instrumentos de controle social - aula 5

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INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL 14.Considerações Prévias. 15.Normas Éticas, e Normas Técnicas. 16.Direito e Religião. 17.Direito e Moral. 18.O Direito e as Regras de Trato Social. 14. Considerações Prévias O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social. A Moral, Religião e Regras de Trato Social são outros processos normativos que condicionam a vivência do homem na sociedade. De todos, porém, o Direito que possui maior pretensão de efetividade, pois não se limita a descrever os modelos de conduta social, simplesmente sugerindo ou aconselhando. A coação - força a serviço do Direito - é um de seus elementos e inexistente nos setores da Moral, Regras de Trato Social e Religião. Para que a sociedade ofereça um ambiente incentivador ao relacionamento entre os homens, é fundamental a participação e colaboração desses diversos instrumentos de controle social. Se os contatos sociais se fizessem exclusivamente sob os influxos dos mandamentos jurídicos, a socialização não se faria por vocação, mas sob a influência dos valores de existência. 15. Normas Éticas e Normas Técnicas A atividade humana, além de subordinar-se às leis da natureza e conduzir-se conforme as normas éticas, ditadas pelo Direito, Moral, Religião e Regras de Trato Social, tem necessidade de orientar-se pelas chamadas normas técnicas, ao desenvolver o seu trabalho e construir os objetos culturais. Enquanto as normas éticas determinam o agir social e a sua vivência já constitui um fim, as normas técnicas indicam fórmulas do fazer e são apenas meios que irão capacitar o homem a atingir resultados. Estas normas, que alguns preferem denominá-las apenas por regras técnicas, não constituem deveres, mas possuem o caráter de imposição àqueles que desejarem obter determinados fins. São

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INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL

14.Considerações Prévias.

15.Normas Éticas, e Normas Técnicas.

16.Direito e Religião.

17.Direito e Moral.

18.O Direito e as Regras de Trato Social.

14. Considerações Prévias

O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social. A Moral, Religião e Regras de Trato Social são outros processos normativos que condicionam a vivência do homem na sociedade. De todos, porém, o Direito que possui maior pretensão de efetividade, pois não se limita a descrever os modelos de conduta social, simplesmente sugerindo ou aconselhando. A coação - força a serviço do Direito - é um de seus elementos e inexistente nos setores da Moral, Regras de Trato Social e Religião. Para que a sociedade ofereça um ambiente incentivador ao relacionamento entre os homens, é fundamental a participação e colaboração desses diversos instrumentos de controle social. Se oscontatos sociais se fizessem exclusivamente sob os influxos dos mandamentos jurídicos, a socialização não se faria por vocação, mas sob a influência dos valores de existência.

15. Normas Éticas e Normas Técnicas

A atividade humana, além de subordinar-se às leis da natureza e conduzir-se conforme as normas éticas, ditadas pelo Direito, Moral, Religião e Regras de Trato Social, tem necessidade de orientar-sepelas chamadas normas técnicas, ao desenvolver o seu trabalho e construir os objetos culturais. Enquanto as normas éticas determinam o agir social e a sua vivência já constitui um fim, as normas técnicas indicam fórmulas do fazer e são apenas meios que irão capacitar o homem a atingir resultados.

Estas normas, que alguns preferem denominá-las apenas por regras técnicas, não constituem deveres, mas possuem o caráter de imposição àqueles que desejarem obter determinados fins. São neutras em relação aos valores, pois tanto podem ser empregadas para o bem quanto para o mal. Foram definidas por Santo Tomás de Aquino como “certa ordenação da razão acerca de como, por quais meios, os atos humanos chegaram a seu fim devid[o3”9.]

Para que uma nova descoberta científica seja acompanhada por um correspondente avançotecnológico, o homem tem de estudar as normas técnicas a serem utilizadas. Isto se dá em relação aos vários campos de investigação do conhecimento. O saber teórico da medicina seria ineficaz se, paralelamente, não houvesse um conjunto de normas técnicas já assentadas, capazes de, como meios, levarem a resultados práticos. A concepção científica de novos princípios do Direito não produziria resultados sem os contributos da técnica jurídica, que orienta a elaboração dos textos legislativos (v. §126).

