investimento em infraestrutura no brasil e na europa 08.01.2015
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Estudo Comparado sobre decisões de Investimento no Brasil e na Europa e seu impacto do desenvolvimento da infraestruturaTRANSCRIPT
Investimento em Infraestrutura no Brasil e na Europa:
Importância do Sistema de Garantias
Introdução
Nesse paper conceituaremos inicialmente a importância do investimento em
infraestrutura para o crescimento da economia e seu desenvolvimento continuado,
expondo o que o torna diferentes de outros tipos de investimentos. Explicitaremos,
então, as dificuldades advindas dessas peculiaridades e o papel de grande importância
que o sistema de garantias em investimento possui na tentativa de ameniza-las.
Após isso buscaremos apresentar um breve resumo do estado atual do
investimento em infraestrutura no Brasil. Partiremos de um ponto de vista histórico
para chegarmos até os dias de hoje, onde, como será relatado, enfrentamos um sério
problema de escassez de infraestrutura. Assim, prosseguimos listando as soluções
buscadas recentemente para superar essa situação, concluindo com a necessidade de
uma nova abordagem para o problema através de um sistema de garantias.
Em seguida falaremos do caso europeu, em especial da união europeia e da
Inglaterra. Demonstraremos como, ao contrário do que parece ser o senso comum, a
Europa vem enfrentando um longo período de escassez de investimento em
infraestrutura, o que tem dito como consequência uma degradação da sua antes
excelente infraestrutura. Vamos, também, apontar o que já foi feito, e ainda tem sido
realizado, como forma de buscar mitigar esse problema, em especial frente à crise
internacional. Assim, daremos destaque ao recente uso do sistema de garantias e seus
resultados já obtidos, ainda que preliminares.
Concluiremos o artigo com uma breve comparação entre a situação do Brasil e
da Europa, demonstrando o nível de similaridade do problema e como o sistema de
garantias pode ser útil em ambos os casos.
O Investimento em Infraestrutura e suas Peculiaridades
O investimento em infraestrutura se distingue de outros tipos de investimento
por diversos motivos, não somente por seu efeito sobre a demanda agregada e o
emprego, mas, também, por ser condição para o aumento da competitividade e do
bem-estar social. Além disso, os riscos em que eles encorem também são de natureza
e intensidade diferentes.
Os ativos de infraestrutura se destacam por três características marcantes: os
investimentos iniciais são elevados, os projetos são intensivos em capital e são
responsáveis por externalidades positivas. Tais características têm implicações
importantes nas regras de exploração, na definição dos fluxos de caixa do projeto e
nas condições para que seja um projeto economicamente atraente.
Externalidade e monopólio natural
Os investimentos em infraestrutura visam a oferta de serviços públicos. De um
modo geral, essa oferta gera externalidades, ou seja, afetam agentes que não
participam diretamente da transação. Serviços de infraestrutura tais como transporte,
comunicação, energia e infraestrutura urbana estimulam, positivamente, outras
atividades econômicas, mesmo aquelas não diretamente envolvidas no seu
provimento ou consumo. Servem de suporte para as demais atividades econômicas,
permitem a integração do espaço nacional, aumentam a segurança e/ou melhoram as
condições de vida. Assim, como a relação custo-benefício privada tende a ser inferior à
social, se a sua oferta depender eminentemente da lógica privada, o nível de
investimentos será inferior ao socialmente desejável. É preciso, portanto, criar
mecanismos que assegurem a oferta de modo a maximizar as externalidades.
Como regra, ativos de infraestrutura são intensivos em capital, caracterizando-
se: (a) pela elevada necessidade de investimentos antes de começar a operar; e (b)
baixos custos operacionais. Decorre que, na fixação dos preços dos serviços da
infraestrutura, o peso do custo fixo unitário no custo total unitário é significativamente
maior que o percentual do custo variável unitário. Desse modo, a curva de custo
marginal da oferta do serviço é decrescente em relação à quantidade produzida,
gerando economias de escala e criando condições para o surgimento de monopólios
naturais.
Nessas condições, se as condições de entrada forem restritivas, tais como o
capital necessário para o investimento ou a exploração de uma condição geográfica
favorável, o mercado tenderá a ser dominado por apenas uma firma, a menos que
existam imperfeiçoes muito expressivas na preferência dos consumidores. Nessas
condições, o produtor procurará maximizar seus ganhos, obtendo lucros de
monopólio. Considerando-se as externalidades desse serviço, essa prática permitirá ao
empresário absorver o excedente do consumidor e reduzir as externalidades.
Infraestrutura e estado
O monopólio natural e a presença de externalidades são características da
infraestrutura que tornam o mecanismo de mercado ineficiente como método para
ofertar serviços nas quantidades que maximizam os benefícios sociais. Por essa razão,
se justifica a interferência estatal na sua provisão.
