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IntroduçãoEm 2015, o mecanismo dos Estados-Membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) encomendou um estudo sobre saúde pública e impacto socioeconómico dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados. Pretende-se que este estudo seja um documento de advocacia destinado a chamar a atenção para a escala e dimensão do problema dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados e para os danos que causam. É publicado juntamente com um relatório sobre o Sistema Mundial de Vigilância e Monitorização da OMS para os Produtos Médicos de Qualidade Inferior e Falsificados, o qual faz uma apresentação do contexto e sugere as medidas necessárias à prevenção, deteção e resposta aos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados.

Os Estados-Membros da OMS, organizações internacionais, agências de aprovisionamento, indústria farmacêutica, profissionais de saúde e a sociedade civil há muito reconhecem a inaceitável ameaça à saúde pública causada pelos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados. No entanto, oferecer estimativas precisas da dimensão do problema e dos danos causados é um desafio significativo. Estes produtos são difíceis de identificar e é raro suspeitar-se que a deterioração do estado de saúde de um doente é causado por um medicamento de qualidade inferior ou falsificado, atribuindo-se antes à doença de que sofre.

O impacto dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados é vasto e variado, mas por ora ainda não bem entendido. O presente estudo, juntamente com a publicação que o acompanha, visa chamar a atenção para o problema, destacando simultaneamente a necessidade de expandir consideravelmente a investigação, de forma a melhor definir a necessária e urgente resposta.

Definições de produtos médicos de qualidade inferior e falsificadosA ausência de definições claras e uniformizadas e o entendimento comum a nível mundial têm dificultado a investigação e a colaboração internacional nesta questão. Em Maio de 2017, seguindo as recomendações do mecanismo dos Estados-Membros, a Assembleia Mundial da Saúde adotou um novo conjunto simplificado de definições, conforme se apresenta na Caixa 1.

Caixa 1: Definições da OMS para produtos médicos de qualidade inferior, não registados/ não licenciados e falsificados

Produtos médicos de qualidade inferiorTambém chamados “fora das especificações”, trata-se de produtos médicos autorizados que não cumprem os padrões de qualidade, nem as especificações, ou ambos.

Produtos médicos não registados/não licenciadosProdutos médicos que não foram submetidos a avaliação e/ou aprovação pela entidade reguladora nacional ou regional para o mercado no qual são comercializados/distribuídos ou usados, sob as condições de utilização previstas na regulamentação e legislação nacional ou regional.

Produtos médicos falsificadosProdutos médicos cuja identidade, composição ou origem é deliberadamente/ fraudulentamente deturpada.

RESUMO

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ESTUDO SOBRE O IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA SOCIEDADE E ECONOMIAdos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados

Revisão da literatura – apuramento dos factosMetodologiaFoi efetuada uma revisão da literatura através da análise da bibliografia relevante, recorrendo às bases de dados PubMed e MEDLINE. Foram utilizados trabalhos publicados entre 2007 e 2016 com informações de estudos de campo ou inquéritos sobre a qualidade dos medicamentos. Uma vez reunidos, os trabalhos a serem analisados foram rastreados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão.

Resultados dos inquéritosNo total, foram incluídos neste estudo 100 trabalhos publicados e uma base de dados acessível ao público. Estes trabalhos apresentavam inquéritos à qualidade dos medicamentos conduzidos em 88 Estados-Membros da OMS, envolvendo 48 218 amostras de medicamentos. Os inquéritos foram conduzidos nas cadeias de abastecimento públicas e privadas. Os tamanhos das amostras oscilaram entre as 10 e as mais de 15 000 e os inquéritos foram realizados utilizando estratégias de amostragem aleatórias ou de conveniência. Foram relatadas várias técnicas de análise, tendo a maioria das amostras sido submetida a análises laboratoriais ou a análises que utilizam a técnica de ensaio de campo Minilab. Os medicamentos para tratamento do paludismo e os antibióticos constituíram 64,5% das amostras, o que reflete sérias preocupações de saúde pública relacionadas com a resistência aos antimicrobianos e com as infeções resistentes aos medicamentos.

