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Introdução à história da matemática

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  1. 1. Introduo histria da matemtica
  2. 2. universidade estadual de campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori de Decca Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pcora Christiano Lyra Filho Jos A. R. Gontijo Jos Roberto Zan Marcelo Knobel Marco Antonio Zago Sedi Hirano Silvia Hunold Lara
  3. 3. Howard Eves Introduo histria da matemtica traduo Hygino H. Domingues
  4. 4. ndices para catlogo sistemtico: 1. Matemtica Histria 510.9 Copyright by Howard Eves Copyright 2011 by Editora da Unicamp 1a edio, 1995 2a edio, 1997 3a edio, 2002 4a edio, 2004 Nenhuma parte desta publicao pode ser gravada, armazenada em sistema eletrnico, fotocopiada, reproduzida por meios mecnicos ou outros quaisquer sem autorizao prvia do editor. isbn 85-268-0657-2 Ev 28i Eves, Howard Introduo histria da matemtica / Howard Eves; traduo Hygino H. Domingues. 5a ed. Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2011. 1. Matemtica Histria. I. Ttulo. 20 cdd510.9 ficha catalogrfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informao Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 Campus Unicamp cep 13083-892 Campinas sp Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br [email protected] Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
  5. 5. MIMSE Por incontveis recordaes encantadoras de coisas como tomar sorvete juntos no meio de um lago, debaixo de chuva.
  6. 6. Sumrio Prefcio.................................................................................................................................. 13 Introduo............................................................................................................................. 17 PRIMEIRA PARTE: ANTES DO SCULO XVII Panorama Cultural I: Os caadores das savanas.............................................................. 22 (A Idade da Pedra) 1 SISTEMAS DE NUMERAO ............................................................................ 25 1-1 Contagem primitiva; 1-2 Bases; 1-3 Nmeros digitais e nmeros escritos; 1-4 Sistemas de agrupamentos simples; 1-5 Sistemas de agrupamentos multiplicativos; 1-6 Sistemas de numerao cifrados; 1-7 Sistemas de numerao posicionais; 1-8 Computao primitiva; 1-9 O Sistema de numerao indo-arbico; 1-10 Bases arbitrrias. EXERCCIOS...................................................................................................................... 44 TEMAS................................................................................................................................. 49 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................. 49 Panorama Cultural II: A Revoluo Agrcola............................................................... 52 (Os beros da civilizao) 2 A MATEMTICA BABILNICA E EGPCIA................................................. 57 2-1 O Oriente antigo; 2-2 BABILNIA: Fontes; 2-3 Matemtica agrria e comercial; 2-4 Geometria; 2-5 lgebra; 2-6 Plimpton 322; 2-7 EGITO: Fontes e datas; 2-8 Aritmtica e lgebra; 2-9 Geometria; 2-10 Um curioso problema do papiro Rhind. EXERCCIOS................................................................................................................. 77 TEMAS.......................................................................................................................... 88 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 88
  7. 7. Panorama Cultural III: Os filsofos da gora......................................................... 90 (Grcia Helnica) 3 A MATEMTICA PITAGRICA................................................................. 94 3-1 O bero da matemtica demonstrativa; 3-2 Pitgoras e os pitagricos; 3-3 Aritmtica pitagrica; 3-4 O teorema de Pitgoras e os ternos pitagricos; 3-5 A descoberta das grandezas irracionais; 3-6 Identidades algbricas; 3-7 Resoluo geomtrica de equaes quadrticas; 3-8 Transformao de reas; 3-9 Os slidos regulares 3-10 O raciocnio postulacional. EXERCCIOS................................................................................................................. 115 TEMAS.......................................................................................................................... 126 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 127 4 DUPLICAO, TRISSECO E QUADRATURA........................................... 129 4-1 O perodo de Tales a Euclides; 4-2 Linhas de desenvolvimento matemtico; 4-3 Os trs famosos problemas; 4-4 Os instrumentos de Euclides; 4-5 Duplicao do cubo; 4-6 Trisseco do ngulo; 4-7 Quadratura do crculo; 4-8 Cronologia de . EXERCCIOS................................................................................................................. 149 TEMAS.......................................................................................................................... 159 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 159 Panorama Cultural IV: O oikoumene ........................................................................... 161 (O Imprio Persa, A Grcia Helenstica, O Imprio Romano) 5 EUCLIDES E SEUS ELEMENTOS ................................................................. 166 5-1 Alexandria; 5-2 Euclides; 5-3 Os Elementos de Euclides; 5-4 O contedo dos Elementos; 5-5 A teoria das propores; 5-6 Polgonos regulares; 5-7 Aspectos formais dos Elementos; 5-8 Outros trabalhos de Euclides. EXERCCIOS................................................................................................................. 181 TEMAS.......................................................................................................................... 189 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 189
  8. 8. 6 A MATEMTICA GREGA DEPOIS DE EUCLIDES ................................ 191 6-1 Cenrio histrico; 6-2 Arquimedes; 6-3 Eratstenes; 6-4 Apolnio; 6-5 Hiparco, Menelau, Ptolomeu e a trigonometria grega; 6-6 Hero; 6-7 lgebra grega antiga; 6-8 Diofanto; 6-9 Papus; 6-10 Os comentadores. EXERCCIOS................................................................................................................. 213 TEMAS.......................................................................................................................... 231 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 232 Panorama Cultural V: Os imprios asiticos ............................................................... 234 (China, ndia e a ascenso do Islamismo) 7 A MATEMTICA CHINESA, HINDU E RABE........................................... 241 7-1 CHINA: Fontes e perodos; 7-2 Do Shang ao Tang; 7-3 Do Tang atravs do Ming; 7-4 Observaes finais; 7-5 NDIA: Viso geral; 7-6 Clculos numricos; 7-7 Aritmtica e lgebra 7-8 Geometria e trigonometria; 7-9 Confronto entre a matemtica grega e a hindu; 7-10 ARBIA: A ascenso da cultura muulmana; 7-11 Aritmtica e lgebra; 7-12 Geometria e trigonometria; 7-13 Alguma etimologia; 7-14 A contribuio rabe. EXERCCIOS................................................................................................................. 267 TEMAS.......................................................................................................................... 279 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 280 Panorama Cultural VI: Servos, senhores e papas.......................................................... 282 (A Idade Mdia europeia) 8 A MATEMTICA NA EUROPA, DE 500 A 1600 ............................................ 289 8-1 A Alta Idade Mdia; 8-2 O perodo de transmisso; 8-3 Fibonacci e o sculo XIII; 8-4 O sculo XIV; 8-5 O sculo XV; 8-6 As primeiras aritmticas; 8-7 O incio do simbolismo algbrico; 8-8 Equaes cbicas e qurticas; 8-9 Franois Vite; 8-10 Outros matemticos do sculo XVI. EXERCCIOS................................................................................................................. 314 TEMAS.......................................................................................................................... 329 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 330
  9. 9. SEGUNDA PARTE: DO SCULO XVII EM DIANTE Panorama Cultural VII: Puritanos e lobos do mar....................................................... 334 (A expanso da Europa) 9 A ALVORADA DA MATEMTICA MODERNA............................................. 340 9-1 O sculo XVII; 9-2 Napier; 9-3 Logaritmos; 9-4 As ctedras de Henry Savile e Henry Lucas; 9-5 Harriot e Oughtred; 9-6 Galileu; 9-7 Kepler; 9-8 Desargues; 9-9 Pascal. EXERCCIOS................................................................................................................. 366 TEMAS.......................................................................................................................... 379 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 379 10 A GEOMETRIA ANALTICA E OUTROS DESENVOLVIMENTOS PR-CLCULO....................................................... 382 10-1 Geometria analtica; 10-2 Descartes;- 10-3 Fermat; 10-4 Roberval e Torricelli; 10-5 Huygens; 10-6 Alguns matemticos franceses e italianos do sculo XVII; 10-7 Alguns matemticos da Alemanha e dos Pases Baixos no sculo XVII; 10-8 Alguns matemticos britnicos do sculo XVII. EXERCCIOS................................................................................................................. 405 TEMAS.......................................................................................................................... 414 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 414 11 O CLCULO E CONCEITOS RELACIONADOS ......................................... 417 11-1 Introduo; 11-2 Paradoxos de Zeno; 11-3 O mtodo de exausto de Eudoxo; 11-4 O mtodo de equilbrio de Arquimedes; 11-5 Primeiros passos da integrao na Europa Ocidental; 11-6 O mtodo dos indivisveis de Cavalieri; 11-7 Os primeiros passos da diferenciao; 11-8 Wallis e Barrow; 11-9 Newton; 11-10 Leibniz. EXERCCIOS................................................................................................................. 445 TEMAS.......................................................................................................................... 452 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 453
  10. 10. Panorama Cultural VIII: A revolta da classe mdia...................................................... 456 (A Europa e a Amrica no sculo XVIII) 12 O SCULO XVIII E A EXPLORAO DO CLCULO ................................. 461 12-1 Introduo e justificativa; 12-2 A famlia Bernoulli; 12-3 De Moivre e a probabilidade; 12-4 Taylor e Maclaurin; 12-5 Euler; 12-6 Clairaut, dAlembert e Lambert; 12-7 Agnesi e du Chtelet; 12-8 Lagrange; 12-9 Laplace e Legendre; 12-10 Monge e Carnot; 12-11 O sistema mtrico; 12-12 Resumo. EXERCCIOS................................................................................................................. 495 TEMAS.......................................................................................................................... 510 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 511 Panorama Cultural IX: A revoluo industrial ............................................................ 514 (O sculo XIX) 13 AS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO XIX E A LIBERTAO DA GEOMETRIA E DA LGEBRA........................................ 519 13-1 O prncipe dos matemticos; 13-2 Germain e Somerville; 13-3 Fourier e Poisson; 13-4 Bolzano; 13-5 Cauchy; 13-6 Abel e Galois; 13-7 Jacobi e Dirichlet; 13-8 Geometria no Euclidiana; 13-9 A libertao da geometria; 13-10 A emergncia de estruturas algbricas; 13-11 A libertao da lgebra; 13-12 Hamilton, Grassmann, Boole e De Morgan; 13-13 Cayley, Sylvester e Hermite; 13-14 Academias, sociedades e peridicos. EXERCCIOS................................................................................................................. 566 TEMAS.......................................................................................................................... 580 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 581 14 AS DCADAS POSTERIORES DO SCULO XIX E A ARITMETIZAO DA ANLISE................................................................... 585 14-1 Sequncia de Euclides; 14-2 Impossibilidade da resoluo dos trs problemas famosos com instrumentos euclidianos; 14-3 Compasso ou rgua apenas; 14-4 Geometria projetiva; 14-5 Geometria analtica; 14-6 Geometria n-dimensional; 14-7 Geometria diferencial; 14-8 Felix Klein e o programa de Erlanger; 14-9 A aritmetizao da anlise; 14-10 Weierstrass e Riemann; 14-11 Cantor, Kronecker e Poincar; 14-12 Sonja Kovalevsky, Emmy Noether e Charlotte Scott; 14-13 Os nmeros primos.