Até meados da década de 1980, a atuação do estado na produção direta de
serviços de infraestrutura, por meio de empresas estatais ou da burocracia pública, era
bastante comum. Como o benefício social da infraestrutura é superior ao benefício
privado, o estado, cuja ação não visa a maximização de lucro, poderia fixar as tarifas ao
nível do custo marginal, ampliando a oferta dos serviços até esgotar as externalidades.
A regulação da infraestrutura tem como objetivo garantir que o preço e a
quantidade do serviço privado sejam condizentes com a necessidade social. Isso
significa assegurar a universalidade do serviço, sua qualidade, atualização tecnológica,
a compatibilidade entre equipamentos, e estabelecer canais para atender as
reclamações dos usuários ou consumidores quanto à prestação dos serviços. Possui
também como objetivo estimular a inovação, removendo obstáculos e promovendo
políticas de incentivo. Por fim, ela também visa garantir a segurança e a proteção do
meio ambiente.
A introdução do sistema de concessões, por meio do qual o estado contrata, de
diversas formas, a provisão do serviço de infraestrutura, por meio de várias
modalidades de interseção entre os investimentos públicos e privados, trouxe a tona
novas necessidades de gerenciamento dos riscos inerentes aos projetos. Se, de um
lado, as tarifas devem estar limitada pela preocupação de não causar impacto em
outros preços e/ou reduzir a utilização dos serviços oferecidos, deve ser fixada de
modo a promover a determinação de um fluxo de caixa que torne atraente o projeto
ao interesse privado.
Investimento em infraestrutura e condições de atratividade
A decisão de investir em infraestrutura depende de dois tipos fundamentais de
riscos que estão associados às características desses ativos. Considerando que o custo
fixo, que amortiza o investimento, é a parcela dominante na definição do custo
marginal unitário, o controle sobre os custos e prazos de construção são decisivos para
a viabilidade do projeto. Um projeto exposto a variações nos custos de construção ou
nos custos de financiamento pode se deparar com alterações no custo total de tal
monta que coloca em xeque a viabilização da operação. Entre as variáveis que podem
afetar o risco de construção encontram-se desde a possibilidade de insolvência do
executante da obra, a ocorrência de eventos inesperados, tais como intempéries,
demandas judiciais, paralisações causadas por demandas trabalhistas, até erros de
execução do projeto e baixa qualidade dos insumos empregados.
Em contrapartida, considerando que o custo variável tem muito menor
relevância, podem ser mais facilmente absorvíveis nas margens de lucro do projeto,
não sendo, por essa razão, o maior foco de atenção. É importante frisar que, se esses
os custos não parecem relevantes, a imperícia na gestão da infraestrutura pode gerar
custos ao projeto, como multas aplicadas pelo regulador na eventualidade de
deficiências operacionais e/ou indenizações decorrentes de responsabilidades
associadas à operação.
Outro risco fundamental é o risco de demanda, uma variável central para esses
projetos. Os preços cobrados pelo uso da infraestrutura, bem como as condições e
mecanismos de reajuste são definidos nos contratos de concessão, são definidos em
leilão. Na medida em que os leilões se dão em condições competitivas, os ganhadores
conseguem preços mais próximos aos custos totais unitários. Assim sendo e
considerando o peso do custo fixo, a estimativa de demanda torna-se essencial na
fixação dos preços. Portanto, erros na estimativa de demanda e/ou variações
inesperadas podem trazer, inicialmente, problemas de liquidez que podem se
transformar em insolvência, dependendo de sua extensão e dos compromissos
financeiros assumidos. Se a demanda ficar abaixo do esperado, por exemplo, se uma
concessionária se deparar com um fluxo diário de automóveis menor que o estimado,
as receitas operacionais da concessão cairão, com consequências mais ou menos
graves de acordo com a extensão da perda de receitas e com a modalidade de
financiamento adotada.
A visão do investidor
Consideradas as características dos ativos de infraestrutura, se é do interesse
do Estado viabilizar projetos de infraestrutura dentro do paradigma atual, isto é, por
meio de parcerias públicas e privadas, normalmente mediadas por contratos de
concessão de serviços públicos, é fundamental que seja assegurada segurança jurídica
aos contratos, credibilidade das instituições reguladoras, a estabilidade das regras e a
previsibilidade das decisões. Isso garante ao setor privado a possibilidade de investir e
produzir em um ambiente de negócios favorável. Assim, a obediência às regras
contratadas de reajustes de tarifas e a solução rápida de conflitos passam a ser
cruciais. De outro lado, considerada a posição monopolista do fornecedor dos serviços
de infraestrutura, é crucial uma boa estrutura de monitoramento do serviço e
capacidade de imposição, ao setor privado, das condições de fornecimento do serviço.
