investigação narrativa artigo

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1 Educação em Revista|Belo Horizonte|v.31|n.01|p.17-44|Janeiro-Março 2015 http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698130280 O TRABALHO COM NARRATIVAS NA INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO Maria Emília Caixeta de Castro Lima * Corinta Maria Grisolia Geraldi ** João Wanderley Geraldi *** RESUMO: No presente artigo discutimos questões como: o que se entende por investigação narrativa? Quais são os referenciais epistemológicos e teórico- metodológicos dessas pesquisas e suas implicações em termos de produtos dos conhecimentos gerados? Apresentamos um mapa das pesquisas narrativas feitas no país como modo de aproximação e reconhecimento da diversidade delas na formação e na pesquisa em educação. Identificamos quatro tipos de usos de narrativas: 1) narrativa como construção de sentidos de um evento; 2) narrativa (auto)biográfica; 3) narrativa de experiências planejadas para pesquisas; 4) narrativa de experiências do vivido. Explicitamos objetos, métodos e implicações. Destacamos o quarto tipo com que estamos envolvidos em nossa experiência como pesquisadores e formadores. Valemo-nos das visões de sujeito e de mundo de Bakhtin, do conceito de experiência de Larrosa e da narrativa e do conselho em Benjamin. Sinalizamos algumas categorias de análise e extraímos lições sobre as pesquisas do vivido no processo de formação docente. Palavras-chave: Investigação narrativa. Experiência. Formação de professores. * Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-UFMG). E-mail: [email protected] ** Doutora em Educação e Professora Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected] *** Doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Colaborador da Universidade do Porto, Portugal. E-mail: [email protected]

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Investigação narrativa.

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  • 1Educao em Revista|Belo Horizonte|v.31|n.01|p.17-44|Janeiro-Maro 2015

    http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698130280

    O TRABALHO COM NARRATIVAS NA INVESTIGAO EM EDUCAO

    Maria Emlia Caixeta de Castro Lima*

    Corinta Maria Grisolia Geraldi**

    Joo Wanderley Geraldi***

    RESUMO: No presente artigo discutimos questes como: o que se entende por investigao narrativa? Quais so os referenciais epistemolgicos e terico-metodolgicos dessas pesquisas e suas implicaes em termos de produtos dos conhecimentos gerados? Apresentamos um mapa das pesquisas narrativas feitas no pas como modo de aproximao e reconhecimento da diversidade delas na formao e na pesquisa em educao. Identificamos quatro tipos de usos de narrativas: 1) narrativa como construo de sentidos de um evento; 2) narrativa (auto)biogrfica; 3) narrativa de experincias planejadas para pesquisas; 4) narrativa de experincias do vivido. Explicitamos objetos, mtodos e implicaes. Destacamos o quarto tipo com que estamos envolvidos em nossa experincia como pesquisadores e formadores. Valemo-nos das vises de sujeito e de mundo de Bakhtin, do conceito de experincia de Larrosa e da narrativa e do conselho em Benjamin. Sinalizamos algumas categorias de anlise e extramos lies sobre as pesquisas do vivido no processo de formao docente.Palavras-chave: Investigao narrativa. Experincia. Formao de professores.

    * Doutora em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora Associada da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE-UFMG). E-mail: [email protected]** Doutora em Educao e Professora Faculdade de Educao da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected]*** Doutor em Lingustica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Colaborador da Universidade do Porto, Portugal. E-mail: [email protected]

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    WORKING WITH NARRATIVES IN EDUCATION RESEARCH

    ABSTRACT: In this article we discuss questions such as What is meant by narrative inquiry? and What are the epistemological, theoretical and methodological references related to such researches and what are the implications concerning the products of generated knowledge? With the intention of approaching and acknowledging their diversity in training and research in Education, we draw a map of narrative researches conducted in Brazil. Four categories have been identified: 1. narrative as construction of meaning of an event, 2. (auto) biographical narrative, 3. narrative of experiences planned for research, and 4. narrative of lived experiences. We explicit objects, methods, and implications in this research. In particular, we draw attention to the fourth type of narrative, which incorporates our experience as researchers and trainers. We have adopted Bakhtins notions of subject and world; Larrossas experience concept; and Benjamins narrative and advice notions. We have signaled some analysis categories and learned lessons from the research on the lived ones in the process of teacher training.Keywords: Narrative inquiry. Experience. Teacher training.

    Vivemos, pois, numa sociedade intervalar, uma sociedade de transio paradigmtica. Esta condio e os desafios que ela nos coloca fazem apelo a uma racionalidade ativa, porque em trnsito, tolerante, porque desinstalada de certezas paradigmticas, inquieta, porque movida pelo desassossego que deve, ela prpria, potenciar.

    (Boaventura de Sousa Santos, 2000, p.41)

    INTRODUO

    H mais de duas dcadas o recurso das narrativas vem sendo usado na formao docente e na pesquisa. Essa temtica entrou no Brasil a partir de Nvoa (1991, 1992) com as histrias de vida de professores, seguido por Connelly e Clandinin (1995), entre outros. O uso das narrativas como mtodo de investigao ou de pesquisa (aqui tratadas como sinnimos) decorre, em parte, da insatisfao com as produes no campo da educao que se caracterizaram por falar sobre a escola em vez de falar com ela e a partir dela. A crtica s pesquisas realizadas sobre a escola e sobre professores se fortaleceu no Brasil principalmente a partir dos anos de 1990, considerando-se a separao entre professor e pesquisador acadmico (GERALDI, C.; FIORENTINI; PEREIRA, 1998).

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    Consideramos que o modo como muitas pesquisas tm caracterizado os profissionais da educao e o cotidiano da escola distante, enviesado e diferente dos modos de compreenso e significao elaborados pelos prprios sujeitos pesquisados (GERALDI, C., 2006). Genuinamente diferentes so os sentidos produzidos pelas pesquisas em que os prprios sujeitos so autores e coautores das narrativas. Em outras palavras, pesquisar sobre os professores e pesquisar com os professores ou pesquisar na escola e com a escola, resultam em estudos diversos.

    Muitas pesquisas realizadas ainda hoje se valem de um referencial terico-metodolgico que decorre da crena em uma suposta objetividade capaz de conferir confiabilidade e autoridade medida que o pesquisador no se deixe envolver pela realidade que pesquisa. Da a importncia atribuda aos instrumentos utilizados, cuja neutralidade e cuja no orientao so geralmente pressupostas. Acredita-se, com isso, ser possvel assegurar uma maior validade aos achados, evitando-se a contaminao dos dados pelo olhar do pesquisador ou por seus horizontes, deixados vazar nas entrevistas, nas perguntas que compem um questionrio, no ngulo que foca a filmagem, nas entonaes dos enunciados proferidos. Todo o esforo para evitar os encontros de palavras e contra palavras. Contudo, justamente o cuidado terico-metodolgico de o pesquisador manter distncia, objetividade e neutralidade que tem produzido pesquisas nas quais os sujeitos cada vez menos se reconhecem uma vez que suas prticas, seus saberes e fazeres se aproximam de uma caricatura. Alm disso, as concluses produzidas por essas pesquisas, consideradas consistentes pelo rigor terico-metodolgico, acabam autorizadas a expor, julgar, criticar, formatar e prescrever prticas.

    Os lugares de circulao de tais pesquisas restringem-se s dissertaes, s teses e aos peridicos1. Tm como destinatrios examinadores e pareceristas envolvidos com bancas, congressos cientficos e peridicos especializados. Em geral, os sujeitos investigados tm um acesso a essas produes como leitores potenciais de revistas e livros. Mas os resultados dessas pesquisas embasam os processos de formao e incidem sobre os principais interessados os sujeitos que fazem a escola como discursos autorizados dos formadores ou como fundamentos na elaborao de polticas pblicas.

