anteriores, havendo decisões da Justiça do Trabalho e laudos periciais que ensejaram diversas controvérsias no caso. Precedentes do TJRGS e STJ. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70043072271, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 28/07/2011)

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADORES. SERVIDORES DA CÂMARA MUNICIPAL. DIÁRIAS. INDENIZAÇÃO DE TRANSPORTE. (...) 3. O controle judicial da fi nalidade de viagens realizadas por agentes políticos, cujas funções se executam com ampla discricionariedade na escolha dos meios para seu cumprimento, não pode invadir sua conveniência e oportunidade. Apenas em caso de manifesto desvio de fi nalidade é que devem ser reputadas ilegais. 4. O pagamento de diárias e de indenizações por deslocamento a agentes públicos subordina-se à prova da realização da viagem para cumprir atividade relativa ao cargo. O recebimento de tais verbas sem a prova da viagem, em razão da defi ciência no controle da prestação de contas, gera o dever de ressarcir o erário, mas não é sufi ciente para o reconhecimento da

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prática de ato de improbidade. A falha na gestão dos recursos públicos não basta confi gurar improbidade administrativa, a qual exige prova da má-fé dos agentes públicos. A ilegalidade no procedimento adotado não é o bastante para confi gurar a prática de ato de improbidade administrativa, porque nem toda ilegalidade encerra improbidade administrativa. (...) Recursos providos em parte. (Apelação Cível Nº 70045454634, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 22/03/2012)

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS, RELATIVAS AO ÚLTIMO ANO DO MANDATO E DE DIÁRIAS DE VIAGENS. Atendimento ao sistema do Município, de comprovação da viagem, por nota fi scal do local de destino, ou atestado de participação em evento. Ausência de controle mais adequado que não signifi ca improbidade, mas ilegalidade. Pagamento de diárias a servidores em ocasiões emergenciais, sem o prévio empenho, justifi cada pela situação fática. Comprovação de estadia prorrogada por motivo de hospitalização, abrindo ensejo ao pagamento das diárias respectivas. (...) AÇÃO JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. (Prefeito - Improbidade Nº 70006326292, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rejane Maria Dias de Castro Bins, Julgado em 03/02/2006)

De igual sorte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS. RESPONSABILIDADE DO EX-PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. PAGAMENTOS INDEVIDOS A FUNCIONÁRIO. AUSÊNCIA DE RETENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. Conforme entendimento expressado pelo Superior Tribunal de Justiça, as decisões do Tribunal de Contas que imputam débito aos administradores públicos são examinadas pelo Poder Judiciário sob o ângulo da estrita legalidade. A imputação de débito equivale a uma condenação, devendo ser apurada a culpa do administrador pelas irregularidades na prestação de contas. O pagamento irregular de função gratificada e auxílio por diferença de caixa a servidor que já vinha desde longa data recebendo, afasta o dolo e culpa do administrador. É ilegal a imputação de débito relativa à falta de recolhimento de IR sobre licenças-prêmio não gozadas já que estas parcelas estão isentas do tributo, segundo a Súmula n. 136 do STJ. Apelações desprovidas. (Apelação Cível Nº 70048420194, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 23/05/2012)

Impositiva, em face disto, a improcedência da ação, em consonância à orientação do STJ (grifo):

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. PRECATÓRIO. INOBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO. CONDUTA DOLOSA NÃO COMPROVADA. SÚMULA 7/STJ.1. O entendimento do STJ é no sentido de que, “para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.” (AgRg no AgREsp 21.135/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/4/2013).(...)

