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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PAULA CAROLINA TINCANI OSÓRIO O OLHAR DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS O GRALHA SOBRE CURITIBA (1997 A 2001) CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PAULA CAROLINA TINCANI OSÓRIO

O OLHAR DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS O GRALHA SOBRE CURITIBA

(1997 A 2001)

CURITIBA

2010

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O OLHAR DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS O GRALHA SOBRE CURITIBA

(1997 A 2001)

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PAULA CAROLINA TINCANI OSÓRIO

O OLHAR DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS O GRALHA SOBRE CURITIBA

(1997 A 2001)

Monografia apresentado à disciplina Estágio

Supervisionado em Pesquisa Histórica HH067.

Orientador: Professor Doutor José Roberto Braga

Portella

CURITIBA

2010

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AGRADECIMENTOS

Esta monografia, como tantas, não poderia ter sido realizada sem o apoio de pessoas tão caras e

especiais.

À Maria Clara, por ter vindo bagunçar, alegrar e encher de amor minha vida, me

mostrando que existem coisas mais importantes que nossos umbigos. Por no auge de seus quatro

anos ter tido paciência com a minha falta e sentando ao meu lado todas as noites enquanto

estudava para me fazer companhia.

Ao meu orientador, José Roberto Braga Portella, por ter aceito o desafio e ter

contribuído com a discussão do presente trabalho. Quero deixar registrado que a escolha dele se

deu a partir de uma aula sobre Nietzsche em uma das disciplinas que mais tive afinidade no

curso, minha profunda admiração.

À minha mãe e ao meu pai por sempre terem me dado a oportunidade de escolher o meu

caminho, nunca se omitindo das broncas e dos abraços. Meu profundo amor pelos dois que

sempre estão ao meu lado.

Ao meu irmão, pela convivência simples, nem sempre fácil, mas com certeza sempre

agradável. Por ter sido, mesmo sem saber, meu porto seguro em muitos momentos de minha vida.

Às mulheres de minha vida: Gabi, Babi e Baba pelas risadas, tempo para desabafos, pela

sabedoria e solidariedade. Pelas cervejas e telefonemas sempre cheios de axé. Valeu pixixicas!!!

Ao meu namorado, Antonio, que além do apoio e do amor agregou pessoas fantásticas

ao meu cotidiano. Angelina e Seu Bem, os Tios, as meninas, véio Jackson, Cléo e Gigi sempre

boas companhias para me acolherem principalmente quando minha família não estava por perto

fisicamente.

Às pessoas queridas que a faculdade me permitiu encontar. Tais, Mi, Marina e

Marianinha...pela culinária, risadas, mais culinária, mais risadas, sempre regadas de uma boa

música e amizade... Obrigada por fazerem de todos os momentos tão especiais. Ao Filho pelos

incentivos e puxões de orelha, por ter sido sempre um companheiro nessa jornada. À todos os

colegas que fizeram a experiência da faculdade ser tão agradável.

À Martha, pelas trocas intelectuais, pelas não tão intelectuais, carinho, respeito e

admiração. Por ter me mostrado o lado branco e o negro da força. Muito obrigada.

Ao Guido pelas contribuições com o trabalho e amor com minha irmã.

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Ao Pozzatti por ter se tornado um amigo querido e me mostrado que voar é algo possível

a todos.

À Alice por ter aberto sua vida para mim e meu irmão. À família do Áureo por todo o

apoio prestado e os cuidados e carinhos com a Maria Clara.

Ao Seu Pedro, Daniel, Seu Roberto e Marina, obrigada por terem tido paciência e carinho

comigo nesse período, sempre prontos a me animar com suas brincadeiras e tornando o cotidiano

mais leve.

Às pessoas queridas da minha infância que sempre estarão junto comigo, não importa o

caminho. Aos que se foram, e dentre eles minha avó Galiare, por ter me ensinado muitas das

coisas que carrego comigo, meu amor e saudade.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico possui como tema o estudo das representações, uma vez que

tem como objeto de pesquisa as representações produzidas sobre a cidade de Curitiba na história

em quadrinho O Gralha, entre os anos de 1997 a 2001. Apesar das histórias em quadrinhos serem

pouco utilizadas como fonte histórica, será através dela que pretendo dialogar com as políticas

públicas e a imagem oficial de Curitiba e as representações contidas na fonte histórica. Dessa

forma busco apreender de forma crítica quais cidades estão ali retratadas - ou ocultadas - e com

quais finalidades. Portanto se faz necessário não apenas a contextualização do período e da fonte,

mas também o estudo e a compreensão da teoria da própria ciência histórica e seus caminhos para

abordar o presente estudo. Passear pela Nova História Cultural e seus distanciamentos e

aproximações com a História das Mentalidades, assim como suas abordagens, propostas, e

métodos, visando complementar e embasar a referida pesquisa. Será então na trilha e na

companhia de um super-herói tipicamente curitibano e suas histórias repletas de elementos

fantásticos, aliadas aos pensadores e teorias da História, assim como materiais que produziam a

imagem oficial de Curitiba que procurarei investigar os cruzamentos e distanciamentos desses

caminhos.

Palavras-chave: representação, Curitiba, história em quadrinho.

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ABSTRACT

The theme of this monograph is the study of representations, since it has as object of study the

representations produced about the city of Curitiba in the comic strip “O Gralha”, between the

years of 1997 to 2001. Although the comics are hardly used as a historical source, is through

them that I intend to engage with the public policy and the official image of Curitiba and the

representations contained in this historical source. Therefore I seek to understand critically which

cities are there portrayed - or hidden - and for what purposes. So it is necessary not only to

contextualize the period and the source, but also the study and understanding of the own theory of

historical science and its way to approach the present study. Passing through the new cultural

history and their detachments and approaches to the history of mentalities, as well as their

approaches, proposals, and methods to complement and justify this research. It will then be on

the track and in the company of a superhero typical from Curitiba and his histories filled with

fantastical elements, combined with the thinkers and theories of history, as well as materials that

produced the official image of Curitiba, which I seek to investigate the intersections and the

detachments of these paths.

Keywords: representation, Curitiba, comic strip.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 10

1 A TRAJETÓRIA DOS QUADRINHOS: DOS EUA AO BRASIL ......................................... 19

2 A CIDADE MODELO ............................................................................................................. 32

3 CURITIBA VISTA PELO SEU SUPER-HERÓI .................................................................... 42

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 57

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 60

ANEXOS ............................................................................................................................. ......... 63

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INTRODUÇÃO

A proposta do presente trabalho de conclusão de curso tem por objeto o estudo da

representação acerca da capital paranaense a partir da História em Quadrinho (HQ) O Gralha,

produzido no período de 1997 a 2001, e como tema o estudo das representações.

Pensar a cidade de Curitiba no período proposto faz com que seja necessário

entendermos que este se encontra inserido no período que popularmente ficou conhecido como a

Era Lerner, iniciada nos anos de 1970 e estendida até 2005, com a reeleição de Cássio Taniguchi,

prefeito em exercício no período tratado pela fonte histórica. A Era Lerner foi marcada pelo

continuísmo político e partidário, assim como por Planos Diretores que primavam pela

urbanização e modernização da capital paranaense, tendo como um de seus objetivos tornar a

cidade um modelo urbanístico nacional e internacional. Foi na candidatura de Jaime Lerner à

prefeitura em 1988, que se criou os slogans de campanha que enfatizavam a cidade como Capital

Ecológica e Capital de Primeiro Mundo.

Durante a Era Lerner foram promovidos projetos na área de transporte coletivo,

restauração e preservação de locais históricos, padronização da paisagem urbana, implantação de

áreas de lazer, educação e educação ambiental. São deste período a implementação do sistema

integrado do transporte público, os parques temáticos, a linha cicloviária e turística, a

revitalização do calçadão da Rua XV, a coleta seletiva do lixo, a criação da Cidade Industrial de

Curitiba, os faróis do saber. Tais projetos vinham corroborar com um Plano Diretor que pretendia

a modernidade urbana e ecológica, colocando a cidade à frente de seu tempo1.

Para Dennison de Oliveira, em seu livro Curitiba e o Mito da Cidade Modelo, a capital

paranaense passou de um laboratório de experiências urbanísticas nos anos 1970 à Capital

ecológica em 1990 com uma imagem positiva no que se refere à gestão urbana elevando-a como

um modelo a ser seguido. Entretanto ressalta o autor que tal êxito encontra-se intimamente

relacionado ao fato de o governo local ter sido realizado por um grupo hegemônico capaz de

garantir vitória política sobre seus adversários.2

Será neste contexto político que surgem diversas representações acerca de Curitiba, seja

para corroborar com o ideário da cidade modelo, seja para contrapor-se a ele. Assim as

1 OLIVEIRA, Marcio de. A trajetoria do discurso ambiental em Curitiba (1960 -2000). In http://www.scielo.br 2 OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Editora da UFPR. Curitiba: 2000. p.15

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representações oficiais visavam reforçar a positividade do cenário local, ressaltando as

experiências que se consolidaram e excluindo manifestações que as desconsiderassem3. Dessa

forma busco compreender quais representações da cidade de Curitiba estão contidas na História

em Quadrinho O Gralha, uma vez que o personagem principal se apresenta como um super-herói

curitibano, vestido de gralha e que vive na capital paranaense.

Pensar em representação nos remete à Nova História Cultural, e conseqüentemente à

quarta geração dos historiadores dos Annales onde o interesse pela mentalidade faz a história

econômica e social sofrer um recuo nas pesquisas4. Michel Vovelle aponta por mentalidade, ao

que integra o que não está formulado, ao que se conserva encoberto ao nível das motivações

inconscientes. Assim as mentalidades estariam relacionadas à lembrança, à memória, às formas

de resistências, ao inconsciente coletivo ou imaginário coletivo. Pretende-se então passar das

estruturas sociais às atitudes e representações coletivas a fim de ter como problema as mediações

entre a vida dos homens e as representações, fantásticas ou não, que estes produzem para si.5

No entanto alguns historiadores rejeitam a interpretação de mentalidade como parte de um

terceiro nível, ligado ao abstrato, de experiência histórica, mas entendem-na como um elemento

determinante da realidade histórica, como uma prática6. Assim Roger Chartier, em seu livro A

História Cultural entre práticas e representações, entende que as percepções que os homens

produzem de sua sociedade e de seu tempo através das representações estão marcadas pelas

práticas, ou seja pelas experiências, sejam elas sociais, culturais, econômicas e/ou políticas que

vivenciam. Dessa forma a representação carrega consigo as tensões das sociedades,

principalmente as que se referem à dominação de alguns grupos, produtores ou forjadores de

símbolos, simbologias e suas interpretações, fazendo com que os discursos além de não serem

neutros produzam práticas e estratégias que visem impor uma autoridade.

O historiador francês retoma Marcel Mauss e Emile Durkheim para esclarecer que os

mecanismos e esquemas (utilizados por grupos) que produzem as representações e as traduzem

como instituições sociais são originárias de “categorias mentais e de representações coletivas”.7

Portanto, seriam as representações geradoras dos discursos e das práticas do mundo social, e

através delas, pode-se apreender as idéias e as interiorizações que produzem uma certa sociedade.

3 Ib. Id. p.16 4 HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. Editora Martins Fontes. São Paulo: 1992. p.8 5 VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. Editora Brasiliense, 2ª edição. São Paulo: 1991 6 HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. Editora Martins Fontes. São Paulo: 1992.p.9 7 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações . Lisboa: Difel, 1998. p. 18

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Segundo Chartier, o principal objetivo da Nova História Cultural se daria entorno da

investigação e da compreensão “das formas e dos motivos (...) que, à revelia dos atores sociais,

traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente,

descrevem a sociedade como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse”.8 Tal estudo

levaria a elucidação de como uma certa sociedade se percebe, se forja, se mostra ou se oculta, e

quais idéias perpassam tais aspectos. Dessa forma a representação se daria pelas relações

estabelecidas entre um signo e seu significado, uma presença e uma ausência, circunscritas nas

práticas de uma sociedade. E a cognição (com sua variabilidade e pluralidade de possibilidades)

da relação signo e significado, na construção dos sentidos, nos levaria ao conceito de apropriação,

qual seja a diversidade de percepções e interpretações que um indivíduo ou grupo possa produzir

de uma sociedade, a partir de suas práticas especificas.

Assim os conceitos de representação e apropriação chartiano entendem que o social está

inserido nas práticas culturais e as classes e grupos sociais adquirem identidade nas configurações

intelectuais que constroem e representam. Nesse sentido os desenhos e enredos explicitados ou

ocultados na fonte histórica em questão podem trazer elementos que retratem a cidade e a

sociedade de Curitiba entre 1997 a 2001, suas percepções das políticas públicas e até de si

mesma.

A veiculação dos quadrinhos de O Gralha se deu no mesmo período (1997 a 2001) do

primeiro mandato do prefeito Cássio Taniguchi, herdeiro político de Jaime Lerner e um dos

representantes da popularmente conhecida Era Lerner. Neste momento político a imagem da

cidade de Curitiba como uma cidade modelo, com padrão de primeiro mundo e capital ecológica

do país já estavam fundamentadas pelas propagandas oficiais e pelos Planos Diretores da cidade.

Nesse breve contexto geral foram produzidas as histórias do super-herói curitibano, e a partir de

suas aventuras pretendo compreender e ter como objeto de estudo quais representações acerca da

cidade foram registradas em suas narrativas, dessa forma o tema do presente trabalho será o

estudo das representações. E o problema a ser seguido se refere a qual, ou quais, cidades estão

retratadas e ocultadas, e com quais finalidades, a fim de apreender se a referida fonte se aproxima

ou se distancia da imagem oficial da cidade e de sua população. Apreender quais as intenções que

permeiam as representações contidas ou excluídas do quadrinho. Buscar os pontos de

aproximação e distanciamento entre as representações do quadrinho e o discurso oficial da época,

8 Ib. Id. p.19

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assim como da imagem oficial da capital paranaense. Compreender para quem foi produzida a

fonte e por quem, e qual o direcionamento do discurso contido no quadrinho.

A utilização de manifestações artísticas como fonte histórica por muito tempo se

ambientou em torno de obras consagradas, como telas e esculturas, e foram base de estudos da

História da Arte que buscava um olhar qualitativo em materiais produzidos para e por uma elite.

