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INTRODUÇÃO
O Desenho sempre esteve associado à linguagem humana. O fato de
que desenhos originaram a linguagem escrita foi comprovado pela existência
de sistemas de escrita bem conhecidos, como o egípcio antigo e o chinês,
ambos originados a partir de metáforas visuais e desenhos.
Segundo Derdyk (1998), o desenho está presente em ilustrações de
um livro, na representação de um mapa, na arquitetura, em logotipos, etc.,
atravessando tempos e fronteiras:
Seja no significado mágico que o desenho assumiu para o homem das cavernas, seja no desenvolvimento do desenho para a construção de maquinários no início da era industrial, seja na sua aplicação mais elaborada para o desenho industrial e arquitetura, seja na função de comunicação que o desenho exerce na ilustração, na história em quadrinhos, o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de abrangência como um meio de comunicação, expressão e conhecimento. (DERDYK, 1998, p.29).
Apesar dos diferentes contextos históricos nos quais estiveram inseridos
os primeiros sistemas de escrita, a presença do desenho como matriz comum a
expressões lingüísticas de diferentes culturas remete-nos a questionamentos
sobre a importância do lúdico na formação da inteligência humana.
O desenho e a atividade lúdica, importantes ferramentas de auxílio à
comunicação entre os povos, sempre estiveram presentes em todas as
sociedades humanas, desde os primórdios da civilização.
Investigações a respeito das relações entre a gênese do pensamento e
a expressão da linguagem humana por meio de desenhos e palavras foram
realizadas, no Ocidente, desde filósofos gregos como Platão e Aristóteles até
as importantes contribuições de pensadores do século XX, como o pesquisador
suíço Jean Piaget, e o teórico bielo-russo Liev Vygotsky, sobre o
desenvolvimento da inteligência humana.
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Os pressupostos teóricos de Piaget difundiram a idéia de que a
aquisição de conhecimentos pelo homem é uma construção que resulta tanto
da interação entre o sujeito e o objeto de sua atenção, quanto de processos
internos de organização do organismo do indivíduo, ao se relacionar com o
mundo que o cerca.
Este aspecto de construção do conhecimento pelo indivíduo caracteriza
o ordenamento teórico de Piaget, e é conhecido como teoria construtivista, ou
construtivismo.
As contribuições de Vygotsky fundamentaram as bases da teoria sócio-
interacionista, ao divulgarem a noção de que é o próprio processo de
aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento das estruturas superiores da
mente humana. Durante este processo, a linguagem atua como o principal
elemento da interação entre seres humanos submetidos a determinadas
condições históricas.
Tanto Piaget quanto Vygotsky consideraram a hipótese de que o
desenho infantil e a atividade lúdica possam exercer papel significativo na
construção da inteligência, aprendizagem e desenvolvimento humanos.
A Psicopedagogia, considerada por esta pesquisa como uma área de
investigação científica cujo objeto de estudo é o indivíduo inserido em
situações de ensino-aprendizagem, compartilha os questionamentos dos
estudiosos acima citados, na tentativa de investigar os modos pelos quais o ser
humano aprende, e como o conhecimento se constrói no indivíduo.
Para Vygostky (1987), o desenho é uma das ferramentas lúdicas através
das quais o pensamento estrutura a linguagem, por meio da decodificação de
símbolos. Para ele, a linguagem, concebida como fenômeno social, enquadra-
se na análise da natureza simbólica de signos lingüísticos.
Ferreiro e Teberosky (1991), pesquisadoras das teorias construtivistas,
concordam com Vygostky (1987) e também consideram o desenho como um
estágio preparatório do desenvolvimento da escrita.
Nesse sentido, o reconhecimento da importância do desenho para o
desenvolvimento da inteligência, bem como das suas possibilidades de
atuação como elemento mediador no contexto de ensino/aprendizagem,
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relaciona-se diretamente ao processo de ensino-aprendizagem da língua
chinesa, visto que os caracteres chineses originaram-se de desenhos.
A necessidade de memorização dos elementos gráficos típicos da
escrita chinesa permite a investigação de hipóteses sobre a utilização de
recursos didáticos alternativos, como por exemplo, o desenho.
Diante do exposto, o presente estudo tem por objetivo investigar a
aplicabilidade do desenho como ferramenta lúdica no Ensino da Língua
Chinesa para alunos do Ensino Fundamental.
De início, fez-se um breve histórico das Teorias de Aprendizagem,
enfatizando a importância das concepções de Jean Piaget e Liev Vygostky
para o desenvolvimento de métodos de ensino-aprendizagem no Ocidente e no
Oriente.
O segundo capítulo abordou a visão psicopedagógica sobre a
participação do desenho e da atividade lúdica no processo de construção de
conhecimentos, interpretado a partir das teorias de Piaget (1972) e Vygotsky
(1987). Também foram estudadas as teorias de Ferreiro e Teberosky (1991)
sobre o processo de construção de conhecimentos relacionados à leitura e
escrita, compreendidas como desenvolvimento posterior das concepções de
Piaget.
O terceiro capítulo discorreu sobre o modo pelo qual as diferenças
morfológicas entre o sistema de escrita das línguas portuguesa e chinesa
podem influenciar os respectivos processos de ensino-aprendizagem das
mesmas. Um breve histórico da formação dos caracteres chineses, a partir de
desenhos, será apresentado.
Por fim, no quarto capítulo, foi investigada a hipótese de utilizar do
desenho como facilitador do processo ensino-aprendizagem da língua chinesa,
a partir das teorias abordadas. Também foram mencionadas propostas de
ensino da língua chinesa adotadas por educadores contemporâneos, no Brasil.
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CAPÍTULO I
TEORIAS DE APRENDIZAGEM
1.1. Jean Piaget e a construção de conhecimentos
O conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas. (PIAGET, 1972.p. 27).
Diversos estudos e discussões acerca da aquisição do conhecimento e
da linguagem têm sido desenvolvidos, desde a Grécia antiga até os dias atuais.
O pensamento humano constitui, até os dias de hoje, uma grande incógnita,
provocando novos experimentos e tentativas de compreender efetivamente seu
funcionamento e evolução.
Uma das mais importantes revoluções no campo da psicologia foi
empreendida pelo doutor em biologia Jean Piaget (1896 - 1980) que, ao tentar
compreender como o pensamento humano se origina, elaborou uma teoria a
que deu o nome de Epistemologia Genética.
Este pesquisador, ao buscar uma teoria que dissociasse a filosofia
clássica da ciência do conhecimento humano, descobriu as particularidades da
inteligência da criança, comprovando cientificamente que o desenvolvimento do
pensamento lógico é anterior à linguagem e à razão.
A ciência psicopedagógica compartilha essas indagações, dedicando-se
a investigar contribuições acadêmicas que possam contribuir para a formação
satisfatória de um sujeito ensinante-aprendente autônomo e capaz de colaborar
para o progresso científico e social. Nesse sentido, o campo de estudo da
psicopedagogia está sempre em busca de respostas às mesmas perguntas:
Como se dá o processo de aquisição de novos conhecimentos pelo homem?
Como o ser humano aprende? Qual é a melhor maneira de ensinar e aprender
uma língua estrangeira?
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De acordo com Madeira (2007), a preocupação central de Piaget
também era entender a gênese das estruturas lógicas do pensamento da
criança e como se organizam suas ações inteligentes.
Para Piaget (1972), o desenvolvimento psíquico é semelhante ao
desenvolvimento orgânico, e ocorre em função da procura por um estado de
equilíbrio progressivo. O autor ressaltou que a inteligência vai se aprimorando à
medida que a criança estabelece contato com o mundo, e adquire experiências
ao agir sobre os objetos de sua atenção.
Deste modo, a inteligência é um processo de adaptação em
busca do equilíbrio entre o organismo e o meio no qual está inserido,
construída através da atividade que permeia as relações entre as experiências
vivenciadas pelo indivíduo e o ambiente. Por exemplo: ao pegar um objeto, o
bebê tem oportunidade de explorar e observar de forma atenta, percebendo
suas propriedades (tamanho, cor, textura, cheiro, etc.) e, aos poucos vai
estabelecendo relações com outros objetos.
Segundo este autor, tal experiência é fundamental para o processo ativo
de construção de conhecimento realizado pela criança, que se constrói
enquanto constrói o objeto, ao mesmo tempo em que se relaciona com o meio
ambiente à sua volta. Conforme Piaget (1972):
O conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente, nem de objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele se imporiam. O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em conseqüência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas. (PIAGET, 1972, p. 14).
Para Piaget (1972), a unidade básica de estrutura do pensamento e
ações humanas é classificada como esquema, e pode ser equiparada ao
processo de mutação e adaptabilidade orgânica que atua na estrutura biológica
do indivíduo durante toda a sua vida. Deste modo, o esquema é a matriz das
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atividades de elaboração de conceitos novos, parâmetros de comportamento e
de organização mental.
De acordo com Piaget (1972), o ser humano desenvolve esquemas para
solucionar problemas relativos às ações que empreende, relacionando
estímulos ambientais às novas necessidades e desafios com os quais entra em
contato. Desta forma, o desenvolvimento cognitivo ocorre através da
transmissão social e da integração entre as experiências cotidianas e a
maturação biológica.
Logo, a experiência cotidiana capacita o indivíduo a adquirir novos
conhecimentos, por meio da conjugação entre sua estrutura psíquica e a
orgânica. O pensamento humano se desenvolve durante este processo de
realização de trocas com o meio ambiente.
Segundo Conceição (2007), a teoria piagetiana concebe o
desenvolvimento da inteligência humana como um processo orientado por dois
princípios básicos: organização e adaptação, que estão presentes em todas as
fases da evolução do homem. O princípio de organização integra todos os
processos biológicos e psicológicos em um sistema global. Já o princípio de
adaptação é o processo pelo qual as novas estruturas mentais são criadas.
Desta forma, este ordenamento teórico compreende o processo de
aquisição de conhecimentos como um conjunto de mecanismos psíquicos e
biológicos integrados, através do qual o conhecimento é construído pela
própria criança em contato com o mundo que a cerca.
Segundo Piaget (1972), o organismo humano está em busca constante
de equilíbrio, a qual é executada por mecanismos que possibilitam o processo
de adaptação às novas situações nas quais o indivíduo se insere no decorrer
de toda sua vida:
De um modo geral, as raízes biológicas das estruturas cognitivas e a explicação do fato de que elas se tornam necessárias não deveriam ser procuradas nem no sentido de uma ação exclusiva do meio, nem de uma pré-formação à base de puro inatismo, mas das auto-regulações com seu funcionamento em circuitos e sua tendência intrínseca ao equilíbrio. (PIAGET, 1972, p. 65).
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Na concepção do autor, a adaptação é a forma adequada para lidar com
situações novas e ocorre através dos processos de assimilação e acomodação.
A partir disso, no que concerne ao comportamento infantil, a manutenção do
equilíbrio entre acomodação e assimilação regula tanto as potenciais
tendências infantis à compulsão por novas experiências, quanto eventuais
propensões da criança ao comodismo e à inércia perante situações novas.
Já a assimilação corresponde à incorporação de um objeto, experiência
ou conceito ao conjunto de esquemas previamente adquiridos pela criança em
sua vivência cotidiana. Tal mecanismo oferece condições para que o
organismo procure solucionar um problema utilizando estruturas mentais
previamente existentes.
Deste modo, o amadurecimento e o crescimento do indivíduo ocorrem a
partir da conjugação entre estes dois processos, que orientam a maneira como
novos conhecimentos são incorporados a sua estrutura psíquica e orgânica, à
medida que ele vivencia novas experiências.
Além disso, estes processos são estruturados de modo que tanto a
indisposição para adquirir novos conhecimentos quanto a ansiedade por
vivenciar novas experiências sejam naturalmente reguladas por estes dois
princípios, que orientam a aquisição de novas informações e comportamentos.
De acordo com as concepções de Piaget (1972) outra forma de
adaptação a novas situações é o processo de acomodação. Neste, o indivíduo
analisa atributos específicos do objeto e procura novas formas de atuação,
selecionando e criando esquemas de ação que se adaptem às circunstâncias
mutáveis nas quais este objeto de sua atenção está inserido.
O processo de equilibração inicia-se com o nascimento da criança e se
desenvolve em quatro estágios distintos e cuja ordem é fixa, nos quais a
abordagem aos diferentes problemas é determinada por uma estrutura mental
característica que imprime diferentes formas de raciocínio.
Durante o primeiro estágio, classificado como Período da Inteligência
Sensório-Motora (de 0 a 2 anos), a criança não percebe nenhuma diferença
entre si mesma e o mundo exterior. Como propõe Piaget, “o lactente não
manifesta qualquer índice de uma consciência de seu eu, nem de uma fronteira
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estável entre dados do mundo interior e do universo externo.” (PIAGET, 1972,
p. 15).
Para o autor, nesta fase, o sujeito ainda não está formado e não iniciou a
construção de sua individualidade, o que só poderá ocorrer quando puder
perceber fatores que estabeleçam distinção entre os elementos do mundo
exterior e sua própria unicidade. Na visão de Piaget, “este adualismo dura até o
momento em que a construção desse eu se torna possível em correspondência
e em oposição com o dos outros.” (PIAGET, 1972, p.15).
Piaget (1972) ressalta que este período ocorre antes da linguagem, e se
caracteriza por atividades físicas dirigidas a objetos e situações externas que
constituem a única maneira pela qual o desenvolvimento cognitivo e orgânico é
possível, visto que o corpo é o centro do mundo do lactente, apesar de que ele
não possui nem mesmo consciência de sua própria individualidade. Diz o autor:
Em uma estrutura de realidade que não comporte nem sujeitos nem objetos, evidentemente o único liame possível entre o que se tornará mais tarde um sujeito e objetos é constituído por ações, mas ações de um tipo peculiar, cuja significação epistemológica parece esclarecedora. Com efeito, tanto no terreno do espaço como dos diversos feixes perceptivos em construção, o lactente tudo relaciona a seu corpo como se ele fosse o centro do mundo, mas um centro que a si mesmo ignora. Em outras palavras, a ação primitiva exibe simultaneamente uma indiferenciação completa entre o subjetivo e o objetivo e uma centração fundamental, embora radicalmente inconsciente em razão de estar ligada a esta indiferenciação. (PIAGET, 1972, p.15).
Às ações descoordenadas iniciais seguem-se movimentos cada vez
mais conscientes, que orientam o desenvolvimento em direção à constituição
do sujeito, e também do objeto, visto que este passa a ter maior grau de
permanência no tempo e no espaço. Este período apresenta três fases
distintas.
A primeira fase classificada como Fase dos Reflexos, na qual estão
presentes impulsos alimentares primitivos, bem como uma predisposição para
maior capacitação motora através de exercícios de repetição de movimentos.
Durante a segunda fase, classificada como Fase de Organização das
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Percepções e Hábitos, ocorre um processo de progressiva autonomia de
movimentos conscientes. A terceira fase, classificada como Fase da
Inteligência Sensório-Motora, refere-se à organização de esquemas de ação,
por meio de processos de seleção e classificação de objetos que possuem
características similares.
Segundo o ordenamento piagetiano, a partir dos dois anos de idade,
ainda na Fase da Inteligência Sensório-Motora, a criança começa a
compreender noções mais complexas de espaço e movimentos, ao entender
que existem conexões espaciais entre objetos e pessoas. Além disso, começa
também a entender relações de causa e efeito, que se originam de ações
realizadas anteriormente, como o fato de que o brinquedo se move ao puxar a
corda. Durante esta fase, a criança começa também a manifestar sentimentos
elementares, ligados à satisfação ou desprazer, como dor e interesse pelo
próprio corpo.
O segundo estágio, classificado como Período Pré-Operacional (2 a 7
anos), caracteriza-se pelo aparecimento da linguagem, bem como pela
capacidade de elaborar narrativas, reconstituindo ações passadas, além da
habilidade de antecipar ações, ou seja, a aptidão para representar
mentalmente eventos, objetos e ações. Durante este período, dinamizam-se
aspectos de organização do pensamento, resultando na interiorização de
palavras e ações à medida que a criança reconstrói os diferentes elementos
com os quais entra em contato, como a passagem do tempo, objetos, além das
diversas representações mentais que começa a realizar. Este período se
subdivide em duas fases.
A primeira fase do Período Pré-Operacional é classificada como Estágio
Pré-Conceitual (2 a 4 anos), no qual a criança inicia processos de
representação simbólica através de atividades de imitação. Nesta fase, a
criança não é capaz de se desprender de seu ponto de vista pessoal e
manifesta tendência a um egocentrismo expresso pela incapacidade de
diferenciação entre seu ponto de vista e os de outras pessoas, bem como entre
suas próprias atividades e as propriedades de transformação que o objeto
possui. Este egocentrismo está presente tanto em sua linguagem, que exprime
sem nenhuma preocupação com o ouvinte, quanto em seu raciocínio, o qual
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não possui capacidade de generalização, operando somente em níveis das
particularidades dos objetos e situações, nunca em aspectos genéricos dos
mesmos.
Além disso, pelo fato de articular suas idéias em pré-conceitos, e não em
conceitos, como um adulto, vincula seu raciocínio a uma realidade simbólica
própria, desvinculada da realidade do mundo à sua volta. Piaget (1972)
observa que:
O ensino que o primeiro sub-estágio do pensamento pré-operatório nos oferece é que, de uma parte, os únicos mediadores entre o sujeito e os objetos são apenas pré-conceitos e pré-relações (sem norma para o “todos” e o “alguns” para os primeiros, nem a relatividade das noções para os segundos.) (PIAGET, 1972, p. 26).
Ainda conforme o autor, durante esta etapa, a criança manifesta
tendência para utilização de símbolos que substituem objetos, lugares e
pessoas, além de desconsiderar o aspecto linear da sucessão de eventos e
passagem do tempo. Devido a esta propensão, movimenta seu pensamento,
indiscriminadamente, em direção ao passado e ao futuro.
Piaget (1971) sustenta que, nesta fase, inicia-se o aperfeiçoamento da
capacidade de pensar em um ente que não esteja circunscrito ao campo
imediato da visão da criança, ou seja, a mente infantil já consegue representar
mentalmente pessoas e objetos ausentes.
O surgimento desta nova habilidade possibilitou o estudo das
representações mentais e dos elementos que as compõem.
Tais representações mentais são classificadas como significadores, e os
objetos que as representam são classificados como significados. Diz Piaget:
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Representações mentais que utilizam significadores como imagens auditivas ou visuais, bem como outras associações de cunho pessoal, resultam no uso de Símbolos, enquanto que as realizadas por meio de associações que envolvem números ou palavras correspondem à utilização de Signos. (PIAGET, 1971, p. 188).
Durante a segunda fase do Período Pré-Conceitual classificada como
Estágio Pré-Lógico ou Intuitivo (4 a 7 anos), a criança torna-se
progressivamente capaz de visualizar e organizar imagens mentais de maneira
concreta. No início deste período, entretanto, a criança apresenta uma
tendência à centração, ou seja, costuma registrar apenas um estado de uma
situação, como ao desconsiderar a altura e a largura de um copo, registrando
apenas o contorno do mesmo. Além disso, também não consegue reverter
mentalmente uma atividade, como por exemplo, ao não conseguir
compreender os estágios de crescimento de pessoas, plantas e animais.
O autor ressalta que esta fase caracteriza-se pela referida incapacidade
inicial de compreender o significado da transformação, ou seja, pela fixação da
percepção no estado atual de uma situação, evento ou objeto, conservando
aquelas características indefinidamente e não admitindo ou compreendendo
possíveis mutações. Para ele, somente no final deste período, a criança
começa a apresentar maior compreensão relativa a estados intermediários de
conservação e não-conservação dos processos que originam fenômenos do
mundo exterior. Desta forma, a capacidade de compreender ligações entre
diferentes estados e transformações, bem como de admitir processos em que
ocorre reversibilidade de estados, relações e situações, manifesta-se somente
nos momentos finais deste período.
Piaget (1972) observa que “este segundo sub-estágio é assinalado por
um início de descentração que permite o descobrimento de certas ligações
objetivas, graças ao que chamamos de funções constituintes” (1972, p. 28).
No estágio seguinte, classificado como Período Operacional Concreto
(dos 7 aos 11/12 anos), a criança começa a realizar operações lógico-
matemáticas, expressas sob a forma de ações mentais sobre o objeto de sua
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atenção, que passa a ser considerado como uma unidade a ser quantificada e
classificada. Nos momentos iniciais deste estágio, as ações mentais capacitam
a criança a realizar operações de multiplicação e adição. Além destas
operações lógico-matemáticas a criança também realiza operações infra-
lógicas, isto é, passa a considerar o objeto como um elemento circunscrito ao
espaço e ao tempo, que pode ser subdividido em partes que se relacionam ao
todo, bem como suas relações físicas com outros objetos. Como expõe Piaget:
A novidade deste sub-estágio se assinala em particular no domínio das operações infra-lógicas ou espaciais. É assim que a partir dos 7 a 8 anos se vêem constituir certas operações relativas às perspectivas e às mudança de ponto de vista no que respeita a um mesmo objeto do qual se modifica a posição em relação ao sujeito. (PIAGET, 1972, p. 43).
No estágio subseqüente, classificado como Período Operacional Formal
(11/12 anos em diante), a criança adquire a capacidade de pensar de maneira
abstrata, criando teorias e concepções a respeito do mundo que a cerca. É
nesse período que o organismo se torna estruturalmente capacitado para o
exercício de atividades psicológicas mais complexas, como o uso da linguagem
articulada. Diz o autor:
A primeira característica das operações formais é a de poder recair sobre hipóteses e não mais apenas sobre objetos: é esta a novidade fundamental da qual todos os estudiosos do assunto notaram o aparecimento perto dos onze anos. (PIAGET, 1972, p.48).
Conforme Piaget (1972), a capacidade de pensar de forma abstrata é
dinamizada pelo fato de que, neste período, o pensamento não se limita a
raciocinar sobre objetos, transferindo suas inquirições para o âmbito de
hipóteses, o que resulta em concepções intelectuais que dispensam a
intermediação obrigatória de elementos concretos:
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Como as hipóteses não são objetos, são proposições, e seu conteúdo consiste em operações intra-proposicionais de classes, relações, etc., do que se poderia oferecer a verificação direta; o mesmo se pode dizer das conseqüências tiradas delas pela via inferencial. (PIAGET, 1972, p.48).
Deste modo, a criança não está circunscrita apenas a objetos físicos e
começa a elaborar seu pensamento de forma menos dependente do mundo
material.
Para Piaget (1972), a característica mais importante deste novo tipo de
raciocínio é a possibilidade que a mente infantil apresenta de realizar deduções
resultantes da combinação entre operações mentais:
A operação dedutiva que leva das hipóteses às suas conclusões não é mais do mesmo tipo, mas é inter-proposicional e consiste, pois, em uma operação elevada à segunda potência. Ora, esta é uma característica muito geral das operações que devem atingir este último nível para se constituir, quer se trate de utilizar as implicações, a lógica das proposições ou de elaborar relações entre relações (proporções, distributividade, etc.), de coordenar dois sistemas de referência, etc. (PIAGET, 1972, p.48).
Para o autor, este é o caminho para a atividade dedutiva mais
sofisticada, cujo desenvolvimento permitirá que a mente evolua na direção de
infinitas possibilidades de realização, pelo fato de que este tipo de raciocínio
resulta em atividades mentais mais complexas e potentes. Para ele:
É este poder de formar operações sobre operações que permite ao conhecimento ultrapassar o real e que lhe abre a via indefinida dos possíveis por meio da combinatória, libertando-se então das elaborações por aproximação as quais permanecem submetidas às operações concretas. (PIAGET, 1972, p. 49).
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As teorias de Piaget demonstraram que o intelecto do homem,
inicialmente incapaz de elaborar representações mentais, evolui em direção ao
pensamento cada vez mais sofisticado e complexo, e esta evolução possibilita
realizações intelectuais verdadeiramente criativas.
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1.2- Vygostky e o Desenvolvimento da Linguagem
A aquisição da linguagem pode ser um paradigma para o problema da relação entre aprendizado e desenvolvimento. A linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre a criança e as pessoas em seu ambiente. Somente depois, quando da conversão da fala interior, ela vem a organizar o pensamento da criança. (VIGOSTKY, 1991, p.101).
Vimos anteriormente, que os pressupostos de Piaget enfatizaram a
relação entre o sujeito e o objeto de seu conhecimento para o desenvolvimento
do ser humano.
Segundo Baptista (2009), esta ênfase difundiu a idéia de que a evolução
do indivíduo depende apenas de mecanismos inerentes à sua organização
biológica. Para a autora, em virtude da difusão dos postulados piagetianos,
generalizou-se a concepção de que a infância seria um ambiente totalmente
desvinculado das realidades culturais e sociais dos agrupamentos humanos às
quais as crianças pertencem. Acerca destas reflexões, Baptista (2009),
entende que:
Ainda que pesem as indiscutíveis contribuições de Piaget, a centralidade atribuída à análise da interação da criança com o mundo físico impôs, em certa medida, a idéia de que o desenvolvimento humano era um desafio a ser alcançado individualmente, a partir de progressos naturais. De outra parte, implicou uma compreensão da infância como um universo isolado, como se adultos e crianças não compartilhassem práticas culturais comuns. (BAPTISTA, 2009, p. 16).
Deste modo, Piaget (1972) privilegiou suportes biológicos para
fundamentar sua teoria do desenvolvimento através de estágios comuns a
todos os indivíduos.
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Vygotsky (1987) também compreende a relação do sujeito com o objeto
de sua atenção como um fator importante para a aprendizagem. Para ele, no
entanto, as condições sociais e a interação entre indivíduos são os elementos
preponderantes para a evolução do intelecto do homem. Como observa
Baptista (2009):
Vygotsky também deu importância ao papel do sujeito na aprendizagem. Entretanto, se para o primeiro os suportes biológicos que fundamentam sua teoria dos estágios universais receberam maior destaque, para o segundo, a interação entre as condições sociais e a base do comportamento humano foram os elementos fundamentais para sua teoria sobre o desenvolvimento. (BAPTISTA, 2009, p.16).
Desta forma, este enfoque assinala uma diferença significativa entre
estas duas abordagens. As teorias construtivistas consideraram o processo de
conhecimento como uma realização que depende da relação entre o sujeito e o
objeto de sua atenção. Já os pressupostos sócio-interacionistas destacaram a
influência da realidade social e da cultura para o desenvolvimento da
inteligência humana.
Os estudos de Vygostky (1987) identificaram funções psicológicas
superiores, presentes apenas no homem, como responsáveis por sua aptidão
para realizar, de forma ordenada, atividades mentais nas quais estão inseridos
pensamentos que englobem representação mental, antevisão de eventos e
comportamentos futuros, além do comando de ações que, no reino animal, são
reguladas somente pelos instintos.
Segundo o referido autor, há uma distinção entre o desenvolvimento
psicológico e biológico dos animais evoluídos e do homem, pois os primeiros
possuem apenas as funções psicológicas naturais, enquanto que as funções
psicológicas superiores somente aparecem com o ser humano. Diz:
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Para desenvolver o primeiro destes pontos devemos indagar: o que realmente distingue as ações de uma criança que fala das ações de um macaco antropóide, na solução de problemas práticos? As crianças, com ajuda da fala, criam maiores possibilidades que os macacos podem realizar com a ação (...) através da fala, ela planeja como solucionar o problema e então executa a solução elaborada através de uma atividade visível. A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como instrumento para solução de problemas acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada para dirigir-se a um adulto) é internalizada. Ao invés de apelar para um adulto, as crianças passam a apelar a si mesmas (VYGOTSKY, 1991, p.30).
