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INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PREPARATÓRIA A INSTRUÇÃO CRIMINAL BRASÍLIA 2009

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Page 1: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

NA FASE PREPARATÓRIA A INSTRUÇÃO CRIMINAL

BRASÍLIA

2009

Page 2: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

2

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

NA FASE PREPARATÓRIA A INSTRUÇÃO CRIMINAL

Monografia apresentada à Coordenação da

Fundação Escola do MPDFT, como parte das

exigências para a obtenção do título de pós-

graduação no curso Ordem Jurídica, sob a

orientação do professor Thiago André Pierobom de

Ávila.

MAGNO SÉRGIO DE MELO NEVES JÚNIOR

BRASÍLIA 2009

Page 3: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

3

Agradeço a Deus por mais esta etapa de

minha vida, ao apoio de meus pais que sempre

confiaram em mim, a minha irmã e sobrinha e

a minha noiva Tatiana por todo carinho,

compreensão e incentivo.

Page 4: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

4

O objetivo do direito é a paz, a luta é o meio de

consegui-la. Enquanto o direito tiver de rechaçar o

ataque causado pela injustiça – e isso durará

enquanto o mundo estiver de pé -, ele não será

poupado. A vida do direito, a luta de povos, de

governos, de classes, de indivíduos. (IHERING,

Rudolf Von).

Page 5: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

5

RESUMO

A presente pesquisa visa a demonstrar a legitimidade da investigação criminal

pelo Ministério Público, demonstrando os amparos constitucionais e infraconstitucionais.

Demonstrando a importância do Ministério Público na ampliação da sua esfera de atuação

com o advento da Constituição Federal de 1988, como órgão defensor das garantias

individuais e coletivas em um Estado Democrático de Direito. Este trabalho tem como

objetivo principal esclarecer a não exclusividade da Polícia Judiciária nas investigações

criminais, tendo como fundamento o fato de que o Ministério Público é o dono da ação penal

e que para a melhor formação da opinio delicti, nada mais natural do que a realização de atos

investigatórios pelo titular da ação penal.

Palavras-chaves: Ministério Público; Polícia Judiciária; Investigação Criminal; Atos

Investigatórios; Fase Pré-processual; Exclusividade da investigação criminal; Titularidade da

Ação Penal.

Page 6: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

CP – Código Penal;

CPP – Código de Processo Penal;

CF – Constituição Federal;

MP – Ministério Público;

Art. – Artigo;

LC – Lei Complementar;

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. Ministério Público nas Constituições Federais..........................................................09

1.1. Ministério Público e Estado Democrático de Direito.............................................13

1.2. Sistema de freios e contrapesos...............................................................................14

2. Investigação criminal..................................................................................................16

2.1. Conceito...................................................................................................................16

2.2. Inquérito policial......................................................................................................17

2.3. Inquérito policial é dispensável?..............................................................................18

2.4. Inquéritos extrapoliciais...........................................................................................19

3. Investigações preliminares..........................................................................................19

3.1. Vantagens da investigação preliminar policial.........................................................19

3.2. Inconvenientes da investigação pré-processual policial...........................................20

4. Investigação e acusação no juizado de instrução........................................................21

4.1. Investigação e acusação no sistema processual brasileiro........................................23

5. Legitimidade da investigação pelo MP na fase instrutória..........................................24

6. Legitimidade constitucional da investigação pelo Ministério Público........................31

6.1. Previsões infraconstitucionais de atuação do Ministério Público na fase investigatória pré-

processual.........................................................................................................................35

7. Posicionamento contrário a investigação pelo Ministério Público...............................39

8. Atuação dos Ministérios Públicos em outros países.....................................................41

9. Decisões judiciais referentes a investigação pelo Ministério Público..........................45

10. Conclusão................................................................................................................... 54

Referências bibliográficas

Page 8: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo demonstrar a legitimidade da investigação

criminal pelo Ministério Público na fase pré-processual, demonstrando que existem amparos

constitucionais e infraconstitucionais que autorizam a investigação.

A intenção deste trabalho não é excluir a Polícia Judiciária da investigação

criminal, mas tão somente compatibilizar e harmonizar a atuação conjunta do Ministério

Público e da Polícia na atividade de investigação, o que geraria uma maior eficiência da

investigação Estatal, bem como uma melhor atuação do Estado no jus puniendi, pois o MP

como dono da ação penal poderia formar melhor o seu convencimento, reduzindo assim o

índice de impunidade pela ineficiência na obtenção do conjunto probatório.

Page 9: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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1. MINISTÉRIO PÚBLICO NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS

Falar sobre qualquer instituição ou instituto é imprescindível para a sua análise

histórica. E, no caso do Ministério Público, tal perquirição se torna ainda mais necessária a

fim de que possamos entender seu real papel no Estado Democrático de Direito.

Com efeito, para que possamos visualizar essa nobre instituição e seus contornos

na atual ordem jurídica, inaugurada com o advento da Constituição Federal de 1988, façamos

algumas considerações acerca de suas origens, ou pelo menos daquilo que apontam os autores

como algo próximo a isto.

Diz-se que a idéia de Ministério Público remonta aos “Magiai”, que nada mais

eram do que funcionários a mando dos Faraós no antigo Egito há cerca de quatro mil anos

atrás. A eles competia a função de “castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os

cidadãos pacíficos.”

Outros ainda sustentam que tal função teria se originado nos Éforos de Esparta,

em vista da acusação pública que exerciam, ou ainda nos “advocatus fisci” e os “procuratores

caesaris”, na Roma antiga. Entretanto, inclina-se a maioria da doutrina a enxergar nos

“procurateurs du roi” na França, em 1302, a origem do que atualmente se entende por

Ministério Público.

A história, por sua própria natureza dinâmica e irrepetível é sujeita as mais

diversas contradições e, adere-se a isto, a circunstância geográfica de que o Ministério Público

mundo afora é entendido das mais diversas formas, fato que por si só seria apto a contestar

qualquer pretensa origem que se lhe imprima.

Contudo, para não divagar demais acerca deste ponto, tenhamos em conta que no

mundo ocidental a figura do Ministério Público é proeminente na acepção de “acusador

público”, a despeito de seus específicos fins perseguidos nos diversos ordenamentos jurídicos

de nossa multifacetária civilização.

Page 10: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Sob este prisma, teremos Ministérios Públicos vinculados ao Poder Executivo,

como ocorre, por exemplo, na Espanha e nos Estados Unidos da América, ou ainda

Ministérios Públicos cuja criação é mais recente e se prestam a realizar um filtro acerca das

acusações que lhe são encaminhadas, como no Reino Unido, em que a acusação inicial fica a

cargo da Polícia ou do cidadão.

Assim, embora diversa a natureza jurídica e os modos de atuação, o Ministério

Público, tanto no sistema do “staute law” quanto na “common law”, tem em comum a função

de acusação oficial, ou seja, realizada pelo Estado.

Desse modo, parece-nos que qualquer alusão histórica a figuras que tenham

exercido o papel de acusador público e eventualmente de fiscal, se mostra adequada à

compreensão do Ministério Público e, ainda que tal conclusão não resolva a questão acerca de

sua origem, que pode ter sido verificada em qualquer momento histórico, bem como na mais

desconhecida localidade, serve-nos pelo menos à conclusão a respeito dos contornos

primários dessa importante instituição no contexto de um Estado.

No Brasil, o Ministério Público que sequer foi mencionado na Constituição

Imperial de 1824, foi gradativamente sendo referido na legislação infraconstitucional até sua

introdução definitiva pela Constituição Republicana de 1891, que fazia menção à figura do

Procurador-Geral da República, designado pelo Presidente da República entre os membros do

Supremo Tribunal Federal, cujas atribuições seriam definidas em lei.

Até o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público foi mediante

avanços e retrocessos progressivamente tornando-se mais relevante no Estado Brasileiro e,

finalmente, acolhido de modo amplo e bem delineado pela nova Lei Fundamental. Com a

palavra, um dos maiores especialistas na matéria, Hugo Nigro Mazzili:

“Após longa evolução institucional, a Constituição de 1988

conferiu posição ímpar ao Ministério Público brasileiro. Como

órgão de Estado (e não mais do governo, ou do Poder

Executivo), foi erigido à condição de instituição, o que

significa, na clássica concepção de Maurice Hauriou, ter um

projeto a realizar, uma organização apta para isso e uma

comunhão de propósitos entre seus integrantes e o meio

social.”

Page 11: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Assim, rompendo com a anterior ordem jurídica (Constituição Federal de 1967 e a

Emenda Constitucional nº 1 de 1969, ou Constituição de 1969, a nova Constituição Federal de

1988 retirou o Ministério Público do âmbito do Poder Executivo, diferenciando, por

conseguinte, os interesses do Estado e da Sociedade, bem como assegurou a seus integrantes

garantias constitucionais equiparadas aos membros do Poder Judiciário e definiu-lhe inúmeras

atribuições, dispondo ainda acerca de sua exclusividade na titularidade da ação penal pública.

O Ministério Público atualmente é um órgão governamental, com amplos poderes

e responsabilidades, sendo chamado de “fiscal da aplicação da lei”. Nagib Slaibi Filho,

esclarece:

“O Ministério Público brasileiro, com a moldura e a

consistência que lhe foi dada pela Constituição de 1988, bem

representa a contradição decorrente de tais influencias, pois:

(a) dos Estados unidos, herdou a desvinculação com o poder

judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo de

determinadas atividades administrativas ligadas ao Poder

Executivo, o resquício de poder participar da política

partidária, ainda que em hipóteses restritas previstas em lei, a

postura independente que aqui somente se subordina à

consciência jurídica de seu membro, como, aliás, está na Lei

Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa

(artigo 127); (b) da Europa continental, herdou a simetria da

carreira com a magistratura, inclusive com as prerrogativas

similares, o direito de assento ao lado dos juízes, as vestes

próprias e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado

fosse, embora devesse ter o ardor do advogado no patrocínio

da causa. O Ministério Público desenvolveu-se sob a

influência do Novo e Velho Mundo, e da simbiose, vem a sua

força”.

Page 12: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Ademais, ampliou o leque de atribuições tradicionalmente reservadas ao

Ministério Público, cujo papel de acusador público na seara criminal sempre foi

predominante, conferindo-lhe deveres-poderes em outras esferas, como por exemplo, a

proteção do patrimônio público, do respeito aos Poderes Públicos e etc.

Em síntese, a nova ordem jurídica instaurada com a Constituição Federal de 1988

erigiu o Ministério Público à função de guardião dos direitos coletivos e difusos, em qualquer

que seja o ramo do Direito, a despeito de ainda reforçar sua proeminência em sua tradicional

área de atuação, qual seja, a promoção da ação penal.