Assim Michel Vovelle, em seu livro Imagens e imaginário na História, considera que essa

historia tradicional da arte gera uma dupla direção: não permaneceu indiferente ao que revelavam

as obras sobre as sensibilidades de uma época, no entanto, tendo sua atenção na qualidade

estética da obra se apresentava como uma iconografia qualitativa das elites e dos estetas.

Foi durante a década de 1960 com a republicação de Estudos de iconologia de Erwin

Panofsky que se colocou as obras e representações da cultura popular num primeiro plano, a fim

de se aproximar de uma história dos sintomas culturais, ou dos símbolos em geral. Será durante

esta década que a iconografia se torna um importante instrumento de “técnica de apoio da história

das mentalidades”9. A iconografia utilizada como fonte de pesquisa para a história das

mentalidades apesar de não excluir o caráter qualitativo buscará a quantificação e a análise serial,

como forma de se “apreender o pensamento médio a partir das atitudes e da sensibilidade

anônima dos que não podiam se proporcionar o luxo de uma expressão individual” 10

, a fim de

investigar as representações coletivas do povo.

Foi com os historiadores da Nova História Cultural que se procurou combater as críticas

ao estudo do mental, relacionadas principalmente à alegação de que o enfoque na mentalidade

supunha “uma coerência fictícia e estável de sentimentos e idéias numa dada sociedade em

prejuízo da pluralidade de sistemas de crenças e racionalidades que coexistem no interior de uma

mesma cultura, comunidade ou indivíduo”.11

Assim substituíram o termo mentalidade por

cultura, voltaram seus olhares sobre as manifestações informais e populares, e resgataram o papel

das classes sociais, da estratificação e dos conflitos sociais destacando o lugar ocupado pelos

atores históricos.

Chartier entende a representação como um instrumento indireto do conhecimento, uma

vez que sua linguagem principal se constitui pelo símbolo (sejam eles signos, atos ou objetos), e

9 VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário na História: fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade

Média até o século XX. Editora Ática. São Paulo, 1997. p16 10 VOVELLE, Michel. Op. Cit. p.17 11 CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia.

Editora Campus. Rio de Janeiro:1997. p.127

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sua conseqüente simbologia, ou interpretação. Portanto ao mesmo tempo em que a representação

traz à tona o elemento ausente, ou oculto, ilumina-o tornando exposta a sua presença, mesmo que

esta se dê pela sua própria ocultação.

Nesse sentido, os conceitos de representação e de apropriação de Chartier se constituem

como as bases para a apreensão e estudo da Nova História Cultural, que tem como foco a

compreensão e o “estudo dos processos com os quais se constrói um sentido”, assim como

“dirigi-se às práticas que pluralmente, contraditoriamente, dão significado ao mundo”.12

Para

tanto se faz necessário articular os conceitos principais com o mundo social no que se refere à:

classificação e delimitação que geram as diversas exteriorizações intelectuais que implicam nas

múltiplas e contraditórias construções da realidade por grupos diversos; às práticas que

reconhecem uma identidade social, no sentido de exibir uma maneira específica de estar no

mundo e significar simbolicamente um estatuto e/ou uma posição; e às formas institucionalizadas

e objetivadas com as quais uma coletividade ou indivíduos, denominados de representantes,

legam notoriedade e perpetuam um grupo, uma classe ou uma comunidade. 13

Pensando a partir de Chartier e Vovelle o método consiste em criar uma série, a partir de

uma problemática específica, com as imagens a serem trabalhadas com o intuito de estudá-las de

uma forma que se relacionem e se alternem, visando a complementaridade de olhares que se

permitem lançar. Michel Vovelle coloca que se faz então necessário a elaboração de um

questionário que seja “homogêneo e capaz de fornecer todos os dados pertinentes, adequado a

inquirir os problemas que o pesquisador se propõe e até, se vier ao caso, reformular sua

problemática, sugerindo correlações antes despercebidas no início da investigação.”14

Assim o

passo subseqüente seria a elaboração de um roteiro para inquirir a fonte e com seus apontamentos

tabular os conteúdos, com o objetivo de compreender, operacionalizar e visualizar as

representações, ocultas ou não, que abarcam o tema, tais procedimentos estariam relacionados ao

aspecto quantitativo do método, portanto será necessário explorar as virtualidades do estudo do

caso específico, promovendo um diálogo entre o quantitativo e o qualitativo.

Chartier e Vovelle atentam para os silêncios e exclusões – a expressão do olhar coletivo

oblíquo - no trabalho de análise das representações, pois para ambos nesses lugares encontram-se,

12 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998. p. 27 13 Ib. Id. p.23 14 VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário na História: fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade

Média até o século XX. Editora Ática. São Paulo, 1997. p 21.

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nem sempre facilmente, as configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um

espaço. Assim as estruturas do mundo social não são um dado objetivo, mas são historicamente

produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) e constroem, portanto

processos que determinam os sentidos das coisas. São tais processos que se encontram como

objeto de uma história cultural levada a repensar a relação entre o social (identificado como um

real bem real, existindo por si próprio) e as suas possíveis representações, compreendida como o

elemento refletindo ou desviando deste social. Dessa forma seriam as práticas discursivas

produtoras de ordenamento, de afirmação de distâncias, de divisões; o que implicaria

reconhecimento das práticas de apropriação cultural como formas diferenciadas de

interpretação.15

Estudos recentes que abarcam a questão do uso de fontes texto-visuais na pesquisa

histórica colocam em seu centro tanto as especificidades de tais fontes como contribuições para

as propostas metodológicas. É o caso, por exemplo, do artigo de Michele Bete Petry16

que coloca:

Construir uma narrativa da História sobre os processos sociais,

políticos, econômicos e culturais desenvolvidos em diferentes tempos e espaços implica apreender as subjetividades que

circulam e se movimentam por eles. Nesse sentido, os estudos

mais recentes da História Cultural nos indicam uma série de

“novos” caminhos para alcançarmos análises mais adequadas de um cotidiano bastante fluído. Temas antes pouco visitados e

territórios pouco visibilizados têm ganhado espaço nesta

perspectiva, como as representações históricas por meio das expressões gráficas de humor. À medida que portam discursos

sobre tempos e memórias, as caricaturas, charges e cartuns

constituem-se em fontes significativas para a construção de narrativas históricas.

17

No que se refere especificamente a um método de análise das Histórias em Quadrinhos,

tanto o artigo de Petry como o de Nadilson da Silva intitulado Elementos para a análise das

Histórias em Quadrinhos convergem. Petry ressalta que a relevância das fontes texto-visuais se

15 CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998. p. 26-28. 16

PETRY, Michele Bete. As expressões gráficas de humor na História: Uma metodologia de leitura para as

fontes texto-visuais In: Anais do II Encontro Nacional de Estudos da Imagem. Londrina: Universidade Estadual de

Londrina, 2009 17 Ib. Id. p. 840

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dá principalmente pelo fato de serem produtos da vivência cotidiana e, dessa forma, estas estão

marcadas pela carga de seu próprio tempo e pela memória coletiva. A autora entende que

metodologicamente deve-se analisar a parte gráfica e a parte textual em conjunto. No entanto

Silva esmiuça mais detalhadamente a sua proposta metodológica e inicia seu texto com a

definição de história em quadrinhos a partir de conceitos de alguns especialistas do tema18

.

Entende-se para o autor citado, assim como para o presente trabalho que o termo HQ se

refere a “um tipo de linguagem que, utilizando-se da combinação de textos e desenhos, conta uma

história.” Onde “o desenho é o principal diferencial da linguagem dos quadrinhos e em geral

utiliza-se de balões textuais e tem por essência ser uma arte sequencial, ou seja, um

encadeamento de quadros.”19

Silva ressalta que apesar dos códigos linguístico e imagético

poderem ser separados para análises individuais e posteriormente reagrupados, o mesmo não

pode ser feito para a leitura das HQs. Assim o código imagético se atém às formas, traços, cores,

sombras e enquadramentos que indicam características dos personagens, lugares e ações; e ao

código linguístico que se apresenta através dos balões e ferramentas linguísticas que podem

expressar sons, na falta do som real, e a diversidade dos traços e tamanhos das letras que

caracterizam a intensidade desse som.

Indica ainda o referente artigo que os conceitos utilizados para estudar os quadrinhos são

oriundos da narrativa cinematográfica. No entanto ressalta Silva que enquanto no cinema os

quadros estão em movimento, nos quadrinhos os mesmos sugerem o movimento e, possibilitam

ao leitor controlar a velocidade da leitura. Dessa forma os elementos que se relacionam ao

universo cinematográfico e às HQs, e que devem ser observados são oriundos da tentativa de

representar a tridimensionalidade no papel bidimensional, assim surge o enquadramento ou

plano. Estes são divididos em plano geral (observa-se todo o ambiente); plano total (as dimensões

do espaço estão próximas aos personagens); plano americano (mostra o personagem a partir do

joelho); plano médio (mostra o personagem da cintura para cima); primeiro plano (dos ombros

para cima) e plano de detalhe (foca numa parte especifica de um objeto ou personagem). Os

planos estão relacionados a uma carga de expressividade que pode ser notado pela diversificação

18 Nadilson da Silva se apropria dos conceitos de HQ formulados por autores e profissionais dos quadrinhos como

por exemplo Will Eisner e MacCloud. 19 SILVA, Nadilson. Elementos para a análise das Histórias em Quadrinhos. In: INTERCOM – Sociedade

Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo

Grande/MS – setembro 2001. p 1

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de formas, tamanhos e tracejados. Essas variações dependem do tempo e do espaço que se quer

representar.

Existe também como elemento complementar a análise do enquadramento, o ângulo de

visão, que indica o ponto a partir do qual se observa a ação e estes podem variar de médio (altura

dos olhos), superior (ação vista de cima) e inferior (abaixo dos personagens). Outro elemento

significativo para a análise seriam os balões que também variam as formas das linhas que os

delimitam indicando expressividades como gritos, irritações, sussurros, pensamentos, vacilações

vocais, pausas, entre outros.

Para Nadilson Silva a estrutura de análise dos termos colocados acima visa não uma

apreensão semiótica, mas um exame das estruturas visuais “intensionando procurar elementos nas

histórias que expressam códigos sociais. Entretanto essa perspectiva tende a exagerar a leitura de

certos códigos para que o significado “escondido”20

na mensagem possa ser revelado.”21

A grande maioria dos quadrinhos é publicada em forma de revistas. Apesar de O Gralha

ter sido veiculado num suplemento de jornal podemos perceber algumas semelhanças com os

gibis como: ser editado regularmente; conter personagens que se repetem, assim como o

envolvimento entre os personagens e a presença de características específicas dos personagens

como humor e padrões comportamentais.

Silva termina seu texto indicando que existe uma relação entre as HQs e a realidade

social. Para o autor entender os elementos que compõe os quadrinhos deve ser feito a partir do

contexto que estes criam e devem ser relacionados às experiências e cotidianos dos leitores, uma

vez que as histórias sequênciais problematizam o cotidiano e as experiências dos mesmos. Assim

se faz necessário averiguar de que maneira as histórias são contadas e para quem, pois existe uma

proposta por parte da história de maneiras de se observar a realidade dentro dos limites das

mesmas.

Sendo assim compreender a representação da sociedade curitibana e da própria cidade

no HQ O Gralha nos faz ter de observar um instrumental metodológico que nos possibilite

apreender sua estrutura visual, a da linguagem e a sociocultural. Dessa forma se faz possível

20 Ou para relacionar com o pensamento de Chartier podemos pensar na presença do oculto. 21 SILVA, Nadilson. Elementos para a análise das Histórias em Quadrinhos. In: INTERCOM – Sociedade

Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo

Grande/MS – setembro 2001. P 5.

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pensar a fonte não apenas como um reflexo de seu contexto, mas carregada de autonomia

enquanto uma produção circulante por um ou diversos espaços sociais.

O uso de fontes não-verbais como possibilidade no trabalho de pesquisa histórica

verifica-se desde o século XIX quando Fustel de Coulanges afirmou que, onde o homem passou e

deixou qualquer tipo de marca acerca de sua vida e inteligência faria residir a História. Mesmo

não possuindo sua afirmação grande impacto na época, foi com Marc Bloch e Lucien Febvre, e a

Escola dos Annales, que se efetivou a ampliação das fontes históricas com a extrapolação dos

textos e documentos textuais para a produção material e espiritual humana, colocando em questão

o “desvendamento das especificidades de épocas históricas, compreendidas a partir de seu caráter

transindividual” e ampliando o diálogo da História com outras áreas de saber.22

Para Chartier23

tal

amplitude no diálogo com outras disciplinas foi oriundo do fato da história das mentalidades

buscarem novos objetos como as atitudes perante a vida, as crenças, a morte, as sociabilidades,

entre outros.

A fonte iconográfica segundo Vovelle se apresenta como base privilegiada no estudo do

imaginário24

, não apenas pela riqueza de simbologia como pelas linguagens e interpretações. Em

seu livro Imagens e imaginário na História ele se utiliza de histórias em quadrinhos para explorar

a temática da morte na sociedade contemporânea, entendendo esta como uma fonte de cultura

popular. Assim como Vovelle minha fonte histórica se constitui de um livro onde se encontra a

reunião das HQ de um personagem tipicamente curitibano, intitulado O Gralha.25

Portanto será

através das representações contidas em O Gralha que buscarei apreender quais leituras foram

impressas da cidade e da sociedade curitibana no período de sua veiculação.

22 CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia.

Editora Campus. Rio de Janeiro: 1997. P.401. 23

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1998. P. 19. 24 VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. Editora Brasiliense, 2ª edição. São Paulo: 1991. P.65. 25 O Gralha. Via Lettera Editora. São Paulo: 2001.

