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Introdução à Psicopedagogia Autores Márcia Souto Maior Mourão Sá Bertha de Borje Reis do Valle Cristina Maria Carvalho Delou Eloiza da Silva Gomes de Oliveira Fernando Gouvêa Henriete C. Sousa e Mello Ida Beatriz Mazzillo Mário Lúcio de Lima Nogueira Suely Pereira da Silva Rosa 2.ª edição 2008

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Introdução à Psicopedagogia

AutoresMárcia Souto Maior Mourão Sá

Bertha de Borje Reis do ValleCristina Maria Carvalho Delou

Eloiza da Silva Gomes de OliveiraFernando Gouvêa

Henriete C. Sousa e MelloIda Beatriz Mazzillo

Mário Lúcio de Lima NogueiraSuely Pereira da Silva Rosa

2.ª edição2008

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© 2005 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

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www.iesde.com.br

S111 Sá, Márcia Souto Maior Mourão; Valle, Bertha de Borje Reis do; Delou, Cristina Maria Carvalho et al. / Introdução à

Psicopedagogia. / Márcia Souto Maior Mourão Sá; Bertha de Borje Reis do Valle; Cristina Maria Carvalho Delou. 2. ed — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008.144 p.

ISBN: 85-7638-250-4

1. Psicologia Educacional. 2. Psicopedagogia. 3. Psicologia na aprendizagem. 4. Avaliação educacional. I. Título. II. Vale, Ber-tha de Borje Reis do. III. Delou, Cristina Maria Carvalho.

CDD 370.15

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SumárioO passado e o presente da Psicopedagogia ..........................................................................5

Os caminhos da educação ........................................................................................................................5Caracterização da Psicopedagogia ...........................................................................................................7A Psicopedagogia no Brasil .....................................................................................................................9A atuação do psicopedagogo – uma reflexão ...........................................................................................11

A inserção da Psicopedagogia nas instituições ....................................................................13A construção das redes .............................................................................................................................13O papel do psicopedagogo na instituição escolar ....................................................................................16Para refletir e finalizar ..............................................................................................................................18

A crescente profissionalização do psicopedagogo ...............................................................21O psicopedagogo como profissional ........................................................................................................21Formas de atuação profissional do psicopedagogo ..................................................................................22A função preventiva e a função curativa (terapêutica) ...........................................................................24Princípios norteadores da ação do psicopedagogo ..................................................................................25Diferenciação entre o papel do psicopedagogo e de alguns outros profissionais que atuam na área de Educação ..........................................................................................26Finalizando ..............................................................................................................................................28

Teorizando a ação psicopedagógica: limites e possibilidades .............................................29

A Psicopedagogia legislada: o trabalho ético do psicopedagogo ......................................................39Um pouco de ética ...................................................................................................................................39Ética profissional .....................................................................................................................................40O reconhecimento da profissão de psicopedagogo ..................................................................................42Concluindo ...............................................................................................................................................45

Os campos de ação profissional do psicopedagogo: escola, clínica e empresa ...................47Relacionados com as práticas educativas escolares: ...............................................................................47Relacionados com outros tipos de práticas educativas: ...........................................................................50Relacionados com a Psicopedagogia clínica: ..........................................................................................52

Psicologia e Pedagogia: uma relação dialógica ...................................................................55Psicologia e Pedagogia: uma história de muitas aproximações e equívocos ...........................................55A Psicologia da Educação: sua importância e abrangência .....................................................................58A atuação do psicólogo na escola ............................................................................................................60Uma conclusão... ......................................................................................................................................61

Os conceitos de normalidade e anormalidade em questão ..................................................63A imprecisão do conceito de normalidade ...............................................................................................63A avaliação, o “xis” do problema ............................................................................................................66

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Esses alunos que não aprendem: um olhar psicopedagógico sobre o fracasso escolar .......73As abordagens do fracasso escolar no Brasil – um pouco de História ....................................................73Essas crianças que não aprendem... .........................................................................................................76

As “queixas” das escolas, interpretadas pela Psicopedagogia .............................................81As “queixas” da escola ............................................................................................................................81Um último olhar: o da Psicopedagogia ....................................................................................................87

Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva ......................................................91Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva .........................................................................94

A intervenção psicopedagógica nos processos de ensino ....................................................101Saber e conhecer ......................................................................................................................................102

A intervenção psicopedagógica nos processos de aprendizagens individuais e coletivas ...111

Inclusão escolar: dissonâncias entre teoria e prática ............................................................121A importância da inclusão educacional e seu modelo de atendimento ....................................................121Realidade da inclusão ..............................................................................................................................123Professores acham que não há problemas com a inclusão ......................................................................123Conclusão ................................................................................................................................................127

Escola Inclusiva: as crianças agradecem .............................................................................131Formação dos professores ........................................................................................................................132Projeto Político Pedagógico .....................................................................................................................134Concluindo ...............................................................................................................................................135

Referências ...........................................................................................................................139

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O passado e o presente da Psicopedagogia

B em-vindos à disciplina – Introdução à Psicopedagogia. Sabemos que alguns de vocês já possuem uma idéia do que seja Psicopedagogia, no entanto, sabemos também que a perfeita compreensão do que seja esta ciência não é de conhecimento geral. Por esse motivo, nesta primeira aula opta-

mos por fazer uma apresentação mais ampla procurando ambientá-los nesta área do conhecimento.

Para entendermos o objeto da Psicopedagogia, devemos, antes, rever o próprio desenvolvimen-to do processo educacional. Começaremos por trilhar o caminho da história, no qual veremos que a educação escolar que hoje temos só apareceu na época moderna.

Os caminhos da educaçãoNa Antigüidade, a educação acontecia no cotidiano de cada indivíduo. Por intermédio da convi-

vência com os membros mais velhos da comunidade, os amigos e os vizinhos, as pessoas interioriza-vam os valores e as normas sociais do ambiente em que viviam. Também a educação para o trabalho era assim executada. Os jovens, a partir do momento em que adquiriam condições para trabalhar, eram colocados como aprendizes de ofício, trabalhando junto com os adultos para aprenderem uma profissão.

Cabe lembrar que até a Idade Média, por exemplo, toda a produção era coletiva e as sociedades eram organizadas de acordo com as atividades exercidas para sua subsistência. Podemos perceber que, até esta época, a Educação não era sistemática e não havia sido, ainda, institucionalizada. A transmissão do saber não era uma atividade especializada, mas, fruto do saber cotidiano.

Com o início da Idade Moderna, a grande ciência do conhecimento se fragmenta em diversas áreas. O homem já não conseguia deter todo o conhecimento existente. Esta situação trouxe consigo a necessidade de reformular toda a estrutura social. Era o início da Modernidade.

O termo Modernidade, pela própria etimologia da palavra, evoca conceitos muitas vezes equí-vocos, ambígüos, polissêmicos e escorregadios, normalmente ligados à idéia de “progresso”. Uma idéia associada à valorização positiva da novidade que se manifesta na indústria, nas técnicas, na Ciência e nas mudanças sócio-políticas e culturais a elas correspondentes.

Norberto Bobbio (1986, p. 768), em seu Dicionário de Política, define Modernidade como um conjunto de mudanças operadas nas esferas política, econômica e social que tem caracterizado os dois últimos séculos. Praticamente, a data do início do processo de Modernização poderia ser colocada na Revolução Francesa de 1789 e na quase contemporânea Revolução Industrial Inglesa, que provocaram uma série de mudanças de grande alcance, nomeadamente na esfera política e econômica, mudanças que estão intimamente inter-relacionadas. Naturalmente, o fermento dessas duas grandes transforma-ções há de ser buscado nas condições e nos processos que vinham se desenvolvendo havia algumas décadas e que culminaram nas duas revoluções.

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Bobbio (1986) acrescenta que este é um fenômeno abrangente, complexo e que ocorre em todos os setores do sistema social (p. 776). Segundo o mesmo autor, é necessário que fiquemos atentos a dois aspectos que aparecem quando buscamos entender os processos da Modernização: a tentativa incessante do homem para controlar a natureza e submetê-la às suas necessidades e a busca permanente de ampliar o campo das alternativas sociais e políticas para um maior número de pessoas.

O surgimento da Modernidade levou a humanidade a uma revolução social que modificou todos os limites geográficos e sociais até então existentes.

Segundo nos diz Habermas (2000, p. 88):O projeto da Modernidade formulado no século XVIII pelos filósofos do Iluminismo con-sistiu em esforços que visavam desenvolver tanto a ciência objetiva, a moralidade univer-sal e a lei, quanto a arte autônoma, conforme sua lógica interna. Este projeto pretendia ao mesmo tempo liberar o potencial cognitivo de cada um desses domínios no intuito de livrá-los de suas formas esotéricas. Os filósofos iluministas almejavam valer-se deste acúmulo de cultura especializada para enriquecer a vida cotidiana, ou seja, para organizar racionalmente o cotidiano da vida social.

Como sabemos, até o século XVII, a burguesia controlava a produção e a economia dos Estados-Nacionais surgidos com o fim do Feudalismo, a partir dos séculos XV e XVI.

Os movimentos sociais ocorridos na Europa no século XVIII, particular-mente a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, vieram contrapor-se a esta situação, ou seja, tiveram como base uma revolução antiburguesa, gerando uma transformação social sem precedentes na história. O modernismo modificou to-dos os conceitos existentes à época, alterando as estruturas sociais, a religião e a ideologia apropriada e consolidada através dos séculos. Este período teve como uma de suas principais características o aparecimento de grandes descobertas científicas, a industrialização e a aceleração do ritmo de vida.

Todos estes fatos foram causados, principalmente, pelas novas formas de poder e pela explosão demográfica que modificaram a visão do homem em relação ao universo e, conseqüentemente, seu lugar nele. A sociedade experimentou uma tomada de consciência de si própria e passou a buscar a renovação em todos os contextos sociais.

Na área científica, manifestações da Modernidade constituíram a consolida-ção da moderna ciência da natureza, cujo fundamento do saber está na Matemáti-ca e trata seus resultados com apoio da experimentação o que, por certo, resultou em profundas transformações nos processos educacionais.

Embora as pessoas continuassem arraigadas às suas antigas convicções, es-sas não mais representavam marcas orientadoras de conduta. Conseqüentemente, a experiência dos tempos modernos traz no seu bojo as imagens da desordem e da instabilidade, da insegurança e da fragmentação do mundo real conhecido.

Os estilos de vida, até então estabelecidos, perderam sua razão de ser, em virtude desse processo que destruiu as certezas e crenças construídas ao longo dos tempos. Os parâmetros segundo os quais costumava-se distinguir o bem do

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mal, o justo do injusto, o desejável do indesejável, o certo do errado foram alte-rados; modificaram-se as categorias conhecidas de classificação e hierarquização sociais.

Com a chegada da era industrial, chegou também a preocupação com a pro-dutividade e com tudo o que atrapalhava a possibilidade de produzir.

Dentro deste contexto histórico, surge a Educação Sistematizada. Pela pri-meira vez os jovens são afastados de suas famílias para aprenderem com outros adultos, seguindo metodologias e currículos comuns. Todos os estudantes pas-saram a estudar e a absorver conhecimentos estandardizados e “necessários” a uma formação profissional. Este novo método de ensino trouxe consigo uma nova situação. Ao estarem os alunos juntos com os mesmos professores e aprendendo as mesmas coisas, percebe-se que nem todos aprendem com a mesma facilidade, nem com a mesma rapidez.

As dificuldades de aprendizagem passaram a ser foco de atenção, e a Me-dicina começou a estudar a causa dos problemas e suas possíveis correções. A Primeira Guerra Mundial ofereceu a oportunidade de se descobrir, no cérebro dos soldados feridos, a relação das áreas cerebrais danificadas com as funções que apareciam prejudicadas. A Oftalmologia, a Neurologia, a Psiquiatria eram algu-mas das áreas da Medicina que se ocupavam com esses estudos.

No final do século XIX, educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras come-çaram a se preocupar com os aspectos que interferiam na aprendizagem e a or-ganizar métodos para a Educação Infantil. Desta época, temos a colaboração de Seguin, Esquirol, Montessori e Decroly, entre outros. Abrem-se, assim, as portas para o surgimento da Psicopedagogia.

Caracterização da PsicopedagogiaFalar sobre Psicopedagogia é, hoje em dia, uma tarefa difícil, pois, por ser

ela uma ciência muito nova e ter sua área de atuação inserida na confluência da Psicologia e da Pedagogia, apresenta múltiplas facetas, não possuindo, ainda, pa-radigmas operacionais totalmente estabelecidos, estando na busca de sua própria identidade enquanto área diferenciada de conhecimento, linha de pesquisa em Educação e em Psicologia, bem como atividades terapêuticas e/ou preventivas.

Por essas razões é comum observarmos psicopedagogos que atuam em ins-tituições educacionais ficarem em dúvida de como conduzir suas atividades no contato com a comunidade escolar, priorizando, muitas vezes, a adoção de uma prática quase exclusivamente terapêutica individualizada com alunos que apre-sentam visíveis problemas de aprendizagem já instalados, em detrimento da uti-lização de uma prática preventiva institucional, visando evitar o aparecimento de novos distúrbios de aprendizagem.

Ao buscar-se a melhor metodologia a ser utilizada pelo psicopedagogo em sua atuação fica-nos, também, a dúvida de como agir com “problemas ou distúr-

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bios de aprendizagem”, pois face à complexidade do ser humano, uma determina-da patologia pode ter múltiplas causas e estas, em virtude da pulverização do co-nhecimento profissional em múltiplas especialidades, só poderiam ser “tratadas” sob a ótica da interdisciplinaridade, ou seja, com a atuação conjunta de diversos profissionais de áreas diferentes. Mas, poderíamos nos perguntar, em uma reali-dade escolar como a nossa, isto seria factível?

A Psicopedagogia tem se desenvolvido como uma forma de vinculação entre a Pedagogia e a Psicologia, e pode ser entendida a partir de pressupostos teóricos elaborados em países de língua francesa. Nestes países, usa-se o termo Psicopedagogia em lugar de Psicologia da Educação, no sentido de que, neste caso, a Psicologia liga-se à Educação como uma ciência auxiliar na compreensão do processo pedagógico.

A afirmação de que a Psicopedagogia, historicamente, surgiu na fronteira en-tre a Psicologia e a Pedagogia merece maior atenção. Kiguel (1987) aventa outra possibilidade quanto ao surgimento da Psicopedagogia ao mencionar as tentativas de explicação para o fracasso escolar por outras vias que não a pedagógica e a psicológica. Afirma que “os fatores etiológicos utilizados para explicar índices alar-mantes do fracasso escolar envolviam quase que exclusivamente fatores individuais como desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos etc.”, acrescentando que “no Brasil, particularmente durante a década de 70, foi amplamente difundido o rótulo de Disfunção Cerebral Mínima para as crianças que apresentavam, como sintoma proeminente, distúrbios na escolaridade” (BOSSA, 1994, p. 7).

Estudando o indivíduo que aprende no seu aspecto normal e patológico, a Psicopedagogia é a área que dá uma consideração especial ao aspecto psicológico deste indivíduo, mas sendo uma área aplicada, deverá ir além da práxis, desenvol-vendo pesquisas de base e criando um campo de conhecimento próprio.

Atualmente, volta-se para uma realidade tipicamente educacional, que são certos fenômenos – relativos à não-aprendizagem – que ocorrem dentro do âmbito familiar, escolar e comunitário, que podem ser remediáveis e prevenidos. Acredi-tamos que, para o desenvolvimento desta ação tanto preventiva quanto terapêutica, será necessária a sistematização de uma série de pressupostos teóricos próprios. “Penso que a Psicopedagogia, como área de aplicação, antecede o status de área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, definir o seu objeto de estudo, delimitar seu campo de atuação” (BOSSA, 1994, p. 6).

Entretanto, justifica-se que a Psicopedagogia não tenha, ainda, desenvolvi-do o seu corpo teórico específico, de vez que é uma área nova em todo o mundo e que seu florescimento ainda está na dependência do desenvolvimento não só da Psicologia e da Pedagogia, mas também de áreas mais específicas de conhecimen-to, como a Neuropsicologia e a Psicolingüística, entre outras.

Apesar de todas as dificuldades, parece-nos que podemos definir a Psicope-dagogia utilizando-nos de dois autores brasileiros.

Para Rubinstein (1987, p. 103),

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[...] num primeiro momento a Psicopedagogia esteve voltada para a busca e o desenvol-vimento de metodologias que melhor atendessem aos portadores de dificuldades, tendo como objetivo fazer a reeducação ou a remediação e desta forma promover o desapareci-mento do sintoma. E, ainda, a partir do momento em que o foco de atenção passa a ser a compreensão do processo de aprendizagem e a relação que o aprendiz estabelece com a mesma, o objeto da psicopedagogia passa a ser mais abrangente: a metodologia é apenas um aspecto no processo terapêutico, e o principal objetivo é a investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, bem como a compreensão do processamento da aprendiza-gem, considerando todas as variáveis que intervêm neste processo.

Do ponto de vista de Weiss (1991, p. 6), “a Psicopedagogia busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e educadores”.

As afirmações de Rubinstein e Weiss em relação ao objeto de estudo da Psicopedagogia sugerem que há um certo consenso quanto ao fato de que ela deve ocupar-se em estudar a aprendizagem humana; porém, é uma ilusão pensar que tal consenso nos conduza a um único caminho. O tema da aprendizagem apresen-ta tamanha complexidade que tem a dimensão da própria natureza humana e pre-cisaríamos de um outro curso só para conseguir tratá-lo. É importante, no entanto, ressaltar que a concepção de aprendizagem é resultado de uma visão de homem, e é em razão desta que se estabelece toda a teoria e a prática psicopedagógica.

Segundo nos diz Visca (1987), a Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação subsidiária da Medicina e da Psicologia, perfilou-se como um conhecimento independente e complementar possuída de um objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios.

Alguns ramos de estudo, como você já deve ter notado, desenvolvem-se em outros países e, até, por vezes, demoram um pouco a chegar ao Brasil. Hoje, porém, com a rapidez dos processos de comunicação, a disseminação de infor-mações é mais rápida e a Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido bem nos últimos anos.

Vamos apresentar a você, agora, uma visão da Psicopedagogia no Brasil.

A Psicopedagogia no BrasilA Psicopedagogia no Brasil hoje é uma área que estuda e lida com o pro-

cesso de aprendizagem e suas dificuldades, e que, em sua ação profissional, deve englobar vários campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. O modelo teórico e prático resultante desta visão é fortemente influenciado pelos modelos europeu e argentino.

Segundo nos diz Mery (1985), os Centros Psicopedagógicos, primeira forma de atuação da Psicopedagogia, foram fundados na Europa a partir da segunda metade do século XX, e objetivavam, como já vimos, atender pessoas que apre-sentavam dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes, por meio da integração de conhecimentos pedagógicos e psicanalíticos.

Nos Estados Unidos, o mesmo movimento acontecia, enfatizando mais os

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conhecimentos médicos e dando um caráter mais organicista a esta preocupação com as dificuldades de aprendizagem.

O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, enquanto que o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem possuíam causas orgânicas e precisavam de atendimento especializado, influen-ciando parte do movimento da Psicologia Escolar que, até bem pouco tempo, se-gundo Bossa (1994), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar.

A corrente européia influenciou a Argentina, que passou a cuidar de pessoas com dificuldade de aprendizagem, realizando um trabalho de reeducação. Mais tarde, este acabou sendo o objeto de estudo que contava com os conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Genética, além de todo o conhecimento, particular-mente os de linguagem e de psicomotricidade, que eram utilizados para melhorar a compreensão das referidas dificuldades.

O Brasil recebeu, via Argentina, influências tanto americanas quanto eu-ropéias na formação da identidade de nossa psicopedagogia. Os conhecimentos transmitidos por diversos profissionais argentinos, por meio de cursos realizados particularmente no sul do país, muito contribuíram para a construção do nosso conhecimento psicopedagógico.

A formação de nossos psicopedagogos é feita por meio de cursos de pós-graduação lato sensu, diferentemente do que ocorre na Argentina, onde esta for-mação é realizada por curso de graduação com duração de cinco anos. Esta ques-tão da formação, da maneira como se dá no nosso país, suscita uma discussão em que vantagens e desvantagens são levantadas. De um lado, o fato da nossa formação em Psicopedagogia envolver diversificados profissionais que atuam na área educacional acentua o caráter interdisciplinar desta área de estudo. De outro, em razão da presença de profissionais diversos, o psicopedagogo enfrenta dificul-dades em construir uma identidade própria.

Ao avaliarmos as dificuldades impostas pela complexidade do próprio ob-jeto de estudo da Psicopedagogia, a sua recente existência enquanto área de es-tudos, as suas origens teóricas e a questão da formação no Brasil, constatamos que a busca de uma identidade implica, por esse aspecto, um processo árduo. Por outra parte, entretanto, os profissionais brasileiros envolvidos nessa busca estão mobilizados por um grande desejo de contribuir para tal processo permanente de construção.

Apesar da diferença de formação, devemos considerar o fato de que as prá-ticas, em ambos, Brasil e Argentina, assemelham-se em muitos pontos, visto que o referencial teórico adotado pelos brasileiros, como vimos, está fortemente mar-cado por influências argentinas.

Os aspectos em que a nossa forma de atuação difere daquela dos argentinos são decorrentes, principalmente, das condições de formação. No Brasil, é preciso repetir: Psicopedagogia é especialização, curso de aperfeiçoamento. Já a forma-ção em nível de graduação, como ocorre na Argentina, proporciona evidentemen-te um conhecimento bem mais sólido da matéria, do saber psicopedagógico e, conseqüentemente, uma prática mais consistente. Não devemos esquecer, no en-

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tanto, que são inúmeras as variáveis em jogo quando se fala na questão da forma-ção e, para a realidade brasileira, nossa modalidade de formação psicopedagógica possibilita uma maior interatividade entre os diversos profissionais envolvidos na prática educacional, não abrindo espaço para discussões que se limitam a dividir desempenhos de educadores e outros especialistas, de forma que a uns seja atribu-ído o direito de lidar com o afetivo e com a dinâmica da personalidade, e a outros a tarefa de trabalhar com os aspectos pedagógicos, considerando-os apenas como procedimentos didáticos para o desenvolvimento cognitivo.

A atuação do psicopedagogo – uma reflexão

O que nos parece importante refletir ao final de nossa aula é que todos – psicopedagogos ou educadores – saibam perceber o fenômeno “aprendizagem” de forma mais ampla e que sejam sensíveis para captar e considerar as relações significativas que o aluno busca no meio (suas necessidades) para a sua auto-realização.

Desta forma, consideramos o trabalho psicopedagógico com características terapêuticas quando leva o indivíduo a construir e reorganizar a sua própria per-sonalidade, o seu “ser no mundo”. Mas, não podemos deixar de acrescentar que a atuação do psicopedagogo tem suas fronteiras, diferenciando-se de uma “psicote-rapia”, quando delimita seu espaço com a preocupação pedagógica de propiciar ao aluno a melhor utilização da linguagem e a elaboração cognitiva das informações específicas, com a finalidade de que este indivíduo possa concretizar e satisfazer as suas necessidades, atuando no mundo em que vive.

Existe, ainda, um longo caminho a percorrer para fazermos a história da Psi-copedagogia. Como deve ter ficado claro para você, esta ciência está dando seus passos iniciais, mas ao utilizar-se dos fundamentos já estabelecidos por outras ci-ências como base para sua formulação teórico-prática, estes passos apresentam-se fortes e resolutos, com o propósito de firmar-se no campo científico e profissional como uma atividade que congrega os fenômenos da Educação.

Com base no texto da aula que você acaba de estudar, procure levantar três vantagens e três desvantagens da formação do psicopedagogo adotada no Brasil. Procure comparar com a formação do psicopedagogo realizada na Argentina.

Discuta seus pontos de vista com os colegas buscando formar uma idéia sobre a necessidade da formação em Psicopedagogia.

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A inserção da Psicopedagogia nas instituições

C onforme vimos na aula passada, o psicopedagogo trabalha com o que chamamos de “pro-blemas de aprendizagem”. Mas, para sabermos o que são problemas de aprendizagem, pre-cisamos antes dar uma breve passagem sobre a própria aprendizagem. Como já dissemos em

nossa primeira aula, este tema é muito vasto e, por isso, vamos nos ater apenas a alguns conceitos básicos.

Como é fácil de entender, todos nós iniciamos nossos processos de aprendizagem desde o mo-mento em que nascemos. Percebemos que o ser humano constrói sua estrutura de personalidade no interior da trama de relações sociais na qual ele está inserido. Podemos, por exemplo, nos reportar ao antigo ditado popular “dize-me com quem andas e te direi quem és”. Com isso estamos dizendo que todos nós construímos nossos saberes e fazeres dentro de um conjunto de relações sociais das quais participamos ativamente, sendo que estas relações ocorrem dentro do que chamamos de Instituições. Mas, como ocorrem as aprendizagens dentro deste contexto? Como se dá a construção do conheci-mento?

Ao analisarmos a nossa estruturação como indivíduos, percebemos que uma das características do ser humano é ser prático e ativo, já que é por suas ações que ele modifica o meio ambiente, moldan-do-o para atender às suas necessidades. Enquanto transforma a realidade à sua volta, ele constrói a si mesmo, tecendo sua rede de saberes, a partir da qual irá interagir com o meio social, determinar suas ações, suas reações, suas convivências sadias ou neuróticas, enfim, todas as suas práticas sociais.

A construção das redesVeja bem! No mesmo momento em que você nasceu, passou a fazer parte de uma instituição

social organizada: a sua família. E como você, todos os seres humanos ao nascer encontram o idioma, os costumes, a religião, o modo de se alimentar e de se divertir, enfim, tudo já previamente estrutu-rado por outros que o antecederam. Esta organização é que permite que a sociedade sobreviva e se reorganize, sempre acompanhando a evolução histórica e social de seu tempo. Como afirmava Karl Marx, as sociedades constituem-se em fenômenos históricos, já que os indivíduos se constroem uns aos outros, física e espiritualmente. Nós convivemos com nossos semelhantes em casa, no colégio, no mercado, nos clubes, enfim, em uma infinidade de instituições. Estamos sempre em contato com outras pessoas e por intermédio desta convivência aprendemos e ensinamos coisas. Todo nosso modo de ser e de nos comportarmos é fruto de nossa vida em sociedade.

Para sobreviver, os homens constroem coisas e objetos, criam modos de vida em comum, ela-boram idéias e conceitos que regem as inter-relações pessoais entre os membros da sua comunidade. O conjunto destas criações forma o que denominamos de conhecimento.

Diversas formas de estudar como este conhecimento se processa já surgiram ao longo dos tempos e continuam aparecendo todos os dias. Atualmente, em virtude da ampliação dos meios de di-

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vulgação das informações proporcionada pelo uso cada vez maior da tecnologia, os mais diferentes setores sociais, políticos e econômicos vêm propondo a idéia de construção de rede de saberes e de ações. Embora este conceito tenha surgido, em uma primeira instância, no conjunto das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, essa idéia vem encontrando eco em quase todos os campos científicos, nos novos movimentos sociais e, inclusive, na Educação.

Mas, perguntamos nós, o que vem a ser uma rede de saberes? Como você imagina que ela seja? Segundo nos explica Alves (199, p. 68), “a noção de rede não é algo que se explique por si mesmo. A palavra rede tem muitos sentidos, é polissêmica”.

Por que então usar essa noção? Para esta estudiosa no assunto, devemos usar esta noção exatamente devido à polissemia. Tendo em vista que cada um tem sua própria concepção de rede tecida em seu cotidiano, o significado que se pretende ao usar esta expressão para simbolizar a construção dos saberes se cria de uma forma individual e por si mesmo.

Segundo a mesma autora,redes existem e só podem ser pesquisadas nos processos cotidianos de viver. São, pois, formadas nos processos múltiplos e diferentes dentro das inúmeras relações que os su-jeitos todos, em seus contatos cotidianos, tecem, destecem e tecem outra vez, no espaço-tempo do aqui e agora. (ALVES, 1999, p. 15)

Castells (2000, p. 498) define rede como sendo um conjunto de nós interco-nectados. Segundo este autor, cada um destes nós representa um ponto de inflexão na construção do conhecimento, bem como a interconexão com outros conheci-mentos vindos de outras fontes. A estrutura concreta de cada um destes pontos irá variar de acordo com o tipo de rede concreta que está estabelecida. Por exemplo, se estamos falando em processos educacionais, em bolsas de valores, de política ou estamos aprendendo a fazer novos quitutes, cada um destes fatos acabará por se constituir em um nó (ou ponto) de nossa rede de saberes. Vemos, assim, que este conceito refere-se a uma estrutura aberta e capaz de expandir-se de forma ilimitada e em todas as direções.

Na construção de uma rede de saberes, todos os membros da sociedade são parceiros possíveis, contribuindo com seus conhecimentos, suas práticas, valores e crenças. Estas contribuições não são estáticas, muito ao contrário, encontram-se em permanente mudança. Assim, conceitos e valores considerados como verdades incontestáveis podem ser considerados, mais tardiamente, como algo ultrapassado e totalmente descartável. Para ilustrar, basta lembrarmos que, durante séculos, a Terra foi considerada por todos, inclusive os mais renomados e ilustres cientistas da época, como o centro do Universo e que os astros e as estrelas, como o Sol e a Lua, giravam em torno dela.

E hoje, que julgamento você faria de alguém que afirmasse uma coisa des-sas? Com certeza, seria chamado de ignorante, concorda?

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Desta forma, podemos perceber por que o princípio de movimento é básico na formação de redes. Elas se constroem exatamente na instabilidade e na não-linearidade dos processos do conhecimento. Esse movimento deve ser entendido como a possibilidade que temos de variar as direções e o sentido ao tecermos os múltiplos fios possíveis para construir nossa rede de saberes. Esta flexibilidade de movimento inclui, também, as inúmeras variações possíveis nos parceiros que nos acompanham em nossa trajetória de construção e reconstrução dos saberes que, apesar de nossos esforços, encontram-se sempre inconclusos e incompletos.

Além do movimento, o conceito de rede de saberes se constrói a partir de mais dois princípios importantes, que são o de articulação e o de co-responsa-bilidade. Como vimos, todas as pessoas que, de alguma maneira passam pelas nossas vidas, participam, direta ou indiretamente, da construção de nossa rede de saberes, pois todos os nossos conhecimentos são, de algum modo, articulados com as informações que recebemos e transmitimos e, com isso, todos somos co-responsáveis por sua construção e pelo uso que dela fazemos.

O ato de tecer esta rede não é, portanto, obra de uma consciência isolada e autônoma, mas uma das formas de prática social que tem como sujeito os homens articulados entre si por relações sociais. Esta concepção de saber como processo de construção social por um sujeito coletivo deve orientar nossas tarefas no campo da aprendizagem.

Como você deve ter percebido, toda nossa rede de conhecimentos é formada dentro de instituições e, assim, não fica difícil imaginar que a Psicopedagogia, cada vez mais, necessite inserir-se e estudar como ocorrem as relações interpes-soais nesses ambientes, particularmente nas famílias e nas escolas, nos quais a maior parte do conhecimento básico ocorre na infância e na adolescência.

A Psicopedagogia vem atuando, também, com muito sucesso nas mais di-versas instituições organizadas além das já citadas, inclusive em hospitais e em-presas. Seu papel é analisar e assinalar os fatores que favorecem, intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem em uma instituição. Propõe e ajuda o desen-volvimento dos projetos favoráveis às mudanças educacionais, particularmente as de caráter profilático, visando evitar processos que conduzam às dificuldades de aquisição do conhecimento. Não podemos nos esquecer de que a aprendiza-gem deve ser olhada como a atividade de indivíduos ou grupos humanos, que, mediante a incorporação de informações e o desenvolvimento de experiências, promovem modificações estáveis na personalidade e na dinâmica grupal com as quais revertem o manejo instrumental da realidade.

Vamos apresentar a seguir, uma visão do psicopedagogo na escola. Gosta-ríamos, no entanto, de ressaltar que as atividades que ele executa como psicope-dagogo na escola são, com as devidas adaptações, as mesmas que ele irá executar em qualquer outra instituição.

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O papel do psicopedagogo na instituição escolar

O trabalho psicopedagógico pode e deve ser pensado a partir da instituição escolar, na qual cumpre uma importante função social: a de socializar os conhe-cimentos disponíveis, promover o desenvolvimento cognitivo e a construção de regras de conduta dentro de um projeto social mais amplo. A escola, afinal, é res-ponsável por grande parte da aprendizagem do ser humano.

O papel do psicopedagogo na docência e na clínica pode ser delineado de uma maneira relativamente mais objetiva do que seu papel na escola, embora acreditemos que o psicopedagogo tem muito a contribuir na dinâmica escolar.

A atividade da escola está determinada pelo aspecto interacional. O psico-pedagogo pode, então, ser visto fazendo parte de uma equipe interdisciplinar que é campo de discussão da problemática docente, discente e administrativa.

A grande maioria dos trabalhos que discutem a prática da psicopedagogia na instituição educativa focaliza a análise do processo de aprendizagem, ou, mais especificamente, a análise dos problemas de aprendizagem. Esta preocupação central está intimamente relacionada às próprias origens da Psicopedagogia, enquanto área do conhecimento: seu aparecimento e sua estruturação responderam, num primeiro momento, à necessidade de compreender melhor o processo de aprendizagem, para evitar (perspectiva preventiva) ou tratar (perspectiva terapêutica) problemas decorrentes de dificuldades nesse proces-so, no âmbito dos fenômenos individuais. Deve-se destacar, neste sentido, o fato de que tais análises priorizam, geralmente, a dimensão individual do processo de aprendizagem, enquanto fenômeno que ocorre no sujeito, ainda que considerando o papel de variáveis ambientais e relacionais na sua produção. Esta perspectiva reflete, de certa forma, a posi-ção dos estudos de aprendizagem na história do desenvolvimento do conhecimento psico-lógico. (CAVICCHIA, 1996, p. 197, grifos do autor)

Tendo bem conceitualizado como se processa a aprendizagem e como evolui o pensamento, o psicopedagogo é o profissional indicado para assessorar e esclare-cer a escola a respeito de diversos aspectos do processo de ensino–aprendizagem.

A Psicopedagogia, no âmbito da sua atuação preventiva, preocupa-se espe-cialmente com a escola. Dedicando-se às áreas relacionadas ao planejamento edu-cacional e ao assessoramento pedagógico, colabora com os planos educacionais e sanitários no âmbito das organizações, atuando numa modalidade cujo caráter é clínico, ou seja, realizando diagnóstico institucional e propostas operacionais pertinentes. O campo de atuação da modalidade preventiva é muito amplo, mas pouco explorado. Sobre o trabalho psicopedagógico na escola muito se tem a fa-zer. Grande parte da aprendizagem ocorre dentro da instituição escolar, na relação com o professor, com o conteúdo e com o grupo social escolar enquanto um todo. Devido ao fato de ser um lugar tão relevante na vida do ser humano, a instituição escolar, paradoxalmente, pode ser também muito prejudicial.

No nível da instituição, nas escolas em especial, considera-se que um psicopedagogo deve procurar acompanhar a tendência muito saudável de, como um dos elementos da equipe, impulsionar o trabalho cooperativo de professores e demais profissionais da escola, pro-curando contribuir para uma maior eficiência e coerência, participando com todos, por exemplo, do momento da definição do projeto pedagógico e da análise e discussão de situ-ações e casos especiais. Considera-se questionável a possibilidade de o psicopedagogo vir

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a se apresentar como o dono da verdade e portador de soluções prontas, desconsiderando as possibilidades de trabalho cooperativo com educadores em geral. (FINI et al., 1996, p. 71)

Em especial na escola, o psicopedagogo poderá contribuir no esclarecimento de dificuldades de aprendizagem que não têm como causa apenas deficiências do aluno, mas que são conseqüência de problemas escolares, tais como a organização de instituição, dos métodos de ensino, da relação professor–aluno, da linguagem do professor, entre outros.

A instituição educativa, em suas diferentes modalidades – creche, pré-escola, escola de 1.º, 2.º ou 3.º graus – cumpre um papel central na sociedade: o de mediadora no processo de inserção da criança e do adolescente na cultura. Para isso, é necessário que ela se estru-ture e se instrumentalize de forma a responder às exigências propostas por este objetivo, tão amplo e complexo. Um dos aspectos principais dessa estruturação diz respeito à for-mação e qualificação de equipes de trabalho capazes de desenvolver projetos pedagógicos compatíveis com a natureza e os objetivos dessa instituição. Nesse processo, o psicope-dagogo se depara com uma das mais difíceis e instigantes de suas funções na instituição educativa: a de orientar e coordenar a formação e o funcionamento de equipes de trabalho, considerando o contexto institucional. (CAVICCHIA, 1996, p. 204)

Os profissionais engajados no campo da Psicopedagogia têm atentado para a necessidade do trabalho a ser realizado na instituição escolar. Pensar a escola, à luz da Psicopedagogia, significa analisar um processo que inclui questões me-todológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo, conforme já dissemos, a participação da família e da sociedade. O nível de intervenção do psicopedagogo na escola vai variar em função de ser mais contínuo ou menos contínuo. Sendo mais contínuo, ele poderá atuar preventivamente junto aos professores e técnicos de vários modos tais como:

explicitando sobre habilidades, conceitos e princípios que são pré-requi-sitos para as aprendizagens e auxiliando para que as situações de ensino sejam organizadas de acordo com o desenvolvimento;

participando da equipe de currículo e auxiliando a determinar priorida-des em relação aos objetivos educacionais;

atuando, como integrador que é, como elemento de elo entre os pro-fissionais da escola diretamente envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem.

Reportemo-nos ao que pensa Weiss (1991) a respeito disso. Para esta pes-quisadora, existem diferentes enfoques em relação ao que se entende por Psicope-dagogia na escola. Ela, por seu turno, adota a posição de considerá-lo como uma atividade educacional em que se busca a melhoria da qualidade na construção da aprendizagem de alunos e educadores. A psicopedagogia busca dar ao professor e ao aluno um nível de autonomia na busca do conhecimento e, ao mesmo tempo, possibilita uma postura crítica em relação à estrutura da escola e da sociedade que ela representa.

Nestas palavras, a psicopedagoga Maria Lúcia Lemme Weiss reflete a preo-cupação e a tendência atual da Psicopedagogia no seu compromisso com a escola. Nesse trabalho preventivo junto à escola, deve-se levar em consideração, inicial-mente, quem são os protagonistas dessa história: professor e aluno.