  11. 11. EXERCCIOS................................................................................................................. 625 TEMAS.......................................................................................................................... 648 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 648 Panorama Cultural X: O tomo e a roda de fiar........................................................... 652 (O sculo XX) 15 NO SCULO XX .............................................................................................. 655 15-1 Deficincias lgicas dos Elementos de Euclides; 15-2 Axiomtica; 15-3 Evoluo de alguns conceitos bsicos; 15-4 Nmeros transfinitos; 15-5 Topologia; 15-6 Lgica matemtica; 15-7 Antinomias da teoria dos conjuntos; 15-8 Filosofias da matemtica; 15-9 Computadores; 15-10 A matemtica moderna e o grupo Bourbaki; 15-11 A rvore da matemtica; 15-12 E doravante? EXERCCIOS................................................................................................................. 696 TEMAS.......................................................................................................................... 714 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................ 715 BIBLIOGRAFIA GERAL.............................................................................................. 724 TABELA CRONOLGICA........................................................................................... 729 RESPOSTAS E SUGESTES PARA A RESOLUO DE EXERCCIOS................... 742 NDICE REMISSIVO.................................................................................................... 780
  12. 12. Prefcio Esta edio sem dvida ganhou muito com a incluso de um grande nmero de apri moramentos, desde ampliaes e atualizaes histricas at a introduo de algumas novas sees e a expanso de outras que j existiam. Acrescentou-se muito material ilustrativo novo e se deu s mulheres uma ateno mais digna de sua importncia. bem provvel que no haja uma seo sequer dos 15 captulos do livro que no tenha sofrido alguma ampliao ou atualizao. Esses melhoramentos so to nume rosos que seria demais citar todos aqui. Dentre as mudanas maiores, cumpre men- cionar uma expanso considervel da discusso do contedo dos Elementos de Euclides no Captulo 5, o tratamento completo da matemtica chinesa no Captulo 7, a abor- dagem dos logaritmos no Captulo 9, uma seo inteiramente nova sobre Maria Ag- nesi e a Marquesa du Chtelet no Captulo 12, um balano sobre as contribuies de Argand e Wessel representao geomtrica dos nmeros complexos no Captulo 13, uma nova seo no Captulo 13 dedicada a Sophie Germain e Mary Somerville, outra seo nova no Captulo 13 dedicada a Bolzano, uma ampliao considervel no Ca- ptulo 13 do material sobre a libertao da geometria no sculo XIX, uma reformu- lao completa da seo sobre geometria diferencial no Captulo 14, a incluso do material sobre Grace Chisholm e Charlotte Scott no Captulo 14 e uma nova seo de encerramento do livro dedicada a prognosticar o futuro da matemtica. Constituem um acrscimo muito significativo ao livro os Panoramas Culturais escritos por Jamie Eves. Na verdade eles vm atender a solicitaes de usurios de edies anteriores do livro para os quais um aprofundamento do cenrio cultural das vrias eras e pocas da histria da matemtica traria muitos benefcios para os alunos. Um aluno avisado dever ler com ateno cada Panorama Cultural antes de se enfro- nhar no material histrico do captulo associado. Quanto a ilustraes, acrescentaram-se 10 novas peas de material pictrico e 16 novas fotografias de matemticos (totalizando agora 76). Finalmente, a bibliografia foi atualizada de maneira considervel. O leitor que deseje descries mais detalhadas dos vrios aspectos do livro poder consultar a Introduo que precede imediatamente o Captulo 1. Como das edies anteriores, com prazer que outra vez expresso minha satisfao com a calorosa acolhida que o livro obteve junto aos professores em geral. Desejo agradecer em especial aos que se preocuparam escrevendo-me palavras de encoraja- mento e enviando-me sugestes para posteriores melhoramentos no livro. Cada nova edio deste trabalho tem levado grandemente em conta uma seleo organizada dessas sugestes.
  13. 13. howard eves14 H muitas outras pessoas que foram particularmente teis. Entre elas esto Duane E. Deal da Universidade Estadual de Bali, Florence D. Fasanelli da Escola Sidwell Friends, David E. Kullman da Universidade de Miami e Gregorio Fuentes da Uni versidade de Maine, cada um deles responsvel por valiosas sugestes visando o apri- moramento do texto. Gostaria de agradecer em especial ao professor Deal que, de dicadamente, no poupou tempo para me oferecer material de alto nvel com vistas a enriquecer diversas partes do livro. No poderia deixar de registrar as recomendaes oportunas e o material de valor sobre a matemtica da China antiga que nos foram enviados por Ouyang Jiang e Zhang Liangjin. A livraria e a biblioteca da Universidade de Maine em Machias e o Servio de Informaes Bibliogrficas da Universidade de Maine em Orono foram de grande utilidade. com satisfao especial que agradeo ao meu filho Jamie H. Eves por ter valori- zado o livro com os Panoramas Culturais. Foi uma grande vantagem poder contar com a colaborao de sua cultura ampla, profunda e entusistica no campo da histria. Deixo, por fim, meu reconhecimento sincero eficiente equipe da Editora Uni versitria Saunders por sua ajuda e cooperao excelentes. Fox Hollow, Lubec, Maine Vero, 1989 H. E.
  14. 14. Introduo histria da matemtica
  15. 15. Introduo Este livro difere das muitas histrias da matemtica existentes por no se tratar pri- mordialmente de um trabalho de prateleira para consulta, mas sim de uma tentativa de introduzir a histria da matemtica aos alunos de graduao dos cursos superiores de matemtica. Assim sendo, alm da narrativa histrica, h muitos expedientes pe- daggicos visando assistir, motivar e envolver o aluno. Descrevamos alguns desses expedientes e comentemos algumas caractersticas do livro. 1. Acreditando que um curso superior de histria da matemtica deve, antes de nada, ser um curso de matemtica, fez-se um esforo para incluir um montante conside rvel de matemtica genuna no livro. Espera-se que o estudante, ao usar este livro, aprenda muita matemtica, alm de histria. 2. Entre os expedientes pedaggicos do livro, talvez os Exerccios* arrolados ao fim de cada captulo representem o mais importante. Cada Exerccio contm vrios problemas e questes relacionados entre si e concernentes a alguma parte do mate- rial ligado ao captulo. Parte-se do pressuposto de que, discutindo muitos desses Exerccios em aula e passando outros tantos para serem trabalhados em casa, o cur- so se tornar mais concreto e significativo para o estudante, posto que essas ativida- des levaro cristalizao de muitos conceitos historicamente importantes. Por exemplo, o estudante pode atingir um entendimento e uma apreciao melhores dos sistemas de numerao trabalhando efetivamente com os sistemas. Tambm, em vez de apenas ler que os gregos antigos resolviam equaes quadrticas geome- tricamente, ele pode resolver algumas delas pelo mtodo grego e, em fazendo isso, chegar a uma apreciao mais profunda das realizaes da matemtica grega. Alguns dos Exerccios dizem respeito a problemas e procedimentos historicamente importan tes, outros fornecem material de valor para futuros professores da escola secundria ou superior e outros ainda tm finalidade meramente recreativa, havendo inclusive alguns com o papel de servir de subsdio a pesquisas de iniciao cientfica. Um grande nmero de professores de high-schools** e de faculdades tem usado o material desses Exerccios para, ao mesmo tempo, tornar mais interessantes e mais robustos os cursos que ministram. Esses Exerccios tm sido usados tambm, e amplamente, * NooriginalProblemStudies,cujatraduoliteralmaiscorretatalvezfosseEstudosdeProblemas.Optamospelatraduo Exerccios mas fica o registro do carter especial desse expediente pedaggico no texto presente. (N. T.) ** Fase escolar nos Estados Unidos que corresponde, aproximadamente, ao nosso segundo grau. (N. T.)
  16. 16. howard eves18 por centros estudantis ligados a cursos superiores de matemtica; e muitos alunos os tm usado para desenvolver atividades com vistas a feiras de matemtica promo- vidas pelas high-schools. 3. H bem mais Exerccios do que se poderia abarcar em um ou dois semestres, e seu grau de dificuldade bastante diversificado. Isso permite ao professor selecionar problemas e questes que se ajustem capacidade de seus alunos e mudar as tarefas de ano para ano. 4. Ao fim do livro encontra-se um conjunto de dicas e sugestes para a resoluo de muitos Exerccios. Espera-se que elas no sejam to amplas a ponto de roubar o prazer da resoluo. Um bom exerccio, alm de fugir ao rotineiro, deve ser insti- gante e no muito fcil de resolver e ele deve exigir, inclusive, tempo para elucu braes. 5. interessante registrar que, com base no conceito de que os problemas cons tituem o mago da matemtica , j se deram cursos em faculdades baseados to so- mente nos Exerccios deste livro. 6. Muitos professores de histria da matemtica gostam de passar temas a serem desenvolvidos como trabalhos por seus alunos; por isso, ao fim de cada captulo, logo aps os Exerccios, se d uma lista de Temas relacionados com o material coberto naquela unidade. Trata-se de simples sugestes, uma vez que nenhum professor teria dificuldades em elaborar, por si prprio, uma lista at mais ampla. Cada Tema desses dever exigir, para ser desenvolvido, outras leituras afora a deste texto; o aluno po- der ento achar necessrio se aprofundar na literatura arrolada na Bibliografia do captulo. Muitos desses temas redundaram em excelentes artigos, havendo diversos deles, escritos por alunos, que mereceram publicao em jornais matemticos e pe- daggicos. 7. um axioma que a histria de uma determinada matria no pode ser devi damente apreciada sem que se tenha pelo menos um razovel conhecimento da prpria matria . Consequentemente, houve um empenho no sentido de explicar o material focalizado, especialmente nos ltimos captulos, quando ele se torna mais avanado. Essa uma das maneiras de um aluno principiante poder aprender um volume considervel de matemtica, assim como de histria, a partir do estudo deste livro. 8. Perceber-se- que os conceitos definidos no texto so colocados em destaque apresentando-os em negrito. Ver P. R. Halmos, The heart of mathematics, The American Mathematical Monthly, no 87, 1980, pp. 519-24. interessante e pertinente que, reciprocamente, seja impossvel uma apreciao verdadeira de um ramo da matemtica sem algum conhecimento da histria desse ramo, pois a matemtica , em grande parte, um estudo de ideias, e uma compreenso autntica das ideias no possvel sem uma anlise de suas origens. Um exemplo particularmente bvio dessa observao o estudo da geometria no euclidiana. Com muita propriedade J. W. L. Glaisher disse: Estou certo de que nenhuma matria perde tanto quanto a matemtica ao se dissoci-la de sua histria.