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1 A TRAJETÓRIA DOS QUADRINHOS: DOS EUA AO BRASIL

Traçar um histórico das histórias em quadrinhos nos remete primeiramente a pensar qual

seu local no âmbito cultural. Inegavelmente, estamos tratando de um material inserido no que

Adorno e Horkheimer26

conceituam como um produto da indústria cultural, e podemos colocar

como a principal de suas características a cultura dedicada às massas. Esta se apresenta de forma

homogênea, idêntica; se utiliza de métodos de reprodução para bens padronizados, com uma

produção em série; e implica uma uniformização de idéias, conceitos, modos, os quais servem a

um sistema político e econômico, uma vez que imprimem e repetem os interesses deste. Dessa

forma colocam os autores supracitados que “a cultura contemporânea confere a tudo um ar de

semelhança.27

” Uma vez que além do sistema de produção e distribuição, se dilui a idéia do

original e que o próprio produto carrega consigo a carga de ser oriundo (inclusive por

autoreferência) da indústria cultural.

Walter Benjamin28

em seus estudos acerca da questão da reprodutibilidade técnica

afirma que a obra de arte sempre pôde ser reproduzida, uma vez que está passível de imitação por

outros homens. No entanto, mesmo com uma reprodução de qualidade nunca se atingirá o que

constitui a autenticidade de uma obra: o aqui e agora, sua aura, que nos faz reconhecer o objeto

como especial e único. O pensador alemão acreditava que a reprodutibilidade técnica emanciparia

a obra de arte ocasionando uma democratização da mesma, sendo assim para Benjamin as

questões acerca da autenticidade das cópias não faz sentido. O autor coloca que seria da massa

que se emanaria as novas atitudes referentes à obra de arte, e que se traduziria numa imposição da

quantidade como fator de qualidade, o que altera o modo de participação dos indivíduos com a

obra, já que está inserida numa sociedade de massa e a percepção da mesma se dá coletivamente

segundo o critério da dispersão.

No caso das histórias em quadrinhos percebemos que elas têm sua origem em um meio

típico de comunicação de massa, qual seja o jornal. E a tiragem de grandes números com certeza

contribuíram para a popularização de seus personagens. Importante aqui ressaltar que ao

26ADORNO, T., HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. 2 ed. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio

de Janeiro: Zahar, 1985. 27 Ib. Id. p.113 28 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e

política: Ensaios sobre a literatura e história da cultura.

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contrário da obra de arte, nos quadrinhos os desenhos originais são diluídos pelo número de

tiragens.

Nadilson da Silva em seu livro Fantasias e Cotidiano nas Histórias em Quadrinhos

corrobora e elucida que:

As revistas em quadrinhos podem ser consideradas como um

exemplo típico do que se procura denominar sob o conceito de cultura de massa. Seu consumo está associado a um grande

público, que chega a milhões de leitores, e seu processo de

produção/distribuição segue à risca o que Adorno procurou denominar sob o conceito de indústria cultural. Com o

surgimento dos quadrinhos e do cinema temos uma espécie

de revolução no que se poderia considerar como sendo arte: os conceitos estéticos tradicionais tiveram que ser repensados,

já que se abalava um de seus pilares, que é a questão do

original. A partir daí, inaugurou-se o que se poderia chamar

de a época do reprodutível inserido na dinâmica do consumo.

29

Prosegue comentando que os quadrinhos sempre tiveram uma estreita relação com seus

leitores, seu público, que provocavam reações diversas, seja das repercussões contra personagens

e histórias que se percebiam como ofensiva a moral, e em alguns casos sofriam censura, como

empatia as que desempenhavam o papel de atrair e divertir as pessoas com personagens

tipicamente carregados de humor e constituidos por figuras ordinárias, comuns. Até os dias atuais

ainda se observa a utilização de tirinhas nos jornais como uma maneira de lazer e diversão dentro

da estrutura dos mesmos.

As histórias em quadrinhos agrupam admiradores de idades diversas e tiveram no jornal

seu nicho de origem, no final do século XIX nos EUA. Aliás a produção e divulgação de tal

forma de expressão passou por variados contornos: de tirinhas preto e branco à tirinhas coloridas;

publicações semanais à publicações diárias; espaços restritos à página inteira do jornal, e

finalmente ao gibi. Sua produção varia de grandes editoras, de alcance mundial à produtoras

locais. Assim como o público que perpassou de adultos, jovens e crianças.

29

SILVA, Nadilson. Fantasia e Cotidiano nas Histórias em Quadrinhos. Editora Annablume. São Paulo, 2002.

p.17

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21

Foram os norteamericanos os principais admiradores, produtores e difusores das HQs. No

entanto, existiram também grandes artistas europeus, como Hergé; latinoamericanos, como

Quino; e brasileiros como Maurício de Sousa. Os temas e as formas de se trabalhar os enredos e

os tipos humanos retratados também sofreram variações com o tempo, percorrendo do cômico ao

drama; dos assuntos cotidianos à ficção científica; do menino da favela ao super herói.

Na tentativa de apresentar um apanhado histórico dos quadrinhos, Álavaro de Moya

aponta em seu livro História das Histórias em Quadrinhos que o primeiro formato fixo de

quadros sequênciais, ainda com ausência de balões, e de publicação contínua (uma vez na

semana, no caso domingo) se inicia em cinco de maio de 1895 no jornal World em Nova Iorque.

O artista Richard Fenton Outcault cria um personagem, sem nome, que se apresenta como um

menino pobre dos guetos nova iorquinos vestido com um camisolão amarelo. O público passa

então a denominar a historia de The Yellow Kid. Será devido a camisola panfletária do garoto que

se batiza de jornalismo amarelo, nos EUA, a imprensa sensacionalista. Em 17 de maio de 1896 a

história aparece em seu formato original pela última vez no World, e após essa data passa a ser

publicada no jornal Journal, também de Nova Iorque, mas nesse momento a história oficialmente

recebe o título de The Yellow Kid e ocorre a inserção de balões junto aos desenhos progressivos.

Surgiria assim a linguagem das histórias em quadrinhos. A transferência de um jornal ao outro

motivou processos autorais na imprensa e favoreceu a formação de trustes, visando a distribuição

dos quadrinhos em vários países e não apenas nos EUA, que ficaram conhecidos por Syndicates.

Interessante a ressalva que Moya faz de que o garoto pobre e sem nome teve de ser

substituído em 1902 por um personagem chamado Buster Brown (Chiquinho no Brasil) garoto de

aproximadamente dez anos e de família burguesa, mas de comportamento repreensível “péssimo

estudante, agredindo seus colegas e sendo punido “ao velho estilo” por seus professores (...)

praga de empregadas domésticas, entregadores, policiais e pais. ”30

. A substituição ocorre ao que

o autor Moya, utilizando-se das palavras de Outcault, chama de “ataques de grupos

conservadores de “boas famílias”31

.

Em 15 de outubro de 1902 surge a primeira publicação totalmente em cores das HQs no

jornal New York Herald com a obra de Winsor McCay intitulada Little Nemo in Slumberland

onde o onírico, num claro diálogo com o pensamento contemporâneo de Freud, marcavam a

30 MOYA, Álvaro de. História da História em Quadrinhos. Editora Brasiliense, 2ª edição. São Paulo: 1993. p.22 31 Ib. Id. p.18

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22

história que possuía como fim tradicional, e posteriormente clichê, um menino caindo da cama e

sendo acordado, pela queda, do sonho. McCay foi o primeiro desenhista de quadrinhos a ter sua

obra num acervo de museu (Museu de Arte Moderna de NY) alguns anos após sua morte. Teve

este personagem impresso em cartões postais distribuidos pelo Correio, e em forma de animação

e musical, tamanha a popularidade atingida pela história.

No ano de 1907 surgem os personagens de Bud Fisher Mutt & Jeff (que no ano de 1933

reapareceria como uma das primeiras histórias em versão gibi), aquele um homem alto e magrelo,

apostador de corridas de cavalos na tentativa de se tornar um homem rico. E este um baixinho

gordinho resgatado por Mutt de um manicômio, e que se dizia campeão de boxe. As histórias

ganham espaço diário em tiras cobrindo a parte superior da página esportiva.

Com os quadrinhos conquistando o gosto dos leitores dos jornais vão surgindo

personagens de tipos variados: o caipira Snuffy em 1916; Gasoline Alley em 1919 onde o público

alvo eram os proprietários de automóveis da burguesia e pela primeira vez aparece um

personagem (o filho adotivo) que se modifica conforme o tempo (cresce e envelhece) e se

apresentava como uma história do cotidiano. Será também no ano de 1916 com o artista Mc

Manus e seus personagens Bringing up father (traduzido como Pafúncio e Marocas no Brasil)

que se fortalecem enredos sobre as famílias pequeno-burguesas, das famílias americanas dos

subúrbios. Em 1923 surgem a partir das animações as tirinhas de Felix the cat que devido à

popularidade foi a primeira imagem a ser apresentada na televisão na emissão da NBC em 1930.

O cunho político e/ou social, herdado das charges, em geral se apresentam pela forma

satírica e frequentemente foram retratadas em uma linha predominantemente humorística, seja

pelo Menino Amarelo ou pela Família Buscapé. Os quadrinhos sempre se apropriaram de seus

momentos históricos para criar enredos e imagens fantásticas a fim de revelar seu tempo. Seja

para trabalhar as dificuldades da população durante o Crack da bolsa em 1929, seja com a

presença de gangsters e sua onda de violência em Chicago apropriado em Dick Tracy, sejam as

questões étnicas e raciais inspiradoras de X-Men. Foi em parte devido às mudanças que

aconteciam no mundo que os tipos retratados se ampliaram: ora representados por crianças

pobres e burguesas, ora por famílias inteiras, ora por mulheres com forte traço matriarcal, ora por

super heroínas e super heróis, desbravadores do espaço, mutantes e vilões: dos tradicionais

bandidos marginalizados, à maquiavélicos gênios admiráveis, à super vilões.

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23

A partir de 1929 inicia a chamada Era de Ouro dos quadrinhos, que perdura toda década

de 3032

. Conforme os quadrinhos foram conquistando espaços exclusivos para publicação, os

gibis ou comic books, foram também na década de 1930 vivendo seu auge de apreciação editorial

e de público, o que contribuiu para que na época se mostrassem personagens e artistas

extremamente competentes. Seria devido a essa fase de sucesso que muitos quadrinhos se

tornariam animações, filmes, musicais, peças de teatro e usadas para propaganda, seja de

produtos, seja da luta norteamericana e de seus ideais durante a Segunda Guerra. Ao mesmo

tempo em que participavam do cotidiano das pessoas, algumas HQs apontavam com toda sua

fantasia o futuro, como no caso de Flash Gordon que em 1933 já denunciava que a Terra era

azul33

, ou Buck Rogers que em 1929 já usava utensílios que seriam copiados para uso dos

astronautas posteriormente.34

As narrativas deixam de se dedicar apenas ao humor, ao cômico, marcando o início do

uso de romances e da ficção científica, nos quadrinhos. Em 1931 surge Dick Tracy e com ele

transparece os reflexos da lei seca e do gangsterismo35

, os detetives se distanciam de Sherlock

Holmes e se aproximam do agente semipolicial, marginal, particular, que enfrenta o vilão-

gangster ativo, violento, sádico e atroz36

. Muitos heróis marcam a trajetória das histórias em

quadrinhos; de Mandrake em 1934, que era um mágico e ilusionista, a Fantasma em 1936 que

retratava a saga sobre a imortalidade entorno do juramento da caveira, onde o alterego nunca

morria por ser substituído pelo primogenito da família. Bruno Fernandes Alves comenta que:

Apesar de apresentarem, em alguns casos, elementos místicos

e/ou fantásticos – como em Mandrake, o Mágico e Flash

Gordon - os heróis dominantes nestas narrativas ainda eram

humanos, possuindo habilidades possíveis de serem reproduzidas na realidade, causando assim uma forte

identificação com os seus leitores. A crise econômica do final

da década de 20 contribuiu para que estas aventuras tornassem a realidade mais suportável. Mas foi um tipo de

personagem surgido no final da década de 30 que iria mudar

32Foi durante a Era de Ouro dos quadrinhos que se intensifica a prática dos ditos artistas fantasmas, ou seja

ilustradores e roteiristas que desenvolviam as histórias para serem publicadas, mas no entanto assinavam como se

fosse o criador original da obra. 33 MOYA, Álvaro de. SHAZAM!. Coleção Debates. Editora Perspectiva. São Paulo. 1970. P.183 34

Ibidem. P.188 35Ib. Id. P.42 36MOYA, Álvaro de. SHAZAM!. Coleção Debates. Editora Perspectiva. São Paulo. 1970. P.42

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para sempre a história das hq’s no mundo: o super-herói. 37

Foi com Superman em 1938, a popularização dos gibis e o inicio da utilização de poderes

sobre humanos, que na versão original dava imensos saltos, corria mais do que um trem e parava

balas com a mão ou o peito, além de ser vulnerável. Existiu um receio para a publicação do Super

Homem devido a sua história fantasiosa, afinal ele é mais que humano, praticamente um

semideus grego caminhando entre nós. No entanto com a grande aceitação dos leitores o herói

passou a adquirir cada vez mais super poderes e se tornar cada vez menos vulnerável. Lançam-se

os parâmetros para os super heróis que viriam após o superman: poderes, a ocultação da

identidade, a integridade moral, uniformes e nomes que os identificassem perante a sociedade,

tornaram-se vigilantes de cidades, uma dose de romance, e obviamente, vilões à sua altura. Abre-

se caminho para Batman, Capitão América, Flash, Thor... que recrutados para a Segunda Guerra

se reúnem num gibi entitulado Justice Society of America (atual Liga da Justiça) e lutam contra

vilões nazistas38

.

Foi na década de 1940, e mais precisamente durante a Segunda Guerra Mundial, que os

quadrinhos de super-heróis atingem seu auge e em seus enredos se reflete as questões políticas da

época, uma vez que os personagens foram recrutados para lutarem ao lado dos aliados contra os

nazi-fascistas, e reforçarem o patriotismo. Com a guerra ganha a indústria dos quadrinhos

continuam a investir nos vitoriosos super-heróis.

No mesmo período se estabelece um ataque aos quadrinhos pelas partes conservadoras da

sociedade norte americana, que impeliam críticas aos quadrinhos eróticos, ao suposto

homossexualismo entre Batman e Robin, e ao desvio de valores sofrido pelos jovens da época,

até mesmo o Super Homem foi acusado de incitar a violência e fazer com que as crianças não

respeitassem pessoas comuns. Cria-se um código de ética, pela própria indústria dos quadrinhos,

que restringia a liberdade de criação dos artistas. Não se poderia mais mostrar nus, exaltar

qualidades físicas femininas e deveria ser retratado o respeito às autoridades. Como forma de

burlar o código se diversificou os estilos e as propostas dos quadrinhos, assim como ocorreu a

37

ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: A Paródia como paradigma na construção do

super-herói brasileiro nas histórias em quadrinhos. In: INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA . 2002.