A partir desta reflexão, o desenvolvimento da inteligência humana
estrutura-se em função da passagem dos processos naturais aos processos
superiores, numa progressão cujo âmbito inicial está relacionado a estruturas
mentais elementares como os reflexos condicionados e incondicionados,
reações espontâneas e processos de associações simples.
Vygostky (1987) defende a idéia de que as estruturas mentais simples
são condicionadas por determinantes biológicos, e evoluem para instâncias
superiores à medida que o homem utiliza signos e outros instrumentos
psicológicos. Esses últimos, segundo o autor, são os objetos materiais que
auxiliam o ordenamento e reposicionamento das informações oriundas do
mundo exterior, tornando possível que o indivíduo seja capaz de vivenciar um
estímulo através da representação mental do mesmo. Para o autor:
Os instrumentos psicológicos são todos aqueles objetos cujo uso serve para ordenar e reposicionar externamente a informação, de modo que o sujeito possa escapar da ditadura do aqui e agora e utilizar sua inteligência, memória ou atenção no que poderíamos chamar de uma situação de situações, uma representação cultural dos estímulos que podemos operar quando queremos ter estes em nossa mente e não só e quando a vida real nos oferece. (VYGOTSKY, 1990 apud MACIEL 2009, p. 17).
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Como ressalta Vygotsky (1987), o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores resulta da evolução cultural e não do desenvolvimento
biológico, visto que a atribuição de sentido a um objeto, bem como a
capacidade de transmitir tais significados às gerações vindouras, são
condições propiciadas pelas circunstâncias culturais intrínsecas a determinado
grupamento humano. Para ele, a capacidade de utilizar signos sofreu
mudanças significativas durante a evolução cultural da humanidade, resultando
em maior complexidade no processamento de informações de natureza
simbólica. Além disso, é possível traçar paralelos entre as transformações
ocorridas nos processo de utilização de signos, ocorridas ao longo da história
da humanidade, e o desenvolvimento intelectual do homem ao longo de sua
vida pessoal.
Deste modo, a teoria sócio-interacionista enfatiza a importância dos
instrumentos psicológicos, objetos materiais e ferramentas que concorrem para
o aperfeiçoamento das habilidades intelectuais do ser humano.
Vygotsky (1987) define instrumentos psicológicos como ferramentas
utilizadas como reguladores das ações dos homens sobre os objetos, e signos
como elementos que substituem outros elementos, colaborando para a
transmissão de conceitos e dinamizando processos de memorização e
atenção.
Conforme Oliveira (1997), um exemplo clássico desta proposição é a
utilização de um barbante amarrado no dedo com o fito de auxílio à
memorização. Na observação do referido autor, este instrumento psicológico
permite dinamizar uma função mental, a memória, ampliando sua condição
natural. Neste caso, o barbante exerce a função de um signo, ou seja, de uma
marca externa que fornece suporte concreto para a ação do homem no mundo.
Assim, podemos entender que os instrumentos psicológicos são
artifícios que ajudam o homem a dinamizar certas funções mentais como, por
exemplo, o ato de memorizar fatos, datas ou nomes de pessoas.
A utilização destas ferramentas, que também auxiliam na transmissão e
atribuição de significados e sentidos aos objetos, resulta em constantes
mudanças na capacidade humana de compreender e utilizar signos, bem como
27
na melhoria das condições de comunicação entre os diferentes grupos
humanos.
Durante o aperfeiçoamento progressivo desta habilidade de utilizar
signos, ocorrem duas mudanças fundamentais no modo como o homem se
relaciona com os elementos que pertencem à realidade percebida pelos seus
sentidos.
De acordo com Oliveira (1997), a primeira transformação sofrida pelos
mecanismos de utilização de signos foi classificada por Vygotsky (1987) como
processo de internalização, e definido como a maneira pela qual marcas
existentes no mundo exterior transformam-se em processos internos de
mediação psicológica, propiciando a representação mental de eventos, seres
ou circunstâncias. A partir disso, ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo
substitui as marcas externas e começa a utilizar signos internos, ou seja,
representações mentais que substituem os objetos do mundo real.
Por exemplo, a noção adquirida sobre uma cadeira permite que uma
pessoa seja capaz de lidar mentalmente com este objeto, mesmo que este não
esteja presente. Para a autora:
Essa capacidade de lidar com representações que substituem o real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções (...). Essas possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta com o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento. (OLIVEIRA, 1997, p.35).
A teoria sócio-interacionista postula que o referido processo de
internalização de manifestações culturais, isto é, de aquisição das formas,
conteúdos e princípios que ordenam a realidade cultural de determinado grupo
humano, resulta na reconstrução da atividade psicológica dos indivíduos,
realizada através de operações com signos.
28
Além disso, a crescente capacidade humana de realizar operações
mentais nas quais estes signos estejam envolvidos relaciona-se diretamente à
linguagem, cujo domínio também resulta em progressiva interiorização do
pensamento.
Desta forma, os objetos e entidades existentes no plano da realidade
exterior são incorporados ao pensamento humano por meio de alterações na
percepção individual, que passa a concebê-los sob a forma de elementos
puramente intelectuais, graças à progressiva habilidade de representá-los
mentalmente.
Assim, este processo de incorporação dos entes do mundo exterior sofre
contínuas modificações, o que resulta no aperfeiçoamento das formas de
utilização de signos pelo homem.
Segundo Baptista (2009), estas modificações resultaram na melhoria da
comunicação entre indivíduos, bem como em aquisições culturais
progressivamente mais sofisticadas. Para ela, outro fator que colaborou para
esta evolução foi o desenvolvimento de sistemas de comunicação organizados
sob a forma de símbolos. Desta forma, a progressiva sistematização do contato
humano, por meio de símbolos, relaciona-se diretamente ao aprofundamento e
aperfeiçoamento do fenômeno que Vygotsky (1987) classificou como processo
de internalização.
De acordo com a teoria sócio-interacionista, após o desenvolvimento da
capacidade de representar mentalmente os objetos e situações do mundo real,
a segunda transformação sofrida pelo processo humano de utilização de signos
correspondeu à organização de símbolos em sistemas de comunicação e
expressão de idéias. Tais sistemas de comunicação passaram a ser utilizados
pelos diferentes grupos humanos, que os adotaram como mecanismos úteis
para a transmissão de informações e conceitos.
Conforme Baptista (2009), a segunda transformação sofrida pelo
processo de internalização, foi “a organização de símbolos em estruturas
complexas e articuladas, denominadas sistemas simbólicos” (BAPTISTA, 2009,
p.17).
29
Já Cole e Scribner (1998) ressaltam que a escrita e os números são
exemplos de sistemas simbólicos, e podem ser definidos como criações das
sociedades ao longo da história humana. Para os autores, em concordância
com Baptista (2009) e Vygotsky (1991), tais elementos são responsáveis por
modificações substanciais no desenvolvimento cultural dos diferentes grupos
humanos.
Deste modo, o aperfeiçoamento da habilidade de utilizar elementos que
facilitam processos de comunicação, isto é, de sistemas simbólicos como a
escrita, os números e as línguas, resultou em mudanças profundas na
evolução intelectual do homem e no progresso da civilização, facilitando o
relacionamento entre pessoas e nações, e colaborando para a evolução do
homem.
De acordo com Vygotsky (1987), esta propensão do homem para utilizar
e se apropriar de signos e outros instrumentos psicológicos é o elemento que
possibilita o controle sobre suas funções mentais. Para ele, o processo de
estruturação da mente infantil baseia-se tanto no acesso a estes instrumentos
e ferramentas psicológicas quanto à forma através da qual os mesmos são
manipulados e utilizados pelas crianças.
A partir disso, a teoria sócio-interacionista considerou o domínio de
sistemas simbólicos como um dos fatores mais importantes para o pleno
desenvolvimento da inteligência humana.
Ao contrário de Piaget (1972), que compreendeu a construção do
conhecimento como uma atividade que se realiza através da maturação
orgânica e da relação do indivíduo com o meio, Vygotsky (1991) concebeu o
desenvolvimento da inteligência como um fenômeno que ocorre mediante o
progressivo aperfeiçoamento do uso de signos e instrumentos psicológicos
pelo homem. As funções mentais superiores, exclusivas do ser humano, são
estimuladas e promovidas através do crescente domínio que os indivíduos
adquirem sobre ferramentas psicológicas e sistemas simbólicos.
Na concepção de Vygotsky (1991), o desenvolvimento psicológico não
pode ser visto como um processo abstrato e descontextualizado, e a aquisição
de ferramentas simbólicas, como os sistemas de escrita, não pode ser obtida
30
por meios repetitivos e mecânicos. A aquisição destes sistemas organizados,
constituídos por símbolos que representam o resultado de um longo processo
de elaboração e maturação cultural, deve acompanhar, na criança, a evolução
de suas funções intelectuais, até que ela esteja em condições de compreender
e utilizar sistemas cada vez mais sofisticados. Diz:
É necessário que as letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma maneira que a fala. Da mesma forma que as crianças aprenderam a falar, elas podem muito bem aprender a ler e a escrever. Métodos naturais de ensino da leitura e da escrita implicam operações apropriadas sobre o meio ambiente das crianças. (VYGOTSKY, 1991, p. 134).
A partir de suas pesquisas, Vygotsky (1991) concluiu que o ensino de
leitura e escrita para crianças deve ser organizado de modo que estas
atividades tornem-se necessárias a elas. Conforme ressalta o autor:
A escrita deve ser relevante à vida da criança (...) deve ter significado, para as crianças, de que uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida (VYGOTSKY, 1991, p. 133).
Outro ponto fundamental das teorias de Vygotsky é a importância dada à
linguagem como elemento estruturador das funções mentais superiores do
homem.
Na visão deste autor, a linguagem é o mais importante elemento de
mediação entre o indivíduo e os sistemas simbólicos, e é através dela que o
pensamento humano ascende a instâncias superiores, visto que a mesma
possibilita a execução de importantes funções, como representação,
generalização e abstração.
Os pressupostos sócio-interacionistas postulam que a linguagem é o
elemento que organiza os sistemas simbólicos, estruturando-os a partir da
31
conjugação de signos formados por estruturas e formulações mentais cada vez
mais complexas.
Em concordância com o pensamento de Vygostky (1991), Oliveira
(1997) ressalta que a linguagem organiza a compreensão do significado dos
eventos que ocorrem na realidade cultural em que o indivíduo está inserido.
Para a autora, esta organização ocorre por meio de operações mentais que
proporcionam a classificação, sistematização e análise de fatos e situações
com as quais o indivíduo entra em contato. Segundo a autora:
A linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem. (OLIVEIRA, 1997, p. 27).
Assim como Piaget (1972), Vygotsky (1987) também admite a existência
de estágios progressivos no desenvolvimento infantil e concebeu a evolução do
pensamento da criança como um processo que se divide em três fases.
A primeira fase corresponde ao Estágio de Formação de Objetos, em
que a mente infantil estabelece relações simplistas entre os objetos do mundo
real. A fim de estabelecer tais relações, a criança seleciona características
subjetivas e imprecisas dos objetos, baseando-se em sua percepção imediata
da realidade material que a cerca. Este procedimento resulta no
estabelecimento de nexos de conformação vaga, isto é, de conexões e
analogias que não apresentam conformidade relevante e efetiva com atributos
reais.
A segunda fase corresponde ao Estágio do Pensamento por Complexos,
no qual, ao contrário do estágio anterior, a criança estabelece relações
baseadas em características concretas dos objetos.
A terceira fase corresponde ao Estágio da Formação de Conceitos, no
qual a mente infantil já consegue reunir objetos que possuem atributos comuns
32
e isolar determinadas peculiaridades, agrupando-os a partir da complexa
multiplicidade de configurações e características que a experiência sensorial
apresenta a seus sentidos.
Esta evolução em sua maneira de pensar permite à criança abstrair seu
pensamento da percepção imediata e material, e realizar um processo de
seleção de características e qualidades que resulta em pensamento conceitual.
Em relação ao aprendizado infantil, Vygostky (1987) verificou a
existência de dois níveis de desenvolvimento. O primeiro, classificado por ele
como Nível de Desenvolvimento Real, que refere-se às aquisições previamente
alcançadas pela criança, isto é, a conhecimentos que ela já possui e a ações
que ela já consegue realizar sozinha, sem a ajuda de outras pessoas. O
segundo estágio, classificado como Nível de Desenvolvimento Potencial,
relaciona-se às capacidades que ainda estão em processo de construção e diz
respeito à capacidade de desempenhar tarefas e solucionar problemas com a
ajuda de outros.
De acordo com Urrutigaray (2007), a distância entre o que a criança é
capaz de realizar de forma autônoma e aquilo que ela realiza em colaboração
com outras pessoas, que pertencem ao seu meio social, caracteriza o que
Vygostky (1987) chamou de “Zona de Desenvolvimento Proximal”. Segundo a
autora:
A Zona de Desenvolvimento Proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado embrionário. (URRUTIGARAY, 2007, p. 31).
Desta forma, a convivência com outras pessoas, bem como a figura do
adulto que atua como mediador do processo e apresenta novos desafios que
reconstroem a atividade psicológica dos alunos, são fatores muito importantes
33
para a construção ativa do conhecimento pelas crianças. Como nos fala
Conceição (2007):
A interação social favorece a troca verdadeira e ativa das idéias e do pensamento, portanto, é um meio para se praticar as experiências da conduta moral pela vivência e participação, através da mediação do educador e da colaboração/interação entre os educandos. Os métodos novos da educação reservam um lugar essencial à vida social da criança como fator fundamental para seu desenvolvimento intelectual e moral. (CONCEIÇÃO, 2007, p.22).
Diante de tais reflexões, podemos perceber que a perspectiva sócio-
interacionista valoriza a presença do adulto no desenvolvimento infantil, visto
que este, por ser mais experiente, pode promover experiências significativas e
enriquecedoras para as crianças, bem como fortalecendo sua auto-estima e
estimulando suas capacidades.
Podemos inferir também que, segundo esta perspectiva, cabe à escola
adotar medidas que favoreçam a crescente interação entre os alunos, pois,
como vimos ao longo deste capítulo, na idade escolar ocorrem transformações
psicológicas e biológicas fundamentais na construção de conhecimentos pelo
indivíduo.
Nesse sentido, Urrutigaray (2007), enfatiza a importância da interação
entre professores e alunos, bem como a estimulação destes últimos, para
tarefas que ainda não são capazes de realizar sozinhos. Desta forma, o
aprendizado será conseqüência do contato entre indivíduos de diferentes
capacidades e graus de conhecimento que, por meio da linguagem, construirão
suas próprias funções psicológicas superiores. Diz a autora:
O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, na interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos que, sem ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual. (URRUTIGARAY, 2007, p. 15).
34
Os pressupostos de Piaget (1972) e Vygotsky (1987) representam
contribuições fundamentais para os estudos sobre o processo de ensino-
aprendizagem.
De acordo com Lenninger (2006), a imensa influência das teorias destes
autores se estende por diversas vertentes de investigação acadêmica. Diz a
autora:
Seus estudos exercem grande influência sobre disciplinas relevantes para o estudo da Semiótica, tais como sociologia, psicologia cognitiva e pedagogia. Os estudos sobre o desenvolvimento cognitivo da criança, realizados por Piaget e Vygotsky no último século, ainda possuem a capacidade de influenciar aportes teóricos e a criação de estudos concretos. (LENNINGER, 2006, p.01) ‘tradução nossa’.
Além da importância das contribuições de Piaget (1972) e Vygotsky
(1987) para os sistemas educacionais do Ocidente, suas teorias também
influenciaram estudiosos orientais, e originaram muitos estudos realizados por
pesquisadores chineses, bem como exerceram papel fundamental em
iniciativas educacionais levadas a efeito pelo governo da República Popular da
China, que realizou uma reforma estrutural em todo seu sistema escolar, a
partir das duas últimas décadas do século XX.
Segundo Jia³ (2010), a investigação acadêmica realizada na China,
sobre as teorias destes dois autores, contou com o aval do Ministério da
Educação, bem como de todos os órgãos governamentais que coordenam
iniciativas relativas ao ensino de língua chinesa, dentro e fora da China. De
acordo com este autor, os pesquisadores chineses pesquisaram e divulgaram
os pressupostos construtivistas e sócio-interacionistas, seguindo orientações
do governo daquele país, que os considera importantes ferramentas para o
progresso de seu sistema de educação.
Ainda em Jia³ (2010), os pressupostos de Piaget (1972) e Vygotsky
(1987) exerceram efeitos profundos na Reforma do Ensino Básico e
Fundamental empreendida pelo governo da República Popular da China, bem
35
como no estabelecimento das novas diretrizes curriculares adotadas pelo
sistema educacional daquele país. A adoção de propostas pedagógicas de
orientação construtivista e sócio-interacionista resultou na modificação das
metodologias de ensino adotadas em todos os estabelecimentos educacionais
tutelados pelo governo da China. Além disso, os resultados destas pesquisas
influenciaram as concepções pedagógicas de estudiosos chineses sobre o
processo de ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, bem como a
relação de ambos com o conhecimento.
Ao analisarem-se os métodos de ensino adotados pelo governo da
China para a reforma educacional de seu sistema de ensino, é possível
perceber a influência dos pressupostos teóricos construtivistas e sócio-
interacionistas nas propostas pedagógicas que a orientaram.
Segundo a UNESCO (2003), a China realizou, em 2001, a reforma das
diretrizes curriculares do sistema educacional, após extensa pesquisa sobre
diferentes teorias e aprendizagem, realizada por estudiosos chineses. Um novo
modelo pedagógico foi adotado, no qual a criatividade e o pragmatismo dos
alunos são incentivados, bem como a descoberta de soluções inovadoras e a
investigação, análise e coleta de dados. Além da mudança de orientação
pedagógica que afetou todo o modelo educacional, os órgãos governamentais
chineses orientaram seus pesquisadores a pesquisar e implantar práticas
pedagógicas que orientadas pelos ensinamentos de Piaget (1972) e Vygotsky
(1987).
De acordo com Ye e Wu (2003), acadêmicos designados pelo governo
chinês para estabelecer as diretrizes pedagógicas da reforma do sistema
educacional, o aluno passou a ser considerado como o elemento mais
importante do processo de ensino-aprendizagem, e suas experiências pessoais
e conhecimentos prévios passaram a ser reputados como material integrante
dos processos mentais que conduzem à construção de conhecimentos. Para
os autores:
Se fosse possível sintetizar toda a psicologia educacional em apenas um princípio, diríamos que o único fator que realmente afeta o estudo é o conhecimento prévio dos alunos. O ato de
36
ensinar somente será eficaz se este ponto for privilegiado. (YE; WU, 2003, p. 44) ‘tradução nossa’.
De acordo com Jia³ (2010), “as teorias construtivistas exerceram papel
fundamental no ordenamento da reforma do ensino básico na China” (JIA³,
2010, p. 197) ‘tradução nossa’.
A partir deste momento, de acordo com as novas diretrizes educacionais
adotadas pelos órgãos responsáveis pelo ordenamento do sistema escolar
daquele país, a aprendizagem passou a ser identificada como um processo de
construção de conhecimentos do qual o sujeito exerce papel ativo.
Na análise de Piaget (1972), este processo se desenvolve,
principalmente, pela re-estruturação do sujeito, ocorrida a partir de sua ação
sobre o objeto de sua atenção. Já para Vygotsky (1987), o desenvolvimento
deste processo se realiza a partir da interação deste sujeito com os outros
indivíduos que habitam seu meio social.
37
CAPÍTULO II
CONSTRUÇÃO PSICOPEDAGÓGICA ATRAVÉS DO
DESENHO
2.1. O papel do lúdico em processos de ensino-aprendizagem
A educação lúdica contribui e influencia na formação da criança, possibilitando um crescimento sadio, um enriquecimento permanente, integrando-se ao mais alto espírito democrático enquanto investe em uma produção séria do conhecimento. A sua prática exige a participação franca, criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte compromisso de transformação e modificação do meio. (ALMEIDA, 1994, p.41).
Muitos são os questionamentos referentes à educação infantil e ao papel
do educador no cotidiano escolar. Após o surgimento da internet e de outras
inovações tecnológicas, pais, mães e educadores observam que as crianças
hoje em dia não sabem mais brincar. Elas preferem brincar em seus
computadores a divertirem-se com brinquedos ou até mesmo desenhar o que
aprenderam na sala de aula.
Atualmente, a realidade educacional requer total comprometimento de
todos os envolvidos em processos de ensino-aprendizagem, frente aos novos
desafios do mundo contemporâneo. Diante disso, existem muitas propostas de
utilização de ferramentas lúdicas no processo de ensino-aprendizagem, para
que seja possível enfatizar a construção do conhecimento pelo aluno, e não
somente a absorção sistemática de informações.
O psicopedagogo pode colaborar com esta construção do conhecimento
ao contribuir, através da brincadeira, para que todos os sujeitos envolvidos em
situações de ensino-aprendizagem estejam em contato com os objetos de sua
atenção por meio da estimulação lúdica.
Desta forma, a ação psicopedagógica cumprirá sua função de propiciar
uma conjuntura na qual a ação destes sujeitos em estado de interação, frente
aos objetos de seu interesse, poderá resultar na construção de conhecimentos.
38
Segundo Huizinga (2004), a palavra ludus expressa tudo que se refere
ao jogo, reportando-se aos jogos infantis, à recreação e às representações
religiosas e teatrais, bem como aos jogos de azar. De acordo como este autor,
a principal idéia contida no vocábulo latino ludus refere-se à noção de ausência
de seriedade, bem como ao conceito de “ilusão” e “simulação”.
De acordo com Craidy e Kaercher (2001), estudos feitos sobre a história
da infância mostraram que a criança vê o mundo através do brinquedo. Para as
autoras, o ato de brincar corresponde à utilização de uma forma de linguagem
através da qual as crianças se relacionam com o mundo e aprendem a se
organizar, construindo normas de conduta. Deste modo, é através da atividade
lúdica que a criança entra em contato cada vez mais profundo com o outro, ao
mesmo tempo em que se constrói como sujeito.
Para Huizinga (2004), o jogo pré-existe à própria cultura humana. De
acordo com este autor, atividades lúdicas já eram praticadas pelos
grupamentos humanos em épocas muito remotas:
Encontramos o jogo na cultura como um elemento existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase da civilização em que agora nos encontramos. (HUIZINGA, 2004, p. 6).
Todos nós ainda guardamos na memória as lembranças de nossas
atividades infantis, jogos, brincadeiras de faz-de-conta e histórias contadas por
alguém querido. Os personagens dos contos-de-fadas estimulavam nossa
imaginação e muitas vezes encenávamos o que ouvíamos ou líamos nos livros
infantis.
As brincadeiras, imitações e jogos infantis ocuparam papel de destaque
nos estudos de orientação construtivista e sócio-interacionista, sobre os
processos de aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência humana.
Piaget (1989) define o ato de brincar como um fator que exerce influência
expressiva na formação intelectual da criança, apesar de não se constituir em
elemento gerador do pensamento infantil. Segundo ele:
39
A brincadeira deve fazer parte do cotidiano da educação infantil, pois, as atividades lúdicas adquirem um significado especial, quando são marcadas pelo interesse e pela espontaneidade da criança. Dessa forma, o brinquedo deve ser visto como algo sério, como objeto capaz de educar as crianças e também torná-las cidadãs. (PIAGET, 1989, p.143).
De acordo com Huizinga (2004), a atividade lúdica é capaz de atrair a
atenção do indivíduo de forma integral, mesmo que não exista nenhuma
recompensa de ordem material envolvida. Para este autor, a atividade lúdica
oferece atrativos que ultrapassam as necessidades cotidianas e agrega novos
valores às ações humanas. Diz o autor:
No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa... seja qual for a maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência. (HUIZINGA, 2004, p.4.)
Vygotsky (1984) enfatizou, em seu estudo sobre o papel da atividade
lúdica e do brinquedo no desenvolvimento da criança, os jogos infantis e o faz
de conta, nos quais a imaginação e a representação de papéis são elementos
preponderantes. Para o autor, “... é enorme a influência do brinquedo no
desenvolvimento de uma criança...” (VYGOTSKY, 1991, p. 109).
Nesse sentido, a brincadeira equivale a um estágio de transição entre o
mundo infantil e o mundo adulto, e sua característica principal é o fato de
permitir que a criança abstraia seu pensamento da realidade material à sua
volta. Além disso, brincar torna a criança capaz de representar mentalmente
uma realidade ausente, bem como separar objetos de significados, desligando-
se do imediatismo de situações objetivas. Como nos fala o autor:
40
No brinquedo, a criança opera com significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente vinculados; entretanto, uma contradição surge, uma vez que, no brinquedo, ela inclui, também, ações reais e objetos reais. Isto caracteriza a natureza de transição da atividade do brinquedo: é um estágio entre as restrições puramente situacionais da primeira infância e o pensamento adulto, que pode ser totalmente desvinculado de situações reais. (VYGOTSKY, 1991, p.112).
Para Vygotsky (1991), a idade pré-escolar é a fase na qual o pensamento
infantil deixa de ser regido pelos objetos externos e passa a ser regido pela
imaginação. Esta é a fase na qual a criança começa a utilizar objetos para
representar a realidade ausente, e substitui objetos reais por aquilo que
concebe em sua mente. Assim, o objeto observado e manipulado pela criança
é o elemento responsável pela separação entre seu pensamento e a realidade.
Diz:
Na idade pré-escolar ocorre, pela primeira vez, uma divergência entre os campos do significado e da visão. No brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas (...) a ação regida por regras começa a ser determinada pelas idéias e não pelos objetos. Isto representa uma tamanha inversão da relação da criança com a situação concreta, real e imediata, que é difícil subestimar seu pleno significado (VYGOTSKY, 1991, p.110).
À medida que a criança amadurece, seu pensamento torna-se mais
complexo e menos dependente da realidade material e dos objetos que a
cercam. O pensamento infantil torna-se cada vez mais autônomo e
independente de relações físicas com o mundo concreto, adquirindo
progressiva habilidade mental de elaborar pensamentos que não se restringem
a objetos materiais circunscritos ao alcance de sua visão.
Em relação a brincadeiras de faz-de-conta, Vygotsky (1991) defende a
idéia de que existe uma relação intrínseca entre as situações imaginárias
elaboradas pela mente da criança e as regras relacionadas à representação
das ações que ela realiza. Segundo o autor, ao interpretar diferentes papéis,
ela irá se submeter ao conjunto específico das regras inerentes à realidade do
41
objeto observado e a outras, oriundas de sua imaginação pessoal. Assim, este
tipo de atividade permite que a criança amplie seu âmbito de percepção
habitual, pois o brinquedo a liberta das restrições estabelecidas pela realidade
material à sua volta.
Assim, ao entrar em contato com o mundo e as pessoas, a criança
reconstrói, através da imitação, as ações que observou, e esta atividade não
deve ser considerada como uma simples reprodução mecânica de movimentos
e gestos, mas como um processo que resulta na elaboração de pensamentos
abstratos e em desenvolvimento intelectual.
Deste modo, Vygotsky (1991) considera a imitação como um fator de
extrema importância para a construção do conhecimento infantil, pelo fato de
estimular, em longo prazo, a elaboração de ações de cunho pessoal, após as
fases iniciais em que a criança apenas repete ações de outras pessoas, sem
ter certeza do significado das mesmas. Esta atividade mecânica se
transformará em ação consciente à medida que as ações resultarem de
elaborações realizadas pela criança, resultando em um repertório próprio e
consciente de gestos e movimentos corporais.