  17. 17. 19introduo histria da matemtica 9. Apresenta-se o material histrico em ordem essencialmente cronolgica, com desvios eventuais determinados por consideraes pedaggicas e lgicas ou pela von- tade de alguns leitores e professores. Em alguns lugares onde poderia ser desejvel um desenvolvimento cronolgico mais direto, h sinalizaes claras a respeito juntamen- te com instrues de como proceder para rearranjar a sequncia dos assuntos. 10. O leitor perceber que um conhecimento bsico da aritmtica, da lgebra, da geometria e da trigonometria do primeiro e segundo graus , em geral, suficiente para uma compreenso adequada dos primeiros nove captulos. Para o Captulo 10 neces- srio conhecer os rudimentos da geometria analtica plana, assim como preciso co- nhecer os conceitos bsicos do clculo para os captulos seguintes (11 a 15). Espera-se que os conceitos e desenvolvimentos de natureza mais avanada envolvidos no livro estejam suficientemente explicados nos pontos onde so introduzidos. desejvel um certo grau de maturidade matemtica, e se nove, dez, onze ou todos os quinze captulos sero cobertos, depende da quantidade de aulas e da preparao prvia dos alunos. Quanto a isso, os Exerccios formam um elemento elstico, pois eles podero ser explo- rados (includos ou omitidos) segundo os ditames da convenincia e do tempo. 11. Positivamente, no fcil cobrir a histria da matemtica desde a Antiguidade at os tempos modernos num curso semestral de trs horas-aula semanais; isso reque reria muita leitura por parte do aluno e um desprezo quase que completo do problema material. O ideal seria oferecer-se um curso anual sobre o assunto, desenvolvendo-se no primeiro semestre a Parte 1 (os primeiros oito captulos) ou a Parte 1 juntamente com alguns tpicos escolhidos dos Captulos 9, 10 e 11, e no segundo semestre a Parte 2 ou o material restante. Os alunos mais avanados de um bacharelado em ma- temtica poderiam cursar os dois semestres; para um aluno de licenciatura em mate- mtica poderia ser suficiente cursar apenas o primeiro semestre. 12. A histria da matemtica to vasta que apenas uma introduo matria possvel em nvel de graduao, mesmo num curso anual. Em vista disso anexou-se a cada captulo, em seu final, uma bibliografia referente ao material desse captulo. A Bibliografia Geral, que segue imediatamente o ltimo captulo, envolve todos, ou qua- se todos, os captulos. Deve-se observar que a Bibliografia Geral, a despeito de ser ex- tensa, no tem a pretenso de ser completa; ela foi elaborada to somente como ponto de partida para uma busca de material suplementar. Fornecem-se no livro, em locais apropriados e em notas de rodap, muitas referncias de peridicos. Perto do final da Bibliografia Geral h uma fonte excelente de referncias de peridicos; so muito nu- merosas as referncias dessa espcie e um aluno curioso logo as encontrar. 13. Uma grande armadilha para quem escreve um livro como este a incluso de mais material do que poderia ser coberto e/ou assimilado dentro dos limites de tempo do curso; um escritor simplesmente conhece bastante sobre seu campo. No fcil al canar o delicado equilbrio entre um tratamento muito breve e um outro muito exten so a melhor maneira de se conseguir isso talvez seja atravs da experincia didtica. Ningum est mais inteirado do que o autor sobre aqueles muitos tpicos que, devido aos objetivos em vista e clientela do livro, devem merecer menos importncia ou at ser suprimidos. Se um professor sentir profundamente que certo material omitido
  18. 18. howard eves20 deveria ser includo em seu curso, que o introduza sem hesitaes caso tenha condies para tanto. Um livro-texto no deve ter a pretenso de substituir o professor ou de interferir no ensino criativo; ele serve apenas como um instrumento de ajuda. 14. Os Panoramas Culturais de autoria de Jamie H. Eves podem ser includos ou omitidos escolha do professor. Eles foram inseridos no texto para atender expec- tativa daqueles que sentem que a matemtica no se desenvolve no vcuo. Como alguns professores podem preferir deixar de lado os Panoramas Culturais, algo do material que neles figura se repete no texto propriamente dito.
  19. 19. parte 1 ANTES DO SCULO XVII
  20. 20. Panorama Cultural Os caadores das savanas A Idade da Pedra c. 5 milhes-3000 a.C. (Para acompanhar o Captulo 1) Os primeiros povos viviam da caa de pequenos animais selvagens e das frutas, cas- tanhas e razes que colhiam. Habitavam, em geral, os espaos abertos das savanas, verdadeiros oceanos de uma erva alta que cobria a maior parte das pores habitveis da frica, sul da Europa, sul da sia e Amrica Central. Eram nmades e constan- temente se deslocavam de um lugar para outro procura de alimento e em resposta s mudanas climticas. Sua cultura era forjada no cadinho de um mundo duro e hostil onde a busca do alimento era uma constante indeclinvel. Tudo tinha que se adaptar caa: seus instrumentos de pedra, madeira, osso e carapaa de animais eram desenhados ou para a caa ou para a preparao de alimentos; o fogo, que domina- ram, era usado para cozer e para o aquecimento; sua arte retratava cenas de caadas; sua religio era uma tentativa tmida de entender e submeter a imensido rude que os cercava e apenas obscuramente se prendia ideia de destino final. No sabemos ao certo quando a Idade da Pedra comeou. Talvez j uns 5 milhes de anos antes de Cristo, quando o Australopithecus, um quadrpede em p ancestral do homem, que viveu na frica, ps-se a construir machados e facas de pedra toscos, golpeando um seixo contra outro. Certamente por volta de 400000 a.C. o Homo erectus na China j construa rotineiramente machados, facas e raspadeiras de pedra. O Homo erectus tambm procurou abrigo das temperaturas que castigavam as savanas em cavernas perto da atual Pequim, um avano que teve continuidade com seu primo, o Homo neanderthalensis, que viveu na Europa e no Oriente Mdio entre aproxi- madamente 110000 a.C. e 35000 a.C. O Homo neanderthalensis aquecia suas cavernas com fogo e cozia os animais que capturava nas savanas. Preservou regis- tros de suas caadas em pinturas murais elegantes e detalhadas. Por volta de 30000 a.C. o Homo sapiens (o novo homem) substituiu as moradias em cavernas por estruturas mveis barracas de peles de animais com cobertura de madeira que podia levar consigo nas caadas. Pela mesma poca comeou a esculpir estatuetas da fertilidade e outros cones religiosos em pedra. No se pode precisar com exatido o fim da Idade da Pedra. Algumas culturas persistiram na Idade da Pedra em algumas partes do mundo at o sculo XIX ou XX. Quando os conquistadores europeus chegaram ao sul da frica, Austrlia e
  21. 21. 23introduo histria da matemtica s Amricas entre os sculos XVI e XVII a maior parte dos povos que encontraram vivia na Idade da Pedra. Em meados do sculo XX alguns caadores chegaram por acaso aos Tasadays, uma tribo at ento no descoberta e que vivia embrenhada no interior das florestas de uma das ilhas do arquiplago das Filipinas ao nvel de Idade da Pedra. Por uma conveno histrica, porm, costuma-se situar o fim da Idade da Pedra aproximadamente em 3000 a.C. quando no Oriente Mdio, na ndia e na China emergiram cidades com culturas capazes de fundir metais. Como todas as pocas histricas, a Idade da Pedra no foi esttica. A sociedade e a cultura foram mudando com o tempo para adaptar-se a um mundo em transio. Os historiadores esquematizam essas mudanas dividindo a Idade da Pedra em trs perodos. Durante o Paleoltico, ou Antiga Idade da Pedra (c. 5 milhes-10000 a.C.) o Homo sapiens evolveu de criaturas menores e mais frgeis e desenvolveu a estrutu- ra socioeconmica da Idade da Pedra. No perodo Mesoltico, ou Mdia Idade da Pedra, (c. 10000-7000 a.C.) a economia baseada no binmio caar/colher cristali- zou-se. No perodo Neoltico ou Nova Idade da Pedra (c. 7000-3000 a.C.) a Idade da Pedra comeou a declinar e a dar lugar s Idades do Bronze e do Ferro, medida que os povos comearam a se afastar da forma de sociedade calcada no caar/colher, para outra que envolvia modos primitivos de agricultura e domesticao de animais. O Paleoltico foi uma era de transio de um mundo de pr-humanos para uma so- ciedade de caadores humanos. O Neoltico foi tambm um perodo de transio: de uma sociedade de caadores para uma de agricultores. Por ter sido uma poca em que quase todas as pessoas eram caadores nmades, a Idade da Pedra registrou limitados avanos cientficos e intelectuais. Mas isso no se deu porque faltasse inteligncia s pessoas na Idade da Pedra. Por volta de 20000 a.C. os caadores das savanas haviam desenvolvido uma cultura complexa que inclua a feitura de ferramentas, linguagem, religio, arte, msica e comrcio. Os progressos na matemtica e na cincia, todavia, eram obstados pelas estruturas social e econ- mica daqueles tempos remotos. Como os povos da Idade da Pedra eram caadores e no agricultores, tinham de se deslocar em consonncia com as estaes e com o sazonamento de frutas e castanhas. S tinham condies de levar consigo ferramen- tas pequenas, fceis de transportar, roupas e objetos pessoais. No havia lugar nessa sociedade para o volumoso equipamento necessrio para fundir metais nem para as propores de uma biblioteca; da porque na Idade da Pedra no se desenvolveram ferramentas metlicas nem a linguagem escrita. No havia cidades, e as savanas s podiam fornecer alimentos suficientes para cerca de 40 pessoas por centena de milha quadrada. Nessa vida ocupada, e muitas vezes curta, um caador no tinha tempo para ponderar questes de filosofia e cincia. Sem dvida, algum progresso cientfi- co se verificou durante a Idade da Pedra. As pessoas comerciavam entre si e havia necessidade de anotar a parte de cada famlia na caada; ambas as atividades depen- diam da ideia de contar, um preldio do pensamento cientfico. Alguns povos na Idade da Pedra, como a tribo Sioux, tinham calendrios pictogrficos que registravam vrias dcadas de histria. Todavia, afora os sistemas de contagem primitivos, tudo
  22. 22. howard eves24 o mais teve de esperar o desenvolvimento da agricultura, intensiva e em grande es- cala, que requeria uma aritmtica mais sofisticada. No ltimo milnio da Idade da Pedra, durante o Neoltico, a humanidade passou do estgio de colher simples e naturalmente frutas silvestres, castanhas, razes e ve- getais para o de efetivamente plantar sementes e colher a safra. O homem do Neol- tico era todavia ainda primordialmente caador e colhedor e seus campos pequenos e mal arrumados assemelhavam-se mais a jardins meio abandonados do que a fazen- das. Esses jardins do fim da Idade da Pedra com certeza se pareciam muito com os milharais plantados pelos ndios americanos e descritos pelos conquistadores europeus do sculo XVI, com plantas de vrias espcies plantadas no mesmo campo. Para recapitular, a Idade da Pedra durou vrios milhares de anos, comeando talvez j em 5 milhes a.C. e indo at por volta de 3000 a.C. Num mundo de vastas pastagens e savanas onde abundavam os animais selvagens e as pessoas eram princi- palmente caadores e colhedores. Suas vidas eram agrestes e difceis, de maneira que elas viviam demasiado ocupadas e em permanente agitao para poderem desenvolver tradies cientficas. Depois de 3000 a.C. emergem comunidades agrcolas densa- mente povoadas ao longo do rio Nilo na frica, dos rios Tigre e Eufrates no Orien- te Mdio e ao longo do rio Amarelo na China. Essas comunidades criaram culturas nas quais a cincia e a matemtica comeam a se desenvolver.