P.2 38MOYA, Álvaro de. SHAZAM!. Coleção Debates. Editora Perspectiva. São Paulo. 1970. P.66

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diferenciação do público, tais elementos possibilitaram na década de 1960 e 1970 o estilo

underground e o advento dos antiheróis.

Também na década de 1960 os super-heróis passam por uma revisão e surge o Quarteto

Fantástico que promove uma diminuição na inabalável imagem dos heróis e insere problemas do

cotidiano, da vida real e aproxima-os do tempo histórico, do tempo dos homens. Aparece nesse

contexto Spiderman que tenta traduzir com seu alterego Peter Parker, as angústias dos jovens e

representar em seus quadrinhos temas como o movimento estudantil, o consumo de drogas e a

Guerra do Vietnã.

Abala-se em 1970 o estigma do super herói inserido em um padrão de beleza, surgem

figuras como O Coisa, que usa do humor para esconder sua amargura, e Hulk expondo o lado

animalesco do homem. Stan Lee adota como estratégia de mercado a aproximação, a mais

estreita possível, dos super heróis com a sociedade e o contexto histórico. Embora as histórias em

quadrinhos nunca estivessem dissociadas do contexto histórico estas agora mergulham cada vez

mais neste. Bruno Alves, citando Moacy Cirne, esclarece que:

(...) Decerto, esta história não está fora de um contexto

político e social: a recessão e a depressão da economia

americana gerou o ciclo da ficção científica (Buck Rogers,Flash Gordon, Brick Bradford...); o apogeu do

nazismo e a Segunda Guerra Mundial concorrem para o

desenvolvimento da saga dos super-heróis; a política colonialista na África abre espaço para as aventuras de

Tarzan e Fantasma; a contracultura e os protestos sociais dos

anos 60 influenciam de forma decisiva o novo quadrinho

europeu e os comix underground.39

Noas anos 1980 surge o super-herói violento e amoral que chega até mesmo a subverter

valores sociais com o fim de defender a lei. Nesse período foi criado Watchmen que retrata

mascarados tomando o lugar da polícia e deixando o mundo, depois de vencida a Guerra do

Vietnã pelos EUA, à beira de uma guerra nuclear. Como contrapartida a Marvel resgata a

integridade moral dos super heróis.

39

ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: A Paródia como paradigma na construção do

super-herói brasileiro nas histórias em quadrinhos. P.5

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As ilustrações no Brasil, em forma de charges e que possuíam como alvo o público

adulto, apareceram em 1837 sob a autoria de Manuel de Araújo de Porto-Alegre, seguido por

trabalhos de Henrique Fleuiss em 1860 e Angelo Agostini em 1876 com suas ilustrações

publicadas na Revista Ilustrada. Este último artista possuía um traço próprio, com quadrinhos

carregados de um humor ferino e destruidor, e é considerado o grande precurssor dos quadrinhos

sequênciais no país, com trabalhos como As aventuras de Nhô Quim e As aventuras de Zé

Caipora. Para Vergueiro:

Verifica-se, assim, a precoce participação do humor gráfico na

discussão da realidade política e social brasileira, que tem uma

história de artistas combativos, cujas obras tiveram um grande impacto social.

40

Foi no inicio do século XX, em 11 de outubro de 1905, com a revista infantil O Tico-Tico

que se inicia a publicação regular de histórias em quadrinhos no país. A revista alcançou grande

sucesso e possuia a publicação de Chiquinho (Buster Brown) em cores. No entanto a prática mais

corriqueira era a da utilização de desenhos existentes no exterior, envolvendo a produção ou

tradução de diálogos aqui no Brasil. Devido a tal prática a vida de Chiquinho no país foi

prolongada, uma vez que Buster Brown deixou de ser produzido nos EUA e continuou por aqui,

agora a ser também desenhado no Brasil até 1954, chegando a ser considerado como um “típico

quadrinho brasileiro” 41

.

Apesar da prática comum de os desenhos serem decalcados de material estrangeiro e

conterem a assinatura de ilustradores brasileiros42

, alguns artistas locais galgaram seus espaços,

principalmente nos almanaques da revista, como Max Yantok, Luí Sá e J. Carlos que desde o

início da revista sempre publicaram suas próprias criações como Jujuba, Carrapicho, Goiabada e

Lamparina. A revista O Tico-Tico foi editada até o ano de 1962 e foi considerada um sucesso

editorial. Coexistiu com O Tico-Tico, e para sua concorrência, o Suplemento Juvenil que investiu

no modelo típico norte-americano de quadrinhos, inseriu os super heróis no Brasil e os

popularizou. Com a grande demanda dos quadrinhos de heróis o mercado brasileiro cria suas

40 VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público.

P. 4 41

MOYA, Álvaro de. História da História em Quadrinhos. P.34 42

Ib. Id. P.34

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próprias versões, que com exceção do Capitão Gralha (super-herói curitibano dos anos 40),

consistiam de plágios dos modelos norte-americanos.

Waldomiro Vergueiro comenta que a chegada do modelo norte-americano ao Brasil e o

fascínio do público adolescente por tal produto, angariou críticas negativas aos quadrinhos por

parte dos educadores e intelectuais. Na década de 1940, concomitante às publicações das revistas

ou suplementos de jornais que traziam os quadrinhos, lançavam-se romances em formatos

ilustrados com obras de José de Alencar e Machado de Assis, e biografias dos santos da Igreja

Católica. Apresentou-se também em forma de HQ a própria História do Brasil. Percebemos com

tais informações que além de se ampliar o espaço para os ilustradores brasileiros busca-se

ampliar o próprio público que agora passa da criança, ao jovem e ao adulto. Além da tentativa de

demonstrar a alguns segmentos da sociedade formas de se utilizar os quadrinhos para a

“transmissão de mensagens de maior conteúdo cultural.” 43

Na década de 1950 a Disney traz ao Brasil profissionais da indústria quadrinhística, com a

finalidade de treinar artistas brasileiros a desenhar seus personagens para a publicação destes.

Apesar de desde a época de O Tico-Tico existir equipes de ilustradores e roteiristas fantasmas,

com a vinda dos personagens Disney se intensifica este tipo de serviço.

No ano de 1959 um grupo de artistas se reunem para criar uma gráfica exclusivamente de

materiais brasileiros, chamada Continental, será nesta tentativa que Maurício de Sousa publica

em 1960 seu primeiro gibi, o Bidu. A tentativa não alcançou seus objetivos, incentivando

Maurício de Sousa criar sua marca e inicialmente distribuir além da Turma da Mônica obras de

Colin, Delphin e Ziraldo. Com a alta receptividade do público aos seus personagens passa a ser

publicado pela editora Globo e ganha em 1971 o prêmio Yellow Kid em Lucca.

Apesar da publicação de algumas HQs nacionais, em 1963 foi criada uma lei federal que

exigia a publicação de quadrinhos brasileiros44

e em 1983 uma lei estabelece um percentual de

HQs nacionais em jornais e revistas. Nesse entremeio a Editora Abril, em 1970, tenta relançar

um sucesso de 1959, Pererê de Ziraldo mas o projeto não obteve êxito. No entanto o espaço para

as tirinhas em jornais como Folha de São Paulo revelou ao país talentos como os de Cecília

Alves Pinto (O Pato), Daniel Azulay (Capitão Cipó), Miguel Paiva (Ed Mort e Radical Chic),

irmãos Caruso, Jaguar e Henfil.

43 VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público.

P. 6 44

MOYA, Álvaro de. História da História em Quadrinhos. P.193

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Surgiram no período da ditadura militar revistas de resistência que ficaram conhecidas por

údi-grudi. Sendo a de maior repercussão O Balão, de 1972 em São Paulo, contendo trabalhos de

Luís Gê, Laerte, Kiko, R. Borges e Angeli, e inspiradora de muitos fanzines também do mesmo

período como Dundum e Esperança no Porvir, ambas do Rio de Janeiro, Craqh no Nordeste e

Matrix e PomPom em Minas Gerais. Utilizava-se nesse período a linguagem gráfica sequencial

como um meio para a denúncia de questões políticas e sociais, carregadas de tom crítico e

destinados a leitores adultos.

Os super-heróis brasileiros do período se apropriam dos clichês norte-americanos do

gênero para satirizá-los. Surgem personagens que se apropriam do humor para lançar luz às

críticas, como Capitão Peido que tem como superpoder a flatulência que o permite voar e

Overman, de Laerte, que procura descobrir sua identidade secreta. Surgem também heróis

oriundos de baixa camada socioeconomica, de comportamento grotesco, tosco, desprovido de

grandeza, transformando o riso em protesto.45

No final da década de 1980 e durante 1990 as editoras procuram diversificar seus

produtos ampliando-os, dos tradicionais quadrinhos infantis de autores brasileiros a quadrinhos

de super-heróis para adolescentes, visando agora efetivamente o público adulto com materiais

especializados e inovando na distribuição, permitindo a assinatura dos gibis. É também nesse

período que se observa uma fase de utilização dos quadrinhos em materiais didáticos, nas

universidades, abrem-se espaços em jornais como colunas para se comentar o tema, montam-se

núcleos de pesquisa, catalogam-se quadrinhos, abrem-se premiações. É desse período a criação

da primeira gibiteca, no ano de 1982 em Curitiba, assim como a fundação do Núcleo em Pesquisa

em Quadrinho, em 1990 em São Paulo (ECA-USP).

Com a utilização de novas tecnologias pelos meios de comunicação de massa,

principalmente no final do século XX, intensificou-se a concorrência principalmente referente à

indústria do entreterimento. Dessa forma a indústria dos quadrinhos teve de, tanto no Brasil como

EUA e Europa, buscar alternativas para se manterem na concorrência. Algumas das soluções

usadas foram a diversificação dos produtos e a acomodação destes a um determinado público46

.

Com tal desestabilização as produtoras orientais de quadrinhos chamados mangás utilizando-se

45ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: A Paródia como paradigma na construção do

super-herói brasileiro nas histórias em quadrinhos. P.10 46 VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público.

P.2

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de uma estratégia que unia os seus personagens não apenas às HQs, mas também aos brinquedos,

jogos eletrônicos e animações conquistam espaço no Ocidente.

A chegada de novos produtos orientais forçou uma especialização das indústrias

quadrinísticas ocidentais, não apenas nas histórias em si mas também na criação de lojas

especializadas, inserção dos produtos nas livrarias, a criação de séries para coleção, entre outros.

Foi necessária também uma mudança nos roteiros tradicionais que começaram a explorar uma

maior profundidade narrativa, ousar nos temas e aumentar o erotismo e aproximar os quadrinhos

da realidade do mundo contemporâneo.

No Paraná, e especificamente em Curitiba, os quadrinhos ganharam forte impulso no final

dos anos de 1970 e início da década de 1980 quando surgiu na cidade a Grafipar, editora que

tinha como produto principal materiais produzidos por artistas brasileiros, e que acabou por

desestabilizar o eixo Rio-São Paulo de produção quadrinhística com a vinda de diversos artistas

para a capital paranaense, a fim de trabalhar em suas dependências. Funcionou de 1978 a 1983

produzindo principalmente HQs eróticas com o nome de Quadrinhos Eróticos, além de temáticas

faroeste, criminal, fantástico, ficção científica e terror, no entanto o tom de erotismo permeava a

todas assim como a paródia de personagens populares de HQs. Com o fim da editora muitos

artistas retornaram às suas cidades de origem e outros migram para os jornais, que posteriormente

seria o local de publicação regular de O Gralha.

O super-herói curitibano nasceu inspirado no Capitão Gralha47

, criado em 1940 por

Francisco Iwerten e com apenas duas histórias publicadas. Apareceu pela primeira vez na revista

Metal Pesada, no ano de 1997, em edição comemorativa aos 15 anos da Gibiteca de Curitiba e

teve o projeto apoio da Fundação Cultural da capital. A experiência de traçar O Gralha se deu

como uma criação coletiva de artistas dos quadrinhos interessados em homenagear o Capitão

Gralha. O personagem em seguida a tal publicação migrou para o suplemento Caderno Fun,

voltado ao público jovem, do jornal local Gazeta do Povo. Neste período o quadrinho atingiu uma

marca de 80.000 leitores semanais e 320.000 exemplares mensais

Segundo Bruno Alves percebe-se em O Gralha uma vasta gama de clichês do gênero

super herói norte-anericano. O que inova no quadrinho é a existência da pluralidade de

linguagens e estilos em sua narrativa:

47 Personagem fugitivo de um planeta de homens-pássaros que teve o planeta usurpado e se refugiou na Terra onde

usava seus poderes para a luta contra o crime no Paraná.

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(...) do realista ao cartum, passando por ousadas experiências

abstratas, no caso do desenho; e de aventuras que remetem aos clássicos do gênero até tiras de humor, no caso dos

roteiros; no fim, cada autor mostra sua interpretação pessoal

do Gralha. Todo esse ecletismo, no entanto, não

descaracteriza o personagem, e surpreendentemente termina conferindo ao mesmo uma identidade própria.

48

Parodiando e se apropriando do universo dos super heróis, e tendo como referência

Super Homem, Batman e Homem Aranha, O Gralha utiliza-se de uma narrativa ágil para abusar

dos clichês do gênero, mas sempre misturando referências locais às suas histórias. O personagem

principal tem por identidade secreta um adolescente em fase pré-vestibular, vive numa cidade que

segundo José Aguiar, um dos idealizadores do projeto afirma ser um personagem à parte:

Por sinal, a Curitiba do Gralha é um personagem à parte em seu universo, onde todas as características da verdadeira são elevadas à enésima potência. Localizada num futuro

indeterminado, ela cresceu tanto a ponto de englobar os

municípios adjacentes como bairros seus. Convivendo com

um mar de arranha-céus gigantescos, estão pinheiros e muitas, muitas árvores que demonstram que, ainda no

futuro, a cidade quer manter o título de capital ecológica.