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16. Direito e Religião

1. Aspectos Históricos - Por muito tempo, desde as épocas mais recuadas da história, a Religião exerceu um domínio absoluto sobre as coisas humanas. A falta do conhecimento científico era suprida pela fé. As crenças religiosas formulavam as explicações necessárias. Segundo o pensamento da época, Deus não só acompanhava os acontecimentos terrestres, mas neles interferia. Por sua vontade e determinação, ocorriam fenômenos que afetavam os interesses humanos. Diante das tragédias, viam-seos castigos divinos; com a fartura, via-se o prêmio. O Direito era considerado como expressão da vontade divina. Em seus oráculos, os sacerdotes recebiam de Deus as leis e os códigos. Pela versão bíblica, Moisés recebeu das mãos de Deus, no Monte Sinai, o famoso decálogo. Conservado no museu do Louvre, na França, há um exemplar do Código de Hamurabi (2000 a.C.) esculpido em pedra, que apresenta uma gravura onde aparece o deus Schamasch entregando a legislação mesopotâmica ao Imperador (v. § 120).

Nesse largo período de vida da humanidade, em que o Direito se achava mergulhado na Religião, a classe sacerdotal possuía o monopólio do conhecimento jurídico. As fórmulas mais simples eram divulgadas entre o povo, mas os casos mais complexos tinham de ser levados à autoridade religiosa. Os textos não eram divulgados. Durante a Idade Média, ficaram famosos os chamados juízos de Deus, que se fundavam na crença de que Deus acompanhava os julgamentos e interferia na justiça. As decisões ficavam condicionadas a um jogo de sorte e de[4a0za] r.

A laicização do Direito recebeu um grande impulso no séc. XVII, através de Hugo Grócio, que pretendeu desvincular a idéia do Direito Natural, de Deus. A síntese de seu pensamento está expressa na frase categórica: “O Direito Natural existiria, mesmo que Deus não existisse ou, existindo, não cuidassedos assuntos humanos”. O movimento de separação entre o Direito e a Religião cresceu ao longo do séc. XVIII, especialmente na França, nos anos que antecederam a Revolução Francesa. Vários institutos jurídicos se desvincularam da Religião, como a assistência pública, o ensino, o estado civil.

Modernamente, os povos adiantados separaram o Estado da Igreja, ficando, cada qual, com o seu ordenamento próprio. Alguns sistemas jurídicos, contudo, continuam a ser regidos por livros religiosos, notadamente no mundo muçulmano. No início de 1979, o Irã restabeleceu a vigência do Alcorão, livro da seita islâmica, para disciplinar a vida do seu povo (v. § 120).

2. Convergência e peculiaridades - Além de abranger uma parte descritiva, a Religião é um sistema de princípios e preceitos, que visa a realização de um valor supraterreno: a divindade. A sua preocupação fundamental é a de orientar os homens na busca e conquista da felicidade eterna. Um sistema religioso não se limita a descrever o além ou a figura do Criador. Define o caminho a ser percorrido pelos homens. Para este fim, estabelece uma escala de valores a serem cultivados e, em razão deles, dispõe sobre a conduta humana. Esse conjunto ético deve ser, forçosamente, uma interpretação sobre o bem.De onde se infere que a doutrina religiosa, enquanto define o comportamento social, é instrumentovalioso para a harmonia e a benquerença entre os homens. Ao chamarem a atenção para o fato de que aReligião é "um dos mais poderosos controles sociais de que dispõe a soci[e4d1a]dAen".derson e Parker expõem que "A injustiça e a imoralidade, que diminuem o homem e impedem o desenvolvimento da personalidade, são intoleráveis para as pessoas verdadeiramente religiosas".

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Há vários pontos de convergência entre o Direito e a Religião. O maior deles diz respeito à vivência do bem. É inquestionável que a justiça, causa final do Direito, integra a idéia do bem. Assim, o valor justiça não é consagrado apenas pelo ordenamento jurídico. Este se interessa pela realização da justiça apenas dentro de uma equação social, na qual participa a idéia do bem comum. A Religião analisa a justiça em âmbito maior, que envolve os deveres dos homens para com o Criador. Os dois processos normativos possuem ativos elementos de intimidação de conotações diversas. A sanção jurídica, em suageneralidade, atinge a liberdade ou o patrimônio, enquanto que a religiosa limita-se ao plano espiritual.