  23. 23. 1 Sistemas de numerao 1.1 Contagem primitiva Ao se fazer um relato cronolgico do desenvolvimento da matemtica, a questo de por onde comear se impe. Deve-se iniciar com as primeiras dedues sistemticas em geometria, tradicionalmente creditadas a Tales de Mileto, por volta de 600 a.C.? Ou se deve recuar mais no tempo e iniciar com a obteno de certas frmulas de mensurao feitas pelas civilizaes pr-helnicas da Mesopotmia e do Egito? Ou se deve recuar ainda mais no tempo e iniciar com os primeiros esforos tateantes feitos pelo homem pr-histrico visando a sistematizao das ideias de grandeza, forma e nmero? Ou se pode dizer que a matemtica teve incio em pocas pr-hu- manas com a manifestao de senso numrico e reconhecimento de modelos, em- bora muito limitadamente, por parte de alguns animais, pssaros e insetos? Ou mesmo antes disso, nas relaes numricas e espaciais das plantas? Ou at antes, nas nebulosas espiraladas, nas trajetrias de planetas e cometas e na cristalizao de minerais em pocas pr-orgnicas? Ou ser que a matemtica, como acreditava Plato, sempre existiu, estando meramente a aguardar sua descoberta? Cada uma dessas origens possveis comporta uma defesa . Como usualmente se considera como a matemtica mais antiga aquela resultante dos primeiros esforos do homem para sistematizar os conceitos de grandeza, forma e nmero, por a que comearemos, focalizando de incio o surgimento no homem primitivo do conceito de nmero e do processo de contar. O conceito de nmero e o processo de contar desenvolveram-se to antes dos primei ros registros histricos (h evidncias arqueolgicas de que o homem, j h uns 50000 anos, era capaz de contar) que a maneira como ocorreram largamente conjectural. No difcil, porm, imaginar como isso provavelmente se deu. razovel admitir que a espcie humana, mesmo nas pocas mais primitivas, tinha algum senso numrico, pelo menos ao ponto de reconhecermais e menos quando se acrescentavam ou retiravam alguns objetos de uma coleo pequena, pois h estudos que mostram que alguns ani- mais so dotados desse senso. Com a evoluo gradual da sociedade, tornaram-se inevitveis contagens simples. Uma tribo tinha que saber quantos eram seus membros e quantos eram seus inimigos e tornava-se necessrio a um homem saber se seu rebanho Ver, por exemplo, D. E. Smith, History of Mathematics, vol. 1, cap. 1 e Howard Eves, In Mathematical Circles (1o , 2o , 3o e 4o itens), ambos citados na Bibliografia Geral ao fim do livro.
  24. 24. 26 howard eves de carneiros estava diminuindo. provvel que a maneira mais antiga de contar se baseasse em algum mtodo de registro simples, empregando o princpio da correspon- dncia biunvoca. Para uma contagem de carneiros, por exemplo, podia-se dobrar um dedo para cada animal. Podia-se tambm contar fazendo-se ranhuras no barro ou numa pedra, produzindo-se entalhes num pedao de madeira ou fazendo-se ns numa corda. Ento, talvez mais tarde, desenvolveu-se um arranjo de sons vocais para registrar verbalmente o nmero de objetos de um grupo pequeno. E mais tarde ainda, com o aprimoramento da escrita, foram surgindo arranjos de smbolos para representar esses nmeros. Esse desenvolvimento hipottico encontra respaldo em relatrios de antro- plogos que estudaram povos primitivos em nossa poca. Duas vistas do osso Ishango, com mais de 8000 anos de idade, encontrado em Ishango, s margens do lago Edward, no Zaire, mostrando nmeros preservados por meio de entalhes no osso (Dr. de Heinzelin) Nos mais remotos estgios do perodo de contagem vocal, usavam-se sons (palavras) diferentes para, por exemplo, dois carneiros e dois homens. (Considere, por exemplo, em portugus: parelha de cavalos, junta de bois, par de sapatos, casal de coelhos.) A abstrao da propriedade comum dois, representada por algum som considerado inde pendentemente de qualquer associao concreta, provavelmente levou muito tempo para acontecer. Nossas atuais palavras-nmero de incio muito provavelmente se re- feriam a conjuntos de certos objetos concretos, mas essas ligaes, exceto talvez no que se refira ao cinco, perderam-se para ns . Para uma alternativa interessante viso evolutiva clssica, ver Euthomatematics, de Mareia e Robert Ascher, em History of Science, vol. 24, no 2, jun., 1980, pp. 125-44.
  25. 25. 27introduo histria da matemtica Um quipo de indgenas peruanos usado para recenseamento, mostrando nmeros registrados por meio de ns em cordas. Ns maiores so mltiplos dos menores, e a cor da corda pode distinguir homens de mulheres (Coleo Muse de LHomme, Paris) 1.2 Bases Quando se tornou necessrio efetuar contagens mais extensas, o processo de contar teve de ser sistematizado. Isso foi feito dispondo-se os nmeros em grupos bsicos convenientes, sendo a ordem de grandeza desses grupos determinada em grande parte pelo processo de correspondncia empregado. Esquematizando-se as ideias, o mtodo consistia em escolher um certo nmero b como base e atribuir nomes aos nmeros 1, 2, ..., b. Para os nmeros maiores do que b os nomes eram essencialmen- te combinaes dos nomes dos nmeros j escolhidos. Como os dedos do homem constituam um dispositivo de correspondncia conve niente, no de estranhar que o 10 acabasse sendo escolhido frequentemente o nmero b da base. Considerem-se, por exemplo, as palavras-nmeros atuais na lngua inglesa, formadas tomando-se 10 como base. H os nomes especiais one (um), two (dois), ..., ten (dez) para os nmeros 1, 2, 10. Quando se chega a 11 a palavra usada eleven, que, segundoosfillogos,derivadeeinlifon,cujosignificadoumacimadedez.Analogamen te, twelve (doze) provm de twe lif (dois acima de dez). Depois se tem thirteen (trs e dez) para 13, fourteen (quatro e dez) para 14, at nineteen (nove e dez) para 19.
  26. 26. 28 howard eves Chega-se ento a twenty (twe-tig, ou dois dez), twenty-one (dois dez e um) e assim por diante. A palavra hundred (cem), segundo parece, deriva originalmente de uma outra que significa dez vezes (dez). entalhe em v com a largura de uma mo entalhe curvo com a largura de um polegar entalhe em v com a largura de um dedo mnimo entalhe em v com a largura de um gro de cevada maduro entalhe menor mas ainda visvel corte sem remoo da madeira nota-se o semientalhe para 10 Desenho mostrando o sistema oficial de entalhes usado para registros computacionais pelo Tesouro Britnico no sculo XII. Este sistema de registros manteve-se em uso at 1826 H evidncias de que 2, 3 e 4 serviram como bases primitivas. Por exemplo, h nativos de Queensland que contam um, dois, dois e um, dois e dois, muito, e alguns pigmeus africanos que contam a, oa, ua, oa-oa, oa-oa-a e oa-oa-oa para 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Uma certa tribo da Terra do Fogo compe seus primeiros e poucos nomes de n- meros na base 3 e algumas da Amrica do Sul usam de maneira anloga o 4. Como seria de esperar, o sistema quinrio, ou sistema de numerao de base 5, foi o primeiro a ser usado extensivamente. At hoje algumas tribos da Amrica do Sul contam com as mos: um, dois, trs, quatro, mo, mo e um e assim por diante. Os Yukaghirs da Sibria usam uma escala mista para contar um, dois, trs, trs e um, cinco, dois trs, um mais, dois trs e dois, dez faltando um, dez. Ainda no incio do sculo XIX se encontravam calendrios de camponeses germnicos baseados no sis- tema quinrio. H evidncias tambm de que o 12 pode ter sido usado como base em pocas pr- histricas, principalmente em relao a medidas. Essa base pode ter sido sugerida pelo nmero aproximado de lunaes de um ano ou, talvez, pelo fato de o 12 ter tantos divisores inteiros. De qualquer maneira, 12 o nmero de polegadas em um p, de onas numa libra antiga, de pences em um shilling, de horas de um relgio, de meses num ano, e as palavras dzia e grosa indicam unidades de ordem superior. O sistema vigesimal (base 20) tambm foi amplamente usado, e remonta aos dias em que o homem andava descalo. Esse sistema foi usado por ndios americanos, sendo
  27. 27. 29introduo histria da matemtica mais conhecido pelo bem desenvolvido sistema de numerao maia. As palavras-n- mero francesas quatre-vingt (oitenta) em vez de huitante e quatre-vingt-dix (noventa) em vez de nonante so traos da base 20 dos celtas. Tambm se encontram traos no galico, no dinamarqus e no ingls. Os groenlandeses usam um homem para 20, dois homens para 40 e assim por diante. Em ingls h a palavra score (uma vintena), frequentemente usada. O sistema sexagesimal (base 60) foi usado pelos babilnios, sendo ainda empregado na medida do tempo e de ngulos em minutos e segundos. 1.3 Nmeros digitais e nmeros escritos Alm dos nmeros falados, numa certa poca usaram-se largamente os nmeros digitais (representados por meio de dedos). Com efeito, a expresso de nmeros por meio de vrias posies dos dedos e das mos talvez preceda os smbolos numricos ou os nomes dos nmeros. Assim, os smbolos escritos primitivos para 1, 2, 3 e 4 eram invaria velmente o nmero conveniente de riscos verticais ou horizontais, representando o nmero correspondente de dedos levantados ou estendidos, remontando a palavra dgito (isto, dedo), para indicar os algarismos de 1 a 9, mesma origem. Comotempo,osnmerosdigitaisforamestendidosdemodoaabrangeros nmeros maiores que ocorriam nas transaes comerciais; perto da Idade Mdia eles tinham se tornado internacionais. No desenvolvimento final, os nmeros 1, 2, 9 e 10, 20, 90 eram representados na mo esquerda e os nmeros 100, 200, 900 e 1000, 2000, 9000 na mo direita. Os livros de aritmtica da Renascena traziam figuras dos nmeros digitais. Por exemplo, usando a mo esquerda, representava-se o 1 dobrando-se parcialmente para baixoodedomnimo;o2dobrando-separcialmenteparabaixoosdedosmdioe anular; o3dobrando-separcialmenteparabaixoosdedosmnimo,anularemdio;o4dobran do-se para baixo os dedos mdio e anular; o 5 dobrando-se para baixo o dedo mdio; o 6 dobrando-se para baixo o dedo anular; o 7 dobrando-se completamente para baixo o dedo mnimo; o 8 dobrando-se completamente para baixo os dedos mnimo e anular; e o 9 dobrando-se completamente para baixo os dedos mnimo, anular e mdio. Embora os nmeros digitais tivessem se originado em pocas muito remotas, ainda so usados hoje por alguns povos primitivos da frica, por rabes e por persas. Nas Amricas do Sul e do Norte, alguns indgenas e algumas tribos de esquims ainda usam os dedos. Os nmeros digitais tinham a vantagem de transcender diferenas de lingua- gem mas, como os nmeros vocais, deixavam a desejar quanto permanncia e no eram convenientes para a realizao de clculos. J mencionamos o uso de marcas e entalhes como maneiras primitivas de registrar nmeros. Esses expedientes provavel mente representam a primeira tentativa por parte do homem de escrever. De qualquer maneira, desses primeiros esforos no sentido de fazer registros permanentes de nme ros resultaram vrios sistemas de numerao escritos. Um nmero escrito chama-se numeral. Voltaremos agora nossa ateno para uma classificao simples dos sistemas de numerao antigos.
