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10 INTRODUÇÃO O curso No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores em Áreas de Assentamentos Licenciatura em Letras foi implantado em 2006, em atendimento as reivindicações de educadores de áreas de assentamentos de reforma agrária que solicitaram à Universidade do Estado da Bahia a formação acadêmica. O curso configura-se como mais uma das possibilidades de formação e de educação universitária diferenciada planejada e organizada pelo Departamento de Educação - Campus X. Nesse sentido, a turma de Letras Patativa do Assaré passou a compor o cenário desse Departamento, com um currículo específico, diferenciado e intercultural. Em função da especificidade do projeto de curso, as aulas são ministradas no Centro de Formação Carlos Marighella no assentamento 1º de Abril, pertencente ao município do Prado (BA), e as atividades educativas também são planejadas e realizadas pelos sujeitos envolvidos: educadores, coordenadores da universidade, estudantes e coordenação do setor de educação do Movimento dos Sem-Terra. Todas as manhãs, durantes as etapas do Curso Letras da Terra, são ritualizadas as Místicas. Esse momento de congregação organizado pelos discentes colabora no fortalecimento das redes de relações entre os estudantes, funcionando como um importante meio de comunicação e expressão, apontando para construção de saberes por meio de outras linguagens e de outras práticas. Segundo Ademar Bogo a Mística é a representação do mistério. A palavra grega mysterión tem origem em múien, “que quer dizer a busca de entender o que está escondido nas coisas”. Mistério não equivale a enigma que, decifrado, desaparece”. Ao contrário, quanto mais se decifra, mais misterioso fica. A ansiedade de buscar mais, no mundo da utopia é algo que nunca se esgota”. (BOGO, 2002, p. 22). A Mística é um meio de comunicação dentro do Movimento Sem Terra (MST), para a produção desta é necessário a combinação de diferentes linguagens. As linguagens verbal e

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Page 1: INTRODUÇÃO€¦ · “Mistério não equivale a enigma que, decifrado, desaparece”. Ao contrário, quanto mais se decifra, mais misterioso fica. “A ansiedade de buscar mais,

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INTRODUÇÃO

O curso No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores

em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras foi implantado em 2006, em

atendimento as reivindicações de educadores de áreas de assentamentos de reforma agrária

que solicitaram à Universidade do Estado da Bahia a formação acadêmica.

O curso configura-se como mais uma das possibilidades de formação e de educação

universitária diferenciada planejada e organizada pelo Departamento de Educação - Campus

X. Nesse sentido, a turma de Letras Patativa do Assaré passou a compor o cenário desse

Departamento, com um currículo específico, diferenciado e intercultural. Em função da

especificidade do projeto de curso, as aulas são ministradas no Centro de Formação Carlos

Marighella – no assentamento 1º de Abril, pertencente ao município do Prado (BA), e as

atividades educativas também são planejadas e realizadas pelos sujeitos envolvidos:

educadores, coordenadores da universidade, estudantes e coordenação do setor de educação

do Movimento dos Sem-Terra.

Todas as manhãs, durantes as etapas do Curso Letras da Terra, são ritualizadas as Místicas.

Esse momento de congregação organizado pelos discentes colabora no fortalecimento das

redes de relações entre os estudantes, funcionando como um importante meio de comunicação

e expressão, apontando para construção de saberes por meio de outras linguagens e de outras

práticas.

Segundo Ademar Bogo a Mística é a representação do mistério. A palavra grega mysterión

tem origem em múien, “que quer dizer a busca de entender o que está escondido nas coisas”.

“Mistério não equivale a enigma que, decifrado, desaparece”. Ao contrário, quanto mais se

decifra, mais misterioso fica. “A ansiedade de buscar mais, no mundo da utopia é algo que

nunca se esgota”. (BOGO, 2002, p. 22).

A Mística é um meio de comunicação dentro do Movimento Sem Terra (MST), para a

produção desta é necessário a combinação de diferentes linguagens. As linguagens – verbal e

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não-verbal – são utilizadas com a intenção de formar, sensibilizar, envolver, congregar,

informar, envolver todos e todas no „mistério‟.

Por ter intimidade com a fotografia, passei a registrar as Místicas, principalmente a produção

grafo-plástica construídas nelas. E no início de cada etapa as imagens capturadas no módulo

anterior eram socializadas com a turma, ora em forma de exposição de fotografias, ora em

slides. Ao observar cada imagem lia o potencial comunicativo que a Mística tem.

Gradativamente, o desejo de ler e interpretar as Místicas produzidas por minha turma foi

acentuando. Assim nasceu o projeto de pesquisa “O estudo Semiótico das expressões grafo -

plásticas produzidas nas Místicas pelos discentes do Curso Letras da Terra”. O objetivo que

norteou o estudo foi: compreender o processo de elaboração das Místicas, o seu potencial de

comunicação, atentando-se para as interpretações dos signos quanto ao seu fundamento,

interpretante e intérpretes (que são também signos linguísticos na composição das Místicas).

Os signos linguísticos que constituem as Místicas foram interpretados como signos culturais,

uma vez que cada sujeito ali presente marca o seu lugar e é representado simbolicamente por

signos carregados de ideologias, dentre elas a defesa pela justa distribuição da terra e de bens

culturais como a educação superior.

A análise e interpretação das Místicas e das expressões grafo-plásticas elaboradas pelos

estudantes do Curso Letras da Terra foram realizadas partindo das questões problemas: (1)

que ciência adotar para o estudo das Místicas e dos textos não-verbais? (2) Que leituras são

realizadas pelos discentes dos signos da Mística? (3) Que saberes são construídos pelos

discentes (produção de sentido) por meio dos signos utilizados nas Místicas? (4) Que signos

são frequentes na produção das expressões plásticas e o que motiva a escolha desses signos?

Na produção de uma Mística diferentes signos estão presentes: os verbais como palavras

escritas e faladas, poemas recitados, músicas, quanto aos signos não-verbais são as

fotografias, telas, ferramentas, instrumentos, livros, teatralização e a construção de uma

expressão grafo-plástica, que abarcar em um grande círculo todos esses signos. Essa

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expressão é denominada de Mandala1. Por ser um texto híbrido buscou-se na Semiótica os

fundamentos para análise de seus signos.

A Semiótica, conforme Lúcia Santaella (1983, p. 13): “é a ciência que tem por objeto de

investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos

de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido”.

A palavra Semiótica é originaria da palavra grega semeion, que significa signo ou sinal,

portanto Semiótica é a ciência dos signos verbais e não-verbais. E o signo é alguma coisa que

está representando algo para alguém.

Adotou-se a Semiótica como ciência e método, sendo assim as Místicas e as Mandalas como

signos foram descritos e interpretados, a partir das três categorias: (a) Primeiridade - a leitura

dos signos em relação ao seu representamen – os quali-signos, quanto ao seu objeto, os seus

aspectos icônicos e quanto ao interpretante – o rema; (b) Secundidade, em relação ao seu

representam os sin-signos; quanto a relação do signo com seu objeto, os índices e

interpretante, isto é, o dicente e (c) Terceiridade, em relação ao seu representamen, os legi-

signos; ao seu objeto – os símbolo e quanto ao interpretante – o argumento; sem perder de

vista os elementos emocionais, sensoriais e lógicos que fazem parte do processo de

significação realizado por cada intérprete, isto é, a elaboração de novos signos, a partir da

apreensão das mensagens presentes nos signos antecedentes.

A coleta de dados aconteceu no período de 21 de março a 19 de maio de 2010. As Mandalas

foram registradas por meio de fotografias, as apreciações e leituras das Místicas pelos

discentes foram anotadas no Livro de Memórias do curso, também houve filmagens de

1 Mandala vem do sânscrito de origem hindu, e quer dizer "círculo mágico", um círculo de energia. A Mandala é

constituída por desenhos geométricos - basicamente círculos, quadrados e triângulos - que se inscrevem uns aos

outros formando ou se entrelaçando a imagens simbólicas, formando um grande círculo contendo várias imagens

significativas. A Mandala é a expressão visual do retorno à Unidade pela delimitação de um espaço - o

espaço dentro do círculo - símbolo do "espaço sagrado". A circunferência que delimita a Mandala tem como

origem o próprio ponto central e limita esse espaço circular separando-o do restante do Todo. Este espaço então

é preenchido com várias imagens representativas das mais variadas ligações simbólicas, resultando numa representação gráfica da relação dinâmica entre o Homem e o Cosmo. Desde os tempos mais remotos até os

dias de hoje as Mandalas são usadas como focos de meditação. Em termos de artes plásticas, a Mandala

apresenta sempre grande profusão de cores e representa um objeto ou figura que ajuda na concentração para se

atingir outros níveis de contemplação. Há toda uma simbologia envolvida e uma grande variedade de desenhos

de acordo com a origem. Disponivel em : <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mandala_(s%C3%ADmbolo)>. Acesso

em 19 de julho de 2011.

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Místicas, dentre as três eleitas para a análise, duas foram; além de entrevistas. Quanto às

fontes impressas foram consultados o Livro de Memórias do Curso Letras da Terra, Projeto

do curso No Cio da Terra, o Germinar das Letras em Movimento - Formação de Professores

em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras (UNEB, 2006), Relatórios das I, II, III,

IV, V, VI e VII etapas do curso (VERONEZ, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010) e as obras de

Charles S. Pierce (2005), Lúcia Santanella (2002, 2006) e Winfried Nöth (2003), Ademar

Bogo (2002, 2006, 2009), Fabiano Coelho (2010), Frei Beto e Leonardo Boff (2010)

O estudo da significação das Místicas e dos signos presentes nas Mandalas trouxe como

resultado a produção de quatro capítulos, partindo de aspectos mais gerais até a análise dos

fundamentos e do movimento interno dos signos. Sendo assim, no primeiro capítulo foi

abordada a contribuição dos estudiosos Lucia Santaella e Charles Sander Peirce. A Semiótica

como teoria e método. Segundo Peirce, essa ciência lógico-filosófica da linguagem é uma

forte aliada no processo de entendimento de significação dos signos. E para a leitura semiótica

de tudo que está representado através dos signos, de todos os tipos de linguagens nos

processos comunicativos deve-se atentar para as três Categorias Universais Fenomenológicas:

a Primeiridade que é a contemplação do fenômeno, a Secundidade reação e a Terceiridade, a

reflexão, resultante da capacidade humana de significar.

No segundo capítulo, a Mística é abordada, desde a sua origem aos valores simbólicos que a

ela foram agregados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. A Mística como ato da

consagração quando adotada pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s) e pela Comissão

Pastoral da Terra (CPT) à Mística como instrumento de conscientização e de formação

política ao ser ressignificada pelo MST.

A produção, organização e vivência da Mística pelos estudantes de Letras são temáticas

abordadas no terceiro capítulo. Nesse capítulo o curso e sua organicidade são descritos, após a

contextualização dos signos analisados e dos sujeitos produtores e receptores são tratadas de

forma descritiva e interpretativa as leituras realizadas pelos intérpretes acerca das Místicas –

as impressões, reflexões e argumentos construídos pelos referidos intérpretes.

No quarto capítulo a sistematização das leituras e interpretações dos signos presentes nas

Místicas: (1) “Parte da vida e da luta”, (2) “Somos Marias” e (3) “Homenagem às

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orientadoras e orientadores”, isto é, a contemplação, descrição e análise dos seus quali-sin-

legi-signos.

Se os leitores e leitoras do ato Místico e de mundo têm a compreensão semiótica, possuem

mais um instrumento para uma maior participação na sociedade, pelo fato de aguçar o senso

crítico, facilitando a leitura e a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas de comunicação

que são articulados através dos signos, o que muito auxiliará também a esses leitores/leitoras

na elaboração de mensagens de uma forma mais consciente, evoluindo assim a formação

política, cidadã e a humanização de trabalhadores/trabalhadoras.

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I - A SEMIÓTICA COMO CAMINHO: TEORIA E MÉTODO

A Semiótica despontou como ciência no final do século XIX e início do século XX, a partir

das compreensões de Charles Sanders Peirce que procurava dar unidade à concepção de

pensamento como um processo de interpretação do signo com base numa relação entre a

coisa, o representamen e o significado. Ele foi o enunciador da tese de que todo pensamento

se dá em signo, e esta significação seria a continuidade dos signos, rompendo com as teorias

em que o signo só era estudado a partir da dicotomia, significante e significado.

1.1 Histórico da Semiótica

Apesar de ser uma ciência nascida no século passado a Semiótica foi pensada e discutida

pelos filósofos, desde Grécia Antiga. Sua referência mais remota é encontrada na história da

medicina, no estudo diagnóstico dos signos das doenças. Segundo Winfried Nöth, no período

greco-romano, a Semiótica avan la lettre, quer dizer, que antes de atingir o seu estado

definitivo,os signos verbais e não-verbais, eram teorizados através de filósofos como Platão e

Aristóteles e muitos outros estudiosos que contribuíram com o crescimento da teoria dos

signos. (NÖTH, 2003)

Platão (427-347 a. C.) criou um modelo relacionado aos signos, obedecendo a uma estrutura

triádica com os três componentes do signo: o primeiro, o nome, o segundo que é a

idéia/noção, que são as entidades objetivas que só existem em nossa mente, mas que também

possuem realidade numa esfera espiritual além do indivíduo. E o terceiro componente que é a

coisa à qual o signo se refere. Para Platão a verdade que se exprime e se transmite por

palavras, mesmo que as palavras possuam semelhanças com as coisas às quais se referem, é

sempre inferior ao conhecimento direto, não intermediado desse pensamento, esta é a porta de

entrada para a teoria semiótica. Segundo Winfried Nöth, “Platão tratou de vários aspectos da

teoria dos signos; definiu signo verbal, significação e contribuiu com ideias críticas para a

teoria da escritura”. (NÖTH, 2003, p.27).

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Aristóteles (384-322 a. C.) relacionou a semiótica, como a “doutrina dos signos”, “arte dos

signos”. Ele deu continuidade as ideias de Platão, mantendo a forma triádica dos signos. E

aprofundando um pouco mais, elaborando a teoria dos signos fonéticos e escritos, cuja

essência consistia no fato, de que nos signos algo responde de outro algo. “chamou o signo

linguístico de “símbolo” (symbolon) e o definiu como um signo convencional das “afecções

(pathémata) da alma”. Descreveu essas afecções como “retratos” das coisas (prágmata).

(NÖTH, 2003, p.29).

Sendo que, ainda na idade antiga, através de Aurélio Agostinho, (354 - 430 d. C.) a semiótica

tomou um novo impulso. Agostinho desenvolveu mais a teoria semiótica, definindo o signo

como "uma coisa que, além da impressão que produz nos sentidos, faz com que outra coisa

venha a mente como consequência de si mesmo”. Havendo assim uma interferência mental no

processo de semiose, quer dizer, no processo de produção de signos/linguagem. Outro ponto

interessante de sua teoria é a distinção entre os signos e as coisas. Apesar dessa separação, ele

considerava que "as coisas são conhecidas por meio dos signos". As ideias elaboradas por

Agostinho serviram de base para a semiótica medieval. Nöth acrescenta que:

Na interpretação de Agostinho, todas as coisas percebidas como signo são

ultimamente, signos naturais que revelam a vontade de Deus na criação terrestre.

Tais idéias continuaram a ser desenvolvidas na semiótica exegética medieval, no

quadro da teoria dos sentidos múltiplos do mundo e dos textos. (2003, p.33)

Na Idade Média foi desenvolvida uma ciência dos signos, que envolvia a gramática, a lógica,

e a retórica, e adotava uma posição muito próxima a teoria anterior da antiguidade. Os

escolásticos, estudiosos dos signos, aprofundaram mais os estudos no sentido da teologia, da

gramática, da retórica e da dialética.

Na renascença os mais importantes semioticistas foram Roger Bacon que produziu o tratado

De Signis e João de São Tomás, retoma os postulados de Platão, em que afirma a importância

do signo como instrumento de cognição, não somente de comunicação. No seu livro A

Lógica, definiu signo como sendo “Todos os instrumentos dos quais nos servimos para a

cognição e para falar são signos”, abrindo novas perspectivas para o estudo do signo. Nöth

observa que:

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Tal definição contém dois elementos de grande interesse para a teoria dos signos. O

primeiro é a definição do signo como instrumento e, portanto, como um meio,

constituindo um esboço da ideia de semiose como mediação, desenvolvida mais

tarde por Peirce (...). O segundo elemento importante na definição de João de Tomás

é a afirmação de que os signos não são apenas instrumentos de comunicação, mas

também de cognição. (NÖTH, 2003, p. 36).

Na Idade Moderna surge a Semiótica, no sentido atual da palavra com a publicação de John

Locke que postula uma “doutrina dos signos”, denominada de Semeiotiké na qual descreve os

signos como "grandes instrumentos do conhecimento" e os separa em dois níveis, idéias e

palavras. O filósofo Johann Heinrich Lambert escreve um tratado Semiotik, especialmente

sobre a Semiótica.

Na idade contemporânea, a partir do século XIX, a semiótica começa a expandir e a ser

firmada como ciência na América do Norte, através de Charles S. Peirce, na Europa com

Ferdinand Saussure e na Ásia com Roman Jakobson e outros semioticista russos.

Charles Sanders Peirce (1839 - 1914), cientista-lógico-filósofo estadunidense, é considerado

fundador da teoria moderna dos signos, o verdadeiro pai da semiótica, muito ligado a

universalidade epistemológica, a Metafísica e a Lógica. Em 1867, Peirce começou a publicar

suas investigações considerando a semiótica e a lógica como sinônimos, afirmando que a

semiótica é a Filosofia Lógica da Linguagem. Aplicou a semiótica principalmente na filosofia

científica e baseou o seu estudo do signo em uma forma triádica, como no modelo platônico e

aristotélico, surgindo daí toda a sua teoria geral dos signos.

A moderna semiótica organizada por Peirce passou a ser estudada no Brasil a partir de 1970

na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no curso de pós graduação Teoria Literária.

A Semiótica de Peirce tornou-se mais valorizada, especialmente nos estudos de linguagem e

comunicação, pelo fato de ter ampliado a noção de signo, em uma perspectiva triádica,

diferenciado de Saussure e de outras correntes que estudaram o signo numa perspectiva

diástica.

Quanto ao campo de abrangência da Semiótica, Santaella diz que

Podemos repetir que ele é vasto, mas não indefinido. O que se busca descrever e

analisar nos fenômenos é a sua constituição como linguagem. Nesse sentido, embora

a Semiótica se constitua num campo intricado e heteróclito de estudos e indagações

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que vão desde a culinária até a psicanálise, que se intrometem não só na

meteorologia como também na anatomia, que dão palpites tanto ao cientista político

quanto ao músico, que imprevistamente invadem territórios entre as ciências, isso

não significa que a Semiótica esteja sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar

o campo do saber e da investigação especificas de outras ciências. Nos fenômenos,

seja eles quais forem – uma nesga de luz ou um teorema matemático, um lamento de

dor ou uma ideia abstrata da ciência -, a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser

de linguagem, isto é a sua ação de signo. Tão-só e apenas. E isso já é muito. (2003,

p.14).

1.2 A Teoria dos Signos de Charles Sanders Peirce

A teoria dos signos de Peirce é formada por conceitos lógicos, gerais e abstratos, resultado de

30 anos de intensiva pesquisa e estudos profundos. O início do fio deste infinito novelo que é

a Semiótica Peirceana, se dá com a Fenomenologia, que segundo Santaella, é uma quase-

ciência que investiga os modos como apreendemos qualquer coisa que aparece à nossa mente

e “tem por função apresentar as categorias formais e universais dos modos como os

fenômenos são apresentados pela mente.” (SANTELLA, 2002, p. 7).

Segundo Peirce as Categorias Universais e Formais apresenta os três modos como os

pensamentos são desenvolvidos e preenchidos, na apreensão de todo e qualquer

conhecimento. São elas: a Primeiridade, onde são considerados os signos de primeira

categoria, que está relacionado ao ocaso, possibilidade, os sentimentos e emoções, o presente

imediato. É a Primeiridade, o pensamento inicial, uma sensação, a qualidade primeira

percebida, que independe de qualquer outra coisa. A Secundidade está ligada as ideias de

dependência, determinação, dualidade. Nesta Segunda Categoria predomina a percepção, a

ação e a reação, a dúvida, em um mundo real que independe do pensamento e, no entanto é

pensável. A Terceiridade está ligada as ideias de dependência, determinação, continuidade,

crescimento de tudo que foi gerado nas duas primeiras categorias, é a última categoria que

leva aos pensamentos abstratos e discursos, é o experimentar e o pensar, onde o signo é

manifestado com todo o seu potencial para o intérprete. A Terceira Categoria é a

apresentação, a percepção que predomina já sendo refletida, realizada no momento que o

pensamento entra em concordância com o referencial do primeiro e segundo momento,

portanto em Peirce:

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(...) as verdadeiras categorias da consciência são: primeira, sentimento, a consciência

que pode ser compreendida como um instante no tempo, consciência passiva da

qualidade, sem reconhecimento ou análise; segunda, a consciência de uma

interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um fato externo ou

outra coisa; terceira, consciência sintética, reunindo tempo, sentido de

aprendizagem, pensamento. (PEIRCE, 2005, p. 14)

A Semiótica Peirceana é uma filosofia científica da linguagem, que trata das relações dos

fenômenos a partir das Categorias Universais, nas quais estão firmadas as ciências

normativas, a partir de três pontos de vista diferentes: o primeiro, a estética; o segundo, a

ética; e o terceiro, a lógica.