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Assim sendo, pensar a escola à luz da Psicopedagogia implica nos debruçarmos espe-cialmente sobre a formação do professor. Pode-se dizer, por conseguinte, que uma das tarefas mais importantes na ação psicopedagógica preventiva é encontrar novas modali-dades para tornar essa formação mais eficiente. Sabe-se que as profissões são escolhidas atendendo a profundos desejos inconscientes, e que não se questiona e nem se leva em conta as motivações dessa escolha ao longo da formação do professor. Assim, pois, as propostas de formação docente devem oferecer ao professor condições para estabelecer uma relação madura e saudável com seus alunos, pais e autoridades escolares. Investigar, analisar e realizar novas propostas para uma formação docente que considere esses as-pectos constitui uma tarefa extremamente importante, da qual se ocupa a Psicopedagogia. (BOSSA, 1994, p. 71)

Nosso ponto de vista é de que os problemas de aprendizagem são, em pri-meiro lugar, problemas de âmbito escolar e deveriam, inicialmente, merecer aten-ção da escola. Por utópico que possa aparecer, o psicopedagogo tem também um campo de atuação terapêutica dentro da escola. Vivemos um momento de conflito socioeconômico que tem como conseqüência problemas escolares que necessitam procedimentos remediáveis imediatos. Considerando tais problemas de um ponto de vista sistêmico, evidencia-se a relevância de que o indivíduo possa ser trabalha-do dentro de seu ambiente escolar e só sejam encaminhados para serviços espe-ciais os casos mais sérios, que necessitam de diagnóstico médico especializado e exames complementares. Nesta linha de pensamento, o psicopedagogo pode atuar terapeuticamente na escola de modo a:

preparar o professor para a realização de atendimentos pedagógicos indi-vidualizados;

auxiliar na compreensão de problemas na sala de aula, permitindo ao professor ver alternativas de ação e ver a maneira com que os demais técnicos podem intervir;

participar no diagnóstico dos distúrbios específicos da aprendizagem;

atender pequenos grupos de alunos.

Para refletir e finalizarVimos nesta aula como se dá a construção de nossos conhecimentos e como

o psicopedagogo atua, particularmente na instituição escolar. Convém lembrá-lo, que não nos limitamos apenas aos professores e alunos. Estes principais parcei-ros no processo educacional não estão sozinhos: participam, também, a família e outros membros da comunidade que interferem no processo de aprendizagem – como, por exemplo, aqueles que decidem sobre as necessidades e prioridades escolares.

O aluno, ao ingressar no ensino regular, por volta de sete anos, traz consigo uma história vivida dentro do seu grupo familiar. Se a sua história transcorreu sem maiores problemas, seu superego estará estruturado e poderá deslocar sua pulsão aos objetos socialmente valorizados, ou seja, estará pronto para a sublimação. A escola se beneficia e também tem função importante nesse mecanismo, pois lhe fornece as bases necessárias, ou seja, coloca ao dispor da criança os objetos para

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os quais se deslocará a sua pulsão. É o momento ideal para o ingresso no ensino regular, já que as suas condições psíquicas favorecem o aprendizado escolar. Se tudo correu bem no desenvolvimento da criança, estará estruturado o seu desejo de saber. Ingressa na escola com um desenvolvimento construído a partir do inter-câmbio com o meio familiar e social, o qual pode ter funcionado tanto como faci-litador quanto como inibidor no processo de desenvolvimento afetivo-intelectual.

É importante que você tenha em mente, no entanto, que a aprendizagem não objetiva só a criança ou adolescente, mas o adulto e profissionais na integração e reintegração grupal. O trabalho do psicopedagogo se dá numa situação de rela-ção entre pessoas. Não é uma relação qualquer, mas um encontro entre educador e educando, em que o psicopedagogo precisa assumir sua função de educador, numa postura que se traduz em interesse pessoal e humano, que permite o de-sabrochar das energias criadoras, trazendo de dentro do educando capacidades e possibilidades muitas vezes desconhecidas dele mesmo e incentivando-o a pro-curar seu próprio caminho e a caminhar com seus próprios pés. O objetivo do psicopedagogo é o de conduzir a criança ou adolescente, o adulto ou a instituição a reinserir-se, reciclar-se numa escolaridade normal e saudável, de acordo com as possibilidades e interesses dela.

Segundo as opiniões formuladas na presente aula, discuta com seus colegas em que deve consti-tuir o trabalho psicopedagógico na escola. Em sua argumentação, procure estabelecer, também, qual o papel da escola enquanto mediadora entre a realidade social e o aluno.

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A crescente profissionalização do psicopedagogo

Em nossas aulas iniciais vimos um pouco da história da Psicopedagogia e a inserção do psico-pedagogo nas instituições. Após estas primeiras aulas, você talvez esteja se perguntando: mas, afinal, que tipo de profissional é o psicopedagogo? Onde e como ele atua? As respostas a essas perguntas não são simples, mas estamos certos que a leitura desta aula o auxiliará bastante na elucidação de algumas destas questões.

O psicopedagogo como profissionalEnquanto profissional, o psicopedagogo pode atuar em uma perspectiva eminentemente preventi-

va ou em uma abordagem terapêutica, clínica. O seu trabalho pode vincular-se a uma instituição (escola, hospital, centro comunitário, por exemplo) ou ser estritamente individual (em seu próprio consultório). Mas, em qualquer dos casos, cabe ressaltar, o psicopedagogo não deve prescindir do diálogo interdisci-plinar, dada a complexidade do ato de aprender e a complexidade existencial daquele que aprende, em sua totalidade constitutiva e de manifestação.

Como sabemos, é bastante expressivo o número de alunos que apresentam dificuldades de ler, de escrever e mesmo de pensar, exigindo uma atuação terapêutica. Esta situação, tão presente em nossas escolas, demonstra a importância da ação preventiva do psicopedagogo, quando voltada para evitar o aparecimento de dificuldades na aprendizagem. Ocupando-se da integração do aluno no co-tidiano escolar, quanto às possibilidades e capacidades que ele detém e os interesses que manifesta, o psicopedagogo atua preventivamente, colaborando para que o aprendiz estabeleça uma relação praze-rosa com o ato de aprender e, mesmo, desafiadora.

O psicopedagogo precisa saber não só como o aluno constrói o seu conhecimento, mas tam-bém como ele determina o instrumental que usa para construir e reconstruir este conhecimento. Em outras palavras, o psicopedagogo precisa saber de que modo o aluno produz a tessitura do conhecer e do aprender, na qual o afetivo, o cognitivo e o conjunto das circunstâncias que compõem o coti-diano escolar se entremeiam e onde pontuam, além do professor (com suas peculiaridades pessoais e didáticas); os colegas do aprendente (igualmente vivenciando o desafio do aprender). Somente assim o psicopedagogo terá condições de contribuir para o desaparecimento das possíveis dificuldades do aluno, em seu processo de construção do conhecimento.

Ao deparar-se com essas dificuldades, o psicopedagogo precisa, ainda, distinguir entre as difi-culdades que se revelam como “sintomas” – aquelas que realmente são objeto de um trabalho psico-pedagógico (oriundas de um real problema de aprendizado) e as que se apresentam como “reativas” – oriundas de alguma reação emocional (objeto de interesse do psicólogo escolar).

A ação preventiva do psicopedagogo no campo institucional escolar deve estender-se também ao corpo docente. Neste sentido, o psicopedagogo terá oportunidade de trabalhar junto aos professores, esclarecendo-os quanto ao processo evolutivo cognitivo do aluno, inter-relacionando-o aos aspectos

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afetivos e ambientais capazes de influenciarem favorável ou desfavoravelmente o ato de aprender.

Muito bem! Com certeza, você agora já tem uma noção melhor do papel do psicopedagogo: a complexidade de sua atuação, os conhecimentos que ele deve mobilizar e alguns dos problemas que deve resolver. Para complementar essa vi-são vejamos, agora, algumas formas de sua atuação.

Formas de atuação profissional do psicopedagogo

A Psicopedagogia, como nos diz Bossa (1994) se ocupa da aprendizagem humana, que aparece de uma demanda bem clara – o problema de aprendizagem – e evoluiu devido à existência de recursos, ainda que embrionários, utilizados para atender a essa demanda, constituindo-se, assim, numa prática.

Conforme vimos em nossas aulas, como a Psicopedagogia se preocupa com o problema de aprendizagem, deve ocupar-se inicialmente em entender o processo de aprendizagem. Portanto, vemos que esta ciência estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evoluti-vamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Esse objeto de es-tudo, que é um sujeito a ser estudado por outro sujeito, adquire características específicas a depender do trabalho clínico ou preventivo.

Bossa (1994) procura definir a diferença entre uma e outra forma de atuação psicopedagógica. Segundo ela, o trabalho clínico (ou curativo) se dá por meio da re-lação entre um sujeito com sua história pessoal e seu modo de aprender, buscando compreender a mensagem emitida por um outro sujeito, implícita no sintoma do “não-aprender”. Nesta modalidade de trabalho, o profissional deve procurar com-preender o que o sujeito aprende, como aprende e por que aprende, além de per-ceber a dimensão da relação entre ele, o psicopedagogo e o sujeito aprendente, de forma a favorecer o processo de aprendizagem.

No trabalho preventivo, as instituições, enquanto espaços físicos e psíquicos da aprendizagem, são objeto de estudo da Psicopedagogia. Nelas são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem. Cabe recordá-lo de que, como vimos na aula passada, as instituições não são apenas as educacionais, mas todas aquelas em que se pro-cessam as aprendizagens.

Segundo nos conta Bossa (op. cit.), a definição do objeto de estudo da Psi-copedagogia bem como os demais aspectos dessa área de estudo passaram por várias fases distintas. Houve época em que o trabalho psicopedagógico tinha como prioridade realizar a reeducação do sujeito e o processo de aprendizagem era avaliado em função das deficiências apresentadas pelo aprendente. A atuação psicopedagógica procurava, então, vencer tais defasagens. Nesta fase, o objeto de

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estudo era o indivíduo que não conseguia aprender, concebendo-se a “não-apren-dizagem” como uma falta ou uma falha do sistema cognitivo do indivíduo. Esse enfoque buscava, de acordo com critérios científicos, estabelecer semelhanças no processo de aprendizagem entre grandes grupos de sujeitos, as suas regularidades e o que era esperado para determinada faixa etária, visando reduzir as diferenças e acentuar a uniformidade.

Posteriormente, segundo a mesma autora, a Psicopedagogia passou a ocu-par-se da noção de “não-aprendizagem” de uma outra forma: o “não-aprender” passa a ser entendido como um sintoma carregado de significados, e que não se opõe ao aprender. Essa nova fase da Psicopedagogia é fundamentada em con-ceitos oriundos da Psicanálise (Freud) e da Psicologia Genética (Piaget) e leva em conta a singularidade e a diversidade dos indivíduos, buscando o significado particular emprestado às suas características e às suas alterações, baseadas nas circunstâncias da sua própria história e do seu meio sociocultural. Nesta fase do processo evolutivo da Psicopedagogia, esta nova área de estudo procurou estru-turar-se entendendo que o objeto de estudo é sempre o sujeito “aprendendo”, pois não há formas acabadas de aprendizagem. A construção do saber é sempre um processo e, por isso, contínuo.

Na fase atual, a Psicopedagogia orienta-se segundo a concepção de que existe um equipamento biológico com características afetivas e intelectuais pró-prias participando ativamente neste processo de aprendizagem e que interferem na forma como se dão as relações do sujeito com o meio, sendo que essas caracte-rísticas influenciam e são influenciadas pelas condições socioculturais do sujeito e do seu meio.

Conforme vimos, a atuação psicopedagógica pode se dar segundo uma orientação preventiva e/ou clínica. Entretanto, ela é também teórica na medida da necessidade de se refletir sobre a práxis. Assim, vale repensar um pouco a prática, antes de abordar o teórico. A Psicopedagogia procura utilizar-se do processo de ação–reflexão–ação, no qual cada profissional age na busca de resultados profilá-ticos e/ou terapêuticos e, em seguida, reflete sobre sua ação para novamente voltar à prática.

Para Bossa (1994), o trabalho preventivo pode ocorrer em diferentes níveis de prevenção. Segundo esta autora, no primeiro nível o psicopedagogo centra sua atenção nos processos educacionais com o objetivo de identificar as dificuldades institucionais, e atua sobre elas antes que provoquem dano, pois visa diminuir a “freqüência dos problemas de aprendizagem”. Seu trabalho incide nas questões didático-metodológicas, bem como na formação e orientação de professores, além de fazer aconselhamento aos pais. Em um segundo nível, o objetivo é diminuir e tratar os problemas de aprendizagem já instalados. Com esta finalidade, realiza-se uma análise diagnóstica da realidade institucional e elaboram-se planos de inter-venção baseados nos resultados obtidos neste diagnóstico. Dentro deste processo, junto com os professores, procura-se avaliar os currículos e os métodos didático-pedagógicos utilizados, procurando soluções para que não se repitam tais trans-tornos. No terceiro nível, segundo o que nos ensina Bossa (1994), o objetivo é eliminar os transtornos já instalados num procedimento clínico com todas as suas

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implicações. O caráter preventivo permanece aí, uma vez que, ao eliminarmos um transtorno, estamos prevenindo o aparecimento de outros.

Para melhor entendimento das atividades apresentadas, vamos agora ver como Kiguel (1987) entende o trabalho psicopedagógico.

A função preventiva e a função curativa (terapêutica)

Na função preventiva, segundo nos diz Kiguel (1987), cabe ao psicopedago-go atuar, principalmente, em escolas e em cursos de formação de professores, es-clarecendo sobre o processo de desenvolvimento e maturação das áreas ligadas à aprendizagem escolar (perceptiva, motora, de linguagem, cognitiva e emocional), auxiliando na organização de condições de aprendizagem de forma integrada e de acordo com as capacidades dos alunos, atendendo sua diversidade e motivação.

Já o trabalho do psicopedagogo em nível curativo, é, segundo esta autora, dirigido às crianças e adolescentes com distúrbios de aprendizagem já instala-dos.

Em ambos os casos, para auxiliar no diagnóstico (que é concluído em equi-pe interdisciplinar) o psicopedagogo desenvolve os seguintes procedimentos:

anamnese e análise do material escolar desde a pré-escola;

contato com a escola (direto ou por meio de questionário);

observação do desempenho em situação de aprendizagem;

aplicação de testes psicopedagógicos específicos;

solicitação de exames complementares (psicológico, neurológico, oftal-mológico, audiométrico ou outros que se fizerem necessários).

Integrando os resultados obtidos por meio destes procedimentos, o psicope-dagogo busca levantar hipóteses que expliquem as condições de aprendizagem do paciente identificando áreas de competência e de dificuldades.

O entendimento dos fatores etiológicos das dificuldades, bem como a sig-nificação emocional do problema na família e na escola, levam o psicopedagogo, juntamente com os demais profissionais que avaliaram o paciente, a determinar as prioridades de tratamento.

É interessante observar que, freqüentemente, uma criança portadora de um distúrbio de aprendizagem tem associado a este também um distúrbio afetivo. O atendimento à área emocional deve ser indicado e pode ocorrer prévia, simultânea ou posteriormente ao tratamento psicopedagógico. A partir das indicações tera-pêuticas, o psicopedagogo apresenta os resultados aos pais e à escola e com eles planeja o atendimento psicopedagógico.

Não podemos nos esquecer, no entanto, que o tratamento psicopedagógico propriamente dito está sempre vinculado ao posicionamento teórico que a equipe

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interdisciplinar tem no fenômeno da aprendizagem humana, em seus distúrbios e nas causas que os motivaram. O conhecimento da etiologia é fundamental, não apenas para a determinação de prioridades de tratamento e escolha de metodolo-gias específicas, mas, principalmente, para quando se trata de planejar soluções preventivas e/ou curativas de caráter social mais amplo.

É importante relembrá-lo, neste momento, que o principal sujeito no proces-so de aprendizagem é o aprendente e, desse modo, é de fundamental importância para o êxito do trabalho psicopedagógico o relacionamento interpessoal entre ele e o psicopedagogo.

Como podemos facilmente perceber, a relação existente entre o psicope-dagogo e o aprendente é dinâmica e, por isso, imprevisível. Sendo um encontro de personalidades distintas e com motivações diversas, cada um se aproxima do outro como seres humanos que são, com seus acertos e erros, seus conflitos e emoções, sua particular percepção valorativa das experiências vivenciadas, en-fim, com o próprio EU e suas circunstâncias interagentes.

Sempre que duas pessoas se encontram, e mais fortemente em um processo terapêutico, cria-se uma tempestade emocional. Se eles têm um contato suficiente para estarem seguros um do outro, ou mesmo se não estão seguros, um estado emocional se produz pela conjunção destes dois indivíduos, destas duas persona-lidades. Neste processo interativo é importante que o psicopedagogo se veja tam-bém como aprendente. Embora seguro do suporte teórico que orienta sua atuação e do domínio das técnicas que utiliza, é previsível que o encontro com o outro se torne, quase sempre, um fator de angústia que deve, pelo profissional, ser mantido sob controle. Manter-se aberto aos acontecimentos de cada encontro, que nunca se repetem, é um modo de lidar com o “novo”, freqüentemente angustiante.

Princípios norteadores da ação do psicopedagogo

O psicopedagogo procura, em sua ação, mobilizar o indivíduo, conside-rando que os processos cognitivos como os de atenção, percepção e memória são determinados pelas condições de maturação neuropsíquica orientados pela emoção e pelo afeto, pois os sentimentos de prazer e sucesso são determinantes da aprendizagem. Considera-se estas características como partes integrantes de um processo de desenvolvimento único para cada indivíduo, embora influenciado pelo meio familiar, social e cultural.

Concordamos que o psicopedagogo norteia sua atividade profissional se-gundo princípios que emanam do seu próprio processo de aprendizagem, mas, por outro lado, o psicopedagogo acredita que o aspecto importante da atividade peda-gógica é a sua significação simbólica dentro do processo geral de aprendizagem do indivíduo e, tal atividade deve ser capacitante para a estruturação, crescimento e integridade da personalidade do aprendiz.

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Outro princípio básico que deve ser buscado pelo psicopedagogo é o desen-volvimento do processo de auto-aprendizagem, no sentido de que ensinar consiste em facilitar ou buscar desencadear um processo ativo que ocorre no indivíduo que aprende, de acordo com seu ritmo de desenvolvimento.

Também consideramos um princípio norteador o fato de que determinadas aprendizagens necessitam de uma ação estimuladora do meio externo e que a pessoa que ensina é um dos elementos mais incentivadores da aprendizagem. O psicopedagogo norteia sua ação consciente de que a aprendizagem é, antes de tudo, uma relação com o mundo externo e que o vínculo que se estabelece com o indivíduo será um fator relevante na sua mobilização para a busca do novo.

O psicopedagogo procura, então, mobilizar o seu próprio potencial afetivo para tornar-se um fator incentivador da aprendizagem do indivíduo que, por ve-zes, muito jovem, já experimenta intensos sentimentos de fracasso e desânimo.

Diferenciação entre o papel do psicopeda-gogo e de alguns outros profissionais que atuam na área de Educação

A aprendizagem é um fenômeno complexo. Seu estudo requer a intervenção de diversos campos do conhecimento. Na verdade, a análise dos fenômenos relati-vos à aprendizagem requer a intervenção de uma equipe multidisciplinar, funcio-nando integradamente. Por outro lado, não se pode esquecer que a condição para uma equipe trabalhar adequadamente é que cada participante tenha seu papel de-finido com o seu modo específico de ver o problema e trazer a sua contribuição.

O papel do psicopedagogo apresenta várias interfaces, podendo estar diluí-do, particularmente, entre o papel do orientador educacional, do psicólogo escolar, do fonoaudiólogo ou do supervisor pedagógico. Em relação a cada um destes, os limites de atuação são, por vezes, quase impossíveis de definir objetivamente.

A dificuldade parece advir não só do funcionamento a nível técnico, mas tam-bém da natureza do ser humano – não é possível definir os limites da linguagem e do pensamento, dos processos de aprendizagem e das características pessoais. Tudo indica que o mais importante na compreensão do indivíduo é justamente o modo único e peculiar como interagem as diferentes variáveis.

O terreno das diferenciações é um terreno escorregadio e cheio de particu-laridades, não só científicas, mas também práticas e até legais. Temos que lembrar que não é só o campo da Psicopedagogia que não está bem-definido. Apesar de estar consideravelmente melhor delimitado, o campo psicológico ainda admite subdivisões e variações. A diversidade funcional pode ocorrer devido às diferen-tes formações dos técnicos – já que se tratam de áreas relativamente novas – e devido às diferenças nos sistemas regionais de ensino.

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Por fim, precisamos considerar que a Educação está em contínua mudança, o que altera, constantemente, os papéis e as funções das pessoas envolvidas neste processo. Mas, apesar das dificuldades, tentamos levantar algumas peculiaridades em relação aos papéis destes profissionais.

Em relação ao orientador educacional, parece-nos que tem uma atuação mais geral que o psicopedagogo, pois ajuda o indivíduo a encontrar uma melhor compreensão de si mesmo e desenvolver sua capacidade de tomar decisões. Ele trabalha, também, em função da dinâmica inter-relacional da escola ou institui-ção. Em alguns casos, faz aconselhamento vital e encaminha, quando necessário, o indivíduo para o médico, psicólogo, psicopedagogo ou fonoaudiólogo.

Em relação ao fonoaudiólogo, encontramos alguma dificuldade para esta-belecer nítidas diferenciações. Sem dúvida, são campos nos quais podem ocorrer muitas interseções. O fonoaudiólogo, ocupando-se com a prevenção e reabilitação de distúrbios na aquisição e desenvolvimento da linguagem, certamente se ocupa com indivíduos que apresentam dificuldades de aprendizagem.

O psicopedagogo, ao tratar com as dificuldades de aprendizagem volta-se para os processos perceptivos, cognitivos e conceituais que se evidenciam e são atingidos por intermédio da linguagem. Dá ênfase aos aspectos psicológicos e sociais dos problemas de aprendizagem do indivíduo.

Para estabelecer diferenciações entre o psicopedagogo e o psicólogo esco-lar, seria necessário que o papel deste estivesse melhor definido entre o modelo escolar e o modelo clínico. Parece que ainda não há um modelo único que expli-cite a atuação do psicólogo escolar. Dependendo de sua formação e da estrutura educacional em que atua, há prevalência de uma orientação para a organização ou para o indivíduo. De qualquer modo, ele trabalha com os sentimentos indivi-duais ou grupais com vistas à resolução de problemas que se caracterizam mais pelo seu aspecto emocional do que educacional. O psicopedagogo trabalha com os sentimentos, conhecimentos e habilidades individuais ou grupais com vistas à ação pedagógica indicada.

Em relação ao psicólogo clínico, as diferenciações parecem ser mais evi-dentes, pois ele dedica-se ao diagnóstico, tratamento e prevenção dos problemas emocionais. Sua preocupação com os problemas de aprendizagem insere-se den-tro de uma problemática emocional, mesmo porque psicoterapia é um processo de aprendizagem ou reaprendizagem. O psicopedagogo atribui um valor especial aos aspectos emocionais, na medida em que considera os mesmos como a fonte energética da aprendizagem, mas seu campo de ação abrange apenas o campo educacional.

Quanto ao supervisor pedagógico, a diferença básica parece estar em que, quando este se volta para a orientação em relação aos problemas de aprendiza-gem, tem em vista, preferentemente, os desempenhos previstos na organização curricular tendo sua atuação mais vinculada ao corpo docente do que discente.

A crescente profissionalização do psicopedagogo

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FinalizandoCom esta aula, completamos a primeira unidade de nossa disciplina. Espe-

ramos que você tenha, agora, uma visão abrangente da história e dos conceitos bá-sicos da Psicopedagogia, particularmente no que tange à necessidade funcional de seu aparecimento como ciência, como ela se insere nas instituições e como vem crescendo a profissionalização destes profissionais da educação. A partir de nossa próxima unidade vamos aprofundar os conceitos até aqui levantados, começando por caracterizar a ação psicopedagógica.

1. Ao término desta aula, escreva um texto que busque caracterizar o objeto de estudo da Psico-pedagogia. Em sua argumentação apresente o modo de atuação deste profissional, estabele-cendo a diferença entre o enfoque preventivo e o terapêutico no processo psicopedagógico.

2. Após ter terminado esta tarefa, procure ler dois textos de colegas seus e discuta com eles as aproximações e as diferenças entre o que vocês escreveram.

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Teorizando a ação psicopeda-gógica: limites e possibilidades

A tender os alunos em suas singularidades sempre foi um dos objetivos mais ambiciosos da Edu-cação Escolar. A evolução da Educação, desde a época dos preceptores até nossos dias é, entre outros aspectos, a história do aumento e da complexificação das demandas que pressionam o

sistema educacional para que este seja capaz de responder à crescente heterogeneidade de seus alunos e alunas.

A expansão de matrículas na Educação Fundamental tem sido acompanhada por um incremento na diversidade de crianças que chegam à escola: diversidade de motivações, interesses e capacidades que se modelam, em última análise, em uma exigência de novas competências no professorado.

Diante da nova demanda que chega, a resposta à diversidade tem sido considerada por parte de professores e professoras como um problema que ultrapassa suas possibilidades e funções, pois exige a presença de novos profissionais nas escolas. Tal perspectiva vem sendo reforçada pela Educação Inclusiva, já que a escola tem matriculado alunos com sérios problemas de aprendizagem ou com necessidades educacionais especiais em geral.

O assessoramento solicitado pelos docentes vem sendo atendido de forma parcial e isolada, dependendo muito mais da iniciativa das secretarias municipais e/ou da boa vontade dos coorde-nadores e orientadores pedagógicos. Ainda não temos uma política pública que legalize a presença da Psicopedagogia nas redes públicas de ensino e a rede particular pode, se esta for a sua escolha, contratar psicopedagogos para sua equipe pedagógica. Embora esse não seja um dos limites teóricos da Psicopedagogia, mostra-se como um grande obstáculo a ser enfrentado pelo novo profissional da Educação.

Comecemos pela análise das queixas de professores e pais sobre alunos/filhos em relação à aprendizagem escolar. É comum escutarmos que os alunos “não guardam a matéria”, “não conse-guem fazer contas”, “sempre repetem o mesmo erro”, “depois das férias esquecem tudo” etc. Desse breve repertório de expressões, quero chamar a atenção sobre o que aí emerge de significativo pois, geralmente, remetem à existência de algo que na relação pedagógica se interpõe entre aquilo que se ensina, que se mostra ao aluno, e aquilo o que se obtém como resultado.

Essas poucas expressões, geradas por um saber cotidiano, indicam que “isso” que se interpõe entre o ensinado (o que foi mostrado) e o resultado é uma espécie de substância capaz de oferecer resistência à aprendizagem, de fazer com que o aluno repita insistentemente o mesmo erro, de que esqueça ou de que não consiga realizar o que quer. Emergência de algo que em si mesmo conteria a chave que possibilita ou que impossibilita as aprendizagens.

Cabe ressaltar que não somente os pais, que consultam psicopedagogos clínicos por seus filhos, aferram-se a essas típicas construções imaginárias; além deles, tanto professores quanto profissionais de Psicopedagogia também as veiculam. A esse respeito, Lajonquière (1992, p. 12) nos alerta:

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Que essas expressões tenham se tornado clássicas ou, em outras palavras, que circulem com naturalidade, não deve chegar a nos surpreender. De certa forma, não passam de cria-turas muito particulares dessa espécie de substancialismo cotidiano que a tudo domina. Contudo, algo nelas deve, sim, chamar nossa atenção. Referimo-nos ao fato de que em se tratando da maioria de profissionais da nossa área, neles semelhantes apreciações e consi-derações próprias da tradição, em sentido lato, behaviorista-reflexológica.

Nos meios profissionais são feitas determinadas afirmações que, por um lado, apontam a existência de uma espécie de intermediação entre o estímulo pedagógico e a resposta do aluno e que, por outro lado, tentam explicar cientifica-mente a aprendizagem usando o clássico modelo da associação exitosa.

A tradição do pensamento psicológico contemporâneo, da qual a Psicopeda-gogia retira muito de sua teorização, tem gerado muitas escolas. Entre cada uma delas, algumas vezes, observamos tanto uma complementação recíproca quanto uma imensa discordância sobre certos aspectos, entre eles, por exemplo, a forma de caracterizar o organismo e os chamados fenômenos mentais.

Cabe salientar que, além das variantes radicais e metodológicas da análise comportamental, nelas é sempre pressuposto, em primeiro lugar, que deve haver necessariamente uma ligação entre o estímulo ambiental e a resposta dada e, em segundo lugar, que tal associação pode ser controlada cientificamente. É, precisa-mente esse ponto que devemos analisar: a tradição experimentalista em Psicologia está baseada na pressuposição de que ao se desvendar a intrincada trama de as-sociações será possível, intervindo de forma direta sobre os estímulos, controlar o comportamento. Como aprender é um comportamento, podemos por meio dos estímulos, controlar seu êxito.

As leis da aprendizagem – do efeito, do exercício, do reforçamento etc. – pressupõem, necessariamente, a existência de uma associação E (Estímulo) – R (Resposta). Assim, a aprendizagem é entendida como a consolidação de deter-minadas respostas exitosas dadas por um organismo, que se caracteriza por sua plasticidade. Tal organismo behaviorista, como é batizado por Lajonquière (1992), está dotado de uma bagagem hereditária mínima de respostas comuns à espécie que funciona como cenário e é em seu interior que as associações bem-sucedidas ocorrem. A partir dos reflexos hereditários, ou incondicionados na terminologia behaviorista, associam-se os aprendidos que variam em complexidade. As asso-ciações aprendidas, resultado de interações com o ambiente, são o centro das preocupações pedagógicas e psicopedagógicas. Suas leis, mais ou menos inde-pendentes desse organismo plástico, podem ser controladas (cientificamente) por pedagogos e psicopedagogos.

Portanto, no interior da tradição experimentalista não existe um conceito definido para o que ocorre entre o estímulo (E) e a resposta (R) que possa, em úl-tima instância, ser responsabilizado pelas vicissitudes da aprendizagem. O erro é visto como uma associação malsucedida que tanto pode ser revertida, com maior ou menor dificuldade, por meio de uma nova programação cuidadosa de estímu-los, como podemos evitar o erro ao utilizarmos o exercício e o reforçamento.

Para os behavioristas-reflexológicos o conhecimento nada mais é do que um acúmulo de condutas estáveis que resultam do jogo de inter-relações E-R, sobre o

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qual podemos intervir diretamente e quantas vezes forem necessárias. Contudo, os supostos erros ou dificuldades na aprendizagem nos mostram que a construção de conhecimentos está regulada por leis que se situam além do controle direto, intencionado pelo pedagogo, psicopedagogo ou aluno.

A meu ver o erro representa a ponta de um iceberg que não só se desloca arbitrariamente, mas está empenhado em colidir com tudo o que se interpõe à sua frente. É este caminho do erro que tentaremos rastrear ao longo da aula.

Segundo Lajonquière o discurso cotidiano veicula, junto às diversas cons-truções imaginárias, colocadas a serviço do desconhecimento, algo da ordem da Verdade (do desejo). Para esse discurso, os erros são manifestações de uma subs-tância misteriosa. De uma certa maneira, a Psicopedagogia, em sua abordagem psicanalítica, aproxima-se desse imaginário cotidiano, na medida em que compre-ende os erros como fraturas do pensamento ou vicissitudes que um sujeito suporta nas suas aprendizagens.

Entretanto, o discurso pedagógico hegemônico ainda repousa na ilusão de que saber é poder, acreditando que conhecendo as leis da aprendizagem o peda-gogo detém o poder de calcular o efeito dos métodos que coloca em ação, supondo que pode calibrar o valor dos estímulos que apresenta aos olhos do aluno. Tal crença, que Freud diria estar animada pelo desejo pedagógico, impõe-se também no campo da Psicopedagogia Clínica, configurando toda uma coleção de ortope-dias reeducativas que buscam atar o que foi desatado.

Na verdade, o behaviorismo não é a única teoria psicológica que alimenta a ilusão pedagógica; outras abordagens também disputam a primazia.

A psicologia das faculdades mentais ou cognitivismo que, embora inter-ponha entre o estímulo (E) e a resposta (R) noções típicas da Psicolo-gia Geral (consciência, memória, atenção, motivação etc.), crê que pode controlar a consciência, atenção etc., como se essas noções assumissem o papel de entidades.

Algumas versões dos textos freudianos que apostam na capacidade adap-tativa do Ego.

Leituras equivocadas da teoria piagetiana que, ao se extasiarem com a descrição fenomenológica dos estágios de desenvolvimento, reforçam a crença de que é possível fundar uma pedagogia mais científica.

Essas três perspectivas psicológicas, ao responsabilizarem um elemento in-termediário pelas aprendizagens – consciência, ego ou inteligência –, acabam por simplificar demais a complexidade e a dinâmica do verbo aprender, reduzindo os elementos intermediários à condição de escravos obedientes da Pedagogia. Será que esse truque é possível?

Mas, as tentativas de redução da aprendizagem a algo controlável pela Peda-gogia não param por aí. Tão perigoso quanto buscar apoio em leituras apressadas da Psicologia é o apelo à Medicina e à Psiquiatria, como forma de excluir crianças e adolescentes das salas de aula por meio de laudos médicos que supostamente justificam o fracasso escolar desses alunos.

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Temos, então, uma configuração nesse cenário teórico da Psicopedagogia de três posturas profissionais extremas:

nenhuma intermediação é possível;

consideram algum tipo de intermediação psicológica sujeita ao contro-le;

acreditam que a chave da aprendizagem está colocada na lógica da ma-turação do organismo.

Cabe salientar que posições extremadas geram, por combinação, uma di-versidade de posturas intermediárias que, por sua vez, aumentam a confusão da paisagem teórica. Mas, nessa paisagem sempre se pode encontrar os elementos intermediários ou as variáveis intervenientes do behaviorismo.

Tais posturas também contribuem, segundo Lajonquière, para traçar a linha divisória entre aquilo que na área educacional chama-se geralmente de “aprendi-zagem” e de “desenvolvimento” (1992, p. 16).

Temos, assim, duas possibilidades teóricas de pensar a aprendizagem. A primeira acredita que algo se interpõe entre o estímulo (E) e a resposta (R), e supõe que esse algo, seja lá o que for – consciência, inteligência, afetividade ou organismo –, sempre se desenvolve de uma certa maneira que a possibilidade de adquirir conhecimentos depende, em última instância, dele. A segunda possibili-dade teórica apresenta dois pressupostos similares: nada se interpõe ou considera que interposição de substância alguma justifica a responsabilidade pelo processo de construção de conhecimentos.

Na primeira possibilidade teórica estão situadas as chamadas psicologias do desenvolvimento ou evolutivas, agrupadas em monádicas e diádicas, segundo Saal e Braunstein (1980). As psicologias monádicas, conforme está indicado em seu nome, partem do pressuposto de um indivíduo equipado desde a origem (uma mônada) com uma bagagem de potencialidades que se desenvolve naturalmente segundo um processo predeterminado de maturação intelectual, afetiva ou neu-rológica. Dessa maneira, é consignado ao meio ambiente – físico, familiar e/ou social – o poder de aportar ou negar os recursos necessários para que o processo endógeno se desenvolva com sucesso.

Já as psicologias diádicas enfatizam a inter-relação entre o indivíduo e a sociedade como se fossem duas entidades pré-constituídas, nos legando, como herança teórica, a obrigação de conceituar os diversos modos de adequação des-ses termos opostos (indivíduo e sociedade). Será que esses termos são comple-mentares como duas faces da mesma moeda? Ou terão importâncias diferentes, um sendo superior ao outro? E iremos formulando questões até a exaustão, sem que consigamos perceber que, uma vez colocado o problema teórico em termos de pré-constituição, não teremos como escapar da clássica pergunta: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

A segunda possibilidade teórica funciona como base de apoio para consti-tuição de todas as psicologias e teorias de aprendizagem que, em menor ou maior grau, inscrevem-se na tradição behaviorista-reflexológica. Como já apontei an-

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teriormente, o papel determinante é colocado no meio material e físico, do qual o pedagogo e o psicopedagogo selecionam, de maneira científica, os estímulos a serem ensinados ou mostrados1.

Em certo sentido, o que acontece no plano teórico reinscreve-se no cotidia-no da prática psicopedagógica. Assim, muitos profissionais se deparam com um dilema quando precisam decidir o que realmente têm pela frente: um problema de desenvolvimento ou, pelo contrário, um problema de aprendizagem? Para resolver a questão, em suas rotinas diárias, esses profissionais recorrem à seguinte solução: se não há constatação no organismo de alterações anátomo-fisiológicas, então, as “dificuldades” apresentadas pelo aluno no processo de aquisição de conhecimento não podem ser diagnosticadas como problemas de desenvolvimento, mas como meros “problemas de aprendizagem”.

Ao invés de apresentar as diversas razões que poderiam justificar esse mecâ-nico hábito profissional, vamos nos deter em uma delas, descrita por Lajonquière (1992, p. 18):

a fascinação que sempre produz a visão de um organismo mais ou menos maltratado. Efetivamente, nessas oportunidades o fato de que se constate (seja por formas simples ou com o auxílio de aparelhos de medição e exame) que esse “corpo”, enquanto mero or-ganismo, está em falta, funciona como um verdadeiro divisor de águas. Isto não poderia ser de outro modo já que, com maior ou menor clareza, o sentido comum que domina o espírito de boa parte dos psicopedagogos considera que o psiquismo não é outra coisa que um epifenômeno do orgânico.

Dessa maneira, o caráter de incapacidade em pauta determina o destino do desenvolvimento das funções cognitivas e/ou psicomotoras, e, nestes casos, só ca-beria levar adiante uma prática reparadora que, por meio de exercícios mecânicos, pudesse recuperar os tecidos materiais danificados.

Como conseqüência desses pressupostos, a seguinte correlação é definida: quanto maior o dano orgânico, tanto menor o espaço que resta para o que perten-ce ao psicológico. Assim, fica estipulado que o dano e a prática psicopedagógica adquirem o perfil de uma mecânica ortopédica de reabilitação do doente escolar, junto com uma estratégia de consolo psicológico (muitas vezes apelidado de apoio psicológico).

