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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELAC ¸ ˜ AO CARLOS PIRES 1. Introduc ¸˜ ao. 1.1. Primeiro, a f´ ısica. Para o cidad˜ ao comum um clima ser´ a quente, frio, chuvoso ou seco, enfim, dir´ a que o clima se refere ` as condi¸ oes meteorol´ ogicas m´ edias num certo local e esta¸ ao do ano, habitualmente sintetizadas num gr´ afico, o climograma, que apresenta a evolu¸ ao ao longo dos 12 meses do ano da temperatura e da quantidade acumulada de chuva. No entanto, a caracteriza¸ ao, a previs˜ ao, a mitiga¸ ao e eventualmente o controle do clima e de seus efeitos, exige uma defini¸ ao cient´ ıfica de clima muito mais rigorosa e formul´ avel ısica e matematicamente. Clima refere-se ao estado de um sistema f´ ısico que ´ e o sistema clim´ atico, sinteticamente apresentado na Fig. 1 e pela primeira vez definido em 1975 por um programa especial de investiga¸ ao da Organiza¸ ao Meteorol´ogica Mundial (OMM), o GARP (Global Atnospheric Research Programme). O sistema clim´ atico consiste na estreita camada exterior global do planeta englobando a crosta terrestre e o chamado geofluido constitu´ ıdo pelos oceanos e atmosfera, juntos com uma espessura acumulada inferior a 2 % do raio terrestre edio R = 6370 km. ` A escala planet´ aria trata-se de uma coroa esf´ erica fina, estratificada em profundidade, sujeita ` a acelera¸ ao grav´ ıtica g =9.81 m/s 2 , muito heterog´ enea em composi¸ ao e forma, com orografia e batimetria muito complexas. ´ E um sistema aberto que recebe potˆ encia luminosa do Sol, essencialmente na banda do vis´ ıvel e com valor m´ edio anual no clima atual de irradiˆancia S/4 = (1366 ± 1)/4 = 341.5 W/m 2 onde S ´ e a chamada constante solar (em unidades de potˆ encia por ´ area ou watts por metro quadrado), correspondente ` a irradiˆancia solar m´ edia direta na dire¸ ao perpendicular ` a superf´ ıcie. O fator 4 ´ e o coeficiente entre a ´ area da esfera e o disco terrestre iluminado perpendicularmente pelo Sol. A irradiˆancia ´ e vari´ avel espacial e temporalmente seguindo o ciclo diurno (dias e noites) e o ciclo anual (esta¸ oes do ano). Parte da radia¸ ao recebida ´ e refletida, 30 % em m´ edia, e reenviada ao esp¸ co exterior, principalmente por superf´ ıcies claras tais como gelos, desertos e topos das nuvens. O planeta em resposta, emite radia¸ ao infravermelha que em m´ edia, ao longo da ´ area do planeta e do ano terrestre, iguala a quantidade de energia recebida do Sol. Uma ´ ınfima fra¸ ao de fluxo energ´ etico, 10000 vezes menor que a irradiˆancia solar,´ e de origem geot´ ermica proveniente do manto terrestre. O movimento e suas causas ou seja a dinˆ amica, principalmente do geofluido e em escalas superiores a centenas de km ´ e fortemente condicionada pela rota¸ ao terrestre (com velocidade de 1667 km/h no equador) produzindo for¸ cas aparentes n˜ ao inerciais, respons´ aveis por exemplo pelas grandes circula¸ oes fechadas de ar em torno dos anticiclones e centros de baixa press˜ao na atmosfera. A velocidade de rota¸ ao condiciona pois o tipo de circula¸ oes e velocidade das atmosferas planet´ arias em rela¸ ao ` a superf´ ıcie, tal como na Terra, V´ enus ou outras atmosferas estudadas como a maior lua de Saturno, Titan. 1

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS

DA MODELACAO

CARLOS PIRES

1. Introducao.

1.1. Primeiro, a fısica. Para o cidadao comum um clima sera quente, frio, chuvoso ouseco, enfim, dira que o clima se refere as condicoes meteorologicas medias num certo locale estacao do ano, habitualmente sintetizadas num grafico, o climograma, que apresenta aevolucao ao longo dos 12 meses do ano da temperatura e da quantidade acumulada de chuva.No entanto, a caracterizacao, a previsao, a mitigacao e eventualmente o controle do climae de seus efeitos, exige uma definicao cientıfica de clima muito mais rigorosa e formulavelfısica e matematicamente. Clima refere-se ao estado de um sistema fısico que e o sistemaclimatico, sinteticamente apresentado na Fig. 1 e pela primeira vez definido em 1975 por umprograma especial de investigacao da Organizacao Meteorologica Mundial (OMM), o GARP(Global Atnospheric Research Programme). O sistema climatico consiste na estreita camadaexterior global do planeta englobando a crosta terrestre e o chamado geofluido constituıdopelos oceanos e atmosfera, juntos com uma espessura acumulada inferior a 2% do raio terrestremedio R = 6370 km. A escala planetaria trata-se de uma coroa esferica fina, estratificada emprofundidade, sujeita a aceleracao gravıtica g = 9.81 m/s2, muito heterogenea em composicao

e forma, com orografia e batimetria muito complexas. E um sistema aberto que recebepotencia luminosa do Sol, essencialmente na banda do visıvel e com valor medio anual noclima atual de irradiancia S/4 = (1366 ± 1)/4 = 341.5 W/m2 onde S e a chamada constantesolar (em unidades de potencia por area ou watts por metro quadrado), correspondente airradiancia solar media direta na direcao perpendicular a superfıcie. O fator 4 e o coeficienteentre a area da esfera e o disco terrestre iluminado perpendicularmente pelo Sol. A irradianciae variavel espacial e temporalmente seguindo o ciclo diurno (dias e noites) e o ciclo anual(estacoes do ano).

Parte da radiacao recebida e refletida, 30 % em media, e reenviada ao espco exterior,principalmente por superfıcies claras tais como gelos, desertos e topos das nuvens. O planetaem resposta, emite radiacao infravermelha que em media, ao longo da area do planeta e doano terrestre, iguala a quantidade de energia recebida do Sol. Uma ınfima fracao de fluxoenergetico, 10000 vezes menor que a irradiancia solar, e de origem geotermica proveniente domanto terrestre. O movimento e suas causas ou seja a dinamica, principalmente do geofluido eem escalas superiores a centenas de km e fortemente condicionada pela rotacao terrestre (comvelocidade de 1667 km/h no equador) produzindo forcas aparentes nao inerciais, responsaveispor exemplo pelas grandes circulacoes fechadas de ar em torno dos anticiclones e centros debaixa pressao na atmosfera. A velocidade de rotacao condiciona pois o tipo de circulacoes evelocidade das atmosferas planetarias em relacao a superfıcie, tal como na Terra, Venus ououtras atmosferas estudadas como a maior lua de Saturno, Titan.

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2 CARLOS PIRES

Figura 1. Representacao sintetica do sistema climatico terrestre, seus subsis-temas e variacoes das suas interfaces bem como dos fluxos de massa, energiae forcas representando as varias interacoes internas e forcamentos externos.Reproducao com autorizacao da Cambridgee University Press da Figure 1 de‘Climate Change 2007: The Physica Science Basis. Working Group I Contri-bution to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel onClimate Change, FAQ 1.2’

A modelacao fisico-matematica do sistema climatico e extremamente complexa, difıcil einterdisciplinar quando tomada na globalidade das suas componentes, exigindo a interacaocontinuada entre o desenvolvimnto teorico fısico, a modelacao matematica e a sıntese deobservacoes. Ha ainda problemas mais ou menos fundamentais e incertezas em qualquer umadessas vertentes, o que justifica o termo ‘aventura’ usado no tıtulo deste ensaio. Um delese mesmo problema do milenio em matematica: a existencia, unicidade e regularidade desolucao das equacoes de Navier-Stokes da mecanica dos fluidos, especialmente em condicoesde turbulencia que tanto se observa na atmosfera como no oceano (ver em https://en.

wikipedia.org/wiki/Millennium_Prize_Problems).A formulacao fısica do sistema climatico e essencialmente caracterizada por quantidades

fısicas, variaveis no tempo e no espaco que sao transferidas entre os varios subsistemas comode vasos comunicantes se tratasse, chamando-se genericamente a isso de fluxos de variaveisextensivas, i.e. somaveis em massa. Fluxos de massa com diversas composicoes quımicas e

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fases (solida, lıquida ou gasosa) sao caudais; fluxos de quantidade de movimento (massa vezesvelocidade) sao forcas que podem ser de pressao ou atrito ou entao propulsoes (quantidadede movimento transportada pela massa); fluxos de energia (e.g. cinetica, interna associadaa temperatura, potencial, etc.) podem ser radiacao luminosa constituıda por desde os raiosultra-violeta e da banda do visıvel provenientes do Sol aos da banda do infra-vermelho emitidospela Terra; podem ser conducao de calor, e ainda pode a energia ser transportada pela massaem movimento. Cada uma destas quantidades satisfaz a uma equacao de balanco em que seiguala uma taxa de variacao temporal a soma algebrica dos fluxos nas superfıcies ou linhas defronteira. As fronteiras poderao ser bem determinadas ou sujeitas a aleatoriedade, constantesou variaveis no tempo (e.g. a interface oceano-atmosfera), suaves ou fracionadas (e.g. aestrutura quase fractal das linhas de costa).

O sistema climatico e espacialmente muito heterogeneo incluindo desde subsistemas muitovastos em volume (e.g. os oceanos e a atmosfera), outros essencialmente com uma geometriaplana (e.g. a cobertura de neve sazonal), outros ainda muito ramificados com geometriasfractais (e.g. as bacias hidrograficas), outros ao longo de uma linha (e.g. um rio) e finalmenteos ultimos quase pontuais em relacao a escala planetaria como um pequeno lago. De ummodo geral, quanto menor for a extensao espacial de cada componente, mais rapidas seraoas variacoes da sua composicao e das suas propriedades fısicas, ou seja, menor sera a suainercia mecancia, termica e quımica, ou seja ainda, menor sera a resiliencia e portanto maiora sua vulnerabilidade face a alteracoes naturais ou de natureza antropogenica com efeitos jamodelados ou nao. Vigorando pelo menos o princıpio da prevencao, tal justifica o imperativode tratados como os de Rio de Janeiro (1992) e Kyoto (1997) sobre as emissoes de gasescom efeito de estufa, provocador do aquecimento global, cientificamente mostrado pelo IPCC(Intergovernmental Panel on Climate Change) que publica a cada seis anos um vasto relatoriocom as ultimas observacoes e novos conhecimentos sobre mudanca climatica, o quarto em 2007,prevendo-se o proximo para 2013.

O sistema climatico exibe tambem uma enorme multiplicidade de comportamentos, pro-cessos e mecanismos com tempos de vida, perıodos ou escalas temporais muito diferentes quevao desde segundos (e.g. os pequenos redemoinhos de ar ou agua em torno de objetos, vul-garmente tambem acompanhados de irregularidades do movimento, a turbulencia), passandopor dias ou semanas (e.g. os anticiclones e as baixas pressoes descritas nos boletins mete-orologicos), meses ou anos (e.g. secas), seculos (e.g. a pequena idade do gelo que ocorreudo seculo XVII ao XIX devido ao mınimo de Maunder da atividade solar), milenios (e.g.alteracoes na circulacao profunda do oceano), dezenas a centenas de milhares de anos (e.g.alteracoes cıclicas das caracterısticas da orbita terrestre, os chamados ciclos de Milankovitch),milhoes de anos (e.g. alteracoes da atividade vulcanica e da composicao atmosferica) ate de-zenas ou centenas de milhoes de anos (e.g. alteracoes climaticas devido a deriva continentaldas placas tectonicas). ocorrem recorrentemente situacoes catastroficas de origem externacomo grandes colisoes de meteoritos provocando alteracoes brutais do clima e extincoes emmassa, ou entao transicoes mais ou menos abruptas e intrınsecas do sistema (analogamenteao desencadear de uma avalanche de neve na montanha) que ja levaram por diversas vezes aclimas torridos, provavelmente durante o perıodo geologico do Cretaceo (145 Ma - 65 Ma bp) eque permitiram o desenvolvimento de grandes seres vivos como dinossauros ate climas globaisglaciais em que grande parte da Terra esteve coberta de neve (Snowball) como e evidenciadonas paleolatitudes tropicais por indicadores climaticos indiretos (proxies climaticos), reveladospela composicao isotopica do oxigenio 18 em microfosseis estratigraficamente enterrados nos

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fundos oceanicos e que pela qual e possıvel inferir a evolucao da temperatura media global aolongo de milhoes de anos, tratando-se de um dos mais fiaveis paleo-termometros disponıveis.

Muito para la desta introducao, podem encontrar-se excelentes manuais de climatologia,dinamica do clima com uma descricao fısica espacio-temporal detalhada de uma panoplia devariaveis climaticas (McGuffie e Henderson-Sellers, 2005 [12]; Saltzman, 2005 [18]; Neelin,2011 [13]; Warner, 2011 [24]; Stocker, 2011 [22]), nao esquecendo o compendio ‘Physics ofClimate’ [15] publicado em 1992 pelo famoso climatologista portugues Jose Pinto Peixoto,postumamente homenageado em estatua no relvado da FCUL.

O estudo do clima e uma disciplina multi e interdisciplinar exigindo interacao de conheci-mento e entendimento de linguagem entre a meteorologia, oceanografia, hidrologia, planetolo-gia, ecologia, glaciologia, geofısica, engenharia do ambiente alem de outras ciencias aplicadas.Tal e de uma importancia decisiva para os humanos ja que estes sao como ‘habitantes abissais’da atmosfera vivendo numa interface onde ocorrem dos mais extremos e viloentos fenomenosclimaticos.

O acoplamento entre modelos matematicos de diferentes subsistemas climaticos com juncaode um numero crescente de mecanismos fısicos bem como a producao de longas simulacoesnumericas desses modelos para diferentes condicoes passadas, presentes e futuras do planeta,a reanalise e sıntese de observacoes passadas (com vista a minimizar erros), a disponibilidadecrescente de observacoes atnosfericas, oceanograficas, de superfıcie, locais e remotas (e.g.por satelites meteorologicos) e seu melhorado tratamento (assimilacao de dados), . . . , todosestes fatores tem contribuido para uma visao mais integrada do clima no sentido de obtermodelos da Terra, os chamados Earth-models, que consigam obter, com o mesmo codigode programacao, quer previsoes meteorologicas e oceanograficas a curto-medio prazo (dias asemanas), quer simulacoes de clima antigo (paleoclima), quer previsoes de clima futuro nosproximos 100 anos com prescricao de cenarios possıveis de desenvolvimento industrial-socio-economico-demografico, deduzidos do SRES (Special Report Emissions Scenarios do IPCC),quer ainda simulacoes em resposta a acoes humanas (e.g. emissoes de clorofluorcarbonetos -CFCs, desastres radioativos). Os novos Earth-models utilizam um novo paradigma de previsao‘sem costuras’, (Seamless Prediction Paradigm), apresentado originalmente por Hurrell et al.(2009). A sua implementacao numerica e validacao sao extremamente complexas, caras edemoradas, lancando desafios para a criacao de novos algoritmos mais eficazes, estaveis eotimizados em recursos computacionais.