17. Direito e Moral

1. Generalidades - A análise comparativa entre a ordem moral e a jurídica é importante não apenasquando indica os pontos de distinção, mas também quando destaca os focos de convergência. A compreensão cabal do Direito não pode prescindir do exame dos intricados problemas que esta matéria apresenta. Apesar de antigo, o tema oferece aspectos que se renovam e que despertam o interesse científico dos estudiosos. Seu estudo mais aprofundado pertence à disciplina Filosofia do Direito, enquanto que à Introdução ao Estudo do Direito compete estabelecer os lineamentos que envolvem os dois processos normativos. Direito e Moral são instrumentos de controle social que não se excluem, antes, se completam e mutuamente se influenci[a4m3.]Não obstante cada qual tenha seu objetivopróprio, é indispensável que a análise cuidadosa do assunto mostre a ação conjunta desses processos, evitando-se colocar um abismo entre o Direito e a Moral. Seria um grave erro, portanto, pretender-se a separação ou o isolamento de ambos, como se fossem sistemas absolutamente autônomos, sem qualquer comunicação, estranhos entre si. O Direito, malgrado distinguir-se cientificamente da Moral, égrandemente influenciado por esta; de quem recebe valiosa substância. Direito e Moral, afirmou Giorgio del Vecchio, “são conceitos que se distinguem, mas que não se separam”. Tal distinção, contudo, é tarefa das mais difíceis, constituindo-se no “Cabo de Horn” da Filosofia do Direito, conforme expressão de Hering.

2. A Noção da Moral - A pesquisa quanto ao nível de relação entre o Direito e a Moral exige o conhecimento prévio das notas essenciais destes dois setores da Ética. Pelos capítulos anteriores, já nos familiarizamos com a idéia do Direito e seus caracteres mais gerais, impõe-se, agora, idêntico procedimento quanto à Moral. Esta se identifica, fundamentalmente, com a noção de bem, que constitui o seu valor. As teorias e discussões filosóficas que se desenvolvem em seu âmbito giram em torno do conceito de bem. Esta é a palavra-chave no campo da Moral e que deflagrou, ao longo da história,interminável dissídio, que teve início na antiga Grécia, entre os estóicos e os seguidores de Epicuro. Para o estoicismo o bem consistia no desprendimento, na resignação, em saber suportar serenamente o sofrimento, pois a virtude se revelava como a única fonte da felicidade. Em oposição à escola fundada por Zenão, o epicurismo identificou a idéia de bem com o prazer, não um prazer desordenado, mas concebido dentro de uma escala de importância. Modernamente os sistemas éticos ainda se dividem,com variações, de acordo com o velho antagonismo grego.

Consideramos bem tudo aquilo que promove o homem de uma forma integral e integrada. Integral significa a plena realização do homem, e integrada, o condicionamento a idêntico interesse do próximo. Dentro desta concepção tanto a resignação quanto o prazer podem constituir-se em

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um bem, desde que não comprometam o desenvolvimento integral do homem e nem afetem igual.interesse dos membros da sociedade. A fonte de conhecimento do bem há de ser a ordem natural das coisas, aquilo que a natureza revela e ensina aos homens e a via cognoscitiva deve ser a experiência combinada com a razão.

A partir da idéia matriz de bem, organizam-se os sistemas éticos, deduzem-se princípios e chegam-se às normas morais, que vão orientar as consciências humanas em suas atitudes.

3. Setores da Moral - O paralelo entre o Direito e a Moral não pode conduzir a resultados claros e positivos, sem a prévia distinção entre os vários setores da Moral. Impõe-se, em primeiro lugar, a distinção entre a Moral natural e a Moral positiva, analogamente às duas ordens que o Direito apresenta. A Moral natural não resulta de uma convenção humana. Consiste na idéia de bem captada diretamentena fonte natureza, isto é, na ordem que envolve, a um só tempo, a vida humana e os objetos naturais. A Moral natural toma por base não o que há de peculiar a um povo, mas considera o que há de permanente no gênero humano. Corresponde à idéia de bem que não varia no tempo e no espaço e que deve servir de critério à Moral positiva. Esta se revela dentro de uma dimensão histórica, como a interpretação que o homem, de um determinado lugar e época, faz em relação ao bem.

A Moral positiva possui três esferas distintas, que Heinrich Henkel denomina por: a) Moral autônoma;b) Ética superior dos sistemas religiosos; c) Moral so[4c4ia]lC. omo o autor esclarece, qualquer referência sobre a Moral deve, forçosamente, particularizar a esfera correspondente, pois a não-diferenciação pode conduzir a qualificações falsas.

A Moral autônoma corresponde à noção de bem particular a cada consciência. O homem atua como legislador para a sua própria conduta. A consciência individual, que é o centro da Moral autônoma, com base na experiência pessoal, elege o dever-ser a que se obriga. Esta esfera exige vontade livre, isenta de qualquer condicionamento.