Ainda em Vygotsky (1991), ao projetar-se nas atividades adultas de sua
cultura, a criança realiza um esforço para ser coerente com os papéis
assumidos e seguir regras de comportamento adequadas à situação que
procura representar. Por exemplo, ao representar o papel de mãe de suas
bonecas, a menina recria o gestual e a entonação de voz que caracterizam o
comportamento maternal, ensaiando papéis, atividades e valores futuros. Desta
forma:
A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento (...) a criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer às regras do comportamento maternal. (VYGOTSKY, 1991, p.108).
A imitação de ações, por meio da representação de papéis, equivale,
segundo a teoria sócio-interacionista, a uma espécie de ensaio dos
42
comportamentos que, ao amadurecer, a criança realizará em seu convívio
social.
No que concerne à brincadeira, os pressupostos construtivistas também
enfatizaram a importância da atividade lúdica para o desenvolvimento da
inteligência do homem, bem como para processos de ensino-aprendizagem.
Tais pressupostos consideram a brincadeira como uma condição essencial
para o desenvolvimento infantil, visto que, ao brincar, as crianças assimilam a
realidade e se esforçam para transformá-la. Além disso, esta abordagem
teórica postula que cada etapa do desenvolvimento psicológico infantil
relaciona-se a tipos específicos de atividades lúdicas, numa progressão que
ocorre da mesma maneira para todos os indivíduos.
Segundo a classificação piagetiana, baseada na evolução progressiva
das estruturas mentais da criança, as diferentes modalidades de brincadeiras
podem ser divididas em jogos de regras, jogos simbólicos ou jogos de
exercícios.
De acordo com Piaget (1971), durante o Período da Inteligência
Sensório-Motora (0 a 2 anos), o conhecimento sobre os objetos é obtido pelos
bebês através de reflexos e de sua interação com os mesmos. Segundo ele, o
primeiro brinquedo utilizado pela criança é seu próprio corpo, que é explorado
desde os primeiros anos de vida. Ao descobrir o próprio corpo, a criança
adquire conhecimento sobre estímulos oriundos do ambiente e seu organismo
adapta-se, progressivamente, ao meio.
O jogo de exercícios, caracterizado por gestos repetitivos e movimentos
simples, constitui a atividade específica dos primeiros anos de vida, tais como
jogos de manipulação, motores, táteis e olfativos. Estes jogos estendem-se até
as fases iniciais do Período Pré-Operacional (2 a 7 anos), e somente se
modificam com o aparecimento da linguagem.
Os jogos simbólicos surgem com o aparecimento da função semiótica,
durante as fases iniciais do Período Pré-Operacional (2 a 7 anos), e
caracterizam-se pela transformação do objeto, pelo desempenho de papéis e
de atividades de faz-de-conta. Através deste tipo de jogo, a criança re-significa
objetos, ações, fatos, pessoas e funções, além de realizar imitações.
Já os jogos de regras surgem durante o Período Operacional Concreto
(7 aos 11/12 anos), no qual ocorre progressivo desinteresse pelos jogos
43
simbólicos. Nesta fase a criança prefere os jogos em grupo, em contraste com
a atividade preponderantemente individual que caracterizava o período
anterior.
Assim como Vygotsky (1991), Piaget (1978) também atribuiu importância
à imitação, considerando-a como um elemento que exerce papel fundamental
no desenvolvimento da representação mental na criança, bem como da função
semiótica, definida como a capacidade de lidar com símbolos. Para ele,
imitação e brincadeira são processos complementares que contribuem para a
construção do conhecimento, a partir da relação entre os mecanismos de
adaptação e organização. Deste modo, a imitação relaciona-se à acomodação,
enquanto que na brincadeira predomina o mecanismo da assimilação.
Para Piaget (1978), o desenvolvimento da imitação como um processo
dividido em seis períodos progressivos, sendo que alguns deles se subdividem
em níveis internos.
Durante o primeiro período, classificado como Estágio da Preparação
Reflexa, a imitação verdadeira está ausente, visto que a reprodução de
modelos e padrões somente se configura a partir de atos reflexos, e este
comportamento não pode ser considerado como a verdadeira imitação.
No segundo período, classificado como Estágio da Imitação Esporádica,
os esquemas reflexos ampliam-se, devido à assimilação de elementos externos
e durante o terceiro, classificado como Estágio da Imitação Sistemática, a
criança amplia a coordenação entre o reflexo de preensão e o sentido da visão,
conseguindo realizar imitações simples por meio de movimentos espontâneos.
Já no quarto período ocorrem dois níveis diferenciados. Durante o
primeiro que se inicia por volta dos oito meses de idade, o bebê começa a
coordenar esquemas entre si, imitando movimentos que já executou e
repetindo movimentos de forma inconsciente. Durante o segundo, a criança
tenta reproduzir novos movimentos corporais e sons, enquanto que o quinto
período caracteriza-se pela tentativa de imitação sistemática de novos padrões
de movimentos.
Durante o Sexto Estágio da Imitação tem início a inteligência sensório-
motora, o que resulta em coordenação de esquemas independentemente da
experiência empírica imediata, o que permite o surgimento de combinações
puramente mentais.
44
Este estágio compreende dois momentos distintos. No primeiro,
classificado como Estágio da Imitação Dilatada, a reprodução de um modelo
não se faz necessariamente em sua presença, mas também em sua ausência,
e depois de um período de tempo mais ou menos longo. O segundo,
classificado como Estágio da Evolução Posterior à Imitação, é o momento que
se caracteriza pelo aparecimento da linguagem, no qual a criança analisa a
imitação realizada.
Já Moura et al. (2002), defendem a idéia que a principal característica
do sexto estágio da imitação é o surgimento do símbolo lúdico, que se origina a
partir da formação de esquemas simbólicos, resultando em aumento
progressivo da capacidade infantil de representação. Os referidos autores
sustentam que:
Entende Piaget que quando existe imitação, elo menos aparente, de alguma coisa, e assimilação lúdica ao mesmo tempo, estamos diante da característica principal do jogo simbólico, isto é, aquela que se revela como a principal diferença do jogo puramente motor. (MOURA et al., 2002, p.3).
Portanto, compartilhando destas idéias, Maranhão (2007) reforça que a
atividade lúdica é um elemento primordial para a organização do pensamento e
a aquisição de códigos de linguagem, o que implica na importância que deve
ser atribuída à brincadeira.
Para ela, os educadores responsáveis por esta fase do desenvolvimento
infantil devem, obrigatoriamente, elaborar atividades que reforcem os
fundamentos da evolução da linguagem, e o aprendizado de conceitos, através
de brincadeiras.
Esta atitude é de importância fundamental para o desenvolvimento
intelectual da criança, visto que a educação infantil inicia-se durante a fase do
surgimento da linguagem, além do fato de que brincar é um direito das
crianças. Para a autora:
45
Neste momento inicia-se a Educação Infantil. É preciso que se dê a devida importância a esta fase, pois não podemos aceitar que, em função de qualquer outro aspecto, se retire da criança o direito de brincar. (MARANHÃO, 2007, p. 11).
Natural, primordial e necessária, a brincadeira, é um direito da criança
reconhecido em declarações, convenções e leis nacionais e internacionais. No
que concerne à importância da brincadeira para as crianças, os dispositivos
legais brasileiros destacam as atividades lúdicas como essenciais. Conforme o
artigo 15 da Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990:
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990).
Ainda na referida lei, o artigo 16 determina:
Art. 16- O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I- ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II- opinião e expressão; III- crença e culto religioso; IV- brincar, praticar esportes e divertir-se; V- participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI- participar da vida política, na forma da lei; VII- buscar refúgio, auxílio e orientação. (BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990). (grifo nosso).
Acreditamos que apesar da existência de leis que garantam o direito das
crianças à brincadeira, a ludicidade não pode ser vista na esfera educacional,
apenas como diversão, pois é uma necessidade do ser humano.
É importante ressaltar que na Educação Infantil, encontramos espaços
para os jogos e brincadeiras. No que se refere ao Ensino Fundamental,
46
entretanto, esses mesmos espaços, na maioria das escolas brasileiras, são
entendidos como inúteis e deixados de lado, em nome do saber cumulativo e
mecanicamente memorizado.
Por outro lado, em nosso entender, a utilização de tecnologia
informatizada torna-se questionável, pois não conseguimos reconhecer um alto
grau de ludicidade numa atividade repetitiva e mecânica como a manipulação e
utilização de um computador. Este pensamento nos leva a questionar se o
baixo desempenho dos alunos brasileiros, e a péssima posição do Brasil no
ranking mundial da educação, não se devem, entre outros motivos, à
desvalorização do lúdico em processos de ensino-aprendizagem.
47
2.2- O Desenho como ferramenta Psicopedagógica.
Seja no significado mágico que o desenho assumiu para o homem das cavernas, seja no desenvolvimento do desenho para a construção de maquinários no início da era industrial, seja na sua aplicação mais elaborada para o desenho industrial e arquitetura, seja na função de comunicação que o desenho exerce na ilustração, na história em quadrinhos, o desenho reclama a sua autonomia e sua capacidade de abrangência como um meio de comunicação, expressão e conhecimento. (DERDYK, 1998, p.29).
Desde os primeiros anos de vida, o ato de desenhar acontece de forma
muito natural nas crianças, mesmo antes de ingressar na escola. Ao
observarmos o comportamento infantil, podemos perceber o quanto o desenho
é uma manifestação não somente espontânea, mas também comum a quase
todas elas.
O estudo das possibilidades educativas do desenho infantil sempre
esteve presente nas investigações relativas à construção do conhecimento
humano, realizadas por Piaget e Vygotsky, bem como por muitos outros
pesquisadores dedicados ao estudo das teorias de aprendizagem de
orientação construtivista e sócio-interacionista.
Alguns teóricos, em concordância com estas teorias, pautaram suas
investigações a partir da assertiva que postula que a evolução do grafismo
depende do desenvolvimento da percepção e da compreensão da atividade
simbólica, o que resulta em grande correspondência entre a linguagem,
expressa pelo desenho, e os modelos culturais nos quais a criança está
inserida.
Segundo Lenninger (2006), tanto Piaget (1972) quanto Vygotsky (1987)
reconheceram a importância do desenho para o desenvolvimento intelectual da
criança, apesar das divergências existentes entre suas abordagens. Tais
diferenças relacionam-se ao fato de que a pesquisa de Piaget (1972) enfatizou
aspectos relativos à origem e construção do conhecimento pelo indivíduo,
enquanto Vygotsky (1987) privilegiou a interação social. Diz:
48
Embora a obra de Vygotsky seja uma crítica aos primeiros trabalhos de Piaget, ele foi muito influenciado por elas, existindo similaridades essenciais entre eles. Isto é particularmente óbvio em suas visões sobre o desenvolvimento das habilidades cognitivas como um processo que ocorre em estágios através dos quais o pensamento sofre mudanças não somente quantitativas, mas também qualitativas. (LENNINGER, 2006. p. 01) ‘tradução nossa’.
Em relação ao processo de ensino-aprendizagem, Vygotsky (1991)
afirma que o desenho infantil é o precursor da escrita e que, “... na verdade, o
segredo do ensino da linguagem escrita é preparar e organizar adequadamente
essa transição natural...” (VYGOTSKY, 1991, p. 131).
Já para Piaget e Inhelder (1979), é a função semiótica que capacita a
criança a representar um objeto que não esteja presente (um significado),
através de outro objeto, que está presente (um significante), ou seja, a mesma
possibilita o desenvolvimento da habilidade infantil de atribuir significado aos
objetos. Desta forma, o desenho seria apenas mais uma das manifestações
desta função, desenvolvendo-se paralelamente a outras, como o brinquedo e a
linguagem, e compartilhando o processo de desenvolvimento em etapas
característico da relação entre a criança e o mundo.
Na visão de Vygotsky (1991), a cultura define nosso modo de pensar e
aprender, consistindo num sistema de significação que se apresenta como um
processo dinâmico, modelado por diferentes grupos culturais. Segundo o autor,
sistemas de significação, ou sistemas simbólicos, são os meios pelos quais
idéias são compartilhadas pelos membros do mesmo grupo.
Assim, formas específicas de linguagem, como desenho, gesto e
palavra, são instrumentos de apropriação de cultura pelas crianças, que lhes
permite compreender o mundo e orientam suas ações sobre o meio em que
vivem.
Vygostky (1991) observa que existe um estreito vínculo de continuidade
entre as diferentes representações simbólicas realizadas pela criança ao
desenhar e brincar, visto que estas duas atividades contribuem, para o
processo de aquisição da linguagem escrita. Segundo o autor, o início do
desenvolvimento da escrita para a criança ocorre com o surgimento do gesto,
49
enquanto “signo visual inicial que contém a futura escrita infantil como a
semente contém o futuro carvalho” (VYGOTSKY, 1991, p.121).
Deste modo, os desenhos, brincadeiras e gesticulações das crianças
estão relacionadas ao desenvolvimento das habilidades manuais necessárias
ao ato de escrever, bem como ao processo de desenvolvimento intelectual que
permitirá a compreensão e utilização dos sistemas de escrita.
O autor ressalta que as crianças somente começam a desenhar quando
já possuem determinado grau de desenvolvimento da linguagem falada, o que
demonstra que “o desenho é uma linguagem gráfica que tem por base a
linguagem verbal...” (VYGOTSKY, 1991, p. 127).
Esta relação entre expressão por meios gráficos e a habilidade de
organizar o pensamento através de palavras caracteriza o desenho como um
elemento importante para o desenvolvimento da comunicação lingüística pelas
crianças.
De acordo com Vygotsky (1991) durante a fase escolar, existe uma
tendência evolutiva que se inicia com a escrita pictográfica, baseada em
representações simplificadas de objetos reais, progredindo em direção à escrita
ideográfica, que expressa idéias através de sinais simbólicos abstratos.
Durante este trajeto evolutivo, os traços aleatórios são gradativamente
substituídos por rabiscos simbolizadores, que serão substituídos por desenhos
e pequenas figuras até que, finalmente, a criança irá utilizar somente os signos
socialmente adequados. Para ele, é possível “... interpretar o desenho das
crianças como um estágio preliminar no desenvolvimento da linguagem
escrita.” (VYGOTSKY, 1991, p. 128).
Desta forma, a escrita se desenvolve quando a criança substitui o
desenho de objetos pelo desenho de palavras, de modo que o
desenvolvimento da linguagem escrita ocorre através de um processo unificado
que engloba o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e o ato de escrever.
Para o autor, o aprendizado da escrita é um processo que começa nos
primeiros rabiscos que a criança executa ao representar objetos, e que evolui
até a comunicação por meio de sinais simbólicos, ou seja, por meio do sistema
de escrita da sociedade na qual a criança está inserida.
Em análise, Vygotsky (1991) afirma que o ensino da linguagem escrita
deveria ser transferido para a pré-escola, visto que crianças em idade pré-
50
escolar já são capazes de descobrir a função simbólica da mesma. Além disso,
o autor enfatiza o fato de que a escrita deva ter significado e importância para
as crianças, e sua importância deve ser demonstrada a elas. Para ele, “só
então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá, não como hábito de
mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem.”
(VYGOTSKY, 1991, p.133).
Vygotsky (1991) enfatiza, também, a necessidade de que as crianças
aprendam a escrever de forma natural, conjugando-se os aspectos motores à
atividade lúdica, de modo que o aprendizado seja absorvido de modo natural, e
não como uma atividade repetitiva e mecânica. Na concepção deste autor, para
que a transmissão de conhecimentos relativos ao ato de escrever seja eficaz,
as crianças “... devem sentir a necessidade do ler e do escrever no seu
brinquedo...” (VYGOTSKY, 1991, p.134).
O desenho infantil, tanto na abordagem construtivista quanto na sócio-
interacionista, foi analisado como uma atividade que ocorre em fases cujo
desenvolvimento é progressivo, e que ocorre em instâncias que podem ser
relacionadas aos diferentes períodos de desenvolvimento intelectual do ser
humano.
Para Vygotsky (1982), a primeira etapa do desenho infantil é a Etapa
Simbólica, na qual as crianças desenham a figura humana como bonecos
simplificados, representados de forma arbitrária e esquemática. Para ele,
durante esta etapa, a criança representa somente formas esquemáticas que
simbolizam os atributos dos objetos e: “o pequeno artista é muito mais
simbolista que naturalista” (VYGOTSKY, 1982, p.94). ‘tradução nossa’.
A segunda etapa é classificada como Etapa Simbólico-Formalista, na
qual os traços são mais elaborados e os recursos gráficos utilizados
apresentam maior grau de sofisticação. Durante esta etapa a criança percebe
que não precisa limitar-se à enumeração linear de aspectos concretos do
objeto representado, estabelecendo relações entre o todo e as partes menores.
O simbolismo ainda está presente, mas o desenho apresenta contornos mais
próximos da forma dos objetos representados.
51
Durante a terceira etapa, classificada como Etapa Formalista
Verdadeira, o registro gráfico corresponde a uma tentativa de representar a
forma original dos objetos, ocorrendo um distanciamento do simbolismo
presente nas fases anteriores. A quarta etapa é classificada como Etapa
Formalista Plástica, na qual o desenvolvimento viso-motor da criança permite
que o objeto seja representado de maneira bastante realista. Para o autor, as
crianças que continuam produzindo desenhos durante esta fase consideram
esta atividade como uma fonte de grande prazer estético e sensorial.
A teoria construtivista também concebe a evolução do desenho infantil
como um fenômeno que ocorre em fases, dentre as quais a primeira,
classificada como Fase da Garatuja, se manifesta durante o Período da
Inteligência Sensório-Motora (0 a 2 anos), e se divide em dois momentos
distintos. No primeiro momento, classificado como Fase da Garatuja
Desordenada, a imitação da forma de um objeto ainda não é acompanhada de
representação, e mantém as características físicas mais evidentes do mesmo.
O segundo, classificado como Fase da Garatuja Ordenada, corresponde a um
estágio no qual já existe certo grau de coordenação entre a visão e a atividade
física necessária para produzir um desenho mais preciso. Neste estágio, já
estão presentes o símbolo e o jogo simbólico, além de narrativas.
Na segunda fase, classificada como Fase do Pré-Esquematismo, e que
ocorre durante o Período Pré-Operacional (2 a 7 anos), o desenho demonstra a
possibilidade de relacionar o mundo real e o pensamento infantil, apesar de
que a execução é ainda fragmentada e desprovida de relações espaciais
coerentes entre os objetos desenhados. Dentre estes objetos, a figura humana
aparece de forma preponderante e atua como referencial para todos os outros
objetos e relações, espaciais ou emocionais, bem como para a evolução da
habilidade infantil de lidar com símbolos.
Durante a terceira fase, classificada por Piaget como Fase do
Esquematismo e que pertence ao Período Operacional Concreto (dos 7 aos
11/12 anos), a criança apresenta uma percepção mais concreta do espaço
físico. Esta ampliação de sua capacidade de desenhar a realidade concreta do
mundo que a cerca manifesta-se na presença da linha que simboliza o chão,
bem como pelo uso de cores, que podem ter conteúdo emocional. Nesta fase,
52
ao desenhar a figura humana, a criança registra detalhes anatômicos mais
realistas e contornos mais definidos.
A quarta fase, classificada como Fase do Realismo, manifesta-se
durante os momentos finais do Período Operacional Concreto. Nesta fase a
criança demonstra senso crítico, percepção das diferenças entre os sexos e
ênfase na expressão das emoções. As relações espaciais são mais
sofisticadas e não dependem tanto da linha, passando a adquirir proporções
geométricas mais acentuadas.
A quinta fase, classificada como Fase do Pseudo Naturalismo, pertence
ao Período Operacional Abstrato (11 anos em diante) e se caracteriza por
reduzida espontaneidade de execução, realismo visual e expressão subjetiva e
detalhes anatômicos bem pronunciados.
É possível notar que os estudos sobre a evolução do desenho e da
escrita infantis, registraram a existência de estágios de desenvolvimento na
qual as habilidades expressivas da criança evoluem no sentido de maior
capacidade de representação simbólica.
Esta evolução em direção à representação mental cada vez mais
elaborada, bem como o crescente domínio de sistemas simbólicos aproxima
desenho e escrita como importantes ferramentas de aquisição da linguagem.
De acordo com Maciel (2009), nas fases iniciais do aprendizado da
leitura e escrita, a primeira dificuldade consiste em diferenciar desenho e
escrita. Conforme ensina a autora, neste momento, como ainda não
conseguem compreender esta diferença, as crianças solucionam
precariamente o problema por meio da imitação do ato de escrever. Diz:
Durante os primeiros contatos da criança com marcas gráficas impressas em livros, cadernos, cartazes, inicia-se um longo processo de construção de esquemas conceituais cujo primeiro desafio consiste em distinguir o que é desenho do que é escrita. Neste primeiro momento, ainda sem fazer esta distinção, a criança se propõe a imitar o ato de escrever. Como num jogo, ela crê que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras imitando a ação de escrever. (MACIEL, 2009, p. 47).
53
Na busca pela compreensão dos processos infantis de aprendizagem, e
também das relações entre desenho e construção de conhecimentos de leitura
e escrita, os estudos de Ferreiro (2003) orientaram-se pelas teorias de Piaget
(1972).
Ao analisar os desenhos infantis da fase inicial, a autora notou que as
crianças não conseguem diferenciá-los, fundamentalmente, da escrita.
Segundo ela, a criança não se sente segura em relação à utilização de
palavras e apóia-se no desenho como um recurso adicional para garantir a
transmissão do significado que deseja expressar. Por exemplo: ao escrever a
palavra elefante, ela se utiliza de uma grafia cujo tamanho é muito grande, ao
passo que ao escrever a palavra formiguinha, utiliza letras bem pequenas. Diz:
Diferenciar a atividade de desenhar da atividade de escrever é importante porque a escrita, para as crianças pequenas, recupera o que se pode desenhar: o nome do objeto desenhado. (FERREIRO, 2003, p.150).
Podemos perceber que alguns pesquisadores concordam com as
assertivas que afirmam que o desenho precede à escrita e contribui para o
desenvolvimento infantil, bem como para um maior aproveitamento do
aprendizado do sistema de escrita.
Ao constatarem que, inicialmente, as crianças não diferenciam o
desenho da escrita, alguns autores, aconselham a aproximação entre
atividades lúdicas, desenho e processos de aquisição de sistemas de escrita,
como é o caso de Vygotsky (1991):
Desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo através de seus momentos críticos até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente objetos, mas também a fala. Se quiséssemos resumir todas essas demandas práticas e expressá-las de uma forma unificada, poderíamos dizer o que
54
se deve fazer é, ensinar às crianças a linguagem escrita e não apenas a escrita de letras. (Vygotsky, 1991, p.134).
A partir das reflexões deste capítulo, podemos depreender que a
atividade lúdica e os atos de escrever e desenhar são compreendidos como
elementos cuja conjugação pode colaborar para o processo de gradual
substituição do desenho de objetos pela escrita de palavras, bem como para a
aquisição da linguagem pelo homem.
Segundo nosso entendimento, a inserção do desenho em processos de
ensino-aprendizagem em geral, e especificamente, no que concerne ao nosso
estudo, torna-se uma intervenção psicopedagógica de cunho preventivo, visto
que o desenho possui a capacidade de facilitar a compreensão e a construção
de significação e conhecimentos.
Ora, se por um lado a criança desenha instintivamente o que procura
compreender e se, por outro, o desenho, como vimos, é uma ferramenta de re-
significação, a mesma poderá servir como elemento facilitador no processo de
ensino-aprendizagem durante o ensino fundamental, corpus de nossa
proposta. Nessa perspectiva, como nos fala Gonçalves (1999 apud Pereira,
2007), o psicopedagogo tem a possibilidade de “... intervir nesse processo, seja
para potencializá-lo ou para sanar possíveis dificuldades, utilizando
instrumentos próprios da psicopedagogia...” (GONÇALVES, 1999 apud Pereira,
2007, p.6).
55
CAPÍTULO III
A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA DO
APRENDIZADO DE SEGUNDA LÍNGUA
3.1. O processo de ensino-aprendizagem da língua chinesa
As tradições, usos e costumes da cultura chinesa são praticamente
desconhecidos pela sociedade brasileira. A China é um país de história
milenar que apresenta grandes diferenças regionais, étnicas e principalmente
lingüísticas.
Para os falantes de língua portuguesa, o aprendizado da língua chinesa,
pode se constituir em um imenso desafio, devido às diferenças entre estas
duas línguas.
No que concerne ao embasamento teórico necessário à eficaz atuação
do psicopedagogo, o processo de ensino-aprendizagem de uma segunda
língua não apresenta os mesmos parâmetros de investigação psicopedagógica
que o aprendizado da língua materna.
Segundo Yip e Matthews (2007), o aprendizado de uma segunda língua
induz à noção de que a criança já é fluente em sua língua materna, enquanto
que aprendizado bilíngüe reporta-se à análise da relação entre os níveis de
conhecimento adquiridos sobre as duas línguas estudadas. Conforme afirmam
os autores:
Classificar uma das línguas faladas por uma criança bilíngüe como uma segunda língua implica no fato de que esta língua deve possuir a mesma natureza e status da segunda língua falada por uma criança ou adulto que já aprendeu pelo menos uma língua. (YIP; MATTHEWS, 2007, p. 23) ‘tradução nossa’.
56
No que concerne ao aprendizado escolar, as imensas diferenças
estruturais entre a língua portuguesa e a chinesa resultaram em metodologias
de ensino totalmente diferentes.
De acordo com Störig (1990), a língua portuguesa pertence à família
indo-européia e é descendente do latim, língua falada pelos soldados romanos
que colonizaram as regiões que atualmente correspondem à Espanha e
Portugal, entre os anos de 218 a.C. e 201 a. C..
Deste modo, as metodologias de ensino desta língua, adotadas no
Brasil, orientam-se por parâmetros adotados para o ensino das línguas que
utilizam sistemas de escrita alfabética, e que evoluíram a partir do latim.
Em relação a orientações pedagógicas e metodológicas, o ensino da
língua portuguesa em escolas brasileiras é determinado pelas diretrizes
expostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento elaborado
pelo Governo Brasileiro. As diretrizes educativas contidas neste documento
serão analisadas no capítulo 4.1.
Ainda em Störig (1990), a Língua Chinesa pertence à família sino-
tibetana, ou seja, a um grupo de línguas falado na Ásia, cuja origem, sistema
de escrita, pronúncia, história e estrutura gramatical não têm absolutamente
nada em comum com as línguas indo-européias.
Em virtude destas circunstâncias, a investigação psicopedagógica dos
respectivos processos de ensino-aprendizagem requer significativas diferenças
de abordagem.
De acordo com Jia¹ e Jia² (2005), existe uma relação muito estreita entre
o sistema de escrita de uma sociedade e os padrões de pensamento das
pessoas que nela vivem.
Os sistemas de escrita são criados e refletem a cultura, as mentes e a realidade social que os originou. A mente e a cultura das pessoas que ali vivem, por sua vez, são fortemente influenciadas pelos sistemas de escrita dos quais se utilizam. (JIA¹ e JIA², 2005, p. 151) ‘tradução nossa’.
57
Para Carvalho (1988), os processos de aprendizagem das línguas indo-
européias, como a língua portuguesa, baseiam-se em estruturas de raciocínio
baseadas na lógica linear característica dos métodos de ensino difundidos na
Europa a partir da influência da filosofia grega.
Este modo de raciocinar é completamente diferente dos sistemas de
pensamento adotados por indivíduos nascidos no Oriente.
Segundo Yutang (1955), o sistema filosófico chinês para conhecimento
da realidade que originou a tradição educacional daquele país, nada possui em
comum com os modelos de raciocínio lógico ensinados pelos educadores e
filósofos gregos.