  28. 28. 30 howard eves Nmeros digitais. As duas primeiras colunas representam a mo esquerda, as outras duas a mo direita. Ilustrao tirada da Suma de Pacioli, 1491 1.4 Sistemas de agrupamentos simples Talvez o mais antigo tipo de sistema de numerao a se desenvolver tenha sido aquele chamado sistema de agrupamentos simples. Nessa modalidade de sistema escolhe-se um nmero b como base e adotam-se smbolos para 1, b, b2 , b3 etc. Ento, qualquer nmero se expressa pelo uso desses smbolos aditivamente, repetindo-se cada um deles o nme ro necessrio de vezes. A ilustrao seguinte tornar claro o princpio subjacente. Os hierglifos egpcios, cujo emprego remonta a cerca do ano 3400 a.C. e usados princi palmente para fazer inscries em pedras, fornecem um exemplo de sistema de agrupa mentos simples. Embora os hierglifos fossem usados s vezes para escrever em outros materiais que no pedras, os egpcios cedo desenvolveram duas formas de escrita con sideravelmente mais rpidas para trabalhos em papiro, madeira e cermica. A mais
  29. 29. 31introduo histria da matemtica antiga dessas formas era uma escrita cursiva, conhecida como hiertica, derivada da hieroglfica e usada pelos sacerdotes. Da hiertica mais tarde resultou a escrita dem- tica, que foi adotada para usos gerais. Os sistemas de numerao hiertico e demtico no pertencem ao tipo de agrupamentos simples. A base usada no sistema de numerao hieroglfico egpcio a 10. Os smbolos adotados para 1 e para as primeiras potncias de 10 so 1 10 102 103 104 105 106 um basto vertical uma ferradura um rolo de pergaminho uma flor de ltus um dedo encurvado um barbato um homem espantado Assim, qualquer nmero expressava-se pelo uso desses smbolos aditivamente, re- petindo-se cada um deles o nmero necessrio de vezes. Por exemplo 13015 = 1(104 ) + 3(103 ) + 1(10) + 5 = Escrevemos esse nmero da esquerda para direita, embora para os egpcios fosse mais habitual escrever da direita para a esquerda. Osbabilniosantigos,carecendodepapirosetendopoucoacessoapedrasconvenien tes, recorreram principalmente argila como material de escrita. As inscries eram impressas em tbulas de argila midas com estilos cujas extremidades podem ter sido tringulos issceles penetrantes. Inclinando-se ligeiramente o estilo da posio vertical, podia-se pressionar a argila ou com o ngulo do vrtice ou com um dos ngulos da base do tringulo, produzindo-se assim duas formas de caracteres assemelhadas a cunhas (cuneiformes). As tbulas eram ento cozidas num forno at endurecer, obtendo- se assim registros permanentes. Em tbulas cuneiformes do perodo 2000 a.C. a 200 a.C.
  30. 30. 32 howard eves os nmeros menores do que 60 se expressavam por um sistema de agrupamentos sim- ples de base 10, e interessante que muitas vezes se simplificava a escrita pelo uso de um smbolo subtrativo. O smbolo subtrativo e os smbolos para o 1 e o 10 eram respectivamente, em que o smbolo para o 1 e as duas partes que formavam o smbolo subtrativo se obtinham pelo uso do ngulo do vrtice do tringulo issceles, e o sm- bolo do 10 se obtinha pelo uso do ngulo da base. Como exemplos de nmeros escri- tos com o emprego desses smbolos temos 25 = 2(10) + 5 = e 38 = 40 - 2 = O mtodo empregado pelos babilnios para escrever nmeros grandes ser visto na Seo 1-7. Os numerais gregos, ticos ou herodinicos, desenvolveram-se algum tempo antes do sculo III a.C. e constituem um sistema de agrupamentos simples de base 10 for- mado com as letras iniciais dos nomes dos nmeros. Alm dos smbolos I, , , , para 1, 10, 102 , 103 , 104 , havia um smbolo especial para o 5. Esse smbolo especial uma forma antiga de , a inicial da palavra grega pente (cinco), sendo , , , as iniciais de deka (dez), hekaton (cem), kilo (mil) e myriad (dez milhares). O smbolo do 5 era frequentemente usado sozinho ou em combinao com outros smbolos a fim de encurtar a representao numrica. Um exemplo nesse sistema de numerao 2857 = no qual se nota que o smbolo do 5 aparece uma vez sozinho e duas vezes em combina o com outros smbolos. Como um exemplo final de um sistema de agrupamentos simples, ainda de base 10, figuram os familiares numerais romanos. Neste caso os smbolos bsicos I, X, C, M para 1, 10, 102 e 103 so acrescidos de V, L, D para 5, 50 e 500. O princpio subtrati vo, segundo o qual um smbolo para uma unidade menor colocado antes de um sm- bolo para uma unidade maior significa a diferena entre as duas unidades, raramente
  31. 31. 33introduo histria da matemtica era utilizado nos tempos antigos e medievais. Seu uso pleno s comeou nos tempos modernos. Por exemplo 1944 = MDCCCCXXXXIIII ou, em notao mais moderna, de quando o princpio subtrativo se tornou comum, 1944 = MCMXLIV. No uso do princpio subtrativo deve-se levar em conta, porm, a seguinte regra: o I s pode preceder o V ou X, o X s pode preceder o L ou o C e o C s pode preceder o D ou o M. No tem faltado imaginao nas tentativas de descrever os smbolos numricos romanos. Entre as explicaes mais plausveis, aceitas por muitas autoridades em his- tria latina e epigrafia, est a de que I, II, III e IIII procedem dos dedos erguidos da mo. O smbolo X pode-se compor de dois V ou pode ter sido sugerido por duas mos cruzadas ou dois polegares cruzados, ou da prtica comum, quando da contagem por traos, de cruzar grupos de dez. H alguma evidncia de que os smbolos originais para 50, 100 e 1000 podem ter sido os aspirados gregos (psi), (theta) e (phi). Foram formas mais antigas de psi todas usadas para o 50 em inscries primitivas. O smbolo para o 100 provavelmen- te evoluiu para o smbolo, algo semelhante, C, sob a influncia do fato de que C a inicial da palavra latina centum (cem). Um smbolo usado comumente em tempos primitivos para o 1000 | , que podia ser uma variante de . O smbolo para o 1000 tornou-se M sob influncia do fato de que se trata da inicial da palavra latina mille (mil). Cinco centenas, sendo a metade de 1000, eram representadas por | , que mais tarde transformou-se em D. Remonta ao ano 1715 o ltimo uso encontrado dos smbolos | e | para 1000 e 500. 1.5 Sistemas de agrupamentos multiplicativos H exemplos em que um sistema de agrupamentos simples evoluiu para o que pode ser chamado sistema de agrupamentos multiplicativo. Nesse tipo de sistema, aps se escolher uma base b, adotam-se smbolos para 1, 2, b 1 e um segundo conjunto de smbolos para b, b2 , b3 ... Empregam-se os smbolos dos dois conjuntos multiplicativa- mente de maneira a mostrar quantas unidades dos grupos de ordem superior so ne- cessrias. Assim, designando-se os primeiros nove nmeros pelos smbolos habituais, mas designando-se 10, 100 e 1000 por a, b e c, ento num sistema de agrupamentos multiplicativo se escreveria 5625 = 5c6b2a5.
  32. 32. 34 howard eves O sistema de numerao chins-japons tradicional um exemplo de sistema de agrupamentos multiplicativo de base 10. Escritos verticalmente, os smbolos dos dois grupos bsicos e o nmero 5625 so mostrados abaixo. Carecendo de um material de escrita como o papel, os chineses e japoneses antigos registravam seus achados em lminas de bambu. A parte do caule do bambu situada entre dois ns era rachada longitudinalmente em tiras estreitas. Depois que essas tiras eram secas e raspadas, elas eram colocadas lado a lado e amarradas por quatro cordes transversais. A estreiteza das tiras fazia com que os caracteres fossem arranjados ver- ticalmente, de cima para baixo, dando origem ao costume de escrever que perdurou at tempos mais modernos, quando as lminas de bambu foram substitudas pela tinta e o papel, materiais de escrita mais convenientes. Exemplo: 5625 1.6 Sistemas de numerao cifrados Num sistema de numerao cifrado, depois de se escolher uma base b, adotam-se smbolos para 1, 2, ..., b 1; b, 2b, ..., ( b 1)b; b2 , 2b2 , . . . , ( b 1 ) b 2 ; e assim por diante. Embora se devam memorizar muitos smbolos nesse tipo de sistema, a repre- sentao dos nmeros compacta.
  33. 33. 35introduo histria da matemtica O sistema de numerao grego, conhecido como jnico ou alfabtico, cujas origens situam-se j por volta do ano 450 a.C., um exemplo desse sistema cifrado. Ele de- cimal e emprega 27 caracteres as 24 letras do alfabeto grego mais trs outras obso- letas: digamma, koppa e sampi. Embora se usassem letras maisculas (as minsculas s muito mais tarde vieram a substitu-las), o sistema ser ilustrado aqui com letras minsculas. As seguintes equivalncias tm que ser memorizadas: 1 alpha (alfa) 10 iota 100 rho 2 beta 20 kappa 200 sigma 3 gamma (gama) 30 lambda 300 tau 4 delta 40 mu 400 upsilon 5 epsilon 50 nu 500 phi 6 obsoleta digamma 60 xi 600 chi 7 zeta 70 omicron 700 psi 8 eta 80 pi 800 omega 9 theta (teta) 90 obsoleta koppa 900 obsoleta sampi Como exemplos do uso desses smbolos temos: 12 = , 21 = , 247 = . Para nmeros maiores faziam-se acompanhar os smbolos de barras ou acentos. Os smbolos obsoletos de digamma, koppa e sampi so Tambm so cifrados os sistemas de numerao egpcio (hiertico e demtico), cptico, hindu-brmane, hebreu, srio e arbico antigo. Os ltimos trs, como o jni- co grego, eram sistemas de numerao alfabticos. 1.7 Sistemas de numerao posicionais Nosso prprio sistema de numerao um exemplo de um sistema de numerao posicional. Para esse sistema, depois de se escolher uma base b, adotam-se smbolos para 0, 1, 2, ..., b 1. Assim, h no sistema b smbolos bsicos, no caso de nosso sistema frequentemente chamados dgitos. Qualquer nmero N pode ser escrito de maneira nica na forma N = an bn + an 1 bn l + ... + a2 b2 + a1 b + a0 ,
  34. 34. 36 howard eves na qual 0 aib, i = 0, 1, ..., n. Por isso ento representamos o nmero N na base b pela sequncia de smbolos an an 1 ... a1 a2 a0 Assim, um smbolo bsico em qualquer numeral dado representa um mltiplo de alguma potncia da base, potncia essa que depende da posio ocupada pelo smbo- lo bsico. Em nosso prprio sistema de numerao indo-arbico, por exemplo, 2 em 206 representa 2(102 ) ou 200, ao passo que em 27 o 2 representa 2(10) ou 20. Deve- se notar que para clareza completa necessita-se de um smbolo para o zero, a fim de indicar a ausncia possvel de alguma potncia da base. Um sistema de numerao posicional uma consequncia lgica, embora no necessariamente histrica, de um sistema de agrupamentos multiplicativo. Os babilnios antigos desenvolveram, em algum momento entre 3000 e 2000 a.C., um sistema sexagesimal que empregava o princpio posicional. O sistema de numera- o babilnico , porm, misto, na medida em que, embora os nmeros superiores a 60 fossem escritos de acordo com o princpio posicional, os 60 nmeros correspon- dentes ao grupo bsico eram escritos nos moldes de um sistema de agrupamento simples decimal, conforme explanao dada na Seo 1-4. Como ilustrao temos 524 551 = 2(603 ) + 25(602 ) + 42(60) + 31 = Esse sistema de numerao posicional ressentiu-se, at depois do ano 300 a.C., da falta de um smbolo para o zero que representasse as potncias ausentes de 60, levan- do assim a possveis mal-entendidos na expresso de um nmero dado. Finalmente introduziu-se um smbolo, consistindo em duas cunhas pequenas, inclinadas, mas esse smbolo s era usado para indicar uma potncia ausente de 60 dentro de um nmero, nunca quando ela ocorresse no seu final. Esse smbolo era, portanto, apenas um zero parcial, pois um zero verdadeiro serve para indicar as potncias ausentes da base tanto no meio como no final dos nmeros, como o caso de nossos 304 e 340. No sistema de numerao babilnico, ento, 10 804 apareceria como 10804 = 3(602 ) + 0(60) + 4 = e 11040 como 11040 = 3(602 ) +4(60) =
  35. 35. 37introduo histria da matemtica em vez de Muito interessante o sistema de numerao maia. De origem remota e desco- nhecida, foi descoberto pelas expedies espanholas a Yucatn no incio do sculo XVI. Esse sistema essencialmente vigesimal, mas seu segundo grupo vale (18)(20) = 360 em vez de 202 = 400. Os grupos de ordem superior so da forma (18)(20n ). A explicao para essa discrepncia provavelmente reside no fato de o ano maia consis- tir em 360 dias. O smbolo para o zero dado na tabela abaixo, ou alguma variante desse smbolo, era usado consistentemente. Escreviam-se os vinte nmeros do grupo bsico de maneira muito simples por meio de pontos e traos (seixos e gravetos) de acordo com o seguinte esquema de agrupamentos em que o ponto representa o 1 e o trao o 5. A seguir um exemplo de um nmero grande, escrito verticalmente maneira maia 43487 = 6(18)(202 ) + 0(18)(20) + 14(20) + 7 = O sistema de base mista que descrevemos era usado pela classe sacerdotal. H re- latos de um sistema vigesimal puro usado pelo povo comum mas que no sobreviveu em forma escrita. 1.8 Computao primitiva Muitos dos modelos de computao usados hoje na aritmtica elementar, tais como para a realizao de multiplicaes e divises, somente surgiram no sculo XV. Duas razes so em geral aventadas para explicar esse desenvolvimento tardio: as dificulda- des intelectuais e as dificuldades materiais encontradas nesse trabalho.