Este novo viés constitucional demanda, consequentemente, uma nova

conceituação do Ministério Público brasileiro: de mero acusador público e representante dos

interesses do Estado a Instituição vocacionada à defesa dos interesses sociais.

Ao elencar o Ministério Público fora dos Poderes de Estado, conquanto suas

funções sejam eminentemente executivas em face do Poder Judiciário, a Constituição Federal

de 1988 fez a opção de dotar fundamentalmente de independência a instituição.

Deve-se ressaltar, inclusive, a atuação constitucionalmente deferida ao Ministério

Público em atuar não somente perante o Poder Judiciário, mas perante os Poderes Públicos de

modo geral e ainda no que tange aos particulares, promovendo recomendações, termos de

ajustamento de condutas e etc.

Essa nova dimensão conferida ao Ministério Público brasileiro foi sem dúvida

uma inovação do constituinte.

Desse modo, a Constituição Federal de 1988 elegeu o Ministério Público como

um verdadeiro “advogado” da sociedade brasileira, incumbindo-lhe de diversas atribuições, o

que inclui não só a atuação em processos judiciais, mas também em diversos setores do

Estado e da sociedade.

Page 13: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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1.1. MINISTÉRIO PÚBLICO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

A despeito das novas previsões constitucionais delineando sua carreira e

atribuições, é de se notar que o Ministério Público encontra-se em estado permanente de

transformação, sendo constantemente objeto de limitações e, igualmente, ampliações no que

tange à sua conformidade na ordem jurídica.

Acerca do tema, veio a lume a Emenda Constitucional de nº 45, que efetuou a

reforma do Poder Judiciário e do Ministério Público, instituindo o Conselho Nacional do

Ministério Público (órgão fiscal da instituição em todo o território nacional) e outras vedações

e condicionamentos à carreira.

Por outro lado, o estado de permanente delineamento do Ministério Público,

enseja o surgimento de questões constitucionais diversas, ainda não solucionadas em

definitivo ante o texto da Constituição Federal de 1988, qual seja, a legitimidade do

Ministério Público para realizar a investigação criminal na fase preparatória ao ajuizamento

da ação penal.

Neste sentido, se é inequívoco que a Constituição Federal de 1988, por exemplo,

deferiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, inciso I), resta

ainda na doutrina e na jurisprudência imensa polêmica acerca de suas atribuições na seara da

investigação criminal pré-processual.

A matéria está pendente de definição há um bom tempo no Supremo Tribunal

Federal, sendo objeto de divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

A atuação do Ministério Público nos dias atuais, ocorre em diversos ramos do

direito.

Na esfera criminal, é titular privativo da ação penal pública, podendo requisitar

inquérito policial e diligências investigatórias. Cabe-lhe ainda o controle externo sobre a

atividade policial, na forma da lei complementar.

Page 14: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Por paradoxal que possa parecer, seu mister acusatório é o primeiro fator de

proteção das liberdades individuais, por assegurar o contraditório na acusação e um juiz

imparcial, desvinculado do ônus de acusar.

Ao reconhecer a importância do seu papel e atribuições, e conceder-lhe as

indispensáveis garantias, irredutibilidade de vencimentos, vitaliciedade e inamovibilidade,

para que o MP possa exercer com independência e autonomia suas tarefas, a CF/88 instituiu

um marco na história da Instituição, tornando-a um órgão de suma importância para a nossa

sociedade.

1.2. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS.

A Carta de 1988 consagrou o sistema de freios e contrapesos entre as diversas

instituições e poderes existentes no ordenamento pátrio, de forma que tivessem sobre si uma

forma de controle externo.

Nesse sentido, tal sistema de fiscalização é típico de qualquer Estado

Democrático. Isso se deve ao fato de que todos se sujeitam aos mecanismos de controle

recíprocos, de modo a evitar a exorbitância por parte de um, sem que incorra na censura e

correção por parte dos demais.

Nesse sentido, trazemos a colação a palavra do Mestre Afrânio Silva Jardim:

"Temos asseverado, em outras oportunidades, que o

verdadeiro Estado de Direito não pode prescindir de

mecanismos de controle de seus órgãos públicos. Este controle

deve ser efetivado seja pelas instituições da sociedade civil, de

forma difusa, seja pelos próprios órgãos estatais."

Page 15: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Na esteira desse sistema, reside o controle externo da atividade policial, não

havendo razão para que um órgão do poder executivo, como a Policia Judiciária, que lida

diretamente com os direitos fundamentais, excepcionasse a regra dos freios e contrapesos.

Assim sendo, controlando os atos de investigação da Policia Judiciária, o

Ministério Público estará pondo em prática o sistema de fiscalização acima citado, e diante

desse fato surge uma indagação: Quem investigaria a cúpula da policia judiciária? Uns

poderiam responder que a Corregedoria da Polícia investigaria, mas até que ponto poderia se

certificar que seria uma investigação isenta de qualquer pressão ou interferência dos

superiores?

Desta forma é muito importante que aja este sistema de freios e contrapesos, ou

seja, que tenha uma fiscalização entre os órgãos do poder estatal, pois os atos realizados por

estes órgãos não podem ser soberanos e insuscetíveis de revisão e análise, e é por isso que há

necessidade da fiscalização entre os poderes (legislativo, executivo e judiciário), em

específico o controle externo da atividade policial, como uma forma de coibir abusos por

parte da instituição policial.

O membro do Ministério Público, caso venha a exceder-se no exercício de suas

funções, pode ser considerado autoridade coatora para fins de impetração de Habeas Corpus e

Mandado de Segurança. São eles os instrumentos aptos a moderar sua atuação.

Portanto, existindo mecanismos ágeis e eficazes destinados à correção de

eventuais abusos que vierem a ser imputados aos membros do Ministério Público, eventual

temeridade não justifica o abortamento ab initio da investigação criminal.

Antes disso, deve-se confrontar e contrapesar as conseqüências advindas de

possíveis arbitrariedades realizadas com os possíveis danos sociais decorrentes da inércia

forçada do agente ministerial no papel de defensor da ordem jurídica e do regime

democrático. Sem dúvida, estes adotarão proporções absurdamente maiores.

Page 16: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Nesse contexto que, através da Emenda Constitucional n° 45/2004, foi criado o

Conselho Nacional do Ministério Público, incumbido da realização do Controle Externo da

Instituição (artigo 130-A da Constituição Federal), à semelhança de idêntica proposição

voltada para o Poder Judiciário.

Conforme ensinou Hugo Nigro Mazzilli, “controles externos são sempre salutares.

[...] O controle externo faz parte da própria harmonia dos Poderes, inserindo-se no sistema de

freios e contrapesos.”

Entretanto, é imprescindível que esse controle seja exercido sem interferir na

independência e na liberdade funcional da Instituição Ministerial e de seus agentes. Desse

modo, garantir-se-á a segurança jurídica que deve nortear o Estado Democrático de Direito.

2. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

2.1. CONCEITO

Investigar significa indagar, inquirir, pesquisar, investigar os fatos, esquadrinhar.

A investigação criminal é um procedimento administrativo pré-processual, de

cognição sumária, cujo objetivo imediato é averiguar o delito e sua autoria, fornecendo

elementos para que o titular da ação penal proponha o processo (oferecimento da peça

acusatória) ou o não processo (arquivamento).

Ao contrário do que muitos pensam a investigação criminal, pela polícia judiciária, não

visa somente obter indícios para a acusação, mas sim apurar o fato real a verdade, seja ela qual for;

a favor da defesa ou da acusação.

Para Manzini, a investigação tem a finalidade característica de recolher e selecionar o

material que haverá de servir para o juízo, eliminando tudo o que resulte confuso, supérfluo ou

inatendível. Com isso, evitar-se-iam os debates inúteis e se prepararia um material selecionado para

os debates necessários.

Page 17: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

17

A investigação criminal é a atividade desempenhada pelos órgãos públicos competentes

para a elucidação da responsabilidade pelo delito e fornecimento de elementos probatórios mínimos

ao ministério público para o exercício da ação penal. Trata-se de procedimento administrativo, não

obstante a possibilidade de serem praticados atos judiciais e até mesmo jurisdicionais, como no caso

de uma medida cautelar, a fim de assegurar o bem jurídico a ser tutelado ou bem como assegurar a

instrução criminal.

A investigação criminal, nada mais é do que a coleta de provas no sentido de identificar

a autoria e materialidade do ilícito penal, constitui um dos alicerces da manutenção da ordem

pública, pois se for fadada ao insucesso, fomentará a impunidade e, consequentemente o aumento

da criminalidade, tendo em vista que servirá como estímulo aos criminosos a se organizarem e

terem mais adeptos a prática de novos delitos, considerando que um dos fatores preponderantes da

intimidação é a certeza de uma futura punição.

É imprescindível ressaltar que esta pesquisa não tem como pretensão modificar a

presidência do inquérito policial, ficando este a cargo do Ministério Público, pois direção do

inquérito policial e diligências investigatórias na fase preparatória são conceitos distintos, e o

inquérito policial ficará e continuará sob a presidência da autoridade policial.

2.2. INQUÉRITO POLICIAL

É um procedimento investigatório prévio, constituído por uma série de

diligências, cuja finalidade é a obtenção de indícios para que o titular da ação possa propô-la contra

o autor da infração penal.

Assim, cometido um delito, deve o Estado buscar provas iniciais acerca da autoria

e da materialidade, para apresentá-las ao titular da ação penal (Ministério Público ou vítima, em

caso de ação penal privada), a fim de que este, avaliando-as, decida se oferece ou não a denúncia ou

queixa crime. Essa investigação inicial, composta por uma série de diligências, chama-se inquérito

policial.

Page 18: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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O inquérito policial é inquisitivo, ou seja, durante o seu tramitar não vigora o

princípio do contraditório, que nos termos do artigo 5º, LV, CF, só existe após o início efetivo da

ação penal. O inquérito é realizado pela Polícia Judiciária e presidido por uma Autoridade Policial

(Delegado de Polícia). O inquérito é sigiloso, deve ser escrito e não é obrigatório.

O inquérito policial pode ser instaurado de diversas formas:

a) De ofício, significa que o inquérito é iniciado por ato voluntário da autoridade

policial, sem que tenha havido pedido expresso de qualquer pessoa nesse

sentido. Neste caso o inquérito se inicia por meio de portaria.

b) Por requisição do juiz ou do Ministério Público. Neste caso a requisição é

sinônimo de ordem. Assim, quando o juiz ou o promotor requisitam a

instauração de um inquérito, o delegado está obrigado a dar início ás

investigações.

c) Em razão de requerimento do ofendido. Qualquer pessoa pode levar ao

conhecimento da autoridade policial a ocorrência de um crime.

d) Pelo auto de prisão em flagrante. Quando a pessoa é presa em flagrante,

lavra-se o auto de prisão e o inquérito é instaurado para apurar as

circunstâncias do delito. Cabe salientar que se o crime for de ação penal

privada o inquérito somente poderá ser instaurado se houver o consentimento

da vítima.

