investigação sobre escrita -...

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rogerio josé camara Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Comunicação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Comunicação. orientador: prof. dr. andré de souza parente Rio de Janeiro Maio de 2004 investigação sobre escrita: Algumas relações entre escrita e imagem

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rogerio josé camara

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da Escola de Comunicaçãoda Universidade Federal do Rio de Janeiro, como partedos requisitos necessários à obtenção do título deDoutor em Comunicação.

orientador:prof. dr. andré de souza parente

Rio de JaneiroMaio de 2004

investigação sobre escrita:

Algumas relações entre escrita eimagem

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rogerio josé camara

orientador:andré de souza parente

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da Escola de Comunicaçãoda Universidade Federal do Rio de Janeiro, como partedos requisitos necessários à obtenção do título deDoutor em Comunicação.

Aprovado por:

____________________________________________Professor Doutor André de Souza Parente

(orientador)

____________________________________________Professora Doutora Ana Maria Amorim de Alencar

____________________________________________Professor Doutor Guilherme Silva da Cunha Lima

____________________________________________Professor Doutor Henrique Antoun

____________________________________________Professor Doutor Rogerio Luz

Rio de JaneiroMaio de 2004

investigação sobre escrita:

Algumas relações entre escrita eimagem

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Camara, Rogério José.Investigação sobre escrita: algumas relações entre

escrita e imagem / Rogério José Camara. Rio de Janeiro:UFRJ/ECO, 2004.

ix, 125f.:il.; 29,7 cm.Orientador: André de Souza ParenteTese (doutorado) - UFRJ/ Escola de Comunicação/

Programa de Pós-graduação em Comunicação, 2004.Referências Bibliográficas: f.121-125.1. Escrita. 2. Imagem. 3. Design. 4. Comunicação. I.

Parente, André de Souza. II. Universidade Federal do Rio deJaneiro, Escola de Comunicação, Programa de Pós-graduaçãoem Comunicação. III. Investigação sobre escrita: algumasrelações entre escrita e imagem .

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agradecimentos:

André Parente

Kátia MacielRogerio Luz

N-imagemCAPES

Ana AlencarGuilherme Cunha LimaHenrique Antoun

Alda PessottiGilberto Kunz

Wanda DinizRicardo de Oliveira

Maria Lúcia CamaraJorge Schmidt Camara

a Fatima e Luiza

a José Elias Neder Jr.In memoriam

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“(...) tudo tem a ver com quase tudo. tu pensas que não, mas tem.números equações teoremas beleza e coesão, e temor por isso mesmo,e o regente da ordem, aquele hermínio-espalhafato, a batinaesvoaçando diante da janela, devo ter confundido matiz e emoção, porisso quando te ouvi o nome, me veio adolescência e riso, um esporrarsem sentido, eu na frente da classe, sendo alguém, ridículo, masalguém (...)”

HILST, Hilda. Estar sendo. Ter sido.

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Investigação dos mecanismos construtivos da escrita,particularmente os princípios de suas operaçõestopográficas código/superfície, procurando compreender odomínio sensorial do espaço, no qual ocorrementrecruzamentos múltiplos de unidades que,contextualizadas, ganham dimensões semânticas. Toma-secomo sentido de escrita todo sistema de imagenscodificadas e diagramadas, que se concretize comolinguagem e seja passível de leitura.

Problematização das relações entre escrita e imagemconsiderando: 1) a produção de um novo espaço físico,visual e interpretável; 2) o ideograma: o caráter icônico erelacional da escrita e suas transcrições de imagens visuaise sonoras; 3) o diagrama: o confronto dos elementos, ojogo, a montagem.

Palavras-chaves: escrita, imagem, ideograma, diagrama.

resumo

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The present work investigates the constructive mecha-nisms of writing, especially the principles of its code/surface topographical relations, trying to understand thesensorial domain of space in which multiple crossings ofvisual and/or sound units occur, and that when contextualzed, gain semantic dimensions. Writing is considered to beevery codified and programmed visual and sound imagesystem that becomes concrete as a language and can beread.

The purpose of this essay is to study the relation betweenwriting and image taking into consideration: 1) the pro-duction of a new physical, visual and interpretable space;2) the ideogram: the iconic character of writing and itstranscriptions; 3) the diagram: the confrontation of theelements, the play and the assembly.

Keywords: Writing, image, diagram, ideogram

abstract

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introdução 03

bandeira 07

a dura poesia concreta 09

mapas 11

gênese de escrita 13

ideograma 21alfa beta 26

alfabeto 29

visível/invisível 37

paradigmas da legibilidade 41

manuscrito 47

impresso 55

homem letra 61

caligrafia 65

cartografias 75projeções do mundo 76projetações do mundo 82aparelhos de captura 84

escrita urbana 1 89vitrine 91livro livre 92

escrita urbana 2 97weingart 101franklinstein 102

escrita urbana 3 105o que faz juntar formigas?108

sumário

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Estar no mundo. Relações a ver. Textos/texturas. Ler ossignos que nos cercam, os textos das massas, as cidades, astexturas das ruas, as coisas, os rostos, as formas, as cores,as palavras, as imagens, os ícones. Simultaneidade detempos. Ritmo. Captar a experiência primeira, fixarvertigens, ouvir, sentir, ver, ler o mundo. A operação dosdiferentes modos de escrita. A coalizão do simbólico(verbal) e do icônico (não verbal). A fusão entre códigos elinguagens. A inter/penetração dos formatos e dos meios.

A escrita tem estrutura, forma, função, inserida nacultura. Funda-se na capacidade do homem em estabelecerrelações e notar a diferença. Resulta da aproximação dosopostos e dos elos situacionais entre um e outro. A escritaconstrói uma ambiência ao mesmo tempo em que rompecom ela, redefine o espaço e cria uma geometria desuperfície. A projeção do mundo sobre o plano exige antesa leitura das variáveis e, dela a dedução do traço dadiferença e sua energia dinâmica. Primeiramente aconcepção da imagem, a seguir associações por analogia aproduzir sentido e, então, a imagem cria a palavra.

Tais operações envolvem: – o arranjo dos símbolos; ageneralização de um código a todo tipo de movimento e atodas as encenações; a observação das ações (traços,conexões, topologia). O procedimento conduz à abstração etende a resolver-se em puro movimento estrutural, aomodo esquemático.

O jogo: composição de elementos, dispositivo demontagem e desmontagem, busca de encaixes e ajustes. Amodulação: variação e transformação do molde a cadaoperação.

Desde o último século tem-se expandido o conceito deescrita no ocidente. Do signo do discurso (transcrição dalinguagem articulada em caracteres imagéticos), passou-seà ideografia dinâmica que se realiza na sinuosidadecomplexa da acumulação e da fruição. Movimentos queexibem as tensões resultantes da sucessão de eventos queconstituem a dimensão diacrônica do tempo. Misturam-seos códigos ao invés de descrevê-los em sistemassincrônicos da linguagem. São modos de escrita queprocedem por deslocamentos metonímicos: o contínuo e odescontínuo no vertiginoso espaço de vivências esensações. Espaços de escrita-leitura, atividades de trocas(produção, recepção) nos quais os códigos se interagemvertiginosamente. Uma espécie de geometria do arabesco:armadilhas ao olhar, simetrias ocultadas, imbricadas,dissimetrias disfarçadas. Entra em crise a imagem única eharmônica do mundo, entra em crise os significados. Ossignos tornaram-se instáveis e ativos.

introdução

“Desde muito me ufanava empossuir todas as paisagenspossíveis, e tinha por irrisórias ascelebridades da pintura e da poesiamoderna.

Admirava as pinturas medíocres,bandeiras de portas, cenários,telões de saltimbancos, letreiros,iluminuras populares; a literaturaultrapassada, latim de igreja, livroseróticos mal escritos, romances dostempos da avó, contos de fadas,almanaques infantis, velhas óperas,refrões simplórios, ritmossingelos” (Rimbaud, 1998, p: 161).

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S o b r E s c r i t a

Constitui-se uma nova topologia, uma nova maneira depensar e de sentir. Ler é de certa forma um processo deauto-apagamento para permitir-se à relação. O sujeitovaga pelo espaço e nele se inscreve, a ele se entrega. “O eué um outro” sentenciou Rimbaud. Imerso no ambiente edissolvido pela dinâmica dos fluxos, o sujeito fragmenta-see propaga-se. É o contexto, a variedade das coisas queconstrói o sujeito e o permite existir. A crescentemutabilidade e o alto grau de indeterminação passam aexigir a capacidade de explorações aleatórias dentro daprópria dimensão mimética.

Este trabalho não avança exatamente sobre estas questões,mas retoma a escrita numa perspectiva histórica, levandoem consideração as condições de produção e reprodução dopensamento e os modos de abstrair e combinar oselementos. A escrita é sempre parcial e simbólica. Seuesforço repousa sobre as aproximações dos disparates,coerentes a posteriori. Acumulação, paciência, comparação,confrontação, interpretação. Coincidências de dadossensíveis. A maturação da escrita, portanto, comporta umesquema, sobre o qual se pode comparar.

Dois tópicos foram destacados das questões que envolvema escrita: o aspecto ideogramático e o diagramático. Pontostomados do “plano-piloto para a poesia concreta” propostonos anos 50 pelo grupo Noigandres: a idéia do ideogramae o espaço qualificado, estrutura espaço-temporal. A partirda idéia do ideograma interessa compreender o carátericônico da escrita, e suas transcrições de imagens visuais esonoras. Não somente a escrita da palavra, mas também aescrita sintética – puramente de idéias – onde o sentidoimpreciso da mensagem exige do leitor suas projeções. Oleitor realiza o símbolo. Um ideograma pressupõe umatotalidade, ou seja, cada parte contém o todo, o quefavorece a construção do texto como uma rede depossibilidades de conexões e leituras. Já o diagrama é omodo de organização do discurso ou da escrita, mapeia eexpõe os elementos, tornando possível estabelecer suasrelações, conectar pontos. Do diagrama e suassuperposições ou sucessões opera-se o ritmo, as vibrações.O confronto dos elementos, o jogo, a montagem, em sumao diagrama permite a observação da diferença e averificação da regularidade de um processo em termosmatemáticos.

Relativo a uma tipoética da escrita. Relação contraditória ecomplementar.

– A construção do tipo e sua normalização, na medida emque a transparência da escrita é condição para que ela setorne legível. Esquecer o significante. Instaura-se nopensamento ocidental a boa escrita baseada na presença ounão do sentido. Com isso o gesto original da inscrição

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I n t r o d u ç ã o

deve ser disciplinado: repetição, ritmo e organização. Oprincípio econômico da escrita: a conquista de umconjunto reduzido de códigos (traço/série) e suauniversalização; os procedimentos de síntese na passagemde uma representação concreta ao signo puro.

– A construção poética por sua natureza icônica eparatática. A poesia permite o deslocamento de um pontoa outro, sem problemas. Faz circular a palavra em seusdiversos tempos e espaços, confronta pontos. Revela acasualidade e a inconstância dos sentidos da palavra.

Do jogo à instituição. Ou entre jogar e comunicar. Deuma aproximação, a combinação, a operação comum, acompreensão.

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Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos em 1952, ano de fundação do Grupo Noigandres.

Kla

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“(...) revolução e terror: poesiaconcreta. A calma, terrível fixidezde olhos e olhares olhados – e osorriso nenhum; a formalidadeamarfanhada, lencinhos nos bolsosdos paletós, minha pose camicciarossa, atentamente relaxada. Emescada e escala, uma perfílicasombra conspiratória, tridêntica,remetendo a outra e outras; mãosmacbethianas surripiando-se nassombras; um claro escuro de filmnoir, sinistras listras de umabandeira.” (Pignatari, 2000, p.45)

bandeira

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A dura poesia concreta numa esquina de Vitória.Emoldurada do céu que tende à grandeza do infinito eencarcerada entre postes, fios, gatos, alhos e bugalhos. Doambulante que faz das laterais dessa parede sua vitrine. Ovão evidente e o concreto aparente emprestando a formamutável da reformável legis de uma inscrição urbana.

O que a antropogeografia mostra, são sucessivos desgastesde energias na busca de novos padrões. Formas aindarígidas, de projetar, construir, organizar e vivificar acidade.

Estabelece-se o fluxo, o afluxo. Dividem-se setores paraatividades as mais diversas e avança-se na descoberta denovos materiais que não só revolucionam o processo deconstrução, como a cada momento transformam a maneirado empilhamento dessa massa supostamente amorfa quedeveria dar vida, cor, movimento e geração de atividadesem cadeia a essa urbe que, pensada dessa maneira, nãopassa da estabelecida e fria projeção de Mercator, ondelinhas retas possuem intervalos fixos sem adaptatividadeou interferência. Talvez se possa arriscar, ignorantemente,a marcar tal teoria como uma vertente geratriz dodiscurso do fluxo, do entrever, do devir, da deriva e davirtualidade, dando, ao espectro criador, um sentidoilimitado de perpetuidade.

A cidade caminha e é adaptada pelo seu vivente. Esseobjeto humano age, corrói, se aglomera, pratica amercancia, trafica, mete medo, constrói entre, forma novasestruturas de abrigo e rompe como uma geóclase. Tudo oque não pode ser visto, mas que acaba comandando umanova ordem de discurso social, compondo esse novopuzzle do inevitável que engolfa e recria a receitaprojetada sem o saber dos arquitetos, que se digladiamsolitariamente a cada imposição de mudança.

Equação mais difícil e intricada, pois a cidade éessencialmente produtora de vazios. Já o ninguém, nãoproduz vazios, nem silêncios. Ele forma a turgescência quefaz pensar novamente a cidade, a textura da urbanicidade.

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a dura poesia concreta

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Jacques Polieri, 1967. Projeto de cenografia. Salagiroscópica acima e sala giroscópica satelizada abaixo.Duas possibilidades coexistem: 1. esfera e cubo móveisou cone fixado no cubo; 2. esfera, cubo e icoédro móveis.

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Em busca de uma abordagem sobre a escrita partiu-se dasseguintes formulações:

a) definir os princípios essenciais de um espaçocaleidoscópio: princípios de vida e o movimento. O métodoconsiste numa semiografia descritiva que parte do sentidoprimeiro de semiografia (representação ou descrição deum sistema coerente qualquer por meio de signos), masprocurando dar conta dos lugares abertos – no tempo etambém no espaço – múltiplos e simultâneos. Seguindoformulações do cenógrafo Jacques Polieri (1971,p.18),estabelece-se como preocupações fundamentais: “o jogo,os jogos, os códigos do espaço, suas transposições ouequivalentes tecnológicos”. Em seu método ele descreve o“como” – especulações sobre a técnica, a eficácia ecompatibilidade dos meios – e não o “porquê” que são,afirma Polieri “da ordem mitológica ou puramentepsicológica” (Ibid., p.18), às quais, aliás, a origem daescrita está intimamente ligada;

b) toma-se por base estudos do geógrafo Milton Santos(1997a) sobre o espaço social no qual afirma ser estedefinido por três conceitos – “forma, estrutura e função” –a serem objeto de análise combinada e simultânea. Deve-se considerá-los equivalentes aos termos de umatotalidade.

“(...) não é suficiente combinar estrutura e forma ou função e forma.No primeiro caso, equivaleria a supor uma relação sem mediação; nosegundo, uma mediação sem causa motora.Em realidade nenhuma dessas três categorias existe separadamente eapenas sua utilização combinada pode restituir-nos a totalidade em seumovimento” (Ibid., p.38-9);

c) a questão do mapa, observando como ele oferece omundo a ver e, revela os modos de pensar o mundo. Omapa como diagrama narrativo, a alimentar a imaginação.O mapa como base da geometria visual – superfície.

Objetiva-se aqui tanto gráfico como o grafo. O gráfico serefere ao traço – repetição, duplicação – marca do gesto, aorganização e domesticação do corpo. O grafo como espaçode analogias, variações, coexistências e condensações deimagens. A ligação de estruturas, espécie de re(l)ação a,onde todos os elementos do universo subordinam-se.

mapas

“A relação da poesia com alinguagem é semelhante à doerotismo com a sexualidade.Também no poema – cristalizaçãoverbal – a linguagem se desvia deseu fim natural: a comunicação. Adisposição linear é umacaracterística básica da linguagem;as palavras se enlaçam umas àsoutras de forma que a fala podeser comparada a um veio de águacorrendo. No poema a linearidadese torce, atropela seus própriospassos, serpenteia: a linha retadeixa de ser o arquétipo em favordo círculo e da espiral. Há ummomento em que a linguagemdeixa de deslizar e, por assim dizer,levanta-se e move-se sobre ovazio; há outro em cessa de fluir etransforma-se em um sólidotransparente – cubo, esfera,obelisco – plantado no centro dapágina. Os significados congelam-se ou dispersam-se; de uma formaou de outra, negam-se. As palavrasnão dizem as mesmas coisas quena prosa; o poema já não aspira odizer, e sim a ser. A poesiainterrompe a comunicação como oerotismo, a reprodução” (Paz,2001, p. 13).

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gênese da escrita

O ato de leitura antecede o ato de escrita, quer dizer,paradoxalmente soube-se ler antes de escrever. Estahipótese, hoje amplamente aceita, substitui o mito daorigem verbal da escrita que sempre ocultou a funçãográfica do sistema. Foi o grafismo e não a língua quemotivou a aparição da escrita. O mundo é coberto desinais naturais depositados, por Deus, sobre a superfície daterra. Mas estas marcas visíveis não designam diretamenteo que está oculto no mundo, elas dizem através delas. Énecessário que o homem, no exercício de sua sabedoria,atue sobre elas e às interprete. Para se compreender as leisdo universo e de seus sinais, ou seja, decifrá-los, é precisotrazer à luz o que se assemelha, o que se aproxima porafinidades, descobrir um universo de relações entre oselementos que recobrem o mundo. A magia permitia adecifração do universo desvelando as semelhanças secretasdas marcas/signos. Vai-se diretamente às marcas: asplantas, os animais estão carregados de grafismos que serepetem, se entrecruzam revelando as entranhas domundo, o que está no verso da superfície.

A anterioridade da leitura em relação à escrita repousasobre o princípio da existência de uma “observação ante-rior”, mas “os suportes desta observação fundadora sãosensivelmente diferentes” afirma Anne-Marie Christin(2000, p. 26). Na China, segundo o mito dessa origem, oimperador Pao Xi teria inventado a escrita depois de tercontemplado as figurações das constelações e, “baixandoos olhos, contempla os fenômenos que estão sobre a terra”(Ibid, p. 16). Na raiz da palavra wen, que significa ‘marca’,‘conjunto de traços’, encontra-se esta relação com aleitura do céu e suas constelações representadas pelostraços que ligam as estrelas, conceito que também seaplica aos veios visíveis das pedras, das madeiras e dosanimais. As coisas dispersas no mundo se correspondem esão espelho do céu. A constelação se dissemina sobre aterra com o poder de duplicar-se ao infinito. Na culturachinesa o traço não está ligado à palavra e sim ao ato decontemplação de uma superfície aparente, que permite as‘trocas’ entre o homem e o mundo, a fim de que ele possase comunicar com o ´poder da Eficiência infinita’. Há, naChina, uma correlação estreita entre a adivinhação e osurgimento da escrita. Foi inventando a leitura paracompreender as mensagens visuais vindas de um mundoestranho ao dos homens que o adivinho possibilitou oacesso à escrita. O sábio seria aquele que lê o universoque o cerca. A atenção se volta à projeção do cosmo sobrea superfície de seus corpos. Os profetas se ocupam emreconstituir as mensagens inscritas pelos deuses, sobres oscorpos dos animais, dos pássaros, dos quais elescontemplam no céu os diagramas compostos pelas estrelas.É o caso do valor simbólico atribuído à carapaça datartaruga na China, signo global de todo espaço-temporal.A partir da forma e do grafismo da carapaça os chineses

“Doravante, a linguagem tem pornatureza primeira ser escrita. Ossons da voz formam apenas suatradução transitória e precária. Oque Deus depositou no mundosão palavras escritas; quando Adãoimpôs os primeiros nomes aosanimais, não fez mais que leressas marcas visíveis e silenciosas;a Lei foi confiada a Tábuas, não àmemória dos homens; e averdadeira Palavra, é num livroque a devemos encontrar.(...) ela(a fala) só é (...) a parte fêmea dalinguagem, como seu intelectopassivo; já a Escrita é o intelectoagente, o “princípio macho” dalinguagem. Somente ela detém averdade”(Foucault, 1995, p. 54-5).

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S o b r E s c r i t a

concebem toda geografia mitológica fundamentada,analogicamente, pela referência do céu como superfície.

No ocidente a relação primeira da leitura, face à escrita, detraços ‘naturais’ também ocorre, mas não pertence àmesma natureza. O mito mais evocado entre historiadorese lingüistas é o da inscrição dos rastos dos animais sobre aneve. Este seria o ‘livro da natureza’ que permitia oscaçadores da era paleolítica seguir determinado espécimeque deixava sobre o solo uma marca distinta de centenasde outras. Rastos que o caçador lia e relacionava-o a umdeterminado animal.

O mito do caçador e o mito do imperador chinês refletemduas concepções e funções sociais diferentes da escrita(Ibid, p. 26). O primeiro observa sobre a neve as inscriçõesdo animal ausente e que o persegue por necessidade desua vida cotidiana, ou seja, não é uma leitura com oobjetivo de fazer fluir o pensamento, mas essencialmenteutilitária, de interesse material. O segundo é atraído pelasestruturas visuais que permanecem sobre a superfície doscorpos das diferentes categorias da natureza, tomados emanalogia ao espaço mais imaterial e inacessível: o céuestrelado. Para o chinês a escrita é concebida como ummeio de comunicação que o permite estar em relação(infinita) ao universo, não respondendo a interessesmateriais imediatos.

Para Christin, no entanto, o mito do caçador inventor daescrita esbarra num dado histórico: a escrita teriaaparecido nas civilizações agrícolas (Ibid, p. 29). Observa-se dois princípios distintos de escrita. Um relativo aosmovimentos aleatórios do caçador nômade que segue suapresa sem fixar-se e, o outro do homem sedentárioocupado com a organização e delimitação do espaço.