Considerado o peso do custo do investimento sobre a determinação dos preços
dos serviços de infraestrutura e o interesse em que o acesso a tais serviços seja amplo,
importa muito a forma pela qual serão financiados. Os mecanismos de financiamento
devem ser capazes de mitigar os riscos associados ao período de maturação, a fim de
evitar qualquer eventual distúrbio que inviabiliza o projeto.
Por outro lado, do ponto de vista do investidor, os ativos de infraestrutura
oferecem algumas características atrativas peculiares, em contrapartida às dificuldades
levantadas, tais como: fortes barreiras de entrada, resistência a variações nos ciclos
econômicos e estabilidade, recorrente do fluxo de caixa com indexação inflacionária.
A vantagem advinda das fortes barreiras à entrada está associada às duas
características levantadas anteriormente. A partir do momento que uma empresa
monopolista já está estabelecida, não só o concorrente vai ser ineficiente (pela
definição de monopólio natural), como terá dificuldades em cobrir as elevadas
necessidades e capitalização inicial. Assim, há um duplo estímulo negativo á entrada
de concorrentes nos setores de infraestrutura, favorecendo as empresas previamente
estabelecidas.
A resistência a variações nos ciclos econômicos, por sua vez, está relacionada à
inelasticidade renda da demanda desses serviços. Infraestrutura é de uso coletivo, isto
é, fornece a um grande número de usuários, serviços essenciais por um longo período
de tempo. A demanda da infraestrutura social é extremamente inelástica, pois a
população demandará educação, saúde, segurança independente do ritmo da
atividade econômica. A infraestrutura econômica é um pouco mais sensível aos ciclos
econômicos, pois a demanda por energia elétrica, por transportes, por exemplo, pode
se reduzir caso as firmas não estejam produzindo. Entretanto, parte da demanda, a
parte atribuída à população em geral, é, semelhante à infraestrutura social, inelástica à
renda. Assim, o investidor pode esperar relativa estabilidade da demanda. Entretanto,
é necessário frisar que em casos de forte depressão econômica, ou um ambiente
institucionalmente desfavorável, essa característica pode não apresentar resultados
positivos.
O fluxo de caixa recorrente está relacionado à estabilidade da demanda, como
visto acima, e à indexação. A quantidade demandada, como já vimos, é estável,
entretanto, o preço poderia oscilar e assim impactar no fluxo de caixa. No entanto, os
preços nesses setores são comumente reajustados de via contratual, ou então até
mesmo indexados à inflação. Assim, em países com alta estabilidade institucional e
relativo crescimento econômico, o investidor possui certa segurança em relação ao seu
fluxo de caixa ao longo da operação.
Riscos Associados
Uma vez que o custo de financiamento dos investimentos em infraestrutura é
crucial para determinar a viabilidade do projeto, deve-se levar em conta que há uma
gama de riscos peculiares a esse tipo de investimento, que podem levar a um
encarecimento dessa modalidade de crédito. Dessa forma, se torna fundamental
reconhecer e categorizar os diversos tipos de riscos evidentes a fim de conseguir
mitiga-los.
O primeiro risco do qual podemos tratar é o chamado “risco setorial”, que diz
respeito ao próprio setor no qual se está em busca de crédito. No caso em especial que
estamos analisando, o do setor de infraestrutura, há o fato de eles serem compostos
de ativos com elementos de indivisibilidade e irreversibilidade, inclusive pelo seu
caráter geralmente inamovível, ou seja, são obras de grande porte com ativos
específicos que não podem ser revendidos para outro empreendimento, mesmo que
este seja um investimento do mesmo perfil. Sendo assim, eles possuem maior
probabilidade de descasamento de ativos e passivos em função do tempo requerido
para a maturação dos investimentos e geração de caixa dos projetos. Isso se deve ao
fato de que, ao ser realizado, uma grande parcela desses investimentos será
constituída de custos afundados e cujo prazo para inicio da geração de retornos
financeiros, quando se ultrapassa o break-even point, é extenso.
