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Intertextualidade e Construção de Sentidos... Muniz & Gomes Revista Diálogos set. / out. 2018 N.º 20 329 INTERTEXTUALIDADE E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS: UMA ANÁLISE DE MEMES DO FACEBOOK João Paulo Muniz 1 Jaciara Josefa Gomes 2 d.o.i.10.13115/2236-1499v2n20p329 RESUMO: Neste estudo, buscamos compreender como a intertextualidade é construída em memes que circulam no Facebook e que sentidos são construídos a partir desses textos. Para isso, utilizamos o conceito de intertextualidade definido dentro dos estudos do texto, bem como recorremos a reflexões desenvolvidas por Fairclough (2001) sobre a intertextualidade na análise da dimensão textual do discurso. A análise nos mostra que os memes são por natureza intertextuais, já que são construídos em resposta/diálogo a algum outro texto que o precedeu, podendo essa relação intertextual ser explícita ou não, mas obrigando o leitor a para compreender os sentidos produzidos. PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade; Memes; Interação em rede. ABSTRACT: In this study, we seek to understand how intertextuality is constructed in memes that circulate on Facebook and what meanings are constructed from these texts. For this, we use the concept of intertextuality defined within the text studies, as well as we resorting to reflections developed by Fairclough (2001) about the intertextuality in the analysis of the textual dimension of discourse. The analysis shows us that memes are by nature intertextual, since they are constructed in answer / dialog to some other text that preceded it, may be this intertextual relationship be explicit or not, but forcing the reader to understand the meanings produced. KEYWORDS: Intertextuality; Memes; Network Interaction. 1 Graduando do Curso de Letras Língua Portuguesa e suas Literaturas. Bolsista PIBIC/CNPq. 2 Orientadora, Professora Adjunta na UPE/Campus Garanhuns.

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Intertextualidade e Construção de Sentidos... – Muniz & Gomes

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 329

INTERTEXTUALIDADE E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS:

UMA ANÁLISE DE MEMES DO FACEBOOK

João Paulo Muniz1

Jaciara Josefa Gomes2

d.o.i.10.13115/2236-1499v2n20p329

RESUMO: Neste estudo, buscamos compreender como a

intertextualidade é construída em memes que circulam no Facebook e

que sentidos são construídos a partir desses textos. Para isso, utilizamos

o conceito de intertextualidade definido dentro dos estudos do texto,

bem como recorremos a reflexões desenvolvidas por Fairclough (2001)

sobre a intertextualidade na análise da dimensão textual do discurso. A

análise nos mostra que os memes são por natureza intertextuais, já que

são construídos em resposta/diálogo a algum outro texto que o

precedeu, podendo essa relação intertextual ser explícita ou não, mas

obrigando o leitor a para compreender os sentidos produzidos.

PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade; Memes; Interação em rede.

ABSTRACT: In this study, we seek to understand how intertextuality

is constructed in memes that circulate on Facebook and what meanings

are constructed from these texts. For this, we use the concept of

intertextuality defined within the text studies, as well as we resorting to

reflections developed by Fairclough (2001) about the intertextuality in

the analysis of the textual dimension of discourse. The analysis shows

us that memes are by nature intertextual, since they are constructed in

answer / dialog to some other text that preceded it, may be this

intertextual relationship be explicit or not, but forcing the reader to

understand the meanings produced.

KEYWORDS: Intertextuality; Memes; Network Interaction.

1 Graduando do Curso de Letras – Língua Portuguesa e suas Literaturas.

Bolsista PIBIC/CNPq. 2 Orientadora, Professora Adjunta na UPE/Campus Garanhuns.

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Introdução

Na era digital, tornou-se primordial o desenvolvimento de outras

competências comunicativas nos cidadãos, que agora precisam ser

letrados digitalmente. Essa inserção no mundo tecnológico tem

modificado a produção de sentidos nos textos que são reconfigurados

continuamente.

Nesse contexto, o presente estudo analisa como ocorre a

intertextualidade em memes e sua implicação na construção de outros

sentidos no texto. Partimos do pressuposto de que a intertextualidade

ocorre quando um texto remete a outro anteriormente proferido, seja de

forma implícita, explícita, conforme Koch, Bentes e Cavalcante (2007).