O mito do caçador foi, até pouco tempo, interpretado comparâmetros logocêntricos, como justificativa dopensamento fonético. Por este entendimento, a inscriçãona superfície associada a uma determinada espécie animal,se daria do mesmo modo que se relaciona uma palavra auma coisa, e, na medida em que o caçador lê uma série deeventos estabelece-se o princípio da narrativa. Christinfornece outra alternativa de interpretação quando afirmaque não é “a raposa que conta (...), mas o esquemadesenhado sobre o solo por sua passagem, e a estruturaresultante da passagem de todas as raposas que puderamse suceder em uma noite neste mesmo espaço” (Ibid,p.28). A questão não é a identificação da figura a partir deum traço, mas a rede de relações deste traço com todos osoutros. O percurso do caçador escapa a qualquersubordinação ao eixo da palavra, pois se distingue danarrativa verbal, esta centrada na temporalidade do fluxo.Mesmo as figuras do período paleolítico são estranhas a

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qualquer notação oral. Multidimensionais no espaço, suasrelações são estabelecidas topograficamente. O caçadornômade organiza seu espaço pelos vetores de articulação,sem estabelecer fronteiras ou medidas. O caminho não épré-determinado, nem mesmo as distâncias ou qualquertipo de encadeamento. É o principio da mobilidade. Ocaçador define seu território por movimentos queresultam de interações e mecanismos voláteis.Movimentos que a rigor não eram “agenciados” nem pelacaça, nem pelo caçador. No entanto, qualquer apreensão doreal corresponde à determinada noção de território. Nosdesenhos do período os animais são representados demodo “naturalista”, enquanto os homens aparecem deforma abstrata e geometrizada (triângulos, linhas, etc.).Com a produção de espaços de representação distintas ohomem assinala o desejo de determinar o seu lugar nomundo, de territorialização. O homem, que se expandesobre a terra, risca o solo e o define. Grafa, reorganizandotempo e espaço.

A alteração das configurações sociais, de individualistas eanárquicas para coletivas e institucionais, não se dariam pornecessidades naturais (esgotamento da caça, por exemplo),mas por razões culturais, que se voltavam à uniformidade daorganização social e à estabilidade das instituições. Ainvenção da agricultura reflete um comportamentototalmente distinto dos deslocamentos aleatórios do caçador.O agricultor explora metodicamente a superfície, mede edelimita seus espaços, exerce ações regulares e passa adominar uma rede de sistemas, tais como os ciclos dasestações, dos frutos, do tempo, do nascimento. O que envolveainda: a repetição dos gestos ritmados na fabricação doobjeto; a domesticação do real na organização e naestruturação das relações humanas; a observação dossignificantes naturais que simbolizam o eterno retorno easseguram a regularidade do sistema. Tais ocorrências ligam-se à escrita, a utilização do utensílio implica na exteriorizaçãodo corpo e do pensamento e o gesto ritmado é comum ao atode grafar. A produção da escrita estaria mais ligada ao ritmoque propriamente à visualidade. Deste campo deexperimentação, vivo e ativo, organizam-se as idéias, revela-se um universo antes desconhecido. A escrita funda novaspercepções o espaço.

Sob esta perspectiva o ato do nascimento da escrita resideno desenvolvimento econômico e suas invenções: medidasde distância, calendários, contagem de elementos, etc.Estes elementos e toda organização social ganhariam novosentido com o surgimento das cidades, representaçãomáxima da estratificação dos espaços, como um sulco nouniverso. “Lugar em que se encontram os pontos cardeaisque dividem o mundo, determina um código decorrespondências que integra toda a criação na sua rede. Ainserção espácio-temporal estabiliza-se porque tudo pode

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ser fixado, anotado”(Barthes, In: Enciclopédia Einaudi, v.11, 1987, p. 39). A cidade se dá ao mesmo tempo comoespaço de irradiação e de conjunção, na qual se avizinha oselementos por semelhança, constituindo umencadeamento. Corpos justapostos e domesticados sob oprincipio econômico de contagem, o que se traduz emtraços modulados e seriados que linearizam e espacializamo tempo.

A relação escrita/cidade tem sido ressaltada comfreqüência em estudos especializados, e, de fato, osprimeiros momentos da escrita fonética ocorreram entreos Sumérios na Mesopotâmia onde se estruturou asprimeiras cidades. Com as riquezas provenientes daagricultura e com os excedentes de produção demercadorias de modo geral, os Sumérios ativaram ocomércio entre-povos e, por sua vez, as cidades e suasarticulações. As condições para a sistematização da escritanesse período encontram justificativa na necessidade damercancia (chama-se atenção para o fato de que o deuschinês da escrita e do comércio é o mesmo), da burocracia(pois precisava-se de um instrumento de registro econtrole administrativo) e da infraestrutura pública(construções, irrigações, propriedades). Se em relação àsociedade agrária observou-se a necessidade de traçar edelimitar o espaço em oposição aos fluxos a-métricos doscaçadores nômades, nas cidades os ‘estriamentos’ sãoainda mais rígidos. Da estrutura urbana configura-se todauma sintaxe emitida pelas relações formais: escala, ritmo,volumes, proporções, linhas e técnicas de construção.Fala-se de uma escrita que organiza o tempo,contextualiza povos e os inscreve (cita-se, como exemplo,o fato do surgimento da escrita analítica no Egito sersimultâneo a sua unificação).

Povos definidos pela escrita. A escrita mítica na qual ovalor do significado gráfico, símbolo de uma realidadeúnica e similar, não sendo vista como uma reprodução dodiscurso oral. A escrita/marca, vestígios daquele vaga e seexpande sobre a terra, definindo o espaço por trajetos, atériscar o solo. A escrita analítica, da palavra, construtorade autoridades, relativa à ordem econômica e ao poder,sendo o seu nascimento contemporâneo ao da matemática,ao da medicina, por fim, ao pensamento científico. Nesteponto, a linguagem inicia o desligamento de sua parecençacom as coisas, a escritas e as coisas já não sãosemelhantes.

*

Mais do que estabelecer as origens sociais da escritainteressa a esta a análise de sua gênese icônica e seusmecanismos constitutivos. A escrita nasceu da imagem esua eficácia procede dela. Por sua vez, a imagem nasceu do

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esforço de ruptura com o espaço físico que nos circunda.Operação que simultaneamente abstrai duas dasdimensões do espaço-tempo e o reconstitui sobre o plano.Não é uma operação simples, primeiramente é precisotornar visível determinado objeto ocultando seu entorno,tornando-o presente e homogêneo, isolando-o sobre umfundo. Tira-se a figura de sua existência, regida pelas leisindefinidas do caos, para redefini-la sob um espaço deligações coerentes idealizado pelo homem. Busca-se umaordem em meio ao caos. O ato de grafar organiza o tempoe o espaço sobre determinada superfície. O modo depensamento, que permitiu a abstração do mundo sobre oplano, possibilitou a criação da imagem e da geometria e,por sua vez, foi essencial para o desenvolvimento dapalavra e do instrumento. A interrogação visual a fim dededuzir as relações daquilo que se observa e seu sistema,permitiu conceber essas figuras como signos, mas signossuficientemente ambíguos para que não sejaminterrogados somente em termos de significação, mas porsuas associações.

Não se pode alcançar uma forma até que se tenha clarezaprogramática. A projeção do mundo não existe sem traçosou palavras. Traços que contêm, diversificam e ordenam,possibilitando o entendimento do mundo. Procedimentosde seleção, redução (em pontos) e simplificação docontexto. São explorações analíticas que visam revelarsituações invisíveis (processos que não se dão diretamenteao olhar), através de diagramas. O diagrama opera aredução a um mínimo para elaborar um conceito. Suaexecução altera o projeto. A cada meio, a cada material ohomem se compõe diferente. O suporte, o instrumento, asmãos fazem exigências imprevistas e afastam o homem danatureza. Quando o homem, na era paleolítica, imprime asua mão sobre o muro de uma caverna, registra-se aconquista sobre o real, transformado-o em universosimbólico. Com a descoberta de tal suporte o homemrealizou a ruptura com o mundo, por meio da experiênciasensorial das coisas.

O projeto só existe com a energia do traço. O pensamentonão precede a ação. O pensamento é ação. As imagenssucedem-se, sobrepõem-se. O deciframento da imagem ouda representação dá-se no plano. Nele o significado daimagem pode ser capturado em sua totalidade, por suaestrutura. Ou, em procedimento de varredura dasuperfície restituir suas partes abstraídas, seus elementosmais puros (pontos, linhas, manchas), suas subunidades deenergia (diferentes graus de modulações e intensidades).

A varredura sobre a superfície exige deslocamentos,consumando-se como experiência no espaço e no tempo. Oconjunto de imagens não tem significados inequívocos. Asimagens são interrogadas, interpretadas, no movimento de

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seu engendramento. Imagens interconectadas, cada uma seliga a outra e outra, transformando ou reforçando osentido da imagem que a precede. Imagens eventuais emcolisão, em livre associação, das quais se processam cenas.Os significados são extraídos das relações espaciais doselementos - durante o trajeto - estabelecendo-se, também,relações temporais. O olhar vagueante, sem foco central.Os movimentos são inconstantes, interrompidos,(des)articulados. Movimentos contrários, com idas evindas. Enredados e tissulares. O observador só tem visãofragmentada, só se vê fragmento e necessariamente oresultado é uma operação mental. Articula-se ainformação. Não se trata, portanto, da capacidade deretratar. A informação é necessariamente abstrata. Atotalidade se configura como resultado de um conjunto deinformações.

Os elementos gráficos devem gerar formas. As formassurgem do diagrama de forças entre os diversos elementosirregulares. É definida pela coexistência de movimentosheterogêneos que se articulam. Tudo começa no esforço dealcançar uma forma, ter controle sobre ela. Contudo, não éa forma sozinha, mas o conjunto que compreende a formae seu contexto. Faz-se necessário articular um campo deforças que em princípio não se compreende. Desse modo épreciso trabalhar as afinidades das fibras, tecê-las paragerar um meio. Como ocorreu nas primeiras sociedadesagrárias, que com o processo de desfiamento da matériaextraída da natureza e seu tecimento puderamtranscodificar os eventos em situações.

O meio permite, portanto, entrecruzar e ajustar figuras, emum conjunto visualmente significante, funcionalizando atela entre o visível e o invisível. Quer dizer, a tela revela-secomo uma placa sensível com o propósito de representar oumapear o mundo, mas também como fronteira que permitea comunicação do homem com o que está para-além. Umponto de fuga para o infinito, exigindo a leitura sobdiversas variáveis, não só sob o que se encontra no mapa, énecessário mover-se por suas dobras. Neste caso éparadigmática a concepção oriental da tela como espaçomágico ou milagroso, no qual a ausência do ponto de fuganão significa a ausência do sujeito, mas sua onipresença,fora do campo de visão humano, expressa por variáveis,multiplicado, disperso. Seus deuses estão presentes naspedras, nas árvores. Interrogar o invisível está na origem doolhar. Ver é uma atitude metafísica. O imaginário humanodeposita sobre as pedras, as árvores e seus votos apossibilidade de interconexão com os deuses. É através domeio que o mundo se dá. Mas se por um lado aimaterialidade ganha poder de ação e o invisível introduz aomundo dos deuses, por outro a comunicação dos deusescom os homens e suas ações se revelam através do visível.

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A mitologia e o grafismo (a mitografia) surgemsimultaneamente nas sociedades primitivas. A mitografiaé essencialmente multidimensional com a disposição dasfiguras livremente espacializadas e, a princípio,independentes em relação à linguagem fonética. Atransposição da língua para um suporte gráfico-visual sófoi possível com a emergência anterior da semantizaçãoda imagem, o que confirma a participação da imagem naorigem da escrita. Uma nova etapa na escrita seria aconversão do ideograma em fonograma, por meio dahomofonia, quer dizer dois signos com formas idênticas,mas semanticamente diferentes. Na passagem doideograma ao alfabeto, o visível perde sua funçãosemântica. Esse tipo de notação implicaria numalinearização dos símbolos, aproximando-se assim dalinguagem fonética. Enquanto a figura teria devorado oespaço, a linha, dependente do logocentrismo, devorou afigura e sua liberdade de espacialização.

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Paul Klee, Uma folha do livro de registro da cidade, 1928.

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A escrita teve início, independente da fala, com apassagem da pictografia para a ideografia, o que ocorrecom a sistematização de processos já utilizados napintura. Desenhos compostos com traços elementaresque, elaborados a partir de realidades ambientes –pessoas, plantas, animais – expressavam mais pelaassociação da composição do que pelas partes isoladas.Para se chegar a tal procedimento, alcançou-se antes umaiconicidade geométrica e breve, ou seja, um traçadouniforme e sintético o suficiente para permitir boaidentificação e a estruturação de um conjunto de signos.Um movimento dual e inverso, o intrincado cruzamentoda imagem e sentido – redução icônica e expansãosemântica –, quanto menos precisa a representação daimagem, mais livre e aberta ela se torna e mais os seussentidos expandem.

A pictografia a princípio reproduz diretamente um objetomaterial, uma realidade concreta. Consiste em fazer odesenho da coisa que ele designa, não estabelecendorelações temporais e semânticas, o que exige a produçãode milhares de signos. Para evitar a multiplicidade designos, certos procedimentos deveriam ser aperfeiçoados.A reforma mais importante era enriquecer as relaçõesentre o signo e os objetos cotidianos. Passa-se a nãorepresentar a própria coisa, mas as circunstâncias que amarcam ou a outra coisa a que ela se assemelha. Oobjeto desenhado pode ser relacionado com outras coisasque estão conectadas com este objeto particularutilizando processos mentais, os quais são mais oumenos baseados na realidade. O fato que um signo poderser usado para indicar uma abstração uma idéia,transforma o pictograma num ideograma.

Com a associação (operação de linguagem) de duasrepresentações (pictogramas), por justaposição “chega-sea designar o conceito abstrato que a representação, por simesma, é incapaz de evocar”(Ivanov, Apud: Campos,1994, p. 49). O ideograma resulta do engendramento deformas. Ele diz, não por descrições ou por definições,mas por funções, pela observação da dinâmica dastensões, das transformações. Os elementos, como nanatureza, encontram-se interligados, agindo um1 pelosoutros. Realizam, por relações semânticas, umaconstelação de significados.

O ideograma precede a palavra e seu funcionamentoindepende dela. Para Peirce, o ideograma deve ser inicial,espontâneo e original, sem laços com o passado e simcom o futuro, à medida que é pura proposição edescoberta, implica noções de possibilidade. Trata-se doexercício do olhar, indefinidamente subjetivo, antes denomear. Qualquer pensamento articulado, diz Peirce, e oideograma terá perdido sua inocência. Admite-se aqui,

ideograma

1 Frege aceita que todos osnúmeros naturais maiores que umtêm que ser definidos porreferência aos seus antecessores,mas afirma que as definições estãoincompletas enquanto o númeroum e o conceito de somar um nãoestiverem definidos. Para ele os“números são atribuições dosconceitos e não do objeto”. DizFrege: “O número não é abstraídodos objetos, do mesmo modo que acor, o peso, e a dureza sãoabstraídos; também não é umapropriedade das coisas (...) Não équalquer coisa de físico, mastambém não é subjetivo (umaidéia). Não resulta também no atode juntar uma coisa a outra: 1+1=2não significa juntar uns porqueum não tem plural” (Frege, apud:Beuque, s.d.)

“Em todas as escritas primitivas,como nos hieróglifos egípcios, háícones de um tipo não lógico, osideógrafos”

“A única maneira de comunicardiretamente uma idéia é através deum ícone; e todo método decomunicação indireta de uma idéiadeve depender, para serestabelecido, do uso de um ícone.”(Peirce, 1995, p. 64-5)

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um conjunto de ideogramas estruturado numa ‘línguagráfica’, mas é de fundamental interesse a hipótese dePeirce para compreender um sistema de ‘fenômenosvisuais’, que exige o pensamento plenamente mobilizado,trabalhando sucessivas interpretações, o reconhecimentodas mais visíveis similitudes, do encadeamento dascoisas, suas atrações e afinidades, até se dar conta dainvenção da escrita.

A construção ideográfica exige um esforço de leituraque ultrapassa linhas visíveis ou a assimilação metódicadas coisas. Buscando a intenção original, o desenhoindica o movimento gerador da natureza. Investe-se dearticulações poéticas, de confrontos entre diferenças esemelhanças. Surge, dessa maneira, as metáforas, asalegorias oriundas do contato momentâneo entre duascoisas, movimento que se distancia cada vez mais doponto de origem. Na exploração dessa escrita,introduzindo variações nos dados, ensaia-se a realidadede maneira virtual e, através dela, é possível transpor omundo e projetá-lo.

*****

O objeto pontual, estático e definitivo, não define forma.Esta se expressa pela mutação, surge do movimento, doconceito espaço-tempo. A ‘forma espacial’ diz por suasextensões. Interessam as interações das formas, as forçasque as ligam. A escrita ocorre com o encadeamento(temporal) de duas coisas diversas. O que tem início como advento da ideografia.

A sintaxe por correlações dinâmicas depende de umaconstituinte diagramática. Esta permite a articulação e avisão simultânea dos elementos representativos de umafunção. O diagrama, segundo princípios matemáticos,ilustra as estatísticas, permitindo pensarquantitativamente (articulação de formas) uma qualidadevariável. O diagrama, no qual os ideogramas sãoinscritos, é apreendido, não linearmente (predominânciatemporal) como nas escritas alfabéticas, mas por cortessimultâneos: verticais (pontual) e horizontais(planificado). O espaço (topológico), munido de umaestrutura, é passível de análise em sua localidade,contraposta à totalidade de sua existência. O espaço,portanto, nunca é absoluto – é relativo. Em topologia nãohá grande nem pequeno. A forma da superfície éexpressa pelo conjunto de associações. O todo é analisadosegundo suas partes (singularidades), mas, por outrolado, as especificações de função da parte é determinadapelo todo. Para o esclarecimento destas questões, seguecitação de um trecho de entrevista com o matemáticoJean Dhombres, onde ele analisa conceitos matemáticosde forma:

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“(...) o que verdadeiramente expressa uma forma é uma família àqual ela está agregada, um grupo no qual ela se classifica, existemdiversas práticas. E para ver, como também para dizer, em quefamília uma forma está classificada (...) depende da escolha daqueleque quer ver.

Uma das soluções consiste em desdobrar a forma para fazê-laengendrar uma família de formas, da qual ela será, de certo modo, arepresentante. E um bom meio é o de desdobrá-la no tempo, fazer aforma se mover. A morfogênese é precisamente o estudo dasdeformações que se podem produzir em uma superfície com oobjetivo de saber como essas deformações se modificam, a fim defundamentar uma classificação: ver uma forma é isso. O que estáem jogo? Determinar (...) mudanças – as singularidades, comodizem os matemáticos: a palavra aponta, então, o que singulariza, oque se diferencia do contexto regular; desdobrando-se a superfícieem questão, seja pelo movimento, seja introduzindo-a em umespaço maior com propriedades mais elaboradas. Com efeito,existem várias técnicas para evidenciar o que permanece constanteem uma transformação e permite estabelecer tipos topológicos. Maspermanece a idéia de ‘esticar’ a coisa que se apresenta como umaforma fixa. Permanece igualmente a idéia - uma vez que passamossub-repticiamente do fenomenológico para a classe, senão para oconceito – de que se coloca o problema de saber o que mantemos,ou o que para nós é mais marcante nessa forma. Seria seu aspectogeral? Talvez não. É freqüentemente o que ela tende de maissingular ou mais irregular, como dizem os matemáticos, os lugaresonde a forma não é aquilo que esperávamos que fosse, e queconstituem a própria forma – sendo o verbo ‘constituir’ tomado nosentido ativo, o de uma gênese possível da forma a partir de suassingularidades. Não naquela forma de desenho, mas, certamente, deuma forma já ideal; (...) uma classe de formas. (...) Assim comouma função é, grosso modo, determinada pelos pontos em que éirregular, também uma forma geométrica é igualmentedeterminada por suas irregularidades. Certamente, isso necessitaser colocado em um contexto algébrico extremamente preciso, masa idéia está presente, é ela que une as duas formas. A singularidadedetermina a globalidade” (Apud: Noël, 1996, p.20-1).

A notação é inerente “ao continuum, receptáculo dosigno – não isolável.”(Polieri, 1981, p. 15) O valor dosigno é compreendido por relação a algo, pela tessiturade oposições e aproximações, pela observação doconjunto de ações, dos jogos, dos trajetos topológicos.

A escrita produz uma economia pela estratégia derepetição. As variantes únicas – o jogo. Jogo redutor daentropia. A síntese formal da escrita exige identidadetópica. A estrutura nuclear totalizante é estabelecidapor um diagrama de base, a se observar todas as ações(traços, simetrias, conexões, cinemática, topologia). Osideogramas chineses, por exemplo, hoje em númeroaproximado de setenta mil, são construídos a partir denove traços. Operação de generalização de um código a

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todos os tipos de movimentos. O signo, entrelaçado àspreferências diacrônicas, contém em si a totalidade dalinguagem. As múltiplas fusões das figuras, agenciadaspelo espírito, exprimem o ilimitado do mundo.

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I d e o g r a m a

Paul Klee

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a l f aa l e f

a

m o v i m e n t oforça movente

força reprodutivaeconomia de energia

energia doméstica

Forma original: BOI

Sentido original: energia primal.

Sentidos derivados: força, ser, ser humano, modo de ser,homem, possibilidade, começo.

do fluxo das forças selvagens à energia domesticada(e vice-versa).o boi perde volume ressaltando o sentido reprodutívelda direção: força e dinamismo.

Metonímia: representando o todocom uma parte.

Redução icônica e expansão semântica:a transição do pictograma para o ideograma, da escrita da coisa para aescrita da idéia.a redução da imagem e a expansão do sentido entre a imagem.

A redução metonímica retémsomente a características maisimportantes das feições do boi.

Um complexo processo mentalculminou na rejeição e supressãoda imagem.

Iconicidade geométrica eabreviada.A escrita que transpõe o mundo eo projeta.

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b e t h

b

c o m p o s i ç ã ohabitat: comunidade dos homenscriando espaço para a energia primallimites do mundo objetivoarranjo das forçasbalizamento do espaço

b e t aForma original: CASA

Sentido original: internalização, arranjo/composição deenergia.

Sentidos derivados: dentro, família, permanência, nutriente,comida, abrigar, vida em família, útero.

Inicialmente um simples quadrado.Eventualmente pontos: composição, contextualização familiar.

O quadrado se abre e as portas aparecem: extensão para fora.

Sentidos gramaticais:dentroquandocomentrede acordo com

A diagonal: o perfeito equilíbrio entre dentro e fora da casa.

