interfaces da psicologia social comunitária

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Psicologia Sócio-Comunitária

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  • Psicologia: Teoria e Prtica 2009, 11(2):145-160

    Interfaces entre psicologia social comunitria e psicodrama

    Eleonora PereiraUniversidade Federal do Cear

    Nara Maria Forte DiogoUniversidade Federal do Piau

    Resumo: O presente artigo apresenta a relao entre psicologia social comunitria e psico-drama. Examinaram-se os conceitos e vises de homem e de mundo, o compromisso social e as dimenses metodolgicas de ambos os saberes, para sistematizar os elementos em comum encontrados. Dentre as interfaces de maior relevncia encontradas, pode-se citar que a psicologia comunitria e o psicodrama construram-se de forma pragmtica; compre-endem o homem como ser scio-histrico e relacional; privilegiam o trabalho com grupos; trazem em seu bojo metodologias que promovem uma ao mobilizadora e facilitadora da apreenso de novos conhecimentos; trabalham com base em uma tica participativa, fomen-tando a corresponsabilidade das pessoas nas transformaes sociais, entre outros aspectos. Espera-se, com este estudo, contribuir para o delineamento de novas pesquisas sobre o as-sunto, alm de servir como referncia para os psiclogos, para que ampliem suas atuaes na esfera pblica e no mbito de trabalhos institucionais e comunitrios.

    Palavras-chave: psicologia social; tica; psicologia comunitria; psicodrama; interveno co-munitria.

    INTERFACES BETWEEN COMMUNITY SOCIAL PSYCHOLOGY AND PSYCHODRAMA

    Abstract: The article presents the relation between Community Social Psychology and Psy-chodrama. We examined concepts about mens and worlds visions, social commitment and methodological dimensions from both fields of knowledge, systematizing common elements. Among the most relevant interfaces founded we can highlight some as: community psychol-ogy and psychodrama were built in a pragmatical way; they comprehend human beig in a historical and relational way; they focus group work; they use methodologies that promotes mobilizing action and facilitates the aprehension of foreground; work with a participative ethics; promotes co-responsability, among others. We hope to contribute with new re-searches and to serve as reference for psychologists to enlarge their works at publice sphere and at intitucional and community work.

    Keywords: social psychology; ethics; community psychology; psychodrama; community in-tervention.

    INTERFACES ENTRE LA PSICOLOGA SOCIAL COMUNITARIA Y EL PSICODRAMA

    Resumen: Este artculo presenta la relacin entre la psicologa social comunitaria y el psico-drama. Se ha examinado los conceptos y visiones del hombre y del mundo, el compromiso social y las dimensiones metodolgicas de ambos los campos del conocimiento a fin de sis-tematizar los elementos encontrados en comn. Entre los ms relevantes interfaces encon-trados, se puede citar que: la psicologa comunitaria y el psicodrama fueron construidos de una manera pragmtica; comprendan al hombre como ser histrico-social y relacional; pre-fieren el trabajo con grupos; utilizan metodologas que promuevan una accin estimulante y facilitan la aprehensin de nuevos conocimientos; trabajan com una tica participativa, pro-mueve la co-responsabilidad de las personas en el cambio social, entre otros. Esperamos con este estudio contribuir con nuevas investigaciones sobre el tema, as como servir de referen-cia para los psiclogos, ampliar sus actuaciones en el mbito pblico y dentro del marco institucional y de trabajo comunitario.

    Palabras clave: psicologa social; tica; psicologa comunitaria; psicodrama; intervencin co-munitaria.

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    Eleonora Pereira, Nara Maria Forte Diogo

    Psicologia: Teoria e Prtica 2009, 11(2):145-160

    Introduo

    O presente artigo, fruto de reflexes tericas e prticas das autoras, investiga as interfa-ces existentes entre psicologia comunitria e psicodrama, no intuito de vislumbrar quais di-logos h entre esses dois campos de saber e se, por meio de suas intersees, possvel trazer algumas contribuies terico-prticas para a atuao do psiclogo na comunidade.

    Alm disso, em 2007, o Centro de Referncia Tcnica em Psicologia e Polticas Pblicas (Crepop), entidade criada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), lana o documento Referncia tcnica para atuao do(a) psiclogo(a) no Cras/Suas, que traz, em seu corpo, aspectos da dimenso tico-poltica da assistncia social, a relao da psicologia com a assistncia social, a atuao do psiclogo nos Centros de Referncia em Assistncia Social (Cras) e a gesto do trabalho no Sistema nico de Assistncia Social (Suas).

    O texto do Crepop ressalta que o foco de atuao do psiclogo nos Cras a preveno de situaes de risco pessoal e social e a promoo da vida em locais de baixo IDH, bus-cando priorizar as potencialidades e os aspectos saudveis presentes nos sujeitos, nas fa-mlias e na comunidade. Alm disso, ao intervir em situaes de vulnerabilidade, dentro da assistncia social, o psiclogo facilita a promoo do desenvolvimento da autonomia dos indivduos, oportunizando, assim, a transformao destes em sujeitos de direitos e deveres. Compreender o papel ativo do indivduo e a influncia das relaes sociais, dos valores e conhecimentos culturais sobre o desenvolvimento humano pode favorecer uma atuao profissional que seja transformadora das desigualdades sociais.

    Ademais, o Crepop tem o intuito de oferecer, com tal documento, diretrizes para o psiclogo que trabalha em polticas pblicas e tentar ampliar as suas aes nessa esfera, expandindo, desse modo, a contribuio profissional da psicologia para a sociedade bra-sileira e, consequentemente, colaborando para a promoo dos direitos humanos e o fortalecimento da cidadania no pas.