    A aproximao entre pesquisador e pesquisado, longe de ser um mecanismo de contaminao da pesquisa, significa a possibilidade de construo de outras compreenses acerca das nossas experincias. Entre os modos de enfrentar o desafio das

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    pesquisas com envolvimento do pesquisador est a investigao narrativa. As narrativas das histrias do vivido constituem material importante na investigao das prticas docentes. De certo modo, resguardam sujeitos e prticas de terem seus sentidos corrompidos por pesquisas formatadas que enquadram a experincia ao olhar ou ao objeto do investigador. Contudo, as apropriaes das experincias e das narrativas de experincias variam muito em funo da viso de pesquisa e da formao dos envolvidos.

    1 MODOS DE PRODUO DE CONHECIMENTO LGICO-CIENTFICO E NARRATIVO

    A narrativa dos problemas locais nos quais os sujeitos se veem implicados, e que trazem consequncias imprevisveis sobre suas vidas, por excelncia o modo de pensar mais recorrentemente utilizado por alguns grupos nacionais de pesquisa2. Estudos apresentados por outros autores (IRWIN, 1995; SOUSA SANTOS, 2000) tm corroborado a tese de que o conhecimento cientfico e tcnico insuficiente para enfrentar problemas complexos e controvertidos da sociedade.

    Defendemos aqui a ideia de que fundamental que os saberes da experincia sejam resgatados e postos em dilogos com o conhecimento cientfico, j que neste est baseado o modelo de educao existente que resulta da crena de que para a participao democrtica necessrio que os sujeitos tenham acesso aos conhecimentos cientficos, nicos que tm tido espao no modelo atual de ensino, o qual preciso ultrapassar3.

    Conhecimentos socialmente produzidos de que o conhecimento chamado cientfico apenas uma parte tm sido desperdiados ou tm circulao restrita porque so considerados de segunda ordem. H questes a serem sempre enfrentadas a este respeito: como caracterizar esses dois modos de pensar? Como pr em relao saberes da experincia e saberes cientficos? Cabe lembrar aqui a necessidade de compreender e superar a ciso entre o mundo da cultura (cincia) e o mundo da vida (BAKHTIN, 1993), distino de que trataremos adiante.

    A cincia, nos marcos da modernidade, se estabeleceu como uma descrio nica e autorizada do mundo, como verso oficial que supe orientar todos os modos de pensar e de se relacionar com a natureza. Na medida em que o mundo autnomo abstratamente terico e alheio historicidade nica e viva permanece dentro de seus

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    limites, sua autonomia justificvel e inviolvel (BAKHTIN, 2010). Se por um lado o seu universo constitui-se como mundo autnomo, por outro, o mundo da vida na sua complexidade no admite recortes, nem iseno dos sujeitos para proporem sadas. Qualquer espcie de orientao prtica da minha vida impossvel no interior do mundo terico: impossvel viver nele, impossvel realizar aes responsveis. Nesse mundo eu sou desnecessrio; eu sou essencialmente e fundamentalmente no existente nele (BAKHTIN, 1993, p. 10).

    O desenvolvimento cientfico e tecnolgico teve e ainda tem grande importncia em nossas vidas. Contudo, preciso romper com a viso de cincia e de mundo que nos fez acreditar na racionalidade cientfica como caminho seguro, capaz de conferir um sentido de certeza, de verdade, de justia, de beleza, fazendo-nos crer em um futuro melhor para todos (LIMA, 2013). A produo cientfica ficou associada construo de grandes teorias universais, de carter argumentativo, dentro de um sistema formal de descrio e explicao. Valoriza a abstrao, a generalizao, a neutralidade e a objetividade desde o recorte dos problemas, do modo de produo dos dados, das explicaes propostas at os domnios de sua validade. Todavia, os produtos e os processos da cincia resultaram de escolhas ideologicamente interessadas desde sua origem.

    Outro atributo da produo cientfica reside na contraposio a tudo que se caracteriza como sendo de natureza particular e vinculado a contextos singulares. A argumentao cientfica opera com a ideia da necessidade de abstrair-se das particularidades, fugir de contextos especficos, promover generalizaes para alm do lugar, do tempo e dos sujeitos envolvidos. Desse modo, o pensamento paradigmtico constroi argumentos lgico-cientficos como verdades objetivas e independentes de contexto.

    Enquanto o paradigma cientfico moderno baseia-se na causalidade, na legalidade, na ordem e na estabilidade do mundo, de um passado que se repete previsivelmente e pode ser determinado, o modo narrativo (BRUNER, 1997, 1998) volta-se para o singular, o local, o imprevisvel e o implicado. Bakhtin (2010) utiliza dois termos russos que ajudar na reflexo sobre o conhecimento do singular: a lngua russa dispe dos itens lexicais istina e pravda que traduzimos como verdade. No entanto, remetem a verdades distintas: pravda diz respeito verdade local, quela do acontecimento particular, singular, submetido s constries do momento e do espao; istina remete verdade obtida por abstrao e generalizao com base no

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    que se repete nos acontecimentos particulares.

    um triste equvoco, herana do racionalismo, imaginar que a verdade [pravda] s pode ser a verdade universal [istina] feita de momentos gerais, e que, por consequncia, a verdade [pravda] de uma situao consiste exatamente no que esta tem de reprodutvel e constante, acreditando, alm disso, que o que universal e idntico (logicamente idntico) verdadeiro por princpio, enquanto a verdade individual artstica e irresponsvel, isto , isola uma dada individualidade. (BAKHTIN, 2010, p. 92)

    Cada cultura tem modos prprios de construir e de validar suas explicaes de mundo que foram elaborados ao longo do tempo, no sem inter-relaes com aquelas culturas que lhes so contemporneas como mostrou Ginzburg (1989, 1991).

    Para Bruner (1998) a narrativa um modo de pensamento que se apresenta como princpio organizador da experincia humana no mundo social, do seu conhecimento sobre ele e das trocas que com ele mantm os sujeitos. O modo narrativo organiza-se a partir da experincia particular dos sujeitos, no que contextual e singular. A experincia lida com as idiossincrasias do mundo e vale-se para isso da fora da tradio, no sendo passvel de ser comprovada cientificamente pela sua prpria natureza.

    Uma histria contada, ao ser extrada pelo ouvinte do contexto narrado, pode ser recontextualizada em outras situaes ou experincias, produzindo novas compreenses entre os contadores e os ouvintes. isso que confere narrativa um carter quase universal (BRUNER, 1998). Ainda que o conhecimento narrativo venha a ser utilizado por outros sujeitos, ele no deixa de ser uma experincia situada, idiossincrtica, localizada, que participa da natureza dialgica dos indivduos (FERREIRA-ALVES; GONALVES, 2001, p. 37).

    Para os no cientistas o valor de um conhecimento e sua autoridade residem na experincia acumulada de quem fala. O cacique, o xam, o paj, o lavrador, a benzedeira, o raizeiro, a doceira, a quitandeira, a parteira etc. tm na sua experincia o lugar de autoridade, ao qual sempre recorrem. Mesmo quando so confrontados com situaes inusitadas ou que fogem daquilo a que esto acostumados, recorrem s suas referncias: outro mais velho e mais experiente.

    Cientistas e no cientistas tm linguagens prprias, jeitos peculiares de contar. O conhecimento que vem da tradio cultural de um povo referido nas cincias como conhecimento mtico, antigo e ultrapassado. Contudo, na narrativa, o modo de contar muda com o tempo e com os narradores. Verses e sentidos vo sendo atualizados a cada nova enunciao e a cada nova histria.