A palavra Estética tem origem grega e significa conhecimento sensorial ou sensibilidade. A

Estética é a área da filosofia que determina o belo, o bem superior, é a ciência dos ideais, do

admirável. É a reflexão filosófica daquilo que desperta emoção por meio da contemplação, os

efeitos de determinado objeto provocado no observador na sua apresentação. A estética

normativa estuda o julgamento e a percepção, a produção das emoções pelo fenômeno

estético situados na Primeiridade, os sentimentos, emoções e impressões. (PEIRCE, 2005)

O segundo ponto de vista utilizado por Peirce é a Ética, a ciência normativa que busca

fundamentar o pensamento humano. Sendo a teoria da ação auto controlada ou da conduta

deliberada, do esforço, da vontade em relação ao bom modo de viver e conviver,

determinando assim o agir, para que as ideias, com sentimentos razoáveis tenham a

possibilidade de se realizar. A Ética investiga e compara a conduta humana em relação ao

bem no seu sentido fundamental e absoluto. É o momento da Secundidade, a dualidade, a

dúvida em relação à ação, reação e também determinação. (PEIRCE, 2005)

A Lógica é a terceira ciência normativa das leis necessárias do pensamento e das condições

para se atingir a verdade na sua representação. A Lógica é chamada de Semiótica por Peirce,

por tratar das leis do pensamento e da sua evolução que estuda as condições gerais do signo, a

transmissão de significados de uma mente para outra e de um estado mental para outro. É a

terceira ciência normativa sendo precedida pela estética e ética, a teoria do pensamento

deliberado ou auto controlado, em direção ao verdadeiro e ao falso, ou do bem e do mal

lógico. É a Terceiridade, a categoria que leva aos pensamentos abstratos e discursos. E para

Santaella:

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É, porém, sob a base da Fenomenologia que as ciências normativas se desenvolvem

obedecendo à sequencia seguinte: Estética, Ética e Semiótica ou Lógica. Tendo

todas elas por função distinguir o que deve e o que não deve ser, a Estética se define

como ciência daquilo que é objetivamente admirável sem qualquer razão ulterior. É

a base para a Ética ou ciência da ação ou conduta que da Estética recebe seus

primeiros princípios. Sob ambas e delas extraindo seus princípios, estrutura-se em

três ramos a ciência Semiótica, teórica dos signos e do pensamento deliberado (...)

(SANTAELLA, 2006, p. 29).

A Lógica ou Semiótica Peirceana é dividida em três ramos: a gramática especulativa, a lógica

crítica e a metodêutica ou retórica especulativa. Na análise e aplicação semiótica é utilizada a

gramática especulativa, a ciência geral dos signos que estuda a classificação de diversos

conceitos, todos os tipos de signos, e formas de pensamento que eles possibilitam na análise

de linguagens, publicidade, fotografia e cinema, nos processos empíricos dos signos, em

situações da mais elementar aos níveis mais avançados que são fortemente apoiadas na

Fenomenologia, a base de toda a teoria peirceana. Sobre a gramática especulativa Santaella

diz que:

(...) a gramática especulativa trabalha com os conceitos abstratos capazes de

determinar as condições gerais que fazem com que certos processos, quando exibem

comportamentos que se enquadram nas mesmas, possam ser considerados signos.

Por isso, ela é uma ciência geral dos signos. Seus conceitos são gerais, mas deve

conter; no nível abstrato, os elementos que nos permitem descrever; analisar e

avaliar todo e qualquer processo existente de signos verbais, não-verbais e naturais:

fala, escrita, gestos, sons, comunicação dos animais, imagens fixas e em movimento,

audiovisuais, hipermídia etc. (SANTAELLA, 2002, p. 4).

As bases teóricas para a aplicação da semiótica que estão situadas na Gramática Especulativa,

que por meio dos elementos; Signo, Objeto e Interpretante formam uma relação triádica que

tem por base os três elementos universais: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Por

exemplo: uma bandeira é um signo que de acordo com as suas cores e formas, representa uma

coisa para alguém, um signo que provoca sentimentos e sensações no primeiro momento da

sua leitura, quer dizer na Primeiridade; no segundo momento provoca uma reação no leitor, é

a Secundidade, o espaço de confronto da percepção e reflexão, entre a ação/ reação e resposta,

o Objeto que conduz para o terceiro elemento, quando uma coisa já depende de outra; a

Terceiridade é apresentação, a percepção, já sendo refletida, realizada no momento do

pensamento em concordância com o referencial do primeiro e segundo momento. É a síntese

da leitura de forma sensitiva, emocional, racional, e a culminância que traz a reflexão, a

continuidade na generalidade. Na Terceiridade surge o efeito da leitura deste signo,

representado na mente do leitor, o Interpretante, a consciência do seu significado:

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Aí estão enraizadas na fenomenologia as bases para a Semiótica, pois é justo a

terceira categoria fenomenológica que encontramos a noção de signo genuíno ou

triádico, assim como é na nas segunda e primeira categorias que emergem nas

formas de signos não genuínos, isto é, nas formas quase-sígnicas da consciência ou

linguagem. (SANTAELLA, 2006, p. 54)

Para Peirce, um signo ou representamen é aquilo que sob certo aspecto ou modo, representa

algo para alguém. A coisa representada, neste caso a bandeira, é nomeada de Objeto que afeta

alguém que lê este signo. O Signo somente existe na relação de um Objeto que afeta um

leitor/ intérprete. O primeiro signo, o representamen, quando emitido cria na mente do leitor,

outro signo mais desenvolvido nomeado de interpretante. O signo e o interpretante estão

contidos, como categoria lógica, na Terceiridade. O signo só tem vida na mente do leitor, que

gera outro signo resultando na semiose, ação que predomina em toda aprendizagem do dia a

dia. Nöth explicita que:

A interpretação de um signo é, assim, um processo dinâmico na mente do receptor.

Peirce (CP. 5.472) introduziu o termo semiose para caracterizar tal processo referido

como “ação do signo”. Também, conceituou semiose como “o processo no qual o

signo tem um efeito cognitivo sobre o interprete”. (NÖTH, 2003, p. 66).

Segundo Peirce, o signo pode ser uma palavra, um gesto, uma ato, um pensamento, qualquer

coisa que se relacione com um interpretante. Então, o signo, o objeto e o interpretante são as

três entidades que formam a relação triádica que compõem todos os elementos semióticos,

diferenciados de acordo com a sua ação especifica. São três pontos de vista em relação a esses

elementos que formam a tricotomia dos signos:

1. O signo em si, quando o signo é uma mera qualidade, um existente concreto ou uma

lei geral, consequentemente quali-signo, sin-signos ou legi-signo;

2. A relação do signo com o seu objeto, quando o signo tem algum caráter em si mesmo

ou mantém alguma relação existencial com o objeto: ícone, índice, símbolo;

3. A relação entre o signo e o seu interpretante, quando é representado como um signo de

possibilidades, de fato ou como um signo de razão: rema, dicente, argumento.

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1.2.1 As Categorias Universais do Signo

Quadro 1 - Categorias Universais dos Signos

Tricotomias Universais

PRIMEIRIDADE

Signo em

si mesmo

SECUNDIDADE

Signo com

seu objeto

TERCEIRDADE

Signo com

seu interpretante

PRIMEIRIDADE

Quali-signo

Í

Ícone

Rema

SECUNDIDADE

Sin-signo

Índice

Dicente

TERCEIRIDADE

Legi-signo

Símbolo

Argumento

A primeira tricotomia postulada por Peirce diz respeito ao signo em si, na sua representação

(representamen em si), às suas qualidades, existência e lei, funciona sempre com referência ao

meio possuindo três propriedades formais que dão fundamento ao signo: o quali-signo, o sin-

signo e o legi-signo.

1.2.1.1 O Signo em si mesmo

O quali-signo, segundo Peirce “é uma qualidade que é um signo. Não pode atuar como signo

até que se corporifique; mas esta corporificação nada tem haver com seu caráter como signo”.

(PEIRCE, 2005, p. 52). O quali-signo possui aspectos sensoriais, qualidades em todos os

sentidos: gustativo, olfativo, tátil, auditivo e visual, e nunca é o mesmo, o que podemos

deduzir é que, com a mudança de uma qualidade o quali-signo sofre alterações e passa a ser

um signo novo, ou seja, semelhante ao primeiro e não ele mesmo. O quali-signo não é uma

coisa existente, um acontecimento real é uma mera qualidade, como por exemplo, as

qualidades da cor vermelha que possui significados universais construídos em diversas épocas

e civilizações. Desde quando o ser humano primitivo fez seus desenhos nas cavernas usando a

cor avermelhada, extraída do óxido de ferro, ao vermelho impresso que nos dias de hoje que

representa, o débito, a coca-cola e a resistência política, os significados dessa cor vêm se

firmando. A cor vermelha em um quali-signo é um fundamento que pode dá a qualidade de

afeto representado em um coração, de paixão em uma rosa, de resistência em uma bandeira,

em uma lâmpada, casa de prostituição, ou representar a vida, por ser a cor do sangue também.

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Todas essas sugestões, sensações e sentimentos, provocados pela cor vermelha é que lhe dar a

competência de dar qualidade ao signo, com várias possibilidades de significação e

interpretação da cor vermelha com toda a beleza, poder e fascinação que essa cor carrega em

si. Santaella adverte que:

Lembramos: se algo aparece como pura qualidade, este algo é primeiro. É claro que uma

qualidade não pode aparecer e, portanto, não pode funcionar como signo sem ser encarnada em

algum objeto. Contudo o quali-signo diz respeito tão só e apenas à pura qualidade.

(SANTAELLA, 2006, p.63)

O quali-signo está dentro da categoria da Primeiridade, sendo a consciência imediata, a pura

qualidade de ser e sentir, uma impressão, um sentimento que faz a ponte para a segunda

categoria dos fenômenos e também para a segunda propriedade que dá fundamento aos

signos: o sin-signo.

O sin-signo “é uma coisa ou evento existente e real que é um signo. E só pode ser através das

suas qualidades, de tal modo que envolve um quali-signo, ou melhor, vários quali-signos”

(PEIRCE, 2005, p. 52). O sin-signo é o signo ocupando um lugar no tempo e no espaço se

relacionando a outros existentes onde a qualidade é sentida em um objeto, dando poder de

agir como signo e ser uma característica singular de cada signo. A cor vermelha entre as

inúmeras qualidades que possui, somente significa paixão quando está representada pela rosa,

afeto quando está encarnada em um coração. Uma das qualidades da cor vermelha na Roma

antiga era de ser exclusiva da alta aristocracia, usada somente por generais e imperadores,

pelo fato de ser complicada a extração de pigmentos para colorir tecidos. No código

Justiniano tinha a morte como punição, o plebeu que comprasse tecido vermelho. O vermelho

era uma cor exclusiva dos nobres. Por este motivo, na Comuna de Paris, os revolucionários

substituíram as bandeiras francesas pelas flâmulas vermelhas, desafiando o poder e

reverenciando o sangue dos companheiros derramado na luta. Todas as qualidades possuídas

pelo vermelho na Comuna de Paris tomam uma característica singular, única, significando

resistência e revolução. O vermelho aqui, não é pura qualidade, está presente em um signo, a

bandeira vermelha, é um signo existente, um acontecimento real, caracterizado pela

singularidade.

Vejamos agora por que o fato de existir faz daquilo que existe um signo. Todo

existente, qualquer existente é multiplamente determinado, é uma síntese de

múltiplas determinações, pois existir significa ocupar um lugar no tempo e no

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espaço, significa reagir em relação ao outros existentes, significa conectar-se. Por

isso mesmo, os existentes apontam ao mesmo tempo para uma série de outros

existentes, para uma série de direções, infinitas direções. Cada uma das direções

para a qual o existente aponta é uma das suas referencias possíveis, em um campo de

referencias que se perdem de vista. O existente funciona assim como signo de cada

uma e potencialmente de todas as referencias a que se aplica, pois ele age como

parte daquilo para o que aponta. Essa propriedade de existir; que dá ao que existe o

poder de funcionar como signo, é chamado de sin-signo, onde “sin” quer dizer

singular. (SANTELLA, 2002, p. 13)

O sin-signo dentro da categoria dos fenômenos situa-se na Secundidade, pois é uma reação,

não mais um sentimento ou sensação, fazendo a ponte para a terceira categoria dos

fenômenos, e também para a terceira propriedade que dá fundamento aos signos: o legi-signo.

O legi-signo “é uma lei que é um signo. Todo signo convencional é um legi-signo (porém a

recíproca não é verdadeira). (PEIRCE, 2005, p. 52). O legi-signo é a propriedade de lei

estabelecida motivada pelas convenções socioculturais, como também pelas leis de direito. O

caso singular, o sin-signo aqui é generalizado e toma a confirmação de lei. A constante

presença da bandeira vermelha nas manifestações populares foi firmando no inconsciente

coletivo o significado de resistência e luta pela igualdade social no mundo inteiro, portanto a

cor vermelha torna-se uma característica geral, uma lei, um legi-signo, representando

oficialmente o comunismo nas bandeiras da União Soviética e da República Popular da

China. A qualidade presente no quali-signo, que se torna singular no Sin-signo, vem ser uma

lei, um legi-signo, que tanto pode ser convencional como arbitrário. É desta forma que o

vermelho torna-se a cor que representa o socialismo no Planeta Terra, e também o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no Brasil.

Quando algo tem a propriedade da lei, recebe na semiótica o nome legi-signo e o

caso singular que se conforma à generalidade da lei é chamado de réplica. Assim

funcionam as palavras, assim funcionam todas as convenções socioculturais, assim

funcionam as leis de direito. (SANTAELLA, 2002, p. 13).

Os quali-sin-legi-signos são os fundamentos que habilitam as coisas atuarem como signos,

pois possibilitam apreensão de sua qualidade, existência e caráter de lei que os signos

carregam em si.

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1.2.1.2 O Signo com seu objeto

A segunda tricotomia, criada por Peirce é formada pela relação do signo com o seu objeto,

quer dizer, ao que o signo se refere, e mantém alguma relação existencial. Está também

sujeita as categorias universais: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Na relação com o

objeto, o signo é classificado em: icone, índice e símbolo.

Quando o fundamento do signo é um quali-signo a relação com o objeto representado será um

Ícone/imagem. Conforme Peirce, “qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente

individual ou uma lei, é ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa e

utilizado como um seu signo”. (2006, p. 52), podendo ser representado também através de

diagramas, fotografias, desenhos.

O ícone é independente do objeto que lhe deu origem pode ser uma qualidade de um existente

individual, ou uma lei. É ícone na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado

como seu signo, como a imagem de Che Guevara que pode apresentar as qualidades de

revolucionário, ou simplesmente ser uma bonita estampa numa camiseta, ou algo que deve ser

combatido. Santaella explica que é:

a qualidade apenas que funciona como signo, e assim faz porque se dirige para

alguém e produzirá na mente desse alguém alguma coisa como um sentimento vago

e indivisível. É esse sentimento indiscernível que funcionará como objeto do signo,

visto que uma qualidade, na sua pureza de qualidade, não representa nenhum objeto.

Ao contrario, ela está aberta e apta para criar um objeto possível.

É por isso que, se o signo aparece como simples qualidade, na sua relação com seu

objeto, ele só pode ser um ícone. Isto porque qualidades não representam nada. Elas

se apresentam. Ora, se não representam, não pode funcionar como signo. Daí que o

Ícone seja sempre um quase- signo: algo que se dá à contemplação. (SANTAELLA,

2006, p. 64)

Quando a relação do signo com o objeto tem como fundamento um sin-signo, um existente, a

sua relação com o objeto será um índice. É um signo que indica o seu objeto, que segundo

Peirce, “em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (2005, p.52) por ter alguma

qualidade em comum com o objeto. O Índice funda-se não na semelhança como no ícone, mas

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na conexão física com o objeto, sendo dependente do objeto que lhe deu origem definindo

contiguidade entre dois conhecimentos como a imagem de Che Guevara presente nas escolas

cubanas. Na secundidade a leitura é efetuada se transformando em ação e reação através do

índice.

Desse modo, uma coisa singular funciona como signo porque indica o universo do

qual faz parte. Daí que todo existente seja um Índice, pois como todo existente,

apresenta uma conexão de fato com todo o conjunto de que é parte. Tudo que existe,

portanto é índice ou pode funcionar como Índice. Basta, para tal, que seja constatada

a relação com o seu objeto de que o Índice é parte e como qual está existencialmente

conectado. (SANTAELLA, 2006, p. 66).

Quando o fundamento do signo é uma lei, um legi-signo, no terceiro momento da leitura

visual predomina a reflexão em relação ao signo que representa o seu objeto. Este torna-se um

símbolo, no processo contínuo, no qual um signo com as suas qualidades de ícone, sempre

indicando determinado objeto que representa, torna-se seu símbolo. Como Ernesto Che

Guevara simboliza o revolucionário exemplar nos movimentos sociais de esquerda. Segundo

Santaella, “todo símbolo inclui dentro de si quali-signos icônicos e sin-signos-indiciais.”

(2003, p. 23). Um signo é símbolo, quando é uma abstração de um concreto. Nesta categoria

da terceiridade, a leitura não é mais uma ação ou reação, mas sim, predominada pela razão.

Quanto às tríades ao nível de terceiridade, elas comparecem quando, em si mesmo, o

signo é de lei (Legissigno). Sendo uma lei, em relação ao seu objeto o signo é um

símbolo. Isto porque ele não representa seu objeto em virtude do caráter de sua

qualidade (hipoícone), nem, por manter em relação ao seu objeto uma conexão de

fato (índice), mas extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei

que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu

objeto. (SANTAELLA, 2006, p. 67).

1.2.1.3 As relações do signo com o objeto dinâmico e imediato

Para uma leitura e análise semiótica é imprescindível que além de ter bem claro as bases

teóricas para a aplicação da Semiótica, as suas propriedades formais, que fazem uma coisa

funcionar como signo, sua qualidade, existência e seu caráter de lei, como também as relações

do signo com o seu referente objeto que pode ser imediato e dinâmico.

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O objeto dinâmico é o que o signo substitui, algo que está ausente no signo que pode ser uma

qualidade representada. O objeto dinâmico da bandeira vermelha com o mapa do Brasil pode

ser lido como o Movimento dos Sem Terra com toda a sua história e ideologia. O objeto

dinâmico de um símbolo é uma referência última que engloba todo o contexto ao qual o

símbolo se refere ou se aplica.

(...) Quando olhamos para uma fotografia, lá se apresenta uma imagem. Essa

imagem é o signo e o objeto dinâmico é aquilo que a foto capturou no ato da tomada

a que a imagem na foto corresponde. Quando ouvimos uma música, o objeto

dinâmico é tudo aquilo que as sequencias de sons são capazes de sugerir para a

nossa escuta. (SANTAELLA, 2002, p.15).

O objeto imediato é o modo como o signo é representado. Uma imensa bandeira do MST

sendo conduzida em uma marcha com milhares de Sem Terra, ou a mesma bandeira afixada

na parede de uma residência demonstra de modos diferentes o mesmo objeto dinâmico

presente no signo, que segundo Santaella:

O modo como o signo representa, indica, se assemelha, sugere, evoca aquilo que ele

se refere é o objeto imediato. Ele se chama imediato porque só temos acesso ao

objeto dinâmico através do objeto imediato, pois, na sua função mediadora, é

sempre o signo que nos coloca em contato com tudo aquilo que costumamos chamar

de realidade. (SANTAELLA, 2008, p.15).

O ícone com suas cores e imagens que estão presentes na bandeira do MST ou no boné dão a

qualidade de luta e resistência, que sugere, se assemelha, indica e simboliza o MST. É o

recorte específico, interno, que o objeto imediato faz do seu contexto de referência. O objeto

imediato de um símbolo é sempre representado através de uma lei.

1.2.1.4 O signo com seu interpretante

O interpretante que se concretiza na imagem mental é o efeito que o signo produz em “uma

mente real ou meramente potencial”. (SANTAELLA, 2006). Quer dizer, é o signo criado na

mente de alguém, da leitora ou leitor que faz a sua interpretação, através de três passos

imprescindíveis, que são: interpretante imediato, o interpretante dinâmico e interpretante final.

O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir ainda no nível

abstrato. É primeiro efeito que um signo provoca, mas que não diz respeito a uma reação. Para

Santaella o interpretante imediato do signo quer dizer de sua interpretabilidade antes que o

signo encontre um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive:

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É um interpretante interno ao signo. Assim como o signo tem um objeto imediato,

que lhe é interno, também tem um interpretante interno. Trata-se do potencial

interpretativo do signo, quer dizer da interpretabilidade, ainda no nível abstrato,

antes de o signo encontrar um interprete qualquer em que esse potencial se efetive.

(SANTAELLA, 2002, p. 24).

O interpretante dinâmico, segundo Santaella “se refere ao efeito que o signo efetivamente

produz em um intérprete.” (2002, p.24). Este efeito é produzido de uma forma singular em

cada leitora ou leitor, que interpreta e reage de acordo com as categorias da fenomenologia: a

Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, que correspondem ao interpretante emocional,

energético e lógico.