    Ento, a pesquisa realizada surgiu, tambm, por vislumbrarmos que as diretrizes do psicodrama e da psicologia comunitria se ajustam s atuais propostas do Crepop e, ade-mais, poderiam contribuir na construo de uma prxis profissional ligada s diversas reas da psicologia, em especial as que tangem s polticas pblicas destinadas assistn-cia social, caso uma sistematizao das contribuies mtuas entre elas fosse feita.

    Porm, ao iniciarmos a procura por bibliografia que tratasse de possveis contribuies mtuas entre essas duas reas, percebemos a insuficincia de informaes e pesquisas nesse campo. Tudo que encontramos limitava-se aos trabalhos de Marra (2004, 2006) e Gis (1993). Os primeiros abordam o uso do sociodrama, uma pequena parcela do que constitui o psicodrama, como proposta terico-metodolgica nos trabalhos na comuni-dade. O segundo faz aluso ao uso de dramatizaes e do Teatro da Espontaneidade, outras vertentes da teoria psicodramtica, como ferramentas da psicologia comunitria.

    Esperamos, assim, com este estudo, contribuir para o delineamento de novas pesqui-sas sobre o assunto, bem como gerar a produo de um conhecimento que possa servir como referncia e diretriz para o psiclogo, tornando este profissional capaz de ampliar, por meio de uma nova perspectiva, as suas atuaes na esfera pblica e no mbito de trabalhos institucionais e comunitrios.

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    Mtodo

    O procedimento metodolgico idealizado neste estudo foi executado de forma explo-ratria, com base em consultas bibliogrficas, realizadas no ano de 2007. A pesquisa bi-bliogrfica tomou por base a produo de conhecimento, tendo como fontes principais de consulta livros e artigos cientficos sobre a psicologia comunitria (BRANDO; BOMFIM, 1999; CAMPOS, 2003; GIS, 1993, 2005; LANE; CODO, 1994; MONTERO, 2003, 2006; OLI-VEIRA et al., 2008) e o psicodrama obras de Moreno (1974, 1992a, 1992b, 1994a, 1994b, 1997, 2003) e de alguns psicodramatistas brasileiros e argentinos. Este trabalho centralizou-se na reviso crtica da bibliografia editada sobre os dois saberes, para permi-tir uma reflexo por meio dos dizeres dos autores. Na escolha das obras, consideraram-se aquelas com definies, metodologias e instrumentais utilizados, abrangendo aspectos que necessitavam de investigao para efetivao do dilogo pretendido. Estes foram definidos a priori: vises de homem e de mundo, dimenses metodolgicas e compromis-so social.

    A interface entre o psicodrama e a psicologia comunitria busca a ampliao dos ali-cerces epistemolgicos de ambos. Tais tpicos so considerados como esteio primordial para o dilogo pretendido, posto que, para uma atuao consistente, preciso, inicial-mente, um posicionamento diante do ser humano e da realidade em que este vive, de modo que sejam possveis o comprometimento e a busca de transformaes.

    Anlise e discusso de resultados

    Aps breve reviso terica de ambos os campos de saber, destacamos, a seguir, as prin-cipais interfaces surgidas e, ainda, avanamos no conhecimento mais aprofundado dos campos de saber ora apresentados.

    Dimenses tericas

    A psicologia comunitria, de acordo com Gis (2005), encontra suas origens nos mo-vimentos sociais comunitrios, sobretudo nos de sade mental, da Europa e dos Estados Unidos. Historicamente, a expresso psicologia comunitria teve sua configurao formal dentro da Conferncia de Swampscott, em Boston, em 1965, que objetivava tra-ar as bases dos Centros de Sade Mental Comunitria, proposto pelo presidente J. F. Kennedy, bem como debater a formao do psiclogo e ampliar a noo de sade men-tal ao mbito comunitrio. Essa expresso surge porque tanto os profissionais de sade quanto os dos movimentos comunitrios desejavam construir processos diferenciados no campo da sade mental, que passou a considerar, em sua concepo de sade, a pro-moo, a preveno e o potencial de participao da comunidade. J na Europa, a for ma-o do campo terico-conceitual da psicologia comunitria teve um alicerce comum ao modelo estadunidense, porm com certas variantes prprias, em virtude das influncias do modelo do Estado do Bem-Estar Social, proposto por John Maynard Keynes, aps a crise de 1929, buscando amenizar as tenses sociais vivenciadas pelos pases capitalistas aps essa crise.

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    Por sua vez, na Amrica Latina, segundo Campos (2003) e Gis (1993, 2005), a psicolo-gia comunitria passou a ser utilizada com o objetivo de fazer uma nova psicologia social, com base na preocupao de alguns psiclogos diante dos escassos resultados da psicolo-gia social tradicional e da necessidade de construir uma proposta ancorada nos pilares de transformao social. Assim, sua construo est diretamente transversalizada pela reali-dade sociopoltica vivenciada pelos povos latino-americanos, fortemente marcados por processos colonizadores e, posteriormente, no transcurso da histria, por regimes ditato-riais. Por isso, surge como proposta de atuao com intuito de colaborar com a superao da opresso vivida nos diversos pases latino-americanos.

    No Brasil, a psicologia comunitria teve sua ligao com a proposta metodolgica de atuao emergente no contexto latino-americano. dentro da conjuntura socioeconmi-ca, na qual se inscrevia o pas no perodo ditatorial, que a psicologia comunitria surge como uma prtica inserida no contexto das classes populares, buscando uma leitura crti-ca da sociedade, de forma que a psicologia se tornasse uma ferramenta de transformao da realidade a servio das classes oprimidas. Seu processo inicial de atuao ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, com enfoque na ecologia humana. Posteriormente, por volta dos anos 70 e seguintes do sculo passado, estudiosos como Silvia Lane e Alberto Andery fomentaram o enfoque sociopoltico de atuao e discusso terica, tal como ressalta Gis (2005). Naquele momento, a proposta j era estudar o processo grupal em bases materialistas, histricas e dialticas, por meio de trabalhos interdisciplinares em comunidades.