Como se pode verificar na Tabela 1, e com base na classificação que o Banco Mundial faz dos países por nível de rendimentos, os países de baixos ou médios rendimentos aparecem nos inquéritos desproporcionadamente mais do que os países de elevados rendimentos. De notar que foram incluídas apenas 178 amostras de países de elevados rendimentos; daí não ter sido possível qualquer extrapolação para este grupo de países.

Tabela 1: Distribuição dos países por nível de rendimentos, segundo a classificação do Banco Mundial

Classificação do Banco Mundial dos países por nível de rendimentos

Número de países inquiridos Total de amostras

Baixos rendimentos 19 11 156

Médios rendimentos 56 36 884

Elevados rendimentos 13 178

TOTAL 88 48 218

Expandindo a Tabela 1, as taxas de falha observadas nas amostras dos países de baixos ou médios rendimentos são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2: Taxas de falha globais observadas nas amostras, segundo a classificação dos países por nível de rendimentos feita pelo Banco Mundial

Classificação do Banco Mundial dos países por nível de rendimentos

Amostras testadas Amostras falhadas Percentagem da taxa de insucesso (IC 95%)

Países de baixos rendimentos 11 156 1 166 10.5 (9.9 –11.0)

Países de médios rendimentos 36 884 3 906 10.6 (10.3–10.9)

IC: intervalos de confiança.

A taxa de falha global observada nas amostras testadas de medicamentos de qualidade inferior e falsificados nos países de baixos ou médios rendimentos é de, aproximadamente, 10,5%.

Um dos objetivos deste estudo era tentar uma estimativa das atuais despesas dos países com os produtos de qualidade inferior e falsificados. No entanto, são muito limitados os dados acessíveis ao público relativamente ao total estimado de vendas de produtos farmacêuticos, estratificadas por países de baixos e médios rendimentos: os produtos não estão discriminados por classe terapêutica e, portanto, não permitem estimativas exatas dos custos.

Ainda assim, se fossemos usar as estimativas combinadas não ponderadas da dimensão do mercado para os países de baixos e médios rendimentos (aproximadamente 300 mil milhões de dólares) e as taxas de falha globais observadas (aproximadamente 10,5%) para calcular a eventual despesa por parte destes países, a estimativa total resultante seria na ordem dos 30 mil milhões de dólares.

Mesmo que apenas aproximadamente correta, a estimativa sublinha a necessidade urgente de resolver este problema. Destaca também a necessidade de melhores dados relativos a despesas a nível nacional que permitam uma estimativa mais exata do fardo económico suportado por estes países.

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ESTUDO SOBRE O IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA SOCIEDADE E ECONOMIAdos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados

Debate sobre as principais limitações dos dados disponíveisEste estudo salienta as limitações que devem ser tidas em conta ao examinar os resultados:

l utilização de definições heterogéneas para os produtos médicos de qualidade inferior e falsificados;

l revisão da literatura limitada à língua inglesa e à literatura do domínio público;

l ausência de recolha sistemática de dados com amostras de tamanho suficiente e com plano de amostragem aleatória;

l os dados de mercado atualmente tornados públicos não discriminam por categoria terapêutica e por país ou nível de rendimento;

l eventuais desvios introduzidos por diferentes tecnologias de teste (ex.: alguns métodos conseguem identificar a presença ou ausência de um princípio farmacêutico ativo (API), mas não conseguem quantificá-lo de forma fiável);

l distribuição irregular pelas categorias terapêuticas e regiões geográficas;

l disponibilidade limitada dos dados de prevalência ou económicos;

l inexistência de orientações metodológicas gerais que contribuam para a atribuição de impactos na saúde aos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados;

l exclusão de produtos médicos distribuídos e vendidos através do comércio eletrónico.

Uma limitação importante foi terem sido excluídos da revisão da literatura os estudos que se centravam exclusivamente em amostras adquiridas em lojas eletrónicas. Trata-se de uma lacuna em matéria de conhecimentos sobre o impacto de uma fonte de produtos médicos que não só é utilizada pelos consumidores e empresas dos países de elevados e médios rendimentos, mas que é também cada vez mais importante nos países de baixos rendimentos. Embora já se tenham realizado alguns estudos, é necessária mais investigação para se avaliar com rigor a dimensão deste problema que cresce rapidamente, sobretudo em termos da qualidade dos produtos que são oferecidos.