“Sejam quais forem as diferenças lingüísticas, religiosas, econômicas ou militares, queseparam os povos, é certo que todos, fortes ou fracos, calcularam, argumentaram edemonstraram de modo igual, quando se tratou de medir a diagonal do quadrado.”(Serres, 1997, p. 9)

Fontes primárias:DIAS PINO, Wlademir, SANTOS, João Felício.A marca e o logotipo brasileiros.OUAKNIN, Marc-Alain. Mysteries of thealphabet

Fontes secundárias:DRUCKER, Johanna. The alphabetic labyrinth.SERRES, Michel. As origens da geometria.

a propriedade nítidasobre a poeira da texturaaleatória.

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A invenção da escrita linear, para Vilém Flusser, se deve àtranscodificação do tempo circular em linear, o queenvolve a tradução de cenas em processos. Estatransformação faz surgir a “consciência histórica”,dirigida contra as imagens e conseqüentemente contra aconsciência mágica, observável entre os filósofos pré-socráticos e os profetas judeus. A invenção da escritaafastaria o homem “ainda mais do mundo concretoquando, efetivamente, pretendia dele se aproximar”(Flusser, 2002, p.10). Com a escrita alfabética, a imagempolivalente da palavra seria substituída pela letra, esta fixae arbitrária. A escrita e sua multiplicidade de funções(mnemônicas, mágicas) coexistindo com umamultiplicidade de formas, passa a ter forma única. Aescrita como estrutura autônoma pouco a pouco foipreenchida pela palavra até se fonetizar. Característicaque, retomando Flusser, possibilitaria a codificação deplanos em retas e a abstração de “todas as dimensões, comexceção de uma: a da conceituação, que permite codificartextos e decifrá-los” (Ibid.).

A escrita puramente figurada limita-se à transcrição denarrativas mais concretas. Isto se deve à impossibilidadeda multiplicação dos signos na mesma proporção dasanálises representativas, exigindo analogias cada vez maisdistantes do objeto figurado. Ela é mais propícia, portanto,à imaginação do que a reflexão. Credulidade e não ciência,segundo Foucault. Além disso, o signo não tendo relaçãointrínseca com a pronúncia da palavra que figura, nãoassegura, diz Foucault, que a cada época o som habite amesma figura, conseqüentemente a cada mudança dehábitos ocorre uma mudança na língua. “Quando um povopossui somente uma escrita figurada, sua política deveexcluir a história ou, pelo menos, toda história que nãofosse pura conservação” (Foucault, 1995, p.129). Amemória oral, por sua vez, trata basicamente do presente,se preserva alguma coisa do passado é de modomeramente parcial. Alça-se, então, à história medianteuma escrita imbricada com a linguagem verbal. Aespacialização da linguagem passa do plano à reta, emsucessão temporal: como se prescrevesse a lei do tempo,diz Foucault (Ibid.). É mais especificamente o alfabeto,inventado pelos gregos, que dá origem à história, aopossibilitar manipular a relação entre o passado e opresente. Deste modo, a língua acede a história através deum sistema de signos decifráveis que faz durar a palavra,deixando à disposição dos olhos, o que os ouvidos játeriam deixado escapar.

O homem distancia-se da representação das imagens efenômenos e volta-se à representação dos conceitos(palavras). Com o sistema alfabético, constituído depequeno número de signos arbitrários, atingiu-se o nívelcombinatório de sílabas capaz de compor qualquer

alfabeto

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significação. Trata-se de uma transcrição de sons e não deidéias. Com ela é possível a cada descoberta estabelecerum signo para transmiti-la, o que a escrita figurada nãopermitia. O alfabeto favorece, portanto, a prática dainvenção para construir um saber científico/tecnológico. Opensamento alfabetizado é muito mais abstrato, pensa-sepor linguagem mais do que por imagem. A redução dotexto a uma seqüência de signos abstratos permite queesta seqüência seja interiorizada como forma depensamento independente de uma ação direta. A escritaalfabética não desenha a representação de idéias, maspermite que os fonemas se combinem possibilitandochegar a totalidade da linguagem. Desde então odesenvolvimento das idéias e da escrita passam a sercorrelatos e trabalham um pelo outro.

O sistema fonético caracteriza-se por entrelaçar doisregistros heterogêneos, o verbal e o gráfico. Ele coloca emrelação modalidades de expressão, a oral e a visual, que seencontram em campos físicos distintos. O primeiro casoimplica na co-presença de pares, o locutor e o receptor, nosegundo basta um espectador.

Platão, na última parte de Fedro (1997: 274c-278b),tematizou brevemente a escrita tecendo críticas a seucaráter de perenidade e de exterioridade. Primeiro, aescrita permanece não escolhendo o seu leitor. Acomunicação escrita, fixada em um suporte material, fogeao controle do autor, impossibilitando inclusive umaeventual explicação. Para Platão, o melhor seria ensinar eaprender oralmente, através do diálogo, podendo o mestreescolher o seu discípulo e estar presente com condições decontrolar e esclarecer os seus discursos e promover averdade nas almas. Segundo, por sua exterioridade, aescrita seria uma armadilha para a memória ou uminstrumento do esquecimento, pois mata no pensamento oexercício da memória, da reflexão. A memória seria, deacordo com o filósofo, uma consciência e um saber inte-rior (espontâneo), escrito na alma, portanto, muito maisdifícil de esquecer, diferente do conhecimento externo,mecânico, derivado da escrita. Somente através da reflexãoe do exercício do pensamento o espírito humano poderiaconhecer a verdade invisível e universal, alcançando oconceito e a essência das coisas. Na concepção platônica asimagens sensoriais seriam falsas, fonte de erro, formasimperfeitas que impedem o conhecimento verdadeiro. Ovisível e sua essência não poderiam ser alcançados pelovisível captado pelos órgãos sensoriais, mas através daspalavras que o sugerem. Assim, os ensinamentos só sãocompreendidos por via da oralidade e o aprendizado só sedaria quando se toma pra si determinado conhecimento ese é capaz de rememorá-lo interiormente, revolvendo amemória, pois o saber deve ser atributo da alma sem odesvio da escrita.

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Sob este ponto de vista a escrita teria, quando muito,apelo mnemônico (275a). Ao relacionar a escrita à pintura,Platão afirma que esta ilude com a sensação de estar viva,mas quando se pergunta algo não responde (275e). Oescrito seria composto de um conjunto de signos inexato emorto, que só se anima com a presença do leitor, masdeste as palavras não podem se defender. Contrapondo acomunicação escrita à comunicação oral, a primeira nãoteria a mesma capacidade de persuasiva e é incapaz deconsiderar as características de cada alma. O problemaestaria na duplicação e distância promovida pela escrita, oque se traduz na ausência do sujeito ao sentido, à palavra.Para os gregos a escrita é fundada na técnica de repetiçãoe por este aspecto é negativa, nela a palavra estáaprisionada, fixa, simulando a estabilidade do saber. Emcontrapartida, a palavra oral ‘voa’, não no sentido deefemeridade, mas por possuir a leveza da alma e pertencerao conhecimento vivo e livre, em movimento. Adiversidade das almas se manifesta e o discurso sedesenvolve de acordo com a circunstância das perguntas eé ordenado em conformidade, “de modo a oferecer à almacomplexa uma oração complexa e elaborada , e discursossimples à alma simples”(277c).

Na oratória grega o fundamental consiste em encontrar osargumentos exatos e convincentes do assunto tratado, aoque eles se referiam como invenção. Isto se desenvolviapor deslocações lentas, por ‘disposições’ seria a expressãocorreta, na qual se ordena e reparte o argumento. E paraque as idéias, as palavras e sua disposição fossem retidasna memória, era preciso utilizar-se de palavras e frasescom duração cuidadosamente estabelecidas1 e, ainda, erafundamental a ato (actio) do orador pelos gestos eentonação. Considerando-se tais condicionamentos, odiscurso deve ser verdadeiro e persuasivo, o que sópoderia se realizar através da comunicação oral,estruturalmente superior à escrita, segundo Platão.

Naquele período, século IV a.c., o uso da escrita alfabéticaera bastante recente e surgia em contraposição à tradiçãoda dialética sustentada pela oralidade. O alfabeto, com aintrodução da representação (pois a letra, ao mesmotempo unidade distintiva e imitativa, isola e designa umsom da língua), trairia a escrita em seus fundamentosicônicos (Christin, 2000, p.57). O signo associado ao somtambém ocorreria em outros sistemas, mesmo no maisfigurativo de todos, o sistema hieróglifo. CuriosamentePlatão imputa a Theuht, divindade egípcia, a descoberta daescrita (274d), mas sem que se faça alusão a qualquerdiferença entre os sistemas alfabético e hieroglífico. Ahipótese de Christin é que o caráter figurativo doshieróglifos explica o fato de Platão rejeitar a virtudedistintiva da escrita em função de sua “vaidade

1 Observa-se que a medida dohexâmetro grego, que conhecemoshoje através dos escritos, estavaintimamente ligada a oralidade.Interessante lembrar que J.L.Borges em entrevista ao jornalistaRoberto D’Ávila na TV Culturaafirma nunca ter abandonado overso, pois, assim, poderiamemorizá-los mais facilmente.

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imitativa”(Ibid.). A dificuldade estaria em considerarvalores puramente fonéticos em um sistema dominadopela transposição analógica que, por sua vez, à primeiravista, foi deduzido de outro sistema, a pintura. Além disso,o hieróglifo serviria de modelo a uma arte da memória,quer dizer, seus laços estariam em conservar lembrançasdo passado. No entanto, para Christin, o fato doshieróglifos serem signos figurativos não permite deduzirque sejam imitativos. A iconografia egípcia foi concebidacomo um sistema espacial, extremamente complexo, derepartições e variáveis dos signos, de maneira a permitir ametamorfose sintática das figuras para que se tornemsignos verbais. Entretanto, a decodificação espacial (porrelações de vizinhança) e a conotação sugerida pelosuporte (um papiro, uma tumba, um templo) mostram queo hieróglifo mantém, assim como as escrituras puramenteideográficas, a necessidade efetiva da leitura visual paraexplicitar o valor do signo por estimativas de contexto e,ainda, uma relação estreita com o suporte comocomplemento indispensável. Em contrapartida, o sistemaalfabético, de acordo com Christin, foi o primeiro modo deescrita a desvincular-se de um suporte específico.Distinguindo-se do espaço visível e manipulável, oalfabeto se apresenta como instrumento ‘puro’ derepresentação da palavra e, conseqüentemente, seria maisconfiável, visto que se constitui como um sistema designos autônomo e totalmente abstrato.

Dissocia-se a palavra da imagem. O alinhamento fonéticodo alfabeto descartaria o uso da ‘inteligência visual’ noprocesso de leitura, de modo a prender a atenção doouvido e não especificamente do olho. O arranjo se dirigiaà sensibilidade acústica, respondendo às necessidadesimpostas pela tradição grega da oralidade. O alfabeto, emsua origem, objetivava a conversão da língua grega oral,mas ao mesmo tempo tornava a língua um artefatoseparado do locutor. Do discurso descritivo da ação da falaque envolvia o jogo de fisionomia e gestos, e,naturalmente, um interlocutor, passa-se a um artefatopassível de ser “recomposto, reordenado, repensado, a fimde produzir formas de declaração e tipos de enunciaçãoantes indisponíveis – por não serem facilmentememorizáveis”(Havelock, 1996, p.16). A escrita alfabéticapode ser preservada como memória e, mais do que isto,estar “disponível para inspeção, reflexão e análise”(Ibid).O que leva Havelock a designar o novo discurso como‘conceitual’ e favorável à reflexão, em oposição à fala quefavorecia o discurso descritivo da ação.

No momento em que se pode servir de textos escritos, opapel da memória, tal como dimensionada na tradiçãooral, torna-se limitada, mesmo no ato da oratória quandose dispõe de notas escritas. Seria então a escrita umamemória exterior? De certo modo sim, sobretudo quando

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se está a discutir uma escrita determinada pelo verbo epela ‘lógica’ e, privilegia-se a memória verbal em relação àvisual. Dessa maneira o sistema proposto pelos gregosprocurou alcançar uma espécie de sublimação que renegaou vela a ‘natureza’ da escrita comprometendo,particularmente, a potencialidade do próprio sistemaalfabético. Este se revela como uma espécie de duplosilencioso a partir do qual se pode verificar um detalhe dodiscurso, retomar com facilidade a uma palavra. Esseprocesso se dá pela ação dos olhos sobre um suporte capazde instruir por uma rede de índices materiais e dispor aosolhos do leitor dados recuperáveis a partir dedeterminadas operações. Não é uma operação restrita aoato mecânico e ao visual, é também uma operação mentalcom conseqüências. O leitor do alfabeto pode construiruma arquitetura mental, que não consiste em memorizarde cor, mas em introduzir variações, reconstruir, verificar.Sem se limitar à função oral, pode-se ensaiar a escrita.

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Escrever é contar.

A redução racional do sistema alfabético mostra-seperfeitamente adequada ao desenvolvimento de leiscientificas e conceitos. Mas, para que a linguagem sirva aorigor da intelecção e à precisa transmissão de informação,abandonou-se a pregnância sensível dos signos. Asimagens palpáveis, visíveis e audíveis arrefecem em proldo rigoroso significado intelectual. Pela razão reduz-se apluralidade em unidades homogêneas.

“A imagem é cifra da condição humana.” (Paz, 1990, p. 38)

Escrita é imagem em cifras.

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A construção poética faz ver o (im)perceptível e ouvir o(in)audível. Explorando o trânsito inesperado dos signosverbais e não-verbais Duchamp, em L.H.O.O.Q., desloca osentido ótico da pintura. O artista hominiza a figura,encobre o seu sorriso – barba e bigode. O enigma dosorriso da Gioconda não está mais no tratamento pictóricode seu rosto, o ponto foi deslocado para fora do quadro, ouimpõe a vibração oculta (não visível) da imagem. É precisobuscar a imagem acústica da legenda, das letras e não daspalavras, da letra à frase, ler letra por letra, ler asprojeções fônicas - elle a chaud au cul.

Ler é de(s)cifrar.

Duchamp, L.H.O.O.Q., 1919.

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visível/invisível

No ocidente idealizou-se uma escrita que atingissediretamente o sistema fonológico da língua e favorecesseo alcance puramente semântico do texto. Segundo alingüística tradicional, somente a adequação ao fonetismoverbal constitui uma verdadeira escrita, ou seja, os signosdevem ter uma correspondência exata com a língua. Sobessa perspectiva predominou a abordagem da escritaestritamente sobre o critério do fonetismo, investindo-senum sistema de registro dos pensamentos e dos discursosverbais de valor fonético, almejando, assim, a abstraçãoideal de sua figuração.

Ao privilegiar a palavra, em suas dimensões semânticas/sonoras, a lingüística ignorou a escrita e as variações quediferenciam os espaços legíveis, afirmando ser indiferentea forma do código visual na construção do sentido. Aforma do objeto impresso e a linguagem gráfica do textonão teriam valor e, justifica-se através do alfabeto estedesprezo. Conseqüentemente, desconsidera-se aparticipação na construção do significado os diferentesmodos de leitura e as particularidades dos meios, atribui-se ao sistema de signos um funcionamento automático eindiferente às subjetividades. Assim entendida, a escrita émero intérprete da linguagem oral – signo de signo – nãoconstituindo forma própria de expressão, não evocandodiretamente ações e coisas. A confiança nas virtudes doalfabeto, com seu alto nível de abstração, levaria àidealização de uma escrita que, independente de suamaterialidade ou espacialidade, tornasse o texto estávelem sua literalidade.

O sistema alfabético é o único modo de escrita que, sob omodelo da língua, rompe os laços de origem com o visível,embora este sistema seja herdeiro direto da escrita visual,ou seja, estranha à linguagem verbal. O alfabeto interagecom a dimensão oral da linguagem, sem tratar-se detranscrição exata da fala, visto que ele mesmo constitui-secomo linguagem singular. Na avaliação de Anne-MaireChristin a leitura do sistema alfabético repousaestritamente na decifração, significando não a palavra,mas o alfabeto. O processo de decodificação independe daavaliação semântica do contexto no qual os signos estãoinscritos e da condição material do suporte.

Em sintonia com o caráter instrumental da escrita, ostipógrafos da revolução impressa empenharam grandeesforço na universalização do caractere pela anulação daressonância do traço manuscrito. Perseguiu-se, na idadeclássica, a precisa regulagem dos pretos e dos brancos,ajuste de intervalos, modulações de linhas, movimentosverticais e horizontais, enfim toda uma complexageometria que objetivava a legibilidade a ponto de revelarpuramente o conteúdo semântico do texto. As parcelasdadas deveriam constituir um todo dinâmico a favorecer o

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fluxo numa só direção. A tipografia perfeita não deveriadespertar o interesse estético, pois ao revelar o seu caráterfigural, tornando-se visível, plástica, compromete suatransparência sígnica, o perfeito funcionamento da letrano sistema de representação. A composição tipográficadeveria funcionar como uma bolha de máximatransparência, perfeitamente redonda e homogênea, paraque o texto passasse despercebido, neutro e, assim, exercersua função de instrumento para a difusão genérica dainformação.

O livro passa a condensar em poucas páginas e empequeno formato (in-oitavo), graças aos caracterestipográficos, grande quantidade de informação. Se antes,devido às dimensões e peso, eram difíceis de seremtransportados, exigindo quase sempre um apoio paraleitura, o novo formato de livro oportunizaria ao leitorhumanista mantê-lo cada vez mais próximo do corpo,carregá-lo a qualquer parte, tê-lo na palma da mão. Oobjeto (objetivo) final é um volume que deixe de servolume, um objeto que deixe de ser um objeto entreoutros objetos, que acessados por gestos mecânicos,conduza de imediato à textura, ao texto, tendo por fim oespírito. “(...) mergulho na leitura de seus amores e seusamores lembram os meus; pensamentos que me recrio nomomento certo. Em seguida, ganho a longa estrada:entretenho-me com os que passam, peço notícias de seupaís, imagino tantas coisas (...)” (Maquiavel, Apud.Graton, In: Cavallo; Chartier, 1998 , v. 2, p. 5). Leitura dolivro, leitura de si, leitura do mundo, ocorrência fluida enatural que depende da dis-percepção dos artifícios: daescrita, do livro.

“Ora, é de fato um resultado da linguagem fazer-seesquecer ao conseguir exprimir”(Merleau-Ponty, 2002,p.31). O fato da escrita se dissimular aos olhos e noslançar diretamente ao significado é virtude de sua funçãode linguagem. O traço se esvanece na medida em queadquire a função distintiva de representar ou de significar.É preciso que a letra se dissipe como elemento visível paraque a escrita se torne legível. Caracteriza a escrita,portanto, a dimensão material, expressa pelas qualidadestáteis e formais, mas também a dimensão imaterial quedepende da dissipação de sua materialidade para que nãoseja obstáculo à representação. Sob a sedução de um livro,as letras e as páginas desaparecem, dando acesso aosignificado. “O texto primeiro se apaga e, com ele, todofundo inesgotável de palavras cujo ser mudo estavainscrito nas coisas; só permanece a representaçãodesenrolando-se nos signos verbais que a manifestam etornando-se assim discurso” afirmou Foucault (1995, p.94)em análise sobre a questão da representação na idadeclássica.

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V i s í v e l / I n v i s í v e l

Roger Chartier, em amplo estudo sobre as sociedades doAntigo Regime, entre os séculos XVI e XVIII, demonstracomo a ampliação da produção de livros e,conseqüentemente, da circulação do escrito no períodomodificou pensamentos e relações de poder. Em seusestudos sobre aspectos importantes na operação deconstrução do significado efetuado na leitura, Chartierapresenta como hipótese, além da forma por meio dasquais o texto é recebido, os determinantes históricos, taiscomo as variantes dos modos e modelos nos tempos,lugares e comunidades. A forma do escrito define sentido,modificando pensamentos e relações sociais. Um textoganha novos públicos, usos e estatutos quando muda odispositivo e conseqüentemente o seu modo de leitura. Aescrita como imagem concretiza-se na relação suporte/figura, cuja organização interfere na leitura e em suasinquietações. A leitura, diz ele, é “sempre uma práticaencarnada em gestos, espaços e hábitos”(Chartier, In:Estudos avançados 5/11 – USP, p. 178).

*

“As palavras que o leitor vê não são as que ele ouvirá”,assim James Joyce (Apud, Mcluhan, 1997, p. 125) fornecea chave de decifração de seu livro Finnegans Wake,,,,, noqual cria longas palavras valise. As junções das palavras ea ausência de cortes visuais não permitem oreconhecimento instantâneo da silhueta da palavra,tornando necessário desmembrá-la através da projeçãosonora para articular-se o universo de relações propostopelo autor. A escrita de Guimarães Rosa, por suaparticularidade, é muito mais inteligível quando lida emvoz alta. José Saramago subverte a pontuação alegandoque esta é uma mera convenção da escrita. Próximo dadoutrina platônica, o escritor alega que as palavras sobre opapel estão mortas, precisando ser animadas pelo leitor,que ao ouvi-las não depende de pontos nem vírgulas paracompreendê-las. Entretanto, estes procedimentos só seresolvem na fabricação, no exercício insistente deinscrição, de operação do suporte até encontrar umaescrita distinta, própria. Não há exatamente sujeição daescrita alfabética à linguagem oral, e muito menos existemtextos abstratos ideais separados de sua materialidade. Acada novo processo, a escrita e a oralidade se afetam e serevelam em suas particularidades. Pode-se mesmo dizerque a palavra impressa veio destacar a separação do visuale do sonoro. As qualidades táteis e formais da palavraimpressa interagem com a dimensão oral, mas desta aescrita pôde ao mesmo tempo se libertar e servir.

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paradigmas da legibilidade

Para que a leitura seja fluida, como exige o homemletrado, o conjunto de signos deve conquistar umacoerência formal e a letra ser reconhecida por suadiferença. Os movimentos das hastes ascendentes edescendentes, a regulagem das entreletras e o espaço entreas palavras permitem a apreensão, num relance, dasilhueta da palavra.

As alternâncias entre o preto e o branco matizam oscinzentos gerando ilusões de profundidade. A superfície dotexto, as linhas e as letras perdem a opacidade, dissipam-se com o fluxo da leitura, “deixando apenas o desenrolar,sucessivo, do sentido” (Foucault, 1988, p. 26). A letratipográfica, que em sua configuração é especialmenteestrutural (linha), é engolfada pelas luminescências –crominâncias – e transparecem. As cores estão entre opreto e o branco, são sombras ou deficiências da luz,ensina Goethe.

