gralha azul no. 64 - abril - 2017

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GRALHA AZUL - No. 64 - ABRIL - 2017 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR GRALHA AZUL GRALHA A ZUL Estava a caminhar nos corredores do Hospital Oncológico Erasto Gaertner em Curitiba, e entre examinar um paciente e outro, tentava escolher um poeta para o tema do próximo encontro das segundas terças do mês. Difícil não ser atingida pelos mais diversos olhares perdidos e desistidos nos corredores do hospital. Impossível não ser dominada pelo tocar profundo de quem pede para apenas não sentir dor e ter um pouco mais de tempo. A doença corrói nossas entranhas, digere nossa dignidade e afunda-nos num estado mundano precário quando estamos presos ao corpo que nos comporta. Dilacera as almas. Perdem-se as identidades. De fato, na nossa sociedade ocidental é quase um tabu falar a respeito da morte. Como se ao tentarmos entendê-la, respeitá-la, sem temê-la, estivéssemos sendo ingratos com a vida que temos. E não. Na tentativa de compreender a morte, entramos em íntimo contato com nosso ser e as descobertas são infindas. O que fizemos na nossa vida nos faz ser quem somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta. Somos facilmente vulneráveis a sentimentos como raiva, inveja, vaidade, tristeza, luxúria... e o destino são as guerras, sejam civis, sejam internas. E neste anseio de sobreviver, apostamos nosso mais precioso bem, o tempo, com planejamentos desde muito cedo e esquecimentos até muito tarde. Mas não para o poeta. Aquele que desperta e se questiona, que se engaja na busca do sentido da vida. E nessa busca encontra "o tempo". Que continua a passar, na dor, na alegria, no desespero, na calmaria. E que bom que tudo passa. À benção as rugas que mostram as curvas do tempo. Dessa forma, neste encontro mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do Paraná, trouxemos a proposta de celebrar a vida, o tempo, a dor e a morte. Esse ciclo que nos acompanha e negligenciamos com medo do desconhecido. Quem sabe mais da dor que cala do que o poeta? Quem sabe mais da dor de poeta do que aquele que viveu por quase um século e atravessou duas eras tão distintas? Dedicamos este dia à poetiza quase centenária da história do Brasil, Cora Coralina, que faleceu aos 95 anos ( 20/08/1889 - 10/04/1985) na sua terra natal, Goiás. Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, adotou o pseudônimo de Cora Coralina aos 14 anos, mas não o tornou público. Ao completar 50 anos a poetisa passou por uma marcante transformação interior, a qual mais tarde chamou de "a perda do medo". Naquele momento, assumiu o pseudônimo que escolhera para si muitos anos atrás. A Perda do Medo. É a mensagem de Cora Coralina para nós. Ela teve a maioria de suas obras publicadas após os 70 anos, sendo a prova de que não existe idade para o sucesso. Adotemos pseudônimos e esqueçamos do tempo. Como ela mesma escreveu, de hoje em diante levaremos apenas o que couber no bolso e no coração. CORA E O TEMPO JAQUELINE DORING RODRIGUES - SOBRAMES PR

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GRALHA AZUL - No. 64 - ABRIL - 2017 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR

GRALHA AZULGRALHA AZUL

Estava a caminhar nos corredores do Hospital Oncológico Erasto Gaertner em Curitiba, e entre examinar um paciente e outro, tentava escolher um poeta para o tema do próximo encontro das segundas terças do mês. Difícil não ser atingida pelos mais diversos olhares perdidos e desistidos nos corredores do hospital. Impossível não ser dominada pelo tocar profundo de quem pede para apenas não sentir dor e ter um pouco mais de tempo. A doença corrói nossas entranhas, digere nossa dignidade e afunda-nos num estado mundano precário quando estamos presos ao corpo que nos comporta. Dilacera as almas. Perdem-se as identidades.

De fato, na nossa sociedade ocidental é quase um tabu falar a respeito da morte. Como se ao tentarmos entendê-la, respeitá-la, sem temê-la, estivéssemos sendo ingratos com a vida que temos. E não. Na tentativa de compreender a morte, entramos em íntimo contato com nosso ser e as descobertas são infindas. O que fizemos na nossa vida nos faz ser quem somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta.

Somos facilmente vulneráveis a sentimentos como raiva, inveja, vaidade, tristeza, luxúria... e o destino são as guerras, sejam civis, sejam internas. E neste anseio de sobreviver, apostamos nosso mais precioso bem, o tempo, com planejamentos desde muito cedo e esquecimentos até muito tarde. Mas não para o poeta. Aquele que desperta e se questiona, que se engaja na busca do sentido da vida. E nessa busca encontra "o tempo". Que continua a passar, na dor, na alegria, no desespero, na calmaria. E que bom que tudo passa. À benção as rugas que mostram as curvas do tempo.

Dessa forma, neste encontro mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do Paraná, trouxemos a proposta de celebrar a vida, o tempo, a dor e a morte. Esse ciclo que nos acompanha e negligenciamos com medo do desconhecido. Quem sabe mais da dor que cala do que o poeta? Quem sabe mais da dor de poeta do que aquele que viveu por quase um século e atravessou duas eras tão distintas? Dedicamos este dia à poetiza quase centenária da história do Brasil, Cora Coralina, que faleceu aos 95 anos ( 20/08/1889 - 10/04/1985) na sua terra natal, Goiás.