    No Cear, em especial, a psicologia comunitria, conforme Brando e Bomfim (1999), teve suas origens no incio dos anos 1980, quando Gis iniciou os primeiros trabalhos de interveno no bairro Nossa Senhora das Graas do Pirambu, em Fortaleza. Tendo como norte uma postura tica de atuao, a psicologia comunitria no Cear construiu (e cons-tri) sua caminhada como prxis dentro de um processo dialtico de interveno, ou seja, de ao-reflexo-ao. Nesse Estado, ela apresenta uma forte dimenso pragmtica, pois a transposio da cincia psicolgica para as comunidades rurais e bairros perifricos no ocorreu apenas como uma ampliao dos conhecimentos elaborados na academia, mas, inversamente, o caminho percorrido pelos seus construtores foi da prtica teoria.

    Dentre as diversas contribuies epistemolgicas, ainda segundo Brando e Bomfim (1999), preciso ressaltar quatro interlocutores na construo da atuao do psiclogo comunitrio cearense: a educao popular de Paulo Freire que leva em considerao a relao dialgica no desenvolvimento da autonomia da comunidade e a utilizao dos crculos de cultura como instrumento principal de interveno; a psicologia social proble-matizadora (crtica) cujo conceito fundamental de abordagem o de identidade, en-tendido como processo ou metamorfose, e o trabalho com os mecanismos de coeso grupal e as possibilidades de construo do futuro; o materialismo histrico e dialtico que evidencia a crena no potencial do oprimido, pois, alm da manifestao de uma postura crtica, busca uma atitude coletiva transformadora que permita intervir no real e modific-lo; e a biodana abordagem em favor da vida e que enfatiza o encontro hu-mano, por meio do trabalho grupal.

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    Em suma, tomando como referncia a psicologia comunitria latino-americana e, evi-dentemente, brasileira e cearense, pode-se, ento, conceitu-la como uma rea da psi-cologia social que estuda os aspectos referentes vida em comunidade e visa ao desen-volvimento desta por meio dos sujeitos que a constroem. Caracteriza-se pela prxis compromissada com as classes populares, procurando debruar-se sobre suas problemti-cas singulares (CAMPOS, 2003). Assim, a psicologia comunitria:

    [...] estuda os significados (coletivos) e sentidos (pessoais), assim como os sentimentos pessoais e coletivos

    do modo de vida na comunidade, [objetivando compreender] como esse sistema de significados, sentidos

    e sentimentos se encontra presente nas atividades comunitrias (GIS, 2005, p. 51).

    Dentro da prtica da psicologia comunitria, preciso tambm:

    Estudar as condies (internas e externas) ao homem que o impedem de ser um sujeito e as condies que

    o fazem sujeito numa comunidade, ao mesmo tempo em que, no ato de compreender, trabalha com esse

    homem a partir dessas condies, na construo de sua personalidade, de sua individualidade crtica, da

    conscincia de si (identidade) e de uma nova realidade (GIS, 1990 apud LANE, 2003, p. 32).

    Ou seja, a psicologia comunitria, alm do estudo do sistema de relaes e represen-taes, nveis de conscincia, identificao e pertinncia dos indivduos comunidade, visa, tambm, ao desenvolvimento da conscincia dos moradores como sujeitos histricos e comunitrios, por meio de um esforo interdisciplinar que examina o desenvolvimento dos grupos, no intuito de transformar indivduos em sujeitos de sua prpria histria.

    Desse modo, a perspectiva da psicologia social comunitria enfatiza, de acordo com Campos (2003): 1. em termos tericos, a problematizao da relao entre produo te-rica e aplicao do conhecimento: parte-se do pressuposto de que o conhecimento se produz na interao entre o profissional e os sujeitos da investigao; 2. em termos de metodologia, utilizam-se, sobretudo, as metodologias participativas, na qual o psiclogo e os sujeitos da ao trabalham juntos na busca de explicaes para os problemas coloca-dos e no planejamento e na execuo de programas de transformao da realidade vivi-da; 3. em termos de valores, os trabalhos de psicologia comunitria enfatizam, especial-mente, a tica da solidariedade, os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da populao. Ou seja, questiona-se a viso da cincia como ativi-dade no valorativa e se assume ativamente o compromisso tico e poltico. Em termos ticos, busca-se trabalhar no sentido de estabelecer as condies apropriadas para o exer-ccio pleno da cidadania, da democracia e da igualdade entre pares. Em termos polticos, questionam-se todas as formas de opresso e de dominao, e procura-se o desenvolvi-mento de prticas de autogesto cooperativa.

    Destarte, o objeto da psicologia comunitria, conforme Montero (2003, p. 144), tomado:

    [...] como el desarrollo del control y el poder de los actores sociales comprometidos en un proceso de trans-

    formacin social y psicosocial que los capacita para realizar cambios en su entorno y, a la larga, en la es-

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    tructura social. Cabe igualmente agregar que o carter poltico de la Psicologa Social Comunitria reside

    en primer lugar, en su reconocimiento explcito del objetivo transformador; pero admas, tan poltico es

    callar y ocultar como hacer or su voz. La diferencia reside en mantener el status quo o en buscar su trans-

    formacin democrtica.