A teoria freudiana nos apresenta uma outra maneira de pensar: o organis-mo funciona como o suporte de inscrição significante. Os significantes (como os nomeou Lacan), ou seja, as representações psíquicas inconscientes freudianas relacionam-se entre si e compõem um texto escrito e inscrito sobre e entre a(s) nossa(s) carne(s) e nosso corpo. Dessa forma, o organismo que se constitui como uma estrutura anatômica, efeito da ação das leis da herança biológica, precisa suportar os efeitos do trabalho cirúrgico realizado pelos significantes que o re-cortam, o modelam e o permeiam, até a desfiguração para que se torne mais mito do que realidade. As histéricas de Viena demonstraram o que acabei de descrever sobre a teoria freudiana, pois essa nos abre os olhos para que, onde pensávamos ver um organismo, pudéssemos escutar o resmungar de um corpo.

A esse respeito Jerusalinsky (1988, p. 24) é bastante claro: a dimensão psí-quica, embora parta dos mecanismos físico-biológicos dos quais o organismo é

1Embora tenha descrito posturas teóricas extre-

mas, agrupando-as como dia e noite, cabe salientar que, muitas vezes, também encon-tramos outras teorias psico-lógicas que não se encaixam nessa moldura, mas podem ser situadas em uma zona de claro-escuro.

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capaz, reconhecendo nesses mecanismos certos limites enquanto impossibilida-de, retorna sobre eles chegando a modificar até sua própria mecânica. Assim, seja qual for a capacidade que reconheçamos no organismo, a sorte das funções psicológicas e psicomotoras nunca será determinada, em última instância, pela biologia, mas pela ordem da palavra regida pelo significante.

Para continuar avançando nesse campo teórico, incluo um trecho de um relato clínico que pertence a Clemência Baraldi (1986) e vamos nos referir a ele com o nome fictício: “o caso de Joana”. Contudo, é necessário advertir que o re-lato clínico não deve ser considerado como um exemplo individual de uma teoria geral, de tal maneira que, quanto maior fosse a quantidade de casos coletados, mais verdadeira seria a teoria. É o próprio campo da Psicanálise que a si mesmo impõe seus limites e critérios de validade, e é neste sentido que deve ser entendido que um caso Joana vai se revelar tão pertinente como qualquer dos cinco casos de Freud que, até hoje, guiam a práxis clínica de qualquer psicanalista.

Joana já estava há dois anos em tratamento quando, um belo dia, fez uma descoberta surpreendente: o aparente pode ser enganoso. Joana aparecia como “tonta”, assim era significada por sua mãe e pela escola. Entravada com a con-cepção que as pessoas tinham dela, repetia freqüentemente: “não vou conseguir porque eu sou tonta”. Aos dez anos, ela não conseguia sustentar a conservação da quantidade, mantendo-se assim em um pensamento pré-lógico que lhe impedia qualquer aprendizagem operatória. Por isso seu desempenho acadêmico em Ma-temática era péssimo.

As intervenções de Clemência Baraldi na terapia psicopedagógica de Jo-ana apontavam no sentido de lhe tirar de sua certeza “sou uma tonta” lhe mos-trando espaços onde a reflexão fosse factível. Em uma sessão, ela correlacionou pontualmente as fichas brancas com as pretas. Para cada branca uma preta (cor-relação termo a termo para Piaget).

Depois, Clemência agrupou as brancas e lhe perguntou: onde tem mais? Dessa vez, Joana não ficou presa à correspondência perceptível e, passado um pequeno tempo, respondeu: “Parece que tem mais pretas que brancas, porém há a mesma quantidade de brancas que de pretas... parece alguma coisa, mas não é... talvez eu pareça tonta mas não seja”.

Joana acabava de afirmar a permanência da quantidade, portal de entrada para a lógica matemática e para outras tantas questões, mas o efeito desse saber não se limitou a determinados conhecimentos, destronou uma convicção “sou tonta”, possibilitando agora o sucesso em outras aprendizagens. O que aconteceu não foi devido somente a uma estrutura de conhecimento capaz de processar a nova aprendizagem, mas ao fato de Joana ter se tornado alguém capaz de querer saber. E o vice-versa também é igualmente verdadeiro – só foi possível conhecer quando algo deste saber do inconsciente se viu desconstruído.

Cabem algumas perguntas. Como Joana consegue remover de seu cotidiano o erro de sempre? Como esse erro é desmontado para surpresa da própria Joana? De onde surge esse outro paradoxal saber sobre si mesma que lhe dá a chave para construir um conhecimento além das aparências?

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Podemos supor que se Joana habitualmente erra, deve existir uma razão, ou seja, o erro deve ser produzido conforme alguma legalidade. Portanto, essa legalidade tanto deve transcender o erro, quanto o seu surgimento escapa a todo e qualquer controle. Nada resta ao erro senão ser o efeito de uma legalidade que o transcende. Piaget nos explicaria que essa legalidade é própria da inteligência. Freud diria que essa legalidade é própria do (desejo) inconsciente. E a teoria psi-copedagógica, que vislumbro como possível, apontaria que a legalidade é própria da interseção da inteligência com o inconsciente.

Assim, para Baraldi (1996, p. 15): “[...] o erro ou a fratura no aprender se apresenta como sendo um efeito não casual de uma articulação significativa entre o “potencial intelectual” afetado e a dramática subjetiva inconsciente2 na qual um sujeito se encontra aprisionado”3 .

Joana não ficou mais prisioneira da correspondência perceptível (o imagi-nário), quando pôde diferenciar entre “ser tonta” e “ter a aparência de tonta”. O erro é removido e Joana continua seu trabalho de (re)construção do conhecimen-to socialmente compartilhado quando o saber de seu inconsciente (freudiano) a comove.

Se os conhecimentos errados se desbaratam no instante mesmo que irrompe um saber que diz respeito à verdade (do desejo) do sujeito, então, na determinação do erro, ele também deve estar implicado. Não há por que ficarmos perplexos diante das leis e dos fatos psíquicos, pois também estamos sempre obrigados pe-rante as leis sociais, seja por ação ou por omissão. Neste sentido, quando a Psico-pedagogia volta-se para a elucidação do estatuto do erro está, simultaneamente, assentando as bases de uma teoria das aprendizagens.

Freud nos ensinou a remar contra a correnteza acadêmica e as certezas da Psicologia de sua época. Partindo do barulho que os erros cometidos pelos alunos provocam nos espaços educacionais e da família, será possível desmascarar a na-tural e tranqüila normalidade do fracasso escolar.

Lajonquière (1992, p. 26) enfatiza ainda: “Se a fratura do pensamento nos mostra (na realidade somos nós que “vemos” nela) um choque entre a ordem do(s) conhecimento(s) e a ordem do(s) saber(es), então, esta díade deve estar sempre, e em última instância, sutilmente estruturada”.

A díade que o autor se refere é conhecimento e saber. Conhecimento como efeito da inteligência que o produz a seu modo e o saber como efeito do (desejo) inconsciente que também o produz, a sua maneira. É essa díade que, resistindo, esquecendo e repetindo, determina as vicissitudes de um sujeito em suas aprendi-zagens, e é ela que se interpõe entre os clássicos estímulos e respostas.

Para finalizar essa aula e suavizar a dureza da teoria, nada como uma boa poesia que nos possa dizer com palavras repletas do sabor da vida, o que não con-seguimos expressar academicamente. Por isso, convido Moacir Carneiro (2002) para nos falar de Cada um.

2 Aquilo que a Pedagogia chama de afetivo.

3 Podemos pensar esse su-jeito aprisionado, como

um sujeito assujeitado.

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Cada umMoacir Carneiro

Cada umTem história

Tem memóriaE trajetória.

Cada umTem cansaçoTem impassesE fracassos.

Cada umTem desejosTem ensejosE lampejos.

Cada umTem medos

Tem segredosE enredos.Cada um

Tem sonhos e cenáriosTem vias e estuários.

Cada umTem direito de fazer

Seu caminho-itinerárioE ser um ser libertário.

1. Como uma Psicopedagogia de base behaviorista-reflexológica teria lidado com a incompetência de Joana na área de Matemática?

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2. E uma Psicopedagogia de base organicista? Você considera provável que Joana fosse encami-nhada para um neurologista?

3. E se o neurologista constatasse um déficit de atenção, o que é bastante possível, como a escola deveria agir com a aluna?

4. Como vimos, existe uma Psicopedagogia desenvolvimentista que aposta sua carga teórica na maturação do organismo. De acordo com essa abordagem, Joana seria considerada uma criança imatura. Será que o diagnóstico de imaturidade resolverá o problema da aluna?

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5. Como você pensa que deve ser o trabalho psicopedagógico dentro da escola?

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A Psicopedagogia legislada: o trabalho ético do psicopedagogo

N esta aula, vamos falar um pouco sobre a legislação que rege a atividade psicopedagógica.

Como vimos na aula três (caso não lembre, volte a ela), a Psicopedagogia é um campo de atuação que abrange, prioritariamente, as áreas de Saúde e Educação e o psicopedagogo deve

atuar, como todo profissional, baseando todo seu procedimento dentro de princípios éticos e morais.

Estas normas de atuação são estabelecidas pelo Código de Ética elaborado pelo Conselho Na-cional da Associação Brasileira de Psicopedagogia e que tem por base as leis que regem a profissão.

Começaremos nossa aula procurando recordá-lo sobre o que significa Ética, este conceito muito falado, mas pouco entendido.

Um pouco de éticaComo nos ensina Contrin (1997, p. 223), “Ética é a parte da Filosofia que busca refletir sobre o

comportamento humano sob o ponto de vista das noções de bem e de mal, de justo e de injusto. Tem duplo objetivo: a) elaborar princípios de vida capazes de orientar o homem para uma ação moralmente correta; b) refletir sobre os sistemas morais elaborados pelo homem”.

Assim, vemos que a Ética baseia-se em uma filosofia de valores compatíveis com a natureza e o fim de todo ser humano, por isso, “o agir” da pessoa humana está condicionado a duas premissas consideradas básicas pela Ética: “o que é” o homem e “para que vive”, logo toda capacitação científica ou técnica precisa estar em conexão com os princípios essenciais da Ética.

Parece, no entanto, ser uma tendência do ser humano a de defender, em primeiro lugar, seus próprios interesses e, quando esses interesses são de natureza pouco recomendável, ocorrem seríssi-mos problemas.

Egresso de uma vida inculta, desorganizada, baseada apenas em instintos, o homem, sobre a Terra, foi-se organizando em busca de uma estabilidade vital. Foi cedendo parcelas do referido in-dividualismo para se beneficiar da união, da divisão do trabalho, da proteção da vida em comum. A organização social foi um progresso, e em função dela, estabeleceu-se uma definição, cada vez maior, das atividades dos cidadãos. Tal definição acentua gradativamente, por sua vez, o limite de ação das classes e de cada indivíduo dentro de sua classe.

Sabemos que entre a sociedade de hoje e aquela primitiva não existem mais níveis de compa-ração quanto à sua complexidade. Devemos reconhecer, porém, que, nos núcleos menores, o sentido de solidariedade é bem mais acentuado, assim como os rigores éticos. Poucas comunidades de maior dimensão possuem, na atualidade, o espírito comunitário; também, com dificuldades, enfrentam as questões classistas. A vocação para o coletivo já não se encontra, nos dias atuais, com a mesma pu-jança nos grandes centros.

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Parece-nos cada vez menos entendido, por um número expressivo de pes-soas, que existe um bem comum a defender e do qual elas dependem para o bem-estar próprio e o de seus semelhantes, havendo uma inequívoca interação que nem sempre é compreendida pelos que possuem espírito egoísta. Este incremento do individualismo gera sempre o risco da transgressão ética e, assim, imperativa se faz a necessidade de uma tutela por intermédio do estabelecimento, por escrito, de normas que disciplinem as condutas humanas, dizendo se elas são ou não éticas.

É sabido que uma disciplina de conduta protege a todos, evitando o apareci-mento de uma situação de caos que pode imperar quando se outorga ao indivíduo o direito de tudo fazer, ainda que prejudicando terceiros. É preciso que cada um ceda alguma coisa para receber muitas outras e esse é um princípio que sustenta e justifica a prática virtuosa perante a comunidade. O homem não deve construir seu bem às custas de destruir o de outros, nem admitir que só existe a sua vida em todo o universo.

Ética profissionalPartindo do conceito básico de ética que vimos acima, podemos entender

ética profissional como sendo um conjunto de normas de conduta que precisam ser postas em prática durante o exercício de qualquer atividade profissional. Esta normatização tem como principal finalidade regular o relacionamento do profis-sional com sua clientela, visando à dignidade humana e à construção do bem-estar no contexto sociocultural em que exerce sua profissão.

Sendo a ética inerente à vida humana, sua importância é bastante evidenciada na vida profissional, porque cada profissional tem responsabilidades individuais e responsabilidades sociais, pois envolvem pessoas que dela se beneficiam. No caso específico do psicopedagogo, esta responsabilidade cresce de importância se levar-mos em conta que a maior parte de sua atividade é desenvolvida com jovens em formação.

Os psicopedagogos devem seguir certos princípios éticos que estão con-densados no Código de Ética, devidamente aprovado em 19 de julho de 1996, na Assembléia Geral do III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp que, em seus vinte artigos regulamenta, dentre outras, as seguintes situações:

Os princípios da Psicopedagogia;

As responsabilidades dos psicopedagogos;

As relações com outras profissões;

O sigilo;

As publicações científicas;

A publicidade profissional;

Os honorários;

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As relações com a Educação e Saúde;

A observância e cumprimento do Código de Ética;

As disposições gerais.

Dentre seus artigos, destacamos, por sua relevância, os seguintes:Artigo 2.º

A Psicopedagogia é de natureza interdisciplinar. Utiliza recursos das várias áreas do co-nhecimento humano para a compreensão do ato de aprender, no sentido ontogenético e filogenético, valendo-se de métodos e técnicas próprios.

Como vemos neste artigo, o psicopedagogo, apesar de poder valer-se de recursos advindos de outras áreas do saber para a compreensão dos processos de aprendizagem deve, em sua prática, utilizar-se de métodos e técnicas próprias da Psicopedagogia.

Artigo 4.º

Estarão em condições de exercício da Psicopedagogia os profissionais graduados em 3º grau, portadores de certificados de curso de Pós-Graduação de Psicopedagogia, ministra-do em estabelecimento de ensino oficial e/ou reconhecido, ou mediante direitos adquiri-dos, sendo indispensável submeter-se à supervisão e aconselhável trabalho de formação pessoal.

Este artigo nos mostra, claramente, a preocupação que a ABPp tem no sen-tido de que os psicopedagogos tenham uma atuação técnico-profissional calcada em uma formação acadêmica bem estruturada e sob uma supervisão de outros profissionais qualificados.

Artigo 6.º

São deveres fundamentais dos psicopedagogos:

a) Manter-se atualizado quanto aos conhecimentos científicos e técnicos que tratem o fe-nômeno da aprendizagem humana.

b) Zelar pelo bom relacionamento com especialistas de outras áreas, mantendo uma atitu-de crítica, de abertura e respeito em relação às diferentes visões do mundo.

c) Assumir somente as responsabilidades para as quais esteja preparado dentro dos limites da competência psicopedagógica.

d) Colaborar com o progresso da Psicopedagogia.

e) Difundir seus conhecimentos e prestar serviços nas agremiações de classe sempre que possível.

f) Responsabilizar-se pelas avaliações feitas, fornecendo ao cliente uma definição clara do seu diagnóstico.

g) Preservar a identidade, parecer e/ou diagnóstico do cliente nos relatos e discussões feitos a título de exemplos e estudos de casos.

h) Responsabilizar-se por críticas feitas a colegas na ausência destes.

i) Manter atitude de colaboração e solidariedade com colegas sem ser conivente ou acum-pliciar-se, de qualquer forma, com o ato ilícito ou calúnia. O respeito e a dignidade na relação profissional são deveres fundamentais do psicopedagogo, para a harmonia da classe e manutenção do conceito público.

Por este artigo vemos a preocupação em estabelecer e normatizar o pro-

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cedimento ético do psicopedagogo, particularmente em suas relações com seus clientes e com os profissionais de outras áreas, visando evitar conflitos e/ou mal-entendidos que possam prejudicar individual ou coletivamente a imagem da Psi-copedagogia.

É interessante que você tome conhecimento de todos os artigos deste Có-digo de Ética assim que for possível. Ele está disponível na página da ABPp – http://www.abpp.com.br/regulamentacao_etica.htm.

O reconhecimento da profissão de psicopedagogo

Após termos visto o Código de Ética, você pode estar se perguntando: a criação de um código é suficiente para uma profissão se estabelecer? Este código regulamenta tudo o que precisamos para atuar profissionalmente?

Podemos lhe responder que não. Em nosso país, uma profissão que pos-sua bases científicas e pretenda ser oficialmente reconhecida, necessita passar por uma série de fases que culmina com a elaboração e aprovação de uma Lei Federal para legitimar-se.

A primeira destas fases constitui-se na busca de uma base científica que dê sustentação teórica à atuação profissional. Nessa fase, a Psicopedagogia buscou e reelaborou em diversas áreas científicas afins os conhecimentos necessários para seu “fazer” profissional. Dentre outras, poderíamos citar as seguintes:

da Psicanálise, utiliza-se dos conceitos de inconsciente e das representa-ções que operam na dinâmica psíquica e que se expressa por sintomas e símbolos. Estes conceitos permitem ao psicopedagogo resgatar em seu cliente o desejo de aprendizagem;

da Psicologia Social e da Sociologia buscou-se os conceitos que apresen-tam a formação social do homem, no qual o processo de aprendizagem estabelece-se por meio da interação nos grupos sócio-históricos em que este indivíduo está inserido;

da Psicologia Genética e da Epistemologia interessa-se pelo processo de desenvolvimento humano a análise e a descrição dos processos de cons-trução do conhecimento;

da Neuropsicologia resgata-se os conhecimentos que explicam o funcio-namento do cérebro humano e sua reação aos estímulos psicológicos.

Como podemos perceber, nenhuma destas áreas, nem as outras utilizadas pela Psicopedagogia em busca de seu embasamento teórico, tem como objeto específico de estudo os processos de aprendizagem; porém, fornecem subsídios para que se possa estudar e entender cientificamente os mecanismos pelos quais a aprendizagem se processa. Isso nos mostra o caráter interdisciplinar e a existência de uma área bem caracterizada de atuação da Psicopedagogia.

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Na segunda fase, realiza-se uma organização dos profissionais que atuam na área, buscando integrar o conhecimento científico já individualmente auferi-do e estabelecer uma prática coerente e sistematizada, delineando um perfil de atuação calcado em um embasamento teórico-metodológico próprio. Para fazer frente a esta fase, os psicopedagogos brasileiros criaram, em 1980, a Associação Paulista de Psicopedagogia que deu início aos estudos e pesquisas na área. Em 1984, sentindo a necessidade de ampliar essas discussões, foi criada a Associação Brasileira de Psicopedagogia que hoje se encontra espalhada, por intermédio de suas seccionais, por quase todo o país. Sob os auspícios desta nova entidade, vêm sendo realizados periodicamente congressos nacionais e internacionais, buscando ampliar e divulgar os conhecimentos inerentes à profissão.

Uma terceira fase pode ser entendida como sendo a integração dos conhe-cimentos técnicos e científicos ao poder público, possibilitando fomentar ações populares em benefício das classes mais carentes e disseminar a utilização da prá-xis no âmbito do sistema educacional. Neste particular, a ABPp vem, desde 1988, como nos diz Scoz (1998), trabalhando no sentido de conseguir regulamentar a profissão de psicopedagogo. Contou neste particular, segundo esta autora, com o auxílio de profissionais de outros países, particularmente da Argentina, além de orientação de políticos brasileiros na elaboração do projeto de lei nacional que atendesse a todos os requisitos teóricos e legais para ser submetido ao Congresso Nacional.

Após um longo e exaustivo trabalho, finalmente em 1996, durante o III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, este documento é apresentado para aprovação dos psicopedagogos sob o título A Regulamentação da Profissão As-segurando o Reconhecimento do Psicopedagogo (o texto completo encontra-se à disposição nos Anais do Congresso). Depois de lido e aprovado com algumas emendas no plenário do evento, o documento final foi entregue ao Sr. deputado federal Barbosa Neto que o apresentou formalmente ao Congresso Nacional para a sua tramitação legal.

Para que você possa ter uma noção, apresentamos abaixo uma síntese do documento encaminhado.

Síntese do Projeto de Lei 3.124/97 do deputado Barbosa Neto

Este projeto regulamenta a profissão do Psicopedagogo e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicopedagogia.

O Psicopedagogo é o profissional que auxilia na identificação e resolução dos problemas no processo de aprender. O Psicopedagogo está capacitado a lidar com as dificuldades de aprendizagem, um dos fatores que leva à multire-petência e à evasão escolar, conduzindo à marginalização social.

Este profissional detém um corpo de conhecimentos científicos oriundos da articulação de várias áreas aliada a uma prática clínica e/ou institucional que considera a multiplicidade de fatores que interferem na aprendizagem.

Poderão exercer a profissão de Psicopedagogo no Brasil os portadores

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de certificado de conclusão em curso de especialização em Psicopedagogia em nível de pós-graduação, expedido por escolas ou instituições devidamente autorizadas ou credenciadas nos termos da legislação pertinente.

O Psicopedagogo:

1. Possibilita intervenção, visando à solução dos problemas de apren-dizagem tendo como enfoque o aprendiz ou a instituição de ensino público ou privado.

2. Realiza diagnóstico e intervenção psicopedagógica, utilizando méto-dos, instrumentos e técnicas próprias da Psicopedagogia.

3. Atua na prevenção dos problemas de aprendizagem.

4. Desenvolve pesquisas e estudos científicos relacionados ao processo de aprendizagem e seus problemas.

5. Oferece assessoria psicopedagógica aos trabalhos realizados em es-paços institucionais.

6. Orienta, coordena e supervisiona cursos de especialização de Psico-pedagogia, em nível de pós-graduação, expedidos por instituições ou escolas devidamente autorizadas ou credenciadas nos termos da le-gislação vigente.

Tendo em vista que a formação do Psicopedagogo vem ocorrendo em ca-ráter oficial nas Universidades com muita procura, e há um grande número de profissionais formados nas Universidades Brasileiras desde a década de ses-senta, a regulamentação da profissão torna-se não só legítima, mas urgente.

Conselho Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia

Após esta breve apresentação, você talvez ainda esteja se perguntando para que é necessário regulamentar a profissão. Por quê interessa ao psicopedagogo ter sua profissão regulamentada?

Quem nos responde estas questões é a Drª Maristela Figueiredo (1998, p. 20), segundo ela,

A lei traz diferenças que nos importam, pois queremos valer a ética e referendar a for-mação do profissional psicopedagogo, garantindo-nos, também, o registro legal, contem-plado o rigor da legislação, traz a complementaridade de nossa área de conhecimento. Queremos abrir horizontes, percorrer lugares e espaços não percorridos, não caminhados, socializando nossa intervenção. [...] queremos colaborar na história da construção de nos-so país, enxergando que não vamos resolver todos os problemas. Contribuir como pode-mos, buscando em nosso cotidiano, em nossas convivências, dando sentido de autonomia cidadã aos nossos atos.

Mais adiante, prossegue (p. 21):[...] se o objeto de nosso debate é a regulamentação de uma profissão, seria interessante lem-

brarmos o que é uma profissão. Os dicionários dizem que profissão é uma atividade ou uma ocupação especializada que requer certo preparo. [...] por que regulamentar profis-sões? Estamos regulamentando uma série de profissões. Acredito que todas elas têm re-

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fletido uma necessidade da sociedade brasileira, pelo menos uma diretriz, um rumo, que ela nos dá para regulamentarmos tantas profissões. Se esta é uma profissão, um ramo – e todos acreditamos que seja – então teria que ser regulamentada.

Poderíamos completar a argumentação sobre a necessidade desta regula-mentação utilizando-nos das palavras do deputado federal Santos Mabel citado no plenário da Câmara dos Deputados Federais em 6 de junho de 2000. Segundo ele (p. 24),

regulamentar uma profissão implica, também, a determinação de deveres e a imposição de penalidades àqueles que vierem a exercê-la de forma incompetente ou divorciada dos princípios relativos à ética profissional, o exercício de qualidade, como assim se espera em favor da defesa dos direitos da sociedade e do cidadão. Devem ser fiscalizados por órgãos que tenham a respectiva competência, razão por que se tornaria imperiosa a criação de conselhos profissionais propostos no projeto.

O projeto de Lei que regulamenta a profissão de psicopedagogo já passou com parecer favorável pelas Comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público, Constituição e Justiça e Educação, Cultura e Desportos.

Você pode acompanhar o andamento deste projeto de lei no Congresso Na-cional pelo site – <www.abpp.com.br/regulamentacao_prof.htm.>

ConcluindoNesta aula, vimos como é importante para um profissional ter parâmetros

pelos quais pode se orientar no exercício de suas atividades. O psicopedagogo, não alheio a esta importância vem, desde cedo, buscando pautar com ética e acer-to as atividades inerentes à sua profissão.

Este esforço já tem obtido o reconhecimento de diversas entidades que bus-cam neste profissional o apoio necessário para auxiliá-las na melhoria do ensino em nosso país. Vários municípios brasileiros já possuem legislação própria que ampara o trabalho do psicopedagogo e vem abrindo, cada vez mais, espaço para seu trabalho.

Dentre as mais importantes, podemos citar a Lei 10.891, de 20 de setembro de 2001, da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que autoriza o Po-der Executivo a implantar assistência psicológica e psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico, públicos, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de aprendizagem. Esta lei, como podemos ver, mostra a importância que vem sendo dada a esta nova profissão no cenário educacional de nosso país.

Como pudemos perceber, a regulamentação de uma profissão é essencial para seu reconhecimento público e, para que isto aconteça, é necessário esforço e trabalho ético e profissional de todos os envolvidos. A Psicopedagogia em nosso país vem mostrando que é séria e está consciente de sua utilidade na defesa de uma educação de qualidade e para todos.

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1. Após ter estudado esta aula, entre no site na Associação Brasileira de Psicopedagogia (http://www.abpp.com.br ) e leia o Código de Ética e o Projeto de Lei de Regulamentação da profissão de psicopedagogo.

Depois da leitura, discuta com seus colegas sobre a necessidade da existência de artigos que delimitem e orientem a atividade ética profissional do psicopedagogo. Discuta, também, sobre a utilidade prática da regulamentação da profissão.

2. Com base nestas discussões, escreva um texto justificando ou não a preocupação dos psicope-dagogos em terem sua profissão reconhecida.

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Os campos de ação profissio-nal do psicopedagogo: escola, clínica e empresa

Comecemos por definir a função primordial do psicopedagogo, sem nos atermos aos seus cam-pos de ação profissional. Assim, podemos afirmar que compete ao psicopedagogo apoiar e orientar a ação educativa, possibilitar e estabelecer critérios para melhorar o projeto pedagógico e/ou institu-cional e o desenvolvimento e avaliação dos processos educacionais. A Psicopedagogia, em qualquer dos seus campos de atuação profissional, tem como objetivo primordial construir uma ponte de união entre a teoria explicativa e a ação prática.

Vejamos agora o trabalho do psicopedagogo nos diversos campos.

Relacionados com as práticas educativas escolares: atendimentos de orientação educacional e psicopedagógica;

elaboração de materiais didáticos e curriculares;

avaliação de programas e projetos pedagógicos;

planejamento e gestão escolar;

formação de professores;

pesquisa educacional.

Embora essa listagem refira-se ao trabalho psicopedagógico voltado para as práticas educativas escolares, é preciso, ainda, que tenhamos em mente duas questões bastante delicadas que dizem res-peito, de maneira direta, à Psicopedagogia. Primeiro, a relação entre teoria e prática, com a preocu-pação de fazer uma verdadeira teoria da prática e, ao mesmo tempo, com o objetivo de introduzir um pouco mais de teorização na compreensão do saber prático. A outra questão que precisa ser discutida é a relação entre Psicologia e Didática. O primeiro aspecto é que a Psicologia não é suficiente para dar conta da teorização em Educação. A Pedagogia e a Didática não se reduzem à Psicologia, mas, ao mesmo tempo, a Didática não pode dispensar a contribuição da Psicologia. E não sairemos desse círculo vicioso sem a ajuda de um terceiro elemento: a Psicopedagogia.

Especificando um pouco mais, focalizemos, em Piaget, a interação sujeito/objeto que corres-ponde em Vygotsky à interação adulto/criança, com ênfase na proposta teórica contida na zona de desenvolvimento proximal. Considerando a idéia de esquema, em Piaget – o esquema comporta obje-tivos e antecipações, regras de ação, inferências, invariantes operatórias – um desdobramento dessa abordagem é: como a intervenção do professor poderá atingir um ou mais aspectos daqueles que fazem parte do conceito de esquema?

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Quando Vygotsky propõe, no que diz respeito à zona de desenvolvimento proximal, que se trata de um espaço de atividade conjunta do professor e do aluno (e dos alunos entre si, em que o professor ajuda, auxilia o aluno a fazer algo que este, sozinho, não poderá fazer, mas que em breve poderá), em que consiste essa ajuda?

Considerando o professor como mediador, o que é uma idéia vygotskiana, há muitos tipos possíveis de atos de mediação aos quais o professor pode recorrer. O primeiro ato de mediação possível é a escolha de uma situação para os alunos. Vygotsky não diz praticamente nada sobre a escolha da situação porque na época ele não dispunha dos instrumentos teóricos e metodológicos para isso, de forma a escolher, com conhecimento de causa, situações que tivessem relação com o conteúdo que era destinado ao ensino. Infelizmente, também em Piaget não en-contramos essa resposta.

É fácil apontar o que falta em Piaget e o que falta em Vygotsky, mas no que diz respeito ao que é essencial ao trabalho da Psicopedagogia escolar – a revolução didática – , é possível argumentar que ela não foi feita por eles e, ainda precisa ser feita por essa teoria da prática educacional. E em que consiste a revo-lução didática? Consiste em propor ao aluno situações que vão desestabilizá-lo. Essas situações desestabilizadoras, graças à ação auxiliar do professor, poderão ser incorporadas pelo aluno, para seu proveito. E, novamente, podemos vislum-brar o trabalho do psicopedagogo escolar agindo em prol da construção dos co-nhecimentos docentes e discentes necessários à revolução didática junto com a formação em serviço do professor.

A palestra conferida pelo professor Gerard Vergnaud, A gênese dos cam-pos conceituais, na III Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto, que aconteceu em Brasília, em dezembro de 2002, sistematiza a complexidade do aprender na teoria profunda do campo conceitual, e retira das situações pontuais e localizadas, que tinham sido privilegiadas por Jean Piaget, abrindo um horizonte para o campo da Didática – e me atrevo ao dizer para o campo da Psicopedagogia Escolar – a partir de situações, procedimentos, representações simbólicas e con-ceitos.

Trago o exemplo citado por Vergnaud na palestra para ilustrar o trabalho do psicopedadogo na escola. Primeiro, o professor pergunta para a platéia a quantas anda o ensino da Geometria no Brasil, se ela é muito ensinada ou não. Foi respon-dido, pelo auditório, que há muitas décadas a parte de Geometria nos programas é deixada para o fim do ano letivo e, muitas vezes, falta tempo para abordá-la satis-fatoriamente, ao que ele se manifestou com a expressão: “É lamentável”.

Ressaltou que a Matemática nasceu da Geometria e da Medida de Quanti-dades. Na França também se estudava pouca Geometria, mas agora esse ensino começa a se desenvolver. E o paradoxo é que uma criança a partir dos dezoito me-ses ou de dois anos já tem um formidável conhecimento de espaço. Aliás, Piaget

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estudou bastante esse processo1. A Geometria tem relação com essa atividade de representação do espaço, mas também tem algumas descontinuidades em relação a esse conhecimento anteriormente desenvolvido pela criança.

Que tipo de situação educacional em sala de aula o professor pode criar para ensinar a Geometria? Pierre Gréco considerava que havia três domínios interes-santes que podiam ser transpostos para o ensino escolar. O primeiro é a geometria dos seres geométricos – o quadrado, o retângulo, o losango, o cubo, a esfera... – com suas respectivas propriedades. O segundo é a geometria das posições e das referências: onde estou em relação à outra pessoa? O que pode ser trabalhado em sala de aula? Por exemplo: Maria está à esquerda de Pedro? Pedro está à direita de Bruno? E ele está à esquerda de outros dois alunos em relação a Pedro? A quantos metros do professor está Maria? Pode-se dizer que o professor está no mesmo plano frontal ou um pouco deslocado?

No que diz respeito a essa temática, é preciso frisar que as crianças entre três e sete anos desenvolvem um considerável acervo de competências. Contudo, é importante e coerente propor situações de avaliação que permitam verificar o de-senvolvimento das competências, tanto do fazer como do dizer. A proposição bá-sica desse instrumento é dar subsídios ao professor para que ele reconheça aqueles alunos que compreenderam, os que compreenderam mais ou menos e os que nada compreenderam. Isso lhe permitirá escolher as próximas atividades.

O terceiro ramo relacionado com a geometria do espaço é a geometria das transformações. Como construir com os alunos o conhecimento da geometria das transformações? Criando situações educacionais que permitam experimentar esse conhecimento. Assim, por exemplo, pode-se solicitar ao aluno que reproduza, de forma idêntica, uma determinada figura. Há nesta tarefa possíveis variações: figuras mais fáceis ou mais difíceis, suportes de auxílio presentes ou ausentes, como folha quadriculada, régua, compasso etc. Outra tarefa pode ser completar uma figura a partir de um texto, descrevendo as propriedades de uma figura ou de um cenário em construção. Aí temos, necessariamente, a passagem de uma forma predicativa, uma linguagem natural, para uma forma operatória, uma execução2.

Para concluir esse tópico, sintetizo as três ações psicopedagógicas impor-tantes ao cotidiano da sala de aula. A primeira é a escolha de situações – encena-ções, jogos e dramatizações – junto com o professor e a partir do currículo escolar para os conteúdos a serem ensinados e aprendidos. A segunda é o auxílio ofereci-do ao aluno quando ele entra na situação. Isso ninguém pode fazer pelo professor e exige discernimento, firmeza e muita atenção para aqueles sinais manifestados pelo aluno em termos de compreensão ou não-compreensão. Novamente, entra o trabalho do psicopedagogo escolar, agindo como uma rede de sustentação teórico-prática para o professor e a serviço do aluno. A terceira ação é a avaliação, para que o professor tenha condições de gerenciar o desenvolvimento das competên-cias que ele e a escola objetivam.

1Um dos melhores livros piagetianos sobre o tema

é A Representação do Espa-ço na Criança.

2 Sabemos disso por termos estudado a teoria

piagetiana na formação em Psicopedagogia e, precisa-mos, repito, como psicope-dagogos escolares, construir esse conhecimento junto com os professores e alunos. Em relação aos professores, esse conhecimento lhes conferirá o conhecimento necessário para criar situações desafia-doras de aprendizagem em sala de aula.

Os campos de ação profissional do psicopedagogo: escola, clínica e empresa

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Relacionados com outros tipos de práticas educativas:

serviços e programas de ação educativa voltados para o atendimento à infância, à adolescência e à juventude em contextos não-escolares (família, centros comunitários, centros de adoção, conselhos tutelares, penitenciárias etc.);

educação de jovens e adultos;

educação da terceira idade;

programas de formação profissional;

televisão educativa e programas educativos multimídia;

campanhas e programas educativos veiculados em meios de comunicação;

indústrias, fábricas, grandes e pequenas empresas.

Conto uma pequena história sobre alfabetização de adultos para ilustrar como o psicopedagogo pode agir em um contexto não-escolar. Nessa experiência de alfa-betização em uma comunidade de periferia, algumas mulheres perderam a alfabeti-zação porque eram empregadas como faxineiras em escritórios. Elas trabalhavam à noite depois que as pessoas iam embora. Desse modo, possuíam pouca comunicação e nenhuma necessidade de alfabetizar-se. Conheciam as embalagens dos produtos, e isso lhes bastava. Mas a demanda de serviço mudou para limpeza industrial, que precisava ser realizada de outra maneira, deixando essas pessoas sem trabalho. Com isso, surgiu a necessidade e o desejo por parte dessas mulheres de se alfabetizar e, para isso, métodos muito distantes dos usados na escola (como os jogos) foram os escolhidos, mas não houve progresso. Então, uma das pessoas envolvidas com o projeto de alfabetização buscou assessoramento com uma psicopedagoga. Esta sugeriu que montassem um psicodrama da situação escolar, que tivessem cader-no, que pusessem o nome, que fizessem como haviam vivenciado na escola. Essa reprodução das horas infantis foi mágica, pois os educadores do projeto partiram do pressuposto que aquelas pessoas odiavam a escola, onde haviam tido experiên-cias negativas. E não era verdade. A escola era a infância, era ter companheiros. Havia momentos de sofrimento porque aquilo não era muito exitoso, mas havia boas lembranças também. Eles não podiam começar novamente a aprender sem recuperar essa experiência, como se ela não tivesse tido nenhuma importância.

Os coordenadores do projeto haviam pensado que seria melhor negar que esses trabalhadores haviam estado na escola. Seria necessário anular tal experiência. Contrariamente ao planejado, os analfabetos adultos, com muita sabedoria, do ponto de vista psicanalítico, queriam recobrar esses momentos e não os depreciaram, pois para eles não eram depreciáveis. E continuaram a partir disso. Aí reside um dos di-ferenciais do trabalho da Psicopedagogia: em cada momento, saber o que significa, para aquele a quem estamos ensinando, o que estamos ensinando. Para começar, o ensino é o mesmo, qual é o valor que há para ser recebido? Por que às vezes não se recebe? Por que há resistências? Cabe ao psicopedagogo analisar as resistências embutidas no processo de aprendizagem.

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Há resistência do grupo que emana da idéia de que o educador é de cultura diferente da sua e ocorre um vazio de sentido, porque, para eles, oferecemos algo que não tem sentido. Acreditamos que estamos agradando e eles tomam como algo que assusta, que os vai diferenciar de seu grupo, como se eles fossem trair sua cultura, pois há uma cultura analfabeta.