De acordo com esta autora, a filosofia grega e a chinesa não utilizam
pressupostos epistemológicos, ou seja, diretrizes para investigação de
processos de construção de conhecimento, bem como terminologias de
exposição acadêmica, que possuam pontos em comum. Diz:
Que é, na realidade, a filosofia chinesa? E possui a China uma filosofia, digamos, como a de Descartes ou de Kant, uma filosofia de conhecimento da realidade ou do universo, filosofia logicamente construída e vigorosamente sustentada? A resposta é um altivo “Não”. Nisso está todo o problema. Quando se trata de filosofia sistemática, a China tem de importá-las da Índia. Nunca houve ali inclinação para a filosofia sistemática, e não haverá, enquanto os chineses continuarem chineses. (YUTANG, 1955, p.8).
Para ela, além dessas diferenças, as terminologias e técnicas de
exposição de conhecimentos utilizadas pelos intelectuais chineses são
completamente diferentes das utilizadas pelo mundo acadêmico ocidental:
A China nem sequer possui a gíria acadêmica de que tanto gostam os sociólogos e psicólogos norte-americanos e que se torna tão necessária para a construção de qualquer teoria acadêmica impermeável. (YUTANG, 1955, p.8).
58
Desta forma, tanto as diretrizes utilizadas por pesquisadores e filósofos
chineses para investigar processos de construção de conhecimento quanto a
forma de exposição dos resultados obtidos, diferem totalmente dos métodos
ocidentais.
De acordo com alguns autores, como Jia¹ e Jia² (2005), Jia³ (2010) e
Tavassoli (1999), os diferentes métodos de escrita utilizados por estudiosos e
filósofos ocidentais e chineses para transmitir conhecimentos podem ter
colaborado para a formação de sistemas de pensamento e ensino muito
diferentes entre si.
Segundo Jia² (2005), o sistema de escrita chinesa, desenvolvido ao
longo de mais de seis mil anos, atuou como verdadeiro agente modelador dos
padrões de pensamento daquela civilização. De acordo com este autor,
existem estudos que afirmam, inclusive, que este sistema modelou a
organização das funções cerebrais relativas à leitura e, até mesmo, o
comportamento social do povo chinês.
Ainda conforme Jia² (2005), a diferença primordial entre os processos
de pensamento dos povos ocidentais e orientais é o fato de que a maneira
ocidental de pensar baseia-se numa sucessão linear de idéias que são
relacionadas entre si até que uma solução, ou conclusão, seja encontrada. Já o
modo oriental privilegia estruturas não-lineares de encadeamento de idéias,
nas quais o indivíduo relaciona conceitos por meio de analogias, comparações,
justaposições e contraposições, aceitando um resultado final, ou conclusão, no
qual ainda existe a possibilidade de interpretação de sentido. Diz:
É verdade que discursos oriundos de diferentes sistemas lingüísticos podem compartilhar estruturas similares de organização formal. Estudos recentes comprovaram que diferentes culturas podem utilizar esquemas comuns de compreensão e memória. Devemos admitir, entretanto, a existência de diferenças substanciais em relação a aspectos comportamentais. Pesquisadores contemporâneos verificaram que apesar da possível existência de similaridades entre a organização mental de discursos, o discurso ocidental favorece a lógica linear de pensamento, enquanto que o discurso oriental enfatiza a organização não-linear do pensamento. (JIA², 2005, p. 90) ‘tradução nossa’.
59
Além das diferenças de pronúncia, a língua portuguesa utiliza o sistema
alfabético de escrita, ou seja, é escrita por meio de letras. A língua chinesa, ao
contrário, é registrada por meio de marcas gráficas denominadas “caracteres
chineses”, que são traços cuja combinação original derivou de desenhos.
A pesquisa de Cagliari (1997) afirma que todo sistema de escrita possui
um aspecto funcional e um aspecto gráfico, cuja união é similar ao enlace entre
significado e significante no signo lingüístico. De acordo com o autor, o
significado se refere ao sentido das palavras, enquanto o significante reporta-
se aos sons. Deste modo, os aspectos funcionais da escrita correspondem ao
âmbito do significado e as características gráficas, cuja unidade é o caractere,
aludem ao significante.
Tavassoli (1999) defende a idéia de que as diferenças existentes entre
os processos de aquisição dos sistemas de escrita alfabética e o da escrita
chinesa, afetam diretamente os processos de memorização de conceitos,
palavras, imagens e, principalmente, a associação entre informações não-
verbais e palavras. Segundo este autor, tais diferenças resultam em maior
capacidade de realizar processos de memorização, por parte de usuários do
sistema chinês, além da maior tendência, apresentada pelos mesmos, de
potencializar tais processos ao conjugá-los com informações sonoras.
Em relação a estas diferenças, Jia² (2005) afirma que a leitura dos
caracteres chineses possibilita compreensão imediata do que cada caractere
significa, visto que os mesmos são compostos por unidades gráficas que
funcionam como veículo de seu significado. Para ele, ao contrário dos signos
lingüísticos dos sistemas alfabéticos, a relação entre significante e significado
no sistema de escrita chinesa não é arbitrária, pois é baseada na relação do
caractere com a forma do objeto que representa. Desta forma, uma das
diferenças mais importantes entre os dois sistemas é o fato de que a
compreensão do significado no sistema de escrita alfabética baseia-se
somente em regras fonológicas, enquanto que, no caso da escrita chinesa, a
mesma obedece a regras de reconhecimento visual.
A figura 1 exemplifica as relações citadas. Em língua chinesa, a palavra
“estábulo” corresponde ao caractere gào, cuja grafia obedece a regras de
correspondência visual. O caractere deriva do desenho de uma vaca
60
alimentando-se num sorvedouro de curral, significando “o local onde as vacas
se alimentam”, ou seja, “estábulo”.
Entretanto, esta relação entre o significado de uma palavra e seu
reconhecimento visual, que é o fundamento do sistema de escrita chinesa, não
ocorre na língua portuguesa, na qual inexiste qualquer relação entre a grafia
das palavras e quaisquer elementos de natureza visual.
Ainda em Cagliari (1997), nos sistemas ideográficos, como o da escrita
chinesa, um caractere representa uma idéia, que pode ser expressa por
apenas um caractere, ou pela combinação entre dois ou mais destes
elementos gráficos. Segundo este autor, estas combinações resultam na
formação de palavras, enquanto que nos sistemas fonográficos, como na
língua portuguesa, um caractere, isto é, uma letra, representa uma consoante
ou uma vogal. Desta forma, no sistema alfabético existe uma preponderância
do âmbito sonoro sobre o do significado e as palavras são formadas através de
combinações entre consoantes e vogais. Como propõe o autor:
As letras são os caracteres do sistema alfabético de escrita. Caractere é a denominação da menor unidade gráfica de qualquer sistema de escrita, não só do alfabeto. Nos sistemas ideográficos, como a escrita chinesa, um caractere representa uma idéia, que pode ser expressa por uma palavra inteira ou por uma palavra composta. Nos sistemas fonográficos, como o nosso, um caractere representa um segmento fonético do tipo consoante ou vogal. (CAGLIARI, 1997. p. 13).
Já a perspectiva construtivista de Dirven (2004), concebe a linguagem
como um sistema de comunicação que se utiliza de signos, e a ciência
semiótica como aquela que se dedica ao estudo sistemático dos três tipos de
signos: índices, ícones e símbolos. Para ele, signo icônico, ou simplesmente
ícone, é um elemento gráfico cuja forma é similar à imagem do objeto
representado, como é o caso do pictograma. Já o índice é o signo que auxilia
na compreensão imediata da mensagem como, por exemplo, a placa rodoviária
61
que indica o caminho para determinada cidade por meio de uma seta colocada
ao lado do nome da mesma.
Para este autor, no signo simbólico, ou seja, no símbolo, a relação entre
forma e significado é puramente convencional e a compreensão do significado
ocorre pelo fato de existir um consenso social a respeito de sua significação.
Logo, as palavras, escritas ou faladas, são os exemplos mais comuns de signo
simbólico.
O signo lingüístico, na concepção de Saussure (2006), caracteriza-se
pela arbitrariedade, visto que não existe nenhuma relação natural entre um
objeto ou conceito e a seqüência de sons que lhe serve de significante. Para o
autor, esta arbitrariedade é uma característica dos signos do sistema de escrita
alfabética, pois não existe nenhuma relação entre uma letra e o som que a
representa. Segundo ele, no caso dos sistemas de escrita alfabética, “o
significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual
não tem nenhum laço natural na realidade.” (SAUSSURE, 2006, p.83).
Além das peculiaridades estruturais da língua chinesa, nas quais a
relação entre expressão gráfica e significado é mais imediata, o
desenvolvimento histórico e cultural da China determinou o surgimento de
tradições pedagógicas e metodologias de ensino-aprendizagem típicas daquele
país.
Segundo Demao (1989), os modelos e métodos de ensino-
aprendizagem típicos da China foram fortemente influenciados pelas doutrinas
de Confúcio (551 a.C.- 479 a.C.), o sábio chinês que fundou a primeira escola
particular naquele país e cujos ensinamentos influenciaram, além do sistema
de ensino chinês tradicional, os legados culturais e os métodos de ensino-
aprendizagem do Japão e de outros países orientais.
De acordo com Mendoza (2003), a filosofia de Confúcio exerce
influência significativa sobre mais de um quinto da população mundial há mais
de dois mil e quinhentos anos e, na China, sua figura confunde-se com o
próprio conceito de Educação. O autor ressalta que os princípios educacionais
elaborados por Confúcio influenciaram os padrões educacionais chineses
desde o século II a.C., quando sua ideologia foi adotada como doutrina oficial
do Império Chinês. A partir desta época, suas teorias orientaram toda a
62
metodologia pedagógica tradicional daquele país, mormente em relação ao
processo de memorização e aprendizagem do sistema de escrita chinesa.
Como ensina Mendoza (2003):
O projeto pedagógico de Confúcio é, em muitos aspectos, uma vigorosa tentativa de salvação de uma sociedade que se desagregava a olhos vistos, em que os desenvolvimentos tecnológicos e políticos questionavam os valores sociais básicos, condenando as pessoas a uma vida sem balizas ou referenciais (...). Para resgatar tais valores, Confúcio revisou, compilou e reescreveu a literatura existente e iniciou a transmissão e o cultivo das seis artes: rituais, música, arco e flecha, condução de carruagem, aritmética e caligrafia. (MENDOZA, 2003, p.2) (grifo nosso).
Ainda em Mendoza (2003), Confúcio não concordava com nenhum tipo
de desobediência aos ritos tradicionais que regulavam tanto o protocolo dos
governantes quanto os demais aspectos da vida social da época em que vivia.
Para aquele sábio chinês, o mundo era um sistema fechado de ritos de
obediência no qual todas as relações deveriam ser reguladas pelo respeito aos
valores do passado. Desta forma, as gerações do presente deveriam respeitar
as tradições das gerações anteriores; os filhos deveriam obedecer
incondicionalmente aos pais; o cidadão deveria se sujeitar ao governante e o
estudante da língua chinesa deveria se submeter às rígidas regras de escrita
dos caracteres.
Os preceitos confucionistas consideravam o aprendizado da língua
chinesa como uma relação na qual o aprendiz deveria reverenciar os
caracteres e o sistema de escrita como um todo. Deste modo, segundo o
confucionismo, em função das dificuldades de aprendizado do sistema de
escrita chinês, os estudantes deveriam se submeter a uma metodologia de
aprendizado muito rígida, da qual a repetição exaustiva e a memorização
mecânica cumpriam papel central.
Ainda em Mendoza (2003), durante a Revolução Cultural Chinesa,
liderada pelo líder político Mao Zedong e iniciada em 1976, os métodos
63
tradicionais de ensino na China foram severamente questionados,
principalmente pelo fato de que os mesmos seguiam princípios confucionistas.
A partir desta época, os métodos educacionais tradicionais começaram a
ser questionados na China e, desde então, os diferentes sistemas de governo
que assumiram o poder buscaram formas de modernizar e melhorar a
educação popular.
De acordo com Jia³ (2010), a reforma do ensino promovida pelo governo
chinês, a partir das últimas décadas do século XX, permitiu a introdução das
teorias de Piaget e Vygostky nas escolas chinesas, e tal fato resultou em
conseqüências significativas para o processo de reforma educacional daquele
país. Para o autor estas teorias, que preconizam a construção do
conhecimento pelo indivíduo, bem como a influência da interação social no
aprendizado e desenvolvimento humano, exerceram influência decisiva na
elaboração das propostas pedagógicas adotadas contemporaneamente na
China.
Apesar das pesquisas empreendidas por estudiosos chineses, sobre os
ensinamentos construtivistas e sócio-interacionistas, existem grandes
diferenças entre os modelos tradicionais de ensino dos países ocidentais e
ocidentais.
Segundo Carvalho (1988), os sistemas educacionais dos países
ocidentais originaram-se a partir dos ensinamentos dos filósofos gregos
Sócrates (469 a.C.-399 a.C.), Platão (428 a.C.-347 a.C.) e Aristóteles (384
a.C.-322 a.C.). Para este autor, o ensinamento destes filósofos, baseado em
formas de raciocínio linear e analítico, modelou o sistema de pensamento e o
ordenamento pedagógico adotado nas escolas dos países ocidentais.
Já nos países orientais, a tradição filosófica que influenciou a formação
dos sistemas educacionais baseou-se em pressupostos totalmente diferentes.
No caso da China, como visto anteriormente, o sistema de ensino tradicional foi
concebido a partir dos ensinamentos de Confúcio, cujo sistema de pensamento
difere por completo do modelo ocidental.
As pesquisas de Li (2011) afirmam que os modelos pedagógicos
adotados naquele país, resultantes da influência milenar das lições de
64
Confúcio, prescrevem, além de regras de conduta moral, procedimentos para
memorização dos caracteres, bem como para o aprendizado da língua chinesa,
baseados na repetição mecânica de conteúdos. Segundo o autor:
Nos estudos sobre o processo de ensino-aprendizagem de línguas, utilizado por estudantes chineses, a memorização por repetição mecânica sempre ocupou o papel principal, devido ao legado do Confucionismo, que tem sido a principal influência por 2.500 anos. (LI, 2011, p. 21) ‘tradução nossa’.
Em concordância com Li (2011), Chang (2001), aponta a influência do
confucionismo como o principal motivo da valorização de métodos de
memorização mecânica pelo sistema de ensino chinês tradicional, bem como
por alunos e professores chineses, residentes ou não na China. Entretanto, o
autor ressalta que, apesar da ênfase na repetição mecânica de conteúdos, o
método de Confúcio aconselhava, aos estudantes chineses, aprofundamento e
reflexão sobre todo e qualquer assunto estudado. Desta forma, apesar de exigir
respeito incondicional às regras de formação de caracteres, o sábio também
ensinava que adquirir conhecimento sem submeter os conteúdos à reflexão
não resultaria em aprendizado com qualidade.
Yutang (1955) concorda com Li (2011) e Chang (2001), e salienta que,
apesar da forte presença de métodos de memorização mecânica nos meios
educacionais chineses, existem obras de Confúcio nas quais a análise crítica
dos conteúdos estudados é estimulada, e a leitura executada sem pensamento
crítico é desencorajada. A autora ressalta que para Confúcio “ler sem pensar
nos dá um espírito desordenado e pensar sem ler faz ficarmos desequilibrados”
(YUTANG, 1955, p. 275).
No entanto, de acordo com Li (2011), o sistema educacional chinês
tradicional privilegiava e estimulava o aprendizado mecânico, e a persistência
de técnicas de aprendizado mecânico no sistema educacional da China foi um
dos principais motivos pelos quais o governo orientou os órgãos responsáveis
65
pela reforma do ensino a empreender pesquisas sobre teorias de
aprendizagem cuja fundamentação teórica atendesse a requisitos científicos.
Segundo o autor, a figura 2 exemplifica as técnicas de aprendizagem
que o sistema de ensino tradicional orientava os alunos a utilizar.
De acordo com Yimin (2006), o Escritório de Assuntos Estrangeiros e o
Departamento de Elaboração de Exames, que pertencem ao Escritório
Nacional para o Ensino de Língua Chinesa como Língua Estrangeira - NOCFL,
National Office for Teaching Chinese as a Foreign Language, todos regidos
pelo Ministério da Educação da República Popular da China, são os órgãos
responsáveis pelo ordenamento metodológico que deve ser adotado em todas
as escolas que ensinam a língua chinesa como língua estrangeira, tanto na
China quanto em outros países.
Estes órgãos estabelecem rígidas diretrizes metodológicas para o ensino
desta língua como língua estrangeira, a partir de parâmetros curriculares
oficiais, expressos na “Lista Oficial dos Caracteres Mais Utilizados em Língua
Chinesa Moderna” (1988), publicada pelo Ministério da Educação da República
Popular da China em conjunto com a Comissão Governamental de Linguagem,
bem como no Escopo Geral de Glossários e Caracteres (2001), publicado pelo
Comitê Nacional para o Teste Nacional de Proficiência em Língua Chinesa
Hanyu Shuiping Kaoshi (HSK).
Segundo McNaughton (2005), o governo da República Popular da China
realizou, em 1950, a reforma do sistema de escrita chinesa, publicando
naquele ano, a “Lista dos 2000 Caracteres Chineses Mais Utilizados” e, em
1996, os “Parâmetros Vocabulares e Gramaticais da Língua Chinesa & Lista de
Caracteres Apresentados em Progressão de Complexidade” (Hanyu Shuiping
Cihui Yu Hanzi Dengji Dagang, ou HSCHDD). Segundo este autor, o governo
chinês também estabeleceu as diretrizes do conteúdo programático oficial para
o teste Hanyu Shuiping Kaoshi, ou HSK, cujo objetivo é avaliar os
conhecimentos de estrangeiros, bem como de chineses nascidos fora da
China, sobre a Língua Chinesa.
Conforme determina o plano de estudo sugerido pelos Parâmetros
Vocabulares e Gramaticais da Língua Chinesa (HSCHDD) publicado em 1996,
o aprendizado dos 2.205 caracteres necessários para escrever 5.253 palavras,
66
deve ser realizado durante os dois primeiros anos de estudo. Este vocabulário
inicial é dividido em três listas de palavras:
1) A primeira lista, classificada como Lista A, contém os 800 caracteres
necessários para escrever as 1.033 palavras mais utilizadas em língua chinesa.
2) A segunda lista, classificada como Lista B, contém mais 804
caracteres necessários para escrever as 2.018 palavras usadas
freqüentemente.
3) A terceira lista, classificada como Lista C, contém mais 590
caracteres, além de 11 caracteres classificados como “suplementares”,
necessários para escrever 2.202 palavras cuja freqüência de uso está abaixo
da Lista B.
Durante o terceiro e o quarto ano de estudo, o aluno estudará a Lista D,
e conhecerá novas 3.569 palavras, classificadas como “de uso comum”, bem
como os 700 caracteres necessários para escrevê-las.
McNaughton (2005) afirma que os conhecimentos avaliados pelo teste
HSK baseiam-se nas diretrizes curriculares expressas pelos Parâmetros
Vocabulares e Gramaticais da Língua Chinesa (HSCHDD). Para ele,
atualmente é possível que qualquer estudante aprenda os 2000 caracteres
mais utilizados em um período de tempo que não seria possível antes da
publicação do HSCHDD e dos imensos esforços do governo chinês,
empreendidos para reformar o ensino naquele país desde 1950.
De acordo com este autor, a metodologia de memorização, significado e
grafia dos caracteres é apresentada, de forma completa, na terceira edição do
livro “Reading & Writing Chinese – A Comprehensive Guide to the Chinese
Writing System”, guia curricular adotado pelos estudantes chineses e
estrangeiros que se preparam para prestar o HSK.
A figura 3 exemplifica a metodologia utilizada nesta obra. Os caracteres
são apresentados em ordem numérica e a figura mostra os caracteres nº3 (nァ,
“mulher”) e nº4 (rén, “pessoa”), indicando o número de traços necessários para
escrevê-los, bem como a seqüência correta do traçado, ou seja, a grafia
correta. O texto explicativo indica a pronúncia e uma interpretação do
significado.
Os caracteres são apresentados em ordem de complexidade crescente,
isto é, de acordo com o número progressivo de traços, desde caracteres que
67
apresentam apenas um traço, até aquele que apresenta o número máximo de
23 traços. A ordem de traços está de acordo com as diretrizes governamentais,
expressas na Regulamentação da Ordem dos Traços dos Caracteres Chineses
Usados Mais Freqüentemente, elaborada pela Comissão de Administração de
Imprensa e Publicações da República Popular da China em 1997.
A figura 4 exemplifica a apresentação da tabelas dos caracteres
compostos por 1, 2 e 3 traços, conforme apresentado na obra citada.
Na diagramação da figura 4, o número no início de cada coluna refere-se
ao número de traços necessários para escrever os caracteres apresentados
em cada grupo. Ao lado de cada caractere podemos ler a pronúncia adequada,
escrita no sistema alfabético ocidental. Esta é a representação fonética do
dialeto chinês conhecido como “Mandarim”, e oficialmente classificada como
alfabeto pinyin.
De acordo com Kantor (1981), existem mais de cinqüenta dialetos na
China, dentre os quais os mais importantes são o Cantonês, o Hakka e o
dialeto de Xangai. Segundo este autor, apesar da existência de muitos dialetos
em todo o território daquele país, o Mandarim é considerado como a língua
oficial, baseada no dialeto dos habitantes da cidade de Pequim. Desta forma, o
dialeto Mandarim é ensinado em todos os estabelecimentos escolares da
China, sendo utilizado pelos órgãos governamentais como língua das relações
internacionais, bem como por quase toda a população das regiões onde existe
um dialeto local.
Além das letras que indicam a pronúncia do dialeto Mandarim, o alfabeto
pinyin utiliza linhas desenhadas acima de cada sílaba para informar ao leitor os
detalhes da pronúncia.
Por exemplo, a pronúncia das palavras “agora”; “assim”; “não” e “sim”,
em Mandarim, de acordo com o alfabeto pinyin é, respectivamente, “xiànzài”;
“zhèiyàng”; “bú” e “shì”. De acordo com as normas deste alfabeto, cada sílaba
tônica é acentuada de acordo com a altura da voz humana ao pronunciá-la.
McNaughton (2005) observa que cada sílaba em Mandarim equivale à
emissão de determinada altura da voz humana, ou seja, cada sílaba
corresponde a um “tom” de voz diferente.
68
Cada tom é representado por uma linha desenhada acima da vogal
tônica, como foi demonstrado, e existem apenas quatro tons, representados
pelos seguintes signos gráficos: .
De acordo com Kantor (1981), o primeiro tom, representado por uma
linha horizontal ( ), equivale a uma emissão sonora uniforme, na qual a altura
da voz permanece a mesma durante toda a vocalização da sílaba.
Por exemplo: mダo, “gato”; kダi chパ, “dirigir um carro”; ダn, “paz”.
A representação gráfica das variações da altura da voz durante a
pronúncia das sílabas tônicas em Mandarim está demonstrada nas figuras 5, 6,
7 e 8. A figura 5 exemplifica a representação do primeiro tom: ( ).
A seta representa o tempo durante o qual o som é pronunciado, ou seja,
a duração da emissão da voz. O primeiro tom é representado como “5-5”,
significando que a altura da voz permanece a mesma durante toda a pronúncia
da sílaba.
A figura 6 exemplifica a representação do segundo tom: ( ). O segundo
tom é representado por uma linha ascendente ( ), equivalendo, na figura 6, ao
traçado “3-5”, ou seja, a voz parte de uma altura mediana, até alcançar a altura
máxima.
Por exemplo: nán, “difícil”; lái, “vir”; xué, “estudar”.
A figura 7 exemplifica a representação do terceiro tom: ( ).
O terceiro tom é representado por uma pequena letra “v”, desenhada
acima da sílaba tônica. A emissão vocal parte de uma altura baixa, diminuindo
ainda mais sua altura, para depois ascender novamente a uma altura mediana.
Tal variação sonora equivale, na figura 7, ao traçado “2-1-4”.
Por exemplo: shゎi, “água”; yゎ, “chuva”; hよo, “bom”.
A figura 8 exemplifica a representação do quarto tom: ( ).
O quarto tom ( ), é o tom descendente, no qual a voz inicia a emissão
sonora a partir da altura mais alta, descendo até o mais baixo e caracterizando
o traçado “5-1”. Por exemplo: kàn, “olhar”, bào, “jornal”; hào, “número”.
Após o aprendizado das estruturas básicas de representação da
pronúncia, inicia-se o aprendizado efetivo dos grupos de caracteres, segundo a
metodologia oficial do Governo. O aprendizado será então dividido de acordo
com a subdivisão nas listas A, B C e D e nos períodos de tempo como vimos
anteriormente.
69
3.2- Breve Histórico da formação dos caracteres chineses
Existem poucas informações sobre a origem dos caracteres chineses,
devido à inexistência de documentos confiáveis, o que resultou na
preponderância de fábulas e lendas em detrimento de documentação
acadêmica confiável.
De acordo com Wah (1980), uma das lendas mais conhecidas atribui a
autoria do sistema a Cダng Jí ( ) um dos ministros do Imperador Huáng Dì
( ).
Segundo esta lenda, Cダng Jí criou uma série de desenhos baseados
nas formas dos rastros deixados por animais, cujos traços foram reduzidos a
poucas linhas, em épocas subseqüentes, o que resultou em caracteres
expressivos. Deste modo, a origem e o traçado de todos os caracteres
chineses estão ligados ao ato de desenhar.
Estes caracteres primitivos, devido ao fato de terem se originado de
desenhos, foram classificados como Xiáng Xíng ( ) ou “formas de
imagens”, pelo erudito da Dinastia Han, Xゎ Shèn (30 d.C.-124 d.C.).
Tais caracteres designavam, principalmente, fenômenos da natureza, animais,
pessoas, plantas e ferramentas primitivas, como por exemplo, o caractere yuè,
>>>>>> que representa a lua, e rì que representa o sol.
A figura 9 e a figura 10 apresentam a evolução histórica do traçado
original destes caracteres, bem como os desenhos que originaram os
caracteres primitivos. A figura 9 apresenta o caractere rì, ( ), “sol” e a
figura 10 apresenta o caractere yuè ( ), “lua”:
Ainda segundo Wah (1980), quanto mais antigo o caractere, maior a
semelhança de seu traçado com a forma do objeto representado, como nos
casos dos caracteres shゎi ( ) “água”; chuダn, ( ) “rio”; shダn ( )
“montanha” e yゎ ( ) “chuva”. Para este autor, o sistema de escrita
chinesa reflete os valores culturais, fortemente relacionados a processos de
visualização, através da qual a civilização chinesa compreende e se relaciona
com o mundo.
70
Já para Jia¹ e Jia² (2005), o sistema de escrita reflete os valores culturais
e a realidade social das civilizações, bem como as especificidades culturais de
determinada sociedade modelam seu sistema ortográfico. Como ensinam os
autores:
Os diferentes sistemas de escrita, tanto os caracteres ou ideogramas chineses, quanto o alfabeto fonético e o sistema numérico, são criados pela cultura e refletem a mentalidade de uma civilização e sua realidade cultural. Reciprocamente, os sistemas de escrita exercem grande influência sobre os processos cognitivos daqueles que os utilizam. (JIA¹ e JIA², 2005, p. 151) ‘tradução nossa’.
