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1 INTRODUÇÃO O presente trabalho discute a atuação do capital imobiliário na estruturação do espaço urbano, analisando a produção de moradias para o segmento de média-baixa renda 1 na cidade de Belo Horizonte, nos anos noventa. O objetivo principal é entender como as instâncias do mercado vêm interagindo com o Estado (via legislação urbanística) e com os demais agentes que atuam na estruturação do espaço, em um contexto de mudanças de paradigma que envolve o planejamento urbano 2 . Dentre os debates sobre a cidade, “depois dos modernos” (ARANTES, 2000, p.11), observa-se a inserção do conceito de gerenciamento ao planejamento urbano, tendo em vista o contexto da reestruturação produtiva. Segundo este novo modelo, as cidades são consideradas centros de gestão dos fluxos do capital, o que permite uma articulação entre o local e o global 3 . Neste “novo planejamento urbano”, a cidade ideal, segundo seus ideólogos e as agências internacionais é a cidade produtiva, competitiva, globalizada, conectada a redes internacionais de cidades e negócios. O governo desta cidade concebida e pensada como empresa se espelha no administrador desta última: produtividade, competitividade, subordinação dos fins à lógica do mercado são elementos que dominam nessa nova forma de se pensar o urbano, constituindo o que Harvey chamou de empresariamento da gestão urbana (HARVEY, 1996). Aparentemente, não haveria outra maneira de se pensar o futuro das cidades senão inseridas numa rede global na qual imperaria uma nova dinâmica de relações baseada na competição pela atração de investimentos, nos avançados sistemas de informação e comunicação, na modernização da infra-estrutura, nas grandes operações urbanísticas, no fortalecimento do setor de serviços e no poder do capital financeiro internacional que são 1 Considera-se segmento de média-baixa renda o setor da população com renda familiar entre cinco e quinze salários mínimos. 2 Por mudança de paradigma entendo a inserção de dois conceitos fundamentais ao planejamento: o conceito de função social da propriedade, tido como fator intrínseco da transformação social e que passa a direcionar atuações do planejamento. Dentre as discussões que tomam forma neste contexto, citam-se as novas estratégias de gestão urbana baseadas no chamado “planejamento participativo”. o conceito de empresariamento urbano, que seria uma visão da cidade como empresa produtiva, competitiva, globalizada, instaurando-se o chamado “planejamento estratégico”. 3 Sobre o paradigma e as estratégias de desenvolvimento das cidades e as relações entre o global e o local, ver COMPANS, R. 1999. O paradigma das global cities nas estratégias de desenvolvimento local. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n.1, Campinas: ANPUR. P.91-114.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho discute a atuação do capital imobiliário na estruturação do espaço

urbano, analisando a produção de moradias para o segmento de média-baixa renda1 na

cidade de Belo Horizonte, nos anos noventa. O objetivo principal é entender como as

instâncias do mercado vêm interagindo com o Estado (via legislação urbanística) e com os

demais agentes que atuam na estruturação do espaço, em um contexto de mudanças de

paradigma que envolve o planejamento urbano2.

Dentre os debates sobre a cidade, “depois dos modernos” (ARANTES, 2000, p.11),

observa-se a inserção do conceito de gerenciamento ao planejamento urbano, tendo em

vista o contexto da reestruturação produtiva. Segundo este novo modelo, as cidades são

consideradas centros de gestão dos fluxos do capital, o que permite uma articulação entre o

local e o global3. Neste “novo planejamento urbano”, a cidade ideal, segundo seus

ideólogos e as agências internacionais é a cidade produtiva, competitiva, globalizada,

conectada a redes internacionais de cidades e negócios. O governo desta cidade concebida

e pensada como empresa se espelha no administrador desta última: produtividade,

competitividade, subordinação dos fins à lógica do mercado são elementos que dominam

nessa nova forma de se pensar o urbano, constituindo o que Harvey chamou de

empresariamento da gestão urbana (HARVEY, 1996).

Aparentemente, não haveria outra maneira de se pensar o futuro das cidades senão

inseridas numa rede global na qual imperaria uma nova dinâmica de relações baseada na

competição pela atração de investimentos, nos avançados sistemas de informação e

comunicação, na modernização da infra-estrutura, nas grandes operações urbanísticas, no

fortalecimento do setor de serviços e no poder do capital financeiro internacional que são

1 Considera-se segmento de média-baixa renda o setor da população com renda familiar entre cinco e quinzesalários mínimos.2 Por mudança de paradigma entendo a inserção de dois conceitos fundamentais ao planejamento:• o conceito de função social da propriedade, tido como fator intrínseco da transformação social e que

passa a direcionar atuações do planejamento. Dentre as discussões que tomam forma neste contexto,citam-se as novas estratégias de gestão urbana baseadas no chamado “planejamento participativo”.

• o conceito de empresariamento urbano, que seria uma visão da cidade como empresa produtiva,competitiva, globalizada, instaurando-se o chamado “planejamento estratégico”.

3 Sobre o paradigma e as estratégias de desenvolvimento das cidades e as relações entre o global e o local,ver COMPANS, R. 1999. O paradigma das global cities nas estratégias de desenvolvimento local. RevistaBrasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n.1, Campinas: ANPUR. P.91-114.

2

supostamente empregados para dar vida nova às áreas urbanas degradas pela força do

mercado.

Do ponto de vista de um país em desenvolvimento como o Brasil, há algumas

considerações que não se pode deixar de mencionar quando se refere a esta forma de se

pensar o planejamento. Dada a dinâmica do processo de urbanização brasileiro, o

desenvolvimento urbano tem gerado um processo crescente de exclusão sócio-espacial.

Não se pode imaginar um governo de cidade que se limite basicamente a agenciar negócios

e atrair investimentos sem levar em conta os problemas urbanos e o aprofundamento das

desigualdades sociais que vão sendo reproduzidos nesse espaço de dominação. Não há

como falar em desenvolvimento sem abordar a necessidade de qualificação4 do espaço

urbano (via planejamento) que vem sendo amplamente discutida em função dos processos

de globalização e fragmentação.

À exclusão social tem correspondido também um processo de segregação territorial. Em

nossas cidades “salta aos olhos” a coexistência e persistência de formas diferenciadas de

ocupação do solo e produção do ambiente construído. A densidade de ocupação varia

substancialmente de uma área para outra, o mesmo acontecendo com o tipo de habitação e

com a distribuição sócio-espacial da população. Ou seja, pode-se observar situações que

compreendem desde a autoconstrução nos loteamentos de periferia, a criação de novas

áreas residenciais de luxo pela indústria imobiliária e o aumento de favelas, fatos que

ocorrem num processo de expansão urbana, em geral, com a participação do próprio

Estado. São marcantes também as diferenças nas relações sociais das populações que

ocupam diferentes áreas urbanas: o acesso ao emprego, aos serviços públicos, etc. varia

enormemente no interior de uma grande cidade brasileira.

Dentre os trabalhos que vêm buscando examinar os impactos de modelo de

desenvolvimento na estrutura urbana e social das grandes cidades, marcada por uma

dualização da estrutura social - desigualdade e segregação - há o trabalho organizado por

RIBEIRO (2000A). Trata-se de uma coletânea de textos de diversos autores - dentre eles,

Adauto Cardoso, Berenice Guimarães, João Gabriel Teixeira, Edmond Preteceille e Luiz

César Ribeiro - que procuram orientar suas reflexões na perspectiva de encontrar, na

4 Entende-se por “necessidade de qualificação do espaço urbano” a busca por um espaço tecnicamenteorganizado e socialmente mais justo.

3

análise das mudanças, novos paradigmas de ação que permitam pensar alternativas de

políticas que reafirmem os ideais de democracia e justiça social.

Enfim, a cidade apresenta uma grande variedade de situações para a população, gerando

diferentes formas de apropriação do espaço urbano e, consequentemente, produzindo uma

segregação sócio-espacial. De forma geral, a segregação social no espaço é resultante das

interrelações entre os agentes responsáveis pela estruturação urbana, sendo relevantes o

poder público (Estado) e o capital imobiliário (Mercado). Isso porque a forma como estes

agentes organizam a ocupação no e do espaço acaba por gerar desiguais oportunidades de

apropriação dos recursos urbanos pela população, que passa a se organizar segundo uma

hierarquia social decorrente desta inter-relação.

O Estado representa duas funções principais na cidade e no mercado de habitações em

particular, atuando como fornecedor dos meios de consumo coletivo (PRADILLA, 1977;

LOJKINE, 1981; CASTELLS, 1983) - e também dos meios de produção e circulação - ou

legislando sobre o uso do solo. O conjunto de leis que atuam no urbano é o meio de que se

vale o Estado para ordenar e controlar os espaços habitáveis. O capital imobiliário, por sua

vez, desenvolve o espaço urbano, organizando os investimentos privados - em especial a

produção de moradias - no ambiente construído. É da interação destes agentes que resulta a

cidade de hoje: segregada, hierarquizada, fragmentada.

O ponto de partida desta pesquisa é a análise das diferentes formas de ocupação ou

estruturação espacial urbana que ora se observa nas grandes cidades brasileiras, discutindo,

para o caso específico da cidade de Belo Horizonte, o papel dos mencionados agentes neste

processo, tendo como foco principal a produção de moradias para a classe de média-baixa

renda na década de noventa.

O Estado foi, desde o pós–guerra, o pressuposto da criação do moderno setor construtivo

habitacional, especialmente a partir de 1964, quando a dinâmica construtiva passa a contar

com um sistema de crédito regulado pelo Banco Nacional da Habitação (BNH). Passados

vários anos de intensa construção sustentada pelo Estado, as avaliações mostram que o

BNH não somente falhou em sua proposta de dar solução para os problemas habitacionais

dos segmentos de baixa renda da população urbana (AZEVEDO e ANDRADE, 1982;

p.129-131), como também contribuiu para a valorização excessiva da terra urbana - na

medida em que financiou fortemente a construção para os segmentos de alta renda da

4

população - contribuindo para o processo de expansão das periferias das grandes cidades

(MONTE-MÓR, 1980; p.34-35). Como resultado, pode-se dizer que após todos esses anos,

assiste-se ainda hoje a uma situação de crise habitacional nas grandes cidades brasileiras.

Além disso, como há alguns anos o processo de produção de moradias vem sendo

essencialmente orientado pela lógica do mercado, observa-se um processo de alargamento

do espaço privado em detrimento do espaço público urbano na produção de moradias.

A produção de moradias remete à produção do espaço urbano que está ligada diretamente à

ação do capital imobiliário. Os espaços produzidos segundo este capital são definidos por

uma estratégia empresarial que objetiva, obviamente, o lucro, e que vai determinando uma

lógica própria de parâmetros de intervenção, relocando pessoas e influindo no

direcionamento dos serviços e da infra-estrutura, segundo as variações do mercado e os

limites da legislação. Neste contexto, o trabalho proposto pretende analisar a estruturação

do espaço da cidade de Belo Horizonte através da atuação do mercado privado e dos novos

processos que vem ocorrendo: novas formas de produção de moradias, novas leis, novos

nichos de mercado, etc.

O objetivo principal da pesquisa é contribuir para o entendimento de novas formas de

produção do espaço urbano. Busca-se verificar o papel dos atuais “construtores urbanos”5

de moradias neste processo de produção. Para compreender a complexidade dos processos

que se entrelaçam na produção do espaço urbano busca-se entender como estes agentes –

“construtores urbanos” – interagem com os demais agentes (especialmente o Estado) e

instrumentos de gestão das cidades. Propõe-se analisar mais detidamente uma dessas

interações, aquela com a legislação urbana, o que irá exigir um estudo mais aprofundado

acerca do papel do Direito Urbanístico no controle do espaço urbano e na produção de

cidades socialmente mais justas. A hipótese explorada na pesquisa é que a Lei de

Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (no. 7166/1996) pode estar

contribuindo simultaneamente para o processo de produção de um espaço urbano

socialmente mais justo e para orientar a atuação lucrativa e disciplinada de segmento do

setor privado na construção de moradias para a população de média-baixa renda.

5 Entende-se por “construtores urbanos”, neste contexto, os empreendedores imobiliários responsáveis pelaprodução e venda de moradia acabada, isto é, a moradia “pronta para morar” e que nela insere-se o valor daterra, do projeto e da construção. Envolve diferentes agentes como o próprio empreendedor/construtor, oproprietário da terra e o profissional de projetos. Ao longo da pesquisa utilizar-se-á também os termos:empreendedores imobiliários, incorporadores imobiliários, ou apenas capital imobiliário.

5

São muitos os trabalhos existentes sobre a questão da habitação. No Brasil, estes estudos,

segundo COSTA (1983, p.3), podem ser divididos em duas áreas de análise de acordo com

o agente responsável pela produção da habitação: a produção oficial e a autônoma. No

primeiro grupo concentram-se estudos sobre a política implementada pelo BNH,

destacando autores como AZEVEDO e ANDRADE (1982), BOLAFFI (1979),

VALLADARES (1980) dentre outros. No segundo grupo, os estudos seguem uma linha de

análise baseada nas formas de acesso à moradia pela classe popular principalmente,

destacando os trabalhos de MARICATO (1979, 2000), KOWARICK (1979), SMOLKA

(1983). Mais recentemente destaca-se a coletânea organizada por AZEVEDO e RIBEIRO

(1996), que enfoca a crise da moradia nas grandes cidades brasileiras. No caso de Belo

Horizonte, as pesquisas seguem a mesma linha, diferenciando-se quanto aos subtemas

tratados6. Dentre elas destacam-se, a seguir, algumas que seguem uma linha de raciocínio

semelhante à desenvolvida nesta dissertação.

GUIMARÃES (1991) trata, em sua tese de doutorado, da evolução da política de moradia

para o trabalhador em Belo Horizonte, analisando a dinâmica das relações estabelecidas

entre o poder público e a classe de trabalhadores no período entre 1893-1945. Este trabalho

retrata a formação e consolidação da nova cidade e da classe trabalhadora ao longo de

quase cinqüenta anos de história, chamando a atenção não só para os fatores que afetam o

crescimento da cidade, mas sobretudo, para mudanças na atuação do governo e da própria

classe de trabalhadores frente à questão da moradia. O período de estudo engloba desde a

construção da cidade, tratando da ausência de um lugar definido para alojar o operário

construtor, até a criação de uma política nacional de habitação instituída com a Fundação

da Casa Popular, momento em que pela primeira vez se atribui ao Estado a

responsabilidade de prover moradia.

O trabalho de DIAS (1987), mostra, através do desenvolvimento da cidade de Belo

Horizonte, a atuação do poder público voltada para o assentamento residencial das classes

mais favorecidas e o surgimento das favelas como forma de acesso à moradia para classes

de baixa renda. Contextualiza a cidade no final dos anos setenta - altos preços dos terrenos,

demanda crescente por novas áreas de loteamentos populares, grandes obras públicas - no

momento em que se assiste a experiências de melhorias em áreas faveladas com destaque

para o Programa de Desenvolvimento de Comunidades (PRODECOM) e o Programa de 6 Sobre algumas pesquisas existentes enfocando a cidade de Belo Horizonte ver AZEVEDO eGUIMARÃES, 1995.

6

Regularização e Urbanização de Favelas (PRÓ-FAVELA). Retrata a inter-relação entre

poder público e comunidade no processo. Nesta mesma linha, inserem-se também os

trabalhos de FERNANDES (1998) e NAVARRO (1993).

No que se refere ao estudo da interação entre legislação urbana e os processos de ocupação

do solo destacam-se os trabalhos de MATOS (1984) e MARES GUIA (1993). O primeiro

analisa a lei 2662/1976 de Belo Horizonte com base em dados sobre a evolução da

ocupação e expansão da cidade para além de seus limites. O trabalho procura caracterizar a

estrutura espacial urbana fruto da lei, que, ao contrário do que se pretendia, acabou por

favorecer a oferta de loteamentos para classe média em detrimento da popular, que

continuou ocorrendo em alguns municípios periféricos até o início dos anos oitenta. Já o

segundo trabalho analisa, através do estudo de caso do controle do parcelamento do solo na

Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), as repercussões das iniciativas do poder

público sobre o processo de expansão e estruturação urbana nesta região nos anos setenta e

oitenta. É dado destaque à produção e disseminação de loteamentos populares e aos

mecanismos de intervenção sobre o controle do parcelamento e da expansão das cidades

que entram em cena a partir dos anos setenta, incluindo o processo de regularização de

loteamentos.

Ainda considerando a inter-relação entre agentes no processo de estruturação urbana e de

produção de moradias não se pode deixar de mencionar o estudo desenvolvido por COSTA

(1983) que analisa a produção do espaço de Belo Horizonte sob o ponto de vista dos

loteamentos populares, identificando o papel dos loteadores como agentes sociais

responsáveis pelo processo de expansão periférica e formação de alternativas de acesso à

habitação para as camadas de baixa renda7. Focaliza o estudo na década de setenta,

apresentando, anteriormente, uma revisão histórica da formação do espaço belorizontino.

Sua análise identifica a relação Estado-setor privado na conformação do espaço urbano, do

intenso processo de parcelamento do solo, destacando a qualidade e a localização dos

loteamentos, a dinâmica do mercado e a importância da legislação como mecanismo de

controle da atividade imobiliária, que reforça as diferenças espaciais do preço da terra. É

um trabalho importante, uma vez que retrata, através da produção de loteamentos, a

estratégia do capital imobiliário na produção e comercialização dos lotes, baseada na

localização (áreas periféricas onde a terra é mais barata), na ausência de infra-estrutura e

7 Considera-se camada de baixa renda aquela com renda familiar inferior a cinco salários mínimos.

7

de serviços urbanos e na inexistência de legislação. Estes elementos inter-relacionados,

somados às formas de financiamento, correspondiam à única forma de acesso à moradia

para os segmentos de baixa renda, até o final dos anos setenta.

Mais recentemente FREITAS (1996) desenvolveu um trabalho que discute as perspectivas

recentes do planejamento urbano contemporâneo, calcadas na necessidade de qualificação

do espaço urbano (LEFEBVRE, 1993). Segundo a autora, o “locus primordial” onde se

inicia tal processo de qualificação do espaço, refere-se “àquele onde se desenvolve a vida

cotidiana, ou seja, ao espaço das particularidades intra-urbanas, das interações imediatas,

da atribuição de valores de uso, da identificação, da subjetividade e da apropriação” (1996,

p.4). A contextualização teórica deste assunto permite despertar para uma abordagem mais

humanística do espaço através da interação entre planejamento e legislação num contexto

mais amplo de transformações que vem ocorrendo desde o início dos anos noventa. Neste

contexto, o trabalho analisa esse processo recente de transformação, especialmente no que

se refere à influência da necessidade de qualificação do espaço sobre o planejamento.

Fazendo uma análise específica para o Bairro Carlos Prates em Belo Horizonte, a autora

retrata como se deu o processo de formação e transformação deste bairro, analisando, sob o

prisma das legislações municipais, os processos de apropriação e de dominação do espaço

urbano. Ao estudar este microcontexto - escala de um bairro - a autora avalia como a

prática de planejamento tem incorporado as particularidades intra-urbanas, principalmente

após a elaboração do novo plano diretor pós Constituição Federal de 1988. No entanto, ao

mesmo tempo em que tendências gerais são evidenciadas, identifica-se como uma das

lacunas ainda não atendidas pelo planejamento o trato dos aspectos mais específicos e

particularizados, inerentes à diversidade urbana. Sendo assim, a autora aborda, ao final do

trabalho, exemplos da não consideração de especificidades intra-urbanas, carregadas de

valores de uso, pelo planejamento. Dessa forma, conclui que o espaço urbano associa-se

tanto a formas produtivas - processo de dominação que gera valores de troca - quanto não

produtivas - processo de apropriação que gera valores de uso - e, por isso, ambos devem

ser tratados pelo planejamento, no sentido de promover a qualificação do espaço urbano.

É neste contexto de análise das interações entre os diferentes agentes que atuam na

estruturação do espaço urbano, e na busca de um espaço urbano socialmente mais justo que

o trabalho aqui proposto se insere. Tratando da realidade belo-horizontina no que se refere

à produção de moradias, esta pesquisa apresenta também algumas especificidades, uma vez

que analisa a atuação de um segmento do capital imobiliário - os “construtores urbanos” - e

8

sua interação com a legislação urbana para o caso particular da produção da habitação para

o mercado de média-baixa renda da população, segmento que vem sendo pouco estudado.

Quanto à forma, o presente trabalho estrutura-se, a partir da introdução, em quatro

capítulos, além das Considerações Finais.

Para discutir o tema inicia-se a pesquisa (Capítulo 1) através da análise da questão urbana

no Brasil, enfocando mudanças na dinâmica de organização do espaço no contexto dos

anos noventa. O problema da habitação, o papel dos agentes no processo de produção do

espaço urbano e a questão da renda fundiária são alguns temas a serem desenvolvidos nesta

parte da dissertação. Busca-se compreender a questão da produção de moradias dentro do

processo mais amplo da dinâmica urbana, discutindo a organização do espaço e seu

desequilíbrio, gerado principalmente, pela distribuição desigual da renda no país

(CAMPOS FILHO, 1992; p.45) e acentuada por mecanismos próprios do processo de

produção, apropriação e consumo do espaço. À produção do espaço corresponde a ação e

inter-relação entre os diferentes agentes que atuam no processo, sendo que neste estudo

analisar-se-á o agente imobiliário (e dentro deste setor do capital, os “construtores”), sua

lógica de atuação, as formas como se apropria do espaço e as conseqüências de sua atuação

na configuração do espaço urbano. A interligação deste processo de ocupação do solo com

a ação do poder público tanto como fornecedor dos meios de consumo coletivo como

controlador da ocupação do espaço através da legislação encerra esta primeira parte da

pesquisa.

Posteriormente (Capítulo 2) será tratada a questão da interação entre planejamento e

Direito no Brasil, discutindo a evolução do primeiro e a inserção da dimensão jurídica no

tratamento da questão urbana. Neste contexto, pretende-se analisar como o Direito vem

sendo aplicado ao urbano, buscando-se entender de que forma as estratégias jurídico-

políticas de gestão poderiam contribuir para compatibilizar desenvolvimento com justiça

social. Parte-se da hipótese de que o Direito é uma doutrina que pode ser empregada para

resolver conflitos, principalmente ao inserir o conceito da função social da propriedade,

essencial para se pensar formas de equilíbrio entre o individual e o social no espaço

urbano. No entanto, não se sabe até que ponto este conceito8 vem sendo aplicado e a forma

8 O conceito da “função social da propriedade” surge no Brasil independente somente a partir da Constituiçãode 1934. No entanto, é somente a partir da Constituição de 1988 que este conceito passa a ser consideradoum elemento intrínseco da qualificação do espaço. Além disso, o princípio da “função social da propriedade”,

9

como ele vem sendo interpretado por aqueles que fazem a legislação, principalmente pós-

Constituição de 1988. Questionam-se os instrumentos que poderiam ser empregados para a

efetividade e cumprimento deste conceito e, por isso, devem ser analisadas ações mais

recentes no que diz respeito à interação com os demais agentes, para a análise da questão.

No Capítulo 3, tratar-se-á da atuação do capital imobiliário na cidade de Belo Horizonte,

iniciando o estudo com um rápido histórico até a década de setenta, quando são aprovadas

duas legislações que irão influenciar diretamente na atuação deste agente: a primeira Lei de

Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte de 1976, e a Lei Federal n.º 6766 de 1979, que

dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. A partir destas leis será feito um estudo mais

detalhado das subsequentes legislações urbanas: a Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1985

e a atual Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS) de 1996. Pretende-se

analisar as principais mudanças ocorridas ao longo das três legislações municipais,

buscando verificar até que ponto a legislação atua como coibidora ou facilitadora da ação

do capital imobiliário e para quais segmentos de renda. Isto exigirá um estudo sobre os

parâmetros urbanísticos empregados em cada uma das legislações e suas mudanças no que

diz respeito à sua influência na produção de moradias. Mudanças na legislação urbana, ao

direcionarem investimentos do mercado imobiliário, podem contribuir para que certas

áreas sejam mais atrativas que outras. Objetiva-se, nesta parte do trabalho, verificar até que

ponto estas mudanças podem estar deslocando investimentos para outras áreas e ampliando

o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população. Posteriormente à

análise das leis, procurar-se-á descrever as tendências de ocupação do espaço urbano, e

verificar se tais tendências são ou não reforçadas pela legislação urbana atual. Tomando

como referência os processos imobiliários ocorridos em Belo Horizonte no final da década

de noventa, observam-se mudanças na sua dinâmica, tanto em termos da lógica de

localização dos empreendimentos mais rentáveis, quanto nas características desses

investimentos. Tais mudanças têm se caracterizado tanto pelo adensamento de áreas

urbanas em geral, com especial destaque para a vertente sul da cidade (em direção aos

municípios de Nova Lima, Brumadinho etc.) com a expansão de estruturas do tipo

“condomínios fechados”; quanto pelo interesse de empreendedores em investir em novos

“nichos” de mercado que ganharam poder de compra com a estabilização da moeda

brasileira (principalmente famílias com renda entre cinco e quinze salários mínimos) e que

a partir desta Constituição, passa a ser determinado pelo plano diretor, isto é, vincula-se o cumprimento dafunção social à legislação urbana.

10

até então não eram alvo de ofertas específicas pelo mercado imobiliário. Estas e outras

tendências serão melhor expostas no final do Capítulo 3 e serão baseadas, principalmente,

em entrevistas com pessoas envolvidas no assunto, considerando a falta de dados recentes.

No Capítulo 4 será desenvolvida a pesquisa empírica, tratando de um estudo de caso de

uma empresa de produção relevante no setor imobiliário e que direciona seu produto ao

atendimento de uma demanda específica do mercado. Trata-se da MRV Engenharia,

construtora especializada na produção de moradias para o segmento social de média-baixa

renda e que vem se destacando por seu sucesso empresarial, sendo responsável por mais de

50% da produção direcionada para aquele nicho de mercado9 em Belo Horizonte.

Pretende-se analisar empiricamente a atuação desta empresa na vigência das três

legislações urbanísticas municipais (por meio da análise de dados e mapeamento),

orientando-se pela pergunta colocada no capítulo anterior: para este segmento, a legislação

atual é facilitadora ou coibidora de sua atuação? Nesta parte da pesquisa será desenvolvido

um trabalho com mapas dos empreendimentos lançados pela empresa ao longo das três

legislações que contribuirão para analisar as principais mudanças ocorridas na atuação da

construtora e sua distribuição espacial, bem como os fatores que influenciaram para tais

mudanças, com destaque para a legislação. O estudo estará orientado principalmente pela

análise da legislação urbanística de Belo Horizonte de 1996, buscando-se verificar como

esta vem direcionando a ação imobiliária no espaço urbano, tendo como base a empresa

analisada. Com isso, busca-se verificar até que ponto o conceito de função social da

propriedade pode estar sendo aplicado na estruturação do espaço urbano: até que ponto a

atuação da empresa vem favorecendo a apropriação dos recursos urbanos (equipamentos e

serviços) de forma mais justa e igualitária pela população?

Ao final do trabalho (Considerações Finais) será feita uma análise geral da interação dos

agentes aqui discutidos - Capital imobiliário e Estado (via legislação urbana) - buscando

contribuir para o debate da hipótese levantada no início desta introdução.

9 Segundo matéria publicada no encarte “Imóveis” do Jornal Estado de Minas, edição Dezembro de 1999.Segundo um de seus diretores, a empresa, em 1998, chegou a produzir 75% para o mercado de média-baixarenda (faixa entre 5 e 15 salários mínimos) em Belo Horizonte.

11

1. A QUESTÃO URBANA NO BRASIL: UMA DISCUSSÃO

EM TORNO DA RELAÇÃO ENTRE MERCADO DE

TERRAS E PRODUÇÃO DE MORADIAS NA

ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DAS CIDADES.

As intensas transformações na estrutura sócio-econômica brasileira resultaram em

expressivo crescimento urbano ao longo do século XX, redesenhando a ocupação no

território nacional e no contexto intra-urbano das cidades. A rápida concentração de

produção e de população nas áreas urbanas dos países em desenvolvimento (como o

Brasil) tem gerado grandes problemas dentre os quais podem ser citados:

dispersão/hiperconcentração, déficit habitacional, crescimento periférico, alto custo dos

equipamentos urbanos, etc. Segundo RIBEIRO (1982, p.31), acredita-se que as

imperfeições do mercado de terras seja o principal mecanismo gerador de tais problemas.

Esta questão será abordada mais adiante neste capítulo.

Inicia-se este estudo a partir do processo de urbanização no Brasil, discutindo, em seguida,

o processo de produção de moradias e sua relação com o mercado de terras na estruturação

do espaço urbano.

Entendendo a urbanização como um processo social que consiste no êxodo de indivíduos

do campo (atividade agropecuária) para a cidade (atividade industrial), pode-se considerar

que a consolidação deste processo, no Brasil, foi mais claramente definida a partir da

década de setenta, quando o fenômeno da urbanização da sociedade brasileira teria novas

características. Observa-se que, a partir dos anos cinqüenta, o êxodo rural-urbano se

intensifica tendo como causa tanto os problemas de expulsão quanto de atração, resultado

do rápido desenvolvimento da indústria e da intensificação das atividades ligadas ao setor

terciário10. A partir da década de setenta, pode-se considerar que a população brasileira já

havia se tornado urbana (cerca de 60% da população vivia em cidades). A partir desta

década, observa-se um crescimento da população na periferia dos grandes centros urbanos

bem como das áreas de favelas (em geral, áreas invadidas). Pode-se considerar que,

10 A este respeito ver SINGER, 1975.

12

paralelamente ao fenômeno da urbanização, intensificam-se os chamados problemas

urbanos, levando a um processo de exclusão social e a conseqüente segregação espacial.

De fato o modelo de desenvolvimento econômico urbano-industrial observado no Brasil se

mostrou concentrador e polarizador de atividades e de recursos, tendo o Estado

desempenhado papel decisivo nesse contexto. Ao concentrar atividades em determinadas

regiões como São Paulo e Rio de Janeiro, dentre outras, provoca-se uma enorme

concentração sócio-espacial (processo que na década de oitenta, já apresentaria mudanças)

acentuando os desequilíbrios sociais e os problemas urbanos, uma vez que aumentava a

demanda e a necessidade, dentre outros fatores, de opções de habitação, transporte público,

serviços de saneamento básico, educação, saúde e empregos. Além disso, a opção por um

rápido desenvolvimento industrial significou a concentração de capitais em alguns setores -

indústrias siderúrgicas, petroquímicas, hidrelétricas e infra-estrutura (estradas, aeroportos,

sistemas de comunicação, etc.) - em detrimento dos chamados setores sociais (CAMPOS

FILHO, 1992; p.46). A conseqüência deste processo de urbanização acelerado e

concentrado é óbvia: precárias condições de moradia, baixa qualidade de vida da

população, miséria social, exclusão e violência.

A partir dos anos oitenta observa-se uma mudança no padrão de urbanização brasileiro,

havendo queda de crescimento demográfico nas grandes cidades e aumento nas cidades de

porte médio. No entanto, mesmo observando-se mudanças no padrão de crescimento das

cidades brasileiras é fato que a evolução urbana no Brasil foi marcada por um

desenvolvimento desigual, no qual a ocupação do solo se caracteriza por uma regra básica:

quem tem mais poder, melhor se localiza em relação à oferta de serviços urbanos,

comércio e equipamentos de cultura e lazer. Em resumo: nas cidades brasileiras os

segmentos de alta renda tendem a se concentrar nas áreas melhor servidas de infra-

estrutura e serviços urbanos, que em geral coincidem com aquelas mais centrais, e os

estratos de baixa renda da população tendem a se concentrar na periferia dos centros

urbanos e/ou em favelas, onde o acesso àqueles serviços e à infra-estrutura é mais difícil.

Neste contexto, propõe-se, neste capítulo, discutir aspectos da questão urbana no Brasil,

buscando compreender o processo de produção de moradias dentro desta questão. O estudo

da produção da habitação na configuração do espaço urbano, considerada como o resultado

da ação de diferentes agentes neste processo, seus interesses e formas de atuação é

essencial para se compreender o processo de estruturação urbana.

13

FARRET (1985, p.83) considera que, na produção do espaço, interagem os seguintes

agentes no que se refere ao mercado do solo urbano: os empreendedores imobiliários, os

proprietários de terrenos e o Poder Público. Neste capítulo procura-se compreender como

estes agentes se interrelacionam e quais as implicações de suas ações na produção do

espaço urbano, com destaque para o papel do empreendedor imobiliário e do setor público,

identificando as relações de cooperação e de conflito que entre eles se estabelecem.

Procura-se verificar até que ponto a intervenção do Estado, via legislação urbana, é

necessária para resolver os impasses do desenvolvimento urbano brasileiro e promover a

justiça social.

Num primeiro momento, busca-se compreender a lógica de atuação do capital imobiliário

(responsável pela produção de moradias), a forma como ele controla a produção e a oferta

dos produtos (habitação) e organiza a ocupação do espaço, de modo a obter a máxima taxa

de lucro. A questão da geração e apropriação da renda fundiária e sua contribuição no

processo de produção do espaço também deve ser destacada. Isto porque, o que se tem

observado é uma incapacidade de o Estado intervir de maneira eficaz nos mecanismos de

valorização da terra. Daí a necessidade de aprofundar a discussão sobre a questão fundiária

e sua relação com o Estado (poder público), responsável tanto pela organização e gerência

dos meios de consumo coletivo como pela regulação do uso e da ocupação do solo. O

estudo baseia-se na recusa do modelo de equilíbrio baseado na lei da oferta e da procura

como fonte de entendimento da questão fundiária e dos conflitos de uso e ocupação do solo

urbano. Neste sentido, a análise do processo de produção de moradias e das relações entre

os agentes que atuam no processo é de suma importância para este trabalho. Na parte final

deste capítulo busca-se verificar a importância da legislação, instrumento de que se vale o

Estado na tentativa de controlar a atuação do capital imobiliário bem como a especulação

e, ao mesmo tempo, promover formas mais justas de apropriação do espaço e melhorar a

qualidade de vida da população.

1.1. A QUESTÃO URBANA NO BRASIL – O PROCESSO GERAL

O processo de urbanização no Brasil insere-se em um contexto mais amplo de

transformações da sociedade, e se apresenta diretamente ligado ao próprio processo

histórico de desenvolvimento do país.