Entre a luz e a sombra, sob a superfície que se oferece aoolhar, especula-se o texto.

(Martín, 1974, p. 82)

os cinco erros da visão e sua correção

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... do diagrama da página

O equilíbrio instável nojogo entre os pretos e osbrancos, entre o dentro e ofora.

A precisa regulagem ...

... das entre-letras

Fred

Sm

eije

rsFr

ed S

mei

jers

... das entre-palavras Jo

sef

Mül

ller

Bro

ckm

ann

... das entre-linhas

Jan

Tsc

hich

old

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Palavra reproduzida, acima em tipografiaGaramond (1545), em versão atualizadapelo estúdio Adobe, e abaixo em Futura(1927). A primeira apresenta regularidadee equilíbrio de distribuição das áreas pretase brancas. Desenho favorável à leituracontínua e fluida. No segundo exemploocorre o inverso, há irregularidade entre oscheios e vazios, o que explicita a presençado traço da letra. A Futura seria maispropícia à estetização e à iconização dapalavra, como por exemplo, em cartazes elogotipos.

Pela modulação da linha assinala-se osmovimentos verticais (linha do tempo),que devem estabelecer o compasso, porquebras rítmicas, ao fluxo (horizontal) doolho.

Forma e contra-forma. A intensidade dobranco no olho da letra e seus matizes nosespaços intermediários.

Emil

Rud

er

Os movimentos ascendentee descendente das hastesnas letras minúsculasdinamizam a configuraçãoda palavra e particularizamsua fisionomia.

As serifas fazem aspassagens de uma letra àoutra e acentuam os limitesdas linhas, a quebra domovimento. Assinalam ovinco na dobra da linha.Estão nos extremos dasondas e indicam seus fluxose refluxos. As serifas são asarticulações entre osmembros da palavra im-pressa.

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“Sabemos – ai! – que à literatura sói preferir atipografia.

De fato, o que primeiro chama atenção na obra deCummings (...) são as travessuras tipográficas: oscaligramas, a abolição dos sinais de pontuação.O primeiro e muitas vezes o único. O que é umapena, porque o leitor se indigna (ou se entusiasma)com esses acidentes e se distrai da poesia, por vezesesplêndida, que Cummings lhe propõe.”(Borges,1999, v. 4, p. 358)

“Nos hábitos tipográficos de Valery restam aindaalguns rastros desse comércio juvenil com ossimbolistas: uma ou outra charlatanice de reticências,de itálicos de letras maiúsculas.” (Ibid, p. 283)

“É uma irreverência falar do espaço e do tempo, já que, em nossa mente,podemos prescindir do espaço, mas não do tempo. (...) Um mundo deindivíduos. De indivíduos que podem comunicar-se entre si, (...), quepodem ser milhões e que comunicam por meio de palavras. Nada nosimpede de imaginar uma linguagem tão complexa, ou mais complexa

que a nossa – e por meio da música. Quer dizer, poderíamos ter ummundo em que nada mais existiria senão consciências e música. Poder-

se-ia objetar que a música necessita de instrumentos. Mas é absurdosupor que a música em si necessita de instrumentos. Os instrumentos

são necessários para a produção da música. Ao pensarmos em tal ou qualpartitura, é possível imaginá-la sem instrumentos: sem pianos, sem

violinos, sem flautas, etc.” (Ibid, p. 231)

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“Borges tinha o olhar de um míope, em suaobra se vêem linhas quase invisíveis que, aonos aproximarmos, ganham sentidosmúltiplos. Há uma foto onde se vê Borgeslendo, ele tem o livro colado à sua cara. Essemovimento é o que produz a leitura de seuscontos. À medida em que nos aproximamos,tudo parece crescer, os signos mudam, otexto se transforma. A literatura, diriaBorges, é sempre uma questão de escala.”Ricardo Piglia (In: Folha de São Paulo, 27/12/2003)

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Manuscrito do século XIII. O comentário é feito em forma de glosas dispostas em torno do texto. O texto acomentar aparece em Gótico e o comentário em cursiva, diferenciando níveis de autoridade, conforme umatradição estabelecida nos séculos XI-XII. A composição da página já expressa uma preocupação com arapidez tanto da redação como da leitura.

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manuscrito

O percurso da escrita alfabética em direção à‘transparência’ de suas formas está organicamente ligadoàs mudanças nas práticas de leitura. Até a Alta IdadeMédia a leitura dos manuscritos era restrita. Os livroseram pouco lidos, embora as suas transcrições fossemrealizadas exaustivamente, na maioria dos casos como atode penitências impostas aos monges. A prática da escritavoltava-se à reprodução de grande número de textosdestinados a serem guardados como bem patrimonial enão espiritual. Os manuscritos, muitos deles ricamenteilustrados e encadernados, serviam para ornar os paláciose ampliar os tesouros da igreja e não se destinavam àcirculação. Dispostos em estantes os livros restavamdesprovidos da leitura e, portanto, do ato dinâmico que osconfigura e lhes dão significado. O que os condenava auma existência puramente virtual. Seus conteúdos eramsabidos muito mais por comentários, o que contribuía parao aumento do valor material do livro. A atividade deleitura restringia-se não só a um número reduzido depessoas, como também a um número reduzido de títulos;lia-se em geral as sagradas escrituras. Desse modo aprática de escrita, extensiva a textos de natureza variadaintencionando conservá-los, e a prática de leituraestariam, de certo modo, separadas.

A configuração destes textos reflete o descarte do ato deler. Sem espaços em branco, sem separação de palavras e,ainda, sem ortografia, pontuação ou gramática estáveis, osmanuscritos impunham grande dificuldade decompreensão ao leitor. A construção gramatical dava-se deacordo com o valor individual de cada escriba e ao leitorcabia a tarefa de acrescentar ao texto sinais e marcas parafacilitar sua análise. A leitura em voz alta, característicado período, não objetivava somente o alcance de umaplatéia. A oralização auxiliava a compreensão do texto,facilitando a distinção de palavras e de frases. Essadistinção dá-se pelo que o leitor ouve e não pelo que vê.Na Alta Idade Média, grosso modo, o leitor lia soletrandoas palavras, buscando o sentido de cada uma, próximo doque ocorre hoje quando se lê uma língua estrangeirapouco familiar ou no período de alfabetização. Tomava-secada palavra como entidade separada do discurso, parafinalmente mussitar uma solução.

A partir dos séculos XI e XII inicia-se uma grandetransformação nos modos de escrita e de leitura, o que sedeve fundamentalmente à formação das cidades. Osfeudos concentravam o poder econômico e político noscastelos que, estrategicamente situados, permitiam aosenhor controlar, panoramicamente, suas propriedades esúditos à volta. O universo feudal caracterizava-se pelopoder centralizador e pela estrutura estanque, de poucosfluxos. Uma nova dinâmica foi introduzida pelaurbanidade que teve origem a partir da reunião de burgos.

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O desenvolvimento desses espaços era intensificado pelasatividades de comércio e de produção, o que representavaum espaço de circulação, de trocas de idéias e demercadorias. Diferente dos feudos, a cidade estenderia seupoder ao exterior, controlando sua circulação através dasmuralhas, mas mantendo a porosidade e ainterdependência entre ela e os subúrbios, entre ela e asoutras cidades. A cidade configurava-se como umaencruzilhada. Espaço de confluência intensificador denovos fenômenos culturais e sociais, a provocar a rupturadas constituições sagradas impostas pela igreja e pelopoder senhorial, configurando nova divisão social e odesejo de igualdade. Nesse ambiente surgiu auniversidade, que, embora administrada pela igreja, teriamacesso a ela pessoas de origens diversas e nãoexclusivamente religiosos ou nobres. O ambienteuniversitário e os ambientes político e econômicocompunham os três principais espaços da cidade medieval.Nestes trabalhavam profissionais como juizes, notários,advogados, artesãos e docentes. Mas, como é característicode qualquer configuração social/urbana, haviam osexcluídos do universo social desejado, o que confrontaradicalmente o esforço de ordem da Alta Idade Médiaonde cada qual deve ter sua ocupação e seu lugar. Entreestes personagens errantes estariam os chamadosGoliardos, que, sem recursos e sem domicílio fixo,formavam grupos de estudantes pobres. De acordo comJacques Le Goff (2003, p.48) os goliardos seriam produtosda mobilidade social urbana característica do século XIIque partiam para uma aventura intelectual de cidade emcidade, de universidade em universidade, em contato comdiversos mestres, recolhendo migalhas de conhecimento,vivendo de jograis e mendicâncias. Estes personagens sãoexemplos de imagem de um universo de circulação, ondese entranham linguagens e povos de origens distintas, aexigir o esforço de organizar, administrar a sociedade pelacomunicação.

Neste movimento urbano, de estruturas determinadas erupturas, é que surgem os intelectuais ou os chamadosescolásticos, que exerciam o ofício da pesquisa e do ensino.O intelectual medieval é um profissional, tal como outrosna divisão de trabalho estabelecida nas cidades, com suastécnicas e materiais básicos e tal como um mercador é umvendedor, um “vendedor de palavras” (Ibid.). A prática deleitura dos escolásticos (e suas atividades correlatas comoo estudo, o comentário e o sermão) impôs a reestruturaçãodo texto escrito. Nesse novo contexto germinou a ciênciada linguagem, necessária para que se regule a definição doconteúdo da palavra, suas correspondências às coisas quesignifica. Esboça-se uma construção lógica e instrumentalda linguagem, uma gramática regulada facilitadora dasrelações universais entre povos. A escrita muda para seadaptar à classe dos letrados e à nova configuração social e

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econômica. A otimização do ato de escrita e de leitura sedeu com a retomada da letra cursiva. Para facilitar aatividade do leitor, o escriba, introduz espaços claramentevisíveis entre as palavras, recorre às abreviações paraaumentar a velocidade de leitura, divide o texto emcolunas para facilitar a percepção da linha, sinaliza asentradas com o uso da cor e a forma das letras paraorientar a localização de determinada informação, definemargens e entrelinhas. Enfim, compõe-se o texto de formamais regular e vislumbra-se a interação visual entre oleitor e o livro. Houve no período expressivapopularização dos livros, que passaram a ser instrumentosde uso cotidiano. Para que pudessem ser freqüentementetransportados, os livros tiveram seu formato diminuído.Com um número menor de iluminuras e miniaturasdeixam de ser objeto de luxo.

A composição da página dos livros, com grandes margens,previa os comentários em forma de glosas marginais, queprocuravam destrinchar o texto ao buscar o significadodas palavras até chegar à compreensão das sentenças. Oleitor ampliava o texto introduzindo acréscimos entre aslinhas do texto inicial. O efeito sinestésico dos diversosexames resultava em textos circundados de glosas,abreviaturas e comentários de vários níveis. Junto àstransformações de apresentação do texto houve tambémmudança nas convenções gramaticais, o que envolvia oordenamento das palavras, facilitando a veiculação dasidéias. Outro caráter do surgimento de novas práticas deleitura seria a introdução, por volta do século XIII, deíndices relacionados à numeração de páginas e a distinçãodas diversas partes do texto facilitando o acesso àsinformações.

Mcluhan, em diversos de seus escritos, insiste nasvantagens das atividades relativas aos manuscritosmedievais frente à cultura impressa, sobretudo no que serefere à oralidade. Para ele a filosofia escolástica sedesenvolvia por meio de debates orais animados porcomentários múltiplos sobre os textos, levando emconsideração todas as coisas, possibilitando a abordagemdos assuntos por diversos ângulos. Mcluhan pressupunhaque a forma oral conduzia ao enciclopedismo e não ao‘especialismo’ surgido com a imprensa. Nos textosmedievais, afirma ele, a palavra mantém sua originalassociação com o som, provocando a memória sonora,audiotátil e não visual. Os debates seriam propícios àprogressão do pensamento e a fluidez sinestésica de idéias,o que se comprovaria, segundo esse autor, com aobservação das páginas dos livros medievais impregnadasde textos acrescentados nas entrelinhas e nas margens.

De fato a cultura oral, por sua dinâmica, é prenhe deaforismos, aliterações e sentenças entrecortadas.

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Entretanto, a leitura pública não instigavanecessariamente o debate, como sugere Mcluhan,representava modos de publicar os textos. Com a leiturapública podia-se alcançar um número de pessoas inaptas àleitura. Já entre os escolásticos o ditado possibilitava aoestudante reproduzir os livros para tê-los disponíveis e,até mesmo para comercializá-los. As aulas dedicavam boaparte do tempo à produção de textos. Espaçadamenteescritos, permitiam os comentários marginais que, em suamaioria, eram resultado das interpretações ditadas pelomestre. Ainda que estas atividades resultassem emanimados debates, Mcluhan desconsiderava que elaspudessem funcionar como fator de pressão para cristalizaridéias, conservar opiniões, ao contrário de despertar opensamento crítico e inventivo.

Potencialmente os textos medievais, determinados pelocaráter multiforme dos escribas, é que apresentavampossibilidades de quebras de consenso e não o embate oral.Neles a ordem se baseava na própria utilização, possuia-secerta liberdade para atribuir sentido às palavras, o termose definia à medida que o pensamento avançava revelandoa possibilidade de múltiplos significados. A instabilidadeintrínseca destes textos, tanto gramatical como semântica,permitia grande liberdade de interpretação. Neles o leitorse deparava com sentenças curtas e soltas, convivendo coma ambigüidade e encontrando espaço para permutação e alivre associação. As palavras são assimiladas comoentidades separadas a desdobrar-se nas relações ocultassem respostas únicas ou verdades. De tal hipótese pode-sedizer que o debate serviria para estabilizar e unificar asleituras possíveis, ou seja, cerceá-las (ou melhor seriadizer orientá-las?) e não potencializá-las.

É o surgimento da leitura individual e silenciosa, ainda naIdade Média, que viria a encorajar o pensamento crítico“contribuindo para o desenvolvimento do ceticismo e daheresia intelectual”(Saenger, In: Cavallo, Chartier, V. 1,1998, p. 162). A leitura privada propiciaria à atitudemeditativa e interiorizada. Mas não havia ainda umaseparação do sentido visual em relação ao sonoro, comoocorreria com o advento da imprensa. De fato, a novaconfiguração da página, com diagramas visuaisorientadores de leitura e ilustrações esquemáticas, queinteragiam com o texto, vieram a facilitar a decifração domanuscrito visualmente, mas ainda assim, a leitura eraessencialmente acústica. Lia-se com os lábios, ruminandoas palavras (ruminatio) e com os ouvidos. Participava doato de ler todo o corpo e o espírito. Não há aindadistanciamento do corpo em relação ao texto. O habeascorpus do leitor, ao qual se refere Michel de Certeau(2002, p. 272), a acompanhar o texto apenas pelosmovimentos oculares, só viria mais tarde.

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A relação entre os sentidos e o caráter tátil presente noprocesso de leitura medieval apresentada por Mcluhan éde especial interesse. “A descoberta pelos escolásticos demeios visuais para traduzir graficamente as relações não-visuais de força e movimento estava em completa e radicaldivergência com o positivismo textual do humanista”(Mcluhan, 1977, p. 154). No sistema de produção artesanalda Idade Média reconhece-se o valor individual de cadaalma. Na igreja gótica, freqüentemente citada como o‘livro do povo’, encontra-se em cada ornamento aexpressão particular de seu artífice. O resultado é quecada elemento tem potência de expressão. Os elementosrepetem-se, mas em ação livre, em movimentosdescentrados. Seria este tipo de atividade artesanal queJohn Ruskin viria a defender no século XIX, ao mesmotempo em que lançava críticas veementes à produçãomecanizada na qual, segundo ele, o operário se submete auma inteligência superior1, se transformando numa meraferramenta animada. Sob as condições da atividadeartesanal, o que inclui o texto manuscrito, o papel doautor é vago. Cada homem se afirma como um artesãoque cria e transforma. Cria com Deus, cria com anatureza. Homem artífice. O processo de produção decorrede tendências naturais do homem medieval e resulta numcorpo orgânico de luminescências estelares. Não há umespaço racional único onde cada coisa se encaixa, as coisascriam seu espaço e expressam-se como unidade, mas nãose desconhece a relação. A concepção do espaço (de umaigreja, de uma tela ou de uma página de livro) é emprincípio o de uma fronteira entre o mundo dos homens eo do invisível (da aparição). “Luz através” afirmouMcluhan e não “luz sobre”. Um conjunto de figurasdisseminadas espacialmente, que fazem os olhos vibraremem movimento diáfano ao infinito. Para além dos astros,onde o espaço deixa de existir, acreditava o homem medi-eval, onde não existe o tempo, não há seqüência.Dissociação entre corpo e aparência – através da carne.

“(...) o Verbo veio ao mundo através de Maria, revestido pela carne; ever não era compreender; todos viram a carne; o conhecimento dadivindade foi dado a uns poucos eleitos. (...) a letra aparece comocarne; mas o sentido espiritual que ela encerra se percebe comodivindade. (...) Abençoados os olhos que vêem o espírito divino atravésdo véu das letras.”(Orígenes, Apud: Ibid, p. 152)

1 Roland Recht (In: Duby; Laclotte,1998, p. 207) demonstra que atémeados do século XIII o desenhoarquitetônico não era utilizado. Ouseja, não havia a figura doarquiteto como conceptualizador,determinando previamente o planodo edifício, através da expressãoracional do desenho, e distribuindoos papéis no interior do estaleiro.“Os arquitetos eram , pois,sobretudo práticos, presentes eativos no estaleiro, no meio dosoutros corpos de ofícios”. Osdesenhos existentes não eramrelativos “ao processo deconstrução, mas destinava-se aconsignar as grandes linhas de umplano que o abade devia respeitar”(Ibid.)

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Entre os escolásticos da IdadeMédia o livro se transformounum instrumento de trabalho,estabelecendo-se ao mesmotempo como uma máquina deleitura (Valéry) e uma máquinade pensar (Borges). Havia umaespécie de produção coletiva dolivro. A rigor não se diferenciavaconsumidor e produtor, leitor eautor. No manuscritoreproduzido acima encontra-senuma mesma página, um texto,uma glosa interlinear e uma ouduas glosas marginais. O iníciode cada glosa é indicado por umcolchete, o nome abreviado doglosador e a palavra glosada. Noalto e na base da coluna coloca-seuma marca remetendo osdiversos fragmentos de glosas,uns aos outros. A mancha dotexto normalmente apresentaduas colunas pequenas e duasgrandes, mas o escriba nãohesitava em traçar novas colunas.

A adequação perfeita dos diversoselementos, apesar de realizadospor mais de uma pessoa e emmomentos diferentes, se deve àsconvenções fixas e estáveis daépoca. Cada um sabia comointervir e como obterdeterminado resultado: colocaçãodo texto, da ilustração, daapresentação gráfica. O livroadquire neste momento umaestrutura que integra oselementos da escritura e daleitura. A diagramação não erameramente uma questão estética,mas uma disposição mais eficazpara o exercício intelectual daescrita e da leitura. Compreendiatodo um sistema de convenção depontuação, de abreviação, designos; hierarquia de estilos deescritura e de suas proporções emrelação aos formatos; divisão decapítulos e de alíneas.

Havia um trabalho prévio à

transcrição e à ilustração dosmanuscritos. As divisões decolunas e linhas eramcuidadosamente traçadas paraguiar a mão do escriba. Especula-se que esta prática surge com autilização do pergaminho, já quea fibra do papiro dispensava otrabalho de traçar as linhas.

Isaias e Jeremias, século XIII.

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Alguns livros deveriam serricamente ornados e ilustrados. Olivro reproduzido acima eradestinado a uma encomenda real.Este livro deveria receber aindaminiaturas e iluminuras comoindica os espaços deixados noesquema da diagramação,excepcionalmente arejado. Otexto aparece em duas colunasestreitas e as glosas são dispostasnas colunas laterais devidamenteidentificadas com sinais na partesuperior da coluna. A caligrafia émais regular e cuidada.

Ética e Politica de Aristóteles, século XIV.

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Máquina de leitura apresentada por Agostino Ramelli, 1588.

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Com a imprensa, a regulamentação do fluxo linear dalinguagem impressa permitiria o ganho de velocidade daleitura, caracterizando-se pela objetividade e ordem daforma. A concepção do livro impresso, pelo próprio efeitoda duplicação, e a ampla organização e difusão de textospassariam a exigir critérios de unidade e coerência a partirdo exercício da análise textual, ordenamento alfabético ouindicial, paginação, etc. Procedimentos de organização queresultam de duas atividades simultâneas: 1) a atividadecombinatória de informações com o cruzamento de textosdiversos, o que na época derivava da diversidade geradapelo intercâmbio transcultural; 2) a uniformização epadronização de tradições divergentes e contraditórias sobcritérios de unidade, coerência e harmonia. Ambasenvolvem procedimentos característicos da atividadecientífica: comparação e classificação, a gerar novossistemas de pensamento fundados na indução e dedução,meios e fins, linearmente combinados.

