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Esta comunicação procura situar géneros de investigação considerados menores, denominados de investigação participativa ou investigação-acção, dentro da corrente tradicional da ciência e analisa a validade epistemológica da pesquisa feita por professores sob registros das próprias classes, sob condição de que estes registros sejam contextualizados em apoios teóricos e objectivados pela crítica dos pares. É proposto que este tipo de pesquisa servirá a produção de conhecimento sobre desenvolvimento profissional de professores e eficiência do ensino. A reflexão apoia-se em exemplos de autores reconhecidos e referencia dois estudos de investigação participativa, um sobre aplicação de método de Paulo Freire, pensado para alfabetização de adultos, a uma turma de crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura, sob orientação da investigadora, e um segundo estudo sobre as críticas dos jovens à escola actual, realizado pelo investigador na escola em que trabalhava na época. Sugere-se que esta reflexão sobre a investigação acerca da própria actividade de terreno do investigador interessará também a outros profissionais do campo social que queiram problematizar e estudar a sua própria actividade profissional.

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Page 1: INVESTIGAÇÃO PARTICIPATIVA, UM GÉNERO MENOR?

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DUARTE, J. (2007) Investigação participativa, um género menor? In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

 

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de  Popper,  mais  conhecido  pela  sua  atenção  às  ciências  físico‐naturais,  um interesse  por  problemáticas  muito  próximas  das  propostas  pelos  seguidores  da investigação‐acção, pois este epistemólogo aí afirma:  

À semelhança de todas as outras ciências, também as ciências sociais são bem  ou ma  sucedidas  (...)  em  estreita  relação  com  a  importância  ou  o interesse  dos  problemas  em  causa  (...).  Tais  problemas  não  devem,  de modo algum, ser sempre de ordem  teórica. Alguns problemas graves, de ordem  prática,  como  o  problema  da  miséria,  do  analfabetismo,  da repressão política e da instabilidade legal, constituíram pontos de partida importantes para a investigação sociológica (p.72). 

Tal problemática tem clara analogia com a apresentada por Reason e Bradbury num  conhecido  manual  sobre  investigação‐acção  (2001)  quando  referem,  como dimensão política dessa investigação, a de “afirmar a importância de libertação das vozes  emudecidas  dos  oprimidos  pelas  estruturas  de  classe  e  pelo  neo‐colonialismo,  pela  pobreza,  sexismo,  racismo  e  homofobia”  (p.9).  Os  autores declaram ainda que a investigação‐acção “procura colocar em conjunto a acção e a reflexão, a teoria e a prática, em participação com outros, na procura de soluções práticas  para  problemas  de  natureza  premente  para  as  pessoas  e  mais genericamente  da  prosperidade  das  pessoas  individualmente  e  das  suas comunidades” (p1).   

Como  vimos,  Popper  aceita  a  investigação  de  problemas  práticos  ao  lado  dos problemas teóricos, mas, quanto à acção e reflexão, alguns autores insistem em que haverá  grandes  diferenças  da  investigação‐acção  em  relação  à  ciência  clássica, argumentando  que  a  investigação‐acção  funciona  em  processos  cíclicos,  onde  a mudança e a compreensão podem ser procuradas ao mesmo tempo, com a acção e a  reflexão  crítica  a  tomarem  lugar  alternadamente,  pois  a  reflexão  deve  rever  a acção anterior e planificar a acção seguinte.  

Ora  a  ciência  em  geral  não  parece  muito  diferente  na  visão  de  Popper  que declara: “O método das ciências naturais é a procura conscienciosa de erros e sua correcção através de críticas conscienciosas” (1992, p.39). E conclui:  “Idealmente tais críticas devem ser impessoais e dirigidas somente para as teorias ou hipóteses em questão”. Assim essa reflexão e as inflexões em qualquer momento da pesquisa devem  ser  confrontadas  com  novas  hipóteses  locais  mas  enquadrando‐se  em perspectivas teóricas mais vastas – o que parece aplicar‐se também à investigação‐acção na descrição evocada atrás com base nas propostas dos seus teorizadores. 