O interpretante emocional é o primeiro efeito do signo provocado na mente do intérprete, é

uma simples qualidade de impressão e sentimento, sempre presente em qualquer

interpretação. São as sensações que os desenhos, imagens, cores que compõe o signo

produzem nos leitores e leitoras. O interpretante emocional está centrado nas características

da primeira categoria fenomenológica, a Primeiridade. Santaella nos diz que os Ícones tendem

a brotar esse tipo de interpretação na mente do intérprete e todas as obras de arte nas quais, o

aspecto sentimental é mais forte como nos romance e músicas.

O interpretante energético é o segundo efeito do signo provocado na mente do intérprete. O

interpretante energético está centrado nas características fenomenológica da Secundidade,

reage diante das informações que os ícones, índices geram na mente do leitor/leitora, se

apresentando de maneira ativa, através de uma ação física ou mental e intertextual. Segundo

Peirce, o significado de qualquer signo em uma pessoa depende do modo como esta reage ao

signo. Índices tendem a germinar esse tipo de interpretação energética na mente do intérprete,

pois dirigem o olhar do leitor para o objeto que eles indicam.

Já o interpretante lógico é o terceiro efeito que o signo provocado na mente do intérprete, é o

interpretante em si, através de uma regra interpretativa internalizada pelo intérprete sem a

qual o signo não tem significado. Aqui o signo é convencional, é de lei. O que não impede

que o raciocínio lógico diante da leitura e interpretação deste signo ocorra conforme o modo

que qualquer mente reage ao signo. O efeito, o significado da bandeira do MST provocado na

mente dos trabalhadores rurais sem terra é bem distinto do provocado nas pessoas que não

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têm contato com esse movimento ou que são de uma classe social antagônica. Os símbolos

tendem a sugerir uma interpretação lógica na mente do intérprete, por ser ligado ao objeto que

representa através de uma regra interpretativa ou por uma ideia internalizada. O símbolo só

cumpre a sua função através de um interpretante que internalizou essa convenção, que faz a

conexão entre o signo e o seu objeto, já que o símbolo não tem a conexão física com o seu

objeto como os índices e nenhuma semelhança como no caso dos ícones. Sobre o interpretante

lógico Santaella acrescenta:

Dentro do interpretante lógico, Peirce introduziu um conceito muito importante, o de

interpretante lógico último, que equivale a mudanças de hábito. De fato, se as

interpretações sempre dependessem de regras interpretativas já internalizas, não

haveria espaço para a transformação e evolução. A mudança de hábito introduz esse

elemento transformativo e evolutivo no processo de interpretação. (SANTAELLA,

2002, p. 26).

O interpretante final é o resultado interpretativo ao qual todo o intérprete está destinado a

chegar se o signo for suficientemente considerado, contemplado, observado e refletido, dando

vazão ao interpretante final ao que realmente o signo tende representar como um signo de

razão. O interpretante final possui três níveis de interpretantes: rema, dicente e argumento.

O rema em seu interpretante é um signo de possibilidade qualitativa como nos quali-signos e

ícones que não vão além de uma conjuntura de uma hipótese interpretativa e segundo Peirce

“é entendido como representando esta e aquela espécie de Objeto possível. Todo Rema

propiciará, talvez, alguma informação, mas não é interpretado nesse sentido.” (PEIRCE, 2005,

p.53). Como exemplo de rema podemos dizer que “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST

são sempre vermelhas”, a qualidade, são vermelhas, é um rema, pois trata-se da interpretação

que a leitora ou o leitor faz de uma qualidade do signo.

O dicente é o interpretante de um signo indicial, comprovando a sua existência como nos sin-

signos, despertando uma reação no seu intérprete, através de uma interpretação particular do

signo. Trata-se de um signo que provoca e desperta uma reação crítica no intérprete a partir do

fato descrito pelo rema, que é indicado pelo signo dicente. Com base no exemplo anterior na

frase: “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST são sempre vermelhas”, portanto no signo

dicente, o vermelho representa resistência, socialismo, o que indica que o movimento dos

trabalhadores rurais sem terra resiste na luta pela justiça social. É a interpretação particular do

leitor ou leitora de um signo, seja ela positiva ou negativa é um dicente, pois se trata da

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interpretação, que o intérprete/leitor ou leitora fazem de uma qualidade singular do signo.

Segundo Peirce:

Um Signo Dicente, é um Signo que, para seu interpretante, é um signo de existência

real. Portanto não pode ser um Ícone, o qual não dá base para interpretá-lo como

sendo algo que se refere a uma existência real. Um dicissigno envolve como parte

dele, um Rema para descrever o fato que é interpretado como sendo por ela

indicado. (2005, p.53).

O argumento é um signo que para o seu o interpretante é um signo de lei, exige um raciocínio

complexo, sendo o juízo verdadeiro que o interpretante faz do signo nas sequências lógicas do

quali-sin-legi-signo-simbólico. Para Peirce “um argumento é um signo cujo interpretante

representa seu objeto como sendo um signo ulterior através de uma lei, a saber, a lei segundo

a qual a passagem dessas premissas para essas conclusões tende a ser verdadeira.” (2000, p.

57). Por exemplo, “as bandeiras e flâmulas, usadas pelo MST são sempre vermelhas”,

excluem as demais cores de serem representações do MST, de serem classificadas como

símbolos de resistência e socialismo, pois o argumento de que o vermelho representa a

esquerda revolucionária é um signo de lei.

Imagem 1 - Mística “Marchar e Vencer”, 2010

Nesse registro fotográfico temos um ícone que faz referência a um dos momentos da Mística

Marchar e Vencer. Percebe-se nessa imagem a eleição do símbolo da bandeira do MST com

vistas a conduzir os intérpretes, por meio dos interpretantes imediatos aos interterpretantes

dinâmicos, a marcha em direção ao socialismo, uma das temáticas presentes. Os símbolos

estão afixados nas paredes, estampados na camiseta de uma estudante, no boné de outra, e

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eles por si já informam que o MST é uma organização que tem como base a ideologia

marxista e a cor vermelha nas faixas distribuída no entorno e na bandeira do MST são legi-

signos que conduzem o intérprete ao interpretante final, isto é, que naquele momento os

organizadores e participantes comunicavam, por meio da Mística que é fundamental que os

lutadores do povo mantenham vivos os seus ideais.

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II - A MÍSTICA E OS VALORES SIMBÓLICOS A ELA ATRIBUIDOS AO LONGO

DA HISTÓRIA

2.1 O Surgimento da Mística

A Mística praticada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve seu

marco dentro das ações da Igreja Católica com a Teologia da Libertação, na década de 80

Culminando com a criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s) e das pastorais e em

especial com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), formada por padres e agentes religiosos,

detentores de convicção cristã e marxista. (COELHO, 2010).

Esses religiosos tinham o costume de iniciar todas as reuniões e encontros com os

trabalhadores e trabalhadoras rurais através de uma cerimônia. Sempre havia um grupo que

coordenava a ornamentação do ambiente com objetos do cotidiano rural, usando símbolos que

traziam forte representação religiosa e cultural. Inicialmente o cerimonial era um tipo de

encenação, que não chegava a ser teatral, mas sim, uma consagração. Usavam cruzes,

cartazes, ferramentas e produtos agrícolas e entoavam cânticos, recitavam poemas

acompanhados de gestos e mímicas. A cerimônia era produzida em conformidade com a

temática a ser discutida, a linguagem era adaptada para o público com vistas a uma maior

comunicação e participação. Não bastava só informar e provocar reflexões acerca das

questões sociais, mas também mobilizar emoções, a integração dos participantes e a

fraternidade espiritual.

A dimensão da espiritualidade era inerente às celebrações das místicas na CPT.

Mesmo que também na prática da mística também existisse conteúdos políticos de

contestação, o caráter espiritual não podia estar separado desta pratica. A mística

para a comissão tinha que fazer com que os trabalhadores se sentissem parte de uma

mesma família e que as suas experiências fossem compartilhadas.

Fundamentalmente, deveria ser uma linguagem que todos entendessem, para que

não desanimassem na luta. (COELHO, 2010, p.107).

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E assim, a espiritualidade evangélica era desenvolvida com uma boa base de formação

política. Esta prática definida como Mística, é entendida como a fé, o devotamento sendo

concretizado em direção a uma causa que tinha como objetivo preencher e unificar todos e

todas em torno de uma mesma ideia: o compromisso coletivo de permanecer ou de caminhar

em direção à terra prometida.

A consciência política destes trabalhadores e trabalhadoras rurais foi gradativamente se

ampliando ao ponto de se tornar um movimento autônomo, dando origem ao Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, (MST), independente da igreja, porém com o forte apoio da

CPT, da qual herdou o aprendizado da Mística, elemento importantíssimo no engajamento,

construção e organização dos trabalhadores e trabalhadoras do Movimento Sem-Terra.

Em consonância com alguns pesquisadores e por meio de análise de algumas fontes,

parto da premissa que o MST, antes da sua oficialização em 1984, já vinha sendo

articulado por lideranças de trabalhadores rurais de diversos Estados, com apoio de

sindicatos, principalmente, da CPT. Este fato ficou evidenciado no ano de 1982,

quando circulava, provavelmente entre as lideranças engajadas na luta pela terra, um

convite para o Primeiro Encontro Nacional dos Sem Terra, realizado em Goiânia

entre os dias 23 e 26 de setembro. Conforme informações contidas no convite

assinado por Derci Pasqualloto, o Encontro foi organizado por lideranças dos

trabalhadores rurais sem terra, pelo Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra

do Oeste do Paraná, por alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais e com apoio de

órgãos ligados aos trabalhos da Igreja, junto aos sujeitos sem terra, com a CPT e o

Movimento de Animação Cristã no Meio Rural. (COELHO, 2010, p. 83).

A Mística que era realizada nos centros comunitários e nas comunidades passou também a ser

presente nos assentamentos e acampamentos, nos encontros do MST como uma forma de

valorização de todos os Sem Terra. Uma Mística ressignificada em que é valorizada a

memória das lideranças, aqueles que se dedicaram a emancipação humana, as histórias dos

assentamentos, os eventos históricos da luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, os

revolucionários e as revolucionárias do Brasil e da América Latina, como também em outros

continentes do Planeta Terra. Esta é uma das funções da Mística, rememorar os fatos

marcantes como assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, contar a suas histórias,

expressando as mensagens, por meio de legi-signo-simbólicos que fazem parte do cotidiano

dos trabalhadores como as ferramentas de trabalho, alimentos, canções, poesia, expressão

plástica, fotografias, teatro, monólogos, recitais entre outras linguagens.

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A Mística praticada no MST possui um sentido abrangente, tenta envolver tudo o que esse

movimento representa os seus valores e práticas. Plínio Arruda Sampaio em relação à Mística

nos diz que:

Pois bem, a base da mística do MST é essa cultura da população rural do país. É na

força telúrica dessa população que o movimento alicerça sua fé na possibilidade de

mudança e extrai os valores, os sentimentos, as intuições que alimentam a sua

mística. A esse alicerce somam-se duas grandes vertentes místicas: a cristã e a

socialista-marxista. (VOZES SEM TERRA. REVISTA ELETRÔNICA. 2002 p.7)

Uma boa Mística sempre carrega uma mensagem de ânimo, esperança, coragem e

conhecimento, elementos importantes na formação política dos trabalhadores e trabalhadoras

rurais Sem Terra. O momento da apresentação da Mística é considerado imperdível, evento de

grande importância, reverenciado com muito respeito e carinho. Sampaio quanto ao ato

místico explicita que:

Reuniões, pequenas, grandes ou enormes, começam sempre com uma celebração.

Ela será rápida nas reuniões pequenas, demorada e complexa nas grandes. Os

elementos dessas celebrações são sempre os mesmos: terra, água, fogo, espigas de

milho, cartilha de estudante, enxada, flor. As palavras são poucas. Poéticas e

convincentes resgatam os poetas populares e os grandes poetas brasileiros como

Haroldo de Campos, Drumonnd de Andrade, Pedro Tierra. O gestual é contido e

significativo: o canto, o punho cerrado, indicando a indignação, a disposição de luta,

a esperança. Canto puro dos trovadores populares, surgidos dos grotões do país,

como Zé Pinto, Zé Cláudio, Marquinho, que se junta ao canto da mais fina flor dos

artistas brasileiros: Chico Buarque, Tom Jobim, Caymmi, Milton Nascimento.

(VOZES SEM TERRA. REVISTA ELETRÔNICA. 2002 p.7)

A Mística dos tempos da CPT foi apropriada pelo MST e ressignificada, ainda sendo mistério,

com um sentido religioso que se revela na solidariedade e também com um profundo

significado sócio-político. Não é algo abstrato, mas prático; um fazer sempre intencionado,

estimulando a permanência na luta, a base para as transformações da sociedade. A linguagem

usada é plural, a estruturação e a realização de cada mística é singular. Segundo João Pedro

Stedile:

Diferentemente, fomos construindo maneiras de fazer místicas a partir de uma maior

compreensão. Antes só imitávamos: “A Igreja usa determinada liturgia mística para

manter a unidade em torno do projeto do evangelho”. Quando forçávamos a cópia,

não dava certo porque as pessoas têm que ter o sentimento voltado para algum

projeto. A partir dessa compreensão, em cada momento, em cada atividade do

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movimento, ressaltávamos uma faceta do projeto como forma de motivar as pessoas.

(STEDILE, 2005, p. 131).

A celebração da Mística no MST se transformou com a reconstrução dos seus discursos e

práticas em uma Mística com um sentido mais político do que religioso e na sua

intencionalidade a construção de uma identidade coletiva – Os Sem-Terra que diuturnamente

lutam pela terra, produção e educação; elementos importantes na resistência e sustentação do

MST.

Segundo Bogo (2009), a Mística não se constitui apenas no ato da consagração. O seu efeito

na mente dos intérpretes/leitores tem a função de ser permanente, abastecendo de energia,

coragem e ânimo os trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem Terra. O efeito da Mística se

prolonga em todos os atos cotidianos, norteando as atividades em uma atitude sempre

positiva, dando razões para a contínua luta pela posse da terra e evolução de sua gente. A

Mística é considerada como a “Alma do Movimento” por ser também abstrata e universal é

tão viva quanto a própria vida dos seus praticantes, como a história de todos e todas que se

doaram até a morte pela liberdade de querer verdadeiramente uma vida digna para a

humanidade.

Por isto a Mística é fundamental para a vida e para a luta. Sem mística na vida

cotidiana, perdemos a alegria, a vibração, o interesse e a motivação de viver. Sem

mística na luta perdemos a vontade, combatividade, a criatividade e o amor pela

causa. (BOGO, 2009, p. 150).

A Mística sempre provoca um profundo e contagiante “entusiasmo” nos seus leitores e

leitoras. Entusiasmo é uma palavra grega que significa “ter os deuses aqui dentro”, no coração

e na mente, o que define muito bem o efeito da Mística, dos signos decifrados através da

contemplação dos ícones, índices e símbolos presentes nos textos não-verbais, que funcionam

como síntese de toda a cerimônia vivenciada – organizados na construção da Mandala.

2.2 A Mística no MST e sua Ressignificação

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A Mística no MST é uma prática fundamental, um forte instrumento de conscientização e

formação política, pois é estruturada a partir da eleição de signos grávidos de significados

além da estética na composição da mesma.

A Mística no movimento é um importante elemento para integração e participação de

todos/todas, independente do grau de escolaridade, sempre gerando uma aceitação do mundo

social ao qual os trabalhadores e trabalhadoras estão vivendo. É através da Mística que este

sistema social, que compõe o MST é apreendido como legi-signos no ato de significar.

Desempenha um papel importante na visualização mental do que é o MST, da sua história na

luta pela ocupação da terra, produção e educação de suas crianças, jovens e adultos. Cria um

sentimento de pertencimento e a memória histórica é materializada nas Místicas com seus

personagens e outros signos como: música, poemas, cores, desenhos, formas geométricas,

flores, instrumentos, ferramentas e palavras de ordem.

A mística, sendo uma prática que auxilia na construção de memórias no MST, ao

mesmo tempo em que contribui com a edificação da identidade coletiva Sem Terra,

visando à coerência, à continuidade e à organização do grupo. Desse modo, pode-se

dizer que a memória “é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto

individual como coletiva na medida em que ela é um fator extremamente do

sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua

reconstrução de si”. (COELHO, 2010, p. 194).

A mensagem da Mística é sempre ideológica com seus valores, transmitindo um forte apelo e

estímulo aos trabalhadores e trabalhadoras rurais para que se envolvam nas atividades

políticas, objetivando a transformação humana, e dias melhores para todos e todas Sem Terra.

A Mística e a Educação atuam juntas, como importantes métodos para a resistência dos

trabalhadores e trabalhadoras dando um grande impulso para que na prática o novo aconteça,

em relação à forte ligação MST e Mística, Bogo explicita que,

A mística é essa força que existe dentro das pessoas para buscarem objetivos que são

realizações dos sonhos humanos. É uma perspectiva em que vamos construindo na

nossa própria existência, a partir das buscas que vamos estabelecendo como nosso

próprio destino como seres humanos nesta terra. E buscamos também melhoria para

os nossos descendentes. Logo, viver é uma arte interessante, porque nos obriga a

colocarmos diante das dificuldades com certas referencias que busquem, portanto,

expressar aquilo que queremos e ao mesmo tempo sem deixar de perceber aquilo

que somos. Então, queremos uma transformação social, mas também uma

transformação pessoal, uma transformação do homem, da mulher, do jovem e da

criança, para que a humanidade tenha de fato sentido em existir, respeitando a si

próprio, respeitando as demais espécies, como companheiros dessa convivência.

(BOGO,em entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de Oliveira, 2010 )

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É esta a função da Mística dentro do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem

Terra: convocar todos/todas para a construção de uma nova sociedade igualitária, através da

força e da união de todas/todas trabalhadores/as rurais com terra e sem terra, fortalecendo a

identidade, elevando a auto-estima de cada um/uma. Ela integra crianças, jovens, mulheres e

homens, criando a imagem de uma coletividade homogênea dentro da diversidade, pois tem

como um dos valores defendidos a solidariedade. Na Mística as vitórias/conquistas são

sentidas novamente, admiradas e revividas pelos Sem Terra no seu cotidiano, dentro dos

assentamentos e acampamentos onde atuam, sempre renovando a força na busca da realização

desta causa – o projeto da sociedade igualitária. Para Bogo o objetivo da Mística é

sustentar o projeto político da classe trabalhadora. Alimentar a prática com a energia

de que precisamos para seguir em frente. No fundo, o objetivo e manter a força, o

ânimo, a esperança, mesmo que em determinados momentos tudo apareça acabado.

(BOGO, 2003, p. 328).

O MST ao longo da história construiu seus símbolos, legi-signos que portam significados de

uma coletividade, trabalhadores e trabalhadoras que seguem rumo à construção do projeto

político dessa classe.

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III – A MÍSTICA NO CURSO LETRAS DA TERRA: OS VALORES E

CONHECIMENTOS CONSTRUIDOS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO E

RECEPÇÃO

3.1 O Curso Letras da Terra no Centro de Formação Carlos Marighella: A turma

Patativa do Assaré

O curso NO CIO DA TERRA, O GERMINAR DAS LETRAS EM MOVIMENTO: Formação de

Professores em Áreas de Assentamentos – Licenciatura em Letras ou Letras da Terra como é

denominado pelos estudantes/militantes, contribui para a formação de educadores e

educadoras de escolas do campo que atuam nas seguintes organizações: MST (Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MLT (Movimento de Luta pela Terra), CETA

(Coordenação Estadual dos Trabalhadores Assentados), FETAG (Federação dos

Trabalhadores na Agricultura), FATRES (Fundação de Apoio aos Trabalhadores Rurais da

Região do Sisal).

A turma de Letras ou Patativa do Assaré escolheu esse cognome em homenagem ao menestrel

vivente da zona rural que canta em poesia a vida dos trabalhadores do campo. A turma iniciou

com 52 (cinquenta e dois) estudantes em 2006, originários do estado da Bahia e do Espírito

Santo, representantes de sete regionais da Bahia: (i) do norte, (ii) do oeste, (iii) do sul, (iv) do

Recôncavo, (v) do sudoeste, (vi) do baixo sul, (vii) do extremo sul e do norte do Espírito

Santo.

O curso tem sua matriz curricular organizada em 8 semestres, oferecidos no formato modular.

Cada módulo acontece em dois espaços geográficos e temporais: o Tempo Escola (TE) e o

Tempo Comunidade (TC).

O Tempo Escola é realizado no Centro de Formação Carlos Marighella, localizado no

Assentamento 1º de Abril no município do Prado – Bahia, onde são realizadas as atividades

didático-pedagógicas. O Tempo Escola é intenso, tendo de 8 a 10 h/a diariamente. Cada

módulo dura em torno de 40 a 50 dias letivos.

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O Tempo Comunidade é tempo também de estudo, pesquisa e práticas. Momento de retorno

dos estudantes as suas áreas de assentamento ou acampamento para refletir e por em prática

parte do que fora aprendido no Tempo Escola.