2.3. O INQUÉRIO É DISPENSÁVEL?

O inquérito policial é uma peça meramente informativa. Nela se apuram a

infração penal, bem como todas as circunstâncias de autoria e materialidade do crime, e tais

informações têm a finalidade de permitir ao titular da ação penal, seja o MP, seja o ofendido,

que possam exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal.

Page 19: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

19

Essa é a função do inquérito policial, mas se o titular da ação já possuir essas

informações, será dispensável a realização do inquérito policial para o oferecimento da

denúncia ou queixa.

2.4. INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS

O inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia Civil. Todavia o

parágrafo único do artigo 4º do CPP estabelece que “a competência definida neste artigo não

excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.

Percebe-se que existem vários tipos de inquéritos, tais como: IPM (inquérito

policial militar), Inquérito Civil (presidido pelo MP, na apuração destinada à propositura da

ação civil pública, Inquérito Parlamentar (utilizado nas Comissões parlamentares de

inquérito). Nota-se, então, que o inquérito, bem como a investigação criminal não são

privativos da polícia judiciária, no entanto, vale frisar que nem todos os órgãos que podem

confeccionar o inquérito policial podem realizar uma investigação criminal, visto que muitos

dos inquérito não versam sobre matéria penal.

3. INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES

3.1. VANTAGENS DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR POLICIAL

A maior vantagem de se conceder a exclusividade da investigação na fase

preparatória para a instrução criminal, às polícias, se deve ao fato da amplitude da presença

policial, e em tese a celeridade e economia para os cofres do Estado.

Não há que se negar que as polícias têm melhores e maiores condições de atuar

em diversas áreas ao mesmo tempo e em locais pouco habitados, e em países como o Brasil,

que possuem dimensões continentais a possibilidade de se fazer presente em várias

localidades é uma grande vantagem, pois a abrangência dos policiais é maior que a dos juízes

Page 20: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

20

de instrução ou dos promotores investigadores, que não possuem condições suficientes de

estarem em todos os locais.

Em teoria, a atividade policial é mais célere, não porque pode estar em todos os

locais de crime, mas porque tem a possibilidade de ter um maior contato com as pessoas e

assim tornar a investigação mais dinâmica.

Sob o ponto de vista econômico a investigação preliminar a cargo da polícia é

mais barata, pois demanda recursos humanos com menor grau de especialização. Com o

salário de um juiz ou promotor, o Estado tem condições de manter uma equipe de policiais

(que igualmente existiriam se a instrução estivesse a cargo do juiz ou do MP, pois nenhum

dos dois pode realizar sua atividade sem o auxílio policial).

3.2. INCOVENIENTES DA INVESTIGAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL

POLICIAL

A polícia dispõe de uma poderosa discricionariedade de fato para selecionar as

condutas a serem perseguidas. Esse espaço de atuação está, muitas vezes, na zona cinza, no

pueril limite entre o lícito e o ilícito.

A eficácia da atuação policial se mostra mais ativa quando atua contra

determinados escalões da sociedade, em regra, contra as classes menos favorecidas, deixando

assim, impunes as classes mais elevadas.

O alto grau de interferência política nas polícias também é um enorme

inconveniente, pois não há independência funcional ao delegado que por ventura, venha a

indiciar uma pessoa que seja da alta sociedade, pois é muito comum se ter notícia de que

delegados de polícia que indiciaram figurões da sociedade, ser transferidos para unidades bem

desprestigiadas em virtude de terem trabalhado corretamente, pois não podemos nos esquecer

de um exemplo bem atual, no caso da “Operação Satiagraha”, onde o delegado da Polícia

Federal foi exonerado do cargo após prender um grande banqueiro, procedimento este,

desempenhado sob o crivo do Ministério Público Federal e sob o olhar da Justiça Federal, que

foi duramente questionada pela mídia e pelos governantes do nosso país.

Page 21: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

21

A polícia esta muito mais suscetível de contaminação política (especialmente os

mandos e desmandos de quem ocupa o Governo) e de sofrer a pressão dos meios de

comunicação. Isso leva a dois grandes inconvenientes: a possibilidade de ser utilizada como

instrumento de perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de resolver

rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de comunicação.

A falta de credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em dúvida

pelas denúncias de corrupção e abuso de autoridade que as polícias sofrem, o que leva ao

descrédito probatório do material recolhido e a necessidade de completa repetição das provas

em juízo.

4. INVESTIGAÇÃO E ACUSAÇÃO NO JUIZADO DE INSTRUÇÃO

O juizado de instrução constitui modelo de investigação processual penal adotado

em alguns países europeus no qual se manifesta rígida separação entre as funções de acusação

e instrução. A separação, ensejada por razões históricas, deixa a cargo do promotor ou

procurador acusar, a cargo do juiz promotor a promoção da instrução e a cargo de outro órgão

jurisdicional o julgamento. De modo que quem instrui não julga. É verdade que tal modelo foi

sensivelmente modificado na atualidade, mas é preciso ressaltar, por outro lado, que mesmo aí

não se opera separação rígida entre as funções de acusação e investigação, como se poderia

imaginar.

Nos sistemas que adotam uma investigação preliminar judicial , o juiz instrutor é a

máxima autoridade, responsável pelo desenvolvimento da instrução preliminar. O juiz

instrutor possui todos os poderes para realizar investigações e diligências que entender

necessário para colher os elementos de convicção que permitam ao Ministério Público acusar.

Page 22: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

22

A importância da devida interpretação das disposições constitucionais avulta

quando se percebe entre os argumentos na linha da ilegitimidade dos procedimentos

investigatórios promovidos por membros do Ministério Público. Como se sabe o Constituinte

recusou proposta no sentido de instituir-se, entre nós, o sistema de juizados de instrução. Mas

daí não é possível extrair como conseqüência a idéia segundo a qual foi implantado, para a

polícia judiciária, o monopólio das atividades investigatórias, quando na esfera criminal.

Em alguns países que adotam o juizado de instrução, não é permitido ao membro

do MP realizar a instrução, porém, não significa que o órgão ministerial esteja proibido de

investigar, mas tão somente de promover a instrução do processo penal, já que esta função é

privativa do juiz. O juiz é detentor de amplos poderes, pode ordenar uma série de diligências

para garantir a segura apuração do delito, como determinar a prisão preventiva, escutas

telefônicas, busca e apreensão, etc.

O sistema do juizado de instrução vem cedendo espaço a outro sistema no qual o

Ministério Público é responsável pela investigação preliminar. Neste sentido afirma Aury

Lopes Jr:

“A instrução preliminar a cargo do MP tem sido adotada nos

países europeus como um substituto ao modelo de instrução

judicial anteriormente analisado (juizado de instrução). Neste

sentido, a reforma alemã de 1974 suprimiu a figura do juiz

instrutor para dar lugar ao promotor investigador. A partir de

então, outros países, com maior ou menor intensidade, foram

realizando modificações legislativas nessa mesma direção,

como sucedeu, v.g, na Itália (1988) e em Portugal (1995). Na

Espanha, a Lei Orgânica (LO) 7/88 que instituiu o

procedimento abreviado deu os primeiros passos nessa

direção, ao outorgar ao fiscal maiores poderes na instrução

preliminar”

Page 23: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

23

4.1. INVESTIGAÇÃO E ACUSAÇÃO NO SISTEMA PROCESSUAL

BRASILEIRO.

O CPP denomina a investigação preparatória para a instrução criminal de

inquérito policial, em clara alusão a polícia judiciária. Não resta dúvida de que a natureza

jurídica do inquérito policial vem determinada pelo sujeito e a natureza dos atos realizados, de

modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo pré-processual.

Tem-se então, que no modelo brasileiro não há divisão rígida, insuperável, entre

as funções de investigação e acusação, de modo que ambas podem ser exercidas com

responsabilidade pelos membros do Ministério Público. Isso não afasta a concepção segundo

a qual aos órgãos é dada uma função precípua a ser devidamente exercida. No caso da

instituição ministerial, reconhece-se como precípua a função acusatória. A investigação pode

ser entendida como atividade típica judiciária, mas nem por isso exclusiva.

O parágrafo único do artigo 4º do CPP dispõe que a competência da polícia

judiciária para apurar infrações penais não exclui a de outras autoridades administrativas, a

quem por lei seja cometida a mesma função.

Não se resolve o problema que constitui objeto do presente texto a partir da

definição do titular do inquérito policial. Ora, é inegável que tal procedimento diz respeito à

legitimidade do Ministério Público, através de seus próprios procedimentos, realizar, em

determinadas circunstâncias muito bem justificadas, diligências investigatórias que venham a

subsidiar a formação da convicção a propósito da necessidade de provocação da jurisdição

penal.

Nesse sentido ensina Aury Lopes Jr (2006, p. 157/158):

“O Ministério Público não só está legalmente autorizado a

acompanhar ativamente a atividade policial no curso do

inquérito, como também a investigar e a realizar sua própria

investigação preliminar, vista como um procedimento

administrativo pré-processual. Infelizmente, por falta de uma

norma que satisfatoriamente defina o chamado controle

Page 24: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

24

externo da atividade policial – subordinação ou dependência

funcional da polícia em relação ao MP – não podemos afirmar

que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito

policial, mas sim participar ativamente, requerendo diligências

e acompanhando a atividade policial. Sem embargo, não está o

MP condenado a ser um mero acompanhante ou espectador,

pois a lei lhe faculta o poder de instaurar e conduzir seu

próprio procedimento investigatório”.

5. LEGITIMIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MP NA FASE

INTRUTÓRIA.

O Ministério Público, na condição de titular da ação penal pública (CF, art. 129,

I), não é um mero espectador da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por

isso, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem

necessárias. Mesmo porque, doutrina e jurisprudência entendem que o inquérito policial é um

instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação.

A Constituição atribuiu ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos

procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos

para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva (art. 129, VI). Essa competência

abrange tanto a esfera cível quanto a criminal.

A Constituição atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o controle externo

da atividade policial (art. 129, VII), além de dispor que cabe ao Parquet requisitar diligências

investigatórias e a instauração de inquérito policial.