    Portanto, o que faz poltico um ato sua capacidade de influenciar a estrutura social, as relaes de poder e a ordem estabelecida, buscando refaz-las, modific-las, subvert-las.

    En este sentido decimos que toda Psicologa Comunitaria es en su base una Psicologa Poltica, puesto que

    trata con processos de organizacin, desarrollo y promocin de ciudadanos. Los procesos de fortalecimien-

    to, problematizacin, desideologizacin y concientizacin son generadores de ciudadana, robustecedores

    de la sociedad civil y, en la medida en que los proyectos y acciones comunitarias logran transformaciones

    en su entorno, en el modo de vida y en la capacidad de las personas que las integran, estn influyendo en

    las relaciones de poder, en el orden y en el desorden social (MONTERO, 2003, p. 166).

    Compreende-se, assim, que a psicologia comunitria coloca-se a servio da transfor-mao da estrutura social, como ferramenta na construo do processo de tomada de deciso coletiva dos diversos atores sociais. O desenvolvimento local e comunitrio emer-ge, portanto, do fortalecimento dos grupos populares locais, por meio da arte e da cul-tura local, dos caminhos de resistncia, da histria da comunidade, do fortalecimento do sentimento de pertena com o lugar de moradia e pela construo de seu processo de autonomia e tomada de deciso coletiva.

    Assim, Montero (2003, p. 161) ressalta que:

    El trabajo psicosocial comunitario, al tener como objetivo facilitar la produccin de las condiciones psicoso-

    ciales necesarias para la organizacin y el desarrollo de comunidades con capacidad para lograr su transfo-

    macin positiva, supone el control sobre aspectos del entorno y sobre condiciones de vida, a la vez que el

    estabelecimiento de relaciones de poder no asimtricas basadas en la negocioacin. Se busca entonces que

    actores sociales usualmente privados de voz o no escuchados abandonen el papel de espectadores pasivos y

    silentes receptores de polticas pblicas no necesariamente adecuados, a veces francamente errneas, y que

    puedan influir en a planificacin y direccin de aquellos aspectos de la vida pblica que les conciernen. Esto

    debe provocar efectos sobre las personas involucradas, los grupos organizados dentro de las cominudades,

    las comunidades como conjunto de personas participantes y no participantes y la sociedad civil.

    Por sua vez, o psicodrama, teoria criada pelo psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno, pelo estudo das leis naturais que regem os sistemas sociais de um modo geral, dos grupos humanos e do desenvolvimento humano, focaliza a formao psicolgica do homem com base na dinmica vincular resultante do jogo dialtico do desempenho de papis e con-trapapis. Traz, como proposta, um projeto de planificao e organizao social com ca-ractersticas auto-organizativas e autoafirmativas. Por meio de sua viso de homem como ser relacional e de sua vasta gama de recursos tcnicos utilizada no trabalho com grupos, possibilita a transformao gradual dos indivduos e dos grupos, pois atua sobre a vivn-cia dos conflitos e sobre as potencialidades de resoluo destes. Mostra-se, portanto, co-mo um forte e eficaz instrumento pedaggico e de mobilizao grupal.

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    Os fundamentos bsicos da obra moreniana esto sedimentados, sobremaneira, no curso da sua prpria vida. Cada momento vivido por Jacob Levy Moreno produziu dados que, posteriormente, deram origem a um acervo de conceitos cientficos, que constitui vasto referencial terico. Oferece, assim, campo pesquisa e a aplicaes, predominante-mente, em algumas reas das cincias humanas e da sade.

    Dessa forma que Garrido Martn (1996, p. 38) nos diz que, em Moreno, a teoria surgiu do contato com a realidade social; no uma teoria a priori, porm indutiva, fun-damentada em dados objetivos e em experincias vitais. Portanto, a construo do psi-codrama se deu pela prxis de Moreno, que buscava sentidos e mtodos que permitissem ao ser humano construir a si mesmo e o seu mundo, de forma livre e autnoma. Os tra-balhos que realizou marcaram profundamente as suas preocupaes sociais e desperta-ram o pesquisador para o fenmeno da fora grupal.

    Assim, na vida de Moreno, podem-se distinguir trs referncias que influenciaram em sua obra (COSTA, 1996; GONALVES, WOLFF; CASTELLO DE ALMEIDA, 1988): 1. princpios religiosos, baseados no hassidismo (movimento religioso judaico do sculo XVIII) e no catolicismo, e filosficos existenciais, cujas principais influncias vm de Henri Bergson e Sren Kierkegaard; tais princpios foram as determinantes na formulao de diversos conceitos em sua teoria; 2. o teatro, que definiu muito do seu estilo de trabalho e ensejou o surgimento de tcnicas fundamentadas na ao; 3. ramos das cincias sociais, como a sociologia e o socialismo cientfico (marxista).

    Com essas foras, Moreno passa a exercer diversas atividades com grupos, das quais podemos ressaltar duas: o trabalho com grupo de prostitutas e o de assistncia aos refu-giados aps a Primeira Guerra Mundial, na ustria. Nelas, fica evidente a importncia da busca por solues efetivas dos problemas sociais, levando sempre em conta a natureza das dificuldades, em termos das relaes e integrao com o contexto.

    No caso das prostitutas, o objetivo no era recuper-las para reintegr-las sociedade que as exclua (e

    que provavelmente continuaria excluindo). Consistia em desenvolver, junto com elas, princpios bsicos de

    organizao que iriam conferir, ao grupo em questo, maior integrao, organizao e, conseqentemen-

    te, melhoria das condies de vida (organizao social) (RIQUET, 1998-1999, p. 185).