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    Alteram-se histria e sentidos que vo se atualizando no presente da enunciao (LIMA, 2005). Toda vez que uma histria contada, ela recriada tanto no universo do narrador quanto no de quem escuta. O acontecimento discursivo (FOUCAULT, 1997) no o que se diz, mas o retorno do que se diz, movimento mesmo da linguagem, onde as coisas s esto presentes porque no esto a enquanto tais, mas ditas em sua ausncia (GAGNEBIN, 1999, p. 5).

    Esse modo de compreenso das narrativas nos ajuda a entender a fora que elas tm nas culturas em que surgem e se desenvolvem. Diante do inusitado ou dos retruques da experincia, a atitude do sbio a de aprendizagem e deparar-se com erros no reduz a autoridade da experincia, pelo contrrio, torna-a ainda mais poderosa. A experincia sempre se renova, ela no morre, morrem os sujeitos da experincia. Estando sempre aberta, a cada situao a experincia renovada. O erro ento compreendido e tomado como elemento reconfigurador de tudo que j se sabe e includo nas novas narrativas como bagagem de quem viu, viveu e pode contar. Ter bagagem significa ter trilhado muitos caminhos, ajuntado muitas observaes, colecionado muitas histrias, dedicando-se a perscrutar indcios, encontrar marcas, a ler os sinais.

    Epistemologicamente e ontologicamente, cincia e experincia so mundos cindidos. Bakhtin (2010) nos ajuda a compreender esse fosso na medida em que persegue as gneses da produo do mundo objetivado da cincia, o mundo terico ou da cultura, e do mundo concreto da vida:

    E como resultado, dois mundos se confrontam, dois mundos que no tm absolutamente comunicao um com o outro e que so mutuamente impenetrveis: o mundo da cultura e o mundo da vida, o nico mundo no qual nos criamos, conhecemos, contemplamos, vivemos nossas vidas e morremos ou o mundo no qual os atos da nossa atividade so objetivados e o mundo do qual esses atos realmente provm e so realmente realizados uma e nica vez. (BAKHTIN, 2010, p. 3)

    Assim, o pensamento paradigmtico e o narrativo so duas formas de construo da realidade que correspondem a modos distintos de funcionamento cognitivo e de ordenamento da experincia. Tm distintos entre si os princpios operativos mobilizados e os critrios de verificao e validao dos produtos gerados.

    Enquanto o pensamento paradigmtico se orienta pela argumentao, o narrativo se sustenta com base em uma boa histria, sua verdade ou sua verossimilhana. Ao contrrio de uma construo argumentativa baseada em princpios gerais, abstratos e logicamente estruturados, a narrativa destaca-se por explicitar

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    subjetividades em jogo, pela construo polifnica dos personagens, por um bom enredo e um desfecho moral.

    O enredo a histria como de fato contada, conforme aparece na superfcie, com suas deslocaes temporais, saltos para frente e para trs [...], descries, digresses, reflexes parentticas (ECO, 2002, p. 39). Uma boa narrativa apresenta semelhanas, pontos de aproximao com a vida de quem a escuta. So as convergncias das histrias que as fazem verossmeis. Na fico o que est em questo no se as narrativas so verdadeiras ou no, mas como elas evocam e provocam.

    A lio ou a moral da histria depende do projeto de dizer de quem conta, mas seus efeitos dependem do repertrio, da experincia e da viso de mundo de quem ouve. O ouvinte reorganiza seu mundo interior em relao ao que foi narrado. O modo narrativo est intimamente dependente das experincias do narrador e do narratrio. A gnese do conselho na narrativa deve-se caracterstica da prudncia na experincia. A experincia est na gnese da prudncia. S pode ser prudente e dar conselhos quem experiente (LIMA, 2005).

    Os saberes da experincia so transmitidos por meio de aconselhamento (BENJAMIN, 1985; LARROSA, 2004). Para isso o narrador vale-se da histria que antecede o fim, a moral. nesse sentido que a persuaso depende de uma boa histria. No no sentido de ser ficcional, mas de ser rica em elementos que lhe confiram correspondncia com a realidade. Est em questo a confiana no narrador em funo da experincia que demonstra ter na matria da histria narrada.

    A construo do conhecimento a partir de pesquisas narrativas constitui, portanto, um grande desafio, uma vez que se d a partir do contexto da experincia, tomando o sujeito e seu saber em unidade, isto , um conjunto que no pode ser compreendido observando ou analisando as partes em separado, isoladamente (FERREIRA-ALVES; GONALVES, 2001, p. 27).

    2. O CAMPO DAS PESQUISAS NARRATIVAS DESENVOLVIDAS NO PAS

    Como modo de aproximao e reconhecimento da diversidade de usos de narrativas na formao e na pesquisa em educao, consideramos como tais aquelas em que os prprios autores explicitam sua filiao pesquisa narrativa, no cabendo a ns julgar se podem ou no assim serem chamadas. Identificamos quatro tipos de seu emprego: 1) a narrativa como construo de sentidos para um evento; 2) a narrativa (auto)biogrfica; 3) a narrativa de experincias

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    planejadas para serem pesquisas; 4) a narrativa de experincias do vivido, isto , narrativas de experincias educativas.

    A partir dessa categorizao procuramos descrever e apresentar algumas contribuies que delas derivamos a partir de alguns autores escolhidos como referncia. Nossa inteno no classificar os autores e suas produes, muito menos avaliar positiva ou negativamente cada uma das formas de produo. Trata-se somente de oferecer um instrumento analtico que sirva aos pesquisadores iniciantes como mapa em termos de possibilidades de construes terico-metodolgicas e discursivas em suas investigaes narrativas. Para nos auxiliar nessa categorizao procuramos explicitar objetos, mtodos e implicaes em termos de produtos dos conhecimentos gerados. No faremos uma exposio detalhada de cada grupo, pois nosso objetivo nos debruarmos sobre um tipo de produo, aquele do quarto grupo, chamada por ns de narrativas de experincias educativas.

    O primeiro grupo narrativa como construo de sentidos de um evento corresponde fundamentalmente s pesquisas em histria oral. Nelas as narrativas feitas pelos sujeitos envolvidos possibilitam a rememorao de histrias pessoais e sociais. O foco dessas pesquisas recai sobre fatos/eventos histricos que emergem da memria dos narradores, sujeitos que contribuem com dados para as pesquisas de terceiros. Uma pesquisa sobre a participao popular na campanha das eleies diretas para presidente no Brasil, por exemplo, poderia se valer das histrias/memrias narradas por diferentes sujeitos comuns, em vez de recorrer exclusivamente aos dados documentados da poca. Nesse caso, a histria seria contada a partir de um lugar e de uma verso no oficial. So deste tipo tambm pesquisas que narram trabalhos escolares de outros, comparando ou no a verso do pesquisador com a dos pesquisados, para construir os sentidos de uma aula, um programa, um evento testemunhado etc. A se encontram pesquisas de objetos historiogrficos. So autoras que se alinham a esse tipo de pesquisa Ecla Bosi (1987), Neuza Gusmo e Olga Simpson (1989) e Llian Alvisi (2005).

    No segundo grupo inserimos as narrativas biogrficas ou autobiogrficas que visam reconstituio da histria de uma pessoa (ou de si prprio no caso das autobiografias) e que possibilitam o encontro do narrador com o(s) seu(s) eu(s) ou do bigrafo/narrador com os vrios eus de sua personagem. Na autobiografia, os dados empricos so coletados por pesquisadores que se tornam os prprios objetos do estudo e fazem uma escrita de si e sobre si no processo de formao. Essas pesquisas permitem produzir uma compreenso do

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    sujeito e de sua formao por meio das narrativas de vida. Apresentam semelhanas com os depoimentos da histria oral, mas em vez de fatos ou eventos, fazem emergir os sujeitos. Os fatos ou eventos rememorados so subprodutos das histrias dos sujeitos. Uma pesquisa em que emergem o sujeito e, ao mesmo tempo como seu subproduto, todo um modo de ensinar e aprender de uma poca exposta no trabalho de Maria do Rosrio Magnani (1991; 1993). As pesquisas acerca das histrias de vida na formao de professores apostam no potencial da escrita de si para a compreenso dos processos de formao dos sujeitos. As pesquisas (auto)biogrficas tm sido conduzidas no Brasil por diversos grupos de pesquisas, entre eles podemos citar pesquisadores como: Elizeu Clementino de Souza e Ana Chrystina Venncio Mignot (2008). De acordo com estes autores, as autobiografias propiciam a compreenso das relaes de ensino-aprendizagem, das identidades profissionais, dos ciclos de vida, entre outras.