A lógica de organização textual afetaria e incentivaria osurgimento de novos sistemas de pensamento e novasciências. Ainda que para os cientistas modernos odesenvolvimento da ciência se desse, não através daleitura de textos, mas pela observação direta do ‘livro danatureza’ preferindo serem retratados segurando plantas eaparelhos de observação, ao invés de livros, o método deconstrução do texto e do conhecimento científico narenascença se assemelha. O erudito humanista empreendea leitura extensiva de diversos livros, tendo em vista apadronização das diversas versões dos textos manuscritosem diferentes tempos a serem reunidos num único exem-plar impresso. Para a consulta da ampla gama de livrossimultaneamente, inventa-se a partir do século XVIaparelhos para facilitar o trabalho literário. O engenheiroitaliano Agostino Ramelli publicou, em 1588, um livrosobre máquinas, no qual descreveu e ilustrou “uma bela eengenhosa máquina, muito útil e conveniente para aspessoas que têm prazer no estudo”(Ramelli, Apud:Manguel,1999, p.155). O engenho possibilitava adisposição de livros abertos numa roda em posição verticala ser girada sob o comando do leitor, recuperando comrapidez uma ou outra informação, podendo assimentrecruzar referências, aprofundar a discussão depormenores e mapear as similitudes e distinções. Domesmo modo no exercício das ciências naturais, sebuscava a aproximação entre as diversidades, a atração dasmatérias umas às outras e as relações estabelecidas entreduas coisas ou lugares. O objetivo era fazer com que oselementos de tempos e espaços distintos circulem em umveículo que os inscreva e os torne acessíveis aos olhos detodos. Ilustra bem o intento o exemplo dos pássarosempalhados expostos em galeria do Museu de HistóriaNatural de Paris analisado por Bruno Latour (In: Baratin;Jacob. 2000, p. 25). Trazidos de diversos locais do mundo

impresso

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e épocas distintas os pássaros são imobilizados peloempalhamento, preservados e correlacionados uns aosoutros e apresentados ao visitante, classificados “por umfino jogo de escritas e de etiquetas, (...) por um sistemaretificável de prateleiras, de gavetas, de vitrines” (Ibid, p.26). Retirados do caos e da dispersão natural onde viviam,destacados da vida, cuja dinâmica e fenômenos são dedifícil figuração e escapam aos dispositivos da visão, ospássaros passam a estar disponíveis à comparação e àdenominação característica. A ciência natural estabelecerecortes visíveis em elementos que se encontramrepresentados confusamente por funcionamentossimultâneos para oferecê-los analisados dentro de umaordem de descrição perfeitamente clara. Dispõe-se umquadro das variáveis da descrição num esforço declassificação e análise das identidades e diferenças filtradasdos traços comuns e das superfícies visíveis. Para tanto, oselementos devem se encontrar ali justapostos,‘purificados’, excluídos das incertezas e do embaraço deseu habitat, para encontrar uma descrição. O esforço é depor em ordem o conhecimento e representá-lo numsistema, no qual qualquer elemento pode vir a localizar-se.O naturalista persegue a visualidade estrutural ao “pousarpela primeira vez um olhar minucioso sobre as coisas etranscrever, em seguida, o que ele recolhe em palavraslisas, neutralizadas e fiéis”(Foucault, 1995, p. 145). Aoperação da ciência poda e escamoteia a autonomia e asqualidades dos objetos para unificá-los. Submete arealidade em sua pluralidade à unidade homogênea,segundo distribuições ordenadas sob critérios deaproximações e afastamentos. Ao procurar a distinção doobjeto, a ciência o separa do caos natural através do seudesenraizamento. Exilado que está o objeto da coexistênciadinâmica e controladas as contradições do que poderia ser,próprias da potência dos seres dotados de vida, a ciênciaproclama o que é.

*

A visão do observador é pressuposta panótica, oreconhecimento pleno sobre a diversidade concorre àpadronização. Na pintura convenciona-se a perspectivadispondo todos objetos num espaço tridimensionalhomogêneo contínuo, global. Que se compare, a título deexemplo, as imagens produzidas por Giotto e a pinturarenascentista. Em Giotto, apesar das figuras jáapresentarem volume e fisicalidade, os pontos de fuga sãoindependentes, cada elemento cria seu próprio espaço,evidenciando-se o valor da interdependência do espaço edas figuras em sintaxe relacional característica dopensamento icônico medieval. Já na pintura clássica asimagens apresentam todo um mundo enquadrado nas leisdo movimento retilíneo, ou seja, estando todos oselementos inseridos num espaço racional único e contínuo.

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O objetivo era transmitir um quadro de referênciaespacial global e uniforme. Transformação semelhanteocorreu no modo de representação dos mapasdesenvolvidos a partir do século XV. Os primeiros grandesnavegadores não contavam com mapas que oferecessemum uniforme quadro de referências do mundo.Utilizavam-se de mapas manuscritos irregulares emultiformes, ou mesmo, navegavam por espaços ainda nãocartografados, tendo que unir e tecer suas errâncias,costurando o mundo conhecido ao desconhecido,recompondo-o. Não é por outro motivo a surpresa causadapela descoberta da América, ou o fato de se pensar que setivesse chegado às Ìndias. A América não cabia naquelemundo, era preciso recompor e ampliar a teia. Procurou-se, a partir de então, o ‘fechamento do espaço geográfico’mediante a troca de informações de cada investidamarítima. As informações conquistadas por observaçãodireta, eram planificadas em gráficos de coerência ótica(resultante da classificação de um sistema de signos egrupo de códigos determinados), que representassem umasituação dada e que permitissem comensurar o mundo etransmiti-lo globalmente aos olhos. Mediante coletasistemática de dados desenhou-se um quadro dereferências espacial uniforme e global do mundo, aocontrário das múltiplas imagens encontradas nos mapasmedievais.

Havia, portanto, o desejo de elisão e abarcamento de todasas informações. Atingir todos os níveis de conhecimento ecompilá-los implicava na “tensão entre o exaustivo e oessencial”(Chartier, 1998, p.73), que resulta em arbitrar erestringir o que tinha excelência de cultura, determinar oisto e o aquilo do mundo que merecia acabar num livro.São diversos os exemplos de livros publicados, sobretudoentre os séculos XVII e XVIII, nos quais se empreendia atarefa de reunir todos os saberes (muito embora a própriamultiplicação dos saberes, esta instigada pela efervescênciade títulos publicados pela imprensa, não propiciassequalquer esperança de esgotamento). O exemplo maisfamoso é a Encyclopédie de D’Alembert e Diderotrealizada no século XVIII.

O texto enciclopédico deve ser simultaneamente legível ede referência. Primeiro, o conceito de legibilidade, deleitura contínua e fluida, implica na própria concepção derazão: ordenamento do discurso com sentido, clareza,medida e proporção de modo a torná-lo compreensível aum amplo espectro de leitores. O texto deve encontrar aexatidão dos termos com concisão e, ao mesmo tempo, sercompleto. Segundo, a enciclopédia é justaposição deelementos parciais que ao mesmo tempo em que postulauma homogeneidade, deve conquistar uma organicidade.Ela deve facilitar a consulta, disponibilizando qualquerdado a partir de determinadas operações, permitindo uma

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leitura não-linear. Deste modo o sentido do discurso nãopode ficar isolado, devendo estabelecer uma relação com atotalidade, visto que os significados se entrecruzam.Conexões que o termo enciclopédia já evoca. Umaexposição alude a outros conhecimentos implícitos e assimsucessivamente, exponencialmente às figuras do cosmos.Como chegar à unidade, à coerência e à homogeneidade?Como articular as multiplicidades? Projetos anteriores aode D’Alembert e Diderot procuravam estabelecer umadisposição orgânica das matérias ao procurar reproduzir aordem do mundo segundo critérios de analogia, desubordinação etc., tal como compreendidos e idealizadosno período de produção. A referida Enciclopédia, emcontrapartida, introduz como novidade o uso do alfabetocomo elemento de ordem. Elemento neutro e arbitrário epor isso eficiente dispositivo de localização dasinformações por sua universalidade, sua ordem é ensinadano primeiro momento de alfabetização e é idêntica emtodas as línguas que do alfabeto se utilizam. D’Alembert,para estabelecer a conexão entre as matérias, define umsistema de classificação baseada na tripartição de Bacon:memória, imaginação e razão, respectivamente história,poesia (artes em geral) e filosofia (atividades científicas).Na Enciclopédia o caráter indicial do livro ganhapotencialidade. A compreensão de sua estrutura – índicesde assuntos, ordenação alfabética, blocos de texto inter-relacionados – permite o acesso a assuntos diversos que seconectam a partir de ações que integram a informação: ofolhear, a localização da página, o movimento da vista napágina da esquerda para direita nas linhas e do alto paraabaixo na ordem alfabética. A entrada e a saída podemdar-se de qualquer ponto respondendo à dinâmica deleitura e à sinestesia do pensamento.

No entanto, ainda que o primeiro momento de análise deuma situação se dê por conexões não lineares, a análisedesempenhada pela linguagem manifesta-seinevitavelmente pela ordem sucessiva dos signos verbais.Para tornar possível o pensamento científico manifesta-sea necessidade de uma língua perfeitamente analítica. Nelaa representação do todo não é dada a um só instante,desdobra-se parte por parte no tempo, linearmente. Poresse motivo a gramática assume fundamental importânciana idade clássica, tratando da análise dos valoresrepresentativos da sintaxe e do ordenamento dosvocábulos, pontuação e catalogação. “A Retórica define aespacialidade da representação, tal como ela nasce com alinguagem; a Gramática define para cada língua a ordemque reparte no tempo essa espacialidade”(Foucault, 1995,p. 99).

A organização da matéria na página impressa deveriaoferecer, pela estrutura, o desdobramento linear dalinguagem. A imprensa possibilitou apresentar

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visualmente textos e gramáticas uniformes. O que seestende à uniformização do léxico, ainda instáveis na eramedieval, e à publicação de dicionários e livros dereferência.

Mas, ao mesmo tempo em que a impressão retínica eraintensificada, o tipo móvel em metal revela ao homemocidental a autonomia da letra como unidade formal, nãose restringindo, como signo, a representação gráfica de umsom da língua. Se já a partir do século XII a adoção depalavras separadas despertaria o interesse pela composiçãodo texto passando os autores a escrever de próprio punhoas suas obras, aperfeiçoando estilo e a composição dasfrases, a objetividade da forma e a mobilidade da letra natipografia apresenta leis ainda distinta daquelas suscitadaspela prática do manuscrito. A manipulação da caixatipográfica revela a natureza estatística da linguagem(basta observar o espaço dedicado a cada letra numa caixade tipos) e obriga a reconhecer que os brancos têm amesma materialidade da letra (peças de metal sãoinseridas entre as palavras e nas entrelinhas). Istoconcerne a um jogo específico da linguagem escrita que serefere às suas margens, seus brancos e seus silêncios,particularidade que só viria as ser amplamente explorada apartir do século XIX, pois no primeiro momento daimprensa se procurou chegar a uma forma canônica doslivros. Para Roland Barthes (2000) a homogeneidade daideologia burguesa, que imperou até meados de XIX,impôs uma escrita única e instrumental, puramente aserviço do conteúdo. Nas escritas clássicas, literalmente declasse, afirma Barthes a universalidade da linguagem seconstitui como um bem, ou melhor, um ideal comum. Otexto escrito e a configuração do livro teriam funçãoreguladora e modeladora de condutas. Exercia-se sobre ostextos censura e controle para que não colocassem emquestão a ordem ou a moral. Para tanto constitui umasemântica perene e sólida e, sintaxe com princípios deuniformidade. Molda-se a frase no intuito de moldar econter a interpretação do leitor. Não havia forma quepudesse ser apropriada, (re)cortada ou trabalhada de mododiferenciado e individual. Evitava-se, no seu uso, aambigüidade de suas funções. O objetivo de simplificação,precisão e de economia do sistema de escrita, queconheceu uma espécie de culminância na idade clássica,perderia consistência a partir da segunda metade séculoXIX. Ou seja, após objetivar o absoluto controle daentropia na escrita e de seu uso quase exclusivo através dolivro, ela é lançada às ruas e se vê impregnada novamentepor metáforas, pela figuração e pela iconização, questõesestas que serão retomadas mais adiante.

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O homem a medida de todas as coisas

A imagem do homem como uma espécie de microcosmo no centro de um universo queele reproduz. O homem é a própria natureza e pode transformá-la com sua atividade.

Francesco Di Giogio Martini ,1480.

Leonardo da Vinci, 1512.

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Na Renascença iniciou-se a investigação sistematizadapara concepção de caracteres adequados àsparticularidades da impressão em metal. Os humanistas,inspirando-se na elegância das letras lapidares romanas,irão buscar a regularidade e objetividade da forma pormeio do rigor da geometria.

A atividade de composição dos caracteres móveis ressaltaduas propriedades da escrita, pouco observadas nomanuscrito: a) a letra como entidade independente, umsigno como unidade formal autônoma, do qual deve-sefixar em metal seus traços; b) o uso consciente dosespaços em brancos que na caixa tipográfica sãoelementos físicos como os outros signos.

Neste período procurava-se inter-relacionar todos osaspectos do conhecimento e o homem renascentistaexercia simultaneamente diversas atividades: pintor,gravador, geômetra, arquiteto, escritor e teórico. Aconcepção dos signos responde a este contexto, no qualarticula-se em cada elemento do mundo, na mais singeladas formas, “o signo do homem, a mão de Deus e aunidade prodigiosa do universo” (Cohen, Apud, Massin,1970, p. 23).

homem letra

Coluna de Trajano

As inscrições lapidares, nas quais o rigor ea funcionalidade eliminam quaisquer traçode subjetividade, expressam em suaimagem a organização social da Romaantiga. São inscrições das leis. O cidadãopertencia inteiramente ao Estado – seusbens, seu corpo, sua alma – nada restava deliberdade individual. Cidadãos disformes edefeituosos deveriam ser eliminados.

Fragmento da coluna de Trajano

Cursiva Romana

Encontra-se também entre os Romanos aancestral das letras minúsculasdesenvolvidas pela tipógrafos da revoluçãoimpressa, a semiuncial. Criação do períodoromano derivava da uncial e da cursivaromana.

Semiuncial, século IV

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Gutenberg - Bíblia de 42 linhas (1455)

Gutenberg, em sua Bíblia de 42 linhas, procurousimular a variação típica dos manuscritos. Deacordo com o modo de escrita do período eleutilizou cerca de 300 sinais: abreviações,ligaduras e um grande número de letras mais oumenos largas para melhor justificar as linhas.

Catalogação apresentada por EmilRuder com variantes das letrasencontradas na Bíblia de 42 Linhas.

Acima e ao lado fragmentos da Bíblia de 42 Linhas.

Geoffroy Tory - Champ Fleury (1529)

Inspirada pelos manuscritos humanistas doséculo XV, que se opunham ao gótico empregadopor Gutenberg, as primeiras tipografiasrenascentistas ainda mantinham características daescrita à pena. Geoffroy Tory incorporou naconstrução de seu trabalho a síntese cosmológicado início da Renascença. Seus estudos dedesenhos tipográficos fundem racionalismo emisticismo. A partir de pesquisa ao mesmo tempocaligráfica e tipográfica Tory desejava encontrar

um novo meio de revelar o universo de conhecimentos contidos nos signos e a relaçãoideal que sustenta toda forma natural. Ele utilizou a teoria da proporção derivada dafigura humana como base de seus desenhos. Sempre com o objetivo de alcançar aabsoluta harmonia, ele procurou estabelecer relações entre os sons, as formas e osdeuses. Ao tratar todo o conjunto de questões da escrita impressa, Tory tambémintroduziria modificações no uso da pontuação e ortografia. Sobre o tema ele publicouum pequeno fascículo intitulado Briefue Doctrine pour deument ecrire em langaigefrançois (1533) expondo as exigências de acentos e signos auxiliares na língua francesa.

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A serifa no primeiro momento ainda influenciadapelo gesto da mão e da pena, do qual sedistanciaria mais tarde com a construçãopuramente geométrica.

Romain du Roi (1695)

No fim do século XVII, umareforma na Imprensa Real daFrança, propiciou a criação de novostipos muito diferente dasdesenhadas até auqela época. Acomissão de reforma designada pelorei Louis XIV em 1695, movida pelapaixão daquele período por métodoscientíficos, cria um diagrama

ortogonal rompendo com a forma orgânica do tipo humanista, eliminando resíduos dereferência ao movimento da pena e, por sua vez, ao manuscrito. Subdividindo asuperfície em unidades mínimas o diagrama permite modulações matemáticascombinando círculos e retas. A construção do tipo Romain du Roi já contémpraticamente todos os ingredientes dos desenhos realizados hoje em computador. Poucoutilizado no período em que foi criado, influenciou os desenhos de caracteres nos séculosposteriores.

Didot (século XVIII)

Utilizando-se de métodos semelhantes aos darealização do Romain du Roi, Didot polariza asdiferenças de espessura na modulação da linha e criao ponto tipográfico. Este fundamental para regular aintensidade de brancos e pretos no exterior e inte-rior da letra, em função da fluidez da leitura.

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Yukei Tejima

Duville, l’Art du tracé rationnel de la lettre (in: Peignot, 1982)

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A invenção da imprensa não faria desaparecer a caligrafia.Ao contrário, a imprensa favoreceria o aprendizado daescrita e da leitura. O homem letrado deveria apresentaruma caligrafia de traços firmes e elegantes.

A escrita alfabética por suas características solicita amanutenção da linha durante uma seqüência de gestos atécorporificar a palavra. A permanência do contato da penasobre o papel força a estreita proximidade entre a mão, oinstrumento e o suporte. Apóia-se sobre o papel. Cola-se oolho no trilho. A atenção ao espaço gráfico cede àconcentração dedicada ao curso da linha. Temporalização.

No Oriente manteve-se, desde os primórdios, o uso dopincel e de outros instrumentos naturais de escrita. Ocalígrafo oriental, aos modos da pintura, busca aplasticidade mais pura e a relação espacial dos elementose, diferente da pintura, a marca de cada gesto é definitivae não pode ser velada. O domínio do pincel inicia-se noaprendizado da escrita, antes de usa utilização na pintura.Os movimentos dos traços são entrecruzados e nãocontínuo. Na escrita oriental cada ideograma evidencia-secomo uma totalidade relativa, figurando-se no espaço.Mas, no Oriente, o uso caligrafia ultrapassa os limites daescrita, pois liberta o signo do sentido preciso do contextoverbal, tornando-o impreciso, equívoco, um signo plástico.Ao final aprecia-se a composição dos elementos e asocorrências de casualidades. Espacialização e configuração.

No Ocidente abandonou-se o pincel e outras ferramentasprimárias, à procura de instrumentos que possibilitassemtraços mais precisos. Os modelos que inspiram omanuscrito são as gravações em pedras. O estilete, oestilo. A rigidez do cálamo e da pena convém à formaçãodo caractere retilíneo e esquemático (Peignot, 1982, p. 69).O talhe da pena é determinante na conquista do valorconstrutivo e consciente do desenho.

caligrafia

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Manuais de Caligrafia

A partir do século XVI, sobretudo no século XVIII,produziu-se grande número de manuais de caligrafia. Elesserão essenciais como princípio de estandardização elegibilidade na elaboração de documentos para negócios etransações legais.

Liber artificiosus alphabeti maioris

Os números traduzem qualquer elemento de ligação doshomens com a vida. Esta concepção, bastante presente namodernidade, segue tradição esotérica utilizada pelosrenascentistas na procura da forma ideal. O Liberartificiosus alphabeti maioris publicado no fim do séculoXVIII, se destina a apresentar essas concepções e aalimentar a curiosidade mundana a cerca das ciências,“que apenas a ignorância as tornaram ocultas” (Peignot,1982, p.70). A poéticacontida nos signos ficaabandonada nosubconsciente quando suasformas se tornam muitofamiliares. A pesquisarealizada em caligrafia porhomens como Dürer e Toryintenta fazer aflorar estemundo perdido, dartransparência aosconhecimentos que ossignos contêm e mostrar ostraços de sua face.

R. Gething, Calligraphotecnica, 1619

Johan Marken, Liber artificiosus alphabeti maioris, 1782. Exercício de caligrafia.

Dürer

No quadro Erasmo deRotterdam , Dürerrepresenta o encontro entre

a gravura lapidar e a página do livro impresso, a produçãodo manuscrito. A lápide e o livro refletem um sobre ooutro, estando o escritor/calígrafo na interface.

Letra ‘M’, desenhode Albrecht Dürer

Albrecht Dürer, Erasmo de Rotterdam, 1526

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Método Franco

No livro Método de Caligrafia(Franco, 1920; In: Tupigrafia 4)são apresentados os aparelhos parase chegar à elaboração perfeita dacaligrafia para fins comerciais.Controle da postura e do gestopara se conquistar a regularidadeda grafia com padrão universal.

Grafologia

Em tempos mais recentes desenvolveu-se o estudo da grafologia voltado à identificaçãoda personalidade pela caligrafia. A revista Tupigrafia número 4 reproduz algumas páginasdo livro Grafologia Prática de Eric Singer impresso nos anos 50. Naquele período, osprincipais usuários destes guias, segundo a revista, eram empresas interessadas naidentificação da personalidade de um candidato ao emprego, e, a polícia na investigaçãode suspeitos. A grafologia estaria a serviço das instituições como elemento deinvestigação interessada em definir o caráter adequado para o bom funcionamento daordem e do progresso. Hoje, a grafologia se soma às varias ciências de auxílio aoindivíduo na identificação de suas fragilidades e incertezas e, da solução para o sucesso.Após a consulta adequa-se a assinatura e o gesto ao caráter de sucesso.

Nas páginas do livro reproduzido expõe-se paralelamente a letra ‘anômala’ e o desenhoilustrando a personalidade que a caligrafia revela. Os desenhos mantêm os mesmostraços sintéticos, finos e cortantes das letras e, há a aproximação da configuração dodesenho ao da letra, para que a associação seja mais direta.

Antônio de Franco, Método de Caligrafia (Revista Tupigrafia 4, 2004)

Eric Singer, Grafologia Prática (Revista Tupigrafia 4, 2004)

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Consta que o logotipo da Coca-Cola foi desenhado porvolta dos anos 1890, pelo sócio e contador da empresa que,sendo um notário, estava habituado ao exercício da belagrafia comercial.

O logotipo chama atenção por sua sobrevivência mais doque secular, a despeito de ser anterior (e, portanto, nãoatender) às regras da ‘Boa Forma’. Estas procuraramdefinir, a partir de conceitos técnicos e científicos, aqualidade formal para objetos produzidos pela industria. Oidealismo estético, extraído das vanguardasconstrutivistas, voltava-se à conformação geométrica/racional adequada às linhas de produção e aos critérios depregnância e universalidade. Trata-se de uma estética damáquina, pouco voltada à representação. Sob esta ótica ologotipo da Coca-Cola, em análise apressada afeita amanuais, poderia ser descartado. O argumento: nãoapresenta boa legibilidade, é de difícil reprodução e vin-cula-se temporalmente aos maneirismos do art nouveau(hoje quem o associa a tal estilo ou tempo?).

A posição, contudo, não alcança unanimidade. Tom Wolfe,habitual crítico das vertentes funcionalistas econstrutivistas, sentenciou: “Os logotipos de escrituramanual da Coca-Cola ou Hertz – se pegam na mente ecausam um reconhecimento instantâneo. Os logotiposabstratos são ineficazes a este respeito...” (apud: Manualde Imagen Corporativa, 1991, p. 88). A colocação porextremos parece extraída de algum manifesto modernista,nos quais sempre se confronta e delimita-se o espaço deatuação. É preciso manter sempre o arco estendido, diziaDécio Pignatari em período de embates e rupturas.

A Coca-Cola surgiu numa época em que a necessidade deum logotipo que particularizasse a marca da empresa jáera latente, devido à prosperidade comercial e àsformações da massas nos grandes centros urbanos no finaldo século XIX. Mas as realizações neste campo ainda eramrarefeitas e incipientes. A Coca-Cola aparece entre asprimeiras empresas a investir numa marca registradaidentificável, a partir do controle de suas aplicações, deajustes prudentes no desenho e do apelo ao status social.