1.2. Clima, interacao de escalas e retroacao. Uma definicao utilitaria de clima (Glossaryof Meteorology, American Meteorological Society, 1986), e a seguinte: distribuicao estatısticae momentos estatısticos (medias, variancias, etc.) das condicoes meteorologicas num certolocal durante um perıodo de tempo, usualmente algumas decadas (30 anos conforme espe-cificado pela OMM). Tal corrobora a citacao de Mark Twain (1835-1910), “Climate is whatwe expect, weather is what we get”. A distribuicao estatıstica climatica permite determinarprobabilidades e valores medios de certos ındices climaticos (e.g. numero de noites tropi-cais, tecnicamente aquelas cuja temperatura mınima esta acima de 20C, durante os mesesde verao; numero de tornados e furacoes acima de certa intensidade) bem como tempos deretorno de eventos meteorologicos extremos de escala temporal inferior a climatica (e.g. vagasde calor e de frio).

Uma resposta cada vez mais completa sobre o clima e fornecida pelos Earth-models. Oclima e na verdade feito de ‘tempo meteorologico’ (weather), mas tambem e necessario “dartempo ao clima” antes de julgar uma variacao climatica. Dirıamos entao “o clima e feito de

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tempo mas com tempo”. O clima e funcao do efeito cooperativo de escalas temporais menores,desde dias a poucos anos e portanto e um problema de interacao de escalas que tal como oda turbulencia, anteriormente citado, nao tem ainda uma solucao bem determinada, dandoaso a experimentacao e portanto a aventura arriscada por varios paradigmas de modelacaomatematica.

A dinamica do clima, envolvendo escalas temporais acima de algumas decadas, pode serpouco intuitiva quanddo analisada a escala de uma vida humana e porrtanto tem de sermuito apoiada por observacoes indiretas atraves de proxies climaticos ou assinaturas do climapassado, uma especie de geocaching natural (e.g. sedimentos oceanicos e lagunares, aneisde arvores, corais, bolhas de ar retidas nos gelos). Estas observacoes tem de ser sujeitas acuidadoso e detetivesco tratamento estatıstico e interpretacao, distinguindo o sinal climaticode ruido climatico - as variacoes naturais rapidas bem como eventuais catastrofes, estragose alteracoes provocadas por agentes exteriores, o que consiste num problema muito caro aosclimatologistas que e a homogeneizacao das series temporais.

Na verdade, um fator que possa ser relevante e ate desconhecido a escala de dias podetornar-se decisivo a escala de dezenas a milhares de anos devido ao seu efeiro cumulativo (e.g.a emissao do gas-de-efeito-de-estufa metano pelas chamines das termiteiras africanas durantedecadas).

Expliquemos agora a genese da interacao entre escalas e sua modelacao. Comecemos comalgumas nocoes de fısica. Os processos de escala molecular contribuem para o estado mi-croscopico da materia, digamos a escala de micrometros (µm) e para a sua evolucao ao longodo tempo, observavel por instrumntos de medida. A caracterizacao do estado instantaaneo elocal da materia a escala microscopica apela a conceitos fısicos fenomenologicos tais como osde densidade, temperatura, pressao, atrito, conducao de calor, solubilidade, difusao luminosa,resistencia eletrica entre outros, cuja formulacao e objeto de campos da fısico-quımica como atermodinamica fısica e quımica, a fısica estatıstica, a mecanica dos meios contınuos e o eletro-magnetismo. Por exemplo, a temperatura num fluido (lıquido ou gas) nao e mais que uma me-dida da energia cinetica de agitacao das moleculas, as quais, por exemplo no ar em condicoesnormais no interior de casa e mesmo a frente do nosso nariz, poderao atingir velocidadesindividuais de centenas de km/s sendo a velocidade media muito menor quando observadanuma chamada partıcula de fluido (quantidade de fluido, com extensao de 1µm abarcando∼ 108 − 1010 moleculas no ar a PTN). Essa baixa velocidade e devida a compensacao entrevelocidades contrarias decorrentes dos bilioes de colisoes moleculares na partıcula de fluidodurante o perıodo de tempo caracterıstico desta (microssegundos). Esta abstracao teorica, achamada hipotese do continuum, consiste em admitir a existencia de pequeninas quantida-des microscopicas de materia em movimento e em deformacao, as quais se podem aplicar asleis da fısica e da quımica. Em conjunto, estas novas partıculas formam os chamados meioscontınuos. A materia passa assim a asssumir um caracter contınuo em vez de corpuscular(molecular), permitindo a utilizacao bem-sucedida de um dos maiores paradigmas de mo-delacao matematica desenvolvido por Newton e Leibnitz no seculo XVII, o calculo diferenciale integral.

Na natureza, as varias escalas de fenomenologia nao sao estanques entre si havendo aoinves uma interacao fısica ubıqua entre escalas inferiores, quer de tempo quer de espaco, eescalas superiores atraves de transferencia de energia, alem de outras quantidades fisicamentesomaveis. Alem da interacao entre escalas da-se a redistribuicao espacial da energia e damassa em estruturas espacio-temporais mais ou menos coerentes (e.g. um redemoinho ouvortice de vento na atmosfera). O efeito cooperativo das escalas inferirores pode resultar no

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surgimento (ou emergencia), por vezes espetacular, de fenomenos a escalas maiores. Sao-nopor exemplo as manifestacoes macroscopicas da mecanica quantica tais como a superfluidez(viscosidade nula num fluido) e supercondutividade (resistencia nula num condutor). Umfenomeno cooperativo de grande subtileza em meteorolgia e portanto relevante para o clima eainda com muitos segredos, sao justamente as nuvens e a ocorrencia de chuva ou precipitacao.Na verdade as pequenas gotas precipitaveis que atingem o solo iniciaram a sua vida atravesde um longo processo microfısico de condensacao de vapor de agua em torno de partıculasde sal ou poeiras (aerossois) com tamanhos apropriados da ordem de 0.2µm (os nucleos decondensacao das nuvens), a que se seguiu um processo de ‘engorda’ das gotas por colisao ecoalescencia com gotıculas menores de agua lıquida. Este mecanismo de precipitacao nao eno entanto o unico possıvel.

E impossıvel resolver as equacoes do movimento para todas as moleculas (escala molecular)para daı avaliar o comportamento medio de sistemas em escalas macroscopicas de interessea escala humana. Desse modo, para modelar matematicamente a descricao e evolucao deum sistema fısico a uma certa escala e necessario explicitar no modelo o efeito medio dasinteracoes com as escalas menores nao resolvidas (dias de subescala), alem do forcamento,i.e. interacao com escalas temporais maiores. Por exemplo, num modelo do clima atual oforcamento de escalas temporais superiores e tomado como algo constante. E-o, por exemplo,a distribuicao presente dos continentes, as caracterısticas atuais da orbita de translacao erotacao terrestre, a atividade vulcanica media atual entre outros. Todavia, num modelodinamico de paleoclimatologia que pretenda estudar a evolucao dos climas a escala de milhoesde anos, os referidos forcamentos sao eles proprios variaveis.

Em muitas situacos fısicas, mas nao so como tambem na ecologia, sociologia e economia, aformulacao do efeito medio das interacoes de subescala nao e um problema com uma solucaobem determinada por um algoritmo finito. Uma das razoes para tal reside na nao-linearidadeda dinamica dos sistemas em que o valor futuro de uma variavel quantitativa e uma funcaonao linear do valor presente (e.g. a potencia quadratica ou cubica desse valor). Nesse tipode dinamicas, a evolucao do valor da referida quantidade numa certa escala, obtida comomedia temporal e espacial num perıodo e num espaco caracterıstico dessa escala, depende demomentos estatısticos de ordem superior (e.g. ordem dois, como as variancias dos valoreslocais e instantantaneos de subescala). Esses momentos evoluem em funcao de momentosestatısticos de ordem ainda maior e assim sucessivamente sem fim. Portanto assiste-se emqualquer momento da formulacao a um problema subdeterminado com a presenca de maisincognitas (ou momentos estatısticos) que equacoes. Para tornar o problema determinado,ou seja, para resolver o problema do fecho, e necessario incluir algumas condicoes, necessari-amente sujeitas a certas hipoteses. Existem diversas formas genericas de fecho das equacoes.A primeira e a expressao dos momentos estatısticos superiores como funcao bem determi-nada (determinista) de valores medios a escala resolvida e de coeficientes empıricos (magicnumbers) avaliados experimentalmente; por exemplo exprimindo uma covariancia entre velo-cidades como funcao da velocidade media ou do seu gradiente. Este tipo de fecho denomina-sena gıria meteorologica por ‘parametrizacao da subescala’ e e usada em inumeros modelos decirculacao geral da atmosfera (GCMs - General Circulation Models). Um exemplo difıcil eo da parametrizacao do efeito coletivo dos varios tipos de nuvens sobre a radiacao visıvel einfra-vermelha a escala resolvida dos modelos de previsao, da ordem de dezenas a milhares dekm. A segunda forma de fecho, hoje em dia testado em alguns GCMs e a ‘fısica estocastica’em que o efeito de subescala e dado como um processo aleatorio variavel ao longo do tempo

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(estocastico), seguindo uma certa distribuicao estatstica. Outra abordagem e a dos multi-fractais em que a variancia associada a hierarquia de escalas espacio-temporais segue uma leigenerica, funcao de fatores de escala e de um conjunto de expoentes, entre eles a dimensaofractal. Finalmente uma quarta abordagem, mais marginal, recorre a um quarto princıpio datermodinamica (ainda nao demonstrado com toda a generalidade), validado em inumeras si-tuacoes na natureza: o ‘princıpio da maxima producao instantanea de entropia’ e que conduza parametrizacoes objetivas nao ad hoc do efeito de subescala.

Para alem da representacao dos efeitos de subescala ha ainda outra dificuldade na for-mulacao dos modelos de clima. A dinamica do clima e tao complexa que muito plausivel-mente havera variaveis relevantes que ainda nao foram descortinadas (variaveis escondidas),nao constando do conjunto de variaveis do modelo. Alem disso, para compreender certosaspetos do clima nao e necessario nem possıvel usar os modelos state of the art, havendo querecorrer a modelos mais ou menos simplificados (mas nao simplistas), restringindo proposita-damente as variaveis climaticas a um certo subconjunto por uma questao de simplicidade eparcimonia (Occam razor) do modelo. Nesses modelos simplificados assiste-se ao problema derepresentar o efeito sobre as variaveis modeladas ou explıcitas, quer das variaveis escondidas(ate dos state-of-the-art-models), quer das variaveis intencionalmente eliminadas do modelo.Chamemos a ambas ‘variaveis implıcitas’. Tal leva-nos ao problema da modelacao da re-troacao, realimentacao ou feedback, extremamente importante em clima. Passemos a fornecero rationale da retroacao que e basicamente o efeito que variaveis implıcitas tem na dinamicadas variaveis explıcitas.

Consideremos entao para simplificar que u(t) e v(t) sao duas variaveis climaticas dependen-tes do tempo t, interagindo dinamicamente entre si, o que significa que a evolucao temporalde cada uma depende dela propria e da outra. Uma forma possıvel de representar essa de-pendencia consiste em admitir que o par (u(t), v(t)) e regido por um sistema de equacoesdiferenciais ordinarias no tempo:

(1)du

dt= F (u, v, S) ;

dv

dt= G(u, v, S)

onde F e G sao certas funcoes de u, v e de um parametro externo constante S (e.g. a constantesolar), independente de u, v. O sistema acima denomina-se sistema dinamico autonomo comvetor de estado de componentes (u, v) e parametro de bifurcacao S. Esta formulacao consistenum dos paradigmas mais poderosos da modelacao matematica, transversalmente usado emmuitas ciencias. O espaco enquadrado por (u, v) e o espaco de fases do sistema dinamico,neste caso um plano, com dimensao dois. A solucao (u(t), v(t)) satisfaz o sistema de equacoesem todos os instantes t sendo unicamente funcao de S e da chamada condicao inicial, ou seja,(u(t0), v(t0)) num certo instante inicial t0. A evolucao de (u(t), v(t)) ao longo do tempo etotalmente caracterizada por uma trajetoria ou orbita cuja velocidade no espaco de fases etangente ao vetor (F,G). A totalidade das orbitas ou retrato de fases, variavel conforme ovalor de S, caracteriza a dinamica e portanto todos os possıveis comportamentos do sistemadinamico.

Admitamos que a evolucao dita real, u(t), pretende ser aproximada pela de um modelosimplificado, de tipo sistema dinamico em que figure apenas a variavel explıcita u, tornando-se assim v numa variavel implıcita. O fecho do modelo exige representar v por alguma funcaov = h(u) que estabelece uma retroacao no sentido em que u condiciona v atraves de G, quepor sua vez retroage sobre u atraves de F . Representa-se por u∗ a variavel u governada pelo

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8 CARLOS PIRES

modelo restrito

(2)du∗

dt= F (u∗, h(u∗), S) = F ∗(u∗, S) .

A funcao h deve ser escolhida de modo a ser fisicamente explicavel alem de produzir umasolucao u∗(t) que se aproxime o melhor possıvel da solucao u(t) do modelo completo. Naoexiste uma expressao geral para h em funcao de F e G, havendo por isso uma certa arbitrarie-dade na sua escolha. Alem disso, poderao existir mais variaveis implıcitas do tipo v e portantomais feedbacks, bem como mais variaveis explıcitas do tipo u e, nomeadamente, poderao serambas dependentes da posicao no espaco, ou seja serem campos espaciais. Genericamentepodem formular-se varios tipos de feedbacks, com exemplos conhecidos em dinamica de clima.Assim, a relacao que fornece v em funcao de u pode ser: a) determinista ou estocasticase respetivamente v = h(u), ou seja, v e uma variavel escrava (slave variable) de u ou sev = h(u,w) onde w e uma variavel aleatoria; b) linear ou nao linear se, respetivamente, v seescreve ou nao na forma v = h(u) = au + b com a, b constantes; c) local ou a distancia se, narelacao, u e v se referem ao mesmo local ou estao separados (teleconectados) por um certovetor deslocamento; d) simultaneos ou com atraso se u e v sao tomados no mesmo instanteou estao temporalmente desfasados.