  36. 36. 38 howard eves As dificuldades intelectuais devem ser em parte desprezadas. A impresso de que os sistemas de numerao antigos no eram favorveis mesmo aos clculos mais sim- ples em grande parte baseada na falta de familiaridade com esses sistemas. claro que a adio e a subtrao num sistema de agrupamentos simples requer apenas a capacidade de contar o nmero de smbolos de cada espcie e a converso, a seguir, em unidades de ordem superior. No se necessita de nenhuma memorizao de com- binaes de nmeros. Num sistema de numerao cifrado, memorizando-se o sufi- ciente das tbuas de adio e multiplicao, o trabalho pode ser levado a efeito em grande parte como o fazemos hoje. O matemtico francs Paul Tannery adquiriu habilidade considervel na multiplicao com o sistema de numerao jnico grego e concluiu mesmo que aquele sistema tinha algumas vantagens sobre o que usamos. As dificuldades materiais encontradas foram, porm, bastante reais. Sem um su- primento abundante e conveniente de materiais adequados escrita, qualquer desen- volvimento muito extensivo dos processos aritmticos estava sujeito a impedimentos. Deve-se lembrar que o hoje comum papel de polpa industrializado s existe h menos de cem anos. O antigo papel feito de trapos era produzido manualmente e consequen- temente era caro e escasso, isso sem falar que s foi introduzido na Europa no sculo XII, embora seja provvel que os chineses j o conhecessem um milnio antes. Os antigos egpcios inventaram um primitivo material de escrita parecido com o papel o papiro, que por volta do ano 650 a.C. j havia sido introduzido na Grcia. Esse material era feito de um junco aqutico chamado papu. Os talos desse junco eram cortados em longas e delgadas tiras que eram colocadas lado a lado para formar uma folha. Outra camada de tiras era colocada por cima e a pea era ento embebida em gua, aps o que era imprensada e posta a secar ao sol. provvel que devido a uma goma natural da planta as camadas mantivessem-se unidas. Aps a secagem as folhas eram preparadas para a escrita mediante um laborioso processo de alisamento feito com um objeto redondo e rgido. O papiro era demasiado valioso para ser usado abundantemente como simples papel rascunho. Outro material de escrita primitivo era o pergaminho, feito de peles de animais, em geral carneiros e cordeiros. Naturalmente era raro e difcil de se obter. Mais valio- so ainda era o papel pergaminho, um material feito da pele de vitelos. O pergaminho era efetivamente to caro que na Idade Mdia surgiu o costume de raspar a tinta de velhos manuscritos em pergaminho para poder us-los outra vez. Tais manuscritos so chamados palimpsestos (palin, outra vez; psao, raspado). Em alguns casos, com a pas- sagem dos anos, o escrito original de um palimpsesto reaparecia por baixo do trata- mento posterior. Algumas restauraes interessantes foram feitas dessa maneira. Pequenas pranchas, carregando uma fina camada de cera, juntamente com um es- tilo, compuseram o material de escrita dos romanos de cerca de dois milnios atrs. Antes e durante o Imprio Romano usaram-se frequentemente tabuleiros de areia para Para o desempenho em multiplicaes e divises com numerais romanos ver, por exemplo, Arithmetic with Roman numerals de James G. Kennedy, The American Mathematical Monthly, 88, 1981, p. 29-33.
  37. 37. 39introduo histria da matemtica clculos simples e para traados de figuras geomtricas. E, obviamente, muito cedo se usaram pedras e argila para registros escritos. O meio de contornar essas dificuldades intelectuais e materiais foi a inveno do baco (do grego abax, tabuleiro de areia), que pode ser considerado o mais antigo instrumento de computao mecnico usado pelo homem. Muitas formas de baco aparecem em vrias partes do mundo antigo e medieval. Descrevamos uma forma ru- dimentar de baco e ilustremos seu uso numa adio e numa subtrao de alguns n- meros romanos. Tracemos quatro segmentos de reta verticais paralelos e os rotulemos, da esquerda para a direita, por M, C, X e I e tomemos uma coleo conveniente de fichas como, por exemplo, pedras de algum tipo de jogo. Uma ficha representar 1, 10, 100 ou 1000 unidades conforme esteja colocada na linha I, X, C ou M. Para reduzir o n- merodefichasquepodemaparecersubsequentementenumsegmento,convencionamos substituir cada cinco fichas de um segmento por uma ficha a ser colocada no espao exatamente esquerda desse segmento. Ento todo nmero menor que 10000 pode ser representado em nosso quadro de linhas, colocando-se no mximo quatro fichas em cada segmento e no mximo uma ficha no espao esquerda de cada segmento. Efetuemos a adio de MDCCLXIX e MXXXVII. Representemos o primeiro desses nmeros por fichas no quadro, como se ilustra na parte esquerda da Figura 1. Vamos agora somar a ele o segundo nmero, operando da direita para a esquerda. Para somar VII, ponhamos outra ficha entre os segmentos X e I e mais duas fichas no segmento I. O segmento I tem agora seis fichas. Removemos cinco delas em lugar das quais colocamos outra ficha entre os segmentos X e I. Das trs fichas agora entre os segmentos X e I transportamos duas, na forma de uma nica ficha, para o segmento X. Somamos agora o XXX pondo mais trs fichas no segmento X. Como agora temos um total de cinco fichas no segmento X podemos substitu-las por uma nica ficha entre os segmentos C e X. As duas fichas que se tm agora entre C e X so substitudas por uma nica ficha no segmento C. Para, finalmen- te, somar o M basta pr outra ficha no segmento M. A parte direita da Figura 1 ilustra o aspecto final de nosso quadro e a soma pode ser lida como MMDCCCVI. Dessa forma obtivemos a soma de dois nmeros por meio de simples operaes mecnicas, sem a necessidade de papel rascunho. Figura 1 A subtrao se efetua de maneira anloga, salvo que, neste caso, em vez de trans portar para a esquerda, pode vir a ser necessrio emprestar da esquerda.
  38. 38. 40 howard eves A representao de um nmero no sistema de numerao indo-arbico se faz de maneira muito simples, bastando registrar em ordem o nmero de fichas dos vrios segmentos do baco. O smbolo 0 representa um segmento sem nenhuma ficha. Nos- sos atuais modelos de adio e subtrao, tanto quanto os conceitos de transportar e emprestar, podem ter se originado nos processos de efetuar essas operaes por meio do baco. Uma vez que no sistema de numerao indo-arbico trabalhamos com smbolos em vez de com fichas, torna-se necessrio memorizar as combinaes simples de nmeros ou recorrer a uma tbua de adio elementar. 1.9 O sistema de numerao indo-arbico O sistema de numerao indo-arbico tem esse nome devido aos hindus, que o in- ventaram, e devido aos rabes, que o transmitiram para a Europa Ocidental. Os mais antigos exemplos de nosso atuais smbolos numricos encontram-se em algumas colunas de pedra erigidas na ndia por volta do ano 250 a.C. pelo rei Aoka. Outros exemplos primitivos na ndia, se corretamente interpretados, encontram-se em re- gistros talhados por volta do ano 100 a.C. nas paredes de uma caverna numa colina perto de Poona e em algumas inscries de por volta do ano 200 d.C., gravadas nas cavernas de Nasik. Essas primeiras amostras no contm nenhum zero e no utilizam a notao posicional. Contudo, a ideia de valor posicional e um zero devem ter sido introduzidos na ndia algum tempo antes do ano 800 d.C., pois o matem- tico persa Al-Khowrizm descreveu de maneira completa o sistema hindu num livro do ano 825 d.C. Como e quando os novos smbolos numerais entraram na Europa so questes ainda no decididas. Muito provavelmente eles foram levados por comerciantes e viajantes pelas costas do Mediterrneo. Esses smbolos se encontram num manuscrito espanhol do sculo X, sendo possvel que tenham sido introduzidos na Espanha pelos rabes que invadiram a pennsula ibrica no ano 711 d.C., onde permaneceram at 1492 d.C. Mas foi uma traduo latina do tratado de Al-Khowrizm, feita no sculo XII, seguida de alguns trabalhos europeus sobre o assunto, o que fez com que o siste- ma se disseminasse mais amplamente. Os quatro sculos seguintes assistiram a uma verdadeira batalha entre abacistas e algoristas, como eram chamados os defensores do novo sistema, mas em torno do ano 1500 as atuais regras de computao acabaram se impondo. Mais um sculo e os aba- cistas haviam sido quase esquecidos, sendo que perto do sculo XVIII no restava mais nenhum trao do baco na Europa Ocidental. Seu reaparecimento, como uma curio- sidade, deveu-se ao gemetra francs Poncelet, que levou um espcime para a Frana depois de ser libertado como prisioneiro de guerra na Rssia, onde participara da campanha napolenica. At que os smbolos dos numerais indo-arbicos se estabilizassem, com a inveno da imprensa de tipos mveis, muitas modificaes em sua grafia se verificaram. Nossa
  39. 39. 41introduo histria da matemtica palavra zero provavelmente provm da forma latinizada zephirum derivada de sifr que uma traduo para o rabe de sunya, que em hindu significa vazio ou vcuo. A palavra rabe sifr foi introduzida na Alemanha, no sculo XIII, por Nemorarius, como cifra*. O abacista versus o algorista (De Margarita Philosophica, de Gregor Reisch, Strasburgo, 1504) *Em portugus cifra significa, entre outras coisas, zero (N. T.)