Em contraste com cidades fictícias como a sombria Gotham City, a Curitiba do Gralha parece crescer ordenada e

infinitamente, chegando até mesmo ao Atlântico. Na

verdade ela é o paraíso de qualquer super-herói. Todos os

lugares comuns nela existem. Desde o cais do porto, uma base de foguetes e até mesmo a única usina nuclear não

poluente do mundo, localizada em meio a uma floresta de

araucárias.49

O herói precisa usar seus poderes, originários de um ovo do poder, para lutar contra o

crime alimentado pelos super vilões, estes também carregados de simbologias à sociedade, à

cidade e à cultura paranaense. Para isso veste-se de passarinho, aquele considerado o símbolo da

cidade, e sai a caça de seus inimigos com o objetivo de prendê-los na ilha penitenciária do Ahú.

48ALVES, Bruno Fernandes. Superpoderes, malandros e heróis: A Paródia como paradigma na construção do

super-herói brasileiro nas histórias em quadrinhos. P.14 49

In: José Aguiar http://www.omelete.com.br/quad/100003.aspx

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Será na companhia desse jovem herói e todos os símbolos disponibilizados a criar sua Curitiba

fantástica que convido-os a observarem a nossa cidade.

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2 A CIDADE MODELO

Neste capítulo, a fim de discutir a questão entorno do signo de Curitiba como cidade

modelo me orientarei pelas pesquisas de Dennison de Oliveira50

, assim como em um artigo de

Fernanda Sánchez51

com o objetivo de apontar de que maneira configurou-se tal cenário e quais

elementos contribuíram para o mesmo. Vale ainda ressaltar que o foco do presente capítulo se

concentrará principalmente nos períodos de gestão de Jaime Lerner, isso se dá tanto pelo fato de

ter sido este o principal personagem a promover e implementar projetos de relevância para tornar

a cidade modelo, bem como ao fato de seus sucessores, representados pelo mesmo partido de

Lerner, terem tido como base de governo o continuísmo político. Da mesma maneira não

discutirei aqui o Plano Agache de 1940, o qual sofreu mudanças e foi substituído pelo Plano

Diretor de 1965.

Faz-se necessário explorarmos antes as questões que abarcam a cidade, entendendo as

rupturas e continuidades entre o que era concebido, na modernidade e na pós-modernidade, por

cidade, assim como as relações estabelecidas pelo homem em cada uma delas.

David Harvey52

coloca que durante o modernismo as cidades, através principalmente da

arquitetura e do urbanismo, foram o principal meio de expressão dos homens, sendo elas

artísticas ou até mesmo políticas. O autor coloca que tais intervenções, principalmente pelo

acelerado processo de urbanização, estavam vinculadas às questões modernas como: as

máquinas, os novos sistemas de transporte e comunicação, os arranha-céus, as pontes, as

invenções da engenharia, assim como a instabilidade e a insegurança oriundas das rápidas

inovações e das mudanças sociais. A modernidade estava ainda ligada ao projeto iluminista da

racionalidade, e da busca de um homem ideal, que consistia em apreender e representar o mundo

da forma correta, e consequentemente uma única possível53

. A busca pelo progresso e

emancipação do homem foi apropriado pelo jogo político e econômico e foi usado por governos

totalitários, o que para Harvey gera um trauma e uma mudança na sensibilidade nas práticas e nos

discursos, inaugurando o pós-modernismo.

50 OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Editora da UFPR. Curitiba: 2000. 51SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada de século: agentes, estratégias e escalas de ação

política. In: Rev. Sociol. Polit. N.16 Curitiba jun. 2001 52

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12ª

edição. Edições Loyola. São Paulo: 2003. 53 O projeto iluminista entra em declínio na segunda metade do século XIX.

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No que se refere às cidades, o foco do urbanismo e da arquitetura mudam do homem ideal

para as pessoas. Procuram-se estratégias que sejam mais plurais e orgânicas, e acredita-se que se

deva utilizar a colagem de espaços, a fim de criar misturas diferenciadas na paisagem urbana. Isto

se devia à tentativa de contrapor-se ao modernismo e aos seus planos grandiosos baseados no

zoneamento funcional para as diferentes atividades.

Stuart Hall54

aprofunda-se na questão referenciada anteriormente, qual seja a da criação

de cenários na paisagem urbana, indicando que existe uma relação entre esta e o indivíduo.

A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que

está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de

inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior.55

Agora, em um mundo pós-moderno, criador de cenários, coloca-se esse novo indivíduo,

aberto, contraditório, inacabado, fagmentado, sujeito pós-moderno. E será nesses novos

questionamentos que, inclusive Curitiba, se construirão representações capazes de agrupar

sujeitos fragmentados em uma comunidade imaginada. Priorizará o retorno ao passado como

forma de diferenciar “uns” de “outros”, como forma de manter uma identidade conjunta frente ao

processo de globalização e aos avanços do mercado.

Foi principalmente na Era Lerner, que abarcou o período de 1971 a 1983 e 1989 a 2004,

que Curitiba reuniu elementos que a consideraram uma cidade modelo. Utilizou-se para isto

transformações materiais em conjunto com símbolos culturais, com o intuito de se forjar não

apenas uma nova cidade, mas também um novo cidadão, ambos com uma nova exposição perante

ao mercado. Sánchez coloca que as representações produzidas são carregadas de intenções que

inevitavelmente interagem com a realidade social, assim podemos tomar como exemplo um

objeto material na cidade, que através dos discursos e práticas ideológicas que o forjam, gera a

maneira como este será consumido.

Coloca a autora que o conceito de cidade modelo envolve não apenas ações

governamentais, como também da iniciativa privada e das agências multilaterais. Estas se

caracterizam por “organismos de caráter internacional e ação global, que operam como centros de

54 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:DP&A, 2005. 55 Ib. Id. P.39

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pensamento, difusão e financiamento de políticas públicas”.56

Necessitam tais atores construir

leituras, imagens e discursos que legitimem e difundam a cidade como modelo. Dessa forma

colocam-se projetos que além de corroborar com o estigma de modelo, carregam consigo a marca

de serem frutos do tempo presente e, em última instância, transforme a cidade em mercadoria.

Sánchez esclarece a questão da cidade mercadoria da seguinte forma:

Surge “uma nova dinâmica para a reprodução do capitalismo:

a construção da cidade-mercadoria que, sob a égide do poder político dos governos locais, perfila-se através dos processos

de reestruturação urbana (como exigência da economia

competitiva) e através da construção de imagem para vendê-

la, para inseri-la no mercado. Como mercadoria especial, envolve estratégias especiais de promoção: são produzidas

representações que obedecem a uma determinada visão de

mundo, são construídas imagens-síntese sobre a cidade e são criados discursos referentes à cidade, encontrando na mídia e

nas políticas de city marketing importantes instrumentos de

difusão e afirmação. As representações do espaço e, baseadas

nelas, as imagens-síntese e os discursos sobre as cidades, fazem parte, pela mediação do político, dos processos de

intervenção espacial para renovação urbana.” 57

De acordo com a indicação de Sanchéz, de que não apenas os governos locais são os

responsáveis por forjar a cidade modelo, Oliveira aponta também a iniciativa privada como tendo

um papel de grande relevância, uma vez que estes atores estão envoltos em uma ampla gama de

atividades capitalistas que se dão na própria cidade. O que ocorre então é que para o governo

local conseguir viabilizar um projeto na área de urbanismo ele precisa ajustar este à aqueles

interesses. Dessa forma mais do que apenas alinhar interesses, a dependência estrutural da cidade

frente ao capital, em conjunto com as transformações materiais e simbólicas promovidas pelo

urbanismo, implicam novas possibilidades para o empresariado e novo fôlego para o mercado.

Vale aqui ressaltar que o empresariado se caracteriza também pela capacidade de mobilizar

apoios e influenciar a opinião pública. Portanto o autor coloca que quanto maior a identificação

do plano diretor com os objetivos do empresariado, maior são suas chances de implementação.

56Op. cit.SANCHEZ P. 31 57 SÁNCHEZ, Fernanda. Op. cit. p.33

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Apontam os dois autores que para que ocorra uma perfeita acomodação de tais benefícios,

o governo deve dar a sensação para a população de que os projetos visam ao bem estar comum de

todos, e não apenas da classe média para quem efetivamente eram projetados no caso de Curitiba,

mesmo que este não só não atenda toda parcela dos cidadãos, mas também tenha um caráter

excludente. Sánchez completa colocando que:

Observa-se que os cidadãos sentem-se partícipes e beneficiados por

essas políticas (...) assistem a um espetáculo de transformações para o qual são convidados para um lugar aparentemente preferencial,

mas que resulta ser apenas uma parte do cenário. Os cidadãos

contemplam a cidade modernizada como os “figurantes de um

grande anúncio de griffe urbanística58

Outro importante elemento para o sucesso desses projetos está relacionado ao fato de que

os próprios políticos, em conjunto com as agências multilaterais, transformam-se, através

principalmente de premiações, em especialistas consagrados, inclusive internacionalmente, na

área de urbanismo e sejam vistos pela sociedade como técnicos extremamente profissionais,

arrojados, modernos, competentes, excelentes gestores e mundialmente reconhecidos. Fato que

contribuí para que a sociedade legitime as ações desses personagens. Foi este o caso de Jaime

Lerner.

A grande questão que vai marcar as cidades modelo são a construção de discursos,

imagens e representações que são forjadas pela elite dominante, que através principalmente dos

meios de comunicação de massa e da materialidade da cidade, forjam seu discurso e o

impregnam, não oferecendo alternativas à sua leitura, e dão cercados de objetividade fatos sociais

que passam a ser inquestionáveis. Fernanda Sánchez afirma ser possível obter leituras diversas de

uma mesma cidade, estas proporcionadas pela ação dos diversos atores nela inserida. Para isso se

faz necessário identificar por quem, para quem e com quais objetivos essas imagens são postas,

uma vez que as representações são carregadas de intenções visando atingir a realidade social.

Sánchez recupera a noção de habitus desenvolvida por Bourdieu afirmando que este reforça a

idéia de que as representações não se constituem de uma realidade dada, mas antes são

construções produzidas por uma determinada perspectiva. Complementa indicando que Lefebvre

58 Ib. Id. P.42

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pensa ser preciso compreender como os lugares adquirem qualidades materiais e também valores

simbólicos através das representações.59

E complementa colocando que:

As imagens-síntese oficiais, aquelas que se impõem como dominantes

em cada cidade onde opera um projeto de modernização urbana

definido e explicitado, não deixam margem para dúvidas ou interpretações diversas sobre a informação que veiculam; não oferecem

alternativas à sua decodificação. Organizam, a seu modo, a cidade,

tornando-a simbolicamente eficiente, uma espécie de publicidade que

concretiza o modo de reconhecê-la e avaliá-la. Leituras oficiais da cidade, que configuram imagens, costumam ser mostradas com

aparência de objetividade, apresentando fatos sociais como

inquestionáveis(...)Seu aparente realismo é, em essência, ideológico, pois passa como natural aquilo que é um fato cultural (...) escondem

abordagens seletivas do real(...) 60

Faz-se aqui necessário ressaltar que muitos discursos tidos como neutros, inclusive do

jornal Gazeta do Povo onde a fonte deste trabalho foi publicada, na prática também selecionam a

realidade. Em seu artigo Emerson Cervi e Nelson Rosário de Souza elucidam como se dá na

prática jornalística e a dificuldade do discurso neutro, e colocam que:

(...) os critérios de noticiabilidade estão diretamente relacionados a

processos de rotinização das práticas produtivas dos meios de

comunicação e não exclusivamente com as características do fato

social (Cf. Wolf, 1987). Sendo assim, a definição de noticiabilidade está ligada, fundamentalmente, à capacidade que os órgãos de

informação possuem de dar respostas aos acontecimentos

selecionando-os e produzindo-os como notícia. Os fatos cotidianos construídos como importantes pelos jornalistas dependem, para virar

notícia, das condições específicas de cada meio de comunicação e da

concorrência entre os órgãos de comunicação. De acordo com essa

definição, os critérios de noticiabilidade ultrapassam as restrições meramente técnicas, contrariando a idéia de que o jornalismo apenas

retrata a realidade. Mauro Wolf defende ainda que notícia é tudo

aquilo que os jornalistas definem como tal, ou seja, trata-se de uma meta-realidade. Ela é produto de um processo que depende da

perspectiva prática dos acontecimentos. No jogo da produção da

notícia os atores do mundo jornalístico desempenham um papel

59 Ib. Id P.35 60SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada de século: agentes, estratégias e escalas de ação

política. P. 34

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importante, mas, não impõem sem mais seus valores subjetivos ao

produto, uma vez que suas ações sofrem os limites dos padrões

objetivos institucionalizados nos meios de comunicação de massa61

Inclusive o papel da mídia e dos meios de comunicação de massa é de grande importância

dentro da fabricação das representações. Num papel de mediação entre cidadãos e governantes a

mídia reforça a espetacularização da cidade, cria signos de bem-estar e valoriza lugares e o modo

adequado de usá-los, isso tudo dentro dos padrões morais e de vida da classe média. No caso de

Curitiba as trocas ocorridas entre mídia e governo difundiam o que deveria ser um cidadão

curitibano típico, qual seja indivíduos frequentadores dos espaços espetacularizados da cidade, e

reforçavam tais locais como signos da própria capital.

Foi entre os anos de 1971 a 198362

durante o mandato de Jaime Lerner e de Saul Raiz na

prefeitura que se pôs em prática o Plano Diretor, que apesar de sofrer pequenas mudanças,

ajudaria substancialmente a caracterizar tanto a imagem simbólica, como a paisagem urbana da

cidade. Foram lançadas as principais intervenções feitas na cidade e juntamente com as gestões

de Jaime Lerner na prefeitura colocaram-se os slogans de Capital Ecológica à Capital de Primeiro

Mundo.

Tal plano e a forma como foi posto em prática primava pela: revitalização de espaços

públicos; criação de novos pontos de sociabilidade; indução e controle do crescimento da cidade

através do plano viário; promoção do transporte coletivo, e suas vias exclusivas, em detrimento

ao transporte particular; criação de áreas verdes com a desapropriação de terras impróprias para a

construção... Ocorreu à atração do capital industrial para o CIC com melhorias de infra-estrutura

urbana, com a implementação dos eixos estruturais viabilizou-se o adensamento predial ao longo

dos mesmos, e por fim integraram as linhas de ônibus com a presença de terminais onde o

passageiro poderia trocar de veículo sem o ônus do custo de uma nova passagem.