Mas  parece‐me  fundamental  a  dimensão  participativa  como  caracterização deste  tipo  de  pesquisa,  dimensão  acima  sublinhada  por  Reason  e  Bradbury,  e adiante  incluirei  razões  por  que  parece  preferível  a  designação  de  investigação participativa. Entre essas razões vejamos a apresentada por Falls‐Borda ao propor que,  nessa  investigação  (participatory  research,  no  original),  tanto  os investigadores como as pessoas investigadas são consideradas, não apenas clientes ou  objectos,  mas  como  “pessoas.  que‐.pensam‐e‐sentem  (sentipensantes),  cujas 

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diversas  visões  sobre  a  experiência  partilhada  da  vida  devem  ser  juntamente tomadas em conta” (2001. p.30). Como apoio, o autor evoca o Congresso Mundial de  Investigação  Acção  realizado  em  1977  na  Colômbia:  “a  investigação participativa  foi  então  definida  como  uma  vivência  necessária  à  realização  do progresso e da democracia, um complexo de atitudes e valores que dariam sentido à nossa praxis no terreno” (p.31) 

INVESTIGAÇÃO E PRÁTICA REFLEXIVA

Ao  discutir  a  integração  da  pesquisa  participativa  na  grande  corrente  da investigação, a presente comunicação procura particularmente analisar a validade epistemológica  da  pesquisa  feita  pelos  professores  sobre  o  registo  das  próprias aulas  (ou  de  outros  profissionais,  sobre  as  suas  práticas),  ao  serviço  da  sua identidade e profissionalidade e, também, da produção de saberes.  

Ora um autor ligado à epistemologia da “prática reflexiva”, Schön, diz que “não é suficiente  perguntar  aos  professores  o  que  fazem,  porque  entre  as  acções  e  as palavras  há  por  vezes  grandes  divergências”  (1992,  p.90).  E  conclui:  “Temos  de chegar ao que os professores fazem através da observação directa e registada”.  

Mas  outro  autor  ligado  também  à  corrente  da  “prática  reflexiva”,  Zeichner, menciona  vários  movimentos  envolvendo  professores  do  ensino  elementar  e secundário no estudo da sua prática e também uma crescente tradição de “estudo pessoal”  (self‐study)  em  instituições  de  ensino  superior  (2001,  p.276).  Estes estudos  focam  assim  o  “domínio  imediato  da  aula”  e  incluem,  entre  outras,  as seguintes  perguntas:  Como  posso  eu  promover  melhores  discussões  na  sala  de aula  e  ter  um  ensino mais  centrado  no  aluno”?  (...)  Oriento  as  minhas  aulas  de modo  a  que  os  estudantes  se  sintam  livres  para  exprimir  opiniões  diferentes  e mesmo discordar de mim? (p.277).  

Sublinhe‐se que esses estudos representam nos termos de Zeichner “a rejeição de um modo de desenvolvimento curricular baseado em normas ou objectivos” em favor de “uma mudança curricular como um processo dependente das capacidades de reflexão dos professores”, ou seja não uma mera “aplicação da teoria”, mas “uma geração  de  teoria  com  base  nas  tentativas  para  mudar  a  prática  curricular  nas escolas”  (p.275). O  autor  indica  como motivação  geral destes  estudos:  “entender melhor  e  melhorar  o  ensino  de  cada  um  e  os  contextos  em  que  o  ensino  é enquadrado” mas uma outra motivação  é  a de  “produzir  conhecimento que  será útil a outros”. O que nos leva à seguinte reflexão. 

Observação participante e observação participada  

A  observação  de  aulas  de  outros  professores  permite  um  “natural” distanciamento  dos  fenómenos,  necessário  à  análise.  Mas  a  reflexão  sobre  as próprias aulas, com base em mediações ou registos adequados, contém em maior 

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grau a  condição necessária  à  compreensão –  a participação – que na observação das aulas de outros é também necessária através da “observação participante”.  

