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Introdução da Antologia de Contos de Terror e do Sobrenatural (1959)1 Brenno Silveira
{IX}2 As histórias de terror e mistério exerceram sempre profunda fascinação sobre o homem. Nos
países de clima frio, principalmente, os serões de inverno – estação do ano em que homens, mulheres e
crianças eram forçados, pela inclemência do tempo, a uma reclusão quase completa em suas casas – as
lendas e histórias constituíam (e ainda hoje constituem, em muitas regiões rurais) um dos meios mais
comuns de suportar a monotonia das horas.
E que histórias poderiam, mais do que as histórias de terror e do "sobrenatural", prender, de
maneira mais cabal, a atenção de tais ouvintes, em geral incultos e supersticiosos? Eram narrativas que
versavam sobre um tema eterno, isto é, o da situação do homem num mundo geralmente hostil, cheio de
perigos e de mistérios inexplicáveis.
É verdade que, com todos os progressos da ciência, o mundo em que vivemos se tornou e está se
tornando, cada vez mais, menos hostil. O homem tem aprendido a subjugar as forças cegas da natureza e a
pô-las a seu serviço. Mas há, no mundo, mistérios em que o homem não penetra – mistérios em que o
homem talvez jamais penetre. E é em torno de tais mistérios que giram, quase sempre, as histórias que
mais fascinam os homens, em sua generalidade.
Ninguém sabe dizer, com certeza, quando surgiu, entre as criaturas humanas, o temor do
sobrenatural. É provável que tal temor date da época em que o homem começou a usar as suas faculdades
intelectuais. A princípio, o homem viveu num mundo terrivelmente adverso, inóspito, cujos terrores hoje
mal podemos imaginar. É possível que, nesse mundo, haja havido lendas de dragões, monstros e demônios
terríveis, memórias {X} raciais de uma era anterior aos mais primitivos ancestrais de que temos notícia.
Mas, de certo modo, os temores mais espantosos de certo não eram inspirados por animais ou coisas reais,
mas por "forças" sobrenaturais criadas pela imaginação.
Os estudos sobre magia e religião, tanto entre os selvagens modernos como no seio das tribos
primitivas, acentuam a semelhança existente, em todas as épocas e lugares, entre suas crenças e costumes.
O medo da morte e da influência, sobre os vivos, do "espírito" dos que morriam, constituiu um dos fatores
mais poderosos na formação das religiões primitivas.
Com o advento das grandes civilizações do mundo antigo, tais terrores não se dissiparam. Embora
suas manifestações houvessem adquirido formas menos bárbaras, continuavam a ensombrecer a
imaginação dos homens, chegando, com frequência, a exercer sua influência sobre as religiões da época.
No Egito, havia os sombrios mistérios dos ritos sacerdotais. Na Grécia e em Roma, adoravam-se os deuses e
espíritos do mundo dos mortos.
1 In: SILVEIRA, Brenno. Antologia de contos de terror e do sobrenatural. Seleção, tradução, introdução e notas de
Brenno Silveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959. (“Panorama do conto universal”, volume 3) 2 Os números entre chaves ao longo do texto referem-se ao número da página no texto original.
Foi, porém, nos países nórdicos, com suas sombrias florestas, que os poderes sobrenaturais
conservaram bem vivos todos os seus terrores. O profundo misticismo dos povos célticos e teutônicos
preparou terreno fértil para as sementes plantadas, séculos mais tarde, pela fecunda imaginação dos
homens da Idade Média. Gnomos, vampiros, feiticeiras, demônios e espíritos maus de toda espécie,
povoavam de terrores a imaginação do povo. A magia negra, a adoração de Satanás, as orgias dos Sabbats
das Feiticeiras, as blasfêmias da Missa Negra, eram práticas comuns.
Na Renascença, persistiam ainda muitas dessas antigas crenças em terrores e poderes
sobrenaturais. Na obra de Shakespeare, verdadeiro representante de sua época, surgem muitos fantasmas,
feiticeiros e aparições sinistras. A lenda do homem que vendeu a alma ao diabo – o famoso Dr. Fausto – foi
aproveitada pelo poeta e dramaturgo inglês Christopher Marlowe, sendo levada à cena, pela primeira vez,
em 1587 e publicada em 1594. Dois séculos mais tarde, Goethe tratou do mesmo tema, de forma poética e
filosófica.
Na era moderna, as histórias de terror encontraram expressão literária na pena de Horace Walpole,
Conde de Oxford, que, em 1764, ao publicar a sua novela O Castelo de Otranto, criou, nas letras inglesas,
esse novo gênero, que haveria de {XI} florescer, nas Ilhas Britânicas, com um vigor jamais superado em
qualquer outra literatura. Os ingleses são, com efeito, mestres nesse gênero literário.
Antes de Walpole, tais histórias não passavam de anedotas ou meros episódios, tratados apenas
perfunctória e ocasionalmente por outros autores. Como o cenário em que se desenrola a narrativa de O
Castelo de Otranto é um castelo gótico do século XIII, o nome de "Gothic Romances" foi adotado pelos
cultores desse gênero literário, que tinham, a princípio, na citada obra de Walpole, o seu grande modelo.
Incentivados pelo entusiasmo popular com que os contos de terror e do sobrenatural eram sempre
acolhidos, outros autores procuraram seguir, com maior ou menor êxito, as pegadas de Walpole. Mas não
há dúvida de que as melhores novelas de terror e mistério, aparecidas durante o século XVIII foram Os
Mistérios de Udolfo, de Ann Radcliffe, e O Monge, de M. G. Lewis, publicadas, respectivamente, em 1794 e
1796.
Existem ou Não Fantasmas?
Desde a mais remota antiguidade os homens têm acreditado em fantasmas. E não apenas isso: têm
afirmado que os veem, ouvem e até, mesmo, que sentem fisicamente o seu contato. E não pode haver
dúvida de que, reais ou imaginários, tais fenômenos despertam, em geral, terror, quando os indivíduos que
os experimentam se acham sozinhos.
Herbert Wise e Phyllis Fraser, que elaboraram a mais extensa antologia de contos de terror e do
sobrenatural até hoje publicada3, escreveram: “Quanto ao que respeita à ciência, jamais houve qualquer
resposta satisfatória. Sociedades de Pesquisas Psíquicas têm florescido em todo o mundo, mas suas
3 Great Tales of Terror and the Supernatural editada pela "The Modem Library", Nova Iorque, 1944.
conclusões jamais encontraram ampla aceitação. E nenhuma das ciências naturais jamais determinou se há
quaisquer rasgões ou brechas na cortina impalpável que separa, de todos os tremendos mistérios que
jazem além, o mundo natural que conhecemos”.
{XII} Muitas tentativas têm sido feitas no sentido de se desvendar os fenômenos psíquicos
anormais. William James sentiu-se fascinado pelo problema, mas jamais chegou a qualquer conclusão
positiva. Homens eminentes como Sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, Sir Oliver Lodge, o
ilustre físico britânico, Harry Price, Diretor do Laboratório Nacional de Pesquisas Psíquicas, da Inglaterra, F.
W. H. Myers – cuja obra A Personalidade humana e sua sobrevivência após a morte corporal é clássica no
gênero – bem como muitos outros pesquisadores de renome, trataram exaustivamente do assunto.
E que provam todos esses estudos e pesquisas? Provam que não só os homens do povo, mas
cientistas e intelectuais ilustres se preocupam em investigar essas manifestações “sobrenaturais”, que
constituem o tema de muitos dos contos incluídos nesta antologia.
Se tais fenômenos "residem" na mente do homem ou estão "fora" do homem, é coisa que ainda
ninguém sabe com certeza. Mas que existem, é coisa de que não se pode duvidar.
"Então existem ou não fantasmas?", poderá alguém perguntar. Se o leitor quiser saber o que a
ciência tem a dizer a respeito, recomendo-lhe o livro Guide to Modem Thought, de C. E. M. Joad, Diretor do
Departamento de Filosofia do Birkbeck College, da Universidade de Londres. É um "livro de bolso", de
preço acessível. Trata do assunto de maneira sucinta, mas suficiente.
Apenas como curiosidade, poderei acrescentar que, no dia 17 de julho de 1943, apareceu no The
New Yorker, de Nova Iorque, uma nota referente a um certo Dr. Oskar Goldberg, "cientista alemão de
indubitável reputação, que conta com o apoio de Thomas Mann, Albert Einstein e outros alemães de igual
envergadura". O Dr. Oskar Goldberg, interessado em fantasmas e assombrações, anunciava que pretendia
"fotografar aparições por meio de raios ultravioletas, a fim de provar, completa e cientificamente, a sua
existência".
Infelizmente, nada sei do resultado de sua experiência. Deixando de lado a parte séria do assunto,
vou reproduzir aqui, com o intuito de tornar mais amena esta Introdução, duas anedotas correntes entre
intelectuais de língua inglesa.
{XIII} A primeira refere-se ao grande poeta Coleridge. Conta-se que, certa vez, uma de suas
admiradoras lhe perguntou: O senhor acredita em fantasma?" O poeta adotou um ar sério e respondeu:
"Não, minha senhora. Já os vi demasiado para que possa acreditar neles!"
A outra é esta:
Um indivíduo excessivamente tímido e assustadiço seguia apressadamente por um corredor escuro,
quando foi de encontro, de repente, a um vulto que ocupava quase toda a passagem, e cuja aproximação,
certamente, não notara.
– Puxa! – exclamou o tímido. – Que susto me pregou!
Durante um instante, poderia jurar que o senhor era um fantasma!
– E o que, meu amigo, o leva a crer que eu não o seja? E desapareceu.
Os contos escolhidos para esta antologia são uma seleção do que de melhor existe, no gênero, em
língua inglesa. Não inclui contos de outras procedências porque, em inglês, a messe é fartíssima e de
primeira qualidade. A única exceção é constituída pela inclusão, neste volume, do conto "A Magnólia
Perdida, do escritor paulista Luiz Lopes Coelho, extraído de seu livro A Morte no envelope, editado,
recentemente, pela Editora Civilização Brasileira S. A. Embora a referida história faça parte do primeiro
volume de contos policiais escritos em nosso idioma, foi aqui incluída porque constitui também, de certo
modo, uma ''história de terror", a que não faltam muitos dos elementos essenciais a histórias deste gênero.
B. S.