Uma certa solucao u∗(t) do modelo (2) e uma representacao possıvel da evolucao do sis-tema climatico real (a natureza), sendo os valores instantaneos o comportamento transiente,com uma escala tıpica τt equiparavel ao tempo atmosferico a escala diaria, enquanto que adistribuicao u∗(t) e suas estatısticas (media, variancia, etc.), avaliadas numa escala climaticaequivalente τc ≫ τt, consiste no clima do modelo. A diferenca entre essas estatısticas e asequivalentes avaliadas na natureza consiste no vies clmatico do modelo, o qual e desejavelque seja o mınimo possıvel. No ambito do sistema dinamico (2), clima e o valor assintoticode u∗(t), ou seja, um ponto fixo estavel u∗

S no qual, por definicao, F (u∗S , h(u∗

S), S) = 0. Apequena perturbcao δu∗(t) = u∗(t)−u∗

S em torno de u∗S satisfaz o modelo linearizado tangente

de (2), cuja solucao e δu∗(t) = δu∗(0) exp (−t/τrel) onde o tempo de relaxacao para a solucao

e τrel = −[

∂F ∗

∂u∗(u∗

S , S)]−1

> 0 dada a estabilidade do referido ponto fixo. Na seccao seguinte,damos um exemplo em que u e a temperatura media global e S e a constante solar, variandomuito lentamente numa escala temporal τS ≫ τc ≫ τrel sendo o clima u∗

S o de cada instanteclimatico.

Uma pequena alteracao δS do parametro externo conduz a uma alteracao do valor climaticoδu∗

S , tal que F se mantem nulo. Desse modo, diferenciando-se tem-se,

(3) δu∗S =

δu∗S(nf)

(1 − f)≈ δu∗

S(nf)(1 + f) ; δu∗S(nf) = −

∂F

∂S

/

∂F

∂uδS ; f = −

∂F

∂h

dh

du

/

∂F

∂u,

para |f | pequeno, onde δu∗S(nf) e a alteracao climatica na ausencia de feedback (f = 0), ou seja,

sem a retroacao da variavel implıcita v sobre a variavel explıcita u. O feedback ou retroacao epositiva se |δu∗

S | > |δu∗S(nf)|, ou seja f > 0, havendo uma amplificacao da resposta climatica,

e negativo se f < 0.Na pratica a avaliacao correta do fator de feedback f , ou da soma de feedbacks, uns positivos,

outros positivos, e decisiva para a avaliacao correta das alteracoes climaticas face a variacoesde parametros externos (e.g. caso em que S e a concentracao media dos gases de efeito deestufa). A ilustracao usual da realimentacao climatica, inspirada na simbologia da eletronicae dada pela Fig. 2, em que o sinal externo ou input (δS), produzindo a resposta climatica

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 9

imediata, u∗S(nf) e amplificada e convertida no output climatico δu∗

S por via da realimentacao

fδu∗S a entrada do amplificador.

Figura 2. Esquema de feedback positivo (f > 0) e negativo (f < 0). Arealimentacao e somada a entrada do sistema.

Descrevamos dois, entre os inumeros exemplos de realimentacao climatica e suas cadeiascausais tomando como variavel explıcita u, a temperatura global a superfıcie da Terra.

Realimentacao positiva gelo-albedo: Admitamos uma causa externa de arrefecimento (e.g.ocorrencia de Sol fraco ou menor irradiacao solar), provocando um abaixamento de tempe-ratura a superfıcie δu∗

S(nf) < 0. Tal implicara o aumento da cobertura gelada terrestre e por

sua vez, o aumento da reflexividade ou albedo (fracao de luz refletida) da radiacao visıvel.Consequentemente havera uma menor importacao de radiacao solar pela superfıcie e, comotal, um arrefecimento agravado desta, ou seja, |δu∗

S | > |δu∗S(nf)| e uma realimentacao positiva

f > 0. De forma dual, um aquecimento originara o ‘destapar’ de mais oceano, especialmentedo boreal o qual tem um albedo inferior ao da media do planeta (∼ 30%).

Realimentacao negativa nebulosidade-albedo: Um aquecimento forcado (δu∗S(nf) > 0), pro-

vocara maior evaporacao e aumento da fracao planetaria coberta de nuvens (nebulosidade)refletindo maior quantidade de luz solar nos seus topos, impedindo que esta atinja a superfıcielevando a menor aquecimento ou seja |δu∗

S | < |δu∗S(nf)|, donde a realimentacao negativa f < 0.

1.3. Hierarquia de complexidade dos modelos climaticos. Descrevemos atras o sig-nificado das parametrizacoes das escalas nao representadas nos modelos e dos feedbacks deprocessos climaticos implıcitos que sao relevantes sobre as variaveis modeladas explicitamente.Tal permite-nos identificar os dois fatores de complexidade dos modelos matematicos do sis-tema climatico: 1) o detalhe de descricao ou a quantidade de escalas espacio-temporais re-presentadas e 2) a quantidade de processos e variaveis interatuantes do modelo. Menor e acomplexidade dos modelos, menor sera a sua exigencia em meios computacionais. Os modelosdisponıveis atualmente sao modelos conceptuais ou de baixa ordem (low order models) e saodescritos por um numero muito reduzido de variaveis fısicas, (e.g. temperatura, coberturagelada, quantidade de gases de efeito-de-estufa), dependentes do tempo e tomados em mediaglobal (0D: zero dimensoes), ou com dependencia numa variavel espacial (1D: uma dimensao)em latitude (sequencia de bandas zonais) e/ou altitude (camadas). Estes modelos exigem umaforma muito sintetica das retroacoes e do efeito de subescala e destinam-se a compreensao de

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10 CARLOS PIRES

processos climaticos e da sua dependencia ao longo do espaco de parametros. Deles fazemparte os EBMs (Energy Balance Models) que exprimem a temperatura media a superfıcieem funcao das, mas nao exclusivamente destas, importacoes e exportacoes de energia radi-ante [2] [21], pretendendo explicar por exemplo a alternancia entre idades do gelo e perıodosinterglaciais quentes a escala de centenas de milhar a milhoes de anos.

Uma segunda classe de modelos sao os EMIC (Earth Models of Intermediate Complexity)que tem resolucoes espaciais muito baixas de cada componente do sistema climatico (e.g.modelos de 2 ou 3 camadas da atmosfera e do oceano) interagindo entre si, alem de repre-sentacoes estilizadas dos continentes, orografia mundial e bacias oceanicas (ver lista exaustivaem tabela 4.1 de [12]). Estes modelos destinam-se a simular centenas a milhares de anos emcondicoes passadas (e.g. alteracoes das correntes oceanicas e de condicoes fisiograficas).

Os modelos da terceira classe tem resolucao espacial muito elevada incluindo multiplosprocessos e destinam-se a previsao atmosferica diaria a curto prazo, ate alguns dias; sao oschamados AO-GCMs (Atmospheric-Ocean General Circulation Models). Um exemplo e domodelo global operacional do ECMWF (European Centre for Medium-Range Weather Fore-cast) com resolucao espacial em 2013 de ∼ 16 km (distancia entre pontos de grelha) e umadiscretizacao vertical de 91 nıveis. A previsao necessita a montante do estabelecimento, como maior rigor possıvel, das condicoes iniciais do modelo (valores das variaveis no momentozero de uma dada previsao), que e obtido por combinacao de observacoes (e.g. satelitesmeteorologicos, radio-sondagens, etc. ) e das previsoes meteorologicas mais recentes, todaspesadas pela respetiva precisao. Tal consiste num processo correndo em tempo real e necessa-riamente muito robusto, que e a assimilacao de dados, juntamente com a aquisicao e controlede qualidade das observacoes meteorologicas (Integrated Forecasting System).

Finalmente, o quarto tipo de modelos, os Earth-models, recorrem a Seamless Predictione consistem no acoplamento dos modelos state-of-the-art de cada componente (atmosfera,hidrosfera, solos, biosfera, criosfera, socio-economia) com os quais e feita simulacao e pre-visao climatica por dezenas e centenas de anos. A enorme exigencia computacional envol-vida exige multiprocessamento em milhares de CPUs e consorcios envolvendo dezenas deinstitutos de investigacao (e.g. EC-EARTH Consortium: https://verc.enes.org/models/earthsystem-models/ec-earth)

Uma vez explicada a complexidade da simulacao e previsao do sistema climatico, apresen-tamos nas seccoes seguintes uma pletora de modelos simples e abordagens dando destaqueaos aspetos matematicos e paradigmas de modelacao. Havera lugar para campos da ma-tematica tao distintos como sistemas dinamicos e seu tratamento qualitativo, com a presencade caos determinista e atratores, teoria das bifurcacoes, equacoes diferenciais estocasticas,equacoes diferenciais com atraso, analise funcional, processos estocasticos, equacoes boolea-nas com atraso, estatıstica, teoria das probabilidades, teoia da informacao e redes funcionaiscomplexas.

2. Modelacao climatica com sistemas dinamicos

2.1. Perıodos glaciais, bifurcacoes e biestabilidade climatica. Um dos modelos con-ceptuais mais simples e o modelo de balanco de energia regido por uma unica variavel dinamicaT (t), a temperatura media a superfııcie do planeta em funcao do tempo t, e escreve-se naforma de uma equacao diferencial ordinaria, neste caso um sistema dinamico autonomo:

(4)dT

dt=

[

µS0

4C(1 − α(T ))

]

[

σT 4

C

]

+

[

Eatm(T )

C

]

= F (T, α(T ), Eatm(T ), µ)

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 11

Figura 3. Posicao no plano detalhe/quantidade de processos, dos varios tiposde modelos climaticos de progressiva complexidade.

onde os termos entre parenteses retos sao forcamentos (em Kelvins por segundo: Ks−1), as-sociados respetivamente (da esquerda para a direita) a irradiancia visıvel solar, a irradianciainfravermelha enviada pela superfıcie (irradiando como corpo negro) e a irradiancia infra-vermelha Eatm, proveniente da atmosfera sobrejacente. Na equacao tem-se a constante deStefan-Boltzman σ = 5.67× 10−8 Wm−2K−4, a constante solar atual S0 = 1361 Wm−2 que emultiplicada por um parametro de bifurcacao µ avaliando o forcamento solar a escala climatica(µ = 1 no presente climatico); C e a capacidade termica areolar media da camada superficial.Por exemplo, num acquaplanet (planeta totalmente coberto de agua lıquida, suscetıvel degelar em parte), tal corresponde a camada de mistura turbulenta do oceano com cerca de 70m de espessura, correspondente a C = 2.93 × 108 JK−1m−2.

Na terminologia da equacao dos feedbacks (2), a equacao (4) exibe uma variavel explıcitau = T e duas variaveis implıcitas (v): o albedo medio planetario α(T ) e a irradiancia descen-dente Eatm(T ) vinda da atmosfera. A dependencia de α(T ) na temperatura traduz o feedbackpositivo gelo-albedo atraves de uma funcao contınua, seccionalmente linear e decrescente(Ghil, Childress, 1987):

(5) α(T ) =

αi = 0.7 , se T 6 Ti = 263 K = −10 C

αi − k(T − Ti) , se Ti 6 T 6 Tw

α(T ) = αw = 0.3 , se T > Tw = 283 K = 10 C

onde αi e o albedo medio de planeta totalmente coberto de neve (Snowball), verificado paratemperaturas inferiores a Ti, αw e o albedo medio de um acquaplanet lıquido, observado paratemperaturas acima do ponto de fusao da agua (0 C). A taxa de decrescimo do albedo com odegelo e k = (αi−αw)/(Ti−Tw) = 0.02 K−1. Calculos simples levam ao coeficiente de feedbackfgelo-albedo = (S0k)/(16σT 3) = 1.26 para T = 288 K = 15 C que e a temperatura media atual

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12 CARLOS PIRES

da superfıcie terrestre. A dependencia da irradiancia Eatm(T ) na temperatura, traduz ofeedback positivo devido ao efeito de estufa ou seja, ao facto de a temperatura da superfıcieser superior a temperatura de equilıbrio radiativo num planeta com atmosfera. Calculos nummodelo a duas camadas com atmosfera emitindo como corpo negro levam a Eatm(T ) = mσT 4

com m = 0.5 sendo o respetivo coeficiente de feedback fefeito-de-estufa = 1−m = 0.5. Os valorestıpicos de T centram-se em torno de T0 = 273 K = 0 C. Assim, tomando a aproximacao deTaylor de primeira ordem de (4) em torno de T0, obtem-se o modelo aproximado

(6)dT

dt=

[

µS0

4C(1 − α(T ))

]

[

A

C+

B

C(T − T0)

]

≡ F ∗(T, µ) = −∂U(T, µ)

∂T

onde intervem as constantes A = (1 − m)σT 4, B = 4(1 − m)σT 30 . Sellers no seu trabalho

original [21], usando dados empıricos chega a A = 203.3 Wm−2 e B = 2.09 Wm−2K−1 queusaremos aqui. A dinamica da temperatura e comandada pelo potencial U(T, µ), em K2s−1,seccionalmente de classe C2 na forma:

(7) U(T, µ) = −

∫ T

0F ∗(x, µ) dx = −r1T + r2T

2 − r3r4(T )

com constantes positivas

r1 = (1 − αi)µS0/(4C) − A/C + (B/C)T0 ,

r2 = B/(2C) ,

r3 = µS0/(4C) ,

e a modulacao

(8) r4(T ) =

0, se T 6 Ti ,

k/2(T 2 − T 2i ), se Ti 6 T 6 Tw ,

k/2(T 2w − T 2

i ) + αw(T − Tw), se T > Tw .

Intuitivamente, a temperatura cresce ou decresce no tempo conforme o potencial decrescer oucrescer localmente com a temperatura. As temperaturas dos climas possıveis sao os pontosfixos estaveis de (6) ou seja os mınimos locais do potencial nos quais ∂U/∂T = 0; ∂2U/∂T 2 =τ−1relax > 0. Esses sao pontos de equilıbrio estavel com um tempo de relaxacao τrelax das

pequenas perturbacoes em torno dos equilıbrios em que ha portanto compensacao entre aspotencias radiativas importadas e exportadas pela superfıcie. Todas as orbitas do sistemadinamico convergem assintoticamente para um desses pontos fixos estaveis que neste caso saoos atratores do modelo. Na Fig. 4, mostram-se os graficos de U(T, µ) para valores de µ iguaisa 0.5, 1. e 2.1 exibindo respetivamente um, dois e de novo um mınimo local, correspondentesas posicoes dos equilıbrios estaveis. Em sıntese, a Fig. 5 mostra o diagrama de bifurcacao dospontos fixos estaveis (linhas a cheio) e instaveis (linha a ponteado) em funcao de µ. Assimpara ‘Sol fraco’ ou µ < µ1 suficientemente pequeno, ha apenas um clima frio estavel T3(µ).No intervalo µ ∈ ]µ1, µ2[ = ]0.58, 1.82[, verificam-se dois climas possıveis (intransitividade),um frio T3(µ) e outro quente T1(µ) correspondendo a um potencial biestavel (veja Fig. 4para µ = 1). A linha de equilıbrios instaveis T2(µ) e a linha separatriz que separa as baciasde atracao de cada clima estavel (conjunto das condicoes iniciais cujas orbitas convergemassintoticamente para um dos climas). Note-se na Fig. 5 o acrescimo do sentido das orbitas.Finalmente para ‘Sol forte’ ou µ > µ2, suficientemente grande ocorre apenas um clima quenteT1(µ). Assinaladas na Fig. 5 estao as orbitas e seus limites assintoticos para cada um dosclimas estaveis. O clima atual (µ = 1) ocorre no ‘ramo de climas quentes’ T1(µ) para µ

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 13

Figura 4. Graficos do potencial do EBM (6) para valores do parametro µiguais a 0.5, 1. e 2.1, mostrando a sucessao: equilıbrio estavel frio, biestabili-dade, equilıbrio estavel quente.

acima de µ1. Os pontos µ = µ1 e µ = µ2 sao ambos pontos de bifurcacao do tipo sela-no, respetivamente sobrecrıtica e subcrıtica; sao estados estruturalmente instaveis do pontode vista da teoria das catastrofes de Rene Thom (1989) em que uma pequena alteracao doparametro µ na vizinhanca da bifurcacao produz uma mudanca climatica brusca entre doisclimas (pontos fixos estaveis). Se o parametro externo µ crescer lentamente ate cruzar µ2, dar-se-a uma transicao brusca, do ponto de vista climatico (em anos), entre o clima frio T3(µ2) eo clima quente T1(µ2). Por outro lado se µ decrescer ate cruzar µ1, havera um arrefecimentoclimatico rapido de T1(µ1) para T3(µ1). Portanto o clima observado tem histerese, isto edepende da evolucao passada dos forcamentos exteriores.