O sistema do art. 129 da Constituição visa a fornecer ao Ministério Público

autonomia para levar a cabo a apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia,

por meio inclusive da expedição de notificações para a coleta de depoimentos. Não há conflito

entre as normas constitucionais indicadas acima e o que dispõe o art. 144 da Carta, tanto

porque tais normas têm caráter principiológico, como porque o art. 144 não conferiu

exclusividade à Polícia no que diz respeito à investigação de infrações penais.

Page 25: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

25

Outras normas constitucionais fundamentam a atribuição dessa competência ao

Ministério Público: o art. 127, caput, que impõe ao Parquet a defesa da ordem jurídica e dos

interesses individuais indisponíveis; o art. 129, II, que conferiu ao Ministério Público o dever

de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, promovendo as medidas necessárias a sua

garantia; o art. 129, IX, que admite que o Ministério Público exerça outras funções

compatíveis com sua finalidade; o art. 144, caput, que indica a segurança pública como dever

do Estado e direito e responsabilidade de todos; e os artigos que cuidam dos direitos

fundamentais, da dignidade humana e da cidadania, já que a persecução penal rápida e

eficiente é exigida por esses bens constitucionais.

Quanto à ordem infraconstitucional, a Lei Orgânica Nacional do Ministério

Público (Lei nº 8.625 de 1993), em seu art. 26, I, “a” e “b”, prevê a expedição de notificações

para colher depoimento ou esclarecimentos, bem como a requisição de informações, exames

periciais e documentos de autoridades e órgãos públicos.

A investigação pelo Ministério Público tem um caráter subsidiário e será

empregada apenas quando for necessário, de modo que a competência da Polícia não é

subtraída. De todo modo, o sistema pelo qual se atribui com exclusividade à Polícia a

investigação criminal, reservando-se ao Ministério Público a função de mero expectador e

repassador de provas, é arcaico e pouco eficaz. A atuação direta do Ministério Público nesse

particular pode conferir maior celeridade à atividade investigatória, permitindo ademais o

contato pessoal do agente do Parquet com a prova e facilitando a formação de seu

convencimento.

Diversas situações recomendam a intervenção do Ministério Público por sua

independência em relação aos Poderes estatais. Além disso, não é raro apurar-se o

envolvimento de policiais em episódios de corrupção ou mesmo com o crime organizado.

Existem dois argumentos utilizados para afastar a aptidão funcional do Ministério

Público em realizar investigações criminais:

1 – a suposta ausência de fundamento legal a respaldar tal atribuição funcional do

Ministério Público;

Page 26: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

26

2 – a alegada exclusividade da polícia sobre a tarefa de investigar a prática de

delitos, estabelecida na Constituição Federal.

A constituição Federal atribui às Polícias Federal e Civil, o dever de investigar

ilícitos penais (144, § 1º, inc. I, e § 4º, da CF). Esta atribuição constitucional, no entanto, não

exclui a de outras autoridades administrativas (art. 4, § único do CPP), pois, como já frisado,

a segurança pública é direito e responsabilidade de todos (caput do art. 144 da CF). A

propósito, se assim desejasse o legislador (investigação criminal privativa pela polícia), teria

textualmente dito como o fez no artigo 129, inciso I, da CF, ao atribuir a legitimidade

privativa ao Ministério Público de propor a ação penal pública.

Daí se extrai a conclusão de que todos (incluindo-se o Ministério Público), têm

direito de investigar ilícitos penais na busca da punição dos criminosos para a preservação da

ordem pública (art. 144 da CF) e apresentar estas provas para que o criminoso seja punido.

Quanto ao Ministério Público, esse direito de investigação vai além, tornando-se

um dever quando o interesse público exigir. A Carta Política de 1988 estabeleceu um novo

perfil, uma nova vocação constitucional à instituição (art. 127 da CF), incumbindo-lhe não só

à tutela da ordem jurídica e do regime democrático, mas também dos interesses sociais e

individuais indisponíveis. Para tanto, concedeu-lhe os poderes de ação (ação penal pública,

ação civil pública, ações individuais na qualidade de substituto processual à tutela de

direitos individuais indisponíveis, etc.) e de investigação (inquérito civil e procedimentos

administrativos de sua competência).

A investigação criminal é uma atividade desempenhada por órgãos públicos, para

a elucidação da autoria e materialidade dos delitos, trazendo assim, os elementos probatórios

mínimos ao Ministério Público para que inicie a ação penal.

“O sistema processual pátrio é acusatório, com a acusação,

em regra a cargo do Ministério Público, prevalecendo o

princípio do contraditório.

Entretanto, o processo é precedido pela fase de investigação,

com caráter sigiloso, onde não prevalece o contraditório,

possibilitando, assim, a elucidação do fato típico.

A investigação, portanto, não tem as formalidades processuais,

Page 27: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

27

podendo sim ter caráter de procedimento, no caso de inquérito

policial ou outro procedimento investigatório previsto em lei.

Ressalte-se que, para a propositura da ação penal, poderá até

mesmo inexistir quaisquer atos procedimentais, bastando a

notícia-crime ou peças de informação, caso os elementos

necessários já estejam presentes”. (LIMA, Marcellus Polastri,

1998, p. 52).

A CF/88 estabelece que as investigações criminais incubem, especialmente, aos

órgãos policiais; contudo, deixa implícita a possibilidade de o Ministério Público realizá-las

também, quando permite a propositura da ação penal sem a realização do inquérito policial.

Podemos classificar as investigações em policiais e extrapoliciais. As

investigações policiais são realizadas por meio de inquérito policial (procedimento

administrativo utilizado para a coleta de elementos probatórios a respeito da materialidade e

autoria do delito).

As investigações criminais extrapoliciais, que neste momento nos interessam, são

aquelas realizadas pelo Ministério Público por meio de procedimento administrativo interno

(PIP, PIC, PAI, etc.), para elucidar a responsabilidade pelo delito praticado.

O artigo 129, inciso VI, da Carta Magna, considerado como fonte normativa das

funções institucionais do Parquet, afirma que o MP pode expedir notificações com o escopo

de requisitar as informações de que necessitar para a melhor instrução de seus procedimentos

administrativos. Como a norma constitucional utilizou o termo “procedimentos

administrativos”, a interpretação é que o Ministério Público pode realizar outros

procedimentos investigatórios, como o criminal, além do inquérito civil (São Pedro, 2003, p.

52).

Ainda o art. 129, após especificar as funções acometidas ao Parquet, dispõe

expressamente, em seu inciso IX, que lhe compete “exercer outras funções que lhe forem

conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação

judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.

Page 28: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

28

O exercício dessas outras funções exige três requisitos: 1- função seja definida em

lei; 2- seja compatível com a finalidade institucional do Parquet; 3- não seja representação

judicial ou consultoria jurídica de entidades públicas.

Em sendo assim, a Lei Complementar no 75/93, ao concretizar esse dispositivo

constitucional, estabeleceu, em seu art. 5º, inciso VI, que compete ao Ministério Público

“exercer outras funções previstas na Constituição Federal”.

Ao especificar o dispositivo acima, a LC nº 75/93, em seu art. 8 o, inciso V,

dispõe que, para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público poderá, nos

procedimentos de sua competência, realizar inspeções e diligências investigatórias.

Esses dispositivos legais, sem dúvida, autorizam o Ministério Público a promover

outros procedimentos administrativos de investigação, tais como o criminal, não se

restringindo ao inquérito civil. Assim, não há como se deixar de vislumbrar que a realização

de investigação criminal pelo próprio Parquet tem embasamento constitucional e legal a

ampará-lo.

É força, portanto, reconhecer a concretização legislativa do dispositivo

constitucional, por meio da LC n o 75/93, autorizando legalmente o Ministério Público a

realizar investigações criminais.

No que tange à compatibilidade da realização direta de investigação criminal com

sua finalidade institucional, fácil é sua demonstração.

Como o Ministério Público é o titular privativo para promover a ação penal,

entende- se que esse poder de persecução penal deve ser interpretado em lato sensu, para

incluir, também, a possibilidade de realização de atos investigatórios que irão fornecer

elementos para propositura da ação penal. Com efeito, nada é mais compatível entre si que a

realização da fase preliminar de investigação criminal por quem tem a titularidade privativa

da ação penal.

Page 29: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

29

O segundo óbice à legitimidade do Ministério Público na realização de

investigação criminal é o suposto monopólio dos órgãos policiais sobre a tarefa de investigar

a prática de crimes.

A Carta Magna vigente, no art. 144 e seus parágrafos, ao estabelecer que compete

à polícia federal exercer, com exclusividade, a função de polícia da União e à polícia civil a

função de polícia judiciária e a tarefa de investigar a prática de infrações penais, não atribuiu,

porém, a esses órgãos policiais a privatividade sobre a função de investigar a prática de

infrações penais.

A interpretação teleológica desse dispositivo indica que a finalidade da norma

constitucional é estabelecer apenas o âmbito de atuação dos órgãos policiais federal e

estaduais no exercício da função policial.

“Destarte, a Constituição Federalnão dá às Polícias Civis dos

Estados- Membros a exclusividade de apuração das infrações

penais, e nem mesmo das atividades de Polícia Judiciária, pois

o que faz é dizer que incumbe à Polícia Civil as funções de

Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, mas sem o

caráter de privatividade.” (LIMA, Marcellus Polastri, 1998, p.

55).

Esse também é o entendimento de Vicente Greco Filho (1993, p. 82):

“Exceto o caso da Polícia Federal,qu anto à Polícia Judiciária

da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não-

exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure

infrações penais, o que, ademais, é de interesse público.”

Os textos acima demonstram que as investigações criminais não são de função

privativa da polícia judiciária, uma vez que a Constituição Federal não foi expressa em

atribuir privatividade aos órgãos policiais sobre a tarefa de investigar.

Page 30: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

30

Em sendo assim, nada obsta que o Ministério Público realize diretamente

investigações criminais, mormente quando há expressa autorização legal para o exercício de

tal função pelo MP.

Cabe também demonstrar a inexistência de qualquer incompatibilidade entre a

realização de diligências investigatórias pelo Ministério Público e posterior oferecimento da

ação penal.

É a própria lei quem traça a diretriz da atuação ministerial nas ações penais

públicas. Com efeito, o artigo 257 do Código de Processo Penal dispõe que “o Ministério

Público promoverá e fiscalizará a execução da lei.”

Logo, “esta é a sua função” e “como parte na ação penal pública, não está

obrigado a promovê-la, única e exclusivamente, para obter a condenação do réu, mas antes

sua atuação, nesta qualidade, é a de velar, usando de todos os meios possíveis, pela correta

aplicação da lei, tanto processual como material, que no processo se resume na obtenção de

uma sentença legal e justa”.