Nesse formato curricular busca-se estabelecer uma conexão entre a produção de

conhecimento e a pesquisa, tendo como base a realidade vivida nos assentamentos e

acampamentos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais Sem-Terra. A teoria estudada

funcionando como base para a pesquisa, no dia a dia dos futuros profissionais das Letras.

A turma está auto-organizada em Núcleos de Base, esses núcleos são formados no primeiro

dia de aula de cada semestre, quando é escolhido o nome do Núcleo, e eleitos a coordenadora,

o coordenador, um secretário ou secretária. Os Núcleos de Base se reúnem constantemente,

estudam e realizando trabalhos em grupos, e todas as terças-feiras, à noite, quando as decisões

e normas do curso são recebidas, após a reunião da Comissão Política Pedagógica (CPP).

Os Núcleos de Base possuem várias funções, como no Tempo Trabalho realizar as tarefas de

limpeza e manutenção da estrutura do Centro de Formação Carlos Marighela. O Tempo

Trabalho é executado no final da tarde, apos a última aula. Há também o Tempo de

Organização, dedicado a reuniões dos Núcleos Base para planejamento, discussões e

execução de atividades, dentre essas a função de criar e organizar a Mística.

A Turma Patativa do Assaré também é dividida em setores, cada membro dos Núcleos de

Base participa de um setor. Os Setores têm como compromisso planejar, organizar a execução

de todas as atividades necessárias para a permanência dos estudantes no Centro de Formação

Carlos Marighela e uma melhor realização do Curso Letras da Terra. Todo o Tempo Escola

vivenciado no Centro de Formação é acompanhado e executado pelo coletivo por meio dos

setores, com suas atribuições bem definidas assim como tem os Núcleos de Base.

Quanto aos setores que constituem a organização do curso são sete: (1) o setor de

Comunicação, encarregado da elaboração do Jornal Letras da Terra, mural, em fim de fazer a

comunicação visual do Curso; (2) o setor de Saúde, Esporte e Lazer, cuida dos doentes,

prepara chás, faz massagens e providencia uma farmácia e produtos de primeiros socorros; (3)

o setor de Cultura, o responsável pelo planejamento e organização das Noites Culturais. As

noites culturais acontecem quinzenalmente, nesse espaço cada Núcleo de Base faz uma

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apresentação artística, que pode ser um recital de poesia ou teatro, cantos, contador de causos,

e depois muita dança até uma hora da manhã. Há também (4) o setor Financeiro, que faz

pequenos trabalhos, na intenção de arrecadar recursos para a festa de formatura da Turma; (5)

o setor de Infra-estrutura, responsável para fazer pequenos reparos no Centro de Formação,

como trocar lâmpadas ou desentupir ralos ou vasos sanitários e organizar as tarefas diárias de

limpeza no Centro de Formação. O setor de Infra Estrutura também é o responsável pelos

aparelhos eletrônicos, (aparelhagem de som, televisão, aparelho de DVD, toca CD) deixando

todos esses aparatos no ponto de serem usados pelos NBs ou educadores durante as aulas; (6)

o setor de Formação que tem a função de dar uma formação política continuada ao

estudante/militante promovendo seminários e cursos sobre a teoria marxista além de orientar

as leituras todas as manhãs, das seis até as sete horas e (7) o setor de Educação – o

responsável pela Ciranda Infantil, onde permanecem as crianças, filhos e filhas dos educandos

durante o Tempo Escola. Este, além de coordenar o funcionamento e organização da Casa da

Ciranda, tem também a função de fazer reforço escolar com as crianças e adolescentes do

Assentamento 1º de Abril, embora nem sempre isso tenha acontecido. Há a equipe de

Secretaria com a função de organizar tudo que é referente a documentação, entrega de

trabalhos, material didático, listas de frequência, em fim fornece apoio técnico aos educadores

e educadoras do curso.

O MST entende que a educação acontece em diferentes tempos educativos: o Tempo

Reflexão, Tempo Formatura, Tempo Leitura, Tempo Trabalho, Tempo Organização, Tempo

Aula. Essa forma de perceber a educação e de administrar o tempo funciona como um método

eficaz para a organização do tempo coletivo e pessoal, facilitando também a disciplina e o

cumprimento dos horários.

No Tempo Reflexão há um suporte textual de suma importância, O Livro de Memória onde é

realizado todas as atividades vivenciadas durante o Tempo Escola no Curso. O livro é

socializado com cada Núcleo de Base e seus componentes vão anotando a memória do que

vivenciou, com reflexões, de forma poética. Quanto ao estilo, a turma adotou uma

estruturação, a introdução é marcada com um pensamento de algum revolucionário, no

desenvolvimento o relato do acontecido, partindo da descrição do aspecto físico do dia e da

primeira atividade realizada com todo o coletivo: a Mística. Após apreciação e/ou

consideração da Mística as atividades acadêmicas são pontuadas e a conclusão do texto é feita

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por meio de um fragmento de poema, pensamento, música e muitas vezes, poesias elaboradas

pelo escriba daquela memória.

O Tempo Reflexão é completado com o Caderno de Reflexão este é individual, nele cada

estudante/militante registra as suas aprendizagens, reflete sobre os acontecimentos ou

simplesmente os descreve, relata a Mística do dia e os temas estudados nas aulas. Este

caderno é entregue ao Coordenador do Curso/MST que lê e devolve com apreciações.

Na rotina durante a execução do Curso Letras da Terra, antes das seis da manhã a Turma

Patativa do Assaré já está acordada, é o momento do Tempo Leitura, cada educando/educanda

no seu Núcleo de Base estuda temas relacionados à formação política até as sete. Enquanto

isso há sempre um Núcleo de Base preparando o ambiente para a Mística.

3. 2 Turma Patativa do Assaré e a Mística: Processo de Criação

Após a leitura matinal é servido o café da manha até 7h:30min, e depois é iniciado o Tempo

de Formação, momento em que todos/todas estudantes se reúnem diante de uma Mandala

localizada no pátio, em frente a entrada principal do Centro de Formação Carlos Marighela.

No centro do círculo da Mandala está o mastro onde é hasteada a bandeira do MST. A

bandeira e o Hino são dois símbolos que estão presentes nesse momento. No momento de

organização que antecede a Mística os informes são socializados, o aniversariante do dia é

homenageado e é feita a conferência dos Núcleos de Base que vigorosamente de punhos

erguidos dão o seu grito de ordem. Os instrumentos musicais: pandeiros, atabaque, violão e

seus tocadores estão presentes.

A partir deste momento o ato místico já está iniciado, quando cada ação ou palavra é dedicada

à motivação das atividades diárias. O Hino do MST é entoado enquanto a bandeira é hasteada

e a Mística firma a sua presença no canto coletivo do hino. Após o hino, a turma se dirige a

recepção onde geralmente o ato Místico é realizado, às vezes acontece no refeitório, quando é

necessário um espaço maior, ou em uma sala de aula, quando há necessidade do cenário ser

mantido em segredo até o momento da vivência.

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No início de cada etapa é determinado o dia da semana em que cada Núcleo de Base realizará

a sua Mística. Os NBs sempre começam a preparar, a “pensar” a Mística com alguns dias de

antecedência. A criação e planejamento de uma Mística podem ser feito em apenas uma

reunião, porém algumas vezes são necessários vários encontros, isso se modifica em função

da temática, da produção de lembrancinhas, da pesquisa de textos ou então a escrita do

mesmo, além da produção do material para a montagem do cenário. A partir do momento que

o tema é definido, o cenário é planejado, as músicas e poesia são escolhidas; as tarefas são

divididas.

A temática da Mística deve estar conectada com o lugar e com o grupo, e principalmente com

as ideias e sentimentos que devem ser por ela transitados. De acordo com o tema do dia, se

produz um texto ou busca nos livros “bons para Místicas” algum que atenda os anseios dos

produtores. Nos sexto e sétimo semestres do curso, em 2010, o livro “Cartas de Amor”, de

Ademar Bogo, foi consultado, e muitas cartas lidas e/ou interpretadas, por essas conterem

mensagens que refletem acerca de todas as datas comemorativas. A poesia de Ademar Bogo é

muito recitada nas Místicas apresentadas pelos estudantes de Letras e também referidas no

Livro de Memória do Curso de Letras.

Grande parte das músicas usadas nas Místicas é de autoria de militantes do MST, as gravadas

no CD “Arte em Movimento”. São músicas de cunho pedagógico e político, apresentando a

ideologia do MST e de como vivem o trabalhador e a trabalhadora rural, a luta pela ocupação

da terra, pela produção e educação de suas crianças, jovens, adultos. Essas músicas possuem

alto grau de comunicação, por isso são utilizadas na produção da Mística. As músicas

funcionam como legi-signos, pois tratam de questões como educação, socialismo, união,

contra o capitalismo e latifúndio.

Além de músicas produzidas pelo próprio movimento também são utilizados hinos/louvores

evangélicos e canções de Milton Nascimento, Chico Buarque, Geraldo Vandré, entre outros.

Há músicas que se repetem, dentre elas “pra não dizer que não falei das flores” “Amigos para

Sempre”, “Tocando em Frente”, essas nunca esgotam o seu poder de sensibilizar e emocionar.

E em cada Mística são renovadas, agregando a elas outros significados.

Escolhido o tema, texto e música o próximo passo é organizar o cenário que geralmente tem

como fundamento um grande círculo desenhado no chão. Se a delimitação da Mística é

grande e detalhada, se faz na noite anterior pelo menos o esboço, ou antes, das seis da manhã.

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Porém, por mais simples que seja a Mística, às seis da manhã é iniciada a preparação do

ambiente.

Todos esses elementos, tema, texto, música e cenário devem ser preparados para provocar

sensação de inusitado, novidade, condições da Primeiridade. Os demais membros dos outros

NBs não podem ter conhecimento do que será proporcionado/vivenciado.

A última etapa antes da vivência da Mística é o ensaio, este é realizado entre os membros do

NB e depois com os convidados – caso algum companheiro/companheira de outros Núcleos

de Base seja necessário/a de ser incluído/a na Mística.

O material para a construção plástica da Mística, principalmente para a grafia de palavras, os

desenhos e o contorno da Mandala são feitos com materiais naturais (terra, folhagem, flores,

galhos, carvão, farinha de milho, farinha de mandioca). O figurino é improvisado, lençóis se

transformam em túnicas, o tecido não sintético (conhecido por TNT) é muito usado, pela

versatilidade e cores, pode ser um rio ou uma indumentária. Na composição do mosaico de

cores e forma da expressão plástica a tinta também é utilizada, principalmente a cor vermelha.

Outros signos que são trazidos para a mandala: fotografias, telas, bandeiras, flâmulas,

ferramentas, produtos agrícolas, livros, camisas, bonés, jornais.

Os materiais eleitos indicam a quem ou o que está representado de imediato, e o intérprete

tem o ícone, a imagem – a expressão grafo-plástica – à sua disposição para ser contemplada.

São condições da Primeiridade. Os signos eleitos pelo NB são organizados com uma

intencionalidade, entretanto eles por si só informam, pois fazem referência a um

contexto/situação, condições da Secundidade, possibilitada pelos seus sin-signos (as cores, o

designe, a textura dos elementos) conduzindo o intérprete do secundo nível para o terceiro, o

da significação, isto é, a elaboração de novos signos. A Terceiridade que é materializada por

meio dos legi-signos que fundamentam os signos ali presentes e significado pelos intérpretes,

por meio da semiose.

Quanto a esse processo Santaella assim o descreve: “a contemplação dos signos é o primeiro

olhar que devemos dirigir a eles […] contemplar significa tornar-se disponível para o que está

diante dos nossos sentidos. Desautomatizar tanto quanto possível nossa percepção.” (2007, p.

29).

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Essa leitura no nível sensorial (Primeiridade) conduz à Secundidade – a reação diante das

impressões causadas pelo signo, para que isso aconteça o intérprete deve “estar alerta para a

existência singular do fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto

ao qual pertence distinguir partes e todo.” (SANTAELLA, 2007, p.31). Nesse momento

observacional, de percepção, a existência do signo permite ao intérprete discriminar seus

limiares, determinando quais particularidades tornam sua existência distinta num determinado

contexto.

A Secundidade conduz o intérprete para o terceiro momento, que é a capacidade de “abstrair o

geral do particular, extrair de um dado fenômeno aquilo que ele tem em comum com todos os

outros com que compõe uma classe geral.” (SANTAELLA, 2007, p. 32). Portanto, significar

envolve apreender os aspectos de lei do fundamento do signo, focando a atenção para as

regularidades regida pelas convenções sociais.

Quanto às convenções sociais eleitas como legi-signos, o MST tem os seus símbolos, sobre a

simbologia na Mística Bogo defende que

As pessoas precisam enxergarem-se e identificarem-se através dos símbolos, mas

símbolos que tenham significado coletivo e que estejam dentro da ética e a serviço

da construção da dignidade humana. Mais do que nunca é fundamental que se

recupere e se desenvolva no imaginário e na prática social a importância dos

símbolos para fazer frente ao processo de alienação e despolitização das relações

sociais. (BOGO, 2009, p. 70)

O efeito que o signo produz em uma mente, na semiótica é denominado de interpretante.

Sendo assim, uma das tarefas eleitas nessa pesquisa foi a análise semiótica do potencial

comunicativo dos signos empregados nas Místicas, especificamente a semiose estabelecida

pelos estudantes de Letras, a partir dos processos de apreensão, reação e argumentação.

3. 3 Turma Patativa do Assaré e o signo Mística: Apreensão, Reação e Argumentação

As categorias universais dos signos nortearam o percurso para a análise dos processos de

apreensão (Primeiridade), reação (Secundidade) e argumentação (Terceiridade) realizados

pelos intérpretes acerca das Místicas. Os depoimentos foram retirados do Livro de Memória.

Nessa perspectiva esses registros funcionam como outros signos, uma vez que carregam a

capacidade de significar o signo anterior. Um “processo em movimento em que um signo

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explicita outro signo,” representando outra coisa, criando outro signo. “Toda conclusão ou

racionamento é a interpretação de um conjunto de signos. Ele só pode funcionar como signo

se carregar esse poder de representar, substituir uma coisa diferente dele” (conforme

Santaella, 2006, p. 56).

É de praxe sempre no início de cada etapa relembrar através da Mística todos e todas os/as

companheiros/as que não estão mais presentes. No sexto semestre foram 12 que não puderam

continuar o curso, de uma turma de 52 estudantes, em 2006, em 2010 eram 40. Os nomes

foram lembrados e registrados, grafados com letras vermelhas em uma cartolina branca.

Imagem 2 – “Mística de Boas Vindas ao VI Semestre”

NB Castro Alves.

O cartaz por seu caráter visual chama atenção pela força da cor vermelha no branco. O

registro marca que essas pessoas fizeram parte da história de cada um/a, e a escrita dos nomes

é um signo de lei. Entretanto, esse signo foi apreendido em parte pela estudante, pois esta

retoma o evento e registra no livro de Memória de maneira geral, sem nomear os colegas, na

sentença temos “os companheiros que desistiram” como se o seu relatório fosse a

continuidade da Mística. A intérprete considera que os signos registrados na cartolina,

naquele momento ainda estavam presentes na memória dos colegas.

O dia hoje iniciou com o sol prometendo um bom momento para iniciarmos as aulas

da VI etapa. As 6 da manhã começamos preparar a mística que durante a leitura de

um texto foi lembrado os NBs da etapa passada e os companheiros que desistiram

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do curso, incentivando os demais a continuarem na caminhada. Depois foi a entrega

das lembranças dando as boas vindas a turma” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB

Lampião, Maria Ramos, 2010, p. 148).

A Mística no Centro de Formação Carlos Marighela é ritualizada todas as manhãs, durantes

todas as etapas do Curso Letras da Terra, com a mesma dedicação e emoção. Esse momento

de congregação colabora para o fortalecimento das redes de relações entre os

estudantes/militantes, funcionando como um importante meio de comunicação e expressão e

rompe com o padrão de aula da academia, apontando para construção de saberes, por meio de

outras linguagens e metodologias.

Quando o Núcleo de Base Lampião mudou para o nome João Cândido, foi na Mística que fez

o comunicado, explicando o porquê da preferência pelo marinheiro negro, contando a história

do baiano João Cândido. No Curso Letras da Terra, cada NB tem o compromisso de expor na

Mística a história do seu núcleo Nesta Mística, “Lampião” se despede e “Cândido” entra em

cena como é descrito pelo escrivão no Livro de Memória:

Imagem 3 – “Despedida de Lampião”

NB João Cândido

Bogo no artigo Valores que deve cultivar um lutador do povo diz que “a ternura como valor

está na linha do aperfeiçoamento do comportamento político e humano de um lutador do povo

na sua relação com a coletividade” (2009, p. 65) E esse deve ser um dos valores a serem

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defendidos nas Místicas. Dando continuidade a essa tese ele diz que a “ignorância é o oposto

da ternura.” (2009, p. 65). Os saberes construídos nessa Mística transitaram pelas áreas:

História, Cultura, Linguística Textual e Artes. Conhecimentos que são perquiridos, por meio

de leituras, pesquisas e socializados com os demais. Segundo o depoimento de Carlos Magno:

“a mística retratou a despedida do cangaceiro Lampião, e a chegada do marinheiro João

Cândido que lutou pela revolta da chibata, e por isso teve que pagar um preço, foi internado

como louco”. (NB Castro Alves, Carlos Magno, LIVRO DE MEMÓRIA, 2010, p.152).

As argumentações sobre as Místicas também trazem análises, reflexões sobre a temática

apresentada. O estudante/militante e escritor Bogo na sua leitura sobre a Mística realizada

pelo NB Maria Bonita, fez uma crítica ao núcleo cujo nome homenageava a companheira de

Lampião. Nesse sentido temos no Livro de Memória:

“Achavam-se agrupados e presos à terra por uma raiz comum, como uma moita de

bambu, e como esse vegetal inclinam-se e dobram-se mas, sobreviviam às maiores

tempestades.”

Com este pensamento e a mesma postura dos bambus, inclinados para o mesmo

objetivo, iniciamos o dia 25 de março com o estudo do “Método de Trabalho de

Base e a Organização Popular”, onde pudemos precisar a importância da valorização

do povo como força invencível. Portanto deve saber lidar, contribuir, ensinar e

aprender para que a humanidade seja verdadeiramente solidaria.

A mística também tratou de um tema semelhante, (o núcleo “Maria Bonita”, que por

sinal junto com o Núcleo Lampião, os seus companheiros, não sintonizaram o

espírito literário do curso com a identificação organizativa, pois utilizaram-se de

mitos do banditismo social para demarcar algo que é muito superior e que merecia

um trato mais cuidadoso que nos ajudasse a cultivar e a imitar referências mais

idôneas) a identidade da mulher. A mãe futura, unida a companheiros que a

acompanham na sua delicadeza e postura de vencedora. (NB João Candido, Ademar

Bogo, 2010, p. 150).

As Místicas suscitam nos intérpretes sensações, reflexões, transferindo-os para um espaço que

não é material, no plano das ideias e das emoções; um lócus em que as atitudes e os

pensamentos reproduzidos são examinados avaliados, conforme as observações feitas pelo

estudante acerca da temática apresentada na Mística do NB Maria Bonita.

A argumentação apresentada aponta que as Místicas elaboradas têm cumprido as funções:

informar, comunicar e elevar o nível de consciência dos sujeitos que delas fazem parte. E

nesse processo, um signo remete a outro signo. A avaliação acerca da escolha do nome para o

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NB suscitou na equipe Maria Bonita a necessidade de elaborar uma Mística que retomasse o

legi-signo apresentado no relatório, pelo estudante Bogo; uma contra-argumentação.

Na Mística seguinte, o NB Maria Bonita respondeu a avaliação do NB João Candido, ex-

Lampião, realizando uma mística tendo como tema homenagem as mulheres de diferentes

espaços e funções: cangaceiras, comunistas, socialistas, santas e religiosas, entre elas Maria

Madalena e especialmente, as companheiras do Curso Letras da Terra com o seguinte texto:

E por sermos assim essas mulheres revolucionárias, lutadoras, não voltaremos pro

sertão, nem seguiremos por caminhos obscuros, caminharemos lutando, mulheres

maduras que saíram de cima dos muros. “Somos Marias Bonitas, embelezamos e

fortalecemos as revoluções, construímos nossos destinos e não ficaremos presas aos

incansáveis Lampiões.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010)

magem 4 – Mística “A Mulher” imagem 5 – Mística “Somos Marias”

Quanto à leitura desta Mística, o estudante Janderson interpreta o signo assim como os demais

intérpretes que chegaram ao interpretante final:

A mística traz elemento sobre a participação da mulher na luta, trouxeram a

presença de Rosa Luxemburgo, Olga Benário, entre outras que dedicaram a vida

pela emancipação. A NB Maria Bonita esqueceu que a revolução é uma construção

coletiva e que, portanto, precisa da participação de todos indiscriminadamente, sem

isto a luta fica pela metade. A mística não pode ser um instrumento de vingança e

ser revolucionário ou revolucionaria, é compreender que a luta deve ser feita contra

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o sistema capitalista que menospreza as relações sociais. Pois, como disse a

companheira Olga Benário é preciso lutar pelo bom, pelo justo e pelo melhor do

mundo. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Abril Vermelho, Janderson Silva Santos,

2010, p. 156)

A Terceiridade no estabelecimento da relação do signo com o interpretante, processo em que

o intérprete dialoga com os objetos imediatos e dinâmicos dos signos presentes na Mística,

estabelecendo uma síntese intelectual, a partir da aproximação com os quali-signo-remáticos e

com os sin-signo-dicentes, constituindo deste modo uma elaboração cognitiva. Não tratando

só a estética da Mística, nem estritamente uma relação factual com a realidade, e sim uma

compreensão, um argumento, afirmando que “a mística não pode ser um instrumento de

vingança e ser revolucionário ou revolucionaria, é compreender que a luta deve ser feita

contra o sistema capitalista que menospreza as relações sociais”. (LIVRO DE MEMÓRIA

Janderson S. Santos, 2010, p. 156).