Um logotipo exige legibilidade global: a apreensão dapalavra pela estrutura, como imagem, diriam os poetasconcretos. No entanto, isto não depende necessariamenteda clareza de cada caractere. A integridade da imagem dologotipo da Coca-Cola deve-se à particularidade de suaslinhas e aos ajustes de seus movimentos para acorporificação da marca.

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Selecionado em concurso público, o símboloproposto por Aluízio Magalhães para ascomemorações do 4º centenário da cidade do Rio deJaneiro em 1964 gerou polêmica.Foi questionada a sua originalidade e, devido ao seugrau de abstração, considerado excessivamenteintelectualizado e de pouco apelo popular.

O símbolo em sua concepção se alinha ao idealestético da escola de Ulm: construção de um objetopadrão, de comunicação direta e imediata, livre defiltros culturais ou sociais, reduzindo ao mínimo oruído e ambigüidades. No desenho do símbolo nãose encontra referência à paisagem ou a um detalheparticular da cidade. Opta-se por uma formauniversal e de fácil emprego em qualquer meio. Suasignificação deve derivar do uso sistemático.

“(...) a pedra da Gávea, o Corcovado, o Pão deAçúcar, particulares de um todo, são muito maisexpressivas quando vistas na sua própria realidade,na sua imagem verdadeira, e nunca sintetizadas noaperto da medida de um símbolo” escreveuMagalhães (In: Souza Leite (Org.), 2003, p.172).

A concepção do desenho, espelhamentos e rotações,já fazia parte do léxico dos artistas concretos nosanos 50 e, por sua vez, esteve bastante presente naobra de Aluízio Magalhães nos anos 60 e 70. Naarte concreta, com suas postulações sobre oproblema da estrutura dinâmica (movimento), aprojeção e o agenciamento do espaço sãoprivilegiados, tendo em vista a construção objetivado espaço e da figura e sua aprenção.

No símbolo, o número 4, que serve de célulageratriz, é rebatido em movimento circular, o queresulta numa forma mais simples, o losango, do quea célula inicial e de maior pregnância. A forma, aomesmo tempo em que se fecha nela mesma, ganhadinâmica própria, podendo ser desdobrada ecombinada indefinidamente.

A despeito da polêmica, o símbolo passou a fazerparte do cotidiano da cidade, sendo reproduzidoespontaneamente em fantasias de carnaval,vestuários, calçadas, fachadas, etc. Foi tambémadotado por ambulantes interessados em ver o seunegócio integrado ao evento. A simplicidade de suaforma permitia a sua ampla reprodução com o rigordas máquinas ou com a imprecisão das mãos.Mesmo com as distorções dos gestos indisciplinadosdos grafiteiros o símbolo pode ser identificado,quando no contexto do evento.

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O nome da empresa – Coca-Cola – composto por duaspalavras com o mesmo número de letras, com som eimagens semelhantes – sugere um movimento detranslação com possibilidade de espelhamentos. Estacaracterística é explorada graficamente. As letras iniciais“c” ao mesmo tempo em que se destacam do corpo daspalavras, abraçam todo conjunto, integrando-os com aextensão da linha das iniciais ‘C’ ora por baixo, ora porcima, favorecendo o fechamento e a unidade da marca.

O uso de paronomásias e espelhamentos de palavras eramutilizadas na poesia concreta, como elemento auxiliar paraestabelecer a unidade estrutural do poema. Estascaracterísticas, ‘naturalmente’ presentes na marca Coca-Cola, permitiram ao poeta Décio Pignatari manipularSlogan ‘beba Coca-Cola’ com o rigor geométrico da poesiaconcreta e, elaborar sua desestruturação semântica a partirde jogos anagramáticos e fonéticos.

Elementos decompostos, desprendidos, espelhados e,sobretudo processados. Apreende-se o símbolo em seusdesdobramentos. Identifica-se o ‘beba’ no ‘babe’, ingerindoou expelindo, a ‘coca’ no ‘caco’, no todo ou na parte. Nãoé, portanto, somente o sentido de totalidade que importa,mas também o da fragmentação. A totalidade do símbolocompreendida no residual. Graças à força expressiva e àparticularidade dos traços caligráficos de sua marca, aempresa pode lançar mão da exposição de sua marca empequenos fragmentos (veja-se os painéis publicitários maisrecentes), e ser identificada por qualquer fresta entre osabundantes elementos do espaço urbano. O caco da Cocajá era entendido como elemento de comunicação pelomenos desde 1915, quando a direção da empresa solicitouo desenho de uma garrafa que pudesse ser reconhecidanum pedaço de vidro. Nascia então a famosa garrafa daCoca inspirada num desenho de cacau.

“A ilustração de uma vagem de bagas de cacau, perto do verbete cocana Encyclopédia Britannica, despertou-lhe a atenção. Ele pode, naverdade, ter confundido cacau com coca.” (Pendergrast, Apud: Pinho,1996, p. 122)

A jovem espanhola exibe suajovialidade com a cadênciadesprendida de seus movimentos.Jovialidade regida pelo trilho daonda.

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O design de filiação construtiva era pensado sob o ideárioético/socialista e voltado às questões de produção efuncionalidade (o objeto padrão, útil à sociedade). Aindústria americana já em sua origem investe nadistribuição e no consumo. As dificuldades de(re)produção de seus símbolos (a forma orgânica e o pesoda garrafa, inadequação do logotipo à tipografia) não eramtão relevantes. A proposta é envolver o consumidor com amarca, em apelo à individualidade. Seu slogan: ‘pensa noglobal, atua no local’. A estratégia é de expansão econquista de todos os espaços. Presente entre os soldadosamericanos na guerra, junto aos astronautas no espaçoextra terrestre, circulando seus símbolos entre todos osícones do american way of life. Inscreve-se a marca porassociações: a silhueta sexy da garrafa (anos 20) à MaeWest ou à ‘saia justa’; a onda ao movimento livre e jovial.Transforma-se revolução em estilo. Determinam-seatitudes, desejos. Leva-se o símbolo à boca: mama-se nele.A Coca-Cola, de certo modo, antecipou-se ao que hoje éexplorado largamente. Não se trata exatamente de umsistema de identidade visual, no sentido de pré-determinaro uso da marca e as regras estritas de inscrição, mas suainserção no cotidiano e no inconsciente. A marcacuidadosamente largada em cada esquina,intermitentemente, penetrando, com a fluidez de suasformas, pela periferia do olhar, entre o que se lê.

Hoje a concepção do símbolo deuma empresa não procuranecessariamente relacionar-se aoobjeto ou ao produto. Não setrata mais de dizer o produto,mas fazer o símbolo fluir nouniverso do consumidor. Seussignificados podem em algummomento congelar-se e em outrodispersar-se, passar de uma formaa outra, por negações eassociações. Formas esvaziadasque aspiram a ser. Relações deimagens que inspiram o devir aser do consumidor. Sintaxerelacional: ideografias.

um exemplo

o símbolo Mastercard

Intercessão de dois círculos,representado de formasemelhante a um gráfico escolarde conjuntos, a priori vazios esem sentido.

Por sobreposições o símbolo éassociado a outras imagens,inscrevendo o ideal de liberdade eprazer.

O status do ato de consumir:duas barracas de praia, duas bolasde sorvete, um par de pés proalto vestidos confortavelmentecom sandálias, duas cabeças quese tocam.

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Cam

ara,

Vit

ória

, 200

4.

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O mundo prêt-à-porter

(In: Dias Pino; Santos, s.d.)

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A operação diagramática é ativa, já é a leitura de algumacoisa. Ela gera e elabora conceitos através de elementosmínimos e simultâneos – verbais e não verbais. É aomesmo tempo sintética e dinâmica. Permite a observaçãoda situação (onde se está), a relação entre elementosdistintos; a interferência e a introdução de novos dados,novos contextos (onde se ir).

Em tempos remotos homens se lançavam ao mar porespaços não cartografados. Outros, em terra, sonhavam erepresentavam um mundo que não se apresentava aosolhos. Imaginavam bestiários, abismos e paraísos.

Traça-se o mapa depois do percurso. Componentescolhidos em separado são examinados em suas relações.Retira-se o elemento de sua realidade, de seu contexto. Dacontraposição de linguagens, dos diferentes tipos dechoque, propõe-se um conceito. É preciso gerenciar,organizar os elementos na tentativa de decodificar,estabelecer a mensagem - comunicar. Passar da existênciaà razão. Chegar ao final de uma idéia, à linha, à estrutura.Explorações analíticas que visam revelar situações queestão fora do alcance do olhar. O mapa é a forma decodificação, geometrização e organização de informações.Revela o modo como se percebe e representa o mundo.Por sua vez, é explícita a limitação do mapa (e mesmo aslimitações das palavras) diante dos labirintos e dadinâmica do espaço. Como se dar a ver o espaçoprojetando-o sobre um plano? Transformação em pontos,procedimento de redução: seleção e simplificação docontexto.

Mas não se trata somente da representação do mundo.Quando o homem se descola da natureza, ele se lança aoato da criação. E como criar? Imaginar, tomar posse,formar e depois se adequar à topografia local? Render-se àarquitetura de apreensão direta? Que seja então positivo,sem imolar-se com o envolvimento emocional, com aspequenas ondas luminosas, com as cores quaseimperceptíveis, com as intermediações. Constrói-se umnavio e coloca-o na piscina, livre dos caprichos do mar.

O homem quer imaginar a sua própria morada, mas énecessário atenção à morada, às suas relações, suasressonâncias, seus espíritos, devendo ao menos observar ascores que surgem na projeção dos traços negros sobre asuperfície branca. Afinal, escreveu Clarice Lispector, “acriação não é uma compreensão, é um novo mistério.”

cartografias

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Mapa de 1375 expondo a riqueza em ouro da África. Osmapas medievais não apresentam com precisão a posiçãorelativa dos locais e compõem uma visão fragmentada eparticular do mundo. Eram verdadeiros diáriosrepresentando experiências pessoais de viagens com notas,imagens, riqueza local e impressões diversas. A narrativavisual articulada pela correspondência entre ospersonagens e sua espacialização é característica da IdadeMédia.

1. pojeções do mundo

O mapa em T-O (1493).Compõe o mundo nos trêscontinentes então conhecidose de acordo com a divisãobíblica do mundo entre osfilhos de Noah.Extremamente conciso egeométrico este mapa refletea despreocupação com aprecisão geográfica dosmapas posteriores ao avançodo comércio marítimo.

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Três janelas justapostasformando uma espécie dediagrama narrativoapresentam os passos paradefinir uma cosmografia. Naparte de baixo o observadorutiliza instrumento paradefinir a posição de umobjeto celeste em relação àsua localização na terra, aohorizonte (latitude celeste) eposição relativa aos pontoscardeais (longitude). Acima,à direita, a posição relativaestabelecida a partir de doispontos de observação. E, oresultado registrado emgráfico no lado esquerdo.

Projeção e planificação do mundo emlinhas.

Diversos estudos feitos na renascençaeuropéia apresentam a complexidade deprojetar a superfície da esfera global noplano. Busca-se uma convenção universal.No século XVI Mercator, matemático egeógrafo, criou um sistema de projeção, noqual as longitudes são representadas porlinhas retas paralelas eqüidistantes, e osgraus de latitude por linhas retas paralelasperpendiculares. A distorção nos pólos éuma convenção visual que se aprendeu aler e, é até hoje considerada válida.

Peter Apia, Cosmografia, 1539

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88 “ DO RIGOR NA CIÊNCIA... Naquele império, a Arte da Cartografia alcançou tal perfeição que omapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa doimpério, toda uma Província. Com o tempo, esses MapasDesmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafoslevantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império ecoincidia pontualmente com ele. Menos Afeitas ao Estudo daCartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse dilatadoMapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências doSol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadasRuínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo oPaís não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas.(Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quatro, cap. XLV,Lérida, 1658.)” (Borges, v.2, 1999, p. 247)

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“Conta o Príncipe Modupe em sua autobiografia,‘Eu Fui Um Selvagem’, como aprendeu a ler mapasna escola e como voltou à sua aldeia com o mapa deum rio que seu pai percorrera durante anos, comocomerciante. ´(...) meu pai achou um absurdo.Recusou a identificar a correnteza que ele cruzara

em Bomako e cuja profundidade, dizia, não ultrapassava a altura deum homem, com as grandes águas espraiadas do grande delta doNíger. As distâncias medidas em milhas não tinham qualquersignificado para ele ... Os mapas eram mentirosos, disse-me elesecamente. (...) As coisas que ferem uma pessoa não aparecem nummapa. A verdade de um lugar reside na alegria e na tristeza que deleprovêm. (...) eu apagara a grandeza de seus carros de bois, com suasmercadorias e com seu calor’” (Mcluhan, 2000, p. 181).

“Eis agora a questão fundamental de qualquer atlas:de que é que se deve traçar um mapa? Resposta

evidente: dos seres, dos corpos, das coisas... que nãoconseguimos conceber de outro modo. Porque é que,

com efeito, nunca desenhamos as órbitas dosplanetas, por exemplo? Uma lei universal prevê as

suas posições: de que é que nos serviria um roteironeste caso de movimentos e situações previsíveis?

Basta deduzi-los da lei. Pelo contrário, não háqualquer regra que prescreva o recorte dos rios, o

relevo das paisagens, a planta da aldeia ondenascemos, o perfil do nariz ou aimpressão digital do polegar...Aí

estão singulari-dades, identidadese indivíduos, infinitamente

afastados de qualquer lei”(Serres, 1997,p. 17).

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Alguém já deve ter imaginado, ou realizado, um mapa noqual o mundo é representado em função do tempo detransporte físico, e não do espaço. Neste mapa a Europaestaria diminuta. Paris e Londres se interceptariam. EntreLondres e NovaYork o oceano Atlântico se espremeria àespessura de um mar. A África seria enorme. Algumascidades seriam afastadas de suas visinhas, ou mesmoapareceriam fora de seu país, ficando isoladas e reservadasaqueles que voam para o exótico. Afinal, quem está dentroe quem está fora?

Em 1913 Blaise Cendrars publicou “La prose duTranssibérien et de la petite Jehanne de France”, que ficoutambém conhecido como “Le premier livre simultané”.Transsibérien se refere diretamente à estrada de ferroinaugurada em 1905 ligando a Rússia Ocidental aoPacífico e, de certo modo, alude a todas as estradas queestavam sendo construídas pelo mundo estreitando osespaços, permitindo viajar em velocidade “meteórica”.

A obra é impressa numa única folha de papel de mais dedois metros dobrável. A reunião de todos os 150exemplares “atteignant la hauteur de la Tour Eiffel”(Apud. Perloff, 1993, p.31). O trabalho foi realizado com acolaboração da pintora Sonia Delaunay, o que foi assimcreditado – “couleurs simultanées de Mme Delaunay-Terk”. Um conjunto de massas de cores puras, saturadas,intensas como a vida na era da eletricidade. Vibrações,dinamismos, distorções do espaço e do tempo. Um poemade viagem, mas que desfoca o trajeto, costurando outrostempos e espaços.

Simultâneos, também, a cor e o texto – verbovisual. Alógica plena da palavra em linhas que flutuam e se perdementre a luz. Como quando se fixa o olhar nas chamas dafogueira. Assim Cendrars descreve seu poema “(...) umaexperiência única em simultaneidade, escrita em corescontrastantes a fim de levar o olho a ler de um só golpe devista o conjunto do poema” (Ibid, p. 41).

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91No século XIX assiste-se ao advento da formação dasgrandes cidades e a humanidade entra no século XXmarcada pelo signo das metrópoles. Em Londres e Parismultidões moviam-se sob a terra. Submergiam em umponto e saiam em outro. Entre os pontos o percurso sob avida frenética da cidade, num túnel negro iluminado,sentados, em movimento inerte, um cidadão frente aooutro olhando através.

Publicidades do metrô de Londres utilizavam-se deexpressões como “centro nervoso, força”. Em um doscartazes, representa-se um punho e a eletricidadecorrendo nas veias. Foi a partir de códigos usados emplantas de circuito elétrico que o engenheiro-projetistaHarry Beck desenvolveu um novo mapa para o metrô deLondres, em 1913, que não tendo sido aceito na época, sóviria a ser aproveitado em 1933. O desenho utilizasomente linhas verticais, horizontais e diagonais com osramais diferenciados por cores. Ignora as posiçõesgeográficas exatas em prol da eficiência comunicativa. Ocentro de Londres foi ampliado para que fosse reproduzidocom clareza todas as suas linhas e estações, enquanto aszonas periféricas aparecem reduzidas e com as estaçõesrepresentadas em intervalos regulares. Mesmo o rioTamisa, única referência geográfica de superfície presenteno mapa, é convertido ao princípio geométrico, ao ter oseu percurso rigorosamente representado em linhasparalelas aos ramais. A partir de 1913, Beck dedicou vintee nove anos ao mapa, simplificando-o até que pudessecompreender todas as extensões do metrô no formato deuma carteira de identidade, legível nas partes e no todo a“um só golpe de vista.”

Mapa utilizado na década de 20

Harry Beck, Mapa do metrô de Londres, 1913. O mapa quanto passou a ser utilizado em 1933

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Belo Horizonte foi planejada em 1895 pelo engenheiroAarão Reis.

Área urbana: malha regular – Divisão em seções, traçadodas ruas em linhas ortogonais e avenidas na diagonal.Planejamento interno de circulação e, controle dacomunicação com a zona suburbana, através do traçado daavenida do Contorno.

Área suburbana: áreasubalterna à cidade, deespaços imprevistos, semprojeção arquitetada.Traçado rarefeito, irregularcom poucos encontros deacesso à malha urbana.Representa o poder públicono local somente ocemitério municipal.

2 projetações do mundo

Sobreposição: ao lado aplanta de Belo Horizontesobreposta ao curral DelRey. Cidade que antesocupava o local surgida noveio do vale, à beira dosrios e das vias de comércio.

Gráficos de Carlos Teixeira sobre a plantaoriginal de Belo Horizonte. 1) Avenida doContorno, Av. Afonso Pena, o rio ao norteea serra ao sul. 2) Malha das ruas. 3)Malha das Avenidas. 4) Traçado dentro efora da Avenida do contorno (Teixeira,1999, p. 76).

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Brasília é uma imagem, um símbolo, um logotipo. Foipousada num planalto, longe de qualquer civilização.Totalmente arejada, sem nenhum vestígio de outra cidade,nenhuma montanha, nenhuma mancha à volta. Empoleirada“na linha horizonte” envolvida somente pelo céu – umacidade totalmente espiritual. O nada e todas as cores.

Elimina a presença de linhas verticais, nivelando a prumadados prédios. A vastidão sem referência de profundidade,pode-se bater no céu ou nunca alcançá-lo. Salientes, apenasos prédios públicos, inscritos no espaço como caligramas porOscar Niemeyer.

Lucio Costa arqueia o eixo horizontal, o das residências e dosserviços, “a fim de contê-lo no triângulo que define a áreaurbanizada” (Ibid). Os arquitetos arquitetam e exercemsobre o papel. Idealizam uma constelação perfeita, com osmovimentos deduzidos à lei. Cada unidade em sua órbitadimensionada em toda extensão de suas funções. Como emUm Lance de Dados de Mallarmé, as áreas arejadas, osbrancos, “assumem importância, (...) a versificação os exigiu,como silêncio em derredor (...) não transgrido essa medida,tão-somente a disperso” (In: Campos; Campos; Pignatari,1974, p.151). Todas as unidades prismam-se “nalgumacenografia espiritual exata” (Ibid.). Entretanto, a intenção dosarquitetos de positivação, de definitividade dos espaços dacidade diferencia-se do poema de Mallarmé. Um Lance deDados não se fecha numa logotipia. O mundo verbal énaturalmente ambíguo, plural, fenomenológico e, além disso,o poema de Mallarmé é uma forma aberta “que contém umapluralidade de leituras” (Paz, 1990, p. 50). Ele foi concebidoestereograficamente, onde figuras radiantes podem ser vistascomo orifícios rompendo o limite do espaço. Espaços dereversibilidades, interjeições, negações, a “ausência da idéia”(ibid.). No projeto de Brasília traça-se o ideal, em plantabaixa, de uma cidade sem vão, sem ocos, sem buracos. Todoespaço deve estar destinado, funcionalizado, sem usosestranhos. Os arquitetos imaginavam que pudessem retirardo mundo, da cidade, das pessoas tudo aquilo que fosseinominável, imperfeito – feio. Se possível fosse, chegar-se-iaassim ao ‘não lugar’ com todas as distinções e nenhumadistinção entre a cidade e uma sala de aeroporto. Se possívelfosse, pois o ‘ideal Brasília’ inevitavelmente esbarra napolifonia da existência. Nem o poeta, nem o arquiteto têm apalavra final. Ao projeto se designa a ordem, o uso ao caos.

“Brasília é construída na linha dohorizonte. Brasília é artificial.Tão artificial como devia ter sidoo mundo quando foi criado.Quando o mundo foi criado, foipreciso criar um homemespecialmente para aquelemundo. Nós somos todosdeformados pela adaptação àliberdade de Deus. Não sabemoscomo seríamos se tivéssemos sidocriados em primeiro lugar edepois o mundo deformado àsnossas necessidades. Brasíliaainda não tem o homem deBrasília.(...) Os dois arquitetosnão pensaram em construirbeleza, seria fácil: eles ergueramo espanto inexplicado. A criaçãonão é uma compreensão, é umnovo mistério.” Clarice Lispector(in: Schwartz (Org.), 2002, p.515)

Lucio Costa, Memória Descritiva do PlanoPiloto, 1957

Memória Descritica do Plano Piloto

“Nasceu de um gesto primário de quem funda um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se emângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz” (Lucio Costa, 1995, p. 284).

O sinal da cruz, o símbolo absoluto. Os eixos vertical e horizontal, que simbolicamenteexpressam o eixo do poder e o da vida.

Conquista-se neste gesto a simplificação dos fluxos com apenas um único entroncamento.Uma cidade geométrica, que elimina as ruas e as calçadas. Privilegia-se o carro, que semovimenta sob leis e traçados rigorosos, esquivando-se dos movimentos adversos eimprevisíveis dos pedestres. Uma cidade apreensível pelo todo, sem barreiras. São poucos osdados a processar, não é preciso muita memória. Funcional – deslocamentos regulares:trabalho, casa, lazer.