A Ética superior dos sistemas religiosos consiste nas noções fundamentais sobre o bem, que as seitas religiosas consagram e transmitem a seus seguidores. Ao aderir ou confirmar a fé por determinada Religião, a consciência age em estado de liberdade, com autonomia de vontade. Se o sistema religioso não for um todo coerente e harmônico e se alguns preceitos se desviarem de suas linhas doutrinárias gerais, pode ocorrer conflito entre essas normas e a consciência individual. Neste momento, a ética superior se revela fleterônoma, isto é, os preceitos serão acatados não com vontade própria, mas em obediência à crença em uma força superior, que o próprio sistema religioso procura expressar. Heinrich Henkel admite, em termos, a autonomia dessa esfera da Moral sob o argumento de que a Religião “só fornece conteúdos normativos, como princípios gerais reitores da atuação moral...” o que permite, aos seguidores da seita religiosa, uma certa flexibilidade, uma faixa de liberdade, que favorece a adaptação da conduta àqueles princípios.

A Moral social constitui um conjunto predominante de princípios e de critérios que, em cadasociedade e em cada época, orienta a conduta dos indivíduos. Socialmente cada pessoa procura agir em conformidade com as exigências da Moral social, na certeza de que seus atos serão julgados à luzdesses princípios. Os critérios éticos não nascem, pois, de uma determinada consciência individual. Na medida em que a Moral autônoma não coincide com a Moral social, esta assume um caráter heterônomo e impõe aos indivíduos uma norma de agir não elaborada por sua própria consciência.

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4. Paralelo entre a Moral e o Direito

4.1. Grécia e Roma - A Filosofia do Direito surgiu na Grécia antiga e, por este motivo, é natural que o exame da presente questão se inicie justamente ali, no berço das especulações mais profundas sobre o espírito humano. É opinião corrente entre os expositores da matéria, que os gregos não chegaram a distinguir, na teoria e na prática, as duas ordens normativas. O fato de o pensamento de Platão e Aristóteles registrar “la conceción de la moralidad como em interna”, conforme destaca García Máynez,não induz à convicção de que ambos chegaram a distinguir o Direito da Moral. Em seus diálogos, Platão considerou a justiça como virtude, e Aristóteles, apesar de atentar para o aspecto social da justiça considerou-a, dentro da mesma perspectiva, como o princípio de todas as virtudes.

O Estado grego não se limitava a dispor a respeito dos problemas sociais. Preocupado em desenvolver também uma função educativa chegava a interferir nos assuntos particulares das pessoas, o que não suscitava polêmica. Não havia nascido ainda, conforme lembra-nos Albelardo Torré, a noção acerca dos direitos humanos fundamentais.

Os gregos chegaram a distinguir apenas a ordem religiosa da ordem moral e, na opinião de alguns, nem sequer se aperceberam da especificidade dos dois segmentos principais da Ética.

Ao espírito especulativo e teórico dos gregos correspondeu a índole pragmática dos romanos. Se as primeiras reflexões sobre o Direito originaram-se na Grécia, Roma foi a origem da Ciência do Direito.Foi lá que se formou o primeiro grande sistema jurídico, representado pelo Corpus Juris Civilis (ano 533 d.C.), considerado a ratio scripta. Essa primeira grande codificação do Direito soube situar osfenômenos jurídicos distintamente do plano da Moral. Roma, porém, não nos legou uma teoria diferenciadora. Ao definir o Direito como “a arte do bom e do justo”, o jurisconsulto Celso confundiu as duas esferas, de vez que o conceito de bom pertence à Moral. Os sempre invocados princípios Honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuendi (viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cadaum o que é seu), formulados na Instituta de Justiniano e considerados como a definição romana de Direito, confirmam a não diferenciação doutrinária entre o Direito e a Moral, de vez que a primeira máxima - viver honestamente - possui caráter puramente moral. Alguns autores, conforme realça Ruiz Moreno, afirmam que os três princípios devem ser interpretados em conjunto e não separadamente, o que implicaria, então, revisão da crítica apresentada. Em contrapartida às duas citações, indica-se a afirmação do jurisconsulto Paulo: Non omne quod licet, honestum est (nem tudo que é lícito é honesto). Apesar de não expressar qualquer critério diferenciador, é inegável que o autor fez uma referência às esferas do Direito e da Moral.

4.3.1. - Distinções de Ordem Formal

a) A Determinação do Direito e a Forma não Concreta da Moral - Enquanto o Direito se manifesta mediante um conjunto de regras que definem a dimensão da conduta exigida, que especificam a fórmula do agir, a Moral, em suas três esferas, estabelece uma diretiva mais geral, sem particularizações.