Esse entendimento é pacífico no Superior Tribunal de Justiça, que editou, em 13

de dezembro de 1999, a Súmula nº 234, decidindo que:

“A participação de membro do Ministério Público na fase

investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou

suspeição para o oferecimento da denúncia”.

Isso porque o direito de punir que promove o Ministério Público não é dele, mas

do Estado soberano. Portanto, o fato de ser parte na ação penal pública não lhe retira o ônus de

ser, também, fiscal da lei, dado que, em ambas as hipóteses, representam o Estado e, no dizer

de Carnelutti, “a garantia do interesse público, em lugar de um direito para o Ministério

Público, é um dever.”

Page 31: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

31

6. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAÇÃO DO

MINISTÉIRO PÚBLICO.

Nem mesmo uma interpretação literal, histórica e restritiva das funções

institucionais do Ministério Público poderia, sem cair em erro grosseiro, afirmar que as

atribuições prescritas no artigo 129 da Constituição Federal são taxativas. Claro que a

cláusula de abertura não é ilimitada, seja do ponto de vista negativo (há restrições quanto à

representação judicial e consultoria jurídica a entidades públicas), seja do ponto de vista

positivo (a função que não está expressa deve ser adequada à finalidade do Ministério

Público).

Em decorrência da disposição constitucional foi promulgada a Lei Complementar

nº 75 de 1993, que dispõe sobre as atribuições do Ministério Público da União, contemplando

expressa autorização para a realização de inspeções e diligências investigatórias.

A legitimação do poder investigatório do MP tem, portanto, sede constitucional e,

no plano infraconstitucional, autoridade própria de lei complementar.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 127, definiu o Ministério Público

como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

Nada mais consentâneo com tais macrofinalidades do que a função de

desencadear a persecução criminal. Por esta razão, a própria Carta Magna conferiu à

instituição a legitimidade privativa para propor a ação penal pública (art. 129, I).

Pois bem, para que o Ministério Público bem desempenhasse esta função, a

própria Constituição Federal aparelhou-o com instrumentos de atuação, especialmente no que

se refere às relações entre a Instituição e os órgãos policiais.

Page 32: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

32

Torna-se relevante ressaltar os dispositivos constitucionais relacionados à matéria:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover privativamente a ação penal pública, na forma

da lei;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de

sua competência, requisitando informações e documentos para

instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na

forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de

inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas

manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde

que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a

representação judicial e a consultoria jurídica de entidades

públicas".

A lei orgânica nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), regulamentando as

funções ministeriais, assim dispôs:

"Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério

Público poderá:

I – instaurar inquéritos civis e outras medidas e

procedimentos administrativos pertinentes e, para

instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou

esclarecimentos e, em caso de não-comparecimento

injustificado, requisitar condução coercitiva,

Page 33: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

33

inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas

as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e

documentos de autoridades federais, estaduais e

municipais, bem como de órgãos e entidades da

administração direta, indireta ou fundacional, de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias

junto às autoridades, órgãos e entidades a que se

refere a alínea anterior;

II – requisitar informações e documentos a

entidades privadas, para instruir procedimentos ou

processo em que oficie;

III – requisitar à autoridade competente a

instauração de sindicância ou procedimento

administrativo cabível;

IV – requisitar diligências investigatórias e a

instauração de inquérito policial e de inquérito

policial militar, observado o disposto no art. 129,

VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-

los;

V – praticar atos administrativos executórios, de

caráter preparatório...".

Desta forma, considerando que ao Promotor de Justiça, assim como ao Procurador

da República, compete promover a ação penal pública, como verdadeiro defensor da ordem

jurídica e dos interesses sociais, não há como conceber que não possam estes praticar

quaisquer atos, desde que legais, a fim de formar sua convicção e coletar elementos que

embasem a petição inicial do Processo Penal.

Page 34: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

34

Ora, se o Promotor de Justiça pode (deve) ajuizar a ação penal, "a fortiori", lhe é

permitido praticar atos administrativos que possibilitem sua atuação. Em outras palavras, e

utilizando-nos de conhecida e já reiteradamente aplicada expressão, quem pode o mais, pode

o menos.

Assim ocorre na área cível. Se um advogado é procurado por um cidadão para que

ajuíze determinada ação, por óbvio, este profissional, antes de demandar, preparar-se-á,

colhendo os elementos de prova que entender necessários à comprovação dos fatos deduzidos

na inicial.

Na área criminal, podemos citar o exemplo dos crimes de ação penal privada. Se o

ofendido vem a juízo oferecer queixa contra o autor do crime, obviamente lhe assiste o direito

de trazer elementos de prova colhidos por ele próprio, não ficando adstrito aos elementos

colhidos pela autoridade policial.

Resta saber porque o Ministério Público não pode, como se tem dito, valer-se dos

elementos por ele próprio colhidos.

Na verdade, como já afirmado no início deste texto, a solução da questão é óbvia.

A Constituição Federal atribui a titularidade da ação penal ao Ministério Público.

Concomitantemente, dispõe que caberá a tal instituição realizar as tarefas a ela atribuídas por

lei, desde que compatíveis com suas finalidades.

A lei 8.625/93 atribuiu ao Ministério Público às funções de praticar atos

executórios, de caráter preparatório. No nosso entender, é o que basta para dar supedâneo às

investigações criminais do Ministério Público.

Vale dizer que o Digníssimo Secretário de Justiça do Estado de São Paulo

Alexandre de Moraes, constitucionalista já consagrado, afirma que, seria desnecessária

previsão legal expressa da investigação criminal feita pelo Ministério Público, dada a teoria

constitucional dos poderes implícitos.

Page 35: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

35

6.1. PREVISÕES INFRACONSTITUCIONAIS DE ATUAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE INVESTIGATÓRIA PRÉ-

PROCESSUAL.

O artigo 129, inciso I da Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público a

titularidade privativa da ação penal pública e o inciso II lhe conferiu o dever de “zelar pelo

efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos

assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”. Entende-

se, contudo, que a Constituição fornece ao Ministério Público plena autonomia para levar a

cabo a apuração dos fatos necessários à oferta de sua denúncia.

A própria CF/88 em seu artigo 129, inciso VI, autoriza expressamente a expedição

de notificações “nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando

informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar”, e o inciso VIII,

por sua vez, autoriza a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito

policial, “indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.

Existem diversas disposições legais que permitem ao Ministério Público proceder

a investigações diretas, conforme alguns exemplos abaixo, demonstrando que a atuação do

órgão ministerial na investigação é legítima:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:

"Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a

iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a

ação pública, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o

fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de

convicção".

“Art. 47. Se o Ministério Público julgar necessários maiores

esclarecimentos e documentos complementares ou novos

elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de

quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam

fornecê-los.”

"Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os

juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação

pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os

Page 36: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

36

documentos necessários ao oferecimento da denúncia".

Se não houvesse legitimidade para realizar investigações criminais, para que

serviriam essas notificações ou as informações e os documentos requisitados senão para

instruir procedimento administrativo investigatório? “É evidente que nenhuma lei traz

palavras ou disposições inúteis, como ensina a hermenêutica. Muito menos a nossa

Constituição Federal tão bem autoriza o MP a expedir notificações e requisitar documentos e

informações.

Lei Complementar nº 75/1993:

“Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que

necessário ao exercício de suas funções institucionais:

I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos

administrativos correlatos;

II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de

inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo

acompanhá-los e apresentar provas”;

“Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério

Público da União poderá, nos procedimentos de sua

competência:

I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva,

no caso de ausência injustificada;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de

IV - requisitar informações e documentos a entidades

privadas;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos

procedimentos e inquéritos que instaurar”;

A LC nº 75/93 é a lei específica que o artigo 129, inciso VIII da CF, pede para

que o Ministério Público tenha legitimidade para a realização de atos investigatórios na fase

pré-processual.

Existe previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990,

permitindo que o Ministério Público realize atos de investigação para apurar os atos

infracionais cometidos por adolescentes (oitiva do adolescente, pais, vítima e testemunhas)

Page 37: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

37

bem como permite que o Ministério Público instaure sindicância para apurar infração contra

as normas de proteção à infância e à juventude.

“Art. 200. As funções do Ministério Público previstas nesta Lei

serão exercidas nos termos da respectiva lei orgânica.

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a

proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos

relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no

art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;

VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-

los:

a) expedir notificações para colher depoimentos ou

esclarecimentos e, em caso de não comparecimento

injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela

polícia civil ou militar;

b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de

autoridades municipais, estaduais e federais, da administração

direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências

investigatórias;

c) requisitar informações e documentos a particulares e

instituições privadas;

VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências

investigatórias e determinar a instauração de inquérito

policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de

proteção à infância e à juventude”;

Page 38: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

38

ESTATUTO DO IDOSO, LEI nº 10.741/2003:

“Art. 74. Compete ao Ministério Público:

V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo:

a) expedir notificações, colher depoimentos ou

esclarecimentos e, em caso de não comparecimento

injustificado da pessoa notificada, requisitar condução

coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;

b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de

autoridades municipais, estaduais e federais, da administração

direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências

investigatórias;

c) requisitar informações e documentos particulares de

instituições privadas;

VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências

investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a

apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção ao

idoso”;

Pode-se perceber, conforme as legislações citadas anteriormente, que o ministério

público possui legitimidade investigatória para atuar na proteção de menores de 18 anos e

maiores de 60 anos, pois são casos em que podem haver um grande prejuízo se o Ministério

Público não atuar, como órgão garantidor dos direitos dos cidadãos. No entanto, não é lógico

que se vede a atuação do MP nos casos em que os envolvidos são maiores de 18 anos e

menores de 60 anos, pois a polícia tem competência para atuar nos casos de menores e idosos

e porque o Ministério Público não teria legitimidade?

Page 39: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

39

Essas legislações infraconstitucionais, são exemplos de que a atuação do

Ministério Público na ação investigatória pré-processual estão legitimadas pelo nosso

ordenamento, uma vez que não vão de encontro à nossa Constituição Federal.

Existe uma súmula do STJ legitimando a investigação criminal pelo Ministério

Público:

“STJ Súmula nº 234 - 13/12/1999 - DJ 07.02.2000

Membro do Ministério Público - Participação na Fase

Investigatória - Impedimento ou Suspeição - Oferecimento

da Denúncia”

“A participação de membro do Ministério Público na fase

investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou

suspeição para o oferecimento da

denúncia”.(http://www.stj.gov.br)

Entende o STF que pode o Ministério Público oferecer denúncia com base em

sindicância administrativa interna instaurada com fundamento no art. 201, VII, do ECA, para

apurar infração a direitos de crianças e adolescentes.