Por  outras  palavras,  o  tipo  de  pesquisa  em  que  um  participante  se  torna observador  da  sua  própria  prática  põe  os  problemas  da  subjectividade  ou implicação.  Mas  essa  subjectividade  é  da  mesma  natureza,  quer  na  observação participante  mais  usual,  em  que  o  observador  se  torna  participante  para  poder compreender as situações, quer quando o interveniente se torna “observador” da sua  própria  actividade  através  de  registos  magnéticos.  Aqui  tratar‐se‐á  de observação participada,  na  terminologia  de Estrela  (1986,  p.36)  e  a  investigação poderá  incluir‐se  na  corrente  designada  por  pesquisa  participativa,  pela  própria participação dos sujeitos inquiridos, questão a que voltarei. No esquema seguinte alinham‐se essas e outras vantagens e desvantagens dos dois tipos de pesquisa: 

 

A observação da actividade de outros  O registo/análise da  própria actividade 

‐ tem de ser participante para que haja  compreensão; 

‐  permite  um  maior  distanciamento,  necessário à análise; 

‐  provoca uma menor “naturalidade”  

 

‐ contém em maior grau a condição ne‐ cessária à compreensão,  a  participação; 

‐ implica menor distanciamento, compen‐sável com quadros teóricos e registos que permitam a crítica dos leitores; 

‐ permite maior “naturalidade” 

Como se depreende, a grande desvantagem da análise dos  registos da própria actividade  é  a  de  um  menor  distanciamento,  que  leva  essa  análise  a  poder  ser apontada como “justificação daquilo que cada um faz”. Mas essa desvantagem pode ser  contrariada,  por  um  lado,  pelos  quadros  teóricos  que  contextualizam  e problematizam  a  situação  analisada  e,  por  outro  lado,  pela  cooperação  que  os pares  ou  leitores  podem  fazer  na  análise  desses  registos.  E  num  trabalho académico  esse  “par”  ou  “leitor”  é  o  orientador,  cuja  crítica  constitui  um fundamental  momento  de  objectivação  da  análise  feita  pelo  professor‐investigador.  

Sistematizando as diferentes exigências para um trabalho sobre a própria aula, adaptemos uma proposta de Peyronie (1992, p.68): 

Dimensões  da  implicação:  interrogação  sobre  as  dimensões  sociais, relacionais e afectivas em jogo. 

Referências  teóricas:  apoio  na  contextualização  dos  problemas,  na construção de hipóteses e na leitura dos dados. 

Mediações:  registo­transcrição  dos  diálogos  da  aula  e  portfolio  das produções escritas, a permitir distanciamento e revisão das análises. 

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Mediações:  registo­transcrição  dos  diálogos  da  aula  e  portfolio  das produções escritas,  a permitir distanciamento e revisão das análises. 

UMA REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA

O  tipo de  investigação atrás proposto e as  correntes de pesquisa evocados no começo  desta  comunicação  são  frequentemente  incluídos  sob  a  designação  de “investigação‐acção”. Aduzi então a preferência de Falls‐Borda pela designação de investigação participativa. Mas a designação de  investgação‐acção não é  também aceite  por  outros  prestigiados  autores  com  o  argumento  de  que  não  se  trata  de uma forma distinta de pesquisa e que deve ser julgada segundo os critérios gerais da  pesquisa  compreensiva  ou  interpretativa  (Mialaret,  1990;  Huberman,  1996). Vejamos alguma reflexão sobre esta questão. 

Popper  considera  como  subjectivo  ou  pessoal  o  saber  mesmo  do  “físico  mais douto”  e  saber  em  sentido  objectivo  o  “conteúdo  das  teorias,  hipóteses  ou conjecturas”  (1991,  p.106).  Noutra  obra  declara  que:  “a  objectividade  da  ciência não é uma questão individual dos diversos cientistas, mas antes uma questão social da sua crítica recíproca” (1992:78). Assim a objectividade de uma pesquisa advém do apoio em  teorias na medida em que estas  são criticadas e postas à prova por outros (ou seja, os pares, leitores, orientadores, júris). A alteridade como garantia de objectividade, exigida por alguns quanto à investigação (observar outros e não a própria actividade), depende assim não da pesquisa mas sim da crítica da pesquisa.  

Sobre o problema de  saber  em que medida um actor pode  fazer  ou  colaborar numa  pesquisa,  lembremos  uma  tipologia  de  Gold  e  Junker  quanto  ao  papel  do observador:  1)  exclusivamente  observador;  2)  observador  como  participante;  3) participante  como  observador;  4)  exclusivamente  participante  (Atkinson  e Hammersley, 1998, p.111). Para lá da observação distanciada das pesquisas de tipo 1,  a  participação  torna‐se  necessária  à  compreensão  das  situações  (tipos  de pesquisa  2  e  3)  com  o  consequente  problema  da  implicação  (“passa‐se  da  não‐implicação à  implicação a partir do momento em que o  investigador  faz parte da situação e não pode ser de outra maneira”, Mialaret, 1990, p.3).  