  40. 40. 42 howard eves 1.10 Bases arbitrrias Lembremos que para representar um nmero num sistema de numerao posicio- nal de base b precisamos de smbolos bsicos para os inteiros de 0 at b 1. Embora a base b = 10 seja uma parte importante de nossa cultura, a escolha do 10 de fato bastante arbitrria, e outras bases tm grande importncia, tanto prtica como teri- ca. Se b 10, podemos usar os algarismos usuais. Assim, por exemplo, podemos considerar 3012 como um nmero expresso na base 4 com os smbolos 0, 1, 2 e 3. Para tornar claro que se trata de um nmero expresso na base 4 escrevemos (3012)4. Quan- do no se usa nenhum ndice subentende-se que o nmero est expresso na base usual 10. Se b10, devemos acrescentar aos nossos algarismos outros smbolos bsicos, pois necessita-se de b smbolos bsicos. Assim, se b = 12, podemos tomar 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, t, e como smbolos bsicos, nos quais t e e so os smbolos para o dez e para o onze, respectivamente. Como exemplo poderamos considerar (3t1e)12 . fcil passar um nmero de uma dada base para a base usual 10. Por exemplo (3012)4 = 3(43 ) + 0(42 ) + 1(4) + 2 = 198 e (3t1e)12 = 3(123 ) + 10(122 ) + 1(12) + 11 = 6647. A seguir mostraremos como passar um nmero da base usual para uma base b. Se N o nmero, temos de determinar os inteiros an , an 1 , ..., a0 na expresso N = an bn + an 1 bn 1 + ... + a2 b2 + a1 b + a0 , em que 0 aib. Dividindo a igualdade acima por b obtemos N/b = an bn 1 + an 1 bn 2 + ... + a2 b + a1 + a0 /b = N + a0 /b. Isto , o resto a0 dessa diviso o ltimo algarismo da representao desejada. Di- vidindo-se N por b obtm-se N /b = an bn 2 + an 1 bn 3 + ... + a2 + a1 /b, e o resto dessa diviso o vizinho do ltimo dgito na representao desejada. Proce- dendo dessa maneira obteremos todos os dgitos a0 , a1 ..., an . Esse procedimento pode ser sistematizado de maneira bastante conveniente como se mostra a seguir. Suponha- mos, por exemplo, que se pretenda expressar 198 na base 4. Encontramos:
  41. 41. 43introduo histria da matemtica 198 4 2 49 4 1 12 4 0 3 4 3 0 Como os restos sucessivos so 2, 1, 0 e 3, a representao desejada (3012)4 . Su- ponhamos agora que se pretenda representar 6647 na base 12, onde, de novo, se empregaro t e e para representar dez e onze, respectivamente. Obtemos: 6647 12 e = 11 553 12 1 46 12 t = 10 3 12 3 0 A representao pedida , portanto, (3t1e)12 . H a propenso a esquecer, quando se est somando ou multiplicando em nosso sistema de numerao, que o trabalho real efetuado mentalmente e que os smbolos numricos so usados simplesmente para registrar os resultados mentais. Nosso xito e eficincia ao efetuar tais operaes aritmticas dependem de quo bem tenhamos em mente as tbuas de adio e multiplicao a cujo aprendizado so dedicadas tantas horas das primeiras sries escolares. Com tbuas correspondentes construdas para uma base b podemos igualmente efetuar adies e multiplicaes no novo sistema sem, em momento nenhum, ter que fazer a transformao para o sistema decimal. Ilustremos esse fato com a base 4. Primeiro construmos as tbuas da adio e da multiplicao correspondentes. Adio Multiplicao 0 1 2 3 0 1 2 3 0 0 1 2 3 0 0 0 0 0 1 1 2 3 10 1 0 1 2 3 2 2 3 10 11 2 0 2 10 12 3 3 10 11 12 3 0 3 12 21 Com referncia a essas tbuas, a soma de 2 com 3 11 e o produto de 2 por 3 12. Usando essas tbuas, exatamente como estamos habituados a usar as tbuas corres- pondentes da base 10, podemos efetuar adies e multiplicaes. Por exemplo, para a multiplicao de (3012)4 por (233)4 temos, omitindo o ndice 4,
  42. 42. 44 howard eves 3012 233 21102 21102 12030 2101122 Para se efetuarem as operaes inversas, subtrao e diviso, necessita-se de consi- dervel familiaridade com as tbuas. Isso, obviamente, tambm vlido para a base 10; a razo das dificuldades encontradas no ensino dessas operaes nos graus elemen- tares reside nesse fato. Exerccios 1.1 Palavras-nmero Fornea as explicaes para as seguintes palavras-nmero primitivas. (a) Para uma tribo papua do sudeste da Nova Guin foi necessrio traduzir a pas- sagem da Bblia (Joo 5:5): Estava ali um homem que, h trinta e oito anos, se en- contrava enfermo da seguinte maneira: Um homem caiu doente um homem, ambas as mos, 5 e 3 anos. (b) Na Nova Guin britnica, o nmero 99 se exprime como quatro homens mortos, duas mos at o fim, um p completo e quatro. (c) A tribo Kamayura da Amrica do Sul usa a palavra dedo-mximo para o 3, de modo que 3 dias se exprime por dedo-mximo dias. (d) Os zulus da frica do Sul usam a seguinte equivalncia: 6 (polegar recolhido), 7 (ele apontado). (e) Os malink do Sudo Ocidental usam a palavra dibi para 40. Essa palavra sig- nifica literalmente um colcho. (f ) A tribo Mandingo da frica Ocidental usa a palavra kononto para 9. Essa pala- vra significa literalmente para algum que est no ventre. 1.2 Nmeros escritos Escreva 574 e 475 em numerais (a) hieroglficos egpcios, (b) romanos, (c) gregos ticos, (d) cuneiformes babilnicos, (e) tradicionais chineses-japoneses, (f ) gregos al fabticos, (g) maias.
  43. 43. 45introduo histria da matemtica Indique em numerais romanos: (h) 1/4 de MCXXVIII, (i) 4 vezes XCIV. Indique em numerais gregos alfabticos: (j) 1/8 de , (k) 8 vezes . 1.3 Sistema de numerao grego alfabtico (a) Quantos smbolos diferentes devem ser memorizados para escrever os nmeros menores do que 1000 no sistema alfabtico grego? E no sistema hieroglfico egpcio? E no sistema babilnico cuneiforme? (b) No sistema de numerao grego alfabtico os nmeros 1000, 2000, ..., 9000 eram muitas vezes representados apostofrando-se os smbolos de 1, 2, ..., 9. Assim o 1000 poderia aparecer como . O smbolo para 10000, ou mirade, era M. Usava-se o princpio da multiplicao para os mltiplos de 10000. Assim 20000, 300000 e 4000000 eram indicados por M, M e M. Escreva com numerais gregos alfabticos os nmeros 5780, 72803, 450 082 e 3257888. (c) Faa uma tbua da adio at 10 + 10 e uma tbua da multiplicao at 10 x 10 para o sistema de numerao grego alfabtico. 1.4 Sistemas de numerao antigos e hipotticos (a) Como uma alternativa aos smbolos de numerais cuneiformes, os babilnios s vezes usavam smbolos de numerais circulares, assim chamados por serem formados de impresses em forma circular feitas com um estilo de extremidade circular numa tbula de argila. Nesse caso os smbolos para o 1 e o 10 eram e . Escreva com numerais babilnicos circulares os nmeros: 5780, 72 803, 450 082 e 3 257 888. (b) Enuncie uma regra simples para multiplicar por 10 um nmero expresso em numerais hieroglficos. (c) Um sistema de numerao muito interessante ochins cientfico (ou em barras) que provavelmente remonta no tempo a mais de dois milnios. O sistema essencial- mente posicional, de base 10. A Figura 2 mostra como se representam os algarismos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 quando aparecem em posies mpares (unidades, centenas etc.). Mas esses dgitos, quando aparecem em posies pares (dezenas, milhares etc.), so representados como mostra a Figura 3. Nesse sistema passou-se a usar um crculo, , como zero a partir da dinastia Sung (960-1126). Escreva, com numerais em barra, os nmeros 5780, 72 803, 450 082 e 3 257 888. Figura 2
  44. 44. 46 howard eves (d) Num sistema de agrupamentos simples de base 5 representemos 1, 5, 52 e 53 por /, *, e . Expresse os nmeros 360, 252, 78 e 33 nesse sistema. (e) Num sistema de numerao posicional de base 5 representemos 0, 1, 2, 3 e 4 por #, /, *, e . Expresse os nmeros 360, 252, 78 e 33 nesse sistema. Figura 3 1.5 Nmeros digitais (a) A representao de nmeros por meio de dedos foi usada por muitos sculos; desse uso desenvolveram-se processos para a realizao de clculos simples. Um desses processos, que permite obter o produto de dois nmeros entre 5 e 10, servia para re- duzir o trabalho de memorizao ligado a tbuas de multiplicao. Por exemplo, para multiplicar 7 por 9, erga 7 5 = 2 dedos de uma das mos e 9 5 = 4 da outra. A soma 2 + 4 = 6 dos dedos erguidos fornece as dezenas, ao passo que o produto 3 x 1 dos dedos fechados fornece as unidades do produto que , portanto, 63. Esse processo ainda utilizado por alguns camponeses europeus. Prove que ele sempre conduz a resultados corretos. (b) Explique o quebra-cabea do sculo IX s vezes atribudo a Alcuno (c. 775): Eu vi um homem com 8 em sua mo, e do 8 ele tirou 7, e o que restou foi 6. (c) Explique o texto seguinte, encontrado na dcima stira de Juvenal: Feliz de fato ele que retardou tanto a hora de sua morte que ao fim enumerou seus anos sobre sua mo direita. 1.6 Notao posicional para fraes Os nmeros fracionrios podem ser expressos, na base usual, por dgitos que seguem a vrgula decimal. Pode-se usar tambm a mesma notao para outras bases; portanto, da mesma forma que 0,3012 representa 3/10 + 0/102 + 1/103 + 2/104 a expresso (0,3012)b representa 3/b + 0/b2 + 1/b3 + 2/b4 . Uma expresso como (0,3012)b pode ser chamada de frao posicional na base b. No caso b = 10 o nome usado frao decimal.