14

Até os anos trinta, observa-se um claro “predomínio do campo sobre a cidade”

(OLIVEIRA, 1977; p.69), estando a estrutura territorial voltada para os interesses de

comercialização, ligados aos ciclos produtivos de monoculturas: primeiramente o açúcar,

depois o algodão e posteriormente o café. A partir dos anos quarenta e cinqüenta, a

economia industrial incipiente já anunciava novas características de organização na

estrutura do território nacional, impondo novos padrões de urbanização, através da

integração econômica, intercâmbio entre as regiões e o desenvolvimento do mercado

nacional, fatores que exigiam a articulação interna do país. Isto propiciou a expansão de

vias de transporte para interligação dos diferentes mercados, o que levou à expansão da

rede urbana em todo país. O período de expansão da rede urbana foi marcado pela

implantação da indústria, em especial as siderúrgicas e petroquímicas, “ampliando o

mercado de trabalho e caracterizando a passagem para uma sociedade urbano-industrial”

(BAENINGER, 1992; p.14).

No entanto, deve-se ressaltar que, até 1960, apenas Rio de Janeiro e São Paulo possuíam

mais de um milhão de habitantes (cerca de 1/3 da população do país), passando para mais

de cinco milhões em 1970 (SANTOS, 1993). Desta forma, pode-se destacar que o processo

de urbanização no país não atingiu todas as regiões de forma homogênea11. Segundo

BAENINGER (1992, p.16), em 1960, quando a média nacional era de 45% da população

morando em áreas urbanas, a região Sudeste registrava 50%; em 1980, quando a população

brasileira residente em áreas urbanas era de pouco mais de 50% em todas as grandes

regiões, no Sudeste este percentual já era de 80%.

Até os anos setenta observa-se que o processo de urbanização brasileiro esteve

condicionado a certas vertentes, devendo destacar: o progressivo esvaziamento do campo e

conseqüente crescimento das áreas urbanas; o deslocamento populacional para outras áreas

de fronteiras agrícolas e o fenômeno da metropolização. Neste sentido, SANTOS (1993,

p.69) afirma:

“a partir dos anos 70, o processo de urbanização alcança novo patamar

(...). Desde a revolução urbana brasileira, consecutiva à revolução

demográfica dos anos 50, tivemos primeiro, uma urbanização aglomerada

com o aumento do número – e da população respectiva – dos núcleos com

11 Sobre o processo de urbanização no Brasil, ver FARIA (1983). Neste artigo o autor faz uma análiseexaustiva de dados estatísticos para caracterizar o crescimento urbano brasileiro e avaliar o processo deurbanização.

15

mais de 20.000 habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada com

a multiplicação de cidades de tamanho intermédio, para alcançarmos,

depois, o estágio de metropolização”.

Segundo o autor, este movimento define-se em quatro momentos: o primeiro, caracterizado

por um Brasil urbano disperso, com densidade rarefeita, ausência de comunicação entre as

metrópoles; o segundo, marcado pelos esforços para se promover a integração e formar um

único mercado; o terceiro, é quando este mercado único se forma e se consolida; e por fim,

o quarto momento é caracterizado pela crise deste mercado que se fragmenta,

“macrorregionalizando-se” interna e externamente em função do fenômeno da

globalização mundial recente.

A partir dos anos oitenta ocorrem mudanças significativas no padrão de concentração

urbana no Brasil: ao lado do fenômeno da metropolização, acontecia um marcante

processo de periferização da população metropolitana. Este processo é evidenciado quando

se observa que, embora os municípios-sede das regiões metropolitanas apresentassem

decréscimo nas taxas de crescimento populacional, a área metropolitana continuava

exibindo taxas elevadas e superiores às de seu núcleo (TAB. 1).

Tabela 1TAXAS DE CRESCIMENTO POPULACIONAL – NÚCLEO E PERIFERIA

REGIÕES METROPOLITANAS1970/80 E 1980/91

NÚCLEO MUNICÍPIOS PERIFÉRICOSREGIÕESMETROPOLITANAS 1970/80 1980/91 1970/80 1980/91

Belém 3,95 2,67 11,29 2,67Fortaleza 4,29 2,73 4,30 6,35Recife 1,27 0,66 4,56 2,89Salvador 4,07 2,90 6,49 4,20Belo Horizonte 3,73 1,28 7,43 4,97São Paulo 3,67 1,00 6,34 3,08Curitiba 5,35 2,11 6,95 4,65Porto Alegre 2,43 1,05 5,53 3,83

Fonte: IBGE / DPE / DEPOP, Censo Demográfico de 1991, resultados preliminares. Cf. BAENINGER (1992, p.22).

No caso de Belo Horizonte, o núcleo, nos dois períodos considerados, apresentou menor

crescimento que os demais municípios periféricos. COSTA (1983) comprova este processo

de periferização relativo à Região Metropolitana de Belo Horizonte quando analisa,

especificamente, o crescimento do município de Ribeirão das Neves até a década de

16

oitenta. A autora analisa a produção do espaço da RMBH sob o ponto de vista dos

loteamentos populares, identificando o papel dos loteadores como agentes sociais

responsáveis pelo processo de expansão periférica e formação de alternativas de acesso à

habitação para as camadas de baixa renda.

Além deste processo de periferização, intensifica-se também, a partir dos anos oitenta, o

fenômeno de favelização, aumentando significativamente o número de pessoas residentes

em favelas. Em geral, pode-se caracterizar o padrão de ocupação das cidades e

aglomerados urbanos brasileiros, neste período, da seguinte forma: grande número de lotes

vazios e áreas subutilizadas, partes da cidade superadensadas por arranha-céus e favelas;

crescimento horizontal excessivo da mancha urbana e alta demanda por implantação de

infra-estrutura. A impossibilidade de acesso à terra e à moradia urbanas pelos mecanismos

de mercado, por parte da população de mais baixa renda12 acabou por gerar a formação de

aglomerações populacionais que têm na ilegalidade a alternativa para os assentamentos

humanos. Tais problemas são mais visíveis e intensos nas grandes cidades, uma vez que é

maior a aglomeração de pessoas e a diversidade social.

A concentração de renda em poucas parcelas da população contribuiu para o agravamento

do processo acima exposto. A expansão horizontal das cidades nas últimas décadas

significava a principal forma de acesso à moradia para as famílias de mais baixa renda. O

deslocamento para longas distâncias do município-sede das regiões metropolitanas

provocou a proliferação de loteamentos clandestinos e/ou irregulares, conjuntos

habitacionais, cortiços e favelas, em geral caracterizados por baixos índices de

habitabilidade.

De modo geral, o processo de urbanização e a rápida transformação do espaço urbano no

Brasil, no período compreendido pelas três últimas décadas do século XX, induz a

questionamentos quanto a questão da segregação espacial que ora se observa na estrutura

intra-urbana das grandes cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte, objeto de nosso

estudo particular. Neste contexto, refletir sobre a dinâmica de ocupação do solo nas

cidades brasileiras, bem como a interação dos diferentes agentes que atuam na produção do

espaço urbano é fundamental para o entendimento dos aspectos relacionados à atuação dos

incorporadores imobiliários, às precariedades sócio-espaciais a que está submetida grande

12 Considera-se “mais baixa renda” a população com renda familiar inferior a três salários mínimos.

17

parte da população - carência de infra-estrutura e serviços urbanos, expulsão, especulação -

e à legislação urbana.

As forças que vêm atuando no espaço urbano - a dinâmica do mercado imobiliário e de

terras, o processo de especulação, as legislações urbanas, dentre outras - vêm produzindo

um contexto de exclusão sócio-espacial, comprovado quando se analisa a questão do

acesso à moradia nas cidades brasileiras.

A questão habitacional está condicionada, tanto pelas mudanças na economia do país,

quanto pelos mecanismos que produzem a estrutura urbana e a distribuição dos

equipamentos e serviços na cidade (RIBEIRO, 1996; p.117). Isto significa dizer que há

uma associação entre os mecanismos que regulam o uso e a ocupação do solo urbano e os

que regulam a produção de moradias. Portanto, torna-se necessário refletir sobre os

elementos constitutivos da produção do espaço urbano: a dinâmica da renda da terra e

como esta orienta a atuação dos incorporadores. Além disso, a necessidade de se

estabelecer regras e normas que regulem a ação dos múltiplos agentes, preferencialmente

dentro dos princípios de justiça social, implica na análise da legislação urbanística que vem

ganhando relevância significativa no Brasil, sendo considerada um instrumento capaz de

regular e controlar a atuação do capital imobiliário e, ao mesmo tempo, de promover a

diminuição das desigualdades sócio - espaciais.

1.2. A PRODUÇÃO DE MORADIAS E OS MECANISMOS DE OCUPAÇÃO DO

SOLO

A produção da habitação envolve relações de produção, consumo e troca, atuando, em cada

etapa do processo, diferentes atores, dependendo da forma como ela é produzida.

No sistema capitalista de produção, a moradia e todos os seus componentes - terra, material

de construção, tipo de acabamento, infra-estrutura, etc. - são mercadorias negociadas como

qualquer outra. Mesmo tendo um valor de uso, a moradia possui um valor de troca e, por

isso, apresenta um significado ligado à lógica do mercado: além de ser uma mercadoria,

que pode ser comprada e vendida, a casa própria relaciona-se ao processo de capitalização

que ela representa.

18

No entanto, a produção de moradia ocorre muito em função de quem pode comprá-la; nem

sempre em função de quem precisa dela (COSTA, 1983). Dentro do grupo daqueles que

podem comprá-la, há uma diferenciação em relação ao tipo de consumidor e,

conseqüentemente, ao tipo de produto direcionado a este mercado. Ou seja, para cada

nicho de mercado, corresponde um tipo de produto que este mercado pode absorver.

Conforme LUCENA (1985, p.27):

“os diferentes preços assumidos pelos diversos tipos de habitação mostram

que a habitação deve ser composta de um número finito de características

que os indivíduos valorizam diferenciadamente(...)”.

Além de o produto habitação apresentar preços diferenciados relacionados com suas

características físicas (tamanho da unidade, tipo de acabamento empregado, etc.), seu

preço e sua valorização no mercado (seu potencial de capitalização) também irá depender

de alguns fatores: a forma como ela é produzida, a disponibilidade no mercado, e o terreno

no qual ela se insere, isto é, o preço da terra.

A localização privilegiada, isto é, o acesso fácil à infra-estrutura e aos serviços urbanos, a

acessibilidade ao terreno, bem como as características de seu entorno, irão influenciar

sobre o preço da terra. Conforme afirmam RIBEIRO e CARDOSO (1996, p.234):

“A terra terá seu preço regulado pelas condições de competição entre os

vários capitais e pelas possibilidades de lucratividade propiciadas pelas

diversas localizações no espaço urbano.”

Observa-se, nestas colocações, a recusa às teorias de tradição neoclássica no que se refere à

relação entre o mercado de terras e a estruturação das cidades. A razão principal é o

abandono do princípio do mercado como mecanismo de distribuição equilibrada das

atividades no espaço, na medida em que não preenche todas as condições para que o preço

das terras seja um elemento regulador da oferta e da demanda. Pelo contrário, observa-se

que, nesse mercado, criam-se situações geradoras de ineficiências no uso do solo e

desigualdades sociais.

Diante deste fato, é necessário, na análise do processo de produção de moradias, estudar o

mercado de terras com base para o entendimento do mercado imobiliário, identificando os

agentes que neles operam e as relações de cooperação e de conflito que estabelecem.

19

1.2.1. Formas de produção de moradia

Primeiramente, analisaremos as formas como a habitação pode ser produzida. PRADILLA

(1977), citado por COSTA (1983, p.23), identifica três formas de produção de moradia

existentes na América Latina:

a) Autoconstrução: neste tipo de produção, o agente que produz a habitação é o mesmo

que vai consumi-la. Os materiais de construção são, em geral, de baixa qualidade ou de

segunda mão. O período da construção é indefinido, dependendo da capacidade

financeira do construtor. A construção é feita em etapas. A habitação é construída

“como valor de uso, e seu potencial de troca é virtual”. (COSTA, 1983; p.23).

b) Produção Manufatureira ou Artesanal: o proprietário contrata um profissional para

construir a habitação e emprega mão-de-obra, em geral, pouco qualificada. A produção

é pequena (residência unifamiliar ou pequenos blocos de apartamentos). O custo final é

alto, envolvendo o custo do projeto e da construção propriamente dita.

c) Produção Industrial (ou Indústria da Construção Civil): não há relação direta entre

produtores e consumidores. O capital investido no processo pode ser expandido e

reproduzido. A produção, bem como os materiais empregados, são em larga escala. A

mão-de-obra empregada depende da tecnologia empregada no processo, podendo ser

qualificada ou não. Neste tipo de produção, o terreno pode ser comprado ou ser trocado

por uma ou mais unidades. Neste último caso, há um agente intermediário que é o

proprietário do terreno. Este é o tipo de produção de moradias dominante na

estruturação do espaço urbano.

Tanto no Brasil como no caso específico de Belo Horizonte, a forma dominante de

produção de moradias é a produção industrial, principalmente de apartamentos. No

entanto, COSTA (1983, p.25) considera que há uma tendência capitalista de se “incorporar

as outras duas formas na produção de moradias”: a forma manufatureira - na produção de

moradias para o segmento de alta renda - e a autoconstrução - que seria a forma de acesso à

moradia para o estrato de baixa renda da sociedade.

Além da forma como é produzida a moradia, outras etapas se inserem no processo, até se

obter a unidade acabada. São elas:

1. obtenção do lote urbanizado (terra urbana onde será produzida a moradia);

20

2. escolha do material de construção (incluindo o tipo de acabamento) a ser empregado.

O capital de giro, necessário para financiar a construção, a compra de material e a

comercialização do produto, apesar de não se constituir em uma etapa no processo de

produção da habitação, irá direcionar a ação dos empreendedores imobiliários durante todo

o processo, desde a aquisição do lote até a venda total do número de unidades.

As etapas acima descritas irão determinar o preço final da moradia. É interessante observar

que o preço da construção é, em princípio, o mesmo em qualquer área da cidade. No

entanto, as etapas 1 e 2 podem determinar o preço final do produto e o nicho de mercado

que vai adquiri-lo.

RIBEIRO (1982, p.35) considera que, para a Indústria da Construção Civil, a localização

no espaço “significa a escolha de um ponto que lhe permita maximizar a apropriação do

valor de uso complexo. Essa localização ótima se traduz em maior capacidade de extrair

mais-valia através do uso das utilidades que compra na forma de mercadorias”. Isto

significa dizer que os produtores de moradia, segundo a forma industrial, estão

preocupados em produzir mercadorias que lhes permitam obter a máxima taxa de lucro,

mercadoria esta que terá uma utilidade para quem a adquirir: valor de uso para quem mora,

valor de troca pelo potencial de capitalização que ela representa.

Para tornar a moradia acessível à maioria da população, ela deve ter o menor preço

possível. A forma de baratear o custo seria, segundo COSTA (1983), eliminando uma das

etapas acima mencionadas e/ou reduzindo o custo ao mínimo possível. No caso da

produção industrial de apartamentos, o que contribui para a grande variação de preços da

moradia são, de fato, as etapas 1 (lote) e 2 (material empregado). Isto porque uma

habitação produzida em um terreno melhor localizado e, por isso, mais caro, terá um valor

maior que uma produzida em um terreno na periferia, em geral, mal servida de

equipamentos e serviços urbanos. Da mesma forma, a moradia que receber um acabamento

de alto luxo será mais cara que outra acabada com materiais de menor custo. Ou seja, ao

valor final da moradia insere-se o valor de sua localização e os materiais empregados em

sua construção.

21

Em qualquer uma daquelas três formas de produção de moradias, o que não se pode evitar

é a compra do lote13, apesar de que, no caso da autoconstrução, o lote muitas vezes, é

desprovido de infra-estrutura e, por isso, apresenta custo reduzido.

Além disso, o valor do lote é determinado por diferentes fatores que são agregados ao valor

da terra, explicados a seguir.

1.2.2. Elementos da teoria da renda da terra

Nesta parte do capítulo, pretende-se analisar a questão do uso do solo e a formação da

renda fundiária, buscando entender como o incorporador se apropria das rendas da terra

para obter lucro e, conseqüentemente, organizar a ocupação no espaço urbano.

No entanto, anteriormente à análise das questões sobre a renda da terra, deve-se entender

os elementos intrínsecos à dinâmica do espaço urbano, particularmente conceitos sobre os

agentes que atuam no espaço. Para isso, tem-se no trabalho de HARVEY (1980) boas

contribuições sobre o tema. Segundo o autor, a compreensão da atuação dos agentes

permite entender os interesses de cada um, bem como os conflitos que possam gerar. De

acordo com o autor, os seguintes agentes atuam na produção de moradias:

a) Usuários da moradia: usufruem da habitação de acordo com suas necessidades. Em

geral, a habitação tem para eles, valor de uso.

b) Corretores de imóveis: operam no mercado de moradias para obtenção de valores de

troca.

c) Proprietários: operam na moradia, objetivando obter valor de troca. Usuários

proprietários podem ser motivados por conceitos de valores de uso.

d) Incorporadores: compõem a indústria de construção de moradias. Objetivam criar

valores de uso para outros agentes, a fim de obterem valores de troca para si próprios.

A compra do solo, sua preparação e a construção da moradia requerem um

investimento que outros agentes desembolsam em adiantamento à troca.

13 Neste caso, não estão sendo consideradas as áreas invadidas, somente aquelas obtidas via mercadoimobiliário.

22

e) Instituições financeiras: desempenham papel importante de financiamento,

empreendimentos de proprietários, seguros, dentre outros. Particularmente estão

interessadas em obter valores de troca, financiando aquisições para valores de uso.

f) Governos: interferem no mercado de habitação de forma direta - produzindo valores de

uso através da ação pública (provisão de moradia para a população de baixa renda) - e

de forma indireta, através da promoção de financiamentos. Podem também produzir

valores de troca promovendo melhorias urbanas (bens de consumo coletivo) ou

implementando leis de zoneamento, controle e planejamento do uso do solo urbano

(HARVEY, 1980; p.139-141).

Dentre estes agentes serão analisados, neste trabalho, o incorporador (capital imobiliário/

construtor de moradias) e o governo (poder público, principalmente via legislação

urbanística).

Feitas essas considerações preliminares, em que são identificados os agentes que atuam na

produção do espaço urbano, passa-se à análise do preço da terra, um dos determinantes das

formas de crescimento e transformação das cidades. Influenciam no preço da terra fatores

como:

- localização (acessibilidade, acesso a infra-estrutura e serviços urbanos);

- características físicas do terreno (referem-se à dificuldade ou facilidade de se construir

no terreno por fatores topográficos, hidrológicos, etc.);

- legislação existente e seus limites.

De modo geral, podemos dizer que o mercado fundiário está sujeito a alguns qualificativos

importantes. SMOLKA (1983, p.187) identifica três:

i) o preço de um lote é, em larga medida, determinado externamente a ele, isto é, por

atividades realizadas em outros terrenos e pelas características das atividades que

competem por seu uso;

ii) a cada utilização de terreno alteram-se as características de todos os outros terrenos,

afetando o preço do lote em questão;

iii) na maioria das vezes, o proprietário do lote é passivo no que diz respeito ao

controle sobre a base material necessária à formação desta renda.

23

Estas qualidades acabam por definir um valor para o solo urbano. O preço do lote é

elemento determinante na estratificação dos espaços residenciais, uma vez que é ele que

dita o preço dos imóveis construídos em cada zona da cidade. GONZALES (1985) e

FARRET (1985)14 analisam o processo de formação dos preços dos terrenos a partir do

conceito de “renda do solo agrícola”15 e sua adaptação para o caso do solo urbano. Para o

objetivo desta pesquisa e utilizando-se da contribuição destes autores, destacam-se como

importantes os seguintes conceitos sobre renda fundiária no meio urbano:

- Renda Absoluta (RA) seria o lucro suplementar que provém das diferenças entre os

preços de mercado e o preço da produção intrínseca à terra. Resulta da propriedade

privada do solo. Não é a propriedade do solo em si que gera a renda. No entanto, ela

confere ao proprietário o poder de impedir a sua utilização até que as condições

econômicas propiciem a valorização, de onde se pode retirar o excedente.

- A situação de terrenos edificáveis e de suas condições materiais e técnicas irão

determinar o lucro excedente que seria a Renda Diferencial I (RD-I).

- Renda Diferencial II (RD-II) é a possibilidade de se multiplicar o uso do solo através

da construção em altura (solo criado) - maior produção por m2 - e resulta do

zoneamento (planejamento do uso do solo).

- A condição de raridade do solo urbano o transforma em mercadoria rara, com

condições especiais e favoráveis de se produzir com preços superiores ao valor de

produção. Este lucro suplementar é a fonte da Renda Monopólio (RM). A RM

depende dos níveis de concorrência do mercado imobiliário e varia segundo a

qualidade da mercadoria e a capacidade de pagamento dos consumidores. Aparece

ligada à noção de status e ao zoneamento (determina o tipo da edificação

“conveniente” ao setor).

A renda diferencial é o mecanismo regulador da Divisão Social do Espaço Urbano

(DSEU) embora a medida e a ênfase nas diferenças seja determinada pela Renda

Monopólio. Estas duas se manifestam nas variações irregulares dos preços dos imóveis

(relação entre RD-I, RD-II, RM). As rendas RD-II e RM relacionam-se mais com as

qualificações e os níveis de status social dos diferentes setores (estratificação). Ao mesmo

14 Baseando-se nas contribuições clássicas de Harvey, Lojkine, Topalov principalmente.15 Para detalhes sobre a origem do conceito ver GONZALES(1985) e FARRET (1985).

24

tempo observa-se que a RD-I vem reforçando os processos de produção específicos das

periferias de baixa qualificação habitacional, uma vez que a carência de serviços urbanos e

infra-estrutura na periferia contribui para o valor reduzido da terra, tornando-se atrativa

para os setores de baixa renda.

De modo geral é a Renda Diferencial, que mais interfere no preço dos terrenos, uma vez

que este é determinado pelo que nele se pode produzir. Daí a importância do zoneamento

que é determinado pela legislação urbanística: será ele que definirá a tipologia dos espaços,

direcionando, para o mercado, as tendências de crescimento da cidade. Assim, o preço da

terra é influenciado por seu zoneamento (RD-II) na medida em que este dita as

possibilidades de lucratividade propiciada pelas diferentes localizações no espaço urbano.

Desta forma, pode-se observar que se situar em um espaço melhor localizado é um

privilégio para poucos, sendo o poder aquisitivo do consumidor, determinante do padrão

construtivo dos imóveis e da localização destes. O fato de que alguns bairros são melhor

servidos de infra-estrutura (RD-I) que outros influencia no aumento do preço do metro

quadrado (m2) construído do imóvel16.

Normalmente, os proprietários de terrenos se beneficiam da valorização imobiliária e, por

isso, muitas vezes, reservam suas terras para a especulação. A valorização imobiliária

deriva do crescimento urbano como um todo, em especial da Renda Diferencial

estabelecida pelas diferenças de qualidade existentes no espaço urbano e pelos

investimentos no ambiente construído.

Pode-se dizer que os meios de consumo coletivo, representados pelas melhorias no urbano,

são, em geral, promovidos pelo Estado. Neste contexto, ressalta-se o papel deste agente

(poder público) na geração de Renda Diferencial, uma vez que possui mecanismos de

controle da propriedade privada da terra. Estes mecanismos podem ser instrumentos que

reduzem a concentração especulativa de terras como os impostos sobre áreas vazias ou

subutilizadas que esperam valorização (Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU -

progressivo, por exemplo) ou até mesmo instrumentos de zoneamento que ampliam o

potencial construtivo daquela área (solo criado, por exemplo). Em geral, o poder público

atua diretamente no preço dos terrenos urbanos, gerando Renda Diferencial, de duas

16 O preço do imóvel incorpora renda fazendo com que o preço de mercado seja maior em relação ao custogasto na produção, influenciando no preço do imóvel a localização da edificação.

25

maneiras: promovendo melhorias de infra-estrutura e serviços e/ou legislando sobre o uso

do solo.

Para analisar as formas de acesso à terra e à moradia urbanas deve-se compreender como o

mercado imobiliário organiza a ocupação do espaço, em especial a produção da habitação e

sua relação com os agentes e mecanismos de produção do espaço. Deve-se analisar como

este mercado tira proveito da atuação do Estado de forma a obter a máxima taxa de lucro.

Segundo SMOLKA (1983, p.205), uma das características do incorporador imobiliário é “a

de promover o empreendimento certo, no lugar certo, para o consumidor certo”.

Em síntese, este é o processo que vem ocorrendo nas cidades brasileiras: o Estado,

promovendo melhorias urbanas, atua como gerador de Renda Diferencial, valorizando

terrenos; ao mesmo tempo, o empreendedor imobiliário aproveita da situação para

construir moradias neste terreno valorizado e vendê-las por preço elevado. Assim, poucos

terão acesso a esta habitação. Neste sentido, pode-se dizer que a segregação social no

espaço é agravada uma vez que somente têm acesso à moradia aqueles que podem pagar

por ela.

Em decorrência da participação do poder público na produção do espaço urbano, surge a

necessidade de se estabelecer regras e normas que regulem a ação dos múltiplos agentes,

preferencialmente dentro dos princípios de justiça social. Tendo isto em vista, deve-se

compreender o papel da legislação urbanística como instrumento que vem ganhando

relevância nas últimas décadas na tentativa de regular e controlar a dinâmica de atuação do

mercado imobiliário no meio urbano.

Acredita-se que a busca de cidades mais justas e democráticas, menos segregadas, passa

pela adoção de políticas que regulem a ocupação e o uso do solo, criando instrumentos

capazes de articular os interesses em torno do processo de produção, apropriação e

consumo do espaço urbano, com os objetivos de se criar espaços socialmente mais justos e

tecnicamente organizados.

1.2.3. Legislação Urbanística e seu papel na ocupação do espaço.

A necessidade de planejamento das cidades é basicamente conseqüência do aumento dos

conflitos sociais urbanos e da acumulação de problemas cuja solução, muitas vezes, foge

26

da simples administração cotidiana pelo poder público. Como um instrumento do

planejamento, a legislação urbanística, segundo MATOS (1988, p.50) tem como uma de

suas finalidades “atuar em prol da paz social”, isto é, objetiva reduzir determinados

conflitos entre os diversos agentes que atuam no espaço urbano. A legislação deve ser vista

também como um instrumento de controle, tanto da especulação quanto da atuação do

mercado imobiliário, constituindo-se fator relevante na configuração do espaço urbano.

No entanto, ao definir formas de apropriação do espaço que devem ser permitidas ou

proibidas, a legislação urbana acaba por agir como um “delimitador de fronteiras de poder”

(ROLNIK, 1997; p.13). Isto porque, ao regular a produção do espaço urbano a lei pode

conferir significados e gerar uma certa divisão ou classificação dos territórios urbanos,

acirrando as desigualdades sócio-espaciais.

A regulação da produção imobiliária privada, em particular de moradias, via legislação

urbanística (zoneamento e padrões de edificabilidade) vinha, até recentemente, reforçando

a lógica do mercado, uma vez que, ao estabelecer padrões de uso e ocupação do solo ideais

e gerais para toda a população acabou produzindo territórios dentro e fora desta legalidade.

Isto porque a cidade não é fruto apenas da aplicação da lei, mas da relação que se

estabelece entre os agentes que atuam na produção imobiliária na cidade. A ocupação e o

uso do solo ao nível intra-urbano refletem essa dinâmica de relações entre as diversas

forças que atuam no espaço urbano.

Em geral, pouco se tem questionado sobre a eficácia da legislação urbanística no controle

do processo de estruturação dos espaços urbanos. As normas determinadas em lei são

colocadas em prática objetivando corrigir distorções que se refletem negativamente na

economia e na organização urbanas. No entanto, novos conflitos podem emergir, uma vez

que são diferentes os interesses que estão em jogo: o do empreendedor, o do poder público,

e o do cidadão que é quem mais sofre as conseqüências deste processo. Desta forma,

analisar a eficiência da legislação urbanística enquanto instrumento capaz de redirecionar o

crescimento e o desenvolvimento urbanos, principalmente em um contexto de mudanças

que envolvem o planejamento (como já dito anteriormente) e determinados conceitos

intrínsecos à legislação urbanística é de suma importância para esta pesquisa. Um destes

conceitos refere-se à aplicação da “função social da propriedade”, segundo o qual o

processo de expansão urbana deve estar assentado no predomínio do interesse coletivo

sobre o privado. Sendo o urbano entendido como o lugar de disputa entre os diversos

27

atores que produzem e ocupam a cidade, torna-se necessário compreender as formas de

uso, ocupação e gestão que se dão neste espaço. Reverter o padrão de ocupação em prol da

redução das desigualdades sócio-espaciais e da ampliação da cidadania é um dos objetivos

principais das novas legislações urbanísticas que tomam forma no Brasil principalmente a

partir da Constituição Federal de 1988.

Os novos planos urbanísticos deverão fazer com que a propriedade, incluindo aí a moradia,

cumpra uma função social, além de constituir regras que articulem e organizem todos os

agentes que constroem a cidade, estabelecendo critérios de uso e ocupação do solo que

respeitem a heterogeneidade das formas de produção e apropriação do espaço. Deverão

também “prever maior qualidade do meio ambiente urbano, legitimar a cidade ilegal e o

planejamento participativo” para a formulação e implementação de políticas públicas

(OSÓRIO, 2001, p.173). Desta forma, os novos planos e as novas leis não podem apenas

delimitar padrões ideais, mas estabelecer condições de uso, investimento e formas de

ocupação compatíveis com a cidade real: segregada e fragmentada.

Neste contexto, busca-se no presente estudo, examinar a evolução e a importância da

legislação urbanística no Brasil, assunto que será abordado no capítulo seguinte.

Posteriormente, no terceiro capítulo, analisar-se-á, para o caso específico da cidade de Belo

Horizonte, seu processo de crescimento, a atuação do empreendedor imobiliário ao longo

dos anos e sua interação com a legislação urbana, buscando compreender a evolução das

leis que atuam no urbano e verificar as mudanças que podem estar ocorrendo na ocupação

do espaço.

Ressalta-se que o objetivo em analisar a evolução da legislação urbanística (e do Direito

Urbanístico) no Brasil é verificar modificações na lógica geral de produção, apropriação e

consumo do espaço urbano, via atuação do Estado, como forma de se construir cidades

mais justas e de se produzir melhores condições de vida para a maioria da população.

28

2. DIREITO URBANÍSTICO E PLANEJAMENTO NO

BRASIL.

Como vimos no capítulo anterior, desde a década de 30 as mudanças na ordem sócio-

econômica do país têm provocado o crescimento intensivo das cidades brasileiras.

Atualmente, mais de 80% da população vivem em cidades, fato que tem contribuído para

agravar os chamados problemas urbanos. Entre estes e, segundo os objetivos desta

dissertação, destacam-se aqueles ligados à questão do acesso à habitação, o que, em última

instância, leva à questão dos direitos de propriedade da terra urbana. No entanto, o Direito

brasileiro não acompanhou tais mudanças, estando, em determinados aspectos, ainda

orientado pelo Código Civil de 1916 que apresenta uma concepção individualista da

propriedade, perspectiva esta que valoriza os direitos absolutos. Embora a legislação

urbanística tenha avançado significativamente desde então, até a Constituição Federal de

1988 tal avanço se deu de forma pouco sistemática. Passados quase noventa anos e, em um

contexto urbano como o atual, é urgente a necessidade de repensar o marco teórico-jurídico

aplicável ao processo de desenvolvimento urbano, principalmente no que diz respeito às

possibilidades de intervenção do Estado nas questões relativas à propriedade privada.

Até então não havia um tratamento constitucional adequado da questão urbana, com o que

“as cidades cresceram sem um marco jurídico adequado que permitisse o controle do

processo de desenvolvimento urbano” (FERNANDES, 2001; p.19). Também o avanço das

legislações urbanísticas foi prejudicado, principalmente pelo conflito entre dois paradigmas

conceituais existentes no que se refere à definição do direito de propriedade, quais sejam a

visão individualista do Código Civil de 1916 e o princípio da função social da propriedade,

introduzido desde a Constituição de 1934.

Segundo o Código Civil de 1916, os direitos de propriedade imobiliária urbana são

concebidos pela perspectiva do individualismo nos moldes do liberalismo jurídico clássico.

Desta forma, a cidade era vista como um aglomerado de terrenos de propriedade privada, e

a lei se ocupava basicamente das relações entre os indivíduos. Naquele ano (1916), a

população urbana não passava dos 10% da população total brasileira. Desde então, tem-se

uma urbanização conduzida por interesses privados.

29

Na Constituição de 1934 é estabelecido o princípio da função social que, segundo

FERNANDES (2001, p. 20), "não foi devidamente definido. Na falta de critérios

imediatamente aplicáveis, tal princípio se tornou uma figura de retórica, com o que o

paradigma do Código Civil tem prevalecido até hoje". Assim, a natureza urbanística e

social das relações de propriedade, inserida na questão da habitação, ficou em segundo

plano, afirmando o caráter individualista de propriedade.

Com a Constituição de 1988, inova-se ao regular de modo efetivo a função social da

propriedade, avançando no sentido da “publicização” do direito de propriedade. A

definição da função social da propriedade, nesta Constituição que prioriza direitos

coletivos em detrimento do direito privado, inaugura, assim, um novo paradigma de

interpretação para o Direito Urbanístico brasileiro, podendo contribuir para se promover

formas mais justas de apropriação social do espaço.

Portanto, o que se observava até recentemente nas cidades, era que “a ordem jurídica-

institucional não expressava a ordem urbana e político-social” (FERNANDES, 1998;

2001). Ao espaço urbano então produzido pelos diferentes agentes, correspondeu a falta de

um tratamento constitucional adequado à questão. Caberia ao planejamento e à legislação

promover a ocupação de forma socialmente mais justa deste espaço (HARVEY, 1992).

Neste sentido, a Constituição de 1988 e as leis orgânicas municipais que lhe seguiram

podem ter papel importante, uma vez que criaram instrumentos que objetivam o

cumprimento da função social da propriedade e a produção de um espaço urbano mais

democrático. Trata-se de medidas com potencial para o que LEFEBVRE (1979, 1993)

considera como o resgate do espaço do valor de uso (espaço de apropriação social).