Seria com o enfoque no transporte público, sua oferta, e a estruturação de vias lineares de

circulação que se distribuiria a concentração da população em certos locais, permitindo assim

certa organização no crescimento da cidade. O sistema viário ao mesmo tempo em que delimitava

o crescimento da população distribuía o uso do solo e indicava em quais locais poderia haver

determinados tipos de construção. Dessa forma saberia-se onde colocar prédios residenciais, o

61 CERVI p. 35

62A primeira gestão de Jaime Lerner ocorreu entre os anos de 1971 a 197575, e a gestão de Saul Raiz ocorreu entre

os anos de 1975 a 1979.

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comércio, assim como os trabalhadores da Cidade Industrial de Curitiba (CIC).63

Com relação a

CIC, esta tinha o importante papel de promover o desenvolvimento econômico local incentivando

a industrialização e forjar uma aliança entre os profissionais do urbanismo local com os interesses

privados.

No que se refere aos espaços reservados nos eixos estruturais e toda sua infra-estrutura

para a construção de prédios, que inicialmente deveriam se destinar a trabalhadores, a

especulação imobiliária fez com que se tornasse uma das áreas de instalação da alta burguesia e

seus prédios de alto padrão.

Além disso, previa a criação do centro histórico da cidade, preservava um local específico

para prédios públicos com função administrativa, o Centro Cívico, e estimulava a pedestrinação.

Esta última característica se dava ao fato do modelo de urbanização do plano diretor seguir o

Urbanismo Humanista onde a cidade deveria ser concebida essencialmente para o homem.

Projetava-se assim a criação de áreas verdes, muitas oriundas de desapropriações de locais

impróprios à construção, e que se tornariam espaços de lazer e sociabilidade.64

Foi durante os anos de 1979 a 1983, no segundo mandato de Lerner, que se observa um

interesse focado na representação da cidade para os cidadãos. Inicia-se a fase de implementar

programas relacionados às questões ambientais e as políticas públicas carregam cada vez mais a

marca de setores da iniciativa privada, o que acarretava a diminuição de espaços de participação

popular.

Para Dennison de Oliveira a integração do homem à cidade, através das políticas ligadas

ao urbanismo, tinha como um de seus objetivos promover a identificação da população com a

cidade, tornar o cidadão orgulhoso de Curitiba, assim como fazer de “cada curitibano um

urbanista” 65

. Esse reforço da representação da própria cidade aos seus cidadãos ocorreu com

grande enfoque no segundo mandato de Lerner, uma vez que este em seu primeiro governo como

prefeito não apenas idealizou como também materializou as intervenções urbanas previstas no

plano diretor. Vale aqui ressaltar que o prefeito teve sucesso tanto no que se refere ao

continuísmo político como também ao fato de ter tal plano sido estruturado e ter sofrido poucas

mudanças em relação ao original, acarretando em tempo para que Lerner pudesse implementá-lo

em sua gestão. Oliveira reforça a tese do continuísmo político afirmando que:

63 OLIVEIRA, Dennison. Op. cit. p.78 64 Idem 65 OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Editora da UFPR. Curitiba: 2000. P.56

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Parece óbvio que – uma vez que não existia ainda a figura da

reeleição – uma sucessão de prefeitos do mesmo partido, ou

pelo menos mesma orientação política, favoreceria a sobrevivência (...) dos preceitos do plano diretor.

66

Dessa forma apesar de ter tido um período de prefeitura com o PMDB à frente da cidade,

nos governos de Maurício Fruet (1983 a 1985) e Roberto Requião (1986 a 1988), tais prefeitos

tiveram de conviver com a irreversibilidade do plano diretor implementado pelas gestões

anteriores e sua força simbólica.

A Bandeira da cidade verde/capital ecológica foi focada na década de 1980 com a criação

de parques, áreas verdes, arborização de praças, coleta seletiva do lixo. A exaltação da memória e

cultura da imigração européia, que tinha nos dirigentes do período sua descendência, foi

proclamada com espaços de lazer destinados a tal temática e alavancou a imagem da cidade de

Curitiba como a capital européia brasileira, corroborou também com a imagem de capital de

primeiro mundo, e atraiu investimentos para o setor de turismo

Em sua terceira gestão, esta pelo voto democrático na década de 1990, Lerner enfoca na

estética, continua o trabalho relacionado ao meio ambiente e promove o turismo. Visava

principalmente nesse período atrair investimentos para a cidade através da espetacularização da

mesma, uma vez que com o esgotamento total do plano diretor era necessário reatualizar a

capital. Nessa época foram construídos o Jardim Botânico, a Ópera de Arame, a Rua 24 Horas, as

estações tubo, tendo como um dos objetivos embelezar a cidade sob a bandeira da modernização,

torná-la uma capital de primeiro mundo. O prefeito subsequente, Rafael Grega, que governou de

1993 a 1996 e pertencia à mesma linhagem política de Lerner, continuou com o modelo de

urbanização anterior, promovendo os Faróis do Saber e as Ruas da Cidadania. Para além de

futilidade, a preocupação com questões estéticas se mostra como uma tentativa de:

(...) atrair novos investimentos, migrantes de nível social elevado e até mais turistas, as cidades passaram a tomar um cuidado sem

precedentes com a sua imagem, em especial no que diz respeito à

organização de espaços urbanos espetaculares (...) E, de fato,

espetáculos não faltaram no urbanismo curitibano sob a última gestão Lerner. Realizações de curto, ou curtíssimo, tempo de

execução, apelando para novas tecnologias e sempre de grande

66 Ib. Id. P.78

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impacto visual foram constante, levando um autor a escrever que “as

inovações urbanísticas se tornaram uma rotina. (...) Mesmo um

projeto da área dos transportes como os ônibus Linha Direta (o popular Ligeirinho) recebeu destaque da imprensa contemporanêa

muito mais em função da concepção estilística das suas estações

tubulares e do visual futurista dos ônibus do que dos supostos

ganhos de eficiência na operação das linhas67

Lerner em seu último mandato como prefeito focou-se na espetacularização da cidade,

construiu símbolos que se perpetuaram como sendo praticamente símbolos naturais da cidade,

como o calçadão da rua XV, os parques, monumentos, entre outros. Curitiba destacou-se no

cenário brasileiro como sendo a capital brasileira de primeiro mundo. Isso se deu em partes pelo

uso de uma estratégia já bastante conhecida no meio empresarial, e agora incorporada às cidades,

a distinção entre o “nós” e “outro” que por um lado trazia à tona todas as qualidades que foram

moldadas ao longo do tempo e garantia a lealdade afetiva da população com o projeto e seus

representantes. No entanto, por outro lado, o discurso hegemônico abafava a multiplicidade e as

diferenças sociais que coexistem em Curitiba, o que também diminui os espaços de ações

políticas dos atores que não estejam satisfeitos, os quais perante a lógica da cidade mercadoria

são considerados ingovernáveis e perturbadores da ordem urbana.

A relação existente entre a iniciativa privada, o governo, a cidade mercadoria e seus

cidadãos ideais legaram parte dos ônus dos projetos à chamada Região Metropolitana de Curitiba

que teve de se tornar tudo o que a capital não era: um modelo de modernização. Enquanto

Curitiba era a tese a Região Metropolitana era a antítese.

Podemos perceber que os interesses da iniciativa privada permearam as políticas públicas

no que se refere à urbanização, e em conjunto com o governo local construíram discursos sólidos

o suficiente para garantir o continuísmo, de seus interesses, assim como o político partidário.

Forjaram não apenas uma cidade espetacularizada e moderna que atraísse grandes investimentos,

forjaram seu cidadão e seu público alvo. Estes que eram representados pelo típico indivíduo de

classe média, e que agora mais do que consumir produtos oriundos da indústria e do comércio,

consumia sua própria cidade. Uma cidade homogênea o suficiente para não se fazer perceber “os

outros” que estavam fora do lugar. Homogênea o suficiente para que se acreditasse que as

estações tubos fossem tão natural quanto a gralha azul.

67 OLIVEIRA, Dennison. Op.cit. p.60

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A força das representações forjadas através dos discursos e das construções materiais são

fortes o suficiente para nos dias atuais Curitiba ainda ser reconhecida como Cidade de primeiro

mundo e Capital ecológica. Talvez nos dias atuais essas imagens sobrevivam mais fora do que

dentro da nossa cidade, mas se faz inegável a força dos símbolos construídos na Era Lerner.

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3 CURITIBA VISTA PELO SEU SUPER-HERÓI

Com a finalidade de conseguir avistar a Curitiba contida e/ou ocultada na história em

quadrinhos O Gralha retomarei rapidamente a uma questão anterior a essa, qual seja o meio de

comunicação de massa, no qual foi publicada minha fonte: o jornal curitibano Gazeta do Povo.

Maria Helena Capelato68

comenta que os jornais impressos desde seu início se

impuseram como força política, dessa forma os governantes e poderosos sempre os utilizaram e

temeram, assim adulam, vigiam, controlam e punem a imprensa. O produto do jornal é a

mercadoria política, e como resultado temos um meio de comunicação que carrega consigo a

ambiguidade entre o público e o privado, uma vez que precisa conciliar política e empresariado.

Capelato esclarece esta questão colocando que:

A imprensa (...) é veiculadora de informações, direito público, e nesse

papel norteia-se pelo princípio de publicidade, colocando-se como intermediária entre cidadãos e o governo (...) Nessa instituição onde se

mesclam o público e o privado, os direitos dos cidadãos se confundem

com os do dono do jornal. Os limites entre uns e outros são muito

tênues (...) Os compromissos que eles estabelecem na esfera privada não desaparecem quando atuam na esfera pública. A interpenetração

do público e privado define os limites do quarto poder (...) A imprensa

constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social (...) A imprensa, ao invés de espelho da realidade

passou a ser considerada como espaço de representação do real, ou

melhor, de momentos particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas práticas socais de uma época

69

Por estar inserida no mercado a imprensa necessita atrair seu público, envolvê-lo em

causas empresariais e/ou polítcas. Dessa forma Capelato indica que os jornais destinados a um

público de elite possui uma apresentação sóbria, ao contrário de outras publicações que se

utilizam de elementos como: títulos espetaculares, crimes, sexo. Tais distinções perante a ótica

burguesa gera uma separação entre a boa e a má imprensa, aquela imbuida de privilégios, e esta

vista como ameaça aos bons costumes.

A grande imprensa no Brasil evoca para si três características fundamentais,

posicionando-se como liberal, independente e expressadora da verdade e da vontade do povo. A

68

CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Contexto (Coleção

Repensando a História), 1988 69 Ib. Id. P. 18-21.

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começar pela questão do povo é sabido que se trata de um conceito bastante abstrato, uma vez

que uniformiza multiplicidades inerentes à teia social de uma localidade, vale ressaltar que para a

autora a parcela contestadora do dito povo não tem espaço para suas reivindicações nos grandes

jornais, muitos não os lêem e geralmente são retratados por tal meio de comunicação como

inimigo, agentes a serem controlados e muitas vezes punidos. Capelato esclarece as outras

características da seguinte maneira:

O primeiro termo – liberal – sugere a idéia de liberdade. Mas esse

conceito não pode ser tomado em abstrato e quando se fala em

liberdade, é preciso indagar: liberdade para quem fazer o quê? Nos jornais a resposta é dada pelo proprietário – ele determina, em última

instância, quem tem liberdade de fazer o quê. O termo – independente

– também tem limites estabelecidos pelas ligações do dono do jornal

com os governantes, grupos financiadores, anunciantes, leitores, grupos políticos e sociais. Todos exercem pressões sobre o jornal. No

que se refere à verdade, já constatamos que o jornal exprime verdades

e mentiras70

Podemos perceber que os apontamentos da historiadora convergem com a estrutura do

jornal em que foi publicado O Gralha, uma vez que este foi dirigido por empresários, se apresenta

como uma das grandes publicações diárias da cidade, e tem consigo as questões postas acerca da

grande imprensa.

O jornal Gazeta do Povo foi fundado em 1919 e tinha como premissa a independência e

a imparcialidade política. Seu primeiro número no entanto, não tardou em apoiar declaradamente

a candidatura de Ruy Barbosa à presidência. Na realidade muitas pessoas envolvidas na

sociedade que visava montar a gráfica do jornal eram de famílias abastadas, envolvidas com a

economia do mate, a indústria madeireira e o comércio. Dessa forma o jornal, invariavelmente,

deixava transparecer os interesses de tais setores nas publicações.

Em 1962 o períodico passou por uma crise financeira e numa tentativa de contorná-la

apresentou novos proprietários, indicados pelo dono anterior, eram eles Cunha Pereira e

Edmunso Lemanski. Após uma década para a reestabilização financeira a Gazeta do Povo

promove investimentos para a modernização técnica do jornal, publicava-se assim em junho de

1973 a primeira imagem colorida, novidade na imprensa paranaense. Ainda neste período se

70 70 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil.p.71

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adquire a TV Paranaense (Canal 12), tendo como parceiro nas ações o empresário Roberto

Marinho. Tal sociedade foi desfeita apenas em 2002 quando o grupo do jornal assumiu

integralmente as ações da concessão da televisão e ampliou-a para todo o Estado

A Gazeta do Povo vai se tornando a partir do final da década de 1980 o principal jornal

de classificados e anúncios imobiliários, e com a programação da Rede Globo de Televisão na

TV Paranaense alavancou-se as vendas das publicações. Enquanto expandia seus investimentos,

não apenas no setor das comunicações, seus donos e empresários continuavam reafirmando a

neutralidade do jornal. No entanto, sua neutralidade sempre esteve mais relacionada à uma

cautela política, devido aos investimentos do próprio grupo que administrava o jornal, que em

muitos casos evitou na publicação o próprio debate político.