Reflectindo  sobre  as  dimensões  da  “implicação”  e  sobre  a  subjectividade essencial de um projecto de pesquisa em  termos de Popper,  como vimos, parece suficiente o conceito de observação participante como base epistemológica quer da observação  das  aulas  de  outrem,  quer  das  próprias  aulas.  A  grande  linha epistemológica  comum  a  esses  dois  tipos  de  investigação  será  assim  a  da antropologia  e  etnografia.  A  designação  de  pesquisa  participativa  (Reason  e Bradbury,  2001)  ou  de  investigação‐acção  deverão  assim  ser  entendidas  como caso‐limite  da  observação  participante.  Mas  a  designação  de  investigação participativa  parece mais  aceitável  que  a  de  investigação‐acção  ou  a  equivalente brasileira pesquisa‐acção pois, como diz Mialaret, exceptuando objectos afastados, caso  da  astronomia,  a  pesquisa  “supõe  um  mínimo  de  acção  sobre  o  objecto” 

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(1990,  p.:5),  na  física,  na  química,  na  biologia.  O  estudo  dos  registos  das participações orais e escritas dos alunos pelo professor‐investigador situa‐se assim no  terreno  da  pesquisa  participante,  na  tradição  compreensivo‐descritiva,  na forma idiográfica ou estudo de caso (Yin, 2000).   

Em  suma,  o  que  está  fundamentalmente  em  causa  numa  pesquisa  é  a  sua credibilidade, directamente dependente de uma “análise situacional” que se torne “compreensivo‐objectiva” em termos de Popper  (1992,p.81),  isto é, que descreva os  objectivos  dos  intervenientes  de modo  a  permitir  ao  leitor,  com  base  na  sua própria  experiência,  a  ver  como  realizável  a  situação  descrita  e,  concluamos,  a poder  generalizá­la  a  outros  contextos.  Outro  critério  fundamental  de  validação deste  tipo de pesquisa,  como o de qualquer outra,  é o da  fiabilidade, relacionada com a enunciação das orientações  teóricos e epistemológicos adoptadas e da sua influência na escolha dos tipos de dados e dos instrumentos de análise (Pourtois e Desmet, 1988,p.119). 

Noutros  termos,  o  que  está  sempre  em  causa,  e  também  numa  pesquisa implicada ou participante, é que a pesquisa se oriente por um problema‐pergunta cujo  sentido  leva  à  escolha  de  quadros  teóricos  com  que  se  vai  interpretar  o problema e tentar encontrar um caminho para resolvê‐lo. Constitui‐se assim uma problemática  que  orientará  todo  o  processo  de  pesquisa,  incluindo  os instrumentos  com que  se vão  coligir  e  analisar  os dados,  numa procura de  rigor que permita ao leitor poder, com a sua análise do processo e dos dados, ajuizar da validade da pesquisa.  

Um  outro  aspecto  a  ter  em  conta  é  o  da  tranformação  social,  associada  por alguns  autores  à  “investigação‐acção”.  Sobre  isso,  evoquemos  Torres  (Morrow  e Torres, 1997), nas suas lições na Universidade Lusófona, quando associou entre si dois princípios fundamentais para a acção pedagógica: “o professor é militante de justiça  social”  e  “o  professor  é  investigador  da  sala  de  aula”.  Esses  princípios exprimem a pertinência da associação professor/investigador mas por outro lado mostram dois planos distintos:  

• procurar  na  informação  teórica  apoio  para  os  problemas  de aprendizagem dos alunos; 

• procurar  constatar,  pela  investigação,  de  que  modo  as  tentativas inovadoras resolvem os problemas encontrados.  

Assim, uma coisa é a acção pedagógica, outra coisa é a  investigação que se  faz sobre ela – mesmo que professor e investigador sejam a mesma pessoa – porque a objectivação  proporcionada  pela  teoria  e  a  alteridade  dos  “pares”  permitem distanciar os dois planos, o da acção e o da pesquisa.  