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3 aparelhos de captura

unidade homem

Ao se propor uma natureza à medida do homem, foi necessário também mapeá-lo emseus movimentos e encontrar as suas medidas perfeitas à maneira do módulo.

Leonardo da Vinci

Jean CousinDürer

Le Corbusier

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“Desde então, as simulações a que chamamos retratos,reproduções ou representações passaram, durante muitotempo, por atrasos para os princípios, impossíveis de encontrarou ausentes. As ciências pesadas pelas boas razões e, por vezes,mesmo as humanas pelas más, cumularam de desprezo osgeógrafos, os anatomistas, os urbanistas...escarnecendo dadistância entre a verdadeira geometria, demonstrativa, e aquelaque se praticava no terreno ...vaga. A lei rigorosa, finalmente, éa melhor das memórias, sem stock e, portanto, leve, quando énecessário desenhar os traçados, e depois conservá-los, paramanter a recordação, muito pesada, das singularidades.(...) Como os algoritmos procedem, no sentido absoluto dotermo, isto é, descrevem processos e métodos através deconjuntos de caminhos, pode dizer-se que a sua razão écartográfica. Ao proceder passo a passo, mas à velocidade daluz, a simulação alcança aquilo que designávamos por razão”(Serres, 1997,p.18).

“Sentia um calmo mas inquisitivointeresse por tudo. Com um charutoentre os lábios e um jornal ao colo,divertira-me durante a maior parte datarde, ora espiando os anúncios, oraobservando a promíscua companhiareunida no salão, ora espreitando a ruaatravés das vidraças esfumaçadas.

Essa era uma das artérias principais dacidade e regurgitara de gente durante odia todo. Mas, ao aproximar-se oanoitecer, a multidão engrossou, e,quando as lâmpadas se acenderam, duasdensas e contínuas ondas de passantesdesfilavam pela porta. Naquele momentoparticular do entardecer, eu nunca meencontrara em situação similar, e, porisso, o mar tumultuoso de cabeçashumanas enchia-me de uma emoçãodeliciosamente inédita. Desistifinalmente de prestar atenção ao que sepassava dentro do hotel e absorvi-me nacontemplação da cena exterior.

De início, minha observação assumiu umaspecto abstrato e generalizante. Olhavaos transeuntes em massa e os encaravasob o aspecto de suas relações gregárias.Logo, no entanto, desci aos pormenores ecomecei a observar, com minuciosointeresse, as inúmeras variedades defigura, traje, ar, porte, semblante eexpressão fisionômica.” O homem damultidão (Poe, 1989, p.130-1)

Em reportagem do jornal Folha de São Paulo (1999, 13out.), apresentou-se teste realizado em Londres comcâmeras de vídeo ligadas a computadores capazes deidentificar criminosos fichados. Simulando o mesmoprocesso de reconhecimento facial do cérebro, o sistemareconhece até pessoas disfarçadas, ao capturar a imagemdo rosto e compará-lo, rapidamente, com um banco dedados de milhares de outros. O processo ainda leva emconta que os rostos diferem de momento a momento ecom o passar dos anos.

Os algoritmos e o rápido processamento de dados têmsido instrumento de organização e controle de fluxoscaógenos – de organicidades.

Folha de São Paulo (13/10/1999)

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existência / razão

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(in: Salles, 1994, p.84)“Tempo Livre”Pavilhão do Brasil: RIPOSATEVIXIII Trienal de Milão, 1964.Projeto de Lúcio Costa

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“Uma homem americano parado em sua roupa de linhas retas – calçase paletó e até mesmo com cartola – muito se assemelha a um arranha-céu. O indígena escolhe para tanga a palha que cobre a taba. O árabe,esse, se veste com a forma de uma tenda. A japonesa carrega nasmangas do vestido formas semelhantes a beirais de seus telhados. Éque o homem, na rua, psicologicamente, quer se sentir protegido. É,também, que a arquitetura sempre foi um marco – monumento vivo –ao tempo que o homem habita.” (Dias-Pino, 1973)

Imagens do catálo da exposição “Elogio ao A//a” de Wlademir Dias-Pino (Brasília, 1993)

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escrita urbana 1

O contexto urbano realiza um universo de significados ondetudo é signo, é linguagem. A linguagem urbana é múltipla ecomplexa, formada de uma diversidade de sistemas, atravésdos quais se organiza. Toda ordem exige o estabelecimentode seus elementos constitutivos através dos quais se ordenauma linguagem que articule a dinâmica de estruturascontextualizadas. Tais linguagens representam maneirasespecíficas de organização. Mas a ordem projetual não éabsoluta, imutável. As variáveis sígnicas não são totalmentepassíveis de processamento e escapam ao controle e àlegitimidade. Seus usos, sua dinâmica, expandem eredirecionam o sentido objetual do ambiente urbano.Implicam na transformação do significado da cidade.

A cidade, assim como a escrita-leitura, é atividade de troca ede relação (produção, recepção). Ela se caracteriza como umregistro material de sua própria história, expresso nosvestígios de sua existência. Surge no momento em que ohomem se sedentariza, se fixa num ponto e delimita seuterritório criando uma estrutura racional e abstrata. Ohomem fabrica, constrói uma nova natureza e quer, com aperenidade de seus materiais, garantir o domínio de umapropriedade. Com a presença dos monumentos geraçõessucessivas recordam acontecimentos e fixam contratos comos deuses e com os seus mortos.

Na sociedade primitiva as mudanças eram lentas e as formasderivavam da estrutura social, praticamente sem mediação.Esse imediatismo deixaria de existir em vista dacomplexidade. As estruturas transformam-se com o tempo,conhecendo mudanças relativas de valor. A forma, a cadatempo, ganha funções múltiplas, novos atributos. Ossignificados de um tempo se interceptam com os do presente,numa rede de significados móveis. Os traçados da cidadecontêm experiências daqueles que a construíram o que“requer a leitura do passado dos signos, percorrer a históriadas relações do homem com o mundo a fim de apreender asnuances das mediações produzidas e ser possível produziruma inteligibilidade do mundo” (Ferrara, 2002, p.38).

A cidade renascentista enquadrava-se na lógica do mundomecânico, da perspectiva, constituindo um discursohomogêneo e ininterrupto: cada elemento correspondendo aum universo coerente que ansiava garantir ao homem odomínio da natureza. De certo modo, os projetos urbanísticosmodernos seguiam uma lógica não muito distante dopensamento renascentista, considerando-se oantropocentrismo do Modulor. Pensava-se a cidade industrialà escala humana. A forma da cidade deveria corresponderprecisamente a sua função. O projeto deveria eliminar todasas contradições. Pela projeção desejada a forma fluiria numespaço de continuidades, o espaço da civilização e o espaço danatureza, o ambiente interior e exterior formariam um únicobloco. Mas o traço sobre o papel, a projeção do arquiteto, não

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S o b r E s c r i t a

dá conta da dinâmica do espaço habitado e de seus fluxosincontroláveis. O desenvolvimento industrial, necessitado degrande contingente de mão de obra, ocasionaria a explosãourbana colocando como referente as massas. A formação dasgrandes metrópoles rompe com a possibilidade de uma cadeiapretensamente bem atada. Este era um dos embates domodernismo, o ideal de uma sintaxe relacional ordenadora docaos em espaços urbanos de forças e ocorrênciasdescontínuas. O todo já não é apreensível, resta apenas comouma abstração. A velocidade da máquina, a multidão, a rápidaconvergência de imagens em mudança modificariam asensibilidade humana. Não é mais um mundo inteligível porum mapa bem delineado, pela perspectiva linear ou pelaseqüência regulada do tempo. Os gestos bruscos, asubstituição rápida dos estímulos, a simultaneidade deexperiências, o conflito entre coleção e integração, ordem econtra-ordem, proporcionavam um ambiente abarrotado,caótico como jamais havia sido visto no passado. O nexosintático da tradição clássica perderia seu eixo estruturalexposto à fragmentação e a dialética das imagens urbanas,que exigiriam ações simultâneas sobre o símbolo e a técnicae, uma nova gramática que ultrapassasse o sistema mecânicode organização do espaço.

Houve na metrópole moderna um súbito crescimento docorpo informacional e de experiências sensoriais.Informações de difícil apreensão, difusas e desorganizadasque sugerem grande riqueza informativa, mas de difícilapreensão. A palavra escrita, a partir do século XIX, já não serestringiria mais ao fluxo narrativo linear do livro. Ela sefaria presente nas ruas, fragmentada e iconizada em cartazes,letreiros, em livres associações desprovidas de uma narrativalógico-discursiva. Mas o texto urbano não se constituisomente de palavras, mas de uma diversidade de elementos(visuais, sonoros, olfativos, táteis e cinestésicos),proporcionando um permanente bombardeio de estímulosmultisensoriais. Neste ambiente há a articulação de linguagensheterogêneas imbricadas umas às outras, num complexo designificações. Jonathan Crary afirma que os estímulos surgidosna modernidade tornariam a atenção o elemento mais vital,ainda que pouco provável, pois “a atenção sempre conteve emsi as condições para sua própria desintegração” desse modo “aatenção e a distração não eram dois estados essencialmentediferentes, mas existiam num único continuum” (In: Charney;Schwartz, 2001, p. 87). A atenção envolvia um processodinâmico e estaria sujeita a intensidades variáveis de acordocom o os estímulos dados por um conjunto indeterminado deelementos. Tais estudos indicaram que a experiência perceptivaera instável e mesmo dispersiva. “A atenção parecia estarrelacionada à fixidez perceptiva e à apreensão da presença, masestava, ao contrário, relacionada à duração e ao fluxo, nosquais objetos e sensação tinham uma experiência mutante,provisória, e era isso em última instância que obliterava seusobjetos” (Ibid, p. 88).

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E s c r i t a U r b a n a

vitrine

Atraindo voyeuristicamente o passante, os objetos expostosna vitrine são desfrutados a distância, perversamente.

As vitrines são um dos elementos de maior poder desedução no espaço urbano. O produto ali exposto surgenum espaço virtual quase metafísico, que o deixa emposição intermediária, nem dentro da loja nem na rua.Entre o objeto e a rua uma parede invisível, o vidro.Translúcido, como fosse uma barreira de ar congelado, ovidro permite ver o objeto, mas não tocá-lo. A vitrinefascina e seduz. Castrados pela impossibilidade momentâneade efetivar a posse, dá-se o impasse descrito em nota porMarcel Duchamp.

“A questão das vitrines. Submeter-se à interrogação dasvitrines. A exigência das vitrines. A prova da vitrine daexistência do mundo exterior. Quando alguém se submeteao exame da vitrine, este alguém pronuncia também suaprópria sentença. De fato, a escolha desse alguém é umaviagem de ida e volta. Das exigências da vitrine, dainevitável resposta às vitrines, minha escolha édeterminada. Nenhuma teimosia, ab absurdo, em escondero coito através do painel de vidro com um ou vários objetosda vitrine. A pena consiste em cortar o painel e sentirremorso tão logo a possessão é consumada.” (Apud,Venâncio Filho, 1986, p.22)

À vitrine, como à publicidade, só interessa quando se age noprimeiro impulso, sem que os anseios sejam saciados.Procura-se, como estratégia, manter-se sempre, o desejo deconsumo e a frustração.

Em caso comum, a frente da loja é ocupada na maior partepela vitrine e a entrada é mantida fechada por uma portade vidro. Evita-se que a parte interna da loja fiquedevassada, a barreira é proposital e espera ser rompida.Com a luz do dia a arquitetura e o movimento da ruarefletem sobre o vidro, que parece engolfar o espaço.Deslocando-se diante da vitrine tem-se a sensação que oobjeto também se move ocupando planos diferentes. Ànoite, com pouca luz, tem-se a pupila dilatada econseqüentemente a visão das coisas desfocada. A vitrineiluminada possibilita recuperar o foco justamente ao seolhar o objeto exposto, que nítido, ganha aura.

Foto de loja e pintura de Don Eddy, 1973-4(In. Demetresco, 2001, p. 81)

Manuscrito de Guilherme de Almeida (In. Op. Cit., p. 73)

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livro livre

No século XIX, os sistemas se fecham sobre ele mesmo. OUniverso irá se encaminhar em direção ao esgotamento, “amorte térmica, Zero” (Benoit, 1998, p. 381). Se de uma parteele se dirige ao esgotamento entrópico, se verá também surgirestruturas complexas, neg-entrópicas, subvertendo todaprobabilidade. Os eventos neg-entrópicos procuram compensara entropia global por localidades de alto nível de organização ede complexidade, e de grande improbabilidade (a vida, opensamento, a palavra, etc.).

Constelação é uma expressão recorrente na obra de Mallarmé,que sempre perseguiu uma correlação entre poesia e Universo.Ele designa aos seus poemas constelares uma pureza justapostaà concepção do Universo. Seu projeto mais radical Livre, querestou em notas, é resultado de diversas de suas reflexões deMallarmé acerca da escrita. Tal questão aparece influenciadapela abundância de escritas que então saltavam do livro etomavam as ruas. Letreiros, jornais, cartazes, palavrasesgarçadas nas beiradas e interpoladas umas às outras. Alinguagem é a da velocidade, do simultâneo, do anárquico. Omundo já não se deixava imprimir sob a forma tradicional dolivro.

Mallarmé era “um syntaxier” na definição de Haroldo deCampos (1997, p. 260), ele subverte a sintaxe, para propor umasintaxe relacional. “O livro, expansão total da letra, devediretamente dela retirar uma mobilidade e, espacialmente, porcorrespondências, instituir um jogo, nunca se sabe, queconfirma a ficção” (Mallarmé, 1994, p. 269). Ao conceber opoema como uma constelação, o poeta o retira do planobidimensional (temporístico-linear) para lançá-lo ao espaçoquadridimensional (cósmico). Organiza o espaçoestereograficamente, fragmenta o texto, toma as palavras comoelementos potenciais, como feixe radiante de significados.Mallarmé insere as frases numa ordem de movimento, desincronismos, de interjeições onde a palavra é contextualizadaindefinidamente. Concebe um espaço de reversibilidades, noqual figuras radiantes podem passar a ser vistas como orifíciosrompendo o limite do espaço. Um jogo que movimenta-se aoinfinito.

O Livre propõe a total mobilidade e correspondência doselementos que o integram. Composto de quatro livros quepodem ser ordenados dois a dois formando no todo um quinto,o livro total. Cada livro é subdividido em cinco volumes, quecomportam três grupos de oito folhas cada um. Mesmo asfolhas são subdivididas – ½ folha, ¼ de folha, 18 linhas dedoze palavras. Com isso chega-se a exaustivas combinaçõesseguindo uma paginação tridimensional. As páginasintercambiáveis proporcionam múltiplas estruturas e múltiplasleituras possíveis. Um livro múltiplo, não comportandonenhum signatário. Em o Livre, Mallarmé visava concretizar oideal de uma obra de arte total, desestabilizando,definitivamente, a estrutura linear e discursiva. Soltando aspáginas, deixando-as à mercê da casualidade, Mallarméintensifica o movimento. O Livre é decomposto em lâminas,fotogramas intercambiáveis a serem ainda dobrados edesdobrados. A palavra torna-se holográfica, prismática, um

“1) a ciência, a arte não têm limites,porque o que se conhece é ilimitado,inumerável, e a ilimitação e ainumerabilidade são iguais a zero. 2) Seas criações do mundo são os caminhos dedeus e ‘seus caminhos são inescrutáveis’,tanto ele como seus caminhos são iguaisa zero. 3) Se o mundo é a criação daciência, do conhecimento e do trabalho, esua criação é infinita, então é igual azero. 4) Se a religião conheceu deus,compreendeu o zero. 4) Se a ciênciacompreendeu a natureza, compreendeu ozero. 6) Se a arte compreendeu a harmo-nia, o ritmo e a beleza, compreendeu ozero. 7) Se alguém compreendeu oabsoluto, compreendeu o zero. 8) Não háde ser em mim nem fora de mim;ninguém, nada pode mudar a si mesmo,e nada que possa ser mudado”(Malevich,Apud, Argan, 1992, p.672).

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Cada livro é subdividido em cinco volumesintercambiáveis.

O Livro é composto de quatro livros quepodem ser ordenados dois a dois formandono todo um quinto, o livro total.

Cada volume comporta três grupos de oito folhas cada um, que podem ser organizadas e lidas de diversas maneiras.

Cada folha pode ser subdivida em ½ folha e ¼ de folha, ou aindaem 18 linhas de doze palavras.

Uma paginação tridimensional vertical seefetua folha a folha na extensão doparalelepípedo construído pelasuperposição dos cinco livros formando olivro total.

objeto metafórico a ser definido e contextualizadoindefinidamente. Há a contínua modificação de relações entreos elementos sincrônicos. Parte(s) inteira da totalidade.Mallarmé visa então a dinâmica do bloco formado pelassuperposições. Tombeau, coffret e bloc; são três imagensutilizadas por Mallarmé quando se referindo ao Livre. Umcubo – linha, superfície e volume – que é exploradosistematicamente em suas proporções, em todas suas possíveisrelações, em todos os possíveis pontos de vista. A forma cúbicado livro, colocada em órbita, provoca o colapso da estabilidadeda superfície bidimensional e da própria sintaxe. Esse espaçoinstável mantém o leitor em zonas de transição, de ressonância,por onde se navega sem uma direção específica. Dissolve-se ovolume e fragmenta-se o espaço.

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Camara, São Luís, 2001

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A cidade surgida do excedente da produção agrícola econseqüentemente da necessidade de organização social ede gestão da produção coletiva, acabaria por gerar todotipo de excedente. O território de organização socialperderia seu padrão funcional. Já no século XIX descreve-se os habitantes de East End em Londres como aquelesque levavam “uma vida selvagem, sujeita a vicissitudes deextrema dureza e excesso ocasional” (Booth, apud, Hall,1995, p. 31). A cidade muitas vezes descrita como um imãjá não era mais capaz de exibir um padrão – ou umaforma – que articulasse e contivesse satisfatoriamentetodos os elementos que atraia para si. O planejamentourbano do século XX teria origem na reação da classemédia ao submundo urbano. A crescente complexidade dosproblemas abriria espaço para formulações radicais de umnovo urbanismo que pela premissa consideravam ascidades já existentes inadequadas pra a nova configuraçãoindustrial-urbana. Le Corbusier seria o nome central, seuPlan Voisin de 1925 se realizado envolveria a derrubadade boa parte de Paris. O plano ideal era uma cidadeabsolutamente geométrica, construída sobre um terrenolimpo, onde cada unidade funcionasse como uma máquinaseja ela de morar ou de produzir.

As postulações construtivas sobre o problema pretendiama designação precisa do objeto e sua dinâmica, a partir daprojeção e do agenciamento do espaço. Investiu-se sobre aracionalização do uso de elementos purificados e emestado primário de modo a funcionar como geratrizes,visando maior controle estatístico de suas resultantes. Aconstrução objetiva do espaço obedecia princípios deuniformidade e concisão. O método consistia emsubdividir a superfície em unidades-padrão para que sepudesse variar as diversas áreas com precisão, em termosde organização e relatividade. A redução/teorização doesquema objetivava o controle da totalidade do sistema e asimplicidade resultante. Buscava-se o dimensionamentoharmonioso do espaço construído como num quadro, noqual todos os elementos deveriam estar incorporados noprojeto para que se identificasse sem ambigüidade asfunções abrigadas pela arquitetura. As cidades projetadassob a perspectiva industrial enfatizaram a cadeiaseqüencial e a otimização do espaço pela eficácia eeconomia de tempo. Define-se cada coisa em seu lugar,num universo harmonioso e inteligível. Com issopretendia-se conter o signo informacional multiforme,redundante, perecíveis, ou seja, toda poluição visual quepudesse ser gerada anarquicamente e superposta àarquitetura.

A concepção racionalista do modernismo tomaria comofunção hegemônica a produção industrial e, a partir, destadeterminaria seu desenvolvimento. A cidade era pensada“não mais como um lugar onde se mora, mas como uma

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máquina que deve realizar uma função”(Argan, 1993,p.230). Tratava-se de objetivar a construção do espaço,determinando sua subdivisão e sua progressão, e nele ohomem empenha-se em torno da produção.

Como projeto urbano propunha-se a relação dialética dosdiversos conteúdos de uma cidade, organizando o sistemade modo a chegar numa resultante. Entretanto, aresultante “não é um quadro estatístico nem arepresentação sintética de uma situação social de fato; éum programa, um plano, um projeto tendo em vista amudança de uma situação de fato reconhecida comoinsatisfatória. Trata-se, porém, de saber o que e com quefim se programa, se planeja, se projeta”(Ibid., p. 212). Oprojeto, deste modo, oscila entre uma pretensa hegemonia,de natureza ideológica, e a contínua transformação edeslizamentos dos sistemas de signos, não passíveis deprocessamento.

Almejava-se o controle do excesso de estímulos da vidaindustrial/urbana através da fundamentação eharmonização da realidade cotidiana com todas as suasconcentrações de valores. O racionalismo formal, porquerer redesenhar o mundo segundo seus própriospreceitos, foi freqüentemente levado a uma estéticacartesiana, de concepção tecnocrática e programadora daidentidade cultural. O que se constata é que esteracionalismo, maquinizador da vida, não veio a asseguraro bem-estar. O industrialismo não transformou asociedade classista numa sociedade horizontal, sem classese nem logrou em privilegiar funções sociais. Sobre o idealurbanístico do construtivismo escreveu Argan:

“A cidade industrial da urbanística construtivista era como umtabuleiro de damas no qual as pessoas se moviam segundo itineráriosobrigatórios e tempos pré-calculados, uma cidade cuja estrutura eracomo um quadro de Mondrian. Porém o mesmo Mondrian, em seuúltimo período norte-americano, se deu conta de que erautópica”(Ibid, p. 262).

O impacto sofrido por Mondrian frente à mega-cidade deNova York fez ruir fio preto o perfeito equilíbrio dasescalas para comunicar um mundo inteiramente de cores,prismático. Já não era um mundo de fachadas, janelas ouambientes cuidadosamente modulados, mas visto do altodo Empire States ou de grandes Boulevares com suaarquitetura/signo (prédios/letreiros). Não se trata de umespaço ritmado, mas do ritmo trazido para o interior dalinha pelas cores, multiplicando as vibrações no interiordo quadro e decompondo o espaço. A (pré)concepção daestrutura (urbana) é abandonada, sendo esta entãoentendida como um sistema dinâmico (in)definido pelasrelações dialéticas. Observe que neste momento Mondrianpassa a usar fitas adesivas, pedaços de papel ou pincela os

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pequenos retângulos sem regularidade e acabamento. Comisso compõe indefinidamente os pequenos retângulos queeventualmente se sobrepõem formando zonas nucleares eevidenciando os deslocamentos em perspectiva doscontrastes cromáticos. Abandonando a unidade estruturala pintura de Mondrian ganha caráter operatório que, pordefinir, permanece inacabada.