    O terceiro grupo engloba pesquisas que se ocupam de experincias planejadas que so relatadas e analisadas. Considera a prtica pedaggica subjacente pesquisa na medida em que esta possui uma intencionalidade prvia. O planejamento das aes concebido de modo a responder determinadas questes postas j de sada nos projetos de pesquisa. Visam, por exemplo, avaliao ou testagem de recursos didticos previamente planejados, com estratgias e ferramentas de mediao previstas para produzir determinados dados. O planejamento, a aplicao e a avaliao dos resultados ocorrem de modo experimental ou controlado com base nos objetivos a partir da ao pedaggica desencadeada. Pode ocorrer, ou no, coincidncia entre o pesquisador e o sujeito que realiza a ao pedaggica a ser validada/pesquisada. A concepo do material ou das estratgias de ensino ou ainda da prtica pedaggica pode ser produzida em coautoria, e a anlise pode abranger as atitudes dos sujeitos envolvidos no trabalho de campo, e no s a validade do material utilizado. H neste grupo uma gama de variedades possveis, o que nos constrange a citar textos e autores, mas o que melhor o caracteriza o fato de que a experincia que se relatar/narrar previamente planejada e por isso mesmo orientada de fora para dentro pelo pesquisador.

    No quarto e ltimo grupo inclumos as pesquisas que s passam a existir porque, havendo uma experincia significativa na vida do sujeito pesquisador, este a toma como objeto de compreenso. Essas pesquisas decorrem de uma situao no experimental, mas vivencial. Podem ser chamadas de narrativas

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    de experincias educativas. A especificidade delas reside no fato de que o sujeito da experincia a narra para, debruando-se sobre o prprio vivido e narrado, extrair lies que valham como conhecimentos produzidos a posteriori, resultando do embate entre a experincia e os estudos tericos realizados aps a experincia narrada. A pesquisa que pode ser deflagrada a partir da narrativa da experincia no uma construo anterior experincia. da experincia vivida que emergem temas e perguntas a partir dos quais se elegem os referenciais tericos com os quais se ir dialogar e que, por sua vez, fazem emergir as lies a serem tiradas. Como o objeto emprico aqui a experincia vivida, h muito de autobiografia mas diferentemente desta no se faz emergir o sujeito, e sim a lio que se extrai da experincia, lio no sentido de conselho como apontava Benjamin (1985)4. Por isso, em geral, elas apresentam tambm uma novela de formao (LARROSA, 1998) como referncia para que se conhea o modo como o narrado marcou o narrador. Diferentemente de como ocorre na novela de formao de base autobiogrfica, nesse grupo, o narrador, pesquisador e sujeito da pesquisa faz emergir uma histria do trabalho da docncia, da gesto ou outra que est pesquisando (GERALDI, C., 2000). Contrariamente autobiografia, no o todo do passado que aqui interessa, mas somente um (ou vrios) acontecimento significativo, que se tornou experincia no sentido que lhe d Larrosa (2004). Como refletem sobre o que ocorreu, essas pesquisas concorrem tanto para a formao profissional quanto para a constituio do pesquisador. Oportunizam aprendizagem de pesquisador ao sujeito/objeto da pesquisa que aprende a pesquisar no processo e pesquisando aprende mais sobre o exerccio de sua profisso de professor e sobre sua prpria vida. Existem muitas pesquisas que podem ser identificadas nesse quarto grupo. Fazemos referncia apenas a algumas delas: Oliveira (1999), Lima (2004), Menegao (2004), Varani (2005), Malavasi (2006), Chaluh (2008), Cunha (2010). A metodologia dessas pesquisas ser retomada em outra seo uma vez que temos como objetivo caracterizar e discutir algumas contribuies que este tipo de emprego de narrativas traz para a pesquisa em educao.

    3. NARRATIVAS DE EXPERINCIAS EDUCATIVAS

    Um princpio orientador da constituio desse grupo de emprego de narrativas nos remete indissociabilidade entre pesquisa e

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    formao continuada. Essa indissociabilidade tem sido compreendida e defendida como constitutiva do trabalho docente universitrio do professor que pesquisa e ensina-forma, embora sejam espordicas experincias desse tipo na formao inicial.

    Experincia dessa natureza, incluindo o aprendiz em formao inicial como pesquisador, foi realizada no perodo de 1984 a 1990 no curso de Pedagogia da Unicamp, (GERALDI, C., 1993) e embasou a concepo de educao continuada do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao Continuada GEPEC. Quando um graduando se envolve em pesquisa, de modo geral, trata-se de sua incluso num grupo de pesquisa cuja temtica no est diretamente vinculada com as disciplinas em curso. Os compromissos polticos com professoras e professores das redes pblicas de Campinas e arredores fizeram com que o espao do GEPEC se constitusse como lugar de convergncia de interesses daqueles professores e de mestrandos e doutorandos. Essa convivncia tributria de uma concepo de que formar pressupe pesquisar e de que o pesquisar impe olhar para o vivido dos seus participantes. Por consequncia, foi natural a tomada da prpria experincia no trabalho profissional como objeto de reflexo e pesquisa. Forma-se pesquisando, pesquisa-se educando.

    Uma vez que tomamos a deciso e a responsabilidade de analisar nossa prpria histria, temos evitado ser desfigurados por pesquisadores externos que se dedicam a fazer pesquisas sobre a escola e sobre ns. Na feliz expresso-ttulo de Nunes (2005): Nada sobre ns sem ns. Assim, ao mesmo tempo, a poltica de formao e pesquisa do grupo permite que as produes geradas ali sirvam s escolas e aos sujeitos de modo mais imediato e implicado em termos de suas consequncias.

    As pesquisas de experincia educativa citadas anteriormente esto marcadas pelo compromisso com a produo de uma epistemologia da prtica. As histrias contadas nas reunies de formao e pesquisa do grupo criaram um espao de aproximao e distanciamento com os outros e com o vivido. Esse movimento expressa um dilogo crtico que inclui tanto os pesquisadores acadmicos quanto os colegas professores, luz das reflexes e das produes do prprio grupo e de outros tericos da educao.

    A referncia a Bakhtin, no que se refere ao conjunto da obra do chamado Crculo de Bakhtin, orienta as pesquisas citadas em termos de viso de sujeito e de mundo, de uma tica baseada na responsabilidade e na responsividade, fornecendo categorias de anlise importantes para a compreenso da relao entre o mundo da vida e o mundo

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    da cultura e quanto posio alteritria dos sujeitos na pesquisa (AMORIN, 2004). Autores igualmente importantes e recorrentes nas pesquisas produzidas so Paulo Freire; Walter Benjamin; Jorge Larrosa; Agnes Heller; Boaventura Souza Santos; Michel de Certeau; Michel Foucault; Ezpeletta e Rockwell. Outra marca destes trabalhos com narrativas do vivido a intertextualidade com a produo esttica na msica do hip hop e do maracatu msica clssica; com a literatura de talo Calvino, Guimares Rosa, Manuel de Barros, Fernando Pessoa, Jos Saramago, Jos Rgio, Adlia Prado, alm das remessas pintura, ao desenho, ao cinema e fotografia.