Neste capítulo, busca-se compreender a evolução da legislação urbanística no Brasil,

principalmente a partir do marco jurídico da função social da propriedade, buscando-se

verificar a evolução e a efetividade deste conceito através da análise de ações mais recentes

ligadas ao planejamento. De forma geral, procura-se verificar se as mudanças político-

jurídicas implantadas pós-Constituição de 1988 vêm efetivamente expressar a natureza e a

dinâmica do processo de urbanização, principalmente no que se refere à produção de um

espaço técnica e socialmente mais justo e democrático, via produção de moradias.

30

2.1. A EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO E DA LEGISLAÇÃO

URBANÍSTICA E A HABITAÇÃO NO BRASIL

2.1.1. Contextualização Histórica e Principais Influências

Muito antes do advento da Revolução Industrial já era possível se observar práticas relativas

ao saneamento nas cidades pré-modernas17, práticas estas que se davam segundo

intervenções pontuais, através da execução de obras isoladas (aquedutos, galerias de esgoto,

etc.), atendendo de forma parcial as necessidades imediatas da população, ou destinadas ao

aumento de conforto de alguns segmentos privilegiados da sociedade. Estas práticas

urbanísticas estavam associadas a uma preocupação com a (re) organização física das

construções urbanas; no entanto, não constituíam uma atividade de planejamento mais

ampla.

No século XIX, o quadro urbanístico das grandes metrópoles européias (em especial França

e Inglaterra) caracterizava-se por um verdadeiro caos, relacionado com as transformações

sócio-políticas e econômicas engendradas pela “Era da Revoluções”18. A cidade exercia uma

função aglutinadora e centralizadora das novas experiências, que por sua vez, anunciavam a

necessidade de mudanças, de um rompimento com a tradição em nome de um novo espaço-

tempo. As condições precárias de infra-estrutura aliadas ao auge da Revolução Industrial

indicavam necessidade de mudanças. A industrialização inaugura, assim, um novo

momento, levando à redefinição do modus vivendi e à reafirmação da chamada sociedade

capitalista. No dizer de MARTINS (2000, p.39), o processo de industrialização foi

responsável para o capitalismo “se por decisivamente de pé na história”. Segundo LEMOS

(1998, p.79), “uma nova temporalidade atravessava as representações culturais, onde a busca

pela maior velocidade nos deslocamentos e nos mecanismos de informação culminava num

processo de racionalização técnica”. Assim, novos princípios passam a integrar o cotidiano

dos citadinos da época, como por exemplo, pontualidade e exatidão, que indicam

necessidade de reorganização das cidades pela racionalização técnica.

17 Sobre as cidades pré-modernas, ver MUMFORD (1991).18 Pode-se dizer que no século XIX iniciou-se um grande processo de transformação no qual se insere ocomeço da substituição da sociedade agrícola pela urbana e industrializada. Um dos fatores responsáveis porisso foi a Segunda Revolução Industrial que produziu mudanças na ordem produtiva (introdução de novastecnologias – aço e eletricidade), na ordem social (novas relações de trabalho) e no ritmo de urbanização(crescimento das cidades). Deste século também data a “Revolução dos Impérios” isto é, o imperialismoexpansionista, responsável pela dominação de regiões na África, Ásia e América Latina por países europeus epelos Estados Unidos.

31

O processo de industrialização havia provocado o “enchimento” das cidades: a aglomeração

de gente, de cheiros fétidos de detritos, animais; a falta de infra-estrutura, a má circulação do

ar, iriam levar à tomada de consciência para a necessidade de intervenções na cidade19.

Segundo BENÉVOLO (1981, p.9), quando os efeitos das transformações da cidade

industrial tornaram-se relevantes, passou-se a pensar em ações reparadoras para “corrigir os

males” da cidade então considerada problemática. Dentro deste contexto, surgiram idéias

abstratas e esquemáticas no que se refere à solução para os problemas. Estas idéias

apresentavam-se desprovidas de uma avaliação realista dos vínculos entre os programas

urbanísticos e o desenvolvimento geral das relações econômicas e sociais e, por isso não

passaram de utopia na maioria dos casos. Destacam-se como pensadores utópicos: Owen,

Saint-Simon, Fourier, Godin, Cabet, Chadwick, Howard.

De modo geral, as idéias difundidas na época e que levaram a intervenções urbanísticas

surpreendentes nas cidades européias, como ocorreu em Paris sob coordenação do Barão de

Hausmann, estavam carregadas de conceitos higienistas. Acredita-se que estas intervenções

estavam ligadas mais a uma necessidade de embelezamento da cidade que com os problemas

sociais propriamente ditos. E mais ainda: os projetos de renovação urbana das cidades

européias refletiram bem o “aburguesamento” do centro da cidade, “empurrando para fora”

(=periferia) o inconveniente (o pobre, o sujo, o mau cheiroso), acentuando a nítida

segregação espacial. De fato, os efeitos perversos provenientes do advento da

industrialização se fizeram sentir especialmente na precariedade das condições de vida das

classes trabalhadoras urbanas. Por detrás do embelezamento das cidades, das grandes obras,

a população operária dispunha de condições de salubridade precárias. Segundo FREITAS

(1996, p.23) tais intervenções “nada mais faziam do que acentuar a nítida segregação

espacial revelada através de uma política inicial de desconsideração das necessidades da

classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, de privilégio do tratamento dos espaços urbanos

mais nobres”.

No que se refere ao saneamento, o Estado não assumia qualquer responsabilidade, estando

as obras de infra-estrutura a cargo da iniciativa privada (FREITAS, 1996; p.23). Neste caso

o Estado se limitava a exercer uma “vigilância genérica” (BENÉVOLO, 1981, p.91).

19 Sobre o cenário das cidades no século XIX , as necessidades de reordenação do espaço, e as relaçõessociais produzidas na cidade (especialmente França e Inglaterra) ver BRESCIANI, 1982.

32

O período entre 1815 e 1848 é caracterizado por BENÉVOLO (1981, p.33) como a “época

das grandes esperanças”, ressaltando a necessidade de a miséria ser eliminada, devendo os

benefícios da industrialização se estender a todas as classes. Dessa forma, a questão urbana

aparece associada à discussão político-social.

De modo geral, podemos identificar duas formas nas quais o processo de urbanização e os

problemas urbanos foram abordados: na primeira, os problemas foram tratados a partir de

modelos ideológicos (utopias oitocentistas anteriormente citadas) os quais não consideravam

a atuação do Estado e nem a existência de instrumentos de controle efetivos para solução

dos problemas; já na segunda, considerou-se os problemas urbanos relacionados diretamente

com a cidade que se industrializava, indicando a necessidade de intervenção do Estado na

busca de soluções concretas. Desta última, surgiu a legislação sanitária (FREITAS, 1996;

p.24), demonstrando a necessidade de se criar instrumentos de controle adequados à

realidade urbana e seus conflitos. Este debate representa o alicerce que vai caracterizar

posteriormente as discussões sobre o planejamento urbano, como veremos ao longo deste

trabalho, e do papel do Estado neste processo.

Considerando a última forma de se abordar a questão urbana no século XIX, a reordenação

espacial e a higienização social eram vistas pelos engenheiros positivistas como soluções

para os problemas. A legislação sanitária é considerada a precursora da moderna legislação

urbanística20. Esta legislação surgiu apenas quando os efeitos das transformações da época

atingiram a sociedade como um todo, coincidindo com o surgimento dos primeiros

movimentos socialistas (FREITAS, 1996; p.25). Em 1848, Marx e Engels, com a publicação

do Manifesto Comunista, criticaram as medidas de caráter normativo aplicadas ao urbano.

Consideravam que:

“as transformações urbanísticas são uma conseqüência necessária das

mudanças nas relações sociais...” (BENÉVOLO, 1981, p.89).

A questão urbana passou a ser tratada como um problema secundário (dentro da abordagem

marxista), desvinculando-se do movimento operário, e tomando rumos independentes: a

primeira se insere no âmbito das responsabilidades do Estado, usado como forma de atenuar

os conflitos sociais; e, o segundo, torna-se objeto de estudos de caráter mais científico 20 A Lei Inglesa de 31 de agosto de 1848 (Public Health Act) representou um marco importante naabordagem normativa das questões urbanas, revelando-se como a primeira tentativa de consideração da nova

33

(sociológicos, econômicos, políticos e históricos) (BENÉVOLO, 1981; FREITAS, 1996;

MONTE-MÓR, 1980).

A intervenção em Paris, sob coordenação do Barão de Hausmann, teve repercussão política

no espaço capitalista ocidental e, tão logo, sua influência chegaria à América. Alguns

princípios do Barão de Hausmann, bem como os conceitos do pré-urbanismo do século XIX

chegaram ao Brasil, às vezes de forma fragmentada. Além disso, no Brasil, “as legislações já

nasceram setorizadas” e o processo tardio de industrialização determinou abordagens

diferentes daquelas desenvolvidas na cidade industrial em meados do século XIX

(FREITAS, 1996; p.27), como se verá adiante.

2.1.2. O Caso Brasileiro

Após a Proclamação da República, em 1889, o espírito da regeneração21 urbana integrava o

clima ideológico dos dirigentes políticos e dos grupos economicamente privilegiados. “Uma

nova concepção de cidade, aliada a ações de recuperação e planificação inspirada nos

espaços urbanos da Europa e Estados Unidos, começou a surgir no país, simbolizando uma

necessidade de modernização” (LEMOS, 1998; p.80). A redefinição do quadro econômico e

a constituição de uma nova sociedade urbana, aliadas às notícias de modernização européias,

criaram uma mentalidade peculiar no país. “A idéia de progresso, industrialização e vida

moderna tornou-se uma obsessão para a burguesia em constituição”22, indicando

necessidade de intervenções nas cidades brasileiras.

O cenário das grandes cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo, ao final do

século XIX, era caracterizado por um conjunto de deficiências geradas pela ausência de

infra-estrutura, déficit habitacional e obsolescência de sua organização espacial. Ao lado

destas, tradicionais cidades como Ouro Preto (MG) e Goiás Velho (GO) “evidenciavam uma

inadequação e uma impossibilidade de simbolizarem o progresso próprio da

modernidade”23. Dentro deste quadro, cabia ao poder estatal adequar as capitais às novas

situação urbano-industrial, como também por buscar tratar os problemas urbanos de modo mais integrado(BENÉVOLO, 1981, p.98-103).21 Considera-se “regeneração” urbana, neste contexto, a busca pela ordenação, pela correção dos problemasgerados pelo crescimento das cidades e pela construção de um espaço segundo as concepções modernizantesinspiradas nas cidades européias e americanas (LEMOS, 1998; p.80)22 Ibidem, p.80.23 Ibidem, p.80.

34

demandas e necessidades, ou planificar novas capitais, compatíveis com os valores

ideológicos e econômicos da era Republicana.

Segundo Villaça, entre 1875 e 1906, a elite brasileira tinha condições suficientes para

debater abertamente um plano de obras urbanas a ser implantado. Estes planos se referiam

especialmente ao embelezamento das cidades. Até mesmo mais tarde, nas décadas de 1930 e

1940, ainda é possível ver a implantação de planos de embelezamento, acompanhados da

preocupação com a infra-estrutura urbana, em especial, circulação e saneamento. Como

lembra VILLAÇA (1991, p.193) “foi sob a égide do embelezamento que nasceu o

planejamento urbano brasileiro”.

São Paulo representava, na segunda metade do século XIX a condição de protagonista no

que diz respeito aos planos de reestruturação e recuperação urbana. Esse processo era

acompanhado da necessidade de implantação de infra-estrutura, principalmente para suprir

as necessidades da burguesia emergente. No entanto, os planos da efetiva modernização

ocorreram apenas depois de 1889. ROLNIK (1997, cap. 3 e 4) trata da legalidade urbanística

da cidade de São Paulo até a década de 30, mostrando como a legislação foi configurando

eixos de valorização do solo, indexando mercados. Esta legislação criou espaços exclusivos

da elite, ao mesmo tempo em que criou espaços para a ilegalidade, que corresponde

basicamente, aos assentamentos populares.

No caso do Rio de Janeiro, o quadro era mais grave, uma vez que, enquanto capital federal

(função estritamente política), não lhe foi possível incrementar a economia, como ocorrera

no cenário paulista. Devido principalmente às precárias condições de saneamento básico e

com o expressivo aumento populacional que a cidade recebeu nas últimas décadas do século

XIX, as primeiras intervenções buscavam reduzir o grau de degradação das condições de

habitação e salubridade existentes em sua região central. No entanto, vale a pena lembrar

que na primeira década do século XX a cidade recebeu a chamada “Reforma Passos” que

buscou adequar a forma urbana às “necessidades reais de criação, concentração e

acumulação do capital” (ABREU, 1987; p.59). Na opinião dos dirigentes da época, fazia-se

necessário agilizar o processo de dinamização econômica e recriar uma imagem de capital

que simbolizasse “os valores do modus vivendi cosmopolita e moderno das elites econômica

e política nacionais”24.

24 ABREU, 1987, p.60.

35

Segundo FREITAS (1996; p.28), o início das práticas sanitaristas urbanas no Brasil

apresentou duas peculiaridades: primeiramente, elas nasceram antes do processo de

industrialização (conseqüentemente não estavam associadas a nenhum movimento operário);

e em segundo lugar, não nasceram vinculadas a nenhuma legislação específica. Em geral, as

questões ligadas ao saneamento apareciam como partes de outras legislações, principalmente

aquelas vinculadas à saúde pública.

Além disso, a idéia sanitarista da época vinha carregada da idéia de “limpeza da cidade”,

além da idéia de embelezamento de inspiração francesa. A reforma ocorrida no Rio de

Janeiro no início do século XX é muito bem documentada nos livros “Os bestializados”

(CARVALHO, 1997) e “Cidade Febril” (CHALHOUB, 1996). Os livros tratam da

destruição do cortiço “Cabeça de Porco” no Rio como forma de eliminar doenças que

ameaçavam a cidade, ou melhor, a burguesia. Tratando das formas de conceber diferenças

sociais na cidade, dos direitos quase nulos dos cidadãos da época e da supervalorização do

poder do Estado (estadania e não democracia, no dizer dos autores), ambos os autores nos

indicam que, desde esta época, os conhecimentos técnicos e científicos viriam contribuir

para a inibição do exercício da cidadania. Enquanto Rio de Janeiro e São Paulo receberam

planos mais abrangentes, a cidade de Belo Horizonte passou a ser idealizada, constituindo-se

em alvo de intervenções do poder público, lideradas por engenheiros sanitaristas como

Francisco Saturnino de Brito. Na reflexão de Baudelaire, o planejamento de cidades inseria-

se num conceito de modernidade que, se fosse somente o transitório, o efêmero, o

contingente, seria apenas a “metade da arte” e sua outra metade teria de ser buscada no

“eterno e imutável” (BERMAN, 1989). Para o poeta, essa modernidade, feita de “belezas

passageiras e fugazes” como as que se encontravam na vida presente de então, precisaria,

para se transformar em obra de arte, recorrer à identificação daquilo que estabelece com a

tradição e a continuidade. A busca pelos elementos artísticos, por parte dos urbanistas,

também nasceu desse dilema vivido pelo poeta. Ao planejarem novas cidades, os

engenheiros, além da valorização da racionalidade técnica, evidenciavam uma preocupação

com a cultura e a ordem perspéctica, criando a possibilidade da terceira dimensão. Esse

conceito foi muito explorado na América como, por exemplo, por L’Enfant, na criação de

Washington (1792) e por Aarão Reis, em Belo Horizonte (1894)25.

25 Sobre o caso de Belo Horizonte, ver LEMOS, 1988.

36

Pode-se dizer que, desde seus primórdios, o planejamento urbano no Brasil esteve vinculado

aos interesses capitalistas que utilizavam os discursos técnicos para justificar seus processos

contínuos de produção e reprodução, impondo a dominação do espaço urbano. Os

planejadores e o poder dirigente pensavam na cidade para os ricos e ignoravam a existência

de diferentes classes sociais: tratava-se de um planejamento para alguns... mercado para

alguns... modernidade para alguns... cidadania para alguns... Os momentos em que a questão

social foi abordada, datam de época mais recente, como poderá ser visto adiante neste

trabalho.

Início do Século XX

A construção do pensamento jurídico brasileiro, no que concerne ao direito de propriedade,

está estruturalmente ligada ao pensamento jurídico europeu (CASTRO, 2001, p.80). Sua

formulação mais definitiva – Código Civil de 1916 – está baseada nos pensamentos jurídicos

alemão e francês (Código de Napoleão), sendo elaborado pela classe burguesa.

No que concerne ao direito de propriedade, a elite brasileira, elaboradora do pensamento

jurídico brasileiro, não resistiu à importação de princípios europeus, rompendo, em muitos

aspectos, com a tradição portuguesa26. O Código Civil brasileiro foi concebido pela

perspectiva do individualismo típico do liberalismo jurídico clássico, refletindo valores e

formas de organização social do começo do século XX. A propriedade aparece regulada

principalmente no artigo 524 do Código, no qual não há referência a atendimento a nenhum

tipo de interesse público ou social. Segundo MATTOS (2001, p.66), a propriedade no

Código Civil de 1916 “é um instituto privatístico por excelência”. Assim, a cidade seria um

conjunto de lotes de propriedade individual (privada) e a apropriação privada por si só não

confere à propriedade qualquer função social. A propriedade, neste código jurídico,

expressa-se “por seu valor patrimonial” (CASTRO, 2001).

A partir do Código Civil de 1916, o Direito Urbanístico brasileiro apresentou avanços

significativos, podendo-se citar exemplos das leis aprovadas que atuam sobre o patrimônio

(decreto 25/1937), sobre o parcelamento (lei 6766/1979 e 9785/1999) e sobre a questão

ambiental (lei 6939/1981, 7347/1985). No entanto, no que se refere aos direitos de

26 No que concerne à propriedade privada, não se verificou nem mesmo a continuidade de institutos antigoscomo o das sesmarias, que tinha forte conteúdo social. Nele, prestigiava-se o conceito de propriedade útil, jáque esta era distribuída a quem pudesse tê-la de forma produtiva. Sobre as sesmarias e demais característicasdo Direito Português, ver CASTRO (2001).

37

propriedade imobiliária urbana, ainda não se conseguiu reformar completamente o conceito

típico do liberalismo jurídico clássico.

Anos Trinta e Quarenta

A partir dos anos 30, intensifica-se o processo de urbanização no Brasil. Assiste-se ao

esforço de industrialização iniciado pela ação centralizadora do governo, e o urbanismo se

volta para a cidade que se industrializa. Conceitos modernos de racionalidade espacial,

hierarquização de espaços (habitacionais), zoneamento, exercem influência relevante sobre

os técnicos brasileiros. Nota-se a grande influência que a corrente progressista (CHOAY,

1979; p.8-11) exerce no urbanismo brasileiro, referenciado na valorização da técnica e na

organização das funções urbanas: trabalhar, habitar, circular, recrear; tão bem defendidas

pelos modernistas.

Nesta época, o governo populista buscava modernizar tanto a ordem urbana quanto a

jurídica, preparando a cidade para receber imigrantes que vinham servir de mão-de-obra

para a indústria incipiente. Neste contexto, surgem as primeiras leis urbanísticas e

ambientais27, promulgando-se também, a Constituição de 1934. É com esta Constituição que

o princípio da função social da propriedade surge pela primeira vez no Direito brasileiro. No

entanto, até recentemente, nunca se previu condições para seu cumprimento, tornando-se

uma “figura de retórica” (FERNANDES, 2001, p.20).

Em 1937, o Estado promulga uma outra Constituição (a Polaca), reafirmando o princípio da

função social da propriedade, condicionando-a ao interesse público. Desta Constituição

surge o Decreto-lei n.º 58, pelo qual regulam-se ações de compra e venda de terrenos.

Ênfase maior era contratual e não urbanística. Além disso, reafirma-se o princípio da

propriedade privada (individual), uma vez que vincula a propriedade a um registro ou

contrato.

Nos anos 40, à medida que a cidade se industrializava, ocorria, mesmo que esparsamente, o

processo de expansão urbana. As cidades brasileiras cresciam horizontalmente, através do

“retalhamento” das glebas em lotes e venda em prestações. Esta ação se tornou típica das

cidades pós Decreto 58/1937, uma vez que o contrato de compra e venda veio a calhar com

27 Datam desta década: Código de Águas (Decreto 24.643/1934); Código Florestal (Decreto 23.793/1934);Lei de Proteção à fauna (1934). No plano urbanístico, surge a Carta de Atenas (1933), fruto do 4º CongressoInternacional de Arquitetura Moderna, e que representa os princípios da corrente progressista (ver CHOAY,1979).

38

os interesses do mercado imobiliário naquela época, uma vez que se tratava de um decreto

basicamente comercial, não dispondo de instrumentos urbanísticos capazes de regular a

ocupação. Com a urbanização, os problemas ditos urbanos começavam a demandar ações

governamentais, visando soluções técnicas e políticas para a solução de tais questões sociais

e econômicas que se avolumavam (MONTE-MÓR, 1980; p.24). A expansão das cidades e o

surgimento, bem como o agravamento, dos problemas urbanos - no qual se inclui a

habitação - se dá sob a égide de uma legislação inadequada: setorizada, despolitizada e

desprovida de instrumentos urbanísticos que pudessem regular o processo de ocupação e a

expansão territorial das cidades brasileiras.

Neste período surgiram os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), nos

quais se enfatizavam basicamente problemas relativos à habitação. Além disso, a Carta de

Atenas (1933), fruto do 4º CIAM, consolida a visão essencialmente funcionalista do

urbanismo moderno.

Ainda nos anos 40, foram feitos estudos e planos para várias cidades como Belo Horizonte e

São Paulo, introduzindo novas técnicas de análise e incorporando a visão de cientistas

sociais do fenômeno urbano. Em continuação a esta experiência, o Centro de Pesquisa e

Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CEPEU)

desenvolveu conceitos básicos para a participação comunitária nos planos urbanísticos.

Entretanto, estes trabalhos se caracterizavam principalmente por amplos diagnósticos

(planos compreensivos), resultando assim, em estudos sobre o urbano que ainda não

conseguiam mobilizar os governos para uma ação efetiva.

Anos Cinqüenta ao final dos anos Setenta

No início deste período as legislações que existiam em algumas cidades, regulavam questões

referentes à produção e apropriação do espaço no nível da edificação28 e não se encontravam

vinculadas a eventuais planos locais.

Nesta época, sob influência de planos diretores que surgiram nos Estados Unidos, tem início

a elaboração de planos diretores no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul. Além deste,

destaca-se também o trabalho desenvolvido pelo Padre Lebret e seus seguidores que

elaboraram estudos e planos para cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Recife

(FREITAS, 1996; p.36). Embora estes planos representassem uma nova visão no que se

39

refere ao trato do espaço urbano, se restringiam basicamente a amplos diagnósticos, não

culminando na implantação de instrumentos de aplicação prática.

No início dos anos sessenta, embora o planejamento não houvesse logrado resultados

concretos, já havia a consciência da necessidade de que o desenvolvimento urbano fosse

assumido como uma tarefa fundamental do governo, num país que assistia a um intenso

processo de urbanização. De certa forma, a preocupação com o planejamento urbano já se

fazia sentir ao nível dos municípios, uma vez que as cidades cresciam de forma

desordenada, apresentando contrastes de distribuição sócio-espacial. Entretanto, fora da

esfera municipal, o problema do desenvolvimento urbano continuava restrito aos

profissionais ligados à área, principalmente arquitetos, engenheiros, sociólogos,

economistas e geógrafos. As ações do governo federal e dos estados em relação aos

problemas urbanos, na sua maioria, continuavam restritas aos aspectos habitacionais,

iniciadas com a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), nos anos quarenta29.

Em 1963 acontece o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, em Petrópolis, na

tentativa de se estabelecer bases para a ação governamental, no sentido de promover e

ordenar o desenvolvimento urbano no país. Neste seminário, discutiu-se questões relativas

à “reforma urbana”, detendo-se na necessidade de regulações do uso do solo urbano, das

construções e investimentos setoriais, numa tentativa de ação integrada para o controle

estatal do espaço urbano30. No entanto, até 1964 o planejamento do espaço urbano

“continuava sendo encarado como artigo de luxo” (MONTE-MÓR, 1980, p.28), reservado

a espaços nobres. Apesar das discussões colocadas em 1963, o planejamento no governo

militar (pós-64) não enfocou a questão urbana em sua totalidade, ficando esquecida

durante quase todo o regime. Só mais tarde ocorreria a institucionalização do planejamento

urbano: privilegiou-se, no início, o aspecto da habitação stricto sensu e, gradualmente,

foram sendo incorporados aspectos ligados à infra-estrutura urbana e ao próprio

planejamento. Segundo MONTE-MÓR31 “novamente se percebe a pertinência da

perspectiva progressista que, ao se apoiar no indivíduo tipo (em oposição à comunidade-

tipo), centra seus estudos e interesses no habitat, no espaço individual, na propriedade

privada”. E, neste momento, não poderia ocorrer de outro modo, uma vez que o ideal da

casa própria viria servir aos interesses do novo regime autoritário instalado. Entender 28 Como é o caso do Código de Edificações de Belo Horizonte, de 1940.29 A este respeito ver AZEVEDO e ANDRADE, 1982.30 Ver MONTE-MOR, 1980, cap.1.

40

porque a habitação foi privilegiada, durante o governo militar, como tentativa de

desenvolvimento urbano, não é tarefa difícil: primeiramente porque era a forma de conter

conflitos sociais – “o proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em

arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem”32; e, em segundo

lugar, atenuava a crise econômica na medida em que a construção civil contribui

diretamente para a geração de empregos.

Em síntese, a partir de 1964 ocorre a institucionalização de uma política habitacional e da

prática do planejamento urbano como uma medida controvertida do regime militar que se

instaura no país a partir daquele ano. A prática de planejamento estava essencialmente

voltada para o financiamento de planos de desenvolvimento integrado ao nível local. A

política de habitação, baseada na criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e no

BNH, tinha como discurso objetivos amplos e ambiciosos, visando solucionar o problema

do déficit de moradias no país, especialmente para a população de baixa renda.

Em 1969, o Ministério do Interior (MINTER), através do Serviço Federal de Habitação e

Urbanismo (SERFHAU), criou o Programa de Ação Concentrada (PAC), definindo centros

urbanos prioritários para a ação do governo no campo do planejamento urbano. Segundo

FREITAS (1996, p.37),

“... a grande contribuição deste programa foi a busca de uma concepção

mais integrada e multidisciplinar de planejamento, englobando, além dos

aspectos físicos-territoriais já abordados nos primeiros planos diretores

brasileiros, os aspectos sociais, econômicos, administrativos e

institucionais”.

No entanto, apesar desta prática ter conduzido a um conhecimento mais sistematizado dos

problemas urbanos e a um avanço metodológico no tratamento teórico destes problemas,

conforme assinala MONTE-MOR (1980, p.40), os planos já nasciam fadados ao fracasso,

pois enquanto o planejamento buscava o fortalecimento do município, a política nacional

adotada revelava-se cada vez mais centralizadora e autoritária.

A elaboração de planos locais integrados, segundo MONTE-MOR (1980) resultou em

efeitos quase nulos, uma vez que aqueles que foram elaborados, por vários motivos, não

31 Ibidem, p.29.32 Seminário sobre o Plano Nacional de Habitação, S. Paulo, 1966. Plano Nacional de Habitação. S.1. BancoNacional de Habitação, 1966, v.2. pp.20-21; citado em AZEVEDO e ANDRADE, 1982. p-59.

41

foram colocados em prática.33 Quanto à política habitacional, esta teve pequeno sucesso.

Segundo análise de AZEVEDO e ANDRADE (1982, p.120), "não foi o objetivo social o

vitorioso". Um balanço dos resultados de vinte e dois anos (1964-1986) de atuação do SFH

e do BNH mostra que apenas aproximadamente três milhões de unidades foram

financiadas. Destas, apenas 35,0% para o chamado "mercado popular". Enquanto isto, o

mercado para as faixas de renda superior foi contemplado com 43,2%, restando ao

mercado intermediário os restantes 21,8% (AZEVEDO e ANDRADE, 1982: 121). Quando

se considera o volume de recursos utilizados na produção dessas unidades, constata-se que

a concentração nas camadas de alta renda da população é ainda mais significativa. O

"mercado popular" tem uma insignificante participação da faixa de renda abaixo de três

salários mínimos, incapaz de pagar por qualquer tipo de financiamento. Ressalta-se que

nem o BNH nem qualquer outra política pública foi capaz de compreender as famílias com

renda salarial de menos de um salário mínimo.

Em paralelo a esse fracasso da política habitacional comandada pelo Estado, observa-se

que o “valor” do solo urbano como mercadoria, condicionado pela existência de uma rede

de equipamentos e serviços, especialmente nas grandes cidades, iria contribuir para

orientar as tendências de crescimento da malha urbana, dificultando a ocupação residencial

(especialmente a de baixa renda) em determinadas áreas e levando a uma expansão

periférica da cidade. No caso de Belo Horizonte, na década de setenta, assiste-se a um

intenso movimento de periferização, representado pela ocupação e adensamento de outros

municípios de sua região metropolitana, que passam a apresentar crescimento populacional

muito maior que a capital.

A atuação do BNH reforça essa tendência. Além de se desviar de seus objetivos principais,

a atuação do BNH contribuiu para aumentar os problemas urbanos34, agravando dois

problemas fundamentais das grandes cidades brasileiras: a supervalorização da terra

urbana, gerando especulação imobiliária, e o seu corolário, o processo de expansão

periférica das cidades, onde a terra é mais barata e carente de infra-estrutura básica

(MONTE-MÓR, 1980, p.34).

33 Não será resgatada nesta pesquisa a avaliação deste processo de produção de planos integrados e de seufracasso. Para isto existem boas análises a exemplo de MONTE-MÓR (1980).34 Sobre o papel desempenhado pelo BNH na política de desenvolvimento urbano, ver AZEVEDO eANDRADE, 1982.

42

É neste momento e diante da inexistência de uma política habitacional eficaz, que o

chamado loteamento popular tem um papel importante na produção das periferias

metropolitanas. Em Belo Horizonte, a estratégia desta produção, dado o baixo nível de

renda dos compradores dos lotes, se baseava essencialmente em duas condições: a

existência de terrenos baratos e a inexistência de requisitos urbanísticos rígidos. Com isto

produziu-se espaços de reprodução social precários em termos de qualidade de vida

(COSTA, 1983).

A intenção de adoção de uma política urbana nacional manifestada desde os anos sessenta,

aparece no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) elaborado em 1971. É proposta a

instituição das primeiras regiões metropolitanas no país, ao se tratar da política de integração

nacional, à qual vinculava-se o desenvolvimento regional. Embora já se tenha colocado a

questão urbana em sua dimensão regional e tenha sido reconhecido seu estreito

relacionamento com a estratégia global de desenvolvimento econômico e social do governo,

enfatizando-se a necessidade de melhor se conhecer a dinâmica da organização territorial do

país, não se propôs, neste I PND, um modelo de política urbana nacional.

Somente no II PND, em 1974, seria formalizada uma “Política de Desenvolvimento

Urbano”, destacando a importância de uma política nacional. Neste mesmo ano, é criado um

novo organismo para coordenar as regiões metropolitanas e a política urbana: a Comissão

Nacional de Política Urbana (CNPU), que viria a ser substituída pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Urbano (CNDU) em 1979.

Paralelamente a este processo, surge um grande número de legislações urbanísticas

específicas, principalmente ao nível municipal: legislações de parcelamento do solo, leis de

uso e ocupação do solo35, código de edificações, dentre outras.

É somente em 1979, com a lei 6766, que tem início uma mudança de enfoque no que se

refere à expansão urbana (por retalhamento de glebas em lotes), constituindo-se em uma lei

nacional criada com o objetivo de coordenar o crescimento nas regiões metropolitanas

brasileiras. Esta lei veio regular o parcelamento do solo urbano e muito interferiu no

negócio dos "loteadores populares" a partir do início dos anos oitenta36. A lei definiu

padrões para a implantação de loteamento (35% da área do loteamento seria reservada para 35 No caso específico de Belo Horizonte, entra em vigor, em 1976, a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solodo município. Esta lei será analisada no Capítulo 3 desta dissertação.36 Sobre a atuação de loteadores na produção de lotes populares na cidade de Ribeirão das Neves (município

43

uso público - vias, equipamentos e área verde, dentre outros parâmetros) e exigências para

o loteador (como a obrigatoriedade de fornecimento de infra-estrutura para drenagem

pluvial, por exemplo) como forma de coibir os parcelamentos clandestinos e proteger os

direitos dos compradores. Isto, no caso da cidade de Belo Horizonte, contribuiu para a

redução drástica da produção de “loteamentos populares”, uma vez que, além de o preço

final da mercadoria aumentar, já que, pela lei, o lote deveria ser dotado de certa infra-

estrutura, foram instituídas fortes penalidades ao loteador clandestino e/ou irregular.

Conseqüentemente, a produção de lotes na periferia tornou-se pouco atrativa para estes

empreendedores (“loteadores populares”), contribuindo para que, a partir da Lei 6766/79, o

acesso à moradia pelos segmentos de baixa renda da população se tornasse mais difícil,

provocando o aumento das invasões e o crescimento das favelas nas áreas urbanas

brasileiras.

Deste fato podemos concluir que, apesar da Lei 6766/79 constituir uma evolução em

termos de legislação urbanística (uma vez que ao regulamentar o parcelamento do solo,

deprimiu-se a forma clandestina de ocupação nas periferias metropolitanas), sua aplicação

acabou por “resfriar” o mercado de terras - no que se refere aos loteamentos populares -

dificultando o acesso à moradia pelos estratos sociais de mais baixa renda. Nenhuma outra

forma de habitação social veio preencher a lacuna deixada pelos loteadores, favorecendo as

invasões em áreas urbanas.

Anos Oitenta

Ao fim de quase vinte anos de institucionalização das práticas de planejamento e política

urbana no Brasil, a década de oitenta enseja uma reversão acentuada. Segundo CARDOSO

(1997, p.80), estas mudanças estão ligadas “a uma conjuntura de crise global – crise

econômica, crise política, crise do Estado”, o que levaria, dentre outras coisas, ao fim do

regime militar e à democratização. A crítica ao autoritarismo, então comum no período,

resultou em uma negação da necessidade e da importância do planejamento, tido então

como intrinsecamente autoritário. Isto implicaria numa mudança de orientação no que se

refere ao campo do planejamento, que passa a enfatizar a idéia de participação e de gestão,

em detrimento da definição de planos e/ou políticas nacionais.

integrante da RMBH), ver COSTA. (1983).