Mas concluamos que o registo dos diálogos com os próprios alunos e a análise das  suas  formulações  e  ensaios  à  luz  de  teorias  orientadoras,  poderão  dar  um 

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importante contributo a uma acção pedagógica (caso, por exemplo, da pedagogia diferenciada) que se pretende transformadora da escola e da sociedade.  

REGISTO DAS PRÓPRIAS AULAS E PROFISSIONALIDADE

A afirmação de Einstein em epígrafe a esta comunicação leva‐nos à hipótese de que a  gravação das aulas  e  sua eventual  transcrição permitem ao professor uma reflexão  sobre  pormenores  de  que  se  não  deu  conta  no  decurso  das  aulas.  Essa racionalização descobre  formulações  deficitárias  que urge  corrigir, mostra  que  o encadeamento das sequências de aprendizagem poderia ter sido outro, o que terá evidentes consequências positivas na construção ou consolidação da identidade do professor como pessoa e como profissinal, 

A  prática  reflexiva  parece muito  interessante  por  envolver  os  professores  no questionamento  da  sua  actividade  diária, mas,  para  que  esse  questionamento  se torne eficaz, é necessário que se baseie num registo adequado das situações e seja contextualizado  em  teorias  como  “tentativas de  explicação  e,  logo,  de  solução de um problema” (Popper, 1992, p.80). 

No  caso  de  reflexão  sobre  problemas  da  própria  aula,  essa  reflexão  terá  que basear‐se num  rigor  adequado,  como atrás  se  sugere,  com  registos das  aulas,  ou momentos  seleccionados  sob  critérios  (por  exemplo,  momentos  do  percurso  de alguns  alunos),  de  modo  a  submeter  aos  leitores/juízes  (incluindo  colegas, orientadores  e  júris de  trabalhos académicos)  a  transcrição desse  registos,  a  sua análise e as conclusões à luz das teorias adoptadas. Evidentemente, no caso de uma pesquisa  académica,  o  respectivo  orientador  pode  auxiliar  decisivamente  o investigador no  “distanciamento” necessário a uma análise do material  recolhido nas suas próprias aulas 

Reconhece‐se  a  importância  de  uma  outra  linha  de  investigação,  a  da observação  de  actividades  escolares  realizada  por  investigadores  exteriores  a essas  actividades,  como  exemplificámos  num  outro  estudo  (2003),  esta comunicação pretendeu todavia reflectir sobre a validade da pesquisa do professor acerca  de  problemas  da  instituição  em  que  trabalha,  particularmente  os  da  sua aula, analisando as condições em que essa pesquisa pode estar ao serviço: 

• da  prática  pedagógica,  através  de  uma melhor  atenção  às  intervenções dos alunos (de que eventualmente se não teve consciência na aula);  

• da formação contínua do professor (importância dos registos pessoais na construção da identidade e profissionalidade); 

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DUARTE, J. (2007) Investigação participativa, um género menor? In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

 

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• da produção de saberes sobre as interacções na aula, de que em muitas situações um observador exterior dificilmente se dará conta.  

BREVE REFERÊNCIA A DOIS ESTUDOS DE CASO

Um  estudo  de  Leite  (2005)  é  um  exemplo  de  investigação  participativa  como descrevi  acima.  Num  grupo  de  14  crianças  repetentes  numa  escola  básica  e analfabetas,  a  investigadora  realizou  uma  acção  de  alfabetização  baseada  em Freire, durante 48 horas, duas vezes por semana em sessões de quatro horas. Em vez  de  um manual  clássico  de  leitura,  a  autora  preferiu,  como  Freire,  “palavras geradoras”  escolhidas  da  actividade  preferida  pelos  alunos,  o  jogo  da  "pipa" (papagaio,  em  Portugal)  e  termos  associados  (pipa,  rabiola,  cerol,  cola,  cortar, boneca,  legal,  mato,  campo,  cachoeira,  roubar,  papel,  martelo,  pedra,  e  outros). Essa opção e o diálogo envolvido nas actividades que a prepararam e a seguiram mostram  o  lado  participativo  desta  pesquisa  ou  a  “vivência”  que,  em  termos  de Falls‐Borda, como vimos, deve animar este tipo de investigação.  