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b) A Bilateralidade do Direito e a Unilateralidade da Moral - As normas jurídicas possuem uma estrutura imperativo-atributiva, isto é, ao mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém, atribuem um poder ou direito subjetivo a outrem. Daí se dizer que a cada direito corresponde um dever. Se o trabalhador possui direitos, o empregador possui deveres. A Moral possui uma estrutura mais simples, pois impõe deveres apenas. Perante ela, ninguém tem o poder de exigir uma conduta de outrem. Fica-se apenas na expectativa de o próximo aderir às normas. Assim, enquanto o Direito é bilateral, a Moral é unilateral. Chamamos a atenção para o fato d'e que este critério diferenciador não se baseia naexistência ou não de vínculo social. Se assim o fosse, seria um critério ineficaz, pois tanto a Moral quanto o Direito dispõem sobre a convivência. A esta qualidade vinculativa, que ambos possuem, utilizamos a denominação alteridade, de alter, outro. À característica apontada do Direito, Miguel Reale prefere denominar bilateridade atributiva[.47]No quadro comparativo que apresenta sobre os campos da Ética,em sua obra Lições Preliminares de Direito, assinala a bilateralidade como característica da Moral. O autor distingue, portanto, a bilateralidade atributiva da simples bilateralidade, termo este que emprega no sentido de liame ou vínculo social.

c) Exterioridade do Direito e Interioridade da Moral - A partir de Tomásio, surgiu o presente critério, desenvolvido por Kant, posteriormente, e conduzido ao extremo por Fichte. Afirma-se que o Direito se caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral, pela interioridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois campos seguem linhas diferentes. Enquanto a Moral se preocupa pela vida interior das pessoas, como a consciência, julgando os atos exteriores apenas como meio de aferir a intencionalidade, o Direito cuida das ações humanas em primeiro plano e, em função destas, quando necessário, investiga o animus do agente. Este critério nos parece verdadeiro para as esferas da Moral autônoma e religiosa sem atingir a Moral social. Partindo da premissa de que não há atos puramente externos, porque as ações revelam sempre algo que se passa no interior, Elias Díaz prefere outra terminologia: atos interiorizados e exteriorizado[4s.8]Os primeiros figuram apenas no plano dopensamento, enquanto os exteriorizados, que já possuem intencionalidade, têm uma dimensão objetiva, mostram-se externamente. Para o jusfilósofo espanhol, o Direito se limita aos atos exteriorizados,enquanto que a Moral se ocupa tanto dos interiorizados quanto dos exteriorizados. Este critério, como o próprio autor confessa, não é decisivo, mas é importante ao afirmar que o Direito não deve interferir no plano do pensamento, da consciência, dos atos que não se exteriorizam.

d) Autonomia e Heteronomia - De uma forma generalizada, os compêndios registram a autonomia, querer espontâneo; como um dos caracteres da Moral. Nesta parte, é indispensável a distinçãosuscitada por Heinrich Henkel. Se a adesão espontânea ao padrão moral é inerente à Moral autônoma e peculiar à Ética superior, o mesmo não ocorre em relação à Moral social. Diante do conjunto de exigências morais que a sociedade formula a seus membros, o agente secosmenptelido a seguir os mandamentos. Neste setor, não há espontaneidade da consciência. O fenômeno que se dá é o de adaptação das condutas aos padrões morais que a sociedade elege. A Moral psoorctaianlt,o, não éautônoma.

Em relação ao Direito, este possui heteronomia, que quer dizer sujeição ao querer alheio. As regras jurídicas são impostas independentemente da vontade de seus destinatários. O indivíduo não cria odever-ser, como acontece com a Moral autônoma. A regra jurídica não nasce na consciência

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individual, mas no seio da sociedade. A adesão espontânea às leis não descaracteriza a heteronomia do Direito.

e) Coercibilidade do Direito e Incoercibilidade da Moral – Uma das notas fundamentais do Direito é a coercibilidade. Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é coercível, ou seja, capaz de adicionar a força organizada do Estado, para garantir o respeito aos seus preceitos. A via normal de cumprimento da norma jurídica é a voluntariedade do destinatário, a adesão espontânea. Quando o sujeito passivo de uma relação jurídica, portador do dever jurídico, opõe resistência ao mandamento legal, a coação se faz necessária, essencial à efetividade. A coação, portanto, somente se manifesta na hipótese da não-observância dos preceitos legais. Na Moral, por seu lado, carece do elemento coativo incoercível. Nem por isso as normas da Moral social deixam de exercer uma certa intimidação.

Consistindo em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que a inobservância de seus princípios provoque uma reação por parte dos membros que integram o corpo social. Essa reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade relativa, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma função intimidativa, desestimulante da violação das normas morais (v. § 44).