  45. 45. 47introduo histria da matemtica (a) Mostre como transformar uma frao posicional na base b numa frao de cimal. (b) Mostre como transformar uma frao decimal numa frao posicional na base b. (c) Aproxime at a quarta casa, como fraes decimais, as fraes posicionais (0,3012)4 e (0,3t1e)12 . (d) Aproxime at a quarta casa, como frao posicional, primeiro na base 7 e depois na base 12, a frao decimal 0,4402. 1.7 Aritmtica em outras bases (a) Construa as tbuas de adio e multiplicao nas bases 7 e 12. (b) Efetue a adio e a multiplicao de (3406)7 e (251)7 , primeiro usando as t- buas da parte (a) e depois fazendo a converso para a base 10. Faa o mesmo com (3t04e)12 e (51tt)12 . (c) Podemos aplicar as tbuas da base 12 para problemas de mensurao simples envolvendo ps e polegadas. Por exemplo, se tomarmos um p como unidade, ento 3 ps e 7 polegadas* se tornam (3,7)12 . Para encontrar, com a mxima aproximao at polegadas quadradas, a rea de um retngulo de 3 ps e 7 polegadas de base por 2 ps e 4 polegadas de altura, podemos multiplicar (3,7)12 por (2,4)12 e ento converter o resultado em ps quadrados e polegadas quadradas. Complete esse exemplo. 1.8 Problemas envolvendo notao em outras bases (a) Expresse (3012)5 na base 8. (b) Em que base se tem 3 x 3 = 10? E 3 x 3 = 11? E 3 x 3 = 12? (c) Pode um nmero par ser representado em alguma base por 27? E por 37? Pode um nmero mpar ser representado em alguma base por 72? E por 82? (d) Determine b de maneira que 79 = (142)b . Determine b de maneira que 72 = (2200)b. (e) Um nmero de trs algarismos na base 7 se expressa pelos mesmos algarismos, porm na ordem contrria, na base 9. Determine os trs algarismos. (f ) Qual a menor base em que 301 representa um inteiro quadrado? (g) Se b2, mostre que (121)b um inteiro quadrado. Se b4, mostre que (40001)b divisvel por (221)b . * 1 p = 12 polegadas. (N. T.)
  46. 46. 48 howard eves 1.9 Alguns aspectos recreativos da base binria O sistema de numerao posicional binrio tem aplicaes em vrios ramos da matemtica. H tambm muitos jogos e quebra-cabeas, como o bem conhecido jogo Nim e o quebra-cabea dos anis chineses, cujas solues dependem desse sistema. Seguem-se dois quebra-cabeas simples dessa natureza. (a) Mostre como se pode pesar, com uma balana de pratos simples, um peso w de um nmero inteiro de libras, usando-se pesos de uma libra, duas libras, 22 libras, 23 libras e assim por diante, havendo apenas um peso de cada tipo. (b) Considere as quatro fichas seguintes, formadas por nmeros de 1 a 15. 1 9 2 10 4 12 8 12 3 11 3 11 5 13 9 13 5 13 6 14 6 14 10 14 7 15 7 15 7 15 11 15 Na primeira ficha esto todos os nmeros cujo ltimo algarismo na base binria 1; na segunda esto todos os nmeros cujo segundo algarismo, a partir da direita, 1; na terceira esto aqueles cujo terceiro algarismo, a partir da direita, 1; e na quarta aqueles cujo quarto algarismo, a partir da direita, 1. Pede-se ento que algum pen- se num nmero N de 1 a 15 e para dizer em que fichas se encontra esse nmero. Fica fcil ento descobrir o nmero N: basta somar os nmeros que ficam no topo, es- querda, das fichas em que ele aparece. Construa um conjunto semelhante de seis fichas para descobrir qualquer nmero de 1 a 63. J se observou que, se os nmeros fossem escritos em fichas pesando 1, 2, 4, ... unidades, ento um autmato, na forma de uma balana postal, automaticamente expressaria o nmero N. 1.10 Alguns truques numricos Muitos dos truques numricos, nos quais se deve adivinhar um nmero escolhido, tm explicaes que dependem de nosso prprio sistema posicional. Descubra os se- guintes truques dessa natureza: (a) Pede-se a uma pessoa que pense num nmero de dois algarismos. Solicita-se ento a ela para multiplicar o algarismo das dezenas do nmero pensado por 5, somar 7, dobrar, somar o algarismo das unidades do nmero original e anunciar o resultado final. Subtraindo-se 14 desse resultado, descobre-se o nmero pensado. (b) Pede-se a algum que pense num nmero de trs algarismos. Solicita-se a esse algum para multiplicar o algarismo das centenas por 2, somar 3, multiplicar por 5,
  47. 47. 49introduo histria da matemtica somar 7, somar o algarismo das dezenas, multiplicar por 2, somar 3, multiplicar por 5, somar o algarismo das unidades e anunciar o resultado. Subtraindo-se secretamente 235 desse resultado, obtm-se o nmero pensado. (c) Solicita-se a algum que pense num nmero de trs algarismos tal que o alga- rismo das unidades e o das centenas sejam diferentes. Pede-se ento que esse algum encontre a diferena entre o nmero pensado e o nmero obtido invertendo-se a ordem dos algarismos. Aps a revelao do ltimo algarismo dessa diferena, pode-se dizer com certeza qual a diferena. Como se faz isso? Temas 1/1 Possvel senso numrico no mundo animal. 1/2Evidncias lingusticas do uso, em alguma poca, de bases diferentes da deci- mal. 1/3 Vantagens e desvantagens de bases diferentes da decimal. 1/4 A histria dos materiais de escrita. 1/5 A luta entre abacistas e algoristas. 1/6 Nmeros e aritmtica digitais. 1/7 A aritmtica no baco. 1/8 O quipo antigo. 1/9 Aritmtica maia. 1/10 Barras de calcular. 1/11 O zero babilnico. 1/12 Tabus numricos. 1/13 O mistrio da pedra de Kensington. 1/14 Algumas origens fantasiosas dos nossos smbolos numerais. 1/15Confronto entre o baco e a calculadora eletrnica de mesa. Bibliografia ANDREWS, F. E. New Numbers. Nova York, Harcourt, BraceWorld, 1935. ASCHER, Mareia e ASCHER, Robert. Code of the Quipu: A Study in Media, Mathematics and Culture. Ann Arbor (Michigan), University of Michigan Press, 1981. Ver bibliografia geral como suplemento desta e das bibliografias nos captulos seguintes.
  48. 48. 50 howard eves BALL, W. W. R. e COXETER, H. S. R.. Mathematical Recreations and Essays. 12a ed. Toronto, Uni- versity of Toronto Press, 1974. Reimpresso por Dover, Nova York. CAJORI,Florian.AHistoryofMathematicalNotations.Chicago,OpenCourtPublishing,1928-1929, 2 vols. CLOSS, M. P. (ed.). Native American Mathematics. Austin (Tex.), University of Texas Press, 1986. COHEN, P. C. A Calculating People: The Spread of Numeracy in North America. Chicago, Univer- sity of Chicago Press, 1983. CONANT, L. L. The Number Concept: Its Origin and Development. Nova York, MacMillan, 1923. DANTZIG, Tobias. Number: The Language of Science. Nova York, MacMillan, 1946. FLEGG, Graham. Numbers: Their History and Meanings. Glasgow, Andrew Deutch Ltd.; Nova York, Schocken Books, 1983. FREITAG, H. T. e FREITAG, A. H.. The Number Story. Washington, D.C., National Council of Teachers of Mathematics, 1960. GALLENKAMP, Charles. Maya. Nova York, McKay, 1959. GATES, W. E. Yucatan Before and After the Conquest, by Friar Diego de Landa, etc. Maya Society Publications, no 20, Baltimore The Maya Society, 1937. GLASER, Anton. History of Binary and Other Nondecimal Numeration. Publicado por Anton Glaser, 1237 Whitney Road, Southampton, Pensilvnia 18.966, 1971. HILL, G. F. The Development of Arabic Numerals in Europe. Nova York, Oxford University Press, 1915. IFRAH, Georges. From One to Zero: A Universal History of Numbers. Trad. para o ingls por Lowell Bair. Nova York, Viking Press, 1985. KARPINSKI, Louis Charles. The History of Arithmetic. Nova York, RussellRussell, 1965. KRAITCHIK, Maurice. Mathematical Recreations. Nova York, W. W. Norton, 1942. LARSON, H. D. Arithmetics for Colleges. Nova York, Macmillan, 1950. LOCKE, L. Leland. The Ancient Quipu or Peruvian Knot Record. Nova York, American Museum of Natural History, 1923. MENNINGER,Karl. NumberWordsandNumberSymbols,ACulturalHistoryofNumbers.Cambridge (Mass.), M. I. T. Press, 1969. MORLEY, S. G. An Introduction to the Study of the Maya Hieroglyphs. Washington, D.C., Government Printing Office, 1915. . The Ancient Maya. Stanford (Calif.), Stanford University Press, 1956. ORE, Oystein. Number Theory and Its History. Nova York, McGraw-Hill, 1948. PULLAN, J. M. The History of the Abacus. Nova York, Praeger, 1968. RINGENBERG, L. A. A Portrait of 2. Washington, D.C., National Council of Teachers of Mathe matics, 1956.
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  50. 50. Panorama Cultural II A Revoluo Agrcola Os beros da civilizao c. 3000-525 a.C. (Para acompanhar o Captulo 2) Perto do final da Idade da Pedra, em certas partes do mundo, os povos foram impe- lidos para uma agricultura intensiva e em grande escala, em virtude de mudanas no clima do mundo. As vastas e ervosas savanas onde os caadores da Idade da Pedra viviam comearam a se contrair no fim do perodo Neoltico, como acontece ainda hoje. Em alguns lugares, as florestas em expanso comearam a invadir as savanas; em outros lugares as savanas se tornaram ridas e sem vida, transformando-se em desertos. Conforme seu meio ambiente mudava, o homem adaptava-se como podia. Na Europa, sul da frica, sudeste da sia e a leste das Amricas do Norte e do Sul, os povos deslocaram-se para novas florestas e tornaram-se caadores dos bosques, o que requeria uma adaptao menor. Nos crescentes desertos do norte da frica, do Oriente Mdio e da sia Central, porm, a transformao no foi to simples. Conforme a vegetao murchava e os ribeiros secavam, conforme dunas de areia enormes punham-se em marcha a partir dos centros dos novos desertos, os animais que haviam vivido nessas regies deixavam- nas, abrindo caminho para algum osis, e seguindo em frente quando o osis secava. Os homens seguiam os animais em sua fuga ante o avano das imensas dunas, even- tualmente estabelecendo-se nas margens dos desertos em regies midas semelhantes a osis. Esses novos lugares eram como cisternas para todas as formas de vida, incluin- do os seres humanos, e grande nmero de homens e mulheres passaram a viver neles depois de sua fuga do deserto. Na frica, com o avano do deserto do Sahara, que fora outrora uma pradaria ondulante, o vale do rio Nilo oferecia gua para os animais que migravam e para seus caadores humanos. No Oriente Mdio, os rios Tigre e Eufrates, dividindo um nico vale, formavam uma cisterna para aqueles que fugiam do crescente deserto rabe. O vale do rio Indo, na periferia do deserto de Thar na ndia e o vale do rio Amarelo na China, junto ao deserto de Gobi, tambm serviam de cisternas. Nas Amricas, embora em poca posterior, a plancie costeira do Pacfi- co tornou-se seca e murcha, e os povos escalaram os altos picos da serra Madre no Mxico e Amrica Centr