    De acordo com Marineau (1992), na experincia no campo de refugiados, em Mitten-dorf, na ustria, Moreno, formando em medicina e, posteriormente, mdico, nos anos de 1915 e 1918, depois de observar as condies de vida das pessoas nos abrigos, percebeu que havia muitos problemas no campo, principalmente pela superlotao e porque nenhum esforo era feito para levar em considerao, entre os refugiados, afinidades de religio, estilo de vida, posio social etc. Diante disso, interveio nos grupos de modo que as seme-lhanas existentes entre as pessoas fossem levadas em conta na organizao e distribuio delas nos abrigos, apresentando, inclusive, sugestes s autoridades do campo.

    Nesse trabalho, ficou evidente a importncia que as preferncias e as afinidades das pessoas tm, e que

    precisam ser consideradas na resoluo de conflitos, para que, mesmo em situaes de dificuldades, elas

    possam ser mais felizes. Nesse episdio, ficou evidenciada a capacidade de se intervir em grandes grupos

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    utilizando a fora grupal para modificar configuraes de problemas sociais. Aqui se faz presente a fora

    grupal no processo auto-organizativo, que, quando respeitado, leva ao bem-estar social, pois reduz as

    tenses inter-relacionais (RIQUET, 1998-1999, p. 186).

    Com suas atuaes e seus estudos, ainda conforme Marineau (1992), Moreno j tinha em vista as pedras angulares para todo o trabalho com grupos: a autonomia do grupo; a exis-tncia de uma estrutura grupal e a necessidade de saber mais a respeito dela (o diagnstico grupal preliminar ao trabalho com o grupo); o problema da coletividade (por exemplo, a prostituio representa uma ordem coletiva com padres de comportamento, papis e h-bitos que do colorido situao, independentemente dos participantes particulares e do grupo local); o problema do anonimato (no trabalho com grupos, h uma tendncia ao anonimato dos membros, e o grupo como um todo torna-se a coisa importante).

    Tendo em mos esse conhecimento, passou a buscar mtodos eficientes de interveno grupal. E como vimos, uma de suas principais influncias, na criao desses mtodos, vem do teatro, uma das artes mais antigas e que , tambm, instrumento de educao e mobi-lizao popular. Moreno fala-nos que a fora liberada pelo drama e pelo teatro est na plateia, e no no palco. Assim, os espectadores transformam-se na medida em que os con-flitos passam a ser vivenciados por eles, e a transformao individual, gradual, levada para o grupo social ao qual pertencem. Afirma, tambm, que, quando o indivduo-plateia tem a possibilidade de assumir um papel no drama e, de maneira espontnea, criar e de-senvolver esse papel, as possibilidades de solues criativas para os desfechos das tramas so infinitas. Alm disso, a dramatizao permite um desenvolvimento incomum da capa-cidade de observao das pessoas envolvidas, assim como a capacidade diagnstica.

    Logo, percebemos que o psicodrama est intimamente ligado ao trabalho com gru-pos, atuando, com seus membros, num processo contnuo de autoconhecimento emanci-patrio e propiciando, ao romper com a perspectiva de transferncia de responsabili-dade, a construo de uma tica de alteridade e de corresponsabilidade.

    Interfaces e provocaes

    A psicologia tem se aberto, cada vez mais, a novas leituras e intervenes. Prope-se a entender o mundo psicolgico como constitudo por meio de relaes sociais, em que esto imbricadas questes polticas, econmicas e culturais de nossa sociedade. Busca, ainda, levar as contribuies do psiclogo s prticas sociais dentro das polticas pblicas, valorizando a cidadania e os direitos humanos como instrumentos geradores de transfor-mao social.

    Nas discusses sobre cidadania, podemos identificar a tentativa de estender uma rela-o horizontalizada a todas as pessoas, para que assumam, em conjunto, a corresponsa-bilidade pelo seu destino comum. A noo de cidadania tem a ver, tambm, com a forma como as pessoas vivem nos espaos que as circundam, com a construo das relaes, com a permanente contratao do estar junto, com a formao de subjetividades. Ento, o conceito contemporneo de cidadania pode ser definido como universalidade de direitos e deveres, incluso social e responsabilidade mtua.

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    Assim, a perspectiva transformar as questes grupais, comunitrias e sociais em pr-ticas sociais e reconhecer que as resolues esto presentes em todos esses locais, que o contexto dos acontecimentos constitui-se de complexidades organizadas, vividas inter-subjetivamente e produtoras de conhecimento. Desse modo, Marra (2006) ressalta que as prticas sociais tm o objetivo de reinstalar o sujeito na organizao social. Quem parti-cipa de um processo transformativo adquire competncia, pois desenvolve sua capacida-de de aprender acerca da prpria aprendizagem. Alm disso, as prticas sociais contri-buem para a melhora da autoestima e o resgate da competncia das pessoas ao usarem a criatividade para construir possibilidades de uma vida mais digna e cidad. Abrangem, ademais, vrias modalidades de interveno preventiva, no sentido de facilitar tal com-petncia humana para a autonomia, a cidadania e os valores ticos.

    A cidadania, portanto, o objetivo que encerra a maior das aprendizagens porque busca o sujeito emancipatrio. Funde-se no manejo crtico e criativo do conhecimento. Assim, o conhecimento-emancipao traz novas formas de sociabilidade, para criar as condies para a experimentao social.

    A psicologia comunitria tem isso muito bem fundamentado em sua prtica e vem, mais e mais, construindo-se e fincando razes nas aes das polticas pblicas. Tanto verdade que o Crepop, em seu documento de 2007, Referncia tcnica para atuao do(a) psiclogo(a) no Cras/Suas, traz esse campo de saber como forma de atuao do psiclogo nos Cras. E o psicodrama, onde se encontra atualmente? Por que, afinal, no tem seu reconhecimento no uso dessas prticas? Ou, por que, ento, s aparece como mais uma tcnica de grupos?