44

A (re) democratização do país aparece como um componente novo e transformador. Ela

vem revelar a urgência de reformas sociais para o combate à miséria e para a construção da

cidadania. Segundo PEREIRA (2000) “as discussões sobre a política urbana, os planos

diretores, a reforma constitucional e o planejamento metropolitano buscam uma

redefinição do papel do Estado e das estruturas de gestão das cidades brasileiras, além de

procurarem novas estratégias para a realização de tais reformas”. Buscam-se novas formas

de gestão que envolva a sociedade em um movimento de inclusão nos direitos de cidadania

daquelas parcelas excluídas e/ou em processo de exclusão.

Neste contexto de mudança política, a sociedade civil organizada se mobiliza no sentido de

promover a qualidade de vida nas cidades, o que irá resultar na constituição do Movimento

Nacional pela Reforma Urbana, melhor explicado adiante. Anterior a este fato, em 1983, o

projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano (LDU) já enfatizava a importância do

planejamento urbano e a necessidade de coordenação das políticas entre os vários níveis de

governo. Assim, tanto a União quanto os estados e os municípios deveriam estabelecer

Políticas de Desenvolvimento Urbano, criando instrumentos que visassem “a contenção da

especulação imobiliária” (CARDOSO, 1997, p.86) e possibilitassem o acesso à moradia.

No campo da habitação, mudanças significativas também ocorreriam nesta mesma década.

Após a extinção do BNH em 1986, a política pública habitacional, promovida pelo Estado,

praticamente desaparece, ficando diluída na atuação dos empreendedores imobiliários

privados e da Caixa Econômica Federal (CEF), entidade financeira estatal, promotora dos

financiamentos. A CEF praticamente absorve o que restou do BNH e atualmente, vem

atuando no campo da habitação principalmente através da promoção de financiamentos

para diferentes estratos sociais37. A questão da moradia passaria a ser da esfera de

competência comum da União, dos estados e dos municípios. O Governo Federal teria o

papel de regulamentar a legislação urbana, sem a qual seria difícil uma ação mais eficaz

dos outros níveis de governo. No nível municipal, a questão habitacional encontrava-se

vinculada à questão do solo urbano. Neste sentido, uma política fundiária que diminuísse a

especulação – desincentivando a formação e manutenção de estoques de terrenos urbanos

37 As modalidades de financiamento oferecidas pela CEF são: Carta de crédito FGTS individual e carta decrédito material de construção; Carta de crédito associativa; Poupança Crédito Imobiliário; Prodecar e oConstrucard. Para detalhes ver CAIXA (1998). A partir de setembro de 2001 ocorreram mudanças no sistemade financiamento da casa própria para famílias com renda acima de R$2.000,00, dificultando o mesmo.Assim, os bancos privados passam a oferecer financiamentos mais atraentes e devem absorver a demanda dasfamílias com renda acima de R$2.000,00.

45

ociosos – e facilitasse o acesso à terra, poderia desempenhar papel não negligenciável na

melhoria das condições de moradia da maioria da população.

A Constituição de 1988 apresenta avanços significativos em relação ao tratamento da

questão urbana, ampliando as competências e o papel jurídico legal dos municípios.

FERNANDES (1998, p.220-221) afirma:

“Foi reconhecido, um novo direito social _ o direito ao planejamento

urbano (...). E, mais do que isto, pela primeira vez, a população foi

considerada, até certo ponto, como um agente político e, por conseguinte,

agora se espera que a mobilização popular contra os grupos econômicos

ocorra também dentro das esferas jurídica e institucional (...). Entretanto,

por si só este avanço não foi suficiente para mudar o caráter do

planejamento urbano, posto que se tornou evidente a partir das experiências

anteriores que, para que seja eficaz, o gerenciamento das questões urbanas

pressupõe a democratização do processo de tomada de decisões. Além de

todos os modelos de avaliação e das técnicas de planejamento, existia a

necessidade de se repensar o processo de administração política que tinha

determinado sua criação, assim como a escolha dos instrumentos de

controle que foram adotados.”

Assim, a Constituição Federal de 1988 inaugura um novo paradigma de orientação social

para o Direito Urbanístico brasileiro. Organizada em um capítulo de dois artigos (182 e

183) a política urbana do texto constitucional estabelece "a limitação ao exercício do

direito de propriedade a partir de sua função social" (CARDOSO, 1997, p.92). Estes dois

artigos representam uma versão limitada do que havia sido proposto pelo Movimento

Nacional pela Reforma Urbana, formado por algumas Organizações Não-Governamentais

(ONG) representativas de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais

urbanos, por meio de uma emenda constitucional apoiada em aproximadamente 150 mil

assinaturas.38 Os princípios gerais da política de desenvolvimento urbano assim estão

expressos no artigo 182:

"A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo 38 A proposta da Emenda Popular pela Reforma Urbana tinha quatro princípios básicos: 1. Obrigação doEstado em assegurar os direitos urbanos a todos os cidadãos; 2. Submissão da propriedade à sua função

46

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem-estar de seus habitantes.

Parágrafo 1o. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,

obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o

instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Parágrafo 2o. A propriedade urbana cumpre a sua função social quando

atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas

no plano diretor." (…) (meus destaques).

A Constituição de 1988 trouxe, portanto, inovações no tratamento do direito de

propriedade, a fim de qualificá-lo de acordo com os princípios de um novo Estado

democrático. O princípio da função social da propriedade é a referência máxima

orientadora do exercício do direito de propriedade. A diferença deste princípio _ função

social da propriedade_ da Constituição de 1988 para as anteriores reside no fato de que a

função social aparece vinculada à legislação urbanística, e é esta que deve garantir o

cumprimento da primeira. A Constituição caminhou no sentido de reconhecer “um direito

à propriedade, e não um direito individual de propriedade”, pois passa a condicioná-lo ao

cumprimento de uma função social determinável por legislação urbanística (MATTOS,

2001; p.61). Desta forma, a legislação urbana precede o exercício do direito de

propriedade, podendo especificar as condições para sua legitimidade. A função social da

propriedade instaura, assim, um novo paradigma de orientação para o Direito Urbanístico

no Brasil. A partir desta Constituição, novos planos diretores elaborados ou em elaboração

vêm elucidando novas perspectivas relativas ao planejamento urbano, evidenciando a

superação de enfoques tradicionais e pautando-se na direção da descentralização, da

integração, do incentivo à participação e da necessidade de qualificação do espaço urbano

(FREITAS, 1996).

Para isto ser colocado em prática, a Constituição Federal fortaleceu o poder dos

municípios, prevendo a capacidade de auto-organização destes por meio da Lei Orgânica

(orientadora da Lei Urbanística) e da restauração do poder das Câmaras de Vereadores.

Caberia à Câmara definir os mecanismos institucionais de participação das organizações

coletivas e aprovar a criação de conselhos municipais que teriam como atribuição mediar

social; 3. Direito à cidade; e 4. Gestão democrática da cidade. Para detalhes ver CARDOSO (1997: 87-90) eCOSTA (1988: 889-893).

47

entre o governo e a sociedade organizada, abrindo caminho para formas de participação

efetiva na gestão municipal. Esse conjunto de modificações possibilitou novos formatos de

gestão municipal, capazes de articular os diferentes interesses em jogo nos processos de

formulação e implantação de políticas, buscando a diminuição das desigualdades sócio-

espaciais. Ressalta-se, com isso, a importância do processo de gestão nas mudanças de

legislação: o Direito Urbanístico (=processo político) somente se efetiva no processo de

gestão. No dizer de FERNANDES, “o processo da lei é tão importante como a lei em si”

(2002,“informação verbal”)39.

No capítulo 3 será visto, para o caso específico da cidade de Belo Horizonte, a importância

do processo político na evolução da legislação urbana do município.

Anos Noventa

A partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, há o estabelecimento do

princípio da função social da propriedade como sendo fator fundamental para a

determinação dos direitos de propriedade imobiliária urbana e da ação do Estado (poder

público) na condução do processo de desenvolvimento urbano. Busca-se o equilíbrio entre

interesses coletivos e privados, devendo os novos princípios jurídico-políticos regerem as

relações entre sociedade e Estado, assentados na função social da cidade e da propriedade.

A partir desta Constituição, o desenvolvimento urbano passa a ser tratado a partir de uma

estratégia que considera os diversos atores que agem na produção e na estruturação da

cidade, abrindo espaço para o avanço da legislação urbanística no sentido de buscar

instrumentos de política urbana que possibilitem ao poder público interferir na dinâmica de

produção do espaço urbano. Dessa forma, as novas legislações urbanísticas municipais

(pós 88) têm buscado compreender a dinâmica do mercado imobiliário juntamente com

outros fatores urbanísticos e ambientais, bem como interesses sociais (consideração do

homem como elemento integrante de uma comunidade específica) no processo de

desenvolvimento urbano e de uso e ocupação do espaço, agora explicitamente sob o prisma

da função social da propriedade.

39 Frase proferida durante a defesa desta dissertação em 10/05/2002.

48

2.2. AVANÇOS? UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÓS 1988.

Apesar dos avanços da legislação no que se refere ao reconhecimento do direito de

propriedade, a atuação do capital imobiliário tem sido, desde longa data, orientada pelo

princípio individualista da propriedade imobiliária, segundo os princípios do Código Civil

de 1916. Além disso, a história do planejamento urbano e da habitação no Brasil mostra

que, desde o início dos anos sessenta, quando a questão foi institucionalizada, produziram-

se formas inócuas de controle sobre a ocupação e apropriação do espaço das cidades

brasileiras. O entendimento da habitação e da propriedade imobiliária em geral, meramente

como mercadoria, vinha favorecendo valores econômicos de troca em detrimento da

função social da propriedade, levando ao aumento da informalidade e da ilegalidade na

provisão da moradia para a população de baixa renda.

O cenário da cidade que se coloca quando da promulgação da Constituição de 1988 é da

cidade fragmentada, segregada e ilegal. A partir desta Constituição há o entendimento de

que o processo de expansão urbana se faça orientado predominantemente pelo interesse

coletivo sobre o privado, devendo a propriedade urbana exercer uma função social a ser

garantida pela legislação urbanística municipal. Mas até que ponto este entendimento vem

sendo aplicado em ações recentes que comprovem sua efetividade? Até que ponto os

espaços de valores de uso (espaço da apropriação social) vem sendo considerados pelo

planejamento pós 1988?

A princípio, acredita-se que a força do conceito de função social da propriedade é bastante

reduzida por ele depender daquilo que é determinado no plano diretor em termos de

ordenação da cidade. Ou seja, haveria, em princípio, uma inversão de valores, uma vez que

um princípio básico - a função social da propriedade - estaria subordinado às

determinações de um instrumento - o plano diretor (COSTA, 1998; p.136). Além disso, ao

usar a expressão "instrumento básico" para qualificar o plano diretor, o texto constitucional

não leva em conta outros importantes instrumentos para se atingir a função social das

cidades, especialmente aqueles que, posteriormente, seriam incorporados às leis orgânicas

municipais. No caso de Belo Horizonte, objeto de análise nesta pesquisa, a lei orgânica

relaciona no seu artigo 185, além do plano diretor, outros nove "instrumentos de

planejamento urbano" (COSTA, 1992; p.114), merecendo destacar os seguintes:

49

. legislação de parcelamento, ocupação e uso do solo;

. legislação financeira e tributária, especialmente o imposto predial e territorial

progressivo;

. parcelamento e edificação compulsórios;

. desapropriação por interesse social.

Apesar de o plano diretor de Belo Horizonte (a ser analisado no próximo capítulo)

incorporar tais instrumentos, deve-se considerar que eles poderiam ser aplicados

independentemente do plano diretor, de acordo com o que determina a Lei Orgânica.

As críticas acima apresentadas não têm como objetivo atirar por terra o capítulo sobre a

política urbana da Constituição Federal de 1988 que, sem dúvidas, representa avanços

significativos na busca da construção de um espaço urbano socialmente mais justo e da

cidadania. Ou seja, em conjunto com outros instrumentos de política urbana, o plano

diretor poderá formar uma nova estrutura legal sobre as questões urbanas, representando

um passo positivo na direção de um espaço urbano mais democrático no Brasil. Entende-

se, no entanto, que a construção da cidadania, que passa pelo processo de democratização

do acesso ao espaço urbano, não será alcançada de forma automática, como simples

conseqüência da adoção de medidas e instrumentos socialmente justos na sua formulação.

Ou seja, dependendo do contexto econômico, social e especialmente político em que um

plano diretor for formulado e colocado em prática, ele poderá ou não constituir-se em

instrumento de reforma urbana (COSTA, 1992; p.113).

Em relação a esse aspecto, pode-se dizer que a implementação de um sistema legal de uso

e ocupação do solo urbano não tem sido uma tarefa fácil no Brasil. O plano diretor por ser

um "instrumento básico" da nova política urbana tem muitas vezes colidido com interesses

do capital imobiliário representados nas câmaras municipais. No caso de Belo Horizonte,

não foi diferente. Um plano diretor e uma nova lei de parcelamento, ocupação e uso do

solo, baseados nos princípios estabelecidos na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica

Municipal, somente foram aprovados em 1996. Além de o poder local estar nas mãos de

dois diferentes partidos políticos neste período de oito anos, o processo de negociação foi

difícil, particularmente com aqueles agentes (instituições e vereadores) identificados com

os interesses do capital imobiliário.

Acredita-se que “ainda não foram criadas as condições políticas necessárias para se

promover a reforma do liberalismo jurídico ainda dominante _ na versão do Código Civil

50

de 1916 ainda em vigor _ que não considera a centralidade do princípio da função social da

propriedade” (FERNANDES, 2001, p.32). Além disso, os avanços promovidos pela

Constituição de 1988 precisam ser consolidados e expandidos, dentre outras formas através

da aplicação do “Estatuto da Cidade” 40(Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano), visto

que esta lei federal pode regulamentar, através das disposições e instrumentos nela citados,

os direitos de propriedade, diferentemente do Código Civil de 1916.

Repensando o conceito de função social (da propriedade) e outros conceitos

relacionados.

Como foi abordado anteriormente, a Constituição de 1988 inova o ordenamento jurídico

brasileiro ao estabelecer pela primeira vez um capítulo específico da política urbana,

determinando um conjunto de princípios, responsabilidades e obrigações do poder público,

e de instrumentos a serem aplicados como forma de reverter o quadro de desigualdade

social e degradação espacial e possibilitar o bem-estar da população. No entanto, o que se

observa atualmente (mais de dez anos após a promulgação da Constituição), são

dificuldades no cumprimento da função social da propriedade para a solução dos conflitos

urbanos, tendo em vista a situação da ilegalidade em que vive grande parte da população

brasileira. Apesar de se distanciar um pouco da discussão central desta dissertação, não se

pode deixar de mencionar este fenômeno e de indagar porque ele tem acontecido e o que

pode ser feito acerca disso.

Grande parte da população brasileira - entre 40 e 70% - vivem em situação ilegal (em

termos de moradia), sendo que em média 20% delas se concentram em favelas

(FERNANDES, 2001; p.26). No Brasil, pode-se dizer que o principal fator que leva à

proliferação de formas de uso e ocupação ilegal do solo urbano e de assentamentos ilegais

é a combinação entre a falta de uma política habitacional social e as ações do capital

imobiliário, o que tem resultado na ausência de opções adequadas de habitação para a

maioria da população (principalmente famílias com menos de três salários mínimos). A

ilegalidade da ocupação do solo não se restringe a este grupo sócio-econômico. Exemplo

disso são os chamados “condomínios fechados”, que servem de habitação para as camadas 40Aprovada em 19/06/2001, pelo Senado Nacional, a Lei 5788/90 (Estatuto da Cidade) e sancionada pelopresidente da República em julho de 2001.

51

de alta renda da população. No entanto, as práticas ilegais de uso e ocupação do solo pelos

grupos mais pobres são aquelas que merecem maior atenção, dadas as implicações sociais,

políticas, econômicas e ambientais tanto para os grupos afetados como para toda a

sociedade urbana (FERNANDES, 2001, p.27).

A falta de segurança de posse tem colocado a população excluída do mercado formal em

condições de vulnerabilidade, que se apresenta de duas formas:

• pela incapacitação financeira de obter o imóvel e seu registro de propriedade, levando a

possíveis despejos;

• ou , quando obtêm a titulação (como por exemplo por via de regularização fundiária),

estão sujeitos à expulsão pelas forças do mercado, tornando-se um fator de acirramento

da segregação sócio-espacial.

Dessa forma, pode-se dizer que o direito à moradia, isto é, a legalização da posse deve

acontecer de acordo com os princípios da função social da propriedade, de modo a permitir

formas mais justas de ocupação do solo.

Neste sentido, CASTRO (2001, p.83) considera necessária uma análise de como os

conceitos de propriedade, função social e posse vêm sendo abordados pós-Constituição de

1988, em especial no contexto de garantia do direito à habitação (pela obtenção através do

mercado ou pelo reconhecimento de posse), que é o momento onde o conflito entre

interesses privado e coletivo se torna efetivo.

Os dispositivos constitucionais (Título I e II) definem a propriedade como um direito

(deve-se garantir a propriedade privada) e concomitantemente a sua função social. No

entanto, a apropriação privada, não confere à propriedade, por si só, qualquer função

social. Desta forma, o conteúdo da palavra “propriedade” está intrinsecamente ligada à

noção de patrimônio, como tratado no artigo 524 e seguintes do Código Civil de 1916.

Assim, se o conceito de propriedade é incapaz de resolver conflitos que possam recair

sobre determinada propriedade imobiliária, é necessário examinar outros conceitos como o

de função social e posse.

52

O termo função social também é um conceito indeterminado no que se refere à sua

aplicação na questão da habitação. O que nos interessa analisar é a aplicação deste e dos

demais conceitos à propriedade imobiliária urbana.

Pela Constituição de 1988, a propriedade urbana deve exercer uma função social,

obedecendo a normas urbanísticas ditadas em lei. No entanto, mesmo que a legislação

imponha o cumprimento da função social, não se pode afirmar que ela está sendo

cumprida. Isto porque os interesses incidentes sobre a propriedade imobiliária urbana -

privados, públicos, sociais, econômicos - não estão no âmbito da competência legislativa

do município. Desta forma, outros aspectos da função social da propriedade urbana devem

ser resgatados, como por exemplo, o aspecto da posse que é o “direito materializador”41 da

função social da propriedade. Segundo CASTRO (2001, p.93):

“Esta nova leitura da posse, como função social da propriedade, não é um

direito teórico oponível ao Estado, mas reconhecimento de um direito

individual, que nasce com a posse útil do imóvel urbano pela habitação, e

que acontece no âmbito das relações privadas, e de interesse social da

propriedade urbana”.

A autora defende que a função social é mais evidente na posse (ocupação) e menos na

propriedade, estando mais compatível com os princípios constitucionais mencionados no

artigo 182 da Constituição Federal. Deve-se resguardar o direito de posse, desmistificando

o fato de que a segurança de posse só é dada pelo título de propriedade (registro). SILVA

(2001, “informação verbal”)42 acredita que uma política urbana que se preocupe com a

inclusão social deve estar ligada à habitação na medida em que haja uma integração de

políticas que garantam segurança e permanência da população no mesmo local. Isto porque

o título de propriedade pode gerar especulação e posterior venda do imóvel, favorecendo o

processo de gentrificação e a conseqüente expulsão dos mais pobres.

“Não se pode só regularizar áreas onde os pobres conseguiram conquistar,

mas subsidiar a ocupação e permanência das famílias em áreas já servidas

de infra-estrutura e serviços urbanos, sem criar valorização, especulação e

expulsão”. (SILVA, 04/05/2001).

41 Isto significa dizer que o reconhecimento do direito de posse seria a materialização do conceito da funçãosocial da propriedade.

53

Neste sentido FERNANDES43 ensina que é necessário reconhecer o direito à moradia

(=reconhecimento de posse da propriedade) e não reconhecer o direito de propriedade

(através de títulos).

No entanto, os conceitos jurídicos brasileiros, em geral construídos a partir de modelos

importados, representam um distanciamento entre a proposta teórica do sistema normativo

e sua apreensão e compreensão pela maioria da sociedade brasileira, impedindo uma

leitura clara dos princípios jurídicos e sua conseqüente aplicação (CASTRO, 2001; p.99).

Os autores acima citados acreditam que a mudança social e a conseqüente integração

espacial só pode ser feita por este caminho (reconhecimento do direito de posse / direito à

moradia). No conflito de interesses que acontece no que diz respeito à propriedade urbana

é também necessário criar instrumentos que controlem a ocupação pelo mercado formal.

Segundo SILVA (2001, “informação verbal”) “não há instrumentos que incluam os mais

pobres, se não houver instrumentos que controlem a ocupação pelos mais ricos”. Neste

sentido, mudanças devem ser propostas, como coloca CASTRO (2001, p.100), mostrando

que é necessário que se tenha:

“- acesso à informação pelos usuários”,

- compreensão, aceitação destas leis, ou de sua interpretação principiológica pelos juizes,

- meios processuais para reclamar esses direito nos tribunais”.

De forma geral, é importante saber se o conceito atual de função social da propriedade tem

sido entendido pela sociedade para que ela possa cobrar seus direitos. O sistema jurídico só

faz cumprir a ordem determinada em lei, mas o que se pretende com a mesma é

determinado pela conscientização e pressão da sociedade. Daí a necessidade de

participação da população nos processos mais recentes de gestão urbana. É a sociedade que

determina o que ela quer do Direito e só a mudança nos institutos jurídicos, aliada às

reformas políticas (mudança nos sistemas de gestão e participação direta da população no

processo político) pode promover uma reforma urbana. É o que coloca FERNANDES

42 Palestra dada por Helena Menna Barreto Silva (FAU/USP) no dia 04/05/2001, durante a realização doSeminário “Questões urbanas no século XXI: a cidade plural”, organizado pela Câmara Municipal de BeloHorizonte.43 Curso de Direito Urbanístico, ministrado por Edésio Fernandes e promovido pela Inovar Cursos Jurídicos,realizado nos dias 14 a 17 de Maio/2001, em Belo Horizonte.

54

(2001) quando afirma que “não se faz reforma urbana sem fazer reforma político -

jurídica”44.

Neste sentido, a busca de cidades socialmente mais justas e democráticas passa,

necessariamente por uma mudança jurídica, que leve em conta a realidade urbana do país e

assegure os interesses da sociedade no que diz respeito ao uso e à ocupação do espaço.

No entanto, como essa reforma ainda não foi posta em prática em nosso país, e,

considerando os objetivos dessa dissertação, nos deteremos a analisar justamente aqueles

instrumentos citados por SILVA, que se relacionam às normas urbanísticas que controlam

a ocupação do solo urbano pelo mercado formal. A fim de avaliar como as novas

tendências vêm ocorrendo no planejamento urbano, tomaremos o exemplo da cidade de

Belo Horizonte.

Pretende-se analisar, através da evolução do planejamento da cidade, as mudanças que

podem estar acontecendo, principalmente após a implantação do plano diretor em 1996.

Sabe-se que o cumprimento da função social da propriedade via legislação urbanística é

um processo lento e requer avaliações para verificação de seu cumprimento. Desta forma,

busca-se, no capítulo seguinte, compreender como a atual legislação urbanística da cidade

incorpora o conceito de função social da propriedade e como o agente imobiliário vem

reagindo a estas mudanças. Para isso, analisar-se-á as legislações municipais e sua

interação com o agente imobiliário ao longo da história da cidade (Capítulo 3), passando

ao estudo de caso de um agente imobiliário específico (Capítulo 4).

44 Curso de Direito Urbanístico ministrado em Maio / 2001.

55

3. LEGISLAÇÃO URBANA E CAPITAL IMOBILIÁRIO NAPRODUÇÃO DE MORADIAS – O CASO DE BELOHORIZONTE

Quando se desenha um breve quadro da história de Belo Horizonte percebe-se que suas

estruturas urbana e social em muito se modificaram em seus 104 anos de existência. Assim

como diversas cidades brasileiras expandiu-se, seja em densidade demográfica, seja nas

atividades econômicas (responsáveis pela criação de áreas industriais e de negócios) bem

como na extensão para áreas periféricas.

Belo Horizonte compartilha hoje, ao lado de outras cidades como Rio de Janeiro e São

Paulo, de um conjunto de problemas que ocorrem nos grandes centros urbanos, podendo-se

citar como exemplos a hiperconcentração/dispersão, o déficit habitacional, o crescimento

periférico e o alto custo dos equipamentos urbanos, abordados no capítulo 1. Dentre tais

problemas destaca-se a questão do acesso à habitação que se revela não só como um

problema social, mas também como um dos fatores responsáveis pela própria dinâmica de

estruturação do espaço urbano.

O processo de produção de moradias vem resultando na segregação social gerada pela

disputa pelo acesso à habitação nos espaços da cidade nos quais as condições urbanas de

vida são melhores. Neste contexto, observa-se a estreita relação existente entre o processo

de produção de moradias e a estruturação interna das cidades. O capital imobiliário,

responsável por tal produção, deixa de ter sua dinâmica fundada na oferta de habitação e

passa a funcionar como um mecanismo de seleção e de segregação social.

Observa-se que a questão habitacional é também condicionada pelos mecanismos que

produzem a estrutura urbana, a distribuição dos equipamentos e serviços na cidade. Como

visto anteriormente, o capital imobiliário direciona sua produção para localizações que lhe

permitem obter a máxima taxa de lucro, em geral, aquelas bem servidas de infra-estrutura e

serviços urbanos. No entanto, as melhorias no urbano são, em geral, promovidas pelo

Estado que atua como gerador de Renda Diferencial. Isto quer dizer que há uma associação

entre os mecanismos que regulam o uso do solo e os que regulam a produção de moradias.

Este capítulo busca discutir, para a cidade de Belo Horizonte, a interação entre legislação

urbana e capital imobiliário, procurando entender a atuação da primeira como coibidora ou

facilitadora da ação dos agentes imobiliários (incorporadores).

56

A ocupação territorial da capital mineira exemplifica bem a urbanização segregadora de

nosso país, onde, como observa MARICATO (1996, p.43), o processo de acumulação faz

com que o urbano se institua “como pólo moderno ao mesmo tempo em que é objeto e

sujeito de reprodução ou criação de novas formas arcaicas em seu interior, como

contrapartida de uma mesma dinâmica”. A cidade moderna - que seria a oficial, a regulada

- vem convivendo com a cidade arcaica - a ilegal, desigual e precária. Grande parte da

população encontra-se excluída da cidade “oficial”, tendo na ilegalidade, sua forma de

acesso à moradia.

Considerando, neste trabalho, a cidade “oficial”, isto é, a cidade regulada por normas e

leis, observa-se que à organização da população no espaço correspondia uma dinâmica

imobiliária apoiada na legislação urbanística. Isto significa dizer que os mecanismos que

regulam o uso do solo urbano não têm intervido de maneira eficaz no controle da ocupação

do solo, isto é, não têm regulado eficazmente a atuação do capital imobiliário (produtores

de moradia). Observa-se que a melhoria das condições habitacionais está diretamente

ligada à adoção de uma política urbana reguladora da oferta de terras, o que promoveria a

diminuição das desigualdades. Procura-se, neste capítulo, compreender a relação existente

entre legislação urbana e capital imobiliário na produção de moradias em Belo Horizonte,

verificando as relações entre estes agentes.

Primeiramente será feito um breve histórico da atuação do mercado imobiliário na cidade

até os anos setenta, marco da aprovação de legislações urbanísticas que muito

direcionaram a atuação do capital imobiliário: a lei federal 6766 em 1979, e a primeira lei

de uso e ocupação do solo do município em 1976. Em um segundo momento busca-se

analisar a interação desta legislação urbana municipal, assim como as outras que lhe

seguiram - a de 1985 e a de 1996 - com o mercado imobiliário. Isto exigirá uma análise dos

parâmetros urbanísticos empregados em cada uma das legislações e suas mudanças no que

diz respeito à sua influência na produção de moradias. As mudanças na legislação urbana,

ao direcionarem investimentos do mercado imobiliário, podem contribuir para que certas

áreas sejam mais atrativas que outras e o objetivo desta parte do trabalho é verificar até que

ponto estas mudanças podem estar deslocando investimentos para certas áreas e ampliando

o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população. Posteriormente à

análise das leis, procurar-se-á descrever as tendências de ocupação do espaço urbano, e

verificar se tais tendências são ou não reforçadas pela legislação urbana atual. Estas

57

tendências serão baseadas principalmente em entrevistas com pessoas envolvidas no

assunto, considerando a falta de dados recentes.

3.1. DA FUNDAÇÃO AOS ANOS SETENTA – BREVE HISTÓRICO DA

ATUAÇÃO DO CAPITAL IMOBILIÁRIO EM BELO HORIZONTE

Nesta parte do trabalho busca-se verificar a atuação do mercado imobiliário em Belo

Horizonte, bem como sua interação com os demais agentes produtores do espaço urbano,

ao longo da história da cidade. Com esta análise da evolução do setor imobiliário, objetiva-

se entender a configuração atual do espaço da cidade. Para isso serão utilizados, dentre

outros trabalhos, os estudos de diagnóstico desenvolvidos pela Prefeitura da capital, como

subisídios à elaboração do plano diretor e da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do

Solo (LPOUS) de 1996. Não se trata de um resgate total da história da capital, mas do

relato das condições históricas da constituição do espaço e a ação dos diferentes agentes

que atuam no urbano.

Será dado destaque ao papel da atuação do poder público ao longo dos anos, uma vez que a

adoção de novas políticas por este agente provoca, na maioria dos casos, “mudanças de

estratégias e de comportamento dos demais agentes”, constituindo novos padrões de

funcionamento do mercado imobiliário (BELO HORIZONTE, 1995; p.41).

Os estudos para o plano diretor seguiram a seguinte periodização da produção imobiliária

em Belo Horizonte: o primeiro período abrange desde a criação da cidade até os anos

cinqüenta, época em que se estrutura o mercado imobiliário e se estabelece uma dinâmica

de relacionamento entre o poder público e os demais agentes; o segundo, a partir dos anos

cinqüenta até 1964, quando se dá o golpe militar; e o terceiro, a fase correspondente ao

período do regime militar, que se estende até a década de setenta, quando se institui a

primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte. A partir daí este estudo será

periodizado de acordo com a vigência das legislações urbanísticas.

• 1897 – 1950

Tendo como exemplo Washington e inspirada nas reformas francesas haussmanianas, Belo

Horizonte nasce como o resultado da aspiração pelo novo, retrato de progresso, à imagem

da República recém instaurada. Enquanto uma cidade planejada, é relevante o papel

58

desempenhado pelo poder público no processo de ocupação do espaço urbano da capital

mineira. Proprietário de grande parte dos terrenos, coube a ele a responsabilidade pelas

transações imobiliárias ocorridas nos primeiros anos.

De acordo com o plano da capital, Belo Horizonte foi dividida em três zonas: a urbana,

compreendida pelos limites da Avenida do Contorno, era destinada ao aparato burocrático

e administrativo e servia de residência para os funcionários públicos; a suburbana, logo

após a primeira onde se previa a construção de chácaras e sítios; e a rural, área destinada

aos cultivos agrícolas capazes de abastecer a cidade. No projeto da capital mineira não

havia separação hierárquica do espaço e a única diferença que existia era quanto ao tipo de

casa (GUIMARÃES, 1991, p.91). As casas construídas para os funcionários públicos se

hierarquizavam de A a F, sendo a primeira, a mais simples, destinada aos porteiros e outros

empregados de menor graduação; a última, verdadeiros palacetes, aos desembargadores ou

diretores; e as intermediárias às demais classes de trabalhadores. A aparência da

construção identificava o papel que possuía o proprietário na sociedade bem como os bens

de que dispunha. Era a segregação social manipulada pela arquitetura45.

Em 1898, surge o primeiro Código de Postura de Belo Horizonte, que estabelecia critérios

de urbanização e exigências diferenciadas entre a zona urbana e as demais. No plano da

cidade, estava previsto que sua ocupação se daria do centro para a periferia e, por isso,

apenas a área urbana deveria ser dotada de infra-estrutura. No entanto, os altos preços dos

terrenos da zona urbana, decorrentes da especulação, e o conjunto de exigências feitas aos

seus moradores, fizeram com que “grande parte da população se localizasse na zona

suburbana, onde preços e exigências eram menores” (GUIMARÃES, 1991, p.92). Além

disso, o fato de o plano da capital não prever local de moradia para os trabalhadores

construtores da cidade, fez com que os mesmos ocupassem a periferia imediata à zona

urbana. “Aqueles que não tinham condições de adquirir um terreno até mesmo na zona

suburbana - trabalhadores de baixa renda, principalmente - invadiam áreas e construíam

seus barracos” 46.

A formação de favelas é também um fenômeno que cedo se faz presente em Belo

Horizonte, em função desta imprevisão de um lugar para alojar os trabalhadores que

45 No período de março/1997 a março/1998 desenvolvi, juntamente com a Prf.ª Celina Borges Lemos, umapesquisa sobre a arquitetura de Belo Horizonte entre os anos de 1897 e 1930, incluindo um trabalhodetalhado sobre as casas-tipo. Parte do trabalho encontra-se publicada (LEMOS, 1998).46 Ibidem, p.93.

59

construíram a capital. As invasões fizeram com que o poder público interviesse na questão,

iniciando, em 1902, uma política de remanejamento dessa população para áreas periféricas.

Em 1930, a última favela da área central, a “Barroca”, foi removida para fora da avenida

do Contorno. Desta forma, ao contrário do previsto, pode-se concluir que a expansão da

cidade se deu da periferia para o centro, trazendo problemas para o poder público que,

durante muitos anos, conviveu com uma zona urbana esvaziada, dotada de serviços e infra-

estrutura, enquanto a periferia encontrava-se ocupada e carente de tais benefícios (BELO

HORIZONTE, 1995, p.42).

Durante os primeiros anos, o poder público objetivava especialmente garantir a execução

do modelo de cidade projetado. Com isso, todas as atenções voltaram-se para a zona

urbana da cidade, enquanto a periferia era ocupada de maneira desordenada e sem controle.