O Gralha circulou a partir do dia 18 de setembro de 1998 ao dia 22 de dezembro de

2000. No suplemento juvenil Caderno Fun de tiragem às sextas-feiras. Tal caderno era voltado

ao público adolescente e, segundo José Aguiar um dos criadores do personagem, teve 80.000

leitores semanais e 320.000 exemplares mensais. O público alvo se constituía por jovens de

classe média em até a fase pré-vestibular. Por ter um espaço fixo semanal, como já comentamos,

apresentava os quadrinhos elementos típicos dos gibis como: a regularidade na publicação, os

traços de personalidade marcados em alguns personagens, os clichês do gênero de super-herói,

assim como a ambientação das histórias.

A fim de apreender quais representações da cidade de Curitiba estão contidas no

quadrinho, trabalharei com as histórias que apresentam a maior parte de seu enredo na cidade, ou

seja, em ambientes externos, assim como temas representativos das simbologias da mesma. As

histórias são: Aos olhos do público, A Ameaça Verde, Mau Humor de Inverno e Bem-vindos à

Cidade Sorriso71

. No entanto vale ressaltar que ao longo da construção da análise abordarei

questões, tanto da cidade em si como de questões culturais que forem pertinentes ao tema do

presente trabalho, que são postas em outras narrativas, deixando indicado em nota suas

referências.

71 O Gralha. Via Lettera Editora. São Paulo: 2001. P. 10-16;p. 17-22; p.46-47; p.77-79. As páginas foram postas de

forma respectiva aos títulos das histórias.

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Com relação às representações de cidades em histórias em quadrinhos no gênero de

super-heróis, Maria Angela Rama72

em sua tese de mestrado, aponta que estas prevalecem nas

aventuras, uma vez que tais personagens estão sempre ligados às cidades, sejam elas metrópoles

ou não. Esclarece que:

Ainda que eventualmente os cenários dos quadrinhos mudem para

outros mundos ou domínios naturais ocorre que: ou tais espaços funcionam como extensões da cidade e seus conflitos ou então,

representam um pólo de oposição ao centro urbano para onde,

invariavelmente, o herói retorna depois de cumprida sua missão.73

Geralmente as cidades dos quadrinhos de super-heróis são inspiradas em metrópoles

reais, sendo entre elas a cidade de Nova Iorque uma das mais inspiradoras, vale aqui lembrar que

tal cidade foi o berço das HQs. Os quadrinhos então podem se ambientar tanto em espaços

urbanos fantasiosos como reais, em geral esta última opção se faz como uma forma de dar

veracidade para as aventuras dos personagens. A autora explicita que este fascínio em relação a

tais ambientes podem estar ligados à concentração de poder em tais localidades, assim como o

valor simbólico de suas paisagens, verticalidade e imensidão. As apropriações feitas das cidades

nas histórias faz com que estas deixem de ser apenas cenário e se tornem em personagens, uma

vez que muitas vezes as mesmas se figuram como extensão do próprio super-herói.

Os inúmeros problemas tipicamente urbanos como crimes, poluição, desastres e

acidentes, assim como a já citada concentração de poder, político e econômico, além do

adensamento populacional, possibilitam diversas intervenções por parte dos personagens com o

ambiente, uma vez que são nessas localidades que os super-heróis desfrutam de seus poderes em

prol dos homens comuns. Enquanto os heróis tentam preservar a cidade e são seus protetores, os

vilões carregam o estigma oposto, pois espalham o caos e desequilibram a ordem estabelecida.

Umberto Eco74

em seu texto intitulado O mito do Superman aponta que o herói detentor

de poderes superiores aos dos homens foi uma constante na imaginação popular, variando de

Hércules a Peter Pan. Na sociedade de massa este herói encarna as possibilidades de ação que o

72RAMA. Maria Angela Gomes. A Representação do espaçonas histórias em quadrinhos do gênero super-

heróis: a metrópole nas aventuras de Batman. Tese (Mestre em Geografia). Departamento de Geografia. USP.

2006. 73 Ib. Id. P.22 74ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Tradução Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva. 1970

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homem comum não pode satisfazer perante o sistema, o que resulta na personagem tornando-se

uma referência de comportamentos e sentimentos comum aos homens, aproximando-a através de

seu arquétipo com o cotidiano não ficcional e tornando-a facilmente reconhecível.

O homem pós-moderno de David Harvey e Stuart Hall é posto por Eco como um homem

heterodirigido, ou seja, um indivíduo que vive em uma comunidade altamente tecnológica,

baseada numa economia de consumo e que constantemente lhe é sugerido, principalmente pelos

meios de comunicação de massa, o que desejar e como satisfazer seu desejo. Assim esse sujeito

vê em personagens como Superman uma válvula de escape. No entanto o próprio personagens é

posto dentro de limites. O super-herói carrega consigo a mácula da bondade, da moralidade e da

conduta reta em relação às leis humanas. O mal no caso do Superman está sempre envolto ao

atentado à propriedade privada, e o bem geralmente se mostra como caridade. Como no caso do

super-herói americano, nosso herói paranaense também está envolto pelas considerações de Eco.

O Gralha se apresenta como o descendente do Capitão Gralha, personagem dos anos de

1940, e tem como alterego Gustavo Gomes, estudante dedicado, em fase pré-vestibular que

frequenta um cursinho. Gustavo é um jovem da classe média que vive os dramas típicos da

adolescência, e seria um rapaz comum se não fosse o fato de ser um super-herói. Seus super-

poderes são oriundos das gemas do poder, que ficam nos ovos presos à sua máscara. No entanto

apenas ele é suscetível às tais gemas. Seus poderes constituem na capacidade de voar; na super

força; poderes sonoros; ventriloquismo; poder de sugestão e superaudição. Seu maior medo é de

injeção. Em seu mundo a gralha azul já está extinta, e na narrativa que conta sua origem75

indica

que foi devido à industrialização e suas mazelas ambientais que desapareceram as aves.

O personagem vigia Curitiba, sua cidade natal, vestido de passarinho, gralha azul, o que

provoca inúmeras brincadeiras com seu uniforme de super-herói, como chamá-lo de homem-

passarinho ou homem-frango, estas piadas ocorrem às vezes por parte da população e com mais

frequência pelos vilões. Os vilões76

no O Gralha carregam consigo marcas regionais e bastante

representativas da cidade, entre eles podemos citar: Café Expresso (matou 54 pessoas, de uma

única vez, servindo café com estricnina); o Palhaço da Agenda (anota detalhes de seus crimes na

agenda); Dr. Botânico (cientista maluco que prefere plantas à humanos); Biscuí do Mato (vilão

que usa um adorno na cabeça e é nato de curitiba); Pivete Cybernético (menino que fica pensando

75

O Gralha. Via Lettera Editora. São Paulo: 2001.Sem título. P.7-9. 76 Um estranho no ninho. P.54-56

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em como fazer malvadezas); O Craniano (homem com a cabeça de pêssanka, é o arquinimigo do

Gralha); Araucária (vilã com um alto poder sedutor sobre o Gralha).

Esses são alguns dos vilões, os que aparecem com maior frequência. Podemos notar que

fazem referências à elementos caros ao cotidiano de nossa cidade como por exemplo ao hábito de

tomar um cafezinho na Rua XV, ao conjunto de artistas locais que realizam a Agenda Arte - que

tem um palhaço como símbolo, ao parque do Jardim Botânico e às políticas ambientais, à feirinha

do Largo da Ordem com seus biscuit e artesanatos em geral, aos meninos que se entretem na rua,

aos imigrantes...

Mas depois de tanto comentar e descrever o nosso super-herói curitibano, penso estar no

momento de apresentá-lo. Com vocês, o Gralha:

Esta imagem é a capa do livro que reúne os quadrinhos do jornal, e podemos perceber

imediatamente a cidade aos pés do super-herói e este, tal qual um paladino da justiça, chegando

para lutar contra robos giantes que invadiram Curitiba. Podemos perceber as imediações da Praça

Tiradentes representada na figura, principalmente devido à presença da Catedral abaixo do robô.

No entanto já se percebe que esta Curitiba é uma cidade futurista, pois apresenta elementos que

não encontramos na cidade real, como as ruas suspensas.

Em sua primeira aventura, Aos olhos do público, o Gralha foi capturado ao tentar salvar

pessoas dos robôs gigantes enviados por Craniano, seu arquinimigo. A primeira parte da história

é apresentada em um único quadro, onde se observa parte da cidade devastada pelo embate entre

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o herói e seus oponentes. Observamos nos balões referências à beleza do herói, constatações

acerca do embate, e um único personagem que reclama do fato da luta ter destruído sua loja.

A segunda parte da história nos traz elementos interessantes sobre a mídia local. Numa

sequência de seis televisores,e reconhecivelmente sintonizados em três canais diferentes, sendo

que o de maior destaque são três TVs que fazem menção a um mesmo apresentador, exaltado, de

tom inflamado, dizendo ser ele próprio um justiceiro da cidade, em um programa conhecido pelo

cunho do jornalismo policial, já populares naquela época. Tal apresentador se mostra como uma

clara referência ao apresentador e deputado estadual Luiz Carlos Alborghetti. Existem pessoas

desenhadas ao pé dos televisores e a fala de uma delas “só vi dois” nos indica o sensacionalismo

televisivo, que noticiava doze robôs. Outro canal anuncia que o prefeito pretende trocar o slogan

da cidade de Cidade Sorriso para Ninho do Gralha. Aludindo à popularidade do super-herói.

Um outro canal faz menção aos estragos ocorridos na cidade quando das aparições do

Gralha. Não se faz nenhuma referência ao canal Paranaense, no entanto ocorre no quadrinho ao

lado uma referência ao próprio jornal Gazeta do Povo, onde a manchete diz “Setor empreiteiro

diz não ter nada contra o Gralha”.

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A terceira parte da narrativa nos mostra o fascínio despertado pelo super-herói

curitibano na população, ao ponto de um grupo ter montado um fã clube para ele. Interessante

notar que dentre os membros estão personagens que representam os próprios desenhistas da HQ.

Todos os integrantes estão envoltos por um tom de fanatismo acerca do herói.

Será enfim na quarta parte que conheceremos o Craniano, vilão que gasta muito dinheiro

e tempo a fim de arquitetar destruições. A cabeça do antagonista se constitui por uma pessânka,

símbolo de prosperidade e paz na cultura eslava. O primeiro quadro faz menção a uma parte de

um barracão industrial, em um local distante da cidade, uma vez que não observamos construções

à sua volta. Na sequência ocorre uma brincadeira por parte do vilão em relação ao Gralha, pois

refere-se a ele como homem-galo e pergunta mais adiante “O que leva em adulto a se vestir como

passarinho?”. Esta mesma pergunta se faz o herói por diversas vezes em enredos diferentes.

Nas partes finais da narrativa observa-se uma sequência de clichês clássicos do mundo

dos quadrinhos deste gênero, tais como o super-herói numa posição de desvantagem, que através

de sua super-força consegue escapar da armadilha do vilão, e este frustado com a derrota parte

para a criação de um novo plano malévico.

Na aventura intitulada A Ameaça Verde, o início nos mostra o Passeio Público

totalmente abandonado, mau cuidado, no que pode ser uma referência à degradação do bem

público. Existe um quadro com uma mão surgindo da terra. Enquanto isso Gustavo Gomes,

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alterego de Gralha, assiste à uma aula de biologia do cursinho pré-vestibular, onde ele e seus

colegas estão visivelmente entediados. Interessante aqui notar a representação humorística do

público consumidor do quadrinho, estudantes, em sua maioria homens. Alguém avisa que a

cidade está sendo invadida por monstors, todos saem correndo, e surge o Gralha.

No centro da cidade os monstros destroem tudo, o super-herói salva uma moça e uma

senhora que estavam em apuros no meio da confusão, e parte para o embate com os monstros. A

televisão já anuncia que o confronto dura várias horas, numa nova referência à presença da mídia

no cotidiano da cidade. No próximo quadro, um primeiro plano enfoca o super-herói cercado por

dois monstros e pergunta “Ei, vocês não são a Família Folhas?” observamos a menção às

políticas ambientais, especificamente a que diz respeito à coleta seletiva do lixo que tinha a

Família Folha como personagens de campanha.

Prossegue a batalha e o herói desmaia após um soco. Uma pessoa no meio da multidão

fala “Como a roupa dele é ridícula”, o super-herói se recompõe e utilizando seus conhecimentos

das aulas do cursinho, deduz corretamente que os monstros não podem ter contato com a água,

pois esta os deixa mais fortes. Podemos fazer aqui um paralelo aos valores da classe média no

que se refere à valorização do estudo. Descoberto o enigma e após ter vencido a luta, Gralha

segue para o Passeio Público a fim de descobrir como surgiram as criaturas, que eram uma

mistura de homem com vegetal. Após encontar uma pista com um endereço, de uma rua real

“Rua André de Barros, 315, Centro” segue ao local e encontra o vilão Dr. Botânico. Vale aqui

colocar que Dr. Botânico era um cientista que trabalhava para o governo, neste período era Jaime

Lerner o governador do estado, o fato de haver um vilão ecológico nos leva a pensar sobre o real

alcance das políticas na área de meio ambiente. Além do mais na Cidade Ecológia não poderia

haver nada mais prosaico do que um vilão ecológico. A história termina com o vilão sendo preso

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e Gralha informando que a cidade será reconstruída devido aos danos sofridos. Esse elemento

constante do ciclo construção/reconstrução da cidade nos remete ao crescimento e reinvenção da

própria Curitiba da época.

Na história Mau Humor de Inverno percebemos logo no primeiro quadro o futurismo

dessa Curitiba metropolizada. Gralha em pé na coluna de um edifício mais antigo, integrado ao

cenário, em um plano total, observando a chuva. Na cidade a verticalidade se impõe, faz-se uma

referência imagética à Torre da Telepar, e carros, representados por fuscas, voam aos seus

destinos. O super-herói reclama da falta do que fazer nos finais de semana da cidade. Após ouvir

um pedido de socorro o personagem salta em direção ao som.