    Percebemos que o psicodrama perdeu parte de sua virulncia inicial, apresentando, atualmente, uma bibliografia que enfileira inmeros tipos de estudos que valorizam a individualizao da clnica, do mesmo modo como vemos em congressos e outras formas de encontros profissionais a presena macia desses estudos abraados por muitos de seus tericos. A psicologia comunitria, por sua vez, ignora o psicodrama em seus fundamentos reduzindo-o a mera aplicao tcnica, perdendo com isso a leitura de contexto e a com-preenso da subjetividade que este poderia oferecer, enriquecendo seu cabedal terico.

    Assim, a sistematizao das diversas interfaces surgidas entre esses dois campos de saber serve como uma mtua provocao, no tendo pretenses de fuso entre as pro-postas. Afinal, tanto a psicologia comunitria quanto o psicodrama tm a caracterstica de se articularem com outros campos do saber e de se adaptarem s especificidades sur-gidas, uma vez que esses so princpios importantes das prticas sociais e que fazem parte, inclusive, da formao dessas duas teorias. As diversas demandas oriundas da co-munidade trazem a necessidade de coabitarem diferentes teorias e conceitos que consi-gam ampliar e amparar a ao do profissional.

    Viso de mundo e de homem

    O homem na psicologia comunitria, como no psicodrama, um ser histrico, inserido num contexto socioeconmico e cultural que direciona suas atividades e que contribui para a formao de sua subjetividade, produzida ao longo de suas experincias relacio-

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    nais. Ao mesmo tempo, esse mesmo ser humano , tambm, fazedor e transformador da histria e de seu meio, mediante aes e relaes que desenvolve.

    Desse modo, ambos os saberes concebem o mundo como um complexo sistema de interaes sociais e de mediatizao entre o psiquismo humano e a realidade fsico-social, entrelaada pelas necessidades e pelos motivos individuais e coletivos com o objeto e o objetivo de suas prprias atividades e de suas vidas.

    Portanto, estudar o homem onde este vive cotidianamente, construindo seu modo de vida por meio de suas relaes de trabalho, laos afetivos e familiares, oferece, tanto ao psiclogo comunitrio quanto ao psicodramatista, uma base firme para que sua ao surja no sentido de facilitar a construo de identidades humanas como expresso de vi-da social e comunitria, buscando uma melhor qualidade de vida, visto que foi o contex-to coletivo que forjou o humano, e a vida coletiva que proporciona um individualizar-se numa relao dialtica entre o sujeito nico e singular e o coletivo.

    Ademais, as duas reas confirmam os recursos internos e potenciais de cada ser huma-no, trabalhando-os, cada uma a seu modo, para o resgate da competncia de cada mem-bro, a fim de possibilitar a assuno da responsabilidade de suas escolhas, promovendo mudanas de ideias, atitudes e outros.

    Ento, a possibilidade de recuperao desses fatores vitais, para os dois campos de saber, dar-se-ia pela renovao das relaes afetivas e da ao transformadora sobre o meio. Assim, o homem teria seus recursos internos potencializados, o que o faria capaz de criar novamente, de ser corresponsvel pelos outros e pelo seu meio e, dessa forma, de poder evoluir.

    Dimenses metodolgicas

    Tanto o psicodrama como a psicologia comunitria se construram de forma pragm-tica. Isso significa dizer que ambas apresentam, em sua base, o estreito vnculo entre pesquisa, ao e reflexo, algo ainda presente e constituinte em suas intervenes. O interesse maior, dos dois saberes, o estudo do homem em situaes cotidianas, nos seus grupos de origem, em suas organizaes e comunidades. A partir de ento, que os pro-blemas e a identificao dos recursos necessrios para suas solues surgem, e, aps, faz-se a planificao das atividades que facilitaro o alcance dos objetivos desejados.

    Assim sendo, para contriburem com uma vida psicolgica mais saudvel, o psico-drama e a psicologia comunitria trabalham para ultrapassar a esfera do individual e do particular em direo ao social, ao mesmo tempo que adquirem uma perspectiva de apreen so da realidade, tanto em sua totalidade como em sua concretude scio-histri-co-cultural, compreendendo, dessa forma, a vida real das pessoas. Fazer isso, na especifi-cidade do trabalho das prticas sociais psicolgicas, significa atuar junto s relaes que so travadas cotidianamente, eliminando-se posturas reducionistas, psicologizantes e a-histricas sobre os processos psicossociais.

    Marra (2004) ressalta que, assim como a pesquisa-ao, o psicodrama, por meio de seus mtodos e tcnicas, privilegia o estudo das interaes entre os membros do grupo, chamando a ateno para a imbricao dos processos individuais e sociais em toda e qual-

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    quer situao. A mudana social ocorre por intermdio do indivduo com implicaes ticas no que diz respeito responsabilidade de cada um, dado que as pessoas relacio-nam-se via papis desempenhados com seus pares ou complementares, definindo o lugar de cada um na relao. dessa interao via papis que os sujeitos constroem o conheci-mento, distinguem a realidade perante certa concepo do que ela seja, organizam-se e, ao mesmo tempo, ordenam e articulam sua realidade.