O que a Psicopedagogia precisa mostrar é que se pode conciliar, que a cul-tura deles pode ser absorvida, felizmente, pela outra cultura. Que nós temos um instrumento de memória, porque a escrita é um instrumento de memória e de reflexão para que essa cultura possa continuar. Não é por olhar o mundo con-temporâneo que eles deixarão sua cultura, sua maneira de ser. A Psicopedagogia pode facilitar o trabalho de reintegração, e a única maneira é fazer com que essas culturas encontrem uma expressão que lhes assegure a continuidade.

Isso é o que nos pode dar uma teoria freudiana: a possibilidade de buscar a significação. Há também a vantagem, assim como na teoria piagetiana, de ser humanista, de tomar o homem em sua globalidade. Todos os homens sofrem e de-sejam dentro do mesmo universo. Isso decorre da necessidade de dar significado ao mundo e de conhecê-lo. Esses autores não mostram esse homem, um homem universal, que não tem de ser privilegiado para aprender, que tem todas as condi-ções – um homem único.

Há em ambas as teorias uma estrutura que chamamos de estrutura lógica, porque se dá sob as leis da lógica e nos permite compreender a realidade, nos permite compreender por que as coisas vêm de cima para baixo e, de acordo com Freud, uma estrutura dramática, uma estrutura que diz respeito à relação entre as pessoas. Essas duas estruturas não se contradizem, mas funcionam separadamen-te, para que vivamos no mundo com os outros e para que os conheçamos.

Assim, temos uma estrutura para o nosso pensamento lógico e outra para nosso pensamento dramático, que diz respeito às relações entre as pessoas. O pensamento lógico vai construir a realidade e o pensamento simbólico ou dramático vai cons-truir uma outra “realidade”, que Sara Pain (2003) coloca entre aspas, porque é uma realidade que se baseia em uma falta, em uma irrealidade, pois se baseia no desejo. Nós construímos nossas relações pessoais em função do que não temos e precisamos receber do outro. Isso ocorre em função do desejo e da impossibilidade de haver essa relação.

Sara Pain (2003, p. 74), nos aponta que se [...] compararmos estruturas, veremos que, à parte são diferentes, que seus mecanismos, suas

operações, suas categorias são diferentes, uma diferença na base da saúde mental, porque, quando essas estruturas se misturam, quando não sabemos o que é real e irreal, aparece a maioria dos problemas psiquiátricos e de aprendizagem. Os problemas de aprendizagem surgem de tal confusão.

Utilizei-me da história de mulheres adultas analfabetas para exemplificar o tra-balho da Psicopedagogia em contextos não-escolares, mas que, de uma forma ou de outra, precisam de uma intervenção educacional gerenciada com outro olhar e com outro entendimento teórico. É preciso que fique bastante claro que o verbo aprender remete a uma ação que ocorre em qualquer meio social e, a escola é só um espaço social dentre vários outros. É da competência da Psicopedagogia focalizar sua ação

Os campos de ação profissional do psicopedagogo: escola, clínica e empresa

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profissional na aprendizagem e suas vicissitudes, portanto, seu trabalho pode aconte-cer em várias dimensões da vida social.

Vamos ver, agora, um exemplo acerca de trabalhadores do setor metalúr-gico. Trata-se de operários que trabalhavam em uma pequena fábrica de caixas de marchas e engrenagens para carros. Nessa indústria, queriam instalar robôs industriais para tornar o trabalho mais eficaz e mais confiável. A empresa decidiu treinar esses operários para que eles pudessem operar os robôs.

Como podemos ensinar robótica industrial? Essa é uma questão pertinente não só para operários e engenheiros, mas também para os psicopedagogos. O robô industrial é uma máquina grande, bastante complexa e muito cara. A empresa não poderia se dar ao luxo de colocar um trabalhador inexperiente para operá-la, porque iria cometer erros com aquela máquina dispendiosa. Também não poderia esperar que os operários compreendessem, de uma hora para outra, toda a com-plexidade da robótica industrial. Nesse caso, a Psicopedagogia se vê obrigada a transpor conhecimento, informação, a criar o que chamamos de interfaces – pe-quenos brinquedos que vão auxiliar o operário a operar o robô industrial.

Esse problema foi levantado inicialmente na França, por Yves Chevallard, a respeito da transposição do saber matemático do contexto em que é produzido para a sala de aula e para os conselhos de aprendizagem, é válido também para outros conteúdos, inclusive para o exemplo dado.

Na verdade, a experiência tem, indiscutivelmente, um papel bastante significati-vo para as aprendizagens. Um expert costuma se formar em doze, quinze anos, o que não significa que devemos nos acomodar passivamente e esperar todo esse tempo para vê-lo formado. É possível criar situações de aprendizagem ricas que ajudem nesse processo de desenvolvimento e, quem sabe, reduzam esse tempo de formação.

Aqui cabe uma importante confissão: a sociedade pedagógica não sabe fazer isso atualmente. Já existem conhecimentos disponíveis, mas como é a primeira vez que esta sociedade lida com questões referentes ao desenvolvimento acelera-do que o avanço tecnológico impõe aos homens de hoje, inclusive, de pessoas com nível superior. Essa revolução no desenvolvimento demandará necessariamente dezenas de anos, mas não quer dizer que a Psicopedagogia deva esperar que ela aconteça, para então começar a agir. É preciso tentar acelerar a resolução de deter-minado número de problemas que surgem no cotidiano das empresas e indústrias por imposição de novas máquinas e novas tecnologias.

Relacionados com a Psicopedagogia clínica: consultórios, clínicas e hospitais;

clínicas destinadas à terceira idade.

Embora a ênfase dessa aula não esteja no campo da clínica, sintetizarei os pontos principais desse trabalho psicopedagógico. A dimensão básica do enfo-que clínico é reconhecer a existência de fenômenos inconscientes e, portanto, da

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transferência. Para Filloux (1996) o exemplo mais perfeito do enfoque clínico é o psicanalítico. Porque, por exemplo, o que fez Freud? Como se diz, partiu da clíni-ca. Significa que partiu das relações que se estabeleciam entre ele e os pacientes. A partir do que aprendeu com o que ocorria nessas relações, ele elaborou modelos interpretativos ou explicativos para teorizar. Significa que, em Freud, houve uma aliança particular da clínica com a teoria.

Em Psicopedagogia isso significou um giro de grande importância sobre o questionamento da reeducação psicopedagógica que, de uma maneira geral, ainda está só a serviço da exigência de uma adaptação mecanicista, ou sob a égide da tradição behaviorista-reflexológica.

Por outro lado, a partir de outras correntes em Educação, também está as-sinalada a necessidade do enfoque clínico. Assim, um grupo de profissionais na década de 90, que trabalham com o que Alicia Fernández (2001) denomina de formação de formadores3. Esse grupo tem fundamentado o enfoque clínico ao trabalhar com professores, a fim de ajudá-los a refletir sobre suas práticas.

Vale ressaltar que adotar o enfoque clínico não significa necessariamente ter que fazer clínica, montar consultório e atender pacientes com dificuldades de aprendizagem. Mas, como pontuou Laville (1996),

adotar o enfoque clínico significa, basicamente, preocupar-se com os processos incons-cientes, seja numa relação, num sujeito em situação, num grupo, nas instituições, seja nas sociedades, quando se é sociólogo. Inconsciente não quer dizer somente oculto ou des-conhecido [...] Refere-se aos fenômenos que atuam com uma força dificilmente domi-nável e uma lógica própria. É aí que nos ajuda a psicanálise para compreendermos essa lógica dos processos inconscientes e para aprender como apreender esses problemas, já que, por definição, atuam apesar do sujeito.

Trata-se, então, de fenômenos não-identificáveis pelo sujeito ou pelo grupo, cujo reconhecimento requer um dispositivo que passa pela palavra e conta com a presença de alguém que, por não estar implicado na situação, pode ajudar na sua identificação. O adjetivo clínica faz referência a uma postura, a uma ética, a um modo de ler as situações e de intervir sem interferir. O posicionamento clínico faz parte do psicopedagogo e de suas ferramentas conceituais, independentemente de estar trabalhando em uma escola, em uma faculdade, em um consultório, na televisão ou em um hospital.

3 Fernández refere-se a Carrera de formácion

de formadores, da Uni-versidad de Buenos Aires, e particularmente a um grupo de professores franceses e argentinos: J. Beillerot, C. Blanchard Laville, L. Fer-nández, Marta Souto. O es-paço chamado formação de formadores amplia-se cada vez mais. Cabe ressaltar que Fernández trabalha tanto com professores quanto formando profissionais de Psicopedago-gia há dezoito anos, embora sem dar-lhe esse nome.

1. Qual a diferença que você faz entre o trabalho do psicólogo escolar e o trabalho psicopedagógi-co? E entre o trabalho do coordenador pedagógico e o do psicopedagogo?

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2. Como poderia ser realizado um trabalho psicopedagógico na televisão? E na seleção de candi-datos em empresas de grande, médio e pequeno portes?

3. Como o psicopedagogo poderia auxiliar o trabalho escolar docente por meio do enfoque clínico?

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Psicologia e Pedagogia: uma relação dialógica

O tema da aula de hoje é fundamental para o entendimento da Psicopedagogia: a relação en-tre a Psicologia e a Pedagogia. Claro que essa relação não se dá por justaposição, em que os conceitos e paradigmas das duas ciências apenas se emparelham ou duplicam, ou por

aglutinação, forma pela qual eles se fundiriam. Trata-se de uma relação tão complexa e densa, que ela se explicita em uma aproximação que vem sendo construída há muitos anos, antes do surgimento da Psicopedagogia, por meio da confluência das duas ciências em uma única área de conhecimento. Trata-se da Psicologia da Educação.

Ou será mais correto falar em Psicologia Educacional? Ou em Psicologia na Educação? Ou quem sabe Psicologia e Educação? Ou seria melhor Psicologia aplicada à Educação?

Viram só? Temos logo, assim em uma primeira e rápida tentativa, cinco denominações diferen-tes.

Ecléa Bosi, na apresentação de uma obra de Maria Helena de Souza Patto (1984, p. XII), afirma que a Psicologia está entre “fogos cruzados” e que:

Nascida e crescida sob a égide oficial de uma ideologia determinista e antidialética, a psicologia escolar marcou passo anos a fio, repetindo, talvez sem o saber, os chavões da ideologia burguesa ocidental durante toda a primei-ra metade do século XX. A sovada noção de QI (Quociente de Inteligência) triunfou na academia e daí passou a lugar-comum nas revistas do grande público e em todas as instâncias de comunicação em que a cultura é diluída e manipulada para uso dos incautos. Racistas e elitistas de vários naipes ou simples aplicadores mecânicos do fami-gerado teste lançaram mão dessa e de outras tabelas. E lá se foram inferir a baixa cota de talentos que o destino cego teria reservado a negros e a índios, a mestiços e a migrantes, a lavradores e subproletários do campo e da cidade. A psicologia da aprendizagem ganhava um pseudo-rigor cujo significado real era perder em acuidade antropoló-gica para avaliar diferenças sociais e culturais efetivas.

Embora esta visão possa parecer excessivamente crítica, se olharmos com atenção a história da relação entre a Psicologia e a Educação, veremos que ela tem bastante fundamento.

Observemos um pouco dessa história.

Psicologia e Pedagogia: uma história de muitas aproximações e equívocos

Nas quatro primeiras décadas do século XX, a escola e o ensino começam a ser objeto de estudo e de interesse dos psicólogos brasileiros. Estes estudos acompanharam duas vertentes da Psicologia: a médico-hospitalar e a educacional. Ambas se voltam para os problemas de aprendizagem e de ren-dimento escolar.

Para Patto (1984) essa história passa pela distinção entre Psicologia da Educação e Psicologia Escolar. Segundo Mello (1975), a Psicologia apresenta dois tipos de contribuição para a Educação:

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Contribuição científica – o conhecimento sobre problemas que interes-sam à Educação pertence ao âmbito da Psicologia Educacional, deline-ando os campos específicos de investigação da ciência psicológica, dos quais falaremos mais adiante.

Contribuição profissional – a Psicologia Escolar (área de aplicação da Psicologia) busca a introdução do psicólogo na escola e a solução de problemas escolares concretos.

Patto (1984) destaca três marcos históricos na aproximação entre a Psicolo-gia e a Educação:

1914 – Criação do Laboratório de Psicologia Pedagógica (junto à Escola Normal Secundária de São Paulo).

A Psicologia ofereceu os métodos e princípios que serviram de substrato à Pedagogia, permitindo ao professor analisar a vida psíquica dos alunos. A ênfase recaía na criação de instrumentos de medição que permitissem à Pedagogia desenvolver uma Psicologia “racional, positiva, científica”. (Patto, 1984, p. 9). Isso delineia um enfoque “psicofísico e psicométrico” (p. 10), ligado à psicotécnica.

1938 – Criação da Clínica de Orientação Infantil (junto à Seção de Hi-giene Mental do antigo Serviço de Saúde Escolar).

1954 – Surgimento do Setor de Psicologia Clínica da Seção Técnico-Educacional do Departamento de Educação, Assistência e Recreio, da Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Educação de São Paulo.

Estes dois representantes da vertente médico-hospitalar da Psicologia, eram caracterizados por uma orientação marcantemente clínica de prestação de servi-ços à clientela escolar, afetada principalmente pelos princípios freudianos.

Conjugavam o diagnóstico (testes de inteligência e avaliação projetiva da personalidade) com o atendimento psicoterapêutico aos alunos. Este era realizado por técnicos não-psicólogos, pois os cursos de Graduação em Psicologia só sur-giram em 1958.

Tais Gabinetes de Psicologia, formados por equipes multidisciplinares, pressupunham que os problemas de aprendizagem e de adaptação escolar estavam sempre nos alunos.

A autora conclui que a história da Psicologia associada à Educação vem destas duas vertentes: a Psicologia Educacional (experimental e psicofísica) e a Psicologia Escolar com ênfase clínica, que desenvolvia quatro tipos de ação:

diagnóstico educacional (do nível educacional dos alunos);

recuperação educacional (criação de programas para melhorar o rendi-mento pedagógico dos alunos);

diagnóstico da personalidade;

tratamento psicológico.

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Mais adiante, Patto (1984, p. 75-76) afirma que a aproximação entre a Psicolo-gia e a Educação seguiu quatro fases, claramente perceptíveis.

1906-1930

A Psicologia desenvolveu-se em laboratórios anexos às escolas ou em instituições escolares, voltadas para a experimentação (afetada pela tradição européia), pouco atingindo a população escolar.

1930 – década de 60

A Psicologia busca a prática do diagnóstico e, em segundo lugar, o tratamento da população escolar. Usam-se testes psicológicos para a avaliação da prontidão para a aprendizagem e do nível intelectual.

Período da vigência do modelo econômico de internacionalização do mercado interno.

A Psicologia passa a ser praticada nas escolas, atendendo mais di-retamente a população escolar do atual ensino fundamental.

Patto, no decorrer da sua análise, percebe uma quarta fase, ainda bastante recente.

A partir da década de 70, acentuando-se na fase de distensão política pós-ditadura.

Envolvimento da Psicologia com as classes subalternas e surgi-mento de críticas aos modelos de aproximação da Psicologia com a Edu-cação, anteriormente buscados.

Passa-se a discutir a relação entre os objetivos da escola e os grupos hege-mônicos, além de criticar o poder que os psicólogos e os educadores teriam, de de-sencadear uma transformação destas questões. Isso delineia finalidades políticas e sociais para as duas ciências e a importância da aliança com grupos populares. Acentua-se a leitura de autores como Basaglia, Bleger, Paulo Freire, Pichón-Ri-vière, Vygotsky, Bohoslavsky, Moffatt, Harari, entre outros.

Para Bernardete Gatti há períodos de aproximação e de afastamento entre a Psicologia e a Pedagogia. Do começo até o meio do século XX a relação foi de proximidade, enquanto no final da década de 70 começam as críticas acentuadas ao reducionismo imposto pelas abordagens psicológicas à compreensão dos fenômenos educacionais. Segundo a autora (2002, p. 106),

Das análises o que se infere é que, de fato, a Psicologia tinha uma contribuição restri-tiva para a Educação, deixando de considerar os entornos sociais e culturais dos even-tos educativos. Também seus conhecimentos específicos potencializaram justificativas científicas para a seletividade existente ou para fundamentar medidas paliativas e não-transformadoras na área educacional. As condições histórico-econômico-sociais daquele momento criavam os múltiplos condicionantes desse uso e dos enfoques dos estudos.

As novas maneiras de compreender a aquisição do conhecimento e o de-senvolvimento humano, a cognição e o ensino, mostram uma perspectiva inter-disciplinar em relação à Psicologia, a Educação, a Antropologia, a Sociologia, as Ciências Políticas, a Lingüística etc., sempre com ênfase crítico-social.

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Gatti aponta a existência de três vertentes de estudo – duas já firmadas nos trabalhos de pesquisa realizados e uma terceira, que vem surgindo há cerca de uma década e meia.

1.ª) Prioriza uma visão que vai da Psicologia, como referencial central, à Educação, objetivando o retorno para o próprio corpo teórico da Psico-logia e a aplicação da mesma como extensão do seu campo de ação.

2.ª) Tem a Educação como ponto de partida e de chegada, utilizando conceitos da Psicologia e de outras áreas (os chamados Fundamentos da Educação, como a Sociologia e a Filosofia), incorporados à perspectiva e aos propósitos pedagógicos, sem a preocupação em gerar teorização no próprio campo da Psicologia.

3.ª) Problematiza aspectos da Educação sob uma ótica bastante com-plexa, integrando várias áreas, e selecionando temas que requerem uma abordagem psicológica. Busca, desta forma, o alcance de um enfoque transdisciplinar.

A autora aponta a importância desta terceira vertente como uma possibi-lidade de incorporação de saberes das duas outras, na construção de categorias explicativas do fenômeno educacional: o conhecimento acumulado é o mesmo, mas a forma de problematizar é diferente. Destaca, nesta direção, os estudos de Bruner que, segundo ela: [...] vem sinalizando que a Psicologia da Educação poderia buscar suas bases no fato de que

todos, e as novas gerações também, participamos de matrizes sociais, que compreendem a cultura e a ciência e nelas e com elas adquirimos maneiras de entender e participar, geramos representações e referências, formas cognitivas e destrezas específicas. (GATTI, 2002, p. 113)

A Psicologia da Educação: sua importância e abrangência

A partir de agora, até ao final da nossa aula, entenderemos que o “encontro” entre a Psicologia e a Pedagogia se faz por intermédio de um campo de estudo: a Psicologia da Educação, entendida como, segundo Placco (2003, p. 96), “uma das ciências que contribuem para o estudo e compreensão da Educação e que sua particular contribuição está impregnada das questões e movimentos que caracte-rizam a realidade que se procura compreender”.

Ainda no mesmo texto, a autora afirma que a Psicologia da Educação estu-da o desenvolvimento humano, a aprendizagem e as relações sociais. Apresenta uma extensa lista de campos, estudos ou temáticas que compõem o seu espaço de abrangência.

Vamos conhecê-los?

Desenvolvimento da criança e do adolescente.

Aprendizagem.

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Compreensão dos motivos, afetos e influências socioemocionais na aprendizagem.

Relações sociais e pedagógicas e sua importância para a aprendizagem dos atores do cenário educacional e para seu equilíbrio emocional.

Processos psicossociais de formação do sujeito (criança ou adulto).

E ainda:

Aprendizagem escolar e não-escolar.

Aprendizagem de mim mesmo e do outro enquanto pessoa.

Envolvimento com a aprendizagem e com o conhecimento, com o outro e com a sociedade.

Aprendizagem da comunicação.

Compromisso com a própria formação.

Compromisso e solidariedade com o outro e com o humano-genérico (de que nos fala Agnes Heller).

Desenvolvimento da auto-estima.

Desenvolvimento de sentimentos de segurança para ousar, para desco-brir, para descobrir-se, para descobrir o outro.

(PLACCO, op. cit., p. 96)

Mas nem sempre a Psicologia da Educação teve este teor de importância. Em obras mais antigas, como a de Mouly (1979, p. 1), ela é vista como mais um ramo da psicologia aplicada, que se ocupa do desenvolvimento, da aprendizagem e do ensino:

é apenas um, dentre os muitos ramos da psicologia aplicada, que derivam da psicologia pura e procuram isolar as suas aplicações para uma área específica. A Psicologia Educa-cional lida com aplicações de princípios, técnicas e outros recursos da Psicologia aos pro-blemas enfrentados pelo professor, quando este procura dirigir o crescimento das crianças para objetivos valiosos.

O autor relata que o que chama de “Psicologia Educacional” tem três cam-pos de abrangência, pois busca a compreensão:

da criança, seu desenvolvimento, necessidades e peculiaridades indivi-duais;

da situação de aprendizagem, incluindo forte ênfase na dinâmica do gru-po;

dos processos que podem contribuir para a eficiência do processo de aprendizagem.

É conveniente destacar que, ao falarmos tanto em relações sociais e peda-gógicas, como objeto de estudo da Psicologia da Educação, estamos nos referindo a dois níveis de relações:

as que acontecem na sala de aula, envolvendo conteúdos curriculares, o chamado “controle de classe” (ou disciplina escolar), formas de aprender

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e de responder aos desafios ou problemas específicos das áreas de conhe-cimento, por exemplo;

as que envolvem relações pessoais/interpessoais e sociais ocorridas na sala de aula e nos demais espaços institucionais, envolvendo motivos, crenças, valores e atitudes, além de processos de socialização, competi-ção, colaboração etc.

Para Foulin & Mouchon (2000, p. 99) a Psicologia já superou, nas suas con-tribuições à Educação, a circunscrição às “leis fundamentais da aprendizagem”, traduzidas em amplos e universais princípios educativos. Hoje, ela já está em con-dições de propor suportes reais à reflexão didática e à ação educacional. É neste contexto que os estudos de autores como Freud, Wallon, Piaget, Vygotsky, Bruner, Rogers, Skinner, Erikson, entre outros, são de grande valia para os educadores.

Os autores situam a Psicologia como uma “ciência de recurso” junto à Edu-cação, “em benefício da instrução, da avaliação e da remediação das aprendiza-gens”.

E acrescentam:O papel dos trabalhos de Psicologia da Educação não se limita a fornecer dados funda-mentais para a Educação. Por seu rigor metodológico, podem contribuir para a validação científica dos métodos pedagógicos. Ninguém pode contestar que as questões da educação merecem um mínimo de garantia científica. (...) O confronto dos métodos pedagógicos com os dados da pesquisa é uma fonte de reflexão epistemológica que pode permitir ao professor garantir-se contra os desvios ideológicos de que a escola, às vezes, é vítima. Se deve evitar o aplicacionismo, a Pedagogia também deve evitar a exploração “cega” de métodos ou técnicas não validados pela pesquisa científica. (FOULIN & MOUCHON, 2000, p. 115)

A atuação do psicólogo na escolaNão podemos encerrar a nossa aula sem lembrar que, em muitas escolas, o

psicólogo e o pedagogo atuam no mesmo espaço institucional. Como ocorre na maioria das experiências de ação interdisciplinar, esta ação pode ser harmoniosa e positiva para a escola ou conflituosa e dificultadora dos processos institucionais.

Apresentamos, a seguir, o quadro de funções e papéis assumidos pelo psicó-logo nas escolas como são apresentados por Witter (apud PATTO, 1984):

a) consultor – orienta e treina professores em relação aos problemas de ajustamento dos alunos às normas escolares e de aprendizagem;

b) especialista educacional – busca, no corpo teórico da Psicologia, aplica-ções ao processo ensino-aprendizagem;

c) ergonomista – planeja o ambiente escolar, em busca do aumento da pro-dutividade dos atores institucionais escolares;

d) modificador do comportamento – baseia-se na análise experimental do comportamento, aplicando os princípios da ideologia adaptacionista.

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Witter ainda destaca a atuação do psicólogo junto ao sistema escolar em seus vários níveis, no trabalho comunitário e na condução de pesquisas ligadas à área de conhecimento.

Uma conclusão...Uma aula não tem – e não pode ter – uma única conclusão. Na realidade esta

é uma conclusão escolhida para deixar algumas coisas para vocês pensarem.

Trata-se da análise crítica feita por Ferreira (1986) à Psicologia da Educa-ção. A autora observa o surgimento fragmentado dessa área da Psicologia, di-cotomizando aspectos como sujeito e objeto, essência e existência, indivíduo e sociedade.

Daí tivemos três modelos ou “representações” da relação indivíduo-socie-dade na Psicologia da Educação:

Psicologia educacional objetivista – fundamentada na visão do homem como um “fato”, que pode ser conhecido por meio de seus comporta-mentos observáveis, condicionado e controlado mecanicamente pelo meio externo.

Psicologia educacional subjetivista – vê o homem como um ser autôno-mo, criado para ser livre, sem qualquer determinação do meio ambiente.

Psicologia educacional histórico-crítica – concebe o homem como um ser histórico, focalizando a unidade entre indivíduo e sociedade como de natureza concreta e determinada pelas contradições estabelecidas nas relações sociais de produção.

Para Davis e Oliveira (1990, p. 17):O papel da Psicologia é investigar as modificações que ocorrem nos processos envolvidos na relação do indivíduo com o mundo (cognitivos, emocionais, afetivos etc.), analisando os seus mecanismos básicos. Para realizar sua proposta, a Psicologia interage com outras ciências como a Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Genética, a Antro-pologia, a Sociologia, além da Pedagogia. Estes ramos do conhecimento estão imbricados uns nos outros, de tal forma que, muitas vezes, é difícil saber em que domínio se está atuando.

1. A partir da citação das autoras, comente brevemente a relação da Psicologia com a Pedagogia e com mais duas áreas do conhecimento, escolhidas entre as que o texto apresenta – Medicina, Biologia, Filosofia, Genética, Antropologia e Sociologia.

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2. Vimos na aula de hoje que Ferreira (1986) fala em três modelos ou paradigmas da Psicologia da Educação: objetivista, subjetivista e histórico-crítico.

Faça uma breve comparação entre as características da relação Psicologia-Pedagogia em cada um deles.

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Os conceitos de normalidade e anormalidade em questão

A imprecisão do conceito de normalidade

P oucos conceitos são tão imprecisos e questionáveis quanto o de normalidade. Até mesmo na Psiquiatria, em que ele é tradicionalmente utilizado, vem sendo constante e fortemente questio-nado.

Ballone (2003), em texto que analisa em profundidade as questões relacionadas à dificuldade de diagnosticar e de fixar padrões de normalidade e de patologia, afirma:

Desta forma, há uma conceituação de Doença Mental, mais populesca e leiga, julgando a sanidade do indivíduo de acordo com seu comportamento, de acordo com sua adequação às conveniências socioculturais como, por exemplo, a obediência aos familiares, o sucesso no sistema de produção, a postura sexual etc., e há, por outro lado, uma outra conceituação mais refinada e interessada particularmente no enfermo e no profissional que o as-siste. Há, sempre houve, e continuará havendo, choques contundentes entre estas duas maneiras de entendimento da Doença Mental. Neste campo de batalha sofrem, além das vítimas envolvidas, também o profissional da saúde mental. Este estudioso da Psicopatologia vê seus conceitos científicos brutalmente deturpados por interesses socioculturais que ultrapassam a seara de sua ciência.

Quantos são os critérios ou parâmetros para definir se alguém é normal ou não? Vamos ver alguns deles.

Critério Explicação do conceito de normalidadeTeleológico Verificação dos objetivos e valores que regem a conduta do ser

humano.Estatístico Estabelecido em temos de freqüência, comparação com norma.Clínico Verificado pela ausência de sintomas orgânicos. Constitucional Posse de uma estrutura genotípica perfeita, ausência de predis-

posição a doenças e anomalidades.Sociológico Ajustamento ao grupo social.Criminológico Não-transgressão das leis e normas.Médico-legal Capacidade para gerir civilmente as próprias ações.

Alguns outros autores consideram a normalidade em quatro vertentes:

1.ª Normalidade como saúde – consideram que os sinais e os sintomas que estejam em “desa-juste” com o que é comum (ou normal), são um sinal de que algo está errado (ou é anormal). Desta forma, é a falta de sinais e sintomas que indica um organismo saudável ou “normal”.

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2.ª Normalidade como utopia – baseada em uma conjunção harmoniosa e plena do sistema nervoso, funcionando de maneira excelente. Essa con-cepção é derivada de vertentes da Psiquiatria e da Psicanálise que tratam da pessoa ideal ou do tratamento mais eficaz, ou seja, algo sobre o que é possível teorizar, mas inconcebível em nosso entendimento.

3.ª Normalidade como média – fundamentada em uma média estatística dos estudos normativos do comportamento, na qual traços da personalidade são entendidos como um meio de medida estatística ou de medida padro-nizada do comportamento, como se define no psicodiagnóstico.

4.ª Normalidade como processo – vê o comportamento como relacionado a situações ou a fases de desenvolvimento da personalidade – cada estágio com características intrínsecas. A temporalidade é essencial para uma definição completa de normalidade.

Podemos, a partir disso tudo, enunciar um conceito explanatório que de-fine o homem normal como aquele que aprecia com exatidão todas as formas acessíveis da realidade. Ele atua de forma inteligente no ambiente promovendo adaptações ativas e flexíveis e interagindo de forma harmônica com os demais seres humanos.

Para Doron e Parot (2003, p. 116)A normalidade é concebida, por um lado, como a ausência de patologia, e, por outro, como a conformidade com o tipo médio. Vale ressaltar que a média é uma medida estatística, puramente descritiva e operacional, que tende a ser considerada como regra e como valor, podendo proporcionar uma interpretação equivocada, uma vez que não leva em conta as singularidades, as dissidências e as anomalias, baseando-se em valores atribuídos ao indi-víduo e ao comportamento, cuja função é avaliar e detectar a utilidade social das condutas e dos indivíduos.

Existe um certo consenso de que a normalidade é, mais que uma comprova-ção efetiva, uma valoração, extremamente suscetível a falhas.

Outro grupo de autores determina três critérios para a definição da norma-lidade do ser humano.

Critério estatísticoPelo critério estatístico, normal seria o mais freqüente numericamente,

aquilo que é compatível com a maioria. No entanto, a utilização de valores numé-ricos absolutamente rígidos e definitivos é questionável pois, como sabemos, o ser humano não é um arranjo matemático e estatístico.

Existem faixas de normalidade, ou seja, o normal fica situado entre este e aquele valor. Dentro desse critério estatístico, devemos considerar que nem sem-pre o habitual é normal ou, ainda, nem sempre o excepcional é patológico. Por-tanto, as exceções à regra estatística devem ser valorizadas de forma a tornar este critério apenas relativamente válido, se considerado isoladamente.

O critério estatístico deve servir para destacar da população o não-habitual, o diferente ou o não-normal e, isoladamente, isso não é suficiente para autorizar,

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declarar este incomum como doença. O próprio sistema cultural vigente se in-cumbe de argüir os comportamentos que excedem os limites da suposta faixa de normalidade e os pensamentos que escapam de uma pretendida faixa de coerência e realismo.

Critério valorativoUm dos traços peculiares do ser humano talvez seja o desejo de ser diferente

e destacar-se dos demais, sobressair-se da média. Considerando-se esta perspec-tiva da natureza humana de forma absoluta e isolada, podemos entendê-la como uma flagrante contradição ao primeiro critério, o estatístico. Para melhor entender essa diversidade entre as pessoas, a qual, apesar de desejável, poderia correr o ris-co de ser considerada patológica (pelo critério estatístico), devemos ter em mente a idéia valorativa da doença.

No critério valorativo interessa o valor que a sociedade atribui à maneira do indivíduo existir. Enquanto o critério estatístico utiliza termos tais como, incomum, infreqüente, desproporcional, raro, fora do comum ou diferente, no critério valorativo os adjetivos serão outros. Esses termos dizem mais res-peito à qualidade que à quantidade: mórbido, nocivo, indesejável, prejudicial, degenerado, deficiente, sofrível, cruel, irracional, desadaptado e assim por diante.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, é o estado completo de bem-estar físico, mental e social que define o que é saúde; portanto, tal conceito im-plica num critério valorativo, já que, tanto o bem-estar quanto o mal-estar, dizem respeito a valores.

Critério intuitivoDe acordo com Perestrello (1982), a intuição é um elemento atuante de

real valia, o qual, mesmo baseando-se no conhecimento, parece não estar ali-cerçada nele. Na realidade, a intuição se caracteriza por uma idéia conclusiva que parece não ter passado pelos trâmites habituais do raciocínio, mas que, certamente, resulta de um conjunto complexo de conhecimentos anteriormen-te adquiridos e mobilizados instantaneamente diante de uma solicitação espe-cífica.

Trata-se de uma inspiração alicerçada nas experiências e conhecimentos prévios, que nem sempre se encontram à disposição imediata da consciência, mas são mobilizados sem serem percebidos racionalmente por quem os utiliza. Em todas as áreas da atividade humana a intuição é utilizada. A conclusão de Ballone (2003) é:

Pois bem, juntando-se dentro de uma mesma atitude de raciocínio estes três critérios de avaliação, o estatístico, o valorativo e o intuitivo, podemos cogitar a possibilidade da não-normalidade e, em seguida, da morbidade psicopatológica. Seria temerário a utilização e a valorização exclusiva de qualquer um deles isoladamente, assim como também seria temerário uma valorização absoluta e inflexível deles todos, caso não considerássemos, prioritariamente, as circunstâncias que envolvem cada caso em particular.

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A avaliação, o “xis” do problemaMas afinal, o que está por trás das definições de normalidade e anorma-

lidade, de que falamos até agora? É uma palavra simples, mas que significa um processo altamente complexo: avaliação.

É tão comum na vida cotidiana, como afirma Gatti (2003, p. 26):Processos avaliativos, em geral, fazem parte do nosso cotidiano. A gente avalia até para escovar os dentes. Quando eu vou escovar os dentes, de manhã, eu avalio a força que eu vou imprimir para não me machucar, a força suficiente para limpar. E isto me acompanha o dia inteiro, eu não percebo, mas eu estou avaliando para poder andar, eu avalio o terreno, avalio a força muscular, o movimento, eu avalio se consigo ou não fazer um determinado trabalho, se vou dar conta no fim do dia, enfim, o processo de avaliação em geral está em-butido, de certa maneira, nas nossas formas de existir, sejam individuais, sejam sociais.

No entanto, quando realizada de forma intencional – e pretende-se que fide-digna –, como ocorre na escola, torna-se dificílima de ser realizada.

É por meio da avaliação que comparamos a performance dos alunos (ou da instituição escolar) com padrões estabelecidos anteriormente, ou seja:

Medir

Analisar Valorar

Comparar

Avaliar

O ciclo avaliativo termina, portanto, na emissão de juízos de valor correla-tos à última etapa (valorar).

Uma boa definição de avaliação nos é apresentada por Flores et al. (1993, p. 10): “A avaliação é o processo sistemático e permanente que permite captar informação sobre o objeto avaliado para contrastá-la com um marco de referência e a partir desta contrastação emitir juízos de valor e propor alternativas para me-lhorar o dito objeto”.

No entanto, embora imprescindível no processo ensino-aprendizagem, como é difícil avaliar!

Se perguntarmos aos professores, como o fizemos com diversos, quais são as principais dificuldades que encontram para avaliar a aprendizagem dos seus alunos, teremos uma ampla diversidade de respostas. No nosso caso, as mais fre-qüentes foram:

A falta de base (conhecimento anterior) dos alunos;

A grande quantidade de alunos nas turmas;

A grande quantidade de conteúdos a serem transmitidos, o que dificulta a realização de avaliações de cunho formativo;

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A diversidade de problemas que os alunos apresentam e que impedem o fluxo normal de aprendizagem (orgânicos, emocionais, familiares, disci-plinares, foram os mais citados);

A dificuldade para elaborar bons instrumentos e criar situações diversifi-cadas e originais de avaliação;

A complexidade da tradução dos resultados das avaliações em menções (notas, conceitos etc.);

A falta de oportunidades para suprir as dificuldades observadas nas avalia-ções (portanto, tornando-as meramente somativas ou classificatórias);

A falta de apoio de um supervisor ou orientador pedagógico, que dê sub-sídios e acompanhe as avaliações realizadas pelo professor.

Esta pequena amostra de respostas já nos permite ver a gama de dificulda-des que os professores vivenciam ao avaliar a aprendizagem dos seus alunos.

Podemos concluir que é possível que os professores, em muitas situações, possam avaliar de forma inadequada os seus alunos, gerando distorções nos re-sultados obtidos.

Podem, ainda, obter informações importantíssimas sobre a aprendizagem dos mesmos, e não saber o que fazer com elas. O resultado disto é bem resumido por Sousa e Alavarse (2003, p. 76):

Tendencialmente, em nossas escolas o que se observa é a diferença confundida com desi-gualdade e, assim, tratada como algo a ser superado. Portanto, ao invés de procurarmos minimizar ou superar desigualdades, exercemos a discriminação, separando aqueles alu-nos que “fogem” ao que é definido como padrão esperado de desempenho escolar.

Muitas foram as explicações buscadas pela Psicologia, pela Pedagogia e pe-las demais ciências que fundamentam os estudos sobre a Educação para explicar as desigualdades de que os autores falam. Em grande parte do tempo, elas contri-buíram mais para alicerçar o tratamento indevido dado pela escola às diferenças, do que para a superação das mesmas. Patto (1984) cita algumas:

A Teoria da Carência Cultural, que atribui à origem dos alunos, oriundos de classes subalternas, as dificuldades que enfrentam na escola.

Os programas de Educação Compensatória, que muito contribuíram para mascarar as desigualdades e seus efeitos, em vez de resolvê-las. Estes programas atribuem aos psicólogos e pedagogos, e ao seu monitoramen-to sobre o desenvolvimento e a aprendizagem, esta superação.

A atribuição ao Estado, e aos seus órgãos assistenciais, culturais e políti-cos, a “integração” destes grupos, marginalizados social e culturalmente.

A correlação estabelecida entre a privação cultural e a privação ou defi-ciência de linguagem dos chamados alunos “carentes”.

A imposição, aos alunos oriundos das classes populares, de códigos lin-güísticos e estilos de linguagem identificados com o sucesso escolar, im-plicando em processos de imposição e inculcação cultural.

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A “autoridade pedagógica” atribuída ao professor, legitimando o exercí-cio de vários tipos de coerção sobre o aluno “desigual” em relação aos demais.

A atribuição, aos alunos provenientes das classes populares, de carac-terísticas especiais ou diferentes dos demais, definindo-os de antemão como pessoas diferentes em desenvolvimento e em aprendizagem.

Este conjunto de fatores “empurra” estes alunos para o fracasso escolar, representado pela não-aprendizagem e pela evasão escolar.