    A ancoragem para tal tipo de pesquisa , assim, construda a partir das contribuies de Benjamin (1985) e Larrosa (1995, 1998, 1999, 2014). Para o primeiro, a narrativa uma forma artesanal de comunicao (BENJAMIN, 1985, p. 205). Ela no est interessada, portanto, em transmitir o puro em si da coisa narrada como uma informao ou um relatrio. Assim, a experincia narrada no coincidente com o acontecimento que lhe deu origem. De acordo com Larrosa (1995, 2004), no experincia o que se passa ou o que acontece no decurso de nossas vidas, mas o que nos passa, nos acontece, nos constitui fortemente e, por isso, nos marca de modo indelvel. A narrativa contrape-se mera contao de casos e capaz de engendrar novos sentidos para alm da reconstituio dos caminhos percorridos, at porque no voltamos ao lugar de onde samos, uma vez que tais viagens de formao nos constituem e nos mudam (LIMA, 2005, p. 47). O acontecimento aquilo que se passou, enquanto o sentido da experincia se encontra naquilo que narrvel de um acontecimento, o que nos passou, nos (co)moveu.

    3.1. TORNAR-SE AUTOR: APOR SUA ASSINATURA

    Um projeto de formao de educadores e de pesquisadores compromissado com o vivido valoriza essencialmente a autoria (ARNAUS, 1995; PRADO; CUNHA, 2007), em vez da repetio e do distanciamento. As pesquisas nas cincias humanas se ocupam essencialmente da compreenso das experincias da vida humana, e no com as explicaes acerca da natureza ou da realidade em si, como se fossem campos existenciais objetivos, isto , independentes das aes dos sujeitos. Assim, entendemos que a pesquisa nas cincias humanas enquanto cincia do singular nos oferece em vez de regras ou prescries gerais, lies que iluminam o passado e apontam caminhos de futuro.

    O sujeito que pesquisa nas cincias humanas olha o mundo ou seu objeto de investigao de um determinado lugar, a partir das lentes

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    tericas que ele possui ou de suas crenas. Se todo ponto de vista a vista de um ponto, infinitos olhares podem ser construdos acerca dos objetos eleitos e das experincias selecionadas. polissemia dos fatos acrescentam-se as diversidades dos olhares e a polifonia das vozes que compem o ponto de vista, essencialmente autoral. Isso confere riqueza pesquisa nas humanidades. O olhar do pesquisador sobre o vivido autoral porque enfeixa em si este conjunto de diversidades.

    Em Bakhtin (1993) encontramos elementos para compreender a constituio dos sujeitos. A vida, segundo esse autor, vivida na fronteira entre a experincia individual do sujeito e o excedente de viso dos outros que lhe complementam. So os outros que nos constituem como sujeitos sociais e portadores de histrias singulares. Portanto, revelar a si desvelar tambm os outros. Tudo o que me diz respeito, a comear por meu nome, e que penetra em minha conscincia, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da me, etc.), e me dado com a entonao, com o tom emotivo dos valores deles (BAKHTIN, 1993, p. 378).

    O que vemos determinado pelo lugar de onde vemos. Vivemos constrangidos a ver em ns mesmos aquilo que visto pelos outros e que pode nos ser fornecido pela narrativa do outro, mas tambm pelo modo como o outro reage a mim, a meu corpo e ao que digo e fao. Trata-se de uma necessria complementaridade de vises, de dentro para fora e de fora para dentro. O eu no tem existncia prpria fora do seu ambiente social necessita da colaborao do outro, lugar da exotopia e da extraposio (BAKHTIN, 1993). Vem da a fora dos grupos de trabalho na produo do conhecimento. Um galo sozinho no tece uma manh: ele precisar sempre de outros galos. (MELO NETO, 1979)

    Os modos formatados de fazer pesquisas em nome de uma pretensa objetividade acabam por afastar os sujeitos e retirar deles o carter de autoria, uma vez que o estilo, a forma de expresso, as enunciaes so, sobretudo, comandadas pelos enunciados terico-metodolgicos assumidos como pontos de partida, que sobredeterminam o dizer dos pesquisadores. Esse saber que se pretende cientificamente desinteressado e desencarnado se vale da alteridade, citando outros trabalhos e autores como autoridades5, e no como parceiros no grande dilogo de construo de compreenses do mundo humano.

    Nas narrativas de experincias, os sujeitos se fazem autores e assinam as compreenses que produzem sobre as suas vidas. Apor sua assinatura decorre da no existncia de libi no mundo para um sujeito evadir-se de sua responsabilidade histrica. Cada sujeito,

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    como ser nico, vive e experimenta situaes reais que o implicam no ato vivido, na experincia ocorrida. Nessa unicidade que ocorrem o ato e o dever concreto de dizer (responder), de responsabilizar-se pelo que se diz. Bakhtin reconhece que possvel o pensamento no encarnado, a ao no encarnada, a vida fortuita no encarnada que se constitui como uma possibilidade vazia, na indiferena porque no se enraza em nada (BAKHTIN, 2010). No entanto, no este tipo de pensamento que sustenta as narrativas de experincia educativa, cuja autoria assumida pelo pesquisador.

    Cientes da responsabilidade de pesquisar a prpria prtica, os sujeitos reconhecem que a constituio em torno da investigao narrativa do vivido dolorosa, porque a palavra arena de luta, lugar de embate de mltiplas percepes sobre o trabalho, sobre a natureza, sobre o modo de viver, de dizer o mundo e de se dizer nele. Trata-se de um eu aberto e inconcluso, susceptvel aos discursos compartilhados.

    4. METODOLOGIA DA INVESTIGAO DO VIVIDO: DESAFIOS E INVENTIVIDADE

    Essa seo condensa algumas discusses que deram origem a este texto: o que se entende por investigao narrativa? Quais so os referenciais epistemolgicos e terico-metodolgicos dessa investigao? Como se constri o objeto de investigao? Como se do a coleta dos dados e a construo das lies? Por que escrever uma novela de formao? Consideramos que so questes pertinentes e responder a todas vai alm do objetivo deste artigo. Vamos ao menos tangenciar caminhos de respostas.

    Embora essas perguntas possam ter origens diferentes umas residem na dificuldade de identificar os percursos que esse tipo de investigao exige; outras na desconfiana quanto legitimidade de tais pesquisas por serem consideradas mera contao de histrias , refletir sobre elas essencial para constituir a investigao narrativa como um corrimo til nesta heterocientificidade das cincias humanas (BAKHTIN, 1993). Acrescente-se, ainda, a importncia da demanda de aprofundamento epistemolgico na razo discursiva ou raciocnio (CHAU, 2004) subsumido na produo do conhecimento narrativo da experincia.

    Tomar como objeto de estudo uma experincia da qual se o protagonista resulta em uma pesquisa com um estatuto epistemolgico diferente daquele que, tradicionalmente, rege certo tipo de pesquisa cientfica. de praxe que o pesquisador oriente suas aes por um

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    mtodo definido a priori. A aplicao sistemtica e racional de um esquema de interpretao de dados costuma ser a prova da autoridade, da validade e da seriedade de uma pesquisa. Em funo dessa lgica,

    o pesquisador deve, ento, demonstrar que detm a herana legada pelos que o procederam no mesmo campo, que emprega as ferramentas adequadas, que sabe melhor que ningum iluminar seu objeto de anlise. Em suma, deve justificar, para si prprio e para os outros, o fundamento de sua conduta porque vai se comportar como o dono da situao. Ora, no se domina uma situao exibindo as fraquezas, as hesitaes, o voo cego. A parada exige a evidncia de um pensamento bem construdo, a coerncia sem brechas, o brilho da razo. Por isso, talvez, os captulos metodolgicos nunca tratam da trajetria de uma pesquisa, excluindo o que realmente o motor do trabalho, isto , a inquietao e a dificuldade que se apresenta ao sujeito de ter de pensar a complexidade dos fenmenos sociais. Talvez por isso tambm nos entregam um quebra-cabea realizado, onde conceitos tericos e fatos empricos se encaixam maravilhosamente. (SANTOS, 1981, p.10)