O NB Maria Bonita, formado somente por mulheres, permaneceu nos sexto e sétimo

semestres, elaborando Místicas, tendo como tema gerador a valorização da mulher em todos

os sentidos.

O objeto imediato é como o signo se apresenta mediando/representando a realidade e o objeto

dinâmico é a própria conjuntura da realidade, com toda a sua complexidade e contradições,

estas últimas sendo representadas somente em partes ou tendo como determinante a natureza

do signo. Portanto, uma única situação pode ter inúmeros objetos imediatos, visto que o signo

em seu ad infinitum propaga-se em variados contextos de inúmeras formas. Os exemplos das

diversas Místicas tendo a mulher como temática exemplifica essa assertiva. Nesse caso, o

objeto imediato é a Mística com todos os signos que a compõe e o objeto dinâmico é a

questão da mulher e a militância. Assim, o signo é atualizado, como se percebe nesse legi-

signo-argumentativo elaborado a partir da vivencia de uma terceira Mística elaborada pelo

NB Maria Bonita:

A Mística do NB Maria Bonita trouxe alguns elementos que nos levou a refletir

sobre a liberdade, retratou questão de gênero, nos fez lembrar aqueles que tombaram

na caminhada, fortaleceu a importância da formação para os indivíduos e para

valorização da organização da qual pertencemos. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB

Maria Bonita, Ednalda Silva Paiva, 2010)

As Místicas criadas pelos estudantes têm como alicerce a ideologia do MST e os assuntos

estudados nos componentes curriculares do curso Letras da Terra funcionam como apoios.

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Todos os signos que simbolizam as ideologias desses segmentos – movimento e universidade

- estão sempre presentes, como a bandeira, o hino, a enxada, a terra, o verde, o alimento tirado

da terra e o/a homem/mulher, o livro, o poema, o conto e o teatro.

A mística esteve por conta do NB3 Abril Vermelho, em que retrataram o tempo, a

organização, a força que os símbolos nos ajudam a caminhar como os alimentos,

livros, o sal, como um horizonte que iremos percorrer no caminho (LIVRO DE

MEMÓRIA, NB Castro Alves, 2010, p. 179)

A forma especial como a Mística é produzida por meio desses símbolos confere a este signo a

qualidade de um signo genuinamente do MST, e a expressão Mandada como síntese da

vivência. A expressão é concluída desde que haja a presença dos sujeitos sociais

(trabalhadores/trabalhadoras, educandas/educandos, militantes, educadores e representantes

do assentamento) que em união com os demais signos informam de onde são e o que querem,

diferentemente dos ícones e dos índices em que o primeiro é uma representação – como as

fotografias de grandes vultos da história e o segundo uma referencialidade, como o vermelho

nas faixas, nas flâmulas; os sujeitos que obrigatoriamente compõem a Mística são signos e

por natureza legi-signos.

A Mística construída no Curso Letras da Terra é um componente fundamental para o

equilíbrio e harmonia da turma, manhãs iniciadas com arte, animando e auxiliando no

processo de organização do espaço do Curso, traduzindo esse sentimento um NB apresentou

essa humanização na Mística, conforme o registro de Daniel Silva: “A mística trouxe as partes

do corpo humano relacionando-o com a construção dos valores na formação dos indivíduos na

sociedade”. (NB Abril Vermelho, Daniel Silva, 2010, p. 158).

Imagem 6 - Mística: “Obrigação de Seguir” NB João Cândido

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A Mística tem a função de influenciar os comportamentos, sensibilizando os participantes

para uma melhor convivência. No Livro de Memória temos o registro: “A mística enfatiza o

compromisso que temos com os estudos, com a organização, o espaço onde estamos e

principalmente com o companheiro.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Abril Vermelho,

Edmilson Araújo, 2010, p. 159).

Essa discussão foi apresentada pela Mística do NB Abril Vermelho e para que esse objetivo

fosse alcançado, a construção de um signo próximo do que o grupo apresentara através de

legi-signos:

“- A cultura, a moral, a arte e os valores seriam muito diferentes se o mundo tivesse

companheirismo. Você é companheiro?”

“- Se somos seres inteligentes, precisamos provar isto com atos, onde vivemos

devemos cultivar a beleza, a rebeldia e o conhecimento. Você é companheiro?”

“- Companheirismo exala solidariedade, ambas são armas poderosas contra o

egoísmo, precisamos está atentos para que não caiamos em contradição de falar o

que não se vive. Você é companheiro?”

Imagem 7 - Mística: “Você é companheiro?

No curso de Letras a Mística tem sido utilizada pelos estudantes como uma arte

revolucionária, contestadora da realidade social. Nesse sentido, o NB Gandhi defendeu o

combate a alienação e a ideia defendida, posteriormente foi sistematizada pela educanda Ana

Cristina:

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A mística do Núcleo Gandhi, traz as contradições provocadas pela alienação. E

ressalta que esta também, por vezes fazem-se presentes nas lutas populares.

Portanto, devemos incansavelmente formar nossa consciência, para que não

venhamos a cair em desvios. (LIVRO DE MEMORIA, NB Abril Vermelho, Ana

Cristina de Araújo, 2010, p. 156).

Imagem 8 - Mística: “A alienação deve ser combatida”, NB Gandhi.

A semiose estabelecida pela educanda Ana Cristina faz parte de um “processo em movimento

em que um signo explicita outro signo,”representando outra coisa, criando outro signo. “Toda

conclusão ou racionamento é a interpretação de um conjunto de signos. Ele só pode funcionar

como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma coisa diferente dele”

(SANTAELLa, 2006, p. 58). Tem-se a Mística, o seu objeto dinâmico, o tema: a alienação

deve ser combatida. Este foi apresentado por meio do objeto imediato: os quali-signo, os sin-

signos e os legi-signos. Todos esses representamem foram captados pela intérprete,

estabeleceu-se uma referencialidade, por meio das singularidades presentes nos índices e

pelas convenções embutidas nos símbolos; em seguida a construção de um significado, um

novo signo – o texto da estudante apresentado anteriormente.

A Mística contribui para a formação irrestrita dos/das educandos/das, uma vez que temáticas

como dificuldades nas relações interpessoais surgidas no decorrer do curso e na aprendizagem

são abordadas. Não trata apenas o problema, mas também reflete sobre o mesmo, apontando

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caminhos para que, neste caso, a aprendizagem em todos os sentidos seja produtiva e

significativa para todos e todas. A semiose, presentes nos depoimentos, confirmam o

potencial comunicativo das Místicas:

(1) A mística nos mostrara os verdadeiros valores de um educador, transmissor de

verdades, ativador de amor e amizade e acima de tudo gostar e se orgulhar do que

faz. (NB Letras em Movimento, Edinália Maria da Cruz, 2010, p. 163).

(2) A mística de hoje nos mostrou uma grande e triste realidade. O professor

tradicional e opressor. Vimos a transformação através da conscientização em um

educador que dialoga com o aluno e liberta.

(3) A NB João Candido trouxe no ato místico os valores presentes na educação e a

importância destes valores para as construções da consciência dos indivíduos, assim

como a relevante participação de educadoras e educadores nesta formação e

construção de valores. Ficou nítida a importância de existir interação entre os

sujeitos envolvidos no processo educacional. (NB Maria Bonita, 2010, p.163)

Os três argumentos são os interpretantes finais, do interpretante dinâmico – as questões

presentes nas três Místicas – percebe-se que os três trazem significados semelhantes,

denotando que nas Místicas havia signos que funcionavam como signos de lei.

O registro fotográfico da Mandala “Valores na Educação” mostra a imagem de uma rosácea,

em cujo miolo da flor há a figura do trabalhador e trabalhadora junto ao mapa do Brasil

(símbolo presente na bandeira do MST), um legi-signo, portanto a linguagem comunicava que

as conquistas são frutos da união. A grande rosácea tem as pétalas construídas por hibiscos e

folhagens, em cada pétala uma palavra. Cada palavra por associação estabelecia a rede de

significação. Sendo assim, a utilização do signo verbal contribui para apropriação do

conhecimento do conteúdo apresentado na Mística.

Imagem 9 - Mística “Valores na Educação” NB João Cândido

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A argumentação (Terceiridade) vem precedida pela sensação (Primeiridade) e reação

(Secundidade) e esses três estados possíveis da mente não podem ser entendidos como dados

estanques. Disse Peirce: nenhuma linha firme de demarcação pode ser desenhada entre

diferentes estados integrais da mente, isto é, entre estados tais como sentimento, vontade e

conhecimento, pois estamos ativamente conhecendo em todos os nossos minutos de vigília e

ao mesmo tempo sentindo também. Se não estamos sempre querendo, estamos pelo menos, a

todo o momento, com a consciência reagindo em relação ao mundo externo. (PIERCE, apud

SANTAELLA, 2006, p. 53).

As Místicas são produzidas com a intenção de provocar uma ação, reflexão e ação, isto é, agir

em sintonia com a realidade, consciente do que e como deve seguir cada estudante em sua

regional, o compromisso com os valores do MST: solidariedade, respeito, organicidade,

cooperação, indignação e ética. No depoimento abaixo temos a interpretação da Mística pela

discente Ariadne Macedo:

Imagem 10 - Mística “Letras em Movimento”

O sol amanhece ensolarado trazendo em seus raios os prenúncios de um dia quente e

agitado. O NB Letras em Movimento trás na mística uma retrospectiva da nossa

história no curso, desde quando chegamos até o momento atual, trazendo em forma

de espiral os momentos vividos e deixou claro, a importância de cada um de nós

para este curso. Que NÃO fiquemos para trás então. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB

Maria Bonita, Ariadne Macedo, 2010, p. 181).

Muitas Místicas foram elaboradas com o firme propósito de animar a Turma Patativa do

Assaré no cumprimento das suas atividades acadêmicas, como exemplo a elaboradas a partir

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do temas geradores: Monografia e Estágios. Conforme a reflexão da educanda: “ a mística

com o tema certificado trouxe a reflexão de ler e registrar, a importância da continuidade da

luta.” (LIVRO DE MEMÓRIA, 2010, Tânia de Jesus Oliveira, p.)

Imagem 11 – “Mística: É Preciso Ter” Imagem 12 – “Mística : Monografia”– Nb Gandhi

O mês de abril é considerado como o “Abril Vermelho” pelo Movimento dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais Sem Terra. É quando se intensifica as ocupações, marchas e

reivindicações. Muitas Místicas deste referido mês tiveram essa temática em uma sequência

de Místicas grandiosas, densas, ricas em detalhes, carregadas de significados, o que

possibilitou a construção de conhecimentos profícuos acerca da questão, conforme os

depoimentos coletados no Livro de Memória.

A mística retratou a importância da história da luta do mês de abril, por conta do

massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 militantes foram mortos. Nesse sentido

somos convidados a fazer parte dessa luta conhecida como “Abril Vermelho”. (NB

Castro Alves, Alexandra E. dos Santos, 2010, p.154)

A mística nos reporta aos massacres acontecidos no processo de luta pela terra

deixando claro que por mais que a classe dominante tente nos parar e nos calar

erguemos nossas vozes, balançamos as bandeiras e seguimos em frente acreditando

que juntos somos milhões e como tal imbatíveis, carregando em nosso peito a doce

lembrança daqueles que corajosamente tombaram na luta, e deixaram um legado a

ser seguido. (NB Abril Vermelho, Vicência da Silva Morais, 2010, p.155).

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Imagem 13 - Mística: “Abril Vermelho”, NB João Cândido. Imagem 14 - Mística “Vermelho na Luta”

A Mística “Vermelho na Luta” representou tragédia que aconteceu em 19 de abril, em El

Dorado Carajás. Praticamente em todo o Centro de Formação havia marcas vermelhas, no

piso, nas paredes, cadeiras. A mística cumprindo a sua função por meio da cor vermelha que

simbolicamente representa as vidas ceifadas. Esse símbolo e demais signos são retomados e

ampliados nas interpretações dos intérpretes:

A mística retratou o massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 companheiros

foram assassinados, na tarde de 17 de abril de 1996 no estado do Pará. Enquanto

alguns companheiros homenageavam em pontos estratégicos no pátio, nós seguimos

em fileira representando a marcha em memória dos companheiros assassinados na

luta por justiça, em pro da reforma agrária. (NB Maria Bonita, Marcela Nascimento

da Gama, 2010, p. 162).

Imagem 15 - Mística “A luta por Justiça é Internacional”

NB Abril Vermelho.

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Iniciamos o sábado com um pouco de chuvas, um pouco triste, pois há 14 anos, 19

jovens militantes perderam suas vidas injustamente. A mística relembra esse

momento em que o companheiro Oziel Alves perdeu sua vida, enquanto nos deixou

a mensagem de que a luta não pode parar, quando gritou “Viva o MST”, 17 de abril

e Eldorado dos Carajás jamais sairá da memória de quem lutou e acredita na

construção do socialismo. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010, p.

163).

O NB Maria Bonita avaliou que a Mística “Marchar e Vencer” do Núcleo Abril Vermelho que

o signo marcha retomado significou mais do que andar em fila, mas um ato consciente e

político, conforme a argumentação: “A Mística do Núcleo Abril Vermelho retratou de que

marchar é mais do que andar, é mostrar como os pés o que dizem os sentimentos, transformar

a quietude em rebeldia, é traçar como passos firmes um projeto que nos levará a nova

sociedade.” (LIVRO DE MEMÓRIA, NB Maria Bonita, 2010, p. 161).

As Místicas de abril trouxeram a tona fatos marcantes como assassinatos de trabalhadores e

trabalhadoras, expressando as mensagens por meio de legi-signo-simbólicos que fazem parte

do cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, como as machas, legitimando os

compromissos assumidos por todos e todas de permanecer ou de caminhar em direção ao bem

da coletividade. Conforme, o registro:

A mística ainda no final deste mês vem com uma representatividade forte

demonstrando ações e respectivos resultados das manifestações feitas em diversos

lugares, essa somatória forma o nosso esplendoroso Abril Vermelho. ( LIVRO DE

MEMÓRIA, NB Gandhi, Marcio, 2010, p.168)

O dia primeiro de maio, consagrado internacionalmente como o “Dia do Trabalho” está

sempre presente nas Místicas, como também o “Treze de Maio” e o “Dia das Mães”. Assim

como o mês de abril foi em memória aos violentados pelas lutas empreitadas pelo bem

coletivo. As Místicas de maio foram produzidas com muita sensibilidade, por meio da função

poética e emotiva dos signos verbais e por signos não-verbais que simbolizam a maternidade,

fertilidade e o Criador. O signo elaborado pela educanda no livro de Memória, possibilita a

construção da imagem semiótica de parte da Mística vivenciada pela turma:

As Marias Bonitas com muita sensibilidade e delicadeza, apresentaram a mística

focando as grandezas da mãe natureza, com toda sua feminidade, fazendo referência

ao grande criador, que com sua sabedoria criou as criaturas com muito amor,

buscando inspiração no mês de maio, que é considerado o mês da mulher. (LIVRO

MEMÓRIA, Suzete da Paixão Rocha, 2010, p. 168).

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Imagem 16 - Mística: Mês de Maio, NB Maria Bonita

Como se pode ver, os níveis do interpretante – dinâmico e imediato – congregam não só

elementos lógicos, mas também emotivos e sensórios como parte do processo interpretativo.

Este se constitui em um conjunto de habilidades mentais e sensoriais, ativos e reativos como

parte do processo de semiose – um signo que reporta a outro signo, infinitamente. Nesse

sentido, as semioses são percebidas, a partir das leituras desses dois signos: (1) recorte das

significações retiradas do Livro de Memória e (2) a imagem capturadas em um dos momentos

da Mística.

Com a responsabilidade de fazer a Mística, o NB, Letras em Movimento enfatiza o

dia da mãe colocando a importância de ser mãe e os seus desafios, que mulher já

nasce com o dom de ser mãe e desenvolve de acordo com o passar do tempo,

quando a maturidade toma conta de sua convivência. (LIVRO DE MEMÓRIA, NB

João Cândido, Arisnando de Aragão Ribeiro, 2010, p. 169).

Imagem 17 – “Dia das Mães “ Imagem18- Interpretantes na Mística “Dia das Mães”

NB Letras em Movimento

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A Mística no Centro de Formação é uma prática cultural, política e social e para os estudantes

de Letras é também uma ação sócio-comunicativa, abaliza a missão da coletividade, a função

de cada um (a) naquele local, no curso, informa os anseios e as necessidades, tanto na

organicidade do espaço físico quanto educacional. É o espaço para a socialização de visões de

mundos, representação da realidade vivida e também da que está por vim, sobre a Mística no

Curso Letras da Terra, Ademar Bogo considera:

As Místicas no Centro de Formação, no nosso curso de Letras, tem expressado

justamente esse anseio dos estudantes que estão se preparando para serem novos

seres humanos nas suas relações, com os trabalhadores sem terra, com as crianças

nas escolas dos assentamentos, mas também com toda sociedade. Por isso os temas

são os mais diversos possíveis, a criatividade de cada um expressa justamente essa

amplidão de interesses, de vontades, de sonhos, de esperanças, que guardamos

dentro de nós no tempo comunidade, no tempo que convivemos em nossos

assentamentos, nas nossas práticas e levamos para os cursos como uma forma de

também compartilhar aquilo que somos em outros espaços, em outros momentos.

(BOGO,em entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de Oliveira, 2010 )

Parte do depoimento de Bogo está representado na descrição da Mística “Homenagem às

Revolucionárias”, NB Abril Vermelho, feita pelo estudante João Paulo Ferreira, legitimando

que as Místicas são mobilizadoras de aprendizagens, instiga a criatividade, alimenta o espírito

de fraternidade, contribui para o desenvolvimento das habilidades linguísticas, tais como falar

em público, ler, interpretar e escrever. Sem essa intencionalidade explícita, a Mística tem

contribuído para a formação dos futuros profissionais da linguagem.

Dirigimo-nos a recepção onde havia um cenário circular com caminhos conduzindo

até o centro onde se encontrava nome de personalidades feminina com Cora

Coralina, Salete Strozak, Margarida Alves, Olga Benário, simbolizando a luta por

um mundo melhor. Janderson lia um texto enquanto companheiras e companheiros

falavam da pessoa que vivia dentro de si. A mística encerrou-se com o Hino do

MST. (LIVRO DE MEMÓRIA, João Paulo Ferreira, 2010, p.)

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Imagem 19 – Mística “Homenagem às Revolucionarias”,

NB Abril Vermelho.

As Místicas realizadas no Centro de Formação Carlos Marighela são considerados pela Turma

Patativa do Assaré, como uma ocasião de relevância, e os estudantes dedicam-se para que

cada Mística alcance seu potencial comunicativo. As ações não se restringem ao momento de

elaboração, mas também de contemplação, pois a reverência, o envolvimento, o sentimento de

pertencimento fazem com que a Mística seja materializada como signo. Metaforicamente,

pode-se dizer que a Mística é um livro no qual cada dia uma página é elaborada e lida

coletivamente. Leituras realizadas por meio de representações, escritas, músicas,

declamações, desenhos, cores, tons, formas e principalmente por sujeitos que compõem as

Mandalas. É uma multiplicidade de linguagem que por meio de seus interpretantes afetam,

provocam, informam, acrescentam saberes, provocam reflexão e o crescimento humano. Nas

Místicas todos os signos eleitos estão ali para que o leitor e a leitora se encontre neles

representado, ou melhor, se sinta literalmente dentro da mensagem.

As Místicas construídas durante a execução do Curo Letras da Terra, tem contribuído para o

fortalecimento da identidade coletiva, uma vez que cada um do seu jeito e no coletivo, luta

pelos mesmos objetivos, respeita os mesmos símbolos, “veste a mesma camisa”, “ usa o

mesmo boné”. Em fim, é por meio da Mística no Centro de Formação Carlos Marighela que

os estudantes de Letras acalentam, criticam, avaliam, dão “puxões de orelha”, revigoram as

forças na luta do dia a dia, firmando assim a militância na formação acadêmica. Conforme

Bogo,

Então, ali floresce todos os dias pela manhã, como um campo novo, uma reverência

expressiva, uma alegria, uma motivação, um incentivo que faz com que as outras

pessoas que participam sejam contaminadas no bom sentido, dessa energia positiva,

desse carinho, desse afeto. Dessa vontade de sermos melhores, e sermos melhores

no sentido da nossa própria participação, da nossa própria construção, da nossa

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própria realização, enquanto estudantes, enquanto cidadãos, enquanto seres

revolucionários, que temamos em lutar contra todos os obstáculos que escraviza,

domina, explora e diminui o ser humano na sua existência. Nós queremos libertar os

seres humanos e libertarmos juntos, para construir uma sociedade digna, livre,

igualitária e solitária. (BOGO, entrevista cedida a mim e a colega Lucia Monteiro de

Oliveira, 2010 ).