O segundo tipo de risco que podemos qualificar é o chamado “risco
macroeconômico”. Esse tipo de risco está relacionado ao nível de atividade econômica
do país em que se está investindo. Ele é de especial importância em economias que
possuam como característica um movimento do tipo “stop and go”, ou seja, com altas
flutuações na atividade econômica. Esse é um caso muito presente nos países
periféricos, em especial nos países Latinos Americanos, como o Brasil. Esse tipo de
risco pode levar a sérios problemas por diminuir a rentabilidade dos financiados, que
podem se tornar incapazes de pagar o que devem, dado que a redução da atividade
econômica também reduz seus retornos. Além disso, temos também a possibilidade de
mudanças bruscas na taxa de juros, o que pode ter forte influencia no custo dos
empréstimos. Da mesma forma, uma onda inflacionária pode vir causar defasagens
nos retornos esperados, assim como no valor dos empréstimos obtidos. Outro fator de
grande importância, em especial no caso dos empréstimos realizados em moeda
estrangeira, é a taxa de câmbio, dado que sua flutuação brusca pode levar a uma séria
dificuldade do tomador de arcar com suas obrigações.
Como terceiro risco, temos o “risco empresarial”, causado pela possibilidade de
má gestão dos empreendimentos. Esse tipo de risco não é específico do investimento
em infraestrutura, mas também necessita de atenção especial por englobar uma série
de condições quase sempre presente nesse tipo de empreendimento. Por exemplo, o
modo de gerenciamento da organização, sua estrutura organizacional, a estratégia de
formação de preços, a execução de relatórios de fluxos financeiros internos, a
integridade/confiabilidade de dados e informações, a habilidade de operar e controlar
seus processos principais de maneira previsível e pontual, a habilidade da organização
em cumprir normas e, por fim, a gestão adequada de questões ambientais, seja por
exigências de consumidores ou do mercado. Sendo assim, o não cumprimento
adequado desses requisitos acabará, inevitavelmente, por aumentar o risco do
negócio, elevando naturalmente o custo do financiamento.
Por último, temos aquele que seria um quarto risco, o chamado “risco
regulatório e institucional”. Essa classificação está fortemente atrelada à questão do
“risco macroeconômico”, discutido previamente. Nesse tipo de risco, se levaria em
consideração as mudanças que poderiam ocorrer na legislação e nos contratos
previamente firmados. Essas modificações inesperadas, e parcialmente legais,
colocariam em xeque o retorno de investimentos, cuja rentabilidade se encontra
prevista em contrato, como no caso de serviços de concessão pública. Isso faria com
que o tomador pudesse ver seu fluxo de caixa alterado, tornando-o mais propenso ao
calote. Dentro dessa tipologia, temos também a questão da fragilidade institucional,
que estaria, também, atrelada à validade dos contratos. Assim, decisões judiciais que
podem ser fraudadas, sem que possa recorrer a instâncias superiores, colocaria uma
grande incerteza sobre a validade dos contratos firmados, o que representaria para as
empresas um risco maior em seus investimentos. Cabe lembrar, também, a fragilidade
das relações internacionais entre os países, o que pode levar a estatizações ilegais e
inesperadas, sem uma restituição adequada. Esse tipo de risco está fortemente
relacionado à questão política e seus humores, o que gera uma forte incerteza para os
investidores em países tradicionalmente com pouca estabilidade política, como tem
sido, historicamente, a América Latina. Isso é de especial relevância em momentos de
forte oscilação da atividade econômica.
Em suma, podemos dizer que os ativos de infraestrutura geram impactos
positivos sobre o restante da economia, quer através da redução de custos de
natureza sistêmica, quer formando expectativas positivas para investimentos em
outros setores e promovem o desenvolvimento social, permitindo a melhoria da
qualidade de vida e maior inclusão das populações desfavorecidas. Os investimentos
em infraestrutura envolvem projetos de valores elevados, cujos retornos são de longo
prazo. Por esse motivo, sua determinação depende de expectativas quanto ao
comportamento futuro de variáveis macroeconômicas, como a renda nacional e os
juros, o que torna elevado o grau de incerteza inerente ao investimento, dificultando o
financiamento de seus investimentos. Além disso, envolvem setores que são objeto de
intensa regulação do Estado.
Assim, por conta de todos os fatores previamente apresentados, a equação
risco-retorno do investidor é distinta em um projeto de infraestrutura: do lado do
risco, há um novo elemento – a dimensão regulatória e contratual, e do lado do
retorno, uma dificuldade adicional – o financiamento por conta dos prazos longos de
maturação dos projetos, e o aumento da incerteza quanto ao fluxo de caixa e à taxa de
retorno esperada. Logo, a busca por mecanismos e instrumentos que tentem mitigar
esses riscos apresentados se faz fundamental, dado que os mesmos levam a um forte
encarecimento do crédito em projetos de infraestrutura. Isso se torna primordial em
países periféricos, como o Brasil, que ainda contam com uma presença muito forte de
todos esses tipos de riscos apresentados.