    Desse modo, segundo Aguiar (2005), o que o psicodrama pretende identificar os sen-tidos dados pelas pessoas e que podem ser encontrados no aqui e agora, ou seja, no presente momento, por meio das cenas desenvolvidas por seus mtodos dramticos. No se trata de um nico e verdadeiro sentido. So sentidos no plural, mesmo. E o objetivo do trabalho ampliar essa pluralidade, encontrando e confrontando novos e variados sen-tidos, novas e variadas possibilidades, matria-prima da espontaneidade e da criatividade.

    Temos, aqui, pois, mais uma consonncia com os princpios terico-operacionais da psicologia comunitria, uma vez que um de seus objetivos , de acordo com Gis (2005), estudar e compreender como os significados, sentidos e sentimentos pessoais e coletivos do modo de vida encontram-se presentes nas atividades comunitrias.

    Portanto, em ambos os saberes, todos so participantes do processo de transforma-o. E se os membros dos grupos assim no se sentem, pelas dificuldades inter-relacionais ou pela prpria estrutura social, cabe ao facilitador problematizar esse estado mediante o uso da ao-reflexo-ao.

    Verificamos, ento, que as duas teorias ancoram a pesquisa-ao-participante. Valori-zam, ainda, a insero do pesquisador integrante do grupo e consideram que ele deve se incorporar a esse grupo e propor maneiras de descrio, em primeiro lugar, e de transfor-mao, num segundo momento, numa dimenso reflexiva, educativa e expressiva, pro-pondo a ao no contexto do qual surgem as necessidades. Destarte, o referencial teri-co-prtico de investigao e interveno que tais campos de saber utilizam prope um conhecimento em movimento, uma pedagogia revolucionria, estimulando tanto a par-ticipao como a criatividade e a responsabilidade tica, do mesmo modo que trabalham para o resgate dos potenciais de cada membro.

    Tanto na psicologia comunitria como no psicodrama, a preocupao vai alm da apli-cao tcnica. Procuram, ao contrrio, criar um contexto de desenvolvimento e aprendiza-gem de novas e mais adequadas respostas sociais, por meio da emergncia das demandas e prticas sociais, polticas e culturais de qualquer segmento da populao, quando, en-to, os atores sociais comeam um processo de conscientizao na compreenso de seus papis.

    Lane (1992 apud NEVES; BERNARDES, 1998) acentua que o grupo condio funda-mental para o desenvolvimento da conscincia, na qual um membro se descobre no ou-tro, espelhando-se conjuntamente. Nessa atitude reflexa e reflexiva, descobrir-se no resulta apenas de um discurso, mas de uma prtica conjunta. E esse um dos motivos que fazem a psicologia comunitria privilegiar o trabalho com grupos, atuando na preven-o, buscando colaborar para a formao da conscincia crtica e para a construo de uma identidade social e individual orientada por preceitos eticamente humanos.

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    Semelhantemente, o enfoque grupal dado pelo psicodrama favorece a relao das pessoas entre si, dos grupos e instituies, trazendo cena a experincia comunitria, no intuito de alcanar o reconhecimento da alteridade por meio do respeito diferena do outro. Oportuniza, ainda, o desempenho de papis e funes que se interligam, almejan-do a tomada de conscincia destes por meiio da ao, de modo que auxilie as pessoas a tomar uma nova posio e se tornarem sujeitos mais autnomos. Parte-se, portanto, da convico de que a mudana na qualidade dos vnculos, dentro e fora do contexto grupal, favorece a alterao de sua autoimagem e modifica o tomo social do indivduo.

    Compromisso social

    Outro fator a considerar que os dois campos de saber tm seus alicerces no fortale-cimento e na resilincia dos grupos, ampliando suas possibilidades existenciais e refor-ando as vivncias dos desafios, reinserindo cada membro numa relao intersubjetiva em direo s comunidades e rumo ao pertencimento. Pertencer, para ambos os saberes, sentir-se confirmado na sua identidade e competente no seu papel e na sua funo, estando mais preparado para negociar regras, respeitar as diferenas e tolerar as frustra-es na direo de uma mudana social.

    Destarte, o psiclogo comunitrio e o psicodramatista buscam o desenvolvimento dos potenciais individuais e grupais para promover o amadurecimento dessas pessoas e a conquista da autonomia, e possibilitar o despertar do ser tico pela valorizao e confir-mao da autorreferncia de cada membro e da qualificao dos trabalhos que so resul-tados dos movimentos nas comunidades. Moreno (1992b), como os tericos da psicologia comunitria abordados neste estudo, prope vivenciar valores sociais, relacionais e ti-cos, para permitir ao sujeito traar seu projeto existencial e um sentido de vida. dessa relao de compromisso e responsabilidade que o homem consciente e que age livremen-te emerge e assume a autoria de seus atos, reconhecendo-os como seus e respondendo pelas consequncias. Nesse sentido, fala-se de uma tica que est a cargo da transforma-o do homem e da realidade social.

    Os trabalhos do psicodrama e da psicologia comunitria visam, nesse caso, aos conte-dos dinmicos e sociais, elementos da educao como um meio de continuidade social e de transformao. Por isso, so atividades que se constituem, tambm, em uma ao te-raputica, na qual esto includos o relacional e o fazer, vistos como ao que gera apren-dizagem de atos e contedos. Nesse sentido, o objetivo dessa pedagogia teraputica permitir um ambiente propcio para a expresso pessoal e corporal, trazendo tona sen-timentos, sensaes, impresses e pensamentos para que tal aprendizagem seja plena. Essa atuao espontnea do grupo por meio da ao promove, conforme Moreno (1994b), efeito catrtico ou curativo.