Compreendemos também que os memes são formas discursivas

(SOUZA, 2013), produzidas em contexto virtual sobre um determinado

fato ocorrido que se propaga exponencialmente pelos ambientes

virtuais, principalmente nas redes sociais (Facebook, twitter ,

instagram...).

Para essa análise, selecionamos três memes publicados em

páginas da rede social Facebook, pelo fato de sua grande abrangência

de usuários e consequentemente sua repercussão. A análise é feita após

discutirmos os pressupostos teóricos nos estudos do texto e do discurso.

Observamos ser a intertextualidade comum aos memes e analisamos

sua crucial importância para a construção de sentidos nos memes.

1. A intertextualidade na construção de sentidos

O conceito de intertextualidade surgiu inicialmente nas pesquisas

de Kristeva, na década de 1960, a partir dos estudos dialógicos de

Bakhtin (apud RAMIRES, 2014), mas com um viés literário, seria

assim o diálogo entre textos, ou também confundida com a

interdiscursividade, o que depois viria a ser chamado de

intertextualidade lato sensu (KOCH; BENTES; CAVALCANTE,

2007). Mais adiante, passou também a interessar aos estudiosos da

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Linguística Textual, constituindo-se em um princípio da textualidade de

ordem pragmática. Para Koch & Elias (2006), a intertextualidade

acontece quando um texto faz remissão a outro anteriormente proferido

e essa pode se manifestar de forma explícita ou implícita ao mesmo

tempo que se constitui de diferentes modos (NOBRE, 2013).

Como já dito, a intertextualidade pode se manifestar de diversas

maneiras. Segundo Koch, Bentes e Cavalcante (2007), pode-se

considerar a intertextualidade lato sensu e intertextualidade stricto

sensu. A primeira é entendida como a relação discursiva entre textos.

Relaciona-se aos estudos da Análise do Discurso ao trazer consigo um

apelo a inferências mais profundas para que seja compreendida, um

apelo à uma busca nos discursos inconscientes e na memória do sujeito.

Ou seja, segue por um viés discursivo e psicológico, demonstrando

assim poucos aspectos de marcação na estruturação formal dos mesmos.

Entretanto, diferentemente dessa conceituação, quando as autoras

tratam de intertextualidade lato sensu, compreendem uma noção

incorporada/desenvolvida dentro dos estudos da Linguística Textual. É

percebida/compreendida quando em um texto se inserem outros textos

produzidos anteriormente (intertexto) e o leitor consegue ativar seus

conhecimentos enciclopédicos – ou de mundo – chegando, assim, ao

texto fonte do intertexto.

A intertextualidade stricto sensu pode ser dividida em diferentes

formas, de acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2007):

intertextualidade temática, intertextualidade estilística, intertextualidade

explícita e intertextualidade implícita. A primeira se refere aos textos

que compartilham a mesma temática ou que estão produzidos dentro de

uma mesma área do conhecimento ou corrente de pensamento. É uma

forma mais ampla de intertextualidade. A segunda acontece quando em

um texto o autor se utiliza estrategicamente de traços de estilo de outro

autor. Esse tipo é bem comum nas paródias. Sobre a intertextualidade

explícita (terceira), as pesquisadoras postulam que acontece quando há

menção direta ao texto-fonte do intertexto produzido. Geralmente,

encontra-se esse tipo de intertextualidade em artigos científicos, dentre

outros gêneros acadêmicos, pelo fato de atribuir mais credibilidade ao

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texto. Já a implícita (quarta) ocorre quando não há menção direta do

texto-fonte.

Em uma perspectiva discursiva, a intertextualidade revela os

graus de abertura e fechamento a diferentes vozes e também ao que isto

pode mostrar (FAIRCLOUGH, 2001). Estudioso da teoria social do

discurso, Fairclough (2001) explica, a partir de Foucault, que nos

diferentes tipos de discurso o contexto afeta a interpretação de modo

também diverso. Com base nessas ideias, podemos compreender a força

enunciativa, ou os atos de fala, como desempenhando um papel

fundamental no processo de interpretação, sobretudo em relação às

funções interpessoais e ideacionais.

Fairclough (2001) também recupera o conceito de

‘intertextualidade’ a partir dos postulados Kristeva, afirmando a

acentuação da historicidade nos textos como elemento fundamental. Ele

compreende a intertextualidade como uma propriedade dos textos de

serem estruturados, organizados por fragmentos de outros textos. O

estudioso distingue a ‘intertextualidade manifesta’, ou seja, a

recorrência explícita a outros textos específicos, da ‘intertextualidade

constitutiva’, que acontece quando a heterogeneidade textual é realizada

por tipos de convenções das ordens do discurso, por essa razão é

chamada também de ‘interdiscursividade’.