Se bem que nao evidentes observacionalmente no caso de µ ser o parametro aferidor daintensidade solar, as referidas catastrofes climaticas podem ter acontecido no caso de ou-tros parametros externos com diagramas de bifurcacao identicos ao da Fig. 5. Uma dessascatastrofes, ocorrida no inıcio da era Cenozoica ha 65 Ma, foi a inversao do sentido da cir-culacao termohalina do oceano estabelecendo-se o padrao atual em que agua tropical emerge,desloca-se depois para latitudes polares do norte afundando e voltando em grande profundi-dade ate as latitudes perto da Antartida onde re-emerge (conveyor-belt).

As variacoes de µ sao devidas a deriva lenta da potencia termonuclear intrınseca do Sol queaumentou 28% desde a formacao da Terra ha 4600 Ma, devida a variacao da excentricidade

e ≡√

R2maior − R2

menor/Rmaior da orbita elıptica de translacao da Terra (com raio maior Rmaior

e menor Rmenor) e ainda devido a passagem do sistema solar por zonas de poeira interestelar.A escala de tempo dessas variacoes e muito maior que o tempo de relaxacao τrelax, o que

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14 CARLOS PIRES

Figura 5. Diagrama de bifurcacao do EBM (6) dos pontos fixos (estaveis -linha a cheio, instaveis - linha a ponteado) em funcao do parametro µ. Asorbitas sao atraıdas para os (repelidas dos) pontos fixos instaveis (estaveis).Indicam-se os valores de µ nos pontos de bifurcacao sela-nodo.

permite admitir que o clima esta em equilıbrio quase estacionario acompanhando o valor deµ.

De acordo com as previsoes do EBM, o ‘Sol fraco’ primordial teria provocado eons (mi-lhares de milhoes) de anos de clima glacial que no entanto nao tem evidencia observacional(paradoxo do Sol fraco), eventualmente devido a um reforcado efeito de estufa pela grandeejecao primitiva de gases vulcanicos.

Nos gelos das calotes polares ficaram retidas microbolhas da atmosfera antiga das quais seinfere a variacao temporal da concentracao atmosferica de gases de efeito de estufa (dioxido decarbono: CO2, metano: CH4) e aerossois e daı o seu efeito no balanco radiativo. O gelo antigo,outrora precipitacao gelada, possui uma pequena fracao (cerca de 1/500) de moleculas davariante mais pesada da agua (H2

18O), quando comparada com a versao dominante (H216O).

As moleculas aquosas mais pesadas precipitam mais facilmente sob temperaturas menores epor isso a referida fracao decresce (quase) linearmente com a temperatura do ar. Com basenesse pressuposto [9] e mostrada na Fig. 6 a serie reconstruida das anomalias de temperatura(em relacao a atualidade) dos ultimos 420 ka a partir de um tarolo de gelo estendendo-seate 3.3 km de profundidade em Vostok (Antartida). No grafico observam-se oscilacoes entreperıodos interglaciais quentes com anomalias ate 4 C e perıodos glaciais frios com anomaliasate −8 C (idades do gelo). De salientar e o facto cientificamente estudado de os aquecimentosserem muito mais bruscos que os arrefecimentos.

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 15

A analise espetral das series locais evidencia perıodos de 23 ka e 19 ka associados a precessaodos equinocios (migracao do ponto vernal ao longo da eclıtica ou, doutro modo, a precessao doeixo de rotacao terrestre como num piao), de 41 ka associados a periodicidade da obliquidade(angulo que o equador faz com o plano da eclıtica, atualmente de 2327′) e a variacao periodicada excentricidade da orbita terrestre com perıodos tıpicos de 100 ka e 400 ka, acusandovariacoes nao superiores a 0.1% da constante solar. Sendo este o fator que produz menorvariabilidade do forcamento solar, e no entanto e paradoxalmente o de maior intensidade nasseries paleoclimaticas observadas o que levou a grandes desenvolvimentos matematicos nosanos 1980, para la da teoria astronomica convencional de Milankovitch sobre as idades dogelo e a descoberta do conceito de ressonancia estocastica pela comunidade da modelacaoclimatica [1] no sentido de explicar o referido paradoxo.

Figura 6. Reconstrucao dos ultimos 430 ka anos da anomalia termicaglobal a partir dos tarolos de gelo ate 3.3 km de profundidade emVostok (Antartida). O tempo passado cresce em abcissas. Fonte:http://cdiac.ornl.gov/ftp/trends/temp/vostok/vostok.1999.temp.dat

2.2. Oscilacoes climaticas forcadas e ressonancia estocastica. O modelo determinista(6), e bastante simplificado dado nao exibir qualquer forcamento explıcito das flutuacoesrapidas de subescala climatica intervenientes no balanco radiativo (e.g. alteracao das absor-vidade e albedo da atmosfera pelas emissoes vulcanicas). A forma mais simples de o fazer emenos sujeita a hipoteses adicionais (solucao de maxima entropia) e por adicao a equacao (6)de um valor aleatorio, dependente do tempo (variavel estocastica) e sem qualquer memoriatemporal, o chamado ruıdo branco Gaussiano. Alem disso, uma vez que µ e lentamente

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16 CARLOS PIRES

variavel no tempo, decompomos a parte determinista F ∗ (T, µ(t)) numa componente cons-tante, centrada em µ0, correspondente a um potencial biestavel e num termo sinusoidal defrequencia angular ω0, diferenca de fase ϕ e amplitude ε. O modelo (6) generaliza-se a umsistema dinamico estocastico, exprimıvel na forma de Ito por

(9) dT =

[

−∂W

∂T

]

dt +[

q2n(t)]

(dt)1/2 .

O primeiro termo de (9) e o forcamento determinista, exprimıvel a partir do potencial naoestacionario W (T, t)

(10) W (T, t) = U(T, µ0) − εT cos(ω0t + ϕ) .

O segundo termo de (9) e o forcamento estocastico (ruıdo) em que n(t) e uma variavel aleatoriatemporal (processo estocastico) com distribuicao Gaussiana standard (media nula e varianciaunitaria) para qualquer t sendo independentes as variaveis n(t1), n(t2), relativas a quaisquerinstantes diferentes t1, t2. O ruıdo aditivo n(t) tem a densidade espectral constante q2 quedetermina a intensidade media da ‘forca’ aleatoria que atua na dinamica.

A evolucao temporal T (t), obtida por integracao de (9), depende da temperatura inicial eda sequencia aleatoria particular do processo estocastico n(t). Para obter uma descricao docomportamento do sistema, independente da realizacao do ruıdo, teremos de considerar umconjunto (ensemble) suficientemente grande de evolucoes aleatorias n(t) e das correspondentesevolucoes da temperatura: T (t). De seguida calcula-se para cada instante t, a fracao desseconjunto que ocorre na vizinhanca de cada temperatura T , ou seja, a funcao densidade deprobabilidade (pdf) ρ(T, t) do processo estocastico T (t). A pdf satisfaz a uma equacao dife-rencial estocastica (Equacao de Fokker-Planck) ou de difusao da densidade de probabilidade,correspondente a equacao de Langevin (9))

(11)∂ρ

∂t=

∂T

[

∂W

∂Tρ +

q2

2

∂ρ

∂T

]

Em condicoes suficientemente gerais (condicoes de ergodicidade) e para potenciais esta-cionarios (ε = 0), a pdf converge para um valor assintotico ρ∞(T ) = limt→∞ ρ(T, t), in-dependente da condicao inicial. Esta pdf e tambem a obtida de uma realizacao observadaunica de T (t), suficientemente extensa (teoricamente infinita), atraves da fracao de tempoque T (t) permanece ou revisita a vizinhanca de uma dada temperatura. Tal acontece noschamados sistemas ergodicos ou transitivos. O clima, como descricao media do estado domodelo, confunde-se assim com a pdf ergodica ou climatica ρ∞(T ). A ergodicidade justifica oprocedimento da climatologia estatıstica ao estimar o clima a partir de estatısticas obtidas deseries climaticas longas. A pdf climatica e a solucao estacionaria da equacao de Fokker-Planck(11), verificavel para potenciais estacionarios (ε = 0) e assume a forma

(12) ρ∞(T ) = C1 exp(

−2U(T, µ0)/q2)

onde C1 e uma constante de normalizacao da probabilidade. A interpretacao de (12) e muitosugestiva mostrando que a densidade de probabilidade climatica e uma funcao monotonadecrescente do potencial U(T, µ0) com maximos locais (modas da pdf) centradas nos doismınimos do potencial ou seja precisamente nos estados estacionarios estaveis do modelo (6),nao forcado por ruıdo. O ruıdo permite assim definir um unico clima probabilista em vez dedois climas deterministas possıveis no caso de potencial biestavel.

A temperatura, ao longo do tempo, alterna entre as bacias de atracao (zonas de concavidadepositiva do potencial) dos dois estados estaveis quente e frio: T1(µ0) e T3(µ0) respetivamente,

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 17

vencendo portanto a barreira de potencial ∆U1,2 = U(T1(µ0), µ0)−U(T2(µ0), µ0) ≈ ∆U3,2 > 0onde T2(µ0) e a temperatura a que ocorre o maximo local do potencial. A teoria dos processosestocasticos permite calcular o perıodo medio τ1 ≈ τ3 que T (t) permanece nessas bacias(Formula de Kramers)

(13) τ3 ≈ τ1 =2π

(−U ′′(T1)U ′′(T2))1/2exp

(

2∆U1,2

q2

)

onde U ′′(T ) e a segunda derivada parcial em ordem a T , calculada nos pontos estaveis e noponto instavel. Como e intuitivo, esse perıodo e tanto mais longo quanto maior a barreirade potencial. A temperatura pode assim exibir transicoes de amplitude pronunciada entreestados quentes e frios mas no entanto sem uma periodicidade bem definida isto e umaevolucao estavel e coerente de fase. A explicacao dos ciclos observados das glaciacoes comdominancia da periodicidade dos 100 ka, necessita do ingrediente que falta: a ressonanciaestocastica com um forcamento periodico externo. Na verdade, ao adicionar uma componenteoscilatoria do potencial com um certo perıodo τosc = 2π/ω0, mesmo que esta tenha umaamplitude ε muito pequena (como e verificado para o caso da excentricidade da eclıtica),e se alem disso os perıodos τ1, τ3 e τosc forem proximos entre si, entao a transicao entreestados e favorecida nos instantes corretos fazendo surgir oscilacoes coerentes compatıveiscom a intermitencia entre perıodos glaciais e interglaciais [14].

2.3. Oscilacoes proprias, bifurcacoes e combinacao de harmonicas. As oscilacoes de-tetadas no registo da temperatura (vide Fig. 6) sao essencialmente as resultantes de periodi-cidades de fatores astronomicos externos que influenciam a insolacao (quantidade de radiacaosolar que chega ao topo da atmosfera), tais como a excentricidade da orbita de translacao, aprecessao dos equinocios e a obliquidade (seccao 2.1). No entanto existem outras periodicida-des (e.g. ∼ 10 ka, 2.5 ka) devidas a oscilacoes internas coerentes do proprio sistema climaticotais como as ligadas a oscilacoes da criosfera artica cuja linha de neve (snowline: limite emlatitude da calote gelada permanente) chegou a atingir os 40N nos continentes Americano eEuro-Asiatico durantes os perıodos glaciais. As variacoes relativas da snowline da Antartidasao menores. No sentido de explicar essas periodicidades, em [10] os autores propuseram ori-ginalmente um oscilador climatico nao linear governado por um sistema dinamico autonomo aduas variaveis: a temperatura media global a superfıcie T e a extensao meridional L da calotepolar Artica. As taxas de variacao dT/dt e dL/dt sao obtidas respetivamente por um modelode balanco global de energia (EBM) do tipo (4) e pela equacao de balanco da massa de gelo dacalote, representada esquematicamente na Fig. 7. Este modelo apresenta oscilacoes propriasdevido a competicao de dois feedbacks de sentido contrario: o feedback positivo gelo-albedo, jaexplicado e o feedback negativo precipitacao-temperatura, o qual consiste no facto do aumentode temperatura reforcar a evaporacao e portanto a precipitacao gelada nos invernos quentes,mais que o degelo nos veroes correspondentes, contribuindo para um crescimento anual da ca-lote polar. Assim, sendo Mi a massa gelada, a temperatura e governada por k1dT/dt = −Mi

devido a proporcionalidade do albedo em relacao a Mi . Por outro lado, k2dMi/dt = Tdevido ao feedback precipitacao-temperatura onde k1, k2 sao constantes. Juntando as duasequacoes obtem-se a equacao de um oscilador: d2T/dt2 = −(k1k2)

−1T de frequencia angular

(k1k2)−1/2.