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3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AREsp 403.537/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/05/2014, DJe 30/05/2014)ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE:TIPIFICAÇÃO (ART. 11 DA LEI 8.429/92).1. O tipo do artigo 11 da Lei 8.429/92, para configurar-se como ato de improbidade, exige conduta comissiva ou omissiva dolosa.2. Atipicidade de conduta por ausência de dolo.3. Recurso especial provido.REsp 534575/PR, Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 29.03.2004 p. 205

Assim, inexistem no processo elementos sufi cientes a corroborar a presença de dolo na conduta dos demandados, a ensejar responsabilidades nos termos dos artigos 10, “caput” e inciso VIII e 11, “caput”, ambos da Lei nº 8.429/92, devendo ser mantida a sentença de improcedência da ação, observado o conjunto probatório, não restando caracterizada improbidade administrativa, mormente porque “A ação de improbidade administrativa exige prova certa, determinada e concreta dos atos ilícitos, para ensejar condenação. Não se contenta com simples indícios, nem com a verdade formal.” (REsp 976.555/RS, Rel. Ministro José Delgado, 1ª Turma do STJ, 08/04/08, DJe 05/05/08), sendo ônus do Ministério Público a prova para a procedência da ação, conforme o disposto no art. 333, I, do CPC.

No mesmo sentido, precedentes da Câmara:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREPARO. PEDIDO DE AJG NÃO APRECIADO EM 1º GRAU. RECEBIMENTO DA APELAÇÃO. Não tendo ocorrido o exame do pedido de concessão do benefício da AJG em 1º Grau, deve a apelação interposta ser recebida, independentemente de preparo, evitando-se prejuízo à parte, que não pode ser surpreendida. RECURSOS DO FUNDEB JÁ INCORPORADOS E CREDITADOS AO MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de ação civil pública por atos de improbidade administrativa, ainda que envolvendo recursos do FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profi ssionais da Educação, quando já creditados e incorporados à municipalidade, não fi gurando na relação ente federal do art. 109, I, da CF, ausente manifestação de interesse da União no julgamento. Aplicação, por analogia, da Súmula 209 do STJ. Precedentes do STJ. SUBSTITUIÇÃO DO DEBATE ORAL POR MEMORIAIS. FACULDADE DO JUÍZO. AUSÊNCIA DE PRODUÇÃO DE PROVA EM AUDIÊNCIA. MERA MODIFICAÇÃO DO ADVOGADO DA PARTE. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. DESCABIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. A substituição do debate oral por memoriais remissivos constitui opção do Julgador. Aplicação do art. 454, “caput” e § 3º, do CPC. Oportunizados debates orais, não manifestando as partes interesse em sua realização, inexiste cerceamento de defesa a reconhecer. A ausência de produção de prova em audiência afasta a necessidade conversão dos debates em memoriais. Tratando-se de ação de improbidade administrativa, assegurando-se apresentação de defesa escrita em duas oportunidades, não requerendo as partes produção de provas e indeferida a produção de prova pericial, sem interposição de recurso, mera modifi cação do advogado da parte não enseja reabertura da instrução ou conversão dos debates em memoriais, encontrando-se preclusa eventual discussão referente à dilação probatória. Precedentes do TJRGS e STJ. PROVA PERICIAL.

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JURISPRUDÊNCIA CÍVEL 439

INDEFERIMENTO. PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. A ausência de manifestação da parte no momento processual oportuno, quando da intimação acerca do indeferimento da produção de prova pericial, acarreta a incidência da preclusão consumativa, ausente cerceamento de defesa em face disto. DEPOIMENTO PESSOAL DOS RÉUS. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DO AUTOR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. Compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, nos termos do art. 343 do CPC. Inocorre cerceamento de defesa pela ausência de depoimento pessoal dos réus quando ausente requerimento do Ministério Público. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 333, I, DO CPC. ÕNUS DA PROVA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. O ônus da prova de que os réus agiram com dolo, para fi ns de caracterização de improbidade administrativa, incumbe ao Ministério Público, na forma ser julgada improcedente. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO. LICITAÇÃO. AQUISIÇÃO DE MATERIAL DE EXPEDIENTE. SUPERFATURAMENTO. DIRECIONAMENTO. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO. OFENSA À ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Não demonstrada atuação dolosa dos réus, ausente conluio com empresa vencedora da licitação e seu representante, não demonstrado direcionamento do certame, superfaturamento de preços, frustração do caráter competitivo da licitação e ofensa à isonomia, não há como se acolher a ação de improbidade administrativa, julgando-se improcedente a demanda. PREQUESTIONAMENTO. A apresentação de questões para fi ns de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte, mormente porque foram analisadas todas as questões que entendeu o julgador pertinentes para solucionar a controvérsia. Agravo retido desprovido. Apelações dos réus providas. Apelação do Ministério Público desprovida. (Apelação Cível Nº 70058711326, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 29/05/2014)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DIRETORA DE ESCOLA MUNICIPAL. ART. 9°, 10º E 11 DA LEI Nº. 8.429/92. AGIR DOLOSO DO AGENTE PÚBLICO. NÃO COMPROVAÇÃO. (...) 2 - A improbidade administrativa não se confunde com mera ilegalidade, mormente ante o caráter repressivo das sanções aplicadas pela Lei nº 8.429/92. A confi guração do ato ímprobo depende da prova do elemento subjetivo da conduta do agente público, não se admitindo a sua responsabilização objetiva. 3 - O ônus de provar os fatos imputados ao réu na ação de improbidade é do Ministério Público. Procedimento em contrário viola o disposto no artigo 333, I, do CPC. Precedente do e. STJ. (...) 6- O ato antijurídico só se torna ímprobo quando o agente, com culpa ou dolo, fere os princípios constitucionais da Administração Pública e a ordem jurídica. Precedente do STJ. 7 - Não comprovados os atos de improbidade administrativa imputados à ré, deve ser julgado improcedente o pedido. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70042262998, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 18/10/2012)