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IV - ANÁLISE SEMIÓTICA DAS EXPRESSÕES GRAFO-PLÁSTICAS

PRODUZIDAS EM TRÊS MÍSTICAS

4.1 A Mística: “Parte da Vida e da Luta”

O primeiro Ato Místico analisado é “A Mística: parte da vida e da luta”, inspirado no texto de

Ademar Bogo publicado no Caderno de Formação Nº 38 (2009). Este ato foi realizado

durante nove minutos pelo Núcleo de Base Gandhi no dia 7 de maio de 2011.

Para expressar a mensagem A Mística: “Parte da vida e da luta” foram grafados no chão seis

círculos entrelaçados, destinados a serem ocupados por cada NB, tendo no centro outro

círculo com a palavra Mística escrita em letras grandes.

A abertura da Mística é feita com a canção “Companheiros de Guevara” e após a introdução

dois apresentadores iniciam com a leitura do texto “A Mística: parte da vida e da luta” A

leitura de cada parágrafo é intercalada com uma indagação, o que significa a Mística para

cada NB. Finaliza quando todos os NBs respondem à pergunta ocupando seus círculos, ao

mesmo tempo em que acrescenta mais um signo à Mística.

Imagem 20 - “A Mística: parte da vida e da luta” – NB Gandhi

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4.1.1 A primeiridade presente

Buscando entender a Mística como um fenômeno, serão aplicadas as Categorias Universais de

Peirce como o ponto de partida para a análise semiótica, através do olhar contemplativo com a

atenção dirigida para a primeira tricotomia quando o signo em si mesmo é uma quali-signo,

sin-signo e legi-signo, abrindo assim os sentidos para a mensagem Mística.

O Ato Místico, “A Mística: parte da vida e da luta” dá o seu começo com os/as estudantes

acomodados em volta da expressão grafo-plástica, momento este em que a apreensão dos

qualissignos exige do contemplador uma disponibilidade para o poder de sugestão, evocação e

associação que a aparência do signo presente exibe na primeiridade.

Em um primeiro momento, pelo menos, temos de dar aos signos o tempo que eles

precisam para se mostrarem. Sem isto estamos destinados a perder a sensibilidade

para seus aspectos qualitativos, para seu caráter de quali-signo. Aquilo que apela

para a nossa sensibilidade e sensorialidade são qualidades. O signo diz o que diz,

antes de tudo, através do modo como aparece, tão somente através das suas

qualidades. (SANTAELLA, 2002, p. 30).

Diante deste evento místico a contemplação se concentra nas três habilidades que permitem

qualquer coisa ou abstração agir como signo: a qualidade, a existência e o aspecto de lei.

Todos os signos com as suas qualidades que compõem esta Mística é um representâmen,

representam algo que está fora da Mística. Como a sigla MST destacada neste desenho não

representa apenas um movimento social, mas sim, a história e a cultura do Movimento dos

Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra e todos os elementos que dão fundamento à luta

pela posse da terra, produção e educação em direção ao um novo sistema social que legitime o

real valor da classe trabalhadora.

4.1.2 As qualidades são apresentadas

A forma, dimensão, volume, vozes, canção, cores e textura que compõem esse ato místico são

qualidades apresentadas nos seis círculos entrelaçados sendo que todos estão ligados ao que

está no centro formando uma mandala por meio dos intérpretes que circundam essa

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composição. As cores que cobrem os traços e fundo do circulo central, são as cores da

bandeira do MST: vermelho, branco e preto. O vermelho cobre todos os traços do centro e

periferia dos grafemas, no piso cimentado, uma simetria que agrada os olhos de quem vê

criando uma impressão de coesão e equilíbrio. A cor preta representada, por meio de uma

terra escura, rica em matéria orgânica decomposta, contorna todos os seis círculos e letreiro.

O vermelho e o negro faz contraste com o branco suave aveludado da farinha de mandioca

peneirada, que serve de fundo para o letreiro central do desenho o qual está contornado por

muitas flores vermelhas.

Folhas verdes com flores vermelhas, amarelas e brancas estão espalhadas em toda expressão

grafo-plástica. Dá-se a impressão de estar diante de um jardim composto não somente de

flores, folhas e cores, mas também de outros elementos embelezadores que estão espalhados

neste espaço místico. O vermelho, a cor do MST, comprovada cientificamente como a que a

que chega mais rápido aos olhos, é predominante em todo o cenário de uma forma bem

combinada com o preto da terra fértil, causando uma agradável sensação estética a quem

contempla. Percebe-se de imediato que as seis partes circulares unidas formam um todo

firmado no circulo central, retentor da mensagem principal da Mística, para onde

naturalmente o olhar é dirigido. A música “Companheiros de Guevara” está no ar com o seu

eterno poder de emocionar, em um cenário enfeitado com a clara intenção de dar ênfase ao

belo, como forma de assegurar a admiração. É a primeiridade comandando as sensações e

impressões. Quando o volume da música é reduzido às qualidades nos signos se modificam

através do silêncio, índice que aponta que outros signos serão acrescentados. A expectativa e

um clima solenidade são estabelecidos, entram os apresentadores trajados com roupas de

cores vermelha e preta.

4.1.3 As qualidades tornam-se singulares nos signos presentes

A leitura do texto é iniciada. É a secundidade expressada na ação e reação, em uma segunda

espécie de olhar que leva em consideração a característica existencial e única que dá

fundamento ao signo: o sin-signo. A Mística apresentada “como parte da vida e da luta” no

Centro de Formação Carlos Marighella é um existente singular. Dificilmente será criado

outro Ato Místico idêntico a este, com a mesma grafia plástica, texto, depoimentos, música e

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movimentos. Os círculos entrelaçados com as suas cores, formas e adereços é uma expressão

plástica ímpar no universo e por isto mesmo é caracterizada como um sin-signo, um signo

sempre em singular, nunca plural.

A cor vermelha quando sin-signo é a somatória de todas as qualidades de representação de

acordo com o signo no qual está incorporada: resistência, provocação, paixão, socialismo,

afeto, vida, sendo que todas essas qualidades do vermelho são existentes nos signos presentes

nesta Mística. Através dos traçados, nos contornos circulares, das flores vermelhas que

significam afeto ou paixão espalhadas em todo desenho; nas bandeiras que representam a

esquerda revolucionaria e especialmente o sangue vertido na luta de classe; no boné e túnica,

exercendo sua função estimulante instigando à ação. São sin-signos como os seus significados

próprios e particulares. A enxada neste ato místico não é apenas a ferramenta, é o cultivo da

terra possuída, o livro é emancipação e poder; o facão é mais do que uma faca grande, é

resistência e luta; o pandeiro e a música presente em todas as místicas representam a

animação; a verdura é o alimento produzido em busca da auto sustentabilidade; a água é vida

e a terra, o bem maior. São signos que apresentam qualidades particulares se caracterizando

como Sin-signo.

Nesta Mística é bem marcado o momento que ação é iniciada envolvendo os que estão na

periferia do círculo. É o agir e reagir também do leitor e da leitora, quando uma interação

dialógica é estabelecida com o tema apresentado, aumentando a complexidade da

comunicação. Há uma provocação, uma ação, na qual os intérpretes são convidados para o

interior da Mandala onde se encontra a síntese da mensagem. Os intérpretes em movimento,

interagem e coletivamente acrescentam outros elementos ao cenário.

4.1.4 Do particular para o geral, o legi-signo torna-se presente

Aprofundando mais a observação para as características que dão fundamento ao signo indo

em direção ao seu terceiro, o aspecto de lei. A Mística apresentada é um legi-signo que tem

suas próprias regras e leis para elaboração e apresentação, seguidas por todos e todas do

Curso Letras da Terra no Centro de Formação Carlos Marighella. É um legi-signo pelo fato de

condizer com a tradição cultural e política do Movimento dos Sem-Terra. É uma convenção a

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apresentação da Mística todas as manhãs, elaboradas coletivamente nos NBs, em sigilo total,

e sempre seguindo os princípios de apresentação: um primeiro momento de contemplação,

sentimento, originalidade; o segundo de ação e reação, dualidade, surpresa; e o terceiro no

qual impera a generalidade, entrosamento, continuidade e crescimento culminando com o

fechamento do ato Místico.

A palavra Mística escrita com cor vermelha no centro desta grafia plástica é um legissigno

originado da singularidade e aqui é generalizado como o vermelho revelador da identidade do

MST, uma cor já convencionada internacionalmente como a representante da classe

trabalhadora no campo e na cidade. O vermelho que antes era uma particularidade torna-se

geral, como também a ressignificação da enxada, livro, facão, pandeiro, verdura, água, terra e

a canção “Companheiros de Guevara”, que sob a ação ritualizada nos atos Místicos assume

um elevado significado, tornando-se símbolo para os discentes do Curso Letras da Terra.

Após esse momento de contemplação do signo em si mesmo, o próximo o passo é a análise

do signo em relação ao seu objeto, neste caso a própria Mística praticada pela Turma Patativa

do Assaré, a mensagem principal deste ato que está explicitada no centro da Mandala. A

observação firmada no que o fundamento do signo pode reportar em relação ao objeto, é

muito importante, pois quando o fundamento é um quali-signo a relação do signo com o

objeto é evidente que será um ícone, se o fundamento for um sin-signo , o índice é o seu

correspondente, se for um legi-signo, o símbolo que representa o objeto.

4.1.5 O quali-sign incorporado no ícone

O objeto dinâmico presente na Mística no MST e o ícone é um signo com imagem que se

refere ao objeto representando por uma associação de semelhança. Sendo que as referências

dos ícones dependem do campo associativo por similaridade que os quali-signos despertam na

mente de algum intérprete. E as referências e similaridades aqui apresentadas são as cores do

MST que estão fortemente presentes no desenho estampado no chão, nas túnicas vermelha e

preta dos dois apresentadores presentes no espaço místico. Todo o conjunto do grafo-plástico

com os vários círculos traçados com tinta vermelha e terra é um ícone que representa o MST

através da qualidade de suas cores e da união dos círculos que dão uma ideia de movimento e

integração significando a essência do MST, inclusive a palavra MíSTica escrita no seu centro

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Esse poder de sugestão emanado pelo ícone ressalta os aspectos qualitativos e sensoriais

provocados pela expressões feitas com tinta vermelha e terra. É através da imagem, de todo

conjunto artístico que o ícone se faz presente neste evento.

4.1.6 As qualidades do ícone fazem a conexão no Índice

Diferente do ícone, o índice baseia-se não na semelhança, mas na conexão física com o

objeto, definindo contiguidade entre dois conhecimentos, sendo dependentes do objeto que

lhe deu origem, como a terra retirada do Assentamento 1º de Abril, que cobre os seis círculos

unidos indicando a conexão da Turma Patativa do Assaré com a terra, a causa maior da

criação do MST. O índice se refere ao objeto com o qual tem vinculação, por isto mesmo, a

terra está sempre presente nas Místicas realizadas no Centro de Formação Carlos Marighela.

Segundo Peirce, o signo é índice, “em virtude de ser realmente afetado por esse objeto”

(2005, p.52) por ter alguma qualidade em comum com o objeto. São leituras indicadas pelo

signo a cor vermelha predominante nesta mística nos traços e nas flores a qual têm um sentido

particular para todos e todas presentes, como a letra da canção de abertura “Companheiros de

Guevara, trilhando a estrada por um novo dia” que traz as marcas de Che Guevara, quando diz

que “grande será o nosso o espanto de ver o encanto do bom comandante, chegando na hora

certa , com a voz desperta nossa rebeldia” indicando total concordância com o conteúdo da

Mística.

O letreiro grafado no centro do desenho, também sinaliza a densa relação do MST com a sua

Mística nas letras MST que sobressaem na palavra MíSTica, de forma que dá a impressão

através de uma leitura mais apurada que a as letras MST envolvem todas as letras restantes

que formam a palavra MíSTica. Indica concretamente como o MST está entranhado na sua

Mística, sendo que um compõe o outro. O MST e a MíSTica é um só corpo nessa expressão

grafo-plástica mostrando que a própria MíSTica já carrega em si o significado do que o MST

representa, fortalecendo e unindo visualmente o conceito e a prática da MíSTica dentro do

Movimento.

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Imagem 21 - Ícone da Mística

Os vestígios, marcas e traços vermelhos, pretos e floridos indicam o cuidado dos produtores

desta expressão plástica com o embelezamento de cada circulo que a compõe. Em cada um

desses círculos há outros signos indiciais como: abóbora, bandeiras e no desenrolar da

MíSTica, quando cada NB se expressa, outros signos indiciais são depositados com muita

reverência: livros, gamela de madeira com terra, bandeja com vegetais, pandeiro, facão, boné,

enxada, água. São indicações de elementos importantíssimos no dia-dia do Sem Terra. Quali-

signos e ícones, sin-signos e índices são aspectos inseparáveis que são exibidos nesta Mística,

permitindo que funcionem como signos e se tornem símbolos.

4.1.7 A lei no legi-signo é indicada no símbolo

O modo como o legi-signo indica os seus objetos existentes é através do símbolo, porém é

diferente do índice, pois não define contigüidade. O símbolo refere-se ao objeto que

representa em virtude de uma convenção ou lei, sendo fundamentado pelo legi-signo, como é

a bandeira vermelha, o símbolo maior do MST presente neste Ato Místico.

O significado da enxada, livro, facão, pandeiro, verdura, água e terra sob a atuação de

reverência constante nas Místicas, adapta-se a generalidade por serem elementos essenciais na

vida rural dos trabalhadores e trabalhadoras Sem-Terra. Assim como o facão, que nesta

Mística não é apenas uma ferramenta agrícola, tem outra significação é a representação da

resistência e da produção na ocupação da terra, sendo um símbolo presente na bandeira do

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MST. Sobre a importância dos símbolos no MST João Pedro Stédile, afirma: “o que constrói

a unidade é a ideologia da visão política sobre a realidade e o uso de símbolos, que vão

costurando a identidade. Eles materializam o ideal, essa unidade invisível”. (STÉDILE, 1999,

p.132) .

Imagem 22 - a enxada Imagem 23 – os vegetais Imagem 24- o pandeiro Imagem 25 - a terra

Segundo Peirce o símbolo é o signo convencionado num dado tempo e espaço, existia antes

como sin-signo, se torna legi-signo quando não é mais singular e sim plural, se torna geral,

uma lei que pode ser denominada de “réplica.” (SANTAELLA, 2002 ). As três bandeiras

pequenas e uma grande que estão posicionadas nos círculos ocupados pelos NBs estão

impregnadas de todas as qualidades convencionadas por lei simbolizando o MST.

Os quali-signos, sin-signos e legi-signos evoluem através da imagem, indicando a base

necessária para a criação do símbolo. O exame cuidadoso dos símbolos dentro deste Ato

Místico conduz para um vasto campo de referencias que incluem os valores coletivos,

comportamentais e as expectativas sociais dos educandos e educandas, quando interagem com

os símbolos e com o cenário, se expressando verbalmente e depositando outros Símbolos no

espaço circular que ocupam.

Um signo é símbolo quando é uma abstração de um concreto como o livro nesta Mística, o

que não significa apenas leitura e aprendizagem, mas é a abstração na busca da evolução

pessoal e coletiva, o conhecimento tão necessário para lutar melhor, concretamente no dia-a-

dia em direção da emancipação humana. A leitura simbólica só é possível porque os dois

aspectos icônicos e indiciais instauram valores que são veiculados à mensagem da “Mística:

como forma de luta e de vida”. A própria Mística é um símbolo no MST, uma abstração que

se materializa no cotidiano como forma de luta e de vida.

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Dois gritos de ordem são as palavras finais dessa mística, outro símbolo fortíssimo, sempre

manifestado com muito vigor no qual a força e a crença nas palavras imperam, estabelecendo

uma profunda identificação dos educandos e educandas com o objetivo maior de estarem alí

reunidos. O grito de ordem é o chamamento para a luta: “MST: Agora é pra valer! Reforma

Agrária já: Por justiça social e soberania popular!” Cada grito é repetido três vezes com o

punho erguido que segundo Plínio Arruda Sampaio, este gesto simboliza “a rebeldia e a

resistência, e desobediência ao estabelecido, um símbolo mundial na utopia socialista em que

novos valores e relações sociais possam ser criados, na construção de uma nova sociedade”.

(2002, p 7).

Os símbolos ritualizados nas Místicas têm os seus significados fortalecidos e absorvidos na

mente e na vida cotidiana dos educandos e educandas do Curso Letras da Terra. É o efeito dos

signos em ação, é o interpretante decodificando os símbolos sobre os quais João Pedro Stédile

acrescenta:

A bandeira, o hino, as palavras de ordem, as ferramentas de trabalho, os frutos do

trabalho no campo etc. Eles aparecem, também, de muitas formas: no uso do boné,

nas faixas, nas músicas etc. As músicas são um símbolo muito importante. O próprio

Jornal Sem Terra para o MST, já é mais do que um meio de comunicação. É um

símbolo. O militante se identifica , tem afinidade, gosta dele. (STÉDILE, 1999,

p.132).

Os símbolos apresentados expressam a cultura do MST na sua prática social através da

Mística, que se materializada por intermédio dos educandos e educandas que fazem a sua

leitura, decodificam e dão novos significado a todos os seus signos. É por símbolos

constituída a Mística despertando amor e carinho pelo movimento, ajustando uma unidade

dentro do Curso Letras da Terra, colaborando assim para a sua integridade e solidez.

4.1.8 O interpretante imediato, dinâmico e final dos símbolos

Santaella nos diz que “o primeiro nível do interpretante é o imediato, a saber, todos os efeitos

que o signo está apto a produzir no momento que encontrar um intérprete” (2007, p. 95). A

Mística com o seu tema, sua mensagem através dos signos para ser lida e interpretada,

encontrando ou não algum interprete, estará lá grafada na recepção com todos os seus ícones,

índices e símbolos, signos para serem interpretados durante o dia inteiro. Quem passar olhar

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mesmo que rapidamente, o seu olhar certamente será dirigido para o centro onde está escrito

Mística. Este é o interpretante imediato, é um interpretante interno ao signo, o qual faz parte

dele independente de quem lê. É a primeira leitura na qual o tema da mensagem é captado, a

Mística, e não outro tema qualquer, produzindo o efeito para o qual foi elaborada. Este é o

poder de interpretação contido nos signos que compõe esta Mística, é o potencial interno do

signo para ser lido cumprindo a sua função. Este evento foi uma Mística sobre Místicas, uma

metalinguagem, em que no seu interpretante interno há um efeito relacionado com o seu

significado, sintetizado por meio da combinação dos grafemas que formam, em interseção, as

palavras Mística e MST.

O interpretante imediato se torna interpretante dinâmico no momento em que o efeito do

signo torna-se presente, as qualidades sentidas de admiração, emoção impele para a ação e

culmina com o raciocínio lógico, é o efeito particular produzido na mente de cada intérprete

no ato de significação. O interpretante dinâmico ou o interpretante singular é decomposto em

três efeitos agindo de acordo com as Categorias Universais: Primeiridade, o emocional;

Secundidade, o energético; e Terceiridade, o lógico.

Imagem 26 - Interpretantes Imediatos

O emocional é instigado pelo admirável, provocador de sensações e impressões. É o primeiro

efeito do signo produzindo uma qualidade de sentimento. A emoção provocada pela trilha

sonora que faz a abertura, o ícone com suas cores e enfeites, constitui o interpretante

emocional sempre presente nas interpretações. A letra da canção “Companheiros de

Guevara,” toca fundo nos sentimentos dos educandos e educandas: “se não houver o amanhã

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brindaremos o ontem e saberemos então, onde está o horizonte”, é uma chamada para

vivenciar o momento presente, provocando certa nostalgia pelo fato da Turma Patativa do

Assaré ser composta por gente do Espírito Santo e por todas regiões do estado da Bahia,

havendo a alegria do encontro e as lagrimas da despedida: “e quem ficou sem chegar, sem

poder andar estará presente”, sempre um ou dois componentes da turma não retornam na

próxima etapa do Curso. O tom de voz dos apresentadores é solene, alto, condizente com o

texto, com a firme intenção de emocionar. O sentimento de reverência e devoção é

permanente em todo ato místico em relação a esse grande símbolo do MST que é a MíSTica.

No nível energético há inicialmente ação dos apresentadores e a reação dos interpretes,

quando o signo MíSTica impele a uma ação física e mental, no momento em que os

apresentadores questionam os NBs que se dirigem para os círculos, dando o seu depoimento

com um forte sentimento de identidade expressam o significado da Mística em suas vidas e

lutas. Os apresentadores Eliane Oliveira Sales e Márcio Alves Santos, por meio de um

diálogo, em que algumas falas são recortes de textos publicados por Bogo e outras produzidas

pelos partícipes, conforme o registro:

“- MíSTica é um sentimento que passeia delicado e lento por dentro de nosso

coração. Como se tivesse mãos, coloca o ânimo em cada pensamento. Mexe no

comportamento, no jeito de andar, falar e sorrir; é a força que nos faz sentir prazer

e arrependimento” (BOGO, p.155, 2009). Para você João Cândido, o que é a

MíSTica?