Embora existissem leis e regulamentos relativos à ocupação e às características das

construções, estes ou eram desrespeitados ou não eram fiscalizados, contribuindo para a

desordem urbana que se implantou principalmente fora dos limites da avenida do

Contorno.

Logo no início da fundação da cidade, pessoas como “Zé dos Lotes” surgem interessadas

em adquirir terrenos e comercializá-los. Este personagem teria adquirido “um grande

número de lotes dos proprietários vindos de Ouro Preto que não se interessavam por eles,

formando-se o embrião do futuro mercado imobiliário”47.

A partir dos anos vinte, registra-se um boom imobiliário provocado não só pelo aumento

da população, mas também estimulado pelo poder público que, através de subsídios,

incentivava os funcionários a construírem suas casas (GUIMARÃES, 1991, p.136). Neste

contexto, surgiram as primeiras Companhias Imobiliárias, responsáveis, em grande parte,

pelo boom e pela especulação de terrenos e imóveis, “sendo loteadas áreas que pertenciam

às ex-colônias e que vinham sendo adquiridas desde 1914”48. “Através de créditos e de

financiamento, estimulava-se a compra de lotes a prazo, facilitando-se também a

construção de casas, especialmente na zona suburbana, o que faria expandir a fronteira

urbana”49. Esta facilidade de créditos favoreceu a expansão dos loteamentos, em geral, sem

infra-estrutura, estimulando o crescimento da cidade para a periferia, enquanto o centro

permanecia esvaziado.

47 Ibidem, p.42.48 BELO HORIZONTE, op. cit. p.43

60

Nos anos trinta, os resultados deste processo foram agravados não só pelo crescimento

populacional acima do esperado como também pela especulação que se implantou na

cidade. Isto induz o poder público a tomar as primeiras medidas de planejamento

posteriores ao projeto original. Surge, pela primeira vez, “a necessidade de um plano

urbanístico para Belo Horizonte como condição para torná-la industrializada” (BELO

HORIZONTE, 1995, p.43). Assim, o poder público define uma política de estímulo à

ocupação da zona urbana através de sobretaxas para os lotes vagos, além de definir padrões

de construção em vilas aprovadas e estabelecer normas construtivas, objetivando conter a

desordem urbana.

O desenvolvimento da economia, aliado à política de gastos públicos, ocasiona o

crescimento das atividades urbanas, aumentando as migrações para a cidade e significando

um novo alento para o mercado imobiliário, sob cuja iniciativa se expande a ocupação

urbana por todas as direções da cidade, em especial a Norte (em direção à Pampulha) e a

Oeste (em direção à Cidade Industrial).

No final da década de trinta e início da de quarenta, foi realizado um conjunto de obras

públicas em Belo Horizonte, buscando a modernização da cidade. Destacam-se: o

loteamento do Parque Vera Cruz (1935), o complexo da Pampulha (1938), o aeroporto da

Pampulha, a avenida Antônio Carlos e o conjunto IAPI – Instituto da Aposentadoria e

Pensão dos Industriários (1942). Com relação a este último, vale ressaltar que trata-se da

primeira vez que o poder público em Belo Horizonte, “chama para si a responsabilidade de

construir casas para a classe trabalhadora, introduzindo-se a concepção de conjunto de

apartamentos para a moradia das classes populares” (GUIMARÃES, 1991, p.216).

Destaca-se o papel do poder público, neste período, como gerador de renda diferencial

(RD-I) ao realizar obras de grande vulto, capazes de direcionar novas frentes de ocupação

na cidade, representando um novo alento para o mercado imobiliário.

Ainda nos anos quarenta, o mercado imobiliário belo-horizontino era incipiente e voltava-

se, sobretudo para a construção de casas para aluguel e loteamentos. Destaca-se na

produção de loteamentos a empresa Comiteco. Já a produção de casas estava diretamente

ligada à obtenção de financiamentos junto aos bancos. Em geral, a Caixa Econômica

Federal financiava a compra de terrenos e, em alguns casos, também financiava a

49 GUIMARÃES, op.cit. p.136

61

Prefeitura, para que ela urbanizasse a área. No final desta década, ocorre uma alteração na

legislação referente a loteamentos, condicionando a aprovação à conclusão das obras de

infra-estrutura, o que não foi seguido à risca. Segundo MARES GUIA (1993), a Prefeitura

poderia conceder, a priori, uma aprovação oficiosa, desde que os projetos de loteamentos

estivessem de acordo com a nova legislação, passando estes a ser loteamentos autorizados.

Também as edificações passam a ser regulamentadas pelo Decreto 84/1940 (Código de

Obras), que define taxa de ocupação, altura e condições gerais para a implantação das

edificações. No entanto, estas regras definidas pelo Decreto 84/40 se limitavam a regular a

produção no nível pontual da edificação, não se vinculando a nenhum plano local de

estruturação do espaço urbano.

É na década de cinqüenta que são observadas alterações de maior vulto no processo de

crescimento da cidade, conseqüências de transformações no processo de urbanização e

industrialização que ocorrem no Brasil.

Segundo GUIMARÃES50, caracterizam o processo de desenvolvimento do período

analisado e que irão marcar o processo até os dias de hoje: “o crescimento desordenado da

periferia, escapando ao controle do poder público; a especulação imobiliária; as

construções clandestinas; os loteamentos fora da malha urbana e sem infra-estrutura; o

crescimento e o adensamento de favelas; a localização cada vez mais periférica da massa

de trabalhadores no espaço, entre outras”.

• 1950 – 1964

A década de cinqüenta, além de marcada pelas rápidas transformações associadas à

urbanização e à industrialização, como vimos no Capítulo 1, foi também caracterizada, no

caso de Belo Horizonte, por um intenso processo especulativo, onde a disputa por lotes

urbanizados e dotados de infra-estrutura “pressionava a valorização de lotes com situação

privilegiada e determinava a retenção de outros, à espera de valorização futura”

(FREITAS, 1996; p.49). Com isso, intensifica-se o surgimento de bairros cada vez mais

distantes, reforçando o processo de expansão periférica da cidade. A existência de uma

legislação de controle do parcelamento do solo (Decreto 58/1937) não consegue impedir a

proliferação de novos loteamentos, a maioria irregular, e tem início o processo de

50 Ibidem, p.237.

62

conurbação com os municípios vizinhos, em especial com Contagem, município onde se

implantara o pólo industrial da capital mineira e estava ausente de legislação restritiva. O

adensamento da ocupação do espaço se dá através da habitação unifamiliar horizontal, na

zona norte, e da verticalização da zona sul (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998).

Na primeira metade da década de cinqüenta é implantada no Barreiro a Siderúrgica

Mannesmann, contribuindo para a inserção da capital mineira na cena econômica nacional.

É feito nesta época o Plano Diretor da cidade que aborda principalmente “questões da

estrutura física” (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998; p.59), constituindo-se em um plano

de extensão da malha viária.

Desta década também data a construção do Conjunto JK (1958), quando o mercado se abre

para a construção de prédios de apartamentos e prédios comerciais. O que se observava, até

então, em Belo Horizonte, era a existência de construtores isolados. Aos poucos a situação

foi-se modificando e morar em apartamento “passou a ser símbolo de status e de

cosmopolitanismo” (BELO HORIZONTE, 1995, p.44). A partir daí, empresas começam a

se dedicar à construção de moradias para os setores de renda média e alta. Na maioria dos

casos, as empresas construtoras eram formadas por “egressos da Escola de Engenharia”51 e

desenvolviam atividades de incorporação, como forma de viabilizar a própria atividade de

construção. “O preço era fechado e fixo, dividido em parcelas de até 60 meses, exigindo-se

uma pequena poupança inicial do comprador final. As entradas e as parcelas iniciais

serviam para o financiamento das obras sendo as últimas a remuneração e o lucro do

construtor / incorporador”52. Em raras vezes, o comprador financiava o imóvel pela CEF.

Em geral, a construção de edifícios ocorria preferencialmente na área central, no interior da

avenida do Contorno, onde o gabarito de altura permitia maior número de pavimentos. Já

no final da década, a concentração de atividades no centro iria tornar a área imprópria para

a convivência residencial e a demanda por apartamentos migra para os bairros mais

tranqüilos, expandindo-se para fora de tal limite, como os bairros Santo Antônio, Carmo,

Cruzeiro, Funcionários e Serra (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998, p.63). No início,

constroem-se muitos prédios de três pavimentos, com apartamentos de áreas internas

generosas, mas sem elevador e sem recuo no alinhamento das calçadas. Também não há

51 Ibidem, p.44.52 Ibidem, p.44.

63

obrigatoriedade de vagas de garagens, sendo que, quando existentes, se resumem, na

maioria dos casos, a estacionamentos descobertos, nos afastamentos laterais.

Ressalta-se a importância da iniciativa privada como indutor do crescimento e

desenvolvimento urbanos. Atuando na produção de loteamentos e de construções

residenciais e comerciais, o setor privado vai direcionando a ocupação para determinadas

áreas, atraindo novos moradores e induzindo o surgimento de novos empreendimentos.

Este fato, em geral, provoca a valorização dos terrenos próximos. Segundo MATOS (1988,

p.16) “a ocupação (via assentamentos urbanos) gera ocupação”53.

Entre os anos 60 e 64, “o mercado financeiro começou a apresentar rentabilidade muito

elevada frente às altas taxas de inflação no período, tornando-se um investimento mais

atraente que o mercado imobiliário” (BELO HORIZONTE, 1995, p.45). Além disso, os

promotores imobiliários que atuavam sob preço fechado tiveram sua atuação reduzida, uma

vez que as prestações não acompanhavam a alta da inflação que atingiu o país neste

período. No que se refere aos loteamentos, pode-se dizer que o período foi marcado por

lançamentos de dois tipos: “os loteamentos nos interstícios de áreas loteadas, onde se

implantava infra-estrutura de melhor qualidade” (luz, água, calçamento, etc.); e aqueles

que representavam a “expansão popular para áreas periféricas, dando continuidade ao tipo

de loteamento que se implantava mesmo antes de 1950 em termos de infra-estrutura”,

oferecendo, no máximo luz e calçamento da rua principal54. As regiões da cidade mais

características destes processos situam-se a Noroeste e Nordeste55.

• 1964 – ao final dos anos Setenta

Até 1964 os problemas urbanos eram, em geral, resolvidos na esfera municipal. A partir

daquele ano e com o regime militar, houve a centralização de recursos e poder nas mãos do

executivo federal, que passou a definir diretrizes de várias políticas, inclusive a urbana. O

Estado passava a ser o agente básico do crescimento e modernização da economia do país.

53 Isto significa dizer que tanto os loteamentos como as construções civis funcionam como determinantes daestruturação urbana e expansão das cidades (em sintonia com as possibilidades de geração de diferentes tiposde renda da terra). Por exemplo, a abertura das avenidas Amazonas e Antônio Carlos propiciou o surgimentode novos bairros, contribuindo para a expansão da cidade naquelas duas direções. O bairro Renascença surgiunas proximidades de uma fábrica de tecidos que ali se instalou; o bairro Mangabeiras teve sua expansãopropiciada pela construção do Instituto Hilton Rocha, etc. Estes exemplos explicam a expressão empregadapor MATOS que considera que a “ocupação gera ocupação”.54 Ibidem , p.45.55 Ibidem, p.45.

64

Com isso, municípios e estados foram privados de parcela significativa dos recursos

através dos quais procuravam promover a oferta de serviços e infra-estrutura.

Nos níveis municipal e estadual, a falta de recursos provocou a paralisação da construção

de novos edifícios, redução do número de lançamentos de loteamentos e queda do preço

dos terrenos. Para aquecer o mercado imobiliário bem como contornar os graves problemas

urbanos, em especial a falta de moradia, o governo federal cria o BNH e, vinculado a ele, o

SERFHAU. O que se pretendia era inserir a política habitacional no contexto mais amplo

do desenvolvimento urbano, dando ênfase ao desenvolvimento local integrado56. À

instância municipal foi reservada a atribuição de subordinar a implantação dos novos

parcelamentos a serem executados às necessidades locais, inclusive quanto a destinação e

utilização de áreas de modo a possibilitar o desenvolvimento local integrado.

O controle sobre a implantação de novos loteamentos, entretanto, continuava na instância

municipal, podendo a administração local recusar a aprovação para evitar o aumento de

investimento com obras de infra-estrutura. Na prática, pretendia-se que o modelo de

crescimento urbano via parcelamento/agregação das periferias, até então em vigor, “fosse

substituído por um novo modelo, no qual o lote já seria oferecido juntamente com as

moradias implantadas, o que se viabilizaria através da atuação conjunta entre o grande

capital imobiliário e o BNH” (BELO HORIZONTE, 1995, p.46). Nos casos específicos de

Belo Horizonte e dos maiores municípios da RMBH, nota-se que o número de loteamentos

sem qualquer infra-estrutura se reduz no final da década de sessenta, prevalecendo os

parcelamentos com alguma infra-estrutura. Isto ocorre no caso do bairro Cidade Nova,

primeira iniciativa de parcelamento do solo em grande escala voltado para a classe média.

No que se refere aos financiamentos liberados pelo BNH para produção de moradias

constata-se que “praticamente não houve recursos para a área de interesse social” (BELO

HORIZONTE, 1995, p.48) no período entre 1970 e 1976; ampliando sua atuação entre

1978 e 1982. De fato, as COHABs e os INOCOOPS57 desenvolveram um volume de

construção relativamente pequeno, mas capazes de ampliar as diferenças sócio-espaciais

56 Sobre a elaboração de Planos de desenvolvimento Local Integrado consultar MONTE-MÓR (1980)57 As COHABS são Companhias Habitacionais criadas em 1965, a partir da instituição do SFH (SistemaFinanceiro de Habitação) e do BNH (Banco Nacional de Habitação). São empresas de economia mista e, emgeral, têm como acionista majoritário o poder público (estadual ou municipal). Os INOCOOPS (setor dentrodo BNH) são Cooperativas Habitacionais que atuam na construção e comercialização de residências parapessoas de baixo poder aquisitivo. Os imóveis são construídos com verba própria dos cooperados. Sobre esteassunto ver AZEVEDO e ANDRADE, 1982.

65

entre o centro e as periferias: nas mais afastadas, centenas de casinhas idênticas da

COHAB; dentro da malha urbana, o conjunto de prédios do INOCOOP, de fácil

identificação pela arquitetura e acabamento empregado. É bom salientar que as populações

com rendas mais baixas (menos de três salários mínimos) não foram atingidas por estas

ofertas.

Porém, é a partir dos anos setenta que a questão urbana no Brasil passa a ser tratada de

forma mais ampla. Institucionalizam-se as Regiões Metropolitanas, entre elas a de Belo

Horizonte (RMBH), congregando catorze municípios e cria-se o Planejamento da Região

Metropolitana (PLAMBEL), órgão técnico que, aos poucos irá intervir sobre o

parcelamento do solo na região. Em 1976, este órgão aprova o Plano de Ocupação do Solo

da Aglomeração Metropolitana (POS), passando a regulamentar o parcelamento de áreas.

Neste mesmo ano a distribuição espacial das funções urbanas de Belo Horizonte passou a

ser regida pela Lei 2662/76, a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo do município e

criada a partir da proposta do PLAMBEL.

Ao longo da década de setenta, alguns investimentos produtivos vêm se localizar na região

metropolitana, sendo indutores da expansão urbana: a FIAT Automóveis e a FMB _

Produtos Metalúrgicos _ em Betim; a SOEICON em Lagoa Santa; a GM Terex do Brasil

em Belo Horizonte; e a Brasox S.A. Indústria e Comércio, em Contagem (MATOS, 1988;

p.17). Além destes, outros investimentos privados se implantaram em Belo Horizonte,

desempenhando papel de estruturadores urbanos, a exemplo do Instituto Hilton Rocha, no

bairro Mangabeiras, e o Shopping Center, na fronteira com Nova Lima.

Em geral, os anos setenta assistiram a uma dinamização do mercado imobiliário,

aumentando o número de apartamentos construídos, principalmente para o segmento de

renda média da população. A construção vertical invade os bairros e, ao longo dos

principais eixos viários formam-se concentrações comerciais importantes como em Santa

Tereza, no Barro Preto, na Barroca e no bairro dos Funcionários58.

Diversas modificações no traçado viário tornam-se necessárias em função do grande

número de veículos que passou a circular pela cidade. “A Praça Sete deixa de ser uma

grande rotativa para ser atravessada pelos fluxos das avenidas Afonso Pena e Amazonas.

Há investimentos em obras viárias, ocorrendo a implantação das vias expressas Norte e

58 ANDRADE E MAGALHÃES, op. cit. p.68.

66

Leste-Oeste. Os bairros mais próximos do centro, principalmente o vetor sul da cidade se

transforma em espaço preferencial da burguesia”59. A euforia de construções vai até 1976,

quando se inicia um processo gradual de exigências do BNH para o financiamento de

imóveis de maior valor, o que não chegou a afetar o volume de construções que continuava

alto como reação defensiva à Lei de Uso e Ocupação do Solo que seria aprovada no final

daquele ano. Os empresários, quando tiveram conhecimento do projeto de lei que estava

para ser aprovado, buscaram aprovar seus projetos em terrenos que sofreriam restrição nos

coeficientes de aproveitamento, especialmente na região sul, onde este tipo de restrição

seria maior pela imposição da ZR2 (zona residencial 2), como será visto adiante.

De modo geral, consolida-se a tendência de adensamento “ao longo dos eixos que saem do

centro em todas as direções” (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998, p.70). Pela FIG.1

pode-se observar a expansão da ocupação e da mancha urbana no território de Belo

Horizonte desde sua fundação.

Com relação aos loteamentos, pode-se identificar duas “safras” distintas: a primeira refere-

se aos loteamentos que representaram novas frentes de ocupação para os estratos de renda

média emergentes, cujo aumento do poder aquisitivo provocou uma demanda significativa

por lotes com infra-estrutura e sítios de recreio, que passam a ser alvo da produção do

mercado imobiliário. O lançamento do bairro Cidade Nova foi o pioneiro e representava

uma inovação no que se refere à localização. Em geral, eram loteamentos bem situados,

feitos com infra-estrutura completa. Este tipo de loteamento foi também desenvolvido no

vetor sul, no município de Nova Lima, constituindo-se em uma extensão da zona sul da

capital. Esta novidade de ocupação representava um esforço do mercado imobiliário para

obter maiores ganhos de incorporação. No entanto, o número de lotes em oferta era maior

que o poder de compra daquela camada da população, fazendo com que grande parte dos

lotes permanecesse vazia.

A segunda “safra” de loteamento refere-se à produção de lotes populares, fora do

município-sede da região metropolitana. Eram, na maioria, desprovidos de infra-estrutura e

se concentravam em municípios com estruturação administrativa precária, em especial

Ribeirão das Neves60 e Ibirité.

59 BELO HORIZONTE, op.cit. p.48.60 Para loteamentos populares da década de setenta, ver COSTA (1983), que trata, em seu trabalho, do casoespecífico do município de Ribeirão das Neves.

67

Em 1979 é promulgada a Lei Federal 6766/1979 através da qual foram instituídas novas

exigências jurídicas e técnicas para a execução de parcelamento e venda dos lotes em nível

nacional, institucionalizando a interferência metropolitana na questão. A lei não só faz

exigências quanto aos loteamentos como também cria punições severas para aqueles que a

descumprirem, representando uma restrição à produção de loteamentos de baixa qualidade

por parte do capital imobiliário.

Neste contexto, ressalta-se a mudança no papel desempenhado pelo poder público ao longo

destes anos. Tradicionalmente, suas ações sempre se deram em função das demandas da

iniciativa privada e, somente a partir das últimas décadas é que os problemas gerados pelo

crescimento desordenado das cidades fizeram surgir uma ação planejada por parte dos

órgãos públicos, disciplinando e controlando a ação dos interesses particulares e buscando

privilegiar o interesse coletivo.

Em decorrência da crescente participação do poder público no urbano, ao lado dos

conflitos e pressões diferenciados, “surge a necessidade de se estabelecer regras e normas

que regulem a ação dos múltiplos agentes” (MATOS, 1988; p.20), principalmente tendo

como princípio a justiça social. Neste caso, a legislação urbanística é vista como fator

relevante na configuração do espaço urbano.

3.2. LEGISLAÇÕES MUNICIPAIS E CAPITAL IMOBILIÁRIO: O CASO DE

BELO HORIZONTE

3.2.1. Lei 2662 / 1976: a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte

(1976 – 1985)

Aprovada em 29 de novembro de 1976, a Lei no. 2662 - primeira Lei de Uso e Ocupação

do Solo de Belo Horizonte - é decorrente do processo de planejamento que se instaurou no

país desde os anos sessenta, caracterizado por uma política urbana centralizada e não

participativa. Este processo de planejamento culminou, no caso específico de Belo

Horizonte, na elaboração do Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana

(POS) aprovado em 1976 e que foi base para a elaboração da Lei 2662. A preocupação

com a dimensão metropolitana estava expressa em seu artigo 1º (BELO HORIZONTE,

1983, s.p.):

68

“Esta lei estabelece as normas de uso e ocupação do solo do município, de

acordo com as recomendações do Plano de Desenvolvimento Integrado

Econômico e Social da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDIES) e

do Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana (POS)”.

Observa-se, assim, que a lei, apesar de se limitar ao município de Belo Horizonte,

apresentava uma concepção urbanística mais ampla, um planejamento em nível

metropolitano, “embora este último não tenha sido implantado” (FREITAS, 1996; p.55).

Segundo MATOS (1988), a Lei 2662/76 buscava criar “ambientes equilibrados”, devendo

a ocupação bem como a diversidade de usos ser mais concentrada no centro (que ainda

apresentava grandes áreas vazias) e iria reduzindo à medida que se dirigia rumo à periferia.

Na verdade, o ordenamento espacial que se propunha apenas reforçava a estrutura urbana

existente, permitindo que determinadas áreas tivessem coeficientes de aproveitamento e

taxas de ocupação mais permissivas em relação a outras.

Os mecanismos centrais da Lei eram, segundo apontou um estudo do Centro de Estudos

Urbanos de Belo Horizonte (CEURB, 1994; p.13):

“O principal objetivo da LUOS de Belo Horizonte, segundo os técnicos que

a conceberam, era conter a especulação imobiliária, oferecendo uma

melhor qualidade de vida para seus moradores (...) a Lei criou o

zoneamento da capital a partir de três elementos normativos: categorias de

uso (residencial, comercial, industrial e institucional), modelos de

assentamento (cujos coeficientes básicos são a taxa de ocupação e o

coeficiente de aproveitamento) e os modelos de parcelamento (cujo

principal elemento é o tamanho mínimo do lote). A característica

operacional básica deste zoneamento é a combinação diferenciada destes

três elementos que, quando localizados no espaço, criam zonas com

características de restrições diferenciadas em função destes elementos”.

Tendo isto em vista, a lei adotou um zoneamento funcionalista e racional, dividindo o

município em zonas: Zonas Residenciais (ZR) classificadas de 1 a 6 (ZR-1 a ZR-6); Zonas

Comerciais (ZC) classificadas de 1 a 6 (ZC-1 a ZC-6); Zona Industrial (ZI); Zonas de

Expansão Urbana (ZEU) classificadas de 1 a 4 (ZEU-1 a ZEU-4); Zona de Uso Especial

(ZUE) e Setores Especiais (SE) classificados de 1 a 3 (SE-1 a SE-3) (TAB. 2).

69

Quanto à ocupação, foram concebidos diferentes modelos de assentamento (MA), variando

de 1 a 19 (MA-1 ao MA-19), o que garantia uma certa flexibilidade quanto às formas de

ocupação do solo para as diferentes atividades urbanas (FREITAS, 1996; p.56) (TAB. 3).

De um modo geral, a aprovação da Lei 2662/76 pouco alterou a atuação do mercado

imobiliário ou dos demais agentes urbanos, principalmente devido ao fato de ser

“caracteristicamente muito permissiva” (FREITAS, 1996, p.57). Em seu trabalho, MATOS

(1984) analisa os diferentes impactos dessa legislação sobre a estrutura urbana de Belo

Horizonte. O autor verificou que as conseqüências foram significativas, causando várias

distorções no interior da cidade de Belo Horizonte, em função da valorização diferenciada

de terrenos provocada pelo zoneamento proposto. Este impacto no preço dos terrenos

acabou por direcionar as atividades do mercado imobiliário, nas diferentes regiões do

município. MARQUES (1999) demonstra em seu trabalho a elevação do preço de terrenos

em determinadas partes da capital mineira, contribuindo para a reafirmação da segregação

sócio-espacial no contexto urbano da cidade. Segundo ele (1999, p.91):

“O novo modelo de planejamento funcionalista implementado, além de ter

provocado a abertura de novas frentes de ocupação na cidade para as

populações de renda mais elevadas _ em regiões anteriormente tidas como

de ocupação popular _ de outro modo, confirmou o processo de

periferização e suburbanização ao incorporar novas terras, na área urbana,

para populações de baixa renda”.

De fato tanto os estudos do PLAMBEL (1987) quanto do CEURB (1994) mostram que a

redistribuição dos usos e o zoneamento abriram novas frentes de ocupação para os estratos

de média-alta renda da sociedade, por meio da melhoria da infra-estrutura, estabelecendo

uma ocupação estratificada e segregadora.

Ressalta-se, neste contexto, a presença do poder público como elemento fundamental para

o dinamismo do mercado imobiliário. Além de atuar, a partir de 1976, como agente

responsável pela ordenação do crescimento urbano, também foi responsável por abrir

novas frentes de ocupação, principalmente por meio da implantação de infra-estrutura,

gerando Renda Diferencial I no solo, que seria incorporada pelo setor privado,

estimulando, inclusive, a ação de especuladores e a reserva de áreas à espera de

valorização. Este processo acabou por resultar na intensificação da clandestinidade urbana,

uma vez que os segmentos sociais de mais baixa renda não tinham acesso às áreas

70

valorizadas mais centrais, e, conseqüentemente, tinham duas possibilidades: ou se dirigiam

a assentamentos na periferia metropolitana, em geral, irregulares ou clandestinos; ou

invadiam áreas na cidade, correspondendo a um processo de favelização.

No que se refere à atuação do mercado imobiliário em relação à produção de moradias

pode-se dizer que o zoneamento preferencial para investimento foi a ZR-4 (zona

residencial 4), que permitia, além do uso residencial unifamiliar, o uso residencial

multifamiliar horizontal e vertical. O modelo de assentamento mais permissivo neste

zoneamento era o MA-5 (modelo de assentamento 5), destinado ao uso residencial

multifamiliar vertical, cujo coeficiente de aproveitamento61 máximo era igual a 2,0, que

poderia ser aumentado caso a taxa de ocupação fosse reduzida62, o que, segundo FREITAS

(1996, p.58) “poderia representar uma tendência à verticalização”, uma vez se permitia a

redução da taxa de ocupação caso fosse aumentado seu coeficiente de aproveitamento (ou

seja, poder-se-ia construir mais, através do acréscimo do número de pavimentos da

construção). Outros parâmetros urbanísticos adotados para a ZR-4 resultaram em uma

tendência ao adensamento construtivo, principalmente a não obrigatoriedade de existência

de vagas de garagem e de pilotis para edifícios de até três pavimentos. Além disso, os

afastamentos laterais e de fundo eram fixos, independentemente da altura do edifício,

reforçando a tendência de adensamento.

Com relação ao zoneamento ZR-3 (zona residencial 3) destinado à construção de conjuntos

residenciais verticais de interesse social observa-se que apresentou “resultado incompatível

com a função específica, com o grau de infra-estrutura urbana, e com o capital social,

público e privado nela investido” (BELO HORIZONTE, 1985, introdução), uma vez as

áreas com este zoneamento continuaram vazias e desprovidas de investimento.

3.2.2. Lei 4034 / 1985: 1985 – 1996

Aproximadamente nove anos depois da aprovação da primeira Lei de Uso e Ocupação do

Solo de Belo Horizonte, foi aprovada uma nova lei: a no. 4034, de 25 de março de 1985. A 61 Coeficiente de aproveitamento (CA) é o índice pelo qual se multiplica a área do lote para o cálculo dopotencial construtivo de um terreno edificável. Indica o nível de adensamento do mesmo.62 A Lei 2662, em seu artigo 44, permitia o aumento do coeficiente de aproveitamento em função da reduçãoda taxa de ocupação, de acordo com a seguinte fórmula: K= Ko+(To-T) / T, sendo: K= coeficiente deaproveitamento; Ko= coeficiente de aproveitamento máximo permitido; T= taxa de ocupação; To= taxa deocupação máxima para o modelo.

71

nova lei pode ser considerada uma revisão da antiga lei 2662/76, uma vez que manteve o

mesmo caráter funcionalista (FIG. 2).

Uma das alterações introduzidas pela Lei 4034/85 refere-se à subdivisão da antiga ZR-4

(zona residencial 4) em três novas zonas: a ZR-4B, que permitia maior adensamento; a ZR-

4, agora apresentando menor adensamento que anteriormente; e a ZR-4A com densidade

intermediária entre aquelas permitidas na ZR-3 e na ZR-4. Tais alterações estavam

baseadas em critérios de acessibilidade e qualidade de infra-estrutura disponível. Esta

modificação foi justificada pela necessidade de controlar o adensamento na antiga ZR-4

que se encontrava saturada pelo alto índice de ocupação (TAB. 4).

A nova lei também redistribuiu as possibilidades de localização das atividades econômicas

nas diferentes zonas, na tentativa de proporcionar “maior heterogeneidade e

complementariedade do espaço urbano” (BELO HORIZONTE, 1985; p.21), com base nas

relações entre moradia / trabalho, moradia / consumo, moradia / lazer.

Algumas mudanças ocorridas nesta lei com relação a anterior referem-se principalmente ao

uso. O que se observa é que os critérios de compatibilização das atividades entre si

parecem ter sido ampliados. Segundo FREITAS (1996, p.61), “o uso industrial, por

exemplo, deixa de ser classificado somente pelos incômodos sonoros e atmosféricos que

pode causar, passando a ser considerado segundo o potencial poluidor de cada atividade

específica”.

Além disso, as categorias de uso da antiga lei foram mais bem detalhadas, passando de 281

tipos de atividades para 837.

Algumas alterações nos parâmetros urbanísticos também foram feitas, em geral

contribuindo para tornar a Lei 4034/85 “ainda mais permissiva” (FREITAS, 1996, p.61)

que a anterior, no que diz respeito à ocupação. Dentre as principais mudanças podemos

citar: redução da área mínima do lote nos modelos de assentamento MA-3, MA-8, MA-12

e MA-15, aumento das taxas de ocupação máximas nos modelos MA-9, MA-10, MA-12,

MA-15 e MA-16, assim como dos coeficientes de aproveitamento máximo nos modelos

MA-12 e MA-15. Também sofreram redução os afastamentos mínimos obrigatórios nos

modelos MA-10, MA-15 e MA-16. A justificativa dada para tal ação foi no sentido de

“favorecer a evolução da construção civil, a boa qualidade da arquitetura e a redução dos

custos de construção (...)” (BELO HORIZONTE, 1985; p.21) (TAB. 5).

72

Estas mudanças acabaram por beneficiar a atuação do mercado imobiliário em diferentes

áreas da cidade, em especial as mais centrais e mais nobres. No ano de 1993, cerca de um

terço do número de apartamentos comercializados na capital situava-se na região Centro-

Sul (33,4%) e os demais 66,6% distribuídos entre as regiões Oeste (16,8%), Noroeste

(14,5%), Pampulha (14,7%), Nordeste (6,3%), Leste (6,9%) e demais regiões. O mesmo

ocorria para os imóveis comerciais que se concentravam na região Centro-Sul,

especialmente salas (87,2%) (BELO HORIZONTE, 1995, p.56).

No que se refere àquela modificação no zoneamento ZR-4, observa-se que a alteração mais

significativa foi a proibição do modelo de assentamento MA-5, da lei 2662/76, para a

construção de edifícios residenciais. Deve-se lembrar que este modelo era um dos mais

permissivos, apresentando coeficiente de aproveitamento igual a 2,0 o que favorecia o

adensamento. No entanto, as modificações introduzidas em modelos como o MA-3 e o

MA-15 ainda implicavam em maiores possibilidades de ocupação dos lotes63. Desta forma,

acredita-se que as tentativas de redução do adensamento pela mudança do zoneamento ZR-

4 não foram tão significativas quanto se pretendia.

Outra alteração relativa ao uso residencial multifamiliar vertical refere-se à introdução do

modelo de assentamento MA-9, que se destina ao uso misto: comércio e/ ou serviços no

térreo e moradia nos demais andares. Neste modelo o coeficiente de aproveitamento

máximo era igual a 3.4, tornando-se atraente para os empreendedores imobiliários, dado o

maior número de unidades que poderiam ser produzidas e, conseqüentemente, maior a

possibilidade de obtenção de lucro. Este se tornou o modelo de assentamento preferido dos

incorporadores e, por isso, mais empregado na área urbana (centro-sul) de Belo Horizonte,

resultando em um padrão de ocupação característico da região.

Uma simulação ilustra esta situação. Utilizando como exemplo um terreno de 1.000m2

(20m x 50m) na ZC-3 (zona comercial 3), que permite a aplicação do MA-9

(comércio/serviços no térreo e moradia nos demais andares) e considerando os dados da

TAB. 5, poder-se-ia construir até 3.400m2 de área de piso (1000 x 3.4). Se os dois

primeiros pisos fossem utilizados pelo comércio e/ou serviço, e, utilizando o máximo do

lote segundo permitido pela lei (para estes dois pavimentos), obter-se-ia 1840m2

63 Com relação ao MA-3, o lote mínimo exigido foi reduzido de 360,0m2 para 200,0m2, implicando maioradensamento. Já com relação ao MA-15, também foi reduzido o lote mínimo exigido (de 600 para 200 m2),além de aumentar a taxa de ocupação (de 0,4 passou para 0,5) e o coeficiente de aproveitamento (de 0,8passou para 1).

73

(20x46x2). Assim, restariam 1.560m2 para serem transformados em unidades

habitacionais. Considerando cada unidade de 100m2, ter-se-ia aproximadamente 16

unidades.