As palavras geradoras foram decompostas gradualmente em sílabas para que as crianças "descobrissem" outras palavras. As palavras brasileiras "pipa" e "rabiola" (fio), foram decompostas, como recomenda Freire, em famílias fonémicas como pa‐pe‐pi‐po‐pu  para  o  primeiro  e  ra‐re‐ri‐ro‐ru;  ba‐be‐bi‐bo‐bu;  la‐le‐li‐lo‐lu  para  o segundo.  Com  estas  sílabas,  as  crianças  foram  convidadas  a  fazer  "casamentos" para descobrir palavras "novas", e acharam "bala" (bombom), "bolo", "rio", "rua" e outras.  

Os  alunos  foram  depois  convidado  para  fazer  orações  com  as  palavras encontradas,  e  algumas  orações  simples  apareceram  como  "a  pipa  é  grande”,  "a grade  é  um  portão".  Gradualmente  os  textos  ficaram  mais  complexos,  sobre brincadeiras  e  sobre  histórias  tradicionais  extraídas  de  livros  propostos  pelas crianças. A história extraída de um pequeno livro estimulou visitas à biblioteca da escola  para  pedir  emprestados  outros  livros.  Outro  tema  interessante  foi  uma visita  ao  bairro  residencial  vizinho  que  conduziu  a  uma  discussão  e  a  um  texto colectivo.  

Para uma crítica objectiva de  leitores, é essencial o seu aceso aos registros do processo,  como  propus.  Um  importante  passo  inicial  nesta  investigação  foi  o registo de um ditado inicial da história da cigarra e da formiga e, após diferentes actividades ao longo do processo, o registo da repetição do mesmo ditado. Mas os textos  dos  ditados  dos  catorze  alunos  foram  incluídos  num  anexo  ao  relatório, como também outros exercícios importantes que mediaram entre os dois ditados, de forma que os leitores possam compreender o progresso de cada estudante e a qualidade da investigação.  

Júlio, um aluno incluído no meio do anexo, parece representar o sucesso típico dos companheiros. Para o primeiro ditado, ele escreveu o seu nome como Julo e eu não  teria  entendido  uma  única  palavra  no  seu  texto  se  não  soubesse  a  história 

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DUARTE, J. (2007) Investigação participativa, um género menor? In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

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tradicional  da  cigarra  e  da  formiga.  Observando  os  exercícios  realizados  depois desse  primeiro  ditado,  no  anexo,  o  leitor  pode  ver  as  palavras  geradoras  e exercícios de decomposição, as primeiras pequenas frases, depois as  frases sobre outras  histórias  tradicionais  e  sobre  a  visita  ao  bairro  vizinho.  E  algumas  frases livres com as palavras já dominadas. E, claro, duas frases relacionadas com o texto do ditado: "o Inverno está frio", e "a formiga procura comida."  

Assim o resultado satisfatório deste aluno, correspondente ao segundo ditado, não  é  surpreendente.  Poderemos  concluir  que  o  Júlio  tinha  dominado  as competências  básicas  de  leitura/escrita.  E  os  leitores  podem  ver,  no  anexo, semelhante progresso quanto aos companheiros.  

Um  segundo  estudo  de  caso  (Duarte,  2005)  consiste  na  análise  das  críticas  à escola actual de dois grupos de jovens que obtiveram sucesso nos seus estudos de ensino secundário mas à custa do sucesso existencial. Veja‐se o drama interior do estudante BERTO (pseudónimo): “Perdeu­se a razão do ensino. Aprendemos porque vamos ter teste”. E em conclusão: “Há a vida fora da escola e a vida dentro da escola. A vida cá fora com o meu raciocínio normal, o “eu­cá­fora”, e o “eu­na­escola”, o “eu­aluno”, o que ouve, o que aprende” .  

Esta duplicidade ou fractura provoca uma contestação escondida, pois perdeu­se a razão do ensino mas é preciso, para manter a imagem de bom aluno, fazer pensar que  tudo  faz  sentido.  Como BERTO,  os  outros  alunos  entrevistados  são,  como  se compreenderá, contestatários clandestinos. Receiam expor aos professores as suas críticas por receio de consequências na avaliação. Assegurada a confidencialidade das nossas entrevistas, libertam‐se as críticas, marcadas aqui e ali pela ironia e até pelo sarcasmo.  