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. RESTOS A PAGAR. 1. É inepta a petição inicial da ação para aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade administrativa quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão. Art. 292, inciso II, do Código de Processo Civil. 2. Excesso de poder não se confunde com desvio de finalidade. Enquanto no primeiro falta ao agente público competência para praticar o ato, no segundo,

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o agente público tem competência, mas exerce-a com finalidade proibida na lei ou diversa da prevista na regra de competência. Hipótese em que a petição inicial descreve a prática de atos proibidos pelo artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000, mas pede a aplicação de sanção pela prática de ato por desvio de finalidade. O fato de a obrigação ter sido contraída no período vedado pelo artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000 não induz, necessariamente, à conclusão de que houve dano ao erário. Hipótese em que a petição inicial não descreve a invocada lesão aos cofres públicos. 3. Imputando a ação de improbidade administrativa ao Prefeito o descumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (contrair obrigação de despesa, nos dois últimos quadrimestres do mandato, que não possa ser integralmente cumprida dentro dele ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito), cabia ao Autor instruir a petição inicial com os documentos demonstrando a data em que foram contraídas as obrigações que ensejaram as despesas incluídas nos restos a pagar, bem como a sua origem. Ação improcedente. (Prefeito - Improbidade Nº 70007514128, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 02/12/2003)

Diante do exposto, nego provimento à apelação interposta.Desa. Denise Oliveira Cezar (Revisora) – De acordo com o(a) Relator(a).Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza (Presidente) – De acordo com o(a)

Relator(a).

Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDO CARLOS TOMASI DINIZ

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ÍNDICES

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ALFABÉTICO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

C

Controle de constitucionalidade. Lei Estadual n. 12.427 de 2006. Produto agrícola. Comércio. Importação. Restrição. União. Competência privativa. Violação.Inconstitucionalidade. Declaração. ADI 3.813 ............................................................... 27

E

Execução penal. Dignidade da pessoa humana. Supremacia. Detento. Integridade física e moral. Garantia. Estabelecimento prisional. Obra. Administração pública. Realização. Poder Judiciário. Imposição. Cabimento. RE 592.581 .............................. 44

P

Processo civil. Execução contra a Fazenda Pública. Litisconsórcio facultativo simples. Parte. Precatório. Honorários de sucumbência. Fracionamento proporcional. Possibilidade. AG no RE 919.269 ................................................................................. 35

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

D

Direito individual homogêneo. Plano de saúde. Reajuste. Idade. Consideração. Abusividade. Idoso. Hipervulnerabilidade. Ação civil pública. Defensoria Pública.Legitimidade. EREsp 1.192.577 .................................................................................... 119