”- MíSTica é o vigor, é a emoção, é a satisfação de participar da luta, da vitória, e

construir um mundo melhor”. (Ademar Bogo)

“- MíSTica é poder da própria criação, nasce de um jeito simples, núcleo da visão.

MíSTica é nascimento, é essência, é valor. É estudo, sobretudo formação”.

MíSTica é vida!” (Elza Sales).

“-Quem tem mística está sempre crescendo. A cada dia sente-se renascendo nas

coisas que vai realizando. Seja na base ou no comando, a mesma energia se

manifesta, como a alegria em uma festa, instiga quem está participando”. (BOGO,

P.155, 2009). “Para vocês Letras em Movimento o que significa MíSTica?”

“- A MíSTica nos faz refletir as nossas ações acerca do tema trabalhado”.

(Mariana Silva de Jesus)

“- MíSTica é a nossa capacidade de expressão”. (Edir Carlos Menezes Marques)

“A diferença a se comparar, está na capacidade de sonhar. Embora alguns sonhem

sem nada edificar, há os que vão os sonhos construindo. Os dois lados andam juntos

e separados, são os ativos e os acomodados. Os primeiros sonham acordados e os

demais sonham estando dormindo”. (BOGO, p.155, 2009). “Para vocês Abril

Vermelho o que significa MíSTica?”

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“- MíSTica é um momento de renovação, de renovar as utopias. É um momento

que avaliamos como foram os nossos erros ou os nossos acertos, e assim podemos

construir um mundo melhor. Desde que nos alimentem a esperança, por isso a

MíSTica está em todos os momentos, em todos os atos, em todas as nossas ações”.

(Janderson Silva Santos).

Esse discurso proferido com a enxada erguida, dando outra função à ferramenta agrícola

como se fosse uma bandeira. E A enxada é posta no círculo com delicadeza junto com os

livros, como se fosse algo precioso. Assim aconteceu com todos os NBs. Quando

questionados, respondiam e depositavam mais um símbolo no círculo, e em seguida ocupava

um dos círculos que constituíam a grande Mandala.

Este ato Místico realizado tem uma função inter-semiótica, a MíSTica que dialoga com a

própria MíSTica, dando condições ao intérprete de atingir o nível lógico, produzindo um

signo argumentativo. Se o intérprete é um bom leitor ou leitora, vai ler e sentir o efeito de

cada ícone e índice simbolizados e perceber toda a lógica alí existente. Porém, corre o risco

do interpretante estacionar no nível emotivo, não atingindo o lógico. Sobre o interpretante

dinâmico Santaella esclarece:

No nível do interpretante dinâmico, na sua subdivisão do interpretante lógico, as

regras interpretativas, os hábitos associativos que o intérprete acionará dependem do

repertório do intérprete, ou melhor; dependem da experiência colateral que esse

intérprete já teve com o campo contextual do signo, dependem dos conhecimentos

históricos e culturais que já internalizou. (SANTAELLA, 2007, p. 95).

Após cada NB fazer sua oferenda à Mística, a música “Companheiros de Guevara” ocupa

todo o espaço: “Então ouviremos da história o grito de glória da nossa utopia.” A Mística é

finalizada com a resposta coletiva, os gritos de ordem.

O interpretante final segundo Santaella é um interpretante em aberto (2007, p. 97).

Aparentemente os dois gritos de ordem deram por encerrada a Mística, porém a Mandala

permanecerá com todos os seus elementos exposta o dia inteiro no salão da recepção. O que

esse ato Místico poderá proporcionar aos seus interpretes até o final da tarde quando será

varrida e apagada? E a lembrança que ainda permanecerá na mente dos seus leitores e

leitoras? Como agora mesmo quando essa interpretação dinâmica está sendo realizada? E que

efeito provocará em que está lendo neste exato momento esta pesquisa? É o interpretante final

em ação com a Mística repleta de símbolos vivos na mente do interprete que darão origem a

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outros signos em uma semiose sem fim, já que a MíSTica é considerada pelos militantes

como “uma forma simbólica de sentir-se bem na luta”.

Imagem27 - “MíSTica : parte da vida e da luta” – NB Gandhi

4.2 A Mìstica “Somos Marias”

“Somos Marias”, a segunda a ser analisada, foi realizada no dia 8 de abril de 2010, pelo NB

Maria Bonita, com a duração de 7 minutos, inspirada no poema “Somos Marias” de Ariadne

Macedo. O desenho místico consiste em um globo terrestre grafado no chão com uma grande

árvore dentro do círculo sugerindo um mapa. Nos galhos da árvore estão colocados canudos

de papel e em quatro pontos do círculo, uma integrante do NB. Enquanto o texto é lido os

canudos são abertos nos quais constam nomes de mulheres que deixaram suas marcas a nível

nacional e mundial. O ato Místico é finalizado quando são apresentados os nomes das

integrantes da Turma Patativa do Assaré.

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Imgem 28 - Mística: “Somos Marias” – NB Maria Bonita

4.2.1 Os fundamentos da Mística “Somos Marias”

O ambiente da Mística “Somos Marias,” foi secretamente elaborado com porta e janelas

fechadas. Quando é exposto após a Formação o impacto da primeira leitura é imediato, com o

acréscimo do elemento surpresa em um lampejo de segundos torna mais vigoroso o momento

propício a contemplação. O que está representado em signos provoca uma agradável surpresa

e admiração geral, quando a turma adentra na aconchegante sala e se depara com um visual

colorido.

De imediato sente-se o odor do sabão em pó que está polvilhado em uma grande parte do

grafo-plástico de forma circular, que se encontra no centro da sala. Como se estivessem

vigiando, zelando o conteúdo deste círculo quatro mulheres estão agachadas em quatro

pontos distante uma da outra na periferia do círculo. Este é chapado, nas cores amarelo, azul e

verde sem um único letreiro. Em seu centro está uma grande árvore com pequenos canudos de

cartolina amarrados com fitas vermelhas, azuis, amarelas e verdes, espalhados na copa da

árvore a qual se confunde com mapas em um fundo de cor azul que tanto pode representa o

céu como a água do mar entre os continentes. Linhas amarelas traçam o tronco da árvore com

seus galhos ou caminhos que conduz para cada espaço geográfico. Este é o cenário que

compõe a Mística “Somos Marias”, com seus quali-signos, puras qualidades que se

incorporam nos signos nesta mensagem visual.

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4.2.3 As particularidades presentes

A Mística “Somos Marias” é uma criação existente de um objeto único produzido pelo NB

Maria Bonita. É uma situação comunicativa que tem o ato místico como suporte, aberta à

percepção dos seus intérpretes. Um acontecimento real, marcado pela singularidade do grafo -

plástico e de cada elemento que compõe esta Mísitica. Todas as qualidades presentes no

sinssigno são particulares e autônomas: as cores, a forma da árvore ou dos troncos possuem

suas características próprias de organização com o seu potencial de significação que está

sendo desenvolvido.

Quando a leitura do texto é iniciada os canudos são abertos pelas quatro mulheres que estão

em volta do círculo, e em cada um está escrito os nomes de: Tarsila Amaral, Cora Coralina,

Doroth Stang, Rosa Luxemburgo, Olga Benário, Joana D‟arc, Maria Quitéria, Margarida

Alves, Maria Madalena, Madre Teresa, Zilda Arns e Maria Bonita, cada uma com as suas

qualidades e singularidade existentes, pois um Sin-signo pode envolver um ou vários quali-

signos. Todas essas mulheres marcaram a sua época de acordo com o seu modo na vida.

Novos sinssignos são revelados quando após a leitura do texto uma estudante vestida em uma

camisa vermelha se apresenta com os nomes de todas as companheiras presentes afixados na

mesma. Cada uma dessas mulheres são seres únicos com suas particularidades representadas

pelo sin-signo (segundo a imagem 5).

4.2.4 O particular em função da classe que o signo pertence

A forma redonda desenhada no chão é um arquétipo do Planeta Terra com seus traços que dão

a ideia do mapa mundial, e também de uma grande árvore com terra na base do seu tronco. A

árvore fincada na terra e os continentes rodeados pelo mar seguem um padrão. Essas

realidades já convencionadas fazem com que o leitor e a leitora se sintam diante de uma

árvore-mapa. Os diversos nomes de mulheres apresentadas fazem parte da História. As suas

particularidades presentes nos sinssignos são integradas em um conceito generalizado, já que

todas foram de vanguarda e construíram a sua história na coletividade. O nome das mulheres

que estão em tarjetas na camisa vermelha do MST vestida por uma educanda, pertencem a

classe do Curso Letras da Terra que forma a ala feminina da Turma Patativa do Assaré.

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4.2.5 O ícone: a imagens dos quali-signos

Na Mística “Somos Marias” são varias qualidades incorporadas nos ícones em especial nos

nomes das mulheres espalhados na árvore-mapa e os nomes que estão em tarjetas fixados na

camisa vermelha, que por suas qualidades internas criam uma relação com o objeto da

Mística: “Somos Marias”

Os nomes são ícones representando qualidades bem conhecidas para a Turma Patativa do

Assaré, como a persistência da poeta Cora Coralina, anciã, que viveu em um mundo

masculino opressor e esperou anos para publicar seus poemas. O preconceito sofrido por

Maria Madalena e sua determinação em permanecer ao lado de Jesus Cristo sendo a única

mulher em um grupo de homens que a discriminava. A coragem de Dorath Stang que mesmo

sendo ameaçada por fazendeiros permaneceu na luta, sendo assinada por pistoleiros. A

firmeza na luta de Olga Benário, também assassinada a mando de homens reacionários. A

determinação de Joana D‟arc, que para participar da luta se transvestiu, sendo queimada viva

por homens. Maria Bonita, que rompeu com os padrões da sua época, não se submetendo ao

estabelecido foi decapitada por homens. Em fim, cada uma das mulheres apresentadas é um

ícone na História do Brasil ou Geral e são independentes do objeto que lhes deu origem,

neste caso, a Mística como o tema “Somos Marias”.

As mulheres citadas que atuaram na guerra, na política, nas artes, saúde, espiritualidade e

cangaço, por ser um existente individual com suas propriedades, são ícones e seus nomes são

utilizados nesta Mística para aclamar as suas qualidades e usufruir do grande poder sugestivo,

e metafórico da mensagem “Somos Marias”.

Os ícones com suas qualidades internas representam seus objetos também por apresentarem

semelhanças na aparência como a imagem da árvore-mapa, a qual é bastante ambígua se

referenciando a uma árvore com seus frutos, os canudos escritos, porém observando

atentamente percebe-se o mapa do Brasil na parte central da expressão grafo-plástica. A

ambiguidade é proposital já que a imagem que representa o Brasil é a mais definida e o

restante que sugere ser o mundo inteiro é disforme se assemelhando mais aos galhos da copa

de uma árvore. A mesma ambiguidade é aplicada na cor azul, que tanto pode ser a água do

mar como também o azul do céu, ficando o poder representativo no nível da sugestão.

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4.2.6 As indicações dos sin-signos

Os sin-signo se incorporam nos índices e no ato Místico “Somos Marias” a referencilalidade é

direta, dirigindo a retina mental do interprete para o seu objeto através da leitura dos nomes.

Os índices são existentes e singulares com suas marcas e vestígios possibilitando a associação

dos nomes dessas personagens históricas posicionados na árvore-mapa como frutos e água,

com os nomes das mulheres do Curso Letras da Terra, que estão cobrindo a camisa vermelha

vestida pela companheira.

Os frutos diferentes produzidos pela mesma árvore estão com as marcas das fitas coloridas em

cada canudo, nas cores da bandeira nacional e vermelho indicando a relação com esquerda

revolucionária e com a pátria Brasil. É o mesmo vermelho da camisa vestida pela educanda,

onde está o nome das mulheres do Curso Letras da Terra, que estão fora do círculo, fazendo

assim a conexão dos dois grupos de mulheres, dando a ideia de continuidade na Mística

“Somos Marias”.

Imagem 29 - Índices - o canudo Imagem 30 - o canudo desenrolado Imagem 31- Tarjetas com nomes

É interessante frisar que a expressão grafo-plástica deste ato Místico é toda confeccionada

com as cores da bandeira nacional: azul, amarelo, verde e branco. O azul do sabão em pó, que

com o seu odor de imediato se faz a conexão com a água que banha os continentes, sugerindo

também a vastidão do céu que serve de fundo para a árvore. O tronco da árvore é traçado

com fubá, produzindo a tonalidade amarelo ouro, a riqueza do Brasil. A copa da árvore é

preenchida com folhas verdes indicando a imensidão das florestas. As mulheres brasileiras da

Turma Patativa do Assaré, não estão dentro do círculo, porém este está fortemente marcado

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com as cores e com o mapa do Brasil fazendo a conexão das “Marias” que cobrem a camisa

vermelha, com as “Marias” personagens históricas representadas nos frutos da árvore.

O olhar do leitor e da leitora faz a continuidade entre os dois grupos de mulheres

estabelecendo a conexão, que é completada com o texto e o próprio título da Mística “Somos

Marias” um nome feminino universal presente em muitos idiomas é um Índice que se

confirma na poesia recitada:

Somos todas Marias

Bonitas, formosas, guerreiras, literárias.

Representantes do ontem, viventes do agora

Eternas militantes, Marias revolucionárias.

Somos mesmo Marias

Mães de muitos Severinos

Que não se deixam abater

E apesar dos pesares

Nas lutas vão resistindo.

(Ariadne Macedo, 2010)

A cor vermelha na camisa da companheira é a marca pessoal e coletiva de todas as mulheres

do Curso Letras da Terra, carregada de valores e sentimentos como indicação de serem

eternas militantes, Marias revolucionárias, Mães de muitos Severinos.

4.2.7 Os legi-signos dos símbolos

Toda a configuração da mística sinaliza um ideal de militante através das fortes características

individuais que marcam cada personagem histórica apresentada. São Legi-signos que indicam

símbolos a serem admirados como código padronizado de mulheres extraordinárias. Como

exemplo a admirável Rosa Luxemburgo conhecida por toda Turma Patativa do Assaré tema

de inúmeras Místicas, famosa pelas suas múltiplas qualidades. Quando criança deficiente e

poliglota, na adolescência advogada e militante, adulta torna-se doutora intelectual e

revolucionaria. São ícones que sofrem alterações e passa a ser um novo signo. Rosa

Luxemburgo é um Símbolo para o movimento feminista pelo fato de ter se construído como

mulher independente tanto no plano político com pessoal. Fez política debatendo com os

maiores teóricos do partido e é um símbolo no MST cultuada pelas suas qualidades de

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militante e dirigente: estudiosa, disciplinada, sensível, atuante e coerente com seus ideais

políticos.

As generalidades presente no legi-signo indicam um novo signo, em uma semiose em

constante movimento, em que um signo sempre enviará a um novo signo. Aqui as qualidades

apresentadas são símbolos em: Rosa Luxemburgo, Olga Benário, Tarsila de Amaral, Joana

D‟arc, Margarida Alves, Cora Coralina, Doroth Stang, Maria Quitéria, Maria Madalena,

Madre Teresa, Zilda Arns e Maria Bonita frutos de uma mesma grande árvore-mapa que

ocupam o mundo inteiro na expressão grafo-plástica.

Para que as mulheres, símbolos apresentados na árvore-mapa, passem a ter uma a relação com

o nome das mulheres que estão na camisa vermelha, os valores sócios culturais presentes nas

interpretes são valorizados através do texto, o qual de uma forma explícita afirma esta relação:

Somos Marias por que somos bonitas

E somos bonitas porque somos Marias

Somos bonitas porque somos mulheres

E porque sabemos viver com alegria

Somos bonitas porque entendemos

Que a força feminina faz toda diferença

Na construção da história

E como mulheres não devemos esconder

Atrás dos medos nossos erros e nossas glórias

Somos Marias que cuidam da casa

Dos homens frágeis escondidos em suas fortalezas

Somos Helenas, Dorotis, Rosas e Coras

Marias incontáveis de incontáveis grandezas.

(Ariadne Macedo, 2011)

São signos que representam nesta situação o objeto, “Somos Marias‟ que simboliza todas as

mulheres fazendo a associação das educandas do Curso Letras da Terra com as que estão na

grande árvore. Estas, as famosas, indicam acontecimentos, valores e ideologias que se firmam

no Legi-signo e evoluem para símbolos. É um processo de significação em que um signo

remete a outro signo: – os nomes das companheiras do Curso Letras da Terra e que antes de

se expor ao publico estava protegida debaixo de um grande símbolo do MST, a sua bandeira.

A bandeira do MST foi destacada nesta Mística sendo o elemento surpresa pelo fato de estar

cobrindo a companheira que carrega no corpo todas as Marias. No momento em que a

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bandeira é descoberta e estendida, o Hino do MST, outro poderoso Símbolo do Movimento, é

entoado, assim a Mística “Somos Marias” é encerrada.

4.2.8 O efeito do símbolo no intérprete

Todo signo está para um objeto, assim como todo objeto está para o interpretante em três

níveis: rema, dicente e argumento. É por meio do interpretante que as identidades das

mulheres da “árvore-mapa” e das que ocupam a camisa vermelha, são construídas através da

leitura e interpretação dos signos que se complementam: o qualitativo-icônico com o

interpretante remático; o singular-indicativo com o interpretante dicente; e o convencional-

simbólico com o interpretante argumento.

Imagem 32- intérpretes Imagem 33 - intérprete s

O interpretante rema é um signo de primeira categoria, produzindo no seu interpretante efeitos

de possibilidades qualitativa-icônicas. Na primeira leitura dos ícones, os canudos distribuídos

nas árvores podem não serem frutos, apenas nomes presentes de mulheres com suas

qualidades. Como também pode ser uma árvore produtora de frutos que alimenta a

humanidade, ou uma expressão grafo-plástica que representa o Planeta Terra. São inúmeras

leituras e interpretações que podem ser realizadas através das qualidades apresentadas nos

ícones.

Observando com mais profundidade, o interpretante dicente vem à tona, comprovando ou não

as informações e hipóteses que foram contempladas no primeiro momento, através da

existência dos índices, para os quais o intérprete dirige o olhar: os nomes que são frutos da

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árvore e os que estão na camisa vermelha podem despertar uma reação crítica no intérprete:

“Somos Marias” as mulheres celebres da árvore-mapa e as mulheres da camisa vermelha são

todas Marias? As mulheres da camisa vermelha possuem as qualidades indicadas pelas que

estão na árvore-mapa? É a interpretação particular de cada interprete dizendo sim ou não à

mensagem emitida pelos signos. É o interpretante dicente apresentando uma qualidade

singular cuja existência é real no signo. Como a linha circular que envolve a expressão-grafo

plástica, um signo dicente, cujo efeito interpretativo faz com que os leitores e leitoras da

Mística não ultrapassem esta linha marcada permanecendo às margens do círculo.

O Argumento é um signo que exige um raciocínio complexo, um signo de lei. O interpretante

raciocina dentro das sequencias lógicas do legissigno simbólico, e a interpretação é realizada

através de premissas que levam a uma conclusão verdadeira.

O interpretante argumento pode concluir que “Somos todas Marias, eternas militantes, Marias

revolucionarias”, tanto as Marias da grande árvore que ocupam o mundo, como as Marias que

ocupam a camisa vermelha do MST vestida pela companheira. Os elementos que reúnem

todas as Marias foram construídos, sob os três aspectos complementares da semiótica

aplicada: o qualitativo-icônico-remático, o singular-indicativo-dicente e o convencional-

simbólico que conduzem ao interpretante Argumento. Como exemplo na afirmação: “Rosa

Luxemburgo é vermelha”. É um rema que produz no seu interpretante efeitos de

possibilidades qualitativas. “Rosa Luxemburgo é vermelha porque dedicou toda a sua vida a

causa socialista”. É um dicente que comprova a existência das qualidades através dos índices

e sin-signos. Então se conclui que “todas as mulheres que se dedicam a causa socialista são

vermelhas”, como as que estão cobrindo a camisa vermelha. Este é um signo argumento, um

raciocínio dentro das sequências lógicas apresentadas na Mística “Somos Marias.”

Essa transformação de um signo de uma categoria para outro, só é possível com a participação

do intérprete, através da leitura dos ícones, índices e símbolos modificando o signo,

valorizando as mulheres da Turma Patativa do Assaré ao relacioná-las com as personagens

históricas apresentadas visando produzir identificações emocionais, culturais, politicas e

intelectuais

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Há nesse ponto de vista um indicativo mobilizador de emoções, pois as personagens que estão

na grande árvore são montadas por índices singulares, as personagens que estão na camisa,

fora do limite do circulo, passam por um novo desempenho ao serem indicadas para uma

comparação de igual para igual com as que estão na “árvore-mapa‟, provocando um signo

argumento comprovado com o depoimento da discente do Curso Letras da Terra:

Como a árvore, a mulher também produz frutos e todas as mulheres em todos os

continentes em suas trajetórias, cada qual a seu modo, de acordo a sua época

deixaram suas marcas. Algumas conhecidas mundialmente outras não. A História é

contada por homens, o que não impede que as mulheres que passaram e passam pelo

mundo deixem suas sementes que serão regadas por outras mulheres, produzindo

frutos que perpetuam a luta pela igualdade entre todos seres humanos. (CADERNO

DE MEMÓRIA, Rita de C. Queiroz, 2010).