Com base nessas perspectivas, tanto nos estudos do texto como

nos estudos do discurso, é que realizamos as análises. Antes,

refletiremos um pouco sobre os memes enquanto produções textuais

bastante representativas da comunicação em ambiente virtual, mais

especificamente no Facebook.

2. Afinal, o que são memes?

Responder a essa questão de acordo com os estudos linguísticos é

um pouco difícil, tendo em vista a escassa discussão existente na área.

Sabe-se que o termo é uma abreviação da palavra grega mimeses, que

significa imitar (SILVA, 2014) e teve origem nos estudos genéticos de

Richard Dawkins (1976), zoologista que o define como “ uma unidade

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de informação que se propaga de mente em mente” (DAWKINS apud

SILVA, 2014, p. 32). O mesmo pesquisador descreve que exemplos de

memes são:

(...)melodias, ideias, slogans, as modas no vestuário, as

maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Tal como

os genes se propagam no pool gênico saltando de corpo

para corpo através dos espermatozoides ou dos óvulos, os

memes também se propagam no pool de memes saltando

de cérebro para cérebro através de um processo que, num

sentido amplo, pode ser chamado de imitação

(DAWKINS apud LUIZ, 2012, p.02).

Esse conceito foi adaptado pela cibercultura e passou a designar o

fenômeno de repetição e (re)contextualização sob várias modalidades e

formas de linguagem (imagem, textos verbais, vídeos, etc.) de

informações ligadas a um fato ocorrido num determinado contexto. Tal

fenômeno é muito presente nas redes sociais, como o Facebook, por

exemplo.

Vale salientar que essas formas textuais/discursivas são

produzidas mediante algum acontecimento/fato de notoriedade que

acaba consequentemente sendo discutido nas redes sociais com intenção

de criticá-lo, ironiza-lo, promovê-lo, produzir humor, dentre outras, os

quais se multiplicam de forma exponencial, como ressalta Luiz (2012):

O que todos os memes, independente da origem, trazem

em comum é o fato de surgirem e se multiplicarem de

forma espontânea, além de se desenvolverem de maneira

orgânica e colaborativa, geralmente se espalhando pela

internet na mesma velocidade com que caem em desuso,

podendo sua presença online variar de alguns anos até

poucos dias. (LUIZ, 2012, p. 02).

Dando continuidade a esse pensamento, nota-se a uma certa

temporalidade dos memes. Por serem produzidos e reproduzidos a partir

de um determinado fato de um contexto específico, somente durarão e

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farão sentido enquanto os fatos que lhes proporcionaram a criação

estiverem visíveis e sendo amplamente discutidos nos ambientes

virtuais. Do contrário, a produção seria incoerente e desinteressante em

um ambiente que exige “atualização” dos fatos discutidos por parte do

leitor.

Nesse cenário virtual, é importante lembrarmos alguns

comportamentos assumidos por adolescentes que estão crescendo na

rede (pesquisa de Dom Taspcott, 1999). Tais comportamentos, segundo

Xavier (2005), se projetam no uso da língua. São eles: o imediatismo

interacional (a interação na rede online exige agilidade), a tolerância

ao diferente (velocidade na interação gera novas formas de registro

escrito, vistas como criativas e descontraídas) e, por fim, a autonomia

na aprendizagem (os internautas regulam o formato de sua escrita a

cada situação de uso da linguagem e dão origem a uma infinidade de

novos gêneros textuais). Todavia, pensamos que essas características

são próprias da pós-modernidade, do contato com tecnologias diversas,

visto que adolescentes/jovens que não têm tanto acesso também as

apresentam, mesmo que não em sua totalidade.

A título de exemplificação, podemos citar um acontecimento

recente. Após agredir a companheira em uma festa, um homem é levado

à delegacia e, em entrevista a uma jornalista de uma emissora de TV,

diz não ter nenhuma noção do suposto crime respondendo a todas as

perguntas da repórter com a frase “Nunca nem vi. Que dia foi isso?”.