As hipoteses fısicas de base do modelo que acopla a criosfera com o EBM sao as seguintes.Seja x a distancia, crescente para o equador ao longo do meridiano e h(x) a altura da calotepolar em x. A calote esta em equilıbrio mecanico entre a forca hidrostatica horizontal e a

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18 CARLOS PIRES

forca de atrito estatico (com tensao de atrito τ0 ∼ 105 Pa ) exercido pelo leito de rocha. Esta eacalcada pelo gelo devido ao equilıbrio isostatico (e.g. uma manifestacao disso sao os grandeslagos canadianos). Tal conduz a um perfil parabolico (vide Fig. 7): (h(x)/H)2 + (x/L) = 1,com uma altura no cume: H = (3/2λL)1/2 e um volume por unidade de arco em longitude

V = 2λ1/2 em m2 onde λ = 4τ0/(3ρig) ∼ 10 m e uma constante dependente da massaespecıfica ρi = 917 kg m−3 do gelo e da aceleracao gravıtica g. A equacao de balanco dovolume de gelo escreve-se:

(14)dV

dt=

(

3λ1/2L1/2) dL

dt= aLt − a′(L − Lt) = a′ [(1 + ε)Lt − L] ; εi =

a

a′,

onde a e a taxa de acumulacao de volume de neve (em ms−1) e a′ (em ms−1) e a taxa de

Figura 7. Representacao esquematica de uma calote gelada artica emequilıbrio isostatico com o leito de rocha de que decorre o seu perfil parabolico.A linha de neve (interseccao da isotermica de 0 C com a superfıcie gelada - atracejado) delimita a zona de acumulacao (ate ao cume) da zona de ablacaocom desprendimento de gelo de mar (icebergs).

ablacao ou de degelo e quebra de gelo para o mar (cerca de 3 m/ano). O feedback preci-pitacao-temperatura faz-se intervir atraves da modelacao de ε como uma funcao crescenteseccionalmente linear da temperatura na forma:

(15) εi(T ) =

εm = 0.1 , se T 6 Tm = 273 K = 0 C

εm + kε(T − Tm) , se Tm 6 T 6 TM

εM = 0.5 , se T > TM = 283 K = 10 C

onde kε = (εM − εm)/(TM − tm) = 0.04 K−1 e a sensibilidade da funcao εi(T ). A delimitacaoentre zona de acumulacao e ablacao e determinada pela linha de neve ou seja a intercessaoda isotermica atmosferica de 0 C (ponto de congelacao da agua) a altitude hs(x). Parala do cume em direcao ao polo (zona passiva) nao ha acumulacao significativa (devido afraca humidade relativa) nem ablacao. Por evidencia observacional modela-se hs(x) na forma

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 19

hs(x, T ) = h0(T ) + (x + L)s onde h0(T ) ≡ β(T − T00), s ∼ 10−3 e o declive meridional daisotermica e se tem as constantes β ∼ 0.3 mK−1, T00 = 283 K = 10 C. Desta forma a posicaoda linha de neve Lt obtem-se pelo cruzamento da isotermica reta com o perfil parabolico ouseja pela resolucao da equacao de segundo grau hs(x, T ) = h(x,L) para x = Lt(L, T ).

A partir daqui usaremos a variavel adimensionalizada e apropriadamente escalada da ex-tensao da calote: l ≡ L/λL∗ onde λL∗ = λη/s2 = 1200 km e η ≡ εM(1 + εM)/[s2(2 + εM)2] =0.12 e tambem da posicao da linha de neve lt ≡ Lt/(λL∗) . A temperatura absoluta T (emKelvin) e adimensionalizada e escalada pela variavel θ ≡ T/Ts onde Ts = 288K = 15 Ce a temperatura de superfıcie media atual. A altura adimensionalizada da calote e h′ ≡h0(Tsθ)/(λH∗) onde λH∗ ≡ λη′/s = 500 km e η′ ≡ εM/[4s(2 + εM)] = 0.05. Usando adefinicao h′

0(θ) ≡ h0(Tsθ)/(λH∗) obtem-se a posicao da linha de neve:

(16) lt(l, θ) = η−1[

(

2ηl + η′h′(θ) + 1/4)1/2

−(

ηl + η′h′0(θ) + 1/2

)

]

.

A equacao de balanco da energia e identica a (4) em que o albedo α e agora uma funcaocrescente α(l) da extensao gelada l: α(l) = γ(αterra + α1l) + (1 − γ)αoceano onde γ = 0.3 e afracao media de terra no planeta, αterra = 0.2 e um valor medio tıpico de tundra e florestaem elevadas latitudes, αoceano = 0.15 e um valor tıpico do albedo oceanico povoado de gelode mar e α1 = (αglaciar − αterra)/lmax ∼ (0.5 − 0.2)/2 = 0.15. Em sıntese α(l) = α + (γα1)londe α = γαterra + (1 − γ)αoceano = 0.165 .

As escalas de tempo tıpicas das variacoes de T e L sao respetivamente cT ≡ C/B ∼

1000 anos ∼ 6.6×1010 s e cL = 3(λ2L∗)1/2/a′ ∼ 11×1010 s ∼ 1600 anos onde C e a capacidadecalorıfica areolar da camada apropriada a escala milenar e B e a constante interveniente em(6). Assim tomando o tempo adimensionalizado t′ = t/cT e a razao µTL = cT /cL entre escalasde tempo, aqui tomado como parametro, obtem-se finalmente o sistema dinamico autonomonas duas variaveis (θ(t′), l(t′)), escrito na forma:

(17)

dt′= −θ + µ(c1 − c2l) + c3 ≡ FT (θ, l, µ)

dl

dt′= µTLl−1/2 [1 + εθ(θ)] lt(l, θ) − l ≡ µTLFL(θ, l)

onde se tem os valores das constantes c1 = S0(1 − α)/(4BTs); c2 = S0(γα1)/(4BTs); c3 =T0/Ts − A/(BTs) e a funcao εθ(θ) ≡ εi(θTs). O sistema (17) e nao linear e o seu retratode fases (conjunto das orbitas) depende dos valores dos parametros µ, µTL. Os equilıbriosestacionarios termico-criosfericos sao dados pelos pontos fixos de (17) ou seja, para os quaisFT (θst, lst, µ) = FL(θst, lst) = 0, produzindo como solucoes as 3 raızes de um polinomio deterceiro grau. Tem-se pois:

(18) lst = (c1/c2) + (c3 − θst)/(µc2) = (1/2)[

1 − h′0(θst)/2 ±

(

1 − h′0(θ)

)1/2]

.

A dinamica e muito determinada por essas solucoes. As pequenas perturbacoes (δθst, δlst) =(θ − θst, l − lst) em torno em torno dos equilıbrios satisfazem ao modelo linearizado

d(δθst, δlst)T/dt′ = Lst(δθst, δlst)

T

onde L ≡ ∂(FT , FL)/∂(θ, l)st e a matriz de linearizacao e o expoente T significa transposto. Osdois valores proprios (λst1, λst2) de Lst determinam a natureza das orbitas na vizinhanca dospontos fixos. Mostra-se que 2 dos equilıbrios sao pontos de sela (λst1 < 0, λst2 > 0) (equilıbriosinstaveis) e o terceiro e estavel λst1 > 0, λst2 > 0 para valores suficientemente elevados de µTL

ou seja para uma criosfera de resposta rapida (cL pequeno), determinada pela solucao estavel

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20 CARLOS PIRES

de temperatura do EBM (4). Para valores moderados ou baixos de µTL ou seja uma criosferalenta, o terceiro equilıbrio e instavel surgindo oscilacoes proprias nao lineares do sistemacriosfera-oceano. Mostremos, seguindo [4] e usando o diagrama de bifurcacoes de µTL (Fig.8), em que condicoes se produzem equilıbrios estacionarios e solucoes periodicas estaveis.Cada uma dessas solucoes e um ciclo limite estavel ou seja que e atingido assintoticamenteno espaco de fase para quase todas as condicoes iniciais, isto e aquelas que estao na bacia deatracao desse ciclo limite. A Fig. 8 e o diagrama de bifurcacao do sistema; tem como abcissa

Figura 8. Diagrama de bifurcacao do sistema dinamico (17) em funcao deµTL. Os ramos de solucoes estaveis (instaveis) estao representados por curvasa cheio (tracejado). A ordenada e o raio (e seu simetrico) do ciclo limite.Indicam-se os comportamentos assintoticos das orbitas. Para varios valores deµTL esbocam-se os retratos de fase.

o parametro µTL e em ordenada a amplitude (e seu simetrico) de ciclos limite (nulo no casode uma solucao estacionaria). Para certos valores tıpicos µTL mostra-se qualitativamente oretrato de fases no plano (θ, l). Fazendo decrescer µTL (da direita para a esquerda da Fig.8), tem-se a seguinte sequencia. Comeca-se por uma solucao estacionaria estavel para valoreselevados de µTL. Nos pontos estrela (Fig. 8) da-se uma bifurcacao sela-no com o surgimentode um ciclo limite estavel (atrator) e um ciclo limite instavel (repulsor). Ate ao ponto coracao

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 21

(Fig. 8), o sistema e intransitivo, isto e existem dois comportamentos assintoticos possıveisou seja dois atratores, um estacionario e outro oscilatorio, cujas bacias de atracao (conjuntodas condicoes iniciais) estao separadas por uma trajetoria (separatriz) que e um ciclo limiteinstavel (indicado a tracejado na Fig. 8). Assim, no caso do acrescimo de perturbacoesestocasticas ao modelo (17), o sistema dinamico poderia transpor a separatriz, a semelhancada transposicao do maximo de um potencial biestavel (vide seccao anterior 2.2) e exibirum comportamento intermitente entre estacionaridade e um comportamento oscilante. Estetipo de comportamento, tıpico em certos sistemas nao lineares e igualmente testemunhadonas observacoes atmosfericas de escala planetaria. No ponto coracao (Fig. 8) ocorre umabifurcacao de Hopf subcrıtica em que o estado estacionario perde a sua estabilidade. Seguindoos ramos exteriores do diagrama de bifurcacao e ainda fazendo decrescer µTL, a amplitudedo ciclo limite cresce, bem como o seu perıodo ate que no ponto sinal-de-proibicao (Fig. 8)se da uma bifurcacao global em que o ciclo limite se transforma numa orbita homoclınica deum dos pontos de sela (orbita que une um ponto de sela a ele proprio e com um perıodo detempo infinito). A partir daı todas as orbitas divergem para valores infinitos, fora da validadedo modelo. Esse ponto marca o mınimo possıvel do parametro µTL .

Durante a historia climatica da Terra, o parametro µTL pode ter assumido varios cenarios(e.g. perıodo Cretacico quente onde µTL foi baixo) e portanto varios tipos de clima do ponto devista dinamico. Finalmente, fazendo variar lentamente a insolacao atraves do parametro µ(t)que multiplica a constante solar, torna o sistema dinamico nao autonomo, dada a dependenciaexplıcita temporal do forcamento. Este forcamento de origem astronomica tem como referidoas 5 frequencias dominantes: fi = 1/Tosc-i com Tosc-i = 400, 100, 41, 23, 19 ka (i = 1, . . . , 5).

Acontece no entanto algo surpreendente em sistemas nao lineares forcados como o sistemaclimatico. Nesses sistemas a resposta a soma de dois forcamentos sinusoidais sin(2πfat) esin(2πfbt) com frequencias fa e fb pode ter uma componente multiplicativa, isto e podeser do tipo sin(2πfat) sin(2πfbt), expresso por combinacao linear de sinusoides de perıodoscorrespondentes a soma fa + fb e a diferenca fa − fb de frequencias. Este processo podereplicar-se indefinidamente fazendo surgir na resposta frequencias dadas por combinacoeslineares de coeficientes inteiros de fa e fb (combinacao de harmonicos). No caso do paleoclima,se alem das 5 frequencias de forcamento, houver uma oscilacao propria estavel f0 do sistema,entao aparecerao no espetro de potencia de Fourier (amplitude quadratica da componenteassociada a cada frequencia na decomposicao em componentes sinusoidais de um sinal), picos

correspondentes a frequencias f dadas pelas combinacoes f =∑5

i=1 nifi + n0f0 onde os(ni, i = 0, . . . , 5) sao inteiros, enriquecendo fantasticamente a dinamica paleoclimatica. Hauma especie de selecao natural das frequencias com valores pequenos dos valores absolutosdos (ni, i = 0, . . . , 5), todavia tal depende da dinamica particular e dos forcamentos.

2.4. Modelos espacialmente distribuidos. O modelo de criosfera-oceano atras propostoconsidera dois subsistemas fısicos que trocam entre si, isto e, exportam ou importam, queragua (gelo), quer energia, cujas quantidades sao respetivamente descritas pela extensao ge-lada L e pela temperatura T . Sao estabelecidas equacoes fısicas de balanco para os doissub-sistemas abertos, equacoes essas que assumem a forma generica: ‘taxas de variacao dasquantidades extensivas = fluxos na fronteira + fontes’. Este paradigma da fısica dos sistemasabertos aplica-se a inumeras situacoes permitindo prever a evolucao de sistemas compostosdesde que os fluxos e fontes sejam prescritos ou parametrizaveis em funcao das quantidadesextensivas. As equacoes de balanco derivam das leis fundamentais da fısica, sendo os balancos

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22 CARLOS PIRES

principais os de massa e energia nas varias formas, de momento linear e eventualmente decarga eletrica.

Assim se tivermos Nv variaveis extensivas: X1(t), . . . ,XNv(t)), a equacao de balanco em

cada sub-sistema i = 1, . . . , Nv escreve-se na forma: dXi(t)/dt =∑Nv

j=1, 6=i Fj→i + Fext,i + Si

onde Fext,i e o fluxo na fronteira com o exterior do sistema composto, geralmente prescrito oumedido, Fj→i e o fluxo do sub-sistema j para o sub-sistema i na fronteira comum e Si e a taxade geracao interna (positiva se for fonte, negativa se for sumidouro) a que se reduz a dinamicana ausencia de fluxos. Em muitas condicoes, os fluxos Fj→i entre subsistemas sao parame-trizados por forma a reduzirem os contrastes mutuos das variaveis extensivas (lei de Fick),sendo possıveis versoes: linear do tipo Fj→i = −k(Xi−Xj), multiplicativa Fj→i = −k(Xi/Xj)

onde k e uma constante positiva, ou ainda outra versao nao linear dependente de Xi,Xj . E

igualmente comum tomar a soma dos fluxos internos na forma∑Nv

j=1, 6=i Fj→i = −k(Xi − X)

onde X e uma certa media de todos os Xi com a consistencia de anular automaticamente osomatorio de todos os fluxos internos.

Uma vez feitas as parametrizacoes quando necessario, o conjunto das equacoes de balancoe transformado num sistema dinamico multivariado contınuo. Este sistema e autonomo ounao conforme as fontes e fluxos do exterior variem ou nao no tempo sendo depois possıvelfazer toda a analise qualitativa do sistema dinamico atraves de diagramas de bifurcacao comoapresentado anteriormente.