    Como a pesquisa da experincia vivida remete s dimenses singulares da vida e da escola, no existem receitas nem frmulas seguras para se prosseguir nela. Cada pesquisa constri sua cincia e gera sua prpria estratgia metodolgica, seu processo experimental. (FERRARA, 1999, p. 162) Contudo, isso no significa sermos incapazes de desenhar mapas ou de reportar caminhos trilhados. A inexistncia de um conjunto de passos previamente estabelecido leva a uma falsa suposio de que no existe uma metodologia na investigao. A dificuldade de enfrentar o desafio no justifica o abandono da prpria experincia como forma de produzir conhecimentos. precisamente o dilogo no grupo, o convvio entre professores que comeam a debruar-se sobre a sua experincia e outros que j elaboraram trabalhos dentro dessa perspectiva que ajuda a elaborar hipteses. Nesse sentido, essas pesquisas demandam ser discutidas coletivamente, ainda que individualmente elaboradas.

    4.1. A CONSTRUO DO OBJETO DA PESQUISA NA DINMICA DA COMPREENSO DA HISTRIA

    Para prosseguir esta exposio vamos abordar tpicos que costumam fazer parte das investigaes: os projetos e o problema de pesquisa. A ideia de que preciso definir uma pergunta para prosseguir numa investigao provm de metodologias prprias das cincias da natureza e por isso incmoda e estranha para quem pesquisa a prpria experincia, uma vez que no se tem de sada uma pergunta, mas uma histria. Lembremos que em Herdoto (485? 420 a.C.), a etimologia da palavra histria investigao.

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    Quando se opera com a prpria experincia, duas consequncias podem decorrer de j se ter uma pergunta de sada: 1) ao se revisitar a histria ou a experincia a ser narrada, descobre-se que no h suficientes dados para respond-la; 2) se j se sabe que a histria ou a experincia a ser narrada tem a resposta para a questo de pesquisa, ento no h pesquisa alguma a ser feita j que a resposta era previamente conhecida.

    Uma pesquisa sobre a prpria experincia sempre uma pesquisa sobre o singular. E o conhecimento singular corresponde verdade que no se generaliza (pravda), mas da qual se extraem conselhos ou lies. Ao se debruar sobre a histria, surgem inmeras perguntas, porque no se narra qualquer coisa: o narrvel se compe do que nos tocou, nos modificou e continua carecendo de sentidos e continuar carecendo de sentidos mesmo concluda a pesquisa, porque a ele podemos retornar como j outro.

    Perguntar sobre uma experincia faz parte do processo de compreenso dela. Perguntas e caminhos so indiciados medida que a histria vai ganhando forma de narrativa. Nesse sentido, os objetivos a serem atingidos so muito diferentes daqueles explcitos por outras pesquisas que partem de um problema e cujo objetivo encontrar respostas para ele. No narrado, como na vida que se narra, os problemas so muitos, alm de complexos e interligados. Depreendida e selecionada a lio, surge um tema. O investigador distancia-se, ento, da prpria histria para cotejar o tema com outros textos, outras vozes. A profundidade da penetrao neste novo objeto depender precisamente do dilogo que vier a ser estabelecido com os outros.

    Apontamos aqui para um duplo objeto: 1) a histria narrada, cuja elaborao j demanda um nvel de escolhas e abstrao, pois no se narra no vazio. o objeto emprico inicial e 2) a lio que se extrai da narrativa e sobre a qual o pesquisador se debrua para o dilogo com o conhecimento disponvel.

    4.2. O TRABALHO DE CAMPO: ARQUEOLOGIA, INVENTRIO E RECONHECIMENTO DOS DADOS

    O trabalho de campo no mais fcil porque o investigador portador de uma histria que, em princpio, parece que s escrever. Narrar no fcil, como mostram as contribuies de Benjamin (1985). A lembrana da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem no se misturam. Contar seguido alinhavado, s mesmo sendo as coisas de rasa importncia (ROSA, 1956, p. 114). Os (guar)dados, os trechos diversos, enfim, os registros dispersos em velhas

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    pastas precisam ser reconhecidos como dados e ser desmisturados. Iluminam-se outros fatos, outros documentos, outras memrias que se tornam visveis como dados, porque reconhecidos como tais ganham contorno no conjunto da histria.

    O objeto ser construdo ao longo da composio narrativa: uma vez flagrado que ser extrado dela para reflexo. Inventariar os dados e cotejar com eles o que foi narrado leva o pesquisador a uma reescrita trabalhosa, sistemtica e recorrente da histria. E isso j se configura como um nvel maior de distanciamento. Os personagens, construdos na polifonia da vida escolar, passam a dizer mais do que o aparente discurso superficial presente na linearidade do texto.

    Assim, duas iniciativas so importantes na coleta de dados da experincia: a arqueologia e o inventrio. A arqueologia consiste em recuperar o que se julgava perdido, o que nos remete aos gestos do arquelogo que

    vasculha um stio procura de fragmentos, que, encontrados, so cuidadosamente examinados, limpos e dispostos junto a outros, com que comporo partes de um jarro, de um objeto de adorno ou de uma ferramenta, que j no existe mais enquanto totalidade. Reunidos, os fragmentos promovem uma aproximao do que foi e deixam questes abertas no s em relao s lacunas que persistem, mas tambm em relao ao presente de que so partes, ainda que esquecidas. Nos objetos materiais um jarro, por exemplo , os fragmentos deixam vazios que podem ser preenchidos pela imaginao, porque, no presente, possvel imaginar-se uma completude perdida. Nas experincias vividas, h vazios j no comeo e no presente de sua existncia. A completude apenas lhe atribuda a posteriori por interpretaes e memrias. (LIMA, 2005, p. 34)

    O inventrio dos dados consiste em organizar os documentos (os achados, os guardados) e as novas informaes obtidas em funo da retomada da histria e do tema. Essa organizao pode ser expressa por meio de quadros, de modo que o leitor possa ter uma viso panormica dos documentos visitados. O inventrio pea fundamental de apoio memria na reescrita da narrativa. A memria prpria e a de terceiros so fundamentais na composio da narrao. Em funo do tempo decorrido entre o acontecimento e a investigao, o inventrio pode vir a ser constitudo de fragmentos esparsos. Em geral, o inventrio apresenta dados da esfera do documentado e do no documentado, igualmente indicirios da histria narrada (EZPELETA e ROCKWELL, 1989).

    s vezes alguns elementos inventariados parecem distantes do tema que emergiu da lio com base na histria narrada. Ainda assim, cotejar os dados, apossar-se deles, d ao pesquisador maior garantia de que no est se baseando apenas na sua memria. At

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    mesmo a cronologia dos acontecimentos que os dados explicitam ajuda posteriormente na anlise. Espaos e tempos se articulam e se explicitam a partir dessa bssola que os dados fornecem. A cronotopia (BAKHTIN, 1998) se completa.

    4.3. O RACIOCNIO ABDUTIVO E O PARADIGMA INDICIRIO NA EMERGNCIA DAS LIES

    Dois movimentos so fundamentais na anlise das narrativas de experincias: conhecimento e inferncia baseada na intuio. O conhecimento ao qual nos referimos o epistemolgico, alm das produes da rea investigada: trabalho em sala de aula, grupo de professores na escola, gesto, formao de professores, educao de adultos, educao em cincias etc.