    Alm do mais, tanto a psicologia comunitria quanto o psicodrama trazem, ainda, para a discusso, os contextos micro e macrossociais em que o conhecimento se constri. Nas duas reas abordadas, tem-se uma aproximao da cincia ao senso comum, pois o conhecimento, sendo alcanado socialmente, produzido e se renova a cada momento da interao, conduzindo a reflexes e novas criaes.

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    Chegamos, neste momento, a outra interseo encontrada: a que diz respeito pos-tura que o profissional deve assumir diante do conhecimento. O facilitador, inserido no grupo, coloca-se ao lado deste para ajud-lo a encontrar formas de concretizao de seu projeto poltico-social. Ento, por meio do movimento prprio dessa confluncia de sabe-res, a realidade passa a ter um papel ativo, e o saber popular aproxima-se do saber cien-tfico e vice-versa. Todos os envolvidos ganham, assim, um espao para dialogar com o real de modo processual, aberto e flexvel. Afinal, o conhecimento cientfico, do mesmo modo que o conhecimento do senso comum, modifica a vida das pessoas quando estas se apropriam dele e lidam com os resultados produzidos pelo grupo.

    Consideraes finais

    Numa relao dialgica que se estabelece entre esses dois campos, a influncia do psi-codrama sobre a psicologia comunitria emergiria em dois sentidos: como instrumento de trabalho de campo e tambm como base terica de ao prtica nas comunidades. Possi-bilita e contribui, ainda, a mediao emocional. Desse modo, permitiria um avano, na psicologia comunitria, no lidar com os variados aspectos emocionais que surgem na in-terao grupal.

    Ademais, com o psicodrama, surge a possibilidade de apreender teoricamente a tessi-tura da realidade e enxergar os potenciais daqueles sujeitos, j que concebe o homem como ser csmico e ressalta seus aspectos positivos, trabalhando-o com o que tem de potencial. E ainda se constitui como uma abordagem que utiliza uma linguagem praze-rosa e de fcil compreenso, ou seja, a dramatizao.

    Por meio do psicodrama, factvel a investigao sociolgica dos sujeitos e de suas redes inter-relacionais, ensejando-os a se tornarem verdadeiros autores e atores de trans-formaes dos sistemas sociais e os principais agentes de suas prprias evolues e de seus grupos e organizaes. Ao construrem, na ao dramtica, cenas que expressam seus sentimentos e pensamentos, os protagonistas esto representando ou contando suas his-trias no presente. Pretende-se, assim, dar um passo frente em relao ao relato verbal, uma vez que, em tese, a cena revivida, com a ajuda paciente, firme e acolhedora do dire-tor e dos egos-auxiliares (sejam eles profissionais, membros do grupo ou atores ad hoc), permitiria uma maior aproximao da verdade. Isso ocorre pelo uso de tcnicas que levam o sujeito a ficar fora de si, o que possibilita a expresso das verdadeiras fantasias e emoes, inibindo, inclusive, qualquer tipo de manipulao.

    O que constitui a fora artstica, educativa e teraputica do drama, como criao cole-tiva, exatamente o potencial de costura que ele proporciona. Dessa forma, o prprio grupo vai elaborando uma sntese interpretativa de sua experincia, veiculada analogica-mente pela histria criada e encenada. Alm do mais, a construo do cenrio, uma das ferramentas indispensveis ao psicodrama, possibilita o relato do locus da trama, ao tra-zer implicadas vrias dimenses articuladas entre si: o espao, o tempo e o socius. Assim, o habitat, extenso do corpo de um indivduo, compartilhado por outros indivduos e inclui a forma como se estruturam as relaes entre eles. A semntica teatral ocupa-se, portanto, das mltiplas linguagens convergentes associadas a cada um desses elementos

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    presentes no cenrio e, consequentemente, na cena. Essa perspectiva transforma, ento, o drama em investigao, desencadeando uma ao conscientizadora, uma prtica refle-xiva. Desenvolve simultaneamente, com a conscincia da ao, a conscincia do pensar sobre o que se faz.

    Abordar o psicodrama em termos da promoo da sade e da participao social pode ser um modo de redescobri-lo e de gestar novas abordagens psicossocioeducacionais, contribuindo para a mobilizao, a organizao e o desenvolvimento dos grupos, bem como para o planejamento e a concepo de novas polticas sociais, apontando alterna-tivas concretas de resolutividade.

    O psicodrama subsidia o conhecimento de aspectos da subjetividade, os quais no ha-viam sido acessados pela percepo, o que amplia a leitura da dinmica da comunidade por meio do entendimento da relao dessa subjetividade com outras. Alm disso, o pro-tagonista (grupo ou indivduo) desenvolve os mais variados papis, inverte-os com seus pares e amplia, desse modo, o aprendizado de novas atitudes, novos valores e conceitos.

    O compromisso da psicologia com a transformao social no pode ser, de acordo com Martn-Bar (1985), um ato passivo, mas uma prxis-ao e reflexo sobre a realidade, ou seja, um processo de conscientizao. Ao fazermos este trabalho, atuamos atendendo proposta psicodramtica de colocar a psique em ao (MORENO, 2003) e trazer a verdade por meio da prtica reflexiva, desencadeando uma ao mobilizadora para descobertas e mudanas.

    Que os mtodos e as tcnicas psicodramticos potencializam as aes da psicologia comunitria j foi apontado por Gis (1993). preciso reconhecer dentro do campo da psicologia comunitria os modos pelos quais a obra moreniana desenvolve conceitos so-bre a formao e a dinmica dos vnculos, a medida das relaes sociais e o tratamento dos grupos e das relaes, e como tal compreenso pode colaborar sobremaneira para o entendimento da realidade comunitria, conforme demonstrado.

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    TramitaoRecebido em setembro de 2008

    Aceito em agosto de 2009