O caso atual do Brasil
No Brasil, a necessidade de retomada dos investimentos em infraestrutura em
caráter emergencial já era consenso antes mesmo dos acontecimentos da crise de
2008. Desde os anos 1980 os investimentos em infraestrutura ficaram ano a ano
aquém das necessidades, acumulando um grande déficit. A aposta na privatização
para suprir tais déficits, a partir dos anos 90, não foi bem sucedida, e com a retomada
em bases mais contínuas, a partir de 2004, tornou-se evidente o atraso nos
investimentos em infraestrutura e a necessidade de ações para recuperar o tempo
perdido.
A Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004) e o Projeto Piloto de
Investimentos, lançado em 2005, foram, nesse sentido, duas iniciativas muito
importantes. A Lei de PPP visava atrair o setor privado para os projetos de
infraestrutura, por meio de novos arranjos contratuais para concessões de serviços
públicos. O PPI, por sua vez, era um sinal claro do privilégio que estava sendo dado aos
gastos com investimentos em infraestrutura considerados estratégicos, na medida em
que permitia descontá-los da meta de superávit primário, à época fixada em 4,25% do
PIB. É, no entanto, somente com o lançamento do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), em 2007, que os investimentos em infraestrutura claramente
passariam a ser tratados como prioridade de governo.
O PAC foi o primeiro esforço concreto de retomada do planejamento desde o II
PND. Foram identificados os investimentos prioritários em infraestrutura energética,
logística e social, bem como se apontou os meios para os induzi-los e financia-los.
Dentre eles, destacam-se os mecanismos tributários especiais (depreciação acelerada
para obras de infraestrutura), o tratamento preferencial na oferta de crédito público,
as alterações na Lei de Concessões, a alocação de recursos não contingenciáveis no
Orçamento Geral da União e a criação do Fundo de Infraestrutura com recursos do
FGTS. A partir da crise de 2008, os esforços para a promoção da infraestrutura seriam
redobrados, com o lançamento do Minha Casa, Minha Vida, o novo marco regulatório
do Pré-sal, o PAC II e, mais recentemente, o Programa de Concessões em
Infraestrutura.
Como resultado desse conjunto de programas, testemunhou-se o aumento
acelerado dos investimentos em infraestrutura por parte de empresas públicas e/ou
por meio de parcerias públicas e privadas. Entretanto, continuou a haver a
necessidade de aceleração dos investimentos em infraestrutura.
Por um lado, ainda que haja disposição empresarial para a realização dos
investimentos em infraestrutura previstos, a continuidade do atual ciclo de
investimentos, majoritariamente de empresas brasileiras com financiamento em reais,
defrontasse-se com dois desafios, ligados ao financiamento. Primeiro, a conjuntura
pouco encorajadora. De um lado, a política de ajuste fiscal em curso diminuirá os
aportes financeiros ao BNDES e dará menos fôlego para a realização dos investimentos
públicos. De outro, o sistema financeiro local não dá sinais de que pretenda financiar,
em grande escala, projetos de infraestrutura desde a fase de construção, por causa dos
riscos elevados que não consegue gerenciar.
O boom da infraestrutura vivenciado pelo Brasil nos últimos dez anos, em que os
investimentos se expandiram a taxas superiores a 11% ao ano, teve, como
contrapartida, o aumento do endividamento das companhias brasileiras
tradicionalmente envolvidas com o investimento e a operação de infraestrutura, que já
alegam estar com seus balanços muito comprometidos com os investimentos
realizados nos últimos anos, não tendo condições de oferecer garantias corporativas
para o financiamento do investimento. Dada a velocidade com que os investimentos
ocorreram e o longo prazo de retorno, seu volume de capital não pôde se expandir na
mesma velocidade com que elas aumentaram seu endividamento. Além disso, há
dificuldade para as construtoras atraírem sócios com disposição para aportar capital
em projetos de infraestrutura. Ao mesmo tempo, o sistema financeiro privado –
incluindo as seguradoras – não desenvolveu dispositivos de garantias/seguro para os
riscos na infraestrutura com preços competitivos e em volumes relevantes.
O modelo da aceleração dos investimentos em infraestrutura apoiado na
empresa nacional e com financiamento em reais pode estar, contudo, em vias de
chegar a um limite. Eles não estariam localizados no crescimento recente do estoque
de capital, havendo consenso sobre a escassez de equipamentos.
Por outro lado, por conta do financiamento ter sido apoiado em reais, o ciclo de
expansão da infraestrutura recente se deu sem que se aumentasse o passivo externo
da economia brasileira. Dessa forma, foram mitigadas tendências à fragilidade
financeira externa verificada em outros ciclos de investimento, notadamente no II
PND.