Imagem 34 - NB Maria Bonita

4.3 A Mística “Homenagem às Orientadoras e Orientadores”

O terceiro Ato Místico analisado é “A Homenagem às Orientadoras e Orientadores,” realizado

no dia 17 de maio de 2011, pelo Núcleo de Base João Candido, com uma hora de duração. A

expressão plástica analisada consiste em dois grandes círculos interligados, sendo que no

primeiro está o nome dos orientandos e orientandas em pequenos círculos floridos. No

segundo circulo grande contém o nome de todas as orientadoras e orientadores em círculos

menores sem flores. No desenrolar do Ato Místico os ramalhetes que estão no primeiro

círculo são transferidos para o segundo.

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Imagem 35 - Círculo dos/das orientandos/as Imagem 36- Circulo dos/das Orientadores/as

4.3.1 O signo em si mesmo a qualidade

O quali-signo, com seus aspectos sensoriais, auditivo, textura e visual, estão fortemente

presentes neste ato. Na imensidão do salão redondo da recepção, onde estão grafados dois

grandes círculos unidos entre si, com suas bordas traçadas com folhas verdes. O primeiro

círculo é preenchido com os nomes que compõem a Turma Patativa do Assaré, sendo todos

agrupados de acordo com a sua orientadora ou orientador. No centro deste círculo, entre os

menores há um destacado por está circundado com flores e ser um pouco maior do que os

demais onde está escrito: Estágio, Monografia, Memorial, Artigo.

Imagem 37- Estágio, Monografia, Memorial, Artigo Imagem 38 - Cooperação e Solidariedade

No segundo grande círculo o qual também contém círculos menores preenchidos com a suave

cor preta polvilhada, estão os nomes de orientadoras e de orientadores, e no seu centro um

círculo maior do que os demais, coberto com folhas e flores, está escrito Cooperação e

Solidariedade.

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As dimensões das Mandalas e a quantidade de flores impressionam causando um grande

impacto ao intérprete, mesmo antes de iniciar o Ato Místico. Ninguém passava indiferente

diante dessa expressão artística sem parar para admirar ou seguindo seu o caminho lentamente

rodeando a Mandala. O conhecimento sensorial sendo concebido através da imagem por

ramalhetes em cada círculo. A beleza das flores coloridas é destacada no aveludado fundo

preto que lhes serve como suporte, sobressaindo mais ainda os matizes das flores.

O bem superior que norteia a estética, o efeito admirável está presente. Os dois círculos

grandes formam um conjunto harmonioso, repleto de detalhes em 38 círculos menores que

estimulam a contemplação, a reflexão estética despertando emoções e apreciação da

expressão plástica grafada no chão da recepção. Na realização das Místicas há sempre o

esforço para que a beleza seja predominante, de forma que receptor da mensagem se sente

dignificado em pertencer aquela comunidade ali desenhada, enfeitada, em estar em contato

com este mundo mostrado com arte.

4.3.2 O signo em si mesmo com a singularidade e em relação ao seu objeto

A canção “Tocando em Frente” dá o tom do Ato Místico com todo o seu poder de comover

fazendo a abertura para a ação quando os educandos e educandas são conduzidos, para o

grande círculo que contém os nomes da Turma Patativa do Assaré. Entram devagar a mirar o

círculo florido onde estão os nomes em manuscrito escritos a dedo, vasculhando todo o

espaço místico com seus inúmeros sin-signos presentes. O volume da música é diminuído e

uma apresentadora vestida de azul dar início a leitura do texto alternando as falas com outras

apresentadoras vestidas de túnicas vermelha e branca, desenvolvendo assim o ato Místico.

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Imagem 39 - Apresent. de azul Imagem 40 - apresent. de branco Imagem 41 - apresent. de vermelho

A Mística “Homenagem às Orientadoras e Orientadores” é um evento existente, real e único,

que ocupa um lugar no Centro de Formação Carlos Marighella durante uma hora de atuação.

É um Sin-signo possuidor de qualidades únicas que se relacionam com dezenas de existentes:

as orientadoras e orientadores cada um com suas singularidades em relação aos seus

orientandos e orientandas. Estes apontam para outros existentes como as suas respectivas

monografias, estágio, artigo, memorial e como diz Santaella “em um campo de referências

que se perde de vista”. O Sin-signo provoca uma ação e reação no intérprete diante da

percepção de tudo que é visto, admirado e sentido neste ato Místico.

O universo ao qual pertence o Índice apresenta uma conexão por ter qualidades em comum

com o seu objeto por meio do seu singular. Aqui neste ato místico o Índice é atuante no

momento em que as apresentadoras convidam o orientando a colocar as flores que estão no

circulo que contém os seus nomes, para serem depositados no outro grande circulo onde está

grafado o nome da orientadora ou orientador. Este gesto é uma indicação profunda, pois tanto

as perguntas como as respostas são repletas de valores e sentimentos: carinho, dedicação,

responsabilidade, afeto, ânimo, confiança, gratidão, compreensão e solidariedade. São índices

os gestos, as falas, o movimento das orientadas, orientandos e apresentadoras que conduz o

desenrolar da Mística através do dialogo:

“- Sou Mavanier. Estou aqui para ajudar sem me cansar. Quero ser parte desta obra

de arte, seja do estágio ou da monografia. Quero partilhar a rebeldia sem medo de

deixar acontecer a vitória. Quero ser parte desta história e deixar marcas profundas

na memória. Por isso venham: Ariadne e Joélito. Digam o que trazem para

colaborar?”

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“- Trazemos letras e flores, carinho e muita responsabilidade. Queremos vencer e

construir, por isso queremos progredir, escrever e elaborar. Ajude-nos e nos faça

triunfar com a tua capacidade.”

“- Eu sou Arolda, gosto de literatura. Caminhei com vocês por todos os lugares

levando poesia e a alegria. Sinto que vocês cresceram e alcançaram a maturidade.

Mas ainda há um ultimo degrau para subir. Venha Elza, quero ver no teu olhar o

compromisso e o empenho. O que trazes para colaborar?”

“- De onde venho trago flores para você. Trago poesia e alegria. Trago animação

para que possamos trabalhar sem desanimar.”

“- Sou João Pinto. Professor da primeira etapa. Junto com vocês construí a

capacidade de sonhar e servir. Estou à sua disposição para ajudar nesta elaboração

sem medo de errar. Quero participar, ser membro dessa grande construção. Por isso

venham: Carlos Magno, Mônica e João Paulo. Digam o que trazem para contribuir?”

“- Trazemos muito empenho. Vontade de estudar e desvendar nossas raízes.

Compreender melhor as cicatrizes que o tempo de exploração construiu. Trazemos

flores para perfumar o caminho que é para nós o maior gesto de carinho”.

Imagem 42 -Índice - orientadora Imagem 43- Índice - orientadores

É importante ressaltar que aqui a ética tem o seu lugar como a ciência orientadora, a teoria da

ação auto controlada é fio condutor neste momento da Mística, buscando fundamentar as

ideias através de uma boa conduta em relação a todos os trabalhos necessários para a

conclusão do Curso Letras da Terra. É o esforço da vontade em relação a atitude certa com os

estudos a fim de concluir o Curso.

A terra preta peneirada que serve de base para a escrita dos nomes, faz a conexão com a

identidade dos orientandos e orientandas que são do Curso Letras da Terra. E quando os

orientandos transferem as flores dos seus círculos para os das suas mestras e mestres fazem a

ligação entre os dois conhecimentos ao qual o orientando está ligado: a sua orientadora ou

orientador. Este índice é um gesto muito bonito e profundamente significativo porque

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concretamente indica que a orientanda e o orientando estão dando o melhor de si: a dedicação,

o carinho, a gratidão em troca da compreensão e solidariedade que lhes dedicam suas

orientadoras e orientadores.

O índice neste ato Místico também apresenta as propriedades transmitidas pelas cores da

bandeira da Bahia nas roupas das apresentadoras: vermelho, branco e azul, fazendo uma

relação com a as cores do timbre da UNEB (Universidade do Estado da Bahia) que coordena

o Curso Letras da Terra e da qual fazem parte grande número de orienadoras e de orientadores

representados nesta Mandala.

4.3.3 O ato místico e o seu objeto dinâmico e imediato

Ainda em relação ao objeto através da referência do quali-signo, sin-signo vistos na primeira

tricotomia do signo; do ícone e índice vistos na segunda tricotomia está presente a relação do

signo com o seu referente objeto: os objetos dinâmico e imediato.

O objeto dinâmico neste ato Místico é algo que está ausente no signo, sendo a referência

última que engloba todo o contexto que inclui orientadoras/orientadores e

orientandas/orientandos, todo esse conjunto, todos os signos presentes contidos nesta Mandala

tem sua origem no seu objeto dinâmico: o Curso Letras da Terra.

O modo como o Curso Letras da Terra é evocado e referido em “A Homenagem às

Orientadoras e Orientadores”, é através do seu Objeto Imediato, que está à mostra neste Ato

Místico e que dá acesso ao objeto dinâmico através dos educandos e educandas que compõe a

classe do Curso Letras da Terra ao qual estão associados todas as qualidades, singularidades,

ícones e índices.

O signo presente analisado que homenageia as orientadoras e orientadores é um recorte do

Curso Letras da Terra comprovado em uma realidade concreta, por meio dos nomes presentes

em um círculo que compõe a classe de estudantes do Curso, com o outro círculo que contém

os nomes dos profissionais que têm uma relação direta com esses estudantes, conforme os

exemplos nas imagens 44, 45, 46 e 47.

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Imagem 44 - Orientadas Imagem 45 - Orientador Imagem 46- orientadas/os Imagem 47 - orientadora

4.3.4 O signo em relação ao seu objeto terceiro: símbolo

Na Mística “Homenagem as Orientadoras e Orientadores” o signo com as suas qualidades de

ícone, sempre indicando determinado objeto que em um processo contínuo, torna-se símbolo,

como a fértil terra preta na qual está desenhado o nome de cada pessoa representada nesta

Mística. Todo símbolo inclui dentro de si quali-signos-icônicos e sin-signos-indiciais. Isto

acontece através das qualidades transmitidas na similaridade das imagens e também pela

convenção cultural ou pacto coletivo que determina que flores representem afeto, respeito,

carinho, atenção e gratidão.

Este ato Místico em si é um símbolo, uma abstração de um concreto através dos seus

inúmeros círculos, os quais são considerados como um dos maiores símbolos da experiência

humana, usados em rituais por todas as civilizações desde os tempos primitivos. Os círculos

que formam uma Mandala favorecem a concentração, integração e união de todos que estão a

sua volta. Segundo Carl Jung, é um símbolo presente no inconsciente coletivo, uma forma

com alto poder de sensibilização e que de acordo o seu conteúdo provoca sentimentos

profundos a povos de qualquer nação ou continente. No centro do primeiro círculo, para onde

naturalmente o olhar se dirige, pois os círculos exercem essa atração, estão as metas dos

estudantes do Curso Letras da Terra: estágio, monografia, memorial e artigo. No centro do

outro círculo a complementação do que é necessário para atingir essa meta: compreensão e

solidariedade por parte dos orientadores e das orientadoras.

O signo não-verbal dentro de uma Mística assume diversos significados dependendo do

contexto que está inserido. A modificação de uma imagem pelo seu contexto quando as flores

são depositadas junto ao nome das orientadoras e orientadores, o ícone torna-se um índice

com todas as referências que as flores possuem, simbolizando o carinho e a gratidão dos

educandos e educandas com a sua orientadora ou orientador.

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Este símbolo cresce à medida que há uma reflexão, nesse caso, percepção que o orientando

está dando o melhor de si: flores organizadas em buquê para suas orientadoras e orientadores,

selando o compromisso entre esses legi-signos. Simboliza também o acordo por parte das

orientandas e orientandos em serem responsáveis, levando letras, poesia, alegria, vontade de

estudar e de progredir, escrever e elaborar, com vistas à realização dos estágios

supervisionado II e II e a escrita dos textos científicos: a monografia, memorial e artigo.

E a Mandala neste ato é um ícone que representa a associação de todos os nomes que estão

grafados, sugerindo as qualidades que se incorporam neste objeto com todos os seus

elementos, referindo-se às/aos orientadoras/res e seus respectivos orientandos e orientandas,

os índices que completam os símbolos. E os intérpretes sobre o efeito da conexão presente na

mensagem central terão a possibilidade de construir um argumento, o sucesso na caminhada

acadêmica dependerá do compromisso de cada um/uma, segundo a função que cada um/uma

tem nesse processo. Pois os signos presentes simbolizam a necessidade da dedicação aos

estudos, a responsabilidade, a persistência, por meio da cooperação e solidariedade.

Imagem 48 – NB João Candido

O Santaella (1995, p. 69) diz que “na produção e utilização prática dos signos, estes se

apresentam amalgamados, misturados, interconectados” de uma maneira tão abstrata que o

intérprete não consegue perceber. Como neste ato místico estão presentes uma série de

elementos sinestésicos, a mensagem é enviada não somente pela percepção visual e auditiva,

utiliza-se outros sentidos como o toque físico no final do ato místico, ao som de “Amigos para

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Sempre. A escrivã do dia Eliane de Oliveira Santos sobre este ato Místico escreveu o

seguinte:

A mística inspira o dia, pois flores representam beleza, serenidade, amor, paixão,

enfim exalam sentimento, e assim começou o dia homenageando as nossas

orientadoras que são Helânia, Jucilene, Nalva, Guilhermina, Paulo Cesar, Irene,

Solange, Crisna, João Pinto, Josinéa, Arolda, Mavanier, Nelcida, Nelma, Cecília,

Djacira e outras, nomes escritos no chão que recebiam de seus orientandos buques

de flores, foi uma linda mística, fazendo muitos chorarem no final.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo semiótico das Místicas e das Mandalas produzidas pela turma Patativa do Assaré foi

realizado por meio da pesquisa participativa; sendo assim, a informações socializadas aqui

foram co-construídas, pois ao mesmo tempo em que era a pesquisadora estava inteiramente

envolvida nas produções e recepções desses signos.

Para a interpretação dos signos linguísticos que constituem as Místicas elegeu a Semiótica

como ciência, pois esta permite que o pesquisador/intérprete/leitor penetre no próprio

movimento interno das mensagens, no modo como elas são geradas, nos procedimentos e

recursos nelas utilizados. (SANTAELLA, 2005).

Essa ciência tem como corpus de investigação o processo de significação, isto é, a relação do

intérprete com o signo e desse com os seus interpretantes imediatos como os ícones, os

índices e os símbolos. Nesse sentido, a pesquisa trouxe como resultados:

(1) A Semiótica é uma ciência eficaz para o estudo das Místicas e das Mandalas, pois

esses signos não -verbais são construídos por imagens, sons, cores, movimento, uma gama de

linguagens que se apresentam em forma de ícones, índices e símbolo;

(2) A Semiótica contribui na operação com os signos não-verbais, pois possibilita que a

linguagem seja lida como faculdade que permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o

pensamento e as formas de pensar, a ação e os modos de agir, como produto e produção

cultural nascida das práticas sociais, conforme as análises apresentadas nos últimos capítulos;

(3) A Mística para os dicentes do Curso Letras da Terra é um símbolo do MST, portanto

um signo cultural, pois possui em si um sentido histórico, social, político e artístico. E a sua

vivencia no curso de Letra da Terra funcionou como um espaço para a socialização do que os

estudantes vivem e sentem em relação ao movimento, ao curso, aos educadores e aos

companheiros/ companheiras;

(4) A Mística é um signo que contribui para a evolução intelectual e política dos/das

educandos/educandas, pois os levam a refletir sobre o seu fazer e ser no contexto da

universidade e do movimento;

(5) Quanto às aprendizagens possibilitadas por meio das Místicas sinalizamos algumas: a

elevação do nível de envolvimento entre todos/todas, capacitação de cada um(a) e do coletivo

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para a realização de ações com maior autonomia. Reflexão, a partir da vivência do “mistério”

e estabelecimento de diálogos reflexivos entres os participantes;

(6) A Mística também se configura como uma ação educativa emancipatória, isto é, a

condição de ter acesso a conhecimentos que não são contemplados no currículo do curso.

Uma vez que os/as educandos/as, na elaboração das Místicas tem autonomia quanto à escolha

do tema, da forma como irão significar tal temática assim como a eleição dos signos e

símbolos a serem apreendidos pelo coletivo;

(7) Foi apontado que boas Místicas são aquelas que geram novas aprendizagens, partindo

da práxis, ação-reflexão-ação;

(8) Quantos aos signos eleitos na produção das expressões plásticas, a pesquisa apontou

que a escolha é motivada frente ao efeito que esses irão produzir. Sendo assim, devem ser

utilizados signos que são capazes de mobilizar o sentimento de pertencimento, de

coletividade, dentre eles, os legi-signos como a bandeira, o hino e demais símbolos que fazem

alusão a ideologia do MST;

(9) A Mística é um legi-signo que contribui para a evolução intelectual e política dos

educandos e educandas, pois os levam a refletir sobre o seu fazer e ser no contexto da

universidade e do movimento.

(10) Os acontecimentos e temáticas representados no ato Místico só completam sua ação

como signos nas suas relações com o interpretante, o que inclui os fundamentos presentes – os

quali-signos, os sin-signos e os legi-signos – interpretantes imediato de um interpretante

dinâmico, através dos três níveis de interpretação: o imediato; o dinâmico e o final, conforme

as análises das três Místicas apresentadas no quarto capítulo.

Nesse sentido, inferimos que a produção e a recepção das Místicas e das expressões plásticas

pelos (as) educandos (as) possibilitam que os estudantes desenvolvam suas competências

linguísticas e a capacidade de analisar e interpretar signos não-verbais como sistemas de

comunicação.

Na elaboração das Místicas os discentes de Letras se vêem como os protagonistas do

processo, e não apenas consumidores e reprodutores. O que significa uma pratica educativa

emancipatória com vistas ao desenvolvimento conjunto das autonomias individuais junto ao

coletivo.

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Considera-se, relevante que os educadores e as educadoras conheçam acerca da Semiótica,

para que sejam capazes de estabelecer a leitura e interpretação de diferentes signos não-

verbais, atentando-se para os modos de condução do pensamento de seus discentes como

intérpretes e produtores de signos.

Salienta-se que os/as letrados/as que irão atuar em escolas ligadas ao movimento terão as

Místicas e as expressões plásticas como textos grávidos de significados, o que possibilitará

leituras em diferentes níveis. Como exemplo, a leitura dos ícones – signos abertos que

possibilitam o desencadeamento de emoções, uma das funções do ato místico. Assim também,

os índices que podem provocar reações nos intérpretes e os símbolos, o argumento. Ações

interdependes em todo ato de significar.

Como foi discutido ao longo desse estudo o ato de significar depende do modo como o

intérprete reage a um signo. Nesse sentido, não há leituras fechadas, verdades instituídas. São

possibilidades de interpretações que se dão a partir do conhecimento de mundo do leitor, do

grau de envolvimento com o signo e do potencial comunicacional dos signos eleitos. No caso

das Místicas e das Mandala analisadas, essas só foram interpretadas, segundo os depoimentos

registrados, porque os estudantes do Curso Letras da Terra já internizaram conversões que

circundam a produção e a recepção desses signos.

Um intérprete que não pertence ao universo do Curso Letras da Terra, que não tem contato

com os professores, estudantes e assentados, ao contemplar um dos atos místico talvez não

passasse do interpretante emocional, comovendo com a beleza do ícone, com a

referencilalidade dos índices e ou aproximar dos argumentos dos símbolos, uma significação

ao nível da Terceiridade, entretanto uma argumentação, partindo da subjetividade.

Santaella (2005) diz que normalmente, o ser humano tem a versatilidade de interpretar

rapidamente o que ver sem mesmo deixar que o que está sendo observado possa lhe mostrar

outras interpretações que ali existem, e por falta de uma segunda chance de interlocução com

o objeto observável, as coisas ficam apenas na primeira impressão e acaba deixando de ser

compreendida na sua totalidade.

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A argumentação lógica desejada na significação de um signo é denominada pela Semiótica de

interpretante final, situado no terceiro nível, mas esta não pode ser efetivamente alcançada por

um intérprete particular, mas por uma coletividade. Entretanto Santaella (2005) adverte que

essa significação é inatingível, pois os interpretantes (quali-signos, sin-signos e legi-signos)

podem dar vazão ao que o signo tende representar, um processo contínuo, ad infinitum.

Um dos objetivos da escola é justamente possibilitar que seus discentes possam participar das

várias práticas sociais, que utilizam da leitura e da escrita na vida, de maneira ética, crítica e

democrática. Para que isso ocorra é preciso que a escola leve em conta os diferentes signos

eleitos e manuseados pelos seus discentes. E foi nesse sentido, que os estudantes do curso

Letras da Terra caminharam durante o período em que estiveram juntos do Centro de

Formação Carlos Marighela e no Campus X.

É desta forma que se festeja uma cidadania popular não-burguesa de estudar no campo,

fazer universidade em um assentamento com todo o direito de sonhar e ter utopias. E a

Mística possibilitou o fortalecimento da identidade coletiva, animar, encorajar

todos/todas, o desenvolvimento das competências linguísticas: ler, escrever, falar, ouvir e

interpretar, com vista à produção de conhecimentos como forma de evolução pessoal e

coletiva.

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