De acordo com Wah (1980), o caractere rèn, ( ) “homem”, representa
força e poder, atributos típicos da posição social do homem na sociedade
chinesa. Do mesmo modo, os caracteres nァ ( ) “mulher” e mゎ ( )
“mãe”, também representam concepções culturais desta civilização sobre as
qualidades ideais da mulher, tais como humildade, subserviência ao marido e
modéstia.
Esta relação entre o desenho dos caracteres e as características dos
personagens sociais pode também ser percebida ao analisarem-se estas
figuras utilizadas como exemplos, que apresentam ilustrações presentes em
livros didáticos publicados atualmente, com o fito de ensinar a língua chinesa.
A figura 11 apresenta a evolução do caractere rèn ( ) “homem” e a
figura 12 apresenta a evolução do caractere nァ ( ) “mulher”.
A coluna da direita demonstra as modificações sofridas pelos caracteres
primitivos até o surgimento dos traçados contemporâneo, e o desenho central
mostra o conceito ou idéia que os originou, bem como as formas primitivas. O
caractere nァ ( ), “mulher” se originou do desenho de uma mulher ajoelhada
e o caractere rèn ( ), “homem” deriva do desenho de um homem com os
braços estendidos à frente, demonstrando sua força física.
71
Ainda em Jia¹ e Jia² (2005), em alguns caracteres, a relação entre a
representação gráfica e a forma do objeto representado é muito próxima dos
desenhos infantis, como nos casos dos caracteres mù ( ) “olho” (figura 13);
ér ( ) “orelha (figura 14) e koゎ ( ) “boca” (figura 15). O caractere mù
( ) “olho” se originou do desenho de um olho humano, o caractere ér
( ) “orelha”, do desenho de uma orelha humana e o caractere koゎ ( )
“boca”, do desenho de uma boca humana.
Além desses exemplos, tais características também estão presentes em
caracteres primitivos que representavam animais, como por exemplo: hゎ
( ) “tigre”; yang ( ) “ovelha”; xiàng ( )
“elefante”; mよ ( ) “cavalo” e niよo ( ) “pássaro”.
As figuras 16, 17 e 18 demonstram que os caracteres mよ ( )
“cavalo” (figura 16), niよo ( ) “pássaro” (figura 17) e xiダng ( )
“elefante” (figura 18) originaram-se a partir de desenhos.
Para Wah (1980), a importância da culinária na cultura chinesa pode ser
comprovada pela grande quantidade de caracteres primitivos que
representavam plantas e frutas, como um ( ) “árvore”; ca円 ( )
“grama” e mり ( ) “arroz”.
Muitos caracteres registram a evolução tecnológica e social, tais como
os que representam ferramentas agrícolas e utensílios domésticos, como dão
( ) “faca”; chパ ( ) “charrete”; zhoゎ ( ) “vassoura”; mりng
( ) “tijela”; ce ( ) “documento, livro”; yィ ( ) “pincel” e wよng
( ) “rede”.
Ainda de acordo com Wah (1980), os caracteres primitivos, evoluíram
para o estilo Zhり Shì ( ), que significa “ir direto ao assunto”, classificados
pelos filólogos ocidentais como “símbolos indiretos”. Tais caracteres
possibilitaram a transmissão de conceitos e idéias abstratas, o que resultou em
significativa ampliação das possibilidades de comunicação.
72
Para o autor a metodologia utilizada para a criação do estilo Zhり Shì
baseou-se na adição de metáforas que representavam relações entre causas e
efeitos, atividades manuais e instrumentos, atributos e entes, partes de objetos
e objetos completos, bem como gestos manuais e ações completas.
Por exemplo, a adição de linhas para representar unidades numéricas,
como y┆ ( ) “um”; èr ( ) “dois”; sダn ( ) “três” e sì ( ) “quatro (não mais
utilizado), solucionou o problema da enumeração quantitativa.
A combinação de um ponto ou uma linha, acima ou abaixo do elemento
primitivo, possibilitou a expressão de conceitos como shàng ( ) “acima”
e xià ( ) “baixo”, “para baixo” ou “abaixo de”.
Da mesma forma, a adição de um traço à parte superior do caractere
( ) “árvore” significa mò,( ) “copa”.
O mesmo elemento, adicionado à parte inferior do caractere significa
bEn, ( ) “raiz” ou “tronco”.
O traço horizontal y┆ ( ) significava “um”, e o traço vertical (l)
representava “dez”. Posteriormente, “dez” passou a ser representado por ( ).
Uma linha vertical no centro de um círculo representava zh┗ng, ( )
“centro” ou “meio”.
O desenho de um homem com as pernas cruzadas ( ) jiダo
significava “cruzar” ou “estabelecer conexão”. A imagem da mão segurando um
arco significava shè, ( ) “atirar uma flecha com um arco”. O desenho
de um homem de pé significava Li ( ) “permanecer em pé”.
As figuras 19, 20 e 21 apresentam exemplos do segundo tipo de
caracteres, pertencentes ao estilo Zhり Shì ( ). O processo de elaboração
dos caracteres jiダo, ( ) “cruzar”, ou “estabelecer conexão” (figura 19), shè,
( ) “atirar uma flecha com um arco” (figura 20) e Li ( )
“permanecer de pé” (figura 21), obedeceu aos princípios de utilização de
metáforas para relacionar conceitos, típicos deste estilo.
73
Segundo Wah (1980), o desenvolvimento social tornou obsoletos alguns
caracteres primitivos, com os quais não era possível expressar grande
quantidade de idéias abstratas. Esta necessidade resultou na criação de um
modo de representação que permitisse a inclusão de referências visuais às
peculiaridades da pronúncia do caractere. Este sistema resultou na criação de
caracteres definidos como ideo-fonogramas, e foi classificado como Sistema
Xíng Shパng ( ).
Para este autor, com o surgimento do Sistema Xíng Shパng , a escrita
chinesa desenvolveu-se de forma rápida e dinâmica, pois a metodologia
utilizada para a criação de ideo-fonogramas permitiu a criação de um número
infinito de novos caracteres. Os caracteres surgidos a partir da utilização deste
sistema tornaram-se preponderantes numericamente, devido às maiores
possibilidades de comunicação oferecida pelos mesmos, em comparação com
as formas primitivas.
Ainda em Wah (1980), com o surgimento do Sistema Xíng Shパng, o ciclo
evolutivo da escrita chinesa pode ser considerado completo, visto que 95% de
todos os caracteres chineses existentes são deste tipo.
Segundo o autor, este novo método de criação de caracteres pode ser
considerado como um tipo de escrita fonética, não devendo, porém, ser
classificados como um sistema alfabético. O sistema Xíng Shパng permite a
combinação entre um elemento que sugere o sentido da palavra e um
elemento fonético, que indica a pronúncia. A figura 22 apresenta exemplos da
formação de caracteres através do Sistema Xíng Shパng.
Os exemplos apresentados na figura 22 pertencem a uma série de
palavras cuja grafia pode ser realizada sem nenhuma possibilidade de erro,
apesar das similaridades de pronúncia. O caractere (qí, jì ou j┆) equivale, em
todos estes casos, ao elemento que indica a maneira como o caractere deve
ser pronunciado. Este caractere não se relaciona ao significado das palavras
compostas que resultam de sua combinação com outros elementos gráficos,
apesar de significar, também, as palavras “dele”, “dela”, “deles” ou “delas”.
74
De acordo com Wah (1980), o caractere X mù ( ) “madeira”, por
exemplo, presente em 1.585 palavras, relaciona-se com objetos, conceitos e
idéias relativas à “madeira” em todos esses casos. A figura 23 apresenta casos
da união do caractere (mù), “madeira”, com diferentes elementos fonéticos,
resultando em caracteres que possuem outros significados. Este procedimento
caracteriza a forma de composição típica do Sistema Xíng Shパng.
Entretanto, ainda segundo este autor, outros 1.550 exemplos nos quais
o caractere (mù) determina o significado da palavra podem ser incluídos no
quadro acima. Para ele, isto demonstra que, além de expressar do significado
de palavras compostas, mù ( ) também pode determinar a pronúncia, como
no caso de mù ( ) “lavar”, “enriquecer por meio da gentileza”, “receber
favores”.
Wah (1980) ressalta que qualquer componente gráfico pode ser
utilizado como elemento fonético, bem como muitas figuras e símbolos podem
ser usados como determinantes de significado. Tal circunstância, aliada ao
número limitado de determinantes, impulsionou a criação de um sistema de
radicais, ou seja, elementos gráficos que permitiram a classificação dos
caracteres em dicionários.
Segundo Leyi (1993), o primeiro grande dicionário de caracteres, Sh┣o
Wén Jりe Zì ( ), elaborado pelo erudito X堰 Shèn, e finalizado em 121
d. C., apresentava 440 radicais, ou bù sh円u ( ). Este número permaneceu
inalterado até o lançamento do Kダng X┆ Zì Diよn ( ) Dicionário
Imperial da Dinastia Ching (1644 d.C.-1911 d. C.), que reduziu o número de
caracteres para 214, quantidade que se mantém até os dias de hoje.
Durante os séculos seguintes, a língua chinesa continuou a sofrer
mutações, o que resultou em grande quantidade de novas combinações
sonoras. As formas primitivas, inicialmente adequadas, tornaram-se
quantitativamente insuficientes para expressar significados cada vez mais
complexos e variados.
75
Ainda em Wah (1980), um exemplo típico desta variedade de
significados é o elemento fonético g┗ng ( ) que, originalmente, significava
“trabalho” nos seguintes caracteres: g┗ng ( ) “mérito”, cujo determinante é Lì,
( ) “força”; hòng, ( ) “disputa”, cujo determinante é yán ( ) “falar”; hóng
( ) ”vermelho”, cujo determinante é mì ( ) “seda”; gダng ( ) “levar”, ( ) cujo
determinante é shれu ( ) “mão”; jiダng ( ) “rio”, cujo determinante é shuり ( )
“água”; gòng ( ) “tributo”, cujo determinante é bèi ( ) “concha” ou “dinheiro”.
Conforme Wah (1980), no passado, todas estas palavras eram
pronunciadas da mesma maneira, apesar de que, atualmente, a pronúncia das
mesmas tenha se modificado. Como expõe o autor:
Um exemplo típico de homofonia é o elemento fonético g┗ng
(originalmente, o desenho do esquadro de um carpinteiro), em um grande número de combinações, tais como: g┗ng (mérito), cujo determinante é (li), que significa “força”;
hòng (disputa), cujo determinante é (yán), que significa “falar”; hóng (vermelho), cujo determinante é (mi), “seda”;
(gダng) “levar”, cujo determinante é (sh円u), “mão”; jiダng (rio), cujo determinante é (shu榎), “água” e (gòng) “tributo” e cujo determinante é (beì), “molusco” e “dinheiro”. Estas palavras dificilmente podem ser consideradas como homófonas na língua chinesa contemporânea. Apesar disso, originalmente, todas eram pronunciadas da mesma maneira. (WAH, 1980, p.58). ‘tradução nossa’.
Os sistemas de escrita chinesa explicitados acima englobam as três
categorias tradicionais de caracteres: pictogramas, ideogramas e ideo-
fonogramas. Esta classificação é denominada pelos teóricos chineses
contemporâneos como sダn-sh┣, ( ), e reconhece apenas a existência de três
categorias de caracteres. Entretanto, os estudiosos chineses da atualidade
aceitam outra forma de distinção entre grupos de caracteres, denominada de
classificação liú-sh┣, ( ). Esta classificação determina um total de seis
76
categorias de caracteres e foi elaborada pelos eruditos Liú X┆n e X堰 Shèn
durante a Dinastia Han (25 d.C.-220 d.C.).
Segundo estes eruditos, além das categorias determinadas pelo sistema
sダn-sh┣, ( ), existem três outros tipos de caracteres: os caracteres huì yi
( ) “encontro de idéias” ou “associações”, os caracteres zhuよn zhù ( )
“significado transferível” ou “símbolos interpretados” e os caracteres jiよ jiè
( ) “empréstimo” ou “caracteres cuja pronúncia foi adquirida por
empréstimo”. A figura 24 apresenta as seis categorias básicas de caracteres
chineses, de acordo com as duas classificações oficiais, o Sistema Sダn-Sh┣ e
o Sistema Liú Sh┣:
Para Wah (1980), a classificação liú-sh┣ enfatizava o uso cotidiano, em
detrimento da estrutura ou natureza dos caracteres. Desta forma, no caso dos
caracteres huì yì ( ), por exemplo, a combinação entre dois ou mais
pictogramas ou ideogramas produz um novo caractere para representar um
novo conceito. Por exemplo: míng ( ) “brilho” consiste na combinação entre
os pictogramas ri ( ) “sol” e yuè ( ) “lua” ( + = ); xiダn ( ) “fresco” consiste
na combinação entre os pictogramas yú ( ) “peixe” e yang ( ) “ovelha”
; hよo ( ) “bom” consiste na combinação entre os
pictogramas nァ ( ) “mulher” e zり ( ) “criança” ; jiダn ( ) “ponta
afiada”, consiste na combinação entre os signos xiよo ( ) que significa
“pequeno”, e dà ( ), que significa “grande” ( , colocado acima de = ).
Já para algumas combinações entre caracteres do tipo huì yì: sダng ( )
“amoreira”, é a imagem de várias mãos ( ) colhendo folhas de uma árvore
( ); nán ( ) “homem” é a imagem de um homem empregando sua força física
no campo ; ダn ( ) “paz” é a imagem de uma mulher sob um
telhado .
Segundo o autor, tais associações diferem dos ideo-fonogramas pelo
fato de que a pronúncia resultante não possui nenhuma relação com o som de
nenhum dos caracteres associados. Por exemplo, no caso da palavra “brilho”
77
( ), a pronúncia míng resultou da associação entre rì (sol) e yuè (lua),
caracterizando o caractere do tipo huì yì (encontro de idéias).
No caso da palavra “jogo de xadrez chinês” ( ), por exemplo, a
pronúncia qì resultou da combinação entre um elemento que indica o
significado, mù ( ), que representa “madeira”, e o elemento fonético qì ( ).
Esta combinação resulta no tipo xíng shパng, um caractere no qual um elemento
( ) indica a pronúncia do mesmo, e o outro ( ), o significado. Tais caracteres
são classificados como ideo-fonogramas.
Segundo a classificação Liú Sh┣, existem ainda dois outros tipos
caracteres: os caracteres zhよn zhù, ou “símbolos de mútua interpretação”, e os
caracteres jiよ jiè, ou “caracteres formados por empréstimo”.
Os caracteres do tipo zhよn zhù pertencem à categoria dos ideo-
fonogramas, e são sinônimos constituídos pela combinação entre um indicador
de significado e um elemento que indica a pronúncia.
Já os do tipo jiよ jiè constituem um modelo de caracteres fonéticos,
formados através da utilização de um caractere que pertença a uma palavra de
mesma pronúncia. Por exemplo, no passado não existia nenhum caractere
que representasse o verbo “vir” ( ), cuja pronúncia era lái. No entanto, esta era,
também, a pronúncia do pictograma ( ) utilizado para representar um cereal. A
solução encontrada pelos escribas chineses para representar o verbo “vir” foi
utilizar o mesmo caractere .
Da mesma forma, o pictograma wàn ( ) “escorpião” foi tomado por
empréstimo para representar a palavra wàn, que significa “dez mil”, e o
pictograma ( ) qí “peneira” foi tomado por empréstimo para representar a
palavra qí, cujo significado é “dele”, “dela”, “disto”, “deles”, “isto” e “aquilo”.
A palavra x┆, que significa “oeste”, representada pelo pictograma ( )
significava, originalmente, um pássaro no ninho. De acordo com Wah (1980) o
motivo apresentado por Xゎ Shèn (25 d.C.-220 d.C.) para tal empréstimo
baseou-se no fato de que os pássaros permanecem em seus ninhos enquanto
o sol se põe no oeste.
78
Para Wah (1980), apesar do sistema de escrita chinesa ter completado
seu desenvolvimento estrutural muito antes do início da civilização ocidental, tal
fato não significou que tal sistema tenha interrompido sua evolução. Para este
autor, alguns caracteres tornaram-se obsoletos, novos caracteres, porém,
jamais deixaram de ser criados, acompanhando o progresso e as novas
necessidades de comunicação.
De acordo com Leyi (1993), a formação da escrita chinesa possui uma
história de mais de seis mil anos, e sua evolução pode ser dividida nos
seguintes períodos:
1- Período Primitivo ou Lendário: corresponde ao estágio inicial da
escrita chinesa, no qual os pictogramas originaram-se a partir de desenhos de
objetos. Apesar de não existir nenhuma evidência arqueológica oriunda deste
período, os estudiosos estimam que o mesmo tenha se estendido por mais de
dez mil anos.
2- Período Arcaico ou Pré-Histórico: durante este período ocorreu um
grande desenvolvimento de ideogramas que representavam símbolos.
Evidências arqueológicas permitem situar este período num escopo temporal
situado entre cinco ou seis mil anos atrás.
3- Período Neo-Arcaico: é o período do surgimento dos ideo-
fonogramas, que se estendeu por mais de mil e seiscentos anos, desde a fase
final da Dinastia Y┆n (1384 a.C.-1112 a.C.) até a Dinastia Han (206 a.C.-220
a.C.). A maioria dos registros arcaicos conservados até hoje pertencem a este
período. Durante este período, a escrita chinesa completou tanto seu
desenvolvimento estrutural quanto sua evolução formal.
4- Período Contemporâneo: durante este período a escrita chinesa
alcançou um grau elevado de estabilidade, no qual as modificações formais e
estruturais atingiram a perfeição. Ao contrário dos pictogramas e ideogramas,
os ideo-fonogramas continuam a evoluir em direção a maior aperfeiçoamento.
Leyi (1993) ressalta que em termos formais, no entanto, desde o
aparecimento do sistema kaり sh┣ , ou “escrita-padrão”, durante as Dinastias
Weì e Jìn (221 d.C- 580 d.C.), ocorreram poucas mudanças formais. Segundo
ele, este sistema é utilizado como modelo do sistema de escrita impressa
79
utilizada pelos meios de comunicação contemporâneos. No início da década de
1950, o governo da República Popular da China adotou um modelo simplificado
para dois mil caracteres, com o fito de obter maior conveniência e simplicidade.
Conforme Leyi (1993), os caracteres são classificados de acordo com o
tipo de transmissão de significados que seus traçados permitem realizar. Esta
premissa resultou em dois sistemas de classificação: o Sistema Sダn Sh┣, e o
Sistema Liú Sh┣.
De acordo com a classificação Sダn-Sh┣, existem somente três tipos de
caracteres: pictogramas, ideogramas e ideo-fonogramas. Entretanto, segundo
a classificação Liú Sh┣ , além destes, existem outros três tipos de caracteres:
os caracteres que resultam de associações, os símbolos interpretados e os
caracteres de pronúncia por empréstimo.
A unidade básica da escrita chinesa é, pois, o caractere, elemento
gráfico cuja forma primitiva reproduzia, de maneira rústica, o formato de objetos
físicos.
Desta forma, os caracteres originaram-se a partir de desenhos e, devido
ao progresso social, evoluíram para formas gráficas mais sofisticadas, nas
quais ainda está presente, apesar da adição de elementos gráficos que indicam
relações fonéticas e conceituais.
80
CAPÍTULO IV
O ENSINO DA LÍNGUA CHINESA
ATRAVÉS DO DESENHO
4.1- Propostas de ensino da língua chinesa apresentadas
por educadores brasileiros e chineses
O Construtivismo é uma nova filosofia de aprendizagem. Somente através das regras da cognição construída internamente é que o sujeito pode organizar suas experiências e desenvolver conhecimentos. (JIA³, 2010, p. 197). ‘tradução nossa’.
Sabemos que Brasil e China possuem realidades sócio-culturais e
políticas bastante diferentes, bem como a história e valores éticos. A
aproximação entre chineses e brasileiros torna-se difícil pela barreira quase
intransponível representada pela comunicação verbal, visto que a língua
portuguesa e a língua chinesa nada possuem em comum.
Apesar disso, muitas iniciativas educacionais voltadas para o ensino de
língua chinesa surgiram no Brasil, principalmente a partir das últimas décadas
do século XX, em função do aumento do volume de negócios realizados entre
a China e o Brasil, e da ascensão da China como potência econômica mundial.
Ao analisarem-se os conteúdos programáticos dos cursos de língua
chinesa surgidos no Brasil a partir deste período, notam-se abordagens
pedagógicas voltadas tanto para o ensino da língua quanto para a transmissão
de conhecimentos relativos à cultura daquele país.
Tal posicionamento pedagógico está de acordo com diretrizes
curriculares incentivadas por órgãos do governo brasileiro em relação ao
ensino de língua estrangeira, no sentido de proporcionar acesso à maior
quantidade possível de conhecimentos sobre diferentes culturas, preparando
alunos brasileiros para viver no mundo globalizado.
81
Em 1995, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) iniciou a
elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), guia curricular cujas
orientações são as mais utilizadas pelas instituições de ensino brasileiras.
Conforme as diretrizes dos PCN para o ensino de Língua Estrangeira
(1988), o ensino de segunda língua visa capacitar o aluno a identificar idiomas
estrangeiros, e perceber que vive num mundo plurilíngüe, no qual alguns
idiomas desempenham papel hegemônico, podendo expressar-se e ampliar a
compreensão do próprio papel como cidadão de seu país e do mundo. Além
disso, o aluno deve reconhecer que a aquisição de uma ou mais línguas
permite acessar bens culturais da humanidade, bem como aprender a valorizar
a leitura como fonte de informação e prazer, utilizando diversas formas de
comunicação, de modo que possa atuar em situações diversas.
Assim, ao contrário de outras disciplinas do currículo escolar, o
processo de ensino-aprendizagem de um idioma estrangeiro pressupõe a
conjugação do conteúdo com a prática e a aplicação imediata do mesmo.
Conforme os PCN de Língua Estrangeira (1998):
Diferentemente do que ocorre em outras disciplinas do currículo, na aprendizagem de línguas o que se tem a aprender é também, imediatamente. O uso do conhecimento, ou seja, o que se aprende e o seu uso devem vir juntos no processo de ensinar e aprender línguas. Assim, caracterizar o objeto de ensino significa caracterizar os conhecimentos e usos que as pessoas fazem deles ao agirem na sociedade. Portanto, ao ensinar uma língua estrangeira, é essencial uma compreensão teórica do que é linguagem, tanto no ponto de vista dos conhecimentos necessários para usá-la quanto em relação ao uso que fazem desses conhecimentos para construir significados no mundo social. (BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira, 1998, p.27).
Em relação ao ensino de língua chinesa no Brasil, a maioria das
propostas pedagógicas dos cursos oferecidos atualmente no mercado
brasileiro apresenta vasto material didático, em que estão presentes, além de
ensinamentos lingüísticos, conteúdos sobre a cultura e a história da China.
Estes cursos possuem corpo docente e conteúdo programático, bem como
82
propostas metodológicas, aprovados e fiscalizados por órgãos governamentais
chineses. Em linhas gerais, os conteúdos de tais cursos são voltados para a
consolidação de noções gramaticais básicas, e conhecimentos sobre a cultura
chinesa, mormente os relativos a relações pessoais e empresariais.
O Instituo Confúcio-UNESP oferece um curso de língua chinesa cuja
supervisão pedagógica é realizada pela Universidade de Hubei, localizada na
China. De acordo com o diretor Luís Antônio Paulino, todos os docentes que
ministram aulas nesta instituição são selecionados e aprovados pela matriz do
Instituto Confúcio na China, em consonância com as normas do Escritório
Internacional para Ensino de Língua Chinesa Como Língua Estrangeira do
Ministério da Educação da China. Segundo o sítio eletrônico do Instituto, a
metodologia enfatiza conversação e escrita em ideogramas, bem como o
desenvolvimento da leitura por meio da disponibilização de variado acervo de
livros e revistas, proporcionando oportunidades para a prática da conversação
através de um laboratório de multimídia voltado exclusivamente para
comunicação verbal.
Este Instituto também oferece cursos voltados para empresários,
ministrando, além de conhecimentos lingüísticos, aulas sobre o ambiente
cultural, legal, político, empresarial e tributário para a realização de negócios na
China.
A Escola Mandarim, localizada em São Paulo, também oferece cursos
para alunos iniciantes, intermediários e avançados. De acordo com o sítio
eletrônico desta instituição, a metodologia adotada visa desenvolver as quatro
habilidades comunicativas: conversação, leitura, escrita e compreensão
auditiva. A proposta pedagógica desta escola foi elaborada de forma a atender
as necessidades de alunos iniciantes e de executivos interessados na
realização de negócios com empresas chinesas.
Segundo Marcell Mazzo, diretor da Escola Mandarim, desde setembro
de 2010, a instituição está oferecendo às escolas e colégios de São Paulo o
projeto Mandarim na Escola, iniciativa que promove o ensino deste idioma
como opção de aprendizado para alunos a partir de três anos de idade. A
metodologia deste projeto foi elaborada com o objetivo de integrar
conhecimentos oriundos da pesquisa acadêmica ao cotidiano escolar,
83
integrando linguagens múltiplas e promovendo a realização de trabalhos
escolares em diferentes mídias. O conteúdo programático, organizado por um
coordenador pedagógico especializado em educação infantil, é dividido em
unidades didáticas que envolvem obrigatoriamente algum tipo de produção
artística.
Já a Escola Laifu, localizada em Campos dos Goytacazes, no estado
do Rio de Janeiro, oferece um curso de Mandarim cujo conteúdo programático
divide-se em quatro módulos básicos. Segundo o professor Wu Chun De, a
proposta pedagógica adotada objetiva garantir conhecimentos sólidos sobre as
estruturas gramaticais do idioma, enfatizando exercícios de conversação e
evoluindo, progressivamente, para o domínio do idioma conjugado com
conhecimentos sobre as formas de relacionamento pessoal e empresarial
adotadas pela cultura chinesa. O curso oferece material didático impresso, sob
a forma de cadernos de exercícios que acompanham a progressão das aulas,
cuja ênfase em conversação é compensada por meio de práticas de redação e
leitura de textos e letras de canções populares chinesas.
Além destas duas iniciativas educacionais, o curso oferecido pelo
Centro Cultural China-Brasil (CCCB), no Rio de Janeiro foi eleito pelo governo
da República Popular da China uma das 55 melhores escolas de língua
chinesa do mundo, em 18 de Setembro de 2009. Segundo a diretora da
instituição, Yuan Aiping, a proposta pedagógica adotada organiza o
aprendizado em módulos nos quais as competências comunicativas do aluno
são exercitadas de forma progressiva. As lições correspondentes aos níveis
básico, intermediário e avançado, englobam cerca de 500 palavras para cada
nível, distribuídas em exercícios de conversação básica, sob a forma de
diálogos em que são abordados temas do cotidiano, exercícios de revisão
voltados para consolidação do vocabulário aprendido e notas referentes a
regras gramaticais, escritas em língua portuguesa.
Ainda segundo a diretora da instituição, em todos os níveis, enfatizam-
se as regras da caligrafia chinesa e as regras de traçado dos caracteres. Diz:
84
Aparentemente, nota-se uma grande dificuldade do iniciante em escrever o ideograma chinês, no entanto, com o uso constante dos exercícios de caligrafia, serão sanadas todas as dúvidas da escrita e assim, se tornará o estudante auto-suficiente em muito pouco tempo, tanto na ordem dos traços quanto no sentido dos mesmos. (AIPING, 2009, p.6)
O nível básico apresenta um vocabulário composto por cerca de 500
palavras distribuídas em diálogos nos quais são apresentados temas de
conversação cotidiana, bem como exercícios nos quais o aluno deve completar
frases com as expressões aprendidas. O nível intermediário apresenta
expressões novas que devem ser acopladas ao vocabulário utilizado no nível
anterior, introduzindo expressões coloquiais de forma gradativa, bem como
noções de cultura e costumes populares chineses, para que o aluno seja capaz
de utilizar a língua de modo socialmente apropriado. O nível avançado é
voltado para alunos com necessidades diferentes das demandas dos iniciantes,
englobando a utilização da informática, módulos de imersão, filmes e atividades
ligadas à culinária chinesa, abordando aspectos sócio-culturais, com ênfase em
atividades diplomáticas e empresariais realizadas entre brasileiros e chineses.