Trata‐se, em suma, de alunos detentores de boas classificações, mas que face à preocupação dos professores em “dar o programa”, reconhecem a impossibilidade de  exporem  as  suas  dúvidas  e  propostas  acerca  do  processo  didáctico  (dos resultados no secundário depende em boa parte a entrada no ensino superior). A contestação escondida corresponde assim a um sucesso conseguido em oposição a sentimentos de satisfação ou felicidade ‐ um sucesso aparente, mas que pode fazer cotar bem as escolas em termos comparativos…  

Depois  da  investigação,  compreendi  que  uma  observação  distante  e  "natural" dos  fenómenos  por  um  investigador  "objectivo"  exterior,  não  teria  permitido  a “vivência” na relação com os sujeitos investigados, acima proposta por Falls‐Borda. A  razão é que  alguns dos  temas principais desta  investigação  foram descobertos acidentalmente  por mim  nas  aulas  da  escola  secundária  onde  então  trabalhava. Outro  elemento  essencial  foi  a  visão  teórica  trazida  da  universidade  em  que trabalhara em anos anteriores e que envolvia a minha observação daquela escola.  

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DUARTE, J. (2007) Investigação participativa, um género menor? In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

 

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Voltemos a ouvir os jovens. MANUEL (também pseudónimo) criticou a presença excessiva, nas aulas de português, dos “autores clássicos antigos", cujo idioma era "necessário  traduzir como se  fosse uma  língua estrangeira." E exigiu espaço para textos  actuais,  até mesmo  literários,  ou  informativos,  propondo  que  esses  textos desenvolveriam as suas competências comunicativas e culturais.  

Outro exemplo  foi  a  interpelação de outro  jovem, depois que eu mencionei os possíveis  tipos  formais  de  frase  (declarativo,  exclamativo,  interrogativo, imperativo),  como  determinado  pelo  programa.  Nunca  esquecerei  o  seu  olhar irónico depois  que  eu  expus  essas  noções.  E  quando  tentei  saber o  que  estava  a pensar,  ele  hesitou  um  pouco  e,  depois  de  alguns  segundos,  aqui  são  as  suas intrépidas  palavras:  "o  tipo  que  inventou  a  gramática  não  tinha  mais  nada  que fazer!"  

Devo explicar que, nos primeiros contactos, procurei envolver estes jovens nos objectivos  da  minha  pesquisa,  explicando  que  estava  a  pesquisar  novos procedimentos  e  que  a  sua  crítica  poderia  ser  uma  fonte  de  propostas  para  a mudança.  Teriam  "naturalmente"  silenciado  a  sua  discordância  face  a  um  outro professor,  e  até mesmo  ‐  o  que  é  importante  para  a minha  visão  epistemológica global ‐ se um investigador exterior estivesse presente. E sublinho que, se alguns dos estudantes entrevistados foram escolhidos entre os jovens das minhas turmas, cuja postura me mostrou insatisfação ou discordância discreta, a maioria deles foi escolhido  por  outros  professores  a  quem  pedi  que  me  indicassem  alunos insatisfeitos mas obtentores de sucesso escolar.  

Este sucesso constitui uma base de credibilidade para a  investigação, pois  tais alunos  poderiam  assegurar  um  bom  conhecimento  do  currículo  realizado.  Por outro lado, poderiam revelar razões de desencanto de muitos outros, cuja timidez ou insuficiente domínio das situações os não deixariam expressarem‐se. Num total de  treze  alunos,  foram  entrevistados  alguns  deles  duas  vezes  ou  mais  vezes,  e algumas entrevistas  foram encetadas por suas  iniciativas. E as minhas perguntas de  entrevistas  semi‐directivas  focalizaram  especialmente  o  décimo  ano  de escolaridade,  situado  entre  dois  ciclos,  e  primeiro  ano  do  ciclo  que  precede universidade 

Quanto  aos  alunos  sugeridos  por  outros  professores,  uma  frase  emblemática veio  de  BERTO:  “A  maioria  dos  assuntos  leva‐me  a  perguntar:  para  que  serve isto?". Também para MANUEL, “a escola insiste muito, nas aulas de filosofia, língua e outras disciplinas, em factos antigos que não têm nada a ver com os problemas actuais".  Outro  exemplo  vem  de  BERTO  sobre  uma  grande  ponte  perto  da  sua cidade: "as aulas de física deveriam ensinar‐nos que forças há naquela ponte, para entendermos os seus componentes."  