R

Responsabilidade civil. Fato de terceiro. Instituição fi nanceira. Banco. Gerente. Valor. Desvio. Cliente. Prejuízo. Empregador. Responsabilidade. Indenização. Cabimento. Dano material. Dano moral. Restauração. REsp 1.569.767 ...................... 160

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444 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

S

Sistema credit scoring. Dado pessoal. Exibição. Requerimento extrajudicial. Não comprovação. Interesse de agir. Ausência. Sentença terminativa. Manutenção.REsp 1.304.736 ............................................................................................................. 143

ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A

Administração pública. Serviço de saúde. Custeio. Estado-Membro. Município. Repasse fi nanceiro. Determinação. Cumprimento. Meio coercitivo. Sequestro. Possibilidade. MS 70065654014 ................................................................................... 215

C

Concurso Público. Validade. Prazo. Vigência. Contratação emergencial. Prorrogação. Aprovado. Preterição. Nomeação. Direito subjetivo. Reconhecimento. MS 70068024793 .......................................................................................................... 231

Controle de constitucionalidade. Lei Estadual n. 14.433 de 2014. Decreto Estadual n. 52.176 de 2014. Polícia. Investigador. Inspetor. Escrivão. Nível de escolaridade. Atribuição. Não compatibilidade. Cargo. Transposição. Confi guração. Inconstitucionalidade. Declaração. ADI 70064896913 .................................................. 171

Controle de constitucionalidade. Lei Municipal n. 172 de 2010, 356 de 2009, 383 de 2009, 441 de 2009, 442 de 2009, 499 de 2010 e 559 de 2010. Cargo em comissão. Criação. Atribuição técnica e burocrática. Não compatibilidade. Inconstitucionalidade. Declaração. Modulação dos efeitos. Aplicabilidade. ADI 70066627233.......................................................................................................... 186

JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

E

Execução penal. Detração. Requisitos. Prisão em processo diverso. Crime posterior. Impossibilidade. Código Penal, art. 42. EINul 70066090440 ........................ 245

F

Feminicídio. Gravidade concreta. Confi guração. Fumus comissi delicti. Periculum libertatis. Caracterização. Prisão preventiva. Flagrante. Conversão. Adequação. Prisão. Manutenção. HC 70065110116 ..................................................................................... 249

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ÍNDICE ALFABÉTICO 445

T

Tráfi co de drogas. Testemunha. Inquirição. Ordem. Inversão. Nulidade. Não confi guração. Mutatio libelli. Ministério Público. Aditamento. Ausência. Tráfi co. Consumo pessoal. Desclassifi cação. Revogação. Estatuto do desarmamento. Constitucionalidade. Reconhecimento. Porte ilegal de arma de fogo. Crime de mera conduta. Caracterização. ACr 70059252643 ....................................................... 254

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

A

Ação civil pública. Improbidade administrativa. Areia. Extração. Licenciamento. Vantagem patrimonial indevida. Confi guração. Cargo público. Nomeação. Reiteração. Instrução processual. Prejuízo. Reconhecimento. Função pública. Exercício. Agente político. Afastamento. Manutenção. AI 70064974124 ................................................... 279

Ação civil pública. Improbidade administrativa. Assentamento rural. Projeto. Execução. Irregularidade. Emater. Arquiteto. Contratação. Licitação. Inexigibilidade. Dolo. Prova. Ausência. Ato ímprobo. Não reconhecimento. AC 70064891567........................................................................................................... 369

D

Desapropriação indireta. Unidade de conservação. Unidade de proteção integral. Área de preservação ambiental. Parque Natural Morro do Osso. Indenização. Cálculo. Aproveitamento econômico. Consideração. Método involutivo. Utilização. Laudo pericial. Sentença. Nulidade. AC 70061311718 ............................................................ 296

M

Mediação. Acordo. Homologação. Menor. Direito indisponível. Omissão. Reconhecimento. Sentença. Desconstituição. Código Civil, art. 1.574, parágrafo único. Aplicabilidade. AC 70063695373................................................................................... 318