Empregando agora o mesmo raciocínio para um terreno típico da área urbana (15m x 40m

= 600m2), poder-se-ia construir até 2040m2, sendo 1080m2 (15m x 36m) utilizados como

área de comércio/serviços. Os demais 960m2, divididos em unidades habitacionais,

poderiam, por exemplo, gerar 10 unidades de 96m2. Observando a taxa de ocupação para

este modelo de assentamento, as habitações poderiam estar distribuídas em 5 andares (2

unidades por andar) ou 4 andares (3 unidades por andar e uma cobertura), como

esquematizado a seguir:

15,00m

3,00

40,00m

36,00 3,00 3,00

comércio/serviços

torre unidades habitacionais

4,00 9,00

Área: 600m2

OBS: afastamentos laterais e de fundo somente a partir do 3º pavto.

Observa-se que várias das alterações ocorridas na Lei 4034/85 referem-se muito mais a

diferenças quanto às possibilidades de uso do que mudanças na forma de ocupação do solo

urbano. Pode-se verificar pelo exemplo mostrado que os padrões de edificação são fixos

(afastamentos, coeficientes de aproveitamento, taxa de ocupação), não variando as opções

de ocupação por parte dos empreendedores imobiliários, que buscam a maximização dos

lucros.

74

O zoneamento ZC-3 bem como o modelo de assentamento MA-9 acima mostrados foram

responsáveis pelo adensamento de grande parte da área urbana e parte da suburbana,

próxima ao limite da Av. do Contorno, determinando um padrão de ocupação característico

da região por ser este o modelo preferido dos incorporadores, já que permitia maior

adensamento.

Observa-se que as modificações efetuadas nos zoneamentos acabaram por favorecer o

adensamento de um modo geral.

Por fim, pode-se dizer que a Lei 4034/85 (aprovada em julho de 1985 para vigorar a partir

de Dezembro do mesmo ano) não alterou os princípios básicos da lei 2662/76 (FREITAS,

1996; p.65), consolidando a visão funcionalista adotada anteriormente e reforçando o

processo de segregação sócio-espacial.

Ao final do ano de 1996 foi aprovada a nova Lei de Parcelamento Ocupação e Uso do Solo

de Belo Horizonte, segundo os princípios da Constituição Federal de 1988 no que se refere

à política urbana. Antes da aprovação desta legislação a cidade assistiu a um verdadeiro

boom de aprovações de projetos significando uma reação defensiva à lei que seria

aprovada no final daquele ano. Os empreendedores imobiliários buscaram aprovar seus

projetos em terrenos que sofreriam restrição nos parâmetros urbanísticos, especialmente na

região centro-sul, onde este tipo de restrição seria maior já que correspondia à região da

cidade mais saturada e onde o adensamento deveria ser contido.

Além disso, destaca-se o fato de o Plano Diretor ter sido aprovado pela Câmara Municipal

depois de ampla discussão do Legislativo e do Executivo com a sociedade, sendo

sancionado em agosto de 1996. Sua aprovação, ainda que tardia (oito anos após a

Constituição Federal ter sido promulgada) traz à tona o conflito de interesses entre os que

se empenham por uma cidade efetivamente pública e forças privativistas, indiferentes aos

direitos da maioria e à necessidade de se garantir melhor qualidade de vida à grande

parcela da população.

3.2.3. O plano diretor e a Lei 7166 / 1996: 1997 – 2000

Conforme determinado pela Constituição de 1988, o plano diretor e a Lei de Parcelamento,

Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (LPOUS), aprovados em 1996, têm como

75

princípio a busca da função social da propriedade e da cidade. O antecedente mais

imediato do plano diretor pode ser considerado a Lei Orgânica do município64 que

determinava a administração participativa. Aprovado em 1996, o plano diretor reúne

dispositivos para normatizar e estimular o desenvolvimento do município, constituindo

importante instrumento para definir a ocupação e o uso do espaço, bem como os rumos de

crescimento da cidade. Ressalta-se que o fato de Belo Horizonte estar vivendo um

momento de gestão democrática foi importante para o processo de aprovação da lei

7166/1996. No período 1993/1996 a administração municipal de Belo Horizonte,

encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, apresentou um conjunto de iniciativas

baseadas na idéia de governança e com componentes de descentralização, buscando a

eficiência político-administrativa, a incorporação de diferentes interesses em jogo nos

processos de formulação e implementação de políticas, inclusive com a participação direta

da população de modo a ampliar os direitos de cidadania e reduzir as desigualdades

sociais.

Anteriormente à aprovação da LPOUS/1996 e do plano diretor, duas outras leis de uso e

ocupação do solo existiram em Belo Horizonte: uma estabelecida em 1976 e outra em

1985. Ambas apresentavam um caráter essencialmente funcionalista. Estas duas leis e os

correspondentes instrumentos de controle de uso e ocupação da terra urbana, não tiveram

papel relevante na tendência de ocupação e expansão do espaço da cidade, que vinha sendo

orientada essencialmente pela atuação do mercado imobiliário. Como resultado, observam-

se bairros mais nobres excessivamente adensados em contraposição a outros que, apesar de

bem dotados de infra-estrutura e serviços urbanos, permanecem pouco adensados. Neste

contexto, alguns princípios de zoneamento adotados pelo plano diretor e pela LPOUS de

1996 constituem importantes iniciativas para se promover uma organização técnica e

socialmente mais justa do espaço da cidade. São eles:

1. Ocupação e adensamento: A divisão do território em zonas (macro-zoneamento) em

função de suas características e potencialidades objetiva o redirecionamento do

adensamento, estimulando a ocupação de áreas subutilizadas e restringindo-a em

outras. O controle da ocupação e do adensamento é definido por parâmetros

urbanísticos (coeficiente de aproveitamento, quota de terreno por unidade residencial,

64 Cujo relator, o vereador Patrus Ananias, viria a ser o futuro prefeito de Belo Horizonte, então eleito em1992.

76

taxa de ocupação, gabarito, taxa de permeabilização e afastamentos), que irão

direcionar a atuação dos construtores urbanos.

2. Centralidades e flexibilização de usos: O incentivo a novas centralidades fora dos

centros tradicionais da cidade, objetiva o redirecionamento do adensamento,

favorecendo o desenvolvimento de diversas áreas da cidade e a conseqüente atuação do

capital imobiliário nestas áreas. A flexibilização de usos proporciona o surgimento de

novas centralidades, assegurando a multiplicidade de serviços em diferentes regiões da

cidade.

Com este tipo de ênfase, a legislação urbanística poderá contribuir tanto para melhor

controlar as densidades, quanto para a descentralização dos usos, o que poderá trazer

resultados positivos para a estruturação do espaço social da cidade.

Além destes princípios, o atual sistema legal de uso e ocupação do solo de Belo Horizonte

incorpora vários instrumentos com base nos princípios gerais estabelecidos pela

Constituição de 1988, cabendo destacar os seguintes:

1. Transferência do direito de construir → direito de exercer em outro local o potencial

construtivo previsto na LPOUS que não possa ser exercido no imóvel de origem.

2. Operação urbana→ conjunto de intervenções coordenadas pelo Executivo com

participação da iniciativa privada, objetivando viabilizar projetos urbanísticos especiais

- inclusive habitacionais - em áreas previamente delimitadas.

3. Convênio urbanístico de interesse social→ acordo entre o município e a iniciativa

privada para execução de programas habitacionais de interesse social.

4. Áreas de Diretrizes Especiais → são áreas que, por características específicas,

demandam políticas de intervenção e parâmetros urbanísticos e fiscais diferenciados, os

quais devem ser sobrepostos e preponderantes ao macro-zoneamento.

5. Gestão urbana → é desenvolvida pelo Executivo e pela Câmara Municipal, devendo

contar com a participação da população. Para a implementação de programas

urbanísticos, são criados mecanismos que permitem a participação dos agentes

envolvidos em todas as fases do processo, desde a elaboração até a implantação e a

gestão dos projetos aprovados. Para isso é criado, entre outros, o Conselho Municipal

77

de Política Urbana – COMPUR – com representantes da Câmara Municipal e de

segmentos sociais específicos: técnico, empresarial, executivo e popular. Cabe a este

conselho monitorar a implementação das normas contidas na LPOUS, podendo sugerir

modificações em seus dispositivos.

Além destes instrumentos criou-se também o IPTU progressivo (Imposto Predial e

Territorial Urbano progressivo) que obriga o proprietário do solo urbano não edificado,

subutilizado ou não utilizado a promover o seu adequado aproveitamento. No entanto, no

caso de Belo Horizonte, este imposto somente pode ser aplicado em lotes com área

superior a 2.000m2, tornando-se um instrumento pouco utilizado.

A proposta de criar instrumentos que contribuam para a promoção do princípio da função

social da propriedade e da cidade inclui entre seus objetivos: garantir a multiplicidade das

atividades urbanas no território; separar parâmetros relativos à ocupação daqueles

associados ao uso do solo urbano; estabelecer parâmetros urbanísticos de ocupação,

considerando as condições de adensamento de cada área. A ênfase dada à ocupação do solo

urbano é uma tentativa de promover a redistribuição socialmente mais justa da população e

buscar o cumprimento da função social da propriedade. Para isso, o macro-zoneamento da

cidade, bem como os parâmetros urbanísticos adotados teriam importante função no

sentido de direcionar a atuação do capital imobiliário, um dos principais agentes

responsáveis pela produção do espaço urbano.

O macro-zoneamento constante da LPOUS/1996 (FIG.3) determina zonas de acordo com

os seus potenciais de adensamento. As principais zonas criadas que irão interferir

diretamente na atuação do agente imobiliário são: Zonas de Adensamento Preferencial

(ZAP); Zonas de Adensamento Restrito (ZAR) e Zonas Adensadas (ZA)65. As ZAP são as

áreas passíveis de adensamento em decorrência de condições favoráveis, especialmente de

infra-estrutura e de topografia. As ZAR são regiões em que a ocupação é desestimulada em

razão de ausência ou deficiência de infra-estrutura básica, precariedade ou saturação da

articulação viária (interna ou externa) ou adversidade das condições topográficas. As ZA

são áreas nas quais o adensamento deve ser contido por apresentarem alta densidade

demográfica e intensa utilização da infra-estrutura urbana.

65 Além dessas três, existem as Zonas de Proteção (ZP) e as Zonas de Preservação Ambiental (ZPAM); aZona Central (ZC) e as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Para análise dos parâmetros urbanísticosdeterminados para cada zoneamento, ver TAB. 6.

78

Estas áreas – zonas adensadas (ZA) – por serem mais centrais e muito valorizadas, eram

foco de atuação da produção imobiliária para os segmentos de alta renda da população nas

leis anteriores (1976 e 1985): apresentavam os maiores potenciais construtivos associados

à maior diversidade de usos, o que reforçava a excessiva concentração de atividades, a

supervalorização da área e aumentava as desigualdades sócio-espaciais. A lei de 1996

propõe a restrição da ocupação nessas áreas por se encontrarem muito saturadas.

Já as ZAPs, onde é estimulado a adensamento, são áreas que, apesar de apresentarem

características físico-urbanísticas apropriadas e capacidade de infra-estrutura instalada

semelhantes às áreas centrais, são menos nobres e, por isso, não são interessantes para uma

parcela do mercado que atua na produção de moradias para o segmento de alta renda. No

entanto, as ZAPs irão favorecer a atuação de outros tipos de empresas, como aquelas que

atuam voltadas para os setores de renda média da sociedade. Observa-se que muitos

empreendedores procuram estas áreas, uma vez que possibilitam maior adensamento

(C.A.=1,7), o que pode também significar maior obtenção de lucro. Aliado a isto, há a

quota de terreno por unidade habitacional - parâmetro urbanístico adotado na nova lei - que

também reorienta a atuação dos empreendedores imobiliários. A quota mínima por unidade

de terreno determina o número de unidades em um lote e, conseqüentemente, o nível de

adensamento. Como para moradias multifamiliares a quota mínima de terreno por unidade,

em uma área de zoneamento ZAP, é de 25m2/unidade, isso amplia a possibilidade de

atuação das construtoras.

Considerando, por exemplo, um terreno de 1000m2 (20m x 50m), numa área de

zoneamento ZAP, com quota de 25m2/unidade, conclui-se que poderão ser construídas até

40 unidades: 1000:25(quota) = 40 unidades. Ao mesmo tempo, observa-se que, neste

mesmo terreno, poderão ser construídos 1700m2 (1000 x 1,7). Assim, neste terreno podem

ser edificadas 40 unidades, sendo cada unidade de 42 m2.

No entanto, o tamanho da unidade poderá determinar o consumidor que vai adquirir esta

habitação (determina o nicho de mercado). Tomando o exemplo acima (um terreno de

1000m2, numa zona de adensamento preferencial (ZAP)), poder-se-ia reduzir o número de

unidades e aumentar a área de cada apartamento. Por exemplo: adotando-se 17 unidades,

poder-se-ia construir 100m2/unidade [(1000x1,7):17]. Para o caso brasileiro, pode-se

considerar que um incorporador que optar por produzir unidades de 100m2 tem em mente

que seu produto estará direcionado a clientes do segmento de média-alta renda.

79

Poder-se-ia pensar que quanto maior o número de unidades, maior seria o lucro desse

empreendedor. No entanto, não se pode tomar isto como uma conclusão generalizável, pois

se fossem construídas 10 unidades com padrão de acabamento de alto luxo poder-se-ia, por

exemplo, obter mais lucro do que com as 40 unidades para o segmento de média-baixa

renda. Estamos com isso, querendo dizer que a obtenção de lucro pode ou não estar ligada

somente ao maior número de unidades; pode também estar condicionado pelo nicho de

mercado (e ao preço do produto direcionado a esse mercado) e às características do

produto (qualidade e acabamento).

Reduzindo este número de 40 para 32 unidades, ter-se-ia 53m2/unidade. Neste caso a

unidade habitacional seria considerada apropriada a uma demanda de média-baixa renda na

visão dos empreendedores que atuam para este segmento. A princípio acredita-se que, se

os segmentos de média-baixa renda têm acesso à moradia numa área de zoneamento ZAP,

que apresenta boas condições de infra-estrutura e acesso aos serviços urbanos, poderia

estar ocorrendo uma distribuição socialmente mais justa da população no espaço da cidade.

Além do coeficiente de aproveitamento e da quota de terreno por unidade habitacional,

outros fatores que vão determinar o tipo de empreendimento a ser implantado em

determinada área são o afastamento e a altura da construção. Pela atual lei, os afastamentos

– laterais e de fundo – vão aumentando quanto maior for a altura da construção. Diante

disto e considerando-se novamente o exemplo do terreno de 20m x 50m, numa zona de

adensamento preferencial (ZAP), onde poderiam ser construídas 32 unidades de 53,0m2,

pergunta-se: como dispor essas unidades no terreno? Será o projeto que determinará as

características da construção, e, conseqüentemente, a faixa de renda que vai adquirir o

produto final. Assim, a largura do terreno será determinante para o tipo de

empreendimento adotado. Por exemplo: se a decisão é de construir um edifício com duas

unidades por andar, poder-se-ia ter um edifício de 16 andares. Este edifício teria

aproximadamente 48m de altura, significando um afastamento de 11,30m (laterais e de

fundo), conforme determina a LPOUS de 1996 (TAB. 6) Isto certamente irá inviabilizar o

projeto em um terreno com as características do exemplo considerado, uma vez que a soma

dos afastamentos seria superior à largura do terreno. Esta situação está esquematicamente

mostrada a seguir:

80

20,00m

11,30m

11,30m 50,00m

? 11,30m

Área: 1000m2

Poder-se ia, no entanto, pensar em construir quatro unidades por andar, implicando numa

construção de oito pavimentos. Esta disposição já se torna viável, uma vez que os

afastamentos diminuíram para 5,3m:

20,00m

5,30m

5,30m 50,00m

9,40m 5,30m

Área: 1000m2

Se, finalmente, a opção for a de construir dois blocos de 16 unidades cada um, com quatro

unidades por andar, os edifícios teriam quatro pavimentos, isto é, 12m (doze metros) de

altura, implicando em afastamentos de 2,3m, conforme exemplificado a seguir:

81

20,00m

2,3m

2,3m 50,00m

2,3m

Área: 1000m2

Este tipo de empreendimento, além de ser mais barato66, possibilita uma ocupação mais

eficiente do solo. Este tipo de empreendimento é adotado pela empresa foco de análise

nesta pesquisa e que será melhor estudada no próximo capítulo.

Com isto, não se está dizendo que um modelo é melhor que o outro. Isto é uma opção do

empreendedor que vai direcionar seu produto a um consumidor específico, balizado pelos

limites da legislação. Além da faixa de renda do consumidor, o empreendedor, na sua

escolha, terá naturalmente que considerar a demanda do local onde irá atuar.

Observa-se, portanto, que de alguma forma a atual lei propicia a atuação de grupos

empreendedores que vêm investindo em áreas mais centrais e possibilitando ao segmento

social de média-baixa renda o acesso à moradia. O modelo de projeto adotado e a

tecnologia empregada também contribuem para isso.

Outros aspectos da lei de 1996 merecem ser mencionados. Um primeiro, refere-se à adoção

da taxa de permeabilização (geralmente 20% da área do terreno). Esta taxa contribui para

uma melhor qualidade de vida dos habitantes urbanos - uma vez que deve ser reservada a

área verde (não pode ser coberta ou pavimentada) - e, também, para limitar adensamentos

excessivos.

66 Não só pela ausência do elevador, mas também pela possibilidade de adoção de tecnologias de custoreduzido, como por exemplo, o emprego de alvenaria auto-portante.

82

Um segundo aspecto, diz respeito ao incentivo à criação de novas centralidades, seja

através do zoneamento, da provisão e/ou melhoramento da infra-estrutura e serviços

urbanos ou da flexibilização usos. Tal incentivo contribui para o cumprimento da função

social da cidade, uma vez que promove o desenvolvimento de programas de acesso a

serviços públicos (transporte, comércio, lazer, etc.) próximo ao local de moradia. Os

projetos BH-Bus e PACE67 vêm agindo neste sentido, proporcionando uma melhor

articulação centro-periferia e consolidando novas centralidades. É importante ressaltar que

essas diretrizes de intervenção pública na estrutura urbana da cidade vêm determinar um

novo papel para o Poder Público: deixa de ser apenas o gerador de renda fundiária para ser

o promotor de melhorias em todas as regiões da cidade, possibilitando novas frentes de

atuação do mercado imobiliário e melhor qualidade de vida para os habitantes da cidade.

67 O BH-BUS é um Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo de Belo Horizonte e o PACEé um Plano de Circulação de Veículos e Pedestres na área central. Ambos objetivam democratizar asoportunidades de acesso a todas as atividades urbanas, e, em sintonia com o Plano Diretor possibilitaraumento da qualidade de vida dos habitantes da cidade.

83

3.3. TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA EM BELO HORIZONTE

Esta parte do trabalho procura explicitar alguns cenários possíveis de âmbito mais geral na

estrutura urbana de Belo Horizonte.

O debate em torno das tendências da produção imobiliária e seu impacto na estrutura

urbana da cidade não aparece de forma explícita nos estudos mais recentes sobre a cidade.

Há pesquisas que vêm procurando compreender os processos de reestruturação urbana do

espaço belo-horizontino, mas são trabalhos que estão em andamento (ainda não estão

disponíveis68).

Contexto Brasileiro

A redução dos investimentos do setor público nos anos oitenta e noventa alterou

profundamente a estrutura de provisão de moradia nas grandes cidades brasileiras nos três

segmentos que a compunham: a produção empresarial (ou industrial), a popular (artesanal

e autoconstrução) e a estatal. Estas alterações teriam estreita relação com as mudanças na

organização interna dos espaços das cidades. Desde os anos 60, o Estado, através do SFH

vinha garantindo a expansão da produção empresarial da produção da moradia, uma vez

que financiava tais empreendimentos (LAGO e RIBEIRO, 1996). Como conseqüência, as

cidades brasileiras conheceram, no período das décadas de setenta e oitenta, um

extraordinário crescimento do número de edifícios de apartamentos produzidos para as

classes médias nas áreas centrais, consolidando o padrão segregador de estruturação do

espaço urbano caracterizado pela produção residencial mais sofisticada no centro e pela

expulsão das camadas populares para a periferia (LAGO, 2000; p.211). A partir da segunda

metade da década de oitenta, esse padrão começa a se alterar uma vez que o

desmantelamento do SFH provocaria uma queda do número de construções nas grandes

cidades. O financiamento imobiliário passa a depender, sobremaneira, dos recursos

captados junto aos compradores, acarretando estreitamento do mercado, restrito aos que

poderiam assumir as grandes parcelas do custo da construção. Desta forma, o mercado

passa a ser regulado pela capacidade de poupança do comprador.

68 O Centro de Estudos Urbanos da Universidade Federal de Minas Gerais (CEURB), o Instituto de PesquisasEconômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (IPEAD) e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH)vêm desenvolvendo pesquisas sobre as tendências de ocupação na cidade de Belo Horizonte através dasanálises da organização sócio-espacial, da produção empresarial no setor construtivo e dados do Impostosobre a Transmissão de Bens e Imóveis (ITBI), respectivamente. Estes são exemplos de pesquisas que estãoem andamento sobre o tema. Somam-se a elas as pesquisas desenvolvidas em nível de pós-graduação emvárias instituições educacionais da cidade.

84

A redução dos financiamentos via SFH, portanto, ocasionou a estagnação e a elitização da

produção empresarial, afetando diretamente os segmentos médios da sociedade, que

passaram a buscar alternativas habitacionais nas áreas mais distantes do centro

metropolitano, onde o preço da terra ainda permitia o acesso à casa própria. Também os

agentes imobiliários foram atingidos pela redução dos recursos financeiros do SFH: eles

foram obrigados a criar mecanismos alternativos de financiamento tanto para a execução

da obra quanto para a comercialização das unidades.

Segundo CARDOSO (2000, p.337) a reação à crise do sistema de financiamento não se

deu “apenas através da diminuição da oferta, mas também pela mudança de seu perfil, por

meio de uma redução no porte dos empreendimentos”. Superada a crise dos anos oitenta,

“verifica-se uma ampliação dos empreendimentos de porte médio”. Uma hipótese plausível

para explicar este fenômeno considera que a crise do SFH teria implicado uma

reestruturação do mercado, com exclusão de incorporadores com menor capacidade de

alavancagem de recursos, o que reflete numa maior participação dos empreendimentos

maiores no conjunto da oferta.

A partir da década de noventa, especialmente na segunda metade, o setor imobiliário

mostrou-se mais dinâmico. Segundo pesquisa da Comissão de Economia e Estatística da

Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CEE/CBIC), as vendas imobiliárias nas

cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro,

Maceió e Fortaleza cresceram 14,5%, se comparado o acumulado de janeiro a novembro

de 2000 com todo o ano de 1999. As unidades ofertadas (apartamentos residenciais) de

janeiro a novembro de 2000 somaram 34.071, superando o número médio de 1999, que foi

de 29.137 unidades em oferta nas oito capitais pesquisadas.

Uma explicação razoável para esse dinamismo do mercado imobiliário é o fato de o

governo, através da Caixa Econômica Federal, a partir de 1995, voltar a financiar unidades

habitacionais, tanto para o construtor quanto para o comprador, resultando em aumento da

oferta.

No caso específico da cidade de Belo Horizonte é possível analisar este crescimento do

número de imóveis produzidos pós 1995 por meio dos dados sobre a área total de baixa de

construção (em m2) por tipo de uso e por região administrativa da cidade no período entre

1995 e 2000, destacando-se o uso residencial (TAB. 7, GRAF. 1).

85

0,00

50.000,00

100.000,00

150.000,00

200.000,00

250.000,00

300.000,00

BARREIRO CENTRO-SUL LESTE NORDESTE NOROESTE NORTE OESTE PAMPULHA VENDA NOVA

Regiões administrativas

1995

2000

Gráfico 1: Área total de baixa de construção para uso residencial por região administrativa e em Belo Horizonte em 1995 e 2000 (Elaboração: Daniela Abritta Cota)

Pelo gráfico é possível verificar que houve um crescimento da área total de baixa de

construção (imóveis produzidos) em 2000 com relação a 1995 em todas as regiões da

cidade, a exceção da leste.

Os argumentos anteriormente citados também se aplicam à capital mineira. Com a volta do

financiamento habitacional da CEF para o comprador de imóvel, aumentou o número de

unidades produzidas para atender à demanda com condições financeiras de adquirir casa

própria. A volta do financiamento provocou um maior dinamismo no setor construtivo,

passando, o mercado imobiliário, a se especializar, produzindo empreendimentos

específicos para cada grupo sócio-econômico.

Além do fator acima citado outro que favoreceu o crescimento da produção do setor

habitacional é o fato de que, para muitos investidores, a compra de imóvel se tornou a

aplicação mais segura. O mercado imobiliário reage com otimismo a qualquer ajuste

cambial, a qualquer plano econômico, uma vez que é um bem concreto, não virtual, e ainda

apresenta grande potencial de capitalização.

86

Mesmo com as crises que atingiram o país no último ano (enfraquecimento do real frente

ao dólar, alta de juros e racionamento de energia elétrica) o setor da construção civil e o

mercado imobiliário calculam um crescimento de três a quatro por cento em 2001.

Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Minas Gerais

(SINDUSCON-MG) 69, “a segurança do imóvel como investimento em tempos de

turbulências no mercado financeiro é uma das razões para o otimismo do setor”.

Em Belo Horizonte, segundo levantamento feito pelo IPEAD em junho 2001, houve um

crescimento de 16,23% na oferta de imóveis novos na capital mineira, “o maior

crescimento mensal desde fevereiro de 1999”, afirma seu coordenador70. O segmento de

imóveis que tem apresentado o melhor desempenho é o direcionado a camadas de renda

média71, segundo o presidente do SINDUSCON. Este dado também pode ser comprovado

analisando-se o GRAF. 1 mostrado anteriormente. Verifica-se que em 2000 as regiões da

cidade que apresentaram maior crescimento no total de área de baixa de construção com

relação ao ano de 1995 foram as regiões Oeste e Pampulha _ regiões preferenciais dos

estratos de média-baixa renda_ e a Centro-Sul _ região de população de média-alta renda

(GRAF. 1).

Pelo GRAF. 2, observa-se o comportamento da área total de baixa de construção para

imóveis de uso residencial em Belo Horizonte no período entre 1995 e 2000.

69 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.70 Em entrevista realizada no dia 05/07/2001.71 Neste caso, o conceito de renda média abrange um amplo leque que incorpora desde os estratos de rendamédia-baixa (de 5 a 15 salários mínimos) até aqueles de renda média-alta (entre15 e 30 salários mínimosaproximadamente).

87

508.762,34

784.317,35 867.767,78

966.192,00973.245,87

432.638,76

0,00

200.000,00

400.000,00

600.000,00

800.000,00

1.000.000,00

1.200.000,00

Tempo (anos)

Áre

a to

tal d

e ba

ixa

de c

onst

ruça

õ (m

2)

Curva BH

Curva BH 432.638,7508.762,3784.317,3973.245,8966.192,0867.767,7

1 2 3 4 5 6 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Gráfico 2: Baixa de construção para imóveis de uso residencial em Belo Horizonte no período 1995-2000 (Elaboração: Daniela Abritta Cota)

Pode-se novamente observar o crescimento da área total de baixa de construção (imóveis

produzidos) ao longo do período, com especial destaque para os anos de 1998 e 1999.

Tendências e perspectivas para a estrutura urbana de Belo Horizonte

Segundo RIBEIRO (2000 B, p.67), “observar o que vem ocorrendo com as classes médias

nesse momento de transformação econômica parece-nos fundamental”, uma vez que é

relevante a sua participação na estrutura social da cidade e que tem merecido pouco

interesse na literatura sociológica brasileira. De fato, o mercado imobiliário tem procurado

expandir suas ofertas, concentrando-se naquelas para as novas camadas médias em

ascensão72 (CARDOSO, 2000; p.320).

Uma alternativa habitacional dirigida a este estrato da sociedade e que tem se expandido

nos últimos anos refere-se aos chamados condomínios fechados, horizontais ou verticais,

localizados fora das áreas centrais, onde o valor da terra, apesar de alto, ainda é mais

acessível do que aqueles localizados em áreas nobres das cidades. Trata-se da emergência

de novos espaços nas periferias, que segregam e excluem não apenas pelo relativamente

alto preço dos terrenos, mas também pelos muros e/ou sistemas de segurança que adotam.

88

No caso de Belo Horizonte, o vetor Sul, em direção a Nova Lima e ao longo da BR-040

(sentido Belo Horizonte – Rio de Janeiro) tem se tornado palco deste tipo de

empreendimento. O Belvedere III, fronteira de Belo Horizonte com Nova Lima, é um

exemplo de área onde foram construídos diversos condomínios verticais para as novas

camadas médias em ascensão. No caso dos condomínios horizontais, podem ser citados o

Vila Alpina, Retiro das Pedras, Retiro do Chalé, Morro do Chapéu e o complexo

Alphaville Lagoa dos Ingleses _ este último reúne equipamentos de comércio, serviços,

lazer e setor empresarial, com estrutura de hotel, escolas, etc. _ dentre os existentes ao

longo da BR-040; Vila Castela, Village Terrace, Ville de Montaigne, dentre outros, ao

longo da MG- 030 (Belo Horizonte – Nova Lima). Segundo TEIXEIRA73 , isolar-se em

condomínios “é uma forma de auto-segregação das camadas emergentes”. A construção

destes espaços exclusivos é resultado de um processo que teve início na década de oitenta.

Nesses condomínios, compram-se os lotes e as casas são construídas pelos proprietários,

que contratam profissionais especializados.

O interesse das camadas de renda média-alta em se mudar para estes “condomínios

fechados” pode ser resultado de uma mudança de pensamento, em que buscam segurança e

qualidade de vida, tendo em vista o crescimento da violência nos grandes centros urbanos.

Esta tendência não é necessariamente determinada pelos parâmetros urbanísticos mais

rigorosos da nova legislação urbana de Belo Horizonte.

Segundo TEIXEIRA e SOUZA (2000, p.304), a nova classe média em ascensão “é o ator

social mais seletivo quanto à moradia, apresentando uma concentração mais acentuada que

a própria burguesia”. De acordo com este autor, os executivos se concentram, sobretudo,

na zona sul e na região central de Belo Horizonte, reconhecidas tradicionalmente como as

áreas nobres da cidade; fazem-se presentes também em outros espaços de extensão do

centro e na Pampulha, mas em proporções bem reduzidas em relação às duas primeiras.

Segundo o coordenador do IPEAD74 , a tendência é de permanecer o modelo atual de

ocupação: o segmento de alta renda tende a se concentrar na zona sul; as camadas médias

em pontos isolados da zona sul, condomínios fechados na região metropolitana e bairros da

Pampulha; a população de média-baixa renda em bairros das regiões noroeste, nordeste,

72 Emprega-se o mesmo conceito citado anteriormente para os estratos de média renda às novas camadasmédias em ascensão.73 Em entrevista ao Jornal Vértice (CREA-MG) – Edição Jan./2001; p.3.74 Em entrevista no dia 20/03/2001

89

leste e oeste, preferencialmente, e a camada popular, ao norte e Venda Nova. Para ele, a

expansão da linha do metrô até Venda Nova poderá abrir um novo eixo de valorização

(pela acessibilidade), podendo atrair segmentos de média renda para esta região que se

caracteriza por abrigar segmentos de baixa renda da população.

Analisando o conjunto de gráficos ao lado (GRAF. 3), relativo à área total de baixa de

construção para imóveis de uso residencial para as diferentes regiões da capital mineira é

possível verificar as regiões que apresentam maior dinamicidade do setor construtivo.

Observa-se, pelo GRAF. 3 que as regiões da cidade de Belo Horizonte que têm

apresentado maior produção habitacional (maior crescimento de baixa de construção) tem

sido, em ordem decrescente, as regiões Pampulha, Norte, Oeste e Centro-Sul. Com

exceção desta última as demais regiões são áreas da cidade onde se concentram os

segmentos de média-baixa renda, setor para o qual tem aumentado muito o número de

unidades ofertadas. Como já dito anteriormente, o segmento de imóveis que tem

apresentado o melhor desempenho é aquele direcionado a camadas de renda média,

segundo afirmou o presidente do SINDUSCON-MG75.

No que se refere às tendências de ocupação em Belo Horizonte, um professor e

pesquisador do CEURB76 acredita que a produção imobiliária direcionada para as camadas

de baixa renda é aquela que mais tem crescido na cidade e é a que provoca maiores

mudanças na estrutura urbana da cidade. A tendência, segundo ele, “é de crescer o número

de cooperativas que vem produzindo casas populares em loteamentos servidos de infra-

estrutura”, a exemplo da Associação Amigos da PM, e o loteamento Jardim Laguna (BR-

040, sentido: Belo Horizonte -Brasília). No entanto, segundo o entrevistado, “faltam

profissionais especializados e investimento público para o setor”. Além disso, é um

processo recente, que ainda não foi capaz de gerar resultados concretos que permitam

possíveis análises.

Ainda segundo este pesquisador, a produção de loteamentos clandestinos volta a tomar

forma em alguns municípios da RMBH, em especial em Santa Luzia, Sabará, Esmeralda e

Ribeirão das Neves. A causa deste fato ainda é desconhecida e tal observação exige estudo

mais aprofundado para identificar se isto constitui uma tendência.

75 Em entrevista no dia 05/12/2001.76 Em entrevista no dia 24/10/2001.

90

Concordando com as informações fornecidas pelo IPEAD, o entrevistado do CEURB

acredita que a força do mercado de alta renda ainda é a região centro-sul, altamente

qualificada e tradicionalmente nobre. Ressalta ainda que a expansão de condomínios

fechados horizontais ao longo da BR-040 (sentido Belo Horizonte - Rio de Janeiro)

depende de resoluções dos proprietários das áreas: a MBR e a Mineração Morro Velho. “O

monopólio de terra por parte das duas empresas [em Nova Lima] é um dos fatores que tem

limitado a ocupação nesta parte da região metropolitana”.

Lançamentos de loteamentos em Contagem (município vizinho a Belo Horizonte), segundo

o pesquisador, podem também significar novos eixos de valorização na RMBH. Os

loteamentos dos bairros Sapucaias (com 2.422 lotes) e Cabral (com 1.192 lotes) prometem

criar condições favoráveis para atrair grandes contingentes do segmento de média renda

para o local. São investimentos do grupo BMG, o mesmo que loteou o Belvedere III.