Pelo fato de repetir por diversas vezes essa mesma fala, ficou clara a

ausência de argumentos para sua defesa e isso tornou-se o pivô para a

construção do humor. Como é comum nos sentidos produzidos em rede,

a forma viralizou e logo esse fato proliferou-se nas redes sociais, pela

sua carga humorística, dando início à produção de inúmeros memes. É

o que passaremos a analisar a partir do próximo tópico.

3. Memes, intertextualidade e construção de sentidos

O exemplo acima mencionado nos situa nos modos de produção

de sentido em rede, aqueles estabelecidos através de relações

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intertextuais que se atualizam a cada novo contexto de uso,

reconfigurando visões de mundo (FAIRCLOUGH, 2001). Trata-se de

um meme gerado a partir da fala do acusado de agressão (fato já

mencionado) após “viralizar” nas redes. Percebe-se a repetição do

enunciado “que dia foi isso? nunca nem ví”, mas associado a outro

texto presente na parte superior da imagem: “eis que sua mãe pede o

troco do dinheiro que você comprou pão”, além de ter como imagem de

fundo a pessoa que proferiu o enunciado inicialmente. Tem-se assim a

exemplificação modelar do que estamos discutindo. Vejamos o referido

meme abaixo:

Imagem 1: Meme da página Nunca nem vi, do Facebook.

Fonte:https://www.facebook.com/OficialNuncaNemVi/photos/rpp.699430276917198/

709686709224888/?type=3&theater> Acesso em 04 de dezembro de 2017.

Como notamos, há uma relação intertextual, o que é comum nos

memes por ser um fator que ajuda na construção do humor. Esse texto

se constitui pela remissão a outros que o antecederam. A

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intertextualidade que ocorre é a forma implícita, considerando que

ocorre sem a menção à fonte do intertexto (KOCH, 2004).

Considerando que os memes comumente são produzidos a partir de uma

situação em destaque na mídia na qual circula, pressupõe-se que a

forma implícita de intertexto seja mais comum, tendo em vista que o

produtor considere que o leitor tenha conhecimentos do texto-fonte ao

qual o intertexto remete. Só assim, as intenções humorísticas do

produtor teriam sucesso. A interpretação é totalmente redirecionada

pelo contexto, já que não se trata mais da cena de violência, passando a

ser utilizada em fatos cotidianos que parecem “dispensar” maiores

seriedades, embora a falta de compromisso com a verdade seja

recorrente em todas as situações. Entretanto, faz-se necessário que o

leitor tenha em sua memória discursiva o texto fonte desse intertexto

para que os sentidos pretendidos pelo autor sejam alcançados.

Depois de analisá-los, percebemos que, embora haja a repetição

de um texto fonte, no caso a reportagem mencionada, seja de forma

implícita ou explícita, o texto é sempre recontextualizado, ou seja,

inserido dentro de outro tema. Segundo Bazermam (2006), nesse

processo de recontextualização que se insere a intertextualidade,

sentidos diferentes são produzidos. Congruente a esse pensamento,

Fairclough (2001, p. 154), a partir de Voloshinov, sustenta que “ o

significado do discurso representado não pode ser determinado sem

referência a como ele funciona e é contextualizado no discurso

representador”. Ou seja, os sentidos de um texto/discurso já não são os

mesmos quando inseridos em um outros. Por exemplo, como já

mencionado, o texto que tratava de uma cena ligada a violência, a um

crime, passa a ser direcionada a um tema cotidiano.

Outro caso que gerou grande produção de memes foi a Reforma

da Previdência, idealizada pelo atual Presidente do Brasil, Michel

Temer no final do ano de 2016. Por ser de interesse nacional e por

causar bastante polêmica, o tema foi e ainda continua sendo

amplamente discutido nas redes sociais, como o Facebook. Vejamos

então os seguintes memes:

Imagem 2: meme da página Falem da alfabetização

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Fonte:https://www.facebook.com/alemdaalfabetizacao/photos/a.159219857608570.10

73741828.159217330942156/601663250030893/?type=3&theater> Acesso em 08 de

agosto de 2017.