R

Responsabilidade civil. Igreja Universal. Ato de preposto. Pastor ou Bispo. “Mensageiros”. Conselho. Recomendação. Poder de convencimento. Direito Contemporâneo. Responsabilidade pelo ato de dar conselhos. Admissibilidade. Abuso da confi ança. Infl uência na vida das pessoas. Fiel. Doença letal. Vírus HIV. Fragilidade emocional. Adesão à doutrina. Tratamento médico. Abandono. Orientação. Obtenção da cura pela fé. Coação moral. Agravamento da doença. Nexo causal. Ato ilícito. Comprovação. Indenização. Dano moral. Quantum. Majoração. Legitimidade passiva. Ocorrência. Sentença. Nulidade. Inocorrência. Exceção de suspeição. Não reconhecimento. Prescrição. Não ocorrência. AC 70064055668 ........ 339

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446 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

Responsabilidade civil. Injúria racial. Comprovação. Direito da personalidade. Violação. Indenização. Cabimento. Dano moral. Quantum. Manutenção. Juros de mora. Termo inicial. Evento danoso. Súmula STJ n. 54. Aplicabilidade. AC 70064195126........................................................................................................... 308

S

Serviço público. Transporte. Concessão. Poder concedente. Responsabilidade subsidiária. Portador de defi ciência. Acessibilidade. Ausência. Constrangimento. Ocorrência. Integridade física. Violação. Indenização. Cabimento. Dano moral. Quantum. Majoração. AC 70065328304 ....................................................................... 360

U

União estável. Dissolução. Patrimônio. Aquisição. Contribuição. Presunção. Comunhão parcial de bens. Incidência. Partilha. Imóvel. Empresa. Cota social. Divisão igualitária. Manutenção. Lei Federal n. 9.278 de 1996. Aplicabilidade. AC 70067901157 ........................................................................................................... 322

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NUMÉRICO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

3.813 – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Min. Dias Toffoli – Rio Grande do Sul.................................................................................................. 27 592.581 – Recurso Extraordinário – Min. Ricardo Lewandowski – Rio Grande do Sul .............................................................................. 44 919.269 – Agravo Regimental no Recurso Extraordinário – Min. Edson Fachin – Rio Grande do Sul ............................................................... 35

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1.192.577 – Embargos de Divergência em Recurso Especial – Mina. Laurita Vaz – Rio Grande do Sul .................................................................... 119 1.304.736 – Recurso Especial – Min. Luis Felipe Salomão – Rio Grande do Sul .. 143 1.569.767 – Recurso Especial – Min. Paulo de Tarso Sanseverino – Rio Grande do Sul.................................................................................................. 160

ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

70064896913 – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza – Porto Alegre ........................................................... 171 70065654014 – Mandado de Segurança – Des. Luiz Felipe Brasil Santos – Porto Alegre ................................................................................................. 215 70066627233 – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Des. Marcelo Bandeira Pereira – Porto Alegre ........................................................................ 186 70068024793 – Mandado de Segurança – Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa – Porto Alegre............................................................................ 231

JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

70059252643 – Apelação-Crime – Des. João Batista Marques Tovo – Tramandaí ..... 254 70065110116 – Hábeas-Córpus – Des. João Batista Marques Tovo – Sananduva ..... 249 70066090440 – Embargos Infringentes e de Nulidade – Des. André Luiz Planella Villarinho – Pelotas ............................................................................. 245

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448 REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TJRGS n. 300

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

70061311718 – Apelação Cível – Des. Eduardo Uhlein – Porto Alegre....................... 296 70063695373 – Apelação Cível – Des. Ricardo Moreira Lins Pastl – Pelotas ............. 318 70064055668 – Apelação Cível – Des. Eugênio Facchini Neto – Porto Alegre ........... 339 70064195126 – Apelação Cível – Des. Jorge Luiz Lopes do Canto – Santa Maria ..... 308 70064891567 – Apelação Cível – Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro – Porto Alegre ... 369 70064974124 – Agravo de Instrumento – Des. Eduardo Delgado – Viamão ............... 279 70065328304 – Apelação Cível – Des. Umberto Guaspari Sudbrack – Rio Grande ... 360 70067901157 – Apelação Cível – Des. Luiz Felipe Brasil Santos – Porto Alegre ........ 322