O sistema climatico pode particionar-se em sub-sistemas contıguos, conexos em geral, masnao necessariamente (e.g. decomposicao do oceano mundial em bacias oceanicas). No casodo modelo de balanco de energia ha uma primeira generalizacao de (4) a uma dimensao (1D,em vez de 0D) em que se consideram varias camadas esfericas sobrepostas concentricas coma superfıcie do planeta. Outra possibilidade e a decomposicao da coroa esferica climatica emsectores de simetria cilındrica, delimitados por um conjunto de latitudes (e.g. zona tropicalentre 30S e 30N e a zona temperada a polar dos Hemisferios Norte e Sul). Todos estessistemas compostos sao espacialmente distribuıdos. As extensoes espaciais dos sub-sistemas(caixas), podem ser tomadas tao pequenas quanto necessario aumentando o detalhe da des-cricao do sistema global. A particao pode indexar-se a uma, duas ou tres variaveis espaciais,sendo o modelo 1D, 2D ou 3D respectivamente. No limite de sub-sistemas infinitesimais, aindexacao converte-se em variaveis espaciais independentes (x, y, z) no caso de um continuum3D. As variaveis dependentes sao agora campos espaciais cuja evolucao temporal e regidapor um sistema dinamico descrito por equacoes com derivadas parciais (e.g. equacoes datermo-hidrodinamica dos fluidos). A dimensao Nv ou numero de graus de liberdade dessesistema dinamico passa a ser infinito e com a cardinalidade do contınuo (muito maior que acardinalidade infinita do contavel).

Em sistemas distribuıdos, surgem comportamentos regulares e complexos com emergenciade grande variedade de estruturas espacio-temporalmente coerentes (e.g. no caso dos flui-dos: trens de ondas, ondas solitarias ou solitoes, modoes, vortices, tubos, bolhas convectivas,frentes de descontinuidade). A resolucao matematica rigorosa da evolucao temporal de sis-temas continuamente distribuıdos e muito difıcil, senao desconhecida ou sequer provada aexistencia e unicidade de solucao (e.g. equacoes de Navier-Stokes). Essa limitacao funda-mental exige na pratica a representacao ou aproximacao de um conjunto finito de Nf campos

escalares ou do campo vetorial(

Ψ1(x, y, z, t), . . . ,ΨNf(x, y, z, t)

)

≡ ~Ψ(x, y, z, t) por um con-

junto finito (truncado) de Nt variaveis (X1(t), . . . ,XNt(t)) ≡ ~X(t), concatenadas num vetorde estado dependente do tempo. A sua obtencao consiste no problema generico da filtragem:

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 23

~X(t) = F(

~Ψ(x, y, z, t))

enquanto que a representacao ~Ψrep(x, y, z, t) = R(

~X(t))

do campo

e a reconstrucao, onde ~Ψrep deve satisfazer a criterios praticos como a reproducao da variabi-lidade (medida por exemplo por variancia total, entropia estatıstica), da complexidade e do

clima dos campos reais originais ~Ψ, bem como a reproducao de comportamentos fisicamente

relevantes. O sistema aproximado pelo modelo em ~X(t) e entao resolvido analiticamente, oque e raramente possıvel, ou por metodos de analise numerica em que se procede a propriadiscretizacao do tempo [24]. Este procedimento exige muita parcimonia porque as solucoesnumericas podem produzir artefactos numericos ou comportamentos espurios irreais, a mini-mizar tanto quanto possıvel, tais como dispersao numerica e falseamento (ondas com a veloci-dade inapropriada e geracao de ondas inexistentes na realidade), instabilidade numerica (falsocrescimento da amplitude de estruturas), violacao de constrangimentos integrais (producaode mais massa ou energia que a do sistema no seu todo). A propria representacao e dimensao

de ~X pode fazer-se variar no tempo.

Existe uma multiplicidade de representacoes possıveis ou funcoes ~Ψrep(t) = R( ~X(t)) quesucintamente sao classificadas aqui de modo nao exaustivo como:

1) Grelhas, ou seja, um conjunto de pontos discretizados no espaco. Estas podem ser regula-res (pontos vizinhos com igual espacamento ao longo das coordenadas escolhidas); geodesicas(vertices de polıgonos regulares como triangulos, hexagonos ou losangos mapeando a superfıcieesferica, como numa bola de futebol) ou adaptativas (mapeamento da esfera por polıgonoscom resolucao localmente maior ou menor conforme o detalhe pretendido).

2) Expansao aditiva em que ~Ψrep(x, y, z, t) =∑Nt

i=1 Xi(t)Φi(x, y, z) e obtido como com-binacao linear de uma base de funcoes espaciais Φi(x, y, z) com o mınimo de redundanciapossıvel, quantificavel por um determinado produto interno. Essa redundancia e mınimaquando as funcoes da base sao ortogonais entre si. A base pode ser: 2a) analıtica (e.g. ex-pansao de Fourier, harmonicas esfericas, wavelets); 2b) empırica, isto e otimizada em funcaodos dados temporais garantindo o mınimo de correlacao ou dependencia estatıstica entre asdiferentes componentes Xi(t) (e.g. analise de componentes principais - PCA e de componentesindependentes - ICA, gracas ao utilıssimo teorema de Karhunen-Loeve); 2c) geometrica emque a base e adaptada a geometria particular do domınio (e.g. elementos finitos) e finalmente2d) dinamica em que a base reproduz expressamente comportamentos de relevancia dinamica(e.g. expansao em modos normais).

3) Expansao funcional em que ~Ψrep(x, y, z, t) = R (X1(t), . . . ,XNt(t)) e em geral umafuncao nao linear das componentes. Estas funcoes refletem a dinamica nao linear e do atra-tor do sistema dinamico. Por exemplo se o clima e uma trajetoria periodica limite entaoe apenas relevante a variavel angular ou de fase ao longo desse ciclo limite. As variaveisX1(t), . . . ,XNt(t) devem assim ser as que caracterizam o comportamento assintotico do sis-tema, gerando a chamada variedade inercial. Ha metodos aproximativos analıticos e/ouempıricos para as obter tais como as analises de componentes principais e independentes naolineares: NLPCA, NLICA.

2.5. Rotas para o caos. Uma vez estabelecidas as variaveis e as equacoes dinamicas, abor-demos o admiravel mundo proporcionado por sistemas de dimensao para la de dois. Paraalem da possibilidade de comportamentos complexos, gerada nos sistemas autonomos pelaadicao de forcamentos deterministas e estocasticos, houve ainda outra fonte gigantesca decomplexidade que emergiu com a teoria do caos, descoberta pelo meteorologista Edward N.Lorenz (1917-2008) e que foi popularizada pelo chamado efeito-borboleta e que sinteticamente

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24 CARLOS PIRES

consiste no facto de sistemas iniciados em condicoes diferindo mesmo que de quantidadesindiscernıveis poderem vir a ter num futuro mais ou menos distante comportamentos com-pletamente distintos.

O caos so pode acontecer em sistemas dinamicos autonomos governados por 3 ou maisvariaveis ou seja com um vetor de estado de dimensao maior ou igual a 3. Passemos pois aexplicar! Orbitas de sistemas autonomos com velocidades nao nulas no espaco de fases nuncase cruzam. Tal leva-nos a um teorema (Poincare-Bendixon) que restringe os comportamentosassintoticos em sistemas a duas dimensoes a estados estacionarios e ciclos limite, o que, espe-culando, significaria que se o sistema climatico fosse governado por duas variaveis dinamicas,entao o clima seria algo, ou estacionario ou oscilante e portanto toda a previsao se reduziriaa uma mera consulta de uma tabela periodica climatica. Ora, a mais de 2 dimensoes, asorbitas podem ser muito mais livres, mesmo que impedidas de se cruzar. O comportamentoassintotico, ou seja o clima do sistema tera de ser redefinido levando a nocao de atrator. Embreves palavras, atrator e o conjunto de estados do sistema, invariante para a dinamica (i.e. oseu transformado pelo operador propagador e ele proprio) e que sao recorrentemente visitadosnum futuro arbitrariamente longınquo para orbitas iniciadas num conjunto ‘suficientementegrande’ de condicoes iniciais. Sao atratores os estados estacionarios estaveis e os ciclos limite.Em 3 ou mais dimensoes surgem atratores quase-periodicos, topologicamente identicos a su-perfıcie de um donut ou boia, formados por exemplo pela sobreposicao de duas componentescom frequencias de quociente irracional (sem mınimo multiplo comum dos perıodos). Em cer-tos sistemas nao lineares surgem tambem os atratores estranhos ou caoticos (e.g. atrator dosistema de Lorenz: http://en.wikipedia.org/wiki/Lorenz_system) que tem uma estru-tura muito fracionada e com sensibilidade as condicoes iniciais ou caos determinista: a formamatematicamente precisa do efeito-borboleta. Nestas condicoes, o comportamento temporale muito irregular, complexo, intermitente, quase que estocastico, donde o termo caotico. Aturbulencia e uma solucao caotica do sistema dinamico dos fluidos, contrariamente a esco-amento organizado, dito laminar. O comportamento caotico regista-se igualmente a escalapaleoclimatica.

Os diagramas de bifurcacao mostram a alteracao qualitativa do conjunto das orbitas com avariacao de um ou mais parametros (cujo numero se denomina codimensao). Esses diagramas

podem ser muito complexos em sistemas de dimensao a partir de 3 (inclusive). A medidaque um parametro varia, o comportamento assintotico (atrator) do sistema e alterado emtamanho e forma no espaco de fases, sendo qualitativamente (topologicamente) transformadoquando os valores de parametros ‘atravessam’ os pontos de bifurcacao havendo aı como queuma transferencia de ‘assintotidade’ de um tipo para outro tipo de atrator.

Conhecem-se quatro percursos universais (i.e. comuns a muitos sistemas) no diagramade bifurcacoes conduzindo a atratores caoticos todos eles com manifestacoes em modelos declima e da dinamica de geofluidos: 1) cenario de duplicacoes de perıodo; 2) cenario de Ruelle-Takens-Newhouse; 3) cenario de intermitencia ou Pomeau-Manneville e 4) cenario de crisecaotica (vide http://www.encyclopediaofmath.org/index.php/Routes_to_chaos).

O cenario de intermitencia e muito comum na natureza e consiste na alternancia entreperıodos oscilatorios e perıodos caoticos irregulares, o que se verifica por exemplo na atmosferaa escala planetaria (e.g. ocorrencias intermitentes de oscilacoes de perıodo 70 dias no campode pressao da zona Norte-Atlantica; ondas de propagacao de Madden-Julian nos tropicos).Um dos tipos de intermitencia esta associado a bifurcacao de Shilnikov (Fig. 9a), em que umaorbita periodica estavel se converte numa orbita homoclınica de um ponto fixo sela-foco (SF)

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 25

seguindo caos espiral de seguida. Nessas condicoes, a orbita caotica espirala de forma osci-latoria e grande predictabilidade ao aproximar-se da variedade estavel Ws(SF ) para depois ser‘ejectada’ pela variedade instavel Wu(SF ) com exibicao de comportamento caotico; o sistemasera recapturado, impreditivelmente no futuro junto a vizinhanca de Wu(SF ) recomecandoa oscilacao. Este comportamento pode igualmente ser reproduzido quando coexistem variasorbitas heteroclınicas unindo pontos fixos (ou trajetorias periodicas) instaveis em que vari-edades estaveis ‘atraem’ e instaveis ‘repelem? (Fig. 9b). Grosso modo, o sistema ‘pula’entre as vizinhancas de um conjunto finito de solucoes, digamos S1, S2, . . . , SL, que podemser estacionarias ou nao. A dinamica atmosferica a escala planetaria exibe evidencia obser-vacional dessas solucoes, os chamados regimes de tempo ou weather regimes, com condicoestıpicas registadas a superfıcie (e.g. no Atlantico Norte, dois dos regimes predominantes saodenominadas NAO-positiva e NAO-negativa, respetivamente associadas a intensidades extraintensa ou extra fraca do anticiclone dos Acores). Devido ao caos, o tempo de permanenciae a sequencia temporal observada de regimes de tempo tem caracter probabilista. Dessemodo o estado do sistema pode ser caracterizado por um vetor de probabilidades de cadaregime: [Prob(S1),Prob(S2), . . . ,Prob(SL)], vetor esse que evolui no tempo governado porum processo estocastico (e.g. cadeia de Markov).

Figura 9. a) Orbita homoclınica na vizinhanca de um ponto fixo instavelsela-foco (SF) com indicacao da variedade estavel Ws(WF ), 2D atratora e davariedade instavel repulsora 1D, Wu(WF ). b) Retrato de fases com a presencade 3 pontos de sela unidos por sequencia de orbitas heteroclınicas.

Mostremos um exemplo de caos num modelo simples a 3 variaveis [11], obtido das equacoesdo movimento atmosferico a escala planetaria, restringindo o campo do vento horizontal aum numero muito reduzido de modos espaciais ortogonais entre si (projecao de Galerkin). As

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26 CARLOS PIRES

equacoes do modelo sao

(19)

dX

dt= −

(

Y 2 + Z2)

+ a (F − X + α cos(2πt/τ))

dY

dt= −bXZ + XY − Y + G

dZ

dt= bXY + XZ − Z

onde X e a intensidade adimensional do vento zonal (segundo a longitude), forcado por umtermo constante F e outro variando sazonalmente com perıodo adimensional τ correspondentea um ano terrestre. A corrente zonal, em torno no planeta, sobrepoe-se um campo de ventomeridional adimensional v (em latitude), unicamente dependente da longitude λ ∈ [0, 2π] naforma v(t, λ) = Z(t) sin(keλ) + Z(t) cos(keλ) onde ke e um numero de onda tıpico. A intensi-dade desse campo e forcada de forma constante por G. O parametro b mede a transferenciade energia entre vento zonal e meridional. Para certos valores dos parametros F,G, a, α, ba estabilidade pertence a solucoes estacionarias, a solucoes periodicas ou entao gera-se caos.Para certos valores ha tambem intransitividade, isto e atratores multiplos. Como ilustracaodo caos (Fig. 10), verificado para os valores de parametros F = 6, G = 1, a = 0.25, α = 1.25,b = 4, τ = 72, mostra-se o diagrama de retorno de Poincare (projecao do atrator climaticocaotico do modelo) no espaco das variaveis (X,Y,Z) para as 4 fases do forcamento periodico(mod(t, τ) = 0, τ/4, τ/2 e 3τ/4), ou seja no inicio das 4 estacoes. O aspeto fraturado, maiornumas que noutras estacoes, e indicativo de caos, de certo modo indistinto de aleatoriedade.

Figura 10. Mapas de retorno do sistema dinamico (19) no espaco (X,Y,Z)para mod(t, τ) = 0, τ/4, τ/2 e 3τ/4.