Segundo a fundadora:
Nosso objetivo também será ultrapassar as barreiras do preconceito e mau-entendimento que têm sido freqüentes quando essas culturas estão em contato, devido à grande distância que as separa, na historia e na geografia física. (AIPING, 2009).
No que se refere à organização do sistema educacional brasileiro, o
estabelecimento das diretrizes do ensino escolar é de competência da União,
ou seja, do Governo Federal. Esta prescrição esta explicitada no art. 9, capítulo
IV, da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 (LDB). Conforme expressa o
referido texto legal, cabe à União:
85
“IV- estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. (BRASIL, Lei 9394/96, art.9, de 20 de dezembro de 2006). (grifo nosso).
Deste modo, os currículos escolares devem estar de acordo com esta
lei, cujos artigos explicitam que diretrizes gerais devem ser adotadas pelas
escolas de todo o território brasileiro. Conforme o art. 26 do referido texto
legal:
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (BRASIL, Lei 9394/96, art. 26, de 20 de Dezembro de 2006) (grifo nosso).
O governo brasileiro atribuiu ao Conselho Nacional de Educação (CNE)
a competência para definir a base comum e as diretrizes curriculares do ensino
fundamental e médio. Em 1998, o CNE definiu estas diretrizes através da
resolução 02, emitida em 07/04/98, e da resolução 03, emitida em 26/06/98.
Apesar das orientações prescritas pelo CNE, a maioria das redes de
ensino escolar brasileiras orienta-se pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), documento elaborado em 1995 pelo Ministério da Cultura.
Como exemplo, no ensino da Língua Portuguesa, os Parâmetros
Curriculares Nacionais seguem as diretrizes estabelecidas pela LDB, e
aconselham a elaboração de propostas pedagógicas que possibilitem a
construção de conhecimentos pelos alunos, bem como orientá-los a
estabelecer uma postura de análise crítica sobre o material produzido:
Considerar o conhecimento prévio do aluno é um princípio didático para todo professor que pretende ensinar procedimento de revisão quando o objetivo é – muito mais do
86
que a qualidade da produção – a atitude crítica diante do próprio texto. (BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais, Disciplina Língua Portuguesa, 1998, p. 37).
Assim, é possível notar que as orientações contidas nos PCN definem
um critério de organização de conteúdos de Língua Portuguesa que não se
baseia somente na transmissão de regras gramaticais, mas, principalmente, na
concepção de que à utilização da língua deve conjugar-se a reflexão crítica.
Conforme orientam os PCN de Língua Portuguesa (1998):
O critério de organização dos conteúdos de Língua Portuguesa em termos de USO-REFLEXÃO-USO, de certa forma, define também o eixo didático, a linha geral de tratamento dos conteúdos. Caracteriza um movimento metodológico de AÇÃO-REFLEXÃO-AÇÃO, em que se pretende que, progressivamente, a reflexão se incorpore às atividades lingüísticas do aluno de tal forma que ele tenha capacidade de monitorá-las com eficácia. (BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais, Disciplina Língua Portuguesa, 1998, p. 38).
Além disso, as diretrizes pedagógicas do referido documento não
consideram o processo de conhecimento como uma atividade na qual o aluno
participa como mero receptor passivo, mas como agente ativo:
Quando se pretende que o aluno construa conhecimento, a questão não é apenas qual a informação que deve ser oferecida, mas, principalmente, que tipo de tratamento deve ser dado à informação que se oferece. (BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais, Disciplina Língua Portugesa, 1998, p. 38).
A partir da afirmação acima podemos perceber que as orientações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais valorizam a participação crítica dos alunos,
e que não consideram o resultado final da aprendizagem como um produto que
87
deva ser aceito incondicionalmente, mas como um processo de elaboração
ativa, passível de análise e avaliação pelo próprio aluno.
Como visto anteriormente, o governo chinês, com o fito de modernizar o
país e aumentar o nível cultural de sua população, empreendeu, a partir da
década de 1950, uma reforma em todo seu sistema educacional.
Pesquisadores e professores universitários chineses foram incumbidos de
pesquisar as teorias de aprendizagem mais valorizadas e utilizadas pelas
instituições de ensino dos países ocidentais.
Os resultados apontaram para as teorias de Piaget e Vygotsky, que
passaram a ser incorporadas aos parâmetros e objetivos educacionais do
governo daquele país. Além da aceitação dos pressupostos teóricos
construtivistas e sócio-interacionistas pelo meio acadêmico chinês, ocorreu um
movimento de estímulo a adoção destes princípios pelo sistema escolar
daquele país.
Em concordância com a teoria construtivista, Jia³ (2010) observa que o
modelo educacional tradicional, no qual o professor apresenta conteúdos de
maneira autoritária e a aprendizagem é concebida como um condicionamento
faz com que o aluno se recuse a pensar. Sem a participação ativa do aluno, o
processo de construção de significados torna-se totalmente sem sentido e
inútil, carente de pensamento criativo. O autor ressalta também que os
professores chineses devam adotar uma postura humanista em relação a seus
alunos, favorecendo, desta forma, a criação de um ambiente propício ao
crescimento intelectual e pessoal. Diz:
A ação de ensinar deve abandonar a condução autoritária e adotar associação e comunicação. No ensino tradicional, os professores ocupam uma posição soberana e autoritária, não respeitando os alunos, nem mesmo se importando com eles, o que resulta em grande distanciamento entre eles, e até estimula conflitos. Dizem os Antigos: “Aqueles que possuem conhecimento são professores; os que possuem moral são exemplos”. Os professores chineses devem respeitar dar oportunidades e confiar em seus alunos, construindo relações harmoniosas e gentis com eles, o que possibilita a criação de um ambiente agradável para o aprendizado. (JIA³, 2010, p. 199). ‘tradução nossa’.
88
Ainda em Jia³ (2010), os princípios construtivistas consideram a
interação entre novos conteúdos, conhecimentos anteriores dos alunos, hábitos
adquiridos, bem como as experiências pessoais no processo de ensino-
aprendizagem, como elementos essenciais para que as condições necessárias
aos atos de ensinar e aprender estejam presentes de maneira plena:
Os conhecimentos prévios dos alunos, as experiências, modos de pensar, hábitos de aprendizado e métodos de ensino representam o ponto de partida indispensável para o ensino e a aprendizagem eficazes. (JIA³, 2010, p. 199). ‘tradução nossa’.
Apesar das diferenças culturais e lingüísticas entre a China e o Brasil,
podemos perceber que, atualmente, orientações pedagógicas valorizadas por
pesquisadores chineses e preconizadas pelos órgãos responsáveis pela
educação em nosso país, compartilham diretrizes similares.
Em relação às abordagens conceituais que delinearam a elaboração
destas diretrizes, podemos inferir, também, que as mesmas foram elaboradas a
partir dos postulados presentes em teorias de aprendizagem construtivistas e
sócio-interacionistas.
89
4.2. O ensino da língua chinesa através do desenho
Algumas culturas dependem muito mais da percepção visual do que outras. É necessário distinguir entre o modo de compreensão da realidade das culturas ocidentais, que utilizam sistemas alfabéticos e é baseado na sucessão linear de pensamentos, e o pensamento não-linear e fortemente visual das civilizações orientais, que utilizam sistemas icônicos e ideográficos de escrita. (St. CLAIR; JIA¹, 2006, p. 157) ‘tradução nossa’.
Os estudos de Piaget (1972) e Vygotsky (1987) trouxeram muitas
contribuições para a compreensão dos processos infantis de pensamento e
aprendizagem, bem como para a investigação das relações entre desenho,
atividades lúdicas e a aprendizagem da leitura e da escrita.
De acordo com Maciel (2009), durante as etapas iniciais do aprendizado
da escrita, os esforços das crianças são orientados no sentido de compreender
o que os sinais gráficos significam, e quais são os princípios que os organizam.
Deste modo, a necessidade de entender a relação entre estes sinais e seus
respectivos sons, ou seja, entre dois níveis diferentes de linguagem, estimula
sua capacidade de lidar com símbolos. Diz a autora:
Quando as crianças iniciam o processo de alfabetização, buscam compreender o que a escrita representa, ou seja, o que aqueles sinais gráficos representam e como se organizam e como eles se organizam formando um sistema de representação. Dessa forma, elas começam a lidar com a diferenciação dos dois planos da linguagem: o plano do conteúdo (dos significados), que diz respeito aos significados e sentidos produzidos quando usamos a língua oral ou escrita, e o plano da expressão (dos sons) que diz respeito às formas lingüísticas. (MACIEL, 2009, p. 49).
Desta forma, durante as fases iniciais da aprendizagem de leitura e
escrita, as crianças empreendem esforços para tentar entender os princípios
90
que organizam estes sistemas. Este intento de compreensão estimula seu
desenvolvimento intelectual e aumenta sua habilidade de lidar com os
significados das formas gráficas, ou seja, sua competência simbólica.
Para Maciel (2009), durante estas fases, a primeira dificuldade consiste
em diferenciar desenho e escrita. Conforme ensina a autora, neste momento,
como ainda não conseguem compreender esta diferença, as crianças
solucionam precariamente o problema por meio da imitação do ato de escrever.
Diz:
Durante os primeiros contatos da criança com marcas gráficas impressas em livros, cadernos e cartazes, inicia-se um longo processo de construção de esquemas conceituais, cujo primeiro desafio consiste em distinguir o que é desenho do que é escrita. Neste primeiro momento, ainda sem fazer esta distinção, a criança se propõe a imitar o ato de escrever. Como num jogo, ela crê que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras imitando a ação de escrever. (MACIEL, 2009, p. 47).
Na busca pela compreensão dos processos infantis de aprendizagem,
bem como das relações entre desenho, atividades lúdicas e construção de
conhecimentos de leitura e escrita, os estudos de Ferreiro e Teberosky (1991)
e Ferreiro (2003) também foram orientados pelas teorias de Piaget (1972).
De acordo com Ferreiro (2003), no passado, a maioria dos educadores
costumava enfatizar os aspectos figurativos da escrita, ou seja, valorizavam a
qualidade do traçado e a distribuição espacial das formas, em detrimento dos
aspectos construtivos do processo de aprendizagem. Para ela, o fator que
determina se efetivamente houve produção da escrita é a presença dos
aspectos construtivos, pois somente estes demonstram as tentativas realizadas
pela criança para compreender este sistema de símbolos.
Segundo a autora, a investigação acadêmica tradicional sobre a
aprendizagem da escrita estava voltada para a análise da produção mecânica
do ato de escrever, e privilegiava o exame de características como as formas e
proporções da caligrafia, bem como o tamanho e o traçado das letras. Tais
elementos, porém, não se relacionam com a intenção de representar
91
significados e não permitem a investigação da competência da criança para
lidar com símbolos, ou seja, não indicam se o ato de escrever resultou de sua
atividade mental.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), o processo de construção de
conhecimentos relativos ao aprendizado da escrita deve ser considerado como
um processo de aprendizagem de conceitos. Para as autoras, estudos sobre
este tema devem investigar processos construtivos e, não somente, aspectos
mecânicos e aprendizagem técnica:
Se a escrita é concebida como um código de transcrição, seu aprendizado deve ser concebido como a aquisição de uma técnica; se a escrita é concebida como um sistema de representação, seu aprendizado se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento. (FERREIRO; TEBEROSKY,1991, p.52).
Uma das diretrizes que orientaram as pesquisas de Ferreiro e Teberosky
(1991) e de Ferreiro (2003) referia-se, pois, à premissa de que a aquisição de
conhecimentos é um processo ativo de construção, e não somente o
aprendizado de uma técnica.
Esta orientação está em concordância com os pressupostos de Piaget,
que definem o sujeito como um ente predisposto ao conhecimento e à
superação das dificuldades em compreender a realidade com a qual se
defronta ao entrar em contato com o mundo.
Como estudado no primeiro capítulo, as teorias construtivistas
compreendem a relação do aluno com a aprendizagem como uma atividade
que independe de técnicas mecânicas ou do método pedagógico adotado.
De acordo com Ferreiro (2003), o desenvolvimento das competências
infantis necessárias ao domínio do sistema de escrita alfabético ocorre em dois
planos distintos, porém conjugados. O primeiro plano refere-se à compreensão
da natureza alfabética do sistema de escrita e o segundo plano relaciona-se à
92
aquisição da consciência fonológica, promovendo, de forma associada, o
desenvolvimento da competência simbólica das crianças.
A aquisição do sistema de escrita depende, pois, do domínio e
compreensão da relação existente entre a fala e a escrita, fato que colabora
para o desenvolvimento da habilidade de utilizar símbolos e de compreender
seus significados.
Segundo Maciel (2009), no que se refere a aspectos construtivos, a
aprendizagem da escrita segue uma linha regular de evolução que independe
de fatores culturais e sociais específicos, possuindo características comuns em
crianças situadas em diferentes contextos culturais.
Em relação à presença de seqüências de evolução cronológica em
vários estudos sobre desenvolvimento infantil, Ferreiro et al. (1999 apud
MACIEL, 2009, p. 48) esclarecem que a simples constatação de que existem
níveis progressivos de evolução não interessa à investigação construtivista.
Para os autores, o que realmente importa é descobrir como se realiza a
conexão entre um estágio de conhecimento e o subseqüente. Logo:
Um estudo psicogenético interessa em conhecer não uma seqüência cronológica ou evolutiva. Para um investigador em psicologia genética, a pergunta central e persistente é: como se passa de tal estado de conhecimento a tal estado de conhecimento? (...) O investigador em psicologia genética trata de identificar uma seqüência evolutiva, mas não fica aí, tenta incessantemente reconstituir os laços de filiação entre os níveis que identifica. (FERREIRO et al., 1999, apud MACIEL, 2009, p. 48).
A partir das considerações acima, os estudos destes autores
concentraram-se em investigar os processos intelectuais pelos quais a criança
evolui de um estágio no qual possui poucos conhecimentos sobre determinado
assunto, para um estágio seguinte, no qual adquiriu mais conhecimentos.
93
De acordo com Ferreiro (1990), a evolução da escrita infantil
compreende três períodos distintos entre si, dentro dos quais cabem múltiplas
divisões.
O primeiro período caracteriza-se pelos esforços que a criança realiza
para diferenciar desenho de escrita, e também para compreender que a função
desta última é substituir alguma coisa por outra, e não reproduzir algo.
No segundo período, após ter compreendido a diferença entre escrita e
desenho, a criança começa a investigar quais são os critérios utilizados para
definir a escrita.
O terceiro período caracteriza-se pela fonetização da escrita, ou seja, a
criança começa a perceber a relação entre a escrita e os sons da fala.
Conforme Maciel (2009), durante o primeiro período, as crianças
empreendem esforços para distinguir traços que reproduzem,
aproximadamente, o objeto representado, daqueles que não possuem
nenhuma semelhança com a aparência física de coisas e pessoas. Diz:
Neste primeiro período, a criança alcançará duas distinções básicas que sustentarão as construções subseqüentes: de um lado, a diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e as não figurativas; de outro, a constituição da escrita como objeto substituto. (MACIEL, 2009, p.48).
Nesta fase, a criança tenta estabelecer a distinção entre desenho e
escrita para descobrir o que esta última representa e quais são as regras que
organizam este modo de representação.
De acordo com Maciel (2009), “o primeiro período caracteriza-se pela
distinção entre o modo de representação icônico e não-icônico” (MACIEL 2009,
p.48).
Segundo Houaiss (2001), o termo “icônico” está ligado à palavra “ícone”
e designa um elemento visual cuja forma apresenta similaridades com a
aparência do objeto que substitui. Conforme o autor, a palavra “ícone” define o
94
“signo que apresenta uma relação de semelhança ou análoga com o objeto que
representa (como uma fotografia, uma estátua ou um desenho figurativo)”
(HOUAISS, 2001, p.1562).
Para Ferreiro (2003 apud MACIEL, 2009), diferenciar o desenho da
escrita é um dos fatores mais importantes para a aquisição do sistema de
escrita pelas crianças, pois no entender da autora:
Diferenciar a atividade de desenhar da atividade de escrever é importante porque a escrita, para as crianças pequenas, recupera o que se pode desenhar: o nome do objeto desenhado (hipótese do nome). Essa idéia também lhes serve para interpretar os textos que aparecem acompanhados de imagens. A escrita por si mesma não é suficiente para garantir o significado e por isso as crianças costumam desenhar antes de escrever. A imagem, por outro lado, é o que permite interpretar a escrita (pelo menos como uma tentativa). (FERREIRO, 2003 apud MACIEL, 2009, p.49).
Maciel (2009) ressalta que a maioria das crianças, antes de completar
seis anos de idade, consegue compreender que a escrita substitui alguma
coisa, mesmo não depreendendo que se trata de uma representação da
linguagem e de aspectos formais da fala. Segundo a autora, com o fito de
responder a estes questionamentos, a criança formula a concepção de que
escrita e desenho constituem uma unidade cujo objetivo é comunicar uma
mensagem gráfica.
De acordo com Ferreiro (2003 apud MACIEL 2009), somente nos
períodos finais do processo de compreensão da escrita as crianças conseguem
perceber, nas estruturas internas das palavras escritas e nas estruturas da
oralidade, o sistema lógico que orienta as transformações operadas.
Este é o momento no qual a criança compreende a correspondência
termo a termo entre as unidades gráficas e as unidades sonoras. A
complementação deste processo ocorre de modo que a aquisição do sistema
de escrita alfabético inicia-se com a letra, evolui para a sílaba e efetiva-se com
a palavra. Diz a autora:
95
Esta idéia também serve para interpretar os textos que aparecem acompanhados de imagens. A escrita por si mesma não é suficiente para garantir o significado e, por isso mesmo, as crianças costumam desenhar antes de escrever. A imagem, por outro lado, é a que permite interpretar a escrita (pelo menos como uma tentativa). (FERREIRO, 2003, apud MACIEL, 2009, p.49).
Ainda em Maciel (2009), a maior parte das crianças, antes de completar
seis anos de idade, conclui que a escrita é um elemento cuja função é substituir
outro elemento. Na visão da autora, este conhecimento não é suficiente para
que a criança entenda que a escrita corresponde a uma representação da
linguagem e de aspectos formais da fala. A criança formula a hipótese de que
escrita e desenho formam uma unidade capaz de expressar o sentido de uma
mensagem gráfica.
Em meio a estas indagações, a criança costuma apresentar a tendência
de equiparar a escrita com o tamanho do objeto que pretende comunicar. Por
exemplo, a palavra “elefante” será escrita com letras exageradamente maiores
do que a palavra “formiga”.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), “durante o primeiro período
psicogenético da escrita, a criança espera que a grafia conserve algumas
características formais do objeto a que substitui”. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1991, p.261).
Para Maciel (2009), isto demonstra que, neste momento, a criança ainda
não considera o signo visual como um elemento que expressa uma forma
sonora, fato característico dos sistemas de escrita alfabética, mas pretende que
tanto desenho quanto escrita expressem o mesmo conteúdo simbólico de uma
mensagem.
Após a diferenciação entre desenho e escrita, inicia-se o segundo
período de aquisição da escrita.
Segundo Ferreiro (1990), neste período, a criança integra o
conhecimento resultante da distinção entre escrita e desenho à constatação de
algumas características que a escrita possui e, desta forma, “a distinção
96
adquirida no nível precedente entre o icônico e o não-icônico não se perde; ao
contrário, ela se integra a novas construções (FERREIRO, 1990, p. 27).
A autora observa que, depois de solucionar este problema, a criança
estabelece dois critérios para que a escrita seja compreendida. Ela percebe
que para realizar o ato de leitura é necessário que exista uma quantidade
suficiente de caracteres, e que os mesmos não devem estar distribuídos de
maneira repetitiva. Além disso, se a quantidade de letras for muito pequena, e
algumas se repetem com muita freqüência na mesma palavra, será impossível
realizar o ato de leitura.
Para Maciel (2009), é importante ressaltar que esta conclusão resulta
dos questionamentos que a criança realiza sozinha, e não da transmissão de
conhecimento realizada por usuários do sistema, visto que estes critérios não
estão presentes nas regras do mesmo. Tal fato demonstra que este raciocínio
pode ser considerado como “resultado de uma intensa atividade cognitiva, fruto
da tentativa da criança de se apropriar deste sistema de representação”
(MACIEL, 2009, p.51).
Durante o segundo período, é possível perceber a diferença entre
informações adquiridas no meio social e as conclusões resultantes de um
processo de elaboração de hipóteses que a criança realiza sozinha.
Alguns conhecimentos são transmitidos por indivíduos que já conhecem
o sistema, como sinais de pontuação e o nome dos números. Outros
progressos resultam de construções e re-construções cognitivas elaboradas
pela própria criança.
O terceiro período de aquisição do sistema de escrita caracteriza-se
pela atenção que a criança dispensa às relações entre a escrita e os sons
emitidos durante o ato da fala, e pode ser subdividido em três momentos ou
hipóteses.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), no primeiro momento, a criança
tenta relacionar a emissão vocal com as sílabas das palavras, caracterizando a
elaboração da hipótese silábica:
Passa-se de uma correspondência global para uma correspondência termo a termo. Surge a hipótese silábica:
97
cada letra vale por uma sílaba. Destacam-se duas características centrais deste nível: 1) Supere-se a etapa de uma correspondência global entre a forma escrita e a expressão oral e se passa a uma correspondência entre partes do texto (cada letra) e partes da expressão oral (recorte silábico do nome). 2) A criança trabalha pela primeira vez com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 193).
No segundo momento do terceiro período, a criança procura
compreender o sistema por meio de uma análise que não se limite ao exame
da sílaba. Entretanto, para as autoras, ao encontrar dificuldades para descobrir
um novo ordenamento, a criança realiza uma composição que incorpora
elementos silábicos e alfabéticos na mesma escrita, caracterizando a hipótese
silábico-alfabética:
O aprendiz abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vai além das sílabas. É movido pelo conflito que experimenta a partir da hipótese silábica, juntamente com a exigência de quantidade mínima de grafias (ambas hipóteses originais da criança) e as formas gráficas que o meio lhe propõe. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p.194).
No terceiro momento, a criança já compreendeu os fundamentos do
sistema de escrita e consegue produzir uma escrita alfabética, o que
caracteriza a hipótese alfabética:
O aprendiz compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. A partir desse momento, a criança se confrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas na escrita, no sentido estrito. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1991, p. 213).
98
Após ultrapassar todos estes estágios de formulação de hipóteses em
relação à escrita, a criança compreendeu o funcionamento do sistema
alfabético e, a partir de agora, terá que aprender que a escrita é uma
representação da língua, e não da fala.
Deste momento em diante, os desafios que a criança encontrará estarão
relacionados à compreensão dos fundamentos desta representação.
Além dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1991), as investigações
sobre o aprendizado da escrita e leitura, no Brasil, receberam impulsos
significativos a partir das pesquisas de Grossi (2010).
Segundo Pain (2008), a contribuição teórica de Grossi (2010) baseou-
se nas teorias de Ferreiro e Teberosky (1991) e Ferreiro (2003), concebidas
como uma continuidade das idéias de Piaget (1972) sobre a construção do
conhecimento pelo próprio indivíduo. A autora explica que a pesquisa de
Grossi (2010):
Se inspira na teoria da construção léxica elaborada por Emilia Ferreiro, a qual tentou ampliar o pensamento construtivista de Jean Piaget – centrado habitualmente nos comportamentos estruturados pela lógica – ao estudo das diversas “teorias” que as crianças constroem em contato com essa realidade chamada escrita, cuja norma de combinatória nos parece evidente. (PAIN, 2008, p. 19).
Assim, tanto Grossi (2010) quanto Ferreiro e Teberosky (1991), e
Ferreiro (2003) investigaram os processos de ensino-aprendizagem dos
sistemas alfabéticos de escrita, orientando-se por pressupostos construtivistas
e sócio-interacionistas. A pesquisa de Grossi (2010) objetivou:
A descoberta dos liames de um processo vivo de construção de hipóteses que os alunos seguem fazendo depois de alfabetizados, para atingir um domínio mais amplo da leitura e da escrita, assim como para campos conceituais em qualquer
99
uma das demais disciplinas do currículo escolar. (GROSSI, 2010, p. 8).
Além de estudar os pressupostos construtivistas, Grossi (2010), buscou
ampliar as possibilidades investigativas das premissas relativas à construção
ativa de conhecimentos pelo indivíduo, e conjugar proposições teóricas sócio-
interacionistas à teoria construtivista da evolução intelectual através da
progressão em etapas.
Para esta autora, a noção de zona de desenvolvimento proximal,
definida por Vygotsky (1987), é mais abrangente do que o conceito piagetiano
de nível psicogenético, e constitui um dos aspectos mais importantes de seus
estudos. Como nos fala Grossi:
Apresentamos uma noção muito nova que emerge da continuação de nossos estudos. Trata-se da noção de zona proximal no processo de alfabetização, a qual amplia de muito a noção de nível psicogenético na escrita ou na leitura. (GROSSI, 2010, p. 16).
Em linhas gerais, a teoria de Grossi (2010) pode ser definida como uma
aproximação entre o conceito de nível psicogenético da leitura e escrita, com o
conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky (1987).
Vimos ao longo de nossa pesquisa que o conceito de zona de
desenvolvimento proximal enfatiza a importância do aprendizado social e da
figura do professor como mediador do processo de conhecimento.
Desta forma, a abordagem de Grossi (2010) considera o aprendizado
social, bem como o estímulo à área de contato entre o conhecimento que o
aluno já possui e aquilo que ele ainda não sabe, como essenciais à
possibilidade de construção do conhecimento.
100
Em relação à evolução intelectual ocorrida de forma linear, por meio de
uma sucessão de estágios evolutivos, Grossi (2010), em concordância com
Ferreiro et al. (1999), considera a diferenciação das habilidades infantis por
períodos, ou níveis, apenas como uma formulação teórica.
Para Grossi (2010), uma criança pode apresentar, simultaneamente,
condutas relativas a diferentes níveis, visto que “não existe simultaneidade
entre processos de aquisição de leitura e escrita, enquanto eles se dão”
(GROSSI, 2010, p. 16).
A partir das pesquisas de Grossi (2010), Freitag (2010) também ressalta
que a compreensão da evolução do aprendizado em níveis, serve apenas
como um recurso didático. Para a autora:
A separação por estágios ou níveis claramente definidos é mais um instrumento teórico que uma realidade empírica. Nas crianças examinadas verificou-se, confirmando os achados de Emília Ferreiro, que existem vários estágios intermediários e ainda a simultaneidade de dois ou três “estágios”, por vezes no pólo da leitura, por vezes no pólo da escrita. (FREITAG, 2010, p. 37).
Deste modo, a ênfase da investigação dirige-se ao processo de
construção e re-construção de conhecimentos, realizado pelas crianças, do que
a suposição de que a aprendizagem da escrita e da leitura ocorre de forma
linear.
Segundo Grossi (2010), estas teorias podem ser classificadas como
“proposta pós-construtivista”, fundamentada, simultaneamente, pelas teorias de
aprendizagem propostas por Ferreiro e Teberosky (1991), Ferreiro (2003),
Piaget (1972) e Vygotsky (1987).