Além das tendências acima indicadas, há também a estratégia de certos promotores

imobiliários tradicionais em viabilizar o acesso aos setores de média-baixa renda em

bairros tradicionais como Floresta, Santa Tereza, Nova Suíça, Padre Eustáquio e Prado

(BELO HORIZONTE, 1995; p.59). A idéia é fornecer apartamentos em estilo “zona sul”

(portaria, esquadrias de alumínio, salão de festas, etc.) mais compactos e com acabamento

mais econômico.

Como se pôde observar, a identificação das tendências acima relacionadas foi baseada

principalmente em entrevistas com profissionais da área, não constituindo dados concretos

e capazes de delinear uma tendência de ocupação para a cidade de Belo Horizonte. A falta

de dados recentes nos impede de fazer qualquer afirmação definitiva.

As perspectivas habitacionais explicitadas dizem respeito primordialmente aos setores de

renda média, que são a clientela preferencial de grande parte dos empresários imobiliários,

principalmente após a crise na produção imobiliária da década de oitenta. De certa forma,

boa parte das estratégias habitacionais para este segmento social significa a criação de

“ilhas” incrustadas na periferia ou em bairros tradicionais (BELO HORIZONTE, 1995;

p.59).

91

Pode-se também visualizar algumas transformações que podem ocorrer como resultado da

atual legislação urbana de Belo Horizonte. Segundo o presidente do SINDUSCON-MG77,

“é possível prever a pressão para a verticalização do Prado, bairro tradicional da capital

mineira, tanto pela influência da legislação - que considera a maior parte do bairro como

Zona de Adensamento Preferencial (ZAP) - como pela influência que sofre pela

proximidade do Barro Preto, pólo econômico de moda que vem crescendo

economicamente”. Além deste bairro, o presidente do Sindicato identifica como região de

continuidade de investimento imobiliário os bairros Buritis II e III (região oeste), áreas

atrativas para o empreendedor imobiliário de moradias que atua para o público de média-

baixa renda.

No entanto, ainda é cedo para uma análise mais completa do impacto da atual Legislação

de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo na estrutura urbana da capital mineira. Isso

porque, anteriormente à aprovação da Lei 7166/1996, foi aprovado um grande volume de

projetos de empreendimentos imobiliários que ainda estão no mercado. Pouca produção

imobiliária data de época recente e, por isso, ainda não se pode sentir os efeitos da nova

legislação. Apenas os setores que atuam para as faixas de média-baixa renda e popular, já

produziram várias unidades desde a implantação da Lei em 1996. No capítulo seguinte será

feita uma análise das principais mudanças ocorridas, através do estudo de caso de uma

empresa com atuação relevante para o mercado de média-baixa renda - a MRV

Engenharia.

77 Em entrevista no dia 05/12/2001

92

4. PRODUÇÃO DE MORADIAS X LEGISLAÇÃO URBANA –

UM ESTUDO DE CASO

Neste capítulo, busca-se acrescentar elementos concretos à análise sobre a interação entre

capital imobiliário e legislação urbana na produção de moradias em Belo Horizonte,

utilizando para isso, o estudo de caso de uma empresa com atuação relevante na cidade.

Trata-se da MRV Engenharia, uma construtora especializada na produção de moradias para

o segmento de média-baixa renda, sendo responsável por mais de 50% da produção

direcionada para este nicho de mercado em Belo Horizonte. Ressalta-se que este segmento

social para o qual a empresa atua é o que mais comprou imóveis na cidade nos últimos

anos. Segundo o coordenador do IPEAD78, “o grande mercado de imóveis tem sido o

segmento da sociedade com renda entre R$ 800,00 e R$ 1.500,00. Trata-se do setor da

população que ganhou poder de compra com a estabilidade do Real, fato este que não se

observava antes das mudanças econômicas ocorridas no país no início dos anos noventa”.

Este fato também pode ser comprovado por dados do Instituto, mostrando que imóveis até

R$ 50.000,00 (produto alvo da faixa de renda acima citada) correspondem à grande

procura do mercado (TAB. 8). Pela análise da tabela é possível verificar também que os

apartamentos de dois quartos são, na média, os empreendimentos com maior número de

vendas.

78 Em entrevista realizada no dia 20/03/2001.

93

TABELA 8

APARTAMENTOSVELOCIDADE DE VENDAS* POR NÚMERO DE QUARTOS

E FAIXA DE VALORES2001 - (em %)

Número de quartos Ago Set Out Nov. Dez Jan.

1 Quarto 3,87 8,99 8,48 5,10 1,24 10,882 Quartos 11,28 10,78 7,32 19,93 8,90 7,933 Quartos 7,49 8,70 8,47 15,69 5,50 10,594 Quartos 6,03 3,31 9,74 6,38 4,03 8,28

Faixa de valores Ago Set Out Nov. Dez Jan.

até R$50.000 10,30 13,40 10,73 28,15 9,95 10,06de R$50.001 até R$75.000 4,37 7,51 8,92 3,93 3,72 8,00

de R$75.001 até R$125.000 8,20 2,18 4,39 5,77 3,57 9,74de R$125.001 até R$250.000 7,78 5,56 3,72 6,18 3,09 5,95

acima de R$250.000 6,83 4,01 10,98 5,99 4,27 12,92V.V. geral 8,10 8,27 8,41 13,93 5,64 9,37

Fonte: IPEAD (Jan. 2001)

(*) Velocidade de vendas: é a relação entre o número de unidades comercializadas no mêsde referência e a oferta disponível no início do período expressa em ponto percentual.

Diversos empreendimentos surgiram para atender os consumidores emergentes que

ganharam poder de compra no mercado depois da implantação do Plano Real. De acordo

com o exposto no capítulo anterior, foi possível identificar que uma das tendências da

produção imobiliária refere-se à intensificação dos empreendimentos direcionados ao

segmento de renda média. Segundo o presidente do SINDUSCON79, “de cada dez imóveis

vendidos, no mínimo cinco são destinados à população com renda abaixo de vinte salários

mínimos”. Além disso, destaca-se também a perspectiva (também citada anteriormente) de

que certos empreendedores de imóveis optem por atuar em antigos bairros populares ou de

classe média tradicionais. Em geral, viabilizam o acesso à casa própria para setores de

classe média tradicionais, que sofreram um forte empobrecimento nos últimos anos

(profissionais liberais, servidores públicos de nível superior, professores, etc.) (BELO

HORIZONTE, 1995; p.59).

Inserida neste tipo de empreendedor, destaca-se a empresa selecionada para esta pesquisa.

Pretende-se analisar a sua atuação na vigência das três legislações urbanísticas municipais.

A princípio, a consolidação de seu sucesso empresarial ocorre aliado à vigência da nova

Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (Lei 7166/1996).

94

Nesta parte do trabalho serão discutidas as possíveis mudanças que podem estar ocorrendo

na organização social do espaço da cidade de Belo Horizonte, tendo como base a

legislação urbanística do município de 1996 e a forma como esta vem direcionando a

atuação do agente imobiliário, representado, neste estudo de caso, pela MRV Engenharia.

Busca-se com isso, verificar se a função social da propriedade, segundo os princípios da

Constituição de 1988, pode estar sendo cumprida a partir de novos parâmetros urbanísticos

e de novos instrumentos de política urbana adotados na legislação de 1996 e empregados

para controlar a ocupação e o uso do solo pelo mercado formal.

4.1. CONDICIONANTES DA ATUAÇÃO DA EMPRESA NO ESPAÇO URBANO

Constituída por um grupo de empresas80, a MRV existe há vinte e dois anos como

construtora e sempre atuou no mesmo segmento de mercado. Voltada para a produção de

imóveis para a população de média-baixa renda, a empresa prioriza a incorporação para

dinamizar a principal atividade: construção, otimizando a atuação e maximizando os

lucros, além de exercer a função de corretora com centrais de venda em diversos pontos

espalhados pela cidade para a comercialização dos imóveis que produz. Este é um dos

fatores que diferencia a construtora em análise de outras que atuam para o mesmo

segmento: a MRV tem um forte aparato financeiro, responsável pela viabilidade

econômica e comercial de seus empreendimentos e vem se destacando pelo sucesso de

vendas, principalmente na segunda metade da década de noventa. Segundo o diretor de

projetos da construtora81, “as 35 empresas que atuam para o segmento de média-baixa

renda vendem juntas cerca de 250 apartamentos por mês [em Belo Horizonte], sendo que a

MRV vende cerca de 170 deste total”, ou seja, a empresa detém cerca de 70% do mercado

no qual atua em Belo Horizonte.

Além do aparato financeiro acima citado, vários outros fatores podem ser identificados

como favoráveis ao sucesso da empresa, principalmente nos anos noventa. O primeiro

destes fatores foi a postura adotada pela empresa frente à crise dos anos oitenta. Durante os

79 Em entrevista no dia 05/12/2001.80 O grupo MRV compõe-se das seguintes empresas: Construtora Verde Grande (atua na construção deresidências unifamiliares); Expar (construção e aluguel de galpões para gerar renda); MRV Empreendimentos(construção, incorporação, vendas); MRV Construção; Intermedium (financeira que atua no crédito direto aoconsumidor) e Agropecuária Verde Grande (criação de gado de corte).81 Em uma primeira entrevista realizada no dia 25/09/2000.

95

oito primeiros anos de atuação, suas obras foram financiadas pela Caixa Econômica

Federal. Neste período, não havia necessidade de divulgar o nome da construtora frente à

população. A credibilidade junto aos bancos era a principal preocupação. No final da

década de oitenta, o corte de financiamentos por parte da CEF obrigou a empresa a criar

novas alternativas para a situação. A MRV criou, então o auto-financiamento, passando a

financiar seus apartamentos diretamente para os clientes. No começo, o financiamento era

de um edifício contra dez financiados por outros bancos. Em menos de cinco anos, a

empresa já não necessitava de financiamento bancário. Lidando diretamente com os

clientes, a construtora sentiu necessidade de ser reconhecida pelo público e adquirir

credibilidade junto à população. Todo o marketing da empresa é em torno de um produto

“popular”, oferecendo preços baixos, melhor localização e maior prazo para pagar.

De forma geral, a estratégia principal da empresa é lançar empreendimentos de baixo custo

(o que implica preço baixo de construção e preço baixo de terreno) em locais que possuam

alto coeficiente de aproveitamento, condições necessárias à viabilidade do

empreendimento. Isto porque a construtora possui um produto-padrão – sobre o qual será

visto mais adiante - e é este produto que determina a escolha do local de implantação do

empreendimento, já que este lugar deve permitir a viabilidade construtiva e comercial do

produto MRV.

Mesmo buscando oferecer apartamentos mais baratos, a empresa procura sempre lançar

empreendimentos situados em locais de fácil acesso e com boas condições de infra-

estrutura, tendo em vista o mercado para o qual direciona seus produtos: a faixa da

população entre cinco e quinze salários mínimos. Em geral, são profissionais liberais,

professores, bancários, servidores públicos, etc. Considerando este dado, a localização

torna-se uma das principais estratégias da construtora para atrair o segmento sócio-

econômico acima referenciado, constituindo-se em um segundo fator favorável ao seu

sucesso.

Dentre as condições necessárias à viabilidade do produto MRV, destacam-se:

• Preço baixo da construção

A MRV tem como uma de suas preocupações a de oferecer produtos de preço reduzido,

acessíveis às pessoas de diferentes faixas de renda dentro de seu mercado preferencial.

96

Para isso, a construtora procura economizar na obra de várias formas. Primeiramente,

adota um produto - padrão, com medidas-padrão, dispensando gastos com projetos e

economizando tempo. Cada tipologia de produto MRV (dois quartos, três quartos e quatro

quartos) apresenta características-padrão, adaptadas a cada empreendimento. Além disso,

emprega-se alvenaria auto-portante82, dispensando gastos com concreto, ferragem e forma.

O produto-padrão MRV é constituído de blocos de apartamentos que possuem, em geral,

dezesseis unidades, sendo quatro unidades por pavimento, num total de quatro pavimentos

(4x4=16unidades/bloco). Este fato elimina a existência de elevadores e reduz o preço final

da construção. A construtora também eliminou o reboco de suas obras: utiliza-se gesso

sobre alvenaria e sob a pintura. As escadas internas são em lajotas de ardósia, empregando-

se reduzida quantidade de concreto. Nas áreas molhadas (banheiros e cozinha) utiliza-se

cerâmica de mais baixo custo e evita-se recortes. Todas estas medidas reduzem o tempo de

construção, isto é, reduz-se o gasto com mão-de-obra (homem / hora trabalhada é menor).

A partir do Plano Real, quando o custo da construção foi reduzido, a empresa decidiu

investir na comercialização de “kits” de acabamento para os apartamentos, podendo o

cliente optar pelo acabamento mais viável à suas possibilidades econômicas. São treze

opções que geram custo adicional ao consumidor dependendo do tipo de material escolhido

e dos detalhes do acabamento como rebaixamento de teto e pontos de iluminação

diferenciados.

Em síntese, com todas estas características, a empresa vem conseguindo apresentar um

produto de preço reduzido, contribuindo para isso, o material empregado, as tecnologias

construtivas e a redução do tempo de obra.

• Preço baixo do terreno e áreas com alto coeficiente de aproveitamento.

Com a preocupação de lançar empreendimentos viáveis para o mercado em que atua, a

empresa em análise procura baratear o preço de seu produto também através da aquisição

de terrenos de preços reduzidos. Entretanto, como será visto adiante, quando será analisada

mais detalhadamente a atuação da MRV, constata-se que este fato, de certa forma, não

pode ser algo generalizável. Não há dúvidas, no entanto, que o aparato financeiro da

empresa permite que muitos de seus terrenos sejam comprados à vista, o que pode

significar menores preços para terrenos bem localizados.

82 Sistema estrutural que dispensa a utilização de pilares e vigas acima do nível da garagem.

97

Na verdade, a construtora investe em locais onde seja viável o seu produto-padrão, tanto

em termos de preço quanto em termos de potencial construtivo. Por exemplo, atualmente

verifica-se a ausência da empresa na região centro-sul (como poderá ser visto adiante pelos

mapas). Vários fatores contribuem para isso: primeiro o fato de, nesta região da cidade, o

terreno ser muito valorizado; segundo, pela restrição da legislação para esta área

considerada Zona Adensada (ZA) que apresenta um coeficiente de aproveitamento

reduzido; e terceiro, por causa do mercado para o qual atua _ a região centro-sul é

reconhecidamente a mais nobre e, por isso, preferencial para a camada de alta renda

(segmento social que não é alvo da empresa em análise).

Uma vez que a MRV possui um produto-padrão _ em geral, quatro apartamentos por andar

e prédios de quatro andares (dezesseis unidades por bloco)_ ela irá procurar investir em

áreas onde seja viável (física e comercialmente) a implantação de seu produto. Além disso,

a empresa considerada é uma indústria do setor da construção civil que segue sua

estratégia, sem grandes inovações, e que vai adaptando seu produto às áreas em que isto

seja possível.

Algumas vezes, a construtora investe também em determinada área que apresenta preço de

terreno um pouco mais elevado, como no caso do bairro Buritis, que se localiza nas

proximidades de eixos estruturantes, permitindo fácil acesso. Além disso, o bairro está

situado em área onde a legislação possibilita a produção de um número maior de unidades

ou apartamentos mais amplos. O que tem de fato direcionado a localização de

empreendimentos MRV é a legislação, uma vez que a empresa procura investir em áreas

com parâmetros urbanísticos que viabilizam a construção de seu produto-padrão.

Quando a Lei 4034/85 estava em vigor, por exemplo, a empresa atuava em áreas de

zoneamento ZR-4 (zona residencial 4) que, como foi visto no capítulo anterior, apresentava

maior possibilidade de adensamento (pode ser produzido um maior número de unidades).

Atualmente, na vigência da Lei 7166/96, a empresa atua preferencialmente nas ZAP (zonas

de adensamento preferencial) que são áreas que permitem maior coeficiente de

aproveitamento (C.A.=1,7) e menor quota mínima de terreno por unidade habitacional

(25,0m2/unidade), favorecendo a construção de um número de unidades compatível com o

produto MRV (4x4=16unidades/bloco).

98

4.2. ATUAÇÃO DA EMPRESA X LEGISLAÇÃO URBANA

A FIG. 4, ao lado, nos mostra os bairros onde estão presentes empreendimentos MRV na

cidade de Belo Horizonte no período de 1980 a 2001. A seguir será analisada a atuação da

MRV Engenharia e sua relação com cada uma das legislações de uso e ocupação de solo

municipais na tentativa de verificar a interação entre capital imobiliário e legislação urbana

na produção de moradias na capital mineira.

1980 – 1985 (em vigor a Lei 2662/1976)

Em momento anterior (final dos anos setenta), a MRV Engenharia optou por direcionar

seus empreendimentos para o mercado popular, especialmente para os operários

estabelecidos na Cidade Industrial de Contagem, município integrante da RMBH. Desde

aquele início, a empresa tinha como estratégia lançar empreendimentos próximos aos

principais eixos viários e facilidades de transporte. Nas palavras de um de seus diretores,

“este era o grande diferencial da empresa em relação a seus concorrentes”83. No caso

específico de Belo Horizonte, a construtora começou a atuar a partir dos anos oitenta de

forma tímida, possuindo poucos empreendimentos em terrenos da capital (FIG. 5).

Observa-se que neste início a empresa chegou a apresentar um produto diferente do

popular, caracterizado por residências unifamiliares de luxo na região centro-sul,

reconhecidamente a mais nobre da capital.

No período de 1982 a 1985, quando o mercado em bairros periféricos se tornou saturado, a

empresa começou a investir em um produto direcionado a um novo público, que até então

não era alvo de ofertas específicas: os comerciários e os bancários. A inclusão destes

segmentos profissionais provocou uma mudança na estratégia locacional dos

empreendimentos da empresa, passando dos bairros periféricos para os bairros mais

tradicionais de Belo Horizonte. Apesar de o preço dos terrenos nestes bairros ser mais

elevado, havia a possibilidade de maior adensamento, permitido pela legislação urbanística

então em vigor (n.º 2662 / 1976).

O alvo principal da empresa era a demanda de uma parcela da população que não tinha

acesso a financiamentos e que se constituía em potenciais compradores _ faixa entre cinco

99

e quinze salários mínimos. A empresa passou, então, a investir em locais de fácil acesso e

com boas condições de infra-estrutura, considerando o segmento de renda que buscava

atingir. Tendo isto em vista, e como já abordado anteriormente, a lógica da empresa era _ e

continua sendo _ a de lançar empreendimentos de baixo custo e em locais que permitam

alto coeficiente de aproveitamento, possibilitando a produção de um número maior de

unidades. Neste período, a empresa lançou empreendimentos em áreas com zoneamento

ZR-4 (Zona Residencial 4), que era a que permitia maior aproveitamento e,

conseqüentemente, possibilitava a obtenção de mais lucro, já que permitia a construção de

um número maior de unidades. A FIG. 5 sintetiza a produção da MRV no período descrito,

destacando-se sua atuação em bairros tradicionais das regiões leste (como Sagrada

Família) e noroeste (como Padre Eustáquio) principalmente.

1986 – 1996 (em vigor a Lei 4034/1985)

A partir de 1986 até o final da década de oitenta, a empresa amplia sua atuação para todas

as regiões da cidade, em geral, nas proximidades de outros eixos viários que surgem pela

necessidade de expansão urbana. Pela FIG. 6 observa-se a expansão da atuação da MRV

na capital mineira durante este período.

Em geral, observa-se que os empreendimentos de dois quartos ocorrem principalmente na

região da Pampulha, seguida da Noroeste, Norte e Venda Nova, nas proximidades de

corredores viários estruturantes da capital mineira como as avenidas D. Pedro II, Antônio

Carlos e Vilarinho (FIG. 7), seguindo a estratégia de localização da empresa. Também os

empreendimentos mistos de dois e três quartos aparecem, seguindo a mesma estratégia, em

todas as regiões com exceção da Norte, Barreiro e Centro-sul.

A partir deste período, a MRV define seu produto-padrão e passa a difundi-lo em locais

onde há demanda específica por este tipo de empreendimento. A busca por atender a

demanda das faixas de renda entre cinco e quinze salários mínimos resulta em uma atuação

direcionada para as proximidades de bairros considerados nobres e/ou tradicionais, porém

fora deles, buscando boa localização e, ao mesmo tempo, preço relativamente reduzido de

terreno. Por este motivo, a MRV optou por não mais atuar na região centro-sul, aquela

mais valorizada e com terrenos muito caros. A empresa deixa também de atuar no Barreiro 83 Na época, várias construtoras atuavam na mesma região e se caracterizavam por oferecer um produto

100

tendo em vista o preço elevado de terrenos nas proximidades do centro comercial e o

caráter popular da demanda que se observa quando se afasta deste centro. Nas palavras de

um dos diretores da empresa84, “a região se tornou pouco atraente para o público-alvo da

MRV”. Com relação à região Norte, esta se caracterizava, neste período, por apresentar

condições menos favoráveis à atuação da empresa _ pouco servida de transportes urbanos e

equipamentos públicos. Os empreendimentos, quando aí aparecem se dirigem a uma

parcela de renda mais baixa dentro do grupo para o qual a construtora direciona seu

produto.

Pela análise das FIG. 6 e 7, pode-se observar que os empreendimentos de três quartos

começam a se difundir principalmente na região oeste, nas proximidades das avenidas

Barão Homem de Melo e Raja Gabaglia, importantes eixos viários que surgem para

estruturar áreas surgidas e/ou desenvolvidas pelo fenômeno da expansão urbana.

Em síntese, ressalta-se que os empreendimentos MRV surgem segundo uma estratégia de

localização, estando presentes nas fronteiras de bairros mais nobres e próximos a

corredores viários estruturantes do espaço urbano belo-horizontino.

Alguns fatores favoráveis à expansão da atuação da empresa em Belo Horizonte destacam-

se neste período. Primeiramente, o fato de a construtora, nesta época, ter implantado o

sistema de auto-financiamento. Sendo uma empresa capitalizada, a MRV “entrou na crise

dos anos oitenta conhecendo o mercado para o qual deveria investir e como deveria

investir”, nas palavras do diretor de projetos da empresa. Nesta época de crise, tanto

terreno quanto material de construção apresentavam preço reduzido. O investimento nestes

itens com capital próprio garantiu a expansão da produção MRV pelo território da capital

mineira. Além disso, a empresa implantou também o sistema de financiamento direto _

SFH* (Sistema Fácil de Habitação)_ financiando a aquisição da moradia junto ao

consumidor. Este fator foi essencial para seu sucesso, uma vez que diferenciava a atuação

da empresa daquela da Caixa Econômica Federal, banco estatal que, através do SFH

(Sistema Financeiro da Habitação) era, pós-BNH, o principal responsável pelo

financiamento da casa própria. Outro fator que se apresentou favorável ao crescimento da

atuação da construtora, no período, foi a legislação urbana. A Lei em vigor (n.º.

4034/1985) em pouco se diferenciava da anterior, caracterizando-se por ser permissiva e

semelhante ao da empresa analisada.84 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.

101

contribuir para a continuidade de construções muito adensadas em certas áreas da cidade.

Todos estes fatores foram favoráveis à produção MRV que soube captar as necessidades e

atender a demanda dos segmentos de média-baixa renda da população.

Porém, é na década de noventa que a empresa atinge o auge de sua atuação no mercado:

além da estratégia de localização e do financiamento direto, a construtora começa a investir

em uma melhor qualidade do produto (mudança na plástica do produto), o que atrai um

novo público _ o de profissionais liberais.

Pós 1996 (em vigor a Lei 7166/1996)

O sucesso da empresa na segunda metade da década de noventa ocorre aliado à vigência da

nova Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte, de 1996. Esta lei

regulamenta os objetivos definidos pelo plano diretor, dentre eles a criação de novas

centralidades e o estabelecimento de áreas passíveis de adensamento, como foi visto no

capítulo 3.

Observando-se a FIG. 8, verifica-se que a produção MRV aparece melhor distribuída

espacialmente, aparecendo em praticamente todas as regiões da cidade (com exceção do

Barreiro e da região centro-sul por razões já expostas). Com relação ao período anterior,

nota-se um aumento do número de empreendimentos presentes na região Norte. Isto

porque, o incentivo para a criação de novas centralidades defendido pelo plano diretor, em

muito tem contribuído para o desenvolvimento desta região, que se encontra atualmente

melhor servida de infra-estrutura e serviços urbanos. Também a extensão da linha do

metrô, com previsão de chegar até Venda Nova, promete contribuir para melhorar ainda

mais as condições de vida dos moradores da região. Acredita-se que a importância dada

pelo plano diretor com relação à criação de novas centralidades, procurando redirecionar e

controlar o adensamento, significou uma grande contribuição para a “disseminação” do

produto MRV pelo espaço belo-horizontino. Nota-se que, para as diferentes tipologias de

empreendimento, há uma presença maior da empresa em diferentes bairros, sendo

especialmente significante nas regiões Pampulha, Oeste, Noroeste e Nordeste (FIG. 8).

Observa-se também que os empreendimentos localizam-se sempre nas proximidades dos

eixos viários mais importantes de cada região (FIG. 9). Nota-se ainda que a empresa

continua implantando empreendimentos nas áreas em que já atuava anteriormente, como

102

na região noroeste (a exemplo dos bairros Caiçara, Padre Eustáquio, Vila Adelaide, dentre

outros). São áreas que, pela nova LPOUS de Belo Horizonte são consideradas Zonas de

Adensamento Preferencial (ZAP), apresentando alto coeficiente de aproveitamento, como

será discutido mais adiante.

A novidade deste período pós-96 são os apartamentos de quatro quartos, que surgiram a

partir de 1998. A empresa despertou para a necessidade de criar empreendimentos “para

famílias que procuram mais espaço em um empreendimento compacto. Procuram

apartamentos de quatro quartos, mas com a mesma estrutura de três; não querem mais

salas”, afirma o diretor de projetos da empresa85. Este tipo de empreendimento aparece em

áreas mais valorizadas como a Cidade Nova e o Buritis (FIG. 8). A legislação urbana atual

contribui para sustentar este tipo de empreendimento nessas áreas, principalmente no

Buritis, uma vez que para este bairro a quota de terreno por unidade habitacional foi

elevada, em uma revisão da LPOUS ocorrida em 2000. Também é neste bairro, próximo a

dois importantes eixos viários estruturantes - Avenidas Raja Gabaglia e Barão Homem de

Melo - que a empresa lançou no início de 2002 o primeiro empreendimento da linha

“Parques”, composto de cinco edifícios com conceito diferente do até então adotado. Os

prédios terão apartamentos de três e quatro quartos, destacando-se o espaço para área de

lazer. Apenas 30% de cada terreno serão ocupados pela edificação, estando o restante

reservado para área de lazer.

Por meio da FIG. 9, nota-se como a produção MRV encontra-se espacialmente melhor

distribuída pelo espaço urbano de Belo Horizonte quando comparada àquela de períodos

anteriores (FIG. 5 e 7).

Também um fato que deve ser destacado diz respeito ao elevado número de unidades

produzidas ao longo do período (TAB. 1 - ANEXO). Somando-se todas as unidades

produzidas no período 86-96 tem-se um total de 7.907 unidades habitacionais. No período

97-2001, este número foi de 7.753 unidades construídas. Ou seja, nestes últimos cinco anos

foi produzido praticamente o mesmo número de unidades que nos dez anos anteriores.

Considerando a média de quatro pessoas por família (segundo o IBGE) equivale a dizer

que, em cinco anos, mais de 30.000 pessoas passaram a viver nesse tipo de moradia. A

produção MRV em toda sua história estaria contribuindo para abrigar cerca de 65.000

pessoas em habitação própria.

103

São vários os fatores que contribuíram para o sucesso da empresa em análise no período

1997-2001, destacando-se: a imagem consolidada da MRV, a credibilidade adquirida junto

ao público-alvo (“pessoas confiam e preferem o produto MRV ao da concorrência”,

ressalta o seu diretor de projetos86), e a estratégia de localização dos empreendimentos.

Soma-se a eles a tecnologia empregada (de baixo custo) e o fato de que, em 1995, volta o

financiamento da Caixa Econômica Federal. Este último fator foi responsável pelo

financiamento de uma parcela da população capaz de adquirir produto MRV, mas que não

conseguia fazê-lo pelo sistema de financiamento direto com a construtora. Com isso,

aumenta-se a demanda e, conseqüentemente, o volume da produção para atendê-la.

Com relação à legislação urbana, pode-se dizer que ela vem contribuindo para a expansão

da atuação da empresa no tecido urbano da capital mineira. Isto porque, ao criar zonas

onde o adensamento é estimulado - as ZAP (Zonas de Adensamento Preferencial) - a lei

favorece a ocupação de áreas com boa capacidade de infra-estrutura e com características

físico-urbanísticas apropriadas (próximas às áreas centrais) que se encontravam, antes de

96, como vazios urbanos. Ao incentivar a ocupação destes vazios, a legislação age em

consonância com o objetivo da empresa que é o de lançar empreendimentos de baixo custo

e com boa localização. Ou seja, considerando o volume de produção da MRV e a interação

com os mecanismos da legislação, nota-se que a atuação deste empreendedor imobiliário

está em consonância com o objetivo de se alcançar uma organização técnica e socialmente

mais justa do espaço urbano, nos termos da legislação urbana em vigor.

A Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de 1996 de Belo Horizonte em muito se

diferencia das anteriores, principalmente por enfatizar mais a questão da OCUPAÇÃO do

que os aspectos relacionados ao USO do solo urbano. Anteriormente, os princípios do

zoneamento eram muito fundamentados na separação espacial de funções urbanas (uso).

Ao dar ênfase à ocupação, pode-se melhor controlar as densidades, por meio tanto de

instrumentos urbanísticos específicos quanto da descentralização do uso, o que, de certa

forma, contribui para a redistribuição da população no espaço urbano.

Além disso, o incentivo à criação de novas centralidades, seja através do zoneamento ou

por meio da provisão e/ou melhoramento das condições de infra-estrutura e serviços

urbanos (a exemplo dos programas BH Bus e PACE que contribuem para a aproximação

85 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.86 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.

104

entre os locais de moradia e a localização de atividades de comércio, serviços, lazer, etc.),

atende a interesses da construtora analisada, uma vez que na estratégia de localização de

seus empreendimentos, as centralidades têm papel relevante.

Alterações na LPOUS 7166/1996 (Lei 8137/2000) X atuação da MRV

Engenharia

A análise da atuação da empresa objeto do estudo de caso ao longo das três legislações

urbanísticas permite concluir que vem ocorrendo uma certa convergência entre os

objetivos e interesses da empresa analisada com os princípios que orientam a busca de um

espaço urbano socialmente mais justo nos termos do Plano Diretor e da LPOUS de 1996.

No entanto, outros fatores têm contribuído, ao lado da legislação, para o sucesso da

empresa.

A MRV trabalha com um produto-padrão que é implantado em diferentes áreas, segundo

os limites da legislação. Mudanças na lei urbanística do município, até então,

influenciavam apenas na escolha da área de atuação da construtora, direcionando seus

empreendimentos para aquelas áreas mais apropriadas ao seu produto-padrão.

Atualmente, o que se percebe é que, a legislação, ao favorecer o adensamento das ZAP -

que são, em geral, áreas próximas a bairros nobres (e quando distantes, apresentam ótimas

condições de acesso, infra-estrutura e serviços) - permite a expansão da atuação da

empresa para diferentes regiões da cidade.

No entanto, uma mudança na atual legislação, ocorrida em Dezembro de 2000 (Lei no.

8137/200087) altera algumas determinações com relação à anterior (de 1996) resultando na

possibilidade de mudanças no produto-padrão da empresa. Dentre as principais mudanças,

destacam-se:

• redução do pé-direito mínimo da edificação de 2,80m para 2,60m;

• permissão de aumento do percurso entre a entrada da edificação e o apartamento de

10,5m para 11,0m.

87 As alterações da lei 8137/2000 com relação à anterior não serão objeto de estudo nesta pesquisa. Apenastrataremos, neste trabalho das alterações que influenciaram diretamente em mudanças por parte da empresaanalisada.

105

Estas duas medidas foram aprovadas visando uma diminuição no custo de construção

(redução do pé-direito implica redução em gastos com alvenaria) e um maior conforto para

moradores de edifícios que não possuem elevador (maior conforto para quem sobe de

escada88). As duas mudanças conjugadas possibilitam, dependendo da implantação89, a

construção de edifícios de cinco pavimentos sem elevador.

Com relação ao produto MRV pode-se dizer que tais mudanças já foram incorporadas em

empreendimentos lançados em 2001, provocando alteração em seu produto-padrão da

seguinte forma:

- O empreendimento passa a apresentar maior ocupação vertical em detrimento da

horizontal, uma vez que se passa a produzir o mesmo número de unidades em um

número menor de blocos (deixa de produzir cinco blocos de quatro pavimentos e passa

a produzir quatro blocos de cinco pavimentos), como ilustrado a seguir:

88 Como ilustração, basta citar que uma pessoa para vencer 01 pavimento (2,80m) deveria subir cerca dedezesseis degraus. Com esta mudança do pé-direito para 2,60m, esta mesma pessoa deve subir entre 14 e 15degraus. Com relação ao aumento do percurso entre a entrada da edificação e o apartamento de 10,5 para11,0m, um morador do último pavimento terá que caminhar 0,5m a mais do que andaria anteriormente. Nestecaso, não houve melhoria de conforto, apenas possibilitou a construção de um pavimento a mais.89 A implantação deve ser tal que permita que o percurso entre a portaria e o apartamento seja inferior ouigual a 11m (onze metros), tratando-se, aqui, do percurso vertical.

05 blocos de 04 pavimentos

04 blocos de 05 pavimentos

106

- O empreendimento ganha em termos de ventilação e insolação (mais espaço entre os

blocos), além de aumentar o número de vagas de garagem. A partir de 2001, todas as

unidades de empreendimentos MRV passaram a contar com vagas de garagem. Além

disso, há uma economia na construção, uma vez que a eliminação de um bloco

significa redução de gastos com telhado e fundação, por exemplo. Tais mudanças

permitem produzir o mesmo número de unidades com mais rapidez e economia.