7. POSICIONAMENTO CONTRÁRIO A INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO

Ao longo da pesquisa obtivemos alguns posicionamentos desfavoráveis a

investigação pelo Ministério Público na fase pré-processual.

Afirmam os defensores de tal idéia que a Polícia Judiciária, Polícia Civil na esfera

estadual e Polícia Federal na esfera federal, possui exclusividade na tarefa de proceder a

investigações criminais, fundamentando tal assertiva no art. 144 da Constituição Federal, o

qual teria feito tal ressalva.

Page 40: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

40

Outro argumento muito utilizado por aqueles que defendem o entendimento de

que o Ministério Público não pode investigar na área criminal é o de que não há a

regulamentação devida desta atribuição ministerial, porém essa afirmativa é inverídica, pois

há regulamentação do Ministério Público de São Paulo, o qual regulamenta a atividade

investigatória pelos promotores de justiça (Ato normativo nº 314 – PGJ/CPJ).

Também existe o argumento de que a investigação pelo Ministério Público iria de

encontro à função de controle externo da atividade policial, alegando que no momento que o

Ministério Público avocasse a investigação, haveria um grande prejuízo ao controle externo

da referida atividade e, conseqüentemente, ao sistema acusatório.

Quanto ao sistema de freios e contra-pesos, entendem que, caso o Ministério

Público investigasse diretamente, não haveria controle externo algum sobre a atividade

investigativa. Primeiramente, por ser a fiscalização do inquérito sua missão precípua, nenhum

outro órgão externo teria condições de fiscalizá-lo, quiçá o Judiciário, pois, assim agindo,

acabaria se envolvendo com a investigação, tornando-se um juiz instrutor.

Com a investigação direta a cargo do Ministério Público, essa atividade ficaria

sem controle externo algum, comprometendo o sistema de check and balances, e

conseqüentemente, gerando nítido prejuízo ao indiciado e à sociedade, eis que a mesma não

teria um órgão que fiscalizasse a correta atividade investigativa.

Nesse sentido, trazemos a colação a palavra de Luis Roberto Barroso:

"Não é desimportante lembrar que a Polícia sujeita-

se ao controle do Ministério Público. Mas se o

Ministério Público desempenhar, de maneira ampla

e difusa, o papel da Polícia, quem irá fiscalizá-lo?"

(BARROSO, Luís Roberto. Investigação pelo Ministério

Público. Argumentos contrários e a favor. A síntese possível e

necessária. Parecer disponível na Internet em: 08. março. 2005

<http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/spi_i

nvestigadireta2>. Acesso em: 18/02/2009

Page 41: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

41

Nesse sentido Aury Lopes JR assevera os perigos de atribuir à pessoa do Parquet

a investigação preliminar:

"Na prática, o promotor atua de forma parcial e não vê mais

que uma direção. Ao se transformar a investigação preliminar

numa via de mão única, está-se acentuando a desigualdade das

futuras partes com graves prejuízos para o sujeito passivo. É

converte-la em uma simples e unilateral preparação para a

acusação, uma atividade minimista e reprovável, com

inequívocos prejuízos para a defesa”.( LOPES JR, Aury,

Lumen Juris, p. 97, 2006).

Esses são alguns dos argumentos utilizados para refutar a legitimidade do

Ministério Público na atuação investigatória na fase pré-processual, entendendo que o

Ministério Público deve atuar tão somente no exercício do controle externo, como forma de

preservar a sistemática de nossa Constituição, bem como, que a titularidade da investigação

criminal é exclusiva da polícia judiciária.

8. ATUAÇÃO DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS EM OUTROS PAÍSES

A questão da investigação pelo Ministério Público é debatida mundialmente,

questionando-se a comunidade jurídica se as investigações preliminares devem ser realizadas

somente pela polícia, ou se há legitimidade para que o órgão ministerial também atue na

investigação, ou se a investigação ficaria a cargo do juiz instrutor.

Com a progressiva prevalência do sistema acusatório a inadmitir a participação

ativa do magistrado na apuração dos fatos, cada vez mais vai sendo rejeitada a figura do Juiz

de Instrução na sua forma pura. Assim, os dois principais sistemas europeus de investigação

criminal são: o inglês, pelo qual a incumbência é da polícia; e o continental, onde o Ministério

Público dirige a investigação e dispõe diretamente da polícia judiciária.

Page 42: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

42

Nos países onde uma versão do juizado de instrução ainda é adotada, o que ocorre

é uma divisão de funções. Existe um magistrado incumbido de gerenciar a coleta de provas,

decidindo as questões legais surgidas na fase investigatória, bem como de decidir pela

existência de lastro probatório mínimo para o início da ação penal. O magistrado, neste caso,

não procede diretamente à coleta de provas, apenas fiscaliza a investigação. Recebida a

denúncia, o processo é encaminhado para outro magistrado, que julgará o caso.

Neste ponto, é importante observar, ainda que de forma breve, as características

dos países que mais influenciam o direito brasileiro.

O Ministério Público da Espanha é denominado Ministério Fiscal e atua sempre

na defesa da legalidade, seja como promotor da ação penal, seja como custus legis. É papel do

Ministério Fiscal velar pelas garantias processuais do imputado e pela proteção dos direitos da

vítima e dos prejudicados pelo delito. A investigação criminal fica a cargo da polícia, que é

órgão auxiliar do Ministério Fiscal e do Judiciário, sendo obrigada a seguir suas instruções,

entretanto, existe crescente corrente doutrinária posicionando-se pela investigação ministerial

direta.

Na Itália, as investigações preliminares são conduzidas pela polícia e pelo

Ministério Público, sob o controle direto de um juiz específico para esta fase. A polícia

oferece noticia crime, com todas as informações disponíveis, ao Ministério Público, em até 48

horas. A partir deste momento, toda investigação se canaliza através do Ministério Público,

que dispõe totalmente da polícia judiciária.

O Ministério Público da França é o titular da ação penal pública e fiscal da lei,

entretanto, os seus membros não gozam da estabilidade conferida aos magistrados e estão eles

hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça. A polícia judiciária é subordinada ao

Ministério Público, sendo este responsável pelo acompanhamento da investigação e,

excepcionalmente, pela sua condução.

Em Portugal, os membros do Ministério Público são denominados magistrados do

Ministério Público e possuem a função de praticar todos os atos e assegurar todos os meios de

prova necessários à comprovação da existência do crime, à identificação dos agentes e à

delimitação das responsabilidades. A função do juiz de instrução é tipicamente garantista,

passando por ele todas as decisões da investigação. Já a polícia judiciária, realiza todas as

Page 43: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

43

diligências determinadas pelo Ministério Público. Este, por sua vez, pode realizar diretamente

determinadas diligências autorizadas expressamente por lei.

Na Alemanha, igualmente a Portugal, a investigação criminal fica sob a reserva de

competência do Ministério Público. Neste sentido, preleciona Juan-Luis Gomez Colomer

(BASTOS, 2004, p. 53):

“La doctrina alemana considera como ayudantes Del

Ministerio Fiscal, en la realización de los actos propios del

procedimiento de averiguación o preparatorio, a las siguientes

autoridades y funcionarios: la Policía, el juez Investigador, y

las autoridades que prestan ayuda judicial. 1. LA POLICÍA: Es

él órgano ayudante de más importancia (...) Como

obligaciones generales, la Policía tiene las dos siguientes: 1)

Practicar de oficio todas las ordenaciones que no permitan

aplazamiento, con° el fin de prevenir el ocultamiento des

asunto (...), enviando inmediatamente los resultados al Fiscal;

2) Debe practicar todas las investigaciones que le ordene el

Ministerio Fiscal (...)”

Nos Estados Unidos, ao Ministério Público (District Attorney) cabe, por exemplo,

proceder a negociações com os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de

testemunhas. Tais atribuições, cuja origem se associa à necessidade de combate à alta

criminalidade, tornam-no "senhor" da conveniência e oportunidade da propositura e exercício

da ação penal. Daí revela-se sua ampla competência investigatória, sendo muito comum na

justiça americana a composição, ou seja, os acordos.

Ela Wiecko V. de Castilho (1999, p. 3-5) lembra que, no VIII Congresso das

Nações Unidas sobre o Delito, realizado em Havana em 1990, aprovou-se a seguinte diretriz:

“Os membros do MP desempenharão um papel ativo no

procedimento penal, incluída a iniciativa do procedimento e,

nos termos da lei ou da prática local, nas investigações dos

crimes, na supervisão da legalidade dessas investigações, na

supervisão da execução das decisões judiciais e no exercício

de outras funções como representantes do interesse público”.

Page 44: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

44

No Chile um recente Código de Processo Penal, conferiu poderes investigatórios

ao Ministério Público, concedendo ao MP a função de condução das investigações.

A IX Conferência Nacional de Direitos Humanos, artigo 22, concluiu sobre a

importância de se conferir poderes de investigação ao MP.

JOSE AFONSO DA SILVA, nos mostra alguns exemplos no direito comparado:

“Se a Constituição tivesse silenciado sobre o tema, ainda se

poderia discutir sobre a possibilidade de se ser a matéria

conferida ao Ministério Público, por via de lei, como se fez na

Itália, onde se retirou o poder investigatório do juiz de

instrução, passando-o, por lei, para os Procuradores da

República que funcionam junto dos tribunais. Mesmo, assim, o

Ministério Público na Itália não tem esse poder

autonomamente, porque a Polícia Judiciária não depende dele

integralmente, mas da autoridade judiciária (Constituição

italiana, art. 109), pois a Constituição italiana só tem um

dispositivo sobre o Ministério Público para impor-lhe o dever

de exercer a ação penal (artigo. 112). A Constituição

portuguesa tem dois artigos sobre o Ministério Público, mas

não dispõe sobre sua competência, deixando a matéria para a

lei (artigos 221 e 222), por isso a lei pôde integrar a Polícia

Judiciária na organização do Ministério Público com

competência exclusiva para a instrução preparatória das

infrações penais. Na Espanha, não é ao Ministério Público que

cabe a função investigatória, só por si diretamente. Lá a

função de averiguação dos delitos cabe à Polícia Judiciária

que, no entanto, no exercício dessa função, depende do juiz,

dos tribunais e também do Ministério Público ( Constituição,

artigo 126). Na Colômbia, sim, a Constituição dá competência

direta à Procuradoria-Geral da Nação (fiscalía General de La

Nación) para investigar os delitos e acusar os presumidos

infratores ante os juízos e tribunais competentes (artigo 250)”.

Page 45: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

45

As peculiaridades da persecução criminal em cada um destes países tornam

tormentosa a formação de parâmetros de comparação válidos, entretanto, parece ser seguro

dizer que, para a eficiência da persecução criminal, são indispensáveis um Ministério Público

e uma Polícia Judiciária fortes e independentes, com elevada qualificação e mentalidade

garantista. Além disto, evidente está a tendência mundial no sentido de uma participação cada

vez maior do Ministério Público na fase investigatória.