Percebemos novamente, por outro ângulo (de baixo para cima), a imensidão dos prédios,

que dão a sensação de encostarem no céu da cidade. O pedido de ajuda ocorreu devido ao furto

de uma bolsa, numa alusão à criminalidade. Ao recuperar o objeto, Gralha prende o delinquente

em um poste, daqueles presentes na Rua XV, onde logo ao lado observamos uma construção

baixa, parecida com um totem, pichada. Neste mesmo quadro está representado um metrô (numa

alusão ao projeto não implantado mas de conhecimento público) logo acima do herói. Ao

devolver a bolsa roubada para sua linda dona (vestida de maneira imprópria aos costumes da

classe média, o que pode ser uma alusão à prostituição na cidade), Gralha ganha um beijo como

recompensa e volta ao cenário do primeiro quadro, agora numa outra perspectiva onde se retrata a

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infinidade de prédios da cidade, dando-nos a sensação de que não há mais lugares a serem

preenchidos com novas construções.

A última história escolhida para análise tem por título Bem-vindos à Cidade Sorriso, o

próprio título faz alusão ao programa contra a cárie implementado na Era Lerner. Esta seja talvez

a narrativa onde esteja mais fortemente presente a integração entre a cidade e o Gralha. Logo na

primeira sequência de quadros avistamos uma cidade futurista, moderna, onde àrvores crescem

até mesmo no alto dos prédios. Como pode ser observado o próprio herói exalta a cidade que,

segundo ele tem por característica a convivência da tradição com a modernidade.

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Inicia-se então uma brincadeira, através da ironia, entre as imagens e as partes escritas.

O Biscuí do Mato agarra Gralha pela capa, o super-herói ao mesmo tempo em que comenta

hábitos dos curitibanos e da cidade, qualifica o vilão. Este denominado Biscuí do Mato, um

curitibano nato. Podemos aqui traçar um paralelo com o jeito provinciano atribuído à sociedade

curitibana e a capital, uma vez que uma “tradução” do nome do personagem poderia ser bibelo do

mato.

Aparece então em um único quadro uma representação panorâmica de Curitiba onde o

super-herói, em um primeiro plano se integra ao cenário e tece um comentário sobre a educação

da população, enquanto o vilão escapa.

Na segunda parte da história o Gralha tenta localizar Biscuí do Mato sem sucesso, já que

Curitiba cresceu tanto que incorporou o Porto de Paranaguá, a Região Metropolitana e até mesmo

Vila Velha. Possui a única usina nuclear não poluente do mundo, e no aeroporto existe a sede do

projeto espacial do Brasil, isso tudo numa brincadeira com o status que a cidade possui de ser

moderna e de primeiro mundo. Coloca o Gralha que: “Como podem ver Curitiba é quase

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autosuficiente”, ou seja, quase atingiu o mais elevado grau do título cidade modelo. O herói

pensa na vantagem de se ter um sistema de transporte integrado, devido à extensão da cidade. No

entanto, ao contrário das políticas de estímulo ao transporte coletivo e à pedestrinação, o

quadrinho retrata a preferência do curitibano ao transporte individual, a alta concentração de

carros e a consequênte impaciência dos motoristas no trânsito.

O super-herói comenta: “Dizem que esse espírito (a paciência que não ocorre nas

imagens) vem da enorme área verde da cidade...”, “Um acre por habitante”. No entanto não se

observa em nenhum momento do gibi essa imensidão de área verde. Pelo contrário, podemos

deduzir que o fatos das àrvores crescerem no alto dos edifícios se deve ao fato do solo estar

totalmente ocupado por construções. No final da história os autores brincam novamente com o

dito ar provinciano da cidade.

Alguns elementos precisam ainda ser colocados, mesmo que não contidos

especificamente nas histórias analisadas pelo presente trabalho, mas de total relevância para o

estudo das representações. O vilão Craniano possui um cúmplice77

, o qual nunca vemos o rosto,

por estar sempre na sombra, no entanto seu contorno nos remete ao típico modelo de

representação clichê do empresário (homem alto, de terno, com pasta e cigarro nas mãos, de alto

padrão socioeconômico) o que nas histórias faria sentido pelo fato do vilão sempre dispender de

77 O Gralha. Via Lettera Editora. São Paulo: 2001. Nunca mais outra vez.p.104

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volumosas quantias de dinheiro em seus planos, e não se fazer menção no gibi ao fato de ser o

vilão propriamente o provedor do dinheiro para seus projetos, mas com certeza o personagem

circula entre a elite detentora de capital, que é posta aliada aos inimigos do super-herói.

Ainda em relação ao Craniano se faz interessante notar que sua cabeça é feita de uma

pessânka, o símbolo de prosperidade eslava presente no grande vilão parece ser contraditório,

mas podemos relacionar aos programas que implementaram os parques temáticos das etnias, onde

as eslavas tiveram grande destaque, além de serem os governantes da época descendentes destes.

Outra leitura possível da referência étnica é ao mito da sociedade branca de curitiba, que fica

claro também pelo fato de em todos os quadrinhos ter muito pouca imagem de cidadão negro.

Outro tipo urbano que aparece apenas uma única vez, e morre, é a figura do morador de rua78

.

Aparece a menção à um grupo de baderneiros conhecidos por Malacos do Tarumã,

interessante notar que o bairro do Tarumã faz divisa com a Região Metropolitana de Curitiba, que

como já vimos herdou as mazelas dos projetos implantados na capital. Com relação à

criminalidade urbana fica claro a existência principalmente de furtos na região central da cidade.

Vale a ressalva de que os policiais aparecem sempre após o gralha ter detido o infrator, o que nos

indica a falta de um policiamento eficiente na época.

Voltando ao nosso herói ele próprio é carregado de simbologia. Apesar de sabermos que

ele é neto do Capitão Gralha, em nenhum momento sua família é retratada, o que aumenta nos

enredos sua interação com Curitiba e faça um ser parte do outro. Devido à gralha azul estar

extinta ocorrem brincadeiras por parte da população com o uniforme do herói, que

constantemente é confundido com frango, passarinho, sabiá, pentassilgo... que talvez por não

reconhecerem o animal não reconhecem a fantasia do herói.

Apesar de não ser o objetivo da proposta de trabalho não podemos deixar de citar a

variedade de referências à produção cultural da cidade, e que merecem ser estudadas com mais

atenção por pesquisas porvir, sendo dentre elas as de maior destaque Dalton Trevisan, que

aparece retratado em caricaturas e tem uma personagem literária, a Polaquinha79

, participando do

gibi. E a referência à Miguel Bakum, pintor paranaense que dentre muitos temas trabalhou com

araucárias.

78 O tolo e as gemas. p.82 79 Technofobia. P.28

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No que se refere especificamente ao objeto de estudo do presente trabalho, voltaremos

às representações feitas da própria cidade de Curitiba. Através dos quadrinhos observamos uma

justaposição entre a Curitiba real, que em geral é referenciada como tradicional na HQ, e uma

cidade fantástica que está num ponto avançado de futurismo e modernidade. A Curitiba do

Gralha se apresenta como um personagem à parte, as histórias sempre ocorrem nela, o Gralha só

existe e faz sentido nela. A verticalidade chegou em seu ápice, a urbanização para além de ter

tido o homem como prioridade levou o mesmo à um elevado grau de individualidade,

transfigurado nos quadrinhos pelo jeito calado e pelos modos europeus do curitibano.

Apesar de utilizar os grandes símbolos da Era Lerner para indicar Curitiba como ainda

uma Cidade Modelo, o quadrinho faz a crítica quando transcende em direção ao fantástico e

deixa transparecer a pouca cobertura dos planos ambientais, que não abrangiam parte da

população e algumas localidades, o transporte integrado que não funciona de forma eficiente e

rápida, também denuncia o aumento de carros, o início dos congestionamentos na cidade em

detrimento à pedestrinação. A diminuição das àreas verdes, invadidas pelas construções. Retrata,

usualmente, suas batalhas entorno do centro da cidade numa indicação da área onde se

concentrava o investimento na propaganda da cidade. A história em quadrinho se apropria dos

grandes marcos materiais e simbólicos da Era Lerner para através do humor e dos elementos

fantásticos trazer sua crítica ao modelo posto.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso das histórias em quadrinhos como fonte histórica, apesar de ainda estarem

sofrendo um processo de ampliação em pesquisas, se mostram como ricos materiais dos

momentos em que foram produzidas. No caso do presente trabalho fica apontado que existem

ainda possibilidades de estudo que abarquem problemáticas sobre as representações acerca da

sociedade e das produções culturais do período em que foi publicado O Gralha.

Nos apropriar do olhar de um super-herói curitibano a fim de olharmos nossa cidade nos

leva a percebê-la de uma nova forma. O uso de elementos fantásticos extrapolam e ocultam uma

Curitiba que pode ser percebida inclusive agora, no século XXI. Talvez este seja o elemento mais

surpreendente deste trabalho. Ao começar, pensei que seriam as representações da fonte restritas

especificamente à data de sua publicação, no entanto ela ainda se apresenta atual em alguns de

seus questionamentos.

O sucesso da cidade mercadoria, implementada durante a Era Lerner principalmente

com os projetos na área de urbanismo, fica evidente pela quantidade de referência nos quadrinhos

às construções daquele período, como a citação de parques, aparição do Jardim Botânico, Ópera

de Arame, monumentos às etnias (em colunas espalhadas na cidade), Faróis do Saber, estações

tubo... No entanto a crítica à espetacularização de Curitiba e o ingresso da mesma no mercado de

cidades aparece representado, principalmente, quando o quadrinho abusa do fantástico. Os

símbolos supracitados, na Curitiba futurista de O Gralha, já fazem parte da àrea tradicional da

cidade, estão de certa maneira defasados, antiquados. Esse aspecto em conjunto com as

constantes reconstruções pelas quais passa a cidade, após as batalhas do super-herói, nos remete à

constante reinvenção necessária para que uma cidade esteja sempre atualizada com o tempo

presente. Ou seja, se Fernanda Sánchez coloca que os projetos urbanísticos precisam carregar a

marca do tempo presente para alcançar o objetivo de ser a cidade modelo, a Curitiba fantástica já

aponta o esgotamento de tal projeto.

O uso de elementos que não encontramos na paisagem da Curitiba real já indicavam os

problemas que a cidade viria enfrentar. A existência de carros voadores e ruas suspensas apontam

a já preferência, na época da publicação dos quadrinhos, do transporte individual ao transporte

coletivo e à pedestrinação. Atualmente se faz inegável os transtornos de trânsito pelos quais

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passam a cidade. Interessante notar que a incidência de ciclistas na cidade também se faz nula na

HQ, apontando uma deficiência de estrutura e estímulo para tal meio de transporte.

A Curitiba fantástica aproveita-se das contradições da Curitiba real. A cidade do Gralha

já se expandiu a ponto de ter incorporado a Região Metropolitana e o Porto de Paranaguá, numa

clara alusão ao domínio político e econômico que a capital exerce sobre essas regiões. No entanto

é do Bairro do Tarumã que vem a turba dos Malacos do Tarumã, indicando que o discurso

hegemônico, produzido de maneira que o torne o mais coerente possível, e destinado à classe

média, expulsava para as margens aqueles que não se enquadravam no seu padrão de cidadão.

Reservava os becos e a noite para assaltantes armados e a prostituição, assim como

provavelmente às drogas que não possuem menção no O Gralha. Assim como a noite e as

encruzilhadas estão no quadrinhos (e não apenas na ficção) para a marginalidade, Curitiba real

pôs à margem tudo o que não era branco e europeu em seu modelo de cidade. E em sua

representação fantástica matou seu único morador de rua.

Se para criar uma cidade mercadoria era necessário forjar uma nova cidade e um novo

cidadão perante o mercado, entrava aí o papel das alianças feitas entre governantes e iniciativa

privada, contando com a mídia para a espetacularização. Nos quadrinhos percebemos o

empresariado em duas situações: num primeiro momento aparece um leitor da Gazeta do Povo,

com o jornal do dia, que traz a seguinte manchete na capa “Setor empreiteiro diz não ter nada

contra o Gralha”, obviamente, uma vez que o herói destruiu inúmeras vezes a cidade e esta

precisava ser reconstruída. Em outro momento aparece, como já colocado no capítulo 3, a figura

clichê do empresário, sendo cúmplice do vilão. E como já mencionado acima, a morte do

morador de rua se deu pelas mãos do empresário. O que pode nos indicar uma crítica contra os

interesses de uma elite acima da população, a população principalmente que pertencia à classe

média.

Para a maioria dos curitibanos da vida real os signos e as simbologias forjadas da cidade

passam a sensação de serem algo orgânico, natural. Na HQ isto se apresenta também de uma

forma simbólica, com a extinção da gralha azul a população não identifica o pássaro do uniforme

do Gralha, confundindo-o com frango, pintassilgo e sabiá. Seria a morte simbólica dos elementos

naturais, ou melhor dizendo, elementos não criados de maneira forjada por uma elite a fim de

construir signos de identificação.

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A questão da cidade e o pós-modernismo pode ser observado pela exaltação da

verticalidade da cidade, que chega a tal ponto que em alguns quadros parece que incorporará o

herói. Na Curitiba ficcional não existe mais a área verde, tudo é dominado por tijolos, estruturas

de ferro e máquinas, representadas pelas indústrias, carros voadores e por robôs. A máquina que

subjuga o homem pós-moderno espanta das ruas dos quadrinhos as pessoas, que em muitas

histórias não são retratadas vivenciando a cidade. Parece que a fragmentação do indivíduo é

apontada pelo excesso de individualidade, com as pessoas dentro dos automóveis e de suas

casas.

Aqui ressalto um último ponto da análise, qual seja o fato do quadrinho ter sido

vinculado por um meio de comunicação de massa, que tem para além de seu dito discurso neutro,

fortes laços com a elite local. Portanto precisamos levar tal situação em consideração ao colocar

que as grandes críticas feitas pelo quadrinho estão envoltas nos elementos fantásticos e nas

ocultações, além de todas elas manterem o tom da própria classe média, uma vez que pouco

primam, efetivamente, para as questões dos que foram postos à margem dessa cidade, desenhada

para a própria classe média. Nesse sentido temos de concordar que a ilusão de um bem-estar

comum a todos, possível a todos, até mesmos aos excluídos, ainda permeia o quadrinho. O que

nos leva a refletir o quão forte foi tanto o discurso como os simbolos postos na Era Lerner, e quão

presentes eles ainda se fazem. Afinal, mais do que propor uma nova cidade modelo, ou um novo

modelo de cidade, o quadrinho apenas aponta os esgotamentos da capital de primeiro mundo

brasileira.

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ANEXOS

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