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, adotou o pseudônimo de Cora Coralina aos 14 anos, mas não o tornou público. Ao completar 50 anos a poetisa passou por uma marcante transformação interior, a qual mais tarde chamou de "a perda do medo". Naquele momento, assumiu o pseudônimo que escolhera para si muitos anos atrás.

A Perda do Medo. É a mensagem de Cora Coralina para nós. Ela teve a maioria de suas obras publicadas após os 70 anos, sendo a prova de que não existe idade para o sucesso. Adotemos pseudônimos e esqueçamos do tempo. Como ela mesma escreveu, de hoje em diante levaremos apenas o que couber no bolso e no coração.

CORA E O TEMPOJAQUELINE DORING RODRIGUES - SOBRAMES PR

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GRALHA AZUL - No. 64 - ABRIL - 2017 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR 2

CORA E O TEMPO

Jaqueline Doring Rodrigues

Cora, filha de Goiás Quando pequena já era gigante cansava com suas perguntas era Cora, a menina falante daquelas terras robustas.

De longe sabiam ser ela o retrato feito do seu falecido pai cabisbaixa quando os olhares nela e se ao céu a mirar, cai.

Após 45 anos, retorna a Goiás Resolve ser doceira e publicar Vinham todos a velha casa dos seus pais comprar um doce e um exemplar.

Viveu sua vida como bem queria sem limitações após a viuvez essa maturidade certeira fez dela a moça nonagenária da vez.

E assim, inspira-nos, os leitores a olhar acima mesmo que ainda a temer com seus doces, seus escritos e seus amores descobriu a arte de viver e escrever.

MEU EPITÁFIO

Cora Coralina, Publicado no livro "Meu Livro de Cordel", 1976.

Morta... serei árvore, serei tronco, serei fronde e minhas raízes enlaçadas às pedras de meu berço são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes a pedra de meu túmulo num simbolismo de vida vegetal.

Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos.

Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e

plantando flores.Cora Coralina

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A SOBRAMES PR e a cidade de Curitiba dedicaram o mês de março à Florbela Espanca. Nossa reunião mensal teve a apresentação de Wilma Brunetti (Sobrames PR) sobre a vida e obra de Florbela e a Fundação Teatro Guaíra com o espetáculo musical “Florbela”. A Brava Produções apresentou o espetáculo, que se passa nos anos 20 e 30 com música ao vivo, canto, teatro e dança baseados nos poemas da poetisa. O musical é uma polifonia arquétipo que reproduz experiências e extrapolam o âmbito pessoal, encontrando ressonância no coletivo de diferentes épocas. Marcam aspectos como a sensualidade, o erotismo, a dor, a angústia, o desejo, o sonho e a vaidade. O espetáculo luso-brasileiro teve como objetivo promover uma integração entre as culturas paranaense e portuguesa, cujas histórias, são entrelaçadas e paralelas. A direção, concepção e roteiro coube à Lia Comandulli. Música e arranjo de Beto Blues. Cantora Helen Tormina. Atriz Lia Comandulli. Bailarinos Tharley Cândido e Maria Clara Maia. Foram três noites com lotação completa. Viva Florbela!

FLOR BELA

Minha Homenagem à Florbela

Charneca em Flor

Ontem à noite, sorrateiramente, na minha estante

Coloquei, bem de mansinho, o meu pequeno livro de poesia

Ao lado de Florbela.

Era a "Charneca em Flor". Dormi.

Era como se estivesse acomodado, Acariciado, velado e a tivesse

encontrado! E que sua espera e sua dor, enfim

Desaparecessem comigo.

Flor, Florbela, Saudade. Viva em páginas e nem só por

Um instante, longe ou fora de nós.

Remoendo seu desejo: “Encontrar um verso puro,

altivo e forte, estranho e duro.” Pois então, que assim seja, ao lado do meu “Aurora”.

Sérgio Pitaki

Wilma Brunetti - SOBRAMES PR

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4 GRALHA AZUL - No. 64 - ABRIL - 2017 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR

Editor Responsável: Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki. [email protected]

Conquistar um coração em paz é uma batalha.

A batalha da verdade, que teremos que travar um dia, nem que seja na hora da nossa morte.

Cada um tem que ser o seu próprio combatente!

Refletir sobre os seus pensamentos inquietos e olhar para o mistério, onde talvez possa encontrar o antídoto para a

frequente falta de sentido da existência.

O personagem do “Bordado N’Água” poderia ser você, poderia ser eu, porque como nós, também para ele, tem vezes que existir não faz sentido.

Mas ele sabe que acalmar seus monstros ameaçadores só é possível se tivermos a coragem de olhar no fundo dos olhos deles e manter o coração sereno.

Um dia imaginei que pensar sobre isso fosse como bordar na água.

Não há um só tipo de bordador, bastidor, ponto, linha ou cor.

A cada bordado corresponde a singularidade de cada pessoa e o lado avesso dos tapetes é bordado também.

E tudo é fugaz, evanescente, passageiro, mutante. Vêm do mistério e para ele retorna.

A coragem de bordar talvez seja a própria felicidade, distante do mero prazer. Esta é a proposta leitor: com você, refletir sobre a existência, os sentidos e os significados da Vida!

BORDADO NA ÁGUACarlos Homero Giacomini - SOBRAMES PR

www.carloshomerogiacomini.com.br