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 27

2.6. Predictabilidade e reconstrucao do atrator. O caos limita a capacidade preditiva,i.e. a predictabilidade, contrariamente ao que sucede nas solucoes estacionarias e periodicasestaveis. A impredictabilidade devida ao caos tem todavia limites. A previsao do tempo einicializada a partir da melhor estimativa da condicao inicial no instante de lancamento daprevisao, a chamada analise. Todavia essa estimativa nao e mais que um dos estados plausıveisdentro da hıper-esfera de erro. Se acompanharmos essa hıper-esfera ao longo do tempo deprevisao, esta transformar-se-a no conjunto das previsoes provaveis. Esse conjunto tem noentanto um hıper-volume que se vai reduzindo (bom sinal!), devido a termos dissipativos nasequacoes do sistema e que fazem reduzir a velocidade do ponto de fase (e.g. nas equacoesprimitivas dos fluidos, o atrito, as difusoes e o arrefecimento Newtoniano). Desse modoo transformado da hıper-esfera vai contrair-se em certas direcoes (ao longo da variedadeestavel), mas aumentar noutras (ao longo da variedade instavel) tornando impreditıveis ascomponentes nelas projetadas. A taxa de variacao exponencial das perturbacoes consiste noschamados expoentes de Lyapunov: positivos e/ou negativos se as perturbacoes crescerem e/oudecrescerem. Esta portanto explicado, gracas ao caos, o facto de a previsao meteorologica paraum certo dia, por exemplo fornecida pelo Instituto Portugues do Mar e Atmosfera (IPMA),poder variar conforme a antecedencia desta, especialmente para prazos de 5 a 10 dias.

A predictabilidade e variavel ao longo do atrator climatico, isto e, depende da situacaoparticular presente do sistema. Pode portanto a predictabilidade meteorologica ser elevadaesta semana e muito reduzida daqui a duas. Nalgumas regioes do espaco de fases, a pre-dictabilidade de 1a especie (devida a memoria da condicao inicial) e grande devido a poucadispersao, com o tempo de previsao, da hıper-esfera de erro da condicao inicial. A predicta-bilidade de 2a especie esta ligada ao facto de as componentes mais lentas do vetor de estado(e.g. ondas planetarias, temperatura do oceano) serem mais preditıveis que as componentesrapidas (e.g. valores instantaneos da pressao e temperatura na camada limite planetaria emcontacto com a superfıcie). Finalmente, a predictabilidade de 3a especie esta ligada a formado diagrama de bifurcacao, isto e, a forma como e alterado o atrator climatico com a variacaodos parametros. Esta predictabilidade e no entanto perdida nos pontos de bifurcacao locale/ou global isto e nas condicoes em que o sistema e estruturalmente instavel, isto e, em queo retrato de fase e qualitativamente alterado local e/ou globalmente quando os parametrosatravessam os valores de bifurcacao.

A dimensao dA dos atratores e o numero de variaveis necessarias para o caracterizar (e.g.num ciclo limite dA = 1. No entanto os atratores estranhos, devido ao seu aspeto ‘fibroso’ oufraturado tem com uma dimensao dA nao inteira: dimensao de Hausdorf. Por exemplo umatrajetoria que percorra de forma muito densa um certo domınio volumico tera uma dimensaoHausdorf entre 2 e 3. Certos estudos conduzem a uma dimensao do atrator climatico daordem de poucas dezenas. A caracterizacao de um atrator podera ser obtida apenas com umsubconjunto de variaveis (teoricamente apenas uma), distribuıdas em varios instantes (espacodos atrasos). Tal e garantido pelo teorema do encaixe (embedding) de Takens que afirma queum vetor formado por uma unica variavel ao longo de M > 2dA instantes passados igualmenteespacados: [x(t), x(t − ∆), . . . , x(t − (M − 1)∆)] devera gerar um atrator com caracterısticasidenticas ao do atrator do sistema completo. Esta possibilidade esta na base de algumastecnicas da climatologia estatıstica.

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28 CARLOS PIRES

3. Modelacao climatica com equacoes Booleanas com atraso

3.1. Continuum versus Discretum. A modelacao dinamica parte dum princıpio genericode causalidade que assume que o vetor de estado ~X(t), que caracteriza de forma unıvocao estado dum sistema no instante t, e funcao, quer de todo o seu passado, ou apenas deuma mais ou menos curta historia recente no intervalo ]−∞, t[ , quer da historia de certos

forcamentos externos independentes de ~X(t), quer de um conjunto fixo de parametros e aindaeventualmente da historia de um conjunto de variaveis aleatorias estocasticas, redutıveis aruıdos brancos, i.e. os ‘atomos’ de base de qualquer processo estocastico. Dentro destadefinicao cabem os sistemas dinamicos autonomos ou nao, estocasticos, com atraso, equacoesintegro-diferenciais to tempo etc.

Num certo modelo pode considerar-se intrinsecamente que o vetor de estado ~X(t) assumevalores num continuum (XC) ou num discretum de categorias (XD). Do mesmo modo, o tempot pode ser assumido num continuum (TC) ou em instantes discretos (TD). Os quatro paradig-mas possıveis de modelacao, correspondentes as combinacoes: (XC,TC), (XC,TD), (XD,TD)e (XD,TD) sao formulados no ambito, respetivamente dos sistemas dinamicos contınuos, dosmapas, das equacoes Booleanas com atraso e dos automatos celulares (Ghil et al. 2008).Alem disso, o vetor de estado pode ter dimensao finita e/ou infinita e ser determinsta e/ouestocastico. Segundo inumeros trabalhos teoricos e aplicados, qualquer das formulacoes saoaptas a produzir comportamentos numa grande gama de complexidade e ainda bifurcacoescom alteracao qualitativa do conjunto possıvel de evolucoes bem como rotas para a complexi-dade e o caos. A escolha de uma formulacao pauta-se por criterios tais como: 1) a simplicidadecom que pressupostos teoricos sao formulados na linguagem; 2) a complexidade algorıtmica(no de calculos elementares necessarios para produzir a evolucao do sistema) e a economia daimplementacao.

3.2. Formalismo das equacoes Booleanas com atraso. A implementacao numerica dosmodelos mais evoluıdos de clima admite o paradigma (XC,TD), em que as variaveis depen-dentes variam numa gama contınua. Todavia uma versao mais economica que essa consisteem repartir i.e. particionar o espaco de variacao possıvel das variaveis (espaco de fases) numconjunto finito Np de partes disjuntas (e.g. regimes de tempo no caso da atmosfera). Outraforma de particao e a separacao da gama de valores de cada variavel x(t) por um valor defronteira xt, definindo um estado binario: 0 se x(t) < xt; 1 se x(t) > xt. Por simplicidade,

admitimos uma particao completa do conjunto de estados ~X(t) do modelo em Np = 2(Nb)

categorias ou seja por Nb bits de informacao (unidades elementares sim/nao de informacao).O estado do modelo e assim descrito por um vetor logico, variando continuamente no tempo:~B(t) = (b1(t), . . . , bNb

(t)) , formado de componentes com valores binarios bi(t) ∈ 0, 1 e quesofrem transicoes descontınuas 0 1 em momentos temporais precisos (sem aliasing).

A evolucao temporal de ~B(t) e descrita pelas equacoes Booleanas com atraso (BDEs BooleanDelay equations) que passaremos a descrever e das quais mostraremos uma aplicacao ao clima.Sem perda de generalidade as BDEs reduzem-se a BDEs de primeira ordem na forma:

(20) bi(t) = Li (b1(t − θi,1), . . . , bj(t − θi,j), . . . , bNb(t − θi,Nb

)) ; i = 1, . . . , Nb ,

onde as funcoes Li sao expressoes proposicionais escritas com base nas operacoes da logicade Boole. (http://en.wikipedia.org/wiki/Boolean_algebra). Em sıntese, considerandovariaveis logicas a, b ∈ 0, 1, tem-se as operacoes: 1) negacao ¬a , que converte um valorlogico no seu contrario; 2) conjuncao a ∧ b, lido (a e b); 3) disjuncao a ∨ b, lido (a ou b); 3)

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 29

disjuncao exclusiva a⊕b, lido (a e/ou b) que vale 1 sse a, b forem diferentes e 4) a equivalenciaa ≡ b, lido (a sse b) que vale 1 sse a, b forem iguais.

Os atrasos θi,j > 0, em numero maximo (Nb)2, sao positivos por definicao. O tempo pode

ser adimensionalizado por um valor fixo conveniente. Prova-se, sob grande generalidade, a

existencia e unicidade da orbita binaria ~B(t), t > 0, uma vez prescrevendo os valores no

intervalo inicial unitario (condicao inicial): ~B(t), t ∈ ]−θmax, 0[ onde θmax = maxi,j

θi,j.

A modelacao da fenomenologia de um sistema (e.g. feedbacks, memoria, extincao, condicoesnecessarias ou suficientes da ocorrencia de um estado) pode ser facilmente transcrita paralinguagem proposicional com que se formulam as equacoes de evolucao temporal do sistema.Esta possibilidade permite executar previsoes em sistemas do qual ha apenas conhecimentoqualitativo (e.g. biomatematica, logıstica). A retroacao surge naturalmente na formulacaoapresentada uma vez que o estado presente bi(t) depende do estado atrasado bi(t − θi,i) damesma variavel. Assim uma retroacao construtiva formula-se na forma: bi(t) = bi(t − θi,i) ∧(. . . ) e uma retroacao destrutiva na forma: bi(t) = ¬bi(t − θi,i) ∧ (. . . ) em que (. . . ) e umacondicao arbitraria.

O sistema de BDEs diz-se periodico, i.e. em que ha uma sequencia repetıvel, no caso

de haver um perıodo finito τ e um intervalo de transiencia t0 : ~B(t) = ~B(t + τ), t > t0 ;

diz-se assintoticamente periodico se o limite da norma da diferenca: limt→∞ ‖ ~B(t) − ~B(t +τ)‖ = 0, t > t0, o que equivale a convergencia para um ciclo limite no caso dos sistemasdinamicos autonomos e finalmente aperiodico em caso contrario, o que corresponde as solucoesquaseperiodicas e caoticas. Por exemplo um sistema de 2 BDEs: b1(t) = b2(t − θ1), b2(t) =

¬b1(t − θ2) e periodico com perıodo 2θ1 + 2θ2 dado que ~B(t) = ~B (t + (2θ1 + 2θ2)) , ∀t.Alem da periodicidade, e uma vez que se pode definir uma distancia entre duas orbitas

logicas na forma:∫ τ2τ1

‖ ~B1(t)− ~B2(t)‖dt, e possıvel definir comportamento recorrente e orbitas

atratoras (atrator) de um sistema de BDEs com o surgimento surpreendente de comporta-mento complexo (bizarre atrators [6]).

3.3. Um modelo do fenomeno El-Nino com BDE’s. O fenomeno do El-Nino-Southern-Oscillation (ENSO) e uma oscilacao nao linear muito intensa do oceano Pacifico tropical eda atmosfera sobrejacente. Nessa zona, em media, sopram ventos alıseos de leste junto asuperfıcie com vento zonal u < 0 (contado positivamente de oeste para leste). A oscilacaoregista-se na anomalia ∆T da temperatura da superfıcie do oceano no flanco leste, juntoao Peru. Esta anomalia esta positivamente correlacionada (a ∼ 60%) com a anomalia ∆udo vento zonal. Valores positivos e/ou negativos de ∆T correspondem a El-Nino e La-Ninarespetivamente. A evolucao temporal ∆T (t) e governada pela competicao de dois feedbacks:1) um positivo quase instantaneo, sujeito a saturacao nao linear e 2) outro negativo comatraso. O feedback positivo tem o seguinte rationale causal: ∆T > 0 implica reducao dadensidade da agua, esta altera a estratificacao da pressao, tal provoca forca horizontal depressao e aceleracao apontando para leste que trazem mais agua quente reforcando ∆T > 0. O feedback negativo explica-se na forma: ∆T < 0 implica geracao de ondas (de Rossby)retrogradando para oeste, refletem-se na Indonesia e voltam a costa Peruana (na forma deonda de Kelvin) com sinal termico positivo aquecendo a agua. O tempo total de percurso θwave

pode ser entre 1 e 3 anos. Um modelo conceptual consistente foi proposto em [20] na formade sistema dinamico com atraso: d∆T (t)/dt =

[

c∆T − e∆T 3]

− [b∆T (t − θwave)] onde, nestecontexto, c, b, e sao constantes positivas, o primeiro e o segundo termos entre parentesis retos

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30 CARLOS PIRES

traduzem respetivamente o feedback positivo com saturacao pelo termo cubico e o feedbacknegativo com atraso.

Este comportamento foi modelado por uma BDE em [19] acrescentando ainda o efeito sa-

zonal sobre o El-Nino. O modelo e descrito por um vetor binario ~B(t) ≡ (T1, T2, U1, U2, S) (t)de dimensao 5. As componentes do par (T1, T2) determinam o sinal e intensidade de ∆T coma seguinte tabela de verdade: (T1 = 1, T2 = 1): El-Nino forte, (T1 = 1, T2 = 0): El-Ninofraco, (T1 = 0, T2 = 1): La-Nina fraca, (T1 = 0, T2 = 0): La-Nina forte. As componen-tes do par (U1, U2) determinam respetivamente o sinal e a intensidade de ∆u com valores(1, 1), (1, 0), (0, 1) e (0, 0) correspondentes respetivamente a: ∆u > 0 forte, ∆u > 0 fraco,∆u < 0 fraco e ∆u < 0 forte. A variavel S e o indicador do ciclo anual e vale 1 ou 0,respetivamente durante a estacao fria ou quente do Hemisferio Norte. As quatro premissasproposicionais do modelo sao as seguintes:

A) Perante uma anomalia termica ∆T do oceano, este ajusta-se dinamicamente criandouma anomalia de corrente ∆u do mesmo sinal apos um tempo de resposta θresp.

B) El-Nino ocorre quando: (B1) ha uma corrente forte de leste (∆u < 0 forte) com ante-cedencia θwave , suficiente para gerar uma onda de Rossby, seguida de uma de Kelvin parapropagar uma anomalia termica positiva (feedback negativo) ou (B2) quando ha corrente ∆ufraca de oeste (feedback positivo) com antecedencia θresp do ajustamento termico-dinamicolocal.

C) Durante o Inverno boreal, ocorre predominantemente a fase positiva da oscilacao doPacifico Norte com retardamento dos Alıseos (∆u > 0) conducente a um fortalecimento doEl-Nino apos o tempo de resposta local θresp , no caso do El-Nino ja estar instalado (C1);Caso contrario, nao ha variacao do sinal termico (C2).

D) O ciclo anual tem perıodo adimensionalizado θyear = 1.Tal permite escrever o sistema de BDEs do modelo:

(21)

U1(t) = T1(t − θresp)

U2(t) = T2(t − θresp)

T1(t) = ¬ [U1 ∧ U2] (t − θwave) ∨ [U1 ⊕ U2] (t − θwave) ∧ U2(t − θresp)

T2(t) = [S ≡ T1] (t − θresp) ∨ T2(t − θresp)

S(t) = S(t − θyear)

As solucoes produzidas exibem oscilacoes completas El-Nino → La-Nina → El-Nino for-madas pela sequencia: (T1, T2) = (1, 1), (1, 0), (0, 1), (0, 0), (0, 1), (1, 0), (1, 1) com um perıodototal P . Conforme os valores dos parametros de atraso (θresp, θwave) produzem-se os seguintescomportamentos: 1) P constante; 2) sequencia finita repetida de perıodos diferentes (perıodocomposto) ou 3) aperiodicidade com oscilacoes de P numa certa gama (entre 2 e 5 anos), oque e similar a serie observada na natureza do ındice de El-Nino. As equacoes (21) consti-tuem assim num dispositivo de geracao do sinal de El-Nino que pode ainda ser acoplado comoutras variaveis binarias deterministas ou estocasticas, o equivalente de ruıdos brancos naforma binaria. Apesar de simplificado, este tipo de formulacao pode ser acoplada a modeloscomplexos de previsao.