    No trabalho de definio de categorias de anlise e na prpria anlise, nos valemos da abduo (PIERCE, 1839-1914) que est na base do paradigma indicirio (GINZBURG, 1989, 1991, 2011). A teoria semitica de Pierce leva em conta trs tipos de inferncia: induo, deduo e abduo. A deduo consiste em partir de um princpio geral (demonstrado anteriormente ou intudo) ao qual se subordinam os casos particulares que sero demonstrados. A induo se realiza pelo caminho inverso: de casos particulares semelhantes ou iguais constri-se uma definio, leis e uma regra geral a se por prova diante de cada novo caso; fica valendo como regra geral at que surja um contraexemplo.

    Uma terceira modalidade da razo discursiva ou raciocnio que tambm se realiza por inferncia a abduo. A inferncia abdutiva um instrumento epistmico de grande atualidade e aplicao nos estudos da filosofia e da histria. uma forma de raciocnio tpico das descobertas cientficas revolucionrias na medida em que consiste no processo de produzir hipteses explicativas e trat-las como regra geral para iluminar outros fatos, que vo confirmando essas mesmas hipteses. Na abduo a compreenso emerge sem a necessria conscincia de todas as percepes e as relaes em questo (CHAU, 2004). A emergncia, por sua vez, seria a culminao de um conjunto de suspeitas e percepes parciais que no se confirmam ou no se estabelecem sozinhas, mas guardam relao umas com as outras. Quando o pesquisador faz seu recorte j h uma hiptese que ser perseguida pela via da abduo. Vrios exemplos deste tipo de raciocnio so descritos por Ginzburg (1989, 1991).

    No caso da investigao narrativa da prpria experincia, o trabalho do pesquisador consiste em estudar situaes do vivido

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    para formular hipteses explicativas. O objetivo a compreenso dos fenmenos e dos modos de atuar sobre eles. Consideramos que, assim como na narrativa ficcional, na pesquisa narrativa o importante no so os acontecimentos em si, mas us-los a servio da construo da personagem (ECO, 2003) e do enredamento do texto em termos de pistas ou caminhos fornecidos, de modo a permitir ao narrador e ao leitor a construo das lies nele indiciadas. Voltemos diferena entre este tipo de pesquisa e a (auto)biografia: mesmo quando a narrativa revela fundamentalmente o percurso de aes de sua personagem aquele que o narrador foi no este percurso em si o objeto novo que aparece quando uma hiptese formulada como explicao, o que temos denominado de lio que valer como conselho no sentido benjaminiano. Obviamente, uma pesquisa narrativa sempre desveladora de si, caso contrrio pesquisa e formao estariam dissociadas.

    Para elaborar as lies que se extraem de uma histria, a abduo um mtodo poderoso, haja vista as pesquisas indicirias de Carlo Ginzburg (1989, 1991, 2011). A sagacidade da percepo do autor essencial, ou no haveria abduo, pois as hipteses interpretativas no emergem diretamente do dado, e a pesquisa no se limita sua exposio. A hiptese resulta da reflexo sobre a experincia narrada, de uma compreenso ampla da educao e da cosmoviso que subjaz s aes e s percepes do pesquisador das quais se deve ressaltar a sua viso do que fazer cincia. que na narrativa de experincias no h nada a ser comprovado e muito a ser compreendido. Como diz Umberto Eco (2003) o conjunto da orquestra que emociona, e no os sons individuais dos instrumentos. Para o autor, o processo de abduo semelhante, ainda que no estejamos habituados a ligar emoo com modelos de raciocnio. A lio de quem viveu a experincia certamente diferente daquela que outros extraem ao tomarem conhecimento da histria. Ningum aprende o ofcio de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pr em prtica regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderveis: faro, golpe de vista, intuio. (GINZBURG, 1989, p. 179)

    Na produo de conhecimento por meio da narrativa do vivido, as primeiras histrias ou casos fornecem alguns sinais ou indcios de pistas (GINZBURG, 2011) a serem seguidas. Quando o(a) professor(a) conta uma histria porque, de algum modo, o acontecimento lhe tocou. Essa seleo inicial est relacionada com o impacto gerado sobre quem viveu tal experincia, seja em termos

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    de transformao produzida no lugar ou nos sujeitos envolvidos ou porque ela surge como ensinamento acerca de uma situao-problema que outros membros do grupo trazem para os espaos de formao. A compreenso da experincia selecionada passa pela reconstruo do narrado em variadas verses, pois o encontro com as palavras dos outros (colegas professores, autores, orientadores etc.) fortalece e autoriza determinadas lies (LIMA, 2005). Desse modo, esse movimento discursivo abdutivo o que orienta a seleo inicial ou a delimitao dos casos histricos a serem narrados e a construo das personagens; o tom emotivo-volitivo do narrador indica vazios, indicia lies. Ao se identificar o tema de um caso ou histria comea o processo investigativo em profundidade.

    A probabilidade de encontrarmos situaes anlogas pode ou no ser grande e depende da condio de produo dos dados (professores de escolas pblicas, situaes de excluso social, privao material, projetos pedaggicos impostos etc.). A irrepetibilidade na construo de uma cincia do particular no lhe sonega importncia, principalmente a cognitiva, frente sua interpretao.

    4. 4. A NOVELA DE FORMAO

    A expresso novela de formao decorre das contribuies de Jorge Larrosa (1998) acerca da experincia da leitura. Tambm chamada de memorial, uma forma de configurar sentidos sobre a vida, de explicitar caminhos percorridos e opes feitas. A novela de formao permite que haja um encontro consigo mesmo, mas sempre mediada pelo outro. A relao esttica entre o autor e o heri, tal como estudada por Bakhtin (1993), nos d elementos para compreender a novela de formao como pea importante na compreenso de nossos caminhos formativos.

    A construo da personagem pelo autor um exerccio de alteridade em que sua condio fundante de incompletude precisa de outro que lhe oferea matria significante sobre aquilo que do lugar que ele ocupa est constrangido a no ver (GERALDI, J., 2010). Como parte de uma autobiografia, a novela de formao compartilha caractersticas: o autor tambm narrador e personagem; quanto maior a relao de alteridade, mais polifnica ela se torna e mais sentidos em disputa so mobilizados. Tal relao se d por extraposio entre o eu e o outro, num combate exaustivo por encontrar um ponto arquimediano, um lugar de conforto e de resoluo.

    Na fico, o autor tem sempre um excedente de viso e de

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    conhecimento sobre a personagem, conhecimento que esta no tem. Por seu turno, a personagem na condio de sujeito heri luta com suas contrapalavras, com toda sua entonao emotivo-volitiva para deslocar o autor do seu lugar privilegiado de olhar (LIMA, 2007). De forma semelhante, mas no idntica, quando se narra a prpria formao como se chegou a ser o que se tal como o percebemos no momento da enunciao narrativa entre o narrador e sua personagem, aquela que o narrador foi ou pensa ter sido, ocorrem inmeros embates, porque os espelhos so muitos, como ensina Guimares Rosa (2005).

    A partir dessa compreenso da relao produtiva entre autor-narrador-personagem, a novela de formao constitui um texto caracterstico dos trabalhos do quarto tipo de emprego de narrativas na pesquisa em educao. A novela se constri na convergncia dos interesses de pesquisa ou de formao (professor, mestrando ou doutorando), de acordo com o objeto de cada um. Diante de investigaes narrativas da prpria prtica ou mesmo sobre uma experincia de terceiros, a novela de formao fornece elementos para a anlise. Nossa condio de sujeitos scio-histricos, inconclusos e inacabados, de acordo com nosso referencial bakhtiniano, dada a ver pela cronotopia narrativa, marcada pelos tempos-lugares dos encontros e dos desencontros narrados, pelos ns que so atados e desatados como escolhas e possibilidades humanas.