Também não há indícios de que as empresas brasileiras não tenham capacidade
administrativa de responder ao desafio de continuar ampliando os investimentos. Ao
contrário, as grandes empresas continuam se expandindo e algumas outras, em geral,
anteriormente subcontratadas para serviços de construção, chegam a novos
patamares e lideram concessionárias vencedoras em leilões do Programa de
Investimento em Logística (PIL), cujos leilões de licitação foram realizados em 2013 e
2014.
A fórmula encontrada pelo BNDES para financiar os projetos de infraestrutura
desde a fase de construção é denominado Project finance híbrido, por consistir em um
processo que, ao longo do tempo, combina elementos de financiamento corporativo
com o project finance.
O BNDES exige que os sócios deem garantias corporativas para o financiamento,
configurando o que pode ser chamado de project finance full-recourse. Caso haja
necessidade de mais financiamento decorrente de aumento dos custos, o Banco fará a
oferta dos recursos desde que o projeto continue viável e desde que os sócios da EPE
apresentem mais garantias. Se isso não for possível, o Banco executa as garantias.
A modelagem desenvolvida pelo BNDES tem registrado grande sucesso. Ela libera
as garantias dos sócios muito antes do que acontece em financiamentos corporativos
convencionais. Além disso, a despeito de ocorrer com frequência, como é típico em
projetos de infraestrutura, a renegociação dos termos financeiros dos projetos,
disparada pela ocorrência de algum evento que encarece a construção, a
inadimplência tem sido desprezível. Mais ainda, os projetos dificilmente são
abandonados, chegando quase sempre à conclusão. No entanto, a exigência de
garantias corporativas, mesmo que restrita à fase de construção, pode ser, como
alegam algumas empresas, um limite para a aceleração dos investimentos em
infraestrutura, considerando a hipótese de que seus balanços já estejam
sobrecarregados com as garantias para os vários projetos já iniciados.
Há outros limites para o BNDES aumentar, ao menos no curto prazo, a
disponibilidade de financiamento para a infraestrutura.
Em primeiro lugar, o da disponibilidade de funding. Nos últimos anos, o aumento
das operações de crédito do BNDES foi atendida por aportes do Tesouro Nacional.
Decorre daí dois impactos fiscais dessa operação financeira. No momento de sua
realização, a dívida bruta do governo se eleva no montante da emissão dos títulos. Ao
longo do período do financiamento, a diferença entre as taxas de financiamento do
Tesouro (SELIC) junto ao mercado, e do BNDES, junto ao Tesouro (TJLP), se adicionam
à dívida bruta. Além disso, o futuro ministro da Fazenda, ao anunciar a mudança do
foco da política fiscal, que passou a privilegiar dívida bruta, deixando de lado a dívida
líquida, relacionou, diretamente, os aportes financeiros ao BNDES à meta de superávit
primário, pressupondo que não se façam mais repasses aos bancos públicos. Assim,
para o BNDES, o quadro mais provável, nos próximos anos, é o de escassez de novo
funding para atender à demanda de novos financiamentos em infraestrutura.
Não há, até o momento, indício de que financiadores privados nacionais tenham
interesse no financiamento da infraestrutura desde o seu início, pois a captação junto
ao mercado introduz algumas dificuldades. Uma delas é a do nível muito elevado da
taxa SELIC, o que pode inviabilizar projetos de infraestrutura, assim como o uso de
indexadores nos contratos de financiamento, que introduz o risco de descasamento.
Além disso, o mercado financeiro e de capitais não oferece suporte suficiente ao
grande volume de projetos de longo prazo e não está preparado para assumir alguns
tipos de risco sem garantias elevadas. A dificuldade ou o custo envolvido na obtenção
dessas garantias pode fazer com que empresas com projetos rentáveis e com
disposição para o repagamento dos financiamentos possam não ter acesso a eles.
Neste contexto, as garantias se tornam um importante fator inibidor da
competitividade de vários setores importantes, assim como um inibidor dos
investimentos em direção à universalização em setores de infraestrutura, prejudicando
a recuperação econômica do país e uma retomada e aceleração do crescimento.
O caso atual europeu
Com a irrupção da Grande Crise de Crédito, em 2008, e seu desdobramento na
Crise Soberana (2010), elevou-se a incerteza acerca dos riscos e retornos dos
investimentos em infraestrutura em todo o continente europeu. Em um dos
levantamentos mais atualizados sobre a situação da infraestrutura europeia, o Review
of the European PPP Market in 2013, elaborado pelo European PPP Expertise Centre,
registra-se forte queda, a partir de 2008, dos investimentos em Parceria Público-
Privada (PPP). Ainda que em 2013 tenha ocorrido uma pequena recuperação, esse tipo
de investimento continua muito abaixo do seu auge, sendo cerca de 57% do registrado
em 2007. Com relação ao investimento em geral, de acordo com o Investment and
Investment Finance in Europe, publicado pelo Banco Europeu de Investimento, em
2013: “Após quase seis anos depois do início da crise financeira e da recessão, os níveis
de investimento encontram-se cerca de 17% abaixo do seu pico em 2008.” Assim, até o
momento não há sinais de que esteja em curso a recuperação nos níveis desses
investimentos1.