As estimativas feitas a partir dos inquéritos incluídos neste estudo podem ser usadas apenas enquanto fonte de informação que fornece um indicador da dimensão do problema. É necessária uma muito maior homogeneidade de protocolos dos estudos e investigação posterior para avaliar com maior precisão a ameaça que constituem os produtos médicos de qualidade inferior e falsificados.

Modelos de impactoNão foram conduzidas investigações suficientes que permitam aferir o impacto na saúde dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados. A OMS encomendou a elaboração de dois modelos, incidindo especificamente na pneumonia infantil e no paludismo na África Subsariana. Estes modelos foram elaborados para a OMS pela Universidade de Edimburgo (modelo para a pneumonia infantil) e pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (modelo para o paludismo na África Subsariana).

Ambos realçaram que os resultados podem sub-representar o verdadeiro impacto dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados no domínio das duas doenças, devido à ausência de dados exaustivos e à dificuldade em incluir todos os fatores de impacto num único modelo.

Os dois modelos, sintetizados abaixo, demonstram que é possível calcular o impacto dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados, mas fazê-lo requer cálculos sólidos da prevalência desses produtos, do fardo da doença e da gestão dos casos a nível dos doentes.

Modelo 1: Pneumonia infantilA OMS encomendou a uma equipa da Universidade de Edimburgo a investigação do impacto do uso de antibióticos de qualidade inferior e falsificados sobre o tratamento da pneumonia infantil. Este modelo oferece uma primeira estimativa do potencial impacto dos antibióticos de qualidade inferior e falsificados nas mortes por pneumonia de crianças menores de 5 anos.

A estimativa do impacto dos antibióticos de qualidade inferior e falsificados na mortalidade por pneumonia infantil considerou diferentes níveis de prevalência global dos antibióticos de qualidade inferior e falsificados usados no tratamento desta doença. A Tabela 3 sintetiza as estimativas para o aumento do número de mortes por pneumonia grave causadas por antibióticos de qualidade inferior e falsificados em níveis de prevalência de 1%, 5% e 10% (partindo do princípio que o uso de medicamentos de qualidade inferior e falsificados resulta num aumento que duplica ou quadruplica a taxa de mortalidade (TM)).

Tabela 3: Impacto dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados na pneumonia infantil

Prevalência de produtos de qualidade inferior e falsificados (%)

Número de mortes em excesso no cenário mais provável

(aumento duplicado da CFR)

Número de mortes em excesso num cenário alternativo

(aumento quadruplicado da CFR)

1 8 688 18 372

5 37 018 85 438

10 72 430 169 271

TM: taxa de morbilidade.

Com base numa prevalência de 10% de antibióticos de qualidade inferior e falsificados, este modelo estima que:

§ até 72 430 mortes por pneumonia infantil possam ser atribuídas ao uso de antibióticos de qualidade inferior e falsificados que reduziram a atividade antibiótica;

§ este número aumente para 169 271 o número de mortes, se os antibióticos de qualidade inferior e falsificados não atuarem.

O modelo completo especifica as limitações dos dados disponíveis e o método de modelização adotado.

Modelo 2: PaludismoA OMS encomendou a uma equipa da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres uma investigação sobre os custos para a saúde e para a economia dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados no tratamento de primeira linha de casos simples de paludismo por Plasmodium falciparum na África Subsariana.

A prevalência de antipalúdicos de qualidade inferior e falsificados baseou-se numa revisão da literatura sobre estudos da qualidade dos antipalúdicos na África Subsariana. A análise modelizou o impacto incremental da sua prevalência na eficácia do tratamento. O impacto para a saúde foi medido em termos de mortes e anos de vida ajustados por incapacidade e o impacto económico em termos de custos para o doente e para o prestador de cuidados de saúde relativos ao tratamento adicional e aos cuidados complementares devidos ao fracasso do tratamento inicial. A Tabela 4 sintetiza estas estimativas.