Uma avaliação que controla o conhecimento, não tomando uma conforma-ção compatível com o multiculturalismo crítico, limita as oportunidades educa-cionais e sociais, apoiando-se na “ideologia do dom”1 e no estabelecimento de uma rígida meritocracia na escola. Soares (1983, p. 51-52) afirma que, neste caso, as funções sociais que a avaliação sempre tem “estão presentes nos mecanismos de seleção em que, ostensivamente e sob a aparência de uma absoluta neutralidade, alguns são escolhidos e muitos são rejeitados por um processo de eliminação cuja relação com a hierarquia social é dissimulada por sua pretensa objetividade[...]”.

E conclui que:[...] a avaliação, sob uma falsa aparência de neutralidade e de objetividade, é o instrumento por excelência de que lança mão o sistema de ensino para o controle das oportunidades educacionais e para a dissimulação das desigualdades sociais que ela oculta sob a fantasia do dom natural e do mérito individualmente conquistado (SOARES, 1983, p. 53).

Tudo que foi dito até agora não faz significar, no entanto, que não existam alunos que apresentem, efetivamente, necessidades educacionais específicas que precisam ser atendidas pela escola. Elas existem, precisam ter “lugar” na escola e pertencem a três grupos:

portadores de altas habilidades – alunos que apresentam elevada poten-cialidade ou desempenho situado significativamente acima da média em um ou mais aspectos como intelectualidade, aptidões acadêmicas espe-cíficas, produtividade, criatividade, capacidade de liderança, psicomotri-cidade, competência para as artes;

portadores de condutas típicas – alunos que apresentam alterações de comportamento (emocional e/ou social), implicando dificuldades no re-lacionamento com as outras pessoas.;

portadores de deficiências – alunos que apresentam comprometimento nos aspectos físico, sensorial ou mental.

Existem também, infelizmente, alunos mal avaliados; alunos que são víti-mas dos múltiplos processos de discriminação e “violência simbólica”2 na escola; alunos que foram acumulando, no decorrer da sua vida acadêmica, experiências de insucesso e deficiências pedagogicamente produzidas, associadas ao ritmo pe-culiar de aprendizagem, ao universo cultural específico de que se originam, à variante lingüística que utilizam etc. Estes alunos são “condenados” pela escola, e pela sociedade que os envolve, sendo rotulados como um grupo de “portadores de dificuldades ou deficiências”, em vez de alunos desiguais que precisam de suporte pedagógico dado pela própria escola.

1Idéia preconcebida de que as pessoas nascem com

uma dotação natural de dons, que lhes permite “entrar” na vida com uma disposição de-finida para o sucesso ou o fra-casso e para ocupar lugares previamente estabelecidos na hierarquia social.

2O conceito de violência simbólica foi enunciado

por Pierre Bourdieu, signifi-cando uma forma de violência que provoca submissões que não são percebidas como tais. Apóia-se sobre “expectati-vas coletivas”, sobre crenças socialmente inculcadas. Ela pode ter muito mais êxito do que a violência político-poli-cial, já que implica a imposi-ção por um poder arbitrário, de um “arbitrário cultural”.

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Segundo Marques (199, p. 73), existem formações discursivas – discursos e respectivos sentidos – veiculadas pela escola, referentes às desigualdades e des-vios e às pessoas realmente portadoras de necessidades educacionais específicas. O autor destaca que

Uma primeira formação discursiva é caracterizada pelo sentido de desvio como anorma-lidade. Todavia, esta caracterização não constitui a principal preocupação de seus pro-motores. Na verdade, seu objetivo maior está na valorização do normal como critério de definição do modelo ideal de homem.O fato de se tornar evidente o traço da anormalidade alheia traz em si o simultâneo evi-denciamento da normalidade de outrem. O anormal constitui, pois, o contraponto neces-sário para o estabelecimento e a manutenção do referencial de normalidade.

Neste delicado terreno da identificação dos alunos portadores de necessi-dades educacionais especiais e da delimitação dos conceitos de normalidade em desenvolvimento e em aprendizagem, temos uma ampla frente de expansão para a Psicopedagogia e o seu campo de atuação.

1. Leia os dois texto abaixo e compare-os, à luz do que discutimos na aula, sobre a definição da normalidade em Educação e em Saúde.

1.º texto:Quem é louco ou quem é normal é um assunto que tem estimulado discussões infindáveis.

Muitas vezes as pessoas afirmam num desabafo e por razões pejorativas que fulano é louco, outras vezes, de acordo com certas conveniências, lançam mão da retórica cansativa sobre a impossibi-lidade de rotular-se alguém de louco, uma vez que a definição do normal é imprecisa. Na prática podemos dizer que a atenção psicológica e o tratamento psiquiátrico são solicitados sempre que uma manifestação psíquica incomoda o sistema sociocultural vigente e/ou faz sofrer o indivíduo.

(Disponível em: <gballone.sites.uol.com.br/voce/diagnostico.html>).

2.º texto:

Maluco Beleza(Raul Seixas, 1977)

Enquanto você se esforça pra ser Um sujeito normal E fazer tudo igual

Eu do meu lado, aprendendo a ser louco Um maluco total Na loucura real

Controlando a minha maluquez Misturada com minha lucidez

Vou ficar

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Ficar com certeza Maluco Beleza

E este caminho que eu mesmo escolhi É tão fácil seguir

Por não ter onde ir Controlando a minha maluquez Misturada com minha lucidez

Vou ficar Ficar com certeza

Maluco Beleza Eu vou ficar...

Compare os dois textos, destacando alguns aspectos relativos à definição do binômio normali-dade/anormalidade discutidos na nossa aula de hoje.

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2. Destaque, entre os fatores citados como dificultadores da avaliação da apren-dizagem dos alunos pelos professores que ouvimos, os que na sua opinião mais causam incorreções na detecção de alunos com necessidades educa-cionais especiais.

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Esses alunos que não aprendem: um olhar psicopedagógico sobre o fracasso escolar

O nosso tema de hoje é o fracasso escolar, tema dos mais significativos para nós, educadores.

Que grande mistério o fracasso escolar! Quanta perplexidade causa, nos professores, o fato de alguns alunos conseguirem avançar na aprendizagem e outros não. Nos esforçamos tanto

e, na realidade, a aprendizagem acaba sendo uma espécie de “caixa preta”, misteriosa. Lá estão os alunos, na nossa frente, e – tirando algumas expressões de interesse, perguntas e intervenções perti-nentes – não temos a menor idéia de quanto cada um está evoluindo na construção dos conceitos.

Se ao menos tivéssemos uma espécie de marcador ou medidor, que nos permitisse perceber quanto cada um está aprendendo daquilo que chamamos de “conteúdo” da aula...

A verdade é que, naquele grupo heterogêneo que é a turma, há alunos individualmente dife-rentes, com ritmos e estilos de cognição diferentes e motivações diversas, constituindo um “mapa de aprendizagens” totalmente peculiar.

E há, certamente, aqueles que aprendem menos que os outros, mais lentamente que os outros, diferentemente dos padrões esperados; há os que, pelo menos aparentemente, nada aprendem – são os que fracassam na escola – e há os que aprendem mais rapidamente que os demais e que rapidamente se desinteressam das atividades, tendo problemas de disciplina.

As estatísticas relativas às dificuldades de aprendizagem, aos distúrbios de conduta – muitas vezes a elas associados – e da evasão escolar, são impressionantemente elevadas. É comum nas esco-las públicas termos, por exemplo, numerosas turmas de 5ª séries e apenas duas ou três turmas de 8ª séries. Trata-se de uma elevada “mortalidade pedagógica”, metaforicamente falando. Nem mesmo o grande número de pesquisas sobre o assunto, realizadas nos últimos anos, tiveram um impacto sen-sível na redução desses índices.

As abordagens do fracasso escolar no Brasil – um pouco de História

Patto, em conhecida obra sobre o fracasso escolar, estudou as raízes históricas das concepções sobre o mesmo. A autora afirma a necessidade “[...] de conhecer, pelo menos em seus aspectos fun-damentais, a realidade social na qual se engendrou uma determinada versão sobre as diferenças de rendimento escolar existentes entre crianças de diferentes origens sociais” (PATTO, 1990, p. 9).

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Estabelecendo alguns marcos sobre a forma de pensar a escolaridade e o fracasso escolar no Brasil, fazemos uma breve síntese.

No período da Primeira República (1889-1930) o predomínio das idéias li-berais delineou uma forma específica de explicar as diferenças de rendimento escolar existentes entre as classes sociais. O fim do trabalho escravo e o surgi-mento da nova categoria social do trabalhador assalariado trazem a percepção da distribuição social dos indivíduos, de acordo com as suas aptidões naturais.

Os anos vinte foram marcados por uma efervescência nos meios educacio-nais, chamados de “entusiasmo pela educação” e de “otimismo pedagógico”, e acarretou diversas reformas educacionais, influenciadas pelos princípios do mo-vimento educacional norte-americano e europeu conhecido como movimento da Escola Nova.

Com o advento da Escola Nova, a Psicologia das diferenças individuais de-senvolveu a preocupação em medir tais diferenças e criar um modelo de escola que as levasse em consideração. Maria Helena Patto (1990, p. 59) destaca, entre os aspectos importantes da teoria escolanovista: “[...] em suas origens, a nova pe-dagogia não localizava as causas das dificuldades de aprendizagem no aprendiz, mas nos métodos de ensino”.

Isso significa dizer que a reflexão escolanovista sobre a escola e a sua eficiência surgiu no âmbito dos fatores intra-escolares do rendimento escolar, ao contrário do ensino tradicional, que situava a responsabilidade pelo fracasso escolar no aluno.

O movimento da Escola Nova reconheceu, também, a especificidade psico-lógica da criança, desenvolvendo a psicologização do discurso sobre as causas das dificuldades de aprendizagem escolar.

E continua Patto (1990, p. 61-62):À medida que a Psicologia se constitui como ciência experimental e diferencial, o movi-mento escolanovista passou do objetivo inicial de construir uma pedagogia afinada com as potencialidades da espécie à ênfase na importância de afiná-la com as potencialidades dos educandos, concebidos como indivíduos que diferem entre si quanto à capacidade para aprender. [...] ao realizar esta passagem os educadores geraram a necessidade de avaliar estas potencialidades, criando, assim, uma nova complementaridade entre a Peda-gogia e a Psicologia na passagem do século, tanto mais inclinada para o lado da redução psicológica na explicação das dificuldades de aprendizagem escolar quanto mais as áreas da psicometria e da higiene mental se desenvolveram e se impuseram nos meios educa-cionais.

Neste período, no entanto, já era de competência dos médicos determinar os indivíduos “anormais” e a sua segregação da convivência com os demais. Este modelo de “medicalização do fracasso escolar” fez história, deixando marcas até hoje.

Segundo a autora, em cuja obra estamos nos referenciando, a Psicologia hipertrofiou-se nas relações com a Pedagogia e produziu duas distorções na pro-posta da Escola Nova:

de um lado, enfraqueceu a idéia revolucionária e enriquecedora de levar em conta, no

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planejamento educacional, as especificidades do processo de desenvolvimento infantil en-quanto procedimento fundamental ao aprimoramento do processo de ensino, substituin-do-a pela ênfase em procedimentos psicométricos freqüentemente viesados e estigmati-zadores, que deslocaram a atenção dos determinantes propriamente escolares do fracasso escolar para o aprendiz e suas supostas deficiências; de outro, propiciou uma apropriação do ideário escolanovista no que ele tinha de mais técnico, em detrimento da dimensão de luta política pela ampliação da rede de ensino fundamental e por sua democratização que o movimento também continha. (PATTO, 1990, p. 63)

Também são dignos de nota dois aspectos:

o ganho de importância de uma literatura que denuncia a existência de teorias racistas, como Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre e Jeca Tatu, de Monteiro Lobato;

os trabalhos de alguns médicos, junto à Psicologia Educacional, que fazem evoluir o conceito de criança anormal para o de criança-pro-blema, mudando o foco dos estudos da hereditariedade para o meio (geralmente considerado, ainda que de forma restrita, como de ambien-te familiar).

Analisando o discurso oficial sobre o fracasso escolar, principalmente por meio da análise de artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagó-gicos (RBEP), Patto destaca um artigo de Ofélia Boisson Cardoso, publicado em 1949, em que ela destaca quatro fatores responsáveis pelo “estado de calamidade” da escola – ou seja, também pelo fracasso escolar: pedagógicos, sociais, médicos e psicológicos.

Avançando no tempo, chegamos ao início dos anos 70, em que a Teoria da Carência Cultural explicava o fracasso escolar por meio da desigualdade de ambientes em que as crianças da chamada “classe baixa” se desenvolviam. Esta explicação era em tudo compatível com a visão aceitadora do capitalismo, vigente na época, de regime de exceção (a ditadura militar). Logo se instala uma grande polêmica entre os que acreditavam que as causas do fracasso escolar estavam na escola e os que as situavam na “clientela”.

Com o tempo, foi ganhando corpo o conceito de “marginalização cultural”, criticando os termos privação, carência e deficiência cultural. Essa corrente afir-mava que não há uma condição negativa por parte do aluno, mas sim no processo pedagógico que ele “sofre” na escola.

Com a evolução do Tecnicismo na educação brasileira, aos poucos retorna a idéia da mensuração das potencialidades intelectuais dos alunos, por meio de testes e escalas psicológicas.

Resumindo, a década de 70 é marcada, portanto, pelas divergências entre os partidários da teoria do déficit e os defensores da teoria da diferença. No final desta década, as chamadas Teorias Crítico-Reprodutivistas (Althusser, Bourdieu, Passeron, Baudelot, Stablet, entre outros) introduziram a possibilidade de se con-ceber a escola no âmbito de uma concepção crítica da sociedade. Termos como “capital cultural”, “violência simbólica” e “luta de classes”, por exemplo, invadem o universo da Educação.

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O fim do regime de exceção, com a anistia política, permitiram novas lei-turas, que muito contribuíram para o estudo das dificuldades de aprendizagem. Autores que antes eram inacessíveis pelo viés ideológico da sua obra – Vygotsky e Paulo Freire, por exemplo – foram incorporados à discussão do tema.

A atualidade é marcada pela multiplicidade de pesquisas, muitas de cunho interdisciplinar, sobre o fracasso escolar. Estes estudos não negam a importância dos fatores intra-escolares na origem das dificuldades de aprendizagem; criticam a seletividade social, a inadequação da mesma à realidade dos alunos e destacam a importância da escola no processo de transformação social.

Essas crianças que não aprendem...Vimos, até agora, que o fracasso escolar é geralmente observado por meio

da repetência e da evasão dos alunos, ou da permanência na escola caracterizada pelo ritmo de aprendizagem diferente dos demais, das dificuldades de motivação e, acima de tudo, por um intenso sentimento de infelicidade em relação à vida escolar. O que se vem buscando, com freqüência, é uma definição por meio das conseqüências do fracasso escolar, sem buscar quais seriam propriamente as suas causas.

Frente às altas taxas de insucesso escolar, ainda se tenta localizá-lo na pró-pria criança, deixando a problemática ser resolvida pela família e pelo profissional de saúde. Isentando-se das responsabilidades, a instituição escolar e o sistema social delegam a este profissional, e ao da saúde mental, a tarefa de resolver a questão.

Para compreender estas crianças que não aprendem, ou que “aprendem dife-rente” das demais é necessário, antes de mais nada, que o professor ressignifique o termo aprendizagem, compreendendo que ela é um processo muito menos linear e previsível do que tradicionalmente pensamos.

Idéias como a da necessidade de uma “prontidão” para a aprendizagem e da existência de “turmas homogêneas” precisam ser revistas. As estruturas do co-nhecimento, mesmo em pessoas consideradas “normais”, apresentam defasagens, ensaios-e-erros, transições, oscilações motivacionais, da mesma forma que nas pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais.

Segundo Mantoan (1999, p. 19):Aos professores é importante a descrição detalhada de como se amplia e se aprofunda o conhecimento em uma dada criança, porque a intervenção pedagógica, por mais gene-ralizada que seja, recai sobre um aluno específico, ou seja, em caso individualizado. A maioria dos professores, no entanto, não sabe disso e pensa que as turmas homogêneas de alunos garantem o desenvolvimento de um bom trabalho, revelando a crença de que, ao ensinar um mesmo conteúdo para todos os alunos, estes assimilam num mesmo nível e numa mesma proporção o que lhes foi transmitido.

A autora acredita em situações diferenciadas de aprendizagem que permi-tem a cada aluno estabelecer os seus próprios planos para alcançar os objetivos, dando-lhes liberdade e autonomia para definir os métodos de “trabalho” a serem utilizados para realizar a aprendizagem.

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Conclui Mantoan (1999, p. 24): Se os professores forem capazes de criar situações desse tipo, levando em conta, por prin-cípio, que existem diferenças entre os alunos, sem a preocupação primordial de conhecer previamente o nível que este ou aquele alcança num dado domínio ou conteúdo acadêmi-co, a inclusão de alunos com deficiência mental nas turmas regulares será perfeitamente possível nos sistemas escolares.

As vias de acesso ao conhecimento são, portanto, as mesmas, tanto para as pessoas consideradas capazes de uma aprendizagem “normal”, quanto para aque-las que aprendem de forma “diferente”.

As três se completam e se coordenam para permitir a construção do conhe-cimento:

via perceptiva;

via das ações;

via conceptual.

Bernard Charlot (2000) afirma que, diante de um aluno que fracassa em um aprendizado, pode-se fazer dois tipos de leitura:

Freqüentemente é feita uma leitura negativa da situação. Fala-se em defi-ciências, carências e lacunas. Mas uma leitura positiva quer saber: o que está acontecendo com este aluno?

A leitura positiva busca compreender como as situações de fracasso foram constituindo-se na trajetória desse aluno. O que ocorreu com ele? O que ele fez? O que ele pensou? Não procurando somente o contrário: o que ele não fez, o que ele não pensou, o que ele não entendeu. Parece a metáfora do copo com líquido até a metade: podemos olhar para a parte vazia, e lamentar a falta do líquido; ou, ao contrário, podemos olhar para a metade cheia e verificar que, pelo menos, há alguma coisa para ser bebida.

A leitura positiva quer saber o que está ocorrendo, em que situações ele fracassa e em quais ele consegue ter sucesso, “buscando compreender como se constrói a situação de um aluno que fracassa em um aprendizado e, não, ‘o que falta’ para essa situação ser uma situação de aluno bem-sucedido” (Charlot, 2000, p. 30).

Isso significa não olhar apenas o aspecto negativo da situação, não se deter somente nas supostas carências e deficiências do aluno. Neste sentido, o autor ressalta que devemos levar em conta a singularidade do aluno, a sua história par-ticular, pois ele é um ser humano único e original. Ele vai para a escola e encontra este professor e não outro, e a interferência e a contribuição do professor pode ser muito importante na vida do aluno.

Embora estas reflexões críticas sejam atualmente muito freqüentes, o qua-dro que se desenha no cotidiano das escolas ainda não é tão promissor quanto gostaríamos. A escola ainda não consegue compreender plenamente o fracasso escolar, não encontrou as melhores formas de lidar com “esses alunos que não aprendem”, como diz o título da nossa aula de hoje. A escola ainda não consegue responder a algumas perguntas fundamentais, bem colocadas por Anete Abramo-wicz (1995, p. 29):

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Para compreender quem é o repetente, é preciso que se responda a algumas questões: Qual é a concepção de linguagem e aprendizagem existente na escola? Quem é o aprendiz na percepção das professoras, com quem elas falam enquanto ensinam? O que ensina a pro-fessora e o que aprende o aluno? Que tipo de aprendiz é esse, que repete no seu processo de aprendizagem, portanto, quem é o repetente do ponto de vista da escola e da criança?

É hora de estabelecermos a distinção entre dificuldades de aprendizagem e fra-casso escolar, embora tenhamos utilizado até agora duas expressões praticamente com o mesmo sentido. A primeira é de ordem mais subjetiva e individual. Geralmente há algum tipo de deficiência ou necessidade educacional específica, sendo que compromete o desempenho escolar e pode causar fracasso escolar. Já esse último contém uma con-junção de fatores que, num determinado momento, interagem, imobilizando o desenvol-vimento do sujeito e do sistema familiar/escolar/social, no qual ele está inserido.

Não são apenas as dificuldades de aprendizagem as causas do fracasso escolar – aliás, nunca há uma causa única – nele estão presentes as dificuldades de ensino, que muito contribuem para intensificar as dificuldades de aprendizagem.

A expressão “dificuldades de ensinagem” vem sendo cunhada no cenário da Psicologia e da Pedagogia, significando a consideração de múltiplos fatores intra-escolares, inclusive o contexto emocional a partir do qual o professor cons-trói a sua subjetividade e que, necessariamente, estará envolvido na sua ação de ensinar.

Polity (1998) faz uma ponte entre a Psicopedagogia Tradicional e a Psico-pedagogia Sistêmica e dedica um capítulo ao estudo das dificuldades de ensino como uma forma de abordar as dificuldades de aprendizagem. Analisa a apren-dizagem na escola e na família, considerando as modalidades de aprendizagem de todos os envolvidos no processo: o aprendiz, a família e o próprio ensinante – além da instituição que ensina, a escola.

Na mesma linha, Fernández (2001, p. 31), reflete: [...] um fracasso escolar pode diferenciar-se de um problema de aprendizagem, analisando a

modalidade de aprendizagem do aprendente em sua relação com a modalidade ensinante da escola. Nas situações de fracasso escolar, a modalidade de aprendizagem do sujeito não se torna patológica; quando se constitui um problema de aprendizagem (inibição cogniti-va ou sintoma), a modalidade de aprendizagem altera-se.

Com todas estas reflexões, podemos concluir a nossa aula afirmando que a nossa relação, como educadores, com esses alunos que não aprendem, continua sendo caracterizada pela perplexidade dos gregos diante da esfinge, que lhes di-zia, ao desejarem atravessar a entrada da cidade: “Decifra-me ou devoro-te”. Os professores continuam lutando – cada um a seu modo – para superar este enigma que é a falta ou a diferença de ritmos e de estilos de aprendizagem.

Os estudos e pesquisas na área da Pedagogia, da Psicologia e da Psicope-dagogia vêm contribuindo significativamente para que encontremos as respos-tas para as “perguntas da esfinge”. O maior desafio ainda continua sendo, talvez, superar o estigma imputado a estes alunos. Como disse Goffman (1988, p. 67), com propriedade:

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A identidade pessoal do indivíduo estigmatizado está relacionada com a pressuposição de que ele pode ser diferençado de todos os outros e que em torno desses meios de diferenciação, podem-se apegar e entrelaçar, como açúcar cristalizado, criando uma história contínua e única de fatos sociais que se torna, então, a substância pegajosa à qual vêm-se agregar outros fatos biográficos.

1. Maria Helena Patto, autora que foi bastante citada na nossa aula, conclui a visão histórica do fracasso escolar apresentando três afirmativas, muito comuns na literatura pedagógica, embora bastante questionáveis:

As dificuldades de aprendizagem escolar da criança decorrem das suas condições de vida.

A escola pública é uma escola adequada às crianças de classe média e o professor tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal.

Os professores não entendem e discriminam seus alunos de classe baixa por terem pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos padrões culturais dos alunos pobres, em função de sua condição. (PATTO, 1990, p. 121-125)

Dialogue criticamente com cada uma destas afirmativas, justificando a sua concordância ou discordância, e produza um texto a partir deste diálogo.

Esses alunos que não aprendem: um olhar psicopedagógico sobre o fracasso escolar

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2. Na aula de hoje, apresentamos uma série de perguntas formuladas por Abramowicz, no livro A menina repetente.

Tente responder àquelas perguntas – pode acrescentar outras, se você quiser – utilizando-as como um roteiro para a redação de um texto, cujo título é “Esses alunos que não aprendem”.

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As “queixas” das escolas, inter-pretadas pela Psicopedagogia

S ão muitas as formas pelas quais as “queixas” das escolas podem ser abordadas. De concreto, sabe-mos que as escolas reclamam muito dos alunos, das suas dificuldades de adaptação e de aprendi-zagem, das famílias que não lhes dão o necessário suporte emocional, cultural e material.

Também é uma prática comum os professores queixarem-se dos que os antecederam na vida escolar das crianças, que aprendem ou comportam-se de maneira diferente dos padrões esperados. Em nome da falta de “base”, de hábitos e atitudes dos alunos, costumam colocar a responsabilidade nos professores das séries anteriores, como se eles pudessem ter “dado conta” de todas as dificuldades que os alunos apresentaram.

Talvez, no fundo, nos queixemos da nossa própria impotência diante dos obstáculos que en-contramos para fazermos os nossos alunos se apropriarem do conhecimento. Vistas desta forma, as queixas docentes passam a significar uma forma de defesa psíquica, que nos protege da frustração e da dor de não conseguirmos obter o êxito desejado com todos os alunos.

Procuramos, ao organizar a nossa aula, separar quatro grandes queixas que ouvimos com fre-qüência nas escolas. Vamos abordar cada uma, sem a pretensão de encontrar as soluções e respostas acabadas, que darão fim a esses problemas vividos pela instituição escolar. Todas as quatro apontam para um foco compartilhado: a dificuldade de lidar com o aluno que destoa da norma, com os que, como dizia o poeta Torquato Neto, “desafinam o coro dos contentes”.

Joyce McDougall (1983, p. 173), em um instigante livro que discute em profundidade a questão da normalidade, fala da ambivalência do analista diante da dicotomia normal X neurótico. Isso pode ser lido em sentido mais amplo, incluindo os professores:

É muito fácil para um analista contrapor normal e neurótico, o que não impede outros de afirmarem que “é nor-mal ser neurótico”. Estamos aqui diante dos dois significados principais do vocábulo. Dizer que “é normal ser neurótico” nos remete a uma noção de quantidade, à norma estatística. Se, por outro lado, fizermos uma oposição entre “normal” e “neurótico”, estaremos distinguindo-os em função de uma qualidade. Neste caso, utilizamos a palavra no sentido normativo, designando alguma coisa “em direção da qual o indivíduo tenderia”, o que sem dúvida inclui uma dimensão ideal. Eis-nos, portanto, além da normalidade patológica, às voltas com dois outros tipos de normalidade: a normalidade estatística e a normalidade normativa.

As “queixas” da escola

1.ª queixa: nas turmas há sempre muitos alunos que não conseguem aprender

As dificuldades de aprendizagem dos alunos sempre se constituem em uma reclamação das escolas. Como já vimos, elas devem-se à presença real de dificuldades de aprendizagem, ou necessi-dades educativas especiais, ou podem ser atribuídas aos chamados problemas de ensinagem – fatores intra-escolares como dificuldades de relacionamento (com o professor e/ou com o grupo) e inadequa-ção curricular, entre outros.

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No primeiro caso, são resumidas pelo Parecer 17/2001 do Conselho Nacio-nal de Educação, de 3 de julho de 2001, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e definiu como alunos com necessidades educativas especiais, aqueles que apresentam durante o processo ensino-aprendi-zagem:

1 – Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvi-mento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

1.1 – aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

1.2 – aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências.

dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alu-nos (surdez, cegueira, surdo-cegueira ou distúrbios acentuados de lin-guagem, necessitando de diferentes formas de ensino e adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis assegurando-lhe os recursos humanos e materiais necessários.

altas habilidades/superdotação e grande facilidade de aprendizagem que os levem a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de re-cursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar. (p. 16-17)

Para o atendimento a estas necessidades, o MEC propôs, em 1998, “adapta-ções curriculares” que permitiram a inclusão do aluno portador de necessidades educativas especiais nas escolas regulares. O documento apresenta, como alter-nativas:

construir propostas pedagógicas baseadas na interação com os alunos;

reconhecer os tipos de capacidades presentes na escola;

seqüenciar conteúdos e adequá-los aos diversos ritmos de aprendiza-gem;

utilizar metodologias diversificadas e motivadoras;

optar por um paradigma de avaliação processual e emancipadora;

O documento do MEC considera a Educação Especial, como expressa a LDB, uma modalidade de educação escolar, evitando a criação de serviços edu-cacionais especiais isolados. A diversidade dos alunos (gerada por condições in-dividuais, econômicas e socioculturais) cria a necessidade de atos pedagógicos diferenciados.

Ao estudar as “necessidades educacionais especiais” desloca o foco do alu-no para as respostas educacionais que eles demandam, por parte das instituições educativas. Enfatiza que a existência de professores especializados, e de outros professores, não significa que o regente da turma deixe de ter responsabilidade na condução da ação docente.

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Utiliza um conceito amplo de currículo que, elaborado a partir do projeto político-pedagógico escolar, se associa à identidade da instituição escolar e à sua organização e funcionamento, e ao papel que exerce, a partir das aspirações e expectativas da sociedade e da cultura. Inclui as experiências postas à disposição dos alunos, planificadas no âmbito da escola, com o objetivo de propiciar o desen-volvimento pleno dos educandos. Não se fixa no que há de especial na educação dos alunos, mas flexibiliza a prática educacional para atender a todos.

As adaptações curriculares implicam, portanto:

O que o aluno deve aprender

Que formas de organização são

mais eficazes para que ele aprenda

Planificação pedagógica e

ações docentes

Como e quando o aluno deve aprender

Como e quando sua aprendiza-gem deve ser

avaliada

As adaptações curriculares não podem ser consideradas como maiores ou menores, mais ou menos radicais, mas devem ter viabilidade e demandam um tempo certo para a sua ocorrência.

O documento citado propõe um quadro de adaptações curriculares, clas-sificando-as em Não-significativas (modificações menores, realizadas com certa facilidade, no planejamento das atividades) e Significativas (mais profundas, que requerem o envolvimento da instituição como um todo).

Adaptações curricularesNão-significativas. Significativas.

Organizativas. Nos objetivos.

Relativas aos objetivos e conteúdos. Nos conteúdos.

Nos procedimentos didáticos e nas atividades. Nas metodologias e na organização didática.

Na temporalidade. Na temporalidade.

Avaliativas. Avaliativas.

Reparem que há uma repetição em várias modalidades de adaptação cur-ricular. Isto é explicável: as adaptações significativas nem sempre podem ser im-plementadas de pronto, mas sim processualmente, começando muitas vezes com níveis menos significativos de adaptação.

As decisões curriculares que iniciam as adaptações devem envolver toda a equipe da instituição, evitando a transferência de responsabilidade e a constante recorrência aos recursos externos.

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O texto indica, ainda, que existem três níveis de adaptações curriculares: individuais, no currículo (incluindo elementos físicos, materiais e curriculares, como forma de ensinar e avaliar, por exemplo) e no Projeto Político Pedagógico da escola.

2.ª queixa: os alunos geralmente não se comportam bem na escola, não têm limites, não obedecem

Esta segunda queixa diz respeito a uma questão que se apresenta cindida, englobando dois aspectos: os distúrbios de conduta e a indisciplina escolar pro-priamente dita. Embora saibamos que estão muito ligados, constituem aspectos distintos.

Como definir os distúrbios de conduta? A identificação de comportamen-to ou conduta, considerando apenas a manifestação externa, levaria a considerar como distúrbio de comportamento qualquer tipo de perturbação que acarrete uma manifestação observável de conduta. Isso nos remeteria diretamente ao contra-ponto entre normal e anormal, já discutido em outra aula.

Preferimos considerar, para a conceituação que vocês estão construindo, a definição de condutas típicas apresentada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais/Adaptações Curriculares (1998, p. 25): “Manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado”.

Existem diversas condutas típicas, com as quais o professor pode se de-frontar no cotidiano do seu trabalho, e que causam dificuldades de aprendizagem com todas as conseqüências que bem conhecemos: a esquizofrenia, a síndrome desafiadora e de oposição, a Síndrome de Rett, os transtornos do humor, a hipera-tividade (ou TDAH) e o autismo.

A segunda questão – indisciplina escolar – vem merecendo uma série de estudos e abordagens, tanto na Pedagogia e na Psicologia, como na área da Psi-copedagogia. A própria definição do que é indisciplina pode ser extremamente diversificada. Dependerá, por exemplo, do quanto a escola pode ser conservadora e da rigidez da aplicação dos limites disciplinares estabelecidos.

Autores como Lajonquière acreditam que “a razão de ser da (in)disciplina escolar é a própria lógica do cotidiano escolar”. (1996, p. 36). A partir de uma pesquisa realizada com professores, Fortuna (2002, p. 88) assim concluiu:

Podemos resumir que a indisciplina escolar foi definida, de um modo geral, como ausên-cia ou negação de um comportamento desejável. A maioria das respostas acusa “falta de algo” nos alunos com problemas disciplinares: falta de limites, falta de atenção, falta de organização do material, falta de material, falta de higiene, falta de respeito às regras,

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aos valores, aos colegas e aos professores. Estes alunos são descritos como quem “não respeita regras e combinações, não atende ordens, não tolera frustrações, não consegue se conter, não respeita o patrimônio”.

Entendemos, como Fumes (2002, p. 19), que manter a disciplina não signi-fica simplesmente “administrar a paz dos problemáticos”, mas educar para a au-tonomia e para a eqüidade, cultivando valores e competências para a convivência social.

3.ª queixa: os alunos não respondem, com interesse, às propostas que a escola se esforça em elaborar

Já ficou claro que esta queixa aponta diretamente para a questão da moti-vação. Na área da Educação, muitas vezes só nos preocupamos com a motivação do aluno para a aprendizagem. É inegável que, quando falamos da realização de qualquer tarefa, a motivação com que o indivíduo a ela se dedica determina a qua-lidade do produto da mesma e a eficiência com que é realizada.

Freitas (1998, p. 112) afirma que a motivação é a predisposição (fator inter-no) com que o indivíduo trabalha (atua). E continua: “Refere-se ao estado de espí-rito, às condições psicoemocionais com que enfrenta o trabalho no dia-a-dia.”

O termo motivação tem, portanto, diversos significados. Podemos falar em motivação para estudar, trabalhar, viajar e sair de férias. Vamos focar as organi-zações.

Outras indagações surgem: o que leva realmente as pessoas a estarem moti-vadas e a serem mais produtivas? Qual a atuação do professor, em relação ao in-cremento da motivação da sua turma? Motivação, o que é isto? O que faz com que um aluno saia de casa animado com o dia que tem pela frente na escola e outro se arraste para fora da cama só pensando em como vai ser duro chegar e em como o tempo custa a passar quando está lá?

A motivação dos alunos, aquela tensão interna que inicia, dirige e mantém o comportamento para um determinado objetivo, não está, com muita freqüên-cia, dirigida nas questões que o professor espera. O conhecimento nem sempre é “prioridade zero” para os estudantes, e isso deixa o professor bastante frustrado.

Hoje, com o boom da mídia, a escola precisa se esforçar bastante para com-petir com o mundo colorido, sonoro, divertido e variado que os meios de comu-nicação oferecem às crianças e aos jovens. Ao mesmo tempo, a “invasão” da Educação pela tecnologia nos obriga a repensar muitas das nossas crenças sobre o interesse dos nossos alunos.

Além do mais, não podemos considerar apenas a motivação dos alunos, nos esquecendo que a motivação do professor também está diretamente envolvida no processo ensino-aprendizagem.

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Embora sobre isso haja uma multiplicidade de estudos, citamos o de Telfer e Swan (1986, p. 42). Eles sugerem que:

O problema da motivação do professor se situa no preenchimento de necessidades de alta ordem em uma profissão em que os padrões de carreira podem ser limitados. O estabele-cimento de metas em termos de resultados quantificáveis é difícil e o grau de manutenção dos procedimentos nas atividades rotineiras da escola podem ser uma verdadeira fonte de frustração. O resultado, portanto, é que a natureza do trabalho do professor em si próprio pode emergir como a principal fonte de satisfação no trabalho.

4.ª queixa: é difícil avaliar a aprendizagem dos alunos

Realmente, a avaliação é um dos pontos mais complexos do processo de ensino-aprendizagem. Há uma tendência burocrática que exige do professor re-gistros sob a forma de notas ou conceitos, em tempo predeterminado, e contradiz a idéia de que a avaliação é um processo contínuo, inserido no processo de apren-dizagem. O professor ainda encontra dificuldade para avaliar de forma dialógica e democrática em salas de aulas superlotadas e realizando múltiplas jornadas de trabalho para sobreviver.

Romão (2001, p. 58), afirma que existem, nas nossas escolas, duas concep-ções de avaliação: a primeira consiste em uma visão de avaliação baseada em jul-gamento de acertos ou erros, implicando prêmios ou castigos; a segunda conduz a “uma concepção avaliadora de agentes ou instituições, em situações específicas e cujos sucessos ou insucessos são importantes para a escolha das alternativas subseqüentes”.

Ainda é raro, infelizmente, encontrarmos nas escolas a aplicação da avalia-ção com os seus três enfoques e funções:

Enfoque avaliativo FunçãoDiagnóstico Prognóstica

Controle (formativo) Diagnóstico

Somativo Classificatória

Podemos encerrar afirmando que a questão não se restringe ao fato do pro-fessor “não saber avaliar”, como muitas vezes as “queixas” nos induzem a pensar. O problema é o viés ideológico de que ela se reveste (e por isso citamos as duas concepções de avaliação acima) e a sua abrangência, pois o processo de avalia-ção, em sala de aula, é composto por três fatores que compõem o que se chama de avaliação:

1) Avaliação do conhecimento – em qualquer área da avaliação, em qual-quer nível de ensino, há uma ênfase sobre o domínio do conhecimento, a medição do conhecimento, das habilidades.

2) A avaliação é utilizada como um poderoso fator de controle do compor-tamento do aluno em sala de aula. Constitui-se em uma ameaça ao aluno e em um instrumento de poder do professor.

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3) Avaliação de atitudes e valores – a avaliação conforme atitudes, valores e até a própria forma de pensar, não pela prova, mas porque professores e alunos acreditam em certos conceitos, vivem certas concepções, que podem ser harmoniosas ou antagônicas no âmbito da sala de aula.

Um último olhar: o da PsicopedagogiaAs “queixas” escolares são compartilhadas por todos que vivem, diretamen-

te, o ambiente da instituição escolar. Elas chegam aos pedagogos, aos psicólogos, aos fonoaudiólogos, aos psicopedagogos...