    O movimento mesmo das coisas, da vida, dos tempos-lugares, de nossa permanente condio de vir a ser ou do nosso em sendo, como se referia Paulo Freire (1997), se anuncia na novela de formao e j apresenta perguntas e indicia elementos de anlise. fundamental na composio do inventrio dos dados, alm de fornecer ao leitor o percurso formativo do narrador-pesquisador. Referencia os caminhos da experincia, onde o mundo do trabalho se imbrica na vida cotidiana para alm da escola. Enfim, fornece ao leitor o quadro no qual a experincia que se ver narrada tem origem e se desenvolve. Portanto, faz parte da construo dos dados.

    Compreendemos a narrativa de formao como um texto circunstanciado trajetria de vida no processo de formao e como tal tem uma dimenso pedaggica como efeito de leitura ou como oferta de contrapalavras (GERALDI, J., 2007), pelos ensinamentos que contm.

    5. ALGUMAS LIES

    A pesquisa narrativa da experincia e no sobre a experincia

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    se funda na tica da responsabilidade, bem como em uma pretenso metodolgica de aproximao entre o mundo vivido e o mundo da teoria. Aponta para uma epistemologia da prtica e considera que as cincias humanas so cincias do singular. Com base nessa perspectiva, podem-se tirar lies ou conselhos autorizados pela experincia de um vivido em particular (LIMA, 2006).

    Ao contrrio da tica agostiniana de buscar a compreenso dentro de si, de um revelar a si, as pesquisas narrativas das experincias tm como fundamento o outro e so referenciadas no trabalho. pelo excedente de viso e de conhecimento que ns nos constitumos autores, sujeitos de um projeto de dizer, de um modo singular de ver a escola e de compreend-la. Condio essencial da autoria.

    Compartilhamos da ideia de que cada um de ns singular e inconcluso por natureza, assim como os acontecimentos do mundo da vida e, portanto da escola, que so tambm irrepetveis e inacabados. Quando as causas no so reprodutveis, s resta inferi-las a partir de efeitos (GINZBURG, 2011, p. 169) ou dos efeitos das histrias vividas sobre ns prprios e sobre os outros. Se a realidade oca, existem zonas privilegiadas sinais, indcios que permitem decifr-la. (GINZBURG, 2011, p. 177). O modo de aproximao do que as pessoas dizem sobre os acontecimentos se concretiza pelo cotejo do dito com outros ditos, produzindo discursos sobre discursos.

    Por meio da investigao narrativa de experincias, nosso compromisso se orienta pelo movimento de promover, metaforicamente, uma decifrao do passado e uma adivinhao do futuro (GINZBURG, 2011, p. 153). Os sentidos so inacabveis, e deles s temos memria. A compreenso que construmos sempre mutvel. Como ensina Bakhtin (1993), no seu texto dedicado discusso da metodologia das cincias humanas, o passado est sempre se redefinindo nas compreenses que dele fazemos no presente.

    As narrativas da experincia so o lugar de onde o pesquisador extrai uma moral, um conselho, lies. A moral da histria a traduo de uma tica em termos de preceitos/princpios circunstanciados em um determinado espao-tempo (GERALDI, J., 1999). A tica aqui entendida a partir de Bakhtin (1993, 2010) e remete responsabilidade e responsividade. Toda ao responsiva: responde ao passado e ter respostas no futuro. Assim, toda ao d um sentido ao passado e cria respostas para o futuro. Um passado inalterado manufatura um presente imutvel. (WHEATCROFT, 2004, p. 64) Com base em nossa responsabilidade tica tentamos evitar que, no futuro,

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    um passado se repita. A mudana do presente resulta tambm da mudana de nossas compreenses do passado.

    Ningum tem direito a um libi para seus atos, nos alerta Bakhtin (2010). Nenhum de ns pode evadir de sua responsabilidade tica. Cada um responde de modo nico pela sua ao no mundo. Essa ausncia de um libi o no libi para a existncia no mundo que faz de meus atos, atos responsveis. Respondo por eles. No projeto de dizer assumindo-nos como investigadores da prpria experincia, ao apor nossa assinatura, o que se nos impe como necessidade histrica estreitar as relaes entre o mundo experimentado pelas aes de ser parte da escola e de faz-la acontecer e o mundo representado no discurso sobre as escolas e sobre como os docentes devem ser.

    Por fim, trata-se de uma pesquisa que se configura como situada e autoral. Como prope Bakhtin (2010) na sua filosofia do ato responsvel, essas pesquisas se assumem como pensamento participativo (no indiferente) [uchastnoe myshlenie], mas extremamente e responsavelmente implicadas, engajadas, compromissadas e interessadas.

    Oferecemos aqui alguns elementos para a compreenso acerca da investigao narrativa da prpria experincia, no que se refere ao seu lugar, ao seu valor e sua legitimidade como modo de construo de conhecimento. Acreditamos que nas pesquisas narrativas das experincias vividas procuramos uma sntese entre sensibilidade (o ato vivido, o mundo de postupok6) e razo (nossos sistemas discursivos descrevendo ou dando significado ao ato, um mundo sempre aberto ao perigo de cair em mero teoreticismo) (BAKHTIN, 2010, p. 19).

    Essas pesquisas promovem encontro consigo mesmo que muitas vezes doloroso, porque a mediao com os outros faz ver o que o narrador/personagem no consegue ver ou tem dificuldades de ver, j que quando falamos de ns mesmos, sempre estamos propensos a salvar a face: apresentar-se de modo a ser aceito e justificado. Aceitar esse envolvimento do sujeito consigo prprio, envolvimento este frequentemente ignorado pelas pesquisas que tomam a histria do outro para sobre ela refletir, leva a defender o professor como pesquisador de sua prpria prtica. Esta uma caracterstica essencial das investigaes narrativas de que tratamos aqui. Ao propormos o professor como pesquisador no estamos acrescentando mais um trabalho para o professor, estamos considerando que esse tipo de pesquisa parte de seu processo de formao continuada e essencial a seu exerccio profissional. Vai alm da mera colaborao ou da participao em pesquisas de terceiros, porque neste tipo de pesquisa se assumem a autoria e as responsabilidades que lhe so prprias.

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    Por isso, para compreender a vida dos professores e suas prticas nas escolas, parece-nos que o melhor caminho faz-los narradores do prprio trabalho e da sua constituio como docente, apoiando-os em seu processo de se fazerem professores e pesquisadores, sujeitos que querem compreender o que lhes toca, o que lhes acontece e o que fazem acontecer.

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    1 Os portugueses utilizam a expresso literatura cinzenta para se referir a estas obras que, sobretudo, servem obteno de ttulos acadmicos. 2 Entre esses grupos, inclui-se o GEPEC Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao Continuada, sediado na Faculdade de Educao da Unicamp, criado pela professora Corinta Maria Grisolia Geraldi, em 1996.3 Obviamente h funes sociais que o sistema escolar preenche, entre outras aquela de construir uma base de pensamento compartilhada dentro da qual se amalgamaria a sociedade laica, em substituio ao amlgama anterior, que foi a religio.4 Benjamin, ao tratar do narrador, chama ateno para o fato de que muito frequentemente o que leva um narrador a narrar o que narra para o(s) ouvinte(s) numa determinada situao precisamente o conselho, a lio de vida, que estes podem extrair do que narrado. Por isso um narrador no aconselha nem d conselhos, eles emergem da narrativa.5 Bakhtin-Voloshinov (2007), na anlise do discurso citado, mostra que a palavra do outro pode ser trazida ao texto como uma espcie de monumento, com o qual no se dialoga, mas se usa para os fins desejados pelo contexto citante.6 Postupok: do russo, ato vivido, prprio e individualmente responsvel, conforme notas da trad. brasileira em Para uma filosofia do ato tico, de M. Bakhtin (2010).

    Recebido: 07/02/2014Aprovado: 05/08/2014

    Contato:Universidade Federal de Minas Gerais

    Faculdade de EducaoDepartamento de Mtodos e Tcnicas de Ensino.

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