Tabela 4: Impacto na saúde e na economia causado pela reduzida eficácia dos produtos antipalúdicos de qualidade inferior e falsificados

Aumento do impacto sobre a saúde (mortes) Aumento do impacto sobre a economia (USD 2017)

Casos do WMR Casos da CHAI Casos do WMR Casos da CHAI

Caso base 72 000 (40 000 –98 000)

266 906 (147 000 –364 000)

$12 100 000 (6 700 000 –16 500 000)

$44 700 000 (24 800 000 –60 800 000)

Caso ajustado por CFR

31 000 (17 000 –43 000)

116 000 (64 000 –158 000)

$10 400 000 (5 800 000 –14 200 000)

$38 500 000 (21 400 000 –52 400 000)

TM: taxa de morbilidade.*RMP: Relatório Mundial do Paludismo; CHAI: Clinton Health Access Initiative (Iniciativa Clinton para o Acesso à Saúde)

Tanto para o caso base, como para o caso ajustado à TM, estima-se que o aumento do número de mortes na África Subsariana causadas por antipalúdicos de qualidade inferior e falsificados compreende:

§ aproximadamente 2,1% a 4,9% do total de mortes por paludismo, ou

§ aproximadamente 3,8% a 8,9% de mortes por paludismo referentes a doentes que procuraram tratamento.

O modelo completo especifica as limitações dos dados disponíveis e o método de modelização adotado.

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ESTUDO SOBRE O IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA SOCIEDADE E ECONOMIAdos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados

Principais áreas para reflexãoO estudo constitui um passo no sentido de uma melhor compreensão do impacto socioeconómico e em termos de saúde pública dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados (esquematizado na Fig. 1), mas há mais a fazer.

Fig. 1: Impacto dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados

ConclusãoEste estudo incidiu nos inquéritos publicados realizados entre 2007 e 2016 e aplicou critérios rigorosos à utilização dos dados públicos. Realçou as limitações, lacunas em termos de dados e a investigação adicional necessária para apurar com maior rigor o âmbito e dimensão do problema dos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados e dos danos que causam. No entanto, é evidente que estes produtos médicos representam uma ameaça muito significativa à saúde e comprometem a capacidade de tratar e prevenir doenças. Para completar este quadro, são necessários melhores sistemas de notificação e uma maior transparência dentro e entre os países, acompanhados do amplo e efetivo envolvimento das múltiplas partes interessadas, sector público e privado. Exigirá também a eliminação de entraves à partilha de informação, permitindo que uma análise e pesquisa de dados mais rigorosas possibilitem a identificação e resposta eficaz para as fragilidades, vulnerabilidades e medicamentos de maior risco.

É amplamente reconhecido que o investimento na saúde pública gera resultados eficazes em termos de custos e contribui para uma sustentabilidade mais alargada, com vantagens económicas, sociais e ambientais1. Os produtos médicos de qualidade inferior e falsificados estão disseminados e afetam todas as regiões, níveis de rendimento e categorias terapêuticas. Comprometem os investimentos nos sistemas de saúde, os esforços para reduzir o fardo das doenças e desperdiçam recursos preciosos.

A resposta da saúde pública a esta questão tem de ser reforçada, com as decisões políticas alcançadas a nível mundial a serem convertidas em ações no terreno. Isto requer recursos financeiros e humanos adequados. O reforço das capacidades e dos sistemas de regulação é um passo decisivo e um investimento sólido na preservação da produção, distribuição e abastecimento de produtos médicos.

Juntamente com o relatório do Sistema Mundial de Vigilância e Monitorização da OMS para os Produtos de Qualidade Inferior e Falsificados, espera-se que ambas as publicações sirvam de incentivo e constituam um argumento convincente para que os governos atribuam prioridade à prevenção, deteção e resposta aos produtos médicos de qualidade inferior e falsificados como um “bom investimento” na saúde.

1 The case for investing in public health: A public health summary report for EPHO 8. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2014 (http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0009/278073/Case-Investing-Public-Health.pdf).