A situação é semelhante no Reino Unido. Segundo a Confederação das
Indústrias Britânicas (Confederation of British Industry - CBI)2 o setor de construção
enfrenta a sua pior crise desde a Segunda Guerra, e, de acordo com o Office for
National Statistics3, o quadro crítico continuaria se aprofundando. Os investimentos
em infraestrutura do primeiro trimestre de 2013 diminuíram 4,3% em relação ao
trimestre imediatamente anterior4. Ainda segundo a CBI, uma nova queda no nível de
atividade da construção é esperada até o fim do ano5.
Em vista desse quadro, há uma espécie de clamor generalizado pela retomada
dos investimentos em infraestrutura como um caminho para a superação da crise
1 Ver, em adição, o relatório conjunto do Urban Land Institute e Ernst & Young, Infraestructure 2013: Global Priorities, Global Insights. http://www.ey.com/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=736FvsLAsX2 Falta referência? 3 Falta referência?4 http://www.ibtimes.co.uk/articles/479975/20130618/uk-guarantees-scheme-treasury-infrastructure-projects-cic.htm 5 http://www.ibtimes.co.uk/articles/431231/20130204/uk-guarantees-scheme-infrasturcture-projects-treasury.htm
econômica. A crise, no entanto, não é a única razão mencionada para justificar a
execução desses projetos na Europa.
Ao longo dos anos últimos 30 anos, os investimentos em infraestrutura na
Europa ficaram aquém das necessidades. As redes de transportes e energia
continuaram a seguir uma estratégia nacional, redundando em gargalos para a
integração. A oferta de energia não apenas é insuficiente, precisando, portanto, ser
expandida para garantir a segurança energética, como há o compromisso de dar mais
peso à eficiência energética e à geração a partir de renováveis, com a concomitante
desativação de usinas nucleares. Por fim, há um consenso de que será crucial para a
competitividade e o bem-estar a generalização do acesso à internet de altíssima
velocidade6.
Em suma, a retomada do investimento em infraestrutura é, para a Europa, uma
saída da crise e o início de um novo ciclo de desenvolvimento. Espera-se que, por meio
do rejuvenescimento e da expansão da infraestrutura, não apenas haja aumento da
geração de empregos, durante as obras, mas também sejam asseguradas vantagens
competitivas para as empresas europeias. A retomada desses investimentos dará início
a um processo de crescimento orientado para a competitividade, o uso
ambientalmente sustentável dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida.
Por essa razão, o Reino Unido pretende induzir investimentos do seu Plano
Nacional de Infraestrutura, num montante de até em £ 40 bilhões, até 20157. Já a
Comunidade Europeia espera levar adiante um grande pacote de investimento em
uma rede de infraestrutura, constante da Estratégia Europa 2020, abarcando
transportes (TEN-T), energia (TEN-E) e tecnologias de informação e comunicação (ICT),
estimado entre € 1,5 e 2,0 trilhões até 20208. Na avaliação das autoridades europeias,
os maiores problemas para executar essa estratégia não residiriam na qualidade dos
6 Ver o discurso proferido por Olli Rehn, vice-presidente da Comissão Europeia e membro da comissão responsável por assuntos econômicos e monetários e o euro, Europe´s growth challenge and innovative infrastructure finance, European Commission - SPEECH/12/789 , em 08/11/2012 http://europa.eu/rapid/press-release_SPEECH-12-789_en.htm7 Falta referência?8 Investimentos, em média, de 250 bilhões de Euros por ano, de 2014 até 2020, sendo 500 bilhões de Euros para transporte, 1.100 bilhões para ampliação e aumento da eficiência da capacidade atual, energia limpa, transmissão, redes de distribuição e smart grids, e cerca de 300 bilhões para melhoria das telecomunicações e difusão de banda larga de altíssima velocidade.
projetos, mas na oferta insuficiente de financiamento e garantias9. Na opinião da
Comunidade Europeia (2013: 5), “há um risco real de que os gastos em infraestrutura
no período pós-crise, como um meio de garantir crescimento e empregos no futuro,
sejam restringidos, a menos que fontes alternativas de funding possam ser
desenvolvidas”.