Esta abordagem divide o processo de aquisição da linguagem escrita
pela criança em três estágios, enfatizando, como mencionado acima, a
concepção meramente didática desta divisão:
101
Durante o primeiro estágio, classificado como Estágio Pré-Silábico, a
criança não relaciona a linguagem falada às diferentes formas de
representação gráfica da mesma, acreditando que se escreve por meio de
desenhos.
No segundo estágio, classificado como Estágio Silábico, a criança
elabora a hipótese de que para cada sílaba é necessário haver pelo menos
uma letra, enquanto que no terceiro estágio, classificado como Estágio
Alfabético, a hipótese anterior é reformulada e surge a noção de que existe
uma correspondência entre fonema e letra.
Logo, após adquirirem certo domínio da escrita e da língua materna, as
crianças dirigem sua atenção para detalhes relativos às peculiaridades da fala.
Segundo Maciel (2009), quando chegam ao Ensino Fundamental, as
crianças já conseguem se comunicar verbalmente, de maneira satisfatória.
Para a autora, uma das capacidades das crianças que a escola deve
desenvolver é a análise do sistema fonológico da língua materna, atividade que
muito colabora para o processo de aquisição da escrita e da leitura no sistema
alfabético:
Os estudos sobre a relação entre consciência fonológica e alfabetização vêm demonstrando o importante papel das habilidades meta-fonológicas no processo de aquisição da leitura e da escrita num sistema alfabético. No entanto, pode-se dizer que essas habilidades se desenvolvem concomitantemente a esse processo; e não, previamente. (MACIEL, 2009, p. 58).
As teorias estudadas até aqui se relacionam, primordialmente, à
aprendizagem de sistemas de escrita alfabética.
Todavia, para alguns autores é possível aplicar estas teorias a outros
ramos do conhecimento, e as ilações resultantes da análise destes
pressupostos teóricos podem sustentar autonomia construtiva de pensamento,
comunicação e desenvolvimento da inteligência em todas as disciplinas
escolares, bem como em todos os níveis da escolaridade obrigatória.
102
Segundo Pain (2008), a aprendizagem de um sistema de escrita é
apenas uma forma de preparar o pensamento infantil para níveis mais elevados
de conhecimento e contato com as realidades do mundo:
É unicamente um instrumento que permite aceder a certas formas mais elaboradas do pensamento, da comunicação e do conhecimento. Garantir uma continuidade à promessa de autonomia constitutiva do método significa sustentar para todas as outras disciplinas a mesma atitude racional, participativa e construtiva, e isto em todos os níveis da escolaridade obrigatória. (PAIN, 2008, p. 21).
Isto é possível pelo fato de que algumas inquirições destes autores
basearam-se em premissas similares, o que resultou em princípios, parâmetros
investigativos e proposições comuns. Por exemplo, todos estes ordenamentos
teóricos postulam que, nas fases iniciais de seu aprendizado, a criança
confunde as palavras com os objetos, o que levou os estudiosos a investigarem
as relações entre desenho e escrita.
Desta forma, a construção de conhecimentos relativos a sistemas não
alfabéticos de leitura e escrita, como a Língua Chinesa, também foi investigada
por pesquisadores que se basearam nas teorias dos autores estudados. Suas
abordagens constituíram, pois, contribuições às elaborações teóricas pós-
construtivistas.
Segundo Mendoza (2003), o processo de ensino-aprendizagem da
língua e escrita chinesas difere totalmente aprendizado de língua portuguesa,
visto que em língua chinesa não existem as fases pré-silábica, silábica e nem
alfabética, pois não há alfabeto.
De acordo com St. Clair e Jia¹ (2006), a diferença primordial entre os
processos de ensino-aprendizagem da língua chinesa e línguas indo-
européias, como a língua portuguesa, refere-se à organização geométrico-
espacial dos símbolos lingüísticos. Segundo os autores, o sistema alfabético
formou-se a partir de abstrações desprovidas de significado, isto é, não existe
nenhuma relação entre as letras do alfabeto e as idéias comunicadas, bem
como nenhuma correspondência entre as mesmas e os sons de sua pronúncia.
103
Já a escrita chinesa originou-se de desenhos eivados de significação
simbólica, havendo relação direta entre a forma dos caracteres chineses e os
objetos e conceitos comunicados por meio deste sistema.
Segundo Jia¹ e Jia² (2005), tanto o sistema de escrita chinesa quanto o
alfabético refletem as realidades sociais dos ambientes em que foram criados,
e modelaram os sistemas de pensamento de seus respectivos usuários. Para
eles: “a nossa mente modela nossos sistemas de escrita e estes, por sua vez,
modelam nossas mentes” (JIA¹; JIA², 2005, p.151) ‘tradução nossa’.
Para estes autores, a tendência do povo chinês para pensar por
imagens resultou em um sistema de escrita baseado em desenhos, no qual a
transmissão de idéias está diretamente ligada às formas e traçados dos
caracteres.
De acordo com Jia² (2005), esta tendência resultou num processo de
elaboração de pensamentos no qual a visualização da experiência é um pré-
requisito para que o ato de pensar possa ocorrer, ou seja, a imagem é o
elemento a partir do qual o pensamento se origina.
Ainda em Jia¹ e Jia² (2005), o ambiente cultural chinês concebe o
pensamento humano como um processo no qual a visualização de uma ou
mais imagens é a primeira etapa, sem a qual a compreensão de uma idéia, ou
fato, é impossível. Segundo os autores, a segunda etapa do processo, isto é, o
entendimento efetivo, somente ocorre a partir da visualização mental de
elementos relacionados ao assunto em questão.
Os autores ressaltam que a difusão desta prática deu origem a uma
série de ditos populares cujo objetivo era ensinar técnicas para melhorar a
memória e a compreensão de conteúdos escolares e filosóficos. Dentre estes,
um dos provérbios mais conhecidos na China ensina que, para compreender
algo de maneira integral é necessário: “em primeiro lugar, visualizar a coisa e
fazer analogia, para depois visualizar a analogia e compreender o sentido”
(JIA¹ e JIA², 2006, p.152) (tradução nossa).
Ainda em Jia¹ e Jia² (2006), esta maneira de raciocinar, na qual a
formação de uma imagem mental do objeto ou fato é pré-requisito, facilita a
compreensão e a transmissão de conceitos, visto que: “a visualização da
104
experiência é o pré-requisito a partir do qual o conceito emana” (JIA¹ e JIA²,
2006, 153) (tradução nossa).
Para estes autores, a construção de significados no sistema de escrita
chinesa realiza-se de modo mais imediato e direto do que nos sistemas
alfabéticos, visto que os caracteres chineses resultam da combinação de
desenhos e imagens que representam conceitos.
Por exemplo, os caracteres “sol” rì e “lua” yuè, quando
combinados, expressam a idéia de “brilho”, “luz” Ming.
O conceito de “morte” wàng, combinado com “coração” xIn,
resulta na expressão da idéia de “esquecimento” wàng. Segundo Wah
(1980), este caractere expressa “aquilo que já morreu no coração e não está
mais vivo na memória” (Wah, 1980, p. xx).
Pelo exposto, os caracteres chineses permitem a transmissão e
compreensão de conceitos através de um processo de comunicação visual no
qual o entendimento das idéias comunicadas é imediato.
Como vimos anteriormente, durante o processo histórico de elaboração
dos mesmos, seu desenvolvimento ocorreu no sentido de transmitir conteúdos
cada vez mais sofisticados através de formas gráficas sintéticas.
Os estudos comparativos sobre o processo de ensino-aprendizagem de
sistemas alfabéticos e o da escrita chinesa postularam diferenças significativas
em relação à construção de conhecimentos nestes sistemas.
Para Jia¹ e Jia² (2006), é possível classificar a construção de significado
por meio dos caracteres chineses como um processo simultaneamente
intuitivo, concreto, analógico e imaginativo, enquanto que o processo de
ensino-aprendizagem do sistema alfabético pode ser classificado como
abstrato, analítico, dedutivo e linear. Estes autores concordaram com as teorias
estudadas, no que se refere à aprendizagem de sistemas alfabéticos,
entendendo, porém, que o aprendizado do sistema de escrita chinesa envolve
atividades mentais diferentes. Dentre estas, a criação de imagens mentais pelo
105
aprendiz, bem como a imaginação, a intuição e a analogia podem exercer
funções mais importantes do que na aquisição do sistema alfabético.
Já para Mendoza (2003), os princípios que orientam o aprendizado dos
caracteres chineses pertencem à esfera da poesia e da filosofia, e não a um
conjunto de regras para representação de sons, como no sistema alfabético.
Segundo esta autora, estes princípios possibilitam a utilização de
metodologias simples e objetivas para transmissão de conteúdos, visto que a
construção de significado ocorre mediante interpretações e analogias que
podem ser realizadas até mesmo por crianças em idades iniciais. Por isso, o
sistema educacional chinês utiliza, para a educação infantil, métodos que
estimulam a compreensão por analogia visual para explicar o significado dos
caracteres, ministrando conteúdos gramaticais somente em séries mais
avançadas.
Segundo Leyi (1994), desenhos podem ser utilizados sistematicamente
como ferramenta auxiliar em processos de ensino-aprendizagem da língua
chinesa, desde que seja obedecido um padrão de apresentação das
informações que respeite as normas elaboradas pelo Ministério da Educação
da China.
Para ele, a escrita chinesa pode ser ensinada através de desenhos
explicativos, de acordo com o seguinte método:
1- Cada caractere deve ser apresentado ao lado de um desenho
explicativo, acompanhado de uma explicação sucinta a respeito de seu
significado e evolução gráfica.
2- A evolução dos diferentes traçados de cada caractere deve ser
apresentada em ordem cronológica.
As figuras 25, 26, 27 e 28 exemplificam alguns procedimentos
metodológicos adotados no ensino de língua chinesa como segunda língua, em
livros adotados na China e em países estrangeiros.
Segundo McNaughton (1999), este modelo de apresentação bilíngüe é
utilizado mediante autorização e supervisão do Ministério da Educação da
República Popular da China em conjunto com a Comissão Governamental de
106
Linguagem, bem como pelo Comitê Nacional para o Teste Nacional de
Proficiência em Língua Chinesa Hanyu Shuiping Kaoshi (HSK):
O padrão de apresentação é o mesmo em todas as ilustrações, nas
quais a forma contemporânea do caractere está inserida em um quadrado
situado na área superior. No retângulo demonstra-se a ordem correta do
traçado e, na área central, a evolução pictórica desde o caractere e desenho
primitivos até o desenho sobre o qual a forma contemporânea foi baseada. O
texto apresenta explicações detalhadas sobre a evolução do traçado e o
processo de construção de significado, bem como a pronúncia pinyn.
A diferenciação entre os caracteres apresentados está de acordo com a
proposta de classificação de Wah (1980).
A figura 25 apresenta a evolução do caractere N援: que pode significar
“mulher”; “garota” ou “filha”. O traçado do caractere procura transmitir idéias
utilizando uma estrutura que se aproxime da forma do objeto representado.
Conforme ensina Wah (1980), esta é a característica dos pictogramas, logo
este caractere pertence à categoria Xiáng Xíng, ou “formas de imagens”. Diz:
O pictograma original mostra uma mulher reverenciando o interlocutor. Aparentemente, para facilitar o traçado, o caractere original foi reduzido e modificado para a forma que
expressa mais humildade- uma mulher ajoelhada- mas esta modificação não foi utilizada por muito tempo. A versão
moderna retrata a difícil jornada que as mulheres devem trilhar para que possam estar ao lado dos homens. (WAH, 1980, p.1) ‘tradução nossa’.
A figura 26 apresenta a evolução do caractere Z榎: , que pode significar
“criança”; “bebê” e “filho”. Neste caractere estão presentes as mesmas
características do caso anterior, ou seja, o traçado resulta da estilização das
formas do objeto representado. Este caractere também pertence à categoria
Xiáng Xíng, pois procura reproduzir a forma de uma imagem ou objeto, ou seja,
é um pictograma.
107
A figura 27 apresenta a evolução do caractere Mù: , que significa
“olho”. Este caractere primitivo, derivado do desenho de um olho, também é
classificado como pictograma. A modificação do desenho original foi realizada
devido à semelhança do traçado original com a forma de outro caractere, cujo
significado é diferente. Como ressalta Wah (1980):
Em sua forma original, o olho era retratado com cílios e pupila ( ). A forma estilizada ( ), muito similar ao caractere ( ) que expressa o número “quatro”, dificultava a leitura e foi
modificada para um traçado vertical ( ) e, mais tarde, para um
traçado retangular ( ). (WAH, 1980, p 47) ‘tradução nossa’.
A figura 28 apresenta a evolução do caractere K円u: , que significa
“boca”.
Segundo Wah (1980), este pictograma também foi utilizado para
transmitir a idéia de “espaço aberto”, “abertura”:
O caractere para boca era, originalmente, o pictograma de uma boca aberta ( ), e foi modificado para o de um sorriso ( ). Posteriormente, o traçado foi alterado para o de uma boca esticada ( ) e, por fim, uma boca contraída como um quadrado ( ). ( ) também pode significar “abertura” (WAH, 1980, p. 50) ‘tradução nossa’.
Como ressaltam Jia¹ e Jia² (2005), os princípios que orientaram a
formação de todos os caracteres chineses relacionam-se a processos de
elaboração gráfica cujos resultados são muito parecidos com os que orientam a
realização de desenhos. Para estes autores, existe uma similaridade muito
grande entre desenhos produzidos por crianças e caracteres que pertencem às
diversas categorias, e não somente a dos pictogramas.
108
As figuras 29, 30, 31, 32 e 33 apresentam caracteres que também
pertencem à categoria dos pictogramas.
A figura 29 apresenta o caractere Mù: , que significa “árvore” ou
“madeira”.
Este caractere representa uma árvore através do desenho de seus
componentes, isto é, tronco, raízes e galhos. Conforme Wah (1980), “... é o
pictograma de uma árvore, com galhos ( ), tronco ( ) e raízes ( ). O
traçado também significa “madeira...” (WAH, 1980, p. 10) (tradução nossa).
A figura 30 apresenta o caractere Hu円: , que significa “fogo”.
A figura 31 mostra o caractere Chuダn: “rio”, “córrego”. O pictograma
representa um rio, por meio do desenho de duas linhas que equivalem às
margens, e de uma linha central que representa o fluxo de água.
A figura 32 apresenta o caractere Shu榎: , que significa “água”. Diz
Wah (1980):
Água ( ), fonte natural de energia, originalmente
representada por ( ), pictograma que mostra água surgindo simultaneamente de uma origem central e de quatro diferentes
nascentes. Uma variante que utiliza somente três gotas ( ) é utilizada como um radical relacionado a uma infinidade de caracteres cujo significado reporta-se à “água”. (WAH, 1980, p. 91) ‘tradução nossa’.
A figura 33 apresenta a evolução do caractere , que significa
“homem”. De acordo com Wah (1980), o caractere é uma síntese de
concepções filosóficas sobre a vida do homem na terra:
109
O pictograma é uma interpretação da evolução humana. Criado
a partir da terra e munido de mãos e pés, o homem inferior ( ) explorava o solo com suas mãos, para que pudesse
permanecer ereto ( ). Após descartar os pés e as mãos,
passou a usar somente a cabeça ( ). Atualmente, viver na era da “raça da sobrevivência do mais forte” fez com que ele
perdesse definitivamente a cabeça ( ) e mal consiga manter-se em pé. (WAH, 1980, p. 13) ‘tradução nossa’.
Entretanto, como os pictogramas não eram suficientes para comunicar
idéias tão complexas, surgiu um novo estilo de caractere que resultou da
combinação entre traços de caracteres antigos. Como vimos anteriormente,
este estilo foi classificado como Zhり Shì, ou estilo dos ideogramas.
Inicialmente, as idéias transmitidas pelos ideogramas eram mais
simples, como no caso do caractere Xi┣: (figura 34), que significa
“descanso”. Neste caso, para transmitir a idéia abstrata de “descanso”,
combinaram-se o caractere “homem” e o caractere “árvore”, isto é, um homem
encostado em uma árvore. A simples justaposição de pictogramas originou um
ideograma.
No entanto, outros caracteres pretendiam comunicar informações ainda
mais complexas, como no caso do caractere Yuè: (figura 35), que significa
“lua” e, também, “mês”. Neste caso, houve a intenção de comunicar as
diferentes fases da lua, que resultam na mudança de sua posição e de seu
contorno, além da influência das diferentes fases lunares sobre os seres
humanos. As mudanças ocorridas no traçado do caractere demonstram a
intenção de transmitir conteúdos mais complexos do que a simples
representação estática do objeto “lua”.
Segundo Wah (1980), este fato demonstra algumas circunstâncias que
favoreceram o processo de evolução dos caracteres primitivos para as formas
de representação mais elaboradas, como os ideogramas e os ideo-
fonogramas. Diz o autor:
110
Para formar o caractere referente à “lua”, ou “mês lunar”, foi
escolhido o desenho da lua crescente ( ). O pictograma original sugeria as duas fases da lua. Primeiro por meio do desenho que, por meio de dois traços internos, expressava o
aumento de tamanho da lua nova ( ) e, posteriormente, através da modificação do ângulo do desenho, “apontando a
lua para a terra” ( ). A forma final ( ) expressa a influência da radiação lunar sobre o homem. A ilustração mostra os efeitos dos raios lunares sobre as pessoas que vivem na Terra. (WAH, 1980, p. 26) ‘tradução nossa’.
Esta necessidade de elaborar caracteres capazes de transmitir
conteúdos cada vez mais sofisticados, também pode ser exemplificada pelo
caractere Zì: (figura 36), que significa “escrita”, “caractere”, ou seja, este
caractere é utilizado para designar os próprios caracteres chineses.
Neste caso, o caractere resultou da combinação entre dois pictogramas
que já existiam e foram unidos para que fosse possível transmitir uma idéia
abstrata, o que caracteriza os ideogramas. De acordo com Wah (1980), a
cultura chinesa considerava os caracteres como um tesouro tão precioso que
deveria ser preservado e protegido como uma criança:
Para preservar a escrita chinesa da deterioração, os caracteres foram registrados em livros. Estas preciosas palavras escritas eram consideradas tão preciosas que passaram a ser protegidas como uma criança ( ) dentro de casa, isto é, sob um teto ( ) seguro. Logo, ( ) significa “caractere escrito”. O
traçado original ( ) mostra claramente um caractere que representa um jovem, sendo protegido da destruição, sob um teto. (WAH, 1980, p.5) (tradução nossa).
O mesmo ocorreu no caso do caractere Tiダn: , que significa “céu”,
“paraíso” e “dia”, exemplificado na figura 37. No processo de composição deste
caractere, a intenção não era somente comunicar a noção de “céu” ou
111
“firmamento”, mas também, o conceito filosófico da preponderância das
potestades celestiais sobre o destino do homem. Este caractere também
pertence à categoria dos ideogramas, na qual a combinação entre diferentes
caracteres resulta na transmissão de idéias abstratas.
Neste caso, o caractere não tem o objetivo de transmitir somente a
forma física dos objetos representados, como ocorre nos pictogramas. Ao
contrário, o processo de elaboração utilizou a combinação de diferentes
elementos gráficos com o intuito de comunicar conceitos abstratos e idéias de
natureza filosófica. Desta forma, a combinação resultante representa a imagem
simplificada de um homem de braços abertos, sob uma linha que equivale à
representação estilizada do firmamento.
Para Wah (1980):
Esta representação estilizada mostra a habilidade que o
homem possui de manter-se ereto sobre os pés ( ), abrindo
egoisticamente os braços ( ). Mas, acima do homem ( ),
por maior que ele seja ( ), está o firmamento celestial ( ), ocupando o espaço vazio sobre seus ombros e direcionando
seus passos. Logo; representa o céu autoritário e legislador, acima da cabeça do homem. Como a luz crescente do céu resulta no entardecer, passou a significar também o “dia”. (WAH, 1980, p. 150). ‘tradução nossa’.
Além de constituírem o fundamento do sistema de escrita, os caracteres
não são considerados pela cultura chinesa apenas como um meio de
comunicação.
Segundo Leyi (1993), a influência do confucionismo resultou na
concepção de que o sistema de escrita é um dos mais importantes tesouros
culturais daquele país, pelo fato de exercer a função de transmissor dos
esforços intelectuais realizados por filósofos e eruditos chineses durante
milênios. Para ele, os caracteres possuem a capacidade de não somente
112
instruir e transmitir conteúdos escolares e científicos, mas também a de ensinar
e preservar valores morais e modelos de comportamento que devem ser
adotados por todos os habitantes da China.
Deste modo, a elaboração dos caracteres também objetivou conservar
as idéias da filosofia chinesa através da história e, em cada um, podem ser
encontradas alusões a conceitos filosóficos, bem como informações sobre
valores sociais importantes para a sociedade chinesa. Este é o caso do
caractere Sh榎: (figura 38), que significa “porco”.
Segundo Wah (1980), no passado o porco era um animal muito
valorizado, pois garantia a nutrição das famílias:
Neste pictograma que representa o porco, a cabeça do animal foi substituída pela linha ( ). À esquerda estão situadas a
barriga e as patas ( ) e, à direita, as costas e o rabo ( ). O porco doméstico pode ter sido considerado como sinônimo de prosperidade para o homem, a julgar pelo modo como eram mutuamente dependentes. Esta dependência mútua provavelmente originou o provérbio: “O professor jamais deve abandonar seus livros, e o homem pobre, seu porco. (WAH, 1980, p. 6) ‘tradução nossa’.
A importância deste animal para a economia doméstica pode ser
percebida no processo de elaboração do caractere Jiダ: (figura 39), que
significa “casa”, “lar”, “família” e representa a habitação da família chinesa
tradicional. O caractere foi formado a partir do desenho de um teto, símbolo da
segurança familiar, sob o qual está um porco, símbolo da riqueza e garantia da
alimentação da família.
Segundo Wah (1980), a estabilidade da família chinesa, no passado, era
associada à posse deste animal, assim “... um porco ( ) sob um telhado ( )
representava o conceito de “lar” ( ). Ao porco doméstico era dada liberdade
para permanecer dentro da casa de seu dono.” (WAH, 1980, p.7) ‘tradução
nossa’.
113
Estas analogias e associações, presentes no processo de elaboração
dos caracteres, foram também utilizadas na criação de metodologias de ensino
que pudessem utilizar o desenho como uma ferramenta de transmissão de
conteúdos lingüísticos e valores sociais. O sistema de ensino organizado pelo
governo chinês após a reforma educacional adotou um ordenamento interno
baseado na transmissão progressiva de conteúdos, não somente em termos
dos ensinamentos ministrados, mas também associada aos atributos gráficos
dos caracteres.
Assim, organizou-se um método de ensino escolar baseado na
associação entre desenhos e a evolução histórica, bem como a progressiva
sofisticação conceitual e gráfica dos traçados. Este método de transmissão de
conteúdos pode ser compreendido através da análise dos caracteres
“grande”, “muito”, “pequeno” e “menor”.
A figura 40 apresenta o caractere Dà: , que significa “grande”. Neste
caso, apesar da semelhança com o desenho de um homem de braços abertos,
o caractere é um ideograma, e não um pictograma.
A idéia transmitida é a de tamanho comparativo, e não a representação
da figura humana, que é o caso do caractere rèn ( ). Wah (1980) observa
que “... a representação ideográfica de “grande” é a imagem de um homem de
braços abertos ( ). O que transmite a idéia de “grande” não é o tamanho do
homem, mas o seu gesto...” (WAH, 1980, p. 14) ‘tradução nossa’.
A figura 41 apresenta o caractere Tài: , que significa “muito”,
“demasiadamente”, “excessivo”. Neste caso, o caractere Dá: “grande” foi
utilizado para expressar outra idéia, mediante o acréscimo de um novo
elemento gráfico. A colocação de um pequeno ponto sob o caractere que
exprime a idéia de “grande”, resultou na noção de “muito”, “demasiado”. Diz
Wah (1980):
114
Sublinhar “grande” ( ) com uma linha ( ) resultou num caractere superlativo ( ), que significava “em demasia” ou “acima do limite”. No êxtase da dupla felicidade e enlevo da bem-aventurança matrimonial, o homem conferiu a sua esposa o honroso título de , o que denotava ênfase dupla. Como a ilustração demonstra, ela o levou a sério e passou a viver de acordo com este padrão. Posteriormente, o homem substituiu a linha por um pequeno traço. (WAH, 1980, p. 17) ‘tradução nossa’.
Um artifício parecido foi utilizado para a transmissão dos conceitos de
“pequeno” e “grande”. A figura 42 apresenta o caractere Xi越o: , que
significa “pequeno” ou “jovem”.
A formação deste caractere seguiu o processo de criação de
ideogramas, ou seja, a combinação de elementos gráficos abstratos para
comunicar um conceito. Segundo Wah (1980), o conceito de “pequeno” é
representado por “... um traço vertical ( ), separando dois traços menores
( ). A idéia derivou, também, da divisão ( ) de um objeto ( ) cujo tamanho
é pequeno...” (WAH, 1980, p. 19) ‘tradução nossa’.
A figura 43 apresenta o caractere Sh越o: , que significa “menor do
que”, “menos” e “pouco”. Como no caso dos caracteres e , ao caractere
, que significa “pequeno”, foi adicionado um elemento que o transformou em
um novo caractere, cujo significado, “menor”, ou seja, “menos quantidade”,
relaciona-se à idéia original.
O resultado final é um caractere que mantém o traçado de Xi越o: e
comunica uma idéia derivada de seu conceito, pela adição de um novo traço.
Conforme Wah (1980), “... combinou-se ( ) com ( ) para formar ( ).
Significa “cortar de tamanho menor” ou “diminuir” ( ) aquilo que já é pequeno
( ), tornando-o menor ainda ( )...” (WAH, 1980, p. 20) ‘tradução nossa’.
Este procedimento ocorreu em todas as fases de criação e evolução de
caracteres, e continua ocorrendo até os dias de hoje.
115
Como vimos anteriormente, o desenvolvimento tecnológico e social
tornou os caracteres primitivos obsoletos e insuficientes para expressar as
novas atividades humanas. Além disso, a necessidade de expressar conceitos
cada vez mais complexos contribuiu para a criação de caracteres resultantes
da combinação entre os já existentes.
Por exemplo, o caractere , utilizado para designar “chuva” foi
aproveitado na composição gráfica do caractere , que passou a transmitir
a idéia de “eletricidade”:
A figura 44 apresenta o caractere Y堰 , que significa “chuva”. A idéia
de chuva foi expressa pelo desenho das gotas que caem verticalmente das
nuvens que estão no céu. Diz Wah (1980) que “... , o caractere para chuva,
é o desenho das gotas de chuva ( ) caindo verticalmente (I) de uma nuvem
( ) que está no céu ( )...” (WAH, 1980, p. 95) (tradução nossa).
Já o caractere Diàn (figura 45), que significa “eletricidade”, e
também “relâmpago”, deriva do caractere “chuva”. Para transmitir o
conceito moderno de eletricidade combinou-se o caractere “chuva” com um
desenho que representava o relâmpago. Como ensina Wah (1980):
A linha formada pelo raio ( ) em meio à chuva que cai ( )
originou o caractere que representa “relâmpago” ( ). O relâmpago concebido como uma descarga visível de
eletricidade ( ) passou a significar “eletricidade” ( ) que, ao trilhar o caminho que oferece menos resistência, descarregou oito de seus traços, transformando-se na forma simplificada ( ). (WAH, 1980, p. 99) ‘tradução nossa’.