A  participação  nesta  pesquisa  foi  ampliada  a  professores,  aliás  delegados  de disciplina,  que  puderam  conhecer  um  relatório  sobre  as  críticas  dos  estudantes. Aqui está a resposta de um professor de física à pergunta de BERTO sobre pontes: "Seria  interessante  tentar  responder  a  essas  perguntas  e  isto  mudaria  muito  o 

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nosso  ensino.  Mas  os  professores  não  sabem  fazer  isso."  CLAUDIA,  um  sorriso estranho  na  face,  acrescentará:  "Para  essas  perguntas,  os  professores  dizem  vão responder no final das aulas, depois de explicarem os assuntos previstos para esse dia,  mas  o  fim  das  aulas  vem  e  nós  nunca  temos  tempo  para  falar."  O  mesmo professor  confessará:  "Os alunos  já  estão acostumados a que nós digamos coisas que  eles  não  entendem,  dizendo  para  eles:  lá  está  aquele  tipo  com  as  coisas  do costume!”.     

Mas se esta  resposta mostra algum pessimismo, alguns sinais de mudança me deixou  este  projecto  participativo,  quanto  a  interacção  entre  pesquisador  e pessoas inquiridas. Em primeiro lugar, observei sinais de libertação dos jovens ao expressarem as suas críticas sobre a escola. Quanto aos professores, um sinal bom de  interacção  foi  a  reacção  de  um  professor  de  filosofia,  ao  ouvir  as  minhas preocupações  sobre  as  características  individuais  dos  alunos:  "Deverá  ser interessante,  numa  determinada  turma,  avaliar  os  passos  diferentes  dos estudantes.  Estou  a  tentar  fazer  isso  com  os meus  alunos”.  E  concluiu:  “O  que  é importante é a sua autonomia do pensamento".  

Mesmo sobre a exigência de BERTO sobre problemas práticos em física, o caso das forças numa ponte, um professor aceitou que algum tempo deveria ser usado para responder à curiosidade dos estudantes e que essas perguntas poderiam, pelo menos,  constituir  uma  introdução  qualitativa  ao  que  se  iria  depois  ensinar. Também  dois  professores  de  português  mostraram  aceitar  a  prática  de  tipos funcionais de texto, além do tipo literário da tradição. 

PERSPECTIVAS FINAIS

O  diálogo  entre  investigadores  e  estudantes  é  o  terreno  principal  dos  dois estudos  descrito.  Ambos  os  estudos  confirmam  a  relação  entre  a  linguagem  e  o poder,  mostrando  como  podem  ser  libertadas  vozes  emudecidas  pelos  sistemas escolares ou outros.  

Ambos os casos constituem pesquisa participativa, ao reconhecerem as pessoas pesquisadas  como  "pessoas  que  pensam  e  sentem",  não  apenas  objectos  ou clientes,  e  ao  mostrarem  como  despertar  a  consciência  crítica  dos  actores inquiridos de modo a re‐encantar o relativista e deprimido “clima” das escolas e do país.  Nas  minhas  entrevistas  com  os  jovens,  pude  sentir  o  seu  entusiasmo  em trazer  materiais  e  rever  os  textos  das  entrevistas  que  eu  tinha  registrado  e transcrito. Por seu lado, o estudo de Leite mostra uma experiência de alfabetização de crianças, atraindo‐as ao poder de ler/escrever através de palavras relacionadas com as suas preferências lúdicas e outras experiências de vida.  

Os registos de ambos os estudos são fundamentais para a "validade” da pesquisa participativa, o que  talvez seja mais bem expresso por "credibilidade" Espero ter proposto  aos  leitores  bastantes  elementos  que  lhes  permitam  comparar  as 

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situações  descritas  com  a  sua  própria  experiência  e  julgar  sobre  a  sua credibilidade. 

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