Separar simplesmente as funções de acusador e investigador não resolve o

problema, já que a própria investigação deve ser imparcial, sob pena de macular todo o

processo subseqüente. Quem quer que colha as provas necessárias para embasar a acusação

criminal, deve ser um órgão técnico, objetivo, imparcial.

9. DECISÕES JUDICIAIS REFERENTES À INVESTIGAÇÃO PELO

MINISTÉRIO PÚBLICO

A matéria objeto da presente pesquisa já esteve em debate perante o Supremo

Tribunal Federal em várias ocasiões, como podemos observar neste recente julgado do dia

10/03/2009, no julgamento do HC nº 91.661-9/PE, da segunda turma, em que teve como

relatora a Senhora Ministra Ellen Gracie.

Voto na íntegra do HC nº 91.661-9/PE, publicado no DJU, no dia 10/03/2009, fonte: www.stf.gov.br. Acesso em: 05/04/09.

“A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora):

1. A presente impetração visa o trancamento de ação penal movida em face dos pacientes, sob

a alegação de falta de justa causa e de ilicitude da denúncia por estar amparada em

depoimentos colhidos pelo ministério público.

2. A alegação de falta de justa causa não merece acolhida. Transcrevo, por oportuno, trecho

do voto da Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) no julgamento dos

embargos de declaração no RHC 18.768 (fl. 484):

Page 46: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

46

“Quanto ao pedido de trancamento da ação penal, em virtude

da ausência de justa causa. Só se tranca uma ação penal

quando a atipicidade é vista de plano, sem necessidade de

maior aprofundamento probatório, se já ocorreu a extinção da

punibilidade, se há defeito que a fulmine, de imediato e se

inexistem prova da existência do crime e indícios da autoria,

situações não encontradas na hipótese. Narra a denúncia que

Andredick Fontes Moura, César Augusto Marques da Cunha e

Napoleão Gomes de Franca deram causa à investigação

criminal policial e processo judicial contra Adriano Felix da

Silva, imputando-lhe contravenção de que o sabiam inocente

(artigo 339, § 2º, do Código Penal)”.

Logo, à luz dos documentos destes autos, não se vê a alegada

atipicidade, descrevendo a peça acusatória delito em tese, sem

a presença de qualquer causa extintiva da punibilidade ou

ausência de prova da existência do crime, além de se

mostrarem presentes indiscutíveis indícios da autoria, sendo

evidente a ampla possibilidade de defesa.”

No caso em tela, de acordo com a inicial acusatória, os pacientes deram causa à

investigação policial e processo judicial, ao prestaram depoimentos na delegacia de polícia

imputando ao cabo do exército Adriano Felix da Silva, a prática de contravenção (art. 42, da

LCP) de que o sabiam inocente.

Tais condutas, em tese, configuram o delito previsto no art. 339, § 2º do Código

Penal.

A denúncia foi lastreada em documentos (termos circunstanciados) e depoimentos

de diversas testemunhas, que garantiram suporte probatório mínimo para a deflagração da

ação penal em face dos pacientes.

3. A alegação de que os pacientes apenas cumpriram ordem de superior hierárquico

ultrapassa os estreitos limites do habeas corpus, eis que envolve, necessariamente, reexame

do conjunto fático-probatório.

Esta Corte tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do habeas

corpus quando houver necessidade de apurado reexame de fatos e provas (HC nº 89.877/ES,

rel. Min. Eros Grau, DJ 15.12.2006), não podendo o remédio constitucional do habeas corpus

Page 47: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

47

servir como espécie de recurso que devolva completamente toda a matéria decidida pelas

instâncias ordinárias ao Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência é firme no sentido da

denegação do writ quando houver necessidade do exame aprofundado dos elementos

probantes (entre outros: HC 64.999-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.09.1987; HC 67.342-

RJ, rel. Min. Sidney Sanches, DJ 11.09.1987; HC 67.955-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ

15.05.1990; HC 70.980-SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.02.1994; HC 72.858- RS, rel.

Min. Marco Aurélio, DJ 26.09.1995).

4. Argumentam, ainda, os impetrantes que a denúncia foi oferecida com base em

provas ilícitas, vale dizer, os depoimentos de testemunhas colhidos pelo ministério público

estadual. A questão diz respeito à possibilidade de o Ministério Público promover

procedimento administrativo de cunho investigatório.

A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo

órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código

de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou

diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a

respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal.

É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a

colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e

da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia

Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as

normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não

apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a

formação da opinio delicti. (grifo nosso).

Apesar de não haver, até a presente data, um pronunciamento definitivo do Pleno

do STF quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou entendimento no sentido

de ser permitido ao Ministério Público investigar em seara criminal, razão pela qual permito-

me colacionar apenas o recente julgado a seguir:

Page 48: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

48

“HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL.

INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO PARQUET PARA

PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.

CRIME DE AUTORIA COLETIVA. TIPICIDADE DA

CONDUTA. ORDEM DENEGADA”.

1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a Constituição

Federal atribui ao parquet poderes investigatórios, em seu artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e

artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993. Se a Lei maior lhe atribui

outras funções compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre poderes

investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a Polícia Judiciária, antes

a complementa na colheita de elementos para a propositura da ação, pois até mesmo um

particular pode coligar elementos de provas e apresentá-los ao Ministério Público. Por outra

volta, se o parquet é o titular da ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito

policial, por qual razão não poderia fazer o menos que seria investigar fatos?

2. [...]

3. [...]

4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente deferida. (Origem: STJ -

HC 38495 / SC - HABEAS CORPUS 2004/0135804-0 - SEXTA TURMA - Relator: HÉLIO

QUAGLIA BARBOSA - DJ 27.03.2006)

O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção

da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito

policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de

informação que concretizem justa causa para a denúncia.

Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o

qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim –

promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se

concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que

“peças de informação” embasem a denúncia.

Page 49: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

49

Assim, reconheço a possibilidade de, em algumas hipóteses, ser reconhecida a

legitimidade da promoção de atos de investigação por parte do Ministério Público. (grifo

nosso).

5. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido

praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo

Ministério Público.

6. Ademais, pelo que consta dos autos, a denúncia também foi lastreada em documentos

(termos circunstanciados) e em depoimentos prestados por ocasião das audiências

preliminares realizadas no 1º Juizado Especial Criminal de Recife.

7. Por fim, não há óbice legal para que o mesmo membro do Ministério Público que tenha

tomado conhecimento de fatos em tese delituosos – ainda que por meio de oitiva de

testemunhas – ofereça a denúncia em relação a estes fatos.

8. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus”.

Habeas Corpus nº 75.769-3-MG, 1ª. Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti. DJU 28

nov. 1997. Acesso em 17.fev.09.

No julgamento do processo identificado acima, a Primeira Turma do Supremo

Tribunal Federal indeferiu o pedido de habeas corpus, acolhendo a tese do Tribunal de

Alçada do Estado de Minas Gerais no sentido de que a prática de atos de investigação pelo

Promotor de Justiça, inclusive a instauração de inquérito administrativo embasador da ação

penal, não o impede de oferecer denúncia. O acórdão está assim ementado:

“Regular participação do órgão do Ministério Público em fase

investigatória e falta de oportuna argüição de suposta

suspeição. Pedido indeferido”.

Page 50: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

50

Nesse acórdão, a questão específica da condução da investigação pelo Ministério

Público não foi objeto de debate aprofundado no Supremo Tribunal Federal. Mas a admissão

da tese estava claramente afirmada na decisão do Tribunal Estadual e não foi objeto de

censura.

Recurso Extraordinário nº 205.473-9-AL, 2ª. Turma, Rel. Min. Carlos Mário

Velloso. DJU 19 mar. 1999. Acesso em 17.fev.09.

Estes os fatos relevantes subjacentes a esta decisão. Procurador da República em

Alagoas requisitou ao Delegado da Receita Federal no Estado determinadas diligências

investigatórias em uma empresa, para a apuração de ilícitos fiscais. O Delegado informou que

a matéria envolvia o “caso PC Farias”, cujas investigações estavam centralizadas na

Coordenação Geral em Brasília, instância superior, razão pela qual não poderia realizar as

diligências requisitadas. Diante da recusa, o Procurador da República requisitou a instauração

de inquérito contra o Delegado da Receita. Suscitada a questão de o Ministério Público

dirigir-se diretamente à autoridade administrativa, sem recorrer à autoridade policial,

pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, em acórdão do qual consta da ementa o seguinte

registro:

“Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a

autoridade administrativa deixar de atender requisição de

membro do Ministério Público no sentido da realização de

investigações tendentes à apuração de infrações penais,

mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público

realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à

autoridade policial competente para tal (CF, art. 144, §§ 1º e

4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo

investigados em instância superior”.

A possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público, embora não tenha

sido objeto de debate mais minucioso, foi expressamente rejeitada pela 2ª. Turma nessa

decisão.

Page 51: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

51

Recurso Extraordinário nº 233.072-4-RJ, 2ª. Turma, Relator para o acórdão Min.

Nelson Jobim. DJU 3 mai. 2002. Acesso em 17.fev.09

Os fatos subjacentes a esta decisão foram os seguintes. Entendendo ter havido

irregularidades em procedimento licitatório de órgão do Ministério da Fazenda, o Procurador

da República requisitou o respectivo processo administrativo e convocou pessoas para serem

ouvidas.

Com base em tais elementos, ofereceu denúncia contra os envolvidos. O Tribunal

Regional Federal da 2ª. Região concedeu habeas corpus para trancamento da ação penal, sob

o fundamento de que o Ministério Público exorbitara de sua função. Os Ministros Néri da

Silveira e Maurício Corrêa conheceram e deram provimento ao recurso, para que se desse

prosseguimento à ação penal. Os Ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio não conheceram

do recurso, por entenderem que o Ministério Público não tinha competência para promover

inquérito administrativo para apurar conduta de servidor público. Até aí, portanto, houve

empate.

Na seqüência do julgamento, o Ministro Carlos Mário Velloso não conheceu do

recurso por razão totalmente diversa: entendeu que havia mais de um fundamento para a

decisão – o voto de um dos juízes de 2º grau entendeu não ter havido dolo – e aplicou a

Súmula 2831: o acórdão tinha assento em mais de um fundamento e o recurso atacava apenas

um deles. A ementa do acórdão, a seguir transcrita, não expressa, a rigor, o consenso que se

formou, sendo síntese das posições dos Ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio:

“O Ministério Público (1) não tem competência para promover

inquérito administrativo em relação à conduta de servidores

públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal

sob o argumento de que tem possibilidade de expedir

notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode

propor ação penal sem o inquérito policial, desde que

disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido”.