Os funcionalistas pretendiam apreender a realidade pelatotalidade, sendo as partes especificidades funcionaissomente entendidas através do todo. Procurava-sedesignar às formas o seu papel funcional. Não foi poracaso que Malevich foi deixado de lado pelosconstrutivistas. O intento da arte construtiva, ou maisespecificamente da arte concreta, foi o domínio de todaaproximação fenomenológica para transformá-las emresultantes experimentais objetivas, enquanto Malevichvoltou-se a uma atitude exploratória do espectador sobreo objeto, considerando ser nas ações experimentais defruição sujeito/objeto que o objeto ganha significação. Oartista definiu o Suprematismo como “a supremacia dosentimento puro na arte”(Apud, Chipp, 1988, p. 345),sendo que “a sensação é sempre não-objetiva” e assim, dizMalevich, “qualquer tentativa de se reconhecer a utilidadede um objeto é utopia” (Ibid, p. 350). Entende o artistaque a pré-concepção de um objeto utilitário é inviável,pois sempre leva a confinação do sentimento. A existênciado signo depende do uso, da ação, da leitura do espectador– que confere expressividade e significação aos detalhessignificativos. Os deslocamentos táteis se fazem pelaintegração sensorial do corpo/signo. Em atitude radical apintura de Malevich elimina a representação do objetopropondo como experiência a “pura ausência de objetos”,levando assim a sua pintura ao grau zero, o Quadradobranco sobre fundo branco, expressão do ilimitado e doabsoluto.

O branco é, ao mesmo tempo, o vazio e o pleno, a puraaparência, o momento mais intenso do espectro. O brancoé opaco (Wittgenstein, 1996, 17, p. 19), não se deixaatravessar. Malevich rompe com a paisagem, diante douniverso de velocidades, extremamente visível ediferenciado, saturado de elementos midiáticos. Por umlado, a visibilidade extrema, o excesso de contrastes leva àcegueira e acaba por conduzir ao refugio nos lugaresevidentes, no que já está precisamente definido econceituado, deixando-se escapar a sutil luminescência dascoisas e suas infinitas variáveis. Por outro, essa sutildiferença, o branco sobre o branco, contém qualquerpossibilidade de experiência, para o qual na maioria dasvezes se é míope. A floresta suscita, ao homem urbano, avisão de uma misteriosa mancha verde, vaga e contínua,dada a incapacidade de distinguir suas infinitas texturas.Kevin Lynch (1997) demonstra como povos que vivem em

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paisagens “indiferenciadas” são capazes de perceber econferir significado aos detalhes significativos. “Osaleutas não têm nomes nativos para os grandeselementos verticais de sua paisagem: cordilheiras, picos,vulcões, e demais coisas do gênero. Contudo, até a menordas características horizontais por onde corre a água –riacho, regato ou tanque – tinha seu próprio nome” (Ibid,p. 150). Os povos nômades consideram vitais oselementos de deslocamento. Em meio à paisagem geladade brancos, “sem rastros”, desenvolveram umacartografia própria. Guiam-se, por exemplo, pelas tênuesvariantes de coloração das nuvens que indicam, pelareflexão, a presença de terra ou de água, possibilitando-lhes saber o que se encontra abaixo da linha dohorizonte. As cidades, por sua vez, são tradicionalmentepensadas em termos de fronteiras, com estruturascuidadosamente lapidadas para que através delasprismem as cores de vida. Revelam, porém, um universode conhecimentos para além do que lhes foi destinado,ultra e intra cromático, acima e abaixo do campo visível,escondido num canto qualquer daquilo que existe e quenão se deixa imprimir sob forma de um mapa.

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weingart

O tipógrafo suíço WolfgangWeingart, seguindo a tradiçãoconstrutiva na tipografia,retomaria, nos anos sessenta, aobservação sobre a arquiteturaclássica. Mas, desta vez, ele nãoiria buscar a precisa harmoniaestrutural destas construções esua simplificação final em linhas horizontais e verticais. Ele abandonao conceito dado a essas obras e, lança um olhar especulativo sobre asuperfície, observando suas desfigurações, suas pequenas modulações,suas texturas. O interesse se volta ao estado de ruína, aos fragmentosresultantes das diversas ações do tempo.

Weingart investigava a passagem da composição mecânica àfotocomposição, da impressão tipográfica (relevo) ao offset (plana). Atipografia caracteriza-se pelo espaçamento fixo, pelo absoluto controleda disposição dos elementos e pela regularidade dos tipos, já o offsetpela possibilidade, em função da planificação de todos os elementosque integram a página, de uma de interação complexa e plástica entretexto e imagem. No offset a imagem é dissolvida em reticulas erecomposta por interpolações dos pontos. Não por acaso as paisagenstraduzidas por Weingart em tipografia são templos e cidades emprocesso de dissolução, ou os espaços pueris dos desertos, que semovimentam a cada lufada de vento.

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franklinstein

“(...) passei-lhe (a Franklin Horylka) o problema do alfabeto vertical,que há anos me atraía e preocupava: criado para a articulação e aarquitetura horizontais, o alfabeto tipográfico, com ou sem serifa,funcionava mal na formação vertical, especialmente com mais de seisou sete dígitos-letras, e piormente em caixa baixa. Eu não estavainteressado na funcionalidade da tradição mecânica e sua fantasísticaconversão eletrônica, instaurava-se uma nova diversidade, barroca,bem americanizada.

(...) como foi que, durante tantos anos, por alçapões e escápulasrenitentes, ocupei-me desse problema do alfabeto vertical, como se elefosse, não digo central e nuclear, mas importante em pertinência parao design visual e gráfico da cidade? Como não suspeitar, ao menos, quea questão poderia ter sofrido um certo processo de senilização ao longode minhas preocupações e ocupações e quanto parecia claro que acidade estava à beira de uma convulsão eletrônica produzida do alto,pelos engenhos exploratórios e informacionais enviados ao espaço?Alfabeto vertical, problemática bizarra condenada aos labirínticosbastidores maneirístico e alienados de pseudo-investigaçõescientíficas?...

(...) livrei-me da óbvia normalidade do signo discreto e singular, aletra, passei a pensar em agrupamentos de letras, sílabas. Com oproblema-solução nas mãos, Frank me veio me veio com uma criaçãosurpreendente, na qual fundia as caixas alta e baixa e articulavaduplamente o jogo ortogonal vertical/horizontal.

(...) um que outro ponto duvidoso, com algo de art déco, que tantofunciona na vertical como na horizontal, que monta palavras comototens que o olho apalpa, que parece transformar todas as palavras empoemas – e que não facilita a leitura! Este alfabeto que batizo deFranklinstein (...)”(Pignatari, 2000, p. 103-5).Poema de Décio Pignatari, 1975

Franklin Horylka, Alfabeto Vertical

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Camara, Rio de Janeiro, 2003.

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Diante da ausência do destino entra em crise a própriaidéia de projeto (este entendido como antecipação).Segundo Argan esta crise “manifesta-se como umadivergência crescente entre programação e projeto”,sendo a programação a “preordenação calculada e quasemecânica” que “tende não mais a preceder o projeto, masa substituí-lo como procura de soluções dialéticas para ascontradições que se vão determinando sucessivamente nasociedade” e, o projeto “um processo integrado numaconcepção do desenvolvimento da sociedade como devirhistórico”. A crise de um esquema de vida projetadaseria, para Argan, a própria crise da cultura, na qual ohomem dimensiona sua existência e, segundo ele aprogramação retiraria “dos indivíduos toda escolha edecisão, conferindo-as ao poder. E, como tende àrepressão até mesmo violenta de qualquer contradição aoseu sistema, nega à sociedade toda forma de existênciahistórica” (Argan, 1993, p. 251).

A crise do projeto moderno deveu-se à imposição de umaidentidade cultural e à excessiva padronização do objeto.Nas cidades ditas artificiais, aquelas criadas porplanejadores, a produção de espaço não ocorre demaneira socializada, ou seja, não deriva do trabalhoindividualizado. Este seria o caráter essencial da formade vida do homem, a criação do espaço geográfico emprocesso, em ação, por acumulações de experiências,ainda que os pequenos grupos de ação não se apercebamdo grande complexo do sistema. Esse caráter progressivoe dinâmico da relação do homem com o ambiente, emque vai se incorporando diferentes feições em diferentesmomentos históricos é que fazem a cidade adquirirtextura de vida. Esta textura seria característica dascidades denominadas por Christopher Alexander comonaturais. Seriam estas as cidades que nasceram‘espontaneamente’, resultado de uma série de heranças,durante anos e anos, e, por isso, muito mais complexas,pois seriam mais culturalizadas, mais humanizadas e,também, mais artificializadas, visto que as formasculturais serão sempre artificiais, pois são formasimpostas à natureza. (Santos, 1997b, p. 89). Aconstatação de tais fatos levaria os urbanistas juntamentecom teóricos de diversas áreas a mudarem radicalmente aestratégia de ação a partir dos anos 60 e 70. Ao invés doespaço homogêneo dos modernos, passou-se a propor areabilitação dos bairros, a valorização do contexto, semdemolições e sem violentar os moradores ou a memóriada cidade.

A cidade antes pensada pela racionalização do espaço(subdivisão, expansão, distribuição), passa a ser proposta,nos anos setenta, como um sistema de serviços e deinformação. O arquiteto Robert Venturi já identificariaem Las Vegas uma arquitetura de signos a que ele se

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referia como anti-espacial, uma arquitetura decomunicação e não de espaço. O próprio edifício já é oanuncio. A publicidade está em toda parte, circulante econectada entre si. Estabelecia-se a lógica de mercado, naqual realidade e representação deixam de ser categoriasestanques. Nos anos sessenta a promessa de liberdadeabrigaria as minorias e a diversidade, desabrochando emmovimentos como as revoluções sexual e feminina, opop, o rock etc. Tomou-se como mote a individualidade,contraditória aos projetos comuns.

Hoje, a revolução da informação atinge diretamente asconfigurações geométricas e estilhaça a cadeia linear,introduzindo a lógica da simultaneidade, no qual tudo épercebido ao mesmo tempo, num processo sem princípionem fim. As imagens visuais e auditivas que se dissipamnum mínimo gesto, criando a precipitação do tempo, dosmundos virtuais e provocando uma saturação dapercepção no limite do intolerável. As formas deixam deter um papel exclusivamente funcional e ganham funçãode marketing. “(...) nascem já prenhes de simbolismo, derepresentatividade, de uma intencionalidade destinadas aimpor a idéia de um conteúdo e de um valor que, emrealidade, elas não têm. Seu significado é deformado pelasua aparência” (Santos, 1997a, p. 41).

As medidas de ordem – econômica, políticas, militares,etc. – são transformadas pelo paradigma informacional.Os fluxos financeiros flutuantes se confundem com osfluxos de bens, imagens e pessoas no mercado, que sãoapropriados e consumidos através das mídias. A distânciaentre os pontos se reduz a zero, em função do acessoimediato e instantâneo. O campo deixa de ser distinguidopor unidades espaciais, e passa a ser compreendido pelacapacidade de integrar os sistemas dinâmicos dearticulação – pelos movimentos e suas direções. As novasformas de consumo globalizado ocorrem à revelia dalocalidade, articulado pelos meios de comunicação. Oconsumo a domicílio e o crescimento das comunidadesvirtuais, que se movem independente de uma rederodoviária, têm como conseqüência o esvaziamento dosespaços públicos e a degradação dos territórios urbanos,hoje considerados lentos, inseguros e catastróficos.

Entretanto, o desenvolvimento de fontes informacionaisem rede não tornou indiferente viver na cidade ou nocampo como se chegou a acreditar. As cidades aindamantêm-se como força atrativa (e dissipativa) dediversos valores. Os mapeamentos simbólicos urbanosproduzem os contornos de diferenciação. Processa asconstruções simbólicas do imaginário popular. Ésobretudo nas grandes metrópoles, que põe-se emcirculação as novas modalidades de consumo, comalguma particularidade regional que o mercado sempre

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procura. A cultura mundial integrada desenvolve tantohibridização como a homogeneização.

Os grandes pólos passam a ser resultantes não só dodesenvolvimento econômico, mas também dos valoresque eles sedimentam. A cidade se caracteriza não maiscomo um núcleo duro de produção, mas pelo valor deuso. Ela deve ser imagética, promotora do eventoespetacular da cultura. Trata-se do cultural turn de quefala Otília Arantes (2000), na qual a cultura torna-separte decisiva da política, da economia, enfim, da imagemda cidade. Faz-se necessário a mega exposição, apromoção de eventos internacionais e midiáticos, aimplantação do Guggenheim, os grandes projetosarquitetônicos que se tornem imagem no mundo. Acultura virou a vedete, como previu nos anos sessentaGuy Debord, e isso colocaria o homem em alienação.Imputa-se ao homem a liberdade total do gozo de suaparticularidade e identidade, para a contrapartida dareprodução material do mundo globalizado. Celebra-se a“ideologia da diversidade”, estetiza-se o heterogêneo, oexótico. Nesse universo o homem decodifica e écodificado, lê e é lido, passa a ser (auto)observável. O‘homem comum’ pode ser um mero ‘vivenciador’ e nãoagente. Mas também pode se auto-explodir no meio deuma multidão e levá-la com ele. Os signos aos milhares,os mil alvos diferentes, os homens, chegando-se atéaquele mais insignificante para capturá-lo com umacâmera, planificá-lo, e em cadeia nacional multiplicá-loao infinito para depois se dizer, ele é o retrato dobrasileiro comum. Transforma-se o particular, oindivíduo em mercadoria. Não é um mundo desprovidode razão. A medida de ordem é transformar um conjuntode mensagens entrópicas, continuamente processadas, eminformação. De preferência, processar mensagensimprováveis, inesperadas, para que pela surpresa,produzam informação.

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o que faz juntar formigas? medida de dissolução.

Uma especulação sem dados: recentemente um prefeito da cidade doRio de Janeiro, tomou a iniciativa, zeloso que era da boa imagem dacidade, de eliminar certas concentrações de pessoas indesejadas. Todosos casos deveriam ser resolvidos democraticamente com o uso da lei,sem imposição da força policial.

Em um dos casos, grupos de Pitboys reuniam-se freqüentemente ànoite nos finais de semana em frente às lojas de conveniência nospostos de gasolina. Os grupos ali se encontravam e se preparavam paraa noite exibindo seus corpos sob a intensa e difusa luz fria, enquantoconsumiam um coquetel de energizante, cerveja e gasolina.

A medida de dissolução? Quebra de consistência – a retirada de umdos elementos da composição. O legalmente viável? A proibição devenda de cerveja em postos de gasolina. O argumento ao público?Incompatibilidade entre os elementos álcool e direção. O imperativopublicitário? Se beber não dirija, se dirigir não beba.

A medida mostrou-se (relativamente) eficiente até a primeira liminar.

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Camara, São Luís, 2001.

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No lugar da conclusão chega-se ao início da formulação,ao entranhamento verbal, vocal e visual. No caso, toma-sea palavra – grama – de som e imagem idênticos, massentidos e origens diversos. No mesmo vocábulo, outrosvocábulos. Dessa sugestiva ambiguidade a possibilidade deabertura.

O ponto de partida: a frase “é grama, é rizoma” deDeleuze e Guattari (1999, v. 1, p. 12).

Assim mesmo, ponto extraído não do texto original(chiendent), mas da tradução – grama – e dela trêspalavras homofonógrafas e algumas imagens:

1. grama er er er er ervvvvvaaaaa

2. grama pesopesopesopesopeso

3. grama gramáticagramáticagramáticagramáticagramática

ponto de partida

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1. grama er er er er ervvvvvaaaaa - - - - - do lat. gramina – S.f. erva, relva.

A relva que se estende indiferenciada para além dohorizonte. Indistinção que coloca o caboclo de cócorasimerso nos “elementos do cisco(...): gravetos, areia,cabelos, pregos, trapos, ramos secos, asas de mosca,grampos, cuspe de aves, etc.” (Barros, 2001, p. 11).

As trilhas abertas na superfície da grama revelando asincidências de percurso. Apagamentos por fricções natrama. Formação de signos e figuras.

Artificial xxxxx natural – A natureza pensada na modernidadecomo abominável, pois caótica, entrópica, incontrolável.Para Baudelaire “tudo quanto é belo é resultado da razão edo cálculo” (2002, p. 875). A virtude seria artificial.Submete-se a natureza à geometria elegante e encanta-seo olho pelas divisões harmônicas e pelos jogos decorrespondência entre o tempo e o espaço. Havia namodernidade o desejo de cidades projetadas de acordo coma escala humana, de regularidade matemática. Ou asemelhança articulada com a singularidade, ajustamentode um elemento com os elementos adjacentes, amultiplicidade reconciliada com a unidade global –modulação. Objetiva o projeto a apreensão imediata daestrutura na sua totalidade. A parte pelo todo.

Artificial eeeee natural – (ou pouco importa qual seja). Nacontemporaneidade a superdimensão das metrópolesfragmenta a superfície, interpola estruturas, dissolveformas, padrões, diferenciações e hierarquias. A metáforaevidente: selva de pedra. O signo da metrópole é o caos.Do alto uma textura a ser tateada. A visão do mundo emfragmentos desconexos é de uniformidade. Do chão aperda de referência espacial e de continuidade. A casa é ocorpo. A compreensão do espaço é resultante dacapacidade de abstrair e manipular a informação. Trata-sede uma série de operações mentais que consistem noreagrupamento de fragmentos, desdobramento do lugarprocurando constituir a figura. A unidade, a singularidadedo ser conhecidas, estatisticamente, pelo contorno doglobal. A imersão no texto (visual, sonora, tátil, verbaletc.) e sua leitura, a sustentar uma escrita, um núcleo designificados. Do caminhar no labirinto a noção de lugar. Aparte é o todo.

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2 grama peso peso peso peso peso - gr. Grámma - S. m. Fís. Unidade demedida de massa no sistema.

A letra contendo a totalidade da linguagem. O “livroexpansão total da letra” (Mallarmé). Na internet a página éo peso (Beiguelman). As diversas unidades discursivasletra/sílaba/palavra/frase e suas interposições. A unidadepoética, a linha, o ideograma. O livro espaço de dispersão ereunião. Uma certa totalidade.

A caracaracaracaracara e o rostorostorostorostorosto. Cara do grego Kara, ‘cabeça’. Tomadas deuma mesma espécie não se distingue a cabeça de um animalde outra, compreendidas como volumes com característicasgenéricas. Um desconhecido na multidão, um cara.Contudo, assinala Mcluhan, sobre o uso do ‘frio’ no lugardo ‘quente’, a gíria opera espelhamentos, reversibilidades desentido, é o caso de se chamar o ‘chapa’ de ‘cara’, ou seja,chama-se de cara um rosto íntimo. Da superfície de umrosto, dos seus traços e rugas individualiza-se um cara, mas“os rostos não são primeiramente individuais, eles definemzonas de freqüência ou de probabilidade, delimitam umcampo que neutraliza antecipadamente as expressões econexões rebeldes às significações conformes” (Deleuze;Guattari, 1999, v. 3, p. 32).

Russel expõe o dilema entre indivíduoindivíduoindivíduoindivíduoindivíduo e cidadãocidadãocidadãocidadãocidadão. Emprincípio, ele diz, o indivíduo, tal como as mônadas, devemespelhar o universo e harmonizar suas vontades com asvontades conflitantes. Os atos individuais são sempre anti-sociais, escreveu Artaud. “O indivíduo em si é auto-suficiente, ao passo que o cidadão está essencialmentecircunscrito por seus semelhantes” (Russell, 1978, p. 15). Ocidadão coopera e procura um objetivo já pronto paracooperar. O Estado deseja bons cidadãos (unívocos),temendo indivíduos (equívocos). Curiosamente sãopotencialmente estes, diz Russell, que introduzem as vias aserem seguidas pelos cidadãos.

Borges escreveu: a massa de oprimidos é apenas umaabstração. Só os indivíduos existem, se é que existe alguém.

Novamente a dicotomia entre o natural e o artificial. Oprimeiro é livre e espontâneo, o segundo envolve aconsciência, a hierarquização e a ordem. E é justamente adelimitação, a fusão e a dissociação alternada dos signos e, aeliminação do acaso que permitem conhecer o contorno dafigura – individualizar pelo global. O homem individualizae se faz indivíduo, não foi de outra forma que ele sedescolou da natureza.“Falamos exclusivamente disto: multiplicidade, linhas, estratos esegmentaridades, linhas de fuga e intensidades, agenciamentosmaquínicos e seus diferentes tipos, os corpos sem órgãos e suaconstrução, sua seleção, o plano de consistência, as unidades demedida em cada caso” (Deleuze; Guattari, op. cit., v. 1, p.12).

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3 grama gramática gramática gramática gramática gramática - el.comp. pospositivo, do gr.grámma, - anagrama,(...), caligrama, (...), criptograma,(...), diagrama (...) ver tb. – gramático.

A gramática em princípio se refere à regularidade, à formafísica, às determinações semânticas, ao que pode serexpresso através de sistemas de regras e de princípios.Permite que se dê a conhecer um pensamento particular,ou seja, que os homens se signifiquem. Possibilita aintersubjetividade, ou a subjetividade absoluta.

Para que se de conta de fenômenos confusos edesordenados, idealiza-se sistemas que dêem conta dasvariações em determinadas condições de vida. É o processode busca não do elemento estável, mas o transitório,aquele engendrado na medida em que se traça umatrajetória. Por um lado, aspira-se por modelosmatemáticos do universo, o que justifica isolar umelemento importante da estrutura do organismo. Poroutro essa grande estrutura se perde nos pormenores, nospontos obscuros que escapam para domínios nãodelimitados.

Espécie de diagrama da linguagem.

Diagrama de uma percepção que engloba e é englobadapelo mundo, abandonando a exclusividade de um ponto devista distanciado, do olhar déspota, mas também enlaçadono movimento das diversas cadeias semióticas. Diagramanão de repouso, mas de zonas de possibilidades. Odiagrama sugere uma infinitude.

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