Na imagem 2, aparece, ao fundo, uma senhora que aparenta ter

mais de setenta anos de idade (idade atual para aposentadoria de

mulheres) a andar na rua apoiada em uma muleta e com bolsa em um

dos braços. Foi inserido o texto “professora a caminho de mais um dia

de trabalho, após a Reforma da Previdência”. O humor do meme ocorre

quando a imagem da senhora de idade avançada é associada ao texto,

que afirma sua continuidade no trabalhando, supondo-se que já deveria

estar aposentada. O texto verbal, associado à imagem da idosa, já seria

suficiente para que o leitor compreendesse a que se referia (novas

normas previstas na Emenda da Reforma da Previdência), bastaria a

imagem estar inserida num contexto temporal comum ao das discussões

sobre a reforma. No entanto, para reforçar o sentido pretendido, o autor

completa o enunciado com “após a reforma da previdência”, o que faz

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com que haja intertextualidade explícita. Esta, como já dito, ocorre

quando há menção direta ao texto fonte, no caso, ao texto da reforma.

Ainda nessa temática, selecionamos outro exemplo.

Imagem 3: Meme do usuário do Facebook Daniel Roth

Fonte:https://www.facebook.com/danielrothschildbc/photos/a.1437553986269602.10

73741828.1437521522939515/1683358115022520/?type=3&theater> Acesso em 08

de agosto de 2017.

Nessa imagem, é ilustrado o personagem “Mumm-Ra”, da série

americana de animação TunderCats, produzida na década de 1980, que

remete a uma múmia, por ter seu corpo enfaixado e aparência raquítica.

O produtor toma a imagem como fundo e insere o seguinte texto:

“Chapeuzinho Vermelho comemorando a sua aposentadoria depois da

‘#reformadaprevidencia’”. Nessa relação, compreende-se que, depois

das mudanças propostas pela reforma da previdência uma pessoa só terá

sua aposentadoria após a morte. Mais uma vez, a intertextualidade se

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manifesta de forma explícita, o que facilita a compreensão do leitor, no

que diz respeito às associações e inferências necessária para isso.

Ademais, a intertextualidade proposta aqui é de via dupla, tanto apela

ao texto da reforma, como à personagem Chapeuzinho Vermelho,

própria do universo literário infantil. Na perspectiva discursiva,

percebemos que embora o meme retome explicitamente outros, o que

nos levaria a pensar na abertura para essa voz, realiza um fechamento

para a voz retomada porque a coloca em outro lugar, critica-o, ironiza,

problematiza.

Em todos os exemplos, pudemos observar que o texto verbal se

apoia nas imagens. Logo, para melhor compreensão dos memes e de

como os sentidos são produzidos nesses textos, faz-se necessária uma

discussão sobre leitura de imagens, o que não foi realizado aqui, mas

que faremos na ampliação da pesquisa que está apenas iniciando.

4. Considerações finais

É bem verdade que o uso da escrita nos gêneros digitais recebe

inúmeras críticas por pais e professores, como sendo prejudicial à

aprendizagem. Contudo, estamos de acordo com Xavier (2005) que

defende a ideia de que a escrita utilizada pelos internautas em tais textos

(e-mail, webblogs, bate-papos e orkut) não pode ser responsabilizada

pelo insucesso da aprendizagem da escrita, nem na escola. Ademais,

como salienta o linguista, a fluência que muitos internautas apresentam

quando se comunicam por meio desses gêneros poderia ser aproveitada

para ampliar e melhorar as práticas de leitura e escrita escolarizadas.

Com essa breve discussão, foi possível perceber que a

intertextualidade é um traço comum e, por que não, essencial na

produção e funcionamento dos memes, tendo em vista sua importância

para a construção de sentidos, inclusive do humor nessas formas

discursivas/textuais.

Além disso, foi possível também perceber que a intertextualidade

é fundamental para que o leitor acesse os sentidos construídos. No caso

dos memes, o leitor somete compreenderia as intenções do autor ao

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produzi-los se conseguisse rememorar o texto fonte, garimpando seus

conhecimentos enciclopédicos.

Por fim, pudemos perceber que os processos intertextuais vão

além do texto verbal, no caso dos memes, é necessário que o leitor

compreenda a relação deste com as outras semioses (no caso, as

imagens) que o formulam para que consiga compreender os sentidos

produzidos. Assim sendo, julgamos pertinentes pesquisas que busquem

compreender melhor essas múltiplas semioses que constroem o texto na

interação virtual e como interferem na construção dos sentidos nesse

ambiente (virtual).

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outros textos In Gênero, agência e escrita. Trad. Judith Hoffnagel

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