Page 52: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

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Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 81.326-7-DF, 2ª. Turma, Rel. Min. Nelson

Jobim. DJU 1º de agosto de 2003. Acesso em 18.fev.09

Cuidava-se neste processo de requisição expedida pelo Ministério Público para

que Delegado de Polícia comparecesse ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle

Externo da Atividade Policial a fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo

Investigatório Supletivo (PAIS). Contra essa requisição, o recorrente impetrou habeas corpus

perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, não obtendo êxito. Impetrou, assim, habeas

corpus substitutivo de recurso ordinário perante o Superior Tribunal de Justiça, que o

indeferiu afirmando:

“terem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo

MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar

diretamente, visando à instrução de seus procedimentos

administrativos, para fins de oferecimento de denúncia”.

Dessa decisão foi interposto o recurso ordinário aqui comentado, no qual a 2ª.

Turma afirmou seu entendimento contrário à legitimidade do Ministério Público para realizar

diretamente investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório. Na

ementa do acórdão, lavrou-se:

“A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder

de requisitar diligências investigatórias e a instauração de

inquérito policial (CF, art. 129, III). A norma constitucional

não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir

inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros

inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.

Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial.

Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto,

autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos

hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia,

Corregedoria. Recurso conhecido e provido”.

Page 53: Artigo do MPDFT - PODER DE INVESTIGAÇÃO

53

No seu voto, o Ministro Jobim consignou, em breve exposição sobre a evolução

histórica da matéria, que desde a década de 30 se discute a adoção da fórmula dos juizados de

instrução, sem que ela jamais tenha prevalecido. Lembrou que na Assembléia Constituinte de

1988 voltou-se a debater a questão, tendo prevalecido o modelo tradicional do inquérito

policial.

Estas são as decisões específicas do Supremo Tribunal Federal enfrentando o

tema. Todas elas proferidas por Turmas e não pelo Plenário. Atualmente, encontra-se

pendente de decisão o Inquérito 1.968-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, no qual se discute o

recebimento de denúncia oferecida contra Deputado Federal pela suposta prática de fraudes

contra o Sistema Único de Saúde – SUS, levantadas a partir de investigações efetivadas no

âmbito do Ministério Público Federal. O julgamento teve início, havendo votado os Ministros

Marco Aurélio e Nelson Jobim. O Ministro Joaquim Barbosa solicitou vista. Do Informativo

325 do Supremo Tribunal Federal consta a seguinte notícia:

“O Min. Marco Aurélio, relator, considerando que os

elementos que serviram de base à denúncia provêm

exclusivamente de dados obtidos em investigação criminal

realizada pelo Ministério Público, proferiu voto no sentido de

rejeitar a denúncia, por entender que o Ministério Público,

embora titular da ação penal, não possui competência para

realizar diretamente investigações na esfera criminal, mas

apenas de requisitá-las à autoridade policial competente, no

que foi acompanhado pelo Min. Nelson Jobim. Após, o

julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min.

Joaquim Barbosa”.

Merece registro o fato de já haverem sido ajuizadas três ações diretas de

inconstitucionalidade pelo Partido Social Liberal – ADIN’s nºs. 2.202, 2.613 e 2.703, tendo

por objeto dispositivos da Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre o Ministério Público

da União; da Lei nº 8.625/93, que é a Lei Orgânica do Ministério Público, bem como de

provisões de leis do Estado de Minas Gerais, que supostamente outorgariam ao Ministério

Público poderes para realizar diretamente investigações criminais. Tais ações, todavia, foram

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extintas, pelo fato de o partido político autor haver deixado de ter representação no Congresso

Nacional (DJU 29 ago. 2003, acesso em: 07.fev.09).

A investigação criminal pelo Ministério Público na fase preparatória a instrução

criminal, vem sendo bastante debatida em nossos órgãos jurisdicionais. Existem várias

decisões, sejam de 1ª, 2ª ou última instância, legitimando ou repudiando a investigação

criminal pelo MP.

Em sua maioria, as decisões judiciais não vedam e nem tornam nulos os processos

em que o Ministério Público realiza ou realizou atos de investigações criminais, prova disso

são as decisões judiciais acima mencionadas e devidamente explicitadas.

O debate sobre esse tema é bastante salutar, pois legitimidade para realizar as

investigações criminais o MP possui, no entanto, a que se normatizar e regulamentar a

atuação do Ministério Público na atividade investigatória, uma vez que tanto a Polícia

Judiciária quanto o órgão Ministerial possuem legitimidade investigativa.

CONCLUSÃO

A atuação do promotor investigador representa um avanço em relação ao sistema

de instrução judicial, pois em um Estado Democrático de Direito, com princípios garantistas,

não seria bom confiar o monopólio da investigação criminal preliminar somente à Polícia

Judiciária. É necessário um maior compartilhamento de informações, de atribuições e de

fiscalização das garantias do investigado.

Quando a Constituição Federal estabeleceu que a titularidade privativa da ação

penal cabe ao Ministério Público, trouxe implícita, também, a autorização para que ele

realizasse atos investigatórios. O Ministério Público como dono da ação penal, é o

destinatário final do inquérito policial e como o dono da ação penal tem todo o direito de

realizar atos investigatórios para melhor formar a opinio delicti.

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Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público ganhou

maiores atribuições, tendo a sua esfera de atuação ampliada, não ficando restrito apenas aos

casos criminais, mas também nos casos de defesa do patrimônio, dos interesses coletivos, ou

seja, é um órgão com a função de garantir o respeito às garantias de um verdadeiro Estado

Democrático de Direito.

Esta nova abordagem constitucional dada ao Ministério Público deu uma nova

conceituação do Ministério Público brasileiro: de mero acusador público e representante dos

interesses do Estado a Instituição destinada à defesa dos interesses sociais.

Diante dessa nova missão constitucional estabelecida pela CF/88, entende-se que

o Ministério Público tem poder de investigação criminal considerando os dispositivos legais e

constitucionais. Este poder é mais uma garantia da cidadania, ampliando o exercício da tutela

da ordem pública por meio da investigação criminal.

Cabe ressaltar que o fato de o Ministério Público ter legitimidade para realizar

atos investigatórios, não se confunde com o fato da autoridade policial possuir a presidência

do inquérito, visto que são coisas distintas.

Esta pesquisa não tem como objetivo retirar a competência do inquérito da Polícia

Judiciária e nem tampouco tornar o Ministério Público como órgão chefe e diretor das

investigações criminais. A intenção deste trabalho é demonstrar a legitimidade da

investigação criminal pelo Ministério Público na fase preparatória da investigação criminal.

A realização das investigações criminais pelo Ministério Público não devem ser a

regra geral, mas sim realizadas conforme o “plano de necessidade circunstancial”

(Streck/Feldens), realizando as investigações em casos onde houver uma suspeita de policiais

corruptos, nos casos de insuficiência de provas, omissão da autoridade policial, mas essas

investigações devem ocorrer em um inquérito administrativo próprio do MP, devidamente

normatizado.

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O Membro do Ministério Público, dentro de sua margem de discrição, poderá

avaliar a oportunidade e conveniência de avocar ou não uma investigação, tendo como

prioridade o interesse público primário para suprir as omissões, deficiências ou, infelizmente,

de excluir da investigação policiais corrompidos pela criminalidade, e nunca por vaidade,

competição ou até para ser foco de imprensa.

Considerando que a realização da investigação criminal é uma função típica da

polícia judiciária, a portaria administrativa de instauração pelo Ministério Público deve ser

motivada, descrevendo, além dos fatos a serem investigados, os fundamentos do porquê desta

investigação estar sendo conduzida pelo Ministério Público, para que não configure abuso de

poder e ingerência indevida nas atribuições da Polícia Judiciária que também é um órgão com

a missão constitucional de realizar a investigação criminal.

O fato de reconhecer a legitimidade da investigação criminal pelo Ministério

Público gera um outro questionamento, que é o fato de se ter uma fiscalização sobre o MP,

nas conduções das investigações. Atualmente o controle sobre o Ministério Público é

realizado pela Corregedoria-Geral, pelos órgãos hierarquicamente superiores e pelos órgãos

diretivos da Instituição, mas com o reconhecimento da legitimidade da investigação criminal

pelo Ministério Público, é necessário que essa fiscalização seja intensificada para que não

ocorram abusos nos atos investigatórios, como bem ensina o Ministro do STF, Joaquim

Barbosa:

“estabelecer o ponto justo, o equilíbrio ideal entre, de um

lado, os direitos processuais das pessoas suspeitas da prática

de crime e, de outro, os interesses maiores da sociedade, a

segurança da população, o interesse em preservar o

patrimônio público contra a corrupção e em extirpar da cena

pública os indícios de penetração do crime organizado.”

(Voto no julgamento do inquérito nº 1968-2/DF.

http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoBarbosaIq1968.p

df. Acesso em 02 .fev. 2009.)

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O fato da Constituição estabelecer que as investigações criminais estão a cargo da

Polícia Judiciária, não determinou que essas investigações fossem feitas privativamente pela

polícia. Em nenhum momento a Constituição excluiu ou restringiu a investigação criminal

pelo Ministério Público. As legislações constitucionais e infraconstitucionais legitimam a

atuação do MP na investigação. Há previsão de investigação pelo Ministério Público no

Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei Complementar nº 75/93, na Lei Complementar

nº 73/95, na Lei nº 8625/93, na Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

Deste modo, não há amparo legal que justifique a exclusividade da Polícia

Judiciária na condução das investigações criminais, uma vez que o Ministério Público

também possui supedâneo, tanto na legislação constitucional quanto na infraconstitucional. O

que é necessário é uma atuação supletiva do Ministério Público nas investigações criminais,

pois o MP não possui material e nem tampouco condições de efetuar as investigações com

exclusividade.

Também há que se levar em consideração que o Ministério Público não irá atuar

somente em casos de grande repercussão, mas sim em casos que sejam necessários a sua

atuação.

A realização deste trabalho teve como objetivo demonstrar que o Ministério

Público possui legitimidade para efetuar investigações criminais na fase preparatória a

instrução criminal. Em nenhum momento propusemos que as investigações fossem realizadas

com exclusividade pelo MP, pois a Polícia Judiciária é e continuará sendo o órgão com

primazia na investigação criminal, sendo o Ministério Público uma instituição que atuará de

forma subsidiária e em casos que exijam uma maior complexidade, ou seja, que exijam uma

atuação conjunto da Polícia e do Ministério Público.

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