De fato, com a crise os pilares do financiamento do investimento em
infraestrutura na Europa foram fortemente atingidos. Primeiro, os estados nacionais
colocaram em prática políticas visando reequilibrar suas contas, fortemente
prejudicadas pela queda das receitas tributárias, pelo funcionamento de
estabilizadores automáticos, pelas despesas de capital para salvar o sistema financeiro
e pelas dificuldades crescentes para rolar dívidas. Temendo exacerbar seus déficits
financeiros e, com isso, rebaixar ainda mais a confiança na dívida pública e, no limite,
no próprio Euro, os governos europeus não se dispuseram, e dispõem, a aumentar
suas despesas na escala necessária para executar os investimentos em infraestrutura.
Os bancos privados europeus, por sua vez, diante das perdas incorridas na crise
e da elevada incerteza que se abateu sobre os mercados, tornaram-se mais avessos
aos riscos. Por essa razão, seu interesse no financiamento à infraestrutura reduziu-se,
levando-os a minimizar a exposição ao longo prazo. A postura defensiva adotada pelos
agentes financeiros tem sido ainda fortalecida pelas próprias medidas de saneamento
do setor bancário e também pelas maiores exigências regulatórias decorrentes da
adoção das regras de Basiléia II e III.
Por fim, a redução do nível de garantias oferecidas por monolines10, fortemente
impactadas com a crise, contribuiu ainda mais para a escassez das fontes de
financiamento de longo prazo para projetos de infraestrutura, especialmente onde os
mercados de capitais são mais importantes, como no Reino Unido. Lá, como na Europa
Continental, o espaço para colocações primárias de ações e de títulos de dívida de
9 O relatório da Comunidade Europeia (2013), além das dificuldades de financiamento, reconhece que a queda no volume de investimentos em PPPs reflete, primeiramente, um limitado volume de projetos no pipeline e em preparação. 10 Monolines são seguradoras reguladas para oferecer exclusivamente um tipo de garantia, neste caso, garantia para financiamentos, estando proibidas de vender outros tipos de seguros.
longo prazo para novos projetos encolheu, tornando desproporcionalmente mais difícil
a colocação de papéis com piores classificações de risco.
Diante da urgência dos investimentos em infraestrutura e da crise do
financiamento convencional, tanto o Tesouro do Reino Unido como a Comunidade
Europeia, em parceria com o Banco Europeu de Investimento (BEI), tem promovido o
lançamento de inovações financeiras mitigadoras de risco, uma espécie de solução
conciliatória para o problema fiscal e para a inibição dos financiadores. Assim, os
recém-criados Esquema de Garantias do Reino Unido (EGRU) 11, o Loan Guarantee
Instrument for Trans-European Network of Transport Project (LGTT) e o Project Bond
Credit Enhancement (PBCE), visam, simultaneamente, estimular os investimentos em
infraestrutura, reduzir os riscos para os financiadores privados e aliviar a pressão sobre
o caixa dos governos e dos bancos públicos.
11 Tradução para UK Guarantee Scheme (UKGS)
Conclusão
O investimento em infraestrutura é, de fato, muito diverso dos outros tipos de
investimento, implicando em abordagens diferentes para obter-se uma quantidade
substancial, e necessária, de investimentos. Em um cenário de crise econômica essa
diferenciação se torna ainda mais aparente, levando à necessidade da criação de
novos instrumentos, em especial de um sistema de garantias, para poder-se garantir a
retomada e continuidade do crescimento.
Como pudemos perceber, o caso brasileiro e o europeu possuem diversas
semelhanças. Ainda que o nível de comparação seja completamente diferente para os
dois países, dado a imensa vantagem de infraestrutura que a Europa possui e sempre
possuiu historicamente em relação ao Brasil, a situação atual dos dois países é muito
próxima. Vemos uma grande necessidade de investimento em infraestrutura, tanto
com investimentos inéditos, como no caso brasileiro, quanto na manutenção e
expansão de antigos projetos, como no caso europeu. Além disso, ambas as regiões
estão em busca de se manterem competitivas frente ao mercado mundial, em rápida
expansão e evolução, se fazendo necessário o investimento em novas tecnologias, e
consequentemente infraestruturas, como no caso da internet de alta velocidade.
Dado a restrição a esse tipo de investimento existente nas duas regiões, ainda
que não necessariamente pelo mesmo motivo, se torna fundamental a busca por
alternativas. O uso do sistema de garantias surge, assim, como uma opção não só
muito interessante, mas também factível. Já em teste na Europa, e com resultados
animadores até o momento, ele também se apresenta como uma alternativa para o
Brasil, que já vem buscando opções como essas, diretamente e indiretamente.
O cenário de restrição externa no Brasil e de arrocho orçamentário em ambos
os países torna esse tipo de medida ainda mais atraente, fazendo, assim, de um estudo
mais aprofundado sobre elas algo urgente e necessário para a continuidade do
crescimento dos países envolvidos.