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 31

4. Modelacao Estatıstica do Clima

4.1. Ubi est fortuitae? Onde esta o aleatorio? Abordamos ate agora a modelacao fısicamais ou menos simplificada do clima, fundada nos princıpios fundamentais da fısica e es-crita em diferentes linguagens matematicas. A modelacao estatıstica do clima (climatologiaestatıstica) e complementar dessa e pode no limite ignorar totalmente os princıpios fısicosao considerar as variaveis climaticas como puramente aleatorias. O pressuposto de base e ode tomar as ocorrencias de um acontecimento do sistema climatico (e.g. furacoes, vagas decalor, temperatura acima de um valor extremo, numero de dias de geada em janeiro) comorealizacoes (estatisticamente independentes ou nao, distribuıdas no tempo, no espaco ou am-bas) de uma experiencia aleatoria regida por uma certa lei de probabilidade, tal como no

lancamento sucessivo de um ou mais dados. E possıvel obviamente a fusao (hibridacao) deambas as abordagens em diferentes graus, obtendo-se a modelacao hıbrida. Um compendioteorico bastante completo de estatıstica do clima e o de Hans von Storch e Francis Zwiers(1999).

Sempre que ha variaveis aleatorias pode usar-se a estatıstica e a teoria das probabilidades.Quais sao elas e porque o sao neste caso? O clima e muito provavelmente gerado por um atra-tor determinista caotico, cujos detalhes estao esbatidos em resultado da difusao probabilistaprovocada pelos forcamentos estocasticos. Tal justifica o referido pressuposto aleatorio.

4.2. Inferencia estatıstica e princıpio Bayesiano. Alem da aleatoriedade das variaveisclimaticas de estado - aqui representadas por X - ha a acrescer o facto de a sua observacao,medicao direta ou indireta, local ou remota, estimacao ou previsao - representada por Y- nao ser isenta de erro ε composto de uma parte sistematica e de outra aleatoria. Tem-se assim Y = F (X, ε, µ) onde F e o operador de observacao, µ sao parametros e ε saoerros de diversa natureza: instrumentais, de representatividade, de parametrizacao etc. Paracomplicar, podem igualmente estes ser dependentes das variaveis do sistema (e.g. os erros daprevisao meteorologica dependem das instabilidades atmosfericas do proprio dia).

Numa forma compacta, representamos por PX,ε(X, ε, µ) a probabilidade conjunta de Xe ε (ou densidade conjunta de probabilidade - pdf - no caso de variaveis contınuas). Paraerros independentes do estado tem-se o produto de pdfs PX,ε(X, ε, µ) = PX(X,µ)Pε(ε, µ). Alei probabilista PX,ε so pode ser estimada (inventada com fundamento) a partir de dados ehipoteses. Conforme os casos, podem ser dominantes, ou os erros ε (e.g. erros de inicializacaode uma previsao do tempo estudados no ambito da assimilacao de dados), ou as variaveis deestado (e.g. variabilidade climatica de uma regiao).

A inferencia de PX(X,µ), Pε(ε, µ) e obtida gracas a lei dos grandes numeros, justificativada visao frequencista e reza que a frequencia relativa num numero Nexp de experiencias in-dependentes converge com Nexp para a probabilidade real P . Alem disso, pelo teorema dolimite central, a distribuicao dessas frequencias relativas tende para a distribuicao Gaussi-ana de media P e variancia proporcional a 1/Nexp. Ora este princıpio de inferencia nemsempre e possıvel de aplicar na pratica devido a reduzidas amostras de dados e elevado erroamostral das inferencias. Desse modo, aplica-se inferencia Bayesiana admitindo que a leide probabilidade PX,θ pertence a uma famılia de distribuicoes parametrizada por um con-junto de parametros θ (e.g. Gaussiana, Gamma, Weibull). A solucao obtida da amostraX1, . . . ,XNexp

de ocorrencias independentes e PX,θML(X,µ) onde θML e funcao dos dados,

obtida pelo estimador de maxima verosimilhanca: θML = arg maxθ

[

∑Nexp

i=1 log (PX,θ(Xi, µ))]

.

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32 CARLOS PIRES

A distribuicao climatica estimada PX,θML(X,µ) e util uma vez que pode ser usada para a

‘fabricacao’ de amostras arbitrariamente longas de tempo meteorologico (weather generators)que podem ser usadas a jusante como input de modelos dinamicos com sensibilidade ao clima(e.g. modelos de producao de cereais, de gestao de stocks de produtos sazonais). A alteracaodo clima ou dos parametros µ tem impacto na resposta media desses modelos e eventualmenteconsequencias economicas e sociais.

A aplicacao do paradigma Bayesiano e muito relevante para determinar como uma leia-priori (ou de background) PX,pre(X,µ) do estado do sistema e alterada quando estao dis-ponıveis novas observacoes com erros seguindo uma determinada lei de erro. A distribuicaoa-priori e promovida a lei probabilista a-posteriori PX,post(X,µ). Assim, aplicando o teo-rema de Bayes, P (A |B) = P (B |A)P (A)/P (B), e admitindo por exemplo um erro ε aditivo,ε = Y − Fε(X,µ) tem-se:

(22) PX,post(X,µ) = C(Y, µ)PX,pre(X,µ)Pε(Y − Fε(X,µ)) ,

onde C(Y, µ) e uma constante de normalizacao. Este formalismo esta na base da assimilacaode dados, um problema inverso especıfico, no sentido de determinar a condicao inicial deerro mınimo (analise), a partir da qual se lancam as previsoes de tempo. A analise Xan

e dada pela moda (maximo) de PX,post(X,µ) ou seja o mınimo absoluto da funcao custo,J(X) = − log [PX,post(X,µ)], o qual pode ser extremamente difıcil de determinar devido aelevada dimensao do vetor de estado X e a existencia de mınimos locais de J(X).

4.3. Testes de hipoteses. Uma das descobertas da matematica aplicada do seculo XX consi-deradas maiores foram os testes de hipoteses e domınios de confianca em 1933 pelos estatısticosNeyman, Pearson e Fisher, com inumeras aplicacoes a ciencia, nomeadamente ao estudo doclima. Tal permite inferir com fiabilidade a partir de um conjunto limitado de Nexp dadosindependentes, se uma hipotese conservadora H0, dita hipotese nula, e valida ou se podemosconcluir o seu contrario (hipotese alternativa ¬H0 ≡ H1). Fornecamos um exemplo: Tem onumero e intensidade de furacoes aumentado (hipotese alternativa) ou nao (hipotese nula)nas ultimas duas decadas em resultado do aquecimento global? Em geral para responder,avalia-se um teste estatıstico T (X1, . . . ,XNexp

) = Texp, funcao dos Nexp valores, em geral umestimador de um determinado parametro estatıstico (media, variancia, tendencia etc.). Admi-tindo uma lei PX(X,µ), infere-se daı a lei probabilista do teste PT (T ). A hipotese alternativae aceite (hipotese nula rejeitada) se o valor Texp for um valor suficientemente raro ou sejacom um valor baixo da pdf PT (Texp). Tal equivale a Texp ser excluıdo do domınio de confiancaΩconf(p) com um nıvel de confianca p = Prob [Ωconf(p)] (p-value) (geralmente tomado elevado,e.g. 95%), agrupando os valores frequentes de T por ordem decrescente de probabilidade ateatingir p.

4.4. Calibracao de parametros µ. Em climatologia aplicada e muito comum a necessidadede fazer regressoes que podem ser lineares ou nao e para multiplos propositos. Uma delas eo downscaling estatıstico que pretende especificar probabilidades de ocorrencias Y a escalacurta e local (e.g. um tornado), a partir de indicadores de larga escala X (e.g. camposinoptico da pressao a escala sinoptica ou seja de ∼ 1000 km). Admite-se para tal que X eY estao relacionados por uma equacao de observacao Y = Fε(X,µ) + ε onde µ e um vetor deparametros e ε e um vetor de erros. A quantificacao media do erro para um conjunto ΩX desituacoes (e.g. analogos de um certo padrao), e obtida, entre outras possibilidades, atraves damedia condicional da norma quadratica: Gε(µ,ΩX) ≡ E

(

‖Y − Fε(X,µ)‖2 |X ∈ ΩX

)

onde Ee o operador de media, estimado a partir de uma amostra de calibracao. A melhor estimativa

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COMPREENDER O CLIMA, UMA AVENTURA PELOS PARADIGMAS DA MODELACAO 33

de Y e a dada por Yest = Fε(X,µreg) onde µreg = argmaxµ

[Gε(µ,ΩX)] e obtido por regressao

minimizando o erro. A qualidade da regressao tera de ser avaliada numa amostra independentede validacao. Este procedimento e muito comum na calibracao de modelos empıricos deprevisao.

4.5. Clima e teoria da informacao. A probabilidade P traduz um estado de conheci-mento cujo nıvel de incerteza H(P ) e uma funcao da lei de probabilidade, funcao essa, con-sistente com os axiomas da teoria da informacao de Shannon (1948) com inumeras aplicacoesna ciencia. Essa incerteza denomina-se entropia estatıstica e calcula-se como: H(P ) ≡−E [log(P )] ou seja o simetrico do valor medio do logaritmo da probabilidade (ou pdf conformeo caso). O valor de H(P ) e maximo quando a probabilidade e uniforme ao longo de todo odomınio da variavel aleatoria (incerteza total) e mınima se ela estiver concentrada num unicovalor (certeza total). O simetrico da variacao de entropia: −∆ [H(P )] e a quantidade ganhade informacao (neguentropia), tornando o estado de conhecimento mais preciso e portantomais preditıvel. Passemos a descrever as duas principais aplicacoes da teoria da informacao amodelacao e previsao climatica. A primeira recorre ao ‘Princıpio da Maxima Entropia - ME’e sua aplicacao ao problema inverso e assimilacao de dados; a segunda estuda os canais e omodo de transmissao da informacao atraves das variaveis de estado do sistema climatico.

Um problema essencial na inversao de dados e a especificacao das leis de probabilidadedos erros. Os erros nao devem ser, nem subestimados, com o risco se prever a partir defalsas evidencias, nem sobrestimados com o risco de desaproveitamento da informacao fiavel.A violacao da primeira clausula e mais perigosa e por isso os erros devem seguir uma leide mınimo compromisso, nao usando mais do que e sabido fiavelmente sobre eles, ou sejadevem seguir uma lei de maxima entropia condicionada. Genericamente, o que e sabidocoloca-se na forma de Nc medias conhecidas (constrangimentos) E[Fi(ε)] = µi, i = 1, . . . , Nc,

do erro. Mostra-se que a lei de ME se escreve: Pε,ME(ε) = λ0 exp[

∑Nc

i=1 λiFi(ε)]

onde os

coeficientes λ0, . . . , λNc sao funcoes dos µi, i = 1, . . . , Nc. Prescrevendo apenas momentosde primeira e segunda ordem, i.e. medias simples, variancias e covariancias, obtem-se leisde erro Gaussianas ou Normais, ja amplamente testadas. Todavia a especificidade dos errospermite conhecer outros constrangimentos estatısticos deles, o que nos leva a distribuicoesde erro nao-Gaussianas (apesar de pouco), com impacto na qualidade das previsoes (e.g.nao-Gaussianidade dos erros da informacao remota de satelite [16].

A segunda aplicacao da teoria da informacao centra-se no conceito de informacao mutua- mutual information (MI) - [8], [17], e consiste na quantidade de informacao (ao modo deShannon), partilhada por duas variaveis aleatorias X1, X2 e eventualmente condicionada aoconhecimento de uma terceira X3. MI e uma especie de correlacao nao linear e define-se como

(23) I(X1,X2 | X3) ≡ E

[

log

(

P (X1,X2 | X3)

P (X1 | X3)P (X2 | X3)

)]

A condicionalidade a X3 pode ser ignorada eliminando-a da expressao. MI e simetrica facea troca de X1 por X2 e e positiva, sendo nula sse X1,X2 forem estatisticamente indepen-dentes, condicionadas a X3. A MI e igualmente uma medida de interatividade. Ora, umfacto relevante e o de as variaveis aleatorias dependerem do tempo t e serem espacialmentedistribuıdas, isto e dependerem do vetor posicao R e portanto podermos avaliar a MI entreinstantes diferentes t1, t2 > t1 , permitindo estabelecer relacoes de causalidade (e.g. causali-dade de Granger) e em posicoes diferentes R1,R2 = R1 + ∆R1 , o que permite estabelecer

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relacoes de teleconectividade (interacao a distancia). Na verdade no sistema climatico existemteleconexoes e algum mecanismo que as explica. Por exemplo, um evento forte de La-Nina(vide seccao 3.3) conduz a fortes moncoes na India. Ora, esta possibilidade deixa abertasimensas avenidas de investigacao sobre, entre outras questoes, quais os canais de informacaono sistema climatico, como e transmitida a informacao entre escalas e como construir variaveisapropriadas para definir a ‘trajetoria’ da informacao. Essas variaveis serao extremamente rele-vantes na predictabilidade a longo prazo, desde sazonal a decadal. Atualmente ja se vislumbrauma dessas avenidas com a aplicacao da teoria das redes complexas (Donges et al. 2009) aosistema climatico espacialmente distribuıdo na esfera. Tal significa encara-lo como um novoparadigma, uma rede funcional com uma gigantesca quantidade de nodos e ligacoes, tal comoa rede Internet (WWW - World Wide Web) no qual se identificam grandes hubs distribuido-res, super-canais de informacao e a emergencia de pequenos, grandes e caoticos mundos ouredes (small-worlds, large-worlds e random-worlds).

5. Epılogo

Mostramos atraves de varios exemplos a multiplicidade de ligacoes que a investigacaodo sistema climatico estabelece com variadıssimos campos da matematica pura e aplicada.Tal como em qualquer campo cientıfico, abordagens, linguagens ou teorias que atualmentepodem nao ter aplicacao ou utilidade imediata, te-la-ao certamente no futuro de maneiradireta ou indireta. Todavia, muito do sucesso da previsao meteorologica e climatica atualcomecou igualmente de modo muito idealista com uma ideia visionaria como a de Lewis FryRichardson em 1922 que imaginava a previsao operacional numa enorme sala de concertos emque cada instrumentista executava sucessoes de pequenos calculos sob a batuta do maestro nomeio da sala (veja http://www.metlink.org/pdf/articles/forecast_factory_weather_

feb2011.pdf).

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