Neste contexto é possível verificar a associação entre os mecanismos que regulam o uso e

a ocupação do solo (legislação urbana) e os produtores de moradia (capital imobiliário). A

legislação aplicada ao urbano age como estruturadora do espaço, mas também como

produtora e/ou indutora de um tipo de produto imobiliário na medida em que cria

parâmetros e normas que são absorvidos pelos empreendedores de acordo com a demanda

para a qual direciona seus produtos. Ressalta-se a importância da legislação urbana na

busca de um espaço socialmente mais justo e, ao mesmo tempo, de maior qualidade de

vida para os moradores, considerando que na produção de moradias, ela atua diretamente

tanto na estruturação do espaço quanto no âmbito pontual da edificação, determinando

coeficientes e implicando em características-padrão para determinadas áreas da cidade.

107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa insere-se em um contexto de mudança de paradigma que envolve o

planejamento, caracterizado principalmente pela inserção do conceito de função social da

propriedade e da cidade nos assuntos que envolvem o urbano. A busca de um espaço

socialmente mais justo e tecnicamente organizado leva à análise das formas de interação

entre os diferentes agentes que atuam na estruturação deste espaço, com especial destaque

para aqueles que atuam no processo de produção de moradias. Isto porque a produção da

habitação envolve relações de produção, consumo e troca entre diferentes agentes,

estabelecendo relações de cooperação e conflito entre eles, balizadas em interesses

próprios.

No caso específico desta dissertação, procurou-se relacionar a atuação do capital

imobiliário e da legislação urbana na produção do espaço urbano, enfocando a produção de

moradias para o mercado de média-baixa renda da população na cidade de Belo Horizonte.

Busca-se refletir, nesta parte final do trabalho, em torno da hipótese colocada na

introdução, que sugere estar a atual legislação urbana de Belo Horizonte (de 1996)

contribuindo para a atuação de determinados segmentos do mercado imobiliário e, ao

mesmo tempo, promovendo formas mais justas de apropriação do espaço urbano.

No que se refere à análise da dinâmica da produção do espaço urbano no Brasil, analisou-

se a interação entre os agentes - capital imobiliário e poder público - e suas implicações na

produção do espaço. O capital imobiliário, agente responsável pela produção e oferta de

moradias, gera valores de troca, apropriando-se do espaço de modo a obter lucro - seu

objetivo principal. Em contrapartida, atua o poder público, seja como gerador de renda

fundiária (criando espaços com valor de troca), seja legislando sobre o uso e a ocupação do

solo, na tentativa de conciliar valores de uso com os valores de troca. Daí a importância da

legislação como meio de que se vale o Estado para controlar a atuação do capital

imobiliário bem como a especulação e, ao mesmo tempo, promover formas mais justas de

apropriação social do espaço urbano.

Este estudo procurou discutir a relação entre planejamento e Direito Urbanístico no Brasil,

buscando verificar a evolução do primeiro e a inserção do tratamento jurídico nas questões

urbanas.

108

A análise da evolução do planejamento urbano no Brasil mostra que ele nasceu setorizado e

seu desenvolvimento posterior foi caracterizado pela ênfase nos aspectos técnicos e na

organização das funções urbanas - trabalhar, habitar, circular, recrear; tão bem defendidas

pelos modernistas - , indicando que as questões urbanas eram reduzidas a relações

prioritariamente econômicas, vinculadas ao desenvolvimento urbano-industrial que se

processava no país. O planejamento urbano tomou feições de política nacional,

especialmente nos anos sessenta e setenta, primando pela abordagem globalizante e

afastando-se da diversidade intra-urbana, caracterizada por um processo de exclusão sócio-

espacial, representado principalmente pelo problema da habitação. As cidades cresciam em

um ritmo muito rápido, fazendo aumentar o número de favelas e a expansão das periferias

urbanas, uma vez que suas áreas mais centrais eram muito valorizadas, impossibilitando a

sua ocupação pelos segmentos de menor poder aquisitivo. A busca do entendimento da

questão da produção de moradias dentro desse processo mais amplo da dinâmica urbana e da

evolução do planejamento explicitou problemas que são acentuados pelas formas de

produção, apropriação e consumo do espaço. A política nacional de habitação, instituída em

1964, com a criação do BNH não só falhou em sua proposta de solucionar os problemas

habitacionais dos segmentos de baixa renda, mas contribuiu para o acirramento de tais

problemas, uma vez que seus investimentos seletivos resultaram em valorização excessiva

das terras urbanas mais centrais, provocando o processo de expansão das periferias das

grandes cidades.

Tendo como referência as questões acima apresentadas, o estudo discutiu aspectos ligados

ao acesso à habitação, balizada pela discussão sobre os direitos de propriedade da terra

urbana e a evolução do Direito Urbanístico no Brasil. Destaca-se o fato de, até

recentemente, os direitos de propriedade imobiliária serem considerados sob a perspectiva

do individualismo (nos moldes do liberalismo jurídico clássico) representado no Código

Civil de 1916. Segundo este ponto de vista, a cidade era considerada um aglomerado de

terrenos de propriedade privada, e a lei se ocupava basicamente das relações entre os

indivíduos.

Com o passar dos anos, o Direito Urbanístico foi apresentando mudanças, mas nada que

desvinculasse as relações de propriedade dos direitos privados absolutos, principalmente

no que diz respeito à questão da habitação.

109

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, fruto de um processo de reabertura

política e democratização, inicia-se um movimento de rompimento dos antigos modelos de

planejamento, frente às novas necessidades de descentralização e atendimento às demandas

sociais acumuladas. A partir de então, passa-se a regular a função social da propriedade,

avançando no sentido de “publicização” do direito de propriedade da terra urbana que vai

ser absorvido pelas novas formas de se pensar o urbano. A análise do desenvolvimento do

planejamento urbano no Brasil mostrou que os novos planos diretores propostos pós 1988

demonstram um processo de transformação na atividade de planejamento, evidenciando

novas tendências que foram analisadas para o caso específico de Belo Horizonte, objeto de

análise nesta dissertação.

Tais tendências referem-se a indícios de mudanças, dentre os quais podem ser destacados:

o distanciamento em relação à prática do zoneamento funcionalista, caracterizado pela

racionalidade, lógica e rigidez, princípios que se mostram incompatíveis com a

necessidade de se abordar a complexidade urbana; a busca de novas formas mais flexíveis

de se pensar e planejar o espaço urbano, tanto em termos das normas de uso e a ocupação

do solo quanto da maior variedade de instrumentos urbanísticos; a observação às

especificidades intra-urbanas, especialmente por meio de formas descentralizadas de

planejamento ou de legislações específicas para cada realidade; e a busca de ampliação dos

meios de participação popular nas questões ligadas ao urbano.

Considerando, então, o exemplo de Belo Horizonte, analisou-se as principais mudanças

ocorridas na legislação urbana municipal pós 88, verificando sua interação com o capital

imobiliário e as conseqüências para o espaço urbano. A legislação, através dos parâmetros

urbanísticos, tem influência na produção de moradias e, conseqüentemente, na estruturação

do espaço. Com isto, o agente imobiliário reorienta sua atuação para aquelas regiões que

lhe permitem obter maior lucro. Procurou-se verificar até que ponto mudanças na

legislação podem estar deslocando investimentos para as áreas mais carentes da cidade e

ampliando o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população.

Estaria a legislação de 1996 possibilitando o cumprimento da função social da

propriedade? O estudo apresentado no capítulo 4, no qual foi analisada a atuação de uma

empresa privada na produção de moradias para o segmento de média-baixa renda da

população e sua interação com a legislação urbana, especialmente a LPOUS / 1996,

permitiu identificar elementos que pudessem contribuir para responder tal questão.

110

A lei de 1996 regulamenta os objetivos definidos no plano diretor, dentre eles a criação de

novas centralidades e de áreas passíveis de adensamento, redirecionando e controlando a

ocupação no espaço urbano da cidade. Esta determinação provocou mudanças de duas

naturezas. Primeiramente, mudanças no zoneamento da cidade que passou a enfatizar a

OCUPAÇÃO do solo ao contrário de leis anteriores em que o zoneamento era,

essencialmente, baseado no USO do solo pelas diferentes funções. Ao focar-se na

ocupação, pode-se melhor controlar as densidades, redirecionando o adensamento e a

distribuição da população pelo espaço. Isto porque a legislação criou zonas onde o

adensamento deve ser estimulado e outras onde este deve ser restringido, favorecendo a

ocupação de áreas com boas condições de infra-estrutura, serviços urbanos, acesso fácil,

mas que se encontravam como vazios urbanos antes de 1996. Em segundo lugar, os

parâmetros urbanísticos passaram a direcionar melhor o tipo de produto para o qual o

empreendedor imobiliário deveria atuar, estando este em consonância com o local onde o

empreendimento deveria ser implantado.

Desta forma, pode-se dizer que a legislação pode estar contribuindo para uma distribuição

mais justa da população no espaço, uma vez que vem permitindo o acesso de certos

segmentos sociais à moradia em áreas bem servidas de infra-estrutura, mesmo que mais

distantes.

Ao analisar a produção da empresa em questão (FIG. 10), pode-se observar a extensão de

sua atuação a quase todas as regiões da cidade. Os empreendimentos estão, geralmente,

próximos a algum eixo viário estruturante, fato que diferencia a atuação da MRV em

relação a seus concorrentes. Os projetos BH-Bus e PACE favoreceram a atuação da

empresa em diferentes regiões, uma vez que propiciaram o acesso ao transporte, comércio

e lazer e o melhoramento das condições de infra-estrutura e equipamentos urbanos das

populações em áreas até então desprovidas dessas melhorias.

Enfim, o estudo permitiu concluir que vem ocorrendo uma certa convergência entre os

objetivos da empresa e os princípios do plano diretor e da LPOUS de 1996. Pode-se dizer

que a atuação da MRV está em consonância com o objetivo de se alcançar uma

organização técnica e socialmente mais justa do espaço, segundo os princípios da

Constituição de 1988.

111

Um trabalho que poderá ser feito também em torno da hipótese desta pesquisa seria o

cruzamento dos dados da atuação da empresa com valores reais de imóveis, buscando, com

isto, verificar se ela atua em áreas de valor reduzido de terreno, de modo a favorecer o

acesso à moradia pelos segmentos de mais baixa renda. Nesta dissertação não foi possível

fazer esta verificação. Seriam necessárias informações sobre cada um dos

empreendimentos da construtora, como por exemplo, definição do número do lote e quadra

para cruzar com a Planta Real de Valores de imóvel. Estes dados são impossíveis de ser

conseguidos na Prefeitura uma vez que os empreendimentos são aprovados no nome do

antigo proprietário do terreno e não em nome da construtora. Por isso, a coleta de tais

dados levaria muitos meses, tornando este estudo inviável no âmbito desta dissertação.

Além disso, não há como comparar esses dados com os períodos anteriores (1980-1985 e

1986-1996) uma vez que, para aqueles anos, não há planta de valor de imóvel, o que

impede uma conclusão comparativa. Não seria possível concluir, de fato o que mudou pós

96. Talvez trabalhar com dados do ITBI já seria uma ajuda para uma conclusão mais

precisa. O que de fato nos impossibilita é a falta de dados recentes.

Um detalhamento mais apurado deste trabalho poderia ser feito considerando-se os dados

relacionados ao consumidor de produtos MRV: quem de fato adquire os empreendimentos

da construtora, sua ocupação, renda familiar, etc. Estas informações não existem na

empresa analisada, implicando em uma ampla coleta de dados e confecção de amostragens

para conclusões mais precisas. Além disso, a discussão colocada nesta pesquisa poderia ser

ampliada caso fosse considerada a produção de moradias por parte de outras empresas que

atuam para o mesmo segmento analisado, bem como feita uma comparação entre elas. Este

mesmo estudo também poderia ser desenvolvido considerando-se outros segmentos

sociais, como por exemplo, a produção de moradias direcionada para os estratos de alta

renda da população. Estas sugestões não foram possíveis de ser concretizadas no âmbito

desta dissertação, podendo ser consideradas em momentos posteriores.

Um outro aspecto que deve ser mencionado nestas considerações finais diz respeito ao fato

de ser ainda um pouco cedo para se verificar os impactos da LPOUS de 1996 na estrutura

urbana da cidade, uma vez que para determinados nichos de mercado, houve pouca

produção habitacional sob sua vigência, como no caso do segmento de alta renda.

No que se refere à função social da propriedade, entendida aqui como o direito à moradia e

a democratização do acesso a habitação, pode-se concluir que, para o segmento social

112

analisado nesta dissertação, a função social, orientadora do plano diretor, vem sendo, de

certa forma, conquistada. As análises apresentadas no capítulo 4 são suficientes para

concluir que os segmentos de média-baixa renda da população vêm tendo acesso a

moradias em áreas melhor localizadas no espaço da cidade e bem servidas de infra-

estrutura e serviços urbanos, significando formas socialmente mais justas de ocupação do

espaço urbano. Ou seja, observou-se que, para o caso analisado, há evidências de que a

legislação vem contribuindo simultaneamente para a democratização da ocupação do

espaço urbano e para orientar a atuação de empreendedores imobiliários no processo de

produção de moradias.

No entanto, ressalta-se a importância de analisar, ainda nos termos da hipótese desta

dissertação, as novas formas de gestão urbana, principalmente as propostas de

administrações democráticas com participação popular, no combate à exclusão social. A

questão seria saber se este tipo de gestão vem contribuindo para democratizar o Estado,

tornando-o mais próximo e permeável às demandas da população e mais eficiente na

extensão dos direitos sociais e na produção de um espaço urbano técnica e socialmente

mais justo. Não há dúvidas, no entanto, que os novos mecanismos de gestão, a legislação

urbana e a atuação direta da população poderão contribuir para o cumprimento da função

social da propriedade e para processos mais amplos de transformação social.

113

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TEIXEIRA, J.G., e SOUZA, J.M. organização metropolitana e estrutura social: o caso deBelo Horizonte. In: RIBEIRO, L.C.Q. (org.). O futuro das metrópoles: desigualdades egovernabilidade. RJ: Editora Revan – IPPUR / UFRJ – FASE), 2000, pp.285-317.

VALLADARES, L. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar. 1980.

VILLAÇA, F. “Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira”. IN: SOUZA, M.A. A. de. et al. Metrópole e globalização. São Paulo, CEDESP, 1991.

119

ANEXOS

Tabela1: Empreendimentos MRV lançados no período 1980 a 2001

PERÍODO EMPREENDIMENTO LOCALIZAÇÃO (Bairro) LOCALIZAÇÃO No. DE No.

(Regional) UNIDADES QUARTOS

(TIPO)

1980 A 1985 SÃO BENTO I SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 SÃO BENTO II SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 SÃO BENTO III SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 SÃO BENTO IV SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 SÃO BENTO V SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 SÃO BENTO VI SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1980 A 1985 JARDIM RIACHO I JARDIM RIACHO 1 CASA

1980 A 1985 JARDIM RIACHO II JARDIM RIACHO 1 CASA

1980 A 1985 JARDIM RIACHO III JARDIM RIACHO 1 CASA

1980 A 1985 SAGRADA FAMÍLIA SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64 2

1980 A 1985 RUBI VILA SÃO JOÃO LESTE 24 2

1980 A 1985 VILA CLÓRIS PLANALTO NORTE 40 2

1980 A 1985 SAFIRA BOA VISTA LESTE 24 2

1980 A 1985 HUMAITÁ PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 27 2

1980 A 1985 MARIA FERNANDA SERRA CENTRO-SUL 24 2

1980 A 1985 LIGAÇÃO ELDORADO CONTAGEM 64 2 E 3

1980 A 1985 HUNGRIA ELDORADO CONTAGEM 48 2 E 3

1980 A 1985 VILA RICA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 48 2 E 3

1980 A 1985 RUI BARBOSA INDUSTRIAL NORTE 96 3

1986 A 1996 SÃO BENTO VII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO VIII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO IX SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO X SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO XI SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO XII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO XIII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 SÃO BENTO XIV SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA

1986 A 1996 CASAS D. CLARA D. CLARA PAMPULHA 9 CASA

1986 A 1996 D. CLARA I D. CLARA PAMPULHA 33

1986 A 1996 D. CLARA II D. CLARA PAMPULHA 30

1986 A 1996 D. CLARA III D. CLARA PAMPULHA 10

1986 A 1996 D. CLARA IV D. CLARA PAMPULHA 72

1986 A 1996 SANTA ROSA I SANTA ROSA PAMPULHA 9

1986 A 1996 SANTA ROSA II SANTA ROSA PAMPULHA 16

1986 A 1996 SANTA ROSA III SANTA ROSA PAMPULHA 17

1986 A 1996 SANTA ROSA IV SANTA ROSA PAMPULHA 25

1986 A 1996 SANTA ROSA V SANTA ROSA PAMPULHA 15

1986 A 1996 SILVANA SANTA TEREZA LESTE 60

1986 A 1996 TOPÁZIO NOVA SUIÇA OESTE 48

1986 A 1996 BERILO VILA SÃO JOÃO LESTE 32

1986 A 1996 ÔNIX VILA SÃO JOÃO LESTE 24

1986 A 1996 TURMALINA VILA SÃO JOÃO LESTE 32

1986 A 1996 TURQUESA SANTA EFIGÊNIA LESTE 40

120

1986 A 1996 ÁGATA SANTA EFIGÊNIA LESTE 64

1986 A 1996 AMETISTA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 24

1986 A 1996 ÁUSTRIA ESTORIL / BURITIS OESTE 40

1986 A 1996 BÉLGICA VILA SÃO JOÃO LESTE 16

1986 A 1996 CHILE VILA SÃO JOÃO LESTE 24

1986 A 1996 CRISTAL VILA SÃO JOÃO LESTE 32

1986 A 1996 DIAMANTE JARDIM AMÉRICA OESTE 16

1986 A 1996 DINAMARCA VILA SÃO JOÃO LESTE 16

1986 A 1996 IOLANDA JARDIM AMÉRICA OESTE 18

1986 A 1996 CAIÇARAS VILA ADELAIDE NOROESTE 112

1986 A 1996 ESPANHA JARDIM AMÉRICA OESTE 24

1986 A 1996 FRANÇA ESTORIL / BURITIS OESTE 24

1986 A 1996 HEITOR MENIN 88

1986 A 1996 MONTE VERDE SERRA CENTRO-SUL 9

1986 A 1996 GAIVOTAS VILA CLÓRIS NORTE 45

1986 A 1996 GRÉCIA ESTORIL / BURITIS OESTE 24

1986 A 1996 NORUEGA E PORTUGAL PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 56

1986 A 1996 SÃO JOÃO IX SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 88

1986 A 1996 APORÉ APARECIDA NOROESTE 96

1986 A 1996 CABO VERDE SERRA CENTRO-SUL 14

1986 A 1996 PALMARES I PALMARES NORDESTE 14

1986 A 1996 SOLIMÕES PALMARES NORDESTE 14

1986 A 1996 CANNES VILA SÃO JOÃO LESTE 16

1986 A 1996 ESTORIL V ESTORIL / BURITIS OESTE 128

1986 A 1996 TUNÍSIA ESTORIL / BURITIS OESTE 40

1986 A 1996 URUGUAI VILA ADELAIDE NOROESTE 32

1986 A 1996 VENEZUELA VILA ADELAIDE NOROESTE 32

1986 A 1996 BARCELONA VILA ADELAIDE NOROESTE 40

1986 A 1996 DUBLIN VILA SÃO JOÃO LESTE 16

1986 A 1996 ESTOCOLMO SANTA CRUZ NORDESTE 24

1986 A 1996 FILADÉLFIA ESTORIL / BURITIS OESTE 60

1986 A 1996 HAVANA VILA SÃO JOÃO LESTE 32

1986 A 1996 JARDIM LEBLON JARDIM LEBLON VENDA NOVA 51

1986 A 1996 PALMARES III PALMARES NORDESTE 45

1986 A 1996 PORTO SEGURO LARANJEIRAS NORTE 31

1986 A 1996 RIO BRANCO PALMARES NORDESTE 26

1986 A 1996 SÃO JOÃO BATISTA I SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 11

1986 A 1996 SÃO JOÃO BATISTA II SÀO JOÃO BATISTA NORDESTE 16

1986 A 1996 SERRA VERDE RENASCENÇA NORDESTE 32

1986 A 1996 ANKARA VILA ADELAIDE NOROESTE 60

1986 A 1996 GRANADA HAVAÍ OESTE 32

1986 A 1996 INDIANÁPOLIS VILA ADELAIDE NOROESTE 24

1986 A 1996 JAMAICA SANTA EFIGÊNIA LESTE 64

1986 A 1996 MARIA STELLA 800

1986 A 1996 MONTE OLIMPO CONTAGEM CONTAGEM 80

1986 A 1996 PARATI VILA CLÓRIS NORTE 22

1986 A 1996 ROBERTA CAIÇARA NOROESTE 32

1986 A 1996 ROMA JARDIM AMÉRICA OESTE 32

1986 A 1996 ACAPULCO PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 24

1986 A 1996 BUENOS AIRES VILA ADELAIDE NOROESTE 24

1986 A 1996 NÁPOLES SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64

1986 A 1996 QUEBEC PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 48

1986 A 1996 SEVILHA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 36

1986 A 1996 TURIM VILA IND. MELO VIANA NORDESTE 32

121

1986 A 1996 FLORENÇA NOVA SUIÇA OESTE 48

1986 A 1996 ILHABELA E CARAVELAS IPIRANGA NORDESTE 50

1986 A 1996 LOS ANGELES CAIÇARA NOROESTE 48

1986 A 1996 MIAMI CAIÇARA NOROESTE 44

1986 A 1996 PARIS CAIÇARA NOROESTE 48

1986 A 1996 ALICE 46

1986 A 1996 BEATRIZ 46

1986 A 1996 GÊNOVA ESTORIL / BURITIS OESTE 112

1986 A 1996 INGLATERRA ESTORIL / BURITIS OESTE 128

1986 A 1996 MONTEVIDEO VILA CAVALIERE OESTE 76

1986 A 1996 PALMEIRAS CINQUENTENÁRIO OESTE 107

1986 A 1996 ED BLUMENAU SANTA AMELIA PAMPULHA 87 1 E 2

1986 A 1996 LETÍCIA LETÍCIA VENDA NOVA 118 1 E 2

1986 A 1996 BUZIOS D. CLARA PAMPULHA 23 2

1986 A 1996 ITAPOÃ ITAPOÃ PAMPULHA 60 2

1986 A 1996 AMAZONAS PALMARES NORDESTE 22 2

1986 A 1996 SÃO FRANCISCO I SÃO FRANCISCO PAMPULHA 16 2

1986 A 1996 SÃO FRANCISCO II SÃO FRANCISCO PAMPULHA 23 2

1986 A 1996 CAPACABANA ITAPOÃ PAMPULHA 62 2

1986 A 1996 LYON CAIÇARA NOROESTE 80 2

1986 A 1996 MANGUEIRAS COPACABANA VENDA NOVA / NORTE 50 2

1986 A 1996 VERONA SANTA CRUZ NORDESTE 32 2

1986 A 1996 ANGRA DOS REIS VILA CLÓRIS NORTE 136 2

1986 A 1996 GUARUJÁ SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 204 2

1986 A 1996 CAMBORIU VILA CLÓRIS NORTE 160 2

1986 A 1996 COLORADO SINIMBU VENDA NOVA 32 2

1986 A 1996 COSTA AZUL FLÁVIO M. LISBOA BARREIRO 76 2

1986 A 1996 IPANEMA PIRATININGA VENDA NOVA 45 2

1986 A 1996 NOTRE DAME HELIÓPOLIS NORTE 25 2

1986 A 1996 LIVERPOOL MINAS BRASIL NOROESTE 28 2

1986 A 1996 MAR DEL PLATA CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 60 2

1986 A 1996 MUNIQUE VILA SÃO JOÃO LESTE 40 2

1986 A 1996 VENEZA JARAGUA PAMPULHA 128 2

1986 A 1996 UBATUBA CANAÃ VENDA NOVA 86 2

1986 A 1996 RESID. ANDES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 96 2

1986 A 1996 JOÃO VITOR E LUCIANA SANTA EFIGÊNIA LESTE 128 2 E 3

1986 A 1996 ITAPARICA D. CLARA PAMPULHA 45 2 E 3

1986 A 1996 CÓRDOBA D. CLARA PAMPULHA 43 2 E 3

1986 A 1996 PETRÓPOLIS SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 124 2 E 3

1986 A 1996 CABO FRIO SANTA AMÉLIA PAMPULHA 20 2 E 3

1986 A 1996 DETROIT D. CLARA PAMPULHA 96 2 E 3

1986 A 1996 MONTE CARLO MINAS BRASIL NOROESTE 86 2 E 3

1986 A 1996 ORLEANS VILA ATLÂNTIDA / JARDIM AMÉRICA OESTE 48 2 E 3

1986 A 1996 PRADOS CANDELÁRIA VENDA NOVA 112 2 E 3

1986 A 1996 FONTANA DI TREVI 6A. SECÇÃO SUBURBANA / CARLOS PRATES NOROESTE 298 2 E 3

1986 A 1996 LIEGE SANTA CRUZ NORDESTE 208 2 E 3

1986 A 1996 MARATAÍZES HAVAÍ OESTE 100 2 E 3

1986 A 1996 VIENA SANTA CRUZ NORDESTE 80 2 E 3

1986 A 1996 RES VILLA LOBOS ESTORIL / BURITIS OESTE 82 2 E 3

1986 A 1996 RESID. MADRID CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3

1986 A 1996 RESID. MAR DE ESPANHA SANTA AMELIA PAMPULHA 74 2 E 3

1986 A 1996 CAMPOS ELÍSEOS HELIÓPOLIS NORTE 34 3

1986 A 1996 IRACEMA BARROS JARDIM ATLÂNTICO PAMPULHA 46 3

1986 A 1996 MILÃO VILA AMBROSINA OESTE 32 3

122

1986 A 1996 D. GIOANNI ESTORIL / BURITIS OESTE 152 3

1986 A 1996 SAN MARINO VILA ADELAIDE NOROESTE 32 3

1986 A 1996 TERESÓPOLIS COPACABANA VENDA NOVA / NORTE 28 3

1986 A 1996 TOULOUSE ESTORIL / BURITIS OESTE 80 3

1986 A 1996 RESID. OHIO ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3

1986 A 1996 RESID. NEVADA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3

1986 A 1996 RAFAEL PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 36 3

1986 A 1996 ESMERALDA ESTORIL / BURITIS OESTE 24 3 (C/SUITE)

1986 A 1996 RESIDENCIAL IRLANDA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)

1986 A 1996 RIO VERDE SION CENTRO-SUL 14 3 (C/ SUÍTE)

1997 A 2001 RESID. FLORIDA CASTELO PAMPULHA 56 2

1997 A 2001 ED. BOLIVIA OURO PRETO PAMPULHA 232 2

1997 A 2001 RESID. MARSELHA CARLOS PRATES NOROESTE 48 2

1997 A 2001 RESID. CARIBE PIRATININGA VENDA NOVA 76 2

1997 A 2001 RES VIA APIA FLAVIO MARQUES LISBOA BARREIRO 30 2

1997 A 2001 RESID. HONDURAS CANDELARIA/SANTA MÔNICA VENDA NOVA / PAMPULHA 432 2

1997 A 2001 GEÓRGIA VILA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA VENDA NOVA 90 2

1997 A 2001 LA PAZ VILA TIRADENTES OESTE 64 2

1997 A 2001 RESID. GENEBRA MANTIQUEIRA VENDA NOVA 76 2

1997 A 2001 RESID. SAN REMO JAO PINHEIRO NOROESTE 56 2

1997 A 2001 RESID. LONDRES BETANIA OESTE 124 2

1997 A 2001 REINO UNIDO CASTELO PAMPULHA 32 2

1997 A 2001 FENIX VENDA NOVA VENDA NOVA 120 2

1997 A 2001 ALDEIA DA SERRA CALIFÓRNIA NOROESTE 150 2

1997 A 2001 ANDES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 96 2

1997 A 2001 ATENAS SALGADO FILHO OESTE 88 2

1997 A 2001 BOLÍVIA BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 232 2

1997 A 2001 CALIFÓRNIA CASTELO PAMPULHA 64 2

1997 A 2001 HÉRCULES JAQUELINE NORTE 130 2

1997 A 2001 ILHEUS VILA ATLÂNTIDA / JARDIM AMÉRICA OESTE 40 2

1997 A 2001 MAR EGEU SAGRADA FAMÍLIA LESTE 79 2

1997 A 2001 PARQUE DOS BANDEIRANTES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 152 2

1997 A 2001 QUINTAS DA SERRA MANTIQUEIRA VENDA NOVA 80 2

1997 A 2001 VISTA ALEGRE CALIFÓRNIA NOROESTE 112 2

1997 A 2001 ANTARES SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 132 2

1997 A 2001 PORTO PRÍNCIPE SÃO FRANCISCO PAMPULHA 40 2

1997 A 2001 SANTIAGO CASTELO PAMPULHA 32 2

1997 A 2001 FENÍCIA MINAS BRASIL NOROESTE 55 2

1997 A 2001 BAVIERA ESTRELA DO ORIENTE OESTE 124 2

1997 A 2001 ALGARVES CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 40 2

1997 A 2001 ÉVORA D. CLARA PAMPULHA 48 2

1997 A 2001 IBIZA CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 44 2

1997 A 2001 TÍVOLI 6A. SECÇÃO SUBURBANA / CARLOS PRATES NOROESTE 56 2

1997 A 2001 ÁGUAS DA PRATA CALIFÓRNIA NOROESTE 132 2

1997 A 2001 RESID. AUSTRALIA ESTORIL / BURITIS OESTE 96 2 E 3

1997 A 2001 RES CENTRAL PARQUE VILA TIRADENTES OESTE 196 2 E 3

1997 A 2001 RES PRINCIPE DE GALES SANTA CRUZ NORDESTE 112 2 E 3

1997 A 2001 RES NOVA YORK VILA AMBROSINA OESTE 28 2 E 3

1997 A 2001 RES LONDRINA SANTA AMELIA PAMPULHA 34 2 E 3

1997 A 2001 RES TEXAS CASTELO PAMPULHA 112 2 E 3

1997 A 2001 RESID. DENVER ESTORIL / BURITIS OESTE 28 2 E 3

1997 A 2001 MAR ADRIATICO SAGRADA FAMILIA LESTE 144 2 E 3

1997 A 2001 COSTA RICA JARDIM AMERICA OESTE 144 2 E 3

123

1997 A 2001 ALEXANDRIA JARDIM ATLÂNTICO / ITAPOÃ PAMPULHA 150 2 E 3

1997 A 2001 ESPARTA ESTORIL / BURITIS OESTE 32 2 E 3

1997 A 2001 MÔNACO EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 110 2 E 3

1997 A 2001 NIÁGARA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3

1997 A 2001 PENSYLVÂNIA JOÃO PINHEIRO NOROESTE 148 2 E 3

1997 A 2001 SENNA JOÃO PINHEIRO NOROESTE 112 2 E 3

1997 A 2001 VANCOUVER VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3

1997 A 2001 LÍBANO PALMARES NORDESTE 50 2 E 3

1997 A 2001 RAVENA CASTELO PAMPULHA 40 2 E 3

1997 A 2001 RIVADÁVILA FLORAMAR NORTE 48 2 E 3

1997 A 2001 CASABLANCA LETÍCIA VENDA NOVA 96 2 E 3

1997 A 2001 POLINÉSIA EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 114 2 E 3

1997 A 2001 SAN FRANCISCO CALIFÓRNIA NOROESTE 150 2 E 3

1997 A 2001 BILBAO PALMARES NORDESTE 24 2 E 3

1997 A 2001 LA PLACE PALMARES NORDESTE 16 2 E 3

1997 A 2001 MANCHESTER SANTA EFIGÊNIA LESTE 40 2 E 3

1997 A 2001 PÉRGAMO IPIRANGA NORDESTE 64 2 E 3

1997 A 2001 AMSTERDÃ SANTA CRUZ NORDESTE 92 2 E 3

1997 A 2001 ANDALUZIA ESTORIL / BURITIS OESTE 64 2 E 3

1997 A 2001 ARGEL VILA ADELAIDE NOROESTE 40 2 E 3

1997 A 2001 ASTÚRIAS ESTORIL / BURITIS OESTE 60 2 E 3

1997 A 2001 BRUXELAS VENDA NOVA VENDA NOVA 120 2 E 3

1997 A 2001 CAIRO MANACÁS PAMPULHA 40 2 E 3

1997 A 2001 HANNOVER ESTORIL / BURITIS OESTE 80 2 E 3

1997 A 2001 OLÍMPIA PALMARES NORDESTE 36 2 E 3

1997 A 2001 RESID. BARILOCHE ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3

1997 A 2001 RESID. VANIA JOAO PINHEIRO NOROESTE 148 3

1997 A 2001 LISBOA BETANIA OESTE 112 3

1997 A 2001 JORDANIA SANTA BRANCA PAMPULHA 114 3

1997 A 2001 RES CANADA ESTORIL / BURITIS OESTE 64 3 (C/ SUÍTE)

1997 A 2001 RES MONTREAL PALMARES NORDESTE 176 3(C/SUÍTE)

1997 A 2001 RESID. IRLANDA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)

1997 A 2001 ED EGITO ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)

1997 A 2001 MAR MEDITERRÂNEO SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 EUROPA ESTORIL / BURITIS OESTE 48 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 PARQUE DOS LÍRIOS ESTORIL / BURITIS OESTE 60 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 LARISSA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 LORENA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 RODHES D. CLARA PAMPULHA 20 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 BALBEC VILA FUTURO NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 BERLIM PARAÍSO LESTE 60 2, 3 E 4

1997 A 2001 CENTAURUS VILA SILVEIRA / CIDADE NOVA NORDESTE 150 2, 3 E 4

1997 A 2001 PAMPLONA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 2, 3, E 4

1997 A 2001 TÂMISA VILA SILVEIRA / CIDADE NOVA NORDESTE 150 2, 3 E 4

1997 A 2001 PANAMÁ EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 60 2, 3 E 4

1997 A 2001 RESID. AQUARIUS SAGRADA FAMILIA LESTE 38 4 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 MAR TIRRENO SAGRADA FAMÍLIA LESTE 40 4 (C/SUÍTE)

1997 A 2001 VERSAILLES ESTORIL / BURITIS OESTE 40 4(C/SUÍTE)

1997 A 2001 PARQUE DAS HORTÊNCIAS ESTORIL / BURITIS OESTE 59 4

Fonte: MRV Engenharia, 2001.