Mery (1985) fala da complexidade e da especificidade do papel do psicope-dagogo:

não busca erradicar as manifestações (sintomas) das dificuldades, mas procura atingir as causas dos problemas;

compreende a evolução do ser humano em uma perspectiva dinâmica, buscando rearranjos no ambiente e nas interações do aluno para que ele volte ao ritmo normal do seu desenvolvimento;

estabelece uma relação com o aluno, na qual interferem afetos e emoções (não se trata de uma relação neutra, portanto) para transmitir-lhe conhe-cimentos e interferir nas demais relações que ele estabelece;

busca recuperar a inserção do aluno em uma escolaridade normal, de acordo com as possibilidades e interesses deste.

Completa afirmando:Da especificidade mesma do papel do psicopedagogo nasce sua complexidade. De fato, o psicopedagogo é um professor, mas, como acabamos de ver, um professor de um tipo particular: ele deve realizar sua tarefa de pedagogo, sem perder de vista os propósitos tera-pêuticos de sua ação. Quando o psicopedagogo, como eu, por exemplo, realiza pedagogias curativas, a expressão “pedagogia curativa” por si só reforça a ambigüidade de seu papel, uma vez que ela implica ao mesmo tempo o fato de transmitir um saber e o de “tratar”, sendo o termo “curativo” originário do latim “cura”, que quer dizer cuidados. (MERy, 1985, p. 16)

O psicopedagogo interfere, então, em aspectos muito significativos, que afe-tam as “queixas” escolares de que falamos – e várias outras queixas:

autoconhecimento (identidade);

motivação;

autocontrole (domínio das emoções);

empatia;

habilidades cognitivas;

competências sociais.

Ele não dá aulas para os alunos, mas afeta o ciclo de aprendizagem viven-cial, como o descrevem Pfeifer e Jones (1980):

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Aplicação(planejar

comportamentos mais eficazes).

Generalização(inferir os princípios

obtidos, cortejando-os com o real; passar da

teoria à prática).

Vivência(ação, fazer).

Relato(compartilhar as

experiências viven-ciadas).

Processamento (discutir os resulta-

dos; os padrões).

Sara Pain (1985, p. 13), resume bem esse olhar psicopedagógico do qual falamos neste final de aula:[...] convém assinalar o alcance da psicopedagogia com relação à intervenção pedagógica

específica; o que permite delimitar o terreno de competência do psicólogo dedicado à aprendizagem e o terreno do especialista em Ciências da Educação, que atende às pertur-bações na aquisição dos processos cognitivos. Este último se preocupa principalmente em construir situações de ensino que possibilitem a aprendizagem, incrementando os meios, as técnicas e as instruções adequadas para favorecer a correção da dificuldade que o edu-cando apresenta. Diferentemente, o psicólogo se interessa pelos fatores que determinam o não-aprender no sujeito e pela significação que a atividade cognitiva tem para ele; desta forma a intervenção psicopedagógica volta-se para a descoberta da articulação que justifi-ca o sintoma e também para a construção das condições para que o sujeito possa situar-se num lugar tal que o comportamento patológico se torne dispensável.

Podemos finalizar reafirmando a necessidade de se conjugar diversos “olha-res” sobre as “queixas” da escola.

1. Uma importante distinção a ser estabelecida é entre ato infracional e ato indisciplinar. O ato in-fracional, definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Assim, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção Penal e Leis Penais Esparsas (ex.: Lei de tóxico, porte de arma), se for praticada por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional. Portanto, nem todo ato indisciplinar corresponde a um ato infracional. O compor-tamento do aluno indisciplinado pode não corresponder a uma infração prevista na legislação.

A indisciplina escolar apresenta-se como o não-atendimento às normas fixadas pela escola e pelas demais legislações aplicadas, traduzindo-se em um desrespeito, seja do colega, seja do professor, seja ainda da própria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo).

É fácil perceber, portanto, que um mesmo ato pode ser considerado como indisciplina ou como ato infracional, dependendo do contexto em que foi praticado. Uma ofensa verbal dirigida ao professor, pode ser caracterizada como ato de indisciplina. No entanto, dependendo do tipo de ofensa e da forma como foi dirigida, pode ser caracterizada como ato infracional – ameaça,

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injúria ou difamação. Para cada caso, os encaminhamentos são diferentes.

O ato infracional é perfeitamente identificável na legislação vigente. Já o ato indisciplinar deve ser regulamentado, nas normas que regem a escola, assumindo o Regimento Escolar papel rele-vante para a questão.

Tanto a indisciplina como o ato infracional, transitam indistintamente nas escolas públicas e privadas. Não é um problema específico da escola pública, oriundo da questão econômica ou social.

A escola vem tratando de forma muito parecida a indisciplina e o ato infracional, trans-formando cada aluno rebelde, ou que não acata facilmente as normas disciplinares, em um infrator.

Comente a distinção entre ato infracional e ato indisciplinar, apresentada no texto, em especial a afirmativa em negrito.

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Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva

1Um dos maiores estudos de follow-up é o realizado

pela Universidade de Minne-sota que apresenta um Estudo Nacional de Transição Longi-tudinal.

C omecemos definindo o que é Educação Inclusiva. A denominada Edu-cação Inclusiva nasceu nos Estados Unidos pelas mãos da Lei Pública 94.142, de 1975 e, hoje, já está na sua segunda década de implementação.

Em todo o território desse país foram estabelecidos programas e projetos dedica-dos à Educação Inclusiva:

O Departamento de Educação do Estado da Califórnia deu início a uma política de apoio às escolas inclusivas já implantadas.

A criação, pelo Vice-Presidente Al Gore, de uma Supervisão de Informática direcionada à uma política de telecomunicações baseada na ampliação da rede de informações para todas as escolas, bibliotecas, hospitais e clínicas.

Aliança entre o movimento da Educação Inclusiva e a busca de uma es-cola de qualidade para todos.

Propostas de modificações curriculares, visando a implantação e a me-lhoria de programas adaptados às necessidades específicas das crianças portadoras de deficiências.

Assim, tem sido especialmente enfatizado o estabelecimento dos compo-nentes de autodeterminação da criança portadora de deficiência. As cha-madas equipes técnicas das escolas têm recebido cursos de capacitação para poderem fornecer um atendimento mais adequado ao professor de séries regulares.

Por meio de estudos e pesquisas tem sido acompanhado o processo esco-lar dos alunos que passaram ou estão passando pela educação inclusiva. Eles têm sido observados a partir da análise de sua rede de relações so-ciais, atividades de lazer, formas de participação na comunidade, satisfa-ção pessoal etc.1

A maioria dos Estados norte-americanos estão aplicando a Educação In-clusiva, como: Nova york, Massachussets, Minnesota, Daytona, Siracu-sa, West Virgínia etc.

Mas, fora dos Estados Unidos, como está a situação da Educação Inclusiva? Também não é diferente. O mais conhecido centro de estudos a respeito da Edu-cação Inclusiva é o CSIE – Center for Studies on Inclusive Education – da Co-munidade Britânica, sediado em Bristol. É esse Centro que fornece os principais documentos a respeito da Educação Especial:

O CSIE – International Perspectives on Inclusion.

O UNESCO Salamanca Statement (1994).

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O UN Convention on the Rights of the Child (1989).

O UN Standard Rules of the Equalisation of Opportunities for persons with Disabilities (1993).

Hoje, um dos documentos mais importantes é o “Provision for Children with Special Educational Needs in the Asia Region” que inclui os seguintes países: Bangladesh, Brunei, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Japão, Coréia, Malásia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Singapura, Sri Lanka e Tailândia. Mas, não podemos esquecer que existem programas de Educação Inclusiva em todos os “principais” países do mundo: França, Inglaterra, Alemanha, México, Canadá, Itália etc.

Mas, e no nosso país, como está caminhando a Educação Inclusiva? Em pro-nunciamento recente2, durante o lançamento do Programa de Educação Inclusiva e Direito à Diversidade, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, afirmou que “as crianças portadoras de deficiências devem ser incluídas nas escolas tradicio-nais”. Para o ministro, nenhuma criança pode ser excluída em função da cor da pele, raça, gênero ou por ser portadora de qualquer tipo de necessidade especial.

Para desenvolver o programa em 83% dos municípios brasileiros, o ministro assinou termo de cooperação técnica com o fundo das Nações Unidas para a In-fância (Unicef). A representante da organização no Brasil, Reiko Niimi, afirmou que é importante desenvolver ações que favoreçam o direito de todas as crianças. “Ninguém quer ser tratado como diferente. Precisamos tratar as que têm deficiên-cias como as normais”, disse Reiko.

O ministro ressaltou que, atualmente o Estado atende 54% da população infantil composta por crianças com necessidades especiais. “Temos que transferir os recursos para as entidades que fazem esse trabalho e aumentar a consciência de que esse é o caminho para melhorar a qualidade das escolas”.

Cristovam Buarque destacou, ainda, a necessidade de lutar para aumentar o tempo de permanência das crianças na escola3. Segundo ele, o objetivo do progra-ma é disseminar e apoiar o processo de implementação das políticas da Educação Inclusiva em 4.666 municípios brasileiros até 2006. A Secretária de Educação Es-pecial do MEC, Cláudia Pereira Dutra, garante que o convívio com a diferença faz crescer a proposta pedagógica e enriquece a aprendizagem dos alunos. Segundo a secretária, está se formando no Brasil um pacto pela inclusão social.

Nesse mês aconteceu a capacitação de 300 gestores e professores de 128 municípios de todas as regiões do país e a idéia que fundamenta esse programa de capacitação é que os participantes dos cursos subsidiarão e darão acompanha-mento à elaboração de projetos de implementação da Educação Inclusiva nos 128 municípios-piloto do programa. Cada um desses municípios será responsável pela reaplicação do processo nas demais cidades incluídas no programa.

Cabe ressaltar que são numerosos os desafios para a implantação do pro-grama: o levantamento da população deficiente e do que existe em termos de rede de apoio, saúde e assistência no Brasil; o preconceito em relação ao deficiente; o direcionamento de recursos para a formação de professores que atendam especifi-camente aos alunos com necessidades educacionais especiais e a organização das condições de acesso às escolas.

2Pronunciamento feito em 19 de novembro de

2003, por meio da Assessoria de Comunicação Social do MEC.

3O ministro da Educa-ção estava se referindo

à evasão e à repetência que promove abandono da escola; portanto, estava ampliando a definição de inclusão, abar-cando a inclusão social por meio da Educação de quali-dade para todos. Relacionou a evasão escolar com a entra-da de crianças para o crime organizado no Brasil. “Não adianta ir pelo caminho mais simples, reduzindo a idade na qual elas vão para a cadeia. Se tem bandido usando jovem, tem é de prender o bandido”, afirmou o ministro.

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E em termos de legislação, como caminha a Educação Inclusiva no país e como temos lidado com esse conceito de inclusão na Educação? Na Conferência de Salamanca, em junho de 1994, uma assembléia representativa de 92 países e 25 organizações internacionais assumiu a Educação para Todos, daí surgindo a expressão Educação Inclusiva e o documento que oficializou essa opção – a De-claração de Salamanca.

De acordo com Sassaki (1997), a abordagem ideal das instituições inclusi-vistas por meio de seus profissionais e colaboradores é considerar seus usuários como cidadãos com direito à autonomia física e social maiores, independência para agir, tomar decisões e mais espaço para praticarem o empowerment4.

A inclusão tem o amparo do princípio da igualdade defendido pela Consti-tuição Federal em seu artigo 5.º, aliado ao direito à educação constante no artigo 208. Este artigo também prevê a possibilidade de nem todos os indivíduos se be-neficiarem com a inclusão, ao preconizar que o atendimento educacional aos por-tadores de deficiência deve se dar preferencialmente na rede regular de ensino.

A nova Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, assegurou que a criança defi-ciente física, sensorial e mental, pode e deve estudar em classes comuns. Dispõe em seu artigo 58, que a educação escolar deve situar-se na rede regular de ensino e determina a existência, quando necessária, de serviços e apoio especializado. Prevê também recursos como classes, escolas ou serviços especializados quando não for possível a integração nas classes comuns. O artigo 59 contempla a adequa-da organização do trabalho pedagógico que os sistemas de ensino regular devem assegurar, a fim de atender as necessidades específicas, assim como professores preparados para o atendimento especializado ou para o ensino regular, capacita-dos para integrar os educandos portadores de necessidades especiais nas classes comuns.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1988, v. 1), é competência do professor a tarefa de individualização das situações de aprendizagem oferecidas às crianças, considerando as suas capacidades afeti-vas, emocionais, sociais e cognitivas. Nessa perspectiva não se deve estigmatizar as crianças pelo que diferem, mas levar em consideração as suas singularidades, respeitando-as e valorizando-as como fator de enriquecimento pessoal e cultural.

A qualidade do processo de inclusão está, portanto, diretamente relacionada com a estrutura organizacional da instituição.

No Referencial Curricular (1988, v. 1) verificamos que a qualidade do pro-cesso envolve questões mais amplas implicadas às políticas públicas, às decisões orçamentárias, à implantação de recursos humanos, aos materiais adequados em termos de quantidade e qualidade e à adoção de medidas educacionais compatí-veis em suas diferentes modalidades.

Dessa forma, defrontamo-nos com o problema das políticas públicas de edu-cação que, só agora, começam a se ocupar da integração dos alunos portadores de deficiências no ensino regular. Uma ação mais efetiva diante da inclusão ainda precisa ser construída pelos educadores e psicopedagogos. E é dessa construção que vamos nos ocupar agora.

4Expressão muito usada nos países anglo-saxões,

especialmente nos Estados Unidos, que diz respeito ao engrandecimento do homem.

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Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva

Formação de professoresPara que as aprendizagens escolares realmente se efetivem nas nossas esco-

las públicas e particulares, temos que reconhecer que não basta apenas aos profis-sionais da área de Educação uma formação em determinados conteúdos lógicos, mas, que esses profissionais necessitam uma formação em termos de aprendi-zagens dramáticas, considerando o universo social ao qual sua atividade profis-sional se dirige – uma sociedade formada por um contingente de mais de trinta milhões de analfabetos, entre funcio nais e absolutos, os quais, por sua vez, em sua maioria, compreendem o quadro dos brasileiros que vivem em condição de pobreza crônica nas periferias de nossas grandes capitais e metrópoles.

Portanto, precisamos contemplar nessa formação psicopedagógica do novo profissional da Educação o conhecimento prático a respeito das questões sociais e culturais que configuram a especificidade de sua prática de professor em um país como o Brasil. Claro que considero fundamental que o professor que atua na área de Educação Popular demonstre competência profissional, por exemplo, no conhecimento das teorias de Emília Ferreiro, buscando caracterizar os diferentes níveis psicogenéticos em que se encontram seus alunos no processo de construção da leitura e da escrita e, posteriormente, desestabilizá-los com desafios inteligen-tes para que possam avançar.

Contudo, sei que somente o domínio deste conhecimento por parte do pro-fessor não garante a aprendizagem de 100% de seus alunos, nem a evasão zero em sua sala de aula. Por um lado, para o caso da formação do professor, podemos afir-mar que esta, tanto quanto a formação de seus alunos, tem por base aprendizagens subjetivas – associadas às estruturas simbólicas do conhecimento humano – sem as quais a construção de competências técnicas para o ato de ensinar se torna uma bula de remédios, repleta de efeitos colaterais nocivos à saúde escolar.

Por outro lado, retomando as afirmações da teoria do conhecimento prático em Gerard Vergnaud, é preciso admitir que os cursos das áreas de Educação de muitas universidades brasileiras, e mesmo fora delas, tendem a considerar apenas uma abordagem abusivamente teórica e discursiva, ficando a prática da sala de aula, lamentavelmente, fora de seu centro de ação pedagógica.

Adequações Curriculares Individualizadas (ACI)Esse termo surgiu na Espanha (COLL, 1995) e foi gerado a partir do Pro-

grama de Desenvolvimento Especial para alunos com handicaps ou deficiências. Posteriormente, e atendendo à progressiva ampliação do conceito de Educação Especial, esta associação foi adquirindo novos matizes e sendo transferida a todos

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os alunos que, por uma ou outra condição – ou conjunto de condições – apresen-tam necessidades educacionais especiais.

As ACIs constituem um dos instrumentos escolares e devem envolver, em sua elaboração, desenvolvimento e avaliação, ações e procedimentos que assegu-rem, em todos os casos, o cumprimento das seguintes funções:

estabelecer uma conexão lógica entre a avaliação psicopedagógica e a programação individual;

preparar e coordenar as situações educacionais regulares e especiais que dirigiremos ao aluno;

proporcionar ao aluno, o máximo possível, e quando convir, ambientes menos restritivos;

eliminar, na medida do possível e, quando convier, os recursos educacio-nais especiais e devolver ao aluno circuitos, serviços e situações escola-res o mais normais possíveis;

descrever, especificar e justificar a resposta educacional dirigida ao alu-no, de forma clara e compreensível, a fim de que todas as pessoas en-volvidas no crescimento do aluno – e o próprio aluno, sempre que for possível – possam participar, efetivamente, da tomada de decisões edu-cacionais envolvidas na elaboração, desenvolvimento e a avaliação do programa individual.

O documento em que uma ACI se baseia pode ter diferentes formas e, ne-cessariamente, deve fazer parte do projeto político-pedagógico de qualquer esco-la, se de fato pretendemos criar uma Educação Inclusiva. As ACIs deverão incluir ainda três grandes conjuntos de elementos:

A avaliação psicopedagógica – esta informação deve se referir aos ní-veis atuais de competência do aluno em relação ao currículo escolar e a outros fatores que possam dificultar seu desenvolvimento e aprendiza-gem.

A proposta curricular – em termos de “o que” ensinar: áreas, conteú-dos, objetivos etc. “Como” ensinar: enfoques metodológicos e didáti-cos; tipo; duração e periodicidade dos serviços educacionais (regulares e específicos); materiais e instrumentos. “Quando” ensinar: seqüência prevista de ações pedagógicas referentes às áreas, conteúdos e objetivos. “O que”, “como” e “quando” avaliar.

A promoção do aluno – elementos que permitem perceber e avaliar os esforços realizados e que se pretendem realizar para promoverem ao alu-no ambientes menos restritivos e regulares. Por exemplo, pode-se perce-ber estes esforços na explicitação de critérios para promoverem o aluno e para eliminarem os apoios da educação especial, sempre que for possível e conveniente.

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O ajuste da programação às necessidades e características dos alunos

Os alunos de uma turma sempre apresentam diferentes comportamentos e limitações: formas peculiares de aprender, preferências por determinadas situa-ções de aprendizagem, utilizam materiais escolares com diferentes rendimentos e aprendem mais facilmente se o professor se dirige a eles de uma ou de outra maneira.

Por isso, para evitar (prevenir) dificuldades de aprendizagem, o professor capaz de diversificar sua intervenção pedagógica prepara e inclui, em seu pro-grama, diferentes formas de ensino que podem ajustar-se às diferentes formas de aprender dos alunos. A intenção, pelo menos no início, não é baixar o nível de exi-gência, nem preparar programas diferentes para cada aluno, mas, é possível, em um primeiro momento, preparar diferentes materiais, organizar a turma de forma que seja possibilitada a aprendizagem em diferentes ritmos e de diferentes manei-ras. É preciso contar, também, com a predisposição do professor para flexibilizar o tratamento dado aos alunos e a captar a melhor maneira de comunicar-se com cada um deles para ajustar e modificar sua intervenção pedagógica facilitadora de aprendizagem e de crescimento pessoal.

Objetivos e conteúdosOs processos de ensino e de aprendizagem caracterizam-se por seu caráter

intencional, e esta intencionalidade traduz-se em objetivos educacionais que os vão concretizando. Para que haja uma proposta psicopedagógica de Educação In-clusiva, é preciso, em primeiro lugar, promover modificações nos objetivos, já que são estes que determinam o resto dos elementos da ação pedagógica. Em função do que desejamos conseguir (a inclusão), planejamos como e quando fazê-la.

Tradicionalmente, os objetivos de ensino e de aprendizagem têm-se con-centrado no âmbito cognitivo e têm sido os mesmos para todos os alunos, tendo como referência, na melhor das hipóteses, o aluno médio e, na pior, o aluno idea-lizado. Isso deu lugar a uma situação que pode ser caracterizada com os seguin-tes aspectos: o esquecimento (proposital?) de outras áreas de desenvolvimento; a identificação de objetivos e conteúdos; uma excessiva utilização de metodologias transmissoras (ou expositivas); a homogeneização e inflexibilidade no ensino e, conseqüentemente, a desintegração dos alunos com necessidades educacionais especiais; uma avaliação do tipo normativo, em função de certos objetivos iguais para todos; e, finalmente, uma organização das atividades de ensino e de aprendi-zagem, nas quais todos teriam que fazer o mesmo ao mesmo tempo.

Esta situação nos aponta a clara necessidade de introduzir modificações psi-copedagógicas nos objetivos do processo educacional, de maneira que cumpram os princípios de integração e individualização. Como mudanças mais significati-vas, proponho:

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Diversificar os objetivos – apontar certos objetivos comuns a todos e outros de caráter individualizado, em função das necessidades e possibi-lidades de cada aluno. A programação deve conseguir o equilíbrio entre dar a resposta à turma como tal e a cada aluno dentro da turma.

Estabelecer novos objetivos – abrangendo outras áreas do desenvol-vimento: afetiva, motora, cognitiva, social e moral. Este item, embora seja importante para qualquer aluno, adquire relevância maior quando se refere aos alunos com necessidades educacionais especiais.

Inclusão de novos conteúdos – não somente aqueles conteúdos relati-vos à aquisição de conceitos, princípios ou fatos, mas também a procedi-mentos, valores, normas e atitudes.

Vale ressaltar que a carga de conteúdos do tipo mais “acadêmico”, no cur-rículo escolar, tem tido como conseqüência não somente a negligência de áreas importantes do desenvolvimento, mas também o aumento de alunos com proble-mas de aprendizagem.

No momento de elaborar a programação curricular da escola, é preciso re-alizar uma cuidadosa seleção dos conteúdos que devem ser adquiridos por cada turma de alunos, levando-se em consideração, além do que já foi dito anterior-mente, a funcionalidade.

Se levarmos em consideração que os conteúdos culturais duplicam-se, apro-ximadamente, a cada dez anos (Gimeno, 1986), urge, cada vez mais, introduzir aqueles que tenham maior aplicação e generalização na vida social e favoreçam a autonomia na aprendizagem. É preciso incorporar, conseqüentemente, conteúdos referentes aos procedimentos, entendidos como um conjunto de ações ordena-das para se atingir um fim: habilidades, estratégias, métodos de trabalho (Coll, 1986).

MetodologiasOs processos de ensino e de aprendizagem são, antes de tudo, uma relação

de comunicação que se manifesta, precisamente, no processo metodológico. Na metodologia tradicional, o professor transmite a informação acabada aos alunos, a comunicação encontra-se centrada no professor e é unidirecional e/ou monológica5. Ao contrário, em metodologias ativas, em que o aluno pode ser protagonista e o pro-fessor um facilitador da aprendizagem, a relação de comunicação é recíproca entre professor e alunos (dialógica).

Quanto mais o professor interagir e comunicar-se com seus alunos, mais infor-mações conseguirá obter acerca do processo que os mesmos seguem para aprender e, portanto, dos níveis de auxílio que necessitam, aspectos especialmente relevantes para a Psicopedagogia e, obviamente, para os alunos com necessidades educacio-nais especiais. Isto torna-se quase impossível quando se abusa de explicações orais coletivas, em que se dá muito pouco tempo para interagir com os alunos, seja de

5Paulo Freire denominou essa prática me todológica

de Pedagogia Bancária, afirmando que o professor deposita os conteúdos na ca-beça do aluno (1978).

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forma individual ou de um pequeno grupo, para saber quais são suas idéias acerca dos elementos e dificuldades que estão experimentando na aprendizagem.

O tipo de aprendizagem que se quer alcançar é decisivo no processo meto-dológico. Como sabemos, a aprendizagem mecânica e repetitiva tem gerado um bom número de dificuldades de aprendizagem devido à pouca consistência da mesma, ao limitar-se a um acúmulo de conhecimentos sem estabelecer relações adequadas entre os mesmos. É importante que os alunos construam uma aprendi-zagem significativa, o que implica agir e refletir sobre a informação escolar.

Para que a aprendizagem seja significativa, a nova informação deve relacio-nar-se, compreensivamente, com as idéias prévias dos alunos. O professor facili-tador deste tipo de aprendizagem precisa realizar as seguintes tarefas:

determinar quais são os requisitos prévios necessários para a aquisição de um novo conhecimento e ver em que medida os alunos já se apropria-ram do mesmo;

preparar as atividades e materiais necessários para transmitir-lhes as no-vas aprendizagens, de forma que a nova informação possa se relacionar com a anterior;

motivar os alunos, levando em consideração os interesses dos mesmos para que se envolvam na tarefa proposta;

organizar a aula para que os alunos possam buscar as informações.

Não devemos esquecer que o professor não é o único que ensina aos alunos, mas que estes também aprendem entre si. As pesquisas educacionais evidenciam que as situações de aprendizagem baseadas no grupo cooperativo são as que mais favorecem, tanto a aquisição de competências e habilidades sociais, como o ren-dimento escolar dos alunos (COLL, 1984). Este aspecto é especialmente relevante para os alunos com necessidades educacionais especiais que ficam desintegrados em estruturas de aprendizagem do tipo competitivo.

AvaliaçãoÉ preciso ampliar o objeto da avaliação em dois níveis fundamentais. Em

primeiro lugar, do aluno a todos os elementos da ação educacional, ou seja, o contexto educacional no qual se desenvolvem os processos de ensino e de apren-dizagem. Freqüentemente, as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos são fruto de um planejamento educacional inadequado quanto aos objeti-vos e à metodologia, de uma falta de interação com o professor ou com a turma. Se a avaliação se concentrar somente nos alunos, não poderemos modificar os fatores (externos a ele) que estão produzindo ou intensificando as dificuldades no aprender do aluno. Portanto, é necessário, também, ampliar os procedimentos de avaliação, já que muitos dos elementos a serem avaliados não são passíveis de medidas normativas, senão de metodologias qualitativas.

Para finalizar e baseando-me em Piaget, pergunto: por quê não avaliar o que o aluno tem construído de conhecimentos, suas habilidades e competências e não o que é habitualmente feito, a avaliação do que lhe falta? Pois sempre faltará algo, somos seres inacabados e o conhecimento é sempre provisório.

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1. A Educação Inclusiva não aponta apenas para o aluno com necessidades educacionais especiais, mas para uma população infanto-juvenil proveniente das camadas desprivilegiadas socioecono-micamente da sociedade brasileira. Como você solucionaria, na sala de aula, essa questão?

2. Podemos considerar as classes de aceleração como tentativas de Educação Inclusiva?

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3. A repetência e a evasão escolar podem levar os jovens à criminalidade, segundo o ministro da Educação. Como você evitaria os dois fenômenos educacionais da atualidade?

4. Como podemos transformar o discurso da Educação Inclusiva em uma prática psicopedagógica de inclusão dos alunos “diferentes”?

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A intervenção psicopedagógica nos processos de ensino

A lícia Fernández conta em um dos capítulos de seu livro, O saber em jogo, o diálogo entre duas meninas, sem a interferência de nenhum adulto, que reproduzo nesse começo de aula.

– Vou aprender a nadar – diz Silvina com a alegria de seus seis anos recém-feitos.

– Vai nadar? – intervém a irmã, três anos mais jovem.

– Não, vou aprender a nadar.

– Eu também vou brincar na piscina.

– Não é o mesmo. Eu vou aprender a nadar, diz Silvina.

– O que é aprender?

– Aprender é... como quando papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu queria muito andar de bicicleta. Então... papai me deu uma bici... menor que a dele. Me ajudou a subir. A bici sozinha cai, tem que segurar andando...

– Eu fico com medo de andar sem rodinhas.

– Dá um pouco de medo, mas papai segura a bici. Ele não subiu na sua bicicleta grande e disse “assim se anda de bici”... não, ele ficou correndo ao meu lado sempre segurando a bici... muitos dias e, de repente, sem que eu me desse conta disso, soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: Ah! Aprendi!

Nesse instante, Alícia (2001, p. 28) não pôde deixar de ver a alegria com que a menina pronun-ciou o verbo “aprender”, que se transferiu para o corpo da mais moça e fez surgir um brilho em seus olhos.

– Ah! Aprender é quase tão lindo quanto brincar – disse a menor.

– Sabe, papai não fez como na escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar direito. Segunda lição: andar rápido. Terceira lição: dobrar. Não tinha um boletim onde anotar: muito bem, excelente, regular... porque, se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus pulmões, no meu estômago, no coração não me deixaria aprender.

Alícia, que presenciava a cena, nunca havia escutado, nem lido, nem conseguido escrever uma explicação tão acertada para os verbos ensinar e aprender. Desse diálogo nos convida a refletir sobre as pessoas que ocupam esse lugar de ensinantes: pais e professores.

Ensinar e aprender se imbricam; portanto, não se pode pensar em um dos verbos se não está em relação com o outro, mas, para poder explicar para sua irmã menor o que é aprender, Silvina precisou nomear primeiro quem ensina. No seu caso, o pai é a pessoa ensinante. Fernández (2001, p. 29) nos mostra que:

A modalidade de seu pai, a posição que assumia ao ensinar, como pensava sobre si mesmo, a confiança que podia ter nele para ensinar, a importância que dava ao ensinado, assim como o que esperava de sua filha, a confiança que nela depositava em relação ao que poderia aprender, a alegria e o prazer que a ele proporcionava estar com sua filha naquela atividade, tudo isso formava o terreno onde sua filha iria aprender.

Assim, vemos a partir do diálogo com sua irmã que entre o ensinante e o aprendente se abre um campo de diferenças no qual vai se alojar o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para que o aprendente possa se apropriar desse algo, necessita inventá-lo novamente. É uma experiência de alegria e de descoberta, dependendo da posição que o ensinante ocupar.

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1O outro o possui até o mo-mento que o sujeito reali-

ze o processo de apropriação (aprendizagem), processando o conhecimento por meio de suas estruturas e de seu saber pessoal.

Mesmo que os objetos ou as máquinas possam vir a ter uma função ensi-nante, a pessoa ensinante, com todas as suas características singulares, acrescidas de suas qualidades pedagógicas, é prioritária nessa relação ensino-aprendizagem, porque é exatamente o molde relacional que irá se imprimir na subjetividade do aprendente, mais que o conteúdo da aprendizagem.

No caso de Silvina, foi necessário que o ensinante (o pai) a investisse da possibilidade de ser aprendente, lhe autorizando a ocupar o lugar de sujeito pen-sante para que a menina se apropriasse do prazer da autoria da aprendizagem.

Muitas vezes, esquecemos o caráter subjetivo da aprendizagem e centenas de pais e professores acreditam poder despertar o desejo de aprender de seus fi-lhos e alunos, apelando para velhos refrões: “estudar é necessário para obter um bom trabalho”; “estudar é preciso para ganhar dinheiro” e, para mim o pior de todos: “você precisa estudar para ser alguém na vida” – ficando subentendido que o filho e/ou aluno ainda não é uma pessoa, talvez um bicho, quem sabe.

A primeira intervenção psicopedagógica que pode ser feita em rela-ção aos ensinantes, que repetem incessantemente essas fórmulas sobre o estudo para crianças e adolescentes, é mostrar-lhes a diferença entre conhecimento e saber.

Saber e conhecerO conhecimento não pode ser transmitido diretamente e em bloco, o ensi-

nante transmite-o por meio de um signo. Por exemplo, quando uma mãe diz ao seu filho “não mexe aí” ou “não sai daí”, está apresentando um paradigma para a criança. Assim, a criança que possui uma estrutura habilitada para captar o impe-rativo negativo do verbo utilizado pela mãe, poderá aplicar esse signo apreendido para qualquer tipo de verbo. E é a partir de exemplos dados em um contexto que as crianças poderão reproduzir ações verbais, ou seja, houve primeiro uma mecâ-nica geradora. Foi necessário um modelo, um emblema de conhecimento.

Os adultos, mesmo sem se darem conta do que estão fazendo, escolhem uma si-tuação, fazem um recorte e transmitem tanto sinais de conhecimento quanto ignorân-cia. A Psicanálise nos mostra que o conhecimento é sempre conhecimento do outro, porque o outro o possui1; porém, também porque é preciso conhecer o outro, ou seja, colocá-lo no lugar do ensinante e, assim, conhecê-lo. Não aprendemos com qualquer um, aprendemos com aquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar.

Quais são as diferenças entre saber e conhecimento? O conhecimento é ob-jetivável, transmissível de forma indireta ou impessoal; pode ser adquirido por meio de livros ou máquinas; é factível de sistematização nas teorias; enuncia-se por intermédio de conceitos.

O saber é transmissível de maneira direta, de pessoa à pessoa, experien-cialmente; não se pode aprender por meio de um livro, nem de máquinas, não é sistematizável; só pode ser enunciado por intermédio de metáforas, paradigmas, situações e histórias. O saber dá poder de uso, mas o conhecimento não.

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Uma grande falha de nossa educação refere-se à desqualificação do saber e ao endeusamento do conhecimento. O que é feito, por exemplo, com os analfa-betos ao desvalorizarmos sua sabedoria por não serem conhecedores da tecnolo-gia da escrita e da leitura. Em algum momento de nossas vidas (parte de nossas infâncias) também fomos analfabetos, mas como diria Paulo Freire, contávamos com as nossas leituras de mundo e com a sabedoria dessas leituras para sobre-viver no mundo letrado. E quantas vezes admitimos, com toda propriedade, que somos analfabetos em determinadas áreas do conhecimento? Admitimos nossa ignorância, sem temer o ridículo ou o menosprezo de nossos amigos e familiares. Paulo Freire, também nos alertaria, assim como a Psicopedagogia, que só tendo a humildade para nos percebemos ignorantes poderemos conhecer o que nos falta.

As relações cotidianas entre as pessoas também evidenciam essa diferença entre saber e conhecimento, como nos mostra Fernández (2001, p. 63b):

Assim, se alguém diz “Sei dirigir”, supõe-se, caso tivesse um automóvel, que poderia sair dirigindo. Porém, se alguém diz: “Eu conheço como se dirige um carro”, até o melhor amigo duvidaria de emprestar seu carro. Conhecer regras de manejo, seja porque alguém contou, ou porque leu o manual de instruções e conhece os procedimentos, seja porque talvez tenha passado cinco anos estudando como dirigir, não quer dizer que esteja em condições de entrar num carro e fazê-lo.

Em outras palavras, para saber dirigir um carro é preciso conhecimentos, mas só com eles não se pode praticar o verbo dirigir. Os conhecimentos somente se operacionalizam no terreno construído pela inteligência: o desejo, o organismo e o corpo.

A segunda intervenção psicopedagógica é lhes indicar como ocupar o lugar de ensinantes que já possuem na vida de seus filhos e alunos. Pode-ríamos lhes falar que mais do que ensinar (mostrar) conteúdos de conhe-cimentos, o significado de ser ensinante é abrir espaço para o aprender. Espaço simultaneamente objetivo e subjetivo em que dois trabalhos são realizados ao mesmo tempo: a construção de conhecimentos e a constru-ção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.

Pais e professores, por serem os primeiros ensinantes de nossa vida, podem nutrir e produzir nas crianças esses espaços, nos quais o aprender é construtor de autoria do pensamento, ao invés de perturbar a criança em seu uso desse espaço ou até, em casos extremos, destruir esses espaços. Às vezes, essas atitudes extre-mas de destruição acontecem porque os ensinantes percebem que as crianças irão embora, não precisarão mais de sua ajuda e, para evitar a dor da perda, mantêm as crianças presas em uma dependência intelectual e emocional que pode levar ao desmoronamento do espaço de aprender. Mas, vejamos o exemplo que Fernández (2001, p. 30) nos traz:

Se um menino ou menina aprende a caminhar não é porque tenha pernas, mas porque seus pais desejam que ele/ela caminhe e o/a consideram capaz de caminhar. Quando nos-sos filhos caminham sozinhos, podem até “escapar” e ir para onde não podemos controlá-los; no entanto, mesmo sabendo disso, continuamos desejando que aprendam. Antecipa-mos que deixarão de necessitar de nós, que não precisarão mais que os levemos no colo e, ainda assim, promovemos a aprendizagem de caminhar. Isso quer dizer que ensinamos nosso filho a caminhar.

A intervenção psicopedagógica nos processos de ensino

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Então, precisamos saber como ensinantes que somos, que a prioridade é ensinar, mas que as crianças aprendem sozinhas, como no exemplo dado por Fernández. No aparente paradoxo está o código da senha para podermos abrir todo e qualquer processo saudável de aprendizagem.

Acredito estar ficando mais claro para vocês alunos-leitores, como vão se inter-relacionando o aprender e os processos de diferenciação, do mesmo modo que ensinar e favorecer a autonomia, ou seja, suportar a dor do fato de que o aprendente não necessite mais de nós.

Ao ter um papel fundamental como ensinantes, os professores também as-sumem a função de agentes subjetivantes. Podem intervir solidificando aspectos patógenos que vêm da família da criança ou, pelo contrário, podem propiciar mo-vimentos saudáveis2.

Embora o ofício de ser professor seja marcado pela informação, a função primordial dos docentes não é transmitir informação, mas propiciar ferramentas e espaço adequado (sem dúvida alguma, o lúdico é o melhor) no qual seja possível a construção do conhecimento.

A terceira intervenção psicopedagógica – o que o ensinante entrega à criança ao ensinar?

Voltemos ao diálogo do início da aula. O ensinante entrega a ferramenta (bicicleta), mas não oferece diretamente o conhecimento (andar de bicicleta). Con-tudo, a ferramenta que ele entrega à criança não é a mesma que ele utiliza, assim como o pai não usa a mesma bicicleta de sua filha.

A intensão dos professores, em muitas escolas, é que as crianças aprendam usando a “bicicleta” – as ferramentas conceituais – de tamanho igual à do pro-fessor ou, agem como se estivessem usando as “bicicletas” das crianças, o que é igualmente bizarro e grotesco. Um outro exemplo, bastante comum, é quando os professores falam com os alunos, em turmas de Educação Infantil, usando todos os substantivos no diminutivo ou se utilizam, assim como os pais, de uma lin-guagem chamada de ta-te-bi-ta-te, o que se constitui como uma outra maneira de desrespeitar as crianças e infantilizá-las.

O pai de Silvina não montou em sua bicicleta grande e disse: “Olha, minha filha, como eu ando e assim aprenderá a andar de bici”. Supostamente, ele teria que saber andar de bicicleta para poder ensinar sua filha; entretanto, quando lhe está ensinando, corre ao lado da menina.

Vocês repararam que o pai de Silvina não lhe pediu, nenhuma vez, que prestasse atenção nele? Pois é, se o aprender necessitasse tão-somente de prestar atenção, o pedido seria que Silvina prestasse atenção em si mesma e em seu desejo de andar de bicicleta. Também, não lhe mandou sentar e com as mesmas palavras: “Preste atenção, Silvina. Assim se anda de bicicleta”, nem depois deu muitas vol-tas com sua enorme bicicleta frente aos olhos assombrados da menina, dizendo: “Não se mexa, Silvina, amanhã você vai andar e eu vou sentar para lhe dizer se está fazendo certo”.

2Alícia nos conta a his-tória da recuperação de

um homem de oitenta anos hospitalizado após ter so-frido um acidente grave. Os médicos afirmam que foi um milagre. Alícia lhe pergunta: De onde tirou forças para se curar? Depois de pensar um pouco, ele responde: “Creio que recordei o modo como me olhava minha segunda professora do primeiro grau, como se estivesse dizendo “você pode”, quando todos já se consideravam vencidos por meu fracasso.

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Deveríamos nos perguntar quais são os significados ocultos na tão corri-queira expressão escolar: “Preste atenção!”. Para mim soa como uma ordem: “Pa-gue sua atenção para mim e/ou me dê toda a sua atenção e, poderíamos continuar, porque sou adulto, pai ou professor, você é criança, eu já passei por todos os sofri-mentos possíveis nos meus anos de aluno e, agora, é a sua vez. Ou você acha que para se tornar grande e sabido, a gente não tem que pagar um pedágio de dor?”

Quantas supostas patologias são impostas à criança em nome da atenção? Quan-tos nomes enigmáticos, tais como ADD ou ADHD, não são mais do que déficits de atenção dos próprios adultos ensinantes3 que lidam diariamente com a criança?

Toda aprendizagem é dramatizada no corpo a partir da experiência, que pode ser de prazer ou de desprazer; as duas deixam suas marcas: alegria ou dor. Mas, a dor pode gerar somatizações de todas as espécies, pois, afinal, nós sujeitos habitamos um corpo e nosso corpo pode sofrer padecimentos emocionais que, aos poucos, vão se transformando em fisiológicos e se instalando em nosso organis-mo. As chamadas doenças psicossomáticas atestam isso.

A quarta intervenção psicopedagógica – a segurança e a responsabili-dade dos ensinantes.

Fernández (2001, p. 33a) comenta: “O pai de Silvina sustentava a bicicleta-instrumento-conhecimento-processo-construtivo. Não segurava a menina pela cintura, nem pelas pernas, menos ainda pela cabeça. Assim, facilitou a apropria-ção da autoria”.

O que é preciso para que um ensinante sustente a bicicleta? Métodos dife-rentes? Técnicas de ensino? Diferentes procedimentos pedagógicos e psicopeda-gógicos? Uma equipe multidisciplinar de profissionais presente na escola?

Todos esses elementos sozinhos vão fazer a bicicleta cair e a menina vai se ma-chucar. Para que o ensinante sustente a bicicleta-ferramenta-conceito-construção de conhecimento-espaço criativo-espaço de aprendizagem – e não a criança pelo corpo, ele precisa saber neutralizar a importância da sua figura. Para tanto, precisa estar me-dianamente seguro de si mesmo e ter seus próprios projetos. Em outras palavras, seu êxito como pessoa não depende do êxito de seu aprendente para que ele se sinta feliz. Podemos, e devemos, nos responsabilizar junto com nossos filhos e alunos pelos seus êxitos, mas sabendo que estamos compartilhando essa responsabilidade.

Lembram-se que o pai de Silvina corria ao lado da bicicleta? E se a bicicleta caísse? Provavelmente cairiam os dois. E os dois se responsabilizariam juntos pelo tombo. E se encontrassem uma pedra ou um buraco no caminho que fizesse a bicicleta cambalear? Os dois juntos teriam que encontrar rapidamente uma ma-neira de se desviarem do risco, impedindo, se possível, que a bicicleta caísse.

Tudo isso junto faz com que o terreno em que se encontram ensinantes e aprendentes seja um lugar onde se correm riscos, pois na aventura de aprender nos deparamos sempre com imprevisíveis e ilimitadas possibilidades que se abrem para os sujeitos. Os verbos ensinar e aprender comportam desafios de todas as espécies, assim como viver.

3Os déficits de atenção dos ensinantes podem

ter sido gerados por mode-los autoritários de educação que eles reproduzem no en-sino de seus filhos e alunos. Também podem ser fruto da ignorância acerca do desen-volvimento infanto-juvenil e de teorias de aprendizagem. É preciso lembrar sempre da célebre pergunta de Marx a Feuerbach: Quem educa os educadores?

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Mas, voltemos à questão da responsabilidade. Fernández nos aponta que (2001, p. 33): “A responsabilidade compartilhada exime a imposição de culpas ex-pulsivas ou imobilizantes. A culpabilização do aluno ou do professor é um desvio que impede a chegada à necessária responsabilidade”.

A construção da autonomia carrega consigo a construção da responsabili-dade, pois autonomia significa ser autor de suas próprias regras, ser regulado por normas éticas e morais em conformidade com as leis sociais e, os sujeitos autôno-mos são pessoas responsáveis por si mesmas e, muitas vezes, pelos outros.

Um grande equívoco que acontece no dia-a-dia escolar é confundir constru-ção de autonomia com construção do chamado “espírito competitivo”. Tal equí-voco promove a prática da competição em sala de aula como estratégia de ensino e de aprendizagem. Os professores exigem que seus alunos aprendam em meio a uma corrida, com o perigo de perder, ou de ficar de fora, ou com a obrigação de ser bem-sucedido. A escola, transformada em campo de treinamento e com-petição, é produtora de neurose. E todo o cuidado é pouco na hora que estamos avaliando por meio de notas, pois mesmo que não realizemos competições explí-citas, poderemos estar embutindo rivalidade entre colegas exibindo as notas como troféus e medalhas.

A quinta intervenção psicopedagógica – a criança como mediadora dos contatos diretos.

Como acabei falando de avaliação e notas, no tópico anterior, vou emendar agora com o tema reuniões de pais e professores, fato bastante corriqueiro no dia-a-dia escolar.

A criança não pode ficar indiferente à representação que os adultos têm dela, nem ao futuro que estes lhe reservam. O seu destino está em jogo, mas como é uma criança, os adultos não retiram daí a conclusão que é necessário associá-la aos seus encontros. Essa necessidade parece evidente a alguns poucos professores e pais, mas a maioria pensa que as crianças não estão suficientemente crescidas ou maduras para poderem discutir seu próprio destino. Daí que, muitas vezes, pais e professores se encontram sem conhecimento do interessado: o aluno. Mas mesmo quando este não está a par desses encontros, nem sempre é convidado, ou mesmo informado do motivo exato de tais conversas adultas. Em geral, após o encontro, à criança apenas são transmitidas reproduções parciais: professores e pais filtram a informação de forma que esta se torne compreensiva para não inquietar a criança e não contribuir para lhes frustrar os planos.

Quando está presente, a criança não participa ipso facto da conversa. Na maioria das vezes, os adultos mandam que ela vá brincar, de preferência bem lon-ge do local onde estão reunidos, para poderem falar sem excessivas precauções. É então que a vemos, com um ar aborrecido ou vagamente inquieto, à espera, ao fundo da sala ou perambulando pelo pátio da escola.

Quando é convidada a aproximar-se, a criança pode mostrar-se ambivalente. Talvez quisesse ser uma mosca para não perder nada do que dizem a seu respeito e nem sempre se sente muito à vontade, face a estes adultos que habitualmente enfrenta separadamente, mas que, nesse dia, se encontram reunidos, senão mesmo unidos.

O encontro entre pais e professores materializa o time dos adultos, mesmo quando estão em conflito ou resolvem uma negociação difícil sobre a disciplina,

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as notas ou a orientação escolar. Então, a criança toma consciência de ser objeto de uma decisão conjunta sobre a qual tem tanto menor influência quanto maior for a partilha de informações e o acordo estratégico entre pais e professores.

Alguns alunos pressentem que esses encontros, por mais raros que sejam, limitam a sua (pouca) autonomia. Enquanto go-between4, conservam uma certa margem de manobra, mas quando os pais e os professores se encontram, estrei-tam-se as malhas da rede. Os alunos pressentem (e muito bem, por sinal) que ago-ra as tarefas de que são incumbidos apresentam menos falhas quando são frutos do acordo entre adultos, e tentam assim evitar as alianças muito estreitas entre pais e professores, pessoas de quem mais dependem.

A utilização desse exemplo cotidiano tem a intenção de mostrar, tão con-cretamente quanto possível, que as comunicações entre a família e a escola não poderiam se reduzir às reuniões entre professores e pais, aos encontros, às aulas abertas e às outras formas de participação e de contatos. Por mais próximas e calorosas que sejam, estas comunicações diretas são apenas a parte visível das trocas que, para o remanescente, são mediatizadas pela criança, desempenhando dupla função: mensageira e mensagem, indo e vindo entre dois mundos (pais e professores, ou, família e escola).

Longe de ser um elemento neutro, a criança intervém seletivamente e ativa-mente na comunicação entre pais e professores, que podem ou não pedir para que participe de seus encontros. Se o aluno está presente, a sua participação nem sem-pre se ajusta às expectativas dos adultos; muitas vezes, a criança permanece mais silenciosa ou passiva do que se desejaria, enquanto que, em outras circunstâncias, intervém sem que a tenham convidado para tal e de uma forma que contraria ou desconcerta os adultos.

Parece, então, que não existe saída para tal dilema: se não convidamos a criança para participar de encontros nos quais ela é o assunto principal, estamos lhe excluindo de um processo decisório que lhe diz totalmente respeito. Se a con-vidamos, sua participação é desconcertante. O que fazer?

Minha resposta é: reuniões escolares entre pais e professores para tratar de desempenho acadêmico, disciplina, sexualidade infantil, relacionamento entre colegas e etc., devem ser realizadas na presença e com a participação das crianças, mesmo que essa participação seja silenciosa ou barulhenta. Não importa. Se pre-tendemos, de verdade, formar sujeitos pensantes, críticos, reflexivos e autônomos, precisamos tratá-los com respeito, consideração e dignidade o tempo todo, não importa a idade da criança, desde que não esqueçamos nunca que temos diante de nós um sujeito pensante e não temos o direito de insultar sua inteligência, nem menosprezá-la.

A sexta intervenção psicopedagógica – os espaços de aprender, brincar e trabalhar.

Brincar é descobrir as bondades da linguagem; é inventar novas histórias, é assistir à pos-sibilidade humana de criar novos pulsares, e isso é maravilhosamente prazeroso. Brincar é pôr a galopar as palavras, as mãos e os sonhos. Brincar é sonhar acordado; ainda mais: é arriscar-se a fazer do sonho um texto visível. Um grande obstáculo para instrumentalizar um programa educativo em que a criança e seus jogos estejam no centro é a dificuldade que têm os professores para jogar. (MORALES ASCENCIO, 1995)

4A melhor tradução para essa expressão inglesa é

a nossa expressão brasileira: atraves sador. Seu significa-do, na linguagem cotidiana, é de uma pessoa que se coloca entre o produtor e o consumi-dor. Compra os produtos do produtor e os repassa, com seu formidável lucro embuti-do, para o consumidor.

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A docência exige um trabalho constante consigo mesma, um trabalho de construção de uma postura, de um posicionamento como aprendente, que resulta-rá em modos diversos de ensinar. Para a pergunta: como é que se faz para ser um bom ensinante? A resposta é: sendo um bom aprendente.

A escola, sendo o lugar onde as crianças e jovens encontram-se com adultos investidos socialmente do poder de ensinar, pode possibilitar a potência criativa do brincar e do aprender dos alunos. Isso somente se consegue com ensinantes que desfrutem o aprender, o brincar com as idéias e as palavras, com o sentido do humor, com as perguntas das crianças. E, por favor, não se obriguem à urgência de dar respostas certas; ao contrário, se autorizem a construir novas perguntas a partir das perguntas de seus alunos, se permitam dizer: não sei a resposta, mas podemos tentar descobri-la juntos.

Rodulfo (1990) considera que uma das tarefas psicológicas decisivas para o adolescente é produzir a metamorfose do essencial do brincar infantil no trabalhar adulto. A chave dessa mutação reside na migração do desejo inconsciente de um campo ao outro para que o adolescente possa investir profundamente no trabalho, tal como vinha fazendo com o brincar.

Tal passagem do brincar para o trabalhar pode e deve ser facilitada pela aprendizagem escolar e familiar. Piaget já nos dizia que o trabalho adulto nada mais é do que o jogo simbólico das crianças em outra potência e o que considerá-vamos como uma atividade inferior, o brincar, era o centro gerador de operações mentais sofisticadas e complexas. Então, por que não trazer o brincar e a brinca-deira para dentro da escola e da família?

1. Crie alguns exemplos, retirados do cotidiano, que tratem da diferença entre conhecimento e saber.

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2. A história da bicicleta nos acompanhou durante toda a aula, ilustrando a relação de prazer que pode ser estabelecida entre ensinantes e aprendentes. Que outras histórias você poderia descre-ver sobre essa relação?

3. Além das expressões “preste atenção” e “senta direito”, quais outras expressões você seleciona-ria como nocivas à aprendizagem?

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4. Como você construiria um espaço de autonomia dentro da escola para professores e alunos?

5. É possível transformar as reuniões escolares em espaços democráticos?

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A intervenção psicopedagógica nos processos de aprendizagens individuais e coletivas

N a introdução de seu livro Pedagogia Diferenciada, Perrenoud (2000) nos explica o que signi-fica diferenciar o ensino: fazer com que cada aprendiz vivencie, tão freqüentemente quanto possível, situações fecundas de aprendizagem. Parece uma idéia simples; contudo, envolve

profundas mudanças na escola. De imediato, qualquer que sejam as adaptações feitas à prática peda-gógica de todo o dia, os professores não podem renunciar ao seu papel de ensinante e nem abdicar dos objetivos essenciais da Educação. Então, diferenciar a pedagogia nossa de todos os dias é lutar para que as desigualdades diante da aprendizagem escolar se atenuem e o nível do ensino se eleve. Tornar real uma educação sob medida, conforme a fórmula de Claparède (1973), é a ambição (utópica?) de todos aqueles que acham simplesmente um absurdo sem tamanho ensinar a mesma coisa no mesmo momento, com os mesmos métodos, a alunos muito diferentes.

A Psicopedagogia também acredita que essa homogeneização do ensinar e do aprender é absur-da. Assim, a preocupação em ajustar o ensino às características individuais não surge da utopia e/ou do sonho de uns poucos idealistas, mas do respeito às diferenças entre as pessoas e de um, digamos, bom senso pedagógico, como nos diria Freinet na Pedagogia do Bom Senso.

A indiferença às diferenças, como nos aponta Perrenoud, só tem promovido fracasso escolar, pois transforma as desigualdades iniciais, diante da cultura, por exemplo, em desigualdades de apren-dizagem e, posteriormente, desigualdades de êxito escolar.

Apesar das evidências e das análises progressivamente mais precisas realizadas por pesquisas educacionais a partir dos anos 60 na Europa, e dos anos 80 no Brasil, a fabricação do fracasso escolar persiste. O modo dominante de organização da escolaridade não mudou: agrupam-se os alunos con-forme a sua idade (o que supostamente indica um nível de desenvolvimento igual) e seus conhecimen-tos acerca dos conteúdos escolares, em turmas, que a escola insiste em acreditar que são homogêneas, pelo menos o suficiente para que cada aluno possa assimilar o mesmo conteúdo programático durante o mesmo tempo – um ano letivo.

Na aula anterior, a partir do exemplo da bicicleta, discutimos as ferramentas-conceito que os professores dispõem em sua função ensinante. Também refletimos sobre os desafios e riscos que os aprendentes precisam suportar na aventura de aprender. Por mais incrível que isso possa parecer, superar os obstáculos que surgem na trilha da aprendizagem é um prazer que alimenta a inteligên-cia, que dá sabor ao conhecimento e mais saber ao inconsciente. E ainda mais, os professores que se engajam nessa aventura, sentem as mesmas emoções dos alunos. Lembrem-se: ensinar e aprender só acontecem em um marco relacional.

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Já sabemos que aprender não é simplesmente memorizar, estocar informa-ções, mas é uma ação complexa que envolve todo o sujeito aprendente e reestrutu-ra seu sistema de compreensão do mundo. Essa reestruturação não acontece sem um importante trabalho cognitivo. Ao se engajar no processo de reestruturação, o equilíbrio rompido é restabelecido e o aprendente domina melhor, de maneira prática e simbólica, a realidade. Foi o que aconteceu com Silvina quando seu pai tirou as rodinhas da bicicleta, o equilíbrio anteriormente conquistado (as rodi-nhas) foi desmantelado e uma nova aprendizagem (reestruturação) pôde surgir. Por isso, precisamos ser desafiados sempre. O que implica, na escola, em orga-nizar situações-problema para que os alunos, ao resolvê-las, possam criar outras configurações da realidade.

Uma situação-problema precisa ser previamente organizada pelo professor em torno da resolução de um obstáculo pela turma, obstáculo previamente iden-tificado. Por exemplo, estamos no início do ano letivo (março) em uma classe de alfabetização, a professora já identificou os diferentes níveis psicogenéticos em que se encontram seus alunos no processo de aquisição da leitura e da escrita. Ao invés de separá-los em grupos usando como critério esses níveis, permite que eles se organizem como quiserem e propõe, como situação-problema, que cada grupo escreva listas diferentes de compra de supermercado: materiais de limpeza, legumes, frutas, carnes, grãos etc. Cada grupo precisará, primeiro, classificar os produtos (uma situação-problema) e, depois, resolver o obstáculo da escrita. Ou seja, a professora trabalhou com a turma, em um sistema de co-operação,1 dois conteúdos: raciocínio lógico-matemático (classificação dos produtos do supermer-cado) e a construção da linguagem escrita. E a tarefa não precisa se esgotar no mesmo dia, pode e deve continuar no dia seguinte, é só trocar as listas, para que outros grupos tenham acesso ao que foi escrito, ampliando e corrigindo (por quê não?) o que os colegas fizeram.

Mas, a aprendizagem individual foi esquecida? Claro que não! Os alunos trabalharam em pequenos grupos (máximo de cinco crianças) e cada um, ao con-tribuir com a lista coletiva, aprendeu. Além disso, ao lerem as listas confecciona-das pelos outros grupos, mais aprendizagens foram realizadas: leitura, ampliação do conteúdo das listas e correção dos textos. Pois é, as crianças também aprendem quando questionam o certo e o errado, quando têm dúvidas e perguntam, quando são desafiadas a agir em uma tarefa que tenha sentido para elas.

Esse tema da correção nos remete à avaliação escolar da aprendizagem e nos convida a refletir sobre as hierarquias de excelência que são fabricadas no cotidiano da sala de aula. Assim, por exemplo, como interpretamos o conteúdo programático em relação à redação em uma terceira série do ensino fundamental. Esperamos que o aluno seja capaz de escrever um texto simples, legível e contendo algumas idéias-chave organizadas ou entendemos que não podemos aceitar me-nos do que uma pequena dissertação sobre algum tema predeterminado por nós? Um professor pode dar a nota 10 para o primeiro caso (texto simples), enquanto que outro daria 5 e/ou reprovaria o aluno. Temos, então, uma variação imensa em relação às exigências docentes acerca das aprendizagens dos alunos, ou seja, quem escreveu o texto simples aprendeu e quem redigiu a pequena dissertação

1Quando Piaget escreve co-operação em seus

livros, quer significar ope-rações mentais compartilha-das.

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também aprendeu a escrever, certamente tem mais competência, domina melhor a escrita, tem mais talento etc. Mas não é por comparação que chegaremos na nota justa, mas por critérios mais justos para avaliar as aprendizagens.

Continuando com o exemplo acima, devemos perceber como está a escrita de toda a turma, se todos, com exceção de dois ou três alunos, escrevem textos simples, então podemos considerar que a turma sabe escrever e, portanto, pode-mos aperfeiçoar essa habilidade e torná-los mais competentes ainda, criando mais atividades interessantes e significativas que promovam essa competência.

Ao invés de só perceber o que falta em cada criança, por quê não perceber o que os alunos já construíram em termos de conhecimento e, desse ponto, fazê-los avançar ainda mais? Levar em consideração, também, os erros que foram evitados na realização dos novos exercícios – sinal de que a aprendizagem nessa área espe-cífica do conhecimento está construída – além de ser um critério mais justo para julgar a aprendizagem da turma, institui um clima favorável para aprendizagens futuras, a partir do momento que o professor parabeniza os alunos pelo êxito por eles alcançado na tarefa.

Quando a avaliação (formal) concentra-se apenas na contagem de erros, sem a devida análise, os destinos acadêmicos – sucesso ou fracasso escolar – es-tão lançados e as competências reais dos alunos passaram desapercebidas, como se não existissem. Os avanços na aprendizagem, às vezes, mostram-se como erros diferentes, os quais Piaget denominou de erros construtivos. Isso porque, em sua teoria, o conhecimento objetivo aparece como uma aquisição e não como um dado inicial. O caminho em direção a este conhecimento objetivo não é linear: não nos aproximamos dele passo a passo, juntando peças de conhecimento umas sobre as outras, mas sim por meio de grandes reestruturações globais, algumas das quais são “errôneas” (no que se refere ao ponto final), porém “construtivas” (na medida em que permitem aceder a ele). Toda obra de Piaget abunda em exemplos de tais erros construtivos. Citando apenas um: os julgamentos de equivalência numérica que se baseiam na igualdade de fronteiras entre duas coleções – quando a criança julga que há igual quantidade de elementos em duas filas de objetos cujos limites coincidem independente do fato de que em uma haja cinco, espaçados entre si, e na outra sete, menos espaçados – constituem um progresso notável em relação à etapa anterior, na qual não há critério estável para julgar a equivalência quantita-tiva entre duas coleções, e mesmo que levem a criança a cometer erros sistemáti-cos, estes erros são construtivos, não impedindo, mas sim permitindo o acesso à resposta correta.

Em outras palavras, quando uma criança diz “eu fazi”, ela não regulariza os verbos irregulares “porque sim”, ou porque ela é “burrinha”, nem julga da equi-valência entre duas coleções pela equivalência das fronteiras “porque sim”. Esses são erros sistemáticos e não erros por falta de atenção ou de memória. Nosso de-ver, como psicopedagogos e professores é tratar de compreendê-los; o dever dos pedagogos é levá-los em consideração, e não colocá-los no saco indiferenciado dos erros em geral. É preciso permitir aos aprendentes que passem por períodos de erro construtivo em seus processos de construção dos conhecimentos. A Psi-copedagogia tem consciência que essa é uma tarefa de fôlego, que demandará de nós uma outra classe de esforços.

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Uma outra classe de argumentos explicativos sobre o fracasso escolar se concentra nas diferenças e desigualdades extra-escolares – biológicas, psicológi-cas, econômicas, sociais e culturais – com o firme propósito de nos convencer que são elas as responsáveis pelas desigualdades de aprendizagem e de êxito escolar. Perrenoud (2000) nos pergunta, então, se não é a escola que assume o papel de indiferença às diferenças? Sim, porque não podemos negar que essas diferenças existem, mas elas não se transformam magicamente em desigualdades na apren-dizagem escolar, a não ser ao sabor de um funcionamento discriminativo do ensi-no, de sua maneira particular de tratar as diferenças.

Atualmente, depois de mais de vinte anos de debates sobre a diferenciação possível e desejável do ensino, a maioria dos sistemas escolares ainda mantém amplamente a ficção segundo a qual todas as crianças de seis anos, que entram na primeira série da escola obrigatória, estariam igualmente desejosas e seriam capazes de aprender a ler e a escrever em um ano letivo. Embora todo mundo saiba que isso é falso, a tal ficção permanece no princípio da estrutura escolar: faixas etárias dos alunos e distribuição do programa em graus anuais. No início da escolaridade obrigatória, as diferenças de idades são as únicas que a escola aceita levar em conta. Para afrontar a imensa diversidade de ritmos de desenvolvimento, a Pedagogia preferiu esconder a cabeça na areia, tal qual o avestruz quando tem medo de alguma coisa, preferindo ignorar essa questão.

Mas, então como lidar com as diferenças de ritmos de desenvolvimento e aprendizagem? Tendo como base a teoria piagetiana, vemos que o desenvolvimen-to cognitivo, o desenvolvimento afetivo e o desenvolvimento social são insepará-veis. Piaget (1936) atribuiu nítida importância às relações sociais entre as crianças para o desenvolvimento afetivo e intelectual. Quando as relações ocorrem entre iguais (alunos), a cooperação torna-se uma possibilidade real. Embora o compor-tamento parcialmente socializado seja evidente desde o início da linguagem oral, Piaget afirma que é em torno dos sete ou oito anos – com o nascimento das ope-rações cognitivas – e com o fim do egocentrismo pré-operacional, que ocorre o progresso sistemático da cooperação. Isto é facilmente percebido na compreensão das regras, nos jogos infantis. Segundo youniss e Damon (1992, p. 273), “Piaget descreveu as relações infantis entre os pares como o contexto ideal para a coope-ração. Seu raciocínio dizia que, como praxe, os colegas teriam de colaborar para ficarem juntos, já que o relacionamento entre eles baseava-se na reciprocidade simétrica”.

As crianças têm potencial para interagir socialmente com os outros enquan-to iguais, mas normalmente com os adultos elas interagem como se fossem infe-riores (respeito unilateral). Os conflitos entre as crianças são superados por inter-médio da autêntica cooperação. Youniss e Damon (1992, p. 273) continuam:

Piaget afirmou enfaticamente que no processo de descoberta e prática dos procedimen-tos que medeiam a cooperação entre os colegas, as crianças criam um senso comum de solidariedade social. Há confiança no processo que requer a cooperação dos outros (...) e ela está baseada na compreensão mútua que resulta da troca de idéias nas comunicações infantis.

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Assim, Piaget considerou dois tipos de raciocínio moral-interpessoal ocor-rendo paralelamente na criança do período pré-operacional. As interações com os adultos são, em geral, baseadas no respeito unilateral, enquanto que as interações com os colegas, nas quais os problemas que surgem são solucionados entre eles, gradativamente se baseiam no respeito mútuo (cooperação). Portanto, a maneira como as crianças interagem distintamente com os seus pares e com os adultos apresenta resultados diferentes para o seu desenvolvimento.

No nível das operações concretas, o raciocínio e o pensamento adquirem mais estabilidade em relação ao pensamento pré-operacional. A capacidade para racio-cinar torna-se cada vez mais lógica e menos sujeita às influências das contradições perceptuais aparentes. A reversibilidade do pensamento e a descentração ajudam a trazer consistência e conservação ao raciocínio infantil operacional concreto.

Estes fatores não influenciam apenas o desenvolvimento cognitivo, mas tam-bém o desenvolvimento afetivo. Durante o estágio operacional concreto, os afetos adquirem uma medida de estabilidade e consistência que não apresentavam antes.

Durante o desenvolvimento das operações concretas, as operações reversí-veis internalizadas (reversibilidade) se manifestam no julgamento afetivo infantil. As origens da reversibilidade na vida afetiva eram observadas no pensamento pré-operacional. Nesse período, os sentimentos não eram totalmente “conserva-dos” e o afeto era pré-normativo; mas, em virtude de os sentimentos do cotidiano poderem ser representados e lembrados, os sentimentos atuais passaram a ser relacionados com os anteriores2.

Em torno dos sete ou oito anos emerge a conservação dos sentimentos e dos valores. As crianças tornam-se aptas a coordenar os seus pensamentos afetivos de um evento para outro. Com o passar do tempo, o que é preservado ou conservado são alguns aspectos dos sentimentos do passado. O pensamento afetivo é agora reversível. O passado pode ser transformado em uma parte do raciocínio presente por meio da capacidade de reverter e de conservar.

Piaget (1981, p. 60) sugeriu que a interação social, durante o estágio pré-opera-cional, encoraja o desenvolvimento da conservação de sentimentos.

A vida social requer que o pensamento adquira uma certa permanência. Para que isto ocorra, a atividade mental não pode mais ser representada em termos de símbolos pesso-ais, tais como as fantasias dos jogos simbólicos, mas deverá ser expressa em termos de significados universais, tais como os signos lingüísticos (linguagem). A uniformidade e a consistência da expressão reforçada pela vida social desempenham, entretanto, uma grande parte no desenvolvimento das estruturas intelectuais com suas conservações e invariâncias; e ela irá conduzir a transformações análogas no domínio das emoções. Com efeito, a permanência, obviamente isenta de sentimentos espontâneos, irá assemelhar-se com sentimentos sociais e, especialmente, os morais.

Com isso, percebe-se que as atividades em grupo promovem diferentes tipos de aprendizagem: intelectual, social, afetiva e moral. Além disso, é em grupo que os alunos criam uma relação menos utilitarista com o ensino e com o conhecimen-to. É por meio das interações com os colegas que as crianças vão compreendendo o sentido daquilo que aprendem, pois não basta que o conhecimento seja inteligí-

2O comportamento pré-normativo é aquele que

não é regulado por normas ou valores construídos pelo sujeito.

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vel e/ou assimilável, é necessário que esteja ligado às outras atividades humanas. Assim, por exemplo, uma tarefa proposta para o grupo pode estar articulada com a história daquele conteúdo que está sendo ensinado. Caberá ao grupo realizar uma pequena pesquisa para descobrir como aquele conhecimento específico foi desenvolvido e transmitido para a humanidade e porque é conveniente apropriar-se dele.

O sentido do conhecimento, em questão, pode dizer respeito à estética, à ética, ao desejo filosófico de compreender o mundo ou de partilhar uma cultura. É tarefa da escola situar o conhecimento em universo de sentidos e de práticas para que os alunos o ampliem, pois sabemos que os conhecimentos desprovidos de sentido desaparecem rapidamente da memória, uma vez terminada a prova. Mas, como o aluno promove a ampliação dos sentidos presentes no conhecimento? Efe-tuando um retorno sobre o seu próprio processo de aprendizagem, interrogando e questionando, de alguma maneira externa, com a ajuda de seus pares, de seus mestres e dos suportes culturais necessários, a própria dinâmica da transferência do conhecimento. O que é chamado, hoje, de metacognição.

Como é perceptível, o processo de aprender é dinâmico e complexo, ne-cessitando assim de um ensino ainda mais dinâmico. Uma boa estratégia para promover a dinamização do ensino e fornecer ao trabalho escolar um verdadeiro sentido é a instauração do contrato didático. Como fazer isso?

Para responder essa pergunta preciso começar pelo que há de mais óbvio: qualquer contrato precisa ser negociado antes e, nesse caso – um contrato didáti-co entre professor e alunos – parto do pressuposto que o professor deseja escutar as reivindicações dos alunos, ajudá-los a formular seus pensamentos, ouvir suas queixas e ir junto com a turma elaborando os compromissos mútuos que envolvem as ações de ensinar e aprender. Desde os mais rotineiros, como por exemplo:

Estabelecer os dias da semana em que haverá deveres de casa; como será feita a correção; o peso dessa tarefa na avaliação bimestral etc.

Estabelecer como serão montadas as tarefas de grupo: número de parti-cipantes, modalidades de participação etc.

Uma vez estabelecido um contrato didático que regula e dá o tom do traba-lho escolar, temos um contrato social de fato e de direito. Temos co-responsáveis nesse contrato, ao invés de uma única autoridade na turma: o professor. O que não significa que o mestre tenha renunciado ao seu ofício, à sua liderança e ao seu lu-gar de ensinante. Porém, temos agora uma outra situação educativa – uma relação mais horizontal e democrática foi instituída na sala de aula, como são as relações no mundo extramuros escolares.

Na aula anterior, exploramos bastante, por meio do exemplo da bicicleta, a afirmativa: ninguém aprende no lugar da criança, mas ninguém aprende sozinho. Agora, vamos interpretar essa afirmativa sob a ótica das aprendizagens escolares que acontecem simultaneamente no aluno (individualmente) e na turma (coletiva-mente).

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A melhor maneira de visualizarmos essa situação é deslocando-a para o ce-nário da sala de aula e imaginando uma tarefa de grupo. Uma situação-problema foi trazida pelo professor como um trabalho que deve ser realizado em um deter-minado tempo, por quatro ou cinco alunos. Assim, em uma turma de primeira série, vivenciando os dias que antecedem as festas de São João, o professor decide junto com os alunos organizar a festa da turma. E é a própria organização da festa que será transformada em situação-problema, pois dentre os inúmeros preparati-vos é necessário:

decidir os tipos de comida e bebida;

os enfeites;

a montagem da barraca;

a quadrilha e as vestimentas;

as músicas que serão tocadas;

o casamento: noivos, padrinhos, pais e padre;

Cada grupo de alunos, além de ficar com uma dessas tarefas, deve fazer o levantamento do custo total, do quanto caberá a cada aluno no rateio do dinheiro para financiar a festa. Assim, várias aprendizagens podem acontecer em uma úni-ca tarefa interdisciplinar, e serem realizadas de forma individual e coletiva.

Para lidar com o ensino de forma diferenciada, é necessário romper com as pedagogias de transmissão e investir na atividade intelectual e afetiva dos alu-nos, o que faz do mestre um mediador entre alunos e conhecimentos. É preciso também promover duas rupturas: a primeira, com a mesmice de exercícios, espe-cialmente para os alunos considerados mais lentos e, a segunda, com o excesso de oportunidades para os mais rápidos. Isso provoca uma exclusão cada vez maior dos alunos lentos, que levará ao fracasso escolar. E, ainda mais, nada garante que a rapidez dos alunos mais rápidos signifique aprendizagem, podendo ser somente puro ativismo.

Em outras palavras, se pretendemos diferenciar o ensino precisamos dife-renciar também o tratamento dispensado às diferenças entre os alunos. E não vai ser punindo os alunos mais lentos, que estaremos fazendo justiça; pelo contrário, precisamos favorecer a inclusão desses alunos no ritmo da turma. A solução é criar situações de aprendizagem que possibilitem aos mais lentos mostrarem sua agilidade mental e acelerarem seu ritmo e, aos mais rápidos, situações em que a velocidade de execução seja um impedimento para resolução da tarefa. Trocando os sinais estaremos priorizando a auto-regulação das aprendizagens.

Outra ruptura necessária é com a idéia de remediação a posteriori – a fata-lidade da recuperação, como se alguns alunos estivessem predestinados a serem recuperados. Como se fossem doentes crônicos escolarmente. Lamentavelmente, muitos professores cruzam os braços diante desses alunos e esperam o bimestre terminar, para “ver como é que fica”, se a recuperação poderá “dar um jeito” neles, nem que seja um remendo provisório. O que fazer nesses casos? Penso que o me-

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lhor é não permitir que os vírus da apatia e da inércia se instalem na sala de aula e acabe por contaminar a todos. Muitas vezes esses vírus tomam a forma de per-feccionismo pedagógico e os professores criam a ilusão que podem ensinar tudo a todos por meio de “boas” aulas expositivas, o que provoca um retorno à pedagogia da transmissão para uma platéia de alunos mudos. Por não se contentarem com a idéia de aprendizagens em processo e querendo vê-las rapidamente prontas e aca-badas, caem na armadilha de aulas pré-fabricadas, retiradas dos livros didáticos. Também, por não quererem ser julgados como incompetentes por seus colegas, acabam perdendo a medida das competências infantis, transformando seus alunos em miniaturas de adultos.

Uma saída para esse risco, o perfeccionismo pedagógico, é compartilhar com os alunos a correção dos deveres de aula e de casa. Pois, além da correção ser também um momento de aprendizagem e de descoberta, o professor deixa de ser o único juiz supremo da corte escolar. Trabalhos escolares podem ser trocados e todos interagem na correção.

De uma maneira ou de outra, estamos, desde o início dessa aula, apostando em situações de aprendizagem que estimulem a auto-regulação. Esse é um desafio permanente para o professor que rompe com o circuito fechado de procedimentos de sala de aula e pode inovar. Vocês já se perguntaram, por exemplo, por que as tarefas escolares precisam ser realizadas em um único dia? Por que as tarefas não podem durar uma semana ou quinze dias? Por que não trabalhar com projetos que necessitem de tempos maiores, pré-fixados com os alunos por meio do contrato didático? Tudo isso junto favorece a auto-regulação das aprendizagens (individu-al e coletiva). E permite a construção de uma nova equilibração cognitiva, diria Piaget.

Para pedagogia diferenciada é extremamente importante que o professor abra espaço tanto para a história quanto para o projeto pessoal de cada aluno. Sabemos que fora da escola, a complexidade da realidade social nos bate no rosto e precisamos ser malabaristas, sem rede; na aventura de viver cada dia, nos arris-camos, erramos, tropeçamos, caímos e levantamos novamente. Portanto, a escola não pode preparar o aluno para a vida fechando-se ao mundo externo, distancian-do-se das vivências dos alunos e de suas práticas sociais e culturais. Para tanto é preciso saber: quais são os itinerários de vida que os alunos imaginam para si mesmos? Quais as estratégias projetadas para essas trilhas?

Se considerarmos os saberes acumulados pelos alunos como elementos da caixa de ferramentas pedagógicas do professor e/ou de sua reserva de materiais didáticos, estaremos apostando em um novo espaço de aprendizagem e, ainda mais, estaremos comprometendo os alunos em suas próprias aprendizagens.

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1. Que outros aspectos da organização escolar você destacaria como responsáveis pelo fracasso dos alunos?

2. Porque a avaliação formal (provas e testes) fabrica uma hierarquia de excelências na escola?

3. Quais as diferenças que você vê nas carreiras escolares de alunos provenientes da rede particu-lar de ensino e os da rede pública?

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4. Quais os fatores extra-escolares que determinam o sucesso escolar?

5. Porque é importante que o conhecimento escolar faça sentido para o aluno?

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Inclusão escolar: dissonâncias entre teoria e prática

A relevância do tema inclusão escolar não se limita apenas à população dos alunos com neces-sidades educacionais especiais. A inclusão educacional não é somente um fator que envolve essas pessoas, mas, também, as famílias, os professores e a comunidade, na medida em que visa construir uma sociedade mais justa e conseqüentemente mais humana.

A convivência com a comunidade como um todo visa ampliar as oportunidades de trocas so-ciais, permitindo uma visão bem mais nítida do mundo. Quanto mais cedo for dada a oportunidade de familiaridade com grupos diferentes, melhores e mais rápidos se farão os processos de integração. Dessa maneira, o sentimento de mútua ajuda far-se-á quase que naturalmente e num tempo surpreen-dentemente mais rápido, fazendo do ambiente escolar o principal veículo para o surgimento do ver-dadeiro espírito de solidariedade, de socialização e dos alicerces dos princípios de cidadania. Como todo ser humano, a possibilidade de acesso ao conhecimento da cultura universal contribuirá para que suas habilidades e aptidões sejam desenvolvidas.

O princípio da inclusão é um processo educacional que busca atender a criança portadora de deficiência na escola ou na classe de ensino regular. Para que isso aconteça, é fundamental o suporte dos serviços da área de Educação Especial por meio de seus profissionais. A inclusão é um processo inacabado que ainda precisa ser freqüentemente revisado.

Na certeza de que a pesquisa empírica de cunho qualitativo é um instrumento valioso para esta revisão, resolvemos analisar algumas falas de professores, onde os mesmos expõem opiniões sobre este modelo que nos direciona a uma Educação que “deve ou deveria” valorizar a diversidade das manifestações humanas.

A importância da inclusão educacional e seu modelo de atendimento

Entre os diversos motivos relevantes da inclusão educacional da pessoa portadora de deficiên-cia, destacam-se os princípios de justiça e igualdade, pois todos têm direito à oportunidade de acesso à Educação, nas mesmas condições. A observância deste preceito proporcionará, no futuro, aos defi-cientes físicos, uma participação social integrada aos demais membros de sua comunidade.

A Educação Inclusiva tem sua história influenciada por dois marcos importantes: o primeiro se deu em março de 1990, quando foi realizada em Jomtien, na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, com a proposta da Cepal/Unesco: – Educação e Conhecimento, onde o objetivo foi examinar o encaminhamento e enfrentamento da exclusão escolar; o segundo, se deu no ano de 1994, na ocasião em que se realizou uma conferência na Espanha, em Salamanca, onde foi elabora-

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da um documento denominado Declaração de Salamanca sobre as necessidades educativas especiais: acesso e qualidade. Tal documento enfatiza, entre outras questões, o desenvolvimento de uma orientação escolar inclusiva.

Além de contribuir para a socialização de alunos portadores de necessidades educacionais especiais, a Educação Inclusiva favorece a um melhor desenvolvi-mento físico e psíquico dos mesmos, beneficiando também os demais alunos que aprendem a adquirir atitudes de respeito e compreensão pelas diferenças, além de receberem uma metodologia de ensino individualizada e disporem de maiores recursos. Serão também obedecidos os princípios de: igualdade de viver social-mente com direitos, privilégios e deveres iguais; participação ativa na interação social e observância a direitos e deveres instituídos pela sociedade. É exigida uma maior competência profissional, projetos educacionais bem elaborados, currículos adaptados às necessidades dos alunos, surgindo, conseqüentemente, uma gama maior de possibilidades de recursos educacionais.

Este novo paradigma educacional procura fazer com que todos os alunos portadores de deficiência, independentemente do comprometimento, tenham acesso à educação de qualidade, prioritariamente, na rede regular de ensino, pro-curando a melhor forma de desenvolver suas capacidades.

Norteiam a Educação Inclusiva os seguintes objetivos:

atender portadores de deficiências em escolas próximas de suas residên-cias;

ampliar o acesso desses alunos nas classes comuns;

fornecer capacitação aos professores propiciando um atendimento de qualidade;

favorecer uma aprendizagem na qual as crianças possam adquirir conhe-cimentos juntas, porém, tendo objetivos e processos diferentes;

desenvolver no professor a capacidade de usar formas criativas com alu-nos portadores de deficiências a fim de que a aprendizagem se concreti-ze.

O modelo da inclusão procura romper com crenças cristalizadas pelo para-digma que o antecedeu, o da integração, que era baseado em um modelo médico, onde a deficiência deveria ser superada para que o aluno chegasse o mais perto possível do parâmetro normal, vendo os distúrbios e as dificuldades como disfun-ções, anomalias e patologias. Este tipo de visão tinha preceitos que, durante muito tempo, segregaram as diferenças, norteando-se pelo princípio da normalização, que privilegiava aqueles alunos que estivessem preparados para se inserirem no ensino regular; ou seja, a tese defendida era a que quanto mais próximo da norma-lidade, mais apto o aluno está para freqüentar o ensino regular.

Portanto, a inclusão busca derrubar este tipo de visão, defendendo a idéia de que o ensino se constrói na pluralidade e na certeza de que os alunos não são, em qualquer circunstância, capazes de construírem sozinhos seu conhecimento de mundo. O processo de aprendizagem se funde na interação, a partir da qual desenvolve uma forma humana e significativa de perceber o meio.

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Contudo, por meio de pesquisa realizada em escolas que receberam alunos com paralisia cerebral, constata-se que apesar do processo de inclusão se encon-trar presente na escola, ainda existem profissionais que não acreditam neste pro-cesso, por motivos diferentes, preferindo, muitas vezes, não se comprometer com o trabalho de inclusão, até porque acreditam que o atendimento, em separado, é o melhor caminho, mantendo-se a visão de ensino segregado.

Realidade da inclusãoApesar de garantida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em

1996, a filosofia da inclusão não se consolidou na forma desejada. É preciso, antes de qualquer ponto, que os professores se adaptem a este novo processo, enten-dendo que há necessidade de um novo olhar para os portadores de necessidades educacionais especiais. É importante que sejam revistos os conceitos e precon-ceitos existentes para que seja possível a elaboração de um trabalho educativo de qualidade.

Com esta perspectiva, fomos ouvir os profissionais de três escolas muni-cipais do Rio de Janeiro, localizadas num bairro da zona norte da cidade, que receberam alunos com paralisia cerebral.

Professores acham que não há problemas com a inclusão

Para muitos professores, a inclusão é vista como uma prática positiva, tanto para o aluno portador de paralisia cerebral, quanto para os outros alunos. Esses professores nos relataram que não existe nenhuma interferência negativa desse aluno no desenrolar de suas aulas, como se destacou a fala de um professor sobre a solidariedade da turma com esse aluno, assim como sobre a aceitação da turma por outro professor:

“Não, não acho que interfira não, porque os alunos, eles são muito solidários com este tipo de aluno. Os colegas mesmos, procuram ajudar muito. Não interfere não de maneira nenhuma”.

“Não interfere em nada, nada. Pelo contrário, ele faz parte da turma. Eles são extrema-mente bem aceitos e a turma brinca muito com eles e eles respondem, se interagem numa boa”.

A solidariedade e a aceitação são valores importantes na relação humana. É importante que a escola incentive esse sentimento solidário, pois, dessa forma, estará contribuindo para uma sociedade melhor, com igualdade e justiça para to-dos. A presença do aluno portador de paralisia cerebral favorece a oportunidade de gerar, em sala de aula, este tipo de postura diante da vida.

No entanto, ainda há muitos professores que dizem existir problemas na inclusão destes alunos, enfatizando-se dois tipos de problemas: os estruturais e os causados pelas peculiaridades dos alunos. Verificamos, também, que todos os en-

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trevistados nunca haviam trabalhado nenhum tema referente a pessoas portadoras de deficiência em sala de aula, evidenciando-se, com isso, a falta de naturalidade para tratar da questão. Este é um fato que deve nos preocupar, na medida em que causa prejuízo não só à inclusão, mas no que não é falado e fica no domínio do juízo consensual.

A análise do material coletado mostra a falta de entendimento do processo de inclusão e do desconhecimento de práticas que atendam a este novo paradigma educacional.

Problemas estruturaisA impressão que tivemos diante das falas relativas aos problemas estrutu-

rais é que as mesmas têm sido incorporadas mais como justificativa para o não fazer e não se empenhar na busca da excelência do processo de inclusão escolar desses alunos, do que propriamente ser um problema a ser resolvido. Uma das falas aponta a duração do tempo de aula como curta para dar um bom atendimen-to a esses alunos: “Sinceramente não, porque a gente não tem tempo, quarenta minutos na sala mal dá para você dar aula, quanto mais para ter este atendimento individualizado”.

É verdade que quarenta minutos de aula é tempo insuficiente para se co-nhecer uma turma; no entanto, ao receber um grupo de crianças com o qual vai trabalhar, o professor necessita conhecê-los. Uma outra questão é quanto ao apro-veitamento deste tempo, se há na classe uma criança que necessita de um prazo maior para a execução de sua tarefa, é inegável que o planejamento de seu trabalho necessita dar conta deste aluno dentro do limite estabelecido como tempo de aula. Entretanto, algumas simples adaptações podem ser implementadas para agilizar processos nos quais esses alunos teriam dificuldades. O uso de papel carbono e uma folha à parte em um caderno de outro aluno, tirar fotocópia deste caderno, o uso de gravador e a preparação pelo professor de textos explicativos são procedi-mentos simples que podem facilitar a vida escolar deste educando, diminuindo a preocupação do professor com as necessidades especiais dos alunos portadores de paralisia cerebral durante as aulas. Isso irá minimizar o tempo gasto com cópias ou anotações realizadas tanto pelo aluno com dificuldades motoras, quanto as feitas pelo professor no intuito de auxiliar este aluno.

O tamanho das turmas foi outro problema apontado pelos professores: “Com as turmas grandes como a gente tem, eu acho complicado sim, eu acho complicado”.

Realmente, quando a turma é numerosa, o trabalho docente fica comprome-tido em qualquer situação regular e, mais ainda, com alunos incluídos. Mas esse problema não afeta somente os alunos portadores de paralisia cerebral; ele afeta todos aqueles que venham a possuir alguma dificuldade que exija uma atenção maior do professor. Por isso, reforçamos o que já foi dito: a importância funda-mental de se conhecer o grupo com o qual se vai trabalhar!

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O modelo da inclusão convida os professores a terem um olhar para cada aluno, para poderem conceder direitos iguais a todos, como nos lembra Stainback e Stainback (1999, p. 29):

Se realmente desejamos uma sociedade justa e igualitária, em que todas as pessoas te-nham valor igual e direitos iguais, precisamos reavaliar a maneira como operamos em nossas escolas, para proporcionar aos alunos com deficiências as oportunidades e as habi-lidades para participar da nova sociedade que está surgindo.

O processo de mudanças operacionais nas escolas só irá ocorrer na medida em que essas instituições reconheçam sua responsabilidade com todos os alunos, evitando haver preferências ou discriminações, dando ao professor melhores con-dições de trabalho e uma remuneração que evite a necessidade de se trabalhar em mais de uma escola. Aliás, tivemos este fato comentado por um dos professores entrevistados:

“Eu tenho 6 turmas nesta escola, não trabalho só aqui, mal tenho condição. Isto é muito bonito, mas, se tivesse condição para trabalhar com um grupo de pessoas que pudesse trabalhar. Aí com certeza, quem me conhece, saberia que eu ia buscar todos os recursos possíveis e imaginários para ajudar”.

Estamos solidários com este professor que nos aponta as condições inóspi-tas de seu dia-a-dia profissional. Porém, a busca de informação está relacionada com o interesse; logo, a falta de tempo pode atrapalhar, mas não é impeditiva para se buscar conhecimentos, de vez que será ele o alimentador de nossa prática. O professor precisa estar ligado a novas idéias, novas descobertas, novas situações, tanto internas quanto externas à escola onde leciona. A falta de tempo não pode ser uma justificativa para uma inércia intelectual, sustentada pela idéia de que se ele tivesse condições seria diferente.

Problemas causados pelas peculiaridades dos alunos

Algumas falas apresentadas sinalizam para a existência de problemas rela-cionados às peculiaridades desses alunos, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento do trabalho programado. Vejamos:

“Claro, interfere. Ele, praticamente, dificulta a dinâmica, ele cessa, a gente não pode apli-car a dinâmica, tem que fazer uma derivação. A gente tem que fazer uma improvisação. Mas nunca é boa esta improvisação, porque o próprio meio, os próprios alunos, que não são portadores de deficiência, discriminam”.

“Interfere no momento em que você tem que diminuir o número de trabalhos de grupo, porque quando você está dando aula normal no quadro, giz, livros didáticos a acompa-nhante consegue passar a aula para a aluna, mas quando o trabalho é um trabalho de criação de grupo, quer dizer não é esta aluna que está criando nada. Ela simplesmente está sentada, dentro de um grupo, mas não está tendo possibilidade de criar, porque se for criar quem vai criar será a acompanhante da aluna”.

As falas apresentam conceitos preconceituosos que não justificam a interfe-rência desses alunos na turma. Primeiramente, adequar uma dinâmica à turma é sempre necessário, considerando-se a própria composição do grupo de alunos, in-

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dependentemente de se ter ou não alunos portadores de necessidades educacionais especiais: em segundo lugar, não expressar-se convencionalmente não significa impossibilidade de criação. O que ambas as falas indicam é a visão tradicional de comportamento humano.

Reconhecer dificuldades é salutar, porque nos propicia a busca de alternati-vas que visam a superá-las. Mostrar aos demais alunos que existem outras formas de comunicação é estabelecer um clima de respeito às individualidades e cami-nhar rumo à inclusão.

Argumentos a favor ou não da inclusão Durante as entrevistas também surgiram posicionamentos quanto à crença

no paradigma da inclusão, nas quais uns destacaram argumentos a favor e outros se mostraram reticentes. Começaremos pelas falas que indicam argumentos favo-ráveis à inclusão e depois passaremos a análise daquelas desfavoráveis à mesma.

“Na socialização, na hora em que ele faz amigos, onde o colega vê que existe outra pessoa diferente e que é tão importante quanto ele”.

“Eu acho muito importante em termos de socialização, em termos do se sentir: eu sou diferente, mas posso ser igual.”

“Eu acho que ele fica superfeliz, porque ele participa da mesma forma que os outros, ele tem amizades, ele tem uma vida normal igual aos outros alunos”.

“Eu acho importante, pois permite a uma criança destas, que antigamente ficava isolada, ter um maior contato com outras crianças, crianças que não são como ela, que não têm a deficiência que ela tem”.

Mais uma vez destacamos nestas falas a total falta de conhecimento so-bre os princípios da inclusão e os procedimentos a serem adotados para sua im-plementação. Estes depoimentos, recheados de forte preconceito, visualizam a possibilidade de existência de uma homogeneidade em uma sociedade marcada por diversidades étnicas, culturais e sociais. Por este motivo, falam de triagem – seleção de iguais e criticam a inclusão culpabilizando a escola por receber todos que a procuram, passando a idéia de que a heterogeneidade é a grande vilã do fracasso escolar. A força de seu argumento vem por meio da utilização de termos pejorativos – aleijado para indicar crianças com deficiências e animais para os de-mais – como responsáveis pelo insucesso na escola, esquecendo-se de que o grave problema se encontra nas práticas pedagógicas adotadas.

Um último argumento que acreditamos ser urgente o seu repensar, se en-contra no conteúdo do próximo depoimento: “Ainda não, acho que ainda não tem este comprometimento não. Por mais apoio que as pessoas da Coordenadoria, venham e orientem a gente, é muito pouco”. Podemos observar aqui que a falta de apoio ao professor acarreta pouca crença na implementação da inclusão, ficando estes educadores dependentes do trabalho do professor itinerante.

Para que se realize a inclusão escolar efetiva destes alunos é necessário que haja troca de informações entre a família do aluno, a escola e a comunidade, como nos propõe Carvalho (1998, p. 193): “A operacionalidade da inclusão de qualquer aluno no espaço escolar deve resultar de relações dialógicas envolvendo família,

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escola e comunidade, de modo que cada escola ressignifique as diferenças indivi-duais, bem como reexamine sua prática pedagógica”.

Acreditamos que, por meio de um diálogo mais efetivo de todos aqueles que fazem parte da rotina deste aluno, dentro e fora da escola, e inclusive com o próprio aluno, pois ninguém melhor do que ele para saber do que necessita, é que iremos construir uma escola inclusiva e democrática.

As demais falas são lamentáveis, se comparadas aos objetivos que funda-mentam a Declaração de Salamanca e que ganhou destaque justamente por se constituir em um avanço considerável, sendo capaz de indicar aos governos as metas de trabalho, que devem dar um amplo nível de prioridade política e finan-ceira a fim de aprimorar seus sistemas educacionais com objetivo de incluir todas as crianças sem excluir nenhuma diferença ou dificuldades individuais.

Reconhecemos que já existem várias instituições de ensino superior que oferecem formação de professores com enfoque na Educação Inclusiva, tanto nos cursos de graduação quanto nos cursos de pós-graduação. Porém, é de funda-mental importância que haja trabalho de capacitação para os professores que já estão na rede regular de ensino, vivenciando ou prestes a vivenciar a experiência de ter um aluno portador de necessidades educacionais especiais inserido em sua classe.

ConclusãoNão se pode perder de vista que estamos inseridos em uma lógica de modelo

econômico-neoliberal – que surgiu como uma forma de reestruturação do capita-lismo, tornando-se cada vez mais difícil a manutenção do Estado de Bem-Estar Social. Instalou-se uma política de mercado na qual o Estado Mínimo se caracte-riza pela intervenção do Estado, de acordo, apenas, com o interesse daqueles que têm o domínio do capital. Assim, as políticas sociais têm se subordinado à lógica do mercado.

Este modelo econômico vem dificultando mais ainda às pessoas portadoras de deficiência e às demais minorias, o acesso aos direitos de igualdades de condi-ções. Se fôssemos nos guiar pela lógica intrínseca deste modelo político, não ha-veria motivos para investir na educação de uma pessoa, que é tida, muitas vezes, como improdutiva. Assim, tal lógica é estimuladora da propagação de um estigma para com esta pessoa e revela um imaginário social carregado de preconceitos.

A falta dessa urgência em se realizar uma inclusão de qualidade, dando ênfase a uma eficaz capacitação, baseada nas afirmações das potencialidades que variam de acordo com as peculiaridades de cada aluno, mas que certamente todos as possuem, pode nos levar a compactuar com a lógica neoliberalista. Esse mode-lo político-econômico pode nos levar a uma descrença ideológica ou a uma total falta de ideologia.

Neste sentido, se não houver empenho em fazer valer os preceitos que nor-tearam a Declaração de Salamanca, estaremos deixando que, como vimos neste

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trabalho, os depoimentos contra o processo de inclusão, quer por descrenças, quer por falta de conhecimento, interfiram nas ações profissionais, impedindo um di-reito que no passado ou era negado ou era eleito àqueles que estivessem o mais perto possível da norma, mas, principalmente, no próprio destino destes alunos que já estão incluídos em escolas de ensino regular.

Cabe-nos registrar a nítida dicotomia entre teoria e prática, contida nas fa-las dos profissionais que deram seus depoimentos sobre o processo de inclusão, considerando que estas turmas já contam com a presença de alunos portadores de necessidades educacionais especiais. E, por suposto, esta divisão tão demarcada apresenta conseqüências expressivas no processo de inclusão, apontando para o fato de que não é realizado de maneira minimamente articulada, nem segue uma orientação mais uniforme. Ele se faz (ou deixa de ser feito) de acordo com a per-cepção de cada professor a respeito de seu aluno.

Este desequilíbrio entre teoria e prática nos leva a crer que para a efetivação de uma mudança de consciência dos profissionais será preciso validar todo este constructo teórico por meio de uma inclusão eficaz. Fica evidente que o processo de formação dos profissionais de ensino precisa urgentemente ser avaliado, bem como capacitar aqueles que já se encontram na força de trabalho é tarefa de on-tem!

Finalizando, urge uma discussão séria quanto aos princípios norteadores da Educação Inclusiva, bem como a implementação de políticas que visem ultrapas-sar o ceticismo que tomou conta da Educação nos últimos anos.

A aula de hoje nos traz as diferentes visões que circulam no campo educacional a respeito do processo de inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais, apontando, inclu-sive, para a dissonância entre teoria e prática.

1. Levante os conceitos embutidos nas falas dos professores que fizeram parte da pesquisa, a favor do processo de inclusão, e discuta com seus colegas.

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2. Você já teve a oportunidade de trabalhar com um aluno portador de paralisia cerebral? Conte para seu grupo sua experiência. Depois registre-a.

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3. Os questionamentos e as dúvidas provocadas por este texto precisam ser anotados e discutidos com os seus colegas.

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Escola Inclusiva: as crianças agradecem

A década de 1990 foi rica no estabelecimento de metas sociais para a Educação, trazendo à cena os excluídos, os menos favorecidos, os portadores de deficiências, os analfabetos, os evadidos e tantos outros que, por alguma razão, não mais freqüentavam a escola ou nunca tinham tido

acesso a ela.

A realização do Congresso Mundial de Educação para Todos, em 1990, na Tailândia, contribuiu para que fossem criadas duas metas de importância capital para uma sociedade democrática – a erra-dicação do analfabetismo e a universalização do Ensino Fundamental, comprometendo-se as Nações que dele participaram, como o Brasil, a promover ações que visassem à erradicação do analfabetismo em um prazo de dez anos.

Como vimos, com a realização da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Espe-ciais: Acesso e Qualidade, realizada em 1994, na Espanha, nasce a Declaração de Salamanca, que representa “os princípios, a política e a prática em Educação Especial”. Reforçando as metas do Con-gresso da Tailândia, a Conferência assume o compromisso com a inclusão, por reconhecer que “in-clusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao desfrutamento e exercício dos direitos humanos” (Declaração de Salamanca, 1994).

Não há como negar a importância social das metas estabelecidas, na medida em que explicitam o direito de todos à Educação, exigindo, com isto, o ajustamento dos sistemas escolares no sentido de rever paradigmas e melhorar o ensino oferecido.

As três metas hoje colocadas favorecem a valorização da escola, reconhecendo ser ela um espa-ço privilegiado para a construção de uma sociedade democrática, apontando não só para a qualidade de ensino, como para a possibilidade de contribuir para as modificações de atitudes discriminatórias, já que na escola inclusiva, com a presença das diversidades sociais e culturais, hão de se criar meca-nismos que minimizem as barreiras elitistas presentes hoje na sociedade.

Essa proposta anuncia que a função da escola é buscar condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades para o exercício da cidadania, entendendo que o termo “necessidades educacionais especiais” se refere a “todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem” (Declaração de Salamanca, 1994).

No entanto, dadas as dificuldades em implementar as propostas anunciadas, a Unesco chama para uma reunião os ministros da Educação da América Latina e do Caribe para a realização da VII Sessão do Comitê Intergovernamental Regional do Projeto Principal para a Educação, em março de 2001, em Cochabamba, na Bolívia, que originou um documento que reafirma a importância de se consubstanciar as metas de universalização do Ensino Fundamental e a erradicação do analfabetismo, ampliando o prazo de execução para 2015.

No Fórum Mundial de Dacar, em abril de 2000, foram levantados alguns aspectos de relevân-cia para o cumprimento das metas estabelecidas, passando a ser conhecida como “Seis Metas para a Educação para Todos”, adotadas pela Unesco como bandeiras de sua ação e que prevêem:

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expandir e melhorar a Educação e cuidados com a infância, em particular para as crianças em situação de vulnerabilidade;

assegurar para todas as crianças, especialmente meninas, em circunstân-cias e provenientes de minorias étnicas, o acesso a uma educação primá-ria universal de qualidade;

assegurar que as necessidades básicas de aprendizagem dos jovens sejam satisfeitas de modo eqüitativo, por meio de acesso a programas de apren-dizagem apropriados;

atingir até 2015, 50% de melhoria nos níveis de alfabetização de adultos, em particular mulheres, em conjunção com acesso eqüitativo à educação básica e continuada;

eliminar, até 2005, as disparidades de gênero na educação primária e se-cundária e atingir até 2015, a igualdade de gênero no acesso à educação básica de qualidade;

melhorar todos os aspectos relacionados com a qualidade da educação, de modo a atingir resultados reconhecíveis e mensuráveis para todos, em particular na alfabetização e nas habilidades, (Unesco, 2001).

As propostas que visam tornar a Educação um dos caminhos capazes de promover a melhoria da realidade social brasileira tem recebido apoio direto da Unesco, no sentido de fornecer ao governo cooperação para o desenvolvimento de ações direcionadas ao aprimoramento e democratização da educação em todos os seus aspectos.

Neste sentido, duas questões são de fundamental importância para o êxito da escola inclusiva: a formação dos professores e a proposta político-pedagógica da escola, considerando que sem o conhecimento básico sobre as diversidades culturais e sociais destes novos personagens que chegam à escola e sem uma pro-posta pedagógica definida, não há como se manter as crianças na escola.

A política de acesso é muito mais fácil de ser exercida do que a política de manutenção das crianças na escola, mesmo por um período considerado mínimo necessário para a aquisição de uma escolarização bem-sucedida. A proposta de inclusão tem como pressuposto o sucesso de cada criança por meio da utilização de uma pedagogia centrada no aluno, a fim de que se possam ultrapassar as difi-culdades apresentadas, mesmo com as que possuem “desvantagens severas”.

Essas questões aqui apontadas indicam a necessidade de uma política edu-cacional que inclua efetivamente a todos, mas principalmente que os mantenha na escola por um período necessário à sua escolarização.

Formação dos professoresEsta preocupação também se encontra contemplada e reforçada no docu-

mento final de Cochabamba, que em seu artigo 3.º fala da insubstituibilidade do professor com vista a “assegurar um aprendizado de qualidade na sala de aula”,

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indicando ainda a necessidade de se repensar a formação dos professores, confor-me expresso no documento:

A função e a formação docente necessitam ser repensadas com um enfoque sistêmico que integre a formação inicial com a continuada, a participação efetiva em projetos de aperfei-çoamento, a criação de grupos de trabalho docente nos centros educacionais e a pesquisa numa interação permanente. (Documento de Cochabamba, 2001)

No Brasil, este tema vem sendo discutido sistematicamente nos encontros de professores desde a década de 80, tendo como referenciais o caráter político da prática pedagógica e o compromisso do educador com as classes populares. Os debates, nesses primeiros anos, enfatizavam a formação técnica, que envolvesse tanto o conhecimento específico de determinado campo, quanto o conhecimento pedagógico, porém, sem desconsiderar a questão política do futuro professor.

A preocupação com o fracasso escolar alimentou, ainda, nesta década, os debates quanto aos fatores intra-escolares responsáveis pela baixa qualidade do ensino, apontando para o fato de que as escolas precisavam estar organizadas de forma a neutralizar, o mais que possível, esses determinantes externos e, que, através da competência técnica, o professor teria condições de assumir seu com-promisso político.

Essas discussões ocuparam o cenário educacional durante uma década, sem que houvesse avanços significativos no campo teórico e na implementação de ações concretas. Hoje, as discussões continuam centradas na defasagem entre a preparação oferecida pelas escolas/instituições formadoras e a realidade da ativi-dade prática futura. É inegável a inadequação destes cursos na preparação com-petente de profissionais para o exercício de suas atividades.

Será preciso vencer as pressões institucionais que dificultam as mudanças, como será necessário que os cursos se voltem para desenvolver o futuro profis-sional quanto à habilidade de identificar e equacionar os problemas da prática pe-dagógica. Será preciso, ainda, que estes cursos, quanto à prática, aliem a teoria à realidade a ser vivenciada. Caso contrário, continuaremos formando profissionais com visão completamente desconectada da realidade do cotidiano escolar.

As instâncias formadoras dos profissionais da Educação – escola normal, as licenciaturas específicas e as licenciaturas em pedagogia se encontram desar-ticuladas. A formação fragmentada do professor tem contribuído para uma série de dificuldades na escola, principalmente na articulação do trabalho pedagógico coletivo e interdisciplinar. Se a formação acaba apostando na individualização e na fragmentação do currículo, como querer que o profissional entenda o trabalho interdisciplinar necessário à escola?

Os professores reagem inicialmente ao trabalho da escola, que se encontra organizada coletivamente, desprezando a possibilidade de uma educação conti-nuada em serviço, por meio de encontros sistemáticos para este fim, porque en-tendem que sua formação em instituições acadêmicas, já lhe permitiu adquirir conhecimentos suficientes para desenvolver seu trabalho profissional. Com isso, não reconhecem a escola enquanto espaço de formulação e reformulação da prá-tica pedagógica. O insucesso de seu trabalho, evidenciado pelas altas taxas de

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repetência, muitas vezes, não só lhe trazem desconforto, como busca entendê-los como algo externo à sua prática. Tem sido habitual nos cursos de formação inicial e na educação continuada a separação entre teoria e prática, ocasionando uma fragmentação de conteúdo e de prática, essencialmente sensível no fazer pedagó-gico da escola.

Diante do novo paradigma educacional, que traz novos personagens para a escola, com uma riqueza de saberes a serem desvelados, é muito importante que a formação dos futuros profissionais dê conta de estratégias e alternativas capa-zes de instrumentalizá-los para o desenvolvimento de um trabalho profissional competente. Sabemos, por outro lado, que, paralela à competência, a prática do professor muitas vezes é limitada em relação à rotina da escola. Daí a necessidade de se sedimentar conhecimentos que facilitarão o desempenho profissional, em consonância com o plano pedagógico coletivo da escola. Plano este que precisa dar conta das diversidades existentes hoje, considerando que a Escola Inclusiva aposta em um currículo centrado no aluno, como forma de ajudá-lo a superar suas dificuldades.

Projeto Político PedagógicoMuito se tem falado e poucas escolas conseguem elaborar o seu projeto

político-pedagógico, considerando que o conceito e as observações técnicas não foram, ainda, devidamente absorvidas pelo professorado. Ainda encontramos pla-nos didáticos, planos de unidade, planos de disciplinas com nomeação de Projeto Político Pedagógico. Neste momento em que se discute a Escola Inclusiva, é ur-gente que se organize a escola em prol deste projeto, a fim de buscar a sustenta-ção política e pedagógica das ações que serão desenvolvidas na consecução de implantar a escola inclusiva. O Projeto Político Pedagógico é um planejamento coletivo, com a participação de todos os envolvidos no processo educacional – do-centes, funcionários, alunos e seus pais, com vista a torná-lo compatível com os anseios da comunidade escolar. Não é possível pensar em um planejamento que não esteja em acordo com as aspirações dos alunos e de sua comunidade. Este projeto é, portanto, o eixo de sustentação da escola.

Para se elaborar o Projeto Político Pedagógico é importante que se pense na realidade global do homem e da sociedade, principalmente a respeito da realidade do grupo e da instituição que ele integra. Diagnosticar a demanda, isto é, verificar quantos são os alunos, onde estão e porque alguns não freqüentam a escola é um passo importante para o projeto. Não será possível a elaboração de um currículo que reflita o meio social e cultural em que se insere, sem que a escola conheça os seus alunos. A integração entre as áreas do conhecimento e a concepção transver-sal das novas propostas de organização curricular considera as disciplinas como meios e não fins em si mesmas e parte do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber.

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Neste sentido, cresce a importância de se conhecer a realidade socioeco-nômica-política geral e a realidade do grupo para que se possam definir ações que efetivamente contribuam para a melhoria do homem e da sociedade. A partir desse conhecimento propõe-se um modelo de ação do grupo para realizar os fins que se quer alcançar, estabelecendo um modelo de metodologia capaz de realizar o conjunto de ações propostas pelo grupo.

Definidos os primeiros passos – os referenciais filosóficos e o diagnóstico de sua realidade e de seu alunado – é chegado o momento de se pensar na progra-mação, ou seja, nas propostas de ação que deverão contemplar as necessidades apontadas pelo diagnóstico.

Como último aspecto, é feita a avaliação ao término dos períodos previstos e se começa a verificar a concretização ou as falhas existentes na programação. É neste momento que se verificam quais ações foram executadas, que atividades fo-ram realizadas, se as propostas estavam de acordo com as necessidades do grupo e se elas promoveram vivências previstas, bem como se ajudaram na construção de uma prática transformadora.

Respondidas as questões, parte-se para a análise dos resultados e com ela se colocam as novas necessidades para o período seguinte.

Entendendo que a escola é o espaço social que reúne profissionais distintos e recebe uma clientela igualmente distinta, guarda, em si, singularidades que lhes são próprias, impedindo que o projeto elaborado por uma determinada escola possa ser utilizado em outra escola. O projeto político-pedagógico é elaborado para atender uma determinada clientela e não outra. Foi pensado por um grupo de profissionais e sua comunidade, com vista a dar conta de uma determinada peculiaridade e não outra. Portanto, ele é de exclusividade da comunidade que o elaborou.

Esta nova proposta traz consigo a necessidade de revisar os papéis desem-penhados pelos diretores e coordenadores no sentido de superarem o teor contro-lador e burocrático de suas funções pelo trabalho de apoio ao professor e a toda comunidade escolar. Lembrem-se de que este trabalho exige o desenvolver de um esforço coletivo que promove maior autonomia pedagógica, administrativa e financeira à escola.

ConcluindoA Educação Inclusiva é peça-chave para que o Brasil dê conta de sua res-

ponsabilidade junto aos organismos internacionais quanto às metas do Congresso Mundial da Tailândia, como para as contidas na Declaração de Salamanca. Muito se há de fazer para que tenhamos êxito na concretização deste novo paradigma educacional.

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Não resta dúvida de que o século XXI será rico em debates sobre questões que possam assegurar a implantação e o desenvolvimento da Educação Inclusiva, numa perspectiva de que se dê ao longo da vida, que tenha qualidade e, principal-mente, melhore nossa capacidade de vivermos juntos.

Além das reformas das instituições sociais enquanto tarefa técnica, a De-claração de Salamanca afirma que “ela depende acima de tudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a sociedade”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já indica o compromisso brasileiro com a Escola Inclusiva, onde garante a matrícula de todos os alunos em escolas públicas ou privadas. No entanto, não basta a lei. Será preciso dar conta de viabilizá-la, já que mudar a escola é uma tarefa bastante complexa, onde se apre-sentam várias frentes de ação, tais como a qualidade da aprendizagem, o tempo mínimo de escolarização, a manutenção do aluno na escola, os cursos de forma-ção, e tantas outras a listar. Nesse sentido, cabe um alerta aos governos, que não devem se descuidar da valorização do profissional da Educação, que é responsável pela tarefa fundamental da escola – a aprendizagem qualitativa de seus alunos. Há necessidade de se repensar planos de cargos e salários, concursos públicos que dêem conta da necessidade funcional e concursos de remoção. A Declaração de Cochabamba reconhece que além das tarefas técnicas e pedagógicas, esta também é de relevância, a ponto de constar no próprio documento final.

precisamos considerar com urgência todos os outros temas que afetam a capacidade dos professores de realizar suas tarefas em condições de trabalho apropriadas, que abram oportunidades para o crescimento profissional contínuo: remuneração adequada, desen-volvimento profissional, aprendizado ao longo da carreira, avaliação do rendimento e res-ponsabilidade pelos resultados no aprendizado dos estudantes. (2001, item 3.º)

Priorizar a qualidade do ensino regular é um desafio que precisa ser as-sumido por todos os profissionais, entendendo que a Educação, por si só, não conseguirá eliminar a pobreza, mas que ela representa “a base para o desenvolvi-mento pessoal, tornando-se determinante na melhoria significativa da igualdade de acesso às oportunidades de uma melhor qualidade de vida.” (Declaração de Cochabamba, item 4.º, 2001)

Como já vimos, embora a nossa Lei de Diretrizes e Bases aponte para a uni-versalização do Ensino Fundamental, não estamos perto de encontrarmos escolas prontas para receber o novo contingente de alunos previsto pela inclusão.

Há de se considerar, ainda, que apesar dos esforços governamentais em ga-rantir o acesso à matrícula a todos os que estiverem em condições de freqüentá-la, isto não torna garantida a universalização do Ensino Fundamental, já que persis-tem as altas taxas de repetência e de evasão escolar. Isto significa que nem todas as crianças completam a educação básica, não adquirindo, portanto, uma escola-rização que lhes permita acesso ao mundo do trabalho.

Apostar na Educação Inclusiva é acreditar que seremos capazes de con-tribuir para uma transformação social que trate efetivamente a todos dentro dos princípios da igualdade, da solidariedade e da convivência respeitosa entre os indivíduos. Acreditar no processo de inclusão é viabilizar a possibilidade de se buscar alternativas de permanência do aluno na escola, respeitando seu ritmo de

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aprendizagem e elevando sua auto-estima. É banir em definitivo o hábito de excluir, que tanto tem empobrecido a sociedade brasileira. É reconhecer que somos diferentes, mas que devemos ter as mes-mas oportunidades de acesso a uma vida melhor. É permitir que cada indivíduo possa entender como se dão as relações de poder na sociedade e possam exercer seu papel cidadão, enquanto contribuintes, na construção de uma nação solidária. Nossas crianças agradecem!

Em nossa aula de hoje você teve a oportunidade de conhecer o histórico do processo de inclu-são, bem como as etapas que precisarão ser revistas em nosso cotidiano escolar.

1. Em sua escola o processo de discussão já começou?

2. Você conhece alguma escola que já está recebendo os novos alunos? Busque junto a seus cole-gas quem já está experimentando esse processo de inclusão e registre a seguir.

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3. Anote os pontos que mais se destacaram em sua leitura e discuta junto com seus colegas.

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Parte I

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas De um povo heróico o brado retumbante, E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdade Conseguimos conquistar com braço forte, Em teu seio, ó liberdade, Desa�a o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido De amor e de esperança à terra desce, Se em teu formoso céu, risonho e límpido, A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza, És belo, és forte, impávido colosso, E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada, Entre outras mil, És tu, Brasil, Ó Pátria amada!

Dos �lhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil!

Parte II

Deitado eternamente em berço esplêndido, Ao som do mar e à luz do céu profundo, Fulguras, ó Brasil, �orão da América, Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra, mais garrida, Teus risonhos, lindos campos têm mais �ores; “Nossos bosques têm mais vida”, “Nossa vida” no teu seio “mais amores.”

Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo O lábaro que ostentas estrelado, E diga o verde-louro dessa �âmula – “Paz no futuro e glória no passado.”

Mas, se ergues da justiça a clava forte, Verás que um �lho teu não foge à luta, Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada, Entre outras mil, És tu, Brasil, Ó Pátria amada!

Dos �lhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil!

Atualizado ortogra�camente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográ�ca celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.

Hino NacionalPoema de Joaquim Osório Duque Estrada

Música de Francisco Manoel da Silva