Deste modo, o caractere significa “eletricidade” e também pode ser
escrito sob uma forma simplificada . O mesmo processo foi utilizado para a
116
elaboração do caractere que expressa o verbo “ser”, bem como outros
significados.
A figura 46 apresenta o caractere Shì: , que significa “correto”,
“certo”, “adequado” e também o verbo “ser”. Neste caso, o processo de
elaboração obedeceu a analogias mais complexas e sutis, bem como a
preceitos filosóficos presentes nos ensinamentos confucionistas. Esta
complexidade, porém, não está aparente na forma simples do traçado, o que
favorece a intelecção pelo estudante.
O pictograma primitivo rì ( ) “sol”, está colocado sobre o ideograma
zhèng ( ) que transmite o conceito de “atitude correta”. Este caractere
derivou seu traçado do desenho de um homem indicando, com a mão
esquerda, o “caminho correto” que deve ser seguido pelo outro homem, ao
mesmo tempo em que aponta para o sol com a mão direita. O traço vertical
acima dos dois homens representa as nuvens do céu.
De acordo com Leyi (1993), a presença do sol neste caractere reforça a
idéia de “atitude correta”, pela qual o homem de bem deve sempre optar, de
acordo com os ensinamentos de Confúcio. Segundo o autor, nas concepções
filosóficas confucionistas, o sol sempre foi reverenciado e considerado como
parâmetro da atitude social e moral a ser adotada por todo o povo chinês.
Desta forma, o caractere Shì: passou a ser utilizado para transmitir
várias acepções cujos sentidos estão associados à idéia de “justo”, “certo”,
“correto”, bem como a idéia de “positivo”, em contraposição a tudo que não
contribui para o bem da sociedade.
Segundo Wah (1980), estes ensinamentos estão sintetizados neste
caractere pelo fato de que, além de significar “correto”, “certo”, o mesmo é
utilizado para exprimir o verbo “ser”. Para o autor, isto demonstra a
correspondência entre o significado do caractere e a atitude moral preconizada
pelos ensinamentos de Confúcio. Desta forma, o elemento lingüístico funciona
como divulgador de preceitos filosóficos, ou seja, o caractere divulga o
117
ensinamento confucionista que recomenda que a postura moral do homem de
bem deve ser clara e correta como o sol.
Vimos que após o surgimento dos ideogramas, o crescente
desenvolvimento da língua chinesa resultou na criação dos ideo-fonogramas.
Os ideo-fonogramas são caracteres cuja forma resulta da combinação entre
dois caracteres já existentes, na qual um destes funciona somente como um
elemento que indica a pronúncia.
Além dos estudos que enfatizaram os processos de construção de
significado por meio da análise dos aspectos gráficos e da crescente
complexidade dos ideo-fonogramas, muitos pesquisadores investigaram o
processo ensino-aprendizagem da língua chinesa sob o prisma das relações
entre a apreensão de significados pela leitura e as peculiaridades da fala.
Em língua chinesa as relações entre a forma dos caracteres e sua
pronúncia não é muito rígida, devido à grande quantidade de dialetos.
Segundo Perfetti e Zhang (1991), em Mandarim existem 1.300 sílabas, o
que resulta em grande número de homófonos.
De acordo com Cheng (1981), a escrita chinesa soluciona este problema
de homofonia por meio da elaboração e aperfeiçoamento contínuos do sistema
dos caracteres. Para ele, este estado de permanente renovação facilita o
aprendizado da escrita e da leitura, pois resulta em uma quantidade muito
maior de caracteres. No dialeto Mandarim, por exemplo, existem dez vezes
mais componentes gráficos do que elementos sonoros, ou seja, o número de
elementos gráficos, destinados a transmitir conteúdos, é muito superior às
unidades de pronúncia existentes.
Deste modo, no aprendizado da língua chinesa, a percepção visual e a
compreensão do sistema de transmissão de significação, por meio dos
caracteres, exercem um papel muito mais importante do que a memorização de
regras de pronúncia.
Apesar disso, o sistema de escrita através de caracteres possui regras
que, além de serem muito rígidas, são praticamente idênticas para todos os
dialetos. Desta forma, em toda a China, independentemente do dialeto falado
em determinada região, o sistema de escrita é o mesmo. Esta característica
118
facilitou a comunicação entre habitantes de regiões diferentes, e contribuiu
para a unificação do método de ensino-aprendizagem de leitura e escrita.
Em relação ao processo de ensino-aprendizagem da língua chinesa,
estudos pós-construtivistas postularam a hipótese da preponderância da
aquisição visual sobre a de natureza sonora.
Para Tavassoli (2010), as diferenças estruturais entre as línguas afetam
os processos através dos quais as mesmas são aprendidas. Segundo este
autor, no caso dos sistemas de escrita alfabética, aspectos fonológicos
interferem no ato da leitura, e tal fato não ocorre na língua chinesa.
O processo de ensino-aprendizagem da língua chinesa relaciona-se, primordialmente, à percepção visual e interpretação de conceitos, enquanto o das línguas alfabéticas envolve, em grau muito maior, a consciência fonológica. (TAVASSOLI, 2010, p. 89) ‘tradução nossa’.
As pesquisas de autores pós-construtivistas investigaram a relação entre
o acompanhamento visual e a emissão vocal da fala durante a leitura. O
objetivo desta investigação foi estudar as relações entre leitura e escrita nos
diferentes sistemas de escrita. Os resultados destas pesquisas levantaram
hipóteses sobre a preponderância da emissão vocal sobre a leitura em
sistemas alfabéticos, e da maior importância da apreensão visual sobre a
pronúncia, no caso da língua chinesa.
Como ressalta McCusker (1981), no caso da leitura em línguas que
utilizam sistemas de escrita alfabética, há uma tendência para a sub-
vocalização, ou seja, a repetição vocal das palavras lidas. Segundo este autor,
isto não ocorre durante a leitura dos caracteres chineses.
Para Hung (1981), isto ocorre pelo fato de que a leitura dos caracteres
enfatiza a apreensão visual, em detrimento de aspectos fonológicos, visto que
a associação com a pronúncia dos mesmos é arbitrária.
Já Perfetti e Zhang (1991) observaram em seus estudos que, como os
caracteres são símbolos eivados de significado, a compreensão dos mesmos
119
não depende de mediação por meio de aspectos fonológicos ou de sub-
vocalização. Para estes autores, em língua chinesa, os leitores não precisam
repetir vocalmente as frases lidas para que consigam compreender conteúdos
textuais.
Na visão destes autores, a construção de significado em língua chinesa,
difere das línguas que utilizam escritas alfabéticas, e não está vinculado à
capacidade de reconhecimento de fonemas, baseando-se, principalmente, em
habilidades de apreensão visual. Tal característica demonstra que, em língua
chinesa, a compreensão da significação de conteúdos transmitidos por meio da
leitura e escrita ocorre de forma mais rápida, objetiva e imediata do que nos
sistemas alfabéticos.
Já os pressupostos teóricos de Packard (2004) afirmam que a
interpretação de significado por meio dos caracteres chineses está relacionada
à compreensão do método de composição de palavras. Durante o processo de
ensino-aprendizagem da língua chinesa, os alunos devem aprender como os
mecanismos de formação dos caracteres, bem como as formas de composição
de palavras a partir dos mesmos.
Para o autor, em língua chinesa, a unidade lingüística denominada
“palavra” pode ser definida de três formas diferentes:
Em primeiro lugar podemos definir a palavra como o elemento que representa um conceito; em segundo lugar, como o resultado da aplicação de regras gramaticais de composição e, por último, como uma unidade independente que pode pertencer a diferentes categorias sintáticas. (PACKARD, 2004, p.48). ‘tradução nossa’.
Estas definições referem-se somente ao conceito de palavra em língua
chinesa e, segundo o autor, pode variar em função do tipo de sistema de
escrita estudado.
Entretanto, é possível apontar paralelos entre esta abordagem de
Packard (2004) e os estudos sócio-interacionistas sobre a linguagem, bem
120
como sobre as relações entre imagens e a construção de significados em
diferentes sistemas de escrita.
Para Luria (1976), a palavra é o elemento primordial da linguagem, pois
permite que a inteligência humana evolua, através da individualização e
classificação de objetos de acordo com características específicas. Para ele, “a
imagem percebida decodifica a experiência humana” (LURIA, 1976, p.33)
(tradução nossa).
Vygotsky (1993) concordou com Luria (1976) e também considerou a
imagem como o elemento que torna o homem capaz de separar objetos e
noções que possuam características semelhantes. Para os autores, as
imagens que o homem percebe visual e mentalmente originam as palavras, e
estas atuam como alicerce do desenvolvimento das funções mentais
superiores e da inteligência humana.
No que concerne à importância da imagem para a construção de
conhecimentos pelo homem, a proposta de Grossi (2010) concorda com
Vygotsky (1987) em relação ao fato de que o processo de ensino
aprendizagem infantil de leitura e escrita pode ser comparado à origem
histórico- social dos sistemas de escrita adotados por diferentes civilizações, ao
longo da evolução histórica da humanidade.
Já Ferreiro e Teberosky (1991), em relação aos sistemas de escrita
alfabética e às relações entre imagem e construção de significados, definem a
palavra como resultado de um desenvolvimento histórico iniciado com o
pictograma e que, obedecendo às relações entre o ato da leitura e o da fala
resultou no sistema de escrita silábica.
Devido a estes fatores, para Packard (2004), a elaboração de
metodologias de ensino da língua chinesa deve reconhecer a preponderância
da aquisição derivada do aspecto visual sobre o sonoro, devido à relação
estreita entre os caracteres chineses e a construção de significado naquela
língua. Para ele, o acesso ao significado por meio dos caracteres pode ser
mais direto do que nos sistema alfabéticos, nos quais o elemento sonoro ocupa
posição de destaque.
121
Assim, o estudo das relações entre a aprendizagem humana, desenho
infantil e imagem representativa de conceitos contribuiu para pesquisas sobre a
construção do conhecimento pelo homem e para análises dos processos de
ensino-aprendizagem de línguas que se utilizam de sistemas de escrita
alfabéticos e não-alfabéticos.
No caso do sistema de escrita chinesa, estas relações possuem vínculos
ainda mais estreitos, devido à estrutura gráfica oriunda de desenhos utilizados
para representar conceitos.
A existência destes vínculos possibilitou a criação de metodologias de
ensino da língua chinesa que utilizam a analogia entre as formas de diferentes
objetos. Além disso, estas metodologias admitem a possibilidade da
investigação de significados por meio do desenho, visto que este, na
concepção dos autores, é precursor da escrita.
122
CONCLUSÃO
A idéia que temos da língua chinesa é a de ser complexa e de difícil
aprendizagem, já que a mesma é grafada por caracteres, e não por letras,
como em nossa forma de escrita.
Entre as inúmeras pesquisas existentes sobre a aquisição de uma
segunda língua, acreditamos que as teorias de Piaget e Vygostky, bem como
os estudos de todos os outros autores estudados, contribuíram para a
compreensão dos processos de aquisição da escrita e da linguagem, em
sistemas alfabéticos e não-alfabéticos, bem como do papel do desenho e da
atividade lúdica no processo de ensino-aprendizagem da língua chinesa.
Esclarecemos que nossa tentativa neste primeiro trabalho foi traçar um
paralelo entre a aplicação do desenho e o aprendizado da língua chinesa por
alunos do ensino fundamental, por acreditarmos que nesta fase o lúdico pode
tornar-se um facilitador significativo do processo de construção e aquisição da
linguagem. Entretanto, esta pesquisa não teve a pretensão de aprofundar-se
no assunto, mas a de sugerir que a aplicação do desenho poderá ser possível
no processo de ensino-aprendizagem da língua chinesa.
Observamos que Piaget e Vygostky apresentam concepções diferentes
no que se refere à aprendizagem. Piaget postula que o conhecimento é
construído a partir de uma atitude ativa da criança ao entrar em contato com o
objeto de sua atenção e que, ao aprender, ela constrói sua inteligência através
de um processo de desenvolvimento que ocorre em etapas.
Por outro lado, vimos que Vygostky privilegia o papel da cultura e da
interação social no processo ensino-aprendizagem e na construção de
conhecimentos pelos indivíduos. Neste processo, a cultura fornece os
elementos a partir dos quais serão criadas as condições para o
desenvolvimento das habilidades de representação mental que impulsionam o
aparecimento da linguagem.
Outro aspecto importante, e que atende aos objetivos de nossa
pesquisa neste primeiro momento, é o fato de que, para Vygostky, a criança se
desenvolve, e constrói conhecimentos, por meio de instrumentos psicológicos e
signos. A utilização de tais elementos proporciona a internalização das
123
manifestações culturais, resultando na permanente reconstrução da inteligência
humana. Tal reconstrução ocorre por meio de progressiva organização de
sistemas simbólicos cada vez mais complexos.
Portanto, acreditamos que a escrita chinesa, enquanto sistema
simbólico sujeito a processos contínuos de evolução e re-elaboração pode
colaborar com processos de reconstrução da inteligência do homem, bem
como de suas habilidades de comunicação. Ou seja, quanto mais o aluno
entrar em contato com os caracteres chineses, mais sua inteligência estará
sendo estimulada, e maiores serão suas habilidades de promover re-
significação e re-construção de conhecimentos.
No que diz respeito ao desenvolvimento da inteligência e a construção
de conhecimentos, percebemos que, tanto o desenho quanto a atividade lúdica
auxiliam a criança a entender o caráter de representação, e adquirem
importância fundamental para o aprendizado de sistemas de escrita,
considerados como sistemas simbólicos. Ambos permitem que a criança
transforme as relações entre os objetos e seres do mundo exterior, inserindo-
os no campo de sua imaginação, no qual substitui as funções e atributos
originais dos objetos e seres por situações novas, atividade mental que permite
a libertação do plano imediato de significações.
Nessa perspectiva, constatamos que Ferreiro e Teberosky vêem o
desenho como um dos elementos a partir dos quais a criança formula
hipóteses para tentar compreender o que é a escrita alfabética. A escrita
chinesa não é um alfabeto, mas sim um sistema que tem sua origem a partir de
desenhos. Perguntamo-nos se isto ocorreria na aquisição de sistema de escrita
chinesa, visto que a tentativa de compreender este sistema pode ser
interpretada como um processo de reconstrução de significação.
Portanto, entendemos que, nas fases iniciais de seu aprendizado, ao
confundir as palavras com os objetos, a criança tenta, espontaneamente,
construir e compreender significados através do desenho. Remetemo-nos
também à Derdyck, que afirma que o desenho é a forma de comunicação mais
antiga que existe, e que ainda está presente no mundo atual, “... seja na sua
aplicação mais elaborada para o desenho industrial e arquitetura, seja na
função de comunicação que o desenho exerce na ilustração...”. Ou seja, como
nos fala Vygostky, “... o desenho é precursor da escrita...”.
124
Quanto ao sistema de escrita chinesa, podemos constatar que, neste, a
relação entre o significante e o significado é mais imediata, pois os caracteres
originam-se de desenhos, o que não acontece no alfabeto.
Observamos, e podemos concordar com Wah, em relação ao fato de
que a estrutura gráfica deste sistema procura comunicar conteúdos da maneira
mais direta, rápida e objetiva possível. Isto se dá graças a processos de
analogia, comparação e justaposição entre a forma dos objetos e conceitos
representados e o traçado dos caracteres chineses.
Assim, acreditamos que a apresentação de um novo caractere a um
grupo de alunos do ensino fundamental, seguida da execução de um desenho
explicativo que demonstre a forma do objeto ou conceito que originou seu
traçado, pode resultar na compreensão imediata de seu significado.
Após esta explicação, de certa forma, desenhar acaba se tornando um
ato espontâneo que equivale a uma tentativa de investigação do processo de
construção da significação, bem como de memorização dos conteúdos
transmitidos, além de estimular e ampliar o interesse pela aquisição de novos
conhecimentos. Deste modo, a reprodução manual destes caracteres pelos
alunos do ensino fundamental, não será simples cópia mecânica, mas poderá
ser considerada como um processo de imitação simbólica que favorece a
atividades de representação mental, tanto na visão construtivista quanto na
abordagem sócio-interacionista.
Neste caso, remetendo-nos a Vygostky, esta apresentação do caractere
desconhecido aos alunos, pode criar uma Zona de Desenvolvimento Proximal,
pois é através da mediação do professor que informa o desenho, e o conceito a
partir dos quais o caractere foi concebido, que o aluno é estimulado a construir
um novo conhecimento.
É importante ressaltarmos que o desenho já é utilizado pelo sistema de
ensino oficial da China como ferramenta auxiliar no processo de ensino-
aprendizagem da língua chinesa como segunda língua.
Ao analisarmos o sistema educacional chinês contemporâneo,
surpreendemo-nos com a constatação de que as teorias construtivistas e sócio-
interacionistas foram adotadas como diretrizes metodológicas da reforma do
ensino básico iniciada no final do século XX, pelos órgãos responsáveis pela
educação naquele país. Nossa pesquisa verificou também que, anteriormente,
125
as metodologias adotadas priorizavam a memorização mecânica e a cópia
sistemática dos caracteres, bem como a figura autoritária do professor, que
transmitia uma série de informações sem nenhum estímulo ao pensamento
crítico ou análise.
Nesse sentido, concordamos com Jia³ quando afirma que o professor
deve adotar uma postura mais humanista e criar um ambiente mais agradável
para o aprendizado, já que o educador é um mediador da construção ativa de
conhecimentos pelos alunos.
Outro aspecto importante, defendido pelo autor, e com o qual também
concordamos, está na natureza do material didático, a qual deveria ser
elaborada conforme o conhecimento prévio e a realidade sócio-cultural dos
alunos.
Já em nosso sistema de ensino, vimos que os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino de língua estrangeira também preconizam a
participação crítica do aluno, e servem como referência para a (re) elaboração
do projeto pedagógico e do currículo escolar em escolas brasileiras.
No que se refere ao ensino de língua chinesa, no Brasil, percebemos
que não é comum a utilização do desenho, embora os cursos nacionais
oferecidos possuam convênios com o Ministério de Educação da China e este
órgão governamental aprove este método.
Entretanto, somente a Escola Mandarim, apresentou uma metodologia
que envolve algum tipo de produção artística, mas não menciona se o desenho
faz parte do currículo do curso.
Em geral, as metodologias dos cursos pesquisados não utilizam o
desenho como ferramenta auxiliar de ensino, priorizando outras atividades e
exercícios para a memorização dos traçados e significados dos caracteres.
Enfatizamos que a ação psicopedagógica preventiva tem por objetivo
facilitar o aprendizado e eliminar potenciais dificuldades de aprendizagem.
Desta forma, a utilização do desenho no processo de ensino-
aprendizagem da língua chinesa para alunos do ensino fundamental de escolas
brasileiras, pode proporcionar ao psicopedagogo a possibilidade de uma
atuação eficaz. Isto se deve ao fato de que o desenho é um elemento
verdadeiramente universal, capaz de construir significados, transmitir
conteúdos, re-significar os próprios envolvidos no processo de ensino-
126
aprendizagem, independentemente do contexto lingüístico e sócio-cultural no
qual estejam inseridos. Em última instância, a eficácia o desenho como veículo
de comunicação e expressão não se restringe às normas dos sistemas de
escrita, sejam estes alfabéticos ou não. Como exemplo, podemos citar o
desenho “a pomba da paz”, de Picasso, no qual a mensagem que se deseja
transmitir pode ser compreendida em todos os contextos culturais e lingüísticos
do mundo.
Também nos parece que a construção de significados no sistema de
escrita chinesa pode até mesmo ser considerada como uma ação
psicopedagógica de teor preventivo, visto que, na estrutura interna deste
sistema, a relação entre significante e significado, além de não ser arbitrária,
como nos sistemas alfabéticos, é intencionalmente mais direta.
Esta peculiaridade evidencia a intenção de facilitar a aprendizagem e,
também, de eliminar potenciais dificuldades de compreensão e transmissão de
conteúdos e mensagens, características que definem os objetivos da
psicopedagogia de teor preventivo.
Acreditamos que esta pesquisa não se esgota aqui, devido às
possibilidades de construção de conhecimento oferecidas pelo desenho e pelo
aspecto psicopedagógico.
Entretanto, sugerimos que futuros educadores e psicopedagogos,
aprofundem seus conhecimentos referentes ao assunto abordado, ampliando
desta forma as possibilidades de pesquisa relativa à utilização de ferramentas
lúdicas, como o desenho, não apenas voltado ao aprendizado de segunda
língua, mas aplicado a outras disciplinas.
A utilização do desenho como ferramenta lúdica no processo de ensino-
aprendizagem da língua chinesa pode, também, abrir imensas oportunidades
profissionais para alunos e professores brasileiros. Além disso, pode auxiliá-los
a aprender a aprender, construindo sua própria autoria de pensamento e
ampliando seus horizontes.
Por fim, a utilização do desenho no processo de ensino-aprendizagem
da língua chinesa como segunda língua pode proporcionar ao psicopedagogo
condições adequadas para intervir neste processo, de modo que sua atuação
preventiva possibilite o estabelecimento de um processo de conhecimento no
qual esteja manifesta a presença de um verdadeiro construtivismo social.
127
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133
LISTA DE SIGLAS
CCCB - Centro Cultural Brasil-China. HSR - Hanyu Shuiping Kaoshi. HSCHDD - Hanyu Shuiping Cihui Yu Hanzi Dengji Dagang. NOCFL - National Office for Teaching Chinese as a Foreign Language (China). MEC - Ministério da Educação e Cultura. PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais. f.s.- Forma Simplificada.
134
LISTA DE FIGURAS
Capítulo 3.1.
Figura 1, p. 59.
Fonte: Leyi, 1994, p.101.
135
Figura 2, p. 65.
ESTRATÉGIA DESCRIÇÃO Práticas obrigatórias
1 - Repetição 1 - Repetir a leitura, escrita ou fala. 2 - Memorização 2 - Memorizar vocabulário importante. 3 - Compreensão 3 - Priorizar a compreensão ao ler. 4 - Prática 4 - Repetir os exercícios várias vezes. 5 – Revisão 5 - Retornar ao material para fixação.
Práticas alternativas Conceito 1 - Ler em silêncio ou sub-vocalizando. 1 - Ler mentalmente ou sub-vocalizando,
repetidas vezes. 2 - Memorização de palavras escritas. 2 - Re-escrever a mesma palavra várias
vezes. 3 - Memorização de palavras escritas em cartões.
3 - Repetir listas de palavras escritas em cartões.
4 - Exemplos típicos. 4 - Repetir expressões várias vezes. 5 - Encontrar traduções equivalentes. 5 - Traduzir listas de palavras de trás
para frente e em ordem normal. 6 - Encontrar definições. 6 - Escrever palavras várias vezes. 7 - Agrupar itens aos pares. 7 - Repetir pares de palavras. 8 - Memorização de verbos irregulares. 8 - Recitar listas de verbos irregulares. 9 – Agrupar. 9 - Classificar palavras em grupos. 10 – Associações. 10 - Relacionar novas informações a
conceitos já conhecidos. 11 - Inserir palavras conhecidas em contextos novos.
11 - Inserir palavras conhecidas em contextos novos.
12 - Utilizar imagens. 12 - Relacionar palavras e desenhos. 13 - Utilizar mapas semânticos.
13 - Organizar palavras em diagramas nos quais o sentido principal esteja escrito no centro, e palavras e conceitos relacionados sejam ligados por setas.
14 - Palavras-chave. 14 - Memorizar palavras-chave por meio de recursos visuais e auditivos.
15 - Representar sons. 15 - Memorizar informações de acordo com similaridades sonoras.
16 – Revisão. 16 - Realizar revisões permanentemente Fonte: Li, 2011, p. 23-24. ‘tradução nossa’.
136
Figura 3, p. 66.
Fonte: McNaughton, 2005, p.1. ‘tradução nossa’.
137
Figura 4, p. 67.
Fonte: McNaughton, 2005, p. 293.
Figura 5, p. 68.
Fonte: Kantor, 1981, p. xxx.
Figura 6, p. 68.
Fonte: Kantor, 1981, p. xxx.
138
Figura 7, p. 68.
Fonte: Kantor, 1981, p. xxx.
Figura 8, p. 68.
Fonte: Kantor, 1981, p. xxxi.
Capítulo 3.2.
Figura 9, p. 69.
Fonte: LEYI, 1993, p.278.
139
Figura 10, p. 69.
Fonte: LEYI, 1993, p.451.
Figura 11, p. 70.
Fonte: LEYI, 1993, p. 242.
Figura 12, p. 70.
Fonte: LEYI, 1993, p. 277.
140
Figura 13, p. 71.
Fonte: LEYI, 1993, p.227.
Figura 14, p. 71.
Fonte: LEYI, 1993, p. 76.
Figura 15, p. 71.
Fonte: LEYI, 1993, p.184.
141
Figura 16, p. 71.
Fonte: LEYI, 1993, p. 209.
Figura 17, p. 71.
Fonte: LEYI, 1993, p.237.
Figura 18, p. 71,
Fonte: LEYI, 1993, p. 376.
142
Figura 19, p. 72.
Fonte: LEYI, 1993, p.160.
Figura 20, p. 72.
Fonte: LEYI, 1993, p. 293.
Figura 21, p. 72.
Fonte: Wah, 1980, p. 195.
143
Figura 22, p. 73.
Fonte: Wah, 1980, p. v. ‘tradução nossa’.
144
Figura 23, p. 74.
Fonte: Wah, 1980, p. vii. ‘tradução nossa’.
145
Figura 24, p. 76.
Classificação Sダn Sh┣, 1- Pictogramas (caracteres primitivos) Xiáng Xíng (formas de
imagens/desenhos) 2- Ideogramas (símbolos indiretos ) Zhり Shì (conceitos e idéias abstratas) 3- Ideo-fonogramas Xíng Shパng (ideogramas+sons)
Classificação Liú Shu 4- Associações Huì Syi 5- Símbolos interpretados Zhuan Zhi 6- Pronúncia por empréstimo Jia Jiè Capítulo 4.2.
Figura 25, p. 106.
Fonte: Wah, 1980, p. 1.
146
Figura 26, p. 106.
Fonte: Wah, 1980, p.2.
Figura 27, p. 107.
Fonte: Wah, 1980, p. 47.
147
Figura 28, p. 107.
Fonte: Wah, 1980, p. 50.
Figura 29, p. 108.
Fonte: Wah, 1980, p. 10.
148
Figura 30, p. 108.
Fonte: Wah, 1980, p. 121.
Figura 31, p. 108.
Fonte: Wah, 1980, p.91.
149
Figura 32, p. 108.
Fonte: Wah, 1980, p. 13.
Figura 33, p. 108.
Fonte: Wah, 1980, p. 33.
150
Figura 34, p. 109.
Fonte: Wah, 1980, p. 26. Figura 35, p. 109.
Fonte: Wah, 1980, p. 2.
151
Figura 36, p. 110.
Fonte: Wah, 1980, p. 15.
Figura 37, p. 110.
Fonte: Wah, 1980, p. 6.
152
Figura 38, p. 112.
Fonte: Wah, 1980, p. 7.
Figura 39, p. 112.
Fonte: Wah, 1980, p. 14.
153
Figura 40, p. 113.
Fonte: Wah, 1980, p. 19.
Figura 41, p. 113.
Fonte: Wah, 1980, p. 20.
154
Figura 42, p. 114.
Fonte: Wah, 1980, p. 95.
Figura 43, p. 114.
Fonte: Wah, 1980, p. 99.
155
Figura 44, p. 114.
Fonte Wah, 1980, p. 95. Figura 45, p. 115.
Fonte: Wah, 1980, p. 99.
156
Figura 46, p. 116.
